Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
No final do século XIX e início do XX, o Rio de Janeiro viveu transformações
políticas, sociais, econômicas, urbanísticas e culturais: eram os primeiros anos da
República após quase sete décadas de Império; a estrutura urbana da então Capital
Federal sofria alterações, capitaneadas pelo prefeito Pereira Passos (1902-1906); o
jornalismo entrava em uma nova fase, gradativamente assumindo um caráter mais
empresarial e noticioso em substituição a um mais político e doutrinário, que vinha
prevalecendo desde meados do século anterior (SALGADO, 2006, p. 58-59). Foi neste
contexto de transição que despontou o escritor Paulo Barreto, mais conhecido pelo
pseudônimo de João do Rio (1881 – 1921). O presente artigo analisa o hibridismo entre
literatura e jornalismo nas crônicas que compõem A alma encantadora das ruas (1908).
A pesquisa destaca alguns comentários da crítica relativos ao estatuto de escritor-
jornalista do autor; pormenoriza a natureza ambígua da crônica, entendida como gênero
literário; desdobra a categoria de “crônica reporteira”, cunhada por Ronaldo Salgado; e,
finalmente, legitima o pioneirismo atribuído a João do Rio na prática de procedimentos
imprescindíveis ao fazer jornalístico, os quais vigoram até hoje.
Abstract
At the end of the 19th century and beginning of the 20th, Rio de Janeiro had
many important changes: those were the early years of the Republic; Rio’s urban
structure was going through a process of modifications; the media finally started to
gradually focus more on reporting facts, rather than spreading its political views and
ideologies (SALGADO, 2006, p. 58-59). It was in this period of significant transitions
that the writer João do Rio (1881-1921) achieved praised recognition. This article
examines how the author mixed literature and journalism on A alma encantadora das
ruas (1908), and presents some of the commentaries, made by the critics, about his
“journalist-writer” status. This research also enlightens the very ambiguous nature of
the short story, considered as a literary genre; explains Ronaldo Salgado’s notion of
“journalistic short story”; and, finally, recognizes and praises João do Rio for being
the first one to put into practice many of the proceedings now required from any
journalist.
Keywords: João do Rio. Short story. A alma encantadora das ruas. Literature.
Journalism.
1
Bacharel em Comunicação Social (habilitação – Jornalismo) pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro – Mestrando em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – CEP:
21941-917 – Rio de Janeiro – RJ – E-mail: gustavo.rfs@gmail.com
Introdução
O viés jornalístico das crônicas de A alma encantadora das ruas obviamente não
se restringe ao fato de haverem sido originariamente publicadas em jornais, sobretudo
no Gazeta de Notícias. Isso porque João do Rio extraía, de suas andanças pelo Rio de
Janeiro de então, a matéria-prima para seus textos, que versavam
Não à toa, como apontou-se antes, críticos como Raimundo Magalhães Júnior,
Brito Broca, Cremilda Araújo Medina e Carlos Drummond de Andrade destacaram o
fato de, em suas crônicas, João do Rio ter se posicionado no entre-lugar, ou seja, na
fronteira, na interseção entre a literatura e o jornalismo. Tal estratégia de criação
literária foi oportuna e consciente, sinal da sagacidade do autor em saber ler o tempo
histórico do qual fazia parte, marcado pela tônica da transição, da mutação, da
ambiguidade entre o antigo e o moderno, tanto nas esferas da política e economia como,
também, na paisagem urbanística, na cultura, na prática midiática e na própria essência
dos veículos de informação. Assim, abre-se caminho para uma oportuna e detalhada
reverberação da categoria teórica da “crônica reporteira”, engenhosamente cunhada por
Ronaldo Salgado para dar conta justamente desse hibridismo entre literatura e
reportagem, que funda e atravessa as crônicas que compõem A alma encantadora das
ruas.
Foi essa experiência nova que João do Rio trouxe para a crônica, a do
repórter, do homem que, frequentando os salões, varejava também as
baiucas e as tavernas, os antros do crime e do vício. Subia ao morro do
Santo Antônio pela madrugada com um bando de seresteiros e ia aos
presídios entrevistar os sentenciados (...). A crônica deixava de se
fazer entre as quatro paredes de um gabinete tranquilo, para buscar
diretamente na rua, na vida agitada da cidade o seu interesse literário,
jornalístico e humano” (BROCA, 1960, p. 247).
Vê-se que João do Rio denuncia as más condições de trabalho enfrentadas pelos
jornalistas de então, além dos baixos salários que recebiam, prova do olhar atento do
autor em relação ao período histórico de que fez parte.
Considerações finais
ANDRADE, C. D. de. João do Rio na vitrine. In: João do Rio – um escritor entre
duas cidades. São Paulo e Poços de Caldas: Instituto Moreira Sales e Casa da Cultura
de Poços de Caldas, 1992, p. 32-34.
BROCA, J. B. A vida literária no Brasil – 1900. Rio de Janeiro: Livraria José Olympo
Editora, 1960.
JOÃO DO RIO. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras
(edição de bolso), 2008.
MOISÉS, M. A criação literária – prosa II. São Paulo: Editora Cultrix, 1997.