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REVOLUÇÃO INDUSTRIAL /

Condições de Vida
Sérgio Roberto Guedes Reis, Bacharelado em Relações Internacionais

A Inglaterra passou por transformações demográficas de grandeza única em sua história a partir do
final da segunda metade do século XVIII, e se intensificaram conforme a mecanização do campo se ampliava
e as fábricas se tornavam como pólos de produção. Por volta de 1850, o país se tornaria um dos primeiros do
mundo moderno a possuir uma população urbana numericamente superior a rural. Para o historiador
Thompson, o incremento da população nesse período se sustentou principalmente por uma longa série de
boas colheitas e numa melhora do padrão de vida desenvolvido nos primeiros momentos da Revolução
Industrial; com o avanço da industrialização na primeira metade do século, no entanto, a saúde da população
urbana começou a deteriorar, principalmente devido à imensa concentração populacional nas cidades que,
como veremos, sofreria com as epidemias, as péssimas condições de habitação, as deformações e a estafa
causadas pelo trabalho e a alimentação insuficiente e inadequada. A medicina, nesse momento, parece ter
sido pouco capaz de contornar esses problemas.
As possibilidades de sobrevivência para as classes baixas, então, eram bastante baixas. As chances de
se manter vivo estando nas cidades eram pequenas, seja o indivíduo uma criança ou um adulto. A duração
média da vida na Inglaterra era, no período (1840s), de 41 anos. Ao observarmos os dados da tabela acima,
parece evidente o quanto as diferenças na expectativa de vida entre as classes sociais tornam pouco
representativo das condições de vida vigentes o valor encontrado no país como um todo. Um dos motivos
mais relevantes para esse índice tão baixo no setor operário está nas condições em que trabalham. A partir do
momento em que reunimos saúde e trabalho, podemos dar um passo adiante na compreensão das condições
de trabalho e de vida desse grupo. O elemento central que integra as duas esferas é a deformação. Esse fator
atinge igualmente crianças e adultos. O funcionamento das máquinas exigia que se mantivesse uma atenção
constante por horas a fio; era comum, principalmente entre as crianças, que o excesso de fadiga levasse as
crianças a adormecer no trabalho. Seus pais, no entanto, costumavam dar-lhes palmadas para que se
mantivessem acordadas; os contramestres passavam, de tempos em tempos, com correias, intimidando-as.
Os equipamentos não possuíam proteção adequada, e por vezes eram pesados ou grandes demais para serem
operados pelas crianças – que, em geral, não contavam com o auxílio dos adultos para realizar tais operações.
Qualquer equívoco, ou qualquer erro no funcionamento das máquinas poderia implicar em graves
conseqüências para a integridade física das pessoas. As lesões mais graves, no entanto, vinham devido ao
esforço repetitivo. As crianças, em pouco tempo, passavam a coxear após se dedicarem intensamente a
acionar os pedais dos teares.
Nos adultos, as deformações apareciam de diversas maneiras. Um operário típico teria diversos
problemas em suas articulações: suas pernas poderiam ser tortas, os tornozelos inchados, um ombro mais
baixo do que o outro (ou projetados para frente), peito-de-pombo, etc. Os profissionais especializados de
muitas áreas (fiandeiros de algodão, mineiros, cuteleiros, recolhedores de sobras de tecido, amoladores,
cardadores, vidreiros, padeiros, entre outros) comprovadamente apresentavam doenças ocupacionais graves.
No caso das mulheres, as deformações causadas pelo serviço estafante e repetitivo – para além de muitos dos
problemas descritos para os operários homens – contribuíam até mesmo para o aumento da mortalidade
infantil (e não somente para os índices relativos aos adultos), na medida em que elas trabalhavam nas
indústrias desde muito pequenas e era comum que sua ossatura pélvica não se desenvolvesse plenamente; ao
tornar-se estreita, fazia com que os partos fossem realizados com bastante complicações.
