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UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO FACULDADE DE DIREITO

“LAUDO DE CAMARGO”

NÚCLEO DE PESQUISA

JOICE ELEN SIQUEIRA

O PROCESSO DE LEGALIZAÇÃO DA MACONHA RECREATIVA

RIBEIRÃO PRETO

JUNHO/2021
JOICE ELEN SIQUEIRA

O PROCESSO DE LEGALIZAÇÃO DA MACONHA RECREATIVA

Monografia apresentada a Universidade de Ribeirão Preto,


UNAERP, como exigência parcial para obtenção do título
de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor
Márcio Bulgarelli Guedes; e orientação metodológica do
Professor Rafael Tomaz de Oliveira.

RIBEIRÃO PRETO
2021
Ficha catalográfica preparada pelo Centro de Processamento Técnico da Biblioteca
Central da UNAERP - Universidade de Ribeirão Preto –
JOICE ELEN SIQUEIRA

O PROCESSO DE LEGALIZAÇÃO DA MACONHA RECREATIVA

Monografia apresentada a Universidade de Ribeirão Preto,


UNAERP, como exigência parcial para obtenção do título
de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor
Márcio Bulgarelli Guedes; e orientação metodológica do
Professor Rafael Tomaz de Oliveira.

Aprovação __/__/____

________________________________
Prof.

________________________________
Examinador(a)

________________________________
Examinador(a)
Dedico este trabalho de conclusão de
curso à minha família e amigos. Vocês
são as pessoas que mais me apoiaram
em minha escolha profissional e sempre
me mostraram que o estudo e o trabalho
valem a pena. Obrigada, aos meus
alicerces.
AGRADECIMENTO

Em especial, às minhas amigas da


faculdade Bruna e Maria Cláudia, que
sempre estiveram ao meu lado me
apoiando e me mostrando o verdadeiro
significado da palavra amizade.

À presente universidade, corpo docente,


direção, administração e funcionários que
proporcionaram a mim a insubstituível
oportunidade de me transformar
profissionalmente.
RESUMO

Este trabalho busca discutir, como o título sugere, os argumentos para


descriminalização/legalização da maconha, tanto no âmbito do uso recreativo da
erva quanto nas suas diversas aplicações farmacêuticas, e os impactos
socioeconômicos que a adoção de tais políticas pode gerar. A parte jurídica do
trabalho foi baseada em pesquisa bibliográfica de autores conhecidos
nacionalmente nas matérias de Direito Penal e Processual Penal, bem como
Direito Constitucional, além de trazer jurisprudência e partes da legislação que
aqui nos interessam. Também perpassa a pesquisa por vasta leitura da literatura
médica, para sustentar os tecnicismos que tal seção exige, bem como
exemplificar as aplicações medicinais da cannabis. Complementa-se a monografia
com uma extensa pesquisa jornalística, de artigos e reportagens sobre o tema
aqui em análise.

Palavras chave: maconha; uso recreativo; uso medicinal, legalização.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

a.C. – Antes de Cristo

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

Art. – Artigo

CBD – Canabidiol

CBN – Canabinol

CF – Constituição Federal

DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional

EUA – Estados Unidos da América

FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia

FDA – Food and Drug Administration

INFOPEN – Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias

NIDA – National Institute on Drug Abuse

NSDD – National Security Decision Directive

OMS – Organização Mundial de Saúde

ONU – Organização das Nações Unidas

ONPR – Organização das Nações e Povos Não Representados

OPAQ – Organização para Proibição de Armas Químicas

P/PG – Página

PSP – Paralisia Supranuclear Progressiva

RE – Recurso Extraordinário

Resp – Recurso Especial


SDRA – Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto

STJ – Superior Tribunal de Justiça

STF – Supremo Tribunal Federal

SUS – Sistema Único de Saúde

THC – Tetra-hidrocanabinol

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UNILA – Universidade Federal para Integração Latino-Americana


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Caractere chinês usado para se referir ao cânhamo..................................15


