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Copyright ® 2021 por Alicia Bianchi

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métodos eletrônicos, sem a prévia autorização por escrito do
autor, exceto no caso de breves citações incluídas em revisões
críticas e alguns outros usos não comerciais permitidos pela lei
de direitos autorais.

Esse é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, lugares,


incidentes são exclusivamente produtos da imaginação do autor.

Título Original: Indomável Desejo – Cowboys Protetores Livro 01

Capa: Val Barboza.

Imagens: AdobeStock

Revisão Crítica: Priscyla Fadel.

Diagramação: Alícia Bianchi.

BIANCHI, Alicia. Imdomável Desejo.

Edição do Kindle.
Este é um livro de ficção. Os personagens, a cidade de Santa
Maria, a trama e o enredo são completamente fictícios, saíram todos
da minha imaginação.

No entanto, durante minhas pesquisas, a fim de poder contar a


história de Cecília da melhor forma possível, me deparei com uma
realidade cruel que infelizmente ainda nos assola. Mesmo que a nossa
personagem seja fictícia, existem “Cecílias” espalhadas por mais
cantos do mundo do que eu gostaria. Talvez por respeito às tantas
mulheres vítimas de violência ou indignação com a realidade da
impunidade, tomei uma decisão. Escolhi não amenizar o seu
sofrimento.

Então eu preciso avisar a você, leitora ou leitor, que esse romance


contém gatilhos, tais como: violência física, psicológica e sexual;
tentativa de suicídio, automutilação e alcoolismo. Se você for sensível
a esses temas, não vá além do seu limite.

Mas também quero dizer que se você resolver embarcar nessa


aventura comigo, permita-se sentir, se envolver… Essa é uma história
de cura, superação e, principalmente, de amor.
INDOMÁVEL DESEJO é o primeiro livro da duologia Cowboys
Protetores, escritos em parceria com a autora Val Barboza. O livro 2,
Proibido Desejo, será lançado em breve.

Apavorada, presa, paralisada! É assim que Cecília se sente desde


que sua mãe morreu. Seu padrasto e tutor Vicente, transformou sua
vida em um verdadeiro inferno.

Sem família e com seus sonhos destruídos, Cecilia se refugia no


haras vizinho e passa horas com seus novos amigos, os cavalos do
misterioso Alexander Lion.

Culpado, destruído, morto por dentro! São os sentimentos que


acompanham o ex-militar Alexander desde que a mais terrível tragédia
se abateu em sua família. Atormentado pelo passado, ele se refugiou
no interior do Brasil, para viver o resto dos seus dias isolado do mundo
tendo sua única companhia o fundo de uma garrafa de whisky.

Ríspido, bruto e solitário ele não pretende deixar ninguém se


aproximar de seu coração, mas ao se deparar com uma linda garota
que possui os olhos mais tristes que já viu, Alexander perceberá que
os sentimentos que achava haverem morrido com a sua antiga vida,
estavam apenas adormecidos. Agora Alex irá até as últimas
consequências para protegê-la.

Uma garota quebrada por anos de abuso. Um Homem destruído


por um erro do passado.

O desejo avassalador que os uniu será o suficiente para curar dois


corações tão feridos?
ALERTA!
Este romance contém temas fortes além de cenas pesadas
que podem acarretar desconforto para leitores mais sensíveis, se
você não gosta desse tipo de literatura não leia!

Abuso, violência, abuso sexual, tortura, assassinato, alcoolismo e


automutilação serão abordados.
Indomável Desejo fica ainda melhor se você ler ouvindo:

1- Find Me │Sigma
2- Unstoppble │Sai
3- Tennessee Whiskey │Chris Stapleton
4- Another Love │Tom Oddel
5- Save Me│ Hanson
6- One Last│ Breath Creed
7- My Sacrifice │Creed
8- Higher│ Creed
9- Hurt │Johnny Cash

10- Black│ Pearl Jam

11- Change (In the house of Flies) │ Deftones

12- Fuckmachine │ Combichrist

13- Something Just Like This │The Chainsmokers & Coldplay


Para Val Barboza, que queria um Agroboy Dark.
Cinco anos atrás, Alexander Lion, Midland, Texas

Rodei o isqueiro zippo entre os meus dedos com o pensamento


longe. Antes de acender o primeiro cigarro do dia observei mais
atentamente o entalhe de uma caveira com duas armas em cima de
um “Z”, o símbolo dos Zambada, donos do maior cartel do México.
Eram donos do maior cartel, pensei enquanto dava um longo trago no
cigarro. O primeiro cigarro do dia era sempre o mais gostoso, mas o
primeiro maldito cigarro, aceso com o isqueiro daquele desgraçado era
ainda melhor. Eles nunca mais iriam foder com a vida de ninguém, me
encarreguei disso, de mandar todos aqueles fodidos de merda para
cadeia para o resto de suas vidas miseráveis.

Saí do quarto atrás de um café, ainda era muito cedo, mas Mollie
não estava na cama. Porra, eu tinha que dar um jeito de me comunicar
melhor com a minha esposa. Agora que a força tarefa no DEA[1]
acabou, eu finalmente poderia viver ao lado da minha família como
deveria ter sido desde o começo. Laine, minha filha de três anos,
praticamente não me conhecia.

Levantei os ombros e estalei o pescoço sentindo um aperto ruim no


peito. Mollie e eu nos casamos assim que saímos do ensino médio,
aos 19 anos de idade. Não sabíamos o que estávamos fazendo, nossa
única certeza era a de que viver longe um do outro não era uma
opção. Então veio o exército, os pesadelos, os longos turnos e algo
ficou no meio no caminho. Mas eu ia recuperar esse tempo perdido,
minha família era a razão de tudo, eu não seria nada as minhas
meninas.
Brian Crawford[2], irmão de Mollie e meu único amigo havia
acabado de receber uma promoção no DEA. Como diretor, assinou a
minha transferência das operações especiais. Eu começaria na função
de ensinar novos recrutas em poucas semanas. Tudo estava dando
certo, finalmente.

Sorri ao vê-la cantando quando entrei na cozinha, cheguei pé ante


pé, sem fazer barulho e a abracei por trás, Mollie soltou um grito
assustado, tirou os fones de ouvido e virou-se de frente para mim
sorrindo.

– Alex, que susto! – Abaixou os olhos até a minha mão e franziu a


testa – ah não! Fumando tão cedo?

Dei uma última tragada e joguei o cigarro fora, ela abriu a boca
para reclamar, mas a segurei firme pela cintura agarrando os seus
cabelos por trás.

– Não me olhe assim– disse com as bochechas coradas, abaixando


a cabeça.

Quase oito anos de casados, duas filhas e uma falta estranha de


conexão. No entanto, meu coração batia mais forte ao seu lado, como
da primeira vez que a vi e isso bastava, eu daria um jeito de
reconquistar nossa intimidade. Às vezes vinha uma vontade de pegá-la
pelos cabelos e fodê-la bruto, com força, mas ela não gostava muito,
então fazíamos amor, o que também era bom. Soltei os seus cabelos e
acariciei o seu rosto.

– Assim como? Essa é a única forma que eu consigo te olhar, você


precisa ser venerada todos os dias, meu amor – eu disse dando-lhe
um beijo apaixonado.

Ela gemeu sob minha boca e meu pau ficou duro como uma pedra.

– O que deu em você? As meninas já devem ter acordado. Tome


logo seu café que hoje é o seu grande dia.

Suspirei e beijei seu rosto, pescoço e o topo da sua cabeça antes


de me sentar à mesa. Hoje era sim um grande dia, eu teria uma
reunião importante no DEA e Carlos Zambada havia saído do hospital,
mexendo apenas um dedo. Passaria o resto da vida assim, numa
prisão de segurança máxima. Era a porra de um dia maravilhoso,
realmente.

– Na verdade, foi uma grande semana. Finalmente consegui acabar


com aquele desgraçado de merd…

Mollie arqueou uma sobrancelha e caí na risada. Ela vivia brigando


para eu não falar desse jeito em casa, por causa das crianças.

– Enfim – continuei – hoje serão só as formalidades e uma festa de


comemoração, até em respeito aos nossos colegas que deram a vida
por essa tarefa.

– Queria tanto ir com você – disse Mollie –, mas a gerente do hotel


avisou que se não formos hoje perderemos as reservas.

– Não tem problema, assim que tudo acabar, encontro você e as


meninas lá, esse será o melhor final de semana das nossas vidas.

Mollie e eu merecíamos muito uma segunda lua de mel, aliás eu


estava apostando tudo nisso. Essas férias em Cancun foram
planejadas meses atrás e não vi motivo para adiar.

– Papai! Papai! Você ainda está aqui? E o seu trabalho? – Liberty,


minha filha mais velha, correu em minha direção.

Fui acometido por uma pontada de culpa, as meninas quase não


me viam e quando eu estava em casa, ficava sempre no celular, ligado
no trabalho.

– Estou – eu disse batendo o dedo na ponta de seu nariz – e nós


vamos para a praia de férias.

– Ebaaaaaaa! Ouviu isso Laine, vamos para praia, vou fazer um


castelo de areia maior que o seu.

– Mamãe! Olha o que ela falou! – disse Laine choramingando e


apontando para a irmã.
As duas eram cão e gato, Liberty tinha seis anos e vivia
implicando com Laine de apenas três.

Olhei a cena pensando que a qualquer momento eu explodiria de


felicidade. Saí correndo atrás de Laine que ainda fazia pirraça por
causa do castelo de areia e peguei as duas no colo ao mesmo tempo,
as enchendo de beijos.

Terminamos de tomar café, juntos, rindo e fazendo planos.


Coloquei o meu melhor terno e me despedi das minhas princesinhas.

– Bom, agora o papai precisa ir, vou ganhar um prêmio muito


importante no trabalho hoje. Amanhã faremos o maior castelo de areia
do mundo inteiro! – me virei para Mollie – amor, rosas ou lírios?

Ela corou de novo e respondeu tímida.

– Sempre lírios, mas Alex, não precisa me dar flores, nossa família
unida é tudo o que eu sempre quis, estou muito feliz que os dias sem
você finalmente acabaram.

Sorri da porta pensando em presenteá-la com flores todos os dias


pelo resto da vida. Observei, pela última vez, as três mulheres da
minha vida sorrindo para mim e saí de casa de peito estufado,
irradiando felicidade, muito orgulhoso de mim mesmo.
Dias atuais, Santa Maria, ES.

Minhas pernas estavam ligeiramente trêmulas quando entrei pelos


portões da recém-inaugurada Faculdade de Ciências Agrônomas de
Santa Maria. Aproveitei que meu padrasto Vicente estava de plantão
na delegacia e me esgueirei para fora de casa nas primeiras horas da
manhã. Dona Lúcia acenou para mim da recepção.

– Minha querida Cecília, quanto tempo!

Aproximei lhe dando um abraço apertado. Sentia muita falta da


época da escola.

– Estou encantada com a nossa primeira faculdade, Dona Lúcia –


eu disse olhando ao redor.

O prédio era moderno e bastante sofisticado para os padrões da


nossa cidade do interior. Santa Maria não tinha mais que 30 mil
habitantes e vivíamos da produção de pequenas propriedades
familiares.

– Só não entendi o que eu estou fazendo aqui – completei.

Ela sorriu e me lançou um olhar como quem guardava um segredo


muito interessante.

– Vamos conhecer todo o Campus primeiro que eu te falo, pode ser


assim?

Assenti com a cabeça e ela continuou.


– E pelo amor de Deus, não me chame mais de dona nem de
senhora.

Concordei sorrindo e ela me levou para conhecer todas as


instalações, fiquei impressionada com o material de ponta dos
laboratórios. Caminho dos Girassóis, a fazenda que foi dos meus pais,
poderia se beneficiar muito se eu viesse estudar aqui. Mas isso era
impossível.

Depois de um longo tour por todo o prédio, olhei para um grande


relógio na parede e meu coração disparou. Vicente já estaria de volta a
essa hora, era melhor me apressar. Como o tempo passava rápido
quando eu estava fora de casa!

– … você não acha, minha querida? – Dona Lúcia terminou uma


frase que não prestei atenção.

– Me perdoe, mas preciso ir, lembrei que tenho algo urgente para
resolver…

– Ainda não te contei a proposta que tenho – ela disse calma


enquanto tirava os óculos. Encarando-me no fundo dos olhos,
perguntou. – Como estão as coisas na fazenda?

Passei a mão no pulso instintivamente puxando a manga da blusa.


A ferida ainda não cicatrizara por completo. Dona Lúcia sempre soube
que algo não ia bem, mas o que eu poderia lhe dizer? A verdade?
Nem eu entendia direito o que se passava naquela casa desde que
mamãe morreu. Abri um sorriso e disse:

– Estão ótimas, tudo na santa paz.

Deu suspiro alto, mas não insistiu no assunto, olhei de novo para o
relógio e um gosto amargo começou a se formar na minha boca. Eu
realmente precisava ir embora. Parecendo perceber minha aflição,
andou comigo até a saída.

– Chamei você até aqui, porque os donos da faculdade estão


interessados em fazer uma cooperativa local com os produtores de
flores a fim de aumentar a exportação dos nossos produtos. Vocês
trabalham com a venda de flores, não é?

– Sim, mas Vicente está reorganizando a empresa…

– Vicente é delegado, Cecília – ela me interrompeu com uma certa


irritação na voz – o que ele sabe sobre exportação de flores? Fui
amiga da sua mãe a vida toda, sei o quanto deu a alma para fazer
aquela fazenda o que é hoje. E você… sua inteligência, seu talento
para lidar com a terra, me lembra tanto ela.

Pisquei várias vezes e respirei fundo para não começar a chorar, a


falta que minha mãe fazia era sufocante. Em uma coisa, minha antiga
professora tinha razão. Vicente não entendia muito a respeito da
fazenda, ele não queria que eu fizesse faculdade, mas ninguém é
avesso a ganhar dinheiro, talvez essa fosse uma boa ideia.

Dona Lúcia me explicou como funcionaria e que já entrara em


contato com as outras fazendas da região, todos estavam bastante
animados com o projeto. Ajeitei a manga da camisa e o algodão roçou
no corte recém-realizado. Um arrepio subiu na minha espinha.

– Dona L… – eu disse e ela ergueu uma sobrancelha para mim –


Lúcia, você vai fazer o que agora?

– Só o almoço, mas ainda está cedo, o que você tem em mente? –


disse olhando no relógio na parede.

Sorri animada, isso poderia dar certo.

– Me dê uma carona até em casa e vamos explicar isso juntas para


Vicente, o que acha?

Ela coçou a cabeça pensativa.

– Sei que estou me metendo, mas a fazenda não é sua, Cecília?

Abaixei a cabeça e cravei as unhas em minhas mãos até que a voz


de Vicente não soasse tão alta em meus pensamentos. Você acha
mesmo que sua mãe iria deixar a fazenda para uma vagabunda
incompetente como você?

– Sim, mas ele é o curador dos meus bens, desde quando fui
internada e... ah! A senhora sabe. – Estava difícil fazer as palavras
saírem, detestava lembrar disso. – Precisamos da permissão dele, ou
nada feito.

– Tudo bem, minha querida. Tive uma ideia ainda melhor – Dona
Lúcia pegou o telefone e mexeu os dedos rapidamente. – Mandei uma
mensagem para a diretora do projeto das cooperativas encontrar com
a gente na sua casa, ela pode explicar ainda melhor que eu, vamos?

Aliviada a segui até o estacionamento, no entanto, uma


caminhonete enorme bloqueava o carro de Dona Lúcia. Olhamos ao
redor e o dono não parecia estar por perto. Meu estômago começou a
dar as pontadas familiares, eu me encontrava em sérios problemas
agora. Não podia ficar tanto tempo assim fora.

Uma sombra na calçada me chamou a atenção e, quando levantei


os olhos, contemplei um homem alto, loiro, musculoso, com tristes
olhos cinzas que brilhavam pelo reflexo do sol da manhã, se
aproximando. Usando uma camisa branca de botões, calças jeans e
botas nos pés ele nos olhou de relance com a cara fechada. A cor de
seus olhos aliada à sua expressão me deu a sensação de que uma
tempestade que se formava ali dentro. Um calor subiu em meu rosto e
desviei meus olhos na mesma hora com um sorriso involuntário que
brotou em meus lábios. Dona Lúcia parecia conhecê-lo.

– Alex, essa caminhonete é sua?

– E se for? O que a senhora tem com isso? – o homem respondeu


com um sotaque pesado que com certeza não era brasileiro.

– Misericórdia, acordou do lado errado da cama hoje?

Ele soltou um longo suspiro e tirou uma chave do bolso, sem olhar
em nossa direção novamente.
– Esse estacionamento é exclusivo para alunos da faculdade e o
senhor ainda estacionou errado.

– Não seja por isso – ele respondeu com uma voz máscula e
aveludada. Entrou na caminhonete e saiu cantando pneu.

Ouvi de longe Dona Lúcia reclamar de algo, mas estava com a


mente ocupada pensando o que aquele cheiro delicioso que o homem
dos olhos tristes deixou no ar, me lembrava.

– Cecília – ela me chamou – viu um fantasma? Acorda.

Saí do transe e entrei em seu carro.

– Um homem tão bonito e tão grosso, vive sozinho naquele haras,


quase nenhum funcionário para lá, dizem que é o ser humano mais
intragável da face da terra. O haras dele é vizinho da sua fazenda,
você já deve ter tido o desprazer de cruzar com ele, obviamente.

– Ah sim, claro! – eu disse com um sorriso sem graça.

A verdade é que eu não sabia ter um haras perto da minha casa.


Lembrei de um casal simpático, donos de um hotel fazenda, nunca
soube de um haras. Na época da escola eu ainda saía todos os dias
de casa para frequentar as aulas, mas depois que formei me tornei
praticamente uma prisioneira.

Fizemos o restante do caminho conversando sobre muitas coisas e


o meu vizinho mal-educado acabou esquecido. Quanto mais perto de
casa ficávamos, mais meu estômago embrulhava. Eu balançava as
pernas sem parar, desejando poder ficar naquele carro para sempre.
Infelizmente, rápido demais, avistamos a placa de madeira com o
nome Caminho dos Girassóis na entrada do imponente portão que
separava o mundo do inferno. O que me deixava confusa, era que
apesar de tudo o que vinha acontecendo nos últimos anos eu ainda
amava minha casa mais que tudo no mundo. Hoje eu me meti em
problemas à toa. Por que eu continuo fazendo coisas estúpidas o
tempo todo?
Cruzamos o longo caminho até a entrada da casa principal e como
imaginei, Vicente estava com cara de poucos amigos, bebendo cerveja
na varanda. Ele era ruivo, alto, magro e com os músculos definidos.
Usava uma blusa preta e ainda tinha o distintivo em volta do pescoço.
Dona Lúcia se adiantou.

– Bom dia, Vicente. Podemos conversar?

Seus olhos verdes muito claros faiscaram na minha direção por


uma fração de segundos, o que foi suficiente para fazer meu coração
bater tão depressa em minha garganta que parei de respirar. Qualquer
pessoa diria que eu estava exagerando e inventando coisas ao vê-lo
interagindo com as pessoas, ele era bonitão, carismático e muito
educado.

– Claro, a senhora já tomou café? Entre! – disse ele balançando a


long neck que tinha nas mãos. – Não repare, mas tive um plantão
difícil hoje. Por que Cecília foi te incomodar?

– Imagine! Quem a chamou fui eu, essa florzinha jamais me


incomodaria, ela sumiu estava preocupada…

Subi as escadas ao lado de Dona Lúcia, Vicente se levantou para


nos receber e pegou minhas mãos entre as dele sorrindo, como se me
ver iluminasse seu dia.

– Você está bem? – sua voz realmente transparecia preocupação.


– Cheguei e não te vi.

Em um movimento sutil, apertou meus dedos com tanta força que


precisei prender o ar para não gritar.

– Estou – respondi com um fio de voz – Dona Lúcia me chamou na


faculdade e…

Seus olhos estavam quase transparentes de tão gelados, mas não


deixei me intimidar, respirei fundo e continuei. Queria muito fazer parte
da cooperativa, precisava disso. Achei uns estudos da minha mãe há
um tempo, e com eles descobri uma forma de fazer orquídeas híbridas.
Elas tinham um grande valor no mercado internacional, mamãe
sempre dizia isso, talvez desse muito retorno para a fazenda. E um
propósito para minha vida.

– … ela quis que eu conhecesse as instalações, pois os donos têm


uma proposta de uma cooperativa.

Sem tirar o sorriso do rosto e sem parar de apertar os meus dedos,


meu padrasto apontou com a mão livre o caminho da sala para Lúcia.

- Cecília – disse ele – vá buscar um café para sua convidada, quero


entender melhor essa proposta.

– Não precisa, imagina… – Lúcia disse sem graça.

– Agora, Cecília! – ele completou e eu fui imediatamente, deixando


um clima estranho na sala.

Cheguei na cozinha e Rita, a governanta, logo disse.

– Hum resolveu aparecer a margarida! Seu Vicente quase colocou


a casa abaixo quando não te viu, você brinca com fogo à toa garota
boba. O que você quer aqui essa hora?

Rita parecia mais velha do que realmente era, creio que não devia
ter nem trinta anos ainda. Era uma mulher bonita, cheia de curvas,
cabelos e olhos pretos, mas estava sempre tão brava e carrancuda
que sua beleza não aparecia tanto. Nunca entendi o motivo de não
gostar de mim, mas no momento isso não estava no topo das minhas
preocupações.

– Ele quer café – eu disse já saindo da cozinha, mas ela chamou


minha atenção.

– Ele quer ou quer que você leve?

Resignada, esperei que ela servisse e levei a bandeja para sala.


Vicente e Dona Lúcia estavam conversando sobre exportação de flores
quando uma mulher muito elegante apareceu na varanda.
–Bom dia, eu sou a Débora, diretora da nova faculdade de
agronomia, é aqui a fazenda Caminho dos Girassóis?

E então nós quatro conversamos sobre a cooperativa, Dona Lúcia


explicou o que seria requerido de nós e quais as possibilidades de
lucro. Vicente estava solícito, educado e sem me lançar olhares
ameaçadores. Respirei aliviada, talvez não tenha sido tão ruim assim
ter desobedecido.

Para o meu desespero, tudo mudou rapidamente quando Débora


Ramos pediu para ver nossas plantações, meu padrasto ficou tenso e
encerrou a conversa. Disse que marcaria um horário, mas que
precisavam dele na delegacia.

– Cecília pode nos mostrar, não? Ela entende dessas flores como a
palma de sua mão. – Dona Lúcia disse.

– Cecilia adoraria, mas ela vai ter que sair comigo, combinamos um
outro dia, sim? – Ele disse se levantando do sofá e não dando opção
para os convidados, a não ser se retirar.

Nos despedimos e quando já estava na escada da varanda, Dona


Lúcia voltou. Ela olhou um tempo para mim com uma expressão
afetuosa e disse:

– Minha querida, não suma! Qualquer coisa que você precisar pode
me ligar, dia ou noite – virou a cabeça para Vicente e depois para mim.
– Perdi minha mãe muito cedo também, sei que precisamos de alguém
para conversar. Vai tomar um café lá em casa, os meninos morrem de
saudade de você.

– Claro, vou sim! – respondi

Ela ainda me encarou por mais um tempo, como se não


acreditasse em mim. Segurou minhas mãos e disse muito séria de
repente, parando os olhos em Vicente.

– Sua mãe era minha melhor amiga, ela se foi, mas eu estou
aqui…
– Agradecemos muito sua visita, Lúcia – a voz de Vicente cortou o
ar, gelada.

Eu a abracei, beijei seu rosto e todos se foram.

Vicente girou nos calcanhares em direção à cozinha sem se dirigir


a mim. Aproveitei para correr até meu quarto e sumir da sua vista,
talvez ele realmente tivesse que voltar para a delegacia. Meu peito
pareceu pesar uma tonelada a menos quando o som do motor de sua
moto roncou bem alto pela janela da casa. Ele não tinha motivos para
implicar com a cooperativa, a exportação de flores era um negócio
bastante lucrativo e Vicente amava ostentar. Eu poderia finalmente
trazer a fazenda de meus pais à sua glória antiga.

Animada, fui até a minha estufa. Minhas orquídeas já haviam


tomado o sol da manhã. Eu amava todas as minhas flores, mas a
preferida de todas, era uma orquídea azul que eu mesma havia
produzido. Ela começou a florescer há uma semana. Ajeitei o seu
vaso para ficar longe do sol do meio-dia e peguei a orquídea roxa para
lhe fazer companhia.

Trabalhar na estufa trazia um misto de sentimentos no meu peito:


ao mesmo tempo que me deixava mais perto da minha mãe, a
saudade batia tão forte que me sufocava. Essa estufa era o seu local
preferido. Após sua morte em um acidente de carro há uns quatro
anos, fui me tornando cada vez mais isolada e, naturalmente, suas
orquídeas tornaram-se minhas únicas amigas.

– Ratinha!

A voz de Vicente soou atrás de mim, prenunciando que os meus


temores não eram infundados. Meu susto foi tanto que deixei o vaso
com a orquídea roxa cair.

– Ah não! – eu disse levando as mãos à boca sem controlar as


lágrimas que caiam.

Ele estalou a língua nos lábios ao me ver chorar. Ignorando sua


irritação, me agachei para tentar salvar alguma coisa da planta, mas o
vaso caiu em cima do caule e o partiu. Talvez…

– Estou falando com você. Levante-se.

– Só um minuto, Vicente, por favor, preciso ver se dá para salvar


alguma parte…

Ele se agachou ao meu lado colocando a mão na minha nuca.

– Minha Ratinha já está chorando? Você sabe que eu não gosto de


te ver triste, não é?

Como não respondi nada, ele aplicou uma pressão dolorosa com
seus dedos tatuados, mordi meu lábio inferior para não gritar. Não sei
de onde tirei coragem para tentar explicar, mas apontei para a planta
caída em nossa frente.

– Foi a última coisa que mamãe e eu compramos juntas antes que


ela…

Minha voz foi diminuindo assim que vi seu semblante, ele agarrou
meu pescoço com a outra mão me fazendo ficar de pé.

– Você quer mesmo falar da puta da sua mãe depois do que me fez
hoje? – sussurrou as palavras no meu ouvido.

O gosto amargo voltou com tudo na minha boca, eu sabia que não
deveria ter aceitado o convite para ir à faculdade…

– Vicente… – abaixei os olhos, poderia piorar se eu tentasse


explicar demais, há muito tempo aprendi que o meu padrasto sempre
tinha uma carta do inferno na manga.

Ele abriu um sorriso de triunfo me puxando para fora da estufa,


mas não sem antes pisotear minha flor até não sobrar mais nada.
Respirei fundo várias vezes para não cair em prantos, Vicente odiava
drama.

Andei atrás dele no caminho para casa, pensando no porquê eu


simplesmente não corria sem rumo daqui. A realidade era que eu não
tinha para onde ir, não tinha documentos nem dinheiro e ninguém na
cidade compraria briga com o delegado me abrigando.

Assim que chegamos na casa, Rita veio anunciar que o almoço


estava pronto.

– Cecília está indisposta, Rita. Ela vai para o quarto agora.

Isso vinha acontecendo com mais frequência nos últimos tempos,


qualquer deslize era motivo para Vicente me privar de comer, mas
naquele momento, mesmo fraca e com fome nem se eu quisesse
conseguiria almoçar. Com meu corpo todo tremendo fui para o meu
quarto, queria trancar a porta, mas ainda carregava as marcas nas
costas da última vez que a tranquei.

Não demorou muito, Vicente apareceu, com a maldita vara nas


mãos, minhas pernas cederam e me sentei na ponta da cama.

– Nós precisamos conversar.

– P-por quê?

– Você ainda pergunta? – ele sentou-se em uma poltrona que


colocou em meu quarto poucos dias depois que mamãe morreu. Com
um gesto dos dedos mandou que eu me aproximasse dele.

– Você sabe o que fazer, Ratinha – disse passando a vara de


marmelo por cima da minha calça, entre minhas pernas. – Não posso
conversar com você com todas essas roupas.

Sua mandíbula estava contraída e seus olhos pegavam fogo em


minha direção, eu não estava entendendo o que o deixou tão nervoso.

– Por favor, Vicente, se é por causa da dona Lúcia…

– Se eu tiver que ir até aí, será bem pior, você sabe disso.

Como qualquer coisa poderia ser pior? Eu não sabia, mas não
estava a fim de descobrir. Suprimindo a náusea, tirei minhas roupas
ficando de calcinha e sutiã. Ele franziu o cenho e eu tirei o resto.
Coloquei minhas mãos para cima, ficando do jeito que ele me treinou
para ficar. Satisfeito, lambeu os lábios varrendo cada centímetro do
meu corpo com adoração nos olhos. Minha náusea se intensificou.

Parecendo sair de um transe, Vicente endureceu novamente o


olhar e perguntou com o tom de voz mais pedante possível.

– Além de ser uma cadela como sua mãe era, você é retardada,
Cecília?

– Não, Vicente.

– Não é o quê? Puta ou retardada?

– Retardada – respondi sem emoção na voz.

–Percebe por que eu preciso ser duro com você? Eu estou aqui
para te ajudar a ser a menina pura e inocente que eu sei que você
pode ser. Mas enquanto essa puta imunda e mentirosa que arma
esquemas ao invés de fazer suas obrigações estiver dentro de você…
eu sinto muito, mas não posso permitir que ela vença.

Ele abriu um largo sorriso, se levantou da poltrona e começou a me


rodear enquanto falava. Não ousei concordar nem discordar de nada
do que saia de sua boca. Tremendo da cabeça aos pés, forcei minha
mente a ir para um lugar longe dali, para praia que papai me levava
nas férias da escola. Meus braços queimavam pela falta de circulação
por ficarem tanto tempo levantados, mas também não ousei abaixá-
los. Vicente ainda vociferava que me mataria se eu saísse sem a sua
permissão novamente.

E então ele parou, parou de andar e de falar. Minhas entranhas


deram um nó, já era para eu ter me acostumado a essa altura, mas
infelizmente isso não aconteceu. Cada dia era pior que o outro.
Puxando os meus cabelos, ele enfiou meu rosto na poltrona e se
posicionou atrás de mim.

O barulho da vara, tremulando pela resistência do ar, vinha sempre


antes do golpe, inundando o meu corpo com um pânico mortal, o que
provavelmente fazia a dor ser maior. E então ele me açoitou sem parar,
sem piedade, acertando golpes curtos e certeiros na minha bunda,
pernas e costas. Foram minutos que pareceram dias.

Quando essas surras começaram a acontecer, fui idiota o suficiente


para resistir e gritar. No meu aniversário de quinze anos, eu me senti
mais corajosa e o mandei à merda quando ordenou que eu tirasse a
roupa, resisti o máximo que pude. Então nesse dia, Vicente me
amarrou na poltrona e bateu tanto em mim, com tanta força, que
minhas costas e bunda ficaram em carne viva e eu desmaiei de dor.
Foi a última vez que resisti. Não tinha propósito tentar manter alguma
dignidade… ele sempre ganharia.

Não há nada que dure para sempre, Cecília, isso logo vai passar,
pensei enquanto sentia minhas costas pegando fogo devido aos
golpes. E de fato passou, Vicente parou de me bater, e ofegante me
puxou novamente pelos cabelos. Meu corpo tremia inteiro de dor, mas
ainda não tinha acabado, a surra não era a pior parte. Fechei os olhos
lutando contra a bile que subia em minha garganta.

– Por que você me faz bater em você? – ele disse sussurrando em


meu ouvido e beijando o meu pescoço. – Por que você não pode ser
uma garota normal como todo mundo?

Não respondi e, mesmo assim, ele me virou de frente para ele com
brutalidade dando um forte tapa no rosto que me derrubou no
chão. Ele agarrou o meu pulso e enfiou minha mão dentro da sua
calça.

– Puta... está vendo isso daí? É isso que você faz, você me faz te
querer de uma forma insana, passo o dia todo de pau duro pensando
em você, Ratinha. Estou perdendo minha sanidade imaginando essa
bocetinha virgem apertadinha. Posso ser enérgico às vezes, mas só
estou tentando te educar como sua mãe deveria ter feito, eu preciso te
consertar para mim – ele disse acariciando meus cabelos. – Me perdoe
por te machucar, posso fazer a dor ir embora, você quer?

Um dia respondi que não queria e mais uma vez apanhei até
desmaiar.
– Sim, Vicente, por favor, eu quero me sentir melhor.

Ele sorriu e me levou para cama. Em poucos minutos, amarrou


minhas mãos no meio das minhas coxas deixando minhas pernas
totalmente abertas. Não consegui segurar as lágrimas que começaram
a descer pelo rosto. Por causa disso, levei um forte tapa com as costas
da mão e um dos seus anéis rasgou minha bochecha.

– Para de chorar, já te disse que não quero minha Ratinha triste.

Com o meu corpo totalmente imobilizado ele acariciou meus seios,


torcendo meus mamilos até um ponto insuportável. Ele apertava e
depois lambia e assim ele fez com o meu sexo. Com uma chibata
retangular de couro que mantinha no meu armário, Vicente deu batidas
curtas e dolorosas no meu clitóris e depois lambia e soprava. Eu não
queria, Deus sabe que eu nunca queria, no entanto, meu corpo era
varrido por um orgasmo intenso, toda vez. No fim das contas, não
adiantava ficar com raiva do meu padrasto, ele tinha razão, eu só
podia ser mesmo uma puta.

Não bastasse tudo que fazia, Vicente ainda ordenava que eu


atingisse o prazer gritando seu nome, e dizendo que eu seria para
sempre dele, me deixando completamente exausta e destruída.

– Minha Ratinha gostosa não consegue gozar mais para mim?

– Não, por favor, eu não aguento mais.

Ele gemeu acariciando meu clitóris, tirou seu enorme membro para
fora e se masturbou de pé ao lado da cama, apertando-me, até soltar
um jato quente e pegajoso no chão. Ele passou um tempo apreciando
sua “obra de arte”, que era como chamava sempre que a gente “tinha
uma conversa”. Desamarrou minhas mãos e me segurando pela
nunca, esfregou minha cara em cima da porra. Obrigando-me a lamber
tudo até o chão ficar limpo.

– É assim que eu quero minha Ratinha. Suja, sangrando e exausta


de tanto gozar para mim. Você tem alguma coisa a me dizer?
– Muito obrigada por me mostrar o meu lugar, Vicente – eu disse a
frase decorada há tantos anos.

– Exatamente, esse é o seu lugar, nua, aos meus pés, não


arrumando problemas com cooperativas. Sua mãe teria deixado os
negócios para você se a sua cabeça fosse normal, mas nós sabemos
que não é – ele desceu o olhar para a parte interna da minha coxa –e
é por isso você precisa de mim. Agora pare de sonhar com bobagens,
deixe a fazenda comigo e nunca mais me desafie. Estamos
entendidos, Ratinha?

– Sim, Vicente, estamos entendidos.

Ele sorriu satisfeito e saiu, trancando a porta do meu quarto por


fora.
Alguns meses depois.

Acordei feliz pela terceira vez consecutiva naquela semana. Era


uma sensação estranha, há tempos não me sentia assim, eu tinha até
me desacostumado. Tive vontade de correr pela fazenda, ver gente na
cidade, conversar sobre nada com minhas amigas, mas isso seria
sonhar alto demais, não havia restado nenhuma amiga. O fato era que
Vicente viajou para Vitória dizendo que demoraria mais de quinze dias
para voltar. A melhor maldita semana da minha vida. Queria que
durasse para sempre.

Até tomei coragem para me olhar no espelho por mais tempo.


Mesmo um pouco antes da morte da minha mãe, tudo que eu sentia ao
olhar para minha imagem era repulsa. Minhas mãos carregavam as
marcas da primeira vez que isso aconteceu. Tive tanto nojo ao olhar
para o meu reflexo, que dei um soco no espelho do meu banheiro,
cortando minha mão em vários lugares. A dor causou um alívio e um
prazer indescritíveis. Um prazer muito mais poderoso do que os
inúmeros orgasmos que tive quando Vicente entrou no meu quarto
pela primeira vez, na noite anterior àquela. Eu tinha catorze anos.
Acordei amarrada à cama, com ele lambendo meu corpo enquanto eu
o implorava para que parasse.

Desde então, aprendi a gostar da dor, ansiava por senti-la. Limpava


a confusão da minha mente. Vicente falava que mamãe morreu por
minha causa... Naquela altura, não tive coragem de contar para ela o
que estava acontecendo, ele dizia que a culpa era minha, que estava
me dando apenas o que eu pedia, que se eu não o obedecesse, ele
mesmo contaria para ela… Ele dizia abertamente que ela jogou o carro
na árvore de desgosto por eu ser assim… Mas, por Deus, para que eu
estava lembrando dessas coisas tristes? Nem percebi que enfiei as
unhas nas cicatrizes da minha coxa. Limpei o sangue, tentando
empurrar essas lembranças para o fundo da minha mente, de onde
elas não deveriam ter saído. Penteei meus cabelos, passei um batom
e sorri para mim mesma… Apesar de estar muito magrinha e com
olheiras, dava para notar de longe o quão bem, finalmente poder
respirar um pouco, fez para minha aparência. Aproveitei para aplicar
uma maquiagem completa, leve, porém completa. Nem me lembrava
quando foi a última vez que tirei alguns minutos só para mim. Agora
sim, pensei, assim que você deveria ser todos os dias, Cecília. Como
eu não tinha controle sobre isso também, agarraria esses pequenos
momentos como eu pudesse.

Coloquei um chapéu que era da minha mãe, pensando em ir


comprar uma muda de orquídea roxa e, assim que pus o pé para fora
do quarto, meu mundo inteiro desabou.

– Rita, faça mais de uma garrafa de café, os turcos chegaram.

Não, não, não! Vicente falou com todas as letras que ficaria mais
de uma semana em Vitória, não tinha nem três dias que ele saiu. Meu
corpo reagiu violentamente à sua voz, corri de volta para o banheiro e
vomitei, chorando compulsivamente. Se ele me visse assim eu teria
muitos problemas… Quanto mais eu me forçava a parar de chorar,
mais desesperada eu ficava e mais as lágrimas desciam. Consegui me
acalmar um pouco, concentrando no movimento de puxar o ar o
máximo que dava. Escovei os dentes olhando para a maquiagem toda
borrada no meu rosto. Não me dei o trabalho de limpá-la e saí pela
janela do quarto em direção à estufa.

Ainda muito nervosa, passei rapidamente pelo canteiro dos


girassóis e notei uma movimentação diferente na fazenda. Havia
muitos homens mal-encarados andando pra lá e pra cá, ocupados com
materiais de construção, alguns inclusive visivelmente armados.
Vicente falou sobre turcos com Rita, o que eles estariam fazendo na
minha casa?
Apesar da aparência intimidante de alguns dos homens, estávamos
precisando de empregados novos, já que Vicente mandou a maioria
deles embora quando mamãe morreu. Eu até conseguia cuidar das
flores sozinha, mas não dava conta do resto e isso era nítido, a
fazenda não estava mais como era antes, o que me entristecia muito.

Fiz de tudo para que nenhum deles me visse, mas dentro da minha
estufa, um homem vestindo uma jaqueta de couro olhava com atenção
minhas flores. Eu já estava virando para voltar de onde vim, quando
ele me notou. Involuntariamente dei um passo para trás. Seu rosto
tinha uma enorme cicatriz e seus olhos eram duros, frios. Analisou-me
de cima a baixo e logo voltou à expressão severa que carregava antes
da minha presença o interromper.

– Ahn… não sabia que tinha alguém aqui, volto outra hora – eu
disse com as mãos tremendo. Aquele homem não era boa notícia, por
que Vicente estaria envolvido com esse tipo de gente?

O homem franziu o cenho e saiu da estufa sem olhar para trás. O


peso no peito que às vezes me impedia de respirar voltou com toda
força. Corri dali como por instinto, indo parar embaixo do ipê-amarelo
que plantei com meu pai no meu aniversário de seis anos. O dia
estava lindo, soprava uma brisa gostosa, quase fria… pensei nos
momentos de paz que tive, tentando recuperar a minha orquídea roxa.
Decidi então que não correria mais o risco de perder nenhuma das
minhas flores. Corri de volta na estufa, peguei os caules que tentei
salvar, além de outras orquídeas e plantei nos troncos do ipê, no intuito
de que ficasse sempre florido. Ele floria no finalzinho do inverno e
minhas florezinhas no verão. Papai ficaria muito feliz, ele me ensinou a
amar as flores desde pequena.

Isso tomou grande parte do meu dia e mesmo assim não o


suficiente, a moto de Vicente continuava lá. Sentei-me embaixo da
árvore e abracei os meus joelhos, tentando lembrar das partes boas da
minha vida e nada me vinha à mente, um vazio tão grande tomou
conta de mim que não pude controlar as lágrimas. Chorava baixinho
quando senti um focinho molhado encostar nas minhas pernas e me
lamber. Levantei a cabeça e um enorme labrador me olhava feliz da
vida com a língua para fora. Não pude deixar de sorrir para ele, que
me retribuiu com mais uma lambida.

– Quem é você, mocinho?

Dei as costas da mão para ele, que, na verdade, notei ser ela,
cheirasse e, assim que estabelecemos uma confiança mútua, afundei
minhas mãos naquele pescoço fofinho. Ela balançou o rabo feliz e saiu
correndo por onde veio. Quando achei que já estava longe, voltou me
chamando para brincar. Olhei apreensiva para os lados, não tinha
ninguém à vista, o ipê ficava bem nos limites da fazenda com as terras
vizinhas, não era perto da plantação nem da casa, apesar que da
janela do andar de cima da casa principal dava para vê-lo. Fiquei de
pé e aceitei o convite da minha mais nova amiga. Ela pulou quase me
derrubando no chão e saiu correndo.

Havia arame galvanizado separando a fazenda, mas em um


pedaço da cerca tinha um grande espaço que dava para passar
tranquilamente. Ao que tudo indicava, minha amiga fazia esse caminho
diversas vezes. Segurei o meu chapéu e agachei, entrando nas terras
do vizinho. Lembrei de Dona Lúcia dizer que aqui tinha virado um
haras. Antes esse lugar era uma pousada de um casal muito simpático
que viviam me dando doces quando eu era criança.

– Tomara que seu dono não me veja… vim só te trazer em casa e


já estou voltando, ok?

A cachorrinha rodeou minhas pernas latindo e eu corri para que


viesse atrás de mim. Entre corridas e brincadeiras acabei indo parar
nas baias do haras e daí não pensei em mais nada. Os cavalos eram
lindos, fiquei tão animada de estar ali que não sabia qual deles eu
apreciava mais. Brinquei mais um pouco com a cachorrinha que pulava
de um lado para o outro provocando os cavalos.

– Você precisa de um nome, sabia? Com o que você se parece?

Passando os olhos pelas baias e cocheiras bem cuidadas, uma


sensação deliciosa de liberdade me invadiu, muito mais poderosa do
que senti essa manhã quando acordei feliz pela viagem de Vicente.
– Pronto, vou te chamar de Liberty, combina com você – eu disse e
dei um beijo em seu focinho. Ela por sua vez, lambeu meu rosto
inteiro, me derrubando no chão. Ri e rolei de costas no chão com
Liberty até que um barulho chamou sua atenção e ela correu como um
raio para fora dali.

Avistei uma pia e resolvi passar uma água gelada pelo meu rosto e
pescoço. Com os olhos fechados pensei que poderia passar meus dias
tranquilamente naquele lugar, com a companhia de Liberty e dos
cavalos. Mas assim que os abri mudei de ideia. Um homem loiro, sem
camisa, usando um chapéu marrom e com um rifle enorme, apoiado no
chão ao seu lado, me encarava com o semblante fechado. Não tive
como deixar de notar seus braços musculosos e abdômen definido,
terminando em um “v” no cós da calça jeans. Ergui minha cabeça e
assim que os vi, me lembrei. Era o homem dos olhos de tempestade,
que Dona Lúcia conversou por causa da caminhonete.

– Quem deixou você entrar aqui? – ele praticamente rosnou para


mim, com um sotaque melódico. Sua voz me lembrou algumas séries
de televisão que se passavam no sul dos Estados Unidos, que eu
assistia com minha mãe.

– Ninguém deixou eu só entrei. Sou sua vizinha da fazenda ao


lado...

Ele olhou para cima e depois para mim, me interrompendo.

– Ok, eu não me importo, apenas volte de onde veio.

O homem era um poço de ignorância.

– Credo, você precisa ser assim tão grosso?

Ele olhou para o lado com cara de tédio, tirou um maço de cigarros
do bolso da calça e acendeu um, com um zippo prateado, soprando a
fumaça toda na minha direção.

– Ei, tira isso da minha cara – falei balançando a mão para dissipar
a fumaça – um absurdo, fumando perto dos bichinhos, que dó!
– Meus animais não são da sua conta. Agora vá, tenho mais o que
fazer.

Balançando a cabeça, impressionada com a falta de noção do


homem me virei para pegar meu chapéu no chão e ir embora antes
que ele resolvesse usar aquele rifle em mim. No entanto, Liberty voltou
toda serelepe e foi correndo pular nele. Sem pensar duas vezes, eu
disse.

– Não, Liberty, saia de perto dele! Esse homem vai acabar te


matando.

Em um segundo ele veio como um leão em minha direção e, como


se fosse uma força da natureza, segurou o meu braço inclinando o
corpo, quase colando sua testa na minha. Primeiro, xingou alguma
coisa em inglês e, quando seu aperto se tornou ainda mais forte, entrei
no automático, tornando-me completamente submissa. Não senti tanto
medo dele, quanto normalmente aquela situação pedia, algo lá no
fundo me dizia que eu não precisava, mesmo assim… Essa expressão
corporal era uma velha conhecida minha.

– Quem é você? Quem mandou você aqui? - rosnou entredentes.

Abaixei a cabeça e falei em um tom de voz monótono.

– N-inguém eu só vim... isso não vai mais se repetir.

Ele enrolou meus cabelos em suas mãos e os puxou até que ergui
minha cabeça e nossos olhos se encontraram, imobilizada em seus
braços, algo contraiu entre minhas pernas e precisei esfregar uma na
outra para que parasse de formigar. Ainda com o olhar fixo no meu ele
suavizou a expressão indo de nervoso a curioso, me soltou de uma só
vez e eu cambaleei para trás.

– Damn it.[3]

Xingou esfregando o rosto e virou de costas para mim. Liberty ficou


na minha frente latindo para ele mostrando os dentes. Queria fazer um
carinho nela e agradecer, mas meu corpo tinha tomado conta da
situação e respondia sozinho, eu não conseguia mover um músculo,
apenas escutava meu coração bater acelerado.

– Como eu disse, me perdoe por invadir sua casa, isso não vai
mais se repetir, não precisa me bater eu juro que não vou fazer de
novo, eu tenho permissão para ir embora agora?

Estacou no lugar e olhou para mim como se eu fosse de outro


planeta.

– Te bater? Do que você está falando?

Deu uma longa tragada no cigarro e o jogou longe das baias. Sem
querer, me encolhi e fechei os olhos quando ele se aproximou mais
uma vez. Eu estava confusa, pois uma parte de mim, sabia que ele
não me faria mal, mas eu não estava mais no comando.

– Me responda, por que você disse aquilo?

Comecei a chorar. Sabia que poderia deixá-lo ainda mais nervoso,


mas eu estava sobrecarregada por toda a avalanche de sentimentos.

– Por favor, não vai se repetir, eu não disse nada por mal, só me
deixe ir embora.

Continuei de pé com a cabeça baixa desejando criar coragem e ir


embora, enquanto ele se encostou em uma das baias me observando
atentamente, abrindo e fechando o isqueiro em suas mãos. Ele se
distraiu por um segundo com o latido de Liberty, aproveitei a deixa e
corri. Não olhei para trás. Rezei baixinho para que não viesse atrás de
mim, não conseguia entender o que estava sentindo, apenas soube
que não era medo.

Só parei de correr quando vi o buraco na cerca. Suada e sem


fôlego abaixei a cabeça e fui para casa, pedindo para todas as forças
do universo que Vicente estivesse ocupado ou de bom humor.

Entrando pela cozinha, dei de cara com Rita fazendo chá de canela
e meu estômago deu voltas. Vicente amava isso.
– Por que você está suada e corada desse jeito? – ela perguntou
sem dar bom dia.

– O que você tem a ver com isso, Rita? Pelo amor de Deus, me
deixe em paz.

Ela limpou as mãos na barra da saia e pôs o dedo na minha cara.

– Estou tentando te ajudar, garota. Larga de ser burra.

– Que burrice minha Cecília fez agora? – Vicente disse encostado


na porta da cozinha. Meu coração bateu tão forte pelo susto que
pulsou por todo meu corpo, mas pela primeira vez na vida não foi a
sua voz que me abalou e sim o homem da cicatriz, que me olhava
fixamente, parado ao lado do meu padrasto.

– Nada, ela deixou cair chá na pia da cozinha – Rita disse me


surpreendendo, ela nunca me ajudava.

– Vem aqui meu amor, não estava com saudades de mim? –


Vicente se aproximou passando os braços ao redor da minha cintura.

Com um sorriso forçado no rosto, respondi:

– Claro, senti muitas saudades.

Na frente de todos ele me deu um beijo na boca, de língua. Me


senti tão humilhada que precisei fazer um esforço sobre-humano para
não deixar as lágrimas caírem.

– Humm que delícia você está hoje – sussurrou no meu ouvido e se


afastando de mim, apontou para o homem que olhava a cena com
brilho nos olhos – Serkan, quero que conheça minha noiva, Cecília, ela
entende tudo de exportação de flores. Cecília, esse é o nosso novo
parceiro comercial Serkan Sadik.

Noiva? Do que Vicente estava falando? Olhei de relance para Rita


que me encarou de volta tão perdida quanto eu. Apresentei novamente
o meu sorriso forçado e acenei para o homem com a cabeça. Vicente
ainda falava
– O que eu não faço por você né meu amor? Você queria exportar
suas flores, consegui um bom negócio para a fazenda. Agora esqueça
aquelas velhas da cooperativa, ouviu bem?

– Como você achar melhor – respondi.

Vicente sorriu e sussurrou no meu ouvido, para que só eu escutasse.

– Agora você vai ser muito boazinha e fazer tudo o que eu mandar,
Ratinha ou você vai acabar igual a sua mãe.

E pela segunda vez naquele mesmo dia, meu corpo assumiu no


automático o controle por mim, permitindo que minha mente vagasse
para algum lugar feliz. Quando Vicente me deu outro beijo de língua,
obrigando que eu retribuísse, me surpreendi ao transportar minha
mente para alguns minutos mais cedo desse mesmo dia. Sem pensar
no nojo que o meu padrasto me causava, fechei os olhos e em
segundos eu estava de volta naquelas baias, completamente segura e
em paz, imobilizada nas mãos do rude cowboy, que apesar da falta de
educação não saía dos meus pensamentos. Por que o seu olhar era
tão triste?
Um alarme estridente gritava acima das vozes na minha cabeça,
sem descanso. Despertei devagar, relutante em começar mais um dia
miserável. Cravei os olhos em minha arma na mesinha de cabeceira,
como sempre fazia ao acordar, imaginando o alívio que seria,
simplesmente apertar o gatilho contra minhas têmporas. Soltei o ar
com força pelo nariz levantando-me da cama. Peguei o isqueiro no
lugar da arma. Ainda não era a hora. Acendi um cigarro esperando a
coragem para me mover, chegar. Todos os dias que eu continuava
respirando eram infernais, mas alguns superavam os outros.

Fui para a cozinha e servi uma dose de Jack Daniels, observando a


fumaça do cigarro preencher o ambiente… desde que a loirinha
misteriosa e assustada disse aquelas palavras nas baias há alguns
dias, as vozes gritavam mais altas, beirando o intolerável. Eu aprendi a
viver com o eco dos gritos de socorro, o whisky amenizava muito, mas
eles retornaram estridentes, como no dia que tudo aconteceu.

Saia de perto dele, Liberty, ele vai acabar te matando. Eu ainda não
estava louco, por mais surpreendente que isso fosse, mas foram essas
as exatas palavras que saíram de sua boca, o nome da minha filha
mais velha... Doía tanto saber que nunca mais eu sentiria o cheiro do
topo da sua cabeça ou ouviria sua voz… tomei mais uma grande dose,
eu não podia ir para esse lugar de novo.

De onde aquela menina surgiu? Não conseguia tirá-la da cabeça.


Lily[4], o verdadeiro nome da minha labrador, apareceu na cozinha
tomando conta de tudo, pulando, abanando o rabo e pedindo atenção.

– Venha, Lily, vamos correr.


Ainda não eram oito da manhã, mas tomei mais uma dose de
whisky troquei de roupa e peguei meus fones. Com o som do Pearl
Jam tocando bem alto em meus ouvidos, fui correr pela propriedade
com Lily, minha única amiga. Corria todos os dias de manhã até meus
pulmões arderem ao ponto de não conseguir respirar.

Quase chegando em casa, o veterinário do haras apareceu


animado, acenando as mãos. Revirei os olhos na mesma hora. Não
tinha nada contra o Dr. Raul Barone, mas alegria matinal era
naturalmente insuportável. Ele era bem jovem, com cabelos e olhos
claros, cara de bom moço, lembrava muito a mim quando tinha sua
idade. Nesses cinco, quase seis anos, que estou no Brasil, posso
afirmar com certeza que se eu pudesse ter amigos, ele seria um dos
poucos da lista. Apesar de bem jovem ele era bastante competente e
isso era tudo o que importava.

– Bom dia, Alex… ei coisinha fofa – disse brincando com Lily.

Respondi seu bom dia com um meio grunhido, passando reto.

– Que bicho te mordeu esses dias? Está impossível conversar com


você.

Suspirei com a testa franzida esperando que falasse logo o que


queria, às vezes eu tinha vontade de me explicar para algumas
pessoas, dizer-lhes que eu não era nada pessoal, mas era tão
exaustivo organizar o que falar no meio do caos, que o silêncio acabou
se tornando meu mais fiel companheiro. Frustrado, Raul continuou.

– Tudo bem cara, se um dia você sentir vontade de conversar com


alg…

– Raul, você tem alguma coisa realmente importante para dizer?

– Você quer que eu seja sincero?

– Não, eu quero que você faça a porra do seu trabalho e me deixe


em paz.
Virei as costas, mas ele segurou firme o meu braço. Subi
lentamente meus olhos de suas mãos até o seu rosto e ele me soltou
bruscamente, branco feito papel.

– C-calma, não precisa exagerar, só queria entender porque você


vem se matando lentamente dia após dia.

Exagerar? Só então percebi que eu havia sacado minha arma.


Merda. Controle-se Alex. Eu não me sentia furioso, na verdade, eu não
sentia nada, mas me comportava como se estivesse com ódio o tempo
todo. E isso vinha piorando. Jack, meu inseparável whisky, ajudou
muito no começo, mas maldita loirinha… Há dias que nada funcionava
mais.

– Porra cara, foi mal. – Falei guardando a arma. – Mas não encoste
em mim de novo. Você está bem?

Ele ainda estava sem fôlego, mas sobreviveria.

– Por que você vai correr armado de manhã? – ele levantou os


braços para o ar – meu Deus Alex, o trabalho que você faz com as
crianças, te vejo ajudar tanta gente sem pedir nada em troca.
Sinceramente, quanto potencial desperdiçado. Ainda não é nem meio-
dia e já tem álcool saindo pelos seus poros. Você não quer que eu seja
sincero, mas não sei se vou poder continuar trabalhando aqui assim.
Você precisa de ajuda!

– Você está querendo casar comigo, Raul? Cuida da sua vida…


olha, eu gosto do seu trabalho, mas a porteira do haras é aquela ali,
quer ir embora, vá. Se quiser ficar, saiba seus limites.

– Vai se foder, que casar com você o que, sai pra lá. Cara feio
desses que acorda bebendo. – Ele deu uma gargalhada que acabou
me contagiando, o clima tornou-se menos pesado. – Bom, já que você
é avesso a crescimento pessoal e conversa fiada, vamos falar sobre
trabalho, a égua do prefeito…

Discutimos sobre o que precisava ser feito no haras e fiquei aliviado


por Raul não levar tão a sério o que aconteceu. Não seria tão simples
substitui-lo quanto o fiz acreditar. A égua do prefeito estava prestes a
dar à luz e mesmo com nossa experiência, todo cuidado era pouco.

O dia acabou passando mais rápido e menos doloroso do que


começou. Meu aluno chegou para sua aula de equitação por volta das
três da tarde. Eu nunca havia ensinado crianças com necessidades
especiais antes. Geovane possuía um autismo severo, o terapeuta
prescreveu aos seus pais alguma atividade com animais e eles
acabaram no meu haras. Eu poderia dizer sem medo que esperava
ansioso todas as semanas, era um dos raros momentos que me sentia
em paz. Mesmo em poucos meses em contato com os cavalos, vimos
um grande progresso em seu desenvolvimento.

Já no fim da aula, Geovane desceu de Imperatriz, a égua mais dócil


do haras. Deixei-a ainda selada, descansando perto das baias,
enquanto esperávamos sua mãe vir buscá-lo. Demorou um tempo até
que Geovane ficasse ao meu lado sem sua mãe por perto, mas agora
eu sentia que nos entendíamos mais que qualquer pessoa pudesse
imaginar. Avistei o carro de Alice na entrada do haras e, sem encostar
em Geovane, mostrei que sua mãe havia chegado.

– Alex, muito obrigada – ela disse do banco do motorista, enrolando


o cabelo com as mãos. – Você não sabe o quanto ele tem melhorado!

Dei um meio sorriso e ela continuou a falar, desviando os olhos…


não gostei de onde essa conversa parecia estar indo.

– Sabe… eu não sei o que você costuma fazer para se divertir,


entende… mas esse final de semana o pai do Geovane vai levá-lo
para casa, não somos casados nem nada do tipo, estou solteira.

Alice se apressou em dizer, enrolando-se cada vez mais. Ela ia me


chamar para sair, eu deveria ser um cavalheiro e responder logo
alguma coisa. Alice era linda, forte e decidida. Cuidava praticamente
sozinha do filho, era advogada, estava sempre com um semblante leve
e feliz. Eu não poderia sair com ela, não faria isso. Conviver comigo
por mais de dez minutos uma vez por semana, seria a pior coisa que
aconteceria em sua vida.
– Estou lisonjeado por você pensar em mim, mas…

Um barulho de trote, seguido de uma rajada de vento chamou


minha atenção. Virei a cabeça para ver o que estava acontecendo e vi
a loirinha misteriosa em cima de Imperatriz, como se fossem velhas
conhecidas.

– Oi, o que você pensa que está fazendo? – gritei.

Ela olhou para trás com o semblante muito assustado e saiu


correndo para fora do haras, em cima da minha égua com Lily em seu
encalço.

Que porra foi essa?

– Alice, preciso ver o que está acontecendo, até a próxima semana,


ok?

Corri até a porteira, a menina ia longe a galope. Imperatriz era


extremamente dócil, mas qualquer coisa podia acontecer, a garota não
conhecia a égua e eu não queria que se machucasse. Havia algo
naquela garota que me atraía, era como se gritasse por socorro e
ninguém notasse. Tive essa impressão desde a primeira vez que a vi
no estacionamento da faculdade. Seus lindos olhos azuis eram
melancólicos e assustados.

Não valeria a pena pegar a caminhonete para ir atrás deles, alguém


teria que trazer Imperatriz de volta. O sol estava quase se pondo e eu
só queria tomar uma dose de Jack, ou dez, mas uma longa caminhada
não seria de todo mal. Tudo naquela loirinha me intrigava e não via a
hora de saber o que tanto ela queria com meus animais.
Sempre pensei que Vicente seria algo passageiro em minha vida,
um sofrimento com data marcada para acabar. Mesmo antes dele
enlouquecer, na época que mamãe começou a namorá-lo, não
imaginei que acabaria presa em suas mãos pelo resto da minha vida.
O que poderia ser confundido com esperança ou otimismo, na
verdade, foi burrice. Enterrei a cabeça na areia como uma tapada,
querendo ver o lado bom das coisas, acreditando que tudo passaria.
Vicente não tinha um lado bom, eu deveria ter sido mais esperta e
visto a intensidade da sua obsessão por mim.

Quando acordei mais cedo pela manhã, recitei o meu mantra. Um


dia eu serei livre! Mas eu estava enganada, muito enganada! Na minha
cabeça, existiam duas Cecílias, quem eu era de verdade e a garota
que eu precisava ser para sobreviver a Vicente. A garota que sofria
nessa casa não era eu e, então, quando ele não fosse mais meu
curador, eu estaria finalmente livre para voltar a ser eu mesma.

Acomodei-me nessa situação pelo simples fato de acreditar que em


algum futuro distante ele me deixaria ir. O pior de tudo, era saber que
gostei dele um dia. Por um longo período, tive esperança de que ele
voltasse a ser o Vicente de antes, o cara legal que me enchia de
brinquedos e me ensinava o dever de casa. Deus sabe o quanto sentia
falta do meu pai, eu tinha sete anos quando ele morreu e logo depois,
mamãe começou a namorar Vicente… Deixei as lágrimas caírem
livremente enquanto o corte que fiz em minha coxa direita raspava na
sela do cavalo. Burra, estupida e desleal. Isso que eu era.
Eu queria muito ser mais forte, aguentar até poder reerguer a
fazenda e a minha vida, mas era tarde. Não tinha mais vida, nem
fazenda. Deixei que as coisas chegassem a esse ponto e,
ironicamente, sentindo o vento nos meus cabelos em cima desse lindo
cavalo, aceitei que cheguei no fim da estrada. Não sobrou mais lugar
para ir.

A cachoeira não ficava muito longe e, por mais que eu tentasse não
pensar no que aconteceu de manhã, não conseguia parar, era como
se fosse um filme repetindo o tempo todo em minha mente.

Cheguei na cozinha para tomar café da manhã e logo ouvi Vicente


conversando com Bartolomeu, o juiz da cidade, na sala de jantar. Os
dois discutiam livremente sobre um esquema de tráfico de heroína que
o meu padrasto, em acordo com aqueles homens turcos que não
saiam mais de casa, bolaram, usando a minha fazenda como base.
Meu peito ficou pesado e o ar fugiu enquanto eu chorava
desesperadamente. Rita logo apareceu fechando a porta que dava
acesso ao interior da casa.

– Cala a boca, garota. Você parece que chama desgraça. Não


deixa o seu Vicente te ver assim, usa a cabeça.

– Rita – eu disse entre uma puxada de ar e outra – ele vai destruir


tudo que meus pais construíram.

Ela fez menção de falar mais uma coisa, mas a porta se abriu.
Vicente me encarava com os olhos queimando.

– Está dando para te ouvir por toda casa, Cecilia. Eu não entendo
porque você já acorda tão infeliz.

Eu deveria pedir logo desculpas, mas não consegui. Fui até ele,
talvez meu padrasto ainda tivesse alguma parte humana dentro de si.
– Pelo amor de Deus, meus pais…

Ele pegou minhas bochechas entre seus dedos, apertando de


forma extremamente dolorosa. Rita abaixou a cabeça e saiu da
cozinha. Vicente puxou-me para perto de si, cheirando meus cabelos,
sem me soltar.

– Juro para você Cecília, sempre acordo pensando que não terei
que te disciplinar, que você finalmente entendeu o significado da
palavra gratidão e você sempre me decepciona.

Soltou-me com um empurrão e bati as costas da quina da bancada.


A dor foi tanta que mais lágrimas desceram pelo meu rosto. A
sensação de que eu iria morrer sufocada a qualquer momento voltou
com tudo.

– Por favor pare, acho que eu estou morrendo.

– Você sabe que teatro não me comove. – Ele se aproximou do


meu corpo, puxando meus cabelos – venha comigo.

Ele me arrastou até a sala de jantar, enquanto eu via as paredes se


comprimindo ao meu redor e lutava por ar. O juiz ainda estava lá
olhando eu ser jogada de qualquer jeito em uma cadeira, sem dizer
uma só palavra.

– Bartolomeu, me desculpe, mas preciso ter uma conversa com


Cecília, quando você acredita que consegue agilizar os papéis do
nosso casamento?

Casamento? Do que Vicente estava falando? Meu estômago deu


um nó com a possibilidade de ele conseguir se casar comigo.

– Bom, não vai ser difícil porque você nunca foi casado com a mãe
dela, então são os dias normais dos trâmites, vou passar para o juiz de
paz. – Ele me lançou um olhar de pena que durou poucos segundos –,
mas por uma porcentagem maior na... exportação e importação te
garanto para ainda essa semana.
Vicente deu um soco na mesa me assustando tanto que quase caí
da cadeira. Bartolomeu não fazia ideia com quem estava mexendo.

– Você é um filho da puta mesquinho, mas vou ver o que posso


conseguir com Serkan. – Então ele pegou o juiz pelo colarinho e
avisou – quero todas as permissões e licenças para a fazenda na
minha mesa amanhã, Bartolomeu, não tente se fazer de esperto, eu
sei que você não é. Agora suma da minha vista.

Assisti o juiz calvo, baixinho e atarracado com o nariz vermelho que


parecia uma batata levantar-se e sair cambaleando da nossa casa. Era
cada vez mais claro para mim que ninguém nunca me ajudaria.

Assim que ficamos sozinhos, Vicente se transformou em um


completo animal. Ali mesmo na sala, rasgou todas as minhas roupas e
me deitou em cima da mesa abrindo minhas pernas, colocando meus
braços acima da minha cabeça. Passou seus dedos em mim, lançando
arrepios de aversão pelo meu corpo todo. Eu queria fechar as pernas,
mas seria pior.

– O que aconteceu para minha Ratinha não estar molhada para


mim? Quer que eu pegue a vara?

Eu odiava tanto, mas tanto esse apelido! Ele o usava sempre que
estávamos sozinhos. Na frente das outras pessoas me tratava como
se eu fosse muito especial e pudesse quebrar a qualquer momento.

– NÃO! – eu disse mais desesperada que deveria, ainda tentando


respirar, tomei fôlegos curtos a fim de conseguir falar – é que você me
pegou de surpresa.

Sorrindo presunçoso ele tirou a camisa exibindo todos os seus


músculos, Vicente achava de verdade que eu gostava da sua
aparência. Eu obrigada a elogiá-lo e dizer o quão atraente ele era para
mim.

– Que bom que você gosta. Malho pensando em você, tudo o que
eu faço é pensando em você.
Afundou a cabeça entre as minhas pernas, segurando minhas
coxas abertas e lambeu o meu clitóris do jeito que ele sabia que eu
gozaria. Mas ele tinha outros planos. Mordeu no lugar com tanta força,
que pensei que fosse desmaiar, nunca senti tanta dor na minha vida. E
olha que criatividade para me machucar nunca lhe faltou.

– Por favor, pelo amor de Deus, para, por favor.

– Por que eu deveria parar, Ratinha? Você precisa aprender a me


obedecer. Estou cansado de fazer tudo por você e não ter a mínima
gratidão por isso.

Quando ele desceu de novo a cabeça para o mesmo lugar eu


enlouqueci, não iria aguentar aquela dor novamente.

– Eu sou grata, eu adoro tudo o que você faz, só fiquei com medo
de você ser preso com o assunto da fazenda, o que eu faria sem
você? Por favor, eu te amo Vicente, não faz isso comigo.

Não soube como não vomitei ali mesmo ao dizer aquelas palavras,
mas pareceu funcionar. Seu corpo ficou rígido por alguns segundos e
ele enfiou suas unhas nas minhas coxas até que sangrassem,
soltando um gemido. Eu nunca falei nada assim antes. Não falava
quando ele estava desse jeito, era sempre pior. Mas dessa vez a dor
foi tanta que escapou de mim. Vicente entrelaçou suas mãos na minha
cintura e me beijou na boca. Seu beijo era horrível, sua língua áspera,
tudo nele era aversivo, mas separei meus lábios e gemi como se o
adorasse.

– Ah, Ratinha! Se você soubesse o quanto esperei por esse


momento. Eu sabia que um dia você me amaria com a mesma
intensidade que eu te amo. Prometo que não vou mais te machucar,
vou te ensinar a amar o meu pau. De hoje em diante sua única função
vai ser adorar o meu pau enterrado em você o dia todo – parou de me
beijar, lambeu meu pescoço e mordeu o bico do meu seio antes de
completar – eu ia esperar o nosso casamento, mas eu não consigo
mais. Vou manter só a sua bocetinha virgem até a gente se casar, mas
quero já ir te ensinando como me agradar. O que você me diz?
O que eu poderia dizer? Que preferia morrer?

– Vou adorar, Vicente.

Alguém pigarreou da porta da sala, olhei para trás e dei de cara


com Serkan. Tentei me cobrir com os braços, mas Vicente me impediu,
sussurrando no meu ouvido.

– Quietinha, deixe que ele veja o quão bonita e minha você é.

E fiquei como um objeto na mesa de jantar, enquanto eles


discutiam como afundariam a minha fazenda, com a minha ajuda.
Aparentemente eu era crucial nessa empreitada, sem a minha
assinatura, as flores com as drogas não poderiam entrar nem sair do
país.

Tive medo de que Serkan me atacasse a qualquer momento pelo


jeito que olhava meu corpo, mas não foi o que fez. Para o meu alívio
ele e Vicente precisaram sair. Fui ordenada a ir para o meu quarto,
com a promessa que essa noite seria longa.

O que mais me encheu de pânico foi o fato que Vicente não


conseguiria fazer o que prometeu. Toda vez que tentou ir até o fim nos
últimos anos e não manteve a ereção, paguei caro por isso. Não queria
reviver aquilo. Qualquer coisa menos aquilo...

Após passar muito tempo com a gilete em minha coxa com a


bile subindo na minha garganta, não aguentei mais pensar na
promessa feita por Vicente e corri para o haras vizinho, sem saber
muito bem porque fui parar ali. Mesmo com receio do dono do haras
me pegar xeretando, andei por perto das baias até ver aquele cavalo
branco, todo selado pastando sozinho… pensei que seria uma boa
forma de me despedir, sentindo a liberdade de uma cavalgada pela
última vez.
Agora eu estava aqui, chegando na cachoeira com o sol dando
adeus no horizonte. Só reparei que Liberty estava atrás de mim
quando desci do cavalo. Uma pontada de culpa atravessou meu peito
de repente. Será que eles saberiam voltar para o haras, sozinhos?

– Seja uma boa menina, tá bem? – eu disse acariciando o seu


pescoço. Ela se deitou de costas na grama e depois saiu correndo
para cheirar por todo canto.

A cachoeira de Santa Maria era perigosa, tinha muitas pedras e


lugares fundos de forma irregular. Estávamos em maio, a água devia
estar extremamente gelada, mas eu não me importava. Olhei ao redor
pensando que eu costumava a achar esse lugar lindo quando era
criança, mas hoje ele não parecia ter nada de mais.

Entrei na água.

Estava muito, mas muito mais gelado que previ, quando a água
atingiu meu peito, senti como se estivessem enfiando agulhas em
minha pele. Mas seria a última dor que eu sentiria, então ela era bem-
vinda. Nadei até onde eu sabia ser o local mais perigoso e, ouvindo
Liberty latindo atrás de mim, afundei a cabeça.
Pelas pegadas de Imperatriz que ficaram no caminho, só havia
mesmo um lugar que a loirinha poderia ter ido. Ninguém em Santa
Maria costumava frequentar a Queda da Viúva à noite. Eram águas
traiçoeiras e geladas. Eu não saberia dizer o quê, mas alguma coisa
estava muito errada com aquela moça. O percurso demorou um pouco
mais do que previ e minha mente foi tomada por uma série de
imagens, todas ruins. Apertei o passo, deixaria para entender o que
me chamou tanta atenção depois. Provavelmente foi o desespero
contido em seu olhar, ou talvez não fosse nada e eu finalmente
estivesse perdendo a razão. Pensei até com um certo alívio. Naquele
momento da minha vida, nada teria me feito mais feliz do que perder
de vez o contato com a realidade.

Minha boca estava seca, com um gosto horrível e minhas mãos


tremiam ligeiramente quando finalmente escutei a água ao entrar na
pequena trilha que desembocava na Queda da Viúva. Lembrei que não
tomei minha dose habitual de Jack no fim da tarde. Há uns meses,
minhas mãos tremiam levemente se eu não tomasse uma quantidade
adequada de whisky. Deveria estar preocupado com isso, mas não
estava.

Vasculhei a mata à procura de algum sinal da loirinha, quando Lily


apareceu latindo e pulando em minha frente, querendo me mostrar
alguma coisa.

– Onde ela está, garota? – perguntei passando a mão em seu


pescoço.
A labrador correu pela trilha e fui em seu encalço. De onde eu
estava pude ver uma silhueta entrando na água. Corri ainda mais
rápido. Lily latia da beira do lago, olhando para mim. O mais depressa
que consegui, tirei minhas botas, a camisa e pulei na cachoeira. Se
não fosse pela pouca luz propiciada pela lua eu estaria às cegas.
Minha preocupação era a temperatura da água, fazia muito, muito frio
na Queda da Viúva. Mergulhei mais uma vez e então a vi. Seus
cabelos loiros flutuavam com o corpo imóvel envolto por um vestido
branco.

Tomei o máximo de fôlego que pude e, dando um grande impulso,


nadei até o fundo do lago. Quando segurei seu corpo pequeno e frágil
pela cintura, o meu próprio corpo se aqueceu. Dentro daquelas águas
geladas meu coração voltou a bater, eu estava vivo. No entanto, com o
calor veio o desespero, um velho conhecido.

Ela não respirava.

Com a menina em meus braços, fui em direção às margens do lago


e a coloquei no chão. Seus lindos lábios em forma de coração
encontravam-se azulados e torci com todo o meu coração para que o
motivo fosse o frio e não a falta de ar. Eu poderia ter pedido a Deus,
mas ele e eu não éramos mais amigos.

Lily lambeu o seu rosto chorando baixinho, rodeando-nos, como se


quisesse ajudá-la de alguma forma. Sem perder tempo, comecei o
processo de compressão e ventilação…

– Reaja, por favor… – supliquei enquanto contava.

Um, dois, três… dez… vinte… trinta… Verifiquei mais uma vez se
seu queixo estava levantado, tampei o seu nariz soprando o ar dentro
de si... Nada. Ela continuava imóvel, sem cor.

– Reaja, porra – gritei, tornando a compressão mais forte. Parecia


que eu estava fazendo compressões há horas, mas passaram-se
apenas dois minutos. Comecei a entrar em pânico.
– Um… dois… você não vai morrer nas minhas mãos… dez… não
dessa vez… quinze…

E então, quando eu estava a ponto de perder as esperanças de


vez, ela tossiu. Rapidamente a virei de lado, respirando eu mesmo
aliviado enquanto a loirinha colocava para fora toda água que estava
em seus pulmões.

– Você está segura agora. – Eu disse acariciando seus cabelos


molhados. – Não tente se levantar ainda, por favor.

Esse era outro problema, estava frio, muito frio. Se ela continuasse
com aquele vestido molhado grudado em seu corpo com certeza
pegaria uma pneumonia.

Deitei-me em sua frente, de modo que ela pudesse ver meus


olhos.

– Concentre apenas em respirar, devagar. – Aumentei meu tom de


voz – Lily, come on, girl.

Ela apareceu e se deitou ao nosso lado, encostando o focinho em


suas mãos.

– Olha quem está preocupada com você. – Completei na


esperança de que ela se sentisse mais segura com Lily por perto.
Nosso primeiro encontro fora um fiasco.

Observei seus dedos tentarem fazer carinho no cão e finalmente


relaxei desde a hora que cheguei na Queda da Viúva. Cara como eu
precisava de uma dose de whisky.

Levantei o tronco do chão, sentando-me à sua frente. Ela abriu os


olhos lentamente e me observou por um tempo sem esboçar nenhuma
reação.

– Tudo deve estar meio confuso em sua cabeça agora. Creio que
não nos apresentamos quando você foi até o meu haras na última
semana. Meu nome é Alexander – tentei sorrir e continuei um tanto
sem graça – por favor não entenda isso errado, mas você precisa tirar
o seu vestido o quanto antes. É extremamente perigoso continuar com
essa roupa molhada, está muito frio.

Preparei para virar de costas e não olhar enquanto pegava minha


camisa para oferecer a ela, mas a garota simplesmente colocou a mão
na barra da sua roupa subindo-a até a cintura. Sua calcinha de renda
não deixava muito para imaginação. Soprava um vento gelado, vindo
da queda d'água, mas meu corpo estava em chamas. Ela virou-se,
deitando-se de costas no chão, sem tirar seus enormes olhos azuis
dos meus.

– Vou pegar a minha camisa para você vestir – eu disse, tentando


não transparecer o quão abalado fiquei e Lily se levantou lambendo
todo o seu rosto.

No susto, ela abriu ligeiramente as pernas e então eu vi. Muitas


cicatrizes em suas coxas, muitas. Profundas cicatrizes do que
pareciam ser de diversos cortes. Algumas recentes outras bem
antigas. Meus olhos encontraram os seus e não sei o que viu neles,
mas toda sua complacência evaporou-se no mesmo instante. De uma
só vez, sentou-se no chão e fechou as pernas, jogando a saia do
vestido até seus joelhos.

– Para de olhar para mim! – seu peito subia e descia, muito


depressa. – Por que você me tirou da água, por quê?

Abraçou os joelhos fazendo um movimento de vai e vem com o


corpo. Eu não queria que ela tentasse se machucar de novo, então
preferi não comentar sobre suas cicatrizes.

– Com quem eu iria reclamar do roubo do meu cavalo se você se


afogasse agora? Não pense que vai se livrar tão cedo disso. – Usei um
tom de brincadeira e a observei relaxar, pouco, mas já era um
começo.

Ótimo.

– Me desculpe, não queria fazer mal a eles. Há anos eu não


andava a cavalo… foi uma coisa idiota a se fazer, por favor… – sua
voz tremia de frio, mas eu sabia reconhecer medo e ela estava
apavorada.

– Ei… calma eu estava brincando – eu estava mesmo brincando?


Não me reconhecia naquele momento.

Levantei-me do chão e ela se encolheu sob meu gesto. Tive um


péssimo pressentimento sobre o que estava acontecendo com essa
menina e torci para que eu estivesse errado.

Peguei minha camisa e ofereci a ela, com o máximo de distância


possível. Não queria assustá-la ainda mais.

– Confie em mim, não vou olhar, mas troque seu vestido pela minha
camisa, por favor. Seus dedos e lábios estão ficando arroxeados.

Ela olhou de esguelha para minha mão estendida como se tentasse


adivinhar quais seriam os meus próximos movimentos. Inclinando o
pescoço para os lados cada vez mais nervosa, levantou-se do chão de
uma só vez, coçando a cabeça com força.

– Burra, estúpida, idiota – murmurou e desatou a correr em direção


à trilha.

– Hey! – chamei constatando que ainda não sabia seu nome.

Corri em seu encalço com Lily latindo ao meu lado. Não tive
dificuldade em alcançá-la, mas quando a puxei pelo braço, ela
revidou.

– Não toque em mim... Você estragou tudo… Agora eu tenho que


voltar para lá!

Ela tentava me bater com seus pequenos e ineficientes punhos e


eu abaixei minhas mãos, deixando que colocasse tudo para fora.
Quando finalmente se cansou, puxei-a para um abraço do qual relutou
no começo, mas acabou relaxando em meu peito, soltando um gemido
contendo uma dor tão grande que me fez apertá-la ainda mais contra
mim.
Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, parecia que a
conhecia por toda a minha vida. Quis lhe dizer para passar toda aquela
dor para mim, qual fosse. Eu merecia, ela não. Mas as palavras
ficaram presas em minha garganta.

Meu coração bateu tão forte que fez meu corpo inteiro vibrar e ao
invés de lidar com isso como um homem de verdade, fiz a única coisa
que eu não poderia. Não com ela e não daquela forma.

Acariciei os seus cabelos, seu rosto, seus lábios, agarrei o seu


pescoço em minhas mãos e com ímpeto a beijei.

Eu não entendia a insistência daquele homem em dizer que fazia


frio. Desde que me tirou do delicioso torpor que alcancei após afundar
na Queda da Viúva eu estava em chamas.

Quando abri os olhos, ao sentir o focinho de Liberty nas minhas


mãos, pensei que tinha morrido e ido para o céu. A primeira coisa que
vi, foram seus olhos atravessando minha alma, tamanha era a
intensidade do seu olhar. No entanto, a realidade voltou a me bater no
rosto e só um nome martelava minha cabeça. Vicente. Quando
cheguei aqui o sol ainda estava no céu e agora a lua cheia reinava
junto às estrelas. Quanto tempo fiquei desacordada? Se Vicente desse
conta que eu não estava mais lá…

O homem dizia alguma coisa sobre fazer frio, mas eu não queria
ouvir sua voz, toda vez que eu olhava para ele, meu corpo todo
formigava. Eu precisava ir para casa, descobrir um jeito de como não
despertar ainda mais a fúria de Vicente, teria sido tudo tão mais fácil…

– Burra, estúpida, idiota – gritei para mim mesma, como eu pude


ser tão burra? Cada dia que passava eu me afundava mais e mais nas
confusões que eu mesma me metia.

Prometi a mim mesma que correria até em casa e tentaria ser


melhor, talvez se eu parasse de me meter em confusão Vicente me
tratasse melhor. Eu me desesperei mais cedo por realizar que ele
nunca me deixaria ir. Deus, me ajude só mais uma vez. Se ele
descobrir o que eu fiz...

Meu peito, nariz, e garganta, ardiam como o inferno enquanto eu


corria, eu precisava ser forte agora. Não tinha a mínima ideia do que
Vicente faria, mas eu sabia em primeira mão o quão criativo ele podia
ser quando o assunto era punição. Meu estômago era uma massa de
dor, e eu não conseguia mais puxar o ar até meus pulmões. Seria
impossível correr até em casa. Assim que parei para descansar, um
braço forte me puxou para trás.

Não, por favor, não me ajude mais. Ter esperanças iria me matar
uma forma muito pior que me afogar na Queda da Viúva.

– Não toque em mim... Você estragou tudo… Agora eu tenho que


voltar para lá! – gritei fora de mim.