Não é difícil de se supor quais eram as condições de habitação dos setores mais pobres das zonas
industriais. Engels realiza um relato impressionantemente detalhado de cada região da Inglaterra. Apesar das
especificidades de cada cidade, é possível encontrar diversos aspectos em comum. Em geral, os operários
moravam em cortiços de um ou dois andares dispostos em fila, e quase sempre construídos irregularmente.
As casas mais sofisticadas, as cottages, pertenciam aos setores superiores do operariado, e possuíam até
quatro cômodos e cozinha. No entanto, os locais, geralmente, eram extremamente sujos, com ruas não
pavimentadas, sem esgotos ou calçadas, repletos de detritos humanos e animais e poças lamacentas, que às
vezes chegam a cobrir até os joelhos. As habitações quase sempre não possuíam ventilação, e a falta de
espaços livres fazia com que a secagem das roupas fosse feita no meio das próprias ruas. O mal cheiro era
praticamente insuportável; os muros dos bairros estavam destruídos, os vidros, inexistentes, as portas das
casas eram feitas com pedaços de plantas. As casas não possuíam móveis: as mesas e cadeiras, quando
existiam, eram feitas com caixas; aquelas se constituem, assim como as fábricas, como domicílios escuros,
úmidos e apertados (algumas delas chegam a ser subterrâneas, em condições muito piores do que as
similares encontradas no campo). O relato extremo de um bairro de Bethnal Green parece irrealizável: num
terreno de cerca de 400 jardas quadradas (algo como 360 metros quadrados) vivem cerca de doze mil
pessoas (1400 casas de um cômodo, 2795 famílias). Cada habitação possuía uma área de três a quatro
metros quadrados; cada uma continha até nove ou dez pessoas (marido, esposa, avô, avó e mais quatro ou
cinco filhos).
A alimentação dos trabalhadores era igualmente precária. Dentro do tenso debate acadêmico a
respeito das condições de vida do operariado na primeira metade do século XIX, Hobsbawm defende que os
salários dos trabalhadores começaram a cair a partir de 1815, e que o não desenvolvimento de instituições
adequadas ao enorme aumento e concentração populacionais levou a um decréscimo na produção e no
transporte dos alimentos. Nesse sentido, a própria transição do campo para a cidade já significou uma piora
substantiva das condições de alimentação desses migrantes que passavam a trabalhar nas indústrias. É
evidente, então, que a alimentação crescentemente inadequada levava à constituição de individualidades
frágeis, incapazes de desenvolver suas atividades com vigor e, principalmente, sujeitas a toda sorte de
doenças que infestavam o cenário dos grandes conglomerados urbanos ingleses.
Mais especificamente, pode-se dizer que houve um substantivo decréscimo no uso do trigo por parte
da população, tanto aquela que permanecia no campo como a que se via forçada a migrar para as cidades.
Esses setores sociais, que viam, no final do século XVIII, a substituição de suas dietas habituais de cereais
inferiores para o trigo (e, portanto, para o consumo do pão branco) como um símbolo de ascensão social,
acabaram sendo compelidas por latifundiários, fazendeiros, párocos, manufatureiros e o próprio governo a
trocarem-no pela batata. O uso da batata era especialmente interessante pois alimentava populações muito
maiores por hectare do que o trigo; sua grande produtividade significava a multiplicação dos ganhos em
escala dos fazendeiros. No entanto, o consumo das batatas simbolizava um status de degradação social; não
só implicavam numa dieta mais pobre do que a de trigo (por ser menos variada e conter menos nutrientes),
mas indicava o avanço da pobreza, já que eram mais baratas do que os cereais; por um momento, embora
houvesse resistência por parte dos trabalhadores ingleses em consumi-la (já que isso era visto como um
rebaixamento para os padrões culturais irlandeses), por um momento criou-se uma ilusão de prosperidade:
era possível comprar mais batatas do que trigo. Com o tempo, porém, a crescente dificuldade financeira das
classes inferiores inviabilizava mesmo a compra dessas leguminosas. Thompson também afirma que houve