Figura 2: Prisões no Brasil.........................................................................................37
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 12
1– PANAROMA HISTÓRICO DA MACONHA........................................................................14
1.1– O CONSUMO............................................................................................................... 14
2- HISTÓRICO DO CONTROLE DAS DROGAS...............................................................18
2-1 SISTEMA PROIBICIONISTA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.......................................19
3– O USO RECREATIVO - ASPECTOS CONSTITUCIONAIS..............................................23
3.1 INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 11.343/2006.....................................................27
4 - DIREITO COMPARADO: PAÍSES ONDE É PERMITIDO O USO....................................28
4.1- PARALELO HISTÓRICO: GUERRA ÀS DROGAS E SEUS IMPACTOS
SOCIOECONÔMICOS.......................................................................................................... 31
5 – OS REFLEXOS DA LEGALIZAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL E NO COMBATE AO
TRÁFICO.............................................................................................................................. 41
6– O USO MEDICINAL DA CANNABIS.................................................................................46
6.1- O BRASIL E A REGULAMENTAÇÃO DE NOVOS MEDICAMENTOS PELA ANVISA
.............................................................................................................................................. 46
6.2 – PESQUISAS E APLICAÇÕES DE MEDICAMENTOS À BASE DE CANABINÓIDES
.............................................................................................................................................. 52
6.3– O FUTURO DA CANNABIS MEDICINAL......................................................................59
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 61
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 63
12

INTRODUÇÃO

A maconha sempre foi tratada com muito preconceito, obviamente por


conta da planta ser consumida, em grande parte, na ilegalidade. Este trabalho, de
uma forma geral, visa quebrar certos preconceitos, transgredir barreiras
ideológicas, trazendo informação, dados científicos coletados de forma empírica e
uma discussão razoável sobre a descriminalização/legalização da Cannabis.

No primeiro capítulo buscamos fazer uma abordagem histórica,


demonstrando que o consumo da maconha não é um fenômeno moderno, mas
possui milênios de história, desde habitantes do leste asiático de 5 ou 6 mil anos
a. C., passando por tribos judaicas primitivas e até a chegada da erva no
continente americano. Se passa brevemente também pela história da maconha no
Brasil, desde quando o seu consumo passou a ser regulado pelo Estado e foi
realizado um histórico de como a cannabis vem sendo tratada pela legislação
brasileira ao longo das décadas.

O segundo aspecto tratado neste trabalho é o uso recreativo da maconha,


mais especificamente, no primeiro subcapítulo, os princípios constitucionais que
embasam a discussão em torno da descriminalização/legalização da cannabis. A
efeito de comparação, posteriormente são trazidos os países que adotam tais
políticas, demonstrando as diferentes visões a respeito do tema e como tais
nações tem lidado com o assunto. Também é trazida neste capítulo um exemplo
interessante sobre o porquê da repressão estatal ferrenha contra as drogas não
funcionar: as similaridades da atual política antidrogas com a entrada em vigor
da Lei Seca nos Estados Unidos durante as primeiras décadas do século XX.
Por fim no segundo capítulo, tratamos dos reflexos no sistema penitenciário da
adoção de políticas públicas como a legalização da maconha.

O terceiro e último capítulo trata da aplicação medicinal da erva. Começa-


se falando a respeito das pesquisas existentes em solo pátrio bem como a
maneira que a ANVISA tem se portado no tocante à regulamentação de novos
medicamentos à base de maconha. Adiante discorremos sobre as diversas
13

aplicações farmacêuticas da cannabis, com o intuito de demonstrar como tais


medicamentos são promissores no tratamento de diversas patologias graves.
Finalizamos o trabalho com alguns dados que permitem vislumbrar o futuro
animador que medicina canábica reserva à ciência.

Este trabalho, no tange à questão legal, foi baseado como dito


anteriormente em pesquisa de autores conceituados a nível nacional nas
disciplinas de Direito Constitucional, Penal e Processual Penal. A parte histórica e
médica consistiu em extensa pesquisa jornalística e científica, com a leitura de
diversos artigos em jornais nacionais e internacionais, portais de divulgação
científica, sites de instituições governamentais estrangeiras e brasileiras
conjuntamente.