Fechei meus punhos e descontei nele todo o pânico que me


envolvia, sem me importar com as consequências. Ele era muito maior
que Vicente e, da mesma forma que aconteceu daquela vez nas baias,
meu corpo tomou conta quando ele me apertou em seus braços. No
entanto, algo diferente de tudo que eu já havia sentido aconteceu
quando ele encostou seus lábios quentes e macios nos meus. Não
havia repulsa nem pânico quando sua mão enorme me manteve no
lugar ao me agarrar pelo pescoço, pelo contrário, nunca estive tão
calma, tão em paz e tão viva como naquele momento. Abri a boca e
deixei que ele me beijasse de verdade, era o meu primeiro beijo e,
provavelmente, seria o único. Meu primeiro e único beijo, o único que
recebi por minha escolha, mesmo sendo de surpresa. Abri os olhos por
um momento, queria decorar cada pedacinho dele, da paisagem, dos
sons e dos cheiros. Não queria esquecer essa sensação, mas eu
precisava voltar para a minha realidade. Cada segundo que eu
passava ali naquela cachoeira, eu adentrava em um círculo ainda mais
profundo no inferno que seria minha vida dali para frente.

Inalei o máximo que pude, ignorando a dor por onde o ar passava,


com esperança de que o cheiro da sua pele nunca mais fosse me
deixar. Sem conseguir controlar as lágrimas o empurrei.

– Não! Por favor, não me toque. – Arfei, com a voz trêmula.

Ele se afastou de mim com as mãos na cabeça, gritando algumas


palavras em inglês. Apesar de não ter razão para tal eu confiava nele,
mas eu ainda era a mesma garota idiota que um dia também confiou
em Vicente. Então, antes que o homem voltasse e resolvesse me punir
por recusar o seu beijo ou roubar o seu cavalo, corri. Corri pela pouca
sanidade mental que ainda me restava. Com Deus como minha
testemunha, se eu conseguisse me livrar do castigo de Vicente, jurei
que abandonaria toda a esperança de fugir e concentraria meus
esforços em tentar viver da melhor forma que eu conseguisse em
casa.

Tomei um atalho pela mata sem me importar de estar descalça ou


com o frio que fazia.

Cheguei na porteira da fazenda mais rápido que previ. A ânsia de


vômito que sempre me acometia quando eu atravessava os portões de
casa veio com tudo. De dedos cruzados, esgueirei pelo canteiro dos
crisântemos, evitando as câmeras de segurança. Há muito tempo
vinha estudando seus pontos cegos.

Meu corpo inteiro tremia quando forcei a janela do meu quarto e vi


que estava aberta. Deus estava finalmente ao meu lado, pois decorreu
o tempo exato de eu entrar, fechar a janela e tirar o meu vestido,
Vicente entrou, ainda com o distintivo no pescoço. Provavelmente teria
dado de cara com ele se chegasse dois minutos mais cedo.
Ele varreu meu corpo com o seu olhar nojento de sempre. Virei de
frente para o meu guarda-roupa, fingindo estar procurando o que usar
e escondi meu vestido molhado o quanto deu. Peguei a primeira roupa
que vi na frente. Vicente parou a milímetros de distância de mim,
cheirando o meu pescoço.

– Eu também te amo, Ratinha. – disse me abraçando. – Por que


você está tremendo tanto?

– Frio, eu já ia trocar de roupa quando você entrou.

Ele afastou-se um pouco de mim e analisou cada centímetro do


meu corpo por excruciantes minutos. Com uma expressão insondável
passou a mão por cima da minha calcinha e eu rezei tão alto em minha
cabeça para que ela já estivesse seca que tive medo de que ele
pudesse ouvir meus pensamentos. Sem mudar de expressão ele
agarrou os meus cabelos e puxou com força para que eu o olhasse
diretamente nos olhos e disse:

– Ah, Ratinha! Nada me daria mais prazer do que passar a noite


tentando arrancar qual foi a merda que você fez, mas surgiu um
imprevisto na delegacia, a noite que te prometi vai ficar para depois.

Ele agarrou minhas bochechas entre seus dedos e me beijou,


enfiando a língua na minha boca da forma mais rude possível.

– Tenho mesmo que ir – disse gemendo na minha boca. – Sei que


é pedir muito de você, mas tente não me dar trabalho enquanto eu
trabalho para sustentar todos os seus luxos, minha bonequinha. Quero
muito te mostrar como eu posso te amar, você só precisa deixar.

Sorri com os lábios fechados tentando não esboçar


nenhuma reação. Vicente girou nos calcanhares e da porta,
perguntou.

– Não tem nada que você queira me dizer?

Respirei fundo, eu não podia gaguejar.

– Eu amo você, Vicente, bom trabalho.


Assim que ele fechou a porta, me joguei na cama colocando o
travesseiro em cima do meu rosto e chorei de alívio, de ódio, de
desespero até minha cabeça doer. Repassando tudo que aconteceu
comigo naquela noite, lembrei que uma das coisas que o dono do
haras disse, foi o seu nome. Alexander. Lindo e forte, como ele.

Passei as mãos sobre os meus lábios tentando me lembrar de


todos os detalhes do meu primeiro beijo. Fechei os olhos e só o que
vinha era a língua áspera e pegajosa de Vicente, forçando minha
boca.

Oh meu Deus! Não. Eu não conseguia me lembrar do cheiro do


cowboy.

Levantei-me da cama de uma só vez, sentindo meu corpo todo


doer. Meu peito pesava uma tonelada e fui tomada por uma falta de ar
absurda. Cambaleando abri o armário do banheiro.

Sentei na tampa da privada, e um formigamento delicioso, muito


parecido com o que senti ao beijar Alexander invadiu o meu corpo
quando peguei minha gilete e observei o sangue escorrer lentamente
das minhas coxas. Soltei profundamente o ar do peito, como era bom
respirar! Agora sim, eu podia dormir em paz.
– Presta atenção no que você está fazendo, leseira – Rita me
repreendeu quando derrubei uma das xícaras da bandeja de prata no
chão.

– Credo, Rita, que mau-humor! Eu vou limpar, não precisa falar


desse jeito.

Ela exalou furiosa, olhando por cima do ombro.

– Você só enxerga o seu umbigo, Cecília, não vê o que acontece


nessa casa.

Já deveria ter me acostumado com as patadas de Rita a essa


altura, mas desde o episódio da cachoeira eu me sentia como se
estivesse em uma banheira cheia de água transbordando. Tudo que
acontecia entornava e tomava uma proporção maior dentro de mim.

Rita trabalhava conosco desde a época que mamãe era viva.


Começou bem nova, fazendo faxinas algumas vezes por semana, era
simpática e solícita. Pouco tempo depois do acidente, Vicente demitiu
quase todas as pessoas da fazenda e trouxe Rita para ficar morando
na casa. E desde então ela nunca mais foi simpática e solícita e de uns
tempos para cá, estava pior, muito pior. Não podia me ver sozinha que
dizia algo depreciativo. Quando Vicente estava por perto nem me
olhava nos olhos.

No entanto, em uma coisa ela tinha razão, eu prestava cada vez


menos atenção no que acontecia ao meu redor. Passava meus dias
plantando orquídeas no ipê-amarelo do meu pai, sonhando com a
época que ele floresceria com elas, fiquei boa nisso. Mamãe estava
me ensinando a cruzar espécies de diferentes orquídeas quando
morreu e, de alguma forma, eu sabia que ela estaria muito orgulhosa
de mim por continuar o que fazíamos, aprendendo sozinha. Aquele ipê
com as orquídeas era a maneira que criei de manter meus pais vivos e
perto de mim, então realmente, eu não prestava atenção no que
acontecia nessa casa dos horrores. Escolhi não pensar que ficaria
nesse lugar pelo resto da minha vida ou da de Vicente, ele nunca me
deixaria ir. Ponderar sobre isso fez os meus cortes coçarem e meu
coração disparar.

No entanto, mesmo sabendo que eu não tinha outra opção, uma


indignação crescia dentro de mim, tudo tinha limite... ou pelo menos
deveria ter. Rita estava mais perto e cheguei à conclusão que dela eu
não era obrigada a aguentar desaforo.

– Olha só, Rita, eu não sei qual é o seu problema comigo, mas
quem parece que não vê o que acontece nessa casa é você. Eu já me
conformei que ninguém vai me ajudar…

Ela me ouviu estreitando os olhos, formando uma linha com os


lábios de tanto que apertou a boca em desaprovação. Em um ímpeto
aproximou-se apertando meu braço, tentei me desvencilhar, mas ela
era mais alta e mais forte que eu. Rita devia ter uns 30 anos, era uma
morena daquelas que não é magra nem gorda e sim cheia de curvas.

– Ajudar você? Larga de ser mimada, não sabe de nada, vive


protegida dentro dessa casa – olhou de novo para a porta da cozinha e
abaixou tanto a voz que cochichou a última frase. – Você não conhece
seu Vicente de verdade, sua estúpida, ele protege você de quem ele
realmente é. Você não sabe de nada.

O que era isso agora? Uma competição de sofrimento? Revirei os


olhos e com uma energia que só anos de ódio preso dentro do peito
poderia ter me dado, saí de seu aperto.

– Já chega, Rita, já chega! Eu sou a dona dessa casa, se você não


me respeita, pelo menos finja, porque eu não respondo por mim… –
tentei puxar o ar que começou a faltar, eu também não tinha respeito
por mim mesma, mas era bomba de todos os lados.
– Cecília, fala baixo... – ela disse meu nome como se pedisse
alguma coisa, mas foi interrompida por Vicente que apareceu na
porta.

– Não responde pelo que, Cecília?

Ainda olhando Rita nos olhos, respondi.

– Rita, estava me ensinando a fazer o chá de canela do jeito que


você gosta e eu pedi para ela prestar atenção que não responderia por
mim se você não gostasse.

Ele arqueou uma sobrancelha, desconfiado. Vicente era maníaco


por controle, obcecado com cada respiração que eu dava, os dias que
ele ficava de folga da delegacia eram os piores, ele não me permitia
pensar, passava o tempo todo em cima de mim, dando ordens,
analisando minhas reações e, se qualquer movimento meu não fosse
do seu agrado, meu dia se tornava um verdadeiro inferno muito rápido.
Desde que eu disse que o amava, seu comportamento comigo ficou
menos violento, e eu não sabia se isso era algo ruim ou pior (não havia
bom em relação a ele). Por sobrevivência, aprendi a estudá-lo da
mesma forma que fazia comigo. Acabou que ele também virou a minha
obsessão. Éramos a prisão um do outro.

– Cecília é muito desastrada, seu Vicente, quebrou aquela xícara


que o senhor tanto gosta – disse Rita com os olhos brilhando, ela tinha
prazer em me prejudicar, eu não entendia porque e estava ficando
realmente cansada de ser o saco de pancadas oficial da casa. Minha
banheira já tinha transbordado.

Ela disse que eu não conhecia o verdadeiro Vicente, mas ela sim,
então o que fez foi deliberadamente me jogar embaixo do ônibus por
pura mesquinharia. Sem pensar eu só agi, dei-lhe uma bofetada na
cara e, com a voz tremendo de raiva, disse.

– Você me respeita, Rita. Eu ainda sou a dona dessa casa.

Vicente me observava, fascinado.

– Minha bonequinha está criando garras! Estou gostando de ver.


– Está? Então me escute e demita essa mulher, ela não me
respeita! – respondi sem filtro, ainda guiada pela raiva.

Ele endureceu o semblante na mesma hora e meu sangue gelou


nas veias, essa expressão nunca era boa, me arrependi de imediato
do que disse. Rita me olhava com um misto de pânico e ódio, eu
conhecia de perto aquela sensação, mas eu estava realmente
cansada, quem escolheu jogar assim foi ela.

Vicente saiu da cozinha sem dizer nada, Rita sem se dar por
vencida, abriu a boca para dizer algo não muito agradável a julgar pela
expressão que fazia, mas foi interrompida pelo meu padrasto que
chegou com uma arma na mão. Ele me agarrou pelo pescoço e beijou
minha boca. Retribui fingindo que gostei, tentando tirar as lembranças
do beijo de verdade e do gosto de Alexander da minha mente, agora
não era a hora. Nervosa, perguntei primeiro, tremendo de medo da
resposta.

– Q-qual é a da arma?

– Daqui por diante seus desejos serão ordens. Eu nunca menti para
você, sempre te prometi o mundo se você colaborasse.

Intuindo o que ia acontecer, Rita se adiantou.

– S-seu Vicente… eu não falei por mal…

– Cala a boca, vagabunda – ele disse para Rita e eu estremeci da


cabeça aos pés, eu odiava quando ele ficava assim, minha única
vontade era de tampar o ouvido e gritar, mas eu não tinha
enlouquecido… ainda. – Mexa-se!

Ele agarrou a governanta pelos cabelos e a arrastou para fora da


casa, fui atrás pensando no que falar para não o irritar ainda mais,
seguindo seus passos rápidos e firmes. Chegamos até a parte de trás
de um galpão que foi recentemente construído, e Rita chorava
convulsivamente.

– Eu não falei por mal, fiquei com medo quando vi a xícara


quebrada, pelo amor de Deus, eu sempre fiz tudo que o senhor me
pediu todos esses anos... Meu irmão, o que o senhor vai fazer com
ele? Dona Cecília… – ela apontou os olhos para mim, com as mãos
em posição de súplica.

Pensei com uma certa preguiça em como as pessoas não tinham


nem vergonha, agora eu era Dona Cecília. Pelo visto ela não o
conhecia melhor do que eu, suplicar e chorar para Vicente não iria
adiantar, acho que ele até gostava. A confirmação veio quando ele a
obrigou a se ajoelhar, engatilhou a arma e a apontou para sua cabeça
olhando emocionado para mim.

– Não há nada que eu não faça por você, meu amor.

Por um segundo, por apenas um segundo eu quis com todo o meu


coração que ele apertasse o gatilho, essa mulher me humilhava há
anos. E então lembrei-me de quem eu era antes disso tudo, quando
meus pais ainda eram vivos e me criaram para ser uma boa pessoa.
Não era apenas o meu corpo que Vicente estava destruindo… E então
eu reagi, seguindo meu instinto.

– Mas eu não quero essa daí morta, deixa ela se matar de trabalhar
para mim, acho que ela aprendeu a lição e nunca mais vai se meter
com a futura noiva de Vicente Alcântara.

Ele ficou decepcionado como se fosse uma criança, sua


instabilidade me preocupava bem mais que a crueldade.

– Tem certeza? Eu posso arrumar outra empregada para você.

Rita chorava agarrada às minhas pernas, pedindo perdão. Isso


deveria me deixar vingada e satisfeita, mas não deixava, Vicente ainda
colocaria uma bala na cabeça de cada uma.

– Nossa festa está quase chegando, Vicente, por que nós


mataríamos a governanta hoje? – tentei meu máximo para parecer tão
despreocupada quanto ele a respeito da vida de uma pessoa. Seja o
que Deus quiser agora. Era melhor eu parar de falar.

O peso do mundo saiu das minhas costas quando Vicente guardou


a arma na cintura e chutou Rita dos meus pés. Não pude fazer nada
para impedir que a machucasse, mas era melhor que a alternativa.

– Sempre soube que seria assim, quando você finalmente


aceitasse ficar ao meu lado de verdade, sem lutar contra mim – seus
olhos eram de um verde cristalino e naquela doença toda, eles me
encaravam com adoração, esse lunático realmente acreditava no que
dizia. – Farei uma surpresa bem legal para você essa noite. Estava
esperando o dia do nosso noivado, mas não consigo mais adiar, não
depois de hoje.

Sorri enquanto morria por dentro. Se fosse o que eu estava


pensando, o inferno se instalaria na minha vida de novo. Ele já tinha
tentado outras vezes e quando não conseguiu, experimentei os piores
dias da minha vida.

– E você, vagabunda, levanta daí, vai trabalhar – sua voz saiu


como o estalar de um chicote para Rita, que correu das nossas vistas.

Vicente olhou o celular e suspirou.

– Preciso sair, em cima da minha cama tem uma coisa para você.
Se eu chegar à noite e você não estiver usando seu presente, não
ficarei feliz, Ratinha gostosa.

– Tudo bem Vicente, como você quiser, bom trabalho. – Respondi


no automático.

Ele me deu mais um daqueles beijos que eu odiava.

– Você não tem mais nada para me dizer?

– Eu te amo, bom trabalho – disse apática.

Fiquei plantada no lugar que estava observando enquanto ele ia


até sua moto e saia da porteira de Caminho dos Girassóis com um
carro de segurança atrás dele. Desde que os turcos mal-encarados
começaram a frequentar a fazenda há uns dois meses, Vicente não
ficava mais desacompanhado. Só quando ele já ia longe na estrada
permiti desabar. Tremia de bater os dentes, experimentando mais uma
vez uma falta de ar absurda, o que era cada vez mais frequente. O
meio das minhas coxas formigava e eu só pensava na gilete que tinha
no quarto. Mas por algum motivo, acabei indo para debaixo do meu
ipê, concentrando em respirar normalmente. Ajoelhei aos pés da minha
árvore, pedindo perdão aos meus pais, por quase ter cedido ao mal.
Por muito pouco não deixei que Vicente a matasse.

– Me deem uma luz, um sinal, qualquer coisa… Como eu faço para


sair disso? – supliquei para a árvore, para os meus pais, para Deus…
para quem ouvisse primeiro.

– Disso o quê? – a voz era forte, firme, máscula e carregava um


sotaque tão gostoso de ouvir que sorri de orelha a orelha antes de me
virar. Alexander.

E então a realidade bateu, a fazenda inteira tinha câmeras, se


Vicente me visse conversando com algum homem ele mataria nós
dois. Fiquei espantada ao constatar que a ideia de Alexander sendo
machucado de alguma forma, me deixava profundamente triste.

– O que você está fazendo aqui? – eu disse mortificada por estar


sendo ríspida com ele, era a última coisa que eu queria, mas era
necessário.

– Não consigo mais dormir sem saber se você está bem…

– Estou ótima – o interrompi. – Por favor, vá embora agora.

– Me diga pelo menos o seu nome – ele se aproximou, pegando


minhas mãos nas suas. Um frio tomou conta do meu estômago
enquanto meu corpo inteiro pegava fogo. Uma lágrima silenciosa
desceu em meu rosto ao perceber que eu teria que soltar suas mãos o
mais rápido possível e ainda não seria rápido o suficiente…

– A-alexander, pelo amor de Deus, vá embora e nunca mais volte


aqui. – Olhei no fundo dos seus olhos cinzentos e acabei sorrindo por
dentro ao sentir seu cheiro, dessa vez eu não ia esquecer.

Olhei para uma câmera que estava bem na nossa frente, ele seguiu
meu olhar, franziu a testa e entrelaçou seus dedos nos meus, com
firmeza.
– Vem comigo – disse ele incisivo, com uma ânsia na voz que fez
mais lágrimas descerem do meu rosto, então ele completou – preciso
te devolver o seu chapéu, vai ser, como vocês dizem mesmo por aqui?
Rapidinho.

Queria rir com ele, mas cada minuto a mais que ele passava
comigo, mais perigo corria, não suportaria se Vicente o matasse por
minha causa. Nas últimas semanas, sonhar com o nosso beijo me
manteve de pé. Respirei fundo e soltei minhas mãos bruscamente.

– Vá embora, não volte mais aqui – e contra cada fibra do meu ser,
completei – não quero saber de chapéu nenhum, fique para você, você
é um grosso insuportável e intrometido que eu quero distância.

Ele enxugou minhas lágrimas com o polegar e sem querer, cerrei


minhas pálpebras por um segundo, seu toque parecia a coisa mais
certa do mundo. Ergueu os olhos até a câmera de segurança e
afastou-se de mim. Me senti oca, vazia na mesma hora. E então
parecendo ler os meus pensamentos ele disse:

– Não se preocupe loirinha, vai dar tudo certo. Só não saio daqui
sem o seu nome.

Tirei meus cabelos dos olhos, ventava muito perto do ipê…

– Cecília, agora por favor, eu te imploro, vá embora!

– Ok, ok! Eu vou. Você sabe onde eu moro, Lily sente sua falta –
ele disse intensamente, cada nota saída da sua voz batia direto no
meu coração.

Com minhas bochechas coradas eu disse.

– Tá bom, agora vai! Não volte mais aqui.

Ele grunhiu em inglês e finalmente voltou de onde veio. Mas agora


era tarde demais, Vicente não deixaria esse episódio passar.

Sentei-me debaixo da árvore por longas horas, até anoitecer,


tentando decorar a voz, o perfume e as feições do meu vizinho, feliz e
devastada ao mesmo tempo. Sem vontade de entrar em casa me
levantei e fui, já era tarde da noite e Vicente chegaria a qualquer
momento. E se ele já tivesse visto o vídeo da câmera nada me
salvaria.
Rita chorava baixinho quando entrei na cozinha. Já havia perdido a
conta de quantas vezes chorei pela casa e ela fingiu não notar.
Suspirei fazendo de tudo para controlar o ressentimento que queimava
meu peito e estendi a mão, tocando seu ombro. Deu um pulo de susto,
mas voltou a relaxar quando me viu sozinha.

– Eu não sabia que… enfim, me desculpe… – eu disse, de coração.

Era difícil colocar em palavras os horrores daquela casa, mas Rita


entendeu.

– Você precisa comer alguma coisa, Cecília – disse ela, enxugando


os olhos.

– Sim, mas agora não consigo, se der, mais tarde eu como.

– Tudo bem, boa noite. Vou deixar alguma coisa pronta na


geladeira.

– Obrigada.

Queria muito lhe dizer que não se preocupasse, que pela manhã
tudo ficaria bem, mas eu não podia, pela manhã provavelmente estaria
pior. Procurei um tranquilizante que escondi no armário e tomei ao
achá-lo. Subi resignada até o quarto de Vicente. Odiava entrar ali, a
presença da minha mãe era quase sufocante. Da janela sorri ao ver
minha árvore, mas meu sorriso morreu rapidamente quando observei
alguns homens ainda trabalhando no galpão, eles me davam medo,
pelo menos não entravam na casa quando Vicente não estava. Tinha
um tempo que eu não via aquele Serkan e esperava não ter que vê-lo
nunca mais.

Olhei desanimada para a sacola em cima da cama, que continha


apenas um batom vermelho e um vestido preto curto de seda. O
calmante que tomei começava a fazer efeito, graças a Deus. Soltei os
cabelos, passei o batom, me vesti e esperei, rezando para que Vicente
não pudesse vir para casa naquela noite. Meus olhos se fechavam
pesados quando ouvi sua voz. A reação era sempre a mesma. Minha
boca ficava com um gosto amargo, eu tremia por dentro e bile subia
pela minha garganta. Meu medo era tanto que o efeito do remédio foi
embora e infelizmente voltei a ficar alerta.

Vicente entrou bruscamente no quarto, observando-me por longos


segundos, sem dizer nada. O único som era o da sua respiração
entrecortada. Minhas entranhas eram apenas um nó, procurei em seus
olhos qual era o humor da vez, mas não pude decifrar, aquela era uma
nova expressão. Fechei os olhos e torci para que não doesse muito se
ele fosse mesmo me matar.

No entanto, o seu telefone tocou o tirando do transe. Ele atendeu,


vociferando logo em seguida.

– Sim caralho, seu sistema de segurança me custou uma fortuna e


hoje nenhuma desgraça de câmera funcionou. Cara, eu estou
incrivelmente ocupado agora. Não aceito desculpas, quero as
gravações do dia de hoje. Encontre o filho da puta por trás disso –
desligou e estreitou os olhos para mim – posso saber por que minha
Ratinha está tão feliz?

O alívio pelo que ele disse ao telefone foi tão forte, mas tão forte
que eu sorria abertamente sem perceber. Disse a primeira coisa que
me veio à cabeça.

– Estava com saudades de você.

– Aham – respondeu ele com uma sobrancelha arqueada, tirando a


arma da cintura e a colocando no criado mudo. – Já já verei se você
me ama tanto quanto diz.
O pensamento mais degradante de todos, passou pela minha
cabeça naquele momento, e olha que tive muitos desde os meus
catorze anos, época que meu inferno começou, Vicente tentara tirar
minha virgindade várias vezes, mas nunca conseguiu. Só sustentava
uma ereção ao meu lado se masturbando. Era encostar seu membro
em mim, que amolecia. Sempre que isso acontecia, sua mente doentia
me culpava e ele me espancava como um monstro enfurecido. Nessas
sessões eu sempre acabava no hospital com várias fraturas e
hemorragia interna.

Então, naquele momento, observando cada movimento que ele


fazia, tentando prever o que se passava em sua mente, pedi a Deus
que ele finalmente conseguisse. Eu não suportaria mais uma de suas
sessões de tortura. Cheguei ao fundo do poço, não tinha como minha
situação ser mais humilhante que isso.

– Abra as pernas, Cecília – disse com a voz carregada.

Não havia motivos para desobedecer, mas por um segundo meus


olhos focaram na sua arma parada na mesinha, como se me
chamasse. Seria tão simples, descarregaria tudo nele, ou daria um tiro
em mim, de uma forma ou de outra eu seria livre. Esse pensamento
durou literalmente um segundo, mas Vicente seguiu para onde meu
olhar apontava.

– Prometo para você que não vou te impedir, pegue a arma ou abra
as pernas. Mas seja rápida.

Segurando as lágrimas, abri as pernas e ele sorriu vitorioso


estufando o peito, sentando-se na beirada da cama. Por cima do
vestido, passou os dedos entre meus seios, descendo pela barriga,
indo parar no meio das minhas coxas repletas de cicatrizes. Demorou
um tempo acariciando meus cortes lentamente, como se fosse uma
obra de arte intrigante.

– Quando finalmente não pude mais guardar para mim o quanto te


queria, a primeira coisa que notei foi como sua pele era tão lisinha e
imaculada, parecia uma porcelana – ele se inclinou e beijou onde tinha
um machucado recente – e agora, eu estou marcado no seu corpo
todo, você nunca vai se esquecer de mim. Cada corte desses você fez
pensando em mim, e cada cicatriz que eu presenteei o seu corpo, fiz
porque eu te amo. Quero marcar você todinha, por dentro e por fora.

Ele deu uma mordida dolorosa no meu corte recente.

– Perdeu a educação que eu te dei?

– Não! Obrigada. – Respondi depressa. Estava a ponto de


perguntá-lo o que queria fazer, a agonia de não saber, era a pior parte.

Ele massageou meu clitóris suavemente e eu prendi a respiração.


Sorrindo ele disse:

– Eu sei que você quer se sentir bem, mas só depois do seu


presente de noivado. Preparada para saber o que é?

Não!

– Claro.

– Então venha comigo, vamos sair!

Olhei para ele com a testa franzida, nem me lembrava qual havia
sido a última vez que saímos juntos. Peguei em sua mão estendida,
mas ele bateu na própria testa como se tivesse esquecido algo
importante.

– Trouxe um sapato novo para você e esqueci no carro… – colocou


a arma de novo na cintura e me pegou no colo – não quero que você
machuque seus pés, Ratinha.

Como se eu não pesasse nada, me levou assim até o jardim, só me


soltando no banco do passageiro de uma enorme caminhonete azul
brilhante que eu nunca tinha visto na fazenda.

– Que carro é esse? – perguntei.

Ele sorriu com o peito estufado.


– Gostou? Mandei importar, chegou essa manhã. É uma F-150
Raptor, ninguém tem aqui no estado. Teremos só coisas boas a partir
de agora, meu amor. Elevei nossa fazenda de uma forma que os
perdedores dos seus pais nunca fariam.

Não sei como consegui me manter impassível ao ouvir aquilo, mas


eu precisava. Por mais cruel que suas palavras fossem, Vicente estava
sóbrio e de bom humor. Meu corpo agradecia uma trégua. Além disso,
prometi a Deus que ficaria na minha se ele não descobrisse o que
aconteceu na cachoeira. Satisfeito por eu não dizer nada, sorriu e
pegou um par de sapatos de saltos altíssimos no banco de trás,
colocando-os nos meus pés logo em seguida. Eram horríveis, vulgares
e bem desconfortáveis para andar.

– Obrigada, Vicente, são lindos!

Ele segurou meu rosto entre suas mãos e me beijou violentamente,


gemendo em minha boca.

– Sempre sonhei com esse dia, Ratinha. Eu sabia que um dia você
iria me amar como eu te amo. Você só precisava de disciplina.

Comecei a ficar sem ar mais uma vez quando lágrimas desceram


pelo meu rosto, Vicente tinha o costume de mudar de humor do nada,
mas não foi o que aconteceu, ele apenas limpou minhas lágrimas com
o polegar e disse:

– Você é tão linda, tão linda! Por que você tinha que ser tão linda?
– disse apertando meu pescoço, como se isso fosse um tormento para
ele, mas do nada, suspirou e relaxou – Só falta o seu presente para
ficar perfeita, vamos?

Tossindo, assenti com a cabeça, e ele ligou a caminhonete


monstruosa. Um carro preto nos acompanhou, eles seguiam Vicente
por todos os lugares. Remexi minhas mãos no colo, nervosa e sem ar
durante todo o percurso. Eu sabia que algo ruim iria acontecer, mas
meu otimismo sempre vencia minhas batalhas internas e, acabei
pensando que talvez os dias de loucura de Vicente tivessem chegado
ao fim agora que ele estava feliz porque ficou rico. Chegamos a uma
pequena galeria de um bairro mais afastado e Vicente abriu a porta
para mim. Dois homens de terno desceram do carro que nos seguia e
posicionaram-se na entrada do local. Eu não era acostumada a andar
com os saltos, mas ele segurava minha cintura com tanta força que
seria difícil que eu caísse.

Dentro do prédio, um homem de cabelo comprido, cheio de tatuagens


esperava com uma cara carrancuda. Ele parecia querer estar ali tanto
quanto eu.

– Misericórdia, Vicente, o que é isso? – perguntei bastante


preocupada.

– Calma, meu amor. Leo aqui me deve um favor e hoje estou


cobrando. Ele vai marcar você para mim.

– Mas, Vicente… – meu coração parecia que sairia pela veia do


meu pescoço – eu não quero…

Em segundos o Vicente “afetuoso” de minutos atrás sumiu e,


puxando meus cabelos com força, me obrigou a encará-lo nos olhos.

– Cala a boca! Seu corpo pertence a mim, quem decide sobre ele
sou eu, não você – e virando para o homem estranho continuou – Está
tudo pronto?

– Sim, Dr. Vicente, me acompanhem por favor.

Entramos em uma das lojas, era um estúdio comum de tatuagens.


O homem coçou a cabeça, confuso e envergonhado evitando me olhar
nos olhos.

– Deite-se aqui, por favor, senhorita.

Olhei mais uma vez para Vicente, implorar nunca tinha efeito, mas
foi mais forte que eu.

– Vicente… por favor! Não faz isso.


Agarrando meus cabelos de novo, ele disse baixinho no meu
ouvido.

– Eu trouxe minhas algemas, você vai colaborar ou vou precisar te


imobilizar?

Abaixei a cabeça e me sentei na maca de tatuagem. Então era


esse o grande presente que ele estava prometendo há dias.

– O que você quer fazer primeiro, Leo? Os piercings ou a


tatuagem? – Vicente perguntou.

O tatuador deu de ombros e eles acabaram escolhendo o piercing,


Não fui consultada sobre nada, apenas esperei de cabeça baixa.
Vicente pegou meu queixo com o polegar.

– São as nossas verdadeiras alianças de casamento, Ratinha,


traduz muito bem quem você é de verdade para mim.

Eram duas argolas horrorosas com um pingente da letra R e V


pendurados em cada uma. Uma para cada mamilo. Ratinha e
Vicente… o apelido que eu odiava… quis protestar, mas para quê? Já
de luvas Leo, arqueou uma sobrancelha, bastante nervoso e Vicente
deslizou as alças do meu vestido, que caíram sob meu colo, eu não
usava nada por baixo. O tatuador pegou uma pomada que segundo
ele era um anestésico, mas Vicente o impediu

– Não precisa, minha garotinha gosta da dor.

O homem olhou para mim com pena.

– Desculpa, moça – ele disse com uma agulha de tamanho


considerável nas mãos e, fazendo uma pinça com os dedos em meu
mamilo, furou de uma só vez.

Suei frio de tanta dor que senti e arrependi amargamente de não


ter pegado a arma quando estava em casa. Ele ainda teve que rodar a
argola da joia e colocar o pingente, enquanto eu mordia os lábios
arfando de dor. Repetiu a operação no outro mamilo que doeu ainda
mais do que o primeiro.
Depois que os piercings já estavam colocados, fui informada que
Vicente queria uma tatuagem bem no fim da barriga, no começo do
monte de vênus, escrita “Ratinha do Vicente” no fim de uma corrente.
Joguei tudo para o alto e chorei bastante quando Leo começou a
trabalhar. A dor e a humilhação beiravam o insuportável e para
completar Vicente ainda começou a tecer comentários sobre o meu
corpo.

– Eu sei que dói, minha Ratinha, mas sua bocetinha vai ficar ainda
mais linda do que já é. Você é toda minha agora – e virando para o
tatuador, perguntou – vai demorar muito ainda?

– Não, Dr. Vicente. Daqui a pouco já tá pronto.

E realmente não demorou muito, quando acabou, ele me pediu


desculpas mais uma vez. Não tive coragem de me mexer. Pela
primeira vez na minha vida, entendi quem o meu padrasto realmente
era. Não faria diferença se eu obedecesse a tudo o que ele ordenasse.
Vicente era um sádico cruel e não precisava das minhas ações para
fazer o que bem entendesse. Meus seios ainda doíam e a tatuagem foi
extremamente dolorosa para ser feita. O tatuador começou a arrumar
seus equipamentos e pegou um papel, para enxugar o excesso de
sangue da minha pele, mas Vicente tomou de suas mãos. Olhando
para ele com desprezo, disse com uma voz gelada.

– Vaza daqui! Se por algum acaso você comentar sobre isso com
alguém…

– O que é isso Dr. Vicente, eu não sei de nada… – disse ele com a
voz trêmula.

Pegou rapidamente suas coisas e saiu praticamente correndo de


dentro do estúdio, mas um dos grandões de terno já estava na porta,
“pedindo” para que Leo o acompanhasse. Pobre Leo! Eu deveria ter
sentido alguma coisa, mas a verdade era que eu não conseguia mais
ter pena de ninguém, no mundo que Vicente me jogou era cada um por
si.
Sozinhos no estúdio, ele lambeu os lábios, passando o papel por
cima da tatuagem.

– Você não tem ideia de quão linda está, toda marcadinha para
mim. Nossa noite de núpcias será perfeita, Ratinha.

Ele me levantou pelo pescoço, me levando até um espelho de


corpo inteiro que tinha em uma parede. Eu estava horrível, suja,
deplorável.

– Linda! Você está mais linda do que nunca. Minha! Minha Ratinha!

Quando Vicente me jogou com brutalidade de volta na maca e,


lambeu o meu corpo, me vi aliviada por ele não ter a intenção de fazer
nada além do “habitual”. Dos males o menor, pensei resignada, se é
que existia algum mal menor na minha vida.

Fechei os olhos, ignorando o nojo, a humilhação e o ódio que


cresciam cada vez mais dentro de mim. Quando ele ordenou que eu
gozasse para ele, eu pedi baixinho para Deus que Vicente me matasse
logo, meu limite havia chegado. No entanto, cada detalhe de
Alexander, o meu vizinho, atravessou os meus pensamentos de
repente. Seu corpo sem camisa, as linhas bem-feitas do seu maxilar,
seus lindos e tristes olhos cinzentos, a boca sensual e bem
delineada… senti o sabor do seu beijo em meus lábios e, como se
estivesse acontecendo naquele momento, explodi em um orgasmo
violento, que fez corpo todo tremer e os meus mamilos doerem como o
inferno.

Abri os olhos e dei de cara com Vicente sorrindo vitorioso, supondo


que isso havia sido para ele. Ainda ofegante, experimentei um misto de
sensações conflitantes, minha mente entrou em uma espiral e a falta
de ar ameaçou voltar com tudo. Instintivamente fechei os olhos mais
uma vez e, ignorando todo o resto, deixei que a imagem, o cheiro e o
gosto do cowboy me invadissem. Como um passe de mágica, a minha
respiração voltou ao normal. Alexander fazia toda a minha dor sumir.
Uma semana depois.

Esperei Geovane, meu aluno de equitação, entrar no carro com sua


mãe que mais uma vez tentou me chamar para sair. Não queria
magoá-la, mas eu não estava disponível para romances, nem os de
uma noite. Além do mais, só uma coisa povoava meus pensamentos
desde o episódio da cachoeira, Cecília. Era como ela disse que se
chamava. Tinha algo definitivamente errado acontecendo naquela
fazenda. O pavor que vi em seus olhos tentando me mostrar as
câmeras de segurança, quase me fez pegá-la pela mão e tirá-la dali.
Mas antes eu precisava saber com o que eu estava lidando.

Primeiro de tudo, eu precisava apagar os meus rastros. Fui até o


meu esconderijo e peguei meu notebook. Na minha outra vida, quando
eu servia o exército, na segunda missão no Iraque era exatamente isso
que eu fazia, deixava minha equipe invisível para os inimigos. Não foi
difícil enviar um vírus para o IP[5] da fazenda vizinha. Eles teriam que
reinstalar todo o sistema de segurança. Enquanto isso não acontecia,
a loirinha poderia respirar um pouco.

Entrei em casa, olhei para minha garrafa de Jack Daniels no balcão


da cozinha e saí de novo. Queria pegar Raul ainda no haras. Lily veio
ao meu encontro e fomos juntos procurar pelo veterinário. Ele estava
nas baias olhando preocupado para a égua do prefeito.

– Ela vai dar à luz a qualquer momento, Alex, mas não estou
gostando do quanto está prostrada – ele olhou no relógio – será que
ainda dá tempo de pegar Wagner da sede da prefeitura?
Ainda não eram cinco da tarde, se eu corresse daria sim.

– Eu vou, o que é para dizer?

Ele mudou o peso do corpo para o outro pé.

– Ah, cara. Eu poderia ligar, mas acho melhor pessoalmente


mesmo. É para ele ficar preparado, não sei se eles vão sobreviver.
Esse potro deve estar virado.

Antes de pegar a caminhonete, perguntei como quem não quer


nada.

– Você sabe quem mora na fazenda vizinha?

Ele inclinou a cabeça de lado franzindo a testa.

– O delegado e a namorada eu acho. As más línguas falam que ela


é filha dele porque é muito novinha, ele já tem mais de quarenta, ela
estava na escola ano passado. Já ouvi gente falando que ele morou a
mãe dela, mas a menina o tomou da mãe, uma confusão. Você sabe
como a língua do povo é. Por que a pergunta?

Senti uma vontade absurda de beber uma dose, talvez eu voltasse


em casa antes de sair.

– Por nada – respondi pegando minha chave e meu chapéu.

– Alex! – Raul me chamou – Não se meta com o delegado, ele é


muito poderoso aqui na cidade.

Sorri sarcástico acendendo um cigarro, coloquei meu chapéu e subi


na minha caminhonete. Já virando a rua da prefeitura, meu celular
tocou. Olhei para a tela, DDI +1, Estados Unidos. Não atendi, fosse o
que fosse eu não queria saber, nem como arrumaram meu telefone.
Joguei o aparelho no banco do motorista e estacionei. Como era
quase o fim do expediente, a prefeitura estava quase deserta.

– Wagner Mol está? – tirei o chapéu e perguntei para a moça da


recepção da sala do prefeito, que olhava concentrada para o celular.
– Boa tarde, o senhor tem hora marcada?

Bufei, coçando o nariz.

– Olha, você diga aí que ele precisa saber da situação do parto da


égua Jandira.

De má vontade ela ligou para sala do prefeito que mandou que eu


entrasse alguns minutos depois.

– Alex, meu querido. A que devo essa honra? Aceita um café,


água?

– Não.

– Algo mais forte talvez?

Eu não havia reparado que os tremores já tinham começado.


Segurei uma mão na outra tentando ignorá-los.

– Wagner, Raul tem quase certeza que o potro de Jandira está


virado e…

– O prefeito está ocupado agora, você precisa marcar um horário,


senhor... – a menina da recepção soou preocupada do outro lado da
porta.

– Vicente Alcântara, e se você soubesse com quem está falando,


abriria essa porta agora – o homem gritava com a pobre garota e
poucos segundos depois, entrou na sala.

– Wagner, seu comedor de bosta que porra…

Ele congelou, soltando um grunhido ao me ver sentado de pernas


cruzadas em frente à mesa do prefeito que se adiantou para nos
apresentar.

– Vicente, acredito que você já conhece Alex.


Era um homem no final dos trinta anos, início dos quarenta. Se
vestia como um bad boy e tinha a pose de dono do mundo. Seus olhos
não enganavam, eram frios, vazios, aquele era um filho da puta crue
Ele me mediu com pouco interesse.

– Creio que nunca nos esbarramos, deveríamos? – Completou


estendendo a mão.

Cocei o nariz e olhei para sua mão que ficou estendida no ar.

– Provavelmente não – respondi.

Um clima tenso pairou no ar quando ele recolheu a mão. Wagner


se apressou em dizer.

– Vicente vai dar uma festa amanhã, Alex. Ele é o dono da fazenda
de flores, vizinho do seu haras.

Levantei uma sobrancelha em resposta, então esse era o delegado


que morava na fazenda ao lado. Ele sorriu.

– Amanhã é o meu noivado, espero não te incomodar com o


barulho.

Minha mão tremia visivelmente. Peguei meu zippo para ter uma
distração.

– Bom, Wagner, vá amanhã ao haras e decida com o veterinário a


situação do potro de Jandira, sua égua.

Ele acenou com a cabeça e eu já cruzava a porta quando Vicente


falou.

– Alex?

O encarei sem dizer nada.

– Apareça também, acho muito estranho sermos vizinhos e não


termos nos encontrado até hoje. Cecília, minha noiva, ficaria feliz de
receber você e eu também, claro.
O “minha noiva” me incomodou muito mais do que deveria. Na
verdade, eu precisava mesmo era de uma bebida, os tremores já
estavam ficando dolorosos, mas havia algo naquela loirinha que
gritava por socorro, eu não conseguia me livrar dessa sensação.

– Verei se consigo – eu disse.

Saí da prefeitura com um peso horrível oprimindo meu peito, a voz


de Cecília se juntou às outras, pedindo por ajuda. Eu não deveria me
importar, não deveria me meter, eu nem sabia se tinha alguma coisa
realmente acontecendo, mas nada me tirava da cabeça que nem todas
as garrafas de whisky apagariam o fogo que me queimava por dentro,
quando eu fechava os olhos e via aquela doce menina linda
implorando por ajuda.
A “bendita” festa de noivado, se é que se pode chamar essa
insanidade coletiva de festa, seria naquela noite, mas eu ainda
mantinha um fio de esperança que não fosse acontecer. Vicente teve
que viajar mais uma vez para Vitória, resolver algum problema de uma
exportação que deu errado. Torci para que ele ficasse muito tempo por
lá, apesar da capital ser apenas uma hora de distância de Santa Maria.

Respirei fundo tentando criar coragem para sair do quarto e isso


era exatamente o que me incomodava: o tamanho da minha covardia!
Por que eu não tinha coragem suficiente para aparecer nessa maldita
festa com as minhas cicatrizes à mostra, gritando por socorro? Há
muito tempo esse tipo de pensamento não passava mais pela minha
cabeça.

Eu nem sempre fui assim, assustada e medrosa, já tentei lutar. No


começo, ainda quando mamãe estava viva, procurei me salvar de
várias formas. Fugi, bati de frente com Vicente, até contei para uma
policial uma vez que ele me espancava. Santo Deus! Como eu era
ingênua. Desde então, as minhas muitas cicatrizes me ensinaram que
nada de bom viria da rebeldia. Ao longo dos anos, com muita
crueldade e paciência, Vicente me ensinou que a minha única saída
era seguir suas regras, não as minhas. Houve uma época que eu
quase enlouqueci. Passava horas sonhando acordada que estava em
coma no hospital após sofrer o acidente com mamãe, e que nada do
que eu vivia nessa casa era real.

Bati com as mãos na testa balançando as pernas, inquieta. Já tinha


tempo que aprendi a afastar esses pensamentos da mente. Fuga e
esperança eram os mais destruidores. A única forma de lidar com tudo
isso era aceitar, essa era a minha vida agora. Então, mais uma vez,
algo terrível aconteceu. Tive um vislumbre de felicidade. O beijo de
Alexander naquela cachoeira, no momento mais sombrio da minha
vida, lembrou o meu corpo e a minha alma de como era sentir algo
bom mais uma vez… E agora eu estava desesperada. Tudo que
Vicente fazia voltou a doer dentro de mim, como no começo. Não era a
dor física que me incomodava, essa eu tirava de letra, algumas vezes
até ansiava por ela. No entanto, o controle e a humilhação estavam
matando meu espírito aos poucos.

– Cecília, o café está na mesa! – Rita gritou lá de baixo.

Desde o episódio da arma ela nunca mais me maltratou, mas eu


não conseguia me importar o suficiente para trocarmos “feridas de
guerra” uma com a outra. Eu não tinha vontade nenhuma de falar com
ninguém sobre o que realmente acontecia nesse quarto quando
Vicente fechava a porta e eu virava a sua Ratinha. E acima de tudo,
eu não confiava nela.

Mesmo sem a mínima fome, desci. Eu estava cada vez mais magra
e sem forças, sem saber se isso era melhor ou pior.

– Fiz o bolo de limão que você gosta, fiz ontem porque hoje essa
casa vai virar uma loucura por causa da festa – disse Rita assim que
me viu.

– Obrigada – respondi esboçando um sorriso amarelo.

– Aquela dona te procurou mais cedo pela manhã.

– Que dona?

– Uma que esteve aqui com a sua professora. Débora, eu acho.

Acenei com a cabeça, desanimada. Débora Ramos, a diretora da


cooperativa, ainda esperava minha resposta. Fazer parte de um
projeto desses era um antigo sonho do meu pai e eu queria muito
realizá-lo. Poderíamos ficar famosos no ramo de produção e
exportação de flores com a venda da minha orquídea hibrida, mas
Vicente nunca me escutaria.
– Ei! Você não vai comer nem um pedaço? – Rita chamou ao me
ver levantar da mesa.

Não respondi, pensando apenas em quando ouvi Vicente dizer para


o juiz sobre o tráfico de heroína. Balancei a cabeça ainda sem
acreditar que foi isso mesmo que escutei aquele dia. Vicente era um
delegado bastante respeitado na cidade e Bartolomeu era juiz em
Santa Maria desde que eu me entendia por gente. Eu provavelmente
estava escutando coisas erradas ou inventando o que não tinha.
Tráfico de heroína estava bem acima da capacidade deles. Como a tal
festa seria naquele dia, os homens que viviam de um lado para o outro
na fazenda não vieram trabalhar no galpão e, com Vicente em Vitória,
não resisti. Precisava que saber o que tanto acontecia naquele lugar.

Saí pela porta da cozinha, dando a volta pela estufa até chegar em
frente da feia e enorme construção sem acabamento. Caminho dos
Girassóis era uma fazenda muito charmosa, com canteiros de flores e
construções de madeira por todo canto e esse galpão destoava de
longe, chamando bastante a atenção. Mais um motivo para não ser
nada daquilo do que eu estava pensando. Olhei para além do galpão e
sorri por dentro ao ver meu ipê todo amarelinho com os azuis e roxos
das orquídeas nos troncos, eu deveria ir para lá e ficar até a
maquiadora chegar, mas não conseguia mais respirar de ansiedade.
Eu precisava mesmo saber o que Vicente estava fazendo com o
legado dos meus pais.

Aproximando da entrada, supus que o galpão provavelmente


estaria trancado, mas para minha surpresa, não estava. Deslizei o
portão de correr e em um primeiro momento me senti bastante aliviada
por ver apenas nossas flores prontas para a venda e algumas câmaras
frias. O galpão era uma grande construção retangular, com tábuas de
um lado lotadas de flores em grandes vasos e cortadas. Do outro havia
pelo menos quatro câmaras frias alinhadas e fechadas. Algumas flores
mais delicadas precisavam mesmo desse tipo de conservação. Nada
estava fora do lugar aqui e eu deveria ter deixado minha curiosidade
de lado, mas a estupidez foi maior. Rapidamente fui para o meio do
galpão e peguei um dos vasos de begônias, olhei por tudo quanto era
ângulo e realmente não havia nada, era apenas um vaso de begônia.
Tentei entrar em uma das câmaras frias, mas não consegui girar a
alavanca. Então coloquei toda a minha força na câmara seguinte e
consegui.

Dei um passo para trás, horrorizada. Era tudo verdade! Nunca usei
drogas e tinha um bom tempo que não via televisão, desde que
Vicente tirou todas da casa, alegando que eu não precisava me distrair
com romances de novela, mas havia vários tonéis com sacos de um pó
de uma cor estranha, parecendo areia. Ao lado deles, em caixas,
vários saquinhos minúsculos com um pó branco estavam sendo
colocados dentro da terra dos vasos das rosas. Não precisava ser
muito esperta para deduzir o que aquilo era.

Com o coração aos pulos e um aperto sufocante na garganta,


fechei a câmara e me virei de uma só vez para fugir daquele galpão e
nunca mais voltar, quando bati a cabeça no tronco de alguém que fez
cair com tudo no chão. Com a visão turva de tanto medo dei de cara
com Serkan me encarando impassível com a mão estendida. Como
não peguei em sua mão, ele segurou em meu braço e me levantou.
Tremi dos pés à cabeça, esse homem me dava calafrios.

– Procurando alguma coisa, garotinha? – perguntou.

Sua voz era sinistra e tinha um forte sotaque, diferente. Olhei para
o chão sem saber o que fazer. Ele se aproximou um pouco mais,
levantou meu queixo com o polegar e o indicador, obrigando-me a
encará-lo.

– Não se trata uma mulher assim… eu jamais faria isso com você –
disse ele acariciando uma pequena cicatriz em minha bochecha de
uma bofetada que Vicente havia me dado, com seu anel de delegado.

Meu corpo inteiro pedia para que eu girasse nos calcanhares e


saísse correndo daquele lugar, mas antes que meu cérebro voltasse a
funcionar do pânico que Serkan me causou, Vicente abriu o portão. Ele
não nos viu imediatamente e só o que deu tempo de fazer foi
desvencilhar do toque de Serkan, o que acabou sendo tarde demais.
No segundo que Vicente guardou o celular e me viu, enlouqueceu.
– Que porra é essa, Cecília? Então é isso que você faz toda vez
que eu viro as costas?

Ele avançou como um raio em minha direção, agarrando os meus


cabelos com força.

– Me perdoa, Vicente. O galpão estava aberto e eu fiquei curiosa


com o que tinha aqui dentro, foi só isso.

Com os punhos fechados, ele levantou a mão para me bater.


Encolhi colocando os braços na frente do rosto, mas o golpe não veio,
Serkan segurou sua mão.

– Controle-se, homem. Para que isso tudo? – disse ele enquanto


Vicente puxava o braço com brutalidade.

Gelei toda por dentro, só um milagre me salvaria da fúria de


Vicente depois disso. Ele soltou meus cabelos com um forte empurrão,
sacou sua arma e a apontou na cara do outro homem.

– Você não vai me dizer como eu lido com a minha noiva!

Serkan levantou os braços e sorriu desafiador com os olhos frios


como sempre, aparentemente meu padrasto não punha medo nele
como em mim.

– Não está mais aqui quem falou, só não aponte essa arma para
mim se não for para atirar.

Vicente ainda ficou um tempo bufando, encarando-o nos olhos.


Suas veias do pescoço saltavam e eu quis vomitar de tanto pavor.
Muitas das minhas cicatrizes aconteceram com ele nesse humor.
Merda, tinha um bom tempo que ele estava mais calmo, desde a
tatuagem, para que eu fui inventar de entrar aqui?

– Vicente… meu amor… – eu disse na esperança que me arrastar


por ele o acalmaria, mas me enganei.

– Amor?! – falou segurando meus cabelos mais uma vez.


– Ai… por favor Vicente, tá doendo muito! – implorei.

– Ah! Agora tá doendo muito, piranha? – e sem me soltar ele disse


para Serkan. – Nunca mais se meta com a minha menina ou esqueço
nossa parceria.

Serkan olhou de mim para Vicente estreitando os olhos como se


ponderasse se valeria a pena enfrentar ou não o meu padrasto.

– Ok, não vai mais se repetir, mas precisamos da assinatura dela o


quanto antes – disse ele, vendo que não valeria a pena me ajudar,
todo mundo sempre acabava tomando essa decisão, eu já deveria ter
me acostumado a essa altura.

Vicente grunhiu alguma coisa em resposta e saiu do galpão me


arrastando pelos cabelos.

– Eu faço tudo por você, Cecília. Nossa festa vai ser tão linda e o
que você me dá em retorno? Se esfrega no primeiro pau duro que vê.
Você acha que eu não sei o que você quer?

– Vicente, pelo amor de Deus, você entendeu tudo errado. A única


coisa que aquele homem desperta em mim, é asco.

Já tínhamos chegado na sala da casa principal nessa altura e ele


parou em minha frente, analisando-me de cima com os olhos mais
gelados que já vi. Sem aviso, apertou o meu pescoço com muita força.

– Puta mentirosa, a sua sorte é que eu te amo demais para te


matar, Ratinha.

Ainda com os dedos em volta do meu pescoço, me jogou em cima


do sofá e subiu em mim, lambendo meu rosto. Fechei os olhos
desejando como nunca que ele acabasse com tudo de uma vez. Eu
não tinha mais condições de viver assim.

– S-seu Vicente… – Rita disse hesitante atrás de nós.

– O que é? – sua voz saiu como um chicote.


– A-as decoradoras e a maquiadora chegaram lá no portão, posso
deixar entrar?

Ele abriu um sorriso perverso e acariciou meu rosto, largando meu


pescoço.

– Pode, mas diga a elas que Cecília vai demorar para descer,
precisamos ter uma conversa antes que ela coloque o meu anel no
dedo.

Só percebi que estava chorando quando ele enxugou minhas


lágrimas.

– D- deixa eu me arrumar para nossa festa…

– Não, meu amor, ainda não, você sabe muito bem que não vai sair
dessa sem uma punição – disse ele me levantando do sofá –, mas
primeiro preciso que você seja uma boa menina e assine uns papéis
da fazenda para mim, ok?

Com brutalidade, ele me empurrou até a mesa. Franzindo a testa,


tirou vários papéis de uma gaveta, colocou em minha frente e me deu
uma caneta.

– Assine, Ratinha.

– O que eu estou assinando? – perguntei tentando ler o que era,


mas pareciam apenas burocracias de exportações.

– Você não estava curiosa para saber o que tinha no meu galpão?

Disse que sim a cabeça e ele continuou.

– São as drogas que você importa e exporta para outros países.

– E-eu?

– Sim! Se quiser dar de espertinha e contar para alguém o que viu,


quem vai presa é você. Tudo isso aqui está no seu nome e as suas
assinaturas vão estar em todas as cargas. O próximo carregamento
chega na semana que vem, precisamos de você no porto para liberar a
carga. Eu mesmo farei questão de te levar para cadeia se algo der
errado. Estamos entendidos?

E se eu não assinasse, o que ele faria? Pensei olhando para os


papéis, e logo descobri. Tirando a arma da sua cintura ele apontou
para minhas costas e disse no meu ouvido.

– Se eu te der um tiro bem aqui – encostou o cano frio da arma na


minha coluna – as chances de morrer são pequenas, mas é garantido
que perderia todos os movimentos do corpo. Não precisa ter medo,
cuidarei de você como minha bonequinha.

– Meu Deus, Vicente, abaixe essa arma! Eu vou assinar.

Ele sorriu satisfeito, guardando a arma na cintura enquanto eu


assinava minha própria condenação. Isso me prenderia ainda mais a
ele, mas que escolha eu tinha? Eu já vivia em uma prisão de
segurança máxima, às vezes ser presa numa cadeia de verdade seria
até melhor que esse inferno.

Assim que todos os papéis foram devidamente assinados, Vicente


subiu comigo para o quarto dele e tirou toda minha roupa, peça por
peça, bem devagar. Não ofereci resistência, o meu medo era tanto que
tremia de bater os dentes.

– Com frio, Ratinha?

Balancei a cabeça negando, ele amava o momento da antecipação,


quanto mais medo eu sentia, mais feliz ele ficava. De pé no meio
quarto observei Vicente andar em círculos em minha volta, como se
analisasse cada pedaço do meu corpo. Parou atrás de mim, segurando
meu pescoço, colocando seu corpo totalmente vestido ao meu
completamente nu. Eu podia sentir o medo correndo nas minhas veias.
Era devastador o sentimento de solidão ao me ver à mercê desse
homem insano e cruel

– Cecília, o que eu quero que você seja? – perguntou abaixando


suas mãos até o meu seio e puxando as argolas dos piercings. Perdi o
ar de dor.

– Uma menina pura e inocente – respondi com a respiração


entrecortada.

– Então por que… – ele deu um puxão que quase rasgou os meus
mamilos – você sempre se comporta como uma puta imunda e
mentirosa?

Meu cérebro entrou em pane, eu não sabia a resposta certa dessa


pergunta.

– Eu te fiz uma pergunta! – insistiu ele.

Outro puxão… e eu entreguei os pontos, era sempre melhor entrar


no jogo dele, mas não dava para raciocinar com a dor que senti
naquele momento.

– Por favor, Vicente, eu não posso mais viver desse jeito. Não fiz
nada errado, só queria saber o que tinha no galpão…

Ele girou o meu corpo de frente para o dele.

– A única pessoa que parece gostar de viver dessa forma é você


mesma, eu quero que você viva como uma princesa, minha Ratinha –
disse beijando meus lábios – é você que se sabota fazendo merda.
Vamos começar do zero hoje?

– S-sim – respondi olhando para baixo.

– Ótimo! A partir de agora eu vou confiar que você vai viver só para
mim, nada mais de sair dessa casa, não te quero nem na estufa sem
minha permissão, estamos entendidos? Você não pode me tirar do
sério desse jeito, um dia eu vou acabar te matando, Cecília, e eu não
imagino minha vida sem você.

– Como você achar melhor, Vicente.

Ele me deu mais um beijo.


– Meu pau está tão duro agora pelo que eu vou fazer com você…
Me espere aqui.

– Mas Vicente…

– Shhh, não quero ouvir sua voz. Me espere aqui, quietinha, do


jeito que eu te ensinei.

Além da tremedeira, minha visão ficou turva. Vicente saiu do quarto


trancando a porta atrás dele. Pela janela o observei ir até o meu ipê e
voltar com Rita ao seu lado. Depois de um bom tempo sumido do meu
campo de visão, a porta do quarto se abriu e ele voltou com a vara de
marmelo nas mãos. Ah não, de novo não! Chorando compulsivamente
me joguei aos pés dele.

– Eu juro que entendi, eu não vou mais sair da casa, passo o dia no
meu quarto se você quiser.

Ele me chutou dos seus pés, como se eu fosse uma cadela de rua
e me obrigou a levantar, ficando de pé em sua frente. Sentando-se na
beirada da cama, disse:

– Sabe Cecília, é com a dor que as pessoas aprendem, eu posso te


falar o quão pouco faltou para eu enfiar uma bala na sua cabeça hoje,
mas isso são só palavras… preciso que você sinta e entenda. É para o
seu próprio bem, mesmo depois de todos esses anos você não parece
saber com quem está lidando. – Ele passou os dedos nas cicatrizes da
parte interna das minhas coxas. – Tenho certeza que se lembra de
cada corte desses…

Subindo os dedos, acariciou o meu clitóris, passando o polegar em


cima da tatuagem. Eu prendi a respiração e ele sorriu.

– Não putinha, hoje você não merece gozar… Vire de costas para
mim e coloque as mãos na janela.

Eu não queria apanhar, chegou a passar pela minha cabeça


implorar para que ele transasse comigo, mas Vicente andava tão
instável com o problema da ereção…
– AGORA. RATINHA! – gritou me assustando.

Virei de costas debruçando na janela e ele afastou as minhas


pernas ainda com os dedos no meio delas.

– Rita – escutei ele dizer. Devia ser ao telefone, pois não virei para
ver. – Faça como eu te ensinei, não é para sobrar vestígio.

Meu coração parou de bater quando eu vi onde Rita estava.

– Vicente, pelo amor de Deus, aquela árvore é a única coisa que eu


tenho...

– Eu sou a única coisa que você tem – disse ele enquanto batia
com a vara nas minhas costas e Rita colocava fogo na minha árvore.

Naquela hora eu morri por dentro. Vicente bateu com força,


repetidas vezes, senti o sangue escorrendo de diversas feridas, mas
nada era pior do que ver a única lembrança do meu pai virar fumaça.
Já fazia bastante tempo que Vicente jogou fora todas as minhas fotos
de infância. Gritei desesperada ao realizar, entre uma lambada e outra,
que eu não lembrava mais do rosto dos meus pais. Ele desceu o braço
inúmeras vezes, enquanto a vara cortava as minhas costas, não sei
quanto tempo isso durou, mas chegou um momento que eu não queria
mais que parasse. Meus gritos foram substituídos por gemidos e eu
chorei ainda mais pelo meu próprio corpo estar me traindo, quanto
mais ele batia mais eu latejava entre as pernas. Acima de tudo, eu não
desejava ficar sozinha com os meus pensamentos quando a dor fosse
embora. Ofegante, ele abaixou o braço pela última vez e falou no meu
ouvido, colado nas minhas costas.

– Você está linda agora, uma obra de arte deliciosa. Amo tanto
você...

Quando ele saiu de trás de mim, caí no chão. Os músculos das


minhas pernas tremiam de tanto apanhar. De pé, ele se aproximou,
abriu a calça e se masturbou até gozar nas minhas costas. O sêmen
escorreu nas feridas abertas, ardendo por onde passava. Chorei
baixinho com rosto no chão, não devido à dor física, essa era bem-
vinda. O aperto no meu coração, ao ver o último vestígio da vida feliz
que tive ao lado dos meus pais virar cinzas era insuportável. Eu só
pensava em me trancar no meu banheiro e me cortar até passar. Mas
o demônio pensou em tudo. Ele disse com uma voz bem mais
controlada, como se estivesse dando ordens para um funcionário.

– Cecília e quando eu digo viver para mim, estou falando sério. Não
quero que você se corte sozinha, sei que uma vagabunda pervertida
como você, precisa de dor para se sentir bem, então peça para mim.
Estarei sempre aqui. – Ele respirou fundo e continuou. – Não me teste
nunca mais. Em hipótese alguma me desobedeça, eu ainda não
transformei sua vida em um inferno. Se você for uma boa menina
daqui para frente, seus privilégios podem voltar. Vou mandar Rita
cuidar dos seus cortes, seu vestido de festa é branco, não pode ficar
manchado de sangue.

Ele agachou, me pegou pelo pescoço e beijou a minha boca


intensamente.

– Sou perdidamente apaixonado por você, criança! Você não tem


ideia do quanto eu queria te mostrar a extensão do meu amor. Não
gosto mesmo de te disciplinar, mas você me faz perder a cabeça com
a sua burrice e desobediência!

Uma fúria violenta tomou conta das minhas entranhas. Por que isso
estava acontecendo comigo? Por que ele simplesmente não me matou
naquele galpão? Endureci minha postura e disse olhando dentro dos
seus olhos:

– Espero que um dia, Vicente, eu consiga te mostrar toda a


extensão do que sinto por você. Você tem mesmo razão, apenas
palavras nunca serão suficientes.
– PAPAI! – a voz de uma menina me chamava ao longe.

Tentei alcançá-la, mas o corredor era escuro e parecia não ter fim.
Depois de muito procurar, vi duas portas abertas em minha frente.
Duas crianças brincavam… na sala da minha antiga casa?! Era
confuso, não consegui entender o que acontecia, nem onde eu estava.
Na outra porta Mollie chorava me pedindo ajuda. A alegria que eu senti
ao vê-la em carne e osso foi indescritível, quase senti seu cheiro, mas
por algum motivo, mesmo com ela ali, não consegui. Eu sabia que algo
estava fora do lugar, sabia que nunca mais a veria… ela chorava tanto,
eu precisava ir até ela, ajudá-la… Mollie era a razão da minha vida,
mas uma mão segurou o meu braço me impedindo ir…

– Olhe mais de perto, agente – essa voz, eu jamais esqueceria.


Hector Zambada me olhava vitorioso.

Fiz o que me foi pedido, mas Mollie havia sumido. Em seu lugar
estava a loirinha, acorrentada em um X, se debatendo e chorando
compulsivamente. Corri até ela, mas não tinha como tirá-la dali…
– Alex – ela disse entre as lágrimas – você nunca vai conseguir me
salvar!

Acordei coberto de suor. Esfreguei o peito e levei a mão até a


garrafa de whisky que estava em cima da mesinha de cabeceira.
Tremendo, vi que a esvaziei na noite anterior.

– Porra! – gritei, jogando-a na parede.

Os tremores nas mãos estavam mais frequentes. Há alguns anos,


descobri que se bebesse até desmaiar, eu conseguia uma noite de
sono sem sonhos então nunca mais me separei de uma garrafa. No
entanto, até isso o universo resolveu tirar de mim, a loirinha não saía
da minha cabeça e os pesadelos voltaram piores do que nunca. Tinha
mesmo algo errado ou eu estava ficando maluco? Eu não merecia
mesmo ter paz… e apesar de saber que não deveria me meter em um
problema que não era meu, disse para aquela menina que tudo ficaria
bem e eu sempre cumpri minha palavra. Depois disso… Bom, não
havia um depois…

Acendi um cigarro e fui para a cozinha pegar outra garrafa. Lily


pulou de alegria ao me ver e afaguei sua cabeça enquanto enchia seu
pote de ração. Olhei nos armários, na despensa, na geladeira e soprei
a fumaça do cigarro com força, muito nervoso. Não havia uma gota de
álcool na casa. Eu estava lotado de coisas para fazer com os cavalos,
mas com as mãos tremendo desse jeito seria impossível. Fiz um café e
terminei meu cigarro, ainda era muito cedo e nessa desgraça de
cidade nada abria a essa hora. Não ia demorar para os tremores
piorarem, não fazia calor e eu já suava muito, precisava me distrair.

Lily latiu arranhando a porta da cozinha, as horas passavam com


uma lentidão dolorosa, eu enlouqueceria olhando para essas paredes
só pensando em beber. Troquei de roupa e fomos correr pelo haras.
Escolhi uma trilha bem ao lado da fazenda vizinha, mas de onde eu
estava não detectei nada anormal. Apenas vi o delegado saindo em
sua caminhonete cantando pneu. Eu deveria resolver isso logo, entrar
naquela casa, pegá-la pelo braço, tirá-la da cidade e nunca mais
pensar nesse assunto novamente. Damn it. Não adiantaria eu tentar
me enganar, trabalhei muitos anos no DEA para não perceber o que
estava acontecendo aqui. Se ela fosse mesmo enteada do delegado,
um noivado com a presença do prefeito e de autoridades importantes
tinha apenas um significado. Vi situações parecidas entre narcos
mexicanos, eles movimentavam bilhões de dólares, sustentavam
cidades inteiras e todos se calavam, podiam fazer o que bem
entendiam. Não parecia ser o caso dele ter esse nível de poder…
ainda, mas geralmente era assim que começava. Eu precisava saber
que porra realmente estava acontecendo em Santa Maria. Por que
diabos, de todos os lugares do mundo, vim parar logo aqui?
Segurei minha vontade de resolver isso logo na força bruta, chamei
Lily e retornei para casa. Meu telefone tocava sem parar, atenderia
apenas se fosse Raul, mas havia mais de vinte chamadas não
atendidas com o DDI dos Estados Unidos. Não tinha a mínima vontade
de saber o que era, mas bem na tela havia uma mensagem de Brian,
meu antigo amigo e parceiro, irmão da minha esposa. Deveria ter
desconfiado que era ele ligando, quem mais me descobriria em
qualquer lugar?
“Atende, porra! Achamos Hector Zambada!”

Fuck! Por que Brian não entendia? Que diferença faria agora achá-
lo ou não, mais de cinco anos depois? Minhas pernas amoleceram e
sentei-me no chão com o peito doendo e apertado. Os gritos das
minhas meninas desesperadas assistindo a mãe morrer, perfuravam o
meu cérebro como se estivesse acontecendo naquele momento. Com
as mãos mais trêmulas do que nunca, tentei tirar o chip do celular, mas
não consegui. O aparelho vibrou mais uma vez, Brian não ia desistir.
Ele jamais entenderia que eu não queria justiça, eu queria esquecer.
Levantei-me do chão, quebrei o telefone no meio e pisei em cima. Eu
focaria naquilo que ainda tinha uma solução.

Como costumam dizer no Brasil, nada é tão ruim que não possa
piorar. De todos os dias, logo nesse, todo o estoque de Jack Daniels
havia acabado na única distribuidora de bebidas da cidade. Eu
realmente precisava beber, no entanto, sou um homem de hábitos.
Tinha que ser whisky.

– Como assim acabou o seu estoque? Não faz uma semana que
estive aqui e essa prateleira estava lotada! – exclamei olhando
desolado para o lugar vazio.

Luciano, o dono do depósito de bebidas, olhava para o celular,


completamente desinteressado no meu problema.
– É a festa do delegado, seu Alex. Eles compraram todo meu
estoque de bebida, graças a Deus. Só serve Jack Daniels? Tenho
Chivas e Jhonnie Walker sobrando.

Fiz uma careta em resposta, detestava whisky escocês.

– Não acredito que vou ter que ir até Vitória por causa dessa
maldita doença que a cidade inteira resolveu chamar de festa.

– Doença? – franziu a testa. – Bom, com o tanto de bebida que


vendi eu não tô nem aí.

Bufei indo em direção à saída, fazendo as contas de quanto tempo


demoraria para ir e voltar até Vitória, quando Luciano completou.

– Se bem o senhor tem razão, é meio estranho mesmo, mas só


Deus sabe o que aquela safadinha fez pra enfeitiçar o delegado, essas
meninas hoje em dia… você é homem como eu, sabe do que eu tô
falando, elas provocam a gente... dão em cima, parecem muito mais
velhas, não tem como resistir… Você tinha que ver antes dela enlaçar
seu Vicente, rebolando aquele rabinho gostoso pela cidade…
coitado… o homem não é de ferr…

Há muito, muito tempo eu não sentia tanto ódio, tinha até


esquecido de como a adrenalina correndo pelas veias podia ser
revigorante. Antes que ele pudesse vomitar mais alguma asneira
agarrei-o pela nuca e bati o seu rosto com toda força no balcão de
vidro. Um corte abriu em sua testa e ver o sangue daquele pervertido
escorrendo pelo rosto me deixou quase feliz.

– O que você disse? Não escutei direito! – eu disse parecendo bem


calmo.

– Mas o que foi isso seu Alex? Só falei a verdade, não é culpa
minha que os pais não seguram essas meninas. Elas dão em cima
mesmo, treze, catorze anos já é tudo safada rebolando de short pela
cidade, aquela Cecília nunca enganou ninguém em Santa Maria, você
não estava aqui na época, seu Vicent…
Bati de novo sua cara no balcão fazendo questão de mirar o nariz
ao invés da testa. Os próximos seriam os dentes se ele fosse corajoso,
mas eu duvidava muito.

– Continue, Luciano. Tenho o dia todo para te ouvir – eu disse sem


soltar sua nuca.

Quando ele olhou para mim mais uma vez, sua atitude mudou.
Com o rosto todo ensanguentado, não ousou mais abrir a boca.

– O que foi? Perdeu a vontade de falar, pedófilo de merda?

Tremendo, ele me olhou desesperado sem saber qual era a


resposta que eu queria, ah! Foda-se. Bati a cara dele mais uma vez só
porque eu quis.

– Pelo amor de Deus seu Alex, só falei por falar, eu tenho sobrinha,
nunca fiz nada errado – choramingou mijando nas calças. Patético.

Soltei sua nuca tirando minha arma da cintura, ele se encolheu


chorando enquanto eu tirava uma bala do pente e colocava em cima
do balcão que agora ostentava um quebrado no vidro.

— Estou de olho em você, Luciano, e se por acaso eu desconfiar


que você não foi de ferro, a velocidade que uma bala igualzinha a essa
vai te encontrar, não vai fazer bem para sua saúde.

Guardei minha arma e saí da distribuidora antes que eu realmente


matasse aquele merda. Era óbvio que ele estava mentindo, aquela
menina não parecia feliz por ter seduzido alguém, ela estava sim
aterrorizada, eu não estava criando coisas na minha cabeça, ou
estava? Pensei em procurar a professora, não sabia o nome dela, mas
me lembrava de qual carro dirigia. Eu realmente deveria ir até Vitória,
mas isso martelaria em minha mente até me deixar insano.

E quase me deixou mesmo, parado no estacionamento, fumando


um cigarro atrás do outro enquanto esperava as aulas acabarem, a
vontade de beber veio com força e, quando a mulher de meia-idade
apareceu sorrindo com algumas alunas, quase chorei de alívio. Ao me
ver com a caminhonete bloqueando seu carro, ela suspirou.
– De novo, Alex? Já disse a você que esse estacionamento é só
para alunos.

Desencostei da porta do passageiro e a abri.

– Entre! Nós precisamos conversar.

Ela olhou para trás do ombro e sorriu nervosa, pegando a chave do


próprio carro.

– Acho que você está me confundindo com alguém, não temos


nada para conv...

– É sobre Cecília – eu disse com urgência na voz.

Ela congelou no lugar por alguns segundos e sem dizer nada,


aceitou o meu convite entrando na caminhonete.

Virei em direção à saída da cidade onde ficava um restaurante na


beira da estrada que provavelmente teria o que eu precisava, e a
professora logo perguntou.

– O que aconteceu com Cecília, o que você sabe sobre ela?

– Esse é precisamente o meu problema, senhora…?

– Lúcia, mas, por favor, não me chame de senhora… ei! Onde você
está indo?

– Lúcia… não sei ninguém confiável que conheça essa garota.


Cecília tentou se matar há algumas semanas e eu só a salvei porque
ela roubou uma égua do meu haras para ir até a cachoeira.

– Misericórdia! Pobre menina… por que ela não me procurou?

– Você vai no tal noivado? – a interrompi.

Ela me olhou como se eu tivesse chifres.

– Noivado?! Do que você está falando?


Não respondi de imediato, estava concentrado em estacionar a
caminhonete, antecipando a primeira dose que eu tomaria no dia.
Lúcia desceu do carro ansiosa me puxando pelo braço.

– Pelo amor de Deus, me fala logo que noivado é esse? Não


acredito que aquele monstro faria isso… é baixo demais até para ele.

Olhei para ela desconfiado enquanto me acomodava em uma


cadeira.

– Como você não sabe? A cidade não fala em outra coisa, até o
prefeito vai.

Ela pôs as mãos na boca e uma garçonete apareceu para anotar


os pedidos.

– Um whisky puro para mim, Jack Daniels de preferência… e para


a senhora?

– Uma água com açúcar, por favor – ela disse, pálida.

Quando a moça se afastou, ela agarrou meu braço mais uma vez.

– Por favor me fale tudo o que você sabe!

– Não sei de muita coisa. Ela tentou se matar… – achei melhor


omitir a parte que a beijei – quando a tirei da água, vi que suas pernas
estavam cheias de cicatrizes… eu não sei, alguma coisa em seu olhar
implora por ajuda. Não consigo tirá-la da cabeça.

– Eu não sabia que estava tão grave assim, aquele dia que você
nos viu eu tentava convencê-la a estudar comigo, ela é tão talentosa
com a terra, idêntica à Helena, a mãe dela, sabe. Nós éramos amigas
de infância. Eu tinha que ter prestado atenção… Aquele homem é um
monstro, Alex.

– Sua amiga namorou mesmo o delegado? Conte toda a história


desde o começo.
– Helena estava muito infeliz por causa da morte do marido e
Vicente era delegado, alto, bonitão… não foi difícil convencê-la. Mas
eles sempre tiveram problemas, antes mesmo do namoro ficar oficial
ela chegou a desconfiar que tinha algo errado. Ele era muito obcecado
em disciplinar a menina, muito controlador dentro de casa e Helena
sempre foi um espírito livre… Um dia ela disse para mim que não ia
dar certo, mas no outro foi morar com ele. Fiquei sem entender nada.
Depois disso quase não a vi mais… Nessa época eu dava aula na
escola para Cecília e ela ficou impossível. Rebelde, respondona, suas
notas caíram e Helena foi conversar comigo, disse que estava
desconfiada do motivo da mudança de comportamento da menina,
mas uns dias depois ela sofreu um grave acidente de carro e morreu.
Nunca soube o que ela queria me dizer. Pouco tempo depois disso,
Cecília se retraiu, deixou as roupas rebeldes de lado e não falava mais
com quase ninguém. Pobrezinha! Pensei que fosse por causa da
morte da mãe. Não acredito que a deixei sofrendo por todos esses
anos!

Meu coração batia apressado quando a garçonete trouxe minha


bebida, arranquei o copo de sua mão e tomei em um trago só.

– Outro – eu disse e ela girou nos calcanhares.

Soprei a fumaça do cigarro, ganhando tempo, eu não estava


errado, poderia confiar em Lúcia, mas tinha que saber se ela estava
ciente de tudo o que acontecia ao redor da loirinha.

– E o tráfico de drogas? O que você sabe sobre isso? – perguntei.

– Que tráfico de drogas? Por que você está bebendo a essa hora
da manhã?

Ignorei sua última pergunta.

– Não faz sentido um padrasto dar uma festa de noivado com a


própria enteada em uma cidade pequena como essa, contando com a
presença de pessoas importantes se eles não estiverem lá por medo
ou por dinheiro. Eu aposto nas duas causas.
– Será? Não duvido que Vicente seja capaz das piores coisas, mas
Helena nunca me disse que suspeitava de nada ilegal, só de…

Ergui uma sobrancelha, ela enrubesceu e olhou para os lados.

– De? – incentivei.

– Bom, quase não nos falávamos mais depois que Vicente


apareceu. Mas ela achava estranho eles não terem, sabe… – ela
suspirou e abaixou a voz – não terem transado até aquele momento. E
um dia, quando conversamos sobre a rebeldia de Cecília, ela estava
preocupada porque ele tinha muita dificuldade de manter uma ereção
e só conseguia fazer alguma coisa com ela quando disciplinava a
menina ou a machucava no sexo.

Acendi um cigarro e dei uma longa tragada, pensando. A garçonete


trouxera meu outro drink há uns minutos, mas esse eu podia apreciar
sem pressa, minha mão já estava firme e eu conseguia pensar com
mais clareza. Eu realmente não estava maluco, aquela menina
precisava de ajuda e precisava agora.

– Você tem para onde levar Cecília? De preferência para fora do


estado – perguntei sem rodeios.

– Tenho família no Rio Grande do Sul, mas não sei se ela ia


querer…

– Lúcia, ela precisa de ajuda agora, não terei tempo de saber quem
está por trás desse bosta, de quanta ajuda dentro da polícia militar ele
tem. Ela precisa sair do estado imediatamente, de preferência do país,
mas isso a gente vê depois. Você quer mesmo fazer isso?

– Claro, eu deveria ter ajudado essa menina anos atrás, nunca vou
me perdoar por não ter visto antes o que acontecia, eu desconfiava
que ele era violento, mas da outra coisa… Que horror!

Flashes de Mollie me pedindo ajuda vieram vividos em minha


mente, e eu fiz de tudo para expulsar as imagens. Agora não!
– Ótimo, prepare tudo com a família que você tem no sul. Entrarei
em contato em alguns dias.

– Alguns dias? Mas ela precisa de ajuda hoje, Alex! Posso ir à festa
e convencê-la a ir comigo…

– Não! Em hipótese alguma. A fazenda é cheia de câmeras, não


sabemos quantos seguranças à paisana ele tem e a festa vai estar
cheia de pessoas inocentes, talvez até crianças. Tudo pode dar errado
em uma situação como essa, são muitas variáveis. E provavelmente
vai ser difícil convencê-la a querer ir embora.

– Mas…

– Lúcia, olhe para mim. – a professora fez o que pedi, ainda


contrariada. – Eu farei esse delegado conhecer o inferno na terra,
confie em mim. Ele acha que sabe o que é violência, mas está
totalmente enganado, eu mostrarei a ele o que violência de verdade
realmente significa. Mas antes disso preciso que essa garota esteja
segura, longe daqui. Cecília terá que aguentar só um pouquinho mais.
Tenho que fazer isso direito. – Terminei o meu cigarro e joguei a bituca
longe – Ninguém pode saber do seu envolvimento, você não sabe
como essas pessoas são. Pelo seu próprio bem e de todo mundo que
você se importa, diga que entendeu isso.

– Sim, Alex eu entendi. Não concordo, mas entendi. Por favor,


salve a minha menina o quanto antes!

Dei o último gole na minha bebida e estalei o pescoço, sentindo um


estranho aperto no peito, como se eu pudesse ficar ainda mais vazio
ao saber que nunca mais a veria depois que Lúcia a levasse em
segurança. De uma forma ou de outra, o meu coração implorava para
que ela fosse a minha menina também.
Já anoitecia quando cruzei os portões do haras. Depois que me
despedi da professora, fui até Vitória e comprei várias caixas de Jack
Daniels, seria difícil comprar na distribuidora de Luciano depois de
quebrar seu nariz, mas não me arrependi, preferia viajar toda semana
do que deixar de colocar aquele pedófilo de merda em seu devido
lugar.

Olhei para uma das caixas de whisky no banco do passageiro,


respirando fundo. Eu só queria beber uma garrafa inteira e ter uma
noite de sono sem sonhos, mas eu sabia que não podia. Precisava
elaborar uma forma de tirar aquela menina da fazenda vizinha sem
ninguém desconfiar de nada e, para isso, eu tinha que estar sóbrio,
realmente sóbrio.

Fiquei puto de verdade ao ver tantos carros entrando na fazenda.


Apesar de não conhecer o Brasil tão a fundo, duvidei bastante que isso
fosse um comportamento normal. Ao lado da caixa de bebida estava
um drone espião que comprei para vigiar a segurança e as câmeras do
local. Só mais um pouquinho, loirinha. Não vou demorar. Quase pedi a
Deus para segurar a mão dela só mais alguns minutos, mas se Ele
existisse para começo de conversa eu não precisaria intervir. Algo me
dizia que a professora e eu éramos a única esperança daquela
menina.