uma substancial queda do consumo da carne entre as classes mais baixas na primeira metade do século XIX;
na velha Inglaterra, “o Roast Beef era o orgulho dos artesãos e a aspiração do trabalhador”. Também houve
significativa queda no consumo de cerveja entre as décadas de 1800 e 1830, enquanto se introduzia
crescentemente o uso de chá e açúcar entre as classes trabalhadoras. Essa transição também continha
elementos fortemente culturais: a preparação de cerveja era vista como uma arte, que se bem executada por
uma mulher, certamente a transformaria numa boa esposa; beber cerveja fazia parte até de alguns rituais
metodistas. Muitos trabalhadores, como aqueles que atuavam no campo, os carregadores de carvão e os
mineiros consideravam a cerveja um componente essencial para desempenhar suas tarefas pesadas, na
medida em que repunham o suor. Contudo, o aumento do imposto sobre a cerveja a partir de 1815 (a Lei dos
Cereais), embora tenha deixado insatisfeita a maioria da população, acabou por vigorar; o chá, um
estimulante vigoroso e não-alcoólico, passou a ser empregado nas fábricas. Logo o chá passaria a ser visto
como um energético fundamental para a prática dos ofícios, substituindo a cerveja, que entorpecia e distraía o
trabalhador. Mas, como veremos, isso não significou o fim do alcoolismo, muito pelo contrário.
Em geral, os trabalhadores só recebiam seus ordenados semanais nos sábados à tarde. As classes médias,
então, para além da vantagem financeira de poderem comprar alimentos totalmente inacessíveis ao
operariado, ainda podiam selecionar os produtos de primeira necessidade mais frescos, disponíveis ainda pela
manhã. Os proletários, especialmente os mais pobres, só podiam ir às feiras à noite, após o trabalho. Tudo o
que encontravam nos finais de feira eram comidas de pior qualidade: legumes murchos, queijos velhos e
medíocres, manteiga rançosa e, principalmente, carne estragada, proveniente com freqüência de animais
doentes. Noventa por cento dos produtos que eram comprados no sábado à noite já não são mais comestíveis
no domingo pela manhã, anota Engels. Mas este não era o único problema: a maioria dos produtos
comercializados nas feiras que podem ser comprados pelos mais pobres eram “falsificados”. O café era moído
com chicória para ganhar volume, o arroz e os sabonetes eram misturados com o açúcar, o cacau com a terra,
assim como o tabaco. O mesmo ocorre com produtos de outros setores; há fraudes com relação aos tamanhos
e composição das roupas, as pesagens de diversas mercadorias são adulteradas.
Nas famílias operárias onde todos trabalhavam era possível consumir carne todos os dias, e bacon e
queijo à noite; o grupo intermediário dentro do operariado só conseguia consumir carne (estragada) aos
domingos – no resto dos dias, se comia sopas e pão. Os mais pobres não se alimentavam de carne em
nenhum dia da semana; restringiam-se aos pães, queijos de péssima qualidade e farinha; os irlandeses,
representantes do último estágio de degradação social nesse contexto, consumiam, na melhor das hipóteses,
sopas. Era comum, no entanto, que os produtos alimentícios acabassem ainda antes do final da semana;
nesse caso, restava aos trabalhadores improvisar suas refeições com chás diluídos, cascas de batatas e
vegetais cozidos. A rotinização dessa condição geralmente resultava em desnutrição aguda; mesmo quando
não morriam de fome, estes indivíduos acabavam sendo mortalmente acometidos pelas doenças, epidemias e
deformações do trabalho.

1- Com o avanço da industrialização na primeira metade do século, quais as consequências para a saúde
da população na Inglaterra?
2- Como era a expectativa de vida (sobrevivência) neste período? Quais os motivos que faziam que o
número de expectativa de vida fosse tão baixo?
3- Que deformações ou problemas de saúde afetavam homens e mulheres trabalhadoras?
4- Quais eram as condições de habitações dos operários?
5- Descreva a alimentação no cotidiano dos operários.

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