.
14

1– PANAROMA HISTÓRICO DA MACONHA

1.1– O CONSUMO

Cannabis, também conhecida por uma grande variedade de nomes


populares (maconha o mais difundido), não se refere a apenas uma planta
específica, mas a todo um gênero de ervas da família Moraceae, sendo a
Cannabis sativa a espécie mais conhecida pelo público em geral. Em números, é
a droga ilícita mais consumida do mundo, e quando comparada a drogas de uso
permitido, perde apenas para o álcool e para o tabaco.

A maconha pode ser consumida de forma inalada (fumada) e também


ingerida, junto com alimentos ou chás. Dentre os efeitos mais comuns da
substância podemos citar:

(...) o relaxamento e a leve euforia, enquanto alguns efeitos colaterais


indesejáveis imediatos incluem uma diminuição passageira na memória
de curto prazo, boca seca, habilidades motoras levemente debilitadas e
vermelhidão dos olhos. Além de uma subjetiva mudança na percepção e,
sobretudo, no humor, os efeitos físicos e neurológicos de curto prazo
mais comuns incluem aumento da frequência cardíaca e do apetite, além
da diminuição da memória de curto prazo, da memória de trabalho, da
coordenação psicomotora e da concentração (WIKIPEDIA, 2021).

Os efeitos a curto prazo do consumo de maconha já são bem estabelecidos,


mas algo que ainda intriga a neurociência e a farmacologia são os efeitos a longo
prazo da droga. Diversos estudos já tentaram descobrir se existem relações entre a
utilização de maconha e o desenvolvimento de doenças como as cardiovasculares,
transtorno bipolar, oscilações de humor e outros distúrbios mentais. Também se
discute seus efeitos sobre a inteligência, a memória, funções respiratórias e as
possíveis ligações com diagnósticos de doenças mentais como esquizofrenia,
psicose, transtorno de despersonalização e depressão. Ambos os lados, a favor e
contra a descriminalização da maconha, possuem argumentos com base científica,
entretanto algo que esses estudos ainda não esclareceram foi se o consumo de
cannabis realmente provoca o desenvolvimento dessas patologias ou apenas as
agrava. Na verdade muitas dessas doenças não possuem nem um fator gerador
muito bem delimitado pela neurociência ainda, e aí se estabelece o perigo da
difusão de dados não condizentes com a verdade e com pouco ou nenhum
embasamento científico, onde são propagados preconceitos e ideias sem
15

comprovação empírica alguma, como por exemplo, o senso comum de que “a


maconha é a porta de entrada para outras drogas”.

Na verdade, a maconha, quando comparada com outras substâncias


entorpecentes, tem um poder de causar dependência consideravelmente menor
do que o de drogas que são tidas como lícitas em boa parte do mundo. O Dr. Jack
E. Henningfield, do National Institute on Drug Abuse (NIDA)1, sediado em North
Bethesda, no estado americano de Maryland, classificou a dependência relativa de
seis substâncias diferentes (cannabis, cafeína, cocaína, álcool, heroína e nicotina)
durante um estudo. A cannabis foi considerada a menos viciante, sendo a cafeína
a segunda menos viciante. A nicotina foi classificada como a substância que
causa maior dependência entre as avaliadas.

Ainda que seja tratada pelos usuários recreativos como uma substância
natural, é evidente que o uso contínuo da maconha causa efeitos colaterais
graves no organismo, tanto a curto quanto a longo prazo.