Sem aviso, Raul entrou na frente da minha caminhonete e eu só


não o atropelei porque já estava diminuindo para estacionar.

– Alex, graças a Deus! Onde você se meteu? – disse ele quase


pulando para dentro do carro.
Nem me lembrava que quebrei o celular pela manhã. Estacionei de
qualquer jeito e fui logo ver o que o deixou assim.

– Fui em Vitória – respondi.

– O que você foi fazer lá? Tentei te ligar o dia todo.

Franzi a testa, já sem paciência. Apesar de bem menor que


Midland, Santa Maria tinha umas semelhanças irritantes com minha
terra natal, e eu realmente não precisava de lembranças num
momento como esse. Lembranças me faziam beber.

– Você quer saber da minha vida ou me contar o que te deixou


assim?

Ele soltou o ar com força pelo nariz e pareceu contar até dez antes
de me responder.

– Quero ver como você vai arrumar quando eu me demitir daqui, só


não faço isso por dó dos seus animais. Eles não merecem ficar
sozinhos com você.

Tirei o drone e uma das caixas do carro enquanto esperava que ele
dissesse o que queria. Lily pulava em mim sem parar, fazendo a maior
festa.

– Calma garota, está parecendo mais desesperada que Raul…

– Deixa eu te ajudar – disse ele pegando a outra caixa no banco de


trás, ao mesmo tempo que me olhava com intensa desaprovação.
Eu deveria me importar com isso, mas não estava nem aí. Em
outra vida Raul seria um grande amigo, mas agora, por mais que eu
tentasse, não conseguia ficar à vontade ao lado de ninguém.

No caminho ele finalmente disse o que o afligia.

– Cara eu realmente precisava falar com você essa tarde. Jandira


está com um trabalho de parto difícil, acho que vou precisar fazer uma
cesárea de emergência. Você falou mesmo com o prefeito ontem?
– Falei – respondi colocando a caixa e o drone na mesa da
cozinha.

Raul olhou para o telefone quebrado no chão e coçou a cabeça.

– Alex… você pode conversar comigo, não vou te julgar, eu não sei
o que aconteceu com você, mas alguns fardos podem ser pesados
demais para segurar sozinho.

E alguns fardos eram pesados demais para dividir com alguém.


Peguei meu zippo, meu maço de Marlboro e acendi um cigarro,
soprando a fumaça sem pressa.

– Você quer ajuda com o parto de Jandira ou quer que eu vá


buscar o irresponsável do prefeito?

Frustrado ele jogou as mãos para cima, mas não insistiu.

– Podemos tentar virar o potro, mas acredito mesmo que terei que
fazer uma cesariana. Preciso de uma autorização por escrito de
Wagner, Jandira custa mais de 2 milhões de reais e há grandes
chances de não sobreviver à cesariana.

Fomos até a baia, Jandira estava inquieta, deitando-se e se


levantando a todo momento. Raul precisava verificar a posição do
potro então tentei acalmá-la. Aproximei-me de frente para ela e disse
bem suavemente, acariciando seu pescoço.

– Shhh, relaxa, garota, estamos quase no final, ok? Quando tudo


isso acabar trarei um monte de cenouras para você.

– É incrível como você consegue conversar com eles – disse Raul


– tentei me aproximar várias vezes durante o dia e ela não deixava. O
potro está mesmo virado, vou tentar reposicionar com a mão. Me ajuda
a levá-la para o tronco?

Havia um tronco americano no haras, para imobilizar os cavalos e


intervir em casos como esse, como Jandira estava bastante
estressada fui com calma conversando, acariciando seu pescoço. E
então, a poucos passos de colocá-la sem maiores problemas no
aparelho, uma rajada de fogos de artifícios, vindo da fazenda vizinha,
varreu o céu, provocando um barulho ensurdecedor. Jandira se
assustou muito e, apesar de ser uma das éguas mais dóceis que já vi,
me derrubou no chão e saiu correndo de volta às baias.

Levantei e levei a mão até a minha arma instintivamente. Seria tão,


mas tão simples entrar naquele lugar e atirar na cabeça de todos
eles…

– Alex, aonde você vai? – Raul me chamou, mas não olhei para
trás. Ele me puxou pelo braço e rosnei em resposta.

– O que você quer, Raul?

– Que você se acalme, aonde vai desse jeito? Ainda preciso de sua
ajuda com Jandira.

– Esses inconsequentes precisam parar com o barulho. Eu sei


onde o prefeito está.

– Alex… ALEX! – Raul gritou, mas não ouvi, continuei andando em


direção à fazenda vizinha, fervendo por dentro.

Então minha própria mente também começou a gritar. Fuck! Eu


precisava me acalmar antes de aparecer por lá, não podia perder o
foco logo agora. Dei meia volta, tirei minha arma da cintura e coloquei
nas mãos de Raul.

– Santo Cristo! – disse ele. – Não vou pegar nisso não.

– Larga de frescura, porra! Não posso entrar armado e puto desse


jeito na casa do delegado – eu disse achando melhor ninguém saber
dos meus planos, nem mesmo Raul que eu confiava. – Você conhece
Jandira tanto quanto eu, ela é dócil para caralho, só está muito
assustada, não vai ser difícil trazê-la até aqui. Não sei se posso dizer o
mesmo sobre o prefeito.

Raul ainda tentou argumentar, mas eu já estava longe. Apesar de


ter sido “convidado” pelo delegado no dia anterior, algo me dizia que
meu nome não estaria na lista na porta de entrada. Quando já
atravessava o buraco na cerca, vi Lily atrás de mim, ainda fazendo
festa e chorando baixinho. Eu me sentia tão ansioso quanto ela e
provavelmente pelo mesmo motivo, a antecipação de saber que eu
poderia vê-la a qualquer momento, mexeu comigo.

Entrei pelo caminho conhecido, mas fiquei perdido por um


momento, tinha certeza de que havia um lindo ipê-amarelo por aqui em
algum lugar. Virei meu rosto e então a vi de pé olhando para o lugar
que agora estava vazio. Meu coração pareceu uma bateria do carnaval
dos brasileiros. Por alguns segundos, esqueci todo o passado e sorri
abertamente só por vê-la, apenas porque essa loirinha existia. Eu
estava em chamas, paralisado, sem saber como reagir à sua beleza.
Ela usava um vestido longo, branco, moldado no corpo com mangas
compridas, rendadas e transparentes. Em seu pescoço tinha uma
espécie de capa branca de renda que descia até o chão. Nunca em
minha vida eu vi uma mulher tão bonita. Lily latiu a assustando e
quando seus olhos encontraram os meus, percebi que nunca havia
visto uma mulher tão profundamente triste também, mas assim como
eu, por apenas alguns segundos, ela sorriu. Foi um sorriso involuntário
que logo foi substituído por um olhar de medo e tristeza que me
destruiu. Acabei esquecendo o que vim fazer nesse lugar, só queria
arrancar essa expressão para sempre de dentro dela. Então Lily pulou
em sua direção arrancando nós dois do transe.

– Ei mocinha! Que saudades – disse ela com uma voz tão deliciosa
que eu poderia passar dias ouvindo-a falar qualquer coisa. Quando ela
levantou seus lindos olhos até os meus, sua voz não estava mais
afetuosa. – Pelo amor de Deus, Alexander vá embora daqui!

Ouvir meu nome saindo daquela pequena boca em forma de


coração fez meu pau endurecer ao ponto de doer. Eu sabia que ela
nunca seria minha, mas não controlava mais meu corpo. Respirei
fundo antes de falar.

– Meus amigos me chamam de Alex.

Ela levantou o rosto nervosa para cima e para os lados, e eu sabia


para o que olhava. Câmeras.
Quer saber? Foda-se planos. Fiz um gesto para Lily e ela correu
até onde eu queria, então andei até um ponto cego da câmera fingindo
ir atrás dela e para minha surpresa a loirinha fez o mesmo.

– Eu não posso ter amigos, só dê meia volta e vá embora.

– Vem comigo, Cecília. Agora! – eu disse dando um passo à frente


– acredite em mim, você vai poder ter tudo o que quiser do outro lado
dessa cerca.

Ela franziu a testa e negou com a cabeça várias vezes como se


minhas palavras a machucassem. Eu não deveria, mas fui firme em
sua direção e a tomei em meus braços.

– Você não precisa ficar nesse lugar mais nem um segundo, deixa
eu te levar daqui.

Lágrimas escorriam pelo seu rosto, confirmando o que eu já sabia.


Ela me olhava com tanta necessidade que eu parei de pensar e fiz o
imperdoável mais uma vez. Colei minha boca na dela com vontade,
colocando para fora naquele beijo todos os meus anos de solidão. Ela
estremeceu gemendo baixinho nos meus lábios quando segurei sua
cintura com força, e então, de uma só vez ela me empurrou… Eu
queria mais, eu queria muito mais, só esse beijo não era suficiente, era
errado de todas as formas, mas não o suficiente. Não insisti, no
entanto, deixei que se afastasse.

– Alex… – disse ofegante e eu sorri.

– Cecília... – respondi passando a mão nos seus cabelos e ela deu


um passo para trás.

– Obrigada! Agora eu tenho pelo que sonhar…

– Você não precisa sonhar, o que eu tenho para te dar é real, vem
comigo.

Ela passou a mão no meu rosto, parecendo muito mais velha do


que realmente era, me olhando atentamente, como se estudasse
minhas feições.
– Você não sabe o que é morrer em vida… – disse. – Eu sei, já
morri algumas vezes… não vou suportar morrer mais uma se algo
acontecer com você por minha causa. Muito obrigada, mas ninguém
pode me ajudar.

E antes que eu pudesse reagir ao que foi dito, ela virou as costas e
correu para longe do meu alcance, parecendo um anjo dentro daquele
vestido branco… uma raiva intensa, cega e perigosa se apossou de
mim ao imaginar para o que ela estava correndo. Eu não podia ir atrás
dela sem provocar uma tragédia. Caralho! Devia tê-la colocado no meu
colo e saído desse lugar de qualquer forma.

Tremendo, de ódio, de vontade de beber e de outra coisa que eu


não queria admitir, acendi um cigarro e entrei na fazenda, abrindo e
fechando meu zippo sem parar. O local estava todo decorado e fiquei
completamente enojado ao ver a cidade em peso se divertindo e
presenciando esse crime. Não era à toa que Cecília pensava que não
podia ser salva, todos eles eram responsáveis pelo que acontecia.

Resolvi procurar Wagner Mol, a égua Jandira tinha pouco tempo e


eu sabia que esse imbecil estaria por aí. Como não o vi em nenhum
lugar da área externa da festa, fui até a casa principal. Não sei como
não perdi a cabeça ao ouvir o delegado assim que entrei.

– Por que você está toda suada, Ratinha?

Ele a segurava pelos cabelos com tanta força que arrancou


lágrimas dos seus olhos e a única certeza que tive, era que aquela
mão seria a primeira coisa que eu cortaria fora do seu corpo.

– Ei! – gritei.

Ele lentamente tirou as mãos dela e olhou para mim com um


estranho sorriso no rosto.

– Posso saber o que você está fazendo dentro da minha casa? –


perguntou.

– Seus fogos estão assustando meus animais.


– Isso se parece muito com um problema que não é meu – ele
disse olhando diretamente para Lily que rosnou baixinho em sua
direção – tire essa coisa da minha sala imediatamente.

Dei um passo à frente, invadindo seu espaço pessoal.

– Nada me faria mais feliz do que tornar isso um problema seu.

Sem tirar os olhos de mim, o delegado grunhiu algo que eu não


consegui entender…

– Vicente… – Cecília o chamou e o meu peito queimou com uma


possessividade que nem sentido fazia.

Mesmo assim ele não prestou atenção nela, ainda me encarava


com uma expressão sombria. Sorri, antecipando o pânico que eu
colocaria naquela cara arrogante.

– Vicente! Não estou me sentindo bem… – ela insistiu praticamente


se jogando em sua frente, o afastando de mim, achando que tinha que
me proteger de alguma coisa.

– O que você tem, meu amor? – ele a segurou em seus braços.

Abri a tampa do meu zippo sem nem perceber que a chama


queimava minha mão.

No estado que eu estava não precisaria da minha arma para


acabar com esse pervertido, era só parar de pensar por um segundo.
E era isso que eu faria, eles estavam tão perto. Dessa vez eu
não chegaria tarde demais. Aproximei do sofá que o delegado a
colocou e Cecília fez um sinal quase imperceptível com a cabeça para
que eu não me aproximasse. Mas era tarde demais… eu só
precisava…

– Ah! Aí está você! – Raul apareceu atrás de mim, puxando o meu


braço, com o prefeito ao seu lado. – Desculpe invadir sua festa, Dr.
Vicente, mas era um caso de vida ou morte.
– Sei sei, resolvam logo o problema de vocês… Rat… Cecília, meu
amor, passou? – ele disse sem prestar atenção em Raul, acariciando
os cabelos que há poucos minutos puxava com violência. – Vamos
para sua festa? Estão todos te esperando.

– Ai, acho que sim… não sei o que me deu. – disse ela passando a
mão na testa.

Raul me puxou mais uma vez, Wagner queria resolver logo o


problema de Jandira. Muito a contragosto acabei indo com eles, no
entanto, algo dentro de mim, dizia que eu deveria seguir o meu instinto
e tirar aquela garota dali de qualquer jeito.

Não! Não a colocaria em mais perigo sendo impulsivo, eu tinha um


plano e o seguiria, seria mais seguro para todo mundo dessa forma.
Eu sabia que não sobreviveria se Vicente fizesse alguma coisa
com Alexander, mas a parte mais irracional do meu coração
partiu-se ao meio quando o viu cruzar a porta e ir embora. Eu
queria tanto, mas tanto ir com ele que minhas articulações
doeram da força que tive que fazer para permanecer naquele sofá.
Assim que eles se foram da sala, Vicente parou com a atuação de
homem dedicado e apertou meu pescoço.

– Deus é testemunha que eu não quero te machucar, Ratinha,


mas eu vou se não me disser por que chegou aqui toda suada e
ofegante.

– Eu não sei o que mais você quer de mim, Vicente. Esse vestido
é quente, quer controlar até quando meu corpo sua? – sei que pagaria
caro por falar assim, mas eu não era de ferro, essa situação estava
acabando com a minha sanidade.

– É melhor que eu controle as coisas, nós sabemos a putinha que


você é sem a minha supervisão. Você ainda vai aprender a ser só a
minha puta. Você me deixa maluco, Ratinha! – disse ele beijando meus
lábios e passando a mão pelo meu corpo.

Graças a Deus, alguém pigarreou da porta, o beijo de Vicente


embrulhava o meu estômago. O juiz Bartolomeu e sua esposa nos
olhavam ansiosos. Ela falou primeiro, de um jeito bastante afetado.

– Acalmem-se casal! Vocês estão sendo requisitados no palco. –


E chegando mais perto de mim, completou. – Como você está linda,
Cecília! Hiago e Fernanda estão doidos para te ver.
Quis me esconder dentro do sofá e nunca mais sair, tinha até me
esquecido que estudei com os filhos do juiz Bartolomeu na escola. O
ensino médio parecia muito distante agora, como se tivesse acontecido
com outra pessoa.

– Ahn… o-obrigada! Como eles estão? – perguntei ao me


levantar.

Eu não tinha a menor vontade de conversar com ninguém, nunca,


mas me lembrava como era jogar conversa fora, mamãe era mestre
nisso, adorava sair e conversar com todo mundo. Quando eu era
obrigada a falar com alguém, o que era raro, pois Vicente não gostava
que eu saísse de casa, tentava me lembrar como era perguntar coisas
genéricas de forma polida e cordial, e foi o que fiz com essa mulher.
Há tempos perdi esperanças que as pessoas da cidade acordassem
para o que acontecia comigo. Ela sorriu para mim como se tudo aquilo
fosse muito normal, ainda falando daquele jeito afetado.

– Estão ótimos, Hiago já está na faculdade. Você não vai entrar


também?

Abri e fechei a boca sem saber o que dizer e Vicente interveio.

– Minha Cecília não quer estudar, já cansei de insistir, mas ela


sempre diz que tem tudo o que precisa comigo. – Ele era inacreditável,
acho que se continuasse falando convenceria até a mim. Ele passou a
mão na minha barriga e completou – além do mais vamos logo encher
essa casa de filhos, quando ela vai ter tempo para estudar, não é meu
amor?

Concordei com um sorriso amarelo pensando que eu preferia


arrancar o meu útero com as mãos antes de colocar um filho desse
homem no mundo e saímos da casa. Assim que pisamos no jardim os
convidados bateram palmas e muitos fogos de artifícios cobriram o céu
de Santa Maria. Meu coração se apertou ao pensar nos bichinhos de
Alex e assim que consegui ficar sozinha com Vicente, me enchi de
coragem e disse:
– Isso era mesmo necessário? Aquele homem não deve ter vindo
reclamar à toa, coitados dos bichinhos!

– Que homem? Aquele infeliz bêbado? Não se preocupe com isso,


Ratinha. O que eu te disse essa tarde? – ele sussurrou no meu ouvido.

– Que eu deveria viver só para você – eu disse estremecendo ao


me lembrar do que ele fez comigo há horas atrás.

– E eu prometo, Cecília, também viverei só para você. Se você se


comportar vou te tratar do jeito que eu sempre quis e você merece.

Ele me beijou nos lábios e mais convidados bateram palmas. Eu


quis morrer, literalmente morrer. Seria muito melhor que suportar tudo
isso. Senti uma aversão profunda dos convidados, de Vicente e
principalmente de mim. Eu só pensava em entrar no meu quarto e
sentir o alívio da gilete cortando minhas coxas, mas o maldito tirou isso
de mim também.

Segurando firme em minha cintura, ele rodou pelo jardim, fazendo


questão que eu cumprimentasse todos os convidados. Ali naquela
festa eu pude finalmente entender o verdadeiro alcance do poder que
Vicente exercia em Santa Maria e região. Ele era um delegado, mas
todos ali, inclusive juízes, policiais, vereadores e até um deputado
federal que veio de Vitória "só para prestigiá-lo nesse momento tão
importante” o tratavam como um Imperador. Faziam de tudo para
aparecer em seu campo de visão, elogiá-lo e dirigiam-se a ele com a
maior reverência. Vicente adorava cada segundo, nasceu para essa
merda. Tive certeza de que fez esse tour só para me mostrar seu
poder e que mesmo que eu virasse gente e criasse coragem para sair
dessa casa, eu não teria aonde ir. Queria que eu soubesse que
nenhuma autoridade me ajudaria.

Mesmo ao ar livre, comecei a sentir meu peito pesado e a


costumeira falta de ar chegando. Meus pés doíam por eu estar de salto
há tanto tempo andando no terreno fofo do jardim. Vicente conversava
animado com um dos seus puxa-sacos importantes e fui rodeada por
algumas ex-colegas de escola que ele fez questão de chamar,
provavelmente para me humilhar. Quando elas se aproximaram,
parecia que paredes invisíveis me apertavam. Só uma coisa pararia
aquela crise…

– Cecília, como você está linda! – uma delas disse, não me


lembrava o seu nome.

– Que sortuda, hem? Esse seu noivo é um gato, ui! – disse uma
outra baixinha de cabelos encaracolados.

Fernanda Bartolomeu estava entre elas me olhando com desdém.


Dela eu lembrava... sempre achou ter o rei na barriga desde criança
por ser filha do juiz.

– É verdade que ele é mesmo o seu pai?

As outras meninas abafaram um sorrisinho e meu coração


disparou tão rápido que pensei que desmaiaria a qualquer momento.

– Muito obrigada pela presença, meninas. Com licença, por


favor… – falei tentando puxar o ar.

Afastei-me rapidamente delas, mas ainda ouvi Fernanda dizer.

– Não sei pra que tanto mimimi com essa garota, ela não tem
nada demais, esquisitinha, parece doida…

Não fiquei para saber o resto, entrei em casa desesperada,


tomando fôlegos curtos. Fui direto no banheiro do meu quarto, mas
como imaginei, todas as minhas giletes haviam sumido. Sem ter outra
opção, levantei o vestido e enfiei a minha própria unha na parte interna
da coxa e quase tive um orgasmo de tanto alívio por poder respirar
mais uma vez, mas isso não duraria, a unha não cortava tão a fundo
quanto eu precisava. Fui até a cozinha e Rita estava lá, ocupada com
os garçons. Não sei qual era o relacionamento dela com Vicente, mas
percebi desde o episódio da arma, que ele a usava praticamente como
escrava, sempre fazendo questão de humilhá-la de todos os jeitos. Ele
poderia muito bem ter contratado um buffet, mas era Rita que tinha
que ficar responsável por tudo. E eu tinha uma boa ideia do que
poderia acontecer com ela se algo saísse errado. Ela notou minha
presença, tirando-me dos pensamentos.
– Cecília, que susto! Está uma loucura essa cozinha, o que você
está fazendo aqui?

– Nada… eu precisava de um tempo, só isso.

Rita franziu a testa e suspirou, quando virou de costas para


terminar de enfeitar uma bandeja, aproveitei e peguei uma faca de
cortar legumes, colocando na meia da minha cinta liga em seguida.

– Juro que te entendo, mas... – olhando para a porta, abaixou o


tom de voz – olhe suas costas, menina. Você não é tão forte quanto
pensa que é, estou vendo a hora que seu Vicente vai acabar te
matando. Você não precisa de tempo, precisa de juízo, volta pra festa
antes que ele sinta sua falta.

Suspirei desanimada e saí da cozinha sem responder ao que ela


disse. Quando já estava entrando no meu quarto para finalmente
poder acabar com o aperto no meu peito, alguém puxou meu braço
com força.

– O que você está fazendo aqui, Ratinha?

– Misericórdia, Vicente! Quer me matar do coração? Vim ao


banheiro, só.

Ele me olhava com uma expressão muito sombria e cheirou meu


pescoço, acariciando meus lábios de forma dura, quase dolorosa.
Tremi da cabeça aos pés.

– Alguma coisa está fora do lugar... Você fica assim sempre que
faz merda. Mas eu tenho tempo… posso arrancar a verdade de você
mais tarde. – Ele agarrou o meu pulso e passou por cima da sua calça
– meu pau vai ficar duro assim para você a noite todinha. Você será
finalmente toda minha e vai me contar tudo de errado que fez! Quem
sabe eu não te perdoo como presente de noivado?

Ele me beijou e me arrastou de volta para festa. Dançamos


colados na frente de todos os convidados e depois ele me fez muitas
juras de amor em cima do palco onde um cantor famoso de sertanejo
animava a festa. Depois de mais fogos e muitas palmas, ele colocou
um anel horroroso no meu dedo. Imenso, que provavelmente custava
uma pequena fortuna. Fez questão que eu o mostrasse para o maior
número de pessoas. Quando fui até a mesa onde Dona Lúcia, minha
antiga professora, estava tive que fazer um esforço enorme para não
chorar em seus braços.

– Dona Lúcia, eu não tinha te visto ainda, obrigada pela sua


presença, viu que lindo o anel que eu ganhei? – era o que tinha que
falar para todos.

Com lágrimas nos olhos ela me abraçou mais uma vez, dizendo
no meu ouvido.

– Fique tranquila minha filha, eu vou te ajudar!

Balancei a cabeça, tentando dizer para que ela não fizesse nada
contra Vicente, mas ele logo apareceu ao meu lado e preferi
desconversar.

As horas demoraram para passar, mas finalmente os abutres


começaram a ir embora e com a festa quase no fim, eu não sabia se
entrava em pânico ou chorava de alívio por estar longe dos olhos de
todos eles. Não dava para medir se era melhor ficar sozinha com
Vicente ou não, ele era criativo das duas formas. Sentei em frente a
uma das mesas vazias do jardim esperando que ele terminasse de se
despedir das pessoas. O prefeito voltara recentemente e se
desculpava por não ter aproveitado a festa, parece que sua égua teve
um parto difícil no haras. Ali sozinha, observando as estrelas, pensei
que daria um braço para esquecer esse dia pavoroso, então, lembrei-
me do beijo de Alex. Eu suportaria muitas lembranças dolorosas para
não esquecer nem um pedaço dele. Seu cheiro, seu gosto, seu
toque… Não sabia que era possível ser feliz só por estar perto de
alguém… Mesmo que essa felicidade tenha durado poucos segundos
eu não queria esquecer, esses segundos eram tudo que eu tinha.

Um movimento estranho chamou minha atenção e, quando virei a


cabeça, observei Dona Lúcia se esgueirando atrás da casa. Para
aquele lado ficavam as plantações, minha estufa e o galpão. Muito
nervosa, olhei na direção que Vicente estava, não queria chamar sua
atenção, mas eu precisava impedi-la de achar o galpão. Tirei as
sandálias de salto e esperei uma distração maior de Vicente, o que
pareceu levar uma eternidade. Assim que deu, levantei devagar
disfarçando estar só olhando a paisagem e, quando a oportunidade
surgiu, pé ante pé, rodeei a casa torcendo para que Dona Lúcia não
estivesse no galpão. Serkan e seus homens haviam sumido nesse fim
de semana, mas a fazenda tinha câmeras por todos os lados. Bem
como temi, ela não estava na estufa, Vicente era arrogante e tinha a
cidade inteira no bolso, provavelmente era por isso que nunca
trancava aquela merda de lugar. Deslizei o portão e entrei. Tomei
cuidado de fechá-lo atrás de mim e logo dei de cara com Dona Lúcia
tirando fotos de tudo.

– Dona Lúcia, por favor, saia logo daqui. – Eu disse da maneira


mais direta que pude. – Essa fazenda tem câmeras em todos os
lugares.

Ela se assustou, mas relaxou quando me viu.

– Minha filha… Não me importo, esse homem não é Deus, tenho


provas contra ele agora – disse balançando o celular.

Meu estômago doía tanto que pensei não ser capaz de


permanecer em pé.

– A senhora estava na mesma festa que eu? De que adianta ter


provas se até o juiz estava aqui?

Ela levou a mão à boca como se só agora percebesse no que


estava se metendo, mas não se fez de rogada.

– Tráfico de drogas é um crime federal, Santa Maria não é a única


cidade do Brasil.

– Dona Lúcia… – como eu explicaria isso a ela? – não tenho


tempo para te contar toda a verdade, mas a única pessoa que iria
presa com as “provas” que a senhora acha que tem sou eu.

Ela empalideceu, completamente confusa, e eu chorei quando vi


um pouco de decepção no seu olhar.
– Cecília?! Não me diga que você...

– Não é o que a senhora está pensando, eu juro – a peguei pelo


braço, não tínhamos tempo mesmo – agora vá embora e saia da
cidade. Ele vai saber que entrou aqui.

– Não sem você! Tenho parentes no Sul… Vamos hoje mesmo,


pego meu carro e te levo comigo, devo isso à sua mãe, nunca deveria
tê-la deixado com esse demônio.

Balancei a cabeça, tentando puxá-la até a saída.

– Eu não posso ser salva… a senhora não faz ideia o quanto a


sua amizade significa para mim, não vou suportar se algo te acontecer
por minha culpa. Se formos juntas ele só vai parar quando me
encontrar.

– Minha filha, você tem que se preocupar consigo mesma, por que
se prende aqui com essa desculpa?

Não disse mais nada, meus motivos e minha covardia não eram
da conta de ninguém, apenas a puxei com mais força pelo braço. Abri
o portão e Dona Lúcia virou-se para mim mais uma vez, praticamente
implorando que eu fosse com ela.

– Por favor, minha criança, não teremos outra chance.

Peguei seu rosto entre minhas mãos e olhei dentro dos seus
olhos, para ver se ela finalmente entendia.

– Vicente é mesmo um demônio e ninguém o conhece como eu,


pelo amor de Deus, corra e não volte aqui.

– Mas…

Antes que ela pudesse completar a frase o que eu mais temia


aconteceu.

– Por que está indo embora tão cedo, Lúcia? – Vicente disse.
Só não vomitei ali mesmo porque nem me lembrava da última vez
que comi. Apertei a mão da minha única amiga, como se isso pudesse
me dar força de alguma forma, mas nada vinha em minha mente que
pudesse nos tirar daquela situação.

– V-vicente, D-dona Lúcia precisa mesmo ir embora… ela vai até


sair de Santa Maria, né Dona Lúcia? F-fala para ele que a senhora
nunca mais vai voltar aqui… e-ela veio se despedir de mim... por favor,
é só isso.

Ele sorriu com os olhos claros e frios entrando no galpão, nos


empurrando de volta e eu tremi de bater os dentes. Sem mudar de
expressão, me pegou pelo pescoço com muita força, impedindo
totalmente o ar de passar.

– Demônio, Ratinha? É assim que você fala nas minhas costas?


Um demônio teria dado a você a festa que eu dei? O anel no seu dedo
dá para comprar Santa Maria inteira… Piranha ingrata! Mas se é isso
que você quer, eu te mostro como um verdadeiro demônio é.

– Solta ela, seu monstro! – Dona Lúcia tentava em vão tirar as


mãos de Vicente do meu pescoço.

Ele a empurrou, vociferando.

– Eu já vou lidar com você, velha estúpida. Não precisa pedir.

Ele soltou meu pescoço e antes que eu conseguisse voltar a


respirar, me deu um tapa muito forte com as costas da mão.
Desequilibrei-me, caindo no chão com o impacto, deixando a faca que
peguei mais cedo na cozinha escorregar da minha meia. Intrigado,
Vicente agachou-se na minha frente, enquanto Dona Lúcia gritava para
que ele me deixasse em paz.

– Olha só o que temos aqui… – disse ignorando os apelos,


levantando meu vestido e pegando a faca caída entre minhas pernas –
você não é cheia de surpresas, Cecília?

Dona Lúcia ajoelhou-se ao meu lado, falando sem parar.


– Deixe ela em paz, Vicente! Essa menina não fez nada, foi tudo
culpa minha…

– Já disse várias vezes aqui em casa, Lúcia, Cecília tem muita


sorte por eu amá-la tanto.

E sem aviso nenhum ele simplesmente puxou a cabeça da minha


professora e amiga para trás e passou a faca em seu pescoço, com
muita força. O sangue jorrou todo em mim que estava bem em sua
frente, em segundos fiquei toda coberta por ele. Gritei tanto dentro da
minha cabeça, mas nenhum som saía de mim, minha garganta estava
completamente fechada. Vicente soltou um gemido gutural como se
sentisse o prazer da sua vida, largando o corpo de Dona Lúcia junto
com a faca no chão. Ela caiu de frente para mim, com os olhos
abertos. Eu quis pedir perdão, chorar, gritar, mas meu corpo estava
paralisado.

– Ah, Ratinha! Preparei nossa cama com as suas orquídeas


preferidas, mas isso aqui combina muito mais com o que você
merece.

Com brutalidade, ele rasgou a saia do meu vestido, puxando


minhas pernas pelas coxas, esfregando meu corpo no sangue que
ainda saía do pescoço de Dona Lúcia. Oh meu Deus! Meu Deus, meu
Deus!

– Há anos eu sonho com a nossa primeira vez, meu amor! Mas


nunca imaginei que pudesse ser tão perfeito – disse ele rasgando
minha calcinha.

Vicente subiu em meu corpo, cravando os dentes em meu ombro


e duas palavras vieram com força em minha mente, altas, martelando
como nunca antes. JÁ CHEGA! Tateei às cegas tentando encontrar
alguma coisa que pudesse me ajudar a tirá-lo de cima de mim. Virei
minha cabeça de lado enquanto ele rasgava a parte de cima do
vestido e os olhos sem vida da minha amiga me encaravam,
acusadores. Por favor, me perdoe! Pedi, sabendo que não merecia e,
foi então que vi a faca caída ao lado do seu corpo. Estiquei os meus
dedos, desesperada, ele estava abrindo a calça… Assim que agarrei a
faca, todos os anos de espancamentos e humilhações vieram como
uma enxurrada, e eu fiz… fiz algo que nunca imaginei ser capaz. Mirei
a faca em seu pescoço, e me preparei para enfiá-la o mais fundo
possível, mas meu padrasto se moveu no último segundo e ela entrou
com toda força em seu ombro. Deve ter doído muito, pois ele se
encolheu todo gritando. Com uma energia estranha fluindo do meu
corpo, que parecia ligado na tomada, levantei-me do chão
escorregando no sangue de dona Lúcia.

– Sua puta desgraçada, eu vou acabar com você, Cecília. Volte


aqui sua vagabunda!

Não consegui pegar a faca de volta, e um pânico terrível varreu o


meu corpo, se ele colocasse suas mãos em mim, eu podia me
considerar pior que morta. Desesperada, tremendo inteira, peguei a
primeira ferramenta que vi em uma prateleira atrás de mim, era
pesado, parecia um martelo e, com Vicente ainda ajoelhado, tentando
tirar a faca cravada em seu ombro, bati em sua cabeça, com toda força
que eu tinha. Não fiquei para ver se deu certo. Apenas virei as costas e
corri, sem saber para onde. Meus pés doíam como o inferno pisando
nas pedras do jardim, mas nada disso importava, eu precisava ir
embora antes que Vicente conseguisse se levantar. Eu não tinha para
onde ir, ninguém em Santa Maria me ajudaria, mas corri, só precisava
correr… esse era meu único pensamento, já chega!

Senti meu vestido se rasgando ainda mais quando passei na


cerca que dava no haras, tive medo de que os seguranças que
cuidaram da festa ainda estivessem no portão da frente, eles jamais
me deixariam sair daqui. Assim que pisei no haras, Liberty sentiu
minha presença e começou a latir sem parar, mas eu só parei de correr
quando bati em uma parede de músculos de mais de 1,90m. Seu
cheiro era maravilhoso e familiar, mas nem isso me acalmou. Ele
morreria também se tentasse me ajudar, eu tinha que continuar
correndo.

– Cecília?! O que aconteceu? Fala comigo!

Subi meus olhos do seu peito até o seu rosto e tentei sair dos
seus braços, mas ele não deixou. Queria explicar que eu tinha que
correr, mas eu não conseguia falar o que eu realmente queria. As
palavras não se juntavam de forma coerente, e eu tremia tanto que era
difícil articular o que dizer.

– J-já chega, já chega! Eu preciso correr, n-não aguento mais, já


chega!

– De onde vem esse sangue, Cecília? Me fala pelo menos isso,


onde está machucada?

Alex… meu Deus eu tenho que sair de perto dele! Mas eu não
conseguia falar, por que logo agora eu não conseguia falar?

– A-Alex? V-vá embora por favor, você vai morrer também!

Ele disse algo em inglês e me pegou em seus braços, a sensação


foi maravilhosa, meus pés doíam tanto! Eu não podia estar aqui, era
muito perigoso. Queria me debater, me soltar, mas toda a força que
senti há minutos atrás se esvaía do meu corpo rapidamente… minha
cabeça foi ficando cada vez mais leve e eu já não sentia mais nada
quando a escuridão me envolveu.
Acordei sem saber onde estava… por que parei de correr? Será
que Vicente me achou? Meu estômago se transformou em geleia
quando o pânico tomou conta do meu corpo.

– NÃO! – gritei tentando me desvencilhar, mas mãos fortes me


seguravam. Ele não podia ter me achado, nada ia me poupar da sua
fúria agora.

Já chega! Eu não aguento mais, Vicente, por favor… não sei o


que você quer de mim… Pensei ter dito em voz alta, mas minha
garganta estava fechada.

Cerrei as pálpebras mais uma vez esperando pelo golpe que não
veio. Ao invés disso fui colocada com delicadeza em uma cama macia.
Tinha algo errado, Vicente nunca era gentil. Ainda sem abrir os olhos,
inalei profundamente um cheiro maravilhoso e soube na mesma hora
de quem era, jurei que nunca o esqueceria… Alex cheirava à
liberdade.

Outra onda de pânico tomou o meu corpo quando me dei conta de


quão perto de casa eu estava. Como vim parar logo aqui? Eu
precisava sair desse lugar agora, mas ainda estava presa em seus
braços. Ele passava as mãos nos meus cabelos e meu rosto, como se
procurasse por alguma coisa, falando baixinho em inglês. Eu só queria
me aconchegar nele e nunca mais me afastar, mas eu precisava ser
forte, não deixaria que ele morresse por minha causa também.
Lágrimas desceram pelo meu rosto quando o empurrei para longe de
mim. Olhando rapidamente ao meu redor, vi que estava em um quarto
comum, com móveis de madeira rústica. Reconheci o chapéu da
minha mãe na mesinha ao lado da cama, nem lembrava que o
perdera. Olhei para o resto do cômodo e para o meu alívio, a porta
estava aberta… Afastei-me de Alex o máximo que pude.

– Cecília…

Sua voz parecia feita de veludo, ela fazia meu coração bater muito
rápido e meu corpo querer permanecer ao seu lado para sempre. Se
ele continuasse falando seria muito difícil ir embora. Abri a boca para
dizer que eu tinha que ir, mas eu parecia ter esquecido de como formar
frases.

– Cecília, por favor, fale comigo… só me conte onde você está


machucada, não consegui achar nenhum ferimento – ele disse
tentando se aproximar. Eu me encolhi com as mãos nos ouvidos.

Por favor, não fale mais nada, tudo dói!

– NÃO! Eu preciso correr…

– Você pode parar de correr, está segura agora,

Segura, meu Deus, se ele soubesse… que piada! Por que as


pessoas não me ouviam quando eu dizia que Vicente podia fazer o
que quisesse? Era provável que ele já estivesse batendo na porta do
haras, por mais forte que pensei ter batido em sua cabeça eu nunca o
derrubaria, ele era invencível.

Coloquei um dos meus pés no chão e senti uma dor profunda.


Mas eu daria um jeito, só precisava sair de Santa Maria. Mirei a porta e
corri em sua direção. Não consegui chegar nem perto, Alex esticou o
braço e envolveu minha cintura me jogando de volta na cama. Caí de
costas no colchão e encarei o teto. Colados nele havia dois desenhos,
daqueles típicos que crianças pequenas fazem na escola, mas eu não
dispunha de tempo para prestar atenção nisso, Vicente chegaria aqui a
qualquer momento e me faria assistir Alex morrer antes de me matar.
Como eu consegui fazer tanta merda em um dia só? Era hilário como
uma pessoa podia ser péssima em tudo, às vezes eu pensava que
Vicente tinha mesmo razão, como eu poderia querer ser livre dessa
forma? Dei uma crise de riso do nada, ri tanto que fiquei sem ar, com
as costas doendo. Alex tentou me chamar, mas não pude parar de rir,
eu ria tanto que saíram lágrimas dos meus olhos…

Ele me levantou, segurando-me pelos ombros, olhou dentro dos


meus olhos e deu uma ordem com a voz forte e grave:

– CECÍLIA, CALA A BOCA! – obedeci imediatamente e ele


relaxou, suavizando a voz – ótimo agora olhe nos meus olhos.

Fiz o que pediu, encará-lo de frente me fez relaxar pela primeira


vez desde que entrei no galpão atrás de Dona Lúcia. Fechei os olhos
de novo quando imagens de seu sangue jorrando em meu rosto
apareceram na minha mente e Alex apertou os meus ombros mais
uma vez.

– Não volte para lá, foque nos meus olhos, Cecília – fiz o que foi
pedido e ele sorriu ficando ainda mais bonito, tirando todo o ar do meu
peito – você está comigo agora?

Consegui balançar a cabeça confirmando, mas só de imaginar


falar uma frase inteira eu me sentia muito cansada.

– Você está machucada? – Alex perguntou, muito preocupado.

Eu não estava machucada, estava destruída, mas pelo que


entendi da pergunta, a resposta era não, então balancei a cabeça
negando.

– Esse sangue não é seu? – ele disse completamente aliviado e


eu balancei a cabeça de novo.

– É… dele?

Meu Deus! Vicente já deve saber que eu estou aqui! Eu podia


sentir seu cheiro horrível de canela e sua voz me chamando de
Ratinha… balancei a cabeça várias vezes e coloquei as mãos no
ouvido de novo. Alex levantou o tom mais uma vez.
– Cecília olhe para mim, só para mim… Quando você quiser falar
sobre o que aconteceu eu vou estar aqui para escutar, não precisa ser
agora.

Sua fala fez a voz de Vicente sumir e em um ímpeto, o abracei.


Apertei seu pescoço com força e fechei os olhos sentindo algo que há
anos eu não sabia o que era. Proteção! Agarrada a ele, tudo o que
aconteceu durante o dia veio de uma só vez, desde a queima do meu
ipê até a morte de Dona Lúcia. Da mesma forma histérica que ri há
poucos minutos, eu chorei. Alto, doloroso… o ar me faltou por várias
vezes, mas Alex não me soltou, não me interrompeu, não perguntou o
que aconteceu, apenas me apertou contra seu peito, mostrando que
ele realmente queria estar ali. Acariciou os meus cabelos com tanta
suavidade que eu quase adormeci. Quando viu que me acalmei, se
afastou, fazendo-me sentir sua falta no mesmo segundo.

– Sei que você está muito cansada agora, mas não posso deixar
você dormir assim, coberta de sangue.

Oh meu Deus! Pobre dona Lúcia! Morreu tentando me ajudar…


Por que ela fez isso? Eu estava mesmo muito cansada, não tinha
condições de fazer nada naquele momento, nem chorar. Balancei a
cabeça para ele concordando.

– Preciso tirar o seu vestido… – disse coçando a cabeça,


completamente sem graça.

Mais uma vez eu reagi de forma automática e olhei para o nada


esperando que tirasse minha roupa, mas ele percebeu e me trouxe de
volta.

– Confie em mim, loirinha, não precisa ir para longe daqui, olhe


nos meus olhos.

Acreditei nele e relaxei, eu precisava muito descansar, ele tinha


me convencido e com razão. Eu não iria longe com a roupa toda suja
de sangue, Vicente já devia ter colocado a polícia atrás de mim, eu
precisaria de calma e inteligência para conseguir sair da cidade.
Meu vestido estava uma bagunça, a capa ainda estava no meu
pescoço, mas mais da metade fora rasgada na confusão. Ela foi a
primeira peça que Alex tirou. A saia, antes longa, agora estava bem
acima dos joelhos e a parte de cima também tinha um enorme rasgo,
deixando à mostra meu corpete branco tomara que caia. Eu ainda
estava com a meia da cinta liga presa no corpo, mas minha calcinha
tinha sido despedaçada por Vicente.

Alex me virou de costas para ele e bem devagar abriu o que


restava do fecho, deslizando as mangas do vestido pelo meu braço.
Uma delas prendeu no monstruoso anel de noivado que pesava em
meu dedo. Ele ainda tentou desembolar o vestido do anel com
delicadeza, mas eu o interrompi. Rasgando a manga, tirei o anel com
força e o joguei longe.

Assim que a peça de roupa caiu no chão, Alex prendeu a


respiração. Eu havia esquecido das minhas cicatrizes! Ele passou bem
devagar seus longos dedos no meu ombro, onde Vicente mordera com
bastante força e disse com a respiração entrecortada.

– Ninguém nunca mais vai machucar você, eu te dou a minha


palavra.

Borboletas dançaram no meu estômago e sorri sem querer. Alex


colou seu corpo nas minhas costas e sem me virar para ele, abriu o
fecho do meu corpete. Tudo aconteceu muito rápido quando ele
finalmente viu as minhas costas. Eu ainda ostentava vergões em carne
viva da surra que levei pela manhã. Respirando muito forte pelo nariz,
ele acariciou minhas costas com muita leveza e, recolhendo a mão em
seguida, afastou-se de mim, xingando muitos palavrões em inglês.

– Esse animal não respira nesse mundo nem mais um minuto. –


Completou ao sair do quarto.

Assustada pela sua mudança de comportamento, levantei-me de


uma só vez e fui atrás dele. O encontrei dentro de um escritório,
montando uma escopeta enorme, colocando um monte de balas e a
engatilhando em seguida. Quando seus olhos de tempestade
encontraram os meus, ele não era mais o homem preocupado e
afetuoso de segundos atrás. Eu conhecia aquele olhar muito bem. Meu
corpo me pedia para que eu me encolhesse em um canto e chorasse,
mas eu morreria antes de deixar que alguma coisa acontecesse com
Alex. Eu estava seminua, apenas com a cinta liga na cintura
prendendo a meia e meus cabelos tampando os seios, mas não era
hora de me importar com isso. Ignorando minha presença, ele passou
a mão no nariz, pegou ainda mais duas pistolas e vestiu um coldre,
virou as costas e se encaminhou até a saída da casa… Eu precisava
fazer alguma coisa e rápido! Respirei fundo destravando minha
garganta e gritei o máximo que deu.

– N- NÃO VAI! P-por favor...

Seu corpo se endureceu perceptivelmente e ele parou por apenas


um segundo com a mão na maçaneta, mesmo assim, abriu a porta.
Mancando, corri até ele. Abracei sua cintura com força por trás e disse
vacilante.

– Fica aqui comigo! Vicente é o próprio demônio… Por que


ninguém acredita em mim? Ele vai matar você também.

Alex se virou de uma só vez, aninhando minha cabeça em seu


peito. Aconchegada a ele as palavras foram saindo um pouco mais
fáceis.

– Não te darei trabalho, vou embora assim que puder, me perdoe


por correr até aqui, não era minha inten…

– Shh… passou... eu acredito em você, ok? Ninguém vai a lugar


algum. E sou eu que preciso te pedir perdão, deveria ter te protegido,
desde o dia que te conheci.

Relaxei tanto que ele teve que me levar até ao banheiro no colo,
esse dia estava cobrando seu preço. Com toda suavidade possível ele
me sentou na pia e começou a tirar minhas meias. Eu tinha cicatrizes
pelo corpo todo, mas não eram elas que me preocupavam, não queria
que ele visse os piercings e a maldita tatuagem, então encurvei o
corpo, numa vã tentativa de encobri-los. Alex franziu a testa e tirou a
camisa sem dizer nada. Seu corpo não possuía um defeito, era largo e
másculo. Então, uma coisa me chamou a atenção e endireitei minha
postura para olhar melhor. Assim como eu, ele tinha várias marcas
também, algumas eram mais profundas, outras mais superficiais,
passei os dedos em uma linha bem acentuada na parte lateral do seu
abdômen e ele sorriu orgulhoso.

– Essa eu ganhei na minha primeira incursão no Iraque, em 2010.

Seu sorriso era maravilhoso e contagiante, o que me fez sorrir


também.

–Pode não parecer agora, mas elas te fazem mais forte, sabia? –
disse intensamente com os olhos cravados nos meus.

Eu não me sentia mais forte, me sentia suja e deslocada perto


dele que era tão perfeito. Não deveria me preocupar com a sua opinião
sobre mim, eu não ficaria por aqui. Reerguer a fazenda dos meus pais
era o meu maior sonho, mas eu não tinha meios de lutar por ela com
Vicente. Eu iria embora para longe dessa cidade e levaria meus pais
para sempre no meu coração. Tirei os cabelos da frente dos meus
seios e levantei o queixo, quase como se o desafiasse a me ver como
eu realmente era. A Ratinha estúpida e assustada, um mero objeto de
alguém. No entanto, para minha surpresa, não vi aversão no seu olhar,
pelo contrário, eu me senti acolhida. Ele estendeu a mão e quando a
entrelacei na minha, percebi que ele tremia.

– Está tudo bem Alex, eles não doem mais.

Ele sorriu e eu fechei os olhos.

– Deixa eu começar a tirar tudo isso de você, vem comigo – disse


inclinando-se, colando sua testa na minha.

Ele abriu o chuveiro e os jatos foram bem-vindos, alguns


machucados ainda estavam abertos e arderam quando o shampoo
caiu sobre eles. Alex lavou os meus cabelos, mas pediu para eu
mesma ensaboar o resto do corpo. A água quente acabou com as
minhas forças de vez.
Depois que me secou, me colocou sentada na beirada da sua
cama e eu mal conseguia manter os olhos abertos, no entanto, o medo
que Vicente batesse na porta a qualquer minuto não me deixava
dormir.

– Eu não tenho secador de cabelos, você vai pegar uma gripe se


dormir assim – ele disse me fitando com a testa franzida.

– Não tem problema – respondi – nem sei se vou conseguir


dormir, eu só preciso que meu pé pare de doer para eu ir embora.

– Você não vai a lugar algum, já disse. Deixe-me ver o seu pé.

Ele ajoelhou no chão e fez uma careta quando examinou meus


machucados. Saiu do quarto sem dizer nada e voltou com uma
pomada nas mãos, dizendo ser cicatrizante. Era incrível como ele era
tão grande e ríspido e o seu toque tão suave. Fechei os olhos e mais
lágrimas desceram, há muitos anos eu não sabia o que era ser tocada
com tanto cuidado. Ele ergueu a cabeça alarmado.

– Te machuquei, loirinha?

– Não! Pelo contrário.

– Ótimo, vou passar no seu ombro e nas suas costas, ou prefere


passar sozinha?

– Prefiro você. – Respondi.

Encolhi quando ele apertou o local da mordida, estava ficando


bem feio, um tom de roxo quase preto. Depois que todos os
machucados foram cobertos, Alex secou os meus cabelos com uma
tolha e vestiu uma blusa dele em mim que cobriu o meu corpo inteiro.

– Fique à vontade. A casa é sua. – Ele disse saindo do quarto.

Quase pedi para que ficasse comigo, mas não tive coragem, já
tinha dado trabalho demais. Deitada de costas no colchão, fitei os
desenhos no teto, até que minhas pálpebras pesaram, mas toda vez
que as fechava, os olhos vazios de dona Lúcia me encaravam sem
vida e eu acordava sobressaltada. Nervosa e com a boca seca, fui
procurar Alex ou a cozinha. O encontrei sentado à mesa da sala de
jantar, com uma garrafa de whisky em sua frente. Ainda sem camisa,
com os ombros curvados para frente, ele parecia profundamente triste.
Algo me dizia que essa tristeza tinha a ver com os desenhos que vi no
teto do quarto. Ele sentiu minha presença antes que eu falasse
qualquer coisa.

– Você precisa descansar, Cecília.

– E-eu não consigo, toda vez que fecho os olhos ela está lá.

– Ela quem? – perguntou levantando-se da cadeira e vindo até


mim.

Abaixei os olhos, pensando em como colocar em palavras o horror


dessa noite. Ele segurou o meu queixo me fazendo encará-lo.

– Alex… estou com muita sede. – Eu disse simplesmente.

Sorrindo me puxou pela mão até a cozinha. Havia caixas e mais


caixas de whisky em uma mesa, além de um telefone todo espatifado
no chão. Ele não disse nada sobre isso e pegou o copo de água que
pedi.

– Não quero que você se preocupe com nada, agora. Tudo tem
solução, eu te prometo.

– Mas, Alex…

– Caladinha… você está com fome?

Estava morrendo de fome há muito tempo, mas não conseguiria


comer nada. Balancei a cabeça, entrelacei minha mão na dele e nos
dirigimos de volta ao quarto.

E foi então que meu coração parou de funcionar. Alguém batia na


porta, com toda força, e isso só podia significar uma coisa.
Alguém bateu na porta e ela se assustou como uma coelhinha,
pulando nos meus braços. Tentei não demonstrar a noite toda, mas eu
era puro ódio por dentro. No momento que vi as profundas
cicatrizes nas costas daquela menina tão pequena, eu tive um
propósito. Há anos eu sobrevivia sem um, mas a partir desse dia, eu
só continuaria respirando para ver aquele animal em uma poça do seu
próprio sangue, pedindo perdão a ela antes de morrer. Observei o
corpo de Cecília tremer e a cor fugir do seu rosto quando os estrondos
na porta soaram ainda mais altos. Por ser mais de meia-noite o haras
estava muito silencioso. Senti um aperto estranho no peito pela minha
impotência, queria poder fazê-la esquecer tudo o que a machucava.
Respirei fundo tentando deixar de lado a confusão de sentimentos
dentro de mim, não podia demonstrar esse meu lado para ela agora,
muito menos incertezas. Assim que conseguisse tirá-la da cidade em
segurança, a confusão acabaria e muitas pessoas conheceriam o
inferno, eu deixaria o ódio me guiar. Mas agora não, ainda não! Cecília
nunca conheceria esse meu lado.

Segurando firme em seu rosto, tentei tranquilizá-la.

– Está tudo bem. Está realmente tudo bem – ela hiperventilava,


em pânico – olhe nos meus olhos, Cecília… isso… agora me escute:
ninguém nunca mais vai te machucar, eu não vou deixar. Estou logo
atrás de você, espere no meu quarto e tranque a porta, ok?

– M-mas Alex…

Eu sabia que ela obedeceria se fosse ordenada e foi o que fiz, não
queria tratá-la assim, mas era necessário, infelizmente.
– Cecília, AGORA! Faça o que eu estou mandando, vá para o meu
quarto e tranque a porta! Sem discussões.

Abaixando a cabeça ela se foi. Esperei que se trancasse, coloquei


uma arma na parte de trás do cós da calça, e abri a porta. Uma parte
de mim, ansiava para que fosse o delegado. No entanto, não era. Raul
me olhava com a cara mais lavada do mudo e faltou muito pouco para
que eu desse um tiro nele.

– Porra, caralho! Que falta de noção, o que você está fazendo


aqui a essa hora? Quase te dei um tiro.

– Você precisa parar com essa mania de querer atirar em tudo.


Como eu te avisaria que preciso ver o potro, se você não tem mais
telefone?

Passei as mãos pelos cabelos, Raul ia acabar me infartando


qualquer dia, impaciente para fechar a porta, completei:

— Que eu saiba as baias estão bem longe da minha casa.

— Mas preciso de ajuda com Jandira, só você consegue acalmá-


la.

Olhei para trás, suspirando.

— Tá bom, vá na frente que já vou!

Ele olhou curioso por cima do meu ombro.

— Você não está sabendo da confusão armada na fazenda do


delegado, não? Não é possível que não escutou as sirenes.

Não quis parecer ávido demais sobre assunto, Raul era esperto e
muito observador, confiava nele, mas até para a sua própria
segurança, era melhor que não soubesse de nada. Normalmente eu
não me interessaria pela vida do delegado e sabia que Raul me
contaria de qualquer forma.

— Tenho cara de velha fofoqueira, por acaso?


— Ah! Mas isso você vai querer saber, pelo que fi…

— Raul, me espere nas baias! — eu disse fechando a porta,


Cecília não podia ficar tanto tempo sozinha e provavelmente essa
conversa demoraria muito.

Tranquei a porta e corri até o quarto.

— Cecília, abra, sou eu!

Demorou um pouco, mas ela abriu e logo correu de volta para a


cama, tampando os ouvidos. Damn it! Por que Raul teve que chegar
logo agora?

– Ei! O que foi? Não precisa ficar assim, eu falei para você que
estava tudo bem, não falei?

Ela olhou nos meus olhos como se tudo dentro dela doesse.

– Alex, eu preciso ir embora, me deixe ir embora! – disse


abraçando os joelhos, chorando bastante.

Parecia que alguém pegava o meu coração e torcia toda vez que
eu a via chorar.

– Claro que deixo você ir embora, entenda uma coisa de uma vez,
a partir de hoje, você é uma mulher livre para fazer o que bem
entender, mas agora está tarde, você precisa descansar e não tem
roupas. Amanhã, você vai, ok?

Na situação que ela estava, achei melhor não insistir, mas


enquanto eu não tivesse um lugar seguro para levá-la, Cecília não
sairia do meu lado. Lembrei que eu tinha de procurar Lúcia quanto
antes, agora que os planos mudaram, ela disse ter parentes de
confiança no Sul. Batendo de leve com os dedos nos joelhos, a razão
acabou vencendo na mente de Cecília e ela aceitou ficar “pelo menos
essa noite”.

– Preciso ver o que está acontecendo com os cavalos nas baias –


eu disse me levantando da cama – tem alguém aqui em casa que vai
adorar te fazer companhia…

Ela agarrou o meu pulso e disse com desespero na voz.

– Não! Não quero ficar sozinha.

Suas mãos tremiam muito, ela precisava se acalmar, seu corpo


não tinha como aguentar tanta descarga de adrenalina.

– Eu vou ficar, só me dê um segundo, vou até à sala pegar uma


coisa para você, ok?

Ela me encarou com aqueles lindos olhos que acabavam comigo e


concordou com a cabeça. Eu não tinha chá nem remédios em casa,
ainda essa noite eu compraria tudo o que ela precisava, mas agora eu
teria que adaptar. Coloquei uma dose de whisky no copo que estava
na mesa e tomei, depois coloquei mais em outro copo e levei para o
quarto. Cruzei a porta e ela levou um susto ao me ver. O que teria
acontecido naquela festa com essa garota? Eu precisava saber a
extensão do problema.

– Tome, loirinha. Você vai se sentir melhor – eu disse estendendo


o copo em sua direção.

Desconfiada, ela o pegou e bebericou, fazendo uma careta


enorme em seguida.

– Eca, o que é isso?

– Whisky, nunca tomou? – perguntei.

Pela primeira vez desde que a conheci passou pela minha cabeça
a dimensão de quão nova Cecília devia ser. Talvez nem idade para
beber ela tinha.

– Não, Vicente nunca perm... – ela disse diminuindo a voz na


última palavra.

Eu não tinha o direito de me sentir tão possessivo, mas ouvir o


nome daquele animal sair de sua boca me enfureceu. Tentei não
demonstrar a minha raiva.

– Você precisa se acalmar, não faz bem ficar assim por muito
tempo, só tem um pouquinho, olhe… – tomei um pequeno gole da
bebida de uma só vez – viu? Agora faça como eu.

Sorri e ela abaixou os olhos nitidamente menos assustada,


fazendo o que pedi.

– Ai, como arde! – disse, estalando os dedos.

– Quer um pouco de água? – perguntei.

Ela negou com a cabeça me dando o copo, já com os olhos


pesados. Deixei-o na mesinha de cabeceira, ao lado do seu chapéu e
Cecília segurou minha mão com as bochechas coradas.

– Fica comigo um pouquinho? – perguntou com uma voz linda,


doce e suave. Me repreendi no mesmo momento que imaginei como
seria delicioso beijá-la o resto da noite.

Ligeiramente sem fôlego, ajeitei o travesseiro para ela e com um


pé no chão, sentei na beira da cama, encostando-me na cabeceira.
Cecília deitou-se espalhando a cabeleira loira por todos os lados.
Delicadamente, retirei sua mão da minha e ela imediatamente levantou
o tronco assustada.

– Ainda estou aqui! – tranquilizei – Você está tremendo…

Ela relaxou ao ver que fui apenas pegar um edredom no armário.


Cobri o seu corpo, entrelaçando nossas mãos mais uma vez e ficamos
assim, escutando apenas a respiração um do outro, até que de olhos
fechados ela me chamou.

– Alex?

– Sim, menina.

– Que música é essa?


Franzi a testa…

– Música?

– Sim, essa que você estava cantando baixinho! É linda! – disse


bocejando.

Eu não tinha reparado que estava cantando, sorri ligeiramente


antes de respondê-la.

– Tenessee Whiskey, minha música favorita.

– Hum… Acho que vai ser minha música favorita também…

Apertei sua mão em resposta e ela logo dormiu. Esperei ainda


alguns minutos e bem devagar saí da cama. Aquela menina merecia
descansar, amanhã seria outro dia e eu lhe faria muitas surpresas. Fui
até o quintal buscar Lily e a coloquei de vigia no quarto. Se acordasse
assustada, Lily lhe faria companhia. Já na sala tomei mais uma dose
de Jack, acendi um cigarro e, sem tentar transparecer minha
ansiedade, fui até Raul saber logo o que diabos aconteceu naquela
festa.

– Pensei que não viesse mais! – Raul esbravejou assim que me


viu. – Consegui fazer Jandira me deixar ver o potro sem você. Não sei
quanto tempo ele ficou sem oxigenação, mas parece que está tudo
bem, agora é só esperar.

– Foi mesmo um parto difícil. A égua está bem então? – perguntei


acariciando o pescoço de Jandira que relinchou feliz ao me ver.

Cheguei a pensar que fossemos perdê-la. O desgraçado soltou


fogos a noite toda, deveria tê-lo matado antes que tudo piorasse.
Cerrei meus punhos com força, lembrando de como ele marcou aquela
menina... Ela não queria que eu visse, mas um dos piercings em seu
seio tinha um pingente em formato de V, não precisava de muito para
saber o que aquilo significava. A respeito da tatuagem, não consegui
distinguir o que estava escrito, mas os olhos de Cecília me diziam mais
que palavras. Mesmo que afirmasse não sentir mais dor, eu sabia que
era mentira… torci para que o delegado não morresse, seria uma
saída fácil demais.

Raul sorriu de orelha a orelha e afagou Jandira que reclamou,


distraindo a minha fúria. Ele era muito bom no que fazia, tinha um
carinho genuíno pelos animais que cuidava, era raro encontrar
profissionais assim tão dedicados.

– Essa raça não é considerada a melhor à toa. Essa bichinha é


dura na queda – disse ele orgulhoso.

Aproveitei para verificar os outros cavalos nas baias, falei um


pouco com Imperatriz e Trigger, meus cavalos favoritos. Como previ,
Raul veio atrás de mim, esfregando a orelha.

– Até agora eu não acredito que você não ouviu todas as sirenes
na fazenda do delegado!

– Eles fizeram tanto barulho essa noite que parei de prestar


atenção.

De dentro da casa eu dificilmente ouviria algo, a fazenda fazia


fronteira com o meu haras, mas era um pouco distante.

– Enfim, ninguém sabe o que aconteceu de verdade…

– Hum… – eu disse fingindo prestar atenção nos cascos de


Trigger.

– Mas depois que o noivado acabou, alguém deu uma facada no


delegado e esmagaram a cabeça dele! – ele disse parecendo mais
empolgado que chocado.

Meu coração dançou no peito, porém por pouco tempo.


– Algum empregado o achou a tempo e o levaram às pressas para
o hospital. – Raul completou.

– Que história estranha é essa? – perguntei puto e aliviado pelo


desgraçado estar vivo, queria muito cumprir a minha promessa. –
Como uma pessoa com a cabeça esmagada vai para o hospital?

– Eu sei lá! Tô falando o que me contaram. Mas o pior nem é isso.


Diz que o delegado estava lá caído, com uma faca cravada no ombro e
tinha uma pessoa morta do lado dele, com o pescoço cortado – ele
abaixou a voz e falou conspiratório – e ninguém acha a noiva dele…

Ele estava mesmo insinuando que Cecília havia matado alguém?


Talvez por legítima defesa, mas ela era pequena e assustada demais
para derrubar duas pessoas…

– Você sabe de quem era o corpo?

Ele sorriu vitorioso por um momento por causa do meu interesse,


mas logo fez uma expressão de pesar.

– Isso que é o mais estranho. É de uma professora da faculdade,


acho que ela dá aula na escola também… Como era mesmo o nome?
Alguém falou agorinha a pouco….

Minhas mãos tremeram, não podia ser… Eu disse a ela que não
fizesse nada!

– Lúcia – acabei falando sem pensar.

Ele me olhou e ergueu uma sobrancelha, bastante desconfiado.


Shit[6].

– Como você sabe?

– É a única professora dessa cidade que eu conheço. Era mesmo


ela?

Ele confirmou com a cabeça.


– Estranho demais. Ninguém faz ideia do que poderia acontecido
ali. Um paramédico disse que se não tivesse achado o Dr. Vicente tão
rápido ele teria morrido. E com o sumiço da noiva… Será que ele e a
professora tinham um caso e a menina ficou com ciúme? O que dizem
por aí é que ela fez tudo para ficar com o delegado né… uma mulher
apaixonada é a coisa mais perigosa que existe.

Às vezes as pessoas de Santa Maria me enojavam, o motivo de


serem tão ávidos para julgar Cecília estava além da minha
compreensão. Sobre o ocorrido na fazenda, ficou bem fácil imaginar o
que aconteceu. Avisei tanto à Lúcia que precisávamos esperar para
tirar Cecília das mãos daquele marginal! Parei de prestar atenção no
que Raul dizia da loirinha para não afundar a sua cara no estrume.

– As pessoas dessa cidade costumam falar merda pra caralho,


Raul e você também pelo visto. Já acabou por aqui? Preciso ir em
Vitória bem cedo.

– Você acabou de voltar de lá…

Olhei para cima estalando o pescoço.

– Fuck me… me erra, cara. Você quer que eu te coma? Só está


faltando isso para virar minha esposa.

– Quer saber, Alex? Você que se foda. Só me ligue se algum deles


estiver morrendo – ele disse apontando as baias – caso contrário,
adeus!

Raul virou as costas, seguiu firme até sua caminhonete e saiu do


meu haras cantando pneus. Sei que não deveria ser tão ríspido com
ele, mas era melhor assim, não queria que ele se aproximasse. Ainda
pensando nisso, corri até minha casa para verificar se Cecília estava
bem. Como previ ela dormia profundamente, seu corpo desligou de
cansaço. Coloquei uma dose de whisky e me sentei no sofá com os
cotovelos sobre as pernas. Agora que a minha única aliada morrera,
eu era tudo o que essa menina tinha. Virei a dose de uma só vez e o
líquido desceu queimando pelo meu peito, o que me acalmou. Eu
precisava mudar meus planos, já que tirá-la da cidade tornou-se
impossível, mas isso era o de menos. Olhei para o antigo relógio de
parede, eram três da manhã. Ela precisava ter dia normal. Daqui até a
capital era apenas uma hora de carro, lá eu encontraria lojas vinte e
quatro horas com tudo que precisava. Sorri pensando na bela surpresa
que teria ao acordar. Até que estivesse forte o suficiente para seguir o
seu próprio caminho, eu faria com que Cecília tivesse apenas dias
felizes.
Acordei com a melodia da música Tenessee Whiskey na cabeça.
A cama que dormi não era a minha e o cheiro que eu adorava estava
em todos os lugares: no travesseiro, nos lençóis, em mim. Então
lembrei de tudo ao mesmo tempo e me senti mais confusa do que
nunca, e culpada também. Principalmente porque a primeira sensação
que tive ao acordar foi alegria. Vicente não veio me procurar, então ele
não sabia que eu estava aqui. Será que eu estava finalmente livre? No
entanto, as imagens da morte de Dona Lúcia assolaram minha mente
e a sensação de euforia passou. Eu não tinha o direito de me sentir
feliz. Rolei de lado me espreguiçando e senti um friozinho maravilhoso
na barriga quando vi um vaso com uma linda orquídea ao lado do meu
chapéu na mesinha. Sentei-me encostando na cabeceira e peguei o
bilhete que estava junto da flor. Não era a mesma espécie, mas o tom
era bem parecido com a orquídea hibrida que plantei nos troncos do
meu ipê.

Bom dia, Cecília, comprei algumas coisas para você, espero que
goste.

Sorri como há muito tempo não sorria pensando no quão linda a


letra de Alex era. Iria guardar esse bilhete para sempre. No pé da
cama havia várias sacolas cheias de roupas, sapatos, chocolates,
maquiagens e muitas outras coisas… corei até a raiz do cabelo
quando vi um monte de lingeries. Quanto tempo será que dormi?
Pensei intrigada em quando Alex teve tempo de comprar tudo isso. Eu
não saía muito de casa, mas tinha certeza não haver um Walmart em
Santa Maria. Empolgada como uma criança, abri várias sacolas ao
mesmo tempo e escolhi um vestido azul, da mesma cor da flor que
ganhei. Pensei com tristeza nas orquídeas de mamãe que deixei na
estufa da fazenda, elas morreriam sem mim. Meu estômago roncou
fazendo um barulho enorme, eu estava há muito tempo sem comer.
Desde o episódio da tatuagem eu tinha perdido a vontade de tudo,
mas hoje meu corpo reclamou. Ainda ajoelhada em cima da cama, tirei
a blusa de Alex coloquei uma calcinha de renda branca, o vestido e
procurei um sapato que combinasse. No meio das coisas tinha escova
de dentes, pente de cabelo, era incrível como ele pensou em
absolutamente tudo.

Terminei de me arrumar e saí do quarto à procura de comida,


Liberty sentiu minha presença e pulou em mim, fazendo muita festa.

– Ei, mocinha! Obrigada por tudo – eu disse emocionada,


afagando seu focinho. Desde o começo foi ela que sempre me guiou
até aqui.

Ela lambeu o meu rosto e saiu correndo pela casa. Aproveitei para
observar melhor onde eu estava, na noite passada, não tive condições
de apreciar a decoração. A casa de Alex era muito masculina, com
paredes de tijolinhos aparentes e vigas de madeira. A impressão que
passava era de um rústico planejado, deixando o resultado muito
bonito. Andei por um corredor que deu em uma sala de estar com uma
televisão enorme em um painel de madeira, senti falta de fotos e
objetos pessoais; em alguns aspectos a casa parecia um tanto
inabitada. Entrei na sala procurando por Liberty quando o vi dormindo
no sofá. De novo senti aquele friozinho na barriga e minhas pernas
amoleceram pela visão de um Alex sem camisa só com uma calça de
moletom, ele era grande demais para caber naquele sofá, mas não tive
coragem de acordá-lo. É lindo até dormindo! Pensei sentindo um calor
que subia até meu rosto, o que contrastava com o frio que fazia essa
manhã! Santa Maria era uma cidade serrana, então as temperaturas
eram bem amenas. Busquei um edredom para cobri-lo, não queria que
ele pegasse uma gripe por minha causa. Ao chegar mais perto do sofá
vi que no chão havia uma garrafa de whisky pela metade, Alex parecia
beber muito, mas quase todo mundo em Santa Maria bebia muito, eu
não tinha como saber se era normal ou não.

Lembrei de uma vez que Vicente me pegou bebendo com umas


amigas, um pouco depois que minha mãe havia morrido… “Não quero
vagabunda bêbada na minha casa”. Fechei os olhos balançando a
cabeça para expulsar a voz dele de dentro de mim, eu tinha acordado
muito bem e permaneceria assim. Respirei fundo colocando o edredom
em cima de Alex, passei de leve a mão pelo seu braço me sentindo
mal por ele estar gelado de frio, eu realmente tinha que dar um jeito de
ir embora logo, não podia dar mais trabalho.

Virei as costas para ir até à cozinha, mas fui impedida por Alex
que me segurou forte pelo pulso com uma mão, agarrando o meu
pescoço com a outra. Com apenas um movimento fui imobilizada sob
seu corpo no sofá. Tudo aconteceu muito rápido, era impossível sair
debaixo dele e seus dedos apertando firme o meu pescoço me
impediram de respirar. Encarei os seus olhos, tentando compreender
essa mudança tão brusca de comportamento. Meu coração batia
descompassado pelo susto enquanto o ouvia dizer palavras
desconexas em inglês e espanhol. O seu tom de voz era mortal, gelou
minha espinha. Tentei arranhar sua mão que me apertava, eu
precisava respirar, mas ele não se movia, seu olhar estava distante,
ele parecia… sonhando? Arranhei com mais força e ele me viu pela
primeira vez, confuso, desfazendo a pressão em meu pescoço. Seu
olhar intenso e cheio de perguntas mexeu em alguma coisa dentro de
mim, deixando minha boca seca. Lambi os lábios instintivamente e
seus olhos de tempestade seguiram meus movimentos, parando no
meu peito. Meu corpo reagiu a isso como se tivesse sido atravessado
por uma poderosa corrente elétrica, mesmo sem o aperto em torno do
pescoço minha respiração ficou curta e ofegante, os bicos dos meus
seios ficaram duros, doloridos e latejei tanto que molhou até minhas
pernas. Nada havia me preparado para sentir isso um dia, eu não
sabia o que estava acontecendo comigo. Alex pareceu finalmente
acordar e afastou de cima do meu corpo de uma só vez, indo parar do
outro lado do sofá.

– Cecília… – disse tão ofegante quanto eu com a voz


completamente rouca. Novas ondas de choque me percorreram por
dentro.

Não me movi, continuei paralisada, deitada naquele sofá,


implorando silenciosamente para ser tocada por ele mais uma vez.
– Cecília, eu não sei o que dizer, porra, me perdoe…

Vagabundas pervertidas como você, precisam de dor para se


sentirem bem. Pude ouvir nitidamente a voz de Vicente me
repreendendo, e meu Deus, com a mesma intensidade do desejo
avassalador que senti por Alex, veio a vergonha. Ele não podia ver
quem eu realmente era. Meus mamilos doíam, roçando naqueles
piercings malditos e a parte interna das minhas coxas pulsava, coçava
por atenção, só uma coisa poderia me ajudar agora. Mesmo com Alex
me chamando pelo nome, levantei-me de uma só vez do sofá e saí
daquela sala sem olhar para trás.

Algumas horas antes.

Cheguei de Vitória com o dia raiando, desde que vim para esse
país nunca havia reparado como era lindo o nascer do sol por aqui.
Mas agora, dirigindo minha caminhonete pela estrada florida de terra,
eu reparei. Estava mesmo um dia lindo. Antes de ir para o haras, parei
na padaria da praça do centro da cidade, não que tivessem muitas
outras, mas a essa hora com certeza a conversa seria uma só e eu
queria saber qual era o estado de saúde daquele desgraçado.

Ainda era bem cedo, a padaria estava praticamente vazia. Olhei


as prateleiras e percebi que não sabia nada sobre Cecília, nem mesmo
o básico, então fiz como a compra das roupas, peguei de tudo um
pouco.
Como previ, não se falava de outra coisa e, assim que cheguei no
caixa, Sr. Gabriel, um simpático velhinho que fazia parte da decoração
do local pois estava sempre ali dentro, franziu a testa ao me ver,
demonstrando pesar.

– É, Alexandre, a coisa tá feia em Santa Maria, bom dia!

Não tentei consertar a pronúncia do meu nome, tirei o meu chapéu


e o cumprimentei de volta.

– Tem alguma notícia do delegado? Vocês são vizinhos né? – ele


perguntou.

– Não sei de muita coisa. Tive que ir em Vitória bem cedo comprar
remédio para um cavalo doente – menti. – Você tem alguma notícia do
estado de saúde dele?

Ele balançou a cabeça como se não acreditasse no que estava


prestes a dizer.

– Nada novo, os médicos daqui preferiram levar o Dr. Vicente pra


Vitória… minha sobrinha Desirée trabalha lá no hospital, disse que ele
está desenganado, traumatismo craniano.

Ah, que pena! Sorri por dentro pensando orgulhoso em Cecília, ela
não me disse muito sobre o que aconteceu, mas não precisou. Paguei
logo as compras e não dei muito mais abertura para conversa. Eu me
simpatizava com o Sr. Gabriel, não queria ter que dar um soco em um
idoso se ele começasse a falar da loirinha.

Pisei no acelerador, ansioso por chegar logo em casa. Eu estava


cansado, o parto de Jandira fora terrível, e ainda tinha muito o que ser
feito com os animais, mesmo assim aquela menina não saía da minha
cabeça. Eu devia pensar em como tirá-la da cidade de uma forma que
ela pudesse reconstruir sua vida, mas toda vez que a imaginava longe
de mim, o vazio se tornava insuportável. Estacionei no jardim e entrei
praticamente correndo em casa. Já tinha me acostumado com a dor,
no começo, quando Mollie e as meninas… enfim, quando tudo
aconteceu, pensei que fosse morrer, mas com o tempo aprendi a me
consolar no fundo de uma garrafa. Porra! Dessa vez nada me salvaria,
minhas mãos tremiam e eu sabia que não seria uma dose que
aplacaria o que eu estava sentindo.

Assim que abri a porta do quarto e a vi dormindo tranquila, meu


corpo todo se acalmou ao mesmo tempo que crescia um desejo
primitivo de tê-la toda para mim. Quis me deitar ao seu lado e pedir
para que nunca fosse embora, mas eu jamais faria isso com ela,
jamais... O tempo não podia apagar tudo.

Sem fazer barulho, arrumei tudo o que comprei… Lembrei das


orquídeas no ipê que ela gostava e comprei uma parecida. A coloquei
ao lado do seu chapéu na mesa de cabeceira e sai correndo do quarto
antes que eu fizesse merda. Peguei uma garrafa cheia e levei para
sala. Tirei a camisa e tomei uma dose, eu tinha que dar um jeito de
enterrar esses sentimentos em relação à Cecília, ela já tinha passado
por coisas demais. Tive minha chance de ser feliz e estraguei tudo.
Peguei a foto de dentro da minha carteira e passei os dedos no
rostinho de Laine que sorria feliz, abraçada ao “Pacaco”, seu
inseparável ursinho de pelúcia… servi mais uma dose e mais outra... e,
entorpecido, aceitei de bom grado a escuridão me levar.

Abri os olhos, confuso… O cheiro de flores, tão característico, foi a


primeira coisa que reconheci, aplacando uma fúria insana e
desconhecida de dentro de mim, enquanto me deixou tão duro que
perdi o fôlego.

Sem nenhuma explicação racional, acordei com Cecília no sofá,


seu corpo pequeno e macio estava todo embaixo do meu, e eu
apertava o seu pescoço com muita força. Caralho! Que merda! Pensei
puto comigo mesmo, eu sabia que essa proximidade daria merda a
qualquer momento. Desde que a conheci, a bebida não apagava mais
os meus pesadelos. Desfiz o aperto mortificado, mas para minha
surpresa e completo tormento, a loirinha não reagiu com medo, pelo
contrário, seus olhos brilhavam fixos nos meus, suas bochechas
coraram, e quando ela lambeu os lábios, eu enlouqueci. Não pude tirar
meus olhos da sua boca em forma de coração até que ela parasse e,
para piorar tudo, seus mamilos durinhos roçavam no meu peito através
do tecido fino do vestido. Puta que pariu! Recobrando o juízo saí de
cima dela como um raio, me sentindo o pior babaca do universo. Como
eu consertaria essa situação agora?

– Cecília… – tentei pensar em algo para dizer, explicar que eu


estava tendo um pesadelo, mas isso não tirava o que fiz.

Ela continuou imóvel no sofá e meu coração retorceu, de todas as


pessoas, ela era a que menos deveria ver o meu lado estragado.

– Eu não sei o que dizer, porra, me perdoe… – fui o mais sincero


que pude.

Respirando com dificuldade ela se levantou e correu da sala.


Fuck, Fuck, Fuck! Como eu fui fazer uma coisa dessas logo com ela?
Chutei a mesa de centro que se espatifou, Lily veio correndo com o
barulho.

Saí da sala e fui atrás dela sentindo um peso estranho no peito,


não deveria ter deixado que ela saísse sem explicar que foi um
pesadelo. Não a vi no quarto, cozinha ou sala de jantar. Bati na porta
do banheiro e ela não emitiu nenhum som. Bati de novo.

– Menina, eu sei que você deve estar com medo de mim e não
precisamos conversar se não quiser, só me diga se você está bem, por
favor!

A porta estava trancada, o que era um alívio, ela estava mesmo


ali, cheguei a pensar que pudesse ter ido embora.

– Cecília? – chamei, mas nenhum som vinha lá de dentro. Bati de


novo, esperei e nada. Algo estava muito errado.

– Cecília abra essa porta, agora!


Nenhuma resposta… Eu não ia pagar para ver, ela não estava
bem e o que fiz piorava tudo. Tomei uma distância e meti o pé na porta
do banheiro. Ela gritou assustada, mas eu me assustei muito mais com
a cena que vi.
Cecília analisava seus seios no espelho do banheiro segurando
uma gilete. Porra, meu pau não quis entender o quão grave a situação
era. A visão daquela garota só com uma calcinha branca minúscula
fodeu o meu cérebro. Demorei vários segundos para funcionar
normalmente de novo. Avancei até ela e agarrei seu pulso com força,
fazendo com que soltasse a gilete.

– Caralho, garota! Sei que fodi tudo! Mas não faça isso, desconte
em mim, não em você!

Ela me olhou confusa, como se eu tivesse falado uma asneira


muito grande e, com lágrimas nos olhos, disse:

– Não adianta eu achar que vou ser livre, Alex. Olha para mim… o
que você vê?

A porra da mulher mais gostosa do mundo.

– Uma garota linda e corajosa... sei que você passou por um


inferno..., mas você não está mais sozinha! Acredite em mim.

Ela balançou a cabeça repetidas vezes e havia fúria nos seus


olhos quando eles encontraram os meus.

– Não! Você fala isso porque não me conhece, não sabe


quem eu sou de verdade... ele me estragou, Alex! Olhe bem para mim,
meu corpo está todo estragado e isso nem é o pior.

Puta que pariu! Foi como se ela tivesse cravado uma faca no meu
coração com essas palavras. Eu seria capaz de ir até Vitória e matar
aquele desgraçado em coma mesmo se Cecília não precisasse tanto
de mim ali. Olhando mais de perto vi que escorria sangue de um
profundo corte em sua coxa.

– Pode não parecer, mas tudo isso vai passar! Por favor, não
destrua seu corpo – agarrei os seus cabelos, fazendo com que ela
olhasse para mim – Eu vou proteger você!

Inclusive de você mesma. Pensei, mas não disse em voz alta.

– Você não sabe o que eu fiz para querer me ajudar…

Culpa! Uma velha amiga minha, eu sabia bem que não era algo
que se resolvia de um dia para o outro, seria mais fácil cuidar da parte
física primeiro.

– Bom, enquanto eu limpo esse sangue todo você me conta o que


fez e daí eu decido se ainda quero ajudar você, tudo bem?

– NÃO! – disse ela, irritada, se jogando no chão para procurar a


lâmina – você não entende, eu preciso disso, preciso dele fora de
mim…

Foi então que desci os olhos pelo seu corpo, o que eu estava
tentando evitar desde que entrei no banheiro, e vi o que ela realmente
fez. Tentou tirar a tatuagem com a gilete. Além de ter sangue no meio
das suas coxas, a renda da calcinha estava toda vermelha.

– Puta que pariu, Cecília! Existem outras formas de resolver


isso…– falei, mas agachada no chão, ela não me ouvia.

Talvez, o que ela precisava mesmo era de ajuda profissional, mas


isso não seria possível agora. Pelo menos por enquanto, ela só tinha a
mim… Seguindo meus instintos, abaixei no chão do banheiro e peguei
seu rosto com as minhas mãos.

– Você quer ele fora do seu corpo, é isso?

Ela balançou a cabeça em afirmação.


– Ótimo então vem comigo – me olhou pronta para resistir, mas
não permiti. A segurei firme pelo braço e a levei até a sala onde eu
havia deixado algumas coisas que comprei. Não confiava nela
sozinha.

