Você está na página 1de 4

A Arte não é expressão de nada, a não ser de si mesma.

Tem uma vida independente, tal


como o Pensamento a tem, e desenvolve-se estritamente por caminhos próprios. Não é
necessariamente realista numa época de realismo, nem espiritual numa época de fé.
Longe de ser uma criação do seu tempo, está normalmente em posição frontal a ele, e a
única história que preserva para nós é a história da sua própria evolução. Por vezes,
retrocede sobre si mesma, e faz reviver alguma forma antiga, como aconteceu como o
movimento arcaizante da arte grega tardia, ou no movimento pré-rafaelita dos nossos
dias. Noutras alturas, antecipa por completo a sua época, e produz num dado século
obras que exigirão um outro século para serem percebidas, apreciadas e fruídas. Em
circunstância alguma reproduz a sua época. Passar da arte de uma época à época em si é
o grande erro que todos os historiadores cometem.

A segunda doutrina é esta. Toda a má arte nasce de um retorno à Vida e à Natureza, e da


elevação destas a ideais. A Vida e a Natureza podem por vezes ser usadas como parte da
matéria prima da Arte, mas, antes de constituírem um benefício real para ela, têm de ser
traduzidas em convenções artísticas. No momento em que a Arte abandona o seu meio
imaginativo, abandona tudo. Como método, o Realismo é um fracasso completo, e as
duas coisas que todo o artista deverá evitar são a modernidade da forma e a
modernidade de assunto. Para nós, que vivemos no século XIX, qualquer século,
excepto o nosso, é assunto adequado à arte. As únicas coisas belas são as coisas que não
nos dizem respeito. Para ter o prazer de me citar a mim próprio, é exactamente porque
Hécuba não nos é nada que os seus infortúnios são um tema tão adequado a uma
tragédia. Para além disso, só aquilo que é moderno poderá, alguma vez, passar de moda.
O Sr. Zola senta-se para nos dar um retrato do Segundo Império. Quem quer saber hoje
do Segundo Império? Passou do prazo. A Vida anda mais depressa do que o Realismo,
mas o Romantismo anda sempre à frente da Vida.

A terceira doutrina é que a Vida imita a Arte muito mais do que a Arte imita a Vida. Isto
resulta não apenas do instinto imitativo da Vida, mas do facto de o fim confesso da Vida
ser o de encontrar expressão, e de a Arte lhe oferecer algumas forma belas através das
quais poderá realizar a sua energia. Esta é uma teoria nunca antes exposta, mas que é
extremamente fértil, e lança uma luz inteiramente nova sobre a História da Arte.

Segue-se como corolário disto que também a natureza exterior imita a Arte. Os únicos
efeitos que é capaz de mostrar-nos são efeitos que víramos antes na poesia, ou em
pinturas. É este o segredo do encanto da Natureza, bem como a explicação da sua
debilidade.

A revelação final é que Mentir, o enunciar de coisas belas e falsas, é o verdadeiro fim da
Arte. Mas disto creio ter dito que chegue. E agora vamos até ao terraço, onde "cai o
pavão branco de leite como um fantasma", enquanto que a estrela da tarde "deslava de
prata o entardecer". Ao crepúsculo, a natureza adquire um efeito maravilhosamente
sugestivo, e não é desprovida de encanto, embora, talvez, a sua função principal seja a
de ilustrar citações dos poetas. Anda! Já falámos que chegasse.

Oscar Wilde
Intenções: Quatro Ensaios Sobre Estética, Cotovia, Lisboa, 1992, pp. 50-52

Teorias e Problemáticas da Arte II Ano III – Artes Plásticas


Introdução

As questões acerca do valor da arte, ou de determinadas


obras de arte, surgem quando procuramos fundamentar o que dizemos
aos outros ou a nós próprios sobre as obras de arte. E a grande maioria
das nossas considerações sobre as obras de arte, são, de uma forma ou
de outra, juízos de valor. Quando afirmamos que vale a pena ver um
filme ou que o trabalho de um escritor específico deveria ser mais
divulgado, estamos a mostrar aos outros que atribuímos valor às
referidas obras. Supostamente, como estas são obras de arte, estamos
a atribuir-lhe valor estético, ainda que possamos acreditar que estas
possuem também valor moral, religioso ou até económico.
As tentativas de esclarecer as questões acerca do valor
estético são variadas e muitas vezes contrárias. Pode considerar-se a
experiência estética como tendo valor em si mesma ou como sendo
um meio para atingir valores maiores. Na estética clássica domina a
ideia de que a arte tem fins exteriores e superiores a ele própria. Para
Kant, por exemplo, a experiência estética permite unir as
componentes natural e numénica do homem. Ela tem valor porque
cumpre uma função antropológica, por assim dizer. Para John Ruskin
a arte serve para educar as populações para valores maiores,
nomeadamente os valores tradicionais da nobreza britânica, a honra e
a obediência. O seu valor advém da sua função moral. A limite, pensa
Ruskin, a educação artística pode ajudar a fortalecer o império. A
estética moderna, também inspirada por Kant, tende a afastar-se do
modelo clássico e a questionar a relação da arte com outros valores. O
desinteresse passa a ser visto por muitos como uma das características
distintivas da experiência estética. Beardsley é talvez o maior defensor
da independência da experiência estética em relação a outros valores.
Mas as contradições não se ficam por aqui... Quando se trata
de questionar os juízos de valor estéticos, alguns defendem que estes
Teorias e Problemáticas da Arte II Ano III – Artes Plásticas
só podem ser justificado por factores subjectivos, enquanto outros
acreditam que podem ser encontradas razões objectivas para
fundamentá-los...

Conclusão?

As teorias do valor analisadas apresentam um traço comum:


ambas definem o valor estético como instrumental. Para Beardsley a
arte tem valor porque provoca uma experiência valiosa. Para
Goodman a arte tem valor porque através dela conhecemos o mundo,
ou melhor construímos versões com os quais fabricamos o mundo.
Não me parece que a discórdia seja total, nem sequer intransponível,
até certo ponto. Goodman aceitaria que as obras de arte provocam
experiência estética, e eventualmente que essa experiência tem
unidade, intensidade e complexidade. Mas não aceitaria certamente
que ela é independente de fins cognitivos. E o ponto da discórdia é
exactamente este, uma vez que para Beardsley a experiência estética é
isolada, desinteressada e alheia a motivações cognitivas e morais.
Todavia, há que lembrar que Goodman só pode formular esta
epistemologia e a teoria cognitivista do valor que se lhe segue
partindo de uma reformulação da noção de conhecimento, que se
torna com Goodman bastante mais abrangente e concordante com as
nossas intuições mais profundas. Bastaria, pois, a Beardsley acomodar
esta reconstrução da noção de conhecimento para que pudesse admitir
que nenhuma experiência, nem a percepção mais inocente, é
desinteressada, alheia ao impulso natural e muitas vezes inconsciente
do conhecimento.
A sua teoria dos critérios gerais poderia ser melhorada com
um mais claro esclarecimento acerca das noções de unidade,
intensidade e complexidade, bem como com um confronto mais rígido
com a arte contemporânea.

Teorias e Problemáticas da Arte II Ano III – Artes Plásticas


Teorias e Problemáticas da Arte II Ano III – Artes Plásticas

Você também pode gostar