No que diz respeito a discussão sobre a legalização/descriminalização da


planta em questão, é algo relativamente recente do ponto de vista histórico.
Todavia, o uso, de formas diversas, das plantas do gênero Cannabis pelas
populações humanas data de períodos longínquos, observe-se:

A Cannabis é uma espécie nativa da Ásia Central e Meridional. Os


asiáticos a cultivaram a partir de pelo menos 6.000 anos atrás, mas
apenas para consumir as sementes oleosas das plantas e fazer roupas e
cordas de fibras de cannabis. Evidências da inalação de fumaça de
cannabis são encontradas desde o terceiro milênio a.C., como indicado
por sementes carbonizadas da planta encontradas em um braseiro usado
em rituais em um antigo cemitério na atual Romênia. Fumar maconha
em cerimônias do lado da sepultura era provavelmente parte do processo
de enterro. Em 2003, uma cesta de couro cheia de fragmentos de folhas
e sementes de cannabis foi encontrada ao lado do corpo mumificado de
um xamã de 2500- 2800 anos de idade em Xingjian, no noroeste da
China (WIKIPEDIA, 2021).

A planta também tem seu consumo conhecido pelos antigos povos


hindus da Índia e do Nepal, sendo chamada de ganjika, em sânscrito, adaptada
para ganja nas línguas indo-arianas. A droga conhecida como soma, citada
algumas vezes nos Vedas (livros sagrados do Hinduísmo), em muitas
oportunidades foi associada à Cannabis.1

1
Instituto do governo federal americano que trabalha na produção e fomento de pesquisas científicas
16

Figura 1 Caractere chinês usado para se referir ao cânhamo ( 麻 ou


má). O cultivo da cannabis data de pelos menos 10 mil anos atrás em
Taiwan (Wikipedia, 2021).

A cannabis também era conhecida dos assírios2, que descobriram as


propriedades psicoativas da droga através do contato com os povos arianos 3, que
a utilizavam em cerimônias religiosas chamadas qunubu (que significa "caminho
para a produção de fumo"), e que se acredita ser a origem do nome moderno da
planta. A erva também foi apresentada pelos arianos a diversos outros povos da
Ásia, como os citas, os trácios e os dácios4, que tinham como xamãs homens
conhecidos como kapnobatai (que significa “aqueles que andam no
fumo/nuvens”), que queimavam flores de cannabis durante os ritos religiosos para
alcançar um estado de transe.

A cannabis tem uma antiga história de uso ritual e é encontrada em cultos


farmacológicos em todo o planeta. Sementes de cânhamo descobertas
por arqueólogos em Pazyryk (um conjunto de tumbas encontradas nas
Montanhas Altai, na Sibéria) sugerem que práticas cerimoniais antigas,
como comer sementes, foram usadas pelos citas e ocorreram durante os
séculos quinto e segundo a.C., confirmando relatos históricos anteriores
feitos por Heródoto. O escritor Chris Bennet afirma que a cannabis era
usada como um sacramento religioso por judeus antigos e pelos
primeiros cristãos, devido à semelhança entre a palavra hebraica
"qannabbos" ("cannabis") e a frase hebraica "qené bosem" ("cana
aromática"). A erva também foi usada por muçulmanos de várias ordens
sufistas no período mameluco, como, por exemplo, os qalandars5
(Wikipedia, 2021).

Uma reportagem publicada no site da BBC em 29 de maio de 2020 fala a


respeito do uso de maconha em rituais religiosos judaicos na antiguidade. Na
ocasião, cientistas da Universidade de Tel Aviv encontraram uma porção da

2
Povos semitas que viviam ao norte da Mesopotâmia na região dos rios Tigre e Eufrates (parte do
atual Irã, Iraque, Turquia, Síria e Kuwait)
3
Subgrupo dos indo-europeus, que se estabeleceu no planalto iraniano desde o final do terceiro
milênio.
4
Os Citas eram um antigo povo iraniano de pastores nômades equestres, viveram na região dos
Montes Altai onde as fronteiras de Mongólia, China, Rússia e Cazaquistão se encontram à região
do baixo Danúbio na Bulgária. Já os Trácios e os Dácios foram grupos indo-europeus com certo
grau de parentesco, que se estabeleceram nas regiões onde se localizam atualmente partes da
Romênia, Moldávia, leste da Ucrânia, Polônia, Eslováquia, Grécia, Turquia e Macedônia.
17

substância e também do princípio ativo da cannabis, o THC, em um altar


de um templo de 2.700 anos de idade no sítio arqueológico de Tel Arad, na
região central de Israel. Os pesquisadores afirmaram que a maconha
provavelmente era usada para induzir os fiéis a um estado alterado de
consciência, e de acordo com a imprensa israelense essa foi a primeira vez que
encontraram evidências de que os judeus antigos usavam drogas psicotrópicas
em seus rituais religiosos.