Na noite passada, quando tirei o seu vestido cheio de sangue, vi


os piercings e a tatuagem, que tentou esconder. O pingente em “V” foi
fácil adivinhar o que era. Já a tatuagem estava em um local bem íntimo
e não consegui distinguir os escritos, só notei uma corrente. Se ela
estava tentando tirá-la a faca isso significava que ele a marcou contra
a sua vontade… como gado. Minhas têmporas pulsavam e meu corpo
todo tremia tamanho era o ódio que eu sentia desse cara. Que tipo de
animal fazia isso com alguém?

Achei o que procurava, ignorando os protestos de Cecília. Seu


comportamento me lembrava o de viciados em abstinência. Ela
balançava as pernas, nervosa, enfiando as unhas nas coxas com
bastante força. Eu precisava tirá-la desse estado, já que eu era o
responsável por tê-la feito ficar assim.

– Tire as unhas da coxa e olhe para mim!

– Alex, você não entende…

Ah se ela soubesse! Olhei para a garrafa pela metade no chão da


sala e voltei a encará-la.

– A necessidade de se machucar para não ter que pensar nas


merdas que fiz? É isso que não entendo?

Ela me encarou de verdade pela primeira vez desde que acordei e


estreitou os olhos, desconfiada. Eu entendia isso também, a solidão.
Parecia impossível que alguém pudesse compreender a extensão da
nossa dor. A dela era transparente para mim, eu a via por dentro sem
nenhuma dificuldade.

Fui até à cozinha esterilizar o alicate, trazendo Cecília comigo.


Aparentando estar no controle da situação, liguei o fogão, colocando
água para ferver. Olhei para trás e levei outro baque, ela parecia um
sonho, com os longos cabelos ondulados nas pontas tampando os
seios. Aproximei-me devagar e a segurei em meus braços, colocando-
a sentada na bancada da cozinha.

– Fique assim, bem quietinha para mim, você pode fazer isso? –
Perguntei acariciando seus cabelos.

Ela fechou os olhos, ofegante… meu pau edureceu tanto que


estava difícil me manter são. Depois desse dia eu nunca mais
duvidaria do meu autocontrole.

– Me desculpe – disse ela – não era minha intenção te dar tanto


trabalho...

Você não me dá trabalho, você me faz querer viver de novo,


pensei, mas em voz alta eu disse:

– Só fica assim, vou cuidar de você.

Fui até o banheiro, peguei o que precisava e voltei correndo. Dei


um sorriso ao ver que ela fez exatamente o que pedi, estava do
mesmo jeito que a deixei, sem enfiar as unhas nas coxas. Desliguei o
fogão e deixei o alicate esfriar enquanto finalmente me preparava para
limpar os cortes de sua perna.

Respirei fundo e passei os dedos em seus joelhos, afastando um


do outro. Cecília prendeu a respiração, sua pele arrepiava a cada
toque meu. Para completar o meu tormento, ela jogou as mãos para
trás na bancada arqueando as costas, fazendo sem querer uma pose
sexy como o inferno. Quando passei antisséptico no primeiro corte,
não reclamou, olhando nos meus olhos ela simplesmente gemeu.

– Caralho, loirinha, puta que pariu! – eu disse sem querer, com as


mãos tremendo e o pau pulsando, juro que se ela continuasse eu seria
capaz de gozar a qualquer momento.

Franziu a testa ao ver que me afastei, eu precisava de uma dose


ou não responderia por mim.

– Tem algo errado, Alex? – sua voz era doce e preocupada.


– Não – eu disse simplesmente abrindo uma garrafa e tomando
uma dose de uma só vez do bico da garrafa. Os olhos de Cecília
automaticamente pousaram no relógio de parede e depois em mim,
mas se pensou alguma coisa, não disse.

Voltei ao que estava fazendo, abri suas pernas limpando um


grande e profundo corte em uma das coxas. Resolvi ser direto:

– Sei que qualquer coisa é melhor que as vozes martelando sem


parar, Cecília, mas você não pode continuar fazendo isso.

Ela olhou para mim, parecendo muito cansada.

– Não, Alex. Você não sabe. Isso é o que me mantêm sã.

Eu sabia sim, mas não insisti.

– Mesmo que tudo aí dentro – bati de leve o indicador em sua


testa – enlouqueça, não vou permitir que você se machuque, Cecília.

Ela abaixou os olhos e tentou fechar as pernas, mas não permiti.

– Se apoie em mim, eu vou estar aqui para te trazer de volta.

Ela arfou em resposta e com o coração a mil, me resignei. Havia


chegado a pior parte.

– Preciso ver o que você fez aqui, ainda está sangrando – eu


disse apontando para a sua calcinha.

– Não! Deixa assim.

– Cecília…

Ela tentou enfiar as unhas na coxa mais uma vez e eu segurei


suas mãos.

– Por favor, Alex, não quero que você me veja desse jeito.
– Você é perfeita eu não mudaria nada em você, queria que
conseguisse se ver como eu te vejo.

Soluçou, deixando algumas lágrimas caírem enquanto permitia


que eu olhasse o estrago que havia feito. Suando frio, com o pau ainda
mais duro do que antes, tirei sua calcinha. Tinha saído muito sangue,
mas os cortes eram superficiais e não precisariam de muita atenção.
Observando mais de perto, finalmente entendi o desenho, era uma
corrente que começava bem no fim de sua barriga e acabava em uma
frase, na parte de cima da bocetinha. E então, vi o porquê estava tão
preocupada, a frase era: “Ratinha do Vicente”.

Meu coração bateu dentro do meu cérebro, pulsando ódio e


vingança. Visualizei a imagem daquele pedófilo de bosta afogando em
seu próprio sangue para me acalmar, mas toda vez que eu tentava seu
rosto se transformava no de Hector Zambada.

Papai onde você está? Por que a mamãe não respira?

Com o coração acelerado, girei nos calcanhares, peguei a garrafa


de whisky e a joguei com toda força na parede.

– Fuck!

Fechando os olhos, apoiei os braços na pia, eu precisava me


acalmar com urgência, prometi que essa garota não veria a minha
parte danificada, mas não previ isso.

– Alex… – ela chamou em um fio de voz tão doce e tão calmo que
tudo foi desacelerando.

Mesmo assim não me movi, só enxergava tortura e violência em


minha frente.

– Por favor, fala comigo – ela insistiu descendo da bancada e


colando seus seios nus nas minhas costas, envolvendo minha cintura
com suas mãos delicadas.

Seu toque deixou minha pele em chamas e o meu coração em


paz. Minha respiração foi voltando ao normal e o caos abandonando
meus pensamentos.

– Agora você entende o quão estragada eu sou? Você não sabe o


que eu já fiz… ele pode ser cruel, mas não está errado, eu sou uma
puta estúp…

Virei de uma só vez para ela agarrando os seus cabelos.

– Cala a boca! Não ouse terminar essa frase.

– Não Alex, você que não quer ver o que está na sua frente.

– Caralho, Cecília, vem aqui.

Eu tinha que começar a tirar de dentro dela todas as atrocidades


que ele a fez acreditar! Cecília não era dele, nunca foi. Era minha. Foi
a primeira frase que me passou pela cabeça. Só minha… e eu não
podia tê-la. Sem delicadeza dessa vez a coloquei de novo no balcão,
peguei o alicate e terminei de esterilizar.

– A partir de hoje, vou tirar esse desgraçado de você, loirinha, até


não sobrar vestígio que um dia ele esteve. Pronta?

Entendendo o que eu queria fazer, olhou no fundo dos meus olhos


e sorriu, tirando a cascata loira da frente dos seios, acabando de me
matar de vez. Que sorriso lindo do caralho!

– Sim, Alex, estou pronta.

A sua respiração estava me enlouquecendo, junto com seu cheiro


de flores. Mas eu não podia tremer agora. Firmei a mão e tentei, sem
sucesso, não pensar na textura do seu mamilo rosinha na minha
língua… enquanto eu desenroscava o pingente com o alicate esse era
o meu único pensamento. Seus seios eram perfeitos, pequenos,
firmes, com mamilos grandes e rosados que apontavam para cima.
Assim que a joia passou pela sua pele e caiu no chão, ela soltou o ar
que estava prendendo, como se sentisse dor. Acariciei seu mamilo
entre meu polegar e o indicador, e minha voz saiu completamente
rouca quando perguntei.
– Machuquei você?

– Não… – ela respondeu corada e ofegante.

Repeti o procedimento no outro seio e Cecília gemeu de olhos


fechados quando passei a pomada cicatrizante para finalizar. Em
poucos segundos ela estava livre dos piercings e eu ainda com o pau
duro e dolorido.

– Alex… eu não sei como te agradecer por isso.

– Eu sei como! Não se machuque mais, converse comigo quando


as vozes ficarem altas demais, por favor.

Ela abaixou a cabeça e eu levantei o seu rosto segurando seu


queixo. Meu coração explodiu, batendo vivo como nunca ao encarar a
paixão em seus olhos. Eu não merecia essa loirinha linda e corajosa,
mas meu desejo por ela era avassalador, eu nunca havia me sentido
dessa forma antes. Um segundo foi tudo que bastou. Um segundo sem
culpa, passado ou regras. Segurei firme em sua nuca e a beijei.
Nossos dentes se chocaram e ela agarrou o meu pescoço com a
mesma paixão do meu beijo. Exploramos nossas bocas, trocando
muito mais do que carícias físicas, aquele beijo era uma tábua de
salvação. Gemendo ofegante em meus lábios, Cecília me levou até o
paraíso. Eu sabia que precisava parar, me afastar de seu corpo, mas
preferia morrer a fazer isso. Demorei muito tempo para encontrá-la e
não queria que ela me deixasse ir.

Agarrei os seus cabelos beijando seu pescoço, e cada vez que eu


mordiscava sua pele ela gemia mais alto. Coloquei um mamilo durinho
de tesão em minha boca e o suguei. Foi ainda mais prazeroso do que
na minha imaginação. Ela era a porra da mulher mais deliciosa do
planeta. Apenas um impulso me comandava agora, eu precisava sentir
gosto daquela menina. Coloquei meus dedos entre suas pernas e fui
para o céu. Ela estava encharcada, pingando por mim.

Lambi meus dedos e beijei sua boca mais uma vez, era um beijo
duro, ardente… meu desejo por ela era vital e eu precisava que ela
sentisse isso, eu não conseguiria colocar em palavras a intensidade
que o calor de sua pele me trazia de volta ao mundo dos vivos.

– O que está acontecendo, Alex? Eu nunca me senti assim antes


– ela disse totalmente sem fôlego.

– Não sei Cecília, eu também não, só preciso de você…

Enlacei sua cintura trazendo seu corpo para junto do meu e,


empurrando o seu tronco para trás, abri suas pernas. Beijei o primeiro
elo da corrente, embaixo do seu umbigo. Sua pele arrepiou
intensamente enquanto ela se remexia, gemendo o meu nome. Sem
pressa, beijei elo por elo, dizendo o quão perfeito era o seu corpo…
aproximei meus lábios daquela frase hedionda, onde a tatuagem
terminava, e acariciei o seu clitóris com o polegar, lambendo sua pele
marcada.

– Você é linda, Cecília. Perfeita, por dentro e por fora, tudo em


você é lindo.

– Oh meu Deus, Alex… eu preciso…

Sua voz sumiu em um gemido enlouquecedor quando abri os


lábios da sua bocetinha que brilhavam de tesão e lambi seu clitóris
com vontade. Seu gosto era divino, agarrei suas coxas, sem acreditar
no quão gostosa ela era e ali uma coisa ficou clara. Essa garota tinha
que ser minha, ela já era minha, nasceu minha. Ela gemia e se
remexia em minha boca, gritando cada vez mais alto, contraindo da
barriga até a sua entrada onde estava minha língua, ela ia gozar,
estava prestes a gozar... Para mim!

– Alex eu preciso, eu não s... m-me sentir bem! Pelo amor de


Deus me machuque, eu preciso que você me machuque, agora!

A realidade bateu em minha cara com a força de um nocaute


quando escutei suas palavras. Sua voz era pura agonia! O que eu
estava fazendo com essa garota? Que tipo de babaca colossal faria o
que fiz? Tirar vantagem de uma garota inocente no momento mais
frágil de sua vida! Ela precisava de ajuda não de uma chupada no
meio da cozinha. Era inadmissível esse descontrole. Respirando forte
pelo nariz, saí de cima dela, fechando suas pernas. Ela levantou o
tronco da bancada e eu a abracei contra o meu peito. Afastei-me
alguns centímetros de seu rosto e, consternado, olhei no fundo dos
seus olhos.

– Cecília… eu...

Eu não sabia o que dizer, ela retribuiu o olhar confusa e ofegante.

– Eu fiz alguma coisa errada? Eu nunca...

Parecia que alguém pisava no meu coração, Cecília ainda achava


que a errada era ela!

– Não, loirinha… você é perfeita, tudo em você é perfeito…

Fui interrompido no meio da frase com alguém batendo na porta.

– Dessa vez eu juro que atiro em Raul – eu disse baixinho.

A batida ficou ainda mais forte e uma voz grave disse do outro
lado.

– Senhor Alexander, abra! É a polícia.

Ela se agarrou a mim com força, tremendo da cabeça aos pés.


Sussurrei em seu ouvido.

– Você está segura, Cecília, aquele homem não vai voltar.

– Não abra a porta, Alex. Você não sabe do que ele é capaz – ela
sussurrou de volta, com a voz tremendo.

Ela era a prova viva de que aquele bandido era capaz das coisas
mais perversas e eu esperava ansiosamente para o dia que ele
acordasse. Esse delegado de merda não poderia se safar tão fácil
assim.
– Seja uma boa menina para mim, ok? Vá para o meu quarto e só
saia de lá quando eu chamar. – Ela ainda me pediu com os olhos, mas
não lhe dei chance. – Obedeça, Cecília. Agora.

Assim que ela saiu do meu campo de visão, abri a porta. Um


homem alto com um protuberante bigode em um uniforme de polícia
me olhava desconfiado.

– Senhor Alexander Lion?

– Sim.

– O senhor está ciente do que aconteceu com o delegado Vicente


Alcântara na noite passada?

– Pelo que fiquei sabendo, levou uma facada, o que isso tem a ver
comigo?

– Por enquanto nada, onde o senhor estava na hora do ocorrido?

– Não sei que horas foi esse ocorrido – respondi arqueando uma
sobrancelha.

Ele esticou a cabeça olhando por cima do meu ombro.

– Podemos conversar na sua casa?

Era melhor não, mesmo sem camisa e descalço, fechei a porta


atrás de mim.

– O que deseja saber… senhor?

– Marcos Rocha – ele respondeu – Dr. Vicente está entre a vida e


a morte em um hospital da capital, ele é um profissional muito querido
e um cidadão ilustre da cidade. O assassinato da professora Lúcia é
uma tragédia para uma cidade pacata como Santa Maria, nós não
mediremos esforços para pegar o culpado. Você tem alguma ideia de
alguém que poderia querer os dois mortos?
Neguei com a cabeça engatando uma pergunta, tentando parecer
solícito.

– E como eu posso ajudar a tão distinta polícia de Santa Maria?

Ele bufou estreitando os olhos, já estávamos chegando nas baias


e para minha surpresa, outro policial olhava ao redor do meu haras.
Fingi que aquilo não me incomodou e esperei pela resposta do Sr.
Rocha.

– Bom, a noiva do Dr. Vicente sum…

– Noiva ou enteada? Fico confuso às vezes com a relação deles.


– saiu mais irritação na minha voz do que eu gostaria.

– Não estou entendendo a sua insinuação…

Essa cidade era ultrajante, sem paciência nenhuma para esse


fingimento, cortei a conversa.

– Meus alunos vão chegar a qualquer momento, fale logo o que o


senhor quer.

– Dona Cecília sumiu e aqui é o local mais próximo de Caminho


dos Girassóis. Achamos muito estranho ela não ter aparecido em
nenhuma câmera e que ninguém tenha visto nada.

– Eu também não vi nada, realmente é muito estranho – como ele


ainda esperava uma conclusão, completei. – Se eu vir alguma coisa,
ligarei para o 911 imediatamente.

– É 190 seu Alexander, 190.

Acenei com a cabeça, deixando claro que não tínhamos mais o


que conversar, mas ele ainda completou.

– Podemos procurar na sua propriedade? Aqui é bem grande, ela


pode ter se escondido sem que o senhor soubesse.

– Claro! – respondi e o policial sorriu. – Vocês têm um mandado?


Seu sorriso de merda sumiu no mesmo instante.

– Não! Mas posso conseguir um agora mesmo se o senhor não


colaborar com a justiça. Acho melhor para todos se o senhor cooperar.

– Então consiga um. Agora se me dão licença, preciso me arrumar


para o trabalho.

Não dei chance para que ele retrucasse, virei as costas e voltei
para casa trancando a porta atrás de mim. Arrumei a bagunça na
cozinha bem rápido, aproveitando para montar um café da manhã
caprichado para Cecília. Ela precisava descansar não só o corpo, mas
a mente. Aconteceram coisas demais em poucas horas desde que
chegou aqui. Tive uma ideia antes de levar a bandeja até o quarto, fui
até lado de fora e peguei umas margaridas para enfeitar seu café da
manhã.

No caminho da cozinha até o quarto, fui acometido de um misto de


sentimentos estranhos, eu ainda não sabia o que dizer a ela depois do
que fiz. A porta não estava trancada e meu estômago gelou. Ela não
estava lá.

– Cecília! – chamei, colocando a bandeja em cima da cama.

Soltei o ar do peito, aliviado ao vê-la sair com Lily do banheiro com


uma toalha na cabeça, usando uma das roupas que eu havia
comprado.

– Alex! – exclamou abraçando minha cintura com força. Fechei os


olhos contendo o impulso de jogá-la em cima da cama e fazer com que
ela fosse definitivamente minha. – O que a polícia queria?

Percebendo minha postura rígida, desfez o abraço


desconcertada.

– Precisamos conversar, Cecília.

– Eles te contaram o que eu fiz né? – disse levando as mãos à


boca.
Ela precisava parar de achar ter culpa em alguma coisa naquela
situação toda.

– Sente-se aqui e coma alguma coisa primeiro – falei batendo na


beirada da cama.

– Parece que eu não como há dias – disse ela pegando um


pedaço de bolo e sorrindo para as margaridas – obrigada, são lindas!

Poucos segundos depois uma sombra tomou conta do seu rosto.

– Alex, o que fiz ontem foi errado, mas… eu não planejei, acredite
em mim, eu só não aguentei mais… Dona Lúcia, oh meu Deus!

– Shhh! Eu sei, loirinha… eu sei – Coloquei os dedos em seus


lábios e ela fechou os olhos.

– Mesmo assim eu preciso falar, a imagem dela… – estremeceu.

Acomodei-me na cama e esperei que organizasse seus


pensamentos. Ela passou a mão nos cabelos e respirando fundo,
começou a falar sem coragem de me olhar nos olhos.

– Eu não sei bem o motivo, mas eu sempre pensei que Vicente…

Soltei um grunhido involuntário ao ouvi-la dizer o nome do infeliz.


Cecília colocou suas mãos delicadas sobre as minhas, como se me
confortasse. Cada segundo que eu passava ao seu lado enchia o meu
coração de pânico. Como eu voltaria para a vida que eu tinha antes
dela chegar?

– … que ele – ela continuou tirando suas mãos das minhas e


pegando um café – fosse ser algo temporário na minha vida. Tentei
fugir várias vezes, mas ele era tão cruel que eu fui quebrando aos
poucos, a ponto de eu não saber mais como eu era…

Uma lágrima caiu em seu rosto e acariciei sua bochecha sem


interrompê-la. Sabia muito bem o quão difícil era colocar essas coisas
para fora.
– Como eu era antes dele, na verdade ainda não sei, faz tanto
tempo que só sobrevivo que me esqueci de muitas coisas… O que eu
realmente sei é que meus pais me criaram para ser a melhor versão de
mim que eu pudesse ser e, mesmo sendo tentada todos os dias, eu
não permiti que ele tornasse o meu coração ruim como o dele. Deus é
testemunha que eu não queria machucar ninguém, mas… não consigo
entender o que deu na Dona Lúcia, ela entrou no galpão do nada,
implorei para que fosse embora… Vic… ele chegou e a matou na
minha frente, tive certeza que me mataria também… Acredite em mim,
Alex, por favor, eu não pensei, só reagi… Estou acostumada com o
julgamento das pessoas da cidade, mas não suportaria decepcionar
você...

Nesse momento ela já chorava compulsivamente, a peguei nos


meus braços acariciando seus cabelos. Não era hora de falar sobre
futuro, conversaríamos sobre isso depois.

– Acredite você em mim, Cecília. Porra, você não fez nada errado.
Nada do que aconteceu com você é culpa sua. Nunca foi. – Peguei
seu rosto e a fiz olhar diretamente para mim – Não há nada que você
possa fazer que vá me decepcionar, nada… Estou do seu lado e
sempre estarei. Se tem alguém culpado nessa história toda sou eu.

– Como assim você? Impossível.

– Na véspera da festa, procurei sua professora. Desde o dia da


cachoeira você nunca mais saiu da minha cabeça. Estávamos bolando
um plano para te tirar de lá em segurança, mas caralho... ela... Eu
deveria ter te tirado de lá há muito tempo.

– Ah, Alex! Me sinto tão mal por te envolvido nisso tudo… Eu não
mereço a sua ajuda, tem tanta coisa que você não sabe! – ela disse
com um sofrimento tão grande na voz que por pouco não a beijei, mas
não o fiz. Jamais misturaria as coisas novamente.

– Estou aqui para ouvir tudo o que você quiser me contar, mas
minha opinião não vai mudar! – eu disse.
E nós ficamos assim abraçados, até que seu choro passou. Eu a
queria muito, era tanto que meu coração doía! A única coisa que eu
poderia fazer era ajudá-la a reconstruir a vida, nem que em último caso
eu tivesse que engolir o meu orgulho e pedir ajuda à Brian para tirá-la
do país. Em relação a um possível relacionamento entre nós dois, no
entanto, não havia solução, era tarde demais para mim e cedo demais
para ela.
Algumas semanas depois.

Soube que Vicente estava em coma, longe de Santa Maria, mas


isso não soava real. Eu acordava com o coração na boca todas as
madrugadas, com o seu maldito sorriso presunçoso povoando meus
pesadelos. Aquele peso de que ele estava à espreita e voltaria a
qualquer momento, não saía de dentro de mim.

Depois do dia que a polícia bateu na porta, Alex me mostrou um


esconderijo subterrâneo. A entrada ficava atrás de um armário na
cozinha, imperceptível para quem não soubesse de sua existência. Ali
havia muitas armas, câmeras e um computador. Precisei me esconder
nesse lugar, que Alex chamou de bunker, quando a polícia voltou com
um mandado de busca. Ele decorou todo o ambiente com lírios, pelo
visto eram as suas flores favoritas. Para que eu não me sentisse
presa, segundo ele. Quem esse homem era, de verdade? A pergunta
martelava em minha mente. Eu conhecia o seu coração, como se
fosse o meu próprio, mas eu queria mais, queria saber tudo, conhecer
cada pedacinho. Então eu comecei a observar, ele gostava de flores,
animais, não parecia ter nenhum amigo próximo, era aficionado por
armas, e bebia constantemente, bem mais que Vicente que
infelizmente era a minha única base de comparação.

Eu tinha muitas coisas para perguntar, mas ele não me dava


abertura, quase não passava mais tempo comigo. Havia um muro
entre nós, um que ele mesmo construiu desde o acontecido em sua
cozinha há mais de uma semana. Eu tinha tudo o que precisava em
sua casa, mas o que eu realmente queria era ser livre, plantar, mexer
com a terra, conhecê-lo melhor, ouvir sua voz e acima de tudo eu
queria ele por inteiro, todo para mim. Meu corpo estava em chamas
desde aquele beijo, eu não conseguia pensar em outra coisa, algumas
vezes a noite eu precisava de um esforço muito grande para não correr
até a sala onde ele dormia e implorar por mais um beijo. Claro que
Alex não ia querer nada com alguém como eu, essa parte eu entendi e
com uma pontada de tristeza, aceitei. Nessas horas a vontade de me
cortar era maior que tudo, mas foi impossível. Mesmo mais distante do
que nunca, ele sempre aparecia nos momentos cruciais. Cortou
minhas unhas, guardou todos os objetos pontiagudos da casa e me fez
prometer que eu não faria mais isso. Não era tão simples assim, mas
me esforcei, não iria decepcioná-lo nunca quebrando minha palavra.

Por outro lado, eu me sentia bem melhor fisicamente! Estava


menos confusa e só o fato de me alimentar corretamente fez bastante
diferença na minha disposição. Logo poderia ir embora para algum
lugar e recomeçar. Não esperaria Vicente sair do coma para ir, ele não
podia me achar aqui, a última coisa que eu queria era colocar Alex em
risco, mas eu o levaria para sempre no meu coração.

Lavando a louça, aproveitando a brisa gostosa do fim da tarde, eu


pensava em como abordar o assunto da minha partida, quando olhei
de relance pela janela que ficava bem acima da pia e o vi na pista,
dando aula de equitação para uma criança que era todo sorrisos. Perto
desse garoto, Alex deixou de lado o tipo caladão e ranzinza e se
transformou em cara brincalhão e afetuoso, fazendo meu coração
bater ainda mais forte por ele. De dentro da casa, eu sorria de orelha a
orelha admirando quão perfeito ele era. Nunca havia visto um homem
tão bonito, nem na televisão. Até que uma mulher exuberante, com
cabelos pretos batendo na cintura juntou-se a eles. Estreitei olhos,
observando a cena. Ela era mesmo muito bonita e ria o tempo todo, se
derretendo por Alex, enquanto olhava a criança… talvez fosse a mãe.
Meu estomago se revirava cada vez que ela tocava em seus braços e
fiquei fora de mim quando ela jogou o cabelo de lado e o abraçou.

Meu coração disparou tão rápido que um prato escorregou das


minhas mãos espalhando cacos de louça por toda a cozinha. Abaixei
para arrumar a bagunça imediatamente, eu já tinha visto muito mais do
que o suficiente daquela cena horrível.
Como sempre estúpida sonhando com o que não deve, Cecília!
Pensei enquanto juntava os pedaços do prato, era claro que um
homem como Alex ficaria com uma mulher daquelas, e não com uma
como eu, cheia de marcas e problemas. Assim que terminei de limpar,
sentei no chão e chorei. A sensação de solidão foi sufocante, até de
Rita senti falta. Eu não podia mais atrapalhar a vida de Alex, mas eu
não tinha para onde ir. Minha mãe perdeu seus pais muito cedo e
nunca conheci a família do meu pai. Quanto mais eu pensava que
precisava parar de chorar, mais as lágrimas desciam e então a porta
da cozinha se abriu.

– Cecília?! – Alex disse assim que me viu – o que aconteceu?

Olhei para cima e ele estava ainda mais lindo de perto, com uma
regata branca que marcava cada músculo da sua barriga. Senti o
friozinho por dentro que subia até no peito toda vez que ele se
aproximava, era claro que eu o queria, quem não iria querer?

– Nada, besteira minha – respondi enxugando as lágrimas,


levantando-me do chão.

– Ninguém chora sentado no chão da cozinha, por besteira. Eu sei


que é difícil acreditar, mas já disse que você está segura agora.

Eu não ia falar que a imagem daquela mulher colocando as mãos


nele pareciam um pesadelo gravado em minha mente.

– Eu sei Alex – não consegui controlar a irritação da minha voz –


mas estou isolada nessa casa, as orquídeas da minha mãe estão
morrendo na minha estufa e não posso ir a lugar algum porque a
cidade toda pensa que sou uma devassa assassina.

E sua distância está me machucando mais que todas essas coisas


juntas.

Morrendo de vergonha de ter explodido como uma criança com a


única pessoa que estendeu a mão para mim, corri para o quarto.
Mesmo eu insistindo muito para ficar no sofá, Alex não permitiu. Eu
praticamente estava morando no quarto dele. Por uma questão de
segurança deixamos todos os meus pertences no bunker, caso a
polícia voltasse sem aviso.

Queria que ele viesse atrás de mim, mas me senti aliviada por não
ter vindo. Eu estava irritada, e não era boa com confrontos, odiava ter
que falar sobre o que estava sentindo. Do quarto ouvi a porta da
cozinha bater, o que significava que ele devia ter saído. Tomei banho,
brinquei com Lily, tentei ler, e vi televisão. Não sabia o quanto eu tinha
sentido falta de ver filmes e séries até essa semana… Horas e horas
se passaram e nada de Alex voltar… acabei dormindo agarrada a Lily,
sem nem perceber.

O inferno era familiar para mim há muito tempo, mas durante a


semana essa palavra tomou outra proporção. Constantemente de pau
duro, sentindo o cheiro de Cecília por todos os lugares sem poder
tocá-la, meu sofrimento conheceu outro patamar. Nem todas as
garrafas de Jack Daniels do universo seriam capazes de me acalmar
agora.

Mais cedo enquanto dava aula para Geovane, descontei tudo em


Alice que estava passando dos limites tocando em mim o tempo todo.
Detestava proximidade e seu perfume carregado me enjoou
profundamente. Eu já havia rejeitado seus convites para sair mais de
uma vez, mas ela simplesmente via minhas recusas como desafio.
Quase a joguei no chão quando tentou me abraçar e terminei a aula
mais cedo. Não queria parar de atender Geovane, mas paciência para
pessoa sem noção era algo que eu nunca tive. Em outra vida talvez
saísse com ela, mas nessa aqui, ela não me interessava nem um
pouco.
E para piorar tudo, observei Cecília ficar cada vez mais triste e
retraída, durante a semana. Devia estar se sentindo acuada e solitária
e eu não conseguia vê-la sem me acender como uma fogueira.
Precisávamos conversar, descobrir sobre seus familiares, arrumar
seus documentos e todas essas burocracias, mas eu estava paralisado
entre preferir morrer que deixá-la partir e a necessidade que fosse logo
embora para acabar com meu tormento.

Entrei em casa puto com Alice e dei de cara com Cecília encolhida
no chão da cozinha chorando baixinho. Por pouco, muito pouco não a
coloquei no meu colo e beijei todas as suas lágrimas, mas consegui
respirar fundo e perguntar o que era a uma distância respeitável. E,
como eu havia previsto, ela estava se sentindo solitária e isolada.

Eu merecia mesmo cada gota de sofrimento submetido a mim,


mas ela não. Peguei o drone que havia comprado em Vitória e fui até
os limites do haras com a fazenda de flores. Aproveitando a luz do fim
de tarde o coloquei para sobrevoar e vi onde a estufa dela ficava. Não
seria difícil chegar até lá, aproveitando os pontos cegos das câmeras.
Algo me dizia que mesmo que o delegado não estivesse presente para
comandar o esquema de tráfico, alguém estava. Também não havia
como saber a extensão da corrupção na polícia, todo cuidado era
pouco.

Paciente, esperei a noite firmar e me esgueirei pela cerca. A


estufa ficava ao noroeste da fazenda, na parte de trás da casa
principal. Evitando alguns seguranças que andavam de um lado para o
outro na frente de um estranho galpão, entrei na estufa. Era uma
construção com paredes e telhado de vidro, de pequeno porte. Logo vi
os vasos das orquídeas que ela se referiu, eram mesmo lindos.

Primeiro foi uma sensação, que logo virou uma certeza, alguém
me observava. Fingindo que não percebi, peguei dois vasos de flor e
fiz menção de voltar de onde vim e, assim que percebi o vulto, me virei
com tudo e o peguei pelo pescoço, batendo suas costas na lateral da
estufa. Era uma mulher morena de uns trinta anos que me olhava
assustada com os olhos pretos arregalados. Sem tirar minha mão do
seu pescoço, coloquei suavemente os vasos no chão e tirei minha
arma da cintura, apontando para sua cabeça.
– Por que você está me seguindo?

Ela não se desesperou com o cano da arma apontado em sua


direção, apenas me respondeu.

– Eu sei que Cecília está bem…

– Não sei do que você está falando – pressionei os meus dedos.

Ela abaixou os olhos para as orquídeas tentando respirar e soltei o


seu pescoço.

– Vi o pedaço do vestido na cerca – ela olhou para os lados


roendo as unhas – não tenho muito tempo, está bem pior sem seu
Vicente aqui, os estrangeiros tomaram conta de tudo, não deixe ela
voltar! Eles precisam dela, estão desesperados.

– Precisam dela por quê? Quem são eles?

– Eu não sei, não sei o que é, ninguém me fala nada e eu não


pergunto. O chefe deles chama Serkan, ouvi ele dizer que sabia que
isso ia acontecer, que seu Vicente é um imbecil e que eles não tinham
como movimentar a carga sem ela. Pelo amor de Deus…

Ela colocou a mão no bolso, tirando um pen drive e uma foto de


uma linda Cecília criança sorrindo no colo de um homem sorridente
que pela semelhança só podia ser o seu pai. Entregando os objetos
para mim, disse:

– Seu Vicente queimou todas as fotos da casa depois que dona


Helena morreu, mas eu consegui guardar um álbum. E esse pen drive,
cuidado quando for assistir, é forte. Não sei se vale como prova na
justiça. Se o senhor disser que me conhece eu vou negar. – A moça
suspirou, mexendo os olhos nervosa – Cecília acha que eu não gosto
dela, mas não é verdade, devo minha vida a ela. Cuide bem dessa
menina, ela já sofreu demais.

A mulher me empurrou e voltou correndo de onde veio. Eu estava


cheio de perguntas, mas não podia correr atrás dela agora. Peguei as
flores novamente e me esgueirei até o haras.
Com o pen drive queimando em minhas mãos fui primeiro até o
quarto. Cecília dormia com a televisão ligada, abraçada a Lily que
provavelmente estava no céu a essa hora. Nunca permiti que ela
subisse na cama. Arranjei suas orquídeas na cômoda para que ela
visse assim que acordasse e olhei mais uma vez para a foto. Cecília
estava radiante, com o rosto corado e olhos brilhando para o pai. Daria
um braço para vê-la com essa expressão mais uma vez. No verso da
foto estava escrito:

“Para a minha florzinha de maracujá que ama o mar. Papai e Cecília, Praia dos Fachos,
2009”

Abri a gaveta da mesinha de cabeceira e guardei o pen drive.


Sentei-me na beira da cama, acariciando seus cabelos… eu amava os
seus cabelos, eram lindos, cheios, sedosos… Eu sabia que precisava
reprimir meus sentimentos por essa menina, mas a vontade de trazer a
expressão da foto de volta ao seu rosto venceu.

– Cecília! – sussurrei ainda acariciando seus cabelos – Ei,


garota…

Ela abriu os olhos devagar e sorriu assim que me viu. Se


soubesse quão perfeita ficava, sorriria o tempo inteiro, sorri também.

– Alex? – franziu a testa, sentando-se na cama esfregando os


olhos, Lily acordou e lambeu o seu rosto, me matando de inveja. A que
ponto cheguei? Tendo inveja do meu próprio cachorro – aconteceu
alguma coisa?

– Não! Trouxe uma coisa para você.

Ela vasculhou o quarto e assim que viu levou a mão a boca.

– Ah Alex! Você não existe! Minhas orquídeas… Mas como?


Preferi não contar do meu encontro com a moça, da foto do seu
pai nem do pen drive. Ela estava melhorando a olhos vistos e eu
queria que estivesse mais forte para certas conversas.

– Isso não vem ao caso – passei o polegar no seu rosto, secando


uma lágrima – vem comigo, Cecília, quero te levar em um lugar.

– A essa hora?

– Sim, a essa hora não corremos o risco de ninguém te ver… se


arrume que vou te esperar na sala, ok?

Ela ainda me olhava desconfiada, sentei-me de novo na cama e


peguei seu rosto entre minhas mãos, ignorando todo o meu corpo que
pedia para que eu a beijasse intensamente.

– Preciso te ver feliz, loirinha. Você confia em mim?

Ela sorriu, de verdade e entrei em combustão.

– Alex, a única pessoa que eu confio nesse mundo é você!


Tentei, mas não consegui me lembrar da última vez que viajei para
algum lugar. Assim que nos encontramos longe de Santa Maria,
coloquei a cabeça para fora da janela da caminhonete de Alex,
deixando o vento bater em meu rosto. Ainda não amanhecera e o
vento frio era revigorante.

Estava livre, finalmente. Mas havia essa pressão em meu peito,


uma confusão nos meus pensamentos que não me deixava em paz.
Sonhei e idealizei tantas vezes o dia que Vicente não existiria mais em
minha vida e agora que aconteceu, me vi paralisada, sem saber que
decisões tomar. Era ele que me dava ordens, organizava o meu dia,
me dizia o que comer, vestir, dizer, sentir e pensar. Foram anos e anos
não pensando em nada além de sobreviver, suportando a dor e a
saudade de uma vida perdida. A dor no estômago e a constante
preocupação de estar fazendo tudo errado não me deixava. Vicente
voltaria, não podia ser assim tão fácil e eu não era forte. Não queria
mais dor e solidão, ansiava por outra coisa.

Respirei fundo, com as mãos tremendo, sentindo o cheiro de Alex


entorpecendo meus sentidos. Fechei os olhos deixando que entrasse
em mim e gradualmente tomasse o lugar do desespero. Eu ainda ardia
pelo seu corpo, revivia o que aconteceu em sua cozinha o tempo todo,
como uma obsessão. Foi um encaixe, uma sensação de pertencimento
que era difícil colocar em palavras. Quando ele parou, pensei em me
jogar aos seus pés implorando para ser dele. Não sei por que não fiz,
talvez temesse não sobreviver se me rejeitasse.

Pelo canto do olho notei que me observava e saí dos meus


pensamentos, não queria parecer triste ou mal-agradecida. Olhei em
sua direção, sorrindo.

– Aonde nós vamos? – perguntei firmando a voz.

– Surpresa, loirinha – respondeu, concentrado na direção.

Não parecia possível, mas estava ainda mais bonito


compenetrado em dirigir. Seus músculos do braço flexionavam toda
vez que passava marcha e nem todo vento do mundo conseguiu
refrescar o calor que subiu no meu corpo. Uma das coisas que já havia
reparado, era que Alex, conseguia ficar um tempo absurdo calado, na
dele e ali no carro tendo apenas a paisagem da estrada para olhar,
comecei a ficar sem graça. Inclinei meu corpo ligando o rádio, há anos
não ouvia nada diferente das MPBs[7] que Vicente gostava, elas me
faziam passar mal. A voz potente do cantor ressoou pela
caminhonete.

“Prefiro estar aqui

Te perturbando, domingo de manhã

É que eu prefiro ouvir sua voz de sono

Domingo de manhã,

Domingo de manhã”

Cantarolei a música sem nem perceber e Alex olhou para mim,


sorrindo. E como o cantor daquela música tive uma certeza enraizada
no meu peito: escolheria aquele sorriso a qualquer outra coisa no
mundo. Não sabia sua história, nunca nos sentamos para conversar,
mas não precisava, eu era dele, sempre fui, mesmo antes de conhecê-
lo. Minhas bochechas pegaram fogo de vergonha por esse
pensamento. Olhei pela janela e ele pegou em minha mão me fazendo
perder o ar.

– Não para não! Você ficou tão feliz quando a música tocou, o que
eles falam? Tem hora que não consigo acompanhar.

Bastante consciente da sua mão na minha, respondi.


– Ahn… ele diz que escolheria acordar ao lado da mulher que ama
do que qualquer outra coisa no mundo.

Retesou o corpo desentrelaçando nossas mãos, perturbado, com


o olhar cheio de dor. Desviei os olhos para janela mais uma vez sem
entender por que isso me deixou tão magoada. A estação de rádio
saiu do ar e ele colocou suas próprias músicas para tocar. Fechei os
olhos ouvindo Pearl Jam, querendo dizer tantas coisas, perguntar tudo
sobre sua vida, ouvi-lo falar por uma semana se fosse possível, mas
me encolhi no banco do passageiro, sabendo que eu era só alguém
que ele teve pena, que ajudaria como a qualquer outro. Eu deveria ser
grata por isso, mas ali tão próxima a ele, sentindo seu cheiro, não
consegui.

Eu parecia uma criança ansiosa pelo Natal pensando no rosto de


Cecília ao ver o mar. Um dia inteiro sem um passado sombrio pairando
sob nossas cabeças parecia um sonho distante, mas tudo relacionado
a essa menina era um sonho distante. Como imaginei, a praia estava
praticamente deserta, era junho e as águas por aqui estariam ainda
mais geladas do que de costume. Apesar de ser longe de Santa Maria,
todo cuidado era pouco. Sim, eu tinha que dar um jeito de tirá-la
daquela cidade doente, mas teria um dia perfeito, pelo menos isso.

– Cecília! Chegamos.

Ela bocejou espreguiçando-se, graciosa e delicada. Correu os


olhos para se situar e quando viu onde estávamos, bateu no meu
braço dando um grito em seguida.
– Meu Deus, Alex! Como você sabia?! Não acredito que de todos
os lugares você me trouxe aqui!

Abriu a porta da caminhonete, correndo para a praia sem olhar


para trás. Desci do carro e peguei nossas coisas com as mãos firmes,
elas não tremiam essa manhã e eu não bebi antes de sair. Voltou
correndo com as bochechas vermelhas.

– Esqueci meu chapéu!

– Vem aqui, eu coloco em você!

Ajeitei o chapéu em sua cabeça, parando para admirá-la. Seus


grandes e profundos olhos azuis brilhavam sem o habitual peso que
carregavam, as bochechas vermelhas de felicidade faziam uma
covinha irresistível quando sorria. Uma corrente elétrica, bruta,
possessiva e visceral tomou conta do meu corpo. Quis ser o
responsável por todos os seus sorrisos dali para frente, que
esquecesse de tudo o que aconteceu e fazê-la minha, gritando meu
nome, não sentindo dor como ela acreditava que devia ser. Meu
coração parou de bater ao perceber que ela me olhava com a mesma
energia, sem precisar de palavras. Acariciei seu rosto e ela fechou os
olhos, respirando com dificuldade.

Não! Eu precisava acordar dessa loucura. É claro que me olharia


diferente, fui a única pessoa a ajudá-la e não me aproveitaria disso.
Era uma menina, com uma vida toda pela frente, que não incluiria um
homem como eu. Estava a ponto de enlouquecer por ela, viveria em
mais um inferno até conseguir que Cecília pudesse seguir com as
próprias pernas, mas o que era mais um inferno para mim? Retirei a
mão rapidamente, como se o calor de sua pele tivesse o poder de me
dissuadir.

– O que você quer fazer primeiro? – perguntei com a voz rouca


que fui firmando aos poucos.

Abriu os olhos, ainda ofegante, seu desejo era mais caótico e


latente. Ela era totalmente transparente para mim, aberta, verdadeira.
Eu conseguia ver a confusão que causava nela e prometi a mim
mesmo parar. Eu a desejava mais do que desejei qualquer mulher em
minha vida, mas enterraria tudo ali mesmo, antes que fosse tarde
demais.

– Ahn… – hesitou olhando para os lados – não faço ideia, o que


você quiser para mim, está ótimo.

Esse era outro problema que já havia notado durante esses dias e
só fazia meu ódio crescer de tamanho. Cecília não conseguia tomar as
mais simples decisões, esperava doce e passiva que eu tomasse
conta de tudo. Um dia, fiz um comentário bobo sobre uma roupa que
colocara, e ela a trocou imediatamente. Não mentiria para mim mesmo
dizendo que esse ímpeto em obedecer não me deixava ainda mais
atraído, mas eu via o fogo em seus olhos, a vontade de ser
independente ali dentro, adormecida. Cecília era sim, doce, mas essa
pessoa indecisa não era ela, não sei como eu sabia disso, eu só
sabia.

E para que ela pudesse me deixar e seguir com as próprias


pernas eu teria que ajudá-la a se encontrar. Então esperei, e insisti.

– Esse dia é todo seu, loirinha – encostei na minha caminhonete


sorrindo para ela. – Eu espero.

Levantou uma sobrancelha segurando o chapéu e mordendo os


lábios. Ventava muito ali. Respirou fundo como se fosse falar algo e
parou no meio do caminho.

– Não tem respostas erradas… – eu disse.

Ela levantou os olhos para mim e disse ainda hesitante.

– Tem certeza? Deve estar fazendo uns dezoito graus, eu não


trouxe roupa de banho, mas só penso em entrar no mar – disse
levantando os ombros, sorrindo, adorável.

Queria estender a mão a ela e andar de mãos dadas pela cidade,


mas era melhor não.
– Então entrar no mar será! Tive uma ideia – eu disse andando na
frente. – Vamos tomar café da manhã e esperar as lojas abrirem,
talvez faça menos frio hoje.

E foi o que fizemos, essa praia especifica era mais longe da


cidade, mas não nos importamos em caminhar. Fomos até um
quiosque pitoresco que ficava à beira do mar e que por algum milagre
estava aberto. Puxei uma cadeira para que ela se sentasse e
esperamos. A companhia de Cecília era a melhor coisa do mundo e
não me sentia desconfortável ao seu lado, no entanto, creio que tanto
para mim quanto para ela falar, jogar conversa fora, parecia uma coisa
de outro mundo. Abri a boca e fechei várias vezes, querendo saber
tudo e nada ao mesmo tempo. Aquele desgraçado estaria em tudo o
que falasse e eu não sabia se estava pronto para ouvir sem assustá-la.
Ela apenas olhava o mar com um sorriso que não abandonava o seu
rosto, distante em seus próprios pensamentos. Sentindo meu olhar,
virou a cabeça em minha direção e aquela energia pulsou entre nós
dois mais uma vez.

– Em que posso ajudar os pombinhos? – um garçom baixinho de


chinelos apareceu ao nosso lado, me deixando completamente
confuso.

– Pombinhos? Espero que vocês não sirvam isso por aqui.

Cecília jogou a cabeça para trás e gargalhou. Ouvi aquele som


maravilhado. Era espontâneo, bem diferente da gargalhada histérica
que teve quando chegou em minha casa. Enxugando os olhos com a
mão na barriga parecia se divertir muito com o garçom que me olhava
como se eu tivesse chifres.

– Ele não é daqui, moço… – então olhou para mim e corou as


bochechas, agora muito séria.

Sorri, arqueando a sobrancelha muito curioso sobre a piada que


perdi, enquanto o garçom insistia ainda olhando para mim.

– Bom, posso anotar os pedidos de vocês?


– Vou deixar a moça escolher – eu disse olhando para ela que
corou ainda mais, mordendo os lábios. – Surpreenda-me Cecília, quero
um café da manhã bem brasileiro.

Era um simples pedido em um quiosque vazio, mas era nítido o


quanto ficou nervosa. Prendeu o ar fazendo um vinco na testa.
Recostei na cadeira e esperei.

– Mas... Eu não sei do que você gosta, acho melhor você mesmo
escolher, eu nem estou com muita fome…

– Tenho certeza que vou gostar de qualquer coisa que você pedir.

O vinco ficou ainda pronunciado enquanto lia o cardápio e o


garçom bufou impaciente, o que a deixou ainda mais nervosa. Meu
primeiro impulso foi intervir, mas peguei um cigarro e acendi, rodando
o isqueiro em minhas mãos.

– Ai tá bom… Vamos querer pão de queijo e suco de… – levantou


os olhos para mim – você gosta de manga?

– Nunca experimentei.

– Prefere suco de que então?

Levantei os ombros, soltando a fumaça do cigarro, dizendo com


os olhos que a decisão era dela. Ficou irritada, mas por fim decidiu.

– Já escolheu, moça?

– Já, dois pães de queijo e dois sucos de manga. Se ele não


gostar, paciência, é minha fruta preferida.

O garçom se foi e o silêncio reinou de novo na mesa. Ela olhava


rígida para o mar.

– Qual foi a do pombinho que eu não entendi?

Um vislumbre de um sorriso passou pelos seus lábios de novo,


desanuviando sua expressão. Fitou meus olhos e respondeu.
– É uma expressão que se refere a namorados ou a um casal em
lua de mel – corou violentamente e completou. – Deve ter achado que
a gente era um.

Provavelmente pelo jeito que eu a olhava, com fome, posse. Não


conseguia evitar. Como não respondi nada, ela continuou.

– Alex... De onde você é?

– Texas.

– Como alguém do Texas vem parar em Santa Maria?

Traguei para tomar tempo. Como responder a isso? Nunca disse


sobre o que aconteceu com ninguém, nem com Brian, muito menos
com ele. Quando insistiram eu simplesmente saí de casa e nunca mais
voltei. Não dava para falar sobre aquilo, nem se eu quisesse ou
tentasse e eu não queria. Passei a mão pelo nariz e falei seco.

– Destino talvez, queria algo diferente.

Com os cotovelos apoiados na mesa, Cecília sentiu minha


mentira, eu sempre fui caladão e solitário, correndo pelas terras da
minha família, gostando mais da companhia dos animais que das
pessoas. Isso mudou quando conheci Mollie e Brian no ensino médio.
Eles nunca me leram com a facilidade que Cecilia conseguia. Abriu a
boca para dizer alguma coisa quando o garçom chegou com os nossos
pedidos.

– Vamos ver se essa sua fruta preferida é boa mesmo –


provoquei, desesperado para mudar de assunto.

E, incrivelmente, suco de manga era uma delícia.

– Aprovado? – Cecilia perguntou ansiosa.

– Ainda prefiro Jack Daniels, mas você tem bom gosto, loirinha.

Ela sorriu e saímos da zona perigosa das conversas pessoais,


falamos sobre a comida, o mar, a cidade… e eu me senti em paz,
relaxado. Como há anos não sentia.

O tempo passou e o sol saiu firme sob nossas cabeças. Fomos


até uma loja que vendia roupas de banho e vi Cecilia olhar com tristeza
para uma roupa branca de duas peças, com uns babados nos ombros.
Não entendia de moda feminina, mas vi de longe que era a cara dela.
A atendente o sugeriu, mas Cecilia pediu para ver um maiô mais
fechado.

– Não! – intervi – vista esse.

– Mas, Alex… você sabe que eu não posso – ela disse baixinho,
só para mim.

– Deixa eu só ver como fica em você.

Falei incisivo, os olhos grudados nos dela. Abriu a boca para


retrucar, mas suspirou e foi. Sentei e esperei, sentindo os olhos das
vendedoras em mim. Uma eternidade depois, Cecília colocou a cabeça
para fora da cabine, com o rosto corado.

– Não dá, Alex. Moça ach…

Não deixei que continuasse, entrei na cabine que ela estava e


fechei a porta. Estava linda, com o biquíni branco, com babados nos
ombros. A deixou com a aparência de um anjo. Meu pau endureceu na
hora… O dia seria longo e dolorido. Ela confundiu minha expressão
com desaprovação.

– Eu disse que não dava para usar isso, olha as minhas costas.

A cabine era apertada e ela ainda virou de costas, batendo os


cabelos longos no meu peito. Nos olhamos através do espelho e eu
tirei a camisa. Claro que ela tinha mais, mas em minha barriga, peito e
costas havia inúmeras cicatrizes também.

– Você não precisa sentir vergonha, eu não sinto…– eu disse


apontando para as minhas cicatrizes
– Você me disse que era um soldado, Alex, do exército. Suas
cicatrizes mostram que você é corajoso, lutou pelo seu país e pelo que
acredita.

Sorri com tristeza da ironia do que ela disse. Essa menina


acordava todos os meus demônios. Pude ouvir nitidamente a voz do
garoto, dizendo em inglês, com um sotaque pesado “Mate os
invasores, mate os invasores”. Eu detestava falar da guerra, mas virei-
a de frente para mim, pegando sua mão e a posicionei em uma marca
de tiro embaixo do meu peito.

– Demorei para reagir ao virar uma esquina em uma patrulha. Dei


de cara com um garoto que não devia ter mais que oito ou nove anos.
Ele apontava um fuzil para mim, maior do que ele. Tremia da cabeça
aos pés. Foi tudo muito rápido, por um segundo, não acreditei que
fosse atirar, mas ele olhou nos meus olhos e atirou. E antes de cair eu
atirei de volta.

Arregalou os olhos, mas não vi repulsa, medo ou desaprovação,


então eu continuei.

– Depois daquilo eu nunca mais hesitei. A guerra só é bonita nos


filmes, na vida real não é sobre o que se acredita, mas como
sobreviver um dia após o outro. Acho que você sabe muito bem como
é. – Ela abaixou os olhos e eu ergui o seu rosto – acredite em mim,
você é linda, tire esse medo daqui – coloquei a mão em seu peito e ela
prendeu a respiração – até que ele não te domine mais. Nossas
marcas são o que são.

Minha mão permaneceu ali e nós não respirávamos, conscientes


do quanto um afetava o outro. Ela fechou os olhos e acabou de me
matar, falando meu nome por meio de um gemido rouco.

– Alex, eu…

Não podia deixar que continuasse, eu não resistiria e faria uma


besteira ali na frente de todos. Tirei minha mão e firmei a voz, cortando
o clima.
– Fala a verdade para mim, você gostou?

Ela abriu os olhos, pedindo algo com eles e por fim suspirou
desistindo.

– Sim, eu gostei, mas…

– Mas nada, vamos antes que o sol suma. – Respondi confuso,


aliviado, decepcionado.

Saí da cabine ofegante, com o coração disparado. Não sabia o


que me fez contar isso para ela. Quando voltei dessa incursão fiquei
semanas sem dirigir a palavra a Mollie, quase nos separamos e,
apesar de todas as suas súplicas, nunca me abri. Cecília saiu logo
depois, sorrindo e me tirando das lembranças. Não esperou nem eu
pagar a loja, correu para a praia, como se o mar pudesse sumir. Fui
atrás, sorrindo, animado… feliz? Eu tinha esse direito? Talvez não,
mas naquele momento não me importei. A alcancei quando já estava
na areia. A praia era linda, areia branquinha, mar azul e sem ondas,
olhei para Cecília com seu biquíni branco de babados e pensei que
talvez eu tivesse morrido de tanto beber em casa e estivesse no céu.

Ela era o meu paraíso.


O dia passou rápido demais, nadamos, tomamos sorvete, tiramos
fotos, subimos nas pedras e nos deitamos na areia um ao lado do
outro em silêncio, ouvindo o som do mar. O sol começou a se pôr e
fechei os olhos, desejando ainda ser ontem, mas como tudo que é
bom, acabou depressa. Após arrumar nossas coisas me encaminhei
para voltar até o carro, mas Alex segurou minha mão.

– Espere! Preciso te dar uma coisa.

Sorri olhando para ele em expectativa, no entanto, absolutamente


nada me preparou para aquilo. Com as mãos ligeiramente trêmulas,
Alex entregou uma foto minha com meu pai aqui mesmo nessa praia.

– Como? Vic... aquele homem queimou todas as minhas fotos de


família... como você conseguiu isso? – Quis tanto beijá-lo, agarrar o
seu pescoço, colar meu corpo no dele e nunca mais soltar, mas algo
em sua postura rígida me desencorajava.

– Uma moça de cabelo comprido me deu, disse que salvou essa


foto para você.

– Muito obrigada, de coração. Não sei o que dizer...

– Seu sorriso me diz tudo que eu preciso saber – disse ele me


encarando intensamente, dei um passo para frente, mas ele olhou
para baixo e pegou a chave do carro, o momento tinha acabado. –
Vamos?

Concordei, tiramos a areia do corpo e entramos na caminhonete.


Da Praia dos Fachos até Santa Maria eram cerca de cinco horas de
distância.

Ainda sem camisa, Alex colocou o cinto de segurança sério como


sempre e eu me dei conta de que o adorava. Era um sentimento que ia
além da gratidão e da atração física, apesar de ele ser o homem mais
lindo da face da terra e me deixar em um constante estado febril.

Uma coisa era certa, no entanto, eu morreria se fosse obrigada a


viver longe dele. Sei que o colocaria em perigo ficando em sua casa,
mas… uma ideia maluca passou pela minha cabeça: E se ele fosse
embora comigo? Olhando seus cabelos despenteados e molhados
caindo nos olhos, senti que precisava dizer o que se passava dentro
de mim, eu explodiria se não falasse alguma coisa.

– Alex! – chamei ansiosa.

Ele endureceu o corpo, concentrando-se em ligar o carro, como se


pressentisse que a conversa ficaria séria.

– Alex, olha para mim – disse com firmeza, mas não sustentei e
abrandei o tom – por favor.

Virou a cabeça, tirando o cabelo da frente e seus olhos cinzentos,


encontraram os meus.

– Eu estava perdendo a cabeça e você me trouxe de volta… hoje


foi o melhor dia da minha vida. Obrigada! – e eu adoro você, por favor
não me mande embora! Completei em minha mente, sem coragem de
falar em voz alta.

Piscou algumas vezes me olhando de volta com o mesmo


desespero que eu o encarava. Pigarreou, pegou seu isqueiro do bolso
e acendeu um cigarro, com movimentos lentos, como quem toma
tempo. Quando tornou a olhar para mim, sua expressão já estava mais
distante, controlada.

– Não precisa me agradecer, loirinha, fiz o que faria por qualquer


pessoa.
Meu coração bateu mais rápido e meus olhos arderam, era
mentira, só podia ser. Ele era ríspido e sem educação com todo
mundo, mas… abalada, não querendo ser qualquer pessoa, coloquei
também o cinto e levei o joelho até o peito olhando o mar mais uma
vez pela janela. Não consegui me segurar, precisava que ele
soubesse.

– Você é especial para mim.

Ele prendeu a respiração e não emitiu um som. Ligou o rádio e


logo nossa conversa passou a girar em torno de banalidades, músicas
e sobre como adoramos o mar na mesma intensidade, ele me disse
que adorava surfar. Contei que me lembrava de ter vindo muitas vezes
com o meu pai nessa praia, e ele sorriu como se já soubesse.
Eventualmente as amenidades terminaram, ele entrou no seu modo
silencioso de sempre e eu adormeci cansada, ansiosa e
completamente apaixonada.

Acordei assustada com um raio cortando o céu. Estávamos quase


chegando em Brejetuba, a duas horas de Santa Maria, e uma chuva
torrencial varria a noite. Não dava para ver nada na estrada,
caminhões passavam a toda velocidade, enquanto carros menores
diminuíam o ritmo com medo de derrapar.

– Não consigo enxergar nada, Cecília, vamos esperar um pouco


aqui – disse ele parando no acostamento, ligando o pisca alerta.

Nessa mesma hora um caminhão passou derrapando e por muito


pouco não bateu na gente. Nenhum motorista nos viria ali, mesmo com
o pisca alerta ligado.

– Alex e agora? – perguntei com a mão no peito, pálida de susto.


Olhou pelo retrovisor parecendo muito calmo, mas o vinco em sua
testa denunciava a preocupação.

– Bom, vi um motel a poucos minutos daqui, acho melhor ficarmos


lá até essa tempestade passar.

A chuva caía cada vez mais forte e uma neblina densa descia
impossibilitando enxergar a estrada. Essa região serrana do estado era
muito complicada no inverno. Com muito cuidado e o farol bem alto,
Alex virou a caminhonete, tentando achar a entrada do motel. Tensos,
procurávamos o letreiro do prédio, até que no que pareceram ser horas
depois, sem a chuva arrefecer um milímetro sequer, demos de cara
com um letreiro piscando neon em letras garrafais bem no comecinho
da cidade. Motel L’amour.

– Obrigada, Jesus! – agradeci baixinho e Alex bufou enquanto


virava o carro para entrar.

Não disse nada para não o irritar, se eu estava nervosa daquela


maneira, nem imaginava como ele estaria tendo que dirigir nessas
condições. Na recepção havia um interfone e Alex pediu um quarto dali
mesmo. A voz metálica de uma mulher informou que eles só tinham
disponível um mais caro por ser temático. Mais ríspido que de
costume, Alex aceitou e entramos.

– Não dá para ir a lugar algum com essa porra de chuva. Assim


que passar vamos embora, ok? – disse ele manobrando, procurando o
quarto que a voz metálica informou.

– Tudo o que você quiser, Alex.

Fiquei sem entender sua reação à minha resposta. Apertou o


volante até seus dedos ficarem brancos, respirando fundo e fechando
os olhos. Por que ele estava tão diferente de hoje à tarde?

Finalmente entramos em uma pequena garagem e um clima


estranho e pesado se instalou entre nós. Alex estava mais sério do
que nunca, não olhava para mim nem me dirigia a palavra,
visivelmente incomodado com alguma coisa. Encostei na caminhonete,
remexendo as mãos na frente do corpo enquanto ele fechava o toldo
da garagem.

Queria falar alguma coisa para quebrar aquele distanciamento,


qualquer coisa, mas nada me veio à cabeça e quando vi ele já estava
abrindo a porta que dava para o quarto. Abaixei a cabeça e fui atrás
dele, botando pé na entrada, e foi então que me dei conta.

– Santa Mãe de Deus! – exclamei sem nem perceber.

Acredito que nenhum de nós estava preparado. Dava para sentir a


tensão de Alex no ar. As paredes eram vermelhas escuras, repletas de
quadros de mulheres amarradas, em coleiras, seminuas e em roupas
de couro, simulando vários tipos de torturas sexuais. Em frente a uma
cama com colunas de metal de onde saiam correntes de todos os
tamanhos, havia uma gaiola enorme que caberia mais de uma pessoa
tranquilamente. O habitual peso no peito que me impedia de respirar
veio como uma onda para cima de mim, assim que botei os olhos em
uma parede cheia de chicotes e varas. Não pude afastar as imagens
de Vicente segurando aquela maldita vara enquanto minha árvore
pegava fogo. Não queria que Alex visse o meu estado, mas, em
contrapartida, não conseguia respirar direito.

– E-eu acho que preciso de um b-banho – embolei as palavras e


corri até o banheiro.

– Cecília! – ele chamou, mas nem olhei para trás. Com as mãos
trêmulas, fechei a porta, sem respondê-lo

Abri o chuveiro de qualquer jeito e entrei, sem tirar as roupas ou


esperar a água esquentar. Na verdade, ainda usava o biquíni que
ganhei com um vestido de manga comprida por cima. Meu corpo todo
formigava de vontade de me cortar, cada lembrança de Vicente em
cima de mim, fazia eu me sentir cada vez mais suja. Eu precisava tirar
toda aquela imundice de dentro de mim, precisava sentir o sangue
escorrendo pelas minhas coxas.

– Cecília, abra essa porta. AGORA! – seu tom de voz fez meu
formigamento aumentar a um nível desesperador.
Prometi a ele que nunca mais me cortaria, e não suportaria
decepcioná-lo. Bati minhas mãos em punho na parede do box,
esperando um milagre que me tirasse daquela situação, eu não seria
forte o suficiente para manter minha palavra.

– Cecília, você sabe que eu arrombo essa porta sem problemas.


Saia daí agora…

Fechei o chuveiro de qualquer jeito e voltei para o quarto, fora de


mim, lutando para respirar.

– Ou o quê, Alex? – eu disse ofegante o empurrando.

Ele arregalou os olhos, sem entender nada e odiei cada parte de


mim mesma por estar fora de controle. Mesmo assim continuei
falando:

– Saia daí Cecília, você não vai se machucar Cecília! É fácil dar
ordens, mas como vou resolver essa necessidade, então? – puxei o ar
o máximo que pude procurando aquela parede e o empurrei mais uma
vez quando a vi.

Peguei o objeto mais parecido com a vara que Vicente usava, era
comprido e flexível, porém mais refinado com um cabo emborrachado.
Tremi da cabeça aos pés, com muitas imagens embolando no tempo,
vindo como flashes até mim. O barulho que essa maldita vara fazia
antes de cortar minha pele, aliadas às palavras humilhantes que
Vicente usava, me fizeram acreditar durante todos esses anos que eu
não era digna de nada. Levantei a cabeça devagar e Alex me
observava intensamente. Fitei dentro daqueles olhos que me levavam
para casa e despejei tudo que tinha dentro de mim.

– Me diga o que fazer! Eu preciso sentir outra coisa que não seja
ele, está tudo sujo aqui dentro e você me fez prometer que eu não me
cortaria mais…

Ele emitiu um som gutural, com as mãos na cabeça, mas logo


recuperou o controle abrandando o tom.

– Cecília, olha para mim, não fale assim…


– Só falo a verdade! Não posso quebrar minha palavra para você,
não posso! Prefiro morrer que te decepcionar, mas está tudo
formigando, eu não sou forte… pelo amor de Deus, me machuque
você então! Agora…

Tentei entregar a vara para ele, mas se reusou a pegá-la nas


mãos.

– Não, menina! Eu nunca vou te machucar, ninguém nunca mais


vai te machucar, entenda isso de uma vez!

Aquelas palavras causaram uma explosão de sentimentos


confusos dentro de mim. Meu corpo pedia para ser castigado, mas
meu coração batia descontrolado querendo ser protegido por ele pelo
resto da vida. Desde os meus quinze anos só a dor me acalmava, ele
precisava entender isso ou eu enlouqueceria a qualquer momento.
Desesperada, me joguei aos seus pés.

– Eu preciso disso, Alex. Faça o que você quiser comigo, meu


corpo está pegando fogo, eu vou enlouquecer! Eu disse a você que
aquilo era o que me mantinha sã, lembra?

Ajoelhada, levantei minha cabeça e o encarei diretamente. Estava


desesperada demais para entender sua expressão, o tempo parecia
suspenso. Agarrei em suas pernas, mas ele recuou, saindo do meu
alcance, apertando meu coração.

– Não... loirinha! Puta que pariu! – disse com as mãos na cabeça,


virando-se de costas.

Abaixei os ombros ouvindo a voz de Vicente dizer que só ele


poderia me dar o que eu precisava… Eu sabia que quando Alex me
visse por dentro, desistiria de mim. No fim das contas, mesmo em
coma, Vicente venceu.
Meu corpo reagiu mal, muito mal, ao ver aquela garota deliciosa
com água escorrendo pelo corpo arrepiado ajoelhada aos meus pés.
Um sentimento de posse tão avassalador tomou conta de mim
que foi difícil até escutar o que ela dizia. A razão tentava me alertar o
tempo todo que se eu fosse por esse caminho, não teria mais volta.
Afastei-me do alcance do seu cheiro, em uma última tentativa
desesperada de fazer o meu corpo parar de implorar pelo dela.

– Por favor, Alex… faz a dor aqui de dentro parar…

Ah menina! Sua voz me atingiu em cheio derrubando todas as


minhas objeções. O que eu sentia por Cecília não era mesmo racional,
por ela eu faria qualquer coisa, passaria por cima de qualquer um,
inclusive de mim mesmo. Essa loirinha era mesmo um caminho sem
volta e, pela primeira vez em cinco anos, me vi cansado para porra de
sofrer. Virei em sua direção e o baque que sua beleza sempre me
causava, fez meu coração bater ainda mais forte. Eu me sentia vivo,
vivo pra caralho!

Ajoelhada, de cabeça baixa, com as mãos sobre as pernas ela


nem parecia real. Despertou em mim desejos que pensei ter enterrado
há anos, quando me casei. Um desejo de possuí-la de forma bruta,
completa e visceral.

Amei Mollie com todo o meu coração, mas era um sentimento


calmo, civilizado. O que senti ali por Cecília foi algo primitivo, irracional,
necessitado. Ela era minha e eu tiraria cada milímetro da presença
daquele pedófilo desgraçado do seu corpo e da sua alma, do meu
jeito, nos meus termos.
– Cecília – chamei – você confia em mim?

– Sim, Alex, com todo o meu coração, você é a única pessoa que
eu confio – seus olhos abrandaram um pouco o desespero e sorriu ao
ver que estendi a mão para que se levantasse.

Observou meu gesto por alguns segundos e entrelaçou seus


dedos nos meus, sem desviar o olhar. Agarrei sua cintura e a trouxe
para perto de mim. Sua pele estava toda arrepiada, mas seu rosto
pegava fogo como se estivesse com calor, seus lábios em forma de
coração tentavam puxar o ar com dificuldade, desci os meus olhos um
pouco mais, seu peito subia e descia, tremendo e ostentando os
mamilos durinhos colados no vestido molhado. Segurei firme em sua
nuca, acariciando a sua boca com o polegar.

– Você é especial para mim, loirinha.

Fechou os olhos e duas lágrimas caíram em seu rosto, juntei seus


cabelos trazendo sua boca até a minha, sem delicadeza. Eu estava em
chamas por ela e queria que soubesse. Gemeu desesperada, sugando
a minha língua, seu desejo vinha com dor e vergonha e isso precisava
acabar. Com as mãos em cada lado do seu pescoço, separei nossos
lábios, eu a queria ali comigo, só comigo.

– Respira, devagar… Eu estou aqui com você, Cecília e sempre


vou estar. Você quer me dizer o que desencadeou isso?

Afundou a cabeça no meu peito, ainda com a respiração


entrecortada.

– Não… não entendo mais nada… Quando olho para você, meu
corpo parece que vai entrar em combustão e é tão bom… tão certo,
mas ao mesmo tempo dói aqui – pegou minha mão e colocou em seu
peito – dói muito, Alex, faz parar por favor.

– Ah minha menina!

Foi só o que eu consegui dizer antes de beijá-la, beijei sua boca,


seu rosto, seus cabelos, seu pescoço… inalei seu cheiro preenchendo
de vida cada canto de mim que ainda adormecia. A peguei no colo
fazendo com que soltasse um gritinho assustado, e em poucos
segundos a coloquei no meio da cama, tirei o vestido molhado do seu
corpo e parei um tempo para apreciá-la. Ela abriu ligeiramente as
pernas e se apoiou nas mãos, arqueando o peito para frente. Seus
cabelos sem pentear caiam por todo lado deixando-a tão sexy que
meu pau pulsou dolorido. A minha vontade era amarrar suas mãos nas
correntes que desciam da cama e fodê-la com tanta força que nenhum
de nós se lembraria de nada que nos machucasse. Respirei fundo
para me controlar.

– Não tem nada errado com o que está sentindo, Cecília, sinto a
mesma coisa quando olho para você – ela me encarou como se não
acreditasse – desde o primeiro dia que te vi, me sinto assim. Tentei
lutar contra isso, eu não sou o homem certo para você…

– Você é o único homem certo para mim–interrompeu ansiosa,


ofegante – o único que eu quero.

Eu não disse mais nada, ataquei sua boca sem delicadeza,


colocando para fora meses desse desejo reprimido, respirei fundo seu
hálito, seu cheiro, poderia passar dias naquela cama, beijando,
lambendo, sentindo a pele mais macia do mundo toda arrepiada
embaixo de mim. Cecília seria minha e a única coisa que eu conseguia
pensar naquele momento, é que ela seria minha para sempre.
Meu corpo inteiro formigava, a boca de Alex grudada na minha
enviava pequenos choques que iam do meu peito até o meio das
minhas pernas. Nunca me senti assim antes, trêmula, descontrolada,
com os mamilos doendo, precisando senti-lo tanto que o ar me faltava.
E tinha outra coisa, eu nunca havia sentido prazer sem dor e não com
essa intensidade. Ele separou nossos lábios e beijou o meu pescoço
até chegar na minha orelha. Sua voz grave, carregada de desejo me
enlouqueceu de vez.

– Eu quero que você seja minha por inteiro, Cecília.

E então ele se afastou, senti sua falta imediatamente e


choraminguei procurando sua boca. Puxou-me pela nuca, fazendo
com que eu me sentasse na cama, queimando minha pele com seu
olhar fixo no meu.

– E você, loirinha, o que você quer? – perguntou.

Meus olhos arderam e um sorriso imenso tomou conta do meu


rosto, ele sabia que eu o queria, estava estampado no meu corpo
inteiro, mas aquela pergunta significou o mundo. Naquele momento eu
soube que o amava.

– Você. – Ofeguei – Nem consigo me imaginar longe de você.

– Nunca vai precisar me imaginar longe de você, isso não vai


acontecer – disse com um sorriso que me molhou até nas coxas.

Ele deveria sorrir mais, deveria sorrir o tempo todo, no entanto,


quando passou seus longos dedos no meu ombro, deslizando devagar
as alças do biquíni para baixo, ele estava muito sério.

– Posso? – perguntou e tive certeza de que o amaria para


sempre.

– Pode… – sorri, mas duas lágrimas caíram sem que eu


percebesse – Pode, Alex, eu te quero muito.

Ele beijou meu rosto, por onde as lágrimas caíram e com um


movimento firme e brusco, virou-me de costas para ele, terminando de
tirar meu sutiã. Acariciou os meus mamilos que se intumesceram ainda
mais sob seu toque.

– Você é linda, minha menina, doce, gostosa, perfeita…

Ah não! Por favor, agora não! A voz de Vicente veio em meu


ouvido como um zumbido incessante de uma mosca… Puta, estupida,
vagabunda. Cerrei as pálpebras com força, concentrando em Alex, em
sua voz, nas sensações maravilhosas que ele me causava. Ele me
deitou de bruços e beijou cada uma das minhas cicatrizes, dizendo o
tempo todo quão linda eu era.

Cada cicatriz que eu presenteei o seu corpo, fiz pensando no seu


bem. Eu te amo muito mais assim, Ratinha, muito mais.

Encolhi-me fazendo de tudo para tirar aquele demônio das minhas


lembranças e, como se me visse por dentro, Alex interveio, me virando
de frente para ele, ainda deitada de costas na cama.

– Volte para mim, Cecilia, olhe nos meus olhos – cravei meu olhar
no dele, que me fitou de volta, com fome, desespero, paixão – aqui
nessa cama só tem espaço para nós dois. Você é minha, só minha!

Eu era mesmo dele, e estava cansada de deixar aquele homem


acabar com a minha vida. Eu não permitiria que Vicente me impedisse
de amar. Afundei minha cabeça em seu pescoço deixando seu cheiro
me envolver e quando me beijou o resto do mundo foi sumindo aos
poucos, até só existirmos nós dois. Ele mordeu o meu pescoço e eu
gemi descontrolada, querendo esconder meu rosto de vergonha, ele
deveria estar achando eu era totalmente maluca. Eu estava mesmo a
ponto de perder a cabeça quando ele desceu a boca tomando posse
de cada pedacinho da minha pele, beijando, mordendo, lambendo.
Quando alcançou os meus mamilos, fui transportada a um paraíso
agoniante onde meu corpo queimava, ondulava, tremia, contraía.
Desceu ainda mais lambendo minha barriga, levando meu tormento
delicioso a um novo nível.

Colocou a mão na barra da minha calcinha e olhou dentro dos


meus olhos enquanto a tirava, como se pedisse permissão o tempo
todo e, por pouco eu não disse que o amava ali mesmo. Abriu os meus
joelhos, deixando minhas pernas totalmente abertas para ele. Ele já
tinha me visto nua antes, mas aquela parecia a primeira vez, seus
olhos brilharam com uma posse que não estava ali antes.

– Eu adoro o jeito que você está sempre pronta para mim.

Eu estaria sempre pronta para ele. Alex realmente me deixava em


um constante estado de excitação só de chegar perto de mim. Sem
aviso, ele colocou sua cabeça entre minhas pernas, segurando meus
seios entre seus dedos e lambeu meu clitóris com vontade, sem
pressa, como se estivesse se fartando da coisa mais gostosa do
mundo. Lambeu, sugou, apertou meus mamilos, e cada vez que
passava a língua na minha entrada, eu contraía, me debatia e chorava.
Supliquei a ele, enlouquecida, com o meu corpo entregando os
pontos.

– Alex, por favor...eu preciso… – minha voz sumiu no meio de um


gemido.

Ele intensificou as lambidas bem no ponto onde fazia tudo contrair,


mas o alívio não vinha, lágrimas desciam pelo meu rosto, Vicente
estragou meu corpo, sem dor nada fazia sentido. Alex falou com a
boca ainda entre minhas pernas.

– Fala para mim, o que você precisa?

Eu não sabia, não fazia do que teria que acontecer agora.


– Preciso de você… preciso que você faça esse formigamento
parar…

Meu Deus! Que vergonha eu parecia uma tapada inexperiente...


No entanto, Alex não parecia estar debochando de mim, emitiu um
som gutural, do fundo da garganta, cobrindo meu corpo com o seu de
uma só vez. Envolveu meu pescoço com suas mãos enormes e meus
seios tocaram seu tórax firme como uma parede. Encharquei ainda
mais por ele, a sensação era que eu explodiria, sem saber por quê.

– Você pode me pedir para parar a qualquer momento – disse


beijando minha boca, retesando o maxilar. Ele parecia estar fazendo
um esforço muito grande para se controlar – é só me pedir que eu
paro, você já é minha de qualquer forma. Se ainda não estiver pronta
eu espero, espero quanto tempo for necessário.

– Eu já estava pronta para você, antes mesmo de te conhecer,


meu amor.

Meu coração parou de bater quando vi do que eu o tinha


chamado. Eu não precisava que ele dissesse nada a respeito, mas tive
muito medo de que desistisse de tudo. No entanto, ele apenas parou
por um tempo, com a respiração entrecortada e sem sair de cima de
mim, tirou a calça. Seu membro duro pulsou na minha entrada, onde
há poucos minutos estava a sua língua.

– Nada na minha vida fazia sentido até agora, você é um anjo,


Cecília, meu anjo!

Sem nenhum aviso ou preparação, enfiou todo o seu comprimento


em mim, Alex era muito grande e grosso, me senti sendo rasgada no
meio, ardeu, doeu, latejou... e eu gozei... Muito, intensamente, parecia
que os espasmos não acabariam nunca. Gritei o seu nome e mais
coisas desconexas que o zumbido do meu ouvido não deixou que eu
escutasse o que era.

Abri os olhos e ele me observava com um misto de sentimentos


contraditórios, mas eu não queria conversar, ou ficar longe de seu
corpo. Travei minhas pernas em sua cintura e sem saber muito bem o
que fazer deixei o instinto tomar conta, remexi os quadris.

– Pelo amor de Deus, Alex, não para agora. Eu quero sentir isso
de novo, isso nunca aconteceu antes.

– Cecília, você era…

Levantei a cabeça e beijei sua boca, se eu falasse que era virgem


tinha certeza que ele pararia. Ele estava tenso, se segurando por mim.
Peguei seu rosto com as minhas mãos e disse de forma brutalmente
honesta.

– Alex, você me faz bem, eu quero ser completamente sua, do seu


jeito. Me pega pra você – bati meu indicador na sua têmpora de
levinho – pare de pensar tanto, por favor, eu preciso muito de você
agora.

Fechou os olhos ainda tenso. Pulsando dentro de mim, cheirou o


meu pescoço e quando tornou a me olhar eu sorri. Lá estava ele, o
meu Alex, bruto, selvagem, indomável. Era ele que eu queria, todo
meu para adorar. Mordeu minha orelha, rosnando baixinho e nem em
um milhão de anos eu adivinharia o que sairia da sua boca.

– A palavra amor não é suficiente para explicar o que sinto por


você, loirinha.

Antes que eu voltasse do baque de sua declaração, ele tirou todo


seu membro de dentro de mim e o estocou de novo, com força, até o
fundo. E assim ele fez, repetidas vezes, tirando e colocando, cada vez
mais rápido, cada vez mais feroz. Mesmo mais acostumada ao seu
tamanho, ainda doía muito. Com os olhos cravados nele, molhei meus
lábios entreabertos com a pontinha da língua e Alex acompanhou o
movimento grunhindo algo em inglês, tornando suas arremetidas ainda
mais duras, batendo lá dentro, disparando choques de dor e prazer
que contraiam todo meu ventre.

Com uma economia de gestos impressionante ele me levantou


pelos cabelos, arrepiando meu corpo inteiro de maneira violenta, meus
mamilos ficaram tão duros e dolorosos que eu gemi na iminência de
mais um orgasmo. Antes que eu pudesse perceber estava de quatro
na cama, com as mãos enormes do meu amor puxando-me até ele
pelos cabelos da nuca.

– Minha loirinha, toda minha. – disse com a mão livre apertando


meus mamilos.

Gozei, assim, com o som de sua voz máscula no meu ouvido,


presa àquele homem que me fez esquecer todo o meu passado, não
havia outra voz em minha vida agora, apenas a dele. Pedi
enlouquecida, queria ouvi-lo o tempo todo.

– Repete, por favor… faz amor comigo dizendo o quanto eu sou


sua.

E ele fez. Soltou meus cabelos e, com brutalidade, empurrou meu


rosto na cama, abrindo-me toda para ele. Posicionou o seu pau na
minha entrada que pingava por ele e a cada estocada ele repetia
Minha… minha loirinha, minha mulher, meu anjo. Chorei, gemi, tremi e
gozei. E chorei de novo quando percebi que esse último orgasmo foi
apenas de prazer, suas estocadas não doíam mais. Foi então que
percebi. Eu era finalmente e completamente dele.

Alex intensificou suas arremetidas, parecendo querer nos fundir


em um só, eu só conseguia pensar no quanto o amava, e como eu não
queria que esse momento acabasse. Puxou-me pelos cabelos mais
uma vez e segurando o meu pescoço me virou de frente para ele,
deitando-se em cima de mim. Sem deixar de dar longas e profundas
estocadas beijou minha boca, com as mãos agarrando os meus
cabelos.

– Você é minha vida, Cecília – disse ofegante, suado, tremendo


inteiro em cima de mim em um orgasmo delicioso.

Alex me abraçou apertado por um longo tempo, o melhor tempo


de toda a minha existência. Beijei o seu pescoço e disse baixinho no
seu ouvido com lágrimas grossas descendo pelo rosto.
. – E você é a minha.

Ainda tentando recuperar o fôlego, saiu de cima de mim e eu me


recostei na cabeceira da cama, limpando as lágrimas. Ele deitou a
cabeça no meu colo, de barriga para cima e então vi o seu pênis cheio
de sangue.

– Eu machuquei você? – perguntei horrorizada.

– Pelo contrário – respondeu esfregando a testa – esse sangue é


seu. Por que não me disse que era virgem? Eu teria…

– Exatamente por isso – interrompi – você teria parado.

– Não sei se conseguiria parar no estado que você me deixou –


disse com um meio sorriso – mas com certeza não teria sido tão bruto.

Vermelha como um pimentão, respirei fundo e disse:

– Me prometa que você vai ser sempre bruto, Alex. Eu gostei


muito.

Ele bufou levantando a cabeça do meu colo. Acariciou os meus


cabelos e seus olhos voltaram a ter aquela energia triste de sempre.

– Essa não é a única maneira, Cecília. O objetivo é sentir prazer,


não machucar – desviei os olhos, mas ele me fez olhá-lo, puxando
minha nuca – eu também gostei muito, mas vamos descobrir juntos
muitas formas de ter prazer sem envolver machucar você, ok?

Como eu poderia explicar de um jeito que ele entendesse? Sabia


que Alex não gostava de ouvir sobre Vicente, mas eu falaria mesmo
assim. Acariciei o seu rosto e respirando fundo me recostei de novo na
cama.

– Eu tinha catorze anos quando mamãe morreu. Ela sofreu um


acidente de carro, bateu em uma árvore... Foi atendida logo e passou
um tempo no hospital. Os médicos eram otimistas sobre seu quadro,
disseram até que ela estava melhorando, mas... em uma noite ela
piorou de repente e morreu. Sabe como eu fiquei sabendo que ela
morreu?

Um calafrio percorreu o meu corpo, não queria ter que voltar


nessas lembranças logo agora que eu estava tão feliz. Alex encostou o
seu rosto no meu, mas não me interrompeu, apenas balançou a
cabeça para que eu continuasse. Arrumei minha posição na cama e
prossegui.

– Era quase hora da visita no hospital, eu tinha me arrumado toda


na esperança que mamãe acordasse, daí ela veria que eu estava me
cuidando direitinho mesmo sozinha, sabe? Colhi várias flores que ela
gostava e estava fazendo um buquê lindo quando ele chegou, bêbado.
Primeiro, perguntou onde eu pensava que iria vestida daquele jeito,
como uma vaga… – minha voz vacilou e precisei dar uma pausa.

– Cecília... – ele me implorou, com o maxilar tremendo de tanto


que o apertava, mas eu insisti… ele precisava saber que não era
simples ou uma escolha minha.

– Como uma vagabunda, depois ele simplesmente rasgou minhas


roupas e me obrigou a… – respirei fundo e, quando uma lágrima caiu,
Alex a beijou – a chegar lá... se é que você me entende. Então como
se não fosse nada, enquanto eu ainda sentia “prazer” – fiz o gesto de
aspas com as mãos – ele disse que agora que minha mãe tinha
morrido eu ia ser a mulher da casa e foi a primeira vez que ele tentou
tirar minha virgindade. Dessa parte eu não lembro direito, porque eu
me descontrolei, chorei muito, tentei bater nele, sem acreditar que
minha mãe tinha mesmo morrido. Então ele me acusou de que eu o fiz
brochar com o meu drama e me espancou de verdade pela primeira
vez. Não fui ao velório da minha mãe, porque fui parar no hospital com
hemorragia interna e várias fraturas. Ele contou para todo mundo na
cidade que usei drogas e tive que ser internada... Sei que é uma coisa
que você não queria ouvir, mas só te contei porque… eu não sei… ele
diz que eu sou doente e pervertida, talvez eu seja, mas fui aprendendo
a gostar da dor para não perder minha cabeça de vez, entende? Não
sei explicar, acabei falando e falando e me perdi…
Abaixei a cabeça arrependida de ter começado a falar, pareceu
uma boa ideia no início, mas… Olhei para o rosto de Alex e vi uma
veia de seu pescoço saltando com força, seu maxilar ainda estava
duro, no entanto ele sorriu para mim, e me abraçou forte, muito forte,
tão forte que foi difícil respirar em seus braços, sentindo seu coração
bater junto com o meu, no mesmo ritmo.

– Eu quero tudo que venha de você, sempre. Nunca esconda


nada de mim – disse ainda sem me soltar com um tom de voz
afetuoso, contrastando com o seu corpo totalmente retesado. – Toda
vez que achar que precisa me dizer algo, venha até mim e diga, estarei
sempre disponível para você. E compreendo muito mais do que você
imagina, agora olhe nos meus olhos e entenda o que eu vou te falar:
não tem porra nenhuma errada com você, se for o caso de realmente
ter essa necessidade da dor nós faremos, mas existem infinitas
maneiras de sentir prazer, e se você deixar vou te mostrar cada uma
delas… o que me diz?

– Ah Alex! Você não pode ser de verdade – ofeguei beijando todo


o seu rosto e não me importei com mais nada, eu o amava tanto que
isso precisava ser dito em voz alta – eu te amo tanto!

Ele me deu um beijo intenso, devagar, profundo.

– Você me devolveu a vida… o que eu sinto por você é tão forte


que ainda não inventaram uma palavra para descrever.

Ri entre as lágrimas e Alex deitou-se comigo na cama de


conchinha segurando-me firme em seus braços, cantando Tennessee
Whiskey baixinho no meu ouvido. Pela primeira vez desde que mamãe
morreu eu não me sentia triste e desesperada, mesmo tendo me
lembrado daquele episódio hediondo. Eu ainda estava radiante, feliz…
nos braços de Alex, nada podia me machucar.
Depois que conversei com Alex no motel, acreditei que fosse ficar
mais fácil contar tudo o que precisava, mas a verdade era que eu
estava apavorada. A polícia pensava que eu havia matado Dona Lúcia
e o meu nome estava por todo o tráfico de drogas na minha fazenda.
Eu amava Alex e temia a sua reação, não poderia respirar se o
perdesse.

Tínhamos acabado de chegar em sua casa e Liberty pulava e latia


como se reclamasse que a deixamos sozinha por tanto tempo. Entrei
depressa, com medo de que alguém pudesse nos ver e fiz bastante
carinho nela. Era incrível como em tão pouco tempo essa casa tornara-
se um lar para mim.

– Que saudade eu estava, Liberty! Na próxima viagem você


também vai, ok? – eu disse sentada no chão da cozinha afagando seu
focinho quando escutei a porta bater com força.

Levantei-me depressa e corri atrás de Alex que pisava duro pelo


quintal.

– Ei! – chamei, mas ele não se virou – Alex, pare! O que


aconteceu?

– O quê? – ele veio de uma só vez em minha direção,


transtornado, seu rosto era um misto de raiva e dor.

O que poderia ter acontecido tão rápido? No caminho para casa


ele estava um sonho, segurando minha mão o tempo todo. Encolhi
instintivamente com o tom de sua voz, e ele abrandou um pouco a
expressão, mas muito pouco.
– Volte para dentro, Cecília, você sabe que é perigoso ficar aqui
fora, ainda é muito cedo.

– Não vou até você me falar o que aconteceu.

– Não aconteceu nada… preciso ir até à farmácia, não usamos


nenhuma proteção ontem.

Confusa e um tanto tímida abaixei a cabeça sem saber onde


colocar as mãos. Alex continuou estreitando os olhos, alguma coisa o
incomodava e muito.

– Aliás, qual é a sua idade?

– Fiz dezenove agora em março.

– Fuck… – disse baixinho, quase para ele mesmo

– Por quê?

– Mais um motivo para eu ir à farmácia, não posso fazer isso com


você... – virou as costas, indo em direção à sua caminhonete, mas
mudou de ideia e voltou, seu maxilar estava tensionado, a testa
formando um vinco. Respirando fundo pelo nariz, apontou um dedo
para – e o nome dela é Lily, ouviu bem?

– Mas, Alex… eu só a chamei de Liberty, por que comb…

– Não! – ele passou a mão tremendo nos cabelos – a palavra que


você está buscando é Freedom, Cecília. E em todo caso o nome da
cadela é Lily. Agora entre, vou comprar uma pílula do dia seguinte para
você.

– Sim senhor – respondi estreitando os olhos – tudo como o


senhor quiser.

O ouvi bufar, mas já havia dado as costas para ele, com medo de
desabar de chorar como uma tonta a qualquer minuto. Eu deveria ter
insistido no motivo da sua mudança de comportamento, era a segunda
vez que esse nome o incomodava. Entrei depressa em casa,
lembrando dos desenhos de criança que vi colados no teto,
imaginando se uma coisa poderia estar ligada à outra. Eu também não
sabia qual era a idade de Alex, mas chutava ser mais de trinta e
menos de trinta e cinco. Será que havia uma família esperando por ele
em algum lugar? E por que ele nunca falava dele mesmo? Não iria
mentir para mim mesma dizendo que esse pequeno episódio não me
magoou, mas apesar do tamanho, das armas e da cara de poucos
amigos, por dentro, Alex era um homem muito machucado e agora que
eu o encontrei, não o deixaria se afastar de mim.

Esse pensamento me manteve animada por algumas horas,


arrumei minhas coisas no bunker, brinquei com Lily, conversei com
minhas orquídeas e resolvi olhar uma receita de alguma coisa fácil e
gostosa na internet. Mamãe morreu antes de poder me ensinar alguns
truques, mas eu estava disposta a aprender. Pensei em começar pelo
básico e fazer um macarrão à bolonhesa. Levei o computador até à
cozinha e fiz exatamente como a senhorinha do vídeo ensinava. Cerca
de quarenta minutos depois meu macarrão estava pronto e eu
bastante orgulhosa. Procurei pela casa e achei uma toalha de mesa
bonita e algumas velas. Faria uma surpresa bem legal para Alex e
talvez dessa forma conseguíssemos conversar, era estranho saber
quem ele era, mas não conhecer nada de sua história.

Com Lily ao meu lado, arrumei a mesa, acendi as velas e esperei.


E então esperei mais um pouco… passou-se meia hora, e depois mais
meia. As velas queimaram até derreter e a comida esfriou.

No começo eu fiquei triste, duas horas depois eu estava furiosa e


às duas da manhã eu me encontrava completamente desesperada
imaginando todos os cenários trágicos possíveis. Eu ainda permanecia
colada à cadeira, abraçando meus joelhos no peito, quando Alex abriu
a porta da cozinha. O cheiro forte e adocicado do álcool foi a segunda
coisa que senti, a primeira foi um alívio imenso por ele estar bem.
Agradeci a Deus baixinho ao vê-lo fechar a porta atrás de si.

Ele estava diferente... Não cambaleava, nem nada do tipo, mas


alguma coisa estava diferente.
– Você ainda está aqui – disse ele observando a mesa arrumada,
como se fosse uma grande surpresa.

– Sempre vou estar aqui, você já deveria saber disso a essa


altura.

– Pensei que você estaria dormindo... e com raiva de mim.

Desviou os olhos virando-se de costas e pegou um copo de água,


demorando mais do que o necessário.

– Não disse que te amava da boca para fora, Alex. Eu não estou
com raiva, só confusa e preocupada. Não suma assim de novo, por
favor.

Sem responder nada, colocou o copo na minha frente e uma


cartela com um comprimido pequeno no meio.

– Olhe para mim – eu disse – o que aconteceu com você?

Ainda sem me encarar, balançou a cabeça e forçou um meio


sorriso.

– Não se preocupe comigo, menina eu sei me cuidar. Agora tome


isso.

– Alex, a gente tem que conversar….

– Agora não, Cecília... Tome esse remédio, preciso de um banho.

Olhei para a cartela à minha frente imaginando uma linda menina


de cabelos loiros e olhos quase cinzas correndo pelo do haras até
Caminho dos Girassóis, e uma enxurrada de imagens horríveis tomou
conta dos meus pensamentos. Vicente sorrindo, falando que adorava
ser avô, Serkan e seus homens armados até os dentes, sorrindo para
menina enquanto Alex bebia sem parar em algum bar esquecido na
cidade. Abri a cartela mais do que depressa e tomei a pílula. Meu
coração estava aos pulos ao pensar em um futuro tão sombrio. Essa
história não podia acabar assim, Alex me encontrar vindo de tão longe,
foi o destino agindo. Ele era o homem da minha vida, estava escrito
em algum lugar. Eu não o deixaria acabar com isso, mesmo que sem
querer. Não permitiria que ele se afastasse de mim.

O chuveiro da suíte estava ligado e, para minha sorte, Alex não


trancou a porta. Entrei sem fazer barulho e tirei a minha roupa devagar,
observando-o de costas para mim, com a mãos apoiadas na parede do
box parecendo atormentado. Meu peito doeu com a possibilidade de
eu tê-lo deixado assim, mesmo que sem querer. Se ele não
conversasse comigo eu não teria como saber o que evitar para não o
machucar ainda mais com o seu passado. Minha intuição dizia que
fazê-lo abrir seu coração seria a tarefa mais difícil de toda a minha
vida.

Deslizei a porta de vidro e entrei no chuveiro com ele, abraçando


sua cintura por trás. Seu corpo reagiu a mim na mesma hora,
contraindo, arrepiando... e ele segurou com força minha mão. Sem
desafazer o meu abraço eu disse:

– Eu confio em você, com todo o meu coração.

– Cecília… – rosnou apertando minha mão na sua.

– Confie em mim também. Eu quero cuidar de você.

Ele girou o corpo, colando sua boca na minha, prendi a respiração


para não entrar água no meu nariz enquanto Alex exigia meus lábios,
minha língua, minha entrega. Seu pau pulsou duro como uma rocha
em minha barriga e eu o acariciei da cabeça até a base sentindo meu
ventre se contrair de antecipação. No momento em que ele soltou a
minha boca, deslizei de seus braços, lambendo o seu pescoço, o tórax
molhado e, passando minha língua por cada músculo da sua barriga,
até chegar naquele “v” que me enlouqueceu desde a primeira vez que
o vi sem camisa.
Ergui a cabeça e ele estava com os olhos fechados, gemendo
baixinho e eu encharquei por ser a responsável pelo seu prazer.
Ajoelhei-me no chão do box e lambi a cabeça do pau gemendo
baixinho também. Não sabia que dava para sentir tanto prazer nesse
ato. Respirei fundo concentrando no homem à minha frente,
expulsando todas as lembranças que isso poderia me trazer e o chupei
com vontade. Lambi meus lábios e o coloquei na minha boca sem
pressa, do meu jeito. Ele não me apressou, não me sufocou, apenas
se recostou na parede e gemeu meu nome, acariciando meus cabelos.
Suguei seu comprimento, me sentindo no céu. Cada chupada que eu
dava, uma lembrança ruim morria, substituída pela sua pele, sua voz,
seu cheiro. E era isso que eu queria fazer por ele…

Levantei-me do chão com o corpo todo formigando de prazer e


agonia, que eu estava pronta para ignorar, confiando em suas
palavras.

...existem infinitas maneiras de sentir prazer, e se você deixar vou


te mostrar cada uma delas…

Fiquei nas pontas dos pés e sussurrei no seu ouvido.

– Me deixe entrar, Alex. Não tente me afastar de você, porque


nunca vai funcionar. Eu não vou a lugar nenhum.

Agarrando meus cabelos pela nuca ele mordeu o meu pescoço e


disse entredentes.

– Não sei como fazer isso, Cecília. Agora que eu te achei eu não
quero te perder… mas é tarde demais para m...

Calei sua boca com um beijo, agarrando seu corpo o máximo que
consegui.

– Não fale assim, nós vamos descobrir juntos, lembra?

Sem aviso ele pegou no colo e soltei um grito. Abri minhas pernas
em sua cintura e ele posicionou seu pau na minha entrada. Fizemos
amor assim, com a água caindo sobre nossos corpos e os lábios
grudados um no outro. Ele me encostou na parede enfiando o seu
membro até o fundo com arremetidas firmes, deliciosas. Não tive
vergonha, gemi o seu nome a cada estocada me sentindo cada vez
mais dele, nada poderia nos separar, muito menos ele mesmo.

– Eu amo você – arfei

– Repete, loirinha.

– Eu amo você… eu amo você – eu disse várias vezes, nos


intervalos dos meus beijos, até que me soltou de repente gemendo:

– Eu vou gozar…

Ele se masturbou na minha frente e eu pensei que fosse morrer de


tanto tesão que senti. Deixei o instinto me guiar e ajoelhei de novo
olhando nos seus olhos.

– Goza na minha boca, por favor.

Ele apertou meus cabelos grunhindo palavras em inglês e tremeu


o corpo todo enfiando o pau na minha boca. Gemi enquanto eu engolia
seu sêmen sentindo uma felicidade incrível por conseguir ter tanto
prazer com o ato.

Mais calmos, terminamos de tomar banho, juntos, venerando o


corpo um do outro. Nos secamos, e fomos para cama, ele ainda estava
diferente, sem a postura agressiva de quando chegou, mas bem mais
fechado que o normal. Eu estava perdendo a coragem aos poucos,
quando ele quebrou o silêncio primeiro, praticamente subindo em cima
de mim.

– O que você quer que eu faça, loirinha?

– Como assim? Não entendi.

– Você ainda não gozou, o que você quer? – perguntou dando um


sorriso muito sexy.

Ele iria evitar conversar de todas as formas.


– Alex, nós precisamos conversar...

Ele me deu um beijo muito gostoso que me fez tremer inteira.

– Não, a minha menina precisa gozar para mim e dormir satisfeita,


agora me fala como você quer? Na minha boca, no meu pau, na minha
mão?

– Misericórdia…. Alex – eu disse ofegando enquanto ele beijava


meus seios – tem coisas que eu preciso te contar.

– Me conta depois, olha como sua bocetinha está inchadinha de


tesão, eu quero você tremendo todinha pra mim, meu amor. – Ele
disse massageando meu clitóris.

– Mas… ai Deus, não para não...

Ele mordeu de leve o meu mamilo enquanto enfiava dois dedos


dentro de mim sem parar de massagear o meu clitóris… o prazer foi
tão intenso que eu esqueci do que queria falar, nada daquilo pareceu
ter mais importância.

Eu sabia estar adiando o inevitável, a tal da conversa séria teria


que acontecer, nós precisávamos decidir o que fazer, e enfrentar a
realidade dos nossos passados para termos algum futuro. E eu
também sabia que Cecília e eu não tínhamos futuro. Assim que ela
soubesse de toda a verdade sobre mim, iria embora. Beijei sua boca
com mais intensidade que eu podia expressar em um beijo. Pelo
menos essa noite, eu iria viver com ela nessa bolha onde tudo era
possível e deixaria para enfrentar a realidade no dia seguinte. Amei
seu corpo de todas as formas que eu podia e, mesmo com a realidade
batendo em minha cara por todos os seus orgasmos virem por conta
de uma mordida, um puxão de cabelo ou um tapa, eu faria tudo de
novo. Exauri as suas forças fazendo-a gozar seguidas vezes.

Eu sabia como minha menina era por trás de toda aquela


hesitação e submissão. Ela não ia desistir de fazer com que eu me
abrisse e se tinha uma pessoa que conseguiria apertar os botões
certos e fazer com que eu contasse o que aconteceu no México no dia
que eu morri, era ela.

– Alex… – chamou com a voz embolada de sono.

– Sim, loirinha, o que você quer?

– Quero você por inteiro – disse com os olhos se fechando.

Eu entendi muito bem o que ela quis dizer com isso, eu também a
queria por inteiro, mas a verdade era que não existia nada que ela
pudesse fazer que me afastaria, e mesmo eu acreditando em seu amor
por mim, a realidade era mais forte que ele.

Deitei-me atrás dela, colocando sua cabeça no meu peito, o


quarto rodava, tomei muito mais doses whisky do que consegui contar.
Não deveria dormir ao lado de Cecília, meus pesadelos eram
constantes e perigosos, mas antes que eu criasse coragem para me
separar do melhor cheiro do mundo, adormeci.
Acordei assustado, sem saber direito onde estava, parecia que
tinha passado apenas alguns minutos, mas lá fora já era dia. Sorri
involuntariamente ao sentir a cabeleira loira no meu rosto e lembrei na
hora da música que tocou no carro indo para a praia, do homem que
preferia acordar ao lado da mulher que amava. Eu o entendia muito
bem, esse, com toda a certeza, era o momento mais feliz da minha
vida em mais de seis anos e eu estava apavorado. Cecília tinha razão,
nós precisávamos conversar. De nada adiantava fugir, o amor era um
salto de fé e eu tinha que pular de olhos fechados. Não havia um plano
B aqui.

Acariciei os seus cabelos e saí da cama pensando em preparar


um café da manhã daqueles, pois a conversa seria difícil. Peguei o
meu isqueiro que tinha ficado no bolso da calça no banheiro, mas ele
não acendeu. Lembrei que na gaveta da mesa de cabeceira tinha
fluido de isqueiro e assim que a abri dei de cara com o pen drive.
Minha mão tremeu ao pegá-lo lembrando das palavras da mulher de
cabelos pretos.

Cuidado quando for assistir, é forte. Não sei se vale como prova
na justiça…

Eu não sabia se queria assistir, tinha um pressentimento horrível


do que isso poderia ser, já não bastava o vívido relato que Cecília me
deu do dia da morte de sua mãe. O esforço que fiz para não quebrar o
quarto do motel inteiro foi sobre-humano. No entanto, acordei com uma
decisão em mente, era hora de parar de fugir da realidade e começar a
agir se eu quisesse pelo menos ter uma chance de um futuro com a
minha loirinha.

Peguei o pen drive, fui até a sala e liguei a televisão.


Não sabia se eu tomava um café ou abria outra garrada de whisky
antes de ver o conteúdo do pen drive, na dúvida achei melhor estar
sóbrio para enfrentar o que fosse. Pelas experiências que tive
liberando escravas de donos de cartéis no México, e pelo pouco que
Cecília contou, eu tinha uma boa ideia do que me esperava.

Fiz o café mais forte da minha vida, sentei-me na frente da


televisão e apertei o play. Minhas mãos tremiam tanto que desisti de
segurar a xícara e a coloquei no chão, já que destruí minha mesinha
de centro na manhã que Cecília chegou. A televisão tremeu e a mulher
dos cabelos pretos apareceu na tela, sentada em uma cadeira.

– Meu nome é Maria Rita Novaes – disse pegando um jornal e


posicionando-o na frente da câmera, mostrando a data – não sei se
isso vai valer de prova, mas tenho esperanças que um dia o mundo
veja o que acontece nessa casa.

A imagem ficou preta e, quando voltou, outro cômodo surgiu na


tela, parecia uma sala de jantar. Em cena via-se nitidamente o
delegado, o juiz, o prefeito e um homem estrangeiro com uma cicatriz
no rosto, bebendo, rindo e conversando.

– Bartolomeu precisa agilizar as permissões para a construção e


reforma da fazenda – o estrangeiro dizia – quanto antes esse galpão
ficar pronto, melhor. Precisamos de câmaras frias, heroína não pode
ser armazenada de qualquer jeito.

– Wagner – meu sangue ferveu ao ouvir o delegado falar para o


prefeito– quero essa tal de cooperativa de exportação de flor fechada,
as velhas corocas vieram na minha porta ontem pedir para participar.
Arrume uma brecha, mas acabe com isso, eu te falei que ia dar merda
essa faculdade.

– Queria muito ter visto sua cara falando com as senhorinhas da


cooperativa, bando de mocreia chata da porra – o prefeito disse.

– Vou acabar matando uma se você não resolver isso.

– Você vai mesmo fazer a empresa laranja no nome da menina? –


o estrangeiro perguntou, mudando de assunto.

– Claro… – o delegado respondeu

– Tem certeza? E se ela der com a língua nos dentes? – o prefeito


interrompeu.

O delegado gargalhou tomando a bebida de uma só vez.

– Minha Cecília nunca vai se voltar contra mim, nosso


relacionamento é sólido e ela está nas minhas mãos, sabe muito bem
o que é melhor para ela.

Seguiu-se um silêncio constrangedor por alguns segundos até que


o juiz bufou, visivelmente contrariado.

– Então eu tenho que colocá-la como legalmente capaz


novamente, você pediu a curatela da menina e agora eu vou ter que
desfazer, tem um limite do que eu posso fazer por vocês.

– O limite é o quanto você ama aquele inútil do seu filho,


Bartolomeu, você sabe muito bem a bomba que tenho nas mãos…,
mas não precisa, logo vou me casar com ela e a metade dessa
fazenda será minha de qualquer forma...

A fala do delegado foi interrompida e a tela ficou preta.

Tomei um gole do café fazendo uma careta por estar tão frio. Senti
um alívio enorme pelo teor do vídeo não ser o que imaginei, mas
infelizmente comemorei cedo demais. O juiz Bartolomeu apareceu
sentado sozinho à mesa, era outro dia, estava vestido com roupas
diferentes. O delegado surgiu segundos depois, arrastando minha
menina pelos cabelos e a jogou numa cadeira de qualquer jeito, com
bastante brutalidade. Ela lutava para respirar. O imbecil covarde do juiz
apenas olhou para baixo.

Acreditei que estivesse preparado para vê-la nessa situação, mas


eu claramente não estava. Os dois homens conversavam, mas não
prestei atenção, de tão focado que estava na expressão de pânico e
desespero estampada no rosto de Cecília.

O delegado esperou o juiz se retirar e arrancou as roupas da


menina com um brilho sádico nos olhos, ela era minúscula perto dele e
era nítido que estava vivenciando um ataque de pânico. A sensação
que tive ao vê-la tão desprotegida, quando ele abriu as suas pernas e
a mordeu, foi a de levar um tiro no peito. Cada junta do meu corpo
doeu, tamanho foi o ódio que correu em minhas veias. Foi exatamente
dessa forma, por um vídeo, que assisti Mollie ser violentada diversas
vezes, na frente das minhas filhas, sem poder fazer nada. De longe,
mas muito de longe, ouvi a voz de Cecília de dentro da televisão,
gritando de dor.

Por favor, eu te amo Vicente, não faz mais isso comigo.

Papai! Por que a mamãe não respira?

Eu não sabia mais quais gritos eram reais, se os de Cecília ou das


crianças, quando me dei conta que quem estava gritando era eu. Gritei
enlouquecido naquela sala, arrancando a televisão, jogando-a do outro
lado da parede, derrubei o painel e quebrei tudo o que poderia ser
quebrado no cômodo, mas a voz de Cecília ainda ecoava dentro de
mim…

– Alex, meu amor, pelo amor de Deus, o que está acontecendo?


Você está me assustando.

– Deus?! – vociferei para o nada, nem reparei que Cecília


realmente estava na sala – não fala o nome desse filho da puta perto
de mim, que tipo de Deus permite uma coisa dessas?
Ela se encolheu com as mãos no ouvido, mas eu não conseguia
mais parar, eu tinha que matar aquele estuprador desgraçado agora ou
explodiria. Fui até meu bunker, com todas as vozes me pedindo
socorro ao mesmo tempo, animadas por eu finalmente estar pronto
para fazer justiça. Peguei duas pistolas automáticas, uma faca de
caçador e muita munição.

Cecília entrou desesperada na minha frente.

– Alex, fala comigo, por favor…

– Não dá mais para esperar... Eu deveria ter feito isso no dia que
você tentou se afogar na Queda da Viúva. Poderia ter salvado você e a
professora… – Acariciei seu rosto e fui até a cozinha em poucos
passos.

Ela correu atrás de mim e eu abri a porta.

– ALEX, ESPERA! – Gritou. Parei sem olhar para trás. – ter feito
isso o quê?

Virei a cabeça para ela.

– Matado aquele estuprador de merda, Cecília. – Meu coração


batia tão rápido que eu o sentia pelo corpo todo. As palavras “por
favor, eu te amo, Vicente, não faz mais isso comigo” martelavam sem
parar em mim, pisando e corroendo qualquer sentimento nobre que eu
ainda pudesse ter.

– Não, você não vai! Não é matando ninguém que você vai me
salvar de alguma coisa... – Ela correu e me abraçou.

– Por que eu não iria? – a interrompi tirando suas mãos da minha


cintura – Por que você ainda quer proteger esse homem?

– EU QUERO PROTEGER VOCÊ! – ela gritou, descontrolada,


gesticulando muito.

– Não preciso que você me proteja, sei me virar muito bem. O que
eu realmente preciso é que você volte para dentro daquela casa e me
espere.

– Não! – a sua voz hesitou, mas ergueu o queixo tentando fazer


uma expressão insolente.

Andei até ela, forçando-a a olhar para cima e disse, incisivo:

– É uma ordem, Cecília. Entre na porra dessa casa agora e


tranque a porta.

O ar saiu tremendo do seu peito, mas não desviou os olhos dos


meus.

– Não recebo ordens de mais ninguém. Sou livre, esqueceu?


Palavras suas. E você não vai sair desse jeito para ser preso.

Eu não conseguia parar de tremer, Cecília tentava parecer forte,


mas o pânico estava estampado no seu rosto. Uma parte de mim,
queria recuar, pensar nas consequências do que eu estava prestes a
fazer, abraçá-la com força e nunca mais soltar. No entanto, a outra
parte que queria apertar lentamente o pescoço daquele bastardo
estuprador e vê-lo sufocar até morrer já havia ganhado a luta.

– Pode chegar qualquer pessoa aqui, volte para dentro. – Insisti


entredentes.

Ela apenas deu de ombros.

– Que chegue, é bom que iremos os dois para cadeia. Eu disse


que estaria sempre com você e pretendo cumprir minha palavra, se é
levar nós dois para atrás das grades que você quer, que seja.

Passei a mão no rosto, exasperado, ela estava morrendo de


medo, mas não cedeu um milímetro e, como se fosse invocado por
uma energia divina, Raul apareceu do nada no haras, parando
chocado na porta da minha cozinha.

– Minha Nossa Senhora do Carmo! A noiva do delegado!


Cecília deu um passo para trás tentando se esconder atrás de
mim, mas o imbecil do Raul pegou no braço dela mais rápido do que
eu pude intervir.

– O que você está fazendo com meu amigo? A cidade toda


gostava da professora Lúcia…

Não consegui mais me controlar, não me importava com nenhuma


consequência, a única coisa que vi foi o olhar de medo de Cecília
envolto em uma névoa vermelha de ódio e em segundos, Raul estava
no chão, com meu pé em seu pescoço.

– Tira essa mão imunda dela agora, porra!

–ALEX! – Cecília gritou e eu forcei ainda mais o pé, se eu o


girasse quebraria o pescoço de Raul sem dificuldade. Ela respirou
fundo e quando voltou a falar, havia abrandado o tom de voz – volta
para mim… não sei o que desencadeou isso, mas conversa comigo
antes de agir. Olha para o seu amigo, você está machucando o seu
amigo! Não faz assim. Esse homem violento e descontrolado não é
você.

Bufei pela ironia, minha vida se baseava em violência desde os


meus dezenove anos.

– Você não sabe de nada, criança – eu disse já me arrependendo


e ela deu um passo para trás tão magoada como se tivesse levado um
tapa.

Meu peito doeu ao ver aquela expressão em seu rosto a ponto de


eu querer esfregá-lo, soltei meu pé do pescoço de Raul que tossiu
descontrolado e, gritando, descarreguei minha arma para cima. Eu não
podia ficar mais aqui, só iria piorar, não podia descontar meu ódio em
Cecília nem em Raul, não eram eles que mereciam. Prometi que ela
nunca veria esse meu lado, mas agora era tarde. Foda-se! Vivo aquele
merda não ficava mais um dia. Sem me desculpar e sem olhar para
trás fui em direção à minha caminhonete.
– Não fica parado aí – Cecília disse para Raul – não deixa ele
fazer uma besteira, outra hora você me entrega para polícia, vai…
anda!

Ainda tossindo, Raul correu e entrou na caminhonete antes que


eu trancasse as portas, Cecília ainda tentou me convencer mais uma
vez. Eu entendia o medo dela, mas aquele homem não merecia mais
um segundo de vida. Ignorei sua voz, não olhei em sua direção para
não mudar de ideia e, saí com Raul ao meu lado, com os olhos
arregalados ainda mais branco do que já era, ele com certeza não
conseguiria me impedir. Não me importava mais se fosse preso ou se
Cecília não iria me perdoar, o tempo de autopunição e sofrimento havia
acabado, pisei no acelerador disposto a fazer o que não pude há cinco
anos. Levar para o inferno os responsáveis por todo aquele sofrimento.

Olhei a caminhonete sumir pelos portões do haras, desolada.


Acordei com o coração na boca pelo barulho que vinha da sala e,
quando cheguei para ver o que acontecia, a cena era ainda pior que
imaginei. Alex parecia uma animal preso em uma jaula, destruindo
tudo ao seu alcance. Sempre senti dentro de mim que ele nunca me
faria mal, mesmo assim, tive muito, muito medo dele essa manhã. Ele
rugia quebrando tudo o que via pela frente, transtornado. Tive que
gritar muito para que sequer notasse a minha presença.

Pensei arrependida em não ter insistido mais para conversamos


ontem à noite, enquanto voltava para dentro da casa. Algo de muito
grave aconteceu no passado e estava vindo à tona. Os cavalos
relincharam muito das baias, tirando-me dos pensamentos, Alex dera
pelo menos uns quatro tiros para cima, tadinhos dos bichinhos, eles
deviam estar mais assustados do que eu.

Trigger, Imperatriz e Jandira estavam bastante nervosos, Lily que


praticamente não saía do meu lado, sumiu na confusão,
provavelmente se escondeu assustada em algum canto da
propriedade. Eu definitivamente não cederia mais, de um jeito ou de
outro, nós iriamos conversar e expor todas as nossas feridas, até que
elas não doessem mais, não podíamos mais viver assim, com o
passado controlando nossos sentimentos e ações. Alex precisava de
ajuda mas eu não sabia o que fazer.

– Ah potrinho, a gente nem te deu um nome né? Se você


soubesse como meu coração está doendo!

Ele relinchou e voltou para debaixo de Jandira que não gostou


nem um pouco da minha presença perto do filhote dela. Queria ficar
mais tempo nas baias para organizar meus pensamentos e decidir o
que fazer. Eu me sentia melhor perto deles, iria morrer de aflição até
ter alguma notícia de Alex e pedi baixinho a Deus que iluminasse o
seu discernimento enquanto me levantava para voltar para dentro da
casa.

– Então é aqui que você estava escondida! Brincando de casinha


com o cowboy, que gracinha! – a voz medonha de Serkan soou nos
meus ouvidos e eu tentei correr sem nem mesmo olhar em sua
direção.

Não fui muito longe, ele me alcançou com facilidade, puxando


meu braço com força. Rita estava ao seu lado, com o rosto muito
machucado, chorando muito.

– Eu juro que não te entreguei, mas eles ouviram os tiros…

– Vai dar tudo certo, Rita, não chore – eu disse tremendo tanto por
dentro que me surpreendi por não gaguejar, sempre tive pavor de
Serkan, desde a primeira vez que o vi. – Me solte, o que você quer
comigo? Não está satisfeito de ter roubado minha fazenda?
– Garota, não teste minha paciência. Eu sou um tipo de animal
bem diferente do idiota do seu noivo, muito mais civilizado e paciente,
mas não se engane comigo. Venha, vamos voltar para casa.

– Sim! Vocês são todos animais e eu não vou a lugar nenhum com
você…

Ele apenas sorriu revirando os olhos, fazendo a cicatriz em seu


rosto crescer de tamanho, me colocou no ombro como se eu fosse um
saco de batatas e andou até Caminho dos Girassóis com Rita de
cabeça baixa atrás da gente. Gritei como louca, socando suas costas,
mas as únicas pessoas que poderiam nos ouvir eram os seus
capangas do lado de lá da cerca.
Sem se importar com meus pedidos de socorro, Serkan me
carregou em seus ombros até a fazenda e, como sempre acontecia
quando eu entrava naquele lugar, meu peito pesou e meu estômago se
contorceu de pavor.

– Não, não, não! – chorei desesperada, era como estar em um


filme de terror – o que você quer de mim?

Ele continuou me ignorando até chegarmos no meu antigo quarto.


A casa estava diferente, bagunçada e com homens armados por todo
lado, Serkan me colocou no chão e varreu meu corpo com os olhos,
aumentando o meu pânico. Descalça, eu vestia apenas uma camisola
rosa clara de renda com um robe por cima da mesma cor, o que não
me ajudava em nada. Os seus olhos não saiam dos meus seios que
estavam arrepiados de tanto medo que eu sentia. Ao invés de me
tampar e chorar, pedindo desculpas antecipadas por existir como
sempre fazia, tomei coragem e disse, levantando o queixo:

– Não sei o que você quer comigo, mas isso que você está
pensando nunca vai acontecer. Você não faz ideia do que Vicente
pode fazer se…

Ele gargalhou enquanto me empurrava mais para dentro do quarto


e fechava a porta atrás de si. Gelei por dentro.

– Eu deveria ter mais medo de você do que dele. Vi muito bem


como enfiou sem hesitação aquela faca no pescoço do idiota.

Como ele viu? Devo ter feito uma expressão de dúvida muito forte
porque ele praticamente leu meus pensamentos.
– As câmeras filmaram tudo, você me deu muito prejuízo aquele
dia. Tivemos que tirar as drogas às pressas do galpão e desabilitar
todas as câmeras da fazenda para a polícia não desconfiar de nada.
Vicente era um filho da puta paranoico, ainda não sei em quais
policiais eu posso confiar.

Por que ele estava me contando tudo aquilo? No entanto, de tudo o


que ele disse só uma única coisa realmente me chamou a atenção:

– Era? – meu coração bateu forte e esperançoso, esquecendo por


um momento o medo por estar sendo sequestrada.

– Praticamente, sim. Não ficou sabendo que ele foi desenganado


pelos médicos? Você é quase uma de nós agora.

– Do que você está falando? Como uma de vocês?

– Uma de nós, do lado de cá das pessoas que já tiraram uma vida.


– disse ele abrindo um sorriso de orelha a orelha, como se estivesse
orgulhoso.

Revirei os olhos tentando não demonstrar o pânico que crescia


dentro de mim. Serkan era frio, muito frio, sua expressão era de
alguém que não estava acostumado a sentir nenhum tipo de emoção,
ele andou perigosamente em minha direção, invadindo meu espaço
pessoal. Faltou muito pouco para que eu entrasse no modo de
complacência que aprendi a usar como defesa para apanhar menos de
Vicente. Mas, de alguma forma, eu não me sentia mais aquela Cecília.

– Você deve querer alguma coisa comigo além de me estuprar, não


acredito que teve todo esse trabalho só para isso.

Ele ainda deu ainda mais um passo, pude sentir seu cheiro e meu
estômago embrulhou.

– Vicente era mesmo um idiota, você é uma garotinha cheia de


surpresas. Como eu te disse, sou um tipo diferente de animal, não
preciso estuprar uma garota para levá-la até a minha cama, elas
geralmente imploram.
Bufei sem querer revirando os olhos mais uma vez e me
arrependendo na mesma hora. Serkan não me enganava, se ele fosse
mesmo tão diferente de Vicente quanto dizia, eu apostava que ele era
muito pior.

– Tudo em seu tempo, agora eu só preciso que você assine alguns


papéis, mude de roupa e me acompanhe até o porto. Já levei prejuízo
demais por sua causa. Depois veremos um jeito de você me pagar o
que me deve.

– Te devo? Não viaja!

Ele apertou meu braço com muita força, me trazendo para muito
perto e falou quase no meu ouvido.

– Tenho toneladas de drogas estragando porque você resolveu


brincar de casinha com o cowboy americano, foram doze dias te
procurando e doze dias sem conseguir fazer uma mísera
movimentação. Então sim, você me deve, muito, e vai me pagar por
bem ou por mal!

Ele soltou meu braço com tanta força que caí no chão. Nos últimos
seis anos, esses foram os únicos doze dias que tive uma vida. Pensei
na quantidade de homens armados que havia na fazenda e no
descontrole de Alex naquela manhã. Se ele imaginasse que eu
pudesse estar ali tentaria me resgatar e acabaria morrendo. Eu não
poderia viver em um mundo sem ele e não aguentaria mais viver
subjugada, espancada e sem vontades. Eu não me arrependia de
nada, só gostaria de ter tido mais tempo para que Alex se sentisse
amado por mim. Enxuguei minhas lágrimas, decidida a provocar
Serkan em um nível que ele não tivesse outra opção a não ser me
matar. Então a primeira coisa que fiz foi rir. Ri bem alto e ainda do chão
o encarei nos olhos.

– Eu não te devo nada! Não fizemos acordo algum, você está


desrespeitando o lar que foi dos meus pais, e eu só quero que você
morra e suas drogas estraguem.
Surpreendendo-me Serkan abandonou o olhar irado e passou as
mãos nos cabelos parecendo muito cansado:

– Garotinha… – suspirou – eu disse a você uma vez que não te


trataria da mesma maneira que o idiota, lembra? Percebi um brilho
diferente nos seus olhos, desde a primeira vez que correu de mim
daquela estufa. Agora eu realmente preciso que pare de me desafiar,
troque de roupa e me faça parar de perder dinheiro. Nunca te quis
nesse negócio, mas se continuar batendo o pé como uma criança eu
vou te destruir, seus olhos nunca mais vão brilhar quando eu acabar
com você. Seja mais esperta que isso e colabore comigo. É a sua
única saída.

Ainda rindo pensei que a minha única saída desse inferno era
morrer e encontrar meus pais. Por um breve segundo, Alex invadiu
meus pensamentos. Meu coração quebrou-se em mil pedaços ao
imaginar que ele talvez se sentisse da mesma maneira: eu morreria
por ele, mas não viveria sem ele. E então, como uma onda gigante que
se forma lentamente em alto mar, uma raiva muito grande se apossou
de mim. Por que essas pessoas não podiam simplesmente me deixar
em paz? Eu queria ser forte para impedi-los, parar de chorar e tremer
de medo o tempo todo.

– Você ficaria surpreso do quão tolerante à dor eu posso ser – eu


disse com um gosto amargo na boca, a injustiça de toda essa situação
estava me enlouquecendo.

Praguejando em uma língua estranha, Serkan me levantou do chão


pelos cabelos e colou sua boca no meu ouvido.

– Não, menina idiota, você não é. Existem muitas maneiras de


machucar e eu acredito que sei exatamente qual delas vai te deixar
bem boazinha para mim.

Bile subia até minha garganta enquanto meu peito se contorceu


sem ar. Eu havia realmente aprendido a aceitar o meu destino, mas
esse não era ele. Meu verdadeiro destino era ser livre para escolher o
homem que eu amava, e não ficar à mercê de bandidos sem
escrúpulos, que não se importavam com o rastro de destruição que
deixavam.

Infelizmente para mim, Serkan era pelo menos cem vezes mais
forte do que eu, e me arrastou pelos cabelos com bastante força. Com
minhas mãos livres, num ímpeto de ousadia com inconsequência,
esperei que ele se distraísse abrindo a porta do quarto, peguei sua
arma da cintura e apontei para ele. Imediatamente os homens ao
nosso redor sacaram as suas armas em minha direção. Serkan
levantou uma das mãos ordenando que as abaixassem, e a cada
segundo que passava, eu perdia a coragem. Além de não saber como
atirar com aquilo, descobri ser muito diferente, desejar com toda força
do meu coração, a morte de alguém e tê-lo sob minha mira. Por mais
ódio que eu sentisse, descobri que não conseguiria matá-lo. E o filho
da puta desgraçado parecia saber disso, pois me olhava fascinado,
sem nenhuma gota de medo em seu semblante.

Comecei a chorar, sabendo que essa bravata toda não adiantaria


de nada.

– Eu só quero a minha vida de volta!

– Eu disse para o seu noivo uma vez e vou repetir para você – sua
voz era cortante, fria, o fascínio tinha passado – não aponte essa arma
para mim se não for atirar.

Ele se aproximou, implacável, sem se importar com a arma


apontada diretamente para o seu peito e a arrancou com um forte
puxão. Respirando com força pelo nariz, virou de costas para mim,
passando as mãos nos cabelos, ele parecia em conflito com alguma
coisa e, quando sem qualquer aviso me deu tapa com as costas da
mão, fazendo com que sangue escorresse da minha boca, entendi
qual lado do conflito havia ganhado.

Com ódio corroendo o meu peito, cobri meus lábios que sangravam
muito e o encarei, decidida a não deixar que ele me vencesse. Serkan
acariciou os meus cabelos e eu me desvencilhei batendo em sua mão.
Ele os agarrou com toda força até que eu gritasse de dor.
– Pare de lutar contra o inevitável, garotinha, em menos de meia
hora você vai assinar os papéis que eu preciso e iremos até aquele
porto, quero você bem boazinha sem fazer escândalo no caminho. Por
que não evita uma quantidade enorme de dor? Eu realmente não
quero ter que te machucar.

Com lágrimas escorrendo pelo rosto pelo aperto em minha nuca,


consegui falar com a voz tremendo:

– Isso é o máximo que você consegue fazer?

Ele me olhou com o que eu interpretei como pena e resignação.

– Não e você sabe disso.

Sem soltar os meus cabelos, ele me arrastou pelas escadas e meu


estômago embrulhou ainda mais. Desolada pensei no quanto Vicente
conseguiu arruinar todas as minhas boas lembranças de infância. A
única coisa que essa casa me evocava agora era dor e medo.

– Vou te mostrar em primeira mão o máximo que consigo fazer,


Cecília. E você vai me contar se prefere isso ou colaborar comigo.

Ele abriu a porta do quarto. Rita estava lá dentro, com as mãos


amarradas, trêmula, seu pavor era evidente e me contagiou no mesmo
instante, ali eu soube que cederia. Eu não seria responsável pela
tortura de uma pessoa inocente.

– Tem certeza que essa caminhonete aguenta o tanto que você


está pisando no acelerador? – Raul perguntou.
– Cala boca ou abro a porta e te jogo para fora.

– Você é insano! Para que eu fui voltar na sua casa?

Soltei um grunhido, a voz de Raul me irritou ainda mais, mesmo


assim, ele continuou falando sem parar.

– Você pode ser louco, mas você não é mau. Sei que não vai me
jogar de um carro a mais de 100km/h e não vai matar um homem
indefeso.

O quê?! Freei o carro no acostamento e Raul só não voou pelo


para-brisa porque usava o cinto de segurança.

– Indefeso?! E eu que estou louco? Aquele pedaço de merda


aterrorizava Cecília desde criança, indefesa era ela.

– Mas…

– Você quer detalhes do que ele fazia?

– Por Deus! Não!

– Então desce da porra do meu carro.

– Não…

– Agora, caralho!

– Não vou descer! – disse Raul. Recostei a testa no volante e ele


continuou – você precisa de ajuda há muito tempo, e não sei o que
aconteceu entre você e essa moça, mas ela te fez ir de uma pessoa
que não se importava com ninguém, a um homem que quebraria o
meu pescoço só porque encostei nela…

Olhei para o lado e ele esfregou o pescoço fazendo uma careta,


meu estômago deu uma pontada de culpa.

– … se não quer me escutar, escute a moça! Ela disse que você


não é violento e descontrolado e eu concordo. Eu te conheço há anos,
sei do seu trabalho com as crianças… volte lá na sua casa e converse
com ela.

– O que eu vou falar? Que poderia tê-la tirado daquela casa meses
antes e não fiz porque estava bêbado demais para pegar em uma
arma? Ela não deveria olhar para minha cara nunca mais.

– Por que você acredita que precisa resolver tudo com armas?
Misericórdia!

Eu estava cansado demais para brigar com Raul.

– O que você sugere que eu faça com essa corja, leve flores e
chocolates?

– Por favor, eu sei que é um conceito muito estranho para você,


Alex, mas use palavras e se comunique comigo, o que realmente
aconteceu?

Surpreendendo a nós dois, acabei falando. Contei tudo desde o dia


que conheci Cecília no haras, passando por quando ela apareceu
coberta de sangue em minha casa, até o que vi no maldito pen drive.

– Alice! – foi sua única resposta.

Olhei confuso para ele que me respondeu com uma animação


irritante.

– Alice, a mãe do seu aluno Geovane, lembra dela?

Concordei com a cabeça e ele continuou

– Então! Ela é advogada, trabalhava em um escritório chique de


Vitória. Com certeza vai saber o que fazer, já que denunciar na
delegacia de Santa Maria é impossível.

– Como você sabe isso?

– Como você não sabe? Alice contou várias vezes para gente que
veio para Santa Maria por causa do filho, e você estava perto que eu
lembro.

Pisei no acelerador e virei o carro de uma só vez fazendo os pneus


cantarem no asfalto.

– Ei, você tem vontade de morrer, mas eu não tenho! O que foi
dessa vez?

Respirei fundo ainda tentando me acalmar, meu peito doía para


caralho. Eu não queria conversar com Raul, mas ele tinha razão.
Todos os doentes pervertidos de merda de Santa Maria tinham que
pagar pelo que fizeram e eu não daria mais munição a eles entrando
como um maluco enfurecido no hospital. Minha prioridade era a
segurança de Cecilia e eu a deixei sozinha e aterrorizada em casa. Eu
mesmo me sentia como uma bomba relógio e pelo bem da minha
loirinha eu colocaria minha cabeça no lugar.

– Aconteceu, Raul, que você pode ter razão.

– Não! Não acredito! – ele disse com um tom divertido, pegando o


celular do bolso – você não vai dizer isso assim, preciso de provas.

– Que merda você está fazendo, cara…

– Hoje é dia 21 de julho, são exatamente 10:22h da manhã e


Alexander Lion disse que eu Raul Barone, tenho razão, que isso fique
registrado para posteridade.

– Pare de se comportar como uma criança, eu disse que talvez


você tenha razão, Cecília e eu precisamos conversar, formar um plano
e ir embora dessa cidade desgraçada.

Eu não podia cometer os mesmos erros novamente se quisesse ter


uma chance com Cecília. Não podia agir de maneira impulsiva. A
viagem de volta foi mais tranquila, eu não tinha ido tão longe. Assim
que consegui me acalmar um pouco percebi a loucura do que eu
estava prestes a fazer. Pelas últimas notícias que consegui obter sobre
a saúde do delegado, ele estava realmente desenganado, respirando
por aparelhos. Não foi difícil invadir o banco de dados o hospital de
Vitória. Que viva como um vegetal pelo resto dos dias, pensei. Ainda
era pouco, perto do que ele merecia, mas já era alguma coisa, bem
melhor que a cela especial que o colocariam na cadeia. O sistema de
justiça do Brasil não cansava de me chocar, colocar um torturador
pedófilo em uma cela especial com privilégios, estava além da minha
compreensão. Meu coração bateu mais rápido quando chegamos na
porteira do haras; será que Cecília me perdoaria depois de hoje?
Como eu conseguiria explicar esse meu lado estragado, sem contar o
que aconteceu há cinco anos? Soltei um grunhido involuntário
chamando a atenção de Raul que estava surpreendentemente quieto.

– Vou ligar para Alice, ver se ela faz esse tipo de coisa. Conte
comigo para colocar esses corruptos na cadeia, Alex. Vamos fazer a
coisa certa, sem precisar sujar as nossas mãos de sangue como as
deles.

Raul e Cecília eram muito ingênuos, mas não estavam errados,


pensei enquanto o observei descer animado do carro pegando o
celular. Se eu quisesse começar uma vida nova e limpa, precisaria
mesmo jogar fora velhos hábitos.

Olhei para além das baias, para Caminho dos Girassóis e, suspirei
resignado, engolindo meu orgulho. Eu precisava de ajuda, iria ligar
para Brian Crawford, meu único amigo, irmão de Molie, ele foi meu
superior no DEA. Essa palhaçada de conviver com uma fazenda que
abrigava traficantes internacionais tinha que acabar. Era estranho estar
finalmente vivo. Nada disso me importava mais. Fechei a porta da
caminhonete e senti imediatamente algo errado. Raul estava calado e
havia mais uma pessoa atrás de mim além dele. Saquei uma das
armas que trazia comigo e me virei na direção do barulho. Um homem
com uma espessa barba preta e as mãos totalmente tatuadas se
escondia atrás de Raul enquanto apontava uma arma para cabeça
dele.

Nos olhamos por vários segundos, estudando um ao outro, ele


falou primeiro.

– Calma, cowboy… abaixe essa arma se não quiser ver o seu


namorado morrer.
Não respondi nada, se ele fosse pelo menos uns centímetros mais
alto, poderia lhe dar um tiro na testa antes que Raul terminasse de
dizer por favor. Irritado, o homem apertou o pescoço de Raul e tonou a
falar.

– Abaixe essa arma agora, não vou dizer mais uma vez!

– O que te fez imaginar que eu me importo? Atire nele que atiro em


você, o que você quer aqui?

Ele soltou uma gargalhada estranha, e meu corpo todo gelou com o
pressentimento mais horrível do mundo. Cecília! Antes que eu
terminasse de processar o pensamento, ele falou mais uma vez, e eu
apenas olhei para o seu bigode retorcido, desejando que suas
palavras voltassem para dentro de sua boca.

– Atire em mim e morra sem saber o que aconteceu com a loira


gostosa que estava aqui. A arma, agora!

Eu ainda estava impassível por fora, foram muitos anos de treino,


mas por dentro eu gritava com um pavor que me consumia inteiro.

– Ok, ok! – respondi, tentando ganhar tempo – você venceu…

– Alex, não faça isso…

– Cala a boca, Raul – eu disse enquanto abaixava a arma


lentamente.
O homem riu com escárnio, antecipando algum prazer secreto. Ele
não veio para me matar, pensei enquanto colocava minha arma no
chão bem devagar. O filho da puta teria dado um tiro na cabeça de
cada de um antes que saíssemos do carro, se fosse essa a sua
intenção. Provavelmente buscava por informações.

– Ótimo, agora empurre para mim – ele disse quando a arma


tocou o chão.

Assim que fiz o que me foi ordenado, o homem colocou o dedo no


gatilho. Ele mataria Raul a qualquer momento.

–Diga adeus para o seu namorado, cowboy.

– Aaaah minha Nossa Senhora! – Raul gritou, debatendo-se muito


– sou muito novo para morrer!

Aproveitei o minuto de distração e peguei minha inseparável ka-


bar[8]da bainha presa no tornozelo e a lancei no ar. A faca cravou no
pulso do desgraçado que gritou de dor largando a pistola. No mesmo
minuto, empurrei Raul para o lado e ataquei o homem sem lhe dar
chance de reagir. Com uma rasteira, o derrubei e o nocauteei com um
soco no lado esquerdo da têmpora. Olhei para cima, Raul estava
prestes a vomitar.

– Que porra foi essa, Alex? Precisamos chamar a polícia!

Ele tremia tanto que deixou o celular cair no gramado. Abaixou-se


para pegá-lo, mas não aguentou e desabou, afundando o rosto nas
mãos.
– Porra, porra!

Eu tinha pouco tempo, não poderia cuidar de Raul. Abaixei e o


segurei pelos ombros, falando bem calmo, como se estivéssemos
decidindo medicamentos para os cavalos. Meu coração batia tão
rápido com um misto de ódio e pânico que precisei de muito esforço
para me manter funcional.

– Presta atenção em mim – pedi e ele me encarou ainda


balançando a cabeça – eu vou sim, chamar ajuda, mas não sei o
quanto a polícia da cidade está comprometida com esses traficantes.
Você não pode me abandonar agora.

Raul levantou as sobrancelhas, chocado, não esperava um pedido


de ajuda da minha parte, mas era isso ou perder horas preciosas
tentando acalmá-lo, Cecília não tinha esse tempo. Ele encarou o
capanga estendido no chão e sua respiração começou a falhar.

– Não olhe para ele, deixe para se desesperar depois. Preciso da


sua ajuda, Raul… tenho que amarrar esse infeliz.

– Não, não, de jeito nenhum! Não posso… o que você vai fazer
com ele?

– O que for preciso. A minha menina está sozinha com os amigos


desse psicopata. Me dê seu telefone.

Hesitante e tremendo, ele balançava os ombros sem parar.

– Deus vai ter que me perdoar depois então – disse ao me dar o


telefone.

Bufei enquanto colocava o celular no bolso e com ajuda de Raul


levei o desgraçado até um pasto bem distante da entrada do haras.
Colocamos seu corpo desacordado embaixo de uma árvore e sorri
com a ideia que tive, esse filho da puta teria uma bela surpresa
quando acordasse. No entanto… cocei a cabeça, não poderia deixá-lo
sozinho com Raul.

– Traga Tempestade aqui e uma corda que está nas baias.


– Mas…

– Agora, caralho! – rosnei as palavras e ele saiu correndo.

Tempestade era o meu cavalo mais temperamental. Passei meu


isqueiro entre os dedos tentando não cair em desespero ao imaginar o
que Cecília estaria passando naquele momento. Raul retornou,
trazendo Tempestade reclamando atrás de si. Peguei as cordas e
amarrei os braços do homem nas rédeas do animal. Raul desceu do
cavalo com os olhos arregalados.

– Enlouqueceu de vez, Alex?

– Refutando toda a lógica, ainda não... – verifiquei se o homem


estava bem preso e olhei para Raul, ele não aguentaria assistir – Vá
embora agora, é melhor não ficar aqui para isso.

– Você vai matar esse homem?

– Matar? Nada… Esse é só o começo de uma longa amizade –


eu disse olhando fixamente para o homem desacordado, sem
conseguir disfarçar meu desprezo.

Raul massageou as têmporas.

– Você não precisa matar ninguém…

Não precisava? Será que Raul vivia no mesmo mundo que eu?
Provavelmente não.

– A questão não é precisar, eles a tiraram de mim, Raul. Não se


preocupe comigo, estou mesmo além de qualquer salvação. Agora vá
para dentro da minha casa – coloquei uma das minhas armas em sua
mão. – Aponte e atire em quem aparecer. Evite atirar em mim quando
eu chegar.

– Eu não quero isso – ele disse me deixando irritado.

Enfiei a arma em sua mão e o empurrei em direção à casa.


– Acredite em mim, Raul. Não tem nada especial em morrer.

Abri e fechei meu zippo inúmeras vezes, lembrando do dia fatídico


que o isqueiro foi parar em minhas mãos, até perder a paciência. Subi
em Tempestade que relinchou, empinou e saiu correndo. Não deu um
minuto o homem começou a gritar em outra língua e logo depois em
português.

– Socorro! Alguém me ajude! O que está acontecendo?

Amarrado pelos pulsos na rédea do cavalo, ele estava sendo


arrastado e esfolado por todas as pedras, galhos e pedaços de tronco
que havia no haras, quando olhei para trás ele já estava sem as
calças, chorando como um bebê. Fiz com que o cavalo parasse de
repente e o homem voou com a cara em uma laranjeira que estava em
nosso caminho.

Desmontei de Tempestade e, com a mesma faca que o desarmei,


cortei a corda que o prendia. Ele estava com as pernas e barriga
esfoladas, os pulsos em carne viva e o nariz parecia quebrado. Com
os nós do indicador e do dedo médio agarrei-o pelo osso do nariz e o
arrastei até debaixo da árvore.

– Aaaaaah, pelo amor de Deus!

– É, está mesmo quebrado – eu disse dando um tapa na cara do


infeliz – para de chorar, porra. Quantos homens guardam a fazenda e
o que vocês querem com a menina?

Ele respirava com dificuldade, o ar fazia um barulho de apito cada


vez que passava por suas narinas, resmungou várias palavras na sua
língua nativa olhando para mim com ódio. Sem mudar de expressão,
peguei minha arma e atirei em seu braço esquerdo. Ele urrou de dor,
fiz questão que a bala pegasse no osso do ombro.
– Você estava falando português muito bem quando disse que me
mataria. Quantos homens são?

– Vai se f…

Dei outro tiro, dessa vez em seu ombro direito.

– Filho da p… – engatilhei a arma novamente e assim que a


apontei em sua direção, ele quebrou – não... por favor, são mais de
quinze homens... por favor não aguento mais.

A voz de Cecília, implorando para parar de apanhar veio nítida em


minha cabeça e atirei em sua perna. Ele gritou chorando e contou tudo
o que eu precisava saber. Vinte homens guardavam a fazenda
espalhados por pontos estratégicos, no entanto, dois ficavam sempre
ao lado de Serkan. Ele era um matador de aluguel na Turquia,
começou depois que saiu do exército e alegou não saber para quem
Serkan trabalhava e quais seus objetivos.

– Por favor, cara, te contei tudo que sei, eu preciso de um médico.

Não me dei nem ao trabalho de responder, mirei na sua testa e


atirei. Como se tivesse uma força me chamando, olhei para além da
árvore e dei de cara com o teimoso do Raul observando a cena de
longe com uma expressão de puro horror. Ele não estava nessa vida
há tanto tempo quanto eu. Alguns monstros simplesmente não
mereciam viver.

Eu sabia que era insanidade invadir a fazenda sozinho e em plena


luz do dia, mas a cada segundo longe de Cecília, um pedaço do meu
coração morria... de novo. Ignorando todos os apelos de Raul, voltei
até minha casa, peguei meu M-16[9], um colete à prova de balas e toda
munição que eu poderia carregar.
– Raul, você sabe falar inglês?

– O quê?

– Te fiz uma pergunta simples, sabe ou não? – perguntei inquieto,


olhando no relógio.

– Sei, mas o que...

– Se eu não voltar até amanhã – o interrompi – ligue para esse


número e conte tudo o que aconteceu para esse homem, Brian
Crawford. Ele vai saber o que fazer. Você entendeu?

– Entendi, Alex, mas não vá assim, eles são muitos, podem te


matar.

Segurando meu isqueiro com força para disfarçar o quanto minhas


mãos tremiam, respondi:

– Eu já estou morto de qualquer forma... Por favor, não a


deixe sozinha caso eu não volte.

Bati a porta da minha casa e fui até o pasto onde o corpo do


homem ainda estava estendido. Rasguei sua camisa procurando por
alguma identificação. Em seu braço havia uma tatuagem de uma flor
de papoula, com três folhas que também eram lâminas, envoltas em
um soco-inglês. Eu havia visto muitas tatuagens como essa para me
lembrar de qual máfia, gangue ou cartel esse filho da puta era
associado.

Não tenho outra opção, pensei enquanto arrastava o corpo


do homem até a divisa com a fazenda de flores. A única pessoa que
pode me ajudar agora é ele. Respirei fundo pegando o telefone de
Raul do bolso e mandei a foto da tatuagem para o e-mail de Brian.

Antes de finalmente invadir a fazenda segurei ainda com mais


força meu zippo, fechando os olhos até minhas mãos pararem de
tremer. Com meu M-16 nas costas, coloquei um silenciador na pistola
automática e, me surpreendi com a calma que me inundou assim que
dei dois tiros em cada um dos homens que faziam a segurança da
entrada da fazenda. Era como se eu nunca tivesse saído dessa vida.
Flanqueei a casa, esgueirei-me atrás de um capanga que fumava um
cigarro e abri o seu pescoço com a minha faca. Antes que eu pudesse
esconder o seu corpo, um filho da puta apareceu de lugar nenhum
abrindo a porteira do inferno ao atirar que nem um imbecil para todo
lado, atraindo todos os capangas para onde eu estava. Corri para
dentro de um galpão e abri fogo com o meu fuzil em quem passasse
na minha frente. Eles caíram como frutas podres, um a um.

Quando o barulho finalmente acabou, avancei até a casa, com


uma sensação ruim do caralho no peito. A troca de tiros havia sido
intensa, no jardim deveria ter pelo menos uns quinze capangas mortos.
Era impossível que o barulho dos tiros não tivesse chegado até o
interior da casa. Onde o líder deles estaria com a minha menina?

Procurei por todo o andar de baixo por passagens secretas,


compartimentos escondidos em paredes e nada. Subi as escadas, com
um peso enorme no peito, não podia ser tarde demais, não dessa vez.
O piso de madeira estalava sob meus pés, ecoando no silêncio
sepulcral que fazia ali dentro. Abri a porta de um cômodo e minhas
pernas falharam por um segundo, tive que me segurar na parede para
não cair. Havia sangue espalhado por todo o cômodo e uma mulher
amarrada em uma cadeira, com a cabeça pendendo para frente,
parecia morta. Eu não conseguia respirar, raciocinar ou enxergar. Meu
desespero foi tão grande que não percebi de imediato que seus
cabelos eram pretos e não loiros.

Ela se remexeu na cadeira, abrindo os olhos lentamente e quando


os fixou em mim se debateu apavorada. Antes que eu pudesse pedir
para que se acalmasse, percebi tarde demais, que não era para mim
que olhava e sim para a porta. Como se fosse em câmera lenta, me
virei na direção que seus olhos apontavam e fui atingido por um tiro de
escopeta no peito, que me jogou no outro lado do quarto.

A dor foi excruciante, o impacto com certeza havia quebrado uma


costela, apesar do tiro ter pegado no colete. A moça gritava sem parar
e antes que o capanga pensasse em atirar mais uma vez mirei e atirei
em sua cabeça. Mesmo com os gritos desesperados da mulher
martelando meu cérebro, demorei alguns minutos para me levantar do
chão. Precisei aprender a respirar sem sentir que enfiavam uma faca
no meu peito, como não consegui, me levantei assim mesmo antes
que ela perdesse a cabeça de vez.

– Ei, ei… Calma, sou eu, Alex, você se lembra de mim? – eu disse
com a respiração falhando. – Eu preciso que você me diga onde
Cecília está.

Enquanto a desamarrava percebi que ela estava bastante


machucada. Fora brutalmente espancada, queimada em alguns
lugares e eu precisei de um minuto quando vi sangue escorrendo das
suas pernas, debaixo do vestido. Imaginei se eu havia chegado tarde
demais para Cecília também. Ela parou de gritar quando me
reconheceu.

– E-les a levaram, ela foi embora. Cecília não q-queria colaborar,


mas depois do que fizeram comigo ela cedeu. E-eles continuaram
vindo, não acabava nunca, S-serkan disse que era para ela aprender a
não contrariar suas ordens n-nunca mais.

– Embora para onde? – perguntei, gelado por dentro.

– Eu não sei de onde eles são…

– Pela língua que falam, Turquia – interrompi.

– I-isso, ele… S-serkan disse que a levaria para casa, que


precisava da assinatura dela nas cargas, mas que essa confusão ia
atrair as autoridades e que ele não ia ficar aqui para ver… passaria um
tempo lá com ela e depois retomaria o tráfico. A-acho... – ela parou
para respirar, fazendo uma careta de dor.

– Respira... devagar… você sabe aonde eles foram e há quanto


tempo saíram?

Ela balançou a cabeça, chorando.

– Não, me desculpe… antes de desmaiar escutei Cecília gritar que


não iria ao porto com ele, mas não sei há quanto tempo foi. Me
desculpe não poder ajudar…
– Ei não fale assim, você foi maravilhosa, qual o seu nome?

– Rita…

– Consegue andar, Rita?

– Não sei, acredito que sim – disse ela firmando os pés no chão,
gemendo de dor.

A apoiei nos meus ombros, e a levei para o haras. Suando frio de


dor, abri a porta da cozinha com o pé e dei de cara com Raul ainda
mais branco que o normal, apontando uma arma para mim.

– Sou eu Raul, abaixe isso e me ajude.

Ele disse todos os nomes de santos que conhecia quando pegou


Rita pela cintura e a colocou sentada em uma cadeira da cozinha.

– Cadê meu telefone? Precisamos de uma ambulância com


urgência. – disse Raul.

– Não! – Rita e eu gritamos ao mesmo tempo – nada de


ambulâncias – completei – Faça o que você puder por ela.

Dei as costas para eles, mas Raul puxou o meu braço me fazendo
gritar de dor.

– Você está machucado também? Alex, vocês precisam de um


hospital e….

– Raul, acorda! As mesmas pessoas que fizeram isso com ela,


estão com a minha menina agora, porra não me atrase! Para de chorar
e cuide da moça.

Saí sem olhar para trás antes que ele se recuperasse do susto e
abrisse a boca mais uma vez. Entrei na minha caminhonete e pisei
fundo no acelerador. Como eu iria achar Cecília no meio do Porto de
Vitória? Sem diminuir a velocidade, coloquei o celular de Raul no viva
voz e disquei o número que tanto evitei nesses últimos anos. Ele
atendeu no terceiro toque.
– Brian Crawford.

– Brian, sou eu, Alex.

Silêncio, nem a sua respiração eu consegui ouvir.

– Você ainda está aí? – perguntei agarrando o volante com força,


se ele desligasse eu estaria fodido.

– Claro que estou filho da puta... estou aqui há mais de cinco


anos.

– Preciso da sua ajuda!

Contei para ele tudo o que ocorreu, desde quando Cecília invadiu
meu haras até os acontecimentos daquela manhã.

– E você só me liga agora? Cabeça dura desgraçado, puta que


pariu, Alex – outro silêncio. Se as circunstâncias fossem outras eu
estaria com um enorme sorriso no rosto, Brian não havia mudado
nada. Nunca teve paciência para nada, mas tinha um coração do
tamanho do mundo e iria até o inferno por quem ele gostava, quantas
vezes fosse necessário. – O e-mail foi você que mandou?

– Sim, um dos capangas que matei essa manhã – eu disse com


dificuldade, costela quebrada era uma merda.

– Eu não estou no DEA no momento, mas vou descobrir o que


você precisa.

– Brian, tem que ser agora, eu preciso encontrá-la agora! Não


posso passar por tudo aquilo de novo.

– Eu sei que não, Alex.

Cheguei no porto de Vitória com bem menos de uma hora,


surpreso e aliviado de não ter sido parado pela polícia nem uma vez
de tanto que corri. Estacionei minha caminhonete de qualquer jeito,
mas eu estava completamente perdido, o porto de Vitória era extenso,
ocupava duas cidades inteiras. O telefone de Raul tocou assim que
pus os pés para fora do carro.

– Pensei que você não fosse mais me ligar – eu disse.

– Vai se foder, eu te devo um soco no olho por ser um fujão


imbecil, mas nunca vou te deixar na mão.

– Então é isso que você pensa que eu fiz, fugi?

– Não é o que você sempre faz?

Respirei fundo, me arrependendo no processo, meu peito doeu


tanto que pensei que fosse desmaiar, não era a hora de discutir com
Brian. Apertei o telefone e disse:

– O tempo está passando, o que você descobriu?

– Esse símbolo é de uma ramificação da máfia turca, formado


basicamente por paramilitares, quantos você disse que matou
mesmo?

– Eram mais de quinze, não parei para contar.

– Caralho, Alex, sozinho? Enfim o navio que você procura é o


Oruç Reis, o nome do líder deles é Serkan Sadik. Ele está no nosso
radar há anos, mas é esperto e discreto, ninguém consegue pegar
esse infeliz, vou te enviar uma foto.

– Cara… eu não sei como te agradecer.

– Enfiando essa viadagem no cu para começo de conversa e


fazendo a coisa certa. Volte para casa.

– Só me prometa uma coisa… – mudei de assunto – Se eu não te


ligar até amanhã ajude essa menina.

– Alex…
– Porra, Brian, ela não tem absolutamente ninguém no mundo. Ela
precisa sair do Brasil.

– Ok, considere feito, meu amigo eu só te peço uma coisa em


troca.

– Qualquer coisa – respondi.

– Mate todos esses desgraçados.


Eu não poderia entrar no porto com o meu fuzil, aliás eu não
poderia entrar no porto de jeito nenhum. Havia detectores de metal nas
vias de acesso e um forte esquema de segurança. Com cada vez mais
dificuldade para respirar, observei a entrada e saída de pessoas.
Pensei em duas opções: criar o caos atirando para cima de onde eu
estava e me esgueirar na confusão ou tentar entrar como funcionário.
Descartei logo a primeira opção, apesar de ser a mais rápida.
Inocentes poderiam se machucar com o pânico das pessoas e, além
disso, o caos generalizado talvez chamasse a atenção de Serkan
Sadik caso estivesse por perto.

Entrei em uma pequena construção que servia de área para os


funcionários e olhei em volta até encontrar o que eu queria. Roubei um
crachá de identificação e um colete de segurança e, como se eu fosse
dono do lugar, andei com passos firmes até um carrinho parecido com
aqueles de golfe.

– Ei! Você aí – alguém da cancela gritou e eu segurei meu zippo


instintivamente. Eu sabia que era comigo, mas continuei andando
como se nada me afetasse, o homem chamou mais uma vez e olhei
sorrindo para trás. Agora eu tinha outro problema: o meu sotaque. Ele
obviamente perceberia logo que meu nome não era Ildefonso Moreira
assim que eu abrisse a boca.

O homem andava em minha direção a passos de tartaruga, como


se nada no mundo o preocupasse e eu nunca quis tanto matar uma
pessoa inocente quanto naquele momento. Ele não parecia querer me
desmascarar, mas eu tinha que estar pronto para reagir. Anos depois,
quando ele finalmente se aproximou, perguntou:
– Você é o cara novo né?

Aliviado, concordei com a cabeça.

– Prazer meu nome é Jessé – ele disse.

Ainda sorrindo estendi a mão para cumprimentá-lo.

– Você pode fazer um favor para mim, cara? – perguntou e eu


concordei mais uma vez com um aceno de cabeça – eu precisava
levar esse carro até a sede da administração, mas hoje a cancela tá
foda.

Sorri ainda mais sem acreditar na minha sorte. Entrei sem


problemas no porto, com o guarda Jessé acenando para mim. Até levei
o carro onde ele havia pedido. Dei um jeito de me livrar logo do colete
de identificação e procurei um funcionário que soubesse onde o Oruç
Reis estaria atracado, mas ele não sabia. Perguntei para várias
pessoas que apenas deram de ombros. Puto da vida, acendi um
cigarro atrás do outro, até que um senhor idoso que dava ordens para
uma equipe de estivadores me disse que os navios estrangeiros
ficavam atracados no Terminal Ilha do Príncipe.

Sem pensar no quanto minha costela quebrada doía, corri até o


local que o senhor apontou, e procurei o navio nos berços das docas.
Não tive sucesso, esses desgraçados não estavam em lugar nenhum.
Recusei a entregar os pontos e continuei procurando sem parar, até
que pela milésima que vez que perguntei, um funcionário apontou um
modesto navio todo branco, com a bandeira vermelha da Turquia que
balançava na minha cara desde a hora que cheguei no terminal.
Quase agradeci à Deus enquanto corria até a área de embarque do
navio, eu só esperava que não fosse tarde demais.

Tampei o sol dos olhos com as mãos, eram cerca de 17:00h e


muitos funcionários do porto trocavam de turno. Vasculhei a área à
procura deles até que um homem muito suspeito me chamou a
atenção, ele estava sozinho, fumando e olhava ao redor da mesma
forma que eu faria, sua postura e expressão diziam alto e claro o que
ele era para alguém com um olhar mais experiente. O ar fugiu
completamente quando tentei respirar, Cecília não estava por perto.

Tremendo e suando frio, saquei minha arma, esgueirei até onde o


homem estava e pacientemente esperei que se distraísse. Assim que
se virou para jogar a bituca no chão, agarrei o seu pescoço com o
antebraço e apontei minha arma nas suas costas. Ele fingiu se
desesperar dizendo várias palavras em turco. Apertei o seu pescoço
com força e disse em inglês:

– Continua chorando que atiro em você aqui mesmo. Vale a pena


morrer por Serkan?

Ele parou de se debater.

– Ótimo, você só precisa me apontar aonde ele foi com a menina.

Ele apontou para o navio.

– Se estiver mentindo para mim, farei da sua vida um inferno


antes de te matar, ok? – ameacei.

Ele respondeu com um inglês impecável:

– Eu juro, eles foram para o navio... Fiquei porque queria fumar o


chefe não gosta qu…

Dei uma coronhada em sua cabeça antes que terminasse de falar,


ele desmaiou e arrastei seu corpo até um lugar onde ninguém visse
por um tempo. Acendi mais um cigarro e me fingi de bêbado meio
perdido até chegar na entrada do navio. Como ele não era de
passageiros e nem era hora de embarque não havia ninguém por
perto. Empunhei minha arma e subi uma rampa dando direto no
convés. Uma descarga elétrica me atingiu quando vi o traficante turco
arrastar Cecília pelo braço até a proa. Ele conversava animado com
um homem grisalho, enquanto um brutamontes os acompanhava.

Não posso errar agora! Minhas mãos tremiam muito ao apontar a


arma para o brutamontes, cada respiração que eu dava eu desejava
que fosse a última de tanto que doía, mas eu não iria errar, ela estava
ali, na minha frente, o pesadelo teria um final diferente dessa vez…
abafando um grito de dor ao levantar o braço, dei dois tiros nas costas
do guarda-costas que caiu na mesma hora com a cara no chão da
proa do navio. Por instinto o homem grisalho se abaixou e Serkan
colocou Cecília em sua frente, apontando uma arma para a cabeça
dela. Todos gritavam ao mesmo tempo, mas eu não ouvia, o mundo
parou de existir para mim quando os olhos dela prenderam-se nos
meus.

– Alex! Você está aqui…– ela disse com lágrimas escorrendo


pelas bochechas e molhando sua boca em forma de coração que
exibia um corte profundo no lábio inferior. Desgraçado!

– Seu lugar é ao meu lado, loirinha. Eu sempre estarei com você –


eu disse tentando soar o mais calmo que consegui.

– Cala a boca! – Serkan gritou para Cecília, puxando seus


cabelos. Ela gritou de dor.

Apontei a arma para ele e rosnei as palavras:

– Faça isso mais uma vez e eu arranco sua mão.

– Abaixe sua arma agora, você não está em posição de fazer


exigências aqui… – disse Serkan apertando sua arma na cabeça de
Cecília.

– Você precisa dela viva, Serkan Sadik – eu disse em inglês. Ele


levantou as sobrancelhas com uma surpresa contida ao perceber que
eu sabia quem ele era. – Volte para qualquer buraco que você saiu e
deixe minha menina e a sua fazenda em paz, seus homens não
existem mais, sua operação não existe mais e eu posso trazer o DEA
aqui quando eu quiser e te extraditar para apodrecer em uma cela de
segurança máxima nos Estados Unidos.

– Se você fosse mesmo um agente da DEA eu saberia… – sua


voz traía sua expressão de confiança, ele estava sim com medo.

– Agente especial Alexander Lion, DEA El Paso, número de


identificação 68025638X. Largue a garota agora! Você e sua operação
não me interessam nem um pouco, só me devolva a menina.

– Mas não é uma coisa? De todos os lugares do mundo um


agente do DEA no interior do Brasil. Mesmo assim não posso fazer
me pede, agente. Preciso dela para liberar dois carregamentos, só
isso. Vocês nunca mais vão ouvir falar de mim depois eu dou minha
palavra. Não quero matá-la, mas eu posso machucar essa garota de
verdade. Você quer pagar para ver?

Ele a agarrou mais uma vez pelos cabelos e ela soltou um grito
que por pouco não me fez largar a arma. Mas no lugar de ceder eu
disse como se nada pudesse me afetar.

– Não faço acordos com traficante de merda! É o seu último aviso,


largue a garota, agora!

Ele olhou hesitante para o homem de cabelos grisalhos que falava


ao telefone, eu estava quase desabando, não sei por quanto tempo eu
conseguiria me manter apontando a arma para Serkan, a dor nas
costelas beirava o intolerável. O grisalho desligou o telefone e
balançou a cabeça confirmando que eu era mesmo quem alegava.
Quem eles infiltraram por lá para conseguir uma informação dessas
tão rápido? Serkan praguejou me fazendo voltar à realidade.

– Vocês estão me custando mais de cinco milhões de dólares de


prejuízo…, mas se essa menina é tão importante assim para você, que
seja.

Algo estava fora do lugar, eu podia sentir. Traficantes não se


mantinham ativos aceitando prejuízos, retaliavam brutalmente quando
a derrota era inevitável. Nós dois sabíamos que era burrice deixar o
outro viver, a grande questão era, quem atiraria primeiro?

– Alex… não acredite em nada que ele diz! – Cecília gritou

– Cala boca! – Serkan gritou sacudindo Cecília para frente,


fazendo com que ela se desequilibrasse.

Aproveitei a chance e atirei na direção da cabeça do filho da puta


sem pensar duas vezes. Infelizmente a bala passou de raspão em sua
orelha. Sangrou muito, mas ele não largou Cecília nem por um
segundo.

– Desgraçado! É assim que você costuma negociar? – perguntou


enquanto fazia um corte profundo na coxa dela.

De onde ele tirou aquela faca? Foi o primeiro pensamento que me


veio em mente.

– Agora a escolha é sua, agente, ou você vem atrás de mim, ou


salva sua menina!

Cecília usava um vestido florido antiquado que ensopou de


sangue em segundos, ele a empurrou com toda força para frente
fazendo com que ela caísse no chão, correu pela proa e se jogou no
mar. Consegui dar dois tiros em sua direção, mas foram inúteis.

– Alex… – a voz de Cecília estava fraca – minha cabeça está meio


leve…

Corri até ela tirando minha camisa de qualquer jeito, rasguei um


pedaço e amarrei com força em cima do ferimento a fim de estancar o
sangue, que jorrava de sua perna. Aquele desgraçado filho da puta
provavelmente atingiu a artéria, se eu não conseguisse estancar esse
sangue, ela morreria em minutos nos meus braços.

– Olha eu sou só o encarregado desse navio, não tenho nada a


ver com o que Serk…

Eu não perdi meu tempo escutando o que ele aquele homem


dizia, nada me importava mais, não senti dor quando a peguei nos
meus braços e corri até o meu carro, também não me preocupei com
os olhares curiosos dos funcionários do porto, eu apenas corri. O
guarda Jessé me gritou da guarita, mas eu não olhei para trás, o medo
de perder minha menina era tão grande, que mesmo que ele estivesse
só querendo ajudar não me interessava.

Cheguei em tempo recorde na minha caminhonete e coloquei


Cecília no banco do passageiro.
– Meu amor, eu preciso de você acordada agora, você pode me
ajudar? Coloca sua mão com toda força nesse ferimento, eu vou te
levar para um hospital.

– Não… hospital… não, a polícia!

Sua voz estava grogue, meu corpo todo tremia, eu não tinha
condições de viver sem ela. Não perdi tempo discutindo, coloquei sua
mão onde deveria ficar e liguei o carro, o celular de Raul estava
comigo quase sem bateria, mas ele me mostrou o hospital mais
próximo, ficava a menos de quatro minutos de onde eu estava.

Tirei o colete a prova de balas de qualquer jeito e pisei no


acelerador sem respeitar nenhum sinal de trânsito. No caminho tentei
fazer as pazes com Deus. Se o Senhor ainda estiver aí, me leva no
lugar dela, pare de punir as pessoas que eu amo, eu estou bem
aqui…

– Alex… a gente… precisa… conversar.

Seus lábios estavam sem cor e seus olhos quase fechados, o


amor da minha vida estava morrendo diante dos meus olhos e não
havia nada que eu pudesse fazer. Por que isso estava sempre
acontecendo? Por quê?

– Por favor, loirinha não diga mais nada, poupe suas forças. Eu
prometo que te conto tudo que você quiser saber, você só precisa sair
dessa.

Mas ela já não ouvia mais nada que eu dizia. Em completo


desespero avistei a entrada do hospital que dizia Santa Casa de
Misericórdia de Vitória. Parei o carro de qualquer jeito, desci depressa
e a peguei desacordada do banco de passageiros. Seu rosto estava
ainda mais pálido e sua pele fria. Eu não conseguia mais raciocinar de
forma coerente, tudo o que eu queria fazer era gritar e implorar para
quem ouvisse que não a tirassem de mim. Por favor, por favor, por
favor volte para mim meu amor, por favor. Era só o que eu pensava.
Andando o mais depressa possível com Cecília em meus braços,
entrei na recepção da Santa Casa gritando, meu português estava pior
que nunca.