“Também foi encontrado incenso em um altar, o que não surpreende por


sua importância em textos sagrados”, disseram os autores do estudo ao
jornal israelense Haaretz. No entanto, o tetra-hidrocanabinol (THC),
canabidiol (CBD) e canabinol (CBN), que são compostos encontrados na
maconha, foram identificados no segundo altar. O estudo acrescenta que
as descobertas em Tel Arad indicam que a maconha também teria sido
utilizada em cultos no Primeiro Templo de Jerusalém (BBC News, 2020).

E não foi somente no mundo oriental que se popularizou o consumo da


maconha. Um estudo publicado por um jornal da África do Sul, Journal of Science,
indicou que cachimbos que haviam sido desenterrados do jardim da casa do
célebre escritor inglês William Shakespeare em Stratford-upon-Avon, na
Inglaterra, continham traços de cannabis. Tais suposições surgiram após se
imaginar que a "notável erva", mencionada no Soneto 76, e a "viagem na minha
cabeça", do Soneto 27, poderiam ser referências à cannabis e ao seu uso. O
escritor norte-americano Fitz Hugh Ludlow, em O Comedor de Haxixe, e o francês
Charles Baudelaire, em Les Paradies Artificiels, são mais exemplos da literatura
clássica em que houve menções ao consumo da maconha.
Fora dos mundos de ficção, John Gregory Bourke, um capitão do Exército
dos Estados Unidos, descreveu o uso da “mariguan”, que ele mesmo identificou
como sendo a espécie Cannabis indica (cânhamo indiano), por nativos
mexicanos da região do Rio Grande, no Texas, já no ano de 1894. A planta era
usada na ocasião para tratar problemas de saúde bem como afastar maus
espíritos. Bourke também relatou que os nativos acrescentavam o cânhamo nos
seus cigarros apenas para o consumo pessoal, até mesmo com um pouco de
açúcar, para potencializar o efeito psicotrópico da droga.
A nível global, o Relatório Mundial Sobre Drogas, elaborado pela
Organização das Nações Unidas em 2012, apontou que a maconha “foi a droga
mais amplamente produzida, traficada e consumida no mundo em 2010”,
18

identificando um número entre 119 e 224 milhões de usuários adultos (pessoas


2
com mais de 18 anos) no mundo todo (pg. 43/51).
Ante o exposto, fica evidente que o consumo não só de maconha, mas
também de drogas até mais nocivas como a cocaína, heroína e os opiáceos, é um
problema de saúde pública, enfrentado não somente pelo Brasil, mas por diversos
países, todavia essa questão será abordada de forma mais aprofundada à frente.

2- HISTÓRICO DO CONTROLE DAS DROGAS

No começo do século XX a cannabis começou a ser criminalizada ao redor


do globo, embora tivesse um consumo amplamente difundido em diversas partes
do mundo, entre povos e culturas das mais variadas. Nos Estados Unidos as
primeiras restrições à droga surgiram no ano de 1906, no Distrito de Columbia,
onde se localiza a capital do país, Washington. Na África do Sul a proibição
ocorreu em 1911, e na Jamaica (então colônia britânica) em 1913. No Reino
Unido, Nova Zelândia e Brasil, a criminalização se deu ao longo dos anos 1920.
Anteriormente, em 1912, foi realizada em Haia 6 a Convenção Internacional do
Ópio, que proibiu a exportação do cânhamo indiano para os países que haviam
desautorizado seu consumo, e ainda exigiu dos países que fossem importar a erva
uma declaração aprovando a importação e informando que o material se destinava
apenas a fins científicos ou medicinais.
Ainda nos Estados Unidos, em 1937 o Marihuana Tax Act7 foi aprovado,
vindo assim a proibir de vez em todo o país a produção do cânhamo indiano e
também das outras espécies de cannabis. Embora os interesses que estavam por
trás do desmantelamento dessa indústria nos EUA fossem puramente
econômicos, esse foi um grande passo na história do país no combate ao uso da
planta.
Vários estudiosos têm afirmado que a lei foi aprovada com o objetivo de

2
Cidade sede do governo dos Países Baixos, sendo a terceira maior do país. Com forte tradição
diplomática Haia também é sede da Organização das Nações e Povos Não Representados
(UNPO), da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) e de numerosos outros
organismos internacionais ou não governamentais. A cidade é a sede de quatro tribunais
internacionais: o Tribunal Permanente de Arbitragem, o Tribunal Internacional de Justiça, o
Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, e a Corte Penal Internacional.
7
Projeto de lei estadunidense que visou sobretaxar a produção e venda de maconha em todo
território nacional
19

destruir a indústria do cânhamo nos Estados Unidos, graças ao


envolvimento de empresários como Andrew Mellon, Randolph Hearst e
da família Du Pont. Com a invenção do decorticador, o cânhamo tornou-
se um substituto muito barato para a polpa de celulose que era usada
pela indústria de jornais e Hearst, consequentemente, acreditava que os
seus grandes cultivos de madeira estavam em perigo. Mellon, o então
Secretário do Tesouro dos Estados Unidos e o homem mais rico do país
naquela época, tinha investido enormes quantias na nova fibra sintética
da DuPont, o nylon, e acreditava que a substituição do seu recurso
tradicional, o cânhamo, era essencial para o sucesso do novo produto
(WIKIPEDIA, 2021).

2-1 SISTEMA PROIBICIONISTA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Em solo brasileiro a primeira lei de combate ao uso de substâncias


entorpecentes foi o Decreto 4.294, de 06 de julho de 1921, assinado pelo então
presidente da república Epitácio Pessoa. Tal ato foi redigido a fim de determinar
as penalidades para a venda ilegal de cocaína, ópio, morfina e seus derivados,
além de criar estabelecimentos para acolhimento e tratamento de intoxicados por
álcool e substâncias venenosas em geral. Atentemo-nos ao fato de que o decreto
presidencial silenciou quanto a questão da venda/consumo de maconha. Cerca
de 11 anos mais tarde, mais precisamente em 11 de janeiro de 1932, foi assinado
por Getúlio Vargas o Decreto 20.930, que passou a incluir no rol de substâncias
tóxicas a Cannabis indica:

Art. 1º São consideradas substâncias tóxicas de natureza analgésica ou


entorpecente, para os efeitos deste decreto e mais leis aplicáveis, as
seguintes substâncias e seus sais, congêneres, compostos e derivados,
inclusive especialidades farmacêuticas correlatas:

(...)

XII - A "canabis indica".

(...)

Art. 2º Para fabricar, importar, exportar, reexportar, vender, trocar,


ceder, expor ou ter para um desses fins, qualquer das substâncias
discriminadas no art. 1º, é indispensável licença especial da autoridade
sanitária competente, em conformidade com os dispositivos deste
decreto.

Art. 3º A venda ao público de qualquer das substâncias indicadas no art.


1º, só é permitida às farmácias e mediante receita de facultativo com
diploma registado no Departamento Nacional de Saúde Pública, estando
a firma em caracteres legíveis, e havendo indicação precisa do nome,
prenome e residência do médico e do enfermo, (BRASIL, 1932).
20

A despeito das restrições impostas, o usuário em si não era penalizado, e


a proibição também não era total. O passo seguinte na criminalização da maconha
no Brasil foi a edição do Decreto-Lei 891/1938, a Lei de Fiscalização de
Entorpecentes, vejamos:
Artigo 2º. São proibidos no território nacional o plantio, a cultura, a
colheita e a exploração, por particulares, da Dormideira "Papaver
somniferum" e a sua variedade "Aibum" (Papaveraceae), da coca
"Erytroxylum coca" e suas variedades (Erytroxilaceac) do cânhamo
"Cannibis sativa" e sua variedade "indica" (Moraceae) (Cânhamo da
Índia, Maconha, Meconha, Diamba, Liamba e outras denominações
vulgares) e demais plantas de que se possam extrair as substâncias
entorpecentes mencionadas no art. 1º desta lei e Seus parágrafos
(BRASIL, 1938).

Novamente o usuário recreativo da droga não era punido na esfera


penal, e a proibição não era absoluta, mas há de se reconhecer que o decreto de
1938 foi de suma importância no combate ao consumo de cannabis no Brasil.
Porém em 1940 entrou em vigor o nosso atual Código Penal, que na época
passou a tipificar a conduta do tráfico de drogas, em seu art. 281. Em 04 de
novembro de 1964, durante o primeiro ano do regime militar, o art. 281 passou a
criminalizar também o porte para consumo, vigorando até 1971 (quando foi
novamente modificado pela Lei 6.368/76) com a seguinte redação:

Art. 281 - Plantar, importar ou exportar, vender ou expor à venda,


fornecer, ainda que a título gratuito, transportar, trazer consigo, ter em
depósito, guardar, ministrar ou, de qualquer maneira, entregar a
consumo, substância entorpecente, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de um a cinco
anos, e multa de dois a dez mil cruzeiros (BRASIL, 1976)

A respeito das legislações pátrias que versam sobre o tema, observemos


o que diz o professor e membro do Ministério Público de São Paulo César Dário
Mariano da Silva:
Durante vinte e seis anos vigorou a Lei nº 6.368/1976, que coibia e punia
condutas relacionadas ao porte e tráfico de drogas. Essa lei não se
mostrava mais eficaz, considerando o aumento da criminalidade,
principalmente a organizada, e os modernos métodos empregados para o
combate ao tráfico e tratamento do usuário e dependente de drogas, que
não eram nela previstos. A lei tratava tanto o traficante quanto o usuário e
dependente como criminosos, que necessitavam ser presos. Também era
muito condescendente com o traficante, principalmente os mais
poderosos e organizados. No ano de 2002, o Congresso Nacional
aprovou a Lei nº 10.409/2002, que foi elaborada para substituir a Lei nº
6.368/1976. Todavia, ela estava repleta de incorreções e foi duramente
criticada pelos doutrinadores e operadores do direito. Por conta disso,
sofreu vários vetos e entrou em vigor totalmente descaracterizada. Diante
dos vetos, a lei anterior não foi revogada por inteiro, sendo que ambas
continuavam vigendo conjuntamente (...). Após a apresentação de vários
anteprojetos sobre o tema, sobreveio a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de
21

2006, que sofreu alguns vetos presidenciais, mas que não a alteraram
substancialmente. (...) Usuário, dependente e traficante de drogas são
tratados de maneira diferenciada. Para os primeiros, não há mais
possibilidade de prisão ou detenção, aplicando-lhes penas restritivas de
direitos. Para o último, a lei prevê sanções penais mais severas. Mesmo
para os traficantes, há distinção entre o pequeno e eventual traficante e
o profissional do tráfico, que terá penas mais duras. Para o dependente,
pode ser imposto tratamento médico ou atenuar a sua pena (SILVA,
2016, p. 15).

Ainda hoje há uma discussão jurisprudencial a respeito de que o porte de


drogas pra consumo próprio está inserido no capítulo dos crimes e das penas da
Lei 11.343/06, sobre isso, vejamos o posicionamento que tem adotado o Superior
Tribunal de Justiça no tocante ao uso do art. 28 da referida lei na caracterização
da reincidência:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUSBTITUTIVO DE


RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. FURTO QUALIFICADO.
DOSIMETRIA. CONDENAÇÃO ANTERIOR PELO ART. 28 DA LEI DE
DROGAS. REINCIDÊNCIA.
DESPROPORCIONALIDADE. PREENCHIMENTO
DOS REQUISITOS. REGIME ABERTO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA.
VIABILIDADE. PENA INFERIOR A 4 ANOS E CIRCUNSTÂNCIAS
JUDICIAIS FAVORÁVEIS. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

[...]

II – Consoante o posicionamento firmado pela Suprema Corte, na


Questão de Ordem no RE nº 430.105/RJ, a conduta de porte de
substância entorpecente para consumo próprio, prevista no art. 28 da Lei
11.343/2006, foi apenas despenalizada pela nova Lei de Drogas, mas
não descriminalizada, vale dizer, não houve abolitio criminis. Desse
modo, tratando-se de conduta que caracteriza ilícito penal, a condenação
anterior por crime de porte de entorpecente para uso próprio pode
configurar a reincidência e também macular os antecedentes do acusado.

III – De outro lado, a Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, no


julgamento do REsp 1.672.654/SP, consignou que “se a contravenção
penal, punível com pena de prisão simples, não configura reincidência,
resta inequivocamente desproporcional a consideração, para fins de
reincidência, da posse de droga para consumo próprio, que conquanto
seja crime, é punida apenas com “advertência sobre os efeitos das
drogas; prestação de serviços à comunidade; e medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo. [...]

(Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 05/02/2019,


DJe 11/02/2019) (STJ, 2019)

Como observado, de acordo com o STJ, embora ainda seja tecnicamente


considerado crime, é de menor potencial ofensivo, não ensejando nem mesmo
uma possível reincidência do acusado. Cabe ressaltar também que o STJ
22

declarou no julgado acima apresentado, que se preenchidos os requisitos do art.


44 do Código Penal, quais sejam: pena não superior a 4 anos, o crime não foi
cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa, réu não é reincidente
específico e circunstâncias judiciais são favoráveis; o réu pode ainda fazer jus à
substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.

Vejamos agora de forma bem sucinta, como o STF já tratou a questão da


presença do art. 28 da Lei 11.343 no capítulo dos crimes e das penas, como dito
anteriormente no RE 430.105/RJ:

QUESTÃO DE ORDEM EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 430.105-9


RIO DE JANEIRO

EMENTA: I – Posse de droga para consumo pessoal (art. 28 da L.


11.343 – Nova Lei de Drogas): natureza jurídica de crime.

[...]

2) Não se pode, na interpretação da Lei 11.343, partir de um pressuposto


desapreço do legislador pelo “rigor técnico”, que o teria levado
inadvertidamente as infrações relativas ao usuário de drogas em um
capítulo denominado “Dos crimes e das penas”, só a ele referentes. (L.
11.343, Título III, Capítulo III, arts. 27/30)

[...]

6) Ocorrência, pois, de “despenalização”, entendida como exclusão, para


o tipo, das penas privativas de liberdade.

7) Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não


implicou abolitio criminis (C. Penal, art. 107)

[...] (Rel. Min. Sepúlveda Pertence) (STF, 2007)

No âmbito doutrinário, a respeito do caráter criminoso da conduta descrita


no art. 28, assim assevera Guilherme de Souza Nucci:

Após a edição da Lei 11.343/2006, parte da doutrina passou a


considerar ter havido descriminalização do delito previsto no art. 28, ou
seja, o usuário de drogas ilícitas não mais seria considerado criminoso,
nem a ele seriam destinadas autênticas penas. Muitos são os
argumentos utilizados, porém, os principais são os seguintes: a) crime
deve gerar a possibilidade de aplicação de pena e esta não pode escapar
totalmente da privação da liberdade. Se tal situação ocorrer, há
descriminalização; b) a Lei de Introdução ao Código Penal, no art. 1.º,
estabelece ser crime a infração penal à que a lei estabeleça pena de
reclusão ou detenção, isolada, alternativa ou cumulativamente com multa;
contravenção é a infração penal apenada com prisão simples ou multa
(ou ambas, alternativa ou cumulativamente) (...). Permitimo-nos discordar
desses raciocínios: a) a evolução do Direito Penal já chegou a um
patamar em que se verificou, o