– Me ajudem por favor, minha esposa levou uma facada!

Ela não tinha documentos e era procurada pela polícia de Santa


Maria, mas se eu não a trouxesse, morreria muito rápido, não tive
outra opção. Essa história foi o que consegui pensar em tão pouco
tempo.

Uma enfermeira corpulenta com cara de mandona foi a primeira a


nos ajudar.

– Não fique parado aí! – disse para um segurança na sala de


emergência – uma maca, rápido!

E virando-se para mim, perguntou:

– O que aconteceu?

– Nós… nós f-fomos… – Como se tivesse realmente acontecido,


a história veio toda na minha cabeça – fomos atacados por bandidos,
ele roubou a bolsa dela e a esfaqueou, saiu muito sangue… por
favor… ela é tudo que eu tenho!

Em segundos estávamos rodeados de funcionários do hospital


que a colocaram na maca e sumiram com a minha menina por um
longo corredor, tentei ir atrás deles, mas fui impedido. Eu estava sem
uma parte do meu corpo, essa não podia ser a última vez que nos
vimos, tinha tanta coisa que eu queria dizer a ela.

A enfermeira apareceu com a metade do corpo pela porta que


separava a sala de emergência e me chamou.

– Sua esposa vai para sala de cirurgia, os médicos farão o


possível, dê a entrada na internação dela, por favor. Agora vem a parte
mais difícil, senhor, esperar.

Todas as partes eram difíceis, mas eu não consegui responder


nada, havia um nó embolado na minha garganta. Dei um fraco aceno
com a cabeça e me dirigi a recepção. Disse à moça que me atendeu
que Cecília era minha esposa e estávamos passeando na cidade,
forneci meu antigo endereço, de Midland.

– O senhor tem algum plano de saúde?

– Não.

– Tudo bem, podemos interná-la pelo SUS e…

– Não! Vai ser tudo particular, depois da cirurgia quero o melhor


quarto.

A moça me olhou entediada por cima dos óculos.

– Senhor, isso aqui não é um hotel, vou precisar dos seus


documentos e um cartão de crédito, por favor. Qual o nome da
paciente?

– Cecília Lion.

Esse ainda não era o nome da minha loirinha, mas seria assim
que ela saísse dessa. Isso, pensar em como eu a pediria em
casamento me deixou mais calmo. Terminei de preencher os dados da
internação com a confiança renovada, mesmo com as minhas mãos
tremendo tanto que por pouco não consegui assinar a guia.

A vontade de uma dose de Jack e um cigarro doíam mais em meu


corpo que a fratura na costela, mas não! Cecília passara por
sofrimento demais em sua vida, ela merecia ter o melhor de mim e não
uma sombra de um homem infeliz e autoindulgente. Eu nunca mais
colocaria um cigarro na boca e nem beberia todos os dias depois que
ela saísse dessa. E o mais importante, casaria com ela e a levaria
daqui e nunca, nunca mais teria um trabalho que envolvesse matar
pessoas. Essa é a promessa que eu te faço, loirinha. Agora o resto é
com você, por favor, volte para mim.
A sala de emergências do hospital enchia e esvaziava de
pacientes e ninguém me dava uma mísera notícia de Cecília. Até que
de repente a enfermeira chefe caminhou diretamente até onde eu
estava com uma prancheta nas mãos. Um calafrio varreu o meu corpo,
como se uma rajada de vento entrasse pela porta.

– Senhor, qual é o tipo sanguíneo da sua esposa? – perguntou


com uma certa urgência. – Ela perdeu muito sangue, precisamos da
sua autorização para uma transfusão imediatamente.

Por pouco não abracei a mulher! Estava certo de que ela tinha
vindo me dar a notícia que acabaria com a minha vida. Após respirar
aliviado por um segundo, pensei em como explicar não saber o tipo
sanguíneo da minha própria esposa. Havia tanta coisa que eu ainda
precisava aprender sobre Cecília! Esse tempo com ela não foi o
suficiente, na verdade, tempo nenhum seria, precisaria da minha
loirinha para sempre ao meu lado.

– Faça o que for preciso, só traga ela de volta para mim… –


respondi enquanto assinava a autorização. – Sobre o sangue…
estamos em lua de mel, nunca pensei que fosse necessário saber
essas coisas, eu só achei que teríamos mais temp…

Meu peito deu uma pontada horrível de dor. De olhos fechados,


escorei em uma parede, com a respiração suspensa, até a dor passar,
de longe ouvi a enfermeira me perguntar se estava tudo bem.

– Estou! Fui atacado quando tentei defender minha mulher, mas


não deve ser nada, só uma costela quebrada.
– Isso pode ser grave, vou mandar alguém aqui para examiná-lo
imediatamente.

Quando eu ia responder que só sairia daquela sala de espera com


Cecília ao meu lado, ela voltou para dentro do hospital. Não demorou
muito, me chamaram para uma triagem que prontamente ignorei.

Horas e horas se passaram e nenhuma notícia chegava. Eu


preferia estar em qualquer situação menos naquela. Cheguei a cogitar
se não deveria ir atrás de Serkan, ou bater a cara daquele velho
grisalho no chão do navio até ele me dar umas respostas. Sonhava
acordado com tudo o que faria com aquele turco, quando o telefone de
Raul tocou.

– Alô – atendi.

– Alex, graças a Deus você está bem… Achou Cecília? – Raul


perguntou.

– O filho da puta daquele turco desgraçado...

– Alexander Lion! – alguém gritou o meu nome da porta da sala de


espera.

– Sou eu! – respondi com o coração prestes a parar. O médico


calvo e magro que me chamou, me encarava com uma expressão
completamente neutra.

– Alex, você está aí? O que está acontec… – Raul insistiu do outro
lado da linha, mas eu já não prestava mais atenção

– Ligo para você depois, Raul – eu disse desligando o telefone,


olhando ansioso para o médico. – Como ela está, doutor?

– Boa noite, meu nome é Igor Garavinni e eu fui o cirurgião que


atendeu a senhora Cecília.

Ele estendeu a mão para me cumprimentar, quase não consegui


de tanto que tremia. Seu tom, no entanto, era calmo e tive esperanças.
Ele continuou, dizendo as palavras que eu tanto queria ouvir.
– O corte foi superficial, não atingiu a artéria, apenas uma veia
que passa diretamente em cima da femoral. Se os atacantes tivessem
forçado mais um milímetro… – ele disse balançando várias vezes a
sua cabeça em formato de ovo. Não saberia explicar por que, mas foi
nisso que foquei naquela hora, me vi incapaz de processar toda essa
informação. Ele ainda dizia: – Ou sua esposa é uma mulher de muita
sorte, ou quem a atacou sabia exatamente o que fazia.

– Obrigado, doutor Garavinni – respondi chacoalhando a sua mão


várias vezes.

Respirei tão aliviado que esqueci completamente da minha


costela. O movimento de inflar o peito espalhou uma dor excruciante
pelo meu corpo todo. Tentei me segurar em algo, mas a parede estava
longe do meu alcance dessa vez, e desabei no chão de joelhos.

– Tragam uma maca! – o médico ordenou para um funcionário.

– Não, de jeito nenhum! – eu disse com muita dificuldade


enquanto me levantava do chão.

– O senhor está pálido e suando frio. Joana, a nossa enfermeira


chefe, disse que te internaria mais cedo devido a uma fratura na
costela. Isso pode levar a uma hemorragia interna.

– Não! – rosnei. – Não vou a lugar nenhum sem ver minha mulher.

– Por favor, ela está sedada agora. Não vamos demorar na sua
radiografia. – Pensando que concordei com o meu silêncio, doutor
Garavinni ordenou para que eu fosse levado imediatamente para um
raio x.

– Eu já disse, não vou a lugar algum, apenas me diga onde ela


está. Agora!

Não sei se foi algo no meu tom de voz, mas ele não insistiu mais,
apenas deu um passo para o lado e apontou:

– Pegue o elevador no fim do corredor à direita. Ela está no


segundo andar, quarto 204.
Acenei com a cabeça em agradecimento e praticamente corri até
o elevador ignorando a dor que ficava cada vez pior. Arrependido de
não ter subido as escadas saí empurrando quem estava na minha
frente e finalmente cheguei no quarto 204.

E lá estava ela. Linda, mais linda do que nunca esteve mesmo


vestindo uma dessas camisolas de hospital. Meu coração foi inundado
por um sentimento de paz tão forte que quando eu percebi meus olhos
estavam cheios de lágrimas. Por um segundo eu pensei que tivesse
perdido tudo, mas olhando para minha menina vi que estava preso em
um pesadelo, era ela ali, na minha frente.

Uma enfermeira terminava de ajustar o soro em seu braço. Puxei


uma cadeira e me sentei do outro lado, pegando sua mão delicada
entre a minha.

– Nunca mais faça isso comigo meu amor, nunca mais…

Tentei deitar a cabeça no colo dela, mas não consegui dobrar o


corpo, cheguei o mais que pude com a cadeira na beirada da cama e
fiquei assim apenas admirando ela dormir.

– Teria como aumentar a temperatura do ar-condicionado? –


perguntei para enfermeira que estava de saída do quarto. De repente o
quarto ficou muito frio – Mollie não gosta de frio.

– Desculpe senhor, mas a temperatura dos quartos é definida por


protocolo. Um minuto que vou chamar a enfermeira chefe…

Ela me olhou com uma expressão preocupada e saiu às pressas.


Recostei na cadeira sorrindo aliviado, não consegui lembrar direito
como viemos parar aqui, mas eu sabia que estava tudo bem agora.

– Mollie, eu tive o pesadelo mais horrível de todos… sonhei que


tiraram você e as meninas de mim. Onde estão as crianças, por falar
nisso? Quem ficou com elas?

A porta do quarto se abriu e a enfermeira voltou acompanhada por


outra com cara de poucos amigos, ela era familiar… Joana se não me
engano…
– O senhor não pode mais recusar tratamento, seu Alexandre…

– Alexander – corrigi – eu não preciso de tratamento, só preciso


ficar perto da minha mulher.

– Mas como é teimoso! – ela exclamou colocando um aparelho na


frente da minha testa – Olha isso, 41,2 graus! O senhor está a ponto
de ter uma convulsão. Há quanto tempo está se sentindo mal sem
pedir ajuda?

Me sentindo mal? Do que ela estava falando? Só estava frio.

– Alex… – a única voz que eu queria escutar me chamava, ela


finalmente acordou e levantou a mão, pousando na minha testa –
escute a moça, meu amor, você está queimando de febre.

– Eu não quero te deixar sozinha. Sinto tanta falta das crianças…

– Tudo bem – ela disse e eu semicerrei os olhos, quando ela tinha


pintado o cabelo de loiro? Era estranho porque eu amava muito mais
esse cabelo, minha cabeça estava tão confusa, meu peito doía e eu
tremia de frio. Ela continuou – Eu vou estar bem aqui quando você
voltar, está tudo bem, agora faça isso por mim e vá com a moça, ok?

– Não quero ir a lugar algum, o que vocês tiverem que fazer façam
nesse quarto, eu pago o dobro da conta se precisar.

Joana suspirou e adotou um tom mais calmo, outra enfermeira


chegou com um remédio em copinho de café, estavam todas em cima
de mim, não consegui entender o que de tão grave elas viam.

– Ouça sua esposa. Tome esse remédio para abaixar essa febre e
vamos imediatamente para o raio x.

Seu tom de voz não dava espaços para discussões. Eu não queria
ficar longe de Mollie, parecia que não a via há anos, mas fui ao bendito
raio x. Alguém trouxe uma cadeira de rodas e eu gargalhei alto,
lançando mais ondas de dor pelo corpo.
– Leve isso para longe de mim, apenas me aponte a direção que
eu vou andando.

Joana revirou os olhos

– Tudo bem, me siga.

Dei um beijo na testa da minha menina.

– Não se preocupe comigo, Mollie. Eu sei o que fazer.

Antes de abrir os olhos eu sabia de quem era a mão que segurava


a minha. Seu toque era inconfundível. Entretanto, quando foquei minha
visão, a aparência de Alex me gelou por dentro. Ele suava muito, sua
pele apresentava um tom acinzentado e seu corpo todo tremia em uns
espasmos estranhos. Sua voz estava grogue, enrolada e ele se
confundia no português. Quando me chamou de Mollie pela segunda
vez, eu soube que não estava imaginando coisas, antes mesmo de
acordar o ouvi me chamar assim. Era horrível saber tão pouco sobre o
homem que eu amava. Quem seria essa mulher? Uma esposa, ex-
namorada, uma irmã talvez? Mas ali com Alex desabando em minha
frente não era a hora de pensar nisso, ele queimava de febre, o que
tinha acontecido com ele antes de chegar naquele porto?

– Não se preocupe comigo, Mollie. Eu sei o que fazer.

Passei a mão em seu rosto que pegava fogo.


– Eu amo tanto você... – E me virando para a enfermeira
completei –, pelo amor de Deus, não deixe nada acontecer com ele,
Alex é tudo o que eu tenho.

Ela me deu um sorriso afetuoso que a deixou muito bonita e


disse:

– Ele me disse a mesma coisa quando chegou com você nos


braços. Pode ficar tranquila, te manterei informada.

– Vamos logo, eu não tenho o dia todo – Alex gritou do corredor.

A espera por notícias foi péssima, eu estava preocupada com


tudo, torcendo para que aquela confusão de Alex fosse apenas devido
à febre alta. Sempre que alguém passava pelo corredor meu coração
disparava achando ser ele chegando, mas foi só mais de uma hora
depois que a enfermeira Joana chegou com notícias. Quando vi sua
expressão tremi dos pés à cabeça com a certeza de que essas não
eram boas notícias.

– Minha filha….

– Por favor, só me diga algo se for para falar que ele está bem.

– O médico já vem falar com você, diga a verdade a ele, tá bom?

– A verdade? Como ass…

– Cecília Lion? – um homem bonito com um jaleco branco entrou


no quarto olhando para uma prancheta – Meu nome é Temer
Hermouche e eu sou o psiquiatra responsável pelo caso do seu
marido.

– Psiquiatra? Não estou entendendo, ele não estava só com uma


costela quebrada? – olhei para enfermeira, mas o médico respondeu.

– Seu marido apresentou uma luxação na costela que inflamou,


mas o que nos preocupa agora é outra coisa. Que tipo de drogas ele
usa?
– Drogas? Nenhuma…

Ele suspirou tirando os óculos.

– Filha, seu marido está passando por uma severa crise de


abstinência, preciso saber exatamente no que ele é viciado para poder
tratá-lo adequadamente. Não estou aqui em posição de julgar
ninguém, mas por favor, não minta mais para mim. – Ele olhou para o
meu curativo na coxa. – Foi ele que te machucou?

A simples ideia de que Alex poderia me machucar quase me fez


gargalhar na cara do médico, mas me contive. Lembrei de todas as
caixas de whisky pela casa, da garrafa quebrada em seu quarto, e de
como ele estava sempre bebendo, não importava o horário.

– Whisky… só pode ser whisky. Não pensei que fosse tão grave
assim, para falar a verdade eu nunca o vi bêbado.

Ele arqueou uma sobrancelha como se não acreditasse em uma


palavra que eu dizia, mas completei fingindo que não percebi.

– Alex morreria antes de me machucar, doutor. Não há ninguém


no mundo que me protege como ele.

– E do que você precisa ser protegida? – ele perguntou, na lata.

Abaixei a cabeça.

– De nada em específico, foi apenas modo de falar.

Para a minha sorte ele não insistiu, se despediu de mim e saiu do


quarto. Joana verificou meu soro e disse que estava tudo bem.

– Claro que não está. Onde vocês o levaram?

– Senhora…

– Eu tenho 19 anos, Joana, me chame de Cecília. Eu só não


quero ficar sozinha, onde ele está?
– Você não está sozinha, tem um hospital inteiro cuidando de
você. Seu marido está sendo muito bem tratado, mas ele está em uma
severa crise de abstinência. No momento ele é um perigo para ele e
para todo mundo que o cerca. Mas vocês deram “sorte” – ela fez o
gesto com as mãos – você não ia conseguir cuidar dele sozinha. Há
quanto tempo ele parou de beber?

– Eu não sabia que ele tinha parado de beber, mas ontem à noite
ele bebeu, tenho certeza. Dá tempo de ter uma crise tão intensa
assim?

– Ele é um homem forte, a crise vem em menos tempo até. O


trauma do assalto que vocês sofreram deve ter impactado seu
emocional. Ele vai sair dessa, Cecília, tenho certeza. Doutor Temer é
assim ríspido, mas é muito bom no que faz.

– Quando poderei vê-lo?

– Vamos ver como tudo vai evoluir e daí a gente pergunta para o
médico, combinado?

Balancei a cabeça sem ânimo, quando nossos problemas


finalmente acabariam? Eu só queria plantar minhas flores em paz ao
lado dele, isso não era pedir muito.

– Ah Joana, você está aí, estava te procurando por todo canto. –


Uma moça baixinha que não devia ser muito mais velha que eu,
apareceu com a cabeça na porta do quarto. – Preciso de você, eu
acho que fiz merda com o paciente do 215.

– O delegado que está em coma? Que tipo de merda você fez?

Delegado em coma? Não! Não! Não… Meu estômago se


contorceu.

– Isso, o delegado bonitão, tadinho, tão lindo! Enfim, eu estava


dando banho, esbarrei e a sonda nasogástrica saiu.

– Isso é comum, mas preste mais atenção da próxima vez. Já vou


trocar, estou só verificando uma medicação.
– Q-que paciente é esse que vocês estão falando? – perguntei.

– Um mistério, na verdade, ele veio de uma cidade do interior, foi


atacado pela noiva bem no dia do noivado, foi o que falaram pelo
menos.

Era mesmo ele, só podia ser!

– Nossa, é mesmo uma pena e ele está bem? Tem chances de se


recuperar?

Ela me lançou um olhar curioso, mas respondeu.

– Deus em sua infinita sabedoria nunca cansa de nos surpreender,


minha filha, mas o caso dele é bem grave, cada dia que ele não reage
fica mais difícil sua recuperação.

Tive que conter um sorriso involuntário que surgiu em meus


lábios. Meus pais me criaram para ser uma pessoa boa com respeito à
todos os seres vivos, mas só de saber que Vicente nunca mais viria
atrás de mim ou que pudesse fazer mal a Alex, eu me enchia com um
alívio tão grande que era difícil não sorrir.

Joana se despediu dizendo que eu poderia chamá-la quando


quisesse. No entanto, a única vontade que tive era a de ver com os
meus próprios olhos se era mesmo aquele monstro que estava a tão
poucos passos de mim. Observei mais um pouco a rotina do hospital e,
quando foi duas da manhã, percebi que acontecia uma mudança de
turno. Desci da cama, sentindo os pontos na minha coxa coçarem e
saí do quarto com aquela camisola de hospital horrorosa. Se alguém
me parasse eu fingiria estar confusa pelos remédios.

Andando nas pontas dos pés, morta de medo de ser pega


bisbilhotando pelo hospital, procurei o quarto 215. E então uma
avalanche de dúvidas tomou conta de mim.

Será que era mesmo 215 que a enfermeira falou? E se tivesse


alguém com ele no quarto? E se fosse a polícia? E se alguém me
reconhecesse? Não! Isso era loucura… Eu não poderia entrar ali. Não
sei o que eu faria no mesmo ambiente com Vicente, nunca conseguiria
enfrentá-lo. E se ele acordasse comigo no quarto? Pus a mão na
consciência e percebi a loucura do que eu estava fazendo. Com o
coração batendo dentro do meu cérebro, voltei o mais depressa que
pude para o meu quarto, desabei na cama e chorei me sentindo mais
sozinha do que nunca.

Alex, meu amor, onde você está?


– Pronta para sua alta? – Joana entrou animada no quarto.

Não respondi, apenas continuei encarando a parede ao lado da


minha cama. Eu estava há cinco dias nesse hospital, ninguém me
dava uma mísera notícia diferente sobre Alex, sempre a mesma
enrolação: “O paciente está bem e reagindo ao tratamento, logo irá
poder receber visitas”. Cinco dias sem ele, sozinha, isolada do mundo
com o estômago pegando fogo de tanta ansiedade, pensando se era
mesmo Vicente no outro quarto.

– Filha, você não precisa ficar assim, nós estamos ajudando o seu
marido, acredite em mim. – Ela olhou de relance para porta e abaixou
o tom de voz – talvez…

Ela ia dizer alguma coisa, mas o doutor Temer entrou no quarto.


Ele vinha conversar comigo todos os dias. No começo, pensei que ele
faria perguntas sobre Alex e seu vício, mas de uma forma muito sutil a
conversa foi mudando e logo uma coisa ficou muito clara: ele estava
interessado nas minhas cicatrizes. Lancei um rápido olhar na direção
do médico e virei a cabeça para encarar a parede de novo. Era horrível
carregar o passado exposto no próprio corpo, sem direito à
privacidade. Sei que prometi a Alex que não me cortaria mais, mas eu
estava por um fio naquela cama de hospital sem ele ao meu lado.

– Como estamos hoje? Fiquei sabendo que você está pronta para
ganhar alta, só falta a minha assinatura.

Suspirei e respondi sem olhar para ele.


– Não tenho como saber como você está, só posso te dizer como
eu estou.

– Não há outra coisa no mundo que eu queira saber mais. Como


você está, Cecília?

– Ótima, maravilhosa, nunca estive melhor. Se era só isso…

Ele pegou uma cadeira e como sempre fazia, sentou-se ao meu


lado na cama. Flashes de Vicente me olhando sentado na cadeira no
meu quarto, fez o meu corpo inteiro retesar, lutei para não chorar. O
último lugar que eu queria ir era para esse passado. Falei a primeira
coisa que me veio à mente, para expulsar essas lembranças.

– Por que vocês estão mantendo Alex longe de mim?

– Por que você acha que estamos mantendo-o longe de você? Eu


já disse, a primeira semana de uma crise de abstinência é a mais
difícil, não permitimos visitas, seu marido está bem e reagindo ao
tratamento. Você acha que ele deveria ser mantido longe de você?

Aquele joguinho de palavras estava me irritando profundamente.


Sentei-me na cama e encarei o Doutor Hermouche diretamente nos
olhos:

– Escuta aqui, eu não quero a ajuda de ninguém, sei muito bem


que não dá para confiar em nenhum de vocês. Sim, infelizmente meu
corpo é praticamente um museu, está tudo aí para quem quiser ver,
mas isso não é da sua conta, e suas insinuações contra Alex são
absurdas. Foi ele que me salv…

Não deveria ter falado tanto, mas eu estava muito nervosa,


minhas mãos tremiam muito e não consegui segurar as lágrimas.
Deitei de novo na cama olhando para parede. O médico voltou a falar,
mas dessa vez sua voz estava menos impessoal.

– Cecília, meu único intuito é ajudar você, eu não sou policial nem
detetive.
– Me ajudar no quê? A única pessoa que me ajudou vocês
separaram de mim.

Ele soltou o ar pelo nariz e arrastou a cadeira.

– Anda, vem comigo.

Olhei para ele desconfiada.

– Para onde?

– Você vai ter que começar a confiar nas pessoas, Cecília. Dê um


salto de fé, nós estamos em um hospital e cercados de câmeras.

– Como se câmeras já tivessem impedido alguém antes.

Ele não respondeu nada, não insistiu, apenas esperou. Eu


gostava de Joana e ela gostava do Dr. Temer. Eu não usava mais a
camisola horrível do hospital, Joana tinha arrumado umas roupas para
mim. Ela me fez sentir uma saudade gostosa da minha mãe, acredito
que tenha sido a primeira vez que lembrei de mamãe sem sentir tanta
dor.

– Joana gosta de você – saiu da minha boca sem querer enquanto


eu me levantava da cama.

Ele esboçou um sorriso.

– Nossa filosofia de trabalho é bem parecida, Joana se desdobra


pelos seus pacientes. E ela me contou uma coisa a seu respeito.

– O quê? Não me deixe curiosa. – Quando vi eu estava sorrindo


também.

Ele não respondeu mais nada, apenas me fez segui-lo até a área
externa do hospital aonde chegamos em um canteiro de horta lindo,
muito bem cuidado. Havia flores por todo canto.

– Eu disse mesmo à Joana que estava sentindo falta das minhas


florzinhas.
– Eu sei…

Nos sentamos em um banco, olhando para as plantas, parecia um


gesto bobo, mas eu me senti bem melhor do que quando acordei
olhando para a parede bege do meu quarto.

– Temos um programa de recuperação de viciados aqui, esse


canteiro foi plantado por eles, seu marido poderia se beneficiar disso.

– Posso fazer tudo isso por ele. Ele não precisa mais passar por
nada sozinho.

– Está falando dele ou de você mesma?

Suspirei cansada.

– O que você quer comigo? Se você não trabalha para ele é só


curiosidade mórbida? Em todo o caso, eu não posso mesmo te falar.

– Ok, sem rodeios então. Seus cortes, a maioria deles pelo


menos, foram auto infligidos, o cirurgião que tratou sua perna me
passou o seu caso como gravíssimo risco de suicídio, nós chegamos a
cogitar que pudesse ter sido seu marido – bufei revirando os olhos,
mas ele continuou – que pudesse ter sido o seu marido devido à crise
de abstinência, mas eu acredito na sua palavra e vou acreditar em
tudo o que você me disser, mas não posso te deixar ir embora se
achar que você corre risco de vida.

– Não fiz isso comigo mesma, muito menos Alex. Acredite nisso
então.

– Mas alguém fez, por que não chamou a polícia?

– Porque eles não podem resolver meu problema.

– Você sempre foi desconfiada das instituições?

Ele estava achando que tudo estava na minha cabeça.


– Não, só fiquei assim depois que todas elas falharam comigo.
Olha doutor, eu agradeço de coração você ter me trazido aqui para ver
as flores, estou mesmo me sentindo melhor. Acredite em mim, eu me
cortava mesmo, mas eu não quero morrer, não agora que descobri que
é possível ser feliz de novo. Não me entenda mal, mas a única coisa
que eu preciso é de Alex ao meu lado e se você não concorda e vai
me dizer que eu tenho de encontrar uma força interior sozinha eu
simplesmente não dou a mínima para a sua opinião ou para o que
você pensa que sabe sobre minha vida porque leu em um livro.

Ele me olhava boquiaberto.

– Tem algo mais que você quer saber ou eu posso ir agora?

– Pode ir, Cecília – suspirou– vou assinar sua alta.

Voltei pelo longo corredor e o Dr. Hermouche não veio atrás de


mim, talvez ele estivesse mesmo sendo uma boa pessoa, mas quando
eu realmente precisei que um médico olhasse para mim e me ajudasse
nenhum veio. Quantas vezes fui internada em Santa Maria sangrando,
quebrada por dentro e por fora e todos eles olharam para o outro
lado?

Andando a passos largos em direção ao meu quarto, ainda


tremendo de indignação, levantei a cabeça e dei de cara com o quarto
215. Seria mesmo possível uma coincidência tão grande?

Olhei para os lados e ninguém prestava atenção em mim. Eu


precisava saber se era ele mesmo. Entrei no quarto, pronta para pedir
desculpas e sair se alguém estivesse lá dentro. Mas não havia
ninguém, só um homem deitado em uma cama, conectado a muitos
aparelhos. Pé ante pé fui até a cabeceira e o ar fugiu todo meu peito.
Vicente estava diferente, mais magro, mas sem sombra de dúvidas era
ele.

Não mexi um fio de cabelo, fiquei ali paralisada, apenas olhando


para o monstro que por tanto tempo fez da minha vida um verdadeiro
inferno. Ele era mesmo um monstro? Ali, vulnerável, sendo mantido
vivo pela boa vontade de outras pessoas, ele parecia um simples
mortal, que sangrava como todo mundo… será que era mesmo? Os
aparelhos faziam um barulho constante e me fizeram voltar à
realidade, os olhei mais uma vez ainda sem acreditar que ele pudesse
mesmo ficar indefeso numa cama. Teve uma época que acreditei que
ele era a pessoa mais forte do mundo e nada poderia detê-lo. No
entanto, eu não me orgulhava do que fiz, não me arrependia, mas não
me orgulhava. Olhei mais uma vez para o seu rosto, sua boca estava
torta e havia um tubo seu nariz. Meu coração estava a mil e eu prestes
a correr a qualquer movimento, mesmo assim criei coragem para dizer
tudo o que estava dentro de mim.

– Sabe, Vicente, você era minha prisão… não desejo seu


sofrimento, nunca desejei. Só queria que você parasse, me deixasse
em paz. Por muito, muito tempo eu achei que a culpa era minha, que
eu te deixava nervoso, que se eu fosse uma filha melhor você
reconheceria meu valor, mas eu não sabia o tamanho da sua loucura.
Espero que você encontre paz nesse ou no outro plano, e que evolua
para não fazer mais ninguém sofrer como eu sofri… – Nessa altura
precisei segurar o choro – Não posso te perdoar, as coisas que você
me fez não têm perdão, mas eu não vou deixar que você me prenda
mais. Não vou levar traumas e mágoas dentro de mim, estou amando
uma pessoa maravilhosa agora e dentro de mim só tem espaço para
ele. Você dizia que ninguém nunca iria gostar de mim, mas estava
enganado, estou feliz, livre e amando.

E então eu me inclinei e disse bem no ouvido dele.

– Eu ganhei…

Girei nos calcanhares e saí com toda pressa daquele quarto


escuro e opressivo. Vicente tornava qualquer ambiente hostil como ele
era e, eu esperava que nossos caminhos nunca mais se cruzassem.
Corri em direção ao quarto passando em frente ao posto das
enfermeiras. Assim que me viu, Joana me chamou animada, mas
apenas passei reto por todos e finalmente desabei quando cheguei na
cama.

Mesmo sabendo que Vicente estava em coma, fiz questão de me


manter forte perto dele, mas agora minha cabeça estava entrando em
um abismo de lembranças desconexas, uma pior que a outra. Não ia
dar para manter minha promessa a Alex, eu morreria se não me
cortasse.

– Minha filha, o que aconteceu?

Joana me chamando dessa forma acabou de vez comigo,


escorreguei da cama, abracei meus joelhos e chorei como nunca na
minha vida havia chorado, nem quando fugi da fazenda eu chorei
assim. Não conseguia falar nem puxar o ar, só chorar.

– Cecília por favor, você está me assustando, foi algo que o Dr.
Temer te disse?

Balancei a cabeça negando, sem conseguir parar. Ela me


abraçou, eu teria ficado nervosa com seu toque, mas foi muito bom, foi
como se minha mãe estivesse ali comigo. Mesmo assim, eu
continuava chorando, já com soluços de tanto tempo que durava.

– Cecília olhe para mim – ela disse sacudindo meus ombros – vou
te levar até o seu marido, mas você não pode sair daqui chorando
assim.

Eu queria tanto Alex ao meu lado. Tentei jogar todas as


lembranças de Vicente para fora de mim e fui me acalmando. Alex não
poderia me ver assim, meu papel era ajudá-lo a melhorar e não piorar
de vez seu estado emocional. Ainda com a respiração trêmula de tanto
chorar eu disse:

– T-tudo bem, já parei.

– Sua alta já está saindo, então você vai ter que ficar com o seu
marido até amanhã, creio que ele vai receber a dele logo, a fase crítica
já passou.

Concordei com um aceno e Joana foi buscar água para mim


enquanto eu arrumava meus poucos pertences. Passei uma água no
rosto, contei até dez e saí do quarto. Joana me levou até a porta da
administração e assinei minha alta. A secretária perguntou se poderia
mandar a conta do hospital para mim e eu disse que sim.
– Como assim 65 mil reais? – perguntei meio tonta pegando e
envelope da mão dela.

– Os gastos estão todos detalhados, nós possuímos maneiras


mais suaves de pagamento, mas não se preocupe com isso agora,
estamos torcendo pela breve recuperação do seu marido.

Como eu não me preocuparia com isso? Guardei o envelope com


a conta e fui discretamente atrás de Joana. Pacientes em tratamento
de vícios não podiam receber visitas na primeira semana, mas ela
prometeu que me colocaria em seu quarto. Eu não via a hora de
voltarmos para a casa, apesar de casa ser qualquer lugar que Alex
estivesse.

– Vem comigo – Joana disse assim que me viu saindo da sala da


administração – amanhã antes da alta dele eu dou um jeito de te
esconder e vou vigiar para nenhuma enfermeira entrar lá essa noite.

– Você me fez lembrar da minha mãe – eu disse com os olhos


marejados.

Ela limpou a garganta antes de responder enquanto abria uma


porta que separava as alas do hospital.

– Se eu tivesse uma filha eu queria que ela fosse exatamente


como você.

Lutei contra as lágrimas e lutei contra a vontade de me depreciar.


Sim, Joana poderia sim, querer ter uma filha como eu, mesmo depois
que me conhecesse de verdade. Era difícil realmente acreditar nisso,
mas eu repetiria “as pessoas podem gostar de quem você é, Cecília”
até que se tornasse verdade.

– Chegamos! – ela disse.

As palmas das minhas suavam, eu não via Alex há exatos cinco


dias, parecia uma eternidade. Joana abriu a porta e quando eu ouvi a
voz dele eu quis rir e chorar tudo ao mesmo tempo.
– Preciso ver minha mulher, me mande pelo menos um vídeo dela
para eu saber que ela está bem. Ela não pode ficar tant….

Assim que saí de trás de Joana e ele me viu, parou de falar, com
lágrimas nos olhos.

– … to tempo sozinha – ele disse com um sorriso que tomou conta


do seu rosto todo. Meu Deus como ele era lindo. Que saudade eu tive
daqueles olhos, daquela boca… Ele estava um pouco mais magro,
mas sua pele brilhava, seu cabelo estava mais sedoso. Como se fosse
possível, meu cowboy estava ainda mais bonito do que nunca.

– Estou aqui e ninguém me tira de perto de você de novo – falei.

– Bom, vou deixar os pombinhos sozinhos – Joana disse e nós


caímos na gargalhada, ela balançou a cabeça e fechou a porta sem
entender nada.

Alex não disse mais nada, assim que a porta foi fechada ele
segurou forte minha nuca, enlaçou minha cintura e me beijou. Gemi
em sua boca assim que nossas línguas se encontraram, como senti
falta dessa boca, desse toque! Respirei fundo enquanto o beijava, para
sentir seu cheiro e me demorei explorando cada cantinho dos seus
lábios.

– Me perdoa, Cecília, por favor! – ele disse sem tirar a boca da


minha.

– Te perdoar pelo que, meu amor?

– Por tudo, se eu não tivesse saído da casa aquele dia, daquele


jeito nada disso teria acontecido. Aquele filho da puta…

Ele afundou a cabeça no meu pescoço segurando com força


minha cintura.

– Não pense mais neles, Alex. Acabou.

Tínhamos muito o que conversar, mas quando ele beijou o meu


pescoço enquanto descia a alça do meu vestido, esqueci de tudo.
– Alex! Alguém pode entrar aqui – falei sem fôlego.

– Eu não me importo, a falta que senti de você... achei que fosse


morrer trancado aqui sem saber como você estava.

Ele desceu todo o meu vestido me deixando apenas de calcinha e


sapatos.

– Você quer me matar, menina? – disse sem tirar os olhos dos


meus seios.

– Eu não sabia que ia precisar de roupas…

Ele me puxou pelos cabelos e me beijou mais uma vez. Meus


mamilos estavam duros e desesperados por atenção. Sem pensar
direito Alex me segurou nos seus braços e me largou, gemendo de
dor.

– A sua costela, cuidado!

Ele abriu um sorriso safado que me molhou até nas coxas.

– Esqueci dessa merda, acho que você vai ter que cuidar de mim.

Ele não estava de camisa, usava uma faixa apertada no tronco.


Como ele era pelo menos 30 centímetros mais alto que eu, tive que
ficar nas pontas dos pés e puxar seu pescoço para baixo a fim de falar
no seu ouvido.

– Nada me daria mais prazer que passar o resto da noite cuidando


de você – eu disse pegando sua mão e colocando entre minhas
pernas.

– Porra, garota, você vai me fazer quebrar essa costela de novo,


mas eu vou te jogar naquela cama…

Eu ri e o beijei mais uma vez.

– Não senhor, hoje é a minha vez.


Tirei sua roupa devagar, beijando cada pedacinho do seu corpo,
admirando o quão magnífico ele era. Perfeito e totalmente meu, às
vezes ainda era difícil acreditar. Dei um beijo delicado onde estava
machucado. Ele não pensou duas vezes em me resgatar, minha
fazenda tinha capangas por todos os lados e em menos de 24 horas,
Alex me achou. Era assim que nos amávamos, sem limites, sem medo,
sem amarras. Peguei o seu membro completamente duro em minhas
mãos e ele gemeu meu nome. Ajoelhei em sua frente, olhando nos
seus olhos, tremendo de tesão.

– Eu amo você, Alexander Lion, você é a minha vida.

– E você é a minha… aaaaah, loirinha… – gemeu quando


coloquei todo o seu comprimento na minha boca. Era uma delícia
chupá-lo. Ele agarrou os meus cabelos, ditando um ritmo mais rápido,
enquanto gemia meu nome sem parar. Lambi sua cabeça, suas veias
que pulsavam em minha boca, chupei ele todo, com muita vontade. Eu
pingava de tesão, estava muito, muito molhada.

– Para Cecília, senão eu vou gozar na sua boca.

Sem tirar seu pau da minha boca, respondi:

– Pode gozar, meu amor.

Ele me levantou meus cabelos e sussurrou no meu ouvindo,


levando ondas de prazer para todos os lugares certos.

– Não, eu vou gozar junto com você.

Atacando minha boca mais uma vez, acariciou meus mamilos e eu


tive que lembrar que estava no quarto de um hospital para não gritar
enlouquecida.

– Você ainda está usando isso? – perguntou quando passou a


mão no cós da minha calcinha, rasgando o tecido ao meio com um só
movimento.

Sem parar de me beijar, Alex me conduziu até a cama, deitando-


se de costas. Sem perder tempo, ajoelhei em cima dele, sentando em
sua coxa. Ele acariciou meu mamilo com uma mão e meu clitóris com
a outra e eu fui para um paraíso de agonia. As ondas de prazer vinham
cada vez mais fortes e só uma coisa me ajudaria agora.

– Alex… por favor… – pedi olhando diretamente em seus olhos.

– Goze para mim, Cecília. Eu não vou bater em você! – quase


chorei de frustração e ele abriu um sorriso devasso – pelo menos hoje
não.

Deixei uma lágrima cair, emocionada por ele não fechar essa porta
e não rejeitar esse meu lado. Resolvi relaxar o corpo e deixei o meu
tesão me ditar o que fazer.

– Você consegue se sentar encostado na cabeceira da cama? –


perguntei um tanto tímida.

– Sim, senhora! – ele disse e nós rimos.

Mais do que depressa ele fez o que pedi e subi em seu colo. Meus
seios ficaram na altura da sua boca, exatamente como eu queria.
Estive pulsando pela sua língua em meus mamilos há cinco malditos
dias. Tentei colocar seu pau dentro de mim, mas… foi mais difícil que
imaginei. Ele sorriu para mim e me beijou intensamente e tão delicado
que eu me senti completamente amada. E sem que eu percebesse, me
penetrou.

Dessa vez não teve como, quem estava do lado de fora ouviu.
Gemi muito alto, ele era muito grande e grosso e nessa posição
entrava até no fundo. Alex colocou o rosto na base do meu pescoço e
gemeu meu nome.

– Porra, loirinha, você é deliciosa para caralho… A mulher mais


fodidamente gostosa que eu já vi, toda minha. Eu te amo demais.

Ainda me movendo devagar, me acostumando com o seu


tamanho, implorei, de olhos fechados.

– Alex…
Ele agarrou a minha nuca e sua voz grave e impositiva por pouco
não me fez gozar.

– Abra os olhos e me diga o que você quer! Eu sou todo seu,


Cecília.

E então todo meu pudor se foi.

– Quero sua boca nos meus seios, por favor…

Ele sorriu, como eu amava esse sorriso, e fez o que pedi. E foi
assim que eu me perdi. Alex estava por todo o meu corpo, como se
fôssemos um só. Ele me segurou forte pela cintura e ditou o ritmo das
suas estocadas por alguns segundos e depois relaxou. Lambendo
meus seios, acariciando meus mamilos deixou que eu cavalgasse
como bem entendesse. E foi o que eu fiz. Rebolei naquele homem
enorme e maravilhoso, jogando a cabeça para trás, sentindo-o pulsar
dentro de mim, até que de repente, apenas sentindo suas mãos, sua
língua e seu pau, o que eu pensei que nunca aconteceria, aconteceu!

– Alex… eu vou gozar…

– Olhe para mim, Cecília, vou gozar com você!

– Ah meu Deus! – arfei com o orgasmo mais intenso da história


dos orgasmos varrendo todo o meu corpo.

Enquanto espasmos de prazer ainda me percorriam, ele segurou


em minha cintura e meteu muito forte por algum tempo e gozou
falando o quanto me amava. Eu não queria me mover, não queria sair
de cima dele. Alex acariciou os meus cabelos e me olhou com muita
ternura. Beijei todo o seu rosto até a minha respiração voltar ao
normal. Eu sentia que explodiria de amor a qualquer momento.

– Cecília! – ele disse, com uma urgência enorme na voz.

Olhei para ele um tanto preocupada, o que poderia ter mudado em


tão pouco tempo? E então ele fez o meu coração parar de bater de
vez.
– Pelo amor de Deus, case comigo!
Finalmente Cecília seria minha, mas… O que estava acontecendo?
Tudo ficou escuro, eu estava em um nada, era frio, muito frio sem ela.
Desde que eu a vi com sete anos, no colo daquele perdedor eu me
apaixonei. Já esperei demais por você, Ratinha. Onde você está?

– Eu ganhei…

Sim, era a voz dela me chamando, me tirando do escuro. Meus


olhos estavam pesados, era difícil abri-los, mas o escuro e o frio aos
poucos iam embora. Confuso, olhei ao redor, ela me chamou, seu
cheiro estava no ar, mas… onde eu estava? Uma coisa no nariz me
incomodava bastante, tentei me mover, mas… uma mulher toda
vestida de branco olhou espantada.

– O senhor acordou! Misericórdia! JOAAANA! – a idiota saiu


gritando.

– Ei sua vagabunda volta aqui!

Pensei ter falado, mas nenhum som saía da minha boca. Não
consegui acompanhar quanto tempo passou, mas a idiota voltou com
outra mulher de branco que me olhou igualmente espantada.

– Senhor Vicente, seja bem-vindo de volta! O senhor sofreu um


ataque e está no hospital de Vitória. Não tente se esforçar, vou tirar a
sonda no seu nariz, vai ser um pouco desconfortável, ok?

Ataque? Hospital? Do que essa puta estava falando? Ah! Filha da


puta, doeu para caralho quando ela tirou um fio enorme de dentro de
mim, mas pelo menos respirar ficou mais fácil.
Ela pegou minha mão e pediu:

– Aperte minha mão, por favor.

Tentei o máximo, mas meus membros não me respondiam. Ainda


sorrindo ela colocou uma luz nos meus olhos e eu imaginei dando um
soco na cara dela, desgraçada.

– O senhor está indo muito bem…

Tomei o máximo de fôlego, só uma coisa me importava agora.


Onde minha Ratinha está? Amanhã é o dia do nosso casamento.

– Rrrrrr aaaaa t…

Frustrado tentei mais uma vez.

– Ceeeeeecimmm…

CARALHO!

– O que ele está tentando falar, Joana?

– Não sei, Désirée, vá chamar o neurologista, agora!


– Eu sei que é errado, mas não queria que você fosse embora! –
Joana me abraçou enquanto Alex assinava sua alta.

– Eu não tenho um celular, mas me dá seu número para eu não


perder contato – eu disse triste de imaginar que talvez nunca mais
fosse vê-la. – Obrigada por tudo, Joana. Foi o destino que te colocou
em meu caminho.

– Joana! Joana! – uma enfermeira bem nova a chamou.

– O que foi, Désirée?

– Você precisa me ajudar, eu não sei o que fazer nesses casos –


ela disse bastante apreensiva com o dedo na boca.

Joana olhou para mim como quem pedia desculpas.

– Bom minha filha, se cuide! O dever me chama. – Ela se afastou


com a outra enfermeira – garota você não pode ser aflita assim.

– Mas eu não estava preparada para o que aconteceu, o paciente


do… – Désirée disse enquanto se afastava.

– Cecília! – Alex me chamou e não prestei mais atenção nas duas.


– Vamos para casa?

Abri um sorriso imenso, nós iriamos finalmente para casa. Na


noite anterior depois que fui pedida em casamento e prontamente
aceitei, Alex e eu não tivemos tempo de conversar, depois que fizemos
amor mais uma vez o dia já estava clareando e caímos os dois
exaustos nos braços um do outro.

Entrelaçamos nossas mãos e fomos até sua caminhonete. Ele fez


uma cara de surpresa quando a viu estacionada.

– Nem acredito que ela ainda está aqui! Não fechei nem as portas
quando tirei você às pressas.

Beijei sua mão.

– Não pensa mais nisso, esses dias ficaram para trás. Agora
teremos a vida mais normal de todas. Só espero que você não morra
de tédio.

– Tédio ao seu lado? Impossível! – ele disse enquanto abria a


porta do carro para mim.

Ele se acomodou, ligou a caminhonete e, finalmente, deixamos o


hospital para trás. A sensação que tive era de que uma fase da minha
vida ficara finalmente para trás e agora outra estava começando. Alex
entrou no seu modo caladão de sempre e ligou o som do carro.
Respirei fundo e desliguei, não dava mais para adiar. Tínhamos muito
o que conversar. Foi por falta de comunicação que tudo aconteceu.

– Alex…

– Eu sei, loirinha. Pergunte… pergunte o que quiser.

Eu realmente tinha muito o que perguntar, mas preferi me abrir e


ser franca para incentivá-lo. Algo me dizia que fazer o mesmo não
seria fácil para ele.

– Na verdade, eu tenho algumas coisas para te contar, mas não


sei como você vai reagir…

Ele continuou prestando atenção na estrada e me lançou apenas


um “hum” despreocupado.
– Bom, a primeira delas é que eu quero muito me casar com você,
mas não tenho documentos, meu nome não é nem Cecília Alcântara –
percebi seu corpo todo retesar quando eu disse esse nome – o meu
pai se chamava Pedro Menezes. Não sei por que Vicente mudou o
meu nome desde criança. Devo ter documentos, porque frequentei a
escola, mas não sei por onde começar a procurar e...

– Fica tranquila meu amor, você será a senhora Lion, mais cedo
ou mais tarde.

Sorri e coloquei minha mão em sua perna.

– Mas, Alex…

– Você confia em mim, Cecília?

– Você sabe que sim, com todo o meu coração.

– Ok… – ele disse, mas uma sombra passou em seus olhos –


Você tem certeza que está pronta para deixar Santa Maria para trás?
Não quero que você sinta que estou te obrigando a deixar sua casa…

– Minha casa é você! – eu disse e ele apertou minha mão em sua


perna – por muito tempo eu quis orgulhar os meus pais e fazer a
fazenda de flores o que já foi, mas não tem nada para mim ali, só
lembranças ruins, quero sim, recomeçar, o que nos traz à outra coisa
que queria dizer. Serkan disse ter visto que não fui eu que matei Dona
Lúcia.

– Como?

– Falou que viu pelas câmeras… Será que se entregássemos isso


para polícia..? – a pergunta ficou no ar.

– Antes de você ser pega por aquele filho da puta eu estava


voltando para casa. Raul tinha me convencido a entregar todos os
desgraçados de Santa Maria para justiça. Vamos sair dessa, loirinha.
Confie em mim.
Sorri, mas com o coração aos pulos, agora viria a pior parte. Ele
percebeu que minha expressão mudou e acariciou minha mão, sem
insistir. Não sabia qual seria sua reação, mas eu não esconderia nada
dele.

– Alex… eu vi Vicente lá no hospital e falei com ele…

Por um breve segundo acreditei que ele não fosse dar


importância, pois não esboçou nenhuma reação, até que de repente
freou o carro em um acostamento e bateu no volante xingando em
inglês.

– Me desculpe… não por falar com ele, mas por não ter te contado
antes, não queria que soubesse enquanto estávamos no hospital.

– É mesmo, Cecília? – seu tom de voz era gelado – e por que


você insiste em proteger esse cara?

– Alex?! – perguntei perplexa por ele pensar que eu queria alguma


coisa boa para Vicente.

– Ele não estava em coma? – praticamente rosnou as palavras e


bateu no volante mais uma vez, me assustando. Abri a porta e saí,
precisava de ar.

Encostei na caminhonete de braços cruzados e ele veio atrás de


mim. Antes que ele falasse mais coisas que pudesse se arrepender,
me adiantei.

– Eu não estava protegendo ele, protegi você…

– Sei me virar muito bem sozinho, menina, não prec…

– Ah e eu não né? É isso que você pensa de mim?

– Porra, não foi isso que eu quis dizer…

– Quantas pessoas você teve que matar para me achar em tão


pouco tempo naquele porto? – perguntei, olhando nos seus olhos. Ele
desviou a cabeça sem me encarar.
– Isso não vem ao caso, matei e mataria o dobro, quantos fossem
necessários. Ninguém vai tirar você de mim.

– Eu sei, eu me sinto da mesma forma em relação a você, mas


quero te proteger aqui – coloquei minha mão em seu peito – por
dentro. Você é a melhor pessoa que já conheci e eu nunca vou levar
você a matar uma pessoa. Tenho certeza que porta nenhuma de
hospital iria te segurar se eu falasse onde aquele monstro estava.

Ele grunhiu algumas palavras, ainda sem me encarar, eu


continuei:

— Eu só precisava de um fechamento, dizer que ele estava


errado, que eu posso ser amada e sou pelo homem mais perfeito do
mundo. Estou finalmente livre, Alex, o seu amor me tornou livre

Ele encostou sua testa na minha, respirando de forma irregular.

– Me desculpa, eu fui um idiota. Mas só de imaginar aquele


canalha perto você… não se coloque em risco assim, Cecília.

Enlacei o seu pescoço e o beijei, começou como um beijo


delicado, mas logo Alex me segurou forte pela cintura e intensificou o
ritmo, entrelaçando nossas línguas.

– Eu precisava tirar as lembranças ruins de dentro de mim, foi só


isso.

Ele agarrou os meus cabelos, com a respiração entrecortada e


sem parar de me beijar me levantou pela cintura e me colocou sentada
na lataria do carro.

– Sua costela – eu disse.

– Foda-se, eu quero você, agora, abra as pernas.

Estávamos no meio da estrada, qualquer um podia passar, mas


não me importei. Não conseguia e nem queria me controlar perto dele,
abri minhas pernas e ele tirou minha calcinha a colocando no bolso.
– Mostra para mim que você é toda minha, loirinha – disse abrindo
a calça só o suficiente para colocar o seu pau para fora e sem aviso
penetrou de uma só vez.

Um arrepio de prazer varreu o meu corpo de forma tão violenta


que endureceu meus mamilos até eles doerem.

– Eu ainda não entendo o que você faz comigo, Alex. É tão forte o
que eu sinto por você!

– É forte demais – gemeu – Como essa boceta é apertadinha,


caralho, vou enlouquecer dentro de você.

Ele desceu uma das alças do meu vestido colocando um dos


meus seios para fora.

– Gostosa!

Passou a língua com vontade no meu mamilo e eu gozei na


mesma hora, nem avisei. Ainda não conseguia acreditar que isso era
possível, Alex fazia todas as coisas serem possíveis.

– Eu te amo tanto – sussurrei.

– Eu te amo mais – ele disse aumentando o ritmo das suas


estocadas – eu te amo muito mais, minha vida.

Puxei-o pelos cabelos e ele gozou beijando minha boca. Ainda


abraçados, com minhas pernas entrelaçadas em sua cintura, que fui
perceber o tamanho da loucura que tínhamos acabado de fazer.
Coloquei meu vestido de volta no lugar e disse ainda ofegante.

– Qualquer um poderia ter passado e visto a gente.

– Eu não me importo, só teriam visto que você é minha.

Passei a mão embaixo do seu peito, onde sua costela estava


machucada.

– Não doeu? Ainda não sei como você se machucou…


– Agora não doeu, ver você gozar no meu pau cura qualquer coisa
– ele disse rindo para mim.

– Alex! – respondi com o rosto vermelho de vergonha.

Beijou o meu pescoço e abotoou a calça.

– Não que eu esteja contando, mas você já gozou no meu pau


três vezes, acho que minha língua está com ciúme. Quando a gente
chegar em casa vou acabar com você, futura Senhora Lion.

– Isso é uma promessa, Senhor Lion? – eu adorava o som do meu


nome assim, não parecia mesmo real sentir tanta felicidade.

Alex não quis devolver minha calcinha e entramos de novo no


carro. Insisti na pergunta que havia feito.

– É sério, amor, como você se machucou?

Ele suspirou e ligou a caminhonete.

– Aquela moça de cabelos pretos…

– Rita. – Eu disse.

– Isso Rita, estava presa no quarto, fiquei tão nervoso por achar
que fosse você que nem prestei atenção na cor dos cabelos, isso fez
eu me distrair e não vi o capanga atrás de mim, daí levei um tiro de
espingarda no colete.

– Minha Nossa Senhora, Alex!

– Não aconteceu nada demais, deu tudo certo no final.

Abri a boca para falar mais coisas, mas aparentemente ele já


havia chegado no limite da conversa, seus dedos subiram pela minha
coxa, e separaram minhas pernas. Quando falou, sua voz saiu
completamente rouca.

– Vamos ver se é só do meu pau que essa bocetinha gosta…


Não sei de onde surgiu esse Alex boca suja, mas eu estava
adorando. Cada dia com ele era uma nova descoberta e, agora mais
solta, percebi que eu amava esse jeito mais selvagem e mandão. Nem
parecia que eu tinha acabado de gozar, seus dedos massageando o
ponto certo em pouco tempo me levaram de volta para o paraíso, onde
só existia o nosso amor.

A viagem de Vitória até Santa Maria era curta e em menos de uma


hora estávamos na praça da cidade. Mesmo aliviada por tudo estar
finalmente bem, não senti nada por estar de volta. Santa Maria
definitivamente não era mais o meu lar. Não via a hora de resolvermos
tudo e darmos o fora daqui. Alex tinha falado por alto da sua cidade
natal, Midland, mas havia sempre uma sombra em seus olhos quando
mencionava o passado. Será que tinha alguma coisa a ver com a tal
Mollie? Eu queria de verdade esperar o momento dele para se abrir,
mas eu sentia que explodiria se não soubesse.

– Amor… – chamei e perdi a coragem assim que ele bateu seus


olhos em mim. Às vezes dependendo da luz eles ficavam muito mais
claros, menos tempestuosos, e eu perdia o fôlego toda vez que os via
assim.

Agora eu não sabia o que dizer então lembrei de outra coisa que
queria perguntar.

– Você notou que a conta do hospital deu 65 mil reais?

Ele deu uma gargalhada, um som delicioso de ouvir, mas arqueei


uma sobrancelha esperando uma resposta.

– Sim, loirinha, eu notei o preço da conta do hospital.

– E então? Como nós vamos pagar isso tudo? Eu não sei se a


minha fazenda…
– Nós?

– Claro, mais da metade foi da cirurgia em minha perna, não


entendi por que você não me internou pelo sistema público, teria dado
no mesmo.

– Meu amor, nem que desse 1 milhão e de dólares. Pagaria o que


fosse para você ficar bem… não se preocupe com o preço das coisas.

– Como não? Sem querer ser grossa, um haras não dá esse


dinheiro todo… agora eu não sei como está a propriedade da minha
fazenda, mas vou te pagar de volta.

Ele riu mais uma vez.

– Meu haras sempre deu prejuízo, realmente, mas eu amo aquele


lugar. Recebo royalties por ser acionista da petrolífera da família
Lion…

Minha cabeça deu um nó.

– Peraí… Você é aquele Lion da gasolina? – A empresa dele


estampava os postos de gasolina até de Santa Maria e provavelmente
do mundo todo. O símbolo do leão amarelo e laranja estava em muitos
postos e produtos, eu mesma já tinha visto várias vezes e nunca teria
ligado uma coisa a outra sozinha. Ele concordou com a cabeça. –
Como assim, Alex?

– Como assim o quê?

Ele virou a caminhonete e entrou na estrada de terra que dava até


o haras.

– Como assim você é um bilionário? O que aconteceu com você


para vir parar aqui?

Ele apertou o volante e tensionou o maxilar, no entanto, abriu um


sorriso forçado fingindo não se afetar com a minha pergunta.

– Agora que sabe que sou rico, não vai me amar mais?
– Largue de bobagem, você sabe que nada no mundo me faria
parar de te amar, não me importo com a sua conta bancária, mas não
aguento mais esse mistério todo. Se você quer mesmo ser o meu
marido vai ter que confiar em mim na mesma proporção que eu confio
em você.

Ele me lançou um sorriso cansado, a porteira do haras apareceu


ao longe, e eu fiquei mais feliz ao vê-lo do que imaginei, em tão pouco
tempo aquele lugar se tornara o meu refúgio.

– Você é adulta demais para idade que tem, sabia? Claro que
confio em você Cecília, com todo o meu coração, você sabe disso.
Quero te contar tudo, eu vou te contar tudo, mas… Já ensaiei o que
dizer inúmeras vezes...

Eu não queria pressioná-lo, sabia muito bem o que era ter as


palavras presas na garganta e preferir morrer do que dizê-las. Mas
alguma coisa ele teria que falar, resolvi perguntar o que me
incomodava desde o dia anterior. Respirei fundo e minha voz saiu um
tanto tremida.

– Alex…

– Sim? – respondeu enquanto apertava o controle do portão do


haras.

– Me responde pelo menos uma coisa, quem é Mollie?

Ele acelerou o carro sem querer e bateu a frente no portão que


ainda não tinha aberto completamente.

– Você está bem, Cecília? Se machucou?

– Estou bem, a batida nem foi tão forte assim…

– Como sabe desse nome? – perguntou desligando o carro onde


estávamos.

– Mollie? Você me chamou pelo nome dela, quando estava com


febre, disse que era para aumentar o ar porque ela não gostava de frio
e me perguntou onde estavam as crianças, que você estava com
saudades.

Ele balançou a cabeça e pousou a testa no volante. Ficou assim


por um bom tempo, eu já tinha desistido de esperar, quando ele disse.

– Mollie… Mollie é minha esposa – meu coração afundou no peito,


então ele tinha uma esposa? E por que pediu para se casar comigo? –
Era minha esposa... há cinco anos ela foi tirada de mim… eles a
pegaram… tinha esse cara, Zambada… ele queria vingança… as
minhas meninas…

Soltou o ar com a voz carregada de dor, coloquei minha mão em


seu braço, mas ele retesou inteiro com meu toque. Apertei o botão do
cinto de segurança para poder chegar mais perto e abraçá-lo,
pedir que dividisse sua dor comigo, quando um homem enorme, loiro e
musculoso, usando um chapéu parecido com os de Alex abriu a porta
da caminhonete e o tirou do banco de passageiros pela gola da
camisa. Assim que Alex estava cara a cara com ele, esse homem
desferiu um soco muito forte em seu rosto, derrubando-o no chão. Ele
disse em inglês:

– Son of a bich. Did you lost your fucking mind?[10]

Ele ia continuar batendo em Alex, mas desci rapidamente do carro


e o empurrei com toda força que eu tinha, o que não fez a mínima
diferença.

– Ei! Fique longe dele, seu maluco! – O inglês que aprendi na


escola não me ajudaria, mas ele entendeu alguma coisa, pois levantou
os braços e se afastou xingando.

Rita e Raul vieram correndo para ver o que estava acontecendo e


logo todos gritavam e falavam ao mesmo tempo. Minha nossa! O que
estava acontecendo aqui?
– Seu filho da puta! Perdeu a porra do juízo? – Brian esbravejou
me pegando pelo colarinho da camisa.

Antes que eu pudesse ficar feliz por ver meu amigo depois de
tantos anos, levei um cruzado de direita bem no queixo. Damn it! Eu
tinha que ter sido mais esperto, Brian sempre foi rápido e sem
paciência. Eu nunca ficaria impune por sumir todo esse tempo. E ele ia
continuar batendo se a minha “cavaleira” de armadura não viesse ao
meu resgate. Mesmo tendo bem menos da metade do tamanho de
Brian e sem ter a mínima de ideia de que ele, na verdade, era meu
amigo, Cecília foi para cima sem pensar duas vezes.

– Fique longe dele, seu maluco! – disse deixando meu pau


doendo de tão duro. Como ela ficava sexy brava daquele jeito!

Brian se afastou, xingando bastante, tentei me levantar, mas meu


peito parecia que seria rasgado ao meio de tanta dor, ficaria quase um
mês com essa desgraça de costela doendo. Um bom lembrete para
deixar de ser idiota e sempre vasculhar um cômodo antes de entrar.
Lembrei nitidamente do treinamento no exército, Brian e eu
aprendemos essas merdas juntos, competindo ansiosos para ver quem
se sairia melhor. Caralho! Mereci mesmo esse soco, se fosse eu no
lugar dele não sei se me perdoaria. Mollie era a caçula da família
Crawford, o xodó de Brian, nós a perdemos juntos e, no pior momento
da vida dele, eu o abandonei.

Cecília ainda o encarava com um olhar feroz, quando Raul


apareceu falando pelos cotovelos. Rita o seguia e estava com uma
aparência bem melhor, praticamente sem hematomas ou sequelas
visíveis da violência que sofreu. Por fim Lily, a pequena traidora,
chegou correndo e pulou direto em Cecília, fingiu que eu nem existia.

– Vocês voltaram! Minha Nossa Senhora da Aparecida, obrigado!


Eu estava para morrer sem notícias e sem poder chamar a polícia.

– Todos acharam que você tinha morrido, seu merda! – Brian


vociferou apontando o dedo na minha cara e Cecília agachou-se,
passando a mão no meu peito, ainda olhando feio para ele.

– Machucou, meu amor?

– Ah, essa merda vai machucar toda hora até sarar, impossível me
manter imóvel por quinze dias com a vida que a gente leva.

– Cecília! – Rita disse com um tom aliviado – nós estávamos tão


preocupados…

Ela veio animada, tentando abraçá-la, mas a minha menina


endureceu o corpo olhando para baixo e desconversou. Passou pela
minha cabeça se não havia alguma história ruim entre as duas, mas
preferi não pensar em tudo que ela sofreu dentro da própria casa. Era
hora de seguir em frente.

Levantei do chão avaliando o melhor jeito de arrumar essa


bagunça. Estavam todos nervosos, meu portão destruído e minha
caminhonete amassada.

– Bom, todos sabem o quanto odeio falar mais que o necessário,


mas se não fosse por vocês eu nunca teria achado Cecília a tempo,
muito obrigado – passei a mão no queixo e falei em inglês, me
dirigindo a Brian e a Raul ao mesmo tempo. – Não sei o que dizer, não
sou bom nisso, mas quero agradecer por acreditarem em mim e pela
ajuda… sei que eu não mereço…

Raul fungou com os olhos marejados, Brian me deu um empurrão


de leve.

– Corta essa besteira, caralho. Você acha mesmo que meia dúzia
de palavras vai consertar essa merda?
Eu já ia responder, quando Cecília se aproximou.

– Quem é esse homem?

– Meu amor, esse é Brian Crawford – eu disse apontando para


ele. – O único amigo que já tive na vida.

– Oh! – Cecília exclamou.

– Ah, claro! Eu sou apenas o empregado mesmo, estou


praticamente há uma semana sem ir em casa, tudo em vão…

– Meu único amigo, depois de Raul – tirei os olhos de Cecília e


encarei o veterinário – você não me esperou terminar…

Rita que estava ao seu lado, acariciou o seu braço pedindo para
ele se acalmar. Eu ia fazer um comentário, mas lembrei que não
apresentei Cecília a Brian.

– E essa menina linda é Cecília, o amor da minha vida.

Ele abrandou o olhar para ela e estendeu a mão para


cumprimentá-la em um portunhol horrível.

– Prazer em conhecê-la. Desculpe-me por perder a cabeça.

Cecília lhe ofereceu apenas um sorriso amarelo e praticamente se


escondeu atrás de mim. O meu coração ficou apertado, ela estava
melhorando a olhos vistos ao meu lado antes daquele vagabundo
desgraçado a sequestrar.

Enquanto eu era invadido por sonhos de vingança, seguiu-se um


silêncio muito desconfortável entre nós. Brian e eu éramos péssimos
em conversar e expor nossos sentimentos. Cecília ainda não sabia
lidar com muitas pessoas ao seu redor, principalmente homens. Fui
salvo, obviamente, por Raul.

– Preciso fazer um monte de coisas que deixei atrasar procurando


por vocês. Ainda não falei nada com Alice, pois não sei de todos os
detalhes, mas agora que você voltou vou marcar um horário. Ela
estava super preocupada porque você nunca perdeu uma aula com
Geovane.

Cecília soltou um grunhido ao meu lado, arqueei uma sobrancelha


em sua direção.

– O que foi?

– Nada – sua voz soou ríspida, nunca a vi desse jeito – uma


formiga deve ter subido no meu pé… – tirando o cabelo dos olhos,
disse com a voz mais branda – não queria interromper vocês, mas
você e seu amigo precisam conversar. Ele não teria vindo até aqui se
ainda não gostasse de você.

Beijei o topo da sua cabeça e ela foi até a casa principal, Rita se
despediu de Raul e a seguiu.

– Raul… – acenei com a cabeça, agradecendo mais uma vez e


ele se foi.

Brian ainda me olhava com intensa desaprovação.

– Vem comigo – eu disse me dirigindo ao celeiro.

– Para quê?

– Preciso de ferramentas, ou você acha que esse portão vai se


consertar sozinho?

Ele bufou e me seguiu em silêncio. Depois de um tempo


procurando, achei o que precisava para colocar o portão de volta no
lugar. Voltamos para entrada do haras e, quando eu ia dar a primeira
martelada, meu amigo não aguentou.

– Inacreditável – Brian bufou mais uma vez. – Cinco malditos anos


se escondendo nesse lugar, uma semana sumido e agora você está aí
consertando um portão como se nada tivesse acontecido.

– O que você quer de mim, Brian?


– Quero o meu amigo de volta, porra! Você me ligou para te ajudar
e desapareceu da face da terra, que tipo de merda você tem na
cabeça? Pensou que ninguém fosse sentir sua falta?

Infelizmente a única pessoa que eu realmente me importava que


fosse sentir minha falta era Cecília, um dia Brian se apaixonaria por
alguém entenderia isso.

– O amigo que você tinha, morreu. Eu estava morto até aquela


Loirinha entrar aqui e roubar o meu cavalo. Eu não sou mais o Alex
que você conheceu, ele nunca mais vai voltar.

– Ninguém pode fugir para sempre… você não foi nem no enterro
das meninas…

– Não! – meu estômago se contorceu, eu não queria ouvir aquilo.

– Não ficou ao meu lado para vingar… eu demorei cinco longos


anos procurando o desgraçado do Hector sozinho…

– Não… eu não quero falar sobre isso! – joguei o martelo no chão


e me afastei de Brian.

Ele não desistiu, veio atrás de mim.

– Enterrei minha irmã e as minhas sobrinhas sozinho e sigo


sozinho desde então, preciso do meu amigo de volta!

– VOCÊ NÃO ESTAVA LÁ, CARALHO. – Minhas mãos tremiam


como no primeiro dia da minha crise. Merda! – Você não teve que
assistir sem poder fazer nada, sem poder intervir. Você quer mesmo
ser meu amigo de novo? Quer que eu compartilhe detalhes?

– Alex… sei que é difícil… é difícil para mim também.

Soltei uma gargalhada, fervendo por dentro. Eu não queria falar


desse assunto, por que Brian não entendia?

– Difícil?! – minhas mãos tremiam como nunca – olha Brian, te


devo a minha vida, mais uma vez. Não sei o que seria de mim agora
se não tivesse achado Cecília a tempo, aquele maluco queria levá-la
para a Turquia… Mas sinceramente, vá se foder, você não tem a
mínima noção do que está falando.

Entrei em casa sem enxergar nada direito, cada segundo do dia


que perdi a minha família, estava impresso no meu cérebro e agora,
graças a Brian, eu os revivia sem parar. O que Brian esperava? Eu não
tinha como mudar a porra do passado. Abri com força a porta da
cozinha com receio de dar de cara com Cecília, mas ela não estava
por perto, apenas Rita passava um café. Fui até o armário e peguei
uma garrafa de Jack. Estava me virando para sair novamente quando
ela disse:

– Cecília está no banho, avise à Brian que o café está pronto, por
favor… desd…

– Avise você, ele está lá fora – respondi batendo a porta da


cozinha.

Fui até o celeiro e tirei Trigger das baias, eu precisava respirar


longe de todo mundo. Essas lembranças sairiam de dentro de mim de
uma forma ou de outra.

Minutos antes.

– Cecília? – Rita me chamou assim que entrei na cozinha.

– Sim?
– Você está bem? Estou te chamando desde que saiu da porteira
do haras!

Não queria admitir, mas a ideia da mulher do cabelo comprido


perto de Alex me deixou enjoada.

– Estou sim, só com o pensamento longe – não consegui encarar


Rita nos olhos, o que ela sofreu por minha causa… – Rita…

Ela levantou a mão.

– Não, por favor! Não me peça desculpas, nada do que esses


monstros fizeram foi nossa culpa. Durante esses dias que vocês
sumiram, Raul me fez enxergar muitas coisas que eu não via antes.

– Quem é mesmo Raul? A única vez que o vi ele queria me


denunciar para polícia e depois tudo aconteceu rápido demais.

– Ah é! Você não sabe… é o veterinário daqui. Ele disse que vai


conversar com a amiga advogada para resolver o problema do meu
irmão.

– Você tem um irmão?

Ela abaixou os olhos.

– A primeira vez que eu vi seu Vicente bater em você, fui burra o


suficiente para falar que ia denunciá-lo. Ele foi trabalhar aquele dia e
prendeu o meu irmão… – ela começou a chorar – ele tinha quinze
anos Cecília, e mesmo assim seu Vicente conseguiu prendê-lo nesses
lugares para adolescentes infratores e toda vez que eu fazia algo que
ele não gostava ele mandava espancarem meu irmão na cadeia…

Eu estava em choque, incapaz de pensar em algo que pudesse


confortá-la. A maldade de Vicente não tinha limites.

– Rita… e todos esses anos eu achando… oh meu Deus! Me


perdoe por favor – eu disse lhe dando um abraço – vou pedir para Alex
ajudar também, nós vamos conseguir soltar o seu irmão.
– Eu quis tanto te ajudar nesses anos… mas…

– Eu sei, não diga mais nada, não vamos mais lembrar daquela
época.

Ela se afastou enxugando as lágrimas, deu um longo suspiro e


disse:

– Concordo, senta aí que vou fazer um café caprichado para nós.


Não gosto nem falar desse canalha para não dar azar.

Lembrei de Vicente naquele quarto de hospital e um terrível


calafrio percorreu o meu corpo.

– Você me espera só tomar um banho bem rápido?

Ela acenou com a cabeça e fui para o quarto. Queria botar a


minha cabeça no lugar… Toda vez que fechava os olhos, revivia o que
os capangas de Serkan fizeram com Rita. Por que havia tanta maldade
me rondando? Quando esses problemas finalmente ficariam para trás?
Fiquei bom tempo embaixo do chuveiro, desejando que a água levasse
tudo embora e eu pudesse só viver em paz ao lado de Alex.

Depois do banho entrei no quarto, olhei no espelho e dei de cara


com a maldita tatuagem, às vezes eu me esquecia dela… Coloquei
uma roupa depressa, pensando no que fazer a respeito disso. A única
certeza que eu tinha era de que precisava tirar esse último vestígio de
Vicente de mim de uma vez por todas.

Fui até a cozinha ainda pensando na tatuagem. Tinha um cheiro


delicioso de café no ar e Lily rondava Rita que olhava preocupada pela
janela. O que seria dessa vez?

– Aconteceu alguma coisa? – perguntei.

– Sinceramente não sei… Alex apareceu todo carrancudo, pegou


uma garrafa de whisky e saiu batendo a porta. Isso é normal?

– Ah não! Você sabe para onde ele foi?


– Não, ele só saiu, talvez esteja lá fora.

Corri até a porteira do haras e o amigo de Alex estava


consertando o portão sozinho, fui até as baias e nada… Trigger
também não estava lá. Não sabia o motivo da briga deles, mas Alex
havia me prometido na noite anterior que não fumaria nem beberia
mais, então devia ser algo muito sério. Eu tinha uma intuição de onde
ele poderia ter ido. Selei Imperatriz e peguei um atalho por dentro das
terras do haras. Não queria o amigo de Alex me perguntando nada,
além do que, aparecer na cidade não era uma boa ideia.

Menos de quinze minutos depois escutei a água da Queda da


Viúva e respirei completamente aliviada quando vi Trigger pastando
um pouco a frente. Alex estava sentado jogando pedras na água com
a garrafa ao seu lado. Enquanto eu descia de Imperatriz não deu para
notar se a garrafa estava aberta. Sem fazer alarde, sentei-me no chão
atrás de onde ele estava e o abracei. Ele tentou tirar as minhas mãos
de sua cintura então eu segurei mais forte.

– Cecília… eu preciso mesmo ficar sozinho agora.

– Não precisa não! Você já ficou sozinho tempo demais.

Olhei de relance para a garrafa e sim, ela estava aberta. Apertei o


seu corpo ainda mais contra o meu.

– Talvez seja isso que eu mereço, solidão… – ele disse, cansado.

– Não fale bobagens, você sabe que isso não é verdade.

Ele tentou alcançar a garrafa para continuar bebendo e eu segurei


o seu braço. É claro que eu não tinha força para impedi-lo, mas, pelo
menos naquele momento, deu certo. Pensei que ele fosse reclamar do
que fiz, no entanto, não foi o que saiu de sua boca.

– Foi bem aqui nessa cachoeira que meu coração começou a


bater de novo… quando segurei você em meus braços, aquele dia... –
ele virou de frente para mim e acariciou meus cabelos. – Eu estava
morto há muito tempo, morri junto com a minha família e você me
trouxe de volta, em todos os sentidos… Só que eu não posso apagar o
meu passado e ser feliz de novo, por mais certo que pareça tudo o que
eu sinto por você eu não mereço essa segunda chance…

– Não fale assim, meu amor. Não tem nada errado com o que
sentimos um pelo outro – eu disse com lágrimas escorrendo pelo rosto,
meu coração ficava muito apertado por vê-lo assim.

Ele se afastou de mim, levantando-se do chão, pegou a garrafa,


deu um grande gole e a jogou longe, bastante nervoso.

– Essa merda não funciona mais…

– Essa merda nunca funcionou, Alex, estava só te destruindo! –


levantei-me do chão e fiquei bem na sua frente, obrigando-o a me
encarar. – Morrer é fácil. A gente simplesmente acorda um dia com
mais nada além de sofrimento pela frente, decide que não vai mais
sentir e pronto, não existe mais futuro, esperança, planos, você se
convence que aquela dor é suportável e passa a ser um sonâmbulo na
sua própria vida. Mas se você realmente quer acordar é necessário
sentir essa dor, aceitar o que aconteceu com você… A dor é
necessária, meu amor.

– Absolutamente nada do que aconteceu aquele dia foi


necessário…

Alex me olhou com tanta tristeza que mesmo que ele não
quisesse, o abracei, ele não resistiu, só afundou a cabeça n0 meu
pescoço e continuou:

– Laine tinha três aninhos, Cecília… três. Você precisava


conhecê-la… era super loira dos olhos muito claros, doce,
imaginativa… Já Liberty tinha os cabelos pretos da mãe e era um
furacão, mandona, exigente…, mas tão, tão apegada a mim…

Ele balançou a cabeça e deu um sorriso triste, eu nem respirava


com medo de interrompê-lo e ele parar de falar.

– Tinha esse homem, Carlos Zambada, o narcotraficante mais


perigoso da época. De muitas formas essa missão foi pior que estar
em combate na linha de frente, você mais do que ninguém, sabe do
que esses putos são capazes… e então nós o pegamos, simplesmente
aconteceu. Tivemos uma pista que ele estava na casa do filho,
Hector… Eu atirei primeiro e perguntei depois. Resultado: o pai entrou
na frente da bala para proteger o filho e perdeu todos os movimentos
do corpo. Hector jurou que se vingaria. O pior disso tudo é que não me
importei, naquela época eu era invencível. Recebi uma promoção, uma
medalha e pensei que fosse consertar o buraco na minha família com
uma viagem de férias…

Ele sentou-se de novo no chão, afundando a cabeça nas mãos eu


o abracei de pé. Eu sabia o que era acreditar que a pessoa que você
ama morreu por sua culpa.

– Você estava fazendo o seu trabalho, não foi culpa sua…

– O meu trabalho era proteger minha família… Elas morreram


gritando por mim e eles me fizeram assistir. Eu estava nos Estados
Unidos e elas no México, não tive como fazer nada...

Chorei junto com ele, imaginando suas menininhas passando por


esse horror, não sei como Alex ainda estava de pé e ajudando outras
crianças no seu haras, o que eu sabia era que não o largaria agora,
ele precisava enfrentar a culpa que sentia. Ajoelhei de frente para ele e
segurei seu rosto com as minhas mãos.

– Meu amor…

– Como você pode me chamar assim depois de tudo que te


contei? Eu não mereç…

– Shhh… – coloquei meu dedo indicador nos seus lábios – eu te


amo e nada vai mudar isso, você não vai se livrar de mim. Por favor,
acredite no que eu vou falar: nada do que aconteceu foi culpa sua.

Ele apertou forte a minha cintura, enterrou a sua cabeça na minha


barriga e chorou. Perdi a conta de quantos minutos ficamos assim,
apenas abraçados. Deixei que Alex colocasse todo esse sofrimento
para fora. Com um atraso de cinco anos ele finalmente se permitiu
sentir o que aconteceu com ele. Eu queria ser capaz de fazer a sua dor
passar, mas não se foge da dor, é pior quando a gente tenta. Ali com o
coração pequenininho chorando junto com o homem que eu amava,
pensei em uma coisa, havia formas mais amenas de enfrentar uma dor
tão grande. Levantei do chão e estendi a mão a ele...

– Venha comigo, meu amor, tive uma ideia.


Com a cabeça doendo, olhei para cima e Cecília parecia a visão
de um anjo estendendo a mão em minha direção. Entrelacei nossas
mãos e me levantei, cada vez mais convicto que eu nunca havia
amado daquela forma e cada vez mais certo que eu deveria deixá-la ir.
Era sim, tarde demais para mim.

Brian tinha razão, eu tinha perdido a porra do juízo. Onde eu


estava com a cabeça quando resolvi beber novamente depois de tudo
o que passei no hospital? Não disse nada para Cecília para não a
assustar, mas a minha crise de abstinência foi intensa. Lembro que
nos meus poucos momentos de lucidez, me preocupei bastante,
imaginando que poderia morrer de uma hora para outra e deixá-la
desamparada. Aliás, isso foi o que me fez pedi-la em casamento sem
planejamento, eu precisava garantir…

– Vamos pegar os cavalos, vou te levar para conhecer um lugar –


ela disse com a mão entrelaçada a minha me trazendo de volta à
realidade.

– Que lugar? Eu ainda prefiro ficar sozinho…

Ela sorriu e beijou minha mão.

– Você já ficou tempo demais sozinho.

Esfreguei meu peito com a mão livre, sobrecarregado de


sentimentos. Cecília me trazia paz, paixão e felicidade, lembrar das
minhas meninas me destruía e pensar em Mollie me enchia de culpa e
vergonha.
Eu queria enterrar o passado e me isolar com Cecília em algum
lugar até ficarmos velhos, mas eu não faria isso com ela. Não deixaria
que trocasse uma prisão pela outra, ela merecia liberdade… Minha
bagagem era pesada demais para alguém da sua idade...

Mas como eu a deixaria ir se me imaginar longe dela era o mesmo


que ter meu coração arrancado do peito?

Eu realmente precisava ficar sozinho para organizar essa minha


confusão de pensamentos, entretanto, foi a primeira vez que Cecília
impôs uma vontade sem querer sair correndo pedindo desculpas e eu
não ia desencorajá-la. Subi no meu cavalo e a segui, cortando
caminho entre as matas de Santa Maria.

– Vamos por fora da cidade – ela disse – não quero a polícia atrás
da gente.

Com Trigger trotando ao lado de Imperatriz, concordei. Eu não a


colocaria em risco, mas a verdade era que eu não me importava nem
um pouco com a polícia de Santa Maria. Se ela estivesse em
segurança em outro lugar, faria com que todos viessem atrás de mim e
explodiria essa cidade de merda. Esse pensamento me acalentou um
pouco e até esbocei um sorriso… quem sabe eu não fizesse mesmo
isso? De um jeito ou de outro, ninguém que colaborou para o
sofrimento dela ficaria impune.

– Estamos quase cheg… – ela ia dizer alguma coisa, mas parou


quando virou a cabeça em minha direção e sorriu também. Como uma
mulher podia tão bonita? – Do que você está rindo, Alex?

Achei melhor não dizer que me deliciava imaginando todos que a


fizeram sofrer se esvaindo em sangue, então mudei de assunto.

– Não vai mesmo me contar para onde estamos indo?

– Não, é uma surpresa – ela disse desviando os olhos.

– Cecilia!
– Não consigo te ouvir daí, você e Trigger são muito lentos – falou,
galopando na frente.

Balancei a cabeça sorrindo e fui atrás dela. Quando vi estávamos


fazendo uma competição com os cavalos, que eu obviamente perdi por
não saber qual era o caminho. Assim que cruzamos os limites da
cidade, reconheci o local. Ali havia uma trilha onde era possível ver
toda a cidade de Santa Maria de cima, tinha o pôr do sol mais bonito
que já vi.

Parei com Trigger na frente de um enorme Jequitibá-Rosa,


teríamos que subir um bom caminho na trilha e os cavalos não iam
conseguir acompanhar. Cecília desceu de Imperatriz e estava se
preparando para subir quando se virou para mim com a mão na
cintura.

– Anda, Alex, quero muito te mostrar uma coisa…

Esfreguei meu peito de novo, isso estava errado, tudo estava


errado. Desci de Trigger, o amarrei ao lado de Imperatriz e peguei
Cecília pela mão. A levei até uma árvore próxima à entrada da trilha,
estava um dia lindo, ensolarado e eu esperava que ninguém passasse
por aquele caminho.

– Cecília, precisamos conversar…

– Agora? Vamos conversar lá em cima, a vista é tão bonita…

– Mas e a sua perna?

– Estou ótima, o corte foi superficial, pare de dar desculpas,


vamos logo!

Ela me olhou com tanta expectativa que não tive como negar. De
mãos dadas subimos a trilha e em alguns minutos estávamos no
mirante. A vista era de tirar o fôlego, o céu tinha uma cor alaranjada e
jogava uma sombra sobre a cidade. Cecília mais uma vez tinha razão,
esse lugar faria qualquer pessoa se sentir melhor.
– Tem muitos anos que não venho aqui, mas sei que está em
algum lugar…

Apertei sua mão e a puxei para mim.

– Precisamos mesmo conversar…

– Tudo bem, o que você precisa falar de tão sério?

– Na verdade, é uma pergunta. Você não gostaria de conhecer


mais do mundo, andar com pessoas da sua idade?

Ela sorriu tirando o cabelo dos olhos.

– Que pergunta estranha, Alex, mas pensando um pouco, é claro


que sim! Meu pai me contava de um campo de girassóis que tem na
Itália, falava que um dia nós iriamos lá, mas ele morreu antes de
conseguir... – suspirou. – e sobre as pessoas da minha idade... Tem
tanto tempo… não sinto mais falta.

– Tá vendo? Isso não está certo, você é tão jovem, tem uma vida
inteira pela frente… deveria andar com gente da sua idade, sem
bagagem...

Enquanto essas palavras saíam da minha boca um medo absurdo


de que ela concordasse comigo, fundiu a minha mente, peguei o meu
zippo do bolso lamentando ter jogado todos os meus maços de cigarro
fora.

– Bagagem? O que isso tem a ver? – disse dando um passo para


trás.

– Não vou permitir que você troque uma prisão pela outra. Posso
te dar qualquer coisa que quiser, literalmente qualquer coisa, é só você
me falar o que quer fazer, ou para onde quer ir e será seu… mas não
posso e não vou ficar no seu caminho.

– Prisão? Não estou entendend... – ela arregalou os olhos levando


a mão à boca – você está terminando comigo? Por que você está
terminando comigo?
Subi os ombros e olhei para o outro lado, acendendo e apagando
meu isqueiro, abri e fechei a boca algumas vezes, antes de finalmente
dizer alguma coisa.

– Não veja dessa forma… você tem apenas dezenove anos, é


tarde demais para mim, mas para você, a vida está só no começo. Sei
o quanto sua liberdade é importante…

Ela cobriu minha boca com a mão e fechei os olhos sentindo seu
cheiro de flores.

– Pelo amor de Deus, Alex. Pare de falar bobagens. Nunca mais


fale isso… dói muito quando você me rejeita.

Tirei sua mão da minha boca e a abracei, segurando seus


cabelos.

– Você é a minha vida! Como eu poderia te rejeitar? Eu só quero a


sua felicidade e ao meu lado isso não é possível…

– Como não é possível? Meu Deus, Alex, eu escolhi você, isso é


liberdade – ela segurou o meu rosto, obrigando que eu a encarasse –
escolhi você desde o início, o nosso primeiro beijo me deu esperança,
eu só tive coragem de enfrentar o meu padrasto porque você existia do
outro lado daquela cerca… eu sei o quanto que você me ama, você
entrou na frente de uma bala por mim… deixa eu te amar desse jeito
também, me deixe entrar, por favor…

– Ah, loirinha!

– Sei que eu sou mais nova que você, mas eu posso te fazer tão
feliz! Sei que posso... – ela disse de uma forma tão doce tão adorável
que ficou muito difícil lembrar de todos os empecilhos que estavam em
minha cabeça. – Não importa o quanto você se perca dentro de você
mesmo, Alex, eu sempre vou estar aqui para te tirar de lá, você me
ouviu?

– Cecília…
Ela ficou nas pontas dos pés e me beijou, um beijo doce e suave
com cheiro de flores, assim como ela era. E foi tudo o que bastou para
eu apertá-la em meus braços e decidir que nunca mais a soltaria.

– Você tem certeza disso, Cecília? Porque eu quero você para


sempre ao meu lado, não tem mais volta…

– É a única certeza que tenho, Alex. Não tem mais volta.

Ela me beijou mais uma vez e eu me entreguei, eu a queria para e


a teria para sempre. Agarrei os seus cabelos e ataquei sua boca,
explorei cada pedacinho dela com a minha língua, como se eu
pudesse eternizar o seu gosto dentro de mim,

– Preciso ouvir você dizer que me ama enquanto goza na minha


boca, loirinha.

– Minha nossa! Aqui? – ela disse sem fôlego.

– Não tem mais volta, esqueceu? Tire a calcinha para mim.

Ela hesitou olhando para os lados e eu puxei os seus cabelos,


obrigando que ela olhasse apenas para mim.

– Tira a calcinha, Cecília, agora.

Com as bochechas vermelhas, ela subiu a saia e tirou uma peça


minúscula de renda preta e me deu.

– Venha aqui… – a puxei pela mão e a encostei no tronco de uma


árvore.

Beijei de novo sua boca, lembrando que ela disse que meu beijo a
fez ter esperanças…

– Minha vida… – sussurrei…

– Eu te amo tanto, Alex, tanto…


Desci minhas mãos e subi sua blusa, meu pau que já estava
totalmente duro enlouqueceu quando a vi sem sutiã. Apertei um
mamilo com mais força e ela gemeu alto na minha boca.

– É assim que minha menina gosta? Com força?

Apertei de novo e ela esfregou uma coxa na outra… Separei suas


pernas com o meu joelho, doido de tesão ao vê-la se esfregando
desesperada em mim.

– Ai Alex… acho que eu sou capaz de gozar assim a qualquer


momento…

Desci ainda mais minha mão acariciei sua boceta… estava


completamente encharcada.

– Deliciosa – eu disse lambendo os dedos – você é gostosa para


caralho, sente.

Enfiei de novo meus dedos na bocetinha molhada e mandei que


ela chupasse, imaginando aquela língua no meu pau, mas primeiro
precisava fazê-la gozar na minha boca, eu havia prometido essa
manhã.

Beijei seu pescoço, lambi seus mamilos, e desci lentamente minha


boca por todo seu corpo até chegar aonde eu queria. Ajoelhei em sua
frente e ordenei:

– Abra as pernas, loirinha.

Ela obedeceu imediatamente e eu suguei o seu clitóris com


vontade… estava morrendo para ter essa bocetinha na minha boca
desde cedo, seu gosto era delicioso, seus gemidos me fariam gozar a
qualquer momento. Enquanto eu chupava no ponto certo, molhei meus
dedos na sua entrada e espalhei sua lubrificação na entrada de trás,
forçando um dedo.

– Como você é apertadinha aqui também, meu amor.


– Não… – Ela gemeu e suas pernas tremeram quando enfiei um
dedo no seu cuzinho sem parar de chupar a boceta.

– Quer que eu pare?

– Que… não! Não sei, ah meu Deus! – arfou quando enfiei mais
um dedo…

Endureci minha língua e a chupei com o pau pulsando de vontade


de se fartar daquela delícia molhada, enquanto ela rebolava na minha
boca. Me afastei um pouco para poder ver o seu rosto e ela quase
chorou.

– Não… não para agora, por favor… não para….

– Então goza gritando o quanto você me ama.

Ataquei novamente seu clitóris, enquanto intensificava a investida


com meus dedos em seu cuzinho, suas pernas tremiam apoiadas em
mim, gostosa pra caralho.

– Eu te amo, Alex… Meu Deus…. ah! Eu te amo demais…

E repetindo isso ela se contraiu inteira nos meus dedos e boca,


gritando sem parar o meu nome e o quanto me amava. Eu estava por
um fio, levantei-me do chão, e a virei de costas para mim, segurando
firme em sua cintura. Ela inclinou um pouco para frente, apoiando-se
na árvore e eu enfiei meu pau com tudo na sua bocetinha. Meti com
força, agarrando sua cintura, estocando sem piedade, ela gritava meu
nome enlouquecida.

– Alex, por favor, mais forte…

Eu sabia o que ela queria, sabia que ela queria sentir dor, mas
ainda havia uma parte de mim que relutava em ceder, apesar de meter
meu pau lá no fundo, com toda força que eu tinha… enquanto eu a
penetrava coloquei meus dedos de volta no seu cuzinho e que
delícia…
– Eu te amo mais do que tudo. Cecília – disse ofegante pausando
em cada arremetida – você.é.minha.vida!

E repetindo o quanto eu a amava eu gozei, tive um orgasmo tão


intenso que minhas pernas tremiam.

Ela se virou de frente para mim e afundou a cabeça no meu peito.

– Foi tão intenso, meu amor, eu te amo tanto…

Ainda tentando recuperar meu fôlego eu a beijei. Sentamo-nos no


chão e ficamos um bom tempo assim, abraçados, até que rompi o
silêncio.

– Por que você queria me trazer aqui?

– Eu queria te mostrar uma árvore que meu pai e eu adotamos


como nossa… vem comigo, me ajude a procurar.

Arrumamos nossas roupas e ela começou a olhar as árvores ao


redor, até que parou em frente a uma quaresmeira.

– Olha… – mostrou um escrito entalhado no tronco, era com


coração com três letras – P de Pedro, H de Helena e um C de Cecília.
É mesmo a nossa árvore, você tem uma chave ou uma f…

Tirei rapidamente minha faca da bainha do tornozelo e ela me


olhou espantada, mas não disse nada, apenas fez um desenho na
árvore.

– Pronto, agora a minha família está completa – disse ela


revelando um A, dentro do coração, ao lado do C.

Acariciei seu rosto com as costas da mão. Minha loirinha linda!


Tão pequena e delicada e desse jeito tomou conta de todo o meu
coração. Sorri abertamente para ela.

– Sim, Cecília, minha vida agora está completa. Você é a minha


família.
Dias depois.

O clima melhorou bastante entre Brian e Alex nos últimos dias.


Depois que voltamos do mirante eles se sentaram e tiveram uma longa
conversa. Brian era irmão de Mollie, a ex-mulher de Alex, e estava
inconformado pelo seu amigo ter lhe virado as costas ao desistir de se
vingar do homem que matou a família deles, um tal de Hector
Zambada. Era uma história muito triste que ainda precisaria de muita
conversa e perdão para curar o coração de todos os envolvidos.

Decidimos que iriamos para os Estados Unidos com Brian que por
ser um agente do governo conseguiria meu visto de entrada sem
problemas, no entanto, sem os meus documentos, era impossível sair
do Brasil.

Suspirei ainda recostada na cabeceira da cama, Alex havia


acordado muito cedo para cuidar dos cavalos e eu estava com os
nervos em frangalhos com medo de dar tudo errado com a minha
situação na justiça.

Serkan disse que havia uma prova da minha inocência e a minha


certidão de nascimento estava registrada no cartório.

Relaxa, Cecília não tem como nada dar errado. Eu disse para mim
mesma enquanto pegava um bloco de folhas para terminar um
desenho.

Há poucos dias, tive uma ideia de como tampar aquela aberração


que Vicente tatuou no meu corpo. Eu odiava ainda ter que depender
de Alex para tudo, não via a hora de começar a viver de verdade,
plantar minhas flores e ser mais independente, mas por enquanto eu
ainda teria que pedi-lo para me levar em um tatuador em outra cidade,
essa marca ficou em meu corpo tempo demais.

Meu estômago roncou. Durante o mês que estive no haras


provavelmente engordei uns cinco quilos… e de uns dias para cá me
sentia sempre com fome, qualquer hora dessas eu comeria até as
paredes da casa. Tomei um banho, troquei de roupa e passei um bom
tempo me olhando no espelho. Escolhi brincos, apliquei uma
maquiagem leve e arrumei meu cabelo em uma trança embutida. Sorri
com o resultado, gostei muito da imagem que olhava de volta para
mim.

Saí do quarto feliz, pensando em chamar Alex para tomar café da


manhã, quando escutei uma mulher falando na sala. Do corredor,
apurei os ouvidos e definitivamente não era a voz de Rita. Pé ante pé
cheguei até a porta da sala e meu sangue ferveu com o que vi: a tal da
Alice sentada no sofá ao lado do meu Alex, encostando a mão em seu
braço muito mais que o necessário em uma conversa. E o porquê ele
estava sem camisa era um mistério à parte. Tive um ímpeto insano de
tirar aquela oferecida da minha sala pelos cabelos… mas girei nos
calcanhares para correr dali, quando tropecei em Lily que só andava
agarrada em minha perna. Alex levantou a cabeça com o barulho e me
chamou. Merda.

– Cecília, estávamos esperando você acordar, Alic…

– Hum, não parece, acordei há tempos atrás.

Ele franziu a testa, inclinando o pescoço, mas continuou falando.

– Como eu ia dizendo, Alice agora está ciente da nossa situação


e…

– Sim, Alex – ela o interrompeu colocando a mão no seu braço de


novo e eu prendi minha respiração. Ela fez um gesto muito sensual ao
passar as mãos nos cabelos e lambeu os lábios – Como eu disse a
você, a coisa mais estranha aconteceu quando pedi uma segunda via
da certidão de nascimento da Cecília no cartório, a tabeliã informou
que ela era curatelada e eu teria que conseguir autorização do
responsável, pedi para ver os papeis da curatela, ela desconversou e
disse que só com um mandado do juiz.

– Essas coisas não acontecem dessa forma? – Alex perguntou


todo interessado e eu me senti culpada pelo ódio que tive, ele estava
tentando me ajudar, mas era difícil pensar com aquela mulher perfeita
o rondando.

– Não, foi mesmo muito estranho. Sobre o conteúdo do pen


drive…

Cobri minha boca com a mão, sem acreditar. Deixei a educação


de lado e me levantei.

– Não acredito que você mostrou aquilo para alguém – eu disse


para Alex, querendo correr dali, mas consegui manter alguma
dignidade – me deem licença por favor.

Saí da sala sem olhar para trás e, para piorar a situação, escutei a
voz de Alex do corredor.

– Me desculpe, Alice, não sei o que deu nela, Cecília é a pessoa


mais amável que conheço. Me deixe informado, precisamos sair do
país o quanto antes e não se preocupe com honorários, ok?

Ela respondeu com uma voz toda afetada e eu realmente corri


dali, não quis ouvir o resto da conversa. Rita estava na cozinha
fazendo um bolo. Ela praticamente passava o dia todo no haras
conosco, Brian havia ajudado a sumir com os corpos dos capangas
que Alex matou na fazenda, mesmo assim, Rita não se sentia segura
sozinha. Às vezes Raul dormia com lá ela, eles passavam cada vez
mais tempo juntos.

– Que bom que você acordou – disse animada. – Conversei com


Alice agora há pouco, ela aceitou pegar o caso do meu irmão e...

Dei um tapa na mesa.


– Mas que inferno, ninguém tem outro assunto nessa casa? Tudo
agora é essa mulher?

Levantei-me e saí da cozinha pisando duro. Rita ainda me


chamou, mas fingi que não ouvi. Caminhei até bem depois das baias
com Lily ao meu lado e me sentei na grama, acariciando sua cabeça,
sem entender por que tive essa reação tão desproporcional à presença
dessa mulher. Meus nervos pareciam a flor da pele ultimamente, eu
estava mais sensível e nervosa que o normal. Ainda tentava me
acalmar quando alguém parou na minha frente, fazendo uma enorme
sombra. Alex.

– Posso saber o que deu em você? – perguntou com a testa


franzida.

Era só o que me faltava… Levantei do chão com o coração


disparado de raiva.

– O que deu em mim?! Você mostra o pior momento da minha


vida para aquela mulher sem me consultar e a errada sou eu?

Dei-lhe um empurrão, quer dizer, tentei empurrá-lo da minha


frente, mas ele nem se moveu.

– Do que você está falando, meu amor? Alice é…

– Ai Alice, Alice, Alice… – falei tampando os ouvidos – sei muito


bem o que ela é…

Ele estreitou os olhos e pegou seu isqueiro, sempre fazia isso


quando estava nervoso. Eu não queria conversar e tentei sair dali, mas
ele não deixou, o que só me fez ficar com mais raiva. Enfiei minhas
unhas no meio das minhas coxas sem nem perceber o que estava
fazendo.

– Tira a mão daí, Cecília. – Alex disse com a voz baixa e fria e eu
revirei os olhos. – Agora!

– Ah, Alex, vai se foder, eu faço o que eu bem entender comigo


mesma – minha voz tremeu de raiva e eu enfiei ainda mais as unhas
até sentir o sangue saindo.

Ele parou o movimento de abrir e fechar o isqueiro e sua pálpebra


tremeu. Andou lentamente em minha direção até invadir o meu espaço
pessoal. Eu sabia que Alex jamais me faria mal, mas engoli em seco.

– O que foi que você disse para mim?

Desviei os olhos, mas ele segurou meu queixo suavemente, me


obrigando a encará-lo.

– Não desvia a cabeça, não. Agora você vai me olhar nos olhos e
repetir o que disse para mim…

Eu estava com raiva, eu estava com muita raiva… encarei o seu


rosto com meus olhos faiscando.

– Ou o que, Alex?

– Ah, menina, vou te mostrar ou o quê! – e antes que eu pudesse


entender o que quis dizer, ele me colocou no ombro como se eu não
pesasse nada e avançou em direção à casa.

– Ei! – eu disse batendo as mãos nas suas costas – me coloca no


chão! Você enlouqueceu?

– Caladinha! – Ele disse dando um forte tapa na minha bunda.


Gemi com a onda de prazer que varreu o meu corpo.

Mesmo latejando de tesão com o tapa, a situação era totalmente


ridícula, entretanto, Alex não se importou. Entrou na casa comigo em
seu ombro passando por quem estivesse olhando. Ele só me soltou
quando estávamos no quarto, me jogando com brutalidade em cima da
cama.

– Então, Cecília… – ele disse se ajoelhando na cama, lentamente


– estamos só nós dois aqui, não vai repetir o que você disse?

Desviei os olhos e ele agarrou a minha trança…


– Você mandou eu me foder, não foi?

Dei de ombros com as sobrancelhas erguidas e ele sorriu.

– Você quer se comportar como uma menina malcriada? Então eu


vou te tratar como uma!

Sem aviso ele me virou de bruços na cama e segurou os meus


braços com uma das mãos, bem no meio das minhas costas.
Encharquei na mesma hora, meu corpo arrepiou-se da cabeça aos
pés, violentamente. Praticamente gemi as palavras que saíram da
minha boca.

– Oh meu Deus… o que você está fazendo?

Ainda segurando meus braços ele sussurrou bem baixinho no meu


ouvido e eu gemi mais uma vez.

– É só falar, que eu paro quando você quiser…

– Seja lá o que for isso, por favor, não para! – eu disse e ele bateu
muito forte na minha bunda.

A sua mão era enorme e pesada e eu seria capaz de gozar a


qualquer momento. Minha pele queimava no local do tapa, e quanto
mais quente ficava, mais eu latejava de prazer.

– Deixa eu te explicar o que vai acontecer aqui, Cecilia – disse ele


levantando o meu vestido até a cintura e abrindo as minhas pernas
com as suas – eu vou bater em você, sem parar, até você me implorar
para gozar para mim e eu não vou permitir até você me dizer que porra
te deu essa manhã…

Eu jamais admitiria que detestei vê-lo ao lado daquela Alice… Ele


grunhiu com o meu silêncio e sem pressa ele acariciou a minha
cabeça, desfazendo minha trança, parte por parte, até meu cabelo cair
como uma cascata em minhas costas… foi um gesto tão gostoso e
sensual que eu gemi tentando me esfregar nele e levei mais um tapa,
ainda mais forte que os outros dois.
– Você me ouviu? – perguntou, apertando ainda mais o meu
braço.

– Sim, eu ouvi, mas…

Outro tapa. Puta que pariu a onda de prazer veio ainda mais forte,
queria me esfregar em algum lugar, mas Alex mantinha minhas pernas
abertas, sem chances de eu me mover.

– Nada de “mas”, só abra a boca, para responder o que eu te


perguntei, loirinha.

E então outro tapa, seguido de outro e mais outro eu estava quase


gozando quando ele parou.

– Ah! – gritei – não para agora!

– Por quê? Minha menininha malcriada quer gozar? Deixa eu ver!

Ele soltou os meus braços e rasgou minha calcinha, tentei fechar


as pernas para conseguir algum tipo de alívio, mas ele não amaciou.
Eu estava a ponto de chorar de tanto tesão. Quando ele passou de
leve os dedos na minha entrada, eu implorei.

– Pelo amor de Deus, Alex, faz alguma coisa, eu estou


enlouquecendo.

Ele deu outro tapa, no mesmo lugar do outros.

– Você sabe o que tem que fazer para conseguir gozar… olha
essa bocetinha latejando na minha mão, tão gostosa, tão molhada… –
ele deu outro tapa, dessa vez bem no meu clitóris. Era só ele
continuar, um pouquinho que eu gozaria, mas ele parava esperava um
tempo e batia de novo…

– Alex – falei, gemendo, chorando, sem nenhum controle…

– Nada? Não vai mesmo falar? – perguntou passando a mão na


minha lubrificação e levando para trás, para a minha outra entrada – já
que você não quer gozar…
Ele me puxou pelos cabelos me obrigando a ficar de quatro, abriu
minha bunda e passou ainda mais minha própria lubrificação ali dentro.
Pensei que ele fosse colocar os dedos novamente, mas se posicionou
atrás de mim e enfiou a cabeça do seu pau bem devagar… quando eu
gritei, ele me deu outro tapa.

– Ah, loirinha, que cuzinho apertadinho… eu vou meter bem forte


aqui atrás se você não me falar o que eu quero… – ele disse tirando e
colocando a cabeça do seu pau na portinha de entrada.

Virei o tronco de lado, olhei bem nos olhos dele e sorri. Sem dizer
uma só palavra virei para frente e deitei a cabeça no colchão, ficando
totalmente aberta para ele, dando-lhe livre acesso para fazer o que
bem entendesse. Nunca me senti tão dele quanto naquele momento.

– Puta que pariu – agora foi a vez dele gemer – puta que pariu,
Cecília, como você é gostosa, eu não vou ser gentil com você.

– Por favor, não seja…

E então ele enfiou com tudo, mesmo muito lubrificado, a sensação


que tive foi como se seu pau me rasgasse por onde passava.

Eu tremia inteira, suando… tentei massagear meu clitóris com os


dedos, mas Alex segurou de novo o meu braço nas costas.

– Não senhora…. nada de gozar… – ele disse, metendo bem


devagar para que eu me acostumasse com o seu tamanho ali atrás,
mas aquilo só estava piorando a minha situação, a agonia que eu
sentia era terrível.

Sem ter como aguentar mais, cedi.

– Eu não gosto daquela mulher perto de você, sei que ela está
ajudando, mas eu não quero você sem camisa deixando ela encostar
no seu braço tempo todo.

Ele soltou o meu braço e beijou as minhas costas, entrando e


saindo com o seu pau de dentro de mim, bem devagar.
– Então era isso? Você não precisa sentir ciúme de Alice, nunca
olhei para ela com interesse, nunca…

Tentei sair debaixo do seu corpo, com muita raiva, mas ele
segurou firme meu cabelo e meteu mais uma vez.

– Quietinha…

– Não estou com ciúme de ninguém – disse com a respiração


entrecortada – só é um fato, ela é muito mais bonita, mais inteligente,
independ…

Sem aviso recebi outro tapa, dessa vez ainda mais forte que os
outros, e outro e mais outro… Eu gritava e chorava enlouquecida…

– Alex, eu preciso gozar… eu preciso…. para com isso me deixa


gozar…

– Só vai gozar depois que você falar para mim – ele disse
metendo muito forte puxando meus cabelos – que é a mulher mais
bonita do mundo e o amor da minha vida…

– Alex….

Mais um tapa.

– Agora!

– Eu sou a mulher mais bonita do mundo e o amor da sua vida…


pelo amor de Deus…

– Que não existe ninguém no meu mundo além de você.... – Mais


uma estocada bem lá no fundo.

Perdi o ar, mas repeti, nesse momento eu faria qualquer coisa que
ele quisesse.

– Não existe ninguém no seu mundo além de mim…

– Que boa menina...


E então sem parar com as estocadas, ele acariciou minhas costas,
minha barriga, meus seios e massageou bem onde eu precisava,
falando baixinho no meu ouvido.

– Você é linda, é corajosa, é forte e eu te amo pra caralho, eu


durmo e acordo respirando você, minha vida. Goza dando o cuzinho
pela primeira vez para mim, meu amor…

– Oh meu Deus! Isso, bem assim… Ah, Alex eu te amo tanto…

Eu não saberia dizer por onde aquele orgasmo começou, mas ele
me fez contrair tão intensamente que Alex gozou junto comigo, de
tanto que apertei o seu pau. Ainda ficamos parados na mesma
posição, recuperando o fôlego durante um bom tempo.

– Porra, Cecília, eu estou ficando velho para essas coisas, você


vai acabar me matando. – Ele disse desabando ao meu lado. –, mas
agora é sério, olha para mim – eu me virei para ele – eu te amo, você é
a única pessoa nesse mundo que eu amo, eu te quero o tempo todo,
te escolhi para ser minha mulher. Você é a minha família, esqueceu?
Faço qualquer coisa por você, literalmente qualquer coisa para te ver
feliz.

Uma lágrima desceu em meu rosto. Eu entendi o que ele quis


dizer, ele era relutante em me fazer sentir dor no sexo, desde o início.
Ele limpou minhas lágrimas e completou.

– Então pare de bobagens, não quero saber de você se


depreciando por causa de ninguém. Eu.Amo.Você!

– Não tenho dúvidas do seu amor… mas não controlei o que senti
quando vi aquela mulher encostando em você… Você é meu, só meu!

Ele levantou o tronco.

– Você quer outro advogado? Eu arrumo outro agora mesmo se


for o caso.

Só o fato de ele estar disposto a fazer isso me deixou feliz.


– Não meu amor, eu não estou sendo muito racional… não sei o
que eu tenho ultimamente, vivo irritada, com sono e com fome toda
hora. Vamos deixar que essa Alice faça o trabalho dela, quero ir
embora daqui o mais rápido possível.

Enlacei o seu pescoço e o abracei… ficamos assim por um tempo


e quando nos afastamos, Alex me olhava de um jeito estranho…

– O que foi meu amor? – perguntei preocupada.

– N-nada… espero que não seja nada… eu preciso voltar logo


para as baias, daqui a pouco Raul está aqui.

Ele se levantou depressa foi para o chuveiro e meu estômago


roncou de novo. Tratei de tomar um banho também antes que eu
desmaiasse de fome. Tirei minha roupa e fui até o chuveiro.

– O que é isso, mulher? Você quer me matar? Não vou dar conta
de você assim – ele disse com um sorriso nos olhos.

– Para de se achar, Alex – respondi jogando água na cara dele –


quero só tomar banho em paz para tomar café, parece que eu não
como há dias.

Ele me prensou na parede do box.

– Sempre insaciável, a minha loirinha – e completou com um tom


de voz despreocupado – tem muito tempo que você está se sentindo
assim?

– Assim como?

– Cansada, com fome, irritada. – Ele disse passando shampoo


nos meus cabelos

– Não sei, não reparei, acho que é a ansiedade por não saber o
que vai acontecer.

Ele sorriu e acariciou o meu rosto, sem dizer nada beijou minha
boca de forma lenta e sensual. Gemi em sua boca o empurrando
gentilmente.

– Não, senhor, eu realmente preciso comer. E para de me olhar


com essa cara

– Que cara? – perguntou como se fosse a pessoa mais inocente


do mundo.

– Com essa… de que quer me fazer de refeição…

Ele gargalhou dessa vez e eu fechei olhos para escutar o melhor


som do mundo. Se eu pudesse escolher um momento perfeito da
minha vida, definitivamente seria esse.
– Sua garota não vai com a minha cara – Brian disse fazendo uma
careta engraçada ao tomar um grande gole da sua cerveja. Não tinha
a marca que ele estava acostumado a beber no supermercado daqui e
eu não queria ter que ir até à distribuidora de Luciano. Seria estranho
após eu ter quebrado a cara dele em vários lugares.

Olhei para o meu relógio de pulso, ainda não tinha comprado um


celular, eram umas 18:00 horas e estávamos sentados na varanda,
descansando. Aquela semana havia sido muito puxada, estive
organizando tudo para que o haras passasse para as mãos de Raul, e
sem poder tomar nem uma dose era foda. Peguei meu isqueiro e
encarei Brian.

– Por que você diz isso? Ela não comentou nada comigo.

– Não sei, mas toda vez que apareço em um cômodo ela sai e
praticamente não me olha nos olhos.

– Dê tempo ao tempo. Você não viu o estado que essa menina


chegou na minha casa, mês passado. Eu ainda não sei como ela está
de pé, rindo e fazendo planos para o futuro…

– Se tiver qualquer coisa que eu possa fazer, me avis… Wow! Seu


dedo não está queimando?

Fechei o zippo, não percebi a chama na minha mão, estava com o


pensamento fixo na promessa que fiz no dia que Cecília chegou na
minha porta toda machucada: aquele pedófilo de merda pedindo
perdão enquanto sufocava no próprio sangue. Brian estreitou os olhos.
– Estou reconhecendo esse isqueiro…

– Porra cara, vamos colocar uma pedra nesse assunto… Sim,


essa merda era de Hector Zambada. Peguei no dia que atirei no velho
desgraçado. Satisfeito?

– Claro que não.

– Foda-se, não vou falar disso mesmo assim. Não vou te dar
detalhes do que aconteceu e não vou falar de novo sobre Mollie e as
meninas, nunca mais. Você vai ter que conviver com isso.

– Tá! – ele bufou contrariado – Sua mãe ligou de novo querendo


falar com você. Você disse que estava voltando para casa, vai ter que
falar com ela eventualmente.

– Que caralho, haja paciência! A casa dos meus pais não é ó


único lugar do Texas que eu posso morar, você sabe disso né?

– É desse jeito que você quer uma família de novo? Larga de ser
um certinho moralista, Alex. É muito fácil amar apenas as pessoas que
concordam com a gente.

Olhei ao redor escolhendo ignorar o assunto. O motivo de eu ter


rompido com a minha família ia muito além de uma questão de opinião.
Há muitos anos, antes de eu me casar, peguei o meu pai comendo a
secretária na sala da nossa casa. Indignado eu o confrontei e prometi
contar à minha mãe o que estava acontecendo, mas ela não só sabia
de tudo, como me contou feliz que a cada caso do meu pai ele a
enchia de joias exclusivas. Esse foi um dos motivos que me fez entrar
no exército com Brian… às vezes eu penso que se eu nunca tivesse
entrado naquela sala… Bom prometi que não ia mais pensar nisso…
Como eu não respondi nada, Brian continuou:

– Meus pais sentem muito a sua falta também.

– Como eu poderia encarar seus pais, Brian?

– Do mesmo jeito que está me encarando agora, tirando você


absolutamente ninguém te culpou pelo que aconteceu.
Dei um longo suspiro e fechei os olhos apreciando o silêncio, tinha
muito tempo que esse haras não ficava silencioso. Por falar nisso...

– Onde estão as outras pessoas dessa casa? – perguntei.

– O veterinário não sei, mas a sua menina foi com a Rita na antiga
casa delas se eu entendi certo o que disseram. Espanhol eu falo até
dormindo, mas a língua daqui é diferente.

– É português, não espanhol – respondi com o pensamento longe,


não gostava de Cecília naquele lugar sozinha, qualquer coisa podia
acontecer – vou lá na fazenda buscá-la, vamos comigo?

– Relaxa, cara… deixa a menina respirar.

Bem que eu queria, não ia demorar muito agora.

– Brian, um dia você ainda vai amar alguém tão intensamente


quanto eu amo essa garota e vai entender o que eu estou fazendo.
Essa cidade é perigosa…

– O que esse bando de caipira pode fazer?

Balancei a cabeça.

– O corpo dela é todo marcado por causa do que esses caipiras


fizeram, e nós viemos de uma cidade não muito maior que essa, você
sabe muito bem do que somos capazes.

Ele deixou a long neck em cima da mesinha de centro e se


levantou concordando comigo. Caminhávamos até o limite entre as
terras quando Alice e Raul entraram no haras balançando os braços
entrando pelo portão que ainda estava estragado, faltava uma peça
que não tinha em Santa Maria. Voltei até eles e me preocupei com o
semblante carregado dos dois. Com certeza traziam más notícias.

– O juiz… – Alice disse.

– Desgraçado… – Raul completou.


Os dois me olharam como se o mundo estivesse acabando.

– Falem logo, caralho, o que o filho da puta do Bartolomeu fez


dessa vez?

– Ele acatou o meu pedido de reavaliação de curatela, mas


colocou Cecília no nome dele – Alice disse como se não acreditasse. –
Em dez anos de profissão, nunca vi nada parecido. Em segundos
apareceu um psiquiatra no processo alegando que ela é um perigo
para si mesma e a sociedade, tem laudo médico e tudo de tentativas
de suicídio…

– Ok – respondi aparentando uma calma que eu estava longe de


sentir – Há alguma coisa que podemos fazer legalmente?

– Precisamos provar que ela não é perigosa, mas tem algo


estranho nisso tudo, Alex.

Bufei pela ironia da coisa, puta cidade de merda.

– Você não pode entrar com o processo em outro lugar?

– Posso, mas precisamos de provas, laudos médicos… isso vai


demorar um pouco e, pelo que vi, Bartolomeu está atrás dela nesse
exato momento. Talvez mandem policiais até à fazenda se ela não
cooperar, onde Cecília está?

Brian e eu nos entreolhamos. Eu falei primeiro.

– Foi até em casa com Rita – apontei com a cabeça para as terras
vizinhas.

– Pelo menos agora, a minha recomendação é que você a


esconda até eu conseguir reunir provas o suficiente para derrubar essa
fraude – ela esfregou a testa e me olhou preocupada – mas já te
adianto, Alex, esses processos são demorados.

– Porra de cidade infernal! – gritei para ninguém especificamente.


– Acalme-se, irmão – Brian colocou a mão no meu ombro – Você
vai pensar em alguma coisa, sei que vai.

Raul chegou mais perto de mim e estufou o peito olhando para


Brian, deu um tapinha no meu ombro e disse:

– Estou aqui por você também, meu amigo.

Agradeci a todos e juntos fomos até Caminho dos Girassóis.


Apesar de mais uma rasteira do destino, meu coração estava em paz,
mesmo com todos os canalhas nos nossos calcanhares, Cecília e eu
não estávamos sozinhos. Amigos são a família que escolhemos.

Era incrível como um lugar que já representou tudo para mim, não
valia mais de nada. Eu carregaria meus pais e minhas boas
lembranças da infância para sempre no meu coração, mas permanecer
em Caminho dos Girassóis me encheu de tristeza. Olhei para o
horizonte e o sol já estava indo embora, no inverno os dias ficavam
bem curtos na região serrana.

– O que tanto você queria me mostrar, Rita? Nem falei com Alex
aonde eu estava indo.

– Acho que ele consegue sobreviver sem você por uns quinze
minutos – ela disse e nós caímos na risada.

– Por falar nisso, percebi um clima bem quente entre você e Raul
– sorri.
– Ainda estamos nos conhecendo devagar… ele parece entender
tudo que eu passei e que ainda é difícil ter outra pessoa me tocando,
mas ele é tão perfeito nessas horas, Cecília. Às vezes eu não
acredito…

– ... que é possível ser tão feliz só porque ele existe – completei a
frase dela.

– Exatamente isso, tirou o que eu ia dizer da minha boca! – ela


disse espantada.

Respirei fundo, tentando encontrar as palavras certas.

– Sabe, Rita… por muitos anos, acreditei que você fosse minha
inimiga, uma carcereira ou algo do tipo, mas hoje sei que ninguém
poderia sequer começar a entender o que eu passei aqui dentro além
de você e sei também que a recíproca é verdadeira.

Ela enxugou uma lágrima e me puxou pelo braço.

– Sim, é exatamente assim que eu me sinto… vem comigo, vamos


lá em cima.

Um arrepio ruim percorreu a minha espinha quando subi as


escadas que davam na suíte principal e, para variar, meu estômago
deu um nó terrível, dessa vez, bem mais forte do que de costume.
Parei na porta do quarto me recusando a entrar, enquanto Rita
procurava alguma coisa. Depois de alguns minutos que meu enjoo não
melhorava, eu a chamei.

– Rita, preciso ir embora daqui esse lugar me faz mal.

– Espera aí… achei! – disse ela balançando um álbum de


fotografias.

– Não acredito!!! – gritei, pulando de felicidade assim que abri o


álbum – são mesmo fotos da minha família?

– Sim! – disse ela sorrindo de orelha a orelha. – Eu sabia que seu


Vicente o escondia em algum lugar, queria ter te dado há anos, mas eu
tinha tanto medo que ele me pegasse bisbilhotando, eu quase não
entrava aqui.

– Não precisa se desculpar… oh meu Deus! – passei a mão em


uma foto da minha mãe que sorria linda para a câmera comigo em seu
colo. Quantos anos não via o seu rosto! Chorei de verdade vendo as
fotos, mas eram lágrimas de alegria e saudade. De uns tempos para
cá a falta deles não doía tanto, eu conseguia lembrar dos dois sem
querer morrer também. – Foi desse álbum que você tirou a foto do meu
pai?

– Sim, há muito tempo, depois não soube mais onde seu Vicente
escondeu o álbum, tive medo de te dar a foto e ele achar – ela saiu do
quarto e me chamou. – Vem, quero mostrar só mais uma coisa antes
de você ir embora de vez desse lugar… Já sabe o que vai fazer com
Caminho dos Girassóis quando vocês se forem?

– Ainda não, acho que vou vender e usar o dinheiro para entrar
em uma faculdade, biologia ou agronomia, não sei como essas coisas
funcionam nos Estados Unidos. – Coloquei a mão no bolso da minha
calça e passei a mão no anel, finalmente ficou claro o que eu devia
fazer com ele. – Rita também quero te dar um presente.

– Pra mim? Ah, não precis… Misericórdia! – levou a mão à boca


quando viu ser o anel de diamantes que Vicente me deu no dia do
noivado – Não posso aceitar, deve custar uma fortuna, vende ele para
pegar sua faculdade, menina.

– Não, se você não quiser vou jogar fora. Por favor, Rita, faça algo
bom de uma coisa tão ruim. Cuide do seu irmão... eu não quero nada
que venha de Vicente, mas ele deve muito a você.

Ela concordou com a cabeça e guardou o anel de noivado em seu


bolso, foi como se tivessem tirado uma tonelada das minhas costas
sem aquele trambolho horroroso. Dei mais uma olhada naquele quarto,
meu corpo todo implorava para eu correr dali, eram muitas, mas muitas
lembranças pavorosas, no entanto, um objeto em particular me
chamou a atenção. Rita já estava no corredor e voltou.
– Vamos logo, o que voc…

– Estou indo – eu disse com a maldita vara de marmelo nas mãos


– mas antes eu quero por fogo nisso aqui.

– Ótima ideia, vou pegar álcool na cozinha.

Depois de buscar o que precisava, Rita me levou até onde ficava o


meu ipê-amarelo e meu coração ficou pequenininho lembrando do
maldito dia que aquele demônio o reduziu a cinzas.

– Bom, eu queria que estivesse de dia, mas mesmo assim dá para


ver… – ela apontou para terra e foi aí que eu reparei, ele estava
nascendo de novo. – Eu coloquei fogo nele aquele dia…

– Não foi culpa sua… não se martirize com o que fomos obrigadas
a fazer aqui.

Ela colocou a lata de lixo com a vara no chão e afundou as mãos


no rosto.

– Me perdoa por favor, eu tinha muita inveja de você…

Segurei os seus ombros.

– Rita pela última vez, pare de se torturar. Vicente é maluco,


cruel… nosso comportamento não influenciava as ações dele, e eu
nem sei o que faria no seu lugar, vendo alguém que amo sofrer nas
mãos desse demente. Se perdoe, tenta ser feliz com o veterinário, não
deixa ele ganhar.

Ainda chorando ela apontou para a lata do lixo.

– Vamos?

Abri um largo sorriso.

– Vamos!
Colocamos fogo naquele pequeno pedaço de madeira que tanto
me fez sofrer. Observei a fumaça que se formava no ar, era última vez
que aquele homem cruzaria meus pensamentos. De alguma forma, foi
uma despedida.

– Definitivamente eu ganhei, Vicente… – disse olhando para o


pequeno galho do meu ipê que se recusou a quebrar e morrer, assim
como eu.

– Cecilia! – a voz de Alex surgiu atrás de mim me fazendo


esquecer de Vicente na mesma hora. No entanto, assim que me virei
em direção a ele, vi que algo estava errado. Raul, Brian e Alice
estavam ao seu lado com cara de enterro. Fui até eles com coração
disparado.

– Meu Deus! O que deu errado dessa vez? – perguntei.

– Meu amor… – Alex fez menção de dizer, mas não encontrou as


palavras certas. Alice foi quem continuou enquanto ele acariciava
meus cabelos.

– Não tem um jeito fácil de te contar isso. O juiz negou a revisão


da sua curatela, colocou seus bens no nome dele e está exigindo que
você seja transferida para uma casa de repouso até seu padrasto se
recuperar. Não sei quanto tempo temos, ele já expediu um mandado
para a polícia te buscar aqui.

Meus olhos foram automaticamente para a vara pegando fogo e


depois para Alex… eu balancei a cabeça várias vezes, como se desse
para expulsar da minha mente o que Alice disse.

– Não! Não... Alex não deixa, por favor, eu…

Ele segurou meu rosto com as mãos e enxugou uma lágrima que
descia com o polegar.

– Ninguém vai te tirar de mim, você está me vendo preocupado


com isso?

Dei um sorriso entre as lágrimas e balancei a cabeça.


– É porque não estou mesmo, ninguém vai encostar um dedo em
você, ainda não nasceu alguém para te tirar do meu lado. Não se
preocupe, loirinha, vai ficar tudo bem.

Toda vez que ele dizia isso meu coração ficava em paz, com Alex
ao meu lado eu sabia que nada de ruim me aconteceria.

– Eles vão ter que passar por cima de mim também, irmão. – Brian
disse para Alex e, mesmo muito assustada, meus olhos encheram de
lágrimas de felicidade por saber que Alex não estava mais sozinho, ele
precisava muito de um amigo.

– E por cima de mim também – Raul disse e Rita deu um tapa no


braço dele.

– Fica na sua, Raul, você sabe atirar por acaso? Eles sabem o
que estão fazendo…

– Ai! – ele disse passando a mão por cima do braço. – Eu posso


ajudar, uai, por que tudo para vocês é sair atirando?

– Muito obrigada, gente! – eu disse para todos e dei um beijo na


mão de Alex, muito grata por não ter que passar por tudo isso sozinha
– e o que você sugere que eu faça, Alice?

– Você precisa se esconder – e ela apontou o dedo para Alex e


Brian – se vocês dois tentarem impedir a polícia, vai todo mundo
preso, eu vou conseguir derrubar essa curatela, acalmem o coração de
vocês.

Alex soltou um grunhido e Brian tinha um sorriso enigmático no


rosto. Alice revirou os olhos e se dirigiu a mim.

– Alex disse que havia uma prova que não foi você que atacou o
delegado. Onde ela está?

– Eu não sei, Serkan contou que viu pelas câmeras, mas elas
estão desativadas. Talvez no escritório da fazenda?

– Você sabe se o servidor tem senha? – Alice perguntou.


Olhei para Rita e ela balançou a cabeça, negando. Ela também
não sabia.

– Nunca entrei lá, me desculpe, não faço ideia…

– Deixa comigo, meu amor – Alex disse – vou conseguir essa


prova, mas antes preciso te levar para casa, por favor me esperem
aqui, quero resolver logo isso.

– Vou tentar entrar no servidor das câmeras – Brian disse – você


tem alguma ideia de qual poderia ser a senha, Cecília? Data de
nascimento, nome dos pais, do que ele gosta…

Balancei a cabeça, não queria ter que pensar em Vicente agora.


Olhei para Alex primeiro, Brian ainda me intimidava um pouco.

– Eu não sei, ele não falava muito de si comigo e eu não


perguntava nada… – um calafrio percorreu o meu corpo, muita coisa
ruim acontecia nos nossos aniversários – o aniversário dele é 13 de
abril, mas não lembro o ano…

– Isso eu posso achar – ele levantou uma sobrancelha – qual é


sua data de aniversário completa?

– 14 de março de 2001, por quê?

Brian estreitou os olhos para Alex que abaixou os dele, houve


alguma conversa silenciosa ali que não entendi. Foi Alex que
respondeu primeiro a minha pergunta.

– Porque ele é obcecado por você e geralmente as senhas das


pessoas seguem esse raciocínio.

– Ah!

– Eu posso ajudar, talvez lembre de algumas coisas, vá logo,


Cecília, a polícia não estava vindo? – Rita disse.

Alex e eu nos despedimos e nos viramos para voltar ao haras, no


entanto, ele largou minha mão e chamou Brian para se juntar a nós.
Quando ele se aproximou, Alex abaixou a voz, olhou para mim como
quem pede desculpas e disse:

– Tente “Ratinha” primeiro, tenho certeza de que a senha é essa.


Dias depois.

Eu olhava satisfeita para o desenho que tinha acabado de


terminar quando a porta do bunker se abriu. Ergui a cabeça e perdi o
ar Alex entrou mais lindo do que nunca, ainda de chapéu. No entanto,
eu sempre me assustava quando essa porta abria, eu estava no meu
limite, não aguentava mais essa incerteza sobre o futuro. Já cheguei a
passar mais de um mês trancada no meu quarto sem ver a luz do sol
nem pela janela, mas eu tinha me desacostumado a ficar presa, esse
bunker estava me matando. Alex, perfeito como só ele era, encheu o
local de flores, colocou uma televisão enorme conectada à internet e
mandou que eu fizesse uma lista de livros que ele me compraria todos,
e realmente comprou. Mas o medo que pairava em minha cabeça de
que eles ainda poderiam nos separar não me deixava aproveitar nada
do que ele fez por mim. Eu estava exaurida emocionalmente, cansada,
sempre com sono, com dores no corpo e uma náusea estranha na
boca do estômago que nada fazia passar.

O sorriso de Alex foi morrendo no rosto assim que me viu. Ah não!


O que poderia ser agora? Respirei fundo e disse:

– Fala de uma vez o que deu errado.

– Por que você acha que deu alguma coisa errada? – disse
colocando as costas da mão na minha testa.

– Porque nada nunca dá certo e pela sua cara de preocupado de


ser grave. – Respondi colocando o desenho ao meu lado na cama.

– Mas que pessimismo é esse, loirinha? Esse papel na relação é


meu.
Tentei sorrir, mas não me sentia no clima para piadas. Alex se
sentou ao meu lado e completou.

– Pelo contrário, nada deu errado, Alice ligou pela manhã


avisando que juntou as provas que conseguimos aquele dia na
fazenda e entrou com um processo em outro condado. Agora é
esperar o que a justiça vai decidir.

O abracei com força.

– Graças a Deus! Você não sabe o medo que eu estou te perder.

– Quantas vezes vou precisar te falar que isso nunca vai


acontecer? Estou preocupado com você, sua carinha não está nada
boa…

– Não estou me sentindo muito bem ultimamente, sinto cansaço o


tempo todo, o estômago doendo… principalmente de manhã, deve ser
o estresse de ficar aqui o tempo todo como uma inútil.

Alex me lançou um olhar intenso e estranho como se estivesse em


choque, quando eu ia perguntar o que tinha acontecido ele se
adiantou.

– Vamos respirar um pouco, você está há dias aqui dentro.

– Mas… e a polícia?

– Que se fodam todos, não posso te ver assim. O haras é grande


ninguém vai ver a gente.

Era incrível como tudo parecia fácil ao lado dele, ao me levantar


da cama lembrei do desenho que fiz e o peguei, hesitante. Não
gostava de falar de certas coisas com Alex ainda, mas…

– Amor, antes de irmos lá fora eu queria te mostrar uma coisa.

Ele sorriu e como sempre meu coração dançou no peito, com o


rosto corado dei-lhe o papel com o desenho de como imaginei a
tatuagem horrorosa, substituída.
– O que você acha? – perguntei.

Alex ampliou ainda mais o sorriso e deu uma resposta que só ele
daria.

– Acho que você vai ficar ainda mais maravilhosa do que já é.

Ele acariciou o meu rosto, mas fez uma cara de susto. Colocou
uma mão na boca e disse, espantado.

– Cecília, não acredito que eu esqueci!

– Do quê? – perguntei já com o coração na boca.

Em um movimento rápido ele me jogou deitada em cima da cama


e subiu em cima de mim, pegando o meu pescoço de uma maneira
muito possessiva.

– De falar que eu te amo! Não falei o quanto eu te amo hoje, falei?

– Alex! Não faça mais isso, quase morri do coração

– Mas é impossível eu guardar só para mim – ele beijou todo o


meu rosto – minha vida.

Eu gargalhei, vê-lo assim fazendo brincadeiras mesmo nesse


momento tão tenso era tudo que eu queria, ele merecia cada segundo
de felicidade.

– Eu também te amo mais que tudo nesse mundo, mas não me


mate mais de susto.

– Você é novinha, dá para aguentar – ele gargalhou comigo até


que ficou sério e sem fôlego.

Levantei o tronco e o beijei com força na boca, gemendo baixinho,


o beijo dele era delicioso, me levava para o céu.

– Meu amor, se você quiser ver um pouquinho da luz do sol,


precisa parar de me beijar agora ou nunca mais sairemos dessa cama.
Se eu te pegar de jeito só te solto amanhã.

Gemi frustrada em sua boca e o soltei, Alex me deixava excitada o


tempo inteiro, mas eu realmente precisava respirar um pouco de ar
puro. Tentando acalmar meu desejo, respirei fundo e saí do bunker. A
casa estava bastante silenciosa, passamos pela cozinha e assim que
pus os pés no lado de fora fechei os olhos, deixando o sol do fim da
tarde acariciar a minha pele. Alex tinha razão mais uma vez, eu
precisava disso.

– Alex…

– Sim?

– Sabe o que eu queria fazer há tempos e era impossível?

Ele me olhou com a sobrancelha erguida esperando uma


resposta.

– Minha mãe e eu fazíamos direto piquenique em uns lugares


remotos da fazenda, parecia uma aventura e tanto. Será que é muito
perigoso fazer um agora?

Ele sorriu enquanto me puxava pela cintura, inclinou meu corpo


para baixo e me deu um super beijo.

– Perigoso é muito mais gostoso! Seu desejo é uma ordem,


loirinha.

Ainda um tanto atordoada pelo beijo de cinema que recebi,


entramos na cozinha e arrumamos várias coisas gostosas para o
piquenique. Lily me rodeava chorando baixinho.

– Não precisa chorar, meu amorzinho, você vai com a gente! –


acariciei o seu focinho e recebi uma lambida de volta em resposta.

– Você mima demais essa folgada, desde que você chegou ela
está cada dia mais sem noção.
– Ela merece, foi quem me trouxe até você mais de uma vez.
Além disso, é bom que já vou treinando com os nossos filhos… – antes
de sair da minha boca eu já tinha me arrependido de falar, sabia que
Alex não receberia bem o assunto.

E foi bem como previ, ele derrubou a jarra de suco na pia da


cozinha, fazendo a maior bagunça.

– Alex…

– Merda de jarra estranha.

– Alex… olha para mim!

Ele parou de pegar os cacos de vidro, mas não me encarou,


cortou meu coração vê-lo assim.

– Eu falei por falar, não quer dizer nada, ok? Foi só uma frase da
boca pra fora. Não precisa de levar tão a sério.

Ele pegou um isqueiro do bolso e o rodou entre os dedos e ainda


sem olhar para mim, perguntou:

– Você quer ter filhos?

– Quero – respondi a primeira coisa que me veio à cabeça – quer


dizer, não sei, nunca pensei nisso direito, eu não fazia planos para o
futuro assim, mas eu não quero até que você esteja pronto para
abordar o assunto. Só existe uma coisa que eu não abriria mão por
você.

Ele franziu a testa.

– O quê?

– De ter um jardim enorme com todas as minhas flores favoritas! –


eu disse dando um beijo em seu rosto. Seus ombros relaxaram um
pouco e ele virou em minha direção me fitando intensamente.

– Cecília… mas eu acho que é tarde dem…


– Ah! Vocês estão ai! – Alice nos interrompeu chegando a cara na
porta da cozinha que estava aberta – eu mesma vou trazer um celular
para cada um de vocês, tentei ligar até para Brian e Raul, e nada.

– Eles foram em Vitória comprar uma peça para consertar o


portão, entre por favor. – Alex disse.

– Bom… eu trago boas e más notícias – disse ela com o rosto


impassível. – Qual vocês querem ouvir primeiro?

– As boas – eu disse.

– Fale logo as más de uma vez – Alex disse ao mesmo tempo que
eu.

Ela inclinou o pescoço com a sobrancelha erguida e disse num


suspiro.

– Bom, como a minha cliente é a Cecília, então vamos às boas


notícias! Consegui acelerar um pouco a sua audiência com o juiz para
o começo da próxima semana.

– Isso vai finalmente acabar? Quando vamos poder ir embora? –


perguntei animada.

Ela olhou para Alex e depois para mim visivelmente


desconfortável.

– Eu realmente não queria dar essa notícia para vocês… mas…


nós temos um risco nessa audiência. Se o juiz der a curatela para
Bartolomeu você será obrigada a sair de lá com ele…

– Nem por cima do meu cadáver – Alex bufou.

– … até o seu padrasto se recuperar, ele ficaria como o seu


guardião.

Foi a minha vez de interrompê-la.

– Mas e as provas que vocês conseguiram com as câmeras?


– Não foram aceitas no processo… alegaram que foram obtidas
ilegalmente.

– Porra! – Alex esbravejou, chutando uma cadeira.

– A influência deles na região é maior que eu esperava, até tenho


uma ideia de como lidar com isso, mas não sei se vocês vão aceitar.
Depois conversamos sobre isso – ela jogou o cabelo de lado, o jeito
dela ainda me irritava, mas não me enfurecia como antes, ela era uma
excelente profissional e era isso que importava. – Agora a má notícia.

Como assim aquelas não eram as más notícias? Apertei a mão de


Alex.

– Desde quando vocês me contrataram, coloquei alguém vigiando


o hospital…

– Não! – eu disse, simplesmente.

– Cecília, infelizmente…

– NÃO! – tampei meus ouvidos – Não, não diga mais nada.

– Alex – ela se dirigiu a ele, pedindo por ajuda – minha fonte


confirmou que Vicente Alcântara acordou tem algumas semanas, mas
ainda não há a mínima previsão de alta… o que tenho receio é que por
ele estar acordado, a justiça pode preferir deixar Cecília com o juiz, até
ele voltar.

Eu não sabia mais o que estava sentindo, meu estômago doía


muito e meus ouvidos zumbiam… O meu pior pesadelo era real. Alex
disse indignado.

– Todos aqueles vídeos mostrando que ele fazia não valeram de


nada?!

– Não, não foram nem analisados. Para a justiça da região eles


ainda são ilibados. Contratei especialistas que vão provar o que Cecília
diz, mas, o risco existe.
– Alex… – eu não sabia o que estava mais dizendo, fulminei Alice
com os olhos, como se isso pudesse mudar as palavras que disse e
saí correndo da cozinha. Não corri por muito tempo, no entanto. Meu
corpo todo tremia…

Parei de correr, em prantos, tentei respirar, mas não consegui e de


repente toda a enxurrada de lembranças de Vicente tomou conta da
minha mente sem que eu pudesse controlar… Meu estômago pegava
fogo e, ouvindo a sua voz nitidamente me chamando “Ratinha”, eu
vomitei ali mesmo. Eu não suportaria voltar para aquela vida depois de
ter conhecido o amor na sua forma mais pura.

Deus, por favor, me mate, mas não deixe aquele homem me levar
de novo, por favor! Era só o que eu conseguia pensar.
Deixei Alice falando sozinha na cozinha e corri atrás de Cecília,
puto por não ter o poder de tirar todas as lembranças ruins que a
assolavam. Mas tinha uma coisa que eu podia fazer para que ela se
sentisse menos desamparada. Quando a tomei nos meus braços, ela
tremia tanto que seus dentes batiam. Imaginei a boca daquele bosta
sem nenhum dente para me acalmar.

– Meu amor, não fica assim, por favor não fica assim.

– Acabou Alex, eles vão me levar de volta, você não ouviu?

– Ninguém vai te levar de volta, olha…

– Claro que vão… aquele monstro pode tudo, ele é intocável,


onde eu estava com cab...

A segurei com força e a beijei, prometi que sempre estaria aqui


para tirá-la da escuridão.

– Passou? Agora olha para mim! – ela pousou seus lindos olhos
nos meus. – Você, Alice e Raul me pediram para lidar com essa
situação pelos meios legais e eu concordei, mas agora acabou! Vou
resolver isso do meu jeito e eu não quero ninguém interferindo. Você
pertence a mim, e não vai a lugar algum.

– Mas Alex…

Coloquei meu dedo em seus lábios.


– Quietinha. Eu vou conseguir os seus documentos essa noite.
Você me ouviu? Nós vamos embora daqui ainda essa semana, não
quero essa cabeça linda pensando em mais nada.

Lágrimas grossas desciam pelo seu rosto e beijei todas elas. O


que essa cidade estava fazendo com a minha menina era desumano.
Quem chegou no limite fui eu, mas antes eu precisava deixá-la com
uma sensação de segurança maior.

– Vá lavar o rosto que nós vamos fazer um piquenique um


pouquinho diferente, eu te espero aqui.

Ela enxugou as lágrimas franzindo a testa.

– Nós ainda vamos, depois disso?

– Se você ainda quiser, sim! Não pretendo deixar esses merdas


comandarem a nossa vida e você?

– Ah Alex, ainda não inventaram uma palavra para descrever o


que eu sinto por você, sabia?

Sorri e a abracei, sim, eu sabia. Voltamos para dentro de casa


abraçados e Cecília foi se arrumar.

– Ela está bem? – Alice perguntou.

– Como ela estaria bem? Enquanto a gente não sair dessa cidade
de bosta nada vai ficar bem.

Ela abaixou os olhos, não tinha mesmo muito que dizer.

– Alice, eu vou conseguir a assinatura desse desgraçado do


Bartolomeu hoje à noite. Só te peço uma coisa.

– Alex… não vá por esse lado.

– Eu juro que tentei dar uma chance para a ingenuidade de vocês,


mas estou de saco cheio… Só quero uma coisa de você… não deixe
que eles saiam impunes, não foi só a vida de Cecília que esses putos
foderam.

– Eu sei, Alex, consegui a soltura de Enrico Novaes – franzi a


testa, não sabia quem era esse – o irmão de Rita que foi preso
ilegalmente pelo delegado. Era um processo cheio de furos, ele
passou mais de quatro anos preso injustamente, o que fizeram com
esse garoto na cadeia é além de hediondo. Eu entendo sua frustração,
mas tem mesmo certeza que quer ficar igual a eles?

Abri um sorriso, era um sorriso frio, mas ainda sim, um sorriso.


Não adiantaria debater com pessoas como Alice e Raul, eles nunca
entenderiam.

– Alice, não é frustração o que eu estou sentindo. Apenas faça o


que eu te pedi.

– Tudo bem, Alex – ela olhou para o celular e sorriu.

– Como Geovane está?

Ela ampliou o sorriso.

– Cada dia melhor e mais esperto, ele sente muita falta dos
cavalos.

– Sinto falta dele também, por bastante tempo ele foi meu único
amigo. Vou arrumar alguém para me substituir nas aulas, não se
preocupe.

Ela assentiu e se preparava para ir embora quando Cecília voltou


parecendo um pouco melhor. Nos despedimos de Alice e peguei minha
loirinha pela mão.

– Vamos, meu amor, vou te mostrar como não sentir mais medo
desses filhos da puta.
Andamos até uma área bem aberta no haras que ficava longe das
baias, se alguém entrasse pelo portão veria a gente, Lily veio conosco,
mas eu não estava mais no clima de piquenique. Olhei curiosa para
Alex que tirava várias garrafas de whisky de um cooler enorme que ele
trouxe.

– A sua ideia é a gente beber até esquecer? – perguntei em tom


de brincadeira, mas com um pouco de receio de que fosse verdade,
Alex era bem imprevisível às vezes.

Ele gargalhou e respondeu.

– Quem dera fosse tão simples, sei de primeira mão que não da
para esquecer nada bebendo. Isso aqui são alvos, vou te ensinar a
atirar e a se defender.

Minha nossa! Eu nunca quis pegar em uma arma.

– Alex… por favor, não entenda isso errado, mas eu não quero
matar ninguém. Não sei se conseguiria conviver comigo mesma
depois.

Ele tirou uma arma pequena da parte de trás da cintura e sorriu


para mim.

– E eu não quero que você mate ninguém, eu te prometo que


quando tudo isso acabar nós teremos a vida mais pacífica de todas.
Quando você estava no hospital eu prometi que se você saísse dessa
eu nunca mais trabalharia com nada que envolvesse violência, mas eu
não quero deixar nada ao acaso nessa cidade de bosta.
– Parece um sonho distante… eu você e uma vida normal –
suspirei enquanto pegava a arma.

Alex tinha razão, eu estava determinada a não deixar que eles


vencessem, e se eu tivesse que lutar pela minha felicidade, que fosse.
Não podia esperar encolhida e chorando que tudo se resolvesse.
Sentindo o peso da arma na mão eu disse:

– É melhor saber usar e não precisar do que o contrário.

Ele concordou com um aceno de cabeça e me deu um beijo suave


acariciando o meu rosto.

– Protegerei você até o dia que eu morrer, mas vou ficar muito
mais tranquilo sabendo que você consegue se proteger também, ok?
Agora vamos à primeira lição.

Ele dispôs várias garrafas de whisky em um toco de madeira e se


posicionou atrás de mim.

– Bom – ele disse com a boca no meu pescoço – coloque uma


perna na frente da outra e aponte para garrafa.

Ele deslizou as pontas dos dedos da minha cintura até os meus


braços, lançando ondas de arrepios pelo meu corpo todo.

– Não deixe seus cotovelos esticados assim… isso flexione e


alinhe com o seu ombro – ele disse no meu pescoço de novo, voltando
a pegar forte na minha cintura – Agora atire, Cecília!

Como eu ia raciocinar para atirar no que fosse com esse homem


me provocando? Minhas pernas estavam bambas e minha boca seca.

– Mas Alex, então para de falar no meu ouvido, só consigo prestar


atenção em você.

Ele riu ainda com a boca colada no meu pescoço, mas logo ficou
sério.
– Não importa o que você esteja sentindo, você tem um alvo. Nós
não temos tempo de te dessensibilizar, ou você acha que vai estar
calma se um deles chegar perto de você?

Pensei em Vicente enquanto Alex acariciava minha cintura e uma


energia muito forte tomou conta de mim, uma emoção estranha que eu
nunca senti antes e atirei. Apesar de pequena, a arma era poderosa e
me deu um forte tranco para trás, no entanto, Alex estava como uma
montanha atrás de mim, me amparando.

– Viu como é poderoso, meu amor? Você tem todo o poder aqui,
ninguém vai chegar perto de você, nunca mais. Agora de novo!

E atirei, mais uma, duas, três vezes… na quarta vez acertei a


minha primeira garrafa e depois de um tempo eu já estava acertando
mais do que errando.

– Meu Deus! Isso foi incrível! – eu disse animada quando as


garrafas de whisky acabaram.

O pavor que senti quando Alice disse que Vicente acordou foi todo
embora, me virei de frente para Alex e fiquei nas pontas dos pés para
beijar sua boca. Agarrei o seu pescoço para baixo e o beijei
intensamente. Como eu amava esse homem! Separei nossos lábios
ainda eufórica.

– Só existe você aqui dentro, meu amor! – falei colocando sua


mão em meu peito.

Ele sorriu com os olhos marejados e me beijou de volta me


pegando em seu colo. Entrelacei minhas pernas em sua cintura e o
beijei como se fosse a primeira vez. E de certa forma era, a sensação
de viver sem medo era inebriante eu me acostumaria muito fácil.

– Nunca vi uma imagem mais sensual na minha vida, loirinha…


vou te ensinar a atirar de escopeta para eu morrer de vez do coração –
ele disse enquanto se sentava no chão comigo em seu colo.

Segurei seu rosto em minhas mãos e beijei sua boca, rosto,


pescoço e sussurrei em seu ouvido enquanto me esfregava sem pudor
no seu pau.

– Estou morrendo de tesão desde que você apareceu no


esconderijo, não consigo me controlar com você por perto, me come
agora, aqui mesmo…

Ele gemeu o meu nome e desabotoou a calça. Sem me tirar do


seu colo, colocou minha calcinha para o lado e enfiou dois dedos
dentro de mim.

– Você está tão prontinha para mim, minha gostosa.

Eu me esfregava enlouquecida nele, seria capaz de gozar a


qualquer momento. Sem aviso, Alex me deu um forte tapa na bunda.

– Coloca esse pau dentro de você, safada, cavalga gostoso até eu


mandar você parar.

Ele abaixou uma alça do meu vestido e mordeu de leve meu


mamilo enquanto bateu ainda mais forte na minha bunda. Coloquei
meus joelhos no chão e cavalguei com força em cima do meu cowboy.
Alex puxou os meus cabelos para trás expondo meu pescoço
enquanto me segurava forte contra seu peito. Quanto mais ele puxava,
mais forte eu cavalgava, seu pau grosso e pulsante, batendo lá, no
fundo, arrepiou todo meu corpo, me enlouquecendo, contraindo, dando
mais prazer do que pensei ser capaz de sentir. As ondas de um forte
orgasmo me atingiram. E com um fio de voz, pedi:

– Goza comigo, meu amor, eu vou gozar muito..., Oh meu Deus.


Alex – gemi o seu nome contraindo inteira espasmos deliciosos.

Descansei minha cabeça na base do pescoço de Alex que me


retribuiu com um tapa muito forte, deixando meus mamilos
completamente duros.

– Eu mandei você parar por acaso? Vai cavalgar meu pau até eu
mandar, quero você gozando de novo.

– Mas Alex…
Outro tapa e eu rebolei mais uma vez, ainda sensível do intenso
orgasmo que tive. Alex então desacelerou e soltou os meus cabelos
acariciando meu rosto devagar. Colou nossos lábios em um beijo
intenso e devagar, muito sensual, desceu os dedos pelo meu colo e
passou o polegar no meu seio, gemendo na minha boca.

– Eu amo tanto você, vou passar o resto da minha vida venerando


o seu corpo, não se preocupe loirinha, uma hora dessas, vou te fazer
minha vestida de noiva… você vai ver.

Sorri entre as lágrimas e o agarrei com força, em segundos, Alex


saiu de baixo de mim e me deitou de costas na grama, intensificando
suas estocadas falando o quanto me amava. Olhei para os seus olhos
de tempestade e depois para o céu firme e cheio de estrelas. Quando
Alex gozou gritando por mim, tive a certeza de que ninguém seria
capaz de nos separar.
– Alex eu não gosto disso. – Cecília disse enquanto eu vestia um
colete à prova de balas – você ainda reclama da sua costela, e se
você se machucar?

– Não pretendo me machucar – dei um beijo em sua testa – já


conversamos sobre isso, vou resolver nossa vida de uma vez por
todas.

– Eu sei que você me acha boba, mas… eu não gosto que você
tenha que machucar pessoas por minha causa – ela suspirou – só
queria que fosse mais fácil.

Dei um sorriso para ela, não queria que ficasse preocupada,


especialmente agora que…

– Por que você está se preparando para guerra sem mim? – Brian
entrou em casa com Raul ao seu lado.

– Não pensei que fosse chegar a tempo – não disse o quão


urgente era a situação, pois não queria mencionar o delegado na
frente de Cecília.

– Demoramos um pouco mais porque fomos comprar uma coisa


para vocês – Raul falou entregando uma sacola para mim e outra para
Cecília.

Ela abriu animada o presente e seus olhos brilharam quando


viram o celular.
– Obrigada, Raul. Eu sempre quis ter um desses! – disse ao lhe
dar um abraço o deixando sem palavras.

Este sim, era um evento, Cecília se abrindo para os amigos e Raul


calado.

– Os nossos números já estão adicionados nos celulares de


vocês. Não sei como conseguiu ficar tanto tempo sem telefone.

– Foi ótimo sem ninguém no meu pé – eu disse pegando minhas


duas armas favoritas e a K-bar. Raul deu um passo para trás e franziu
a testa.

– Onde você vai desse jeito?

– Fazer uma visita para Bartolomeu.

Ele nem tentou argumentar comigo, já apelou logo para Cecília.

– E você vai deixá-lo cometer essa doideira?

– Eu não queria que fosse assim – respondeu ela quase pedindo


desculpas –, mas eles não têm limites, Raul. Não quero ser internada
em um lugar até Vicente voltar só porque eles podem fazer o que
quiser.

Só de imaginar a possibilidade de a tirarem de mim, meu peito


doía. No entanto, Raul ainda não tinha se dado por vencido.

– Jesus, Maria e José! Ele é um juiz! Tem seguranças na cola o


tempo todo. Você imagina o que pode te acontecer se você mata um
juiz?

Ignorei os protestos de Raul, peguei a minha Glock 9mm e


coloquei nas mãos de Cecília, era uma arma leve, pequena e
confiável.

– Meu amor, não pretendo demorar, mas não saia daquele bunker,
ok?
Ainda hesitante, ela pegou a arma da minha mão e me deu um
beijo profundo.

– Volte logo para mim! Não ouse não voltar.

– Você nem vai sentir que eu fui, em poucos dias estaremos longe
desse inferno.

Brian voltou para sala, completamente animado, como se


estivéssemos indo em um show de rock. Estalou o pescoço alongando
os braços.

– Vamos logo, há anos não vejo ação.

Esperei Cecília entrar no esconderijo e saí de casa ao lado de


Brian e Raul. Assim que entrei na caminhonete e abri a boca para me
despedir de Raul, ele falou primeiro num inglês impecável.

– E como vocês pretendem entrar na casa de Bartolomeu?

Afastei minha jaqueta mostrando o coldre com as armas e liguei o


carro.

– Vá para casa, Raul. Rita deve estar preocupada.

Ele estreitou os olhos.

– Como você sabe…. Ah deixa para lá! – ele forçou a porta de trás
da caminhonete – abre isso logo que eu vou com vocês.

Brian e eu nos entreolhamos, eu revirei os olhos, mas Brian teve


mais tato.

– Raul, agradecemos a sua preocupação, mas Alex e eu sabemos


o que fazer.

Ele tentou abrir a porta mais uma vez.

– Você o conhece há mais tempo que eu, Brian, ele pode saber o
que fazer, mas está cego… Eu cuido dos cavalos do juiz, a casa dele é
cheia de seguranças, posso colocar vocês lá dentro sem ter que matar
todo mundo – ele se dirigiu a mim – Rita me contou o que aquele
homem fazia com elas, Alex, eu entendo o seu ódio agora, mas você
não precisa matar todo mundo. Ódio nunca foi um bom conselheiro.

Nem me movi, eu não precisava matar todo mundo, eu queria, era


diferente.

– Bartolomeu tem dois filhos adolescentes, Alex… – Raul


completou, ansioso. – Não digo isso por eles… Brian...

Minha respiração estava descontrolada, eu não queria pensar


melhor, mas Brian colocou a mão no meu braço.

– Ele tem razão, cara, você sabe que tem.

– Fuck! – xinguei abrindo a porta – E cala a boca Raul, dessa vez


eu cumpro minhas promessas e acabo te dando um tiro.

– Aham – disse ele simplesmente.

A propriedade do Juiz Bartolomeu era impressionante, uma porra


de uma fazenda de sete mil hectares no meio de uma cidade pequena
como essa e ninguém achava estranho. Parei a caminhonete alguns
metros antes da entrada principal pensando no que fazer.

– O que você acha, Brian?

– Podemos fazer igual em Ramadi[11], você trouxe o seu drone? –


ele disse analisando a planta pelo GPS do celular.

– Eu posso falar agora? – Raul perguntou.

– Não! – respondi.
– Precisamos saber pelo menos dos pontos estratégicos onde os
seguranças estão – Brian continuou.

– Eu posso descobrir isso para vocês – Raul disse com a mão na


maçaneta.

– Fica quieto aí caralho – eu disse preparando o drone para


sobrevoar o local sem querer admitir que Raul poderia estar certo, a
fazenda era monstruosamente grande, o drone ia demorar um tempo.

Mesmo assim, era a melhor alternativa. Raul era falador e


ansioso, se o juiz percebesse algo errado talvez não desse tempo para
salvá-lo. Preparei o drone e assim que ele voou a uma altura aceitável
voltei para o carro, estava uma noite muito escura e eu duvidava muito
que os seguranças o vissem.

– Sua mãe me ligou hoje de novo, Alex, disse para eu te levar


para casa nem que seja amarrado. Você vai ter que falar com eles
eventualmente.

– Você tem mãe? – Raul perguntou espantado do banco de trás.

– Não, Raul. Fui criado no mesmo laboratório do Soldado


Universal[12]. – respondi.

– Eu não duvidaria nada se o final dessa história fosse a gente


descobrindo isso mesmo.

Revirei os olhos e não respondi nada, Brian estava atento nas


imagens do drone, apesar de grande a fazenda não era tão bem
guardada assim. Como eu adorava bandido arrogante! Peguei o meu
isqueiro e depois de um tempo falei de um só vez.

– Eu não sei o que dizer para os meus pais, Brian, não sei como
encarar os seus e além de tudo isso, Cecília está grávida.

Ele deixou cair o celular enquanto Raul recitava uma infinidade de


nomes de santos brasileiros.

– Eu não sei o que fazer, estou apavorado. – Completei


– Alex… – ele disse com os olhos marejados – não se apavore,
ninguém vai substituir as nossas princesinhas, se permita ser
plenamente feliz, meu amigo. Você já sofreu demais.

Apertei o isqueiro nas mãos e ele se recostou no assento sem tirar


os olhos das imagens do drone.

– Nem acredito que vou ser tio de novo. Como Cecília está se
sentindo com tudo isso? Ela é tão nova.

Caralho.

– Ela ainda não sabe, está supondo que os sintomas são de


estresse. E sim, Brian Cecília é tão nova, eu não deveria ter feito isso
com ela.

– Ai para com essa melancolia. Feito o quê, uma família? E o que


um filho seu vai impedi-la de fazer? Vocês são bilionários, pode parar
com isso.

– Como assim bilionário? – Raul perguntou.

Olhei feio para Brian que deu de ombros e falou:

– Ele nunca contou isso para vocês não?

– Brian… – pedi.

– A família dele é dona de uma das maiores empresas de petróleo


do mundo, Raul e ele com essa viadagem.

– Não acredito! E você me pagando aquela miséria a vida toda.


Você é péssimo, Alex.

Na tela de Brian o drone apitou bateria fraca e resolvemos trazê-lo


de volta.

– Contei apenas seis seguranças espalhados pelo perímetro, se


Raul colocar a gente lá dentro, mesmo que dê merda vai ser fácil de
resolver. – Brian disse.
– Você já sabe o que vai dizer, Raul?

– Sim, mas quero um aumento de salário, isso não vai ficar assim
não. – E em português ele completou – Agora arreda daí.

Brian e eu nos olhamos confusos.

– Que porra é arreda daí?

– Dá licença do banco do motorista, eles me conhecem, mas não


vocês.

A contragosto sai da direção e Brian foi para o banco de trás, Raul


apareceu com o carro na guarita do portão de entrada.

– Boa noite Ricardo, o homem está aí hoje?

– Boa noite, seu Raul. Qual o motivo da sua visita? – ele disse
olhando desconfiado para dentro do carro, onde eu estava com a
cabeça que fui escutar Raul?

– Sabe o que é? Tenho quase certeza de que eu errei na dose do


medicamento da égua de Fernanda, não estava conseguindo dormir
por causa disso, imagina se da um problema?

O homem coçou a cabeça apontando uma lanterna para mim.

– E quem é esse aí?

– Alex do haras, ele entende mais de cavalo que eu. Acho melhor
prevenir do que remediar, eu realmente não sei se dei o remédio
errado ou não.

– Tudo bem, vou mandar o seu Bartolomeu encontrar vocês nas


baias, podem ir direto para lá.

Raul me olhou do retrovisor com um olhar de triunfo e Brian se


levantou do banco de trás reclamando que estava muito velho para se
esconder em lugares pequenos. Foi quase uma pequena viagem do
portão até as baias, mas finalmente chegamos, recostei na lataria do
carro acendendo e apagando o isqueiro até que o nariz de batata do
juiz apontou dentro de um pequeno jipe. Para nossa sorte ele estava
sozinho, devia mesmo confiar em Raul.

– Isso são horas de dar remédio para cavalo. Raul? – disse ele
descendo do carro, assim que ergueu a cabeça e me viu toda cor fugiu
do seu rosto. Tentou voltar de onde veio, mas Brian entrou em sua
frente.

– Não tão rápido, velhote.

– Velhote? – gargalhei – que porra é essa, Brian?

– Sei lá uma semana é muito pouco para aprender português não


consegui pensar em nenhuma frase de efeito melhor.

– O que vocês querem comigo? – o juiz perguntou com a voz


trêmula.

– Eu acho que você sabe, velhote – olhei para Brian – não, não
funciona.

– Não vou ficar ouvindo dois vagabundos fazendo piadinha, que


papelão é esse R…

Dei um soco tão forte em seu rosto que um dente voou longe.

– Do que você me chamou?

Ele gemia ajoelhado no chão segurando a boca, lembrei do lábio


cortado de Cecília quando a resgatei no porto e dei uma joelhada em
seu nariz.

– Filho da puta de merda – me abaixei e cuspi em sua cara.

Raul segurou o meu braço.

– Calma, Alex, vai acabar matando o homem antes de conseguir o


que você precisa.
Bartolomeu pegou um telefone do bolso da camisa, mas Brian
torceu o seu pulso até que ele o soltasse gritando.

– Bom – eu disse tentando me acalmar – agora que tenho sua


atenção vou precisar um favor seu.

Ele cuspiu no chão e ameaçou um sorriso, mas gemeu de dor.

— Por favor, Bartolomeu, não discuta com eles – Raul disse.

– Não tenta proteger esse bosta, Raul, essa noite ele é todo meu.
– Dei um tapa com a mão aberta em seu rosto – Não é assim que
vocês gostam de fazer com meninas?

– Não, eu não, de jeito nenhum! Vicente que é metido nessas


coisas eu nunca fui. Eu só não podia fazer nada contra ele.

– Não estou aqui para discutir sua falta de caráter, onde está o
processo de Cecília e como eu consigo a certidão de nascimento
dela?

Ele balançou a cabeça várias vezes.

– Não, não posso fazer isso com Vicente… eu…

Brian deu um tapa na cabeça careca dele e eu mais uma joelhada,


dessa vez no seu estômago. Ele perdeu o fôlego por bastante tempo,
mas mesmo assim se recusou a colaborar.

– Brian o vídeo está no seu celular?

Ele afirmou e me passou o telefone. Umas das provas que


consegui invadindo o servidor de caminho dos girassóis era um vídeo
muito interessante de Hiago Bartolomeu espancando um morador de
rua até a morte. Apertei o play e coloquei a tela do celular na cara
gorda daquele merda.

– Bonitinho esse garoto! Quanto tempo o playboyzinho aguenta


uma segurança máxima sem virar o namorado da galera?
– Não, por favor… eu faço… não mexa com meus filhos.

Um ódio ainda mais forte tomou conta de mim ao ouvir essas


palavras, ele jogou uma menina indefesa na mão de um maluco
pervertido a vida inteira para proteger um merda.

– Sabe o que devia fazer? Meter uma bala na cabeça de estrume


do seu filho e livrar o mundo mais um demente.

Ele chorava agarrado aos meus pés.

– Eu sei que ele errou que eu errei, mas tenha humanidade, ele é
só um garoto…

Chutei sua barriga gorda com tanta força que ele vomitou, que
ódio da porra corria dentro de mim.

– Cecília era só uma garota, que você e seu filho se fodam… onde
está a porra da certidão de nascimento dela?

– Está… no meu cofre.

– Levanta daí, gordo de merda.

Precisei me afastar para o coração se acalmar, eu estava a ponto


de bater naquela cara covarde até eu não sentir minhas mãos. Brian
tomou conta da situação para mim, conduzindo o pedaço de bosta até
o jipe enquanto Raul tentava me acalmar.

– Alex, foca no seu filho. Você mesmo disse que Cecília é muito
nova, ela vai precisar de você mais do que nunca. Não perca a sua
cabeça agora.

Coloquei uma mão no ombro de Raul grato por ele ser meu
amigo.

– Amigo, espere aqui no carro – eu não estava acostumado a


pedir, mas Raul merecia um trato diferenciado – por favor.

– Alex…
– Raul, vou fazer o que eu tiver que fazer. Sei que você pensa
diferente, mas preciso disso.

– Por Rita e por Cecília, acabe com esses pervertidos de merda,


meu amigo.

Confirmei com a cabeça e entrei no jipe com Bartolomeu e Brian.

– Se você ainda estiver com ideias idiotas, o vídeo do seu filho


está na minha nuvem e meus advogados têm a senha. Se algo
acontecer comigo…

– Eu já entendi, nada vai acontecer, só quero minha família em


paz.

Lembrei de Cecília dizendo quanta falta dos pais ela sentia e dei
outro soco nele, só porque eu podia.

Brian sorria de orelha a orelha.

– Cara eu devo ser doente, mas você não tem ideia de quanta
falta disso eu senti.

– Senti muito a sua falta também, meu irmão. Só não sabia como
te encarar. Fui responsável pela morte da nossa família.

– Para com essa merda. Existe um responsável por isso e não é


você.

O juiz grunhiu e cuspiu sangue olhando-nos com ódio nos olhos.


Dei um tapa em sua cabeça.

– Cala a boca seu bosta.

Seguiu-se um silêncio muito confortável e finalmente chegamos na


casa principal. Bartolomeu estava com o nariz inchado, dentes faltando
e o olho roxo. Eu não queria matar nenhum segurança, mas não
hesitaria se eu precisasse.

– Acho melhor você dispensar sua guarda pessoal.


Ele me olhou espantado.

– Você ainda vai pagar por tudo isso…

Dei mais um tapão de mão aberta, só para humilhar.

– Dispensa, agora… só quero a certidão de nascimento.

Sob meu olhar atento, Bartolomeu se comunicou com seus


seguranças e os dispensou. Entramos em sua casa e nos dirigimos
diretamente para o seu escritório. Ele abriu o cofre e depois de
procurar por um tempo me entregou exatamente o que eu queria, a
certidão de Cecília Alves Menezes, filha de Helena Alves e Pedro
Menezes. Até o nome da minha menina foi tirado dela.

– O processo da tutela, acabe com isso, agora! – eu disse para


evitar de enchê-lo de tiros.

– Curatela – ele disse ainda olhando para o cofre.

– Foda-se, seu saco de bosta, você acha que eu ligo para o nome
da aberração legal que vocês arrumaram? Anda logo.

De repente, a porta do escritório foi escancarada e uma mulher


morena, muito bonita de uns 5o anos entrou falando como se
fôssemos seus empregados.

– O que vocês estão fazendo em minha casa? – ela se empertigou


e apontou para a porta. – Para fora agora os dois.

– Bárbara – o juiz disse pegando uma pasta de dentro do cofre e


olhando para a esposa – fica quietinha, não piore as coisas.

Olhei de relance para a mulher a reconheci do dia da maldita


festa.

– Os papeis que você quer são esses. – Ele disse rubricando


todas as folhas – com a minha assinatura a menina Cecília agora é
uma mulher livre. Era só isso?
Não podia ser tão fácil assim. Ou podia? Liguei para Alice.

– Alex? Está tudo bem? – ela atendeu no primeiro toque.

– Vou te mandar umas fotos, de forma hipotética e você me fala se


era isso que a gente precisava.

– Humm, ok! – foi a resposta dela.

Mandei as fotos da certidão e extinção da curatela.

– Eu realmente não quero saber como você conseguiu, mas era


exatamente isso que precisávamos. Vou encaminhar com pedido de
urgência a confecção do passaporte na polícia federal.
Hipoteticamente esse pesadelo acabou.

Olhei para Brian que pegou todos os papéis e nos preparamos


para sair.

– Levanta daí, você vem comigo. – Eu disse para o juiz

O pânico tomou conta dos seus olhos.

– Mas minha família…

– Se você quiser eu faço o playboy de merda e essa velha


desprezível se juntarem a você.

– Não! Não machuquem o meu marido! – ela gritou abraçando o


juiz.

Era para ser uma cena comovente, mas eu estava puto. Cecília
não teve a mínima chance de nada com eles ao redor dela.

– Dê adeus à sua família, Bartolomeu – eu disse limpando uma


arma com a numeração raspada.

Ele chorava compulsivamente.

– Isso é mesmo necessário?


– Não sei, pensa no seu filho sendo a donzela da cadeia e me
responda – dei a arma na mão dele, a velha desgraçada gritava sem
parar – está totalmente carregada, atire em mim ou faça um favor para
o mundo e atire na sua própria cabeça.

– Você me dá sua palavra que nada acontecerá a Hiago? –


Bartolomeu perguntou aos prantos.

Acenei confirmando com a cabeça.

– NÃO! – Bárbara gritou.

– Cala a boca, Bárbara, se você não tivesse mimado tanto esse


garoto… – Ele vociferou com as mãos trêmulas, apontou para a
própria cabeça e atirou.

A mulher gritava sem parar que chamaria a polícia, tampando


nossa passagem. Agarrei o seu pescoço com toda força que eu tinha.
Até Brian segurou meu braço nesse momento, mas mesmo assim eu
não pretendia parar.

– Cala essa boca, perua desgraçada. Eu tenho o seu filho da puta


matando um morador de rua em vídeo, se você não quiser vê-lo morto
eu sugiro que tire essas mãos de mim agora e me dê licença.

Ela engoliu o choro e me deu passagem. Respirei o ar frio da noite


eufórico, ainda não conseguia acreditar. Essa merda tinha finalmente
acabado?
Olhei de novo no relógio do meu celular, quase cinco horas da
manhã. Quando Alex saiu de casa não era nem noite ainda. Eu não
conseguiria dormir enquanto ele não voltasse, meu coração nem sabia
mais o que estava fazendo de tão disparado. Não queria atrapalhá-lo,
mas eu morreria de nervoso nesse bunker a qualquer minuto, peguei o
telefone e liguei para o número registrado como o dele no celular que
Raul trouxe.

Bem de longe eu o ouvi tocar dentro de casa. Ah não! Não


acredito que ele não levou o celular. Eu pensava mais aflita do que
nunca quando a porta do bunker se abriu e Alex entrou me olhando
mais intensamente do que nunca. Me joguei em seus braços e o
apertei com toda a força que eu tinha.

– Pelo amor de Deus nunca mais faça isso! – eu disse


desesperada.

– Isso o que meu amor?

– Isso, você sumiu por uma noite toda, eu não sei o que eu faria
se eu te perdesse.

Ele me ofereceu o sorriso mais lindo que já vi e disse:

– Demorei uma eternidade para te achar, loirinha. Você não vai me


perder agora. Venha, vamos sair desse esconderijo.

Saímos para a cozinha e Lily pulou em mim como se não me visse


há dias, acariciei o seu focinho. Levantei-me do chão e olhei para Alex,
não aguentava mais de ansiedade.
– E então?

– E então o quê? – disse sorrindo com os olhos e meu coração se


encheu de esperanças, ele não estaria com esse bom humor a toa.

– Você quer me matar de ansiedade?

– Não, não de ansiedade Srta. Cecília Alves Menezes.

Soltei um grito e pulei no seu pescoço entrelaçando minhas


pernas em sua cintura. Dei um monte de beijos no seu rosto, chorando
sem parar.

– Você conseguiu? Esse pesadelo finalmente acabou?

– Sim, meu amor, você é uma mulher livre agora. – disse ele
andando comigo em seu colo até o quarto e fechando a porta com o
pé. Me jogou no meio da cama subindo em mim em seguida. –
Demorei para chegar porque já repassei todos os documentos para
Alice, em menos de dez dias nós estaremos na nossa casa, longe
daqui.

– Hum, Alice… – eu disse sem querer, foi mais forte do que eu.

Alex calou minha boca com o beijo mais gostoso do mundo.

– De tudo que eu disse a única coisa que você prestou atenção foi
nisso? – ele gargalhou contra o meu pescoço, lançando arrepios por
todo o meu corpo.

– Não, adorei como o “nossa casa” saiu da sua boca, apesar


que…

Ele me deu mais um beijo no pescoço e deslizou as alças da


minha blusa.

– Apesar que… – disse lambendo meu mamilo.

– Oh meu Deus! – gemi – apesar que minha casa é onde você


está – completei ofegante.
Ele passou para o outro seio enquanto tirava o meu short e minha
calcinha com uma rapidez impressionante. Antes que eu me desse
conta estava completamente nua embaixo dele. Com a mesma pressa
tirei a sua camisa e acariciei seu tronco definido. Não existia ninguém
mais bonito que ele, eu poderia passar o resto da minha vida nessa
cama, lambendo seu corpo todo que ainda seria pouco.

Ele tirou a boca dos meus seios, depositando beijos por toda a
minha barriga até chegar no primeiro elo da corrente daquela tatuagem
horrível. Meus olhos encheram de lágrimas e Alex se levantou me
encarando, sem deixar de acariciar toda a extensão do meu corpo
marcado.

— Eu amo você exatamente do jeito que você é, minha loirinha. –


Sua mão desceu até nas cicatrizes das coxas e lentamente deslizou
para o meio das minhas pernas massageando o meu clitóris de forma
lenta e sensual.

Sem parar de acariciar ele se deitou em cima de mim mais uma


vez e beijou exatamente onde a tatuagem terminava em “Ratinha do
Vicente” e capturando meu olhar no seu, disse:

– Minha menina, toda minha, somente minha.

– Sua – eu disse me contorcendo em seus dedos – toda sua, meu


amor.

E então ainda sem tirar os olhos dos meus, ele tirou o resto das
suas roupas e me penetrou, até no fundo, lento, calmo, sensual,
acariciando o meu rosto e me beijando de forma profunda. Entrelacei
minhas pernas nas suas costas e agarrei o seu pescoço
movimentando o meu quadril no ritmo das suas estocadas.

– Minha vida, eu te amo tanto, tanto… – ele disse sem desgrudar


seus lábios dos meus.

Nunca me senti tão amada quanto naquele momento. Não pude


segurar a emoção que senti pelo delicioso orgasmo que estava prestes
a me atingir.
– Eu vou gozar para você, Alex – gemi sorrindo entre as lágrimas.

– Goza gostoso para mim, meu amor – disse atacando minha


boca em um beijo que exigia tudo de mim e eu entreguei. Eu era
plenamente dele.

Gozei gemendo enlouquecida o seu nome e depois de mais


algumas estocadas ele gozou gritando o meu.

– Eu não posso ir embora até você falar com a sua mãe, Alex. –
Brian disse me entregando o seu telefone.

Estávamos sentados na varanda bebendo uma cerveja e


esperando Cecília se arrumar. Bom, Brian estava bebendo, eu ainda
não sabia se podia tomar uma cerveja sem querer entornar uma
garrafa inteira de Jack. Não iria mentir dizendo que não salivava por
uma dose, mas esses dias de descontrole ficaram para trás.

Meu amigo tinha razão, eu precisava da minha família inteira perto


de mim, ainda mais agora com Cecília grávida, só não sabia como
conversar com eles de novo.

– Não estou ansioso por isso, Brian. Meu pai vai querer que eu
assuma a empresa, nunca quis trabalhar engravatado. Não sei como
minha mãe vai reagir à Cecília, ainda mais pela diferença de idade –
suspirei – acabam uns problemas e logo surgem vários outros.

Ele ergueu uma sobrancelha balançando o telefone e sorriu


satisfeito quando eu o peguei.
– Sim, meu amigo, essa é a parte ruim de estar vivo, os problemas
realmente não acabam. Eu não estou nem um pouco a fim de voltar e
ir para o DEA, por exemplo.

– Nem me fale daquele lugar – rosnei –, mas o que você faria fora
dali?

– Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares, Alex.

Avistei Raul vindo com Rita lá de longe quando o celular de Brian


tocou. O nome “Tia Liz” apareceu na tela. Era melhor resolver isso
logo. Atendi e um sorriso brotou logo no meu rosto, minha mãe
começou a falar sem parar antes que eu falasse alô. Algumas coisas
não mudavam.

– Brian tem quase um mês que você está aí eu não aguento mais
de saudade do meu menino, quero ele na minha casa nem que seja
arrastado!

– Quando foi que você começou a ficar violenta assim Sra. Lion?

O outro lado da linha ficou mudo e então ela começou a gritar e a


chorar tudo ao mesmo tempo.

– Franklin, Franklin desça aqui agora! Alex está ao telefone. Meu


filho, eu nem acredito que estou ouvindo sua voz! Você está bem? Oh
meu Deus obrigada, eu não conseguia respirar sem saber como você
estava!

Cecília se juntou a nós, mais linda do que nunca com um vestido,


jaqueta, botas e o meu chapéu na cabeça. Sorri de orelha a orelha e
disse para minha mãe.

– Está tudo bem agora! Estamos indo para casa.

– Estamos? Você já vem agora com Brian? – ela gritou mais uma
vez – Franklin! Meu Deus… seu pai não me ouve…

– Não, Brian na frente para arrumar uma casa para a minha futura
esposa, quero um casamento que fique para a história do Texas.
– Oh meu filho! Você me dá uma notícia dessas assim? Já estou
naquela idade que não pode aguentar fortes emoções. Fico tão feliz
por você, e não quero saber de você arrumando outra casa, vão morar
aqui vocês dois. Sobre o casamento não se preocupe, você está
falando com uma profissional.

– Mãe…

– Sem discussões, Alexander. Essa mansão tem mais de vinte


quartos, imagine se vou te deixar longe de mim de novo.

Raul, Rita, Cecília e Brian se despediam e conversavam mais


afastados de onde eu estava, abaixei minha voz e fiz um pedido para
minha mãe. Minha menina teria uma bela surpresa quando chegasse
em casa.

– Claro que farei, meu filho, com todo prazer. Como minha nora se
chama?

– Cecília.

– Que nome lindo! Agora espere que vou chamar o seu pai, ele
sente tanto sua falta, mas tanto.

Até aquela hora eu não sabia que também senti muito a falta
deles, mas já era hora de ir ou Brian perderia o voo.

– Preciso levar Brian até o aeroporto, vou te passar meu novo


número, nos falamos durante a semana, eu senti muito a sua falta
dona Elizabeth.

– Nem me fale, meu filho, nem me fale.

Desliguei e me juntei aos meus amigos. Nunca pensei que eu


pudesse ter minha família de volta e estar rodeado de amigos
novamente. Puxei Cecília pelo braço e lhe dei um beijo bem gostoso.

– Minha nossa! – Raul disse – eu só quero agradecer a pessoa


que sequestrou o antigo Alex e colocou esse daí no lugar. Muito
melhor, viu.
Abracei Cecília por trás e respondi:

– Você está olhando para ela, Raul.

– Gente para que estou ficando sem graça, vamos? – Cecília


desconversou.

Raul abraçou Brian que não sabia o que fazer, ele não era muito
chegado em demonstrações de afeto.

– Cara, vocês são completamente malucos, mas eu nunca vou


conseguir esquecer esse mês, talvez escreva até um livro, não
sumam, por favor.

– Raul, você é um cara foda para caralho, cuidou que essa


toupeira cabeça dura não se afundasse de vez, muito obrigado, de
verdade. E agora vamos parar de frescura.

Todos riram e seguimos até Vitória, a estrada estava bem


tranquila. Nos despedimos de Brian no aeroporto e ele seguiu viagem,
iria arrumar a entrada de Cecília nos Estados Unidos já que demoraria
demais conseguir um visto para ela e não queríamos ficar em Santa
Maria mais nem num minuto a mais que o necessário. Assim que
saímos do aeroporto, lembrei de uma coisa.

– Meu amor, você trouxe o desenho que fez da tatuagem que


você queria fazer.

– Sim, está na minha bolsa, por quê?

– Porque eu tive uma ideia, nós temos que esperar pelo menos
dez dias para o seu passaporte sair, o que você acha de usarmos esse
tempo aqui na Capital e fazer a tatuagem como você sonhou?

Ela sorriu e me abraçou, beijando minha bochecha.

– Vou adorar, e vai ser muito bom ficar longe de Santa Maria um
pouco.
Concordei, aquela cidade não fazia bem para nenhum dos dois.
Aliás, o Festival de Inverno de Santa Maria se aproximava, era uma
festa que parava a cidade toda e era a última coisa que nós
precisávamos de ver, aqueles doentes de merda felizes e
comemorando a podridão da cidade.
– Estou realmente impressionado com a sua evolução, o empenho
do paciente em melhorar é a maior responsável pela plena
recuperação. – disse o médico com cara de bobo.

Esses papos frescos de merda estavam acabando com a minha


paciência. Só haviam duas coisas que eu queria saber e ninguém me
falava. Quando eu iria para casa e que em porra de lugar Cecília
estava que não ao meu lado segurando a minha mão? Mandei chamar
Marcos Rocha, o delegado substituto, há uma semana para me deixar
a par do que estava acontecendo em Santa Maria e apenas nessa
tarde ele viria me visitar. Levantei-me da cama com os olhos atentos
do médico e da enfermeira em mim. Eu estava puto por precisar dos
outros a todo momento, apesar de intensiva, a fisioterapia tinha
resultados lentos. Não conseguia me lembrar de nada o que
aconteceu desde quando fui em Vitória na manhã do noivado. Uma
das enfermeiras deu a entender que Cecília que me atacou, mas
minha Ratinha jamais faria isso. Eles estavam todos enganados.

Dei um passo para longe da cama e desequilibrei.

– Porra! – minha fala estava quase normal, mas a perna direita


não funcionava do jeito que eu queria.

– Sr. Vicente, não se cobre tanto, sua recuperação está fantástica.


Em menos de um mês eu acredito que o senhor poderá voltar para
casa.

Bufei, puto. Nunca passaria um mês nesse lugar longe da minha


Ratinha.
– Eu não posso ficar longe da minha noiva todo esse tempo.
Vocês não me falam onde ela está.

O médico balançou a cabeça e se despediu falando um monte de


merda. No entanto, tinha alguma coisa na cara da enfermeira
dentuça… como era mesmo o nome dela?

– M-mocinha eu esqueci o seu nome.

Ela corou e olhou para baixo, seria fácil arrancar qualquer coisa
dessa puta oferecida.

– É Désirée Dr. Vicente… o senhor não se lembra de mim?

Ah pronto eu pareço alguém que repara em vagabunda? Respirei


fundo tentando acalmar a fúria que eu me encontrava, quem me
colocou nesse lugar iria se arrepender de ter nascido.

– Bonita do jeito que você é eu certamente me lembraria se já


tivesse te visto.

Ela riu e colocou o cabelo pintado de loiro atrás da orelha, se


soubesse o que eu gosto de fazer com piranhas como ela, riria
menos.

– Meu tio-avô mora em Santa Maria, ele é o Gabriel, dono da


padaria, tenho certeza que se conhecem.

– Não acredito! Você era uma menina há cinco minutos, mas está
tão linda! Mundo pequeno esse.

Ela corou ainda mais rindo e passando a mão no cabelo. A minha


sorte havia mudado, até que enfim! Ela poderia ser uma aliada e me
contar o que diabos aconteceu comigo. Tive um ímpeto de ir até onde
ela estava, mas esqueci que a maldita perna não funcionava direito e
na pressa me desequilibrei caindo em cima da mesinha ao lado da
cama. Vários objetos se espalharam no chão, inclusive minha carteira
que se abriu ao cair.
– Cuidado Dr. Vicente! – ela disse me ajudando a voltar para a
cama. Como eu precisava dar um tiro em alguém! Que situação de
merda!

Ela se abaixou para arrumar a bagunça e se levantou sorrindo


com uma foto de Cecília nas mãos.

– De onde o senhor conhece a Dona Cecília?

– Como assim de onde eu conheço? Essa é a minha noiva, a que


vocês estão escondendo de mim.

Ela franziu o cenho e analisou a foto mais uma vez.

– Sua noiva? Dr. Vicente o senhor está mesmo bem? Acho melhor
eu chamar o médico.

Agarrei o seu braço com força.

– De onde você a conhece?

– O senhor está me machucando!

– Vou te machucar muito mais se você não me falar de onde você


conhece a porra da minha noiva Cecília.

– Eu não estou enganada, Dr. Vicente, era mesmo ela. Ela se


internou aqui no hospital há cerca de trinta dias, tinha um feio corte na
perna, teve que fazer uma cirurgia… mas...

– Corte? Ela está bem? – realmente tinha algo muito errado,


morrer ela não morreu, eu saberia se ela tivesse morrido, o meu
próprio coração teria parado de bater, o que poderia ser, então? – Mas
o que, criatura? Desembucha logo!

– Sim, sim, ela está bem… ela e… o marido.

O quê?! A minha primeira reação foi enforcar essa desgraçada,


mas eu me controlei, não sei como, mas me controlei e aparentando
calma, perguntei com uma voz bem baixa.
– Como assim marido? Como a porra da menina pode ter um
marido se ela é a desgraça da minha noiva?

Ela deu um passo para trás, e respondeu.

– Dr. Vicente, eu não sei, ela ficou internada mais de cinco dias,
eu lembro dele, era um cowboy lindo, americano, tinha um sotaque…
como era mesmo o nome?

“Vicente vai dar uma festa amanhã, Alex. Ele é o dono da fazenda
de flores, vizinho do seu haras.” A voz de bosta de Wagner Mol soou
nos meus ouvidos como se estivesse acontecendo naquela hora.

– Alex – eu disse sem emoção nenhuma na voz.

– Isso! Alexander Lion e Cecília Lion, porque o senhor acha que


ela é sua noiva?

Não enxerguei mais nada em minha frente, eu só precisava


extravasar essa raiva em algum lugar, Deise ou sei lá que nome de
puta ela tinha, estava mais perto. Quando dei por mim ela já estava
roxa, devido o meu aperto em seu pescoço e eu tão excitado de vê-la
assim que não conseguia mais parar. Mas que história mais mal
contada era essa? Intensifiquei o aperto, ela estava a ponto de
desmaiar quando a porta do quarto se abriu e Marcos Rocha entrou.

– Homem, mas o que está acontecendo aqui?

Grunhi enquanto largava a enfermeira em um empurrão.

– Aconteceu que vocês são as porras de uns incompetentes! –


gritei por cima da tosse desesperada da mulher – que historia é essa
de Cecília estar casada com aquele bêbado americano? Eu dormi e
acordei em uma Terra paralela?

– Bêbado americano? – ele ergueu as sobrancelhas e colocou um


dedo na boca como se pensasse em quem era.

– Sim, seu tapado, o do haras.


– Mas, Dr. Vicente, o haras foi o primeiro lugar que eu a procurei –
Marcos Rocha respondeu – cheguei a ir duas vezes com mandado
judicial, reviramos aquele lugar, lá ela não estava.

– Isso não me explica como ela apareceu aqui nesse hospital


casada com outro homem.

– Como ela se casou? Lá em Santa Maria não foi.

Seguiu-se um silencio estranho, Marcos estava desconfortável


com algum assunto.

– É melhor dar logo a má notícia, Marcos.

– Dr. Vicente… o Juiz Bartolomeu se matou há mais de uma


semana. Dona Bárbara não diz nada, mas os papeis da sua menina
sumiram do cofre dele.

Covarde desgraçado, até que durou muito aquele bosta, pensei


que faria alguma merda antes.

– E por que eu estou sabendo disso só agora?

– Seus médicos proibiram notícias fortes...

– Vocês são incompetentes para caralho, E Serkan, onde está?

– Sumiu no mapa, ele e os capangas. Uma advogada soltou


Enrico Novaes, não pudemos intervir, ainda mais sem Bartolomeu. –
Marcos disse. – Não sei se podemos confiar no novo juiz.

Merda, caralho, porra! O mundo virou de cabeça para baixo e


esses bostas não estavam nem aí.

– Você tem alguma ideia de onde Cecília está?

– Não.

Contei até mil para não sair matando tudo o que visse na frente.
– O Strike Team ainda está na ativa? – Marcos e eu liderávamos
um pequeno e seleto grupo de policiais que podíamos confiar para
executar problemas fora dos meios legais.

– Claro, estamos mais fortes do que nunca.

– Ótimo, achem o contato desse americano de bosta, preciso tirar


minha Rat... minha menina das garras dele.

Contei o meu plano e Marcos concordou já acionando os policiais


que nos ajudariam. Peguei a enfermeira pelo braço que ainda
acariciava o pescoço, abalada demais para sair correndo do quarto.

– Arrume as minhas coisas, piranha. Vou agilizar a minha alta,


Santa Maria precisa de alguém que coloque tudo nos seus devidos
lugares.

A vida desse cowboy de bosta estava com os dias contados.


Olhei mais uma vez para o meu reflexo no espelho no quarto do
hotel que Alex e eu estávamos há mais de uma semana. Eu estava
nas nuvens, me sentindo a pessoa mais bonita do mundo. O tatuador,
quer dizer, a tatuadora, pois Alex rodou a cidade inteira até achar uma
mulher para me tatuar, fez um serviço perfeito. Mantive as correntes e
no lugar dos escritos ela tatuou os troncos de uma árvore linda e cheia
de orquídeas nos galhos, assim como era o meu ipê, os troncos
começavam no pé da minha barriga e iam se contorcendo em flores
até as minhas costas, tampando todas as minhas cicatrizes. Eu não
conseguia parar de ver e não conseguia segurar as lágrimas toda vez
que a via.

Radiante de felicidade, observei mais atentamente meus seios e


minha barriga e sorri. Eu ainda não sabia como abordar o assunto com
Alex, estava com muito medo da sua reação, mas tinha quase certeza
que estava grávida. Cheguei a pensar que meus sintomas eram devido
ao estresse constante das nossas vidas, mas agora era evidente que
não. Mesmo assim, preferia só dizer quando eu tivesse absoluta
certeza.

Alex abriu a porta do quarto e deu um sorriso enorme quando me


viu sem blusa e sem sutiã pelo espelho.

– Quer mesmo ficar viúva antes de se casar? Entro e já vejo uma


cena dessas.

– Você vai ter que se acostumar, agora que não tenho mais
vergonha do meu corpo, vou me exibir muito para você.
Ele se aproximou e me abraçou por trás olhando dentro dos meus
olhos pelo reflexo no espelho.

– Você está linda, meu amor, mas sempre foi perfeita e eu te amei
desde o primeiro dia que te vi.

Era incrível como Alex sempre tinha algo perfeito para dizer, me
virei para beijá-lo. Meu telefone tocou e ele soltou um grunhido.

— Viu por que não gosto dessa bosta?

Fiquei nas pontas dos pés, beijei a pontinha do seu nariz de leve e
atendi o telefone.

– Ce-Cecília?

– Rita? Aconteceu alguma coisa? – sua voz estava muito


estranha.

– A polícia prendeu Raul por tráfico internacional de drogas!

Coloquei a mão na boca, chocada, minhas pernas ficaram


ligeiramente bambas!

– Minha nossa, Rita! Como? Explica isso direito.

Alex me olhava com uma enorme interrogação no rosto, achei


mais fácil colocar o telefone no viva voz do que explicar.

– Espere aí, Rita. Vou pôr no viva voz – demorei um pouco para
conseguir, eu ainda estava aprendendo a mexer naquilo – agora pode
falar, Alex também está ouvindo.

– Eu ainda não entendi o que aconteceu, foi bem cedo pela


manhã, umas seis horas, não tínhamos nem levantado ainda, um
monte de policial apareceu gritando, xingando. Arrastaram Raul para
fora da cama e deram voz de prisão, alegando tráfico, disseram que
tinha heroína na casa dele.

– Você já falou com Alice? – Alex perguntou.


– Sim, ela está na delegacia, mas não a deixam falar com ele,
dizem que podem segurá-lo por 72 horas sem a presença de um
advogado, mas o mais estranho nem foi isso, quando mudou o turno
um policial disse que não houve nenhuma prisão hoje de manhã. Já
são três da tarde e ninguém sabe onde ele está, estou desesperada!

– Não se preocupe, Rita. Estou indo para Santa Maria, vou


verificar o que aconteceu. – Alex disse e logo depois se dirigiu a mim –
meu amor, vou até à recepção acertar a nossa conta do hotel e já
volto, ok? Você pode arrumar as nossas coisas para adiantar?

– Claro! – respondi e ele saiu pegando próprio celular, mas não


pude ver para quem ele estava ligando, voltei a falar com Rita – Não
se desespere, Alex disse que estamos voltando, vou ficar com você
enquanto ele vê o que aconteceu na delegacia, ok? Seu irmão está
aí?

– Não, graças a Deus, não! Foi para casa do meu pai em Minas
Gerais, estava abalado demais para ficar em Santa Maria.

– Fez bem – eu disse arrumando as malas e escolhendo uma


blusa para vestir – você não tem vontade de ir embora daí também?

– Acredita que não tenho? Apesar de algumas pessoas, aqui é o


meu lar.

Eu a entendia, antes de Alex entrar em minha vida eu pensava


que Santa Maria também era o meu. O barulho da porta se abrindo
chamou minha atenção e eu me despedi de Rita.

– Vamos sair daqui agora, não chore, ok? Vai dar tudo certo.

– Obrigada, Cecília – Rita fungou – você é uma amiga


maravilhosa.

Gostei do som da palavra amiga, eu poderia me acostumar com


isso, eu ainda não acreditava que eu finalmente iria estudar, cuidar das
minhas flores, ter amigos… A vida normal que eu sempre quis, estava
diante dos meus olhos e nunca fui tão feliz.
– Está pronta? – Alex perguntou tentando forçar um sorriso, mas
seus olhos estavam mais escuros e nublados que o normal. Senti um
aperto estranho no coração.

– O que aconteceu? – perguntei.

Alex me abraçou apertado, ele era tão grande que eu podia


encostar minha cabeça em seu peito e ouvir seu coração bater
apressado, alguma coisa aconteceu sim.

– Só estou preocupado com essa situação de Raul, ele não é uma


pessoa que aguentaria uma cadeia.

Fitei os seus olhos para ver se tinha algo mais, mas não consegui
saber, por fim eu disse:

– Mas vocês vão tirá-lo de lá, tenho certeza, meu amor.

– Sim, Cecília – ele disse saindo do quarto ao meu lado – vai dar
tudo certo, nem que seja na marra e eu tenha que explodir aquela
cidade.

Alex pisou fundo no acelerador dessa vez e, menos de quarenta


minutos depois, estávamos na entrada de Santa Maria. Eu havia me
esquecido completamente do Festival de Inverno, que aconteceria no
feriado da cidade na próxima segunda-feira, eu adorava essa festa
quando meus pais eram vivos. Observei mais atentamente a praça e vi
que montavam um grande telão, o Festival era sempre muito animado.
Quem sabe eu não conseguiria convencer Alex a vir para comemorar
quando soltassem Raul? Eu tinha certeza de que ele não traficava
drogas, com certeza foi algum mal-entendido.

Virei a cabeça para Alex, ele estava com uma expressão sombria
no rosto, com o maxilar duro e os nós dos dedos brancos de tanto
apertar o volante. Acariciei o seu braço querendo dizer qualquer coisa
que pudesse confortá-lo, mas achei melhor deixá-lo quieto. Ele sorriu
para mim e pousou sua mão na minha perna, às vezes palavras não
eram mesmo necessárias.

Chegamos na estrada de terra que dava para o haras e para


Caminho dos Girassóis, mas Alex não entrou na minha fazenda, fomos
direto para sua casa. Tirei o cinto de segurança, mas ele apertou
minha perna.

– Um minuto, meu amor, me espere aqui – disse ele saindo do


carro e me trancando por fora, o que estava acontecendo?

Minutos depois ele apareceu, com um vinco enorme na testa, mas


com um sorriso no rosto e destrancou as portas. Senti falta de Lily
pulando em mim, ela estava com Rita na fazenda. Peguei minha bolsa
e falei com Alex.

– Você vai direto para a delegacia? Vou lá em casa dar uma força
para Rita e matar a saudade de Lily…

Ele agarrou o meu braço me puxando para ele falou com uma
urgência estranha na voz.

– Não!

– Como assim, não? Você está sabendo de alguma coisa que eu


não sei?

– Tem algo que não se encaixa nessa história toda, eu não quero
te levar até a delegacia comigo, por motivos óbvios e também não
quero te deixar sozinha. Eu sei que você não gosta, meu amor, mas
por favor, eu vou mais tranquilo ajudar o Raul se eu souber que você
está segura. Você me promete que não sai do bunker até eu voltar?

Eu o abracei sorrindo, realmente estava com trauma daquele


lugar.

– Claro que prometo, amor. Vá tranquilo, vou aproveitar para


dormir, coisa que você não me deixou fazer ontem. — eu disse com
um sorriso malicioso.

Senti um friozinho delicioso no estômago lembrando de todos os


orgasmos que tive na noite anterior. Alex só parou quando eu pedi pelo
amor de Deus, o dia já estava raiando.

Ele sorriu também, enlaçou minha cintura e me deu um beijo


sensual.

– Isso minha loirinha gostosa, você nem vai perceber que eu fui. –
Ele virou meu pulso e escreveu um número na palma da minha mão –
mudei a senha do esconderijo caso você tenha que sair… onde está a
arma que eu te dei?

– Não faço ideia, em uma das malas, por quê? Tem mesmo
certeza que não aconteceu nada, Alex?

Ele sorriu desconversando, mas meu coração estava apertado, ele


não queria me falar, mas seu comportamento estava estranho.

– Que tipo de texana é você? Vá se acostumando a andar sempre


armada, meu amor. – Ele tirou a própria arma da cintura e pôs na
minha mão – veja se consegue atirar com essa. Aponte para aquela
árvore ali.

– Para quê?

– Apenas faça o que estou te pedindo.

A arma era mais pesada do que a que eu vinha treinando, mas


apontei atirei, acertei e, apesar do tranco que levei, continuei firme.
Alex deu um sorriso verdadeiro pela primeira vez no dia, entrou em
casa, pegou um pente de munições e o substituiu me devolvendo a
pistola.

– Ótimo. Nada vai acontecer enquanto eu estiver fora, mas se


você precisar, atira primeiro e me ligue depois, você entendeu?

Concordei com a cabeça e entramos em casa, ele abriu o


esconderijo com a nova senha me deu um longo beijo e acariciou o
meu rosto, com um olhar muito intenso.

– Eu te amo demais, volto bem rápido, ok?

– Eu também te amo, muito, mais do que tudo. Estaremos


quietinhos aqui quando você voltar, não se preocupe.

Ele ergueu uma sobrancelha, mas seu telefone tocou. Ele


reclamou alguma coisa em inglês e antes de atender perguntou:

– O que você vai fazer se precisar?

– Atirar primeiro e ligar para você.

Ele sorriu, beijou minha testa e saiu.

Eu até tentei dormir logo de cara, mas meu coração


constantemente disparado e o frio na minha barriga não deixaram,
tentei ler e não consegui me concentrar. Andei de um lado para o outro
e me lembrei da série Justified que eu via com minha mãe. Sorri
pensando que o protagonista me lembrava muito Alex e a procurei
para ver. Três episódios depois Alex ainda não havia voltado e eu
acabei adormecendo.

Um barulho constante me acordou, parecia aqueles barulhos de


obra, não sei de onde vinha, olhei para televisão e a série ainda
passava, provavelmente era de lá, esfreguei os olhos procurando meu
telefone para olhar as horas quando uma explosão na entrada do
bunker me jogou do outro lado da cama. Ainda sem entender o que
estava acontecendo olhei para onde ficava a porta e envolto na nuvem
de poeira que ainda subia, arrastando uma perna, Vicente apareceu,
sorrindo de orelha a orelha, com os olhos mais frios do que nunca.

– Ratinha!
– Não! Você não é real! – fechei os olhos e tampei os ouvidos,
lembrando de Alex mandando eu atirar antes, mas Vicente se
aproximava lentamente de mim, a arma estava na mesinha ao lado da
cama, para eu chegar até ela eu teria que andar até onde ele estava e
meu corpo não obedecia, eu só conseguia tremer e pensar que esse
pesadelo não era real.

Deus me deixa acordar agora, por favor! Mas a voz nojenta de


Vicente me fez entender que eu não estava em um pesadelo, era real,
ele estava ali, na minha frente.

– Eu sou muito real, minha bonequinha, vim te levar para casa.

– EU ESTOU EM CASA, SOME DAQUI!

Ele parou de andar e seus olhos brilharam em minha direção.

– Sua put… – respirou fundo e quando voltou a falar seu tom de


voz havia mudado – não… não é culpa sua, ele te roubou de mim, me
atacou e te roubou de mim. Eu vim te salvar, Ratinha, vamos!

Meu Deus, Alex! Meu coração parou de bater e eu tive medo até
de respirar. Mesmo assim, limpei a garganta e perguntei:

– O-o que você f-fez com ele? –

Fechei os olhos, Alex apareceria a qualquer momento, ele me


prometeu que sempre estaria aqui. Ele nunca mentiu para mim…

– Ninguém rouba você de mim, Ratinha, você deveria saber disso,


não tem escapatória.

– Não! É mentira sua, você nunca ia conseguir colocar as mãos


nele, ele vai voltar, eu sei que vai…

Vicente rosnou e fez menção de avançar em minha direção, mas


parou com as pálpebras tremendo.

– Quem disse que fui eu que o matei? Com quem você pensa que
está falando, puta? Não sujo minhas mãos com escória, tenho quem
faça isso por mim. Agora cala essa boca antes que eu esqueça a
promessa que fiz de te perdoar. Não me provoque Cecília porque se
eu começar a bater em você, não sei se consigo parar. Nem precisa
pegar nada desse lugar, deixe tudo aí e vamos.

Não, não era verdade, aquela não pode ter sido a última vez que
eu e Alex nos vimos, ele nunca iria me deixar, os homens de Vicente
não eram páreos para ele.

Atira primeiro e me ligue depois.

O telefone estava em meu bolso, mas a arma estava na mesinha


ao lado da cama. Abaixei a cabeça fingindo estar com medo, na
verdade, não precisei fingir, eu estava apavorada, mas esse medo
nunca mais me dominaria, Vicente nunca mais teria poder sobre mim,
de nenhuma forma.

– Tudo bem, Vicente, me perdoe. Vou fazer tudo como você quiser
daqui a para frente.

Ele ofegou sorrindo e se encaminhou para porta supondo que eu


o seguiria. Ainda de cabeça baixa, passei pela mesinha e me
desesperei de verdade pela primeira vez, a arma não estava ali. Fiz a
primeira coisa que me veio à cabeça me joguei no chão gritando.

– Não, você precisa me prometer que me perdoa primeiro, por


favor Vicente, diga que me perdoa…

Essa arma tem que estar aqui! Vicente estreitou os olhos e veio
como um doido em minha direção, essa era a maneira mais fácil de
irritá-lo, mas não tive outra opção, me abaixei mais e vi, a arma estava
embaixo da cama, estendi meu braço e a peguei no segundo que ele
levantou a mão para me estapear. Engatilhei e apontei para ele, séria,
tentando não demonstrar o pânico que me consumia.

Seus olhos faiscaram nos meus e ele abriu um lento sorriso, ele
estava me desafiando.

– Você nunca vai at…


Então eu atirei, não sei onde eu acertei, mas eu atirei, ele caiu
ajoelhado, mais chocado que qualquer outra coisa e eu corri.

Atira primeiro e me ligue depois.

Corri até as baias e peguei o telefone, Vicente era um filho da puta


mentiroso, Alex estaria aqui a qualquer momento. Liguei e ele não
atendeu, liguei de novo e de novo, devo ter ligado mais de vinte vezes
e chamava até cair.

– NÃO! Você me prometeu que voltava! Você prometeu! – gritei


jogando longe o telefone.

E então alguém agarrou os meus cabelos por trás.

– Claro que voltei, Ratinha, eu nunca vou te deixar.

Eu ainda estava com a arma na mão, mas antes que pudesse


fazer qualquer coisa com ela, Vicente a tomou de mim. Ele agarrou
ainda mais os meus cabelos e me beijou, por pouco não vomitei de
tanto nojo. Abri minha boca e mordi seu lábio com toda força que eu
tinha.

Com a boca sangrando ele sorriu, realmente feliz.

– Minha nossa, Cecília, eu te amo de todo jeito. Fico insano de


tesão quando você treme de medo esperando sua punição quietinha e
submissa, só que você assim lutando contra mim… – ele gemeu e
cheirou meu pescoço – é muito melhor. Mas por hoje minha paciência
acabou, vamos logo.

Seu braço sangrava muito, não acreditei que a merda do tiro que
dei pegou logo em seu braço, por que esse homem não morre, meu
Deus?
Meu coração me dizia para voltar todo o tempo que dirigia para
fora do haras, seria tão mais fácil se Brian ainda estivesse aqui. Tudo
nessa história cheirava mal, mas eu não deixaria Raul nas mãos
desses filhos da puta. Cecília estava segura e ela se defenderia por
mim caso o pior acontecesse. Liguei para Alice.

– Alguma atualização sobre Raul? – perguntei.

– Nada ainda, estou na delegacia e ninguém me diz nada, quando


você chegar vou direto no juiz. Durante esse mês os governantes
dessa cidade cometeram tantas infrações contra os direitos humanos
que tenho material para processar até o último fio de cabelo deles. Vou
até em Brasília se for o caso, mas isso não fica mais assim, cheguei ao
meu limite.

Santa Maria tinha mesmo essa qualidade de testar nosso caráter.

– Por favor, Alice. Tome cuidado.

Cheguei na delegacia em poucos minutos, Alice estava


transtornada tentando falar com uma atendente que não dava a
mínima.

– Doutora, eu já disse que nenhum Raul Barone deu entrada


nessa delegacia.

– Alice? – chamei e ela se virou suspirando aliviada.

– Ainda bem que você chegou, o delegado de plantão deve estar


chegando, não perca ele de vista. Não estou nem aí se é final de
semana, Rita se lembra do nome de um dos policiais, vou ver o que
consigo fazer.

Assim que Alice saiu da delegacia a mulher que estava na


recepção olhou por cima dos óculos e falou com uma voz dura e
impaciente.

– Alexander Lion é você?

– E se for?

– Se for talvez você ainda consiga pegar o seu amigo com vida, se
não for… Seu telefone e sua arma ficam aqui comigo.

Uma cena vívida onde eu batia a cabeça dela na parede até que
me dissesse onde Raul estava dominou os meus pensamentos, mas
eu não tinha tempo para lidar com a repercussão. Entreguei o que ela
pediu, suspirei e a segui entre os corredores. Acabei em uma saída
dos fundos. O policial Marcos Rocha me esperava encostado em um
carro de polícia. Pela minha visão periférica, contei mais três policiais
ao meu redor. Eu estava certo, aquilo era uma armadilha.

– Ok, vocês me queriam aqui, e aqui estou eu! Podem soltar o


meu amigo.

– Você está enganado, alemão. Ninguém quer nada com você –


Marcos Rocha disse e os outros riram, um deles afiava uma faca.
Suspirei, cansado desses joguinhos, eu já tinha calculado como
mataria cada um deles em pelo menos três cenários diferentes, eles
não me metiam medo.

Troquei o peso do corpo de um pé para o outro e esperei quem ia


falar primeiro. Marcos Rocha provavelmente o líder, se adiantou mais
uma vez.

– Queremos que você troque a menina pelo veterinário.

Minha intuição não estava errada, aquele pedófilo tinha alguma


coisa a ver com isso, porra onde Raul estava?
– Não tenho meninas para trocar, quem gosta disso é o pervertido
do seu chefe.

– Que pena! Com toda aquela cara de bobo, ele lutou feito
homem. Dizia o tempo todo que o amigo dele iria foder com nossas
vidas.

Alguém me queria aqui, mas por quê? Olhei atentamente para os


quatro patetas que me rodeavam achando que estavam mais seguros
em grupo. O delegado não se encontrava entre eles… o último boletim
médico que hackeei dizia que ele não tinha previsão de alta, mesmo
assim não perdi mais tempo, não me importei que estava no
estacionamento de uma delegacia, dei um golpe na garganta de
Marcos Rocha e o prendi com uma gravata. Tirei a arma do seu
próprio coldre e a apontei para suas costas. Idiota.

– Então sobraram três patetas, escutem bem o que eu vou dizer:


Vocês vão me contar onde esconderam o veterinário do meu haras, eu
vou libertá-lo e depois sairei do país. Ninguém envolvido nessa
brincadeira entre amigos precisa se foder. – Minha voz era um poço de
calma.

Marcos Rocha se debatia todo tentando se desvencilhar, apontei a


arma para o pateta número dois e esmaguei a rótula do seu joelho com
um tiro. Os outros dois patetas restantes sacaram as armas, mas
claramente sem saber o que fazer.

– Vicente não sabe ainda, mas ele já está morto – apontei para o
pateta número três – seu amigo vai ficar atrás de uma mesa o resto da
vida, é o que você quer? Eu pago o quíntuplo que Vicente está te
pagando para você me falar onde Raul está.

– Pablo, n… – Marcos Rocha tentou falar, mas apertei ainda mais


o seu pescoço.

O pateta número três sacou a arma, atirou na cabeça do número


dois que urrava de dor caído no chão e antes que o pateta número
quatro entendesse o que aconteceu, levou um tiro no meio da testa.
Aproveitei a deixa e quebrei o pescoço de Marcos Rocha deixando o
policial na minha mira em seguida que me olhava com um misto de
desconfiança e ganância.

– Quero meu dinheiro agora. Não sabia no que estava me


metendo, não tenho nada contra o senhor.

Pedindo calma a ele, pedi que desbloqueasse o seu telefone,


instalei o aplicativo e transferi o tanto que ele pediu em moedas
eletrônicas. Se esse Pablo Henrique fosse esperto ele pegaria esse
dinheiro e sumiria no mundo, mas naquele momento essa não era
minha prioridade.

– Vamos logo, é muito improvável que alguém venha aqui, mas


não vou poder explicar o que aconteceu sem te matar. – Ele disse.

Bufei sem respondê-lo e o segui. Atrás desse estacionamento


havia a garagem da delegacia e embaixo dela um porão sujo e fétido.
Raul estava muito machucado, e meu ódio conheceu outro patamar.
Essas pessoas eram inacreditáveis, iam sempre atrás dos mais
inocentes. Eu estava realmente cansado disso. Perguntei como quem
não quer nada.

– Vem alguém aqui além de vocês?

– Já pegou o bundão aí né? Não precisa mais de mim, e pode


ficar tranquilo que essa área da delegacia está fechada há muito
tempo. Só o nosso grupo vem aqui.

– Não, eu realmente não preciso mais de você…

– Alex?! – Raul disse ainda meio desacordado

– Não fala nada, Raul, vou te levar para o hospital. – Tentei apoiá-
lo em meu ombro, mas havia um buraco em seu pé direito.

Saquei a arma do finado Marcos Rocha e descarreguei no filho da


puta que olhava o celular sorrindo que nem idiota.

Bando de animais. A demência dessa cidade vai acabar hoje!


Pensei fervendo por dentro enquanto levava Raul para o hospital.
Deixei Raul no hospital em péssimo estado, quando os médicos o
atenderam ele entrou em choque e o prognóstico não era bom,
infelizmente eu não podia esperar por ele. Liguei o celular de Raul que
surpreendentemente ainda funcionava apesar de um rachado enorme
na tela, deixei o meu na delegacia e não voltaria lá para pegar. Tentei
falar com Cecília, mas ela não me atendeu, pisei ainda mais fundo no
acelerador. Eu estava há minutos da entrada da estrada do haras e
liguei para Rita.

– Alex? Me fala que você achou Raul!

– Achei, Rita, mas… – não tinha um jeito de amaciar, despejei de


uma vez – ele está no hospital e os médicos não estão otimistas.

– Oh Deus! Não aguento mais essa vida – ela gritou do outro lado
– obrigada, Alex vou correndo para o hospital, mais uma vez você
salvou o dia.

– Rita, você por acaso falou com Cecília hoje?

– Só àquela hora que vocês estavam no hotel, até achei que ela
viria para c…

O maldito portão do haras estava escancarado e havia uma


caminhonete azul monstruosa parada na minha garagem.

– Rita, te ligo depois, mande notícias de Raul – desliguei.

Pisando fundo no acelerador, avancei de qualquer jeito com a


caminhonete e desci sem nem tirar a chave da ignição. A porta da
cozinha também estava escancarada, do lado de fora dava para ver a
bagunça de parede caída, fuligem e cheiro de queimado.

Estaremos quietinhos aqui quando você voltar, não se preocupe.

Prendi a respiração, aquele desgraçado não teria voltado apenas


para matá-la e com um alívio amargo soltei o ar ao ver que eles não
estavam lá. Meus olhos arderam e senti uma vontade enorme de gritar
e descarregar a arma inteira para cima, andei de um lado para o outro
tentando me acalmar.

Pensa, Alex, pensa. O que você faria agora? Saí da cozinha em


direção da divisão entre o haras e Caminho dos Girassóis, se o carro
dele ainda estava aqui ele iria para um lugar familiar. Corri até as baias
e não enxerguei mais nada na minha frente, a não ser a mão daquele
desgraçado agarrando os cabelos da minha menina.

– Por hoje minha paciência acabou, vamos logo. – disse ele para
Cecília

– Você não vai a lugar algum, filho da puta – Cecília era baixinha e
eu tinha cabeça deformada desse saco de lixo toda na minha frente.
Antes que ele se virasse para mim, mirei e atirei. A arma fez um clique
e nada, sem balas.

Puta polícia de bosta eu ainda estava com a arma do policial


Marcos Rocha.

– Alex, você está vivo, obrigada meu Deus, obrigada –

– Cala a boca, Ratinha, nunca mais fale o nome de outro homem


na minha frente. – Ele vociferou e lhe deu uma coronhada no rosto.

Eu simplesmente não pensei, eu apenas agi, com toda minha


força joguei a arma na direção da boca do desgraçado que já
ostentava um corte profundo no lábio inferior. Minha loirinha ainda me
mataria de orgulho. A arma atingiu em cheio seu rosto, fazendo com
que cambaleasse para trás, puxei Cecília pelo braço a afastando dele
o máximo possível e então eu ataquei. Dei um chute em seu peito com
toda minha força, ele caiu como um saco de batatas no chão e eu bati.
Subi em cima dele segurando o colarinho da sua camisa e bati, desferi
socos nos olhos, no nariz, na boca. Eu gritava, descontrolado, com
meus punhos abrindo feridas em seus dentes quebrados.

– Você nunca mais dirija a palavra para minha mulher, pedófilo


desgraçado – dei mais uma sequência de socos.

– Alex, você vai matar ele desse jeito!

Sorri olhando aquele filho da puta se contorcendo de dor embaixo


de mim.

– Vou Cecília, eu vou matar esse bosta, mas não desse jeito!

Ergui a cabeça e olhei dentro dos olhos dela. Um rápido sorriso


brotou em seus lábios que ela fez questão de controlar.

– Você confia em mim, meu amor? – perguntei.

– Com todo o meu coração, você é a única pessoa que eu confio.

O delegado se debateu, bufando de ódio.

– Ratinha…

Dei um soco tão forte dessa vez que senti a maçã de seu rosto
quebrando com o impacto e ele desmaiou.

– Estamos juntos nessa? Ele vai sofrer tudo o que você sofreu, eu
te prometo isso. Entendo se você não quiser ver, mas eu não me peça
para voltar atrás, eu preciso disso.

Ela sorriu e se abaixou, pegando meu rosto entre suas mãos.

– Eu estou aqui com você e sempre vou estar, meu amor.


Estamos juntos para sempre, dê o seu melhor.

Sorri e dei um beijo profundo e apaixonado na mulher da minha


vida. Levantei e ela me ajudou a arrastar o desgraçado para dentro
das baias, o inferno dele estava apenas começando.
Depois de amarrar Vicente em uma pilastra ao lado da baia de
Tempestade, Alex puxou uma cadeira e sentou em frente olhando fixo
para o homem, sem ao menos piscar. Eu sabia do que Alex era capaz,
mas nunca vi esse olhar assassino antes, nem quando me resgatou de
Serkan. Uma vez ele me disse que não queria que eu visse o seu lado
estragado e eu não entendi do que ele falava, mas ali observando seu
olhar fixo naquele demônio eu finalmente entendi. E se ele prometeu
que Vicente conheceria o inferno ele cumpriria.

– Alex! – chamei e ele não se moveu – Alex!

– Sim? – disse sem tirar os olhos de Vicente.

– E Raul? Você conseguiu achar? O que aconteceu?

Ele olhou para baixo, bastante chateado e eu já me preparei para


o pior.

– Sim – ele finalmente olhou para mim – era uma armadilha, Raul
estava bastante machucado, o médico disse para nos prepararmos.

Meus olhos arderam e um nó horrível se formou na minha


garganta. Olhei para Vicente com um desprezo profundo.

– Ele não tem limites.

– Não tinha, o limite finalmente chegou. – Alex se levantou –


vamos, eu preciso preparar algumas coisas para o nosso convidado e
não quero você sozinha com ele.
Em casa, Alex juntou vários produtos e ferramentas. Eu sabia que
iria adorar cada segundo de sofrimento que Vicente passasse, mas
estava receosa de ser forte demais para eu ver, por causa do bebê.
Pensei nisso o tempo todo enquanto voltávamos para as baias, não
queria que ele me achasse fraca e muito menos que eu estaria
protegendo Vicente.

– Alex… eu não sei se é a hora, mas eu preciso muito te falar uma


coisa.

Ele estava enrolando um longo chicote nas mãos e me lançou um


“hum” que sempre usava quando não prestava atenção ou quando não
queria conversar, Alex era dado a longos momentos de introspecção,
mas isso era importante. Resolvi falar de uma vez, antes que eu
perdesse a coragem.

– Não quero que você me entenda mal, mas não vou me forçar a
ver tudo o que você pretende fazer com esse daí – apontei para
Vicente que começava a se remexer na pilastra e respirei fundo – eu
acho que estou grávida e não sei se isso pode fazer mal para o nosso
filho. Ainda tenho pesadelos com o que Serkan fez com Rita. Se eu
passar mal eu vou entrar, ok?

Alex virou a cabeça e minha direção com um enorme sorriso no


rosto e os olhos marejados. Mesmo amarrado e sentindo dor, Vicente
teve que estragar o momento.

– Não, você não pode engravidar de outro… eu te criei para


mim…

Sem tirar os olhos dos meus, Alex abriu o chicote e deu um golpe,
muito forte no rosto de Vicente, abrindo um corte enorme em sua
bochecha.

– Cala a boca, pedófilo, minha mulher está falando, é falta de


educação interromper os outros.

Vicente gritou de dor e Alex deu mais uma chicotada mandando-o


calar a boca.
– Eu tinha reparado que você estava com os sintomas, loirinha,
mas queria ter certeza para te falar. Depois nós vamos conversar
melhor sobre isso, ok? E se você não se sente confortável para
assistir, tudo bem, eu vou me divertir do mesmo jeito, fiz muitas
promessas envolvendo esse homem que preciso cumprir.

– Ah Alex! Você não sabe como me sinto aliviada, eu te amo


tanto.

Vicente se contorcia inteiro nas cordas, um dos seus olhos estava


fechado por causa da surra que levou de Alex, mas ele me enxergava
muito bem.

– Você tirou a minha família de mim, mas eu ganhei uma nova.


Tirou minha vontade de viver, mas contra todas as possibilidades, eu
encontrei o amor da minha vida. Tentou me quebrar, mas eu me
reconstruí peça por peça até expulsar você de vez de dentro de mim.

Cheguei bem perto dele a ponto de sentir o cheiro do sangue das


suas feridas e tirei a minha blusa.

– Cecília…

Virei a cabeça para Alex que me olhava preocupado.

– Está tudo bem, meu amor, não se preocupe – voltei a olhar para
Vicente que me fulminava com os olhos, quantas vezes esse mesmo
olhar me matou por dentro de tanto medo… – repare bem em mim,
Vicente, porque essa é a última vez que você vai me ver, não existe
mais nenhuma marca no meu corpo. Você não morreu para mim, você
nunca existiu.

Virei-me de costas para que ele visse a tatuagem que tampava


todas as minhas cicatrizes e os meus olhos encontraram os de Alex.
Sorri com lágrimas de felicidade descendo pelo meu rosto, enquanto
Vicente se debatia como um touro enfurecido amarrado na pilastra.
Alex avançou em minha direção e me deu um beijo cinematográfico.

– Minha gostosa, toda minha… eu te amo tanto que até dói! Quero
que fique só para uma coisa, que foi uma promessa que fiz no dia que
você chegou na minha casa. Você faria isso por mim?

– Sempre vou fazer tudo o que você quiser, Alex, eu sou


completamente sua – eu disse olhando para trás e encarando Vicente
enquanto vestia minha blusa de volta.

– Não! Eu amaldiçoo vocês, ouviram bem? – Vicente gritou com a


voz meio arrastada.

Alex abriu um sorriso perverso e rasgou a blusa dele.

– Foi você que fez isso, loirinha? – apontou para o grande buraco
do tiro que dei.

– Sim, mirei no tronco como você ensinou, mas eu estava muito


nervosa e deu errado.

– Que nada, se eu não cauterizar essa merda ele morre logo. Mas
primeiro vamos ao que interessa.

Alex terminou de rasgar todas as roupas de Vicente e o tirou da


pilastra. Havia grilhões no chão das baias para amarrar os cavalos e
Alex colocou Vicente de joelhos amarrando seus pulsos no chão. O
resultado foi que ele ficou com as costas para baixo, sem poder
levantar o tronco nem se quisesse. Era uma perfeita posição de
submissão e no primeiro som de reclamação que Vicente proferiu Alex
desceu o chicote.

– Aqui eu mando e você obedece, você entendeu?

Vicente rosnou, mas não respondeu nada, então Alex pisou na


ferida do seu braço e ele gritou desesperado de dor.

– Você entendeu?

– Sim, eu entendi – Vicente gritou e Alex pisou mais uma vez.

– Sim, eu entendi, senhor. Repita.


Vicente demorou um longo tempo para responder, provavelmente
desejando morrer antes de ter que chamar alguém de senhor, mas não
teve como, Alex não tirou o pé enquanto ele não obedeceu.

– Sim, senhor – ele disse por fim, derrotado.

Não sei se era possível, mas amei Alex ainda mais por isso, ele
queria que eu visse que Vicente era só uma pessoa, que quebrava
como todo mundo e não um monstro invencível. Eu realmente
precisava disso e nem sabia. Acenei com a cabeça para ele que
prosseguiu com Vicente.

– Agora, covarde de merda, você vai pedir perdão para Cecília por
tudo que a fez passar. Vai olhar nos seus olhos e pedir perdão. E se
por acaso eu não acreditar nas suas palavras, você vai ser punido.
Tudo que essa menina sofreu nos cinco anos que passou em sua mão,
você vai sofrer em um dia.

Ele logo se apressou. Estava morto de medo, seu corpo respondia


à aproximação de Alex, assim como o meu respondia ao dele.

– Me perdoa Rat…

Alex desceu o chicote nas costas dele, abrindo várias feridas,


bateu muito, até brotar suor em sua testa. Vicente tremia inteiro de dor.
Alex agachou e falou no seu ouvido.

– De novo… o nome dela para você é Senhora Cecília. Olhando


nos olhos dela me convença.

– Cecília… – mais uma chicotada e ele falou várias vezes


chorando sem parar – senhora Cecilia, senhora Cecília, por favor, me
perdoe, mas eu nunca menti, eu te amo…

De novo, Alex deu muitas chicotadas, era um chicote longo,


grosso, nem nos cavalos ele usava esse, mas em Vicente ele não
estava poupando esforços.

– Você não ama ninguém, você é um covarde pedófilo de merda


que não deveria ter nascido. Você não acha?
– Acho sim, senhor.

– Então…

– Senhora Cecília…

Sem aviso nenhum, Alex deu um chute de lado em sua barriga


fazendo ele vomitar sangue. Até eu me assustei.

– A minha promessa foi que você pediria perdão a ela sufocando


no próprio sangue, continue.

– S-s-senhora… por f-favor… eu sou um pedófilo c-covarde….

Ele cuspiu mais sangue e desmaiou. Meu coração batia


intensamente, com um misto de sentimentos contraditórios, era
estranho ficar tão feliz com o sofrimento intenso de uma pessoa? Eu
não sabia e, na verdade eu não me importava, nem se ele passasse
mais de dez anos sofrendo assim ele pagaria o fato de tirar minha mãe
de mim. Eu não iria me culpar por finalmente presenciar a justiça
sendo feita.
Foi uma longa e bela noite. Após cauterizar a ferida do braço para
o infeliz não morrer de hemorragia, o deixei bem amarrado ao lado de
Tempestade e fui para casa preparar o vídeo dele e do prefeito. Minha
intenção era passá-lo no telão do Festival de Inverno no dia seguinte.
Cecília tinha ido até o hospital fazer companhia para Rita, enquanto
Raul não saía da cirurgia e, assim que terminei minha obra de arte, fui
até a praça da cidade fazer um reconhecimento do local. Analisei as
horas e liguei para Brian.

O telefone chamou e meu amigo logo atendeu.

– Brian, vou ter que sair do Brasil amanhã à tarde, sem chances
de voltar atrás. Você me garante que consegue entrar com Cecília sem
visto?

– Sim. Já passei o caso para um amigo da imigração e está tudo


certo. Foi só jogar o nome Lion que todas as portas se abriram. Já
falou com o seu pai?

– Falei com ele na semana passada. Ele só pensa em me


convencer a assumir a petrolífera, mas eu quero mesmo continuar
trabalhando com cavalos.

– Você está velho demais para essa rebeldia…

– Vai se foder.

– Eu também te amo, Alex, te espero no aeroporto amanhã.


Sorri satisfeito enquanto me encaminhava para o hospital. Esse
seria um Festival de Inverno que ninguém esqueceria.

Rita andava de um lado para o outro no corredor da sala de


espera ao mesmo tempo que Cecília, Alice e eu esperávamos em
silêncio. Eu rodava o isqueiro nas mãos fazendo mais uma promessa.
Se Raul saísse ileso de tudo isso eu passaria o haras para ele de
presente de recuperação. Ele tinha se interessado em comprar, mas
era mais simples assim. Agora era com ele.

– Cecília – falei em seu ouvido – você já sabe o que quer fazer da


sua fazenda?

– Por que isso agora?

– Nós vamos ter que ir para casa amanhã, sem olhar para trás.
Preparei uma pequena surpresa para o delegado e o prefeito e vai dar
merda para todo mundo.

– Não sei, meu amor, estava pensando em colocá-la a venda e


usar o dinheiro para pagar minha faculdade nos Estados Unidos – ela
sussurrou e eu suspirei.

Ela insistia nisso e por um lado eu a entendia, Cecília passou a


vida toda sem autonomia e se era isso que ela queria para se sentir
livre e segura era isso que teria. Chamei Alice em um canto e pedi
para ela fazer um contrato de compra e venda da fazenda de Cecília
para mim, e eu deixaria os dois imóveis para Raul administrar. Alice
também me prometeu que teria o passaporte de Cecília em mãos no
outro dia pela manhã.

– Queria me despedir de Geovane – eu disse.


–Ele vai adorar, sente muito a sua falta apesar de gostar muito da
nova professora de equitação.

Cecília e Rita se juntaram a nós quando uma médica alta e magra


veio em nossa direção.

– Vocês são da família de Raul Barone?

– Somos – respondemos juntos.

Ela abriu um sorriso.

– A cirurgia foi um sucesso, ele está completamente fora de


perigo, mas não vai voltar da anestesia até amanhã de manhã,
venham no horário de visitas, por favor.

Olhei para cima e agradeci, finalmente tudo estava dando certo.

– Acorda, vagabundo! – eu disse jogando um balde de água no


infeliz que dormia tranquilo no feno de Tempestade.

Cheguei a pensar que a égua o pisotearia até a morte durante a


noite, mas não foi o que aconteceu.

– Não! Me perdoe, senhor…

Eu estava amando cada segundo de humilhação desse merda,


mas ainda era pouco. Olhei no relógio eram oito da manhã. Deixei
Cecília dormindo e vim dar bom dia para o meu ilustre convidado já
que era seu último dia comigo.

– Levanta – ordenei pegando-o pelo pescoço.

O mais maravilhoso de toda a situação era que eu não precisava


mais nem amarrá-lo, ele faria qualquer coisa que eu mandasse se eu
pegasse o chicote. Dei um tapa em sua cara com a mão aberta.

– Olho no chão – ele imediatamente abaixou a cabeça. – Refresca


a minha memória, por favor, Vicente. O que você é mesmo?

– Delegado?

Eu gargalhei e dei um soco em seu estômago, ele ficou sem ar por


bastante tempo.

– Não seu bosta, você é um pedófilo estuprador infeliz. Pessoas


como você, têm que ser marcadas como os merdas que são, você não
acha?

Ele olhou para cima e por um lampejo seu olhar era frio e
assassino e eu adorei. Não queria que se perdesse na própria mente,
ele tinha que sentir na pele e na alma tudo que aconteceria.

– Você discorda? Seu olhar me diz que você discorda.

– N-não senhor.

– Já que tenho sua permissão, vou começar.

O olhar assassino virou de pânico em segundos e assim que


começou a se debater, peguei o chicote para controlá-lo e o amarrei
novamente na pilastra com os braços para trás. Tirei minha k-bar da
bainha mirei na sua testa. Fiz um corte profundo com a palavra
pedófilo na maior letra que deu para caber tudo. Ele gritava, suava e
me pedia para parar pelo amor de Deus. Fiquei puto imaginando
Cecília ainda menina à mercê desse babaca, quantas vezes ela não
deve ter implorado e ninguém a ajudou? Tremendo de ódio tatuei com
a minha faca estuprador, em letras garrafais em seu peito. Ele
começou a ter ânsia de vômito de tanta dor que sentiu e eu dei mais
um tapa em sua cara.

– Se vomitar em mim te faço comer tudo de volta.

Fui até a cadeira onde estavam vários objetos interessantes e


peguei um espelho.
–Olha como você está bonito! Pronto para o festival da cidade.

Ele tentou desviar os olhos, mas agarrei seus cabelos nuca e


ameacei arrancar suas pálpebras caso não olhasse.

– Isso é o que você é de verdade. – Eu disse e saí de perto antes


que eu começasse mais uma sessão de chicotadas. Precisava dele
vivo só mais algumas horas.

Deixei um bilhete para Cecília e fui até a cidade encontrar Alice.


Ela estava abraçada com o ex-marido, observando Geovane comer
uma pipoca. Quis muito abraçá-lo, mas ele não permitia contatos
físicos, me aproximei com cautela e ele disse “Alex, olha a minha
pipoca” sem me encarar. Fiquei muito feliz de poder me despedir, por
muitos anos, Geovane foi meu único motivo para acordar todos os
dias.

– Alex, finalmente! – Alice disse bastante animada – o passaporte,


a identidade e a certidão de nascimento de Cecília. Nós vencemos.

Não parecia verdade, mas era, tínhamos finalmente vencido, pelo


menos essa etapa, ainda faltava a última cereja do bolo.

– Depois me mande o contrato do haras e da fazenda para passar


para Raul, ok. E transfira o dinheiro da venda para Cecília, não diga
que fui eu que comprei senão ela não vai aceitar.

– Ah! Alice, leve Geovane para casa antes do discurso do prefeito,


ok?

– Por favor, não me diga mais nada.

Ela balançou a cabeça rindo do que chamou do nosso eterno


drama e se despediu de mim.

Confirmei com o meu contato a respeito do telão e tudo parecia


certo. Meu telefone tocou e Cecília disse que me encontraria no
hospital. Raul estava acordado. O hospital era bem pertinho da praça e
fui até lá andando. Entrei no quarto e Rita fazia cafuné na cabeça dele
que se derretia todo.
– Ah que gracinha, um homem desse tamanho pedindo cafuné
para namorada – eu disse.

– Você deveria experimentar, vou falar com Cecília para ver se


amolece esse coração peludo seu.

– Nada, deixo essas frescuras para você. – Fiz uma pausa. –


Como você está, meu amigo?

Ele sorriu e respondeu:

– Você devia ver os outros caras… ai não me faça rir, tudo ainda
dói.

Eu também sorri.

– Eu vi os outros caras, e sim você está melhor.

Conversei com ele sobre a fazenda e o haras e ele chorou feito


criança me agradecendo enquanto eu revirava os olhos. Queria me
abraçar, foi uma frescurada absurda, até parecia que o Texas era outro
planeta.

– As portas da minha casa estarão sempre abertas para vocês, é


só me falar que eu mando o avião vir buscar.

– Meu Deus, mandar avião buscar, quero meus atrasados da


mixaria que você me pagava, unha de fome.

Rita mudou de assunto falando da ideia que teve de fazer a


cooperativa que Cecília tanto queria. Minha loirinha ia ficar muito feliz.
Alguns minutos depois ela chegou e estava na hora do meu grande
show. Eu já havia mandado pegarem todas as nossas coisas em casa
e colocarem a bordo.

– Meu amor, se despeça e vá direto para o aeroporto. Tem um


motorista te esperando na porta, você entendeu?

– Sim, Alex eu nem acredito que eu finalmente embora desse


lugar, parece um sonho.
– Eu te disse uma vez e repito meu amor, o que eu tenho para dar
a você é muito real.

Despedi-me mais uma vez de todos e corri até em casa.

– Vamos – eu disse para o delegado, assim que cheguei nas baias


– está na hora de enfrentar a justiça que você merece.

Não sei se ele não me entendeu direito, mas vi um sorriso brotar


nos seus lábios inchados. Dei um soco naquela boca arrancando mais
alguns dentes só porque eu podia.

Amarrei seus pulsos na sela de Tempestade. Ele estava uma


visão e tanto. Nu, descalço, com as costas em carne viva, o peito e a
testa tatuados, quase sem nenhum dente e uma das mãos quebradas.
Não sei como ele ainda estava de pé, o que eu sabia era que eu
estava adorando, quanto mais ele durasse melhor seria. Queria que
Cecília estivesse aqui para apreciar a cena, mas ela preferiu que ele
não a visse nunca mais.

Esperei meu contato me dar o sinal. Paguei uma pequena fortuna


para um dos assessores de Wagner me ajudar e, até aquele momento
esse tinha sido o dinheiro mais bem gasto de toda a minha vida.

– Vamos meninas? – perguntei colocando Tempestade para trotar.


Queria ir mais rápido, mas infelizmente ele não aguentaria.

No começo Vicente se recusou a deixar os portões do haras, mas


duas chicotadas bem no meio da barriga que pegaram até no saco fez
com que ele mudasse de ideia e ficasse bem colaborativo.

Quando chegamos na praça ele estava exausto e eu radiante. As


pessoas que ouviam o discurso de Wagner demoraram para ver o que
acontecia, mas em pouco tempo não se falava em outra coisa.
Enquanto eu passava em cima do cavalo a multidão se afastava
deixando eu passar bem no meio da rua com o delegado nu de cabeça
baixa me seguindo amarrado na minha égua. Todos apontavam
chocados, mas ninguém interveio. Até que o prefeito disse de cima do
palanque.
– Que sandice é essa, homem? Polícia! Onde está a polícia? –
gritou no microfone. Olhei para cima do palanque e acenei com a
cabeça para o assistente. O vídeo começou a rodar no telão.

Era uma conversa entre Wagner, Bartolomeu e Vicente contando


sobre o tráfico de heroína nos mínimos detalhes. Depois cortou para
uma das inúmeras cenas de tortura que Vicente submetia Cecília.
Tampei o rosto dela nos vídeos, mas eu precisava que a população
visse quem eles eram. Escolhi essa cena em particular porque nesse
dia Vicente teve ajuda de Wagner que se masturbava com o sofrimento
da menina. Era um pau minúsculo de dar vergonha e várias pessoas
da plateia se chocaram muito indignadas. Desci de Tempestade e
desamarrei Vicente da sela, Wagner tentou sair do palanque de
fininho, mas foi pego pelas pessoas tentando escapar.

E então o caos se instaurou, a população estava enfurecida, foram


em Vicente primeiro, eram muitas pessoas dando socos, pontapés,
pedradas. Ele entregou rápido os pontos, estava exausto e
machucado, mas Wagner foi bonito de ver, ajoelhado pedindo pelo
amor de Deus quando levou o primeiro chute na boca. Alguns policiais
chegaram para dispersar a multidão, mas já era tarde. Vicente e o
prefeito Wagner não respiravam mais, jaziam mortos na sarjeta, o
lugar que sempre pertenceram.

Sorri plenamente satisfeito com a minha última missão como


militar. Pela força do hábito peguei o isqueiro no meu bolso e o rodei
entre os meus dedos, por um tempo. Observei a multidão se
dispersando e o joguei na sarjeta ao lado dos corpos, eu não precisava
mais dele.
Agarrei a poltrona do avião sentindo o motor dentro de mim. Não
sabia que eu teria tanto medo de voar. Eu estava feliz por muitas
razões, mas ainda mais por ser um avião particular e Lily poder viajar
ao nosso lado todo o tempo. Assim que aterrizamos, respirei aliviada.

Alex estava ainda mais calado que de costume, eu não sabia se


ter passado dois dias torturando aquele monstro havia afetado alguma
coisa dentro dele, mas nós fizemos o que tínhamos que fazer e eu não
prometi que não tocaria mais nesse assunto. Só uma coisa ainda
estava na minha cabeça.

– Meu amor, como você fez com Tempestade? – perguntei


enquanto nos preparávamos para descer.

– Rita pegou e a levou de volta ao haras – seus olhos ficaram


tristes – vou sentir muita falta deles.

– De Rita e Raul? Eu também.

Ele me olhou franzindo a testa.

– Não, dos meus cavalos, principalmente de Imperatriz, quando


chegarmos em casa vou olhar a logística de trazer todos eles para
mim. – Ele disse muito sério.

– Em casa... – sorri – como eu adoro o som dessa palavra.

– Nossa casa – ele sorriu de volta para mim.

– Alex e se seus pais não gostarem de mim?


Ele deu uma gargalhada muito alta.

– Loirinha é impossível não gostar de você. Não vou nem te contar


da surpresa que minha mãe fez, para não te deixar ansiosa.

Alex chegou a ficar preocupado de eu não gostar de morar junto


com os pais dele, mas na verdade eu estava radiante por ter uma
família completa ao meu redor. Brian estava nos esperando no
aeroporto e a liberação foi bem simples.

O Texas era um lugar bem mais bonito que imaginei, eu estava me


sentindo uma criança no dia do aniversário, tudo me empolgava, nem
sabia que era possível ser tão feliz. Fomos o tempo todo da viagem até
a nossa casa de mãos dadas, com Alex me explicando todos os
pontos turísticos e me dizendo todos os lugares que me levaria para
conhecer.

Quando chegamos em casa eu quase caí para trás.

– Misericórdia, Alex. Isso não é uma casa é um palácio.

Ele riu e acariciou o meu rosto.

– Ótimo, princesa, venha conhecer seu novo palácio. Mas antes


de tudo quero te mostrar uma coisa, vamos antes que minha mãe
apareça, ela não vai nos deixar em paz por pelo menos um mês.

Ainda no carro entramos na propriedade extremamente luxuosa


dos Lion e eu literalmente gritei como uma doida desvairada quando vi
o que Alex queria me mostrar. Era a maior estufa que eu já tinha visto
na minha vida, tinha todos os tipos de flores que eu podia imaginar e
como ele fez isso era um mistério, mas ao lado da estufa tinha um
lindo ipê-amarelo todo decorado com uma faixa escrita em português

“Bem-vinda Cecília, você quer se casar comigo agora?”

– Agora?! Mas... como?

– Brian tirou licença para celebrar, se você disser que sim, agora
mesmo você ser a minha senhora Lion! O que me diz?
– Espera eu parar de chorar pelo menos!

Todos que estavam no carro riram, e assim que saímos eu vi que


havia uma pequena recepção esperando pela gente. Finalmente
conheci os pais de Alex, Franklin era um homem muito imponente,
com os mesmos olhos de tempestade do filho, e Elizabeth uma mulher
muito bonita e elegante, eu os amei logo de cara. Ela colocou um lindo
arranjo de flores na minha cabeça e Alex me levou para debaixo do
ipê. Todo mundo olhava para gente e foi quando me dei conta.

– Meu amor eu ainda não sei falar inglês!

– Melhor ainda! Tudo o que você disser vai ser só para mim.

E então Brian se posicionou e iniciou a cerimônia, eles pensaram


em tudo, Elizabeth entregou as alianças para o filho e Alex cravou
seus lindos olhos cinzas em mim enquanto colocava uma aliança com
um enorme brilhante no meu dedo.

– Você me trouxe de volta à vida com a sua doçura, ternura e


força, você me faz querer nascer de novo todos os dias ao seu lado e
eu prometo que irei sempre te proteger e te tirar da escuridão, você é a
minha loirinha, para sempre minha.

Eu chorava de soluçar, tinha tanto que queria dizer e precisei de


um tempo para organizar as minhas ideias.

– A primeira vez que eu vi você, no estacionamento da faculdade,


senti como se nossas almas estivessem se reencontrando. Você
salvou minha vida de todas as formas que uma pessoa poderia salvar
alguém. Eu vou dizer por enquanto eu te amo, porque ainda não
inventaram uma palavra para descrever o que eu sinto por você, meu
amor.

Brian nos declarou marido e mulher e Alex me deu um beijo calmo


e delicado embaixo do meu novo lugar favorito. Abracei meus sogros
e, mesmo sem saber falar muito a língua deles, me senti amada e
acolhida.
Quando tive um tempo entrei na minha estufa, com Lily sempre fiel
ao meu lado. Alex me abraçou por trás e passou a mão na minha
barriga.

– Vocês salvaram a minha vida, Cecília. Não vejo a hora de pegar


o nosso filho nos braços. Você prefere menino ou menina?

Ele colou a testa na minha e eu o beijei.

– Tanto faz, eu só queria que fosse igual a você.

– De jeito nenhum, quero uma mini loirinha para eu mimar até


estragar.

Alex bruto e ríspido desse jeito ia ser o pai mais babão de todos,
quem diria!

– Tá bom então, então a gente precisa de ter pelo menos dois, um


igual a mim e um igual a você.

– Teremos quantos você quiser, prometi uma vez e repito. Minha


esposa pode tudo o que ela quiser. Vou te fazer a mulher mais feliz do
mundo.

– Alex, desde o dia que você me levou naquela praia eu sou a


mulher mais feliz do mundo. – Eu disse e o beijei como se minha vida
dependesse disso.

Eu não sabia o que minha nova vida reservava. Os desafios da


maternidade, uma nova família, me adaptar em um novo país.

Mas eu tinha uma certeza, ao lado de Alex nada nem ninguém


nunca mais poderia me machucar.
Toscana, Itália - cinco anos depois

– Adam você está obedecendo direitinho a vovó? – Cecília


perguntou para o nosso filho pela tela do celular e ele fazia de tudo
menos responder o que ela queria.

Ela olhou para mim com um vinco enorme na testa.

– A gente deveria ter trazido os gêmeos, Alex, eu nunca fiquei


sem eles, nem sei o que fazer da vida direito. – Ela voltou a olhar para
o celular e Henry apareceu na tela.

– Olha, Adam a mamãe, eu quero a mamãe!

– Ei meu pequeno príncipe, a mamãe está com muita saudade, já


já estou em casa, ok?

Peguei o telefone da minha mão dela e sorri para os nossos


bebês, quer dizer, com quatro anos eles estavam enormes e espertos,
já não eram mais bebês há um tempo.

– Deem tchau para mamãe e para o papai.

– Tchaau! – os dois falaram ao mesmo tempo.

– Alex eu ia conversar mais com eles.

– Meu amor, você vai conversar comigo agora, senta aqui – bati
as mãos na minha perna, ela sorriu mais adorável do que nunca com a
testa franzida e fez o que eu pedi.
– Nós vamos para o Brasil mês que vem com eles, lembra? Não
se preocupe tanto, eu precisava da minha loirinha só para mim um
pouquinho. Tem mais de cinco anos que quero te trazer aqui.

Sempre passávamos férias no Brasil com Raul e Rita. Eles uniram


as propriedades e fizeram uma cooperativa junto com um haras
recreativo que deu bastante certo. Os meninos eram doidos por eles.

Ela me deu um profundo beijo na boca.

– O campo de girassóis foi a coisa mais linda do mundo, cinco


anos com você e ainda parece o primeiro.

– Você gostou?

– Eu adorei, meu amor.

Puxei seu cabelo com força e ela gemeu fazendo meu pau latejar.
Há semanas eu estava planejando pegá-la de jeito, como ela merecia.

– Então ajoelha e me agradeça, loirinha gostosa.

Ela me ofereceu um sorriso safado, daquele que prometia o


mundo, e era exatamente isso que Cecília era, a porra do meu mundo
inteiro.
Aquele que salvou uma vida, salvou o mundo inteiro.

Talmude.
Uau que jornada tiveram esses dois hem? Quero agradecer muito
a você que leu esse livro até aqui, que sofreu, riu, chorou e se
apaixonou por esse casal tão especial para mim que vai morar para
sempre no meu coração.

Agradecer especialmente minha querida Pri Fadel que me aturou


por meses planejando, escrevendo, pensando e repensando,
madrugadas a fio, amiga muito obrigada.

A Val Barboza minha linda parceira que vai trazer o livro 02 dessa
duologia tão maravilhosa e sempre me trouxe de volta para casinha
quando os surtos saíam de proporção.

A Rayra Ferreira amiga do meu coração pelos seus insights


técnicos que me ajudaram muito a construir dois personagens tão
difíceis e únicos.

Minhas lindas do wattpad acompanhando, comentando, me dando


forças para sempre continuar escrevendo.

Penelope, da Fox Assessoria meu muito obrigada por tudo, nem


sei mais viver sem você.

E até a próxima história, pessoal, obrigada por tudo, de coração!

[1] A Drug Enforcement Administration (DEA; Administração de Fiscalização de Drogas) é


um órgão de polícia federal do Departamento de Justiça dos Estados Unidos encarregado da
repressão e controle de narcóticos.
[2] Brian Crawford, cunhado e melhor amigo de Alexander Lion, é o protagonista do
segundo livro da duologia Cowboys Protetores – Proibido Desejo da autora Val Barboza.

[3] NT: xingamento comum: caralho, droga...

[4] NT: Lírio em inglês.

[5] Endereço IP é um endereço exclusivo que identifica um dispositivo na Internet ou em


uma rede local. IP vem do inglês "Internet Protocol" (protocolo de rede) que consiste em um
conjunto de regras que regem o formato de dados enviados pela Internet ou por uma rede
local.

[6] NT: Merda

[7] Música Popular Brasileira

[8] Ka-Bar (registrado como KA-BAR , pronunciado / k eɪ b ɑr / ) é o nome popular contemporânea para a
faca de combate primeira adotada pela Marinha dos Estados Unidos em novembro de 1942 como a faca 1219C2
combate (mais tarde designado o USMC Mark 2 faca de combate ou faca, utilitário de combate), e posteriormente
adotado pela Marinha dos Estados Unidos como o faca da Marinha dos EUA.

[9] O M16, oficialmente designado Rifle, Caliber 5,56 mm, M16, é uma família de fuzis
militares adaptados do ArmaLite AR-15 para as forças armadas norte-americanas

[10] NT: Filho da puta. Você perdeu a porra do juízo?

[11] Cidade do Iraque.

[12] Universal Soldier (br: Soldado Universal; pt: Máquinas de Guerra), é um filme
norte-americano de 1992, dos gêneros de ficção científica e ação, dirigido por Roland
Emmerich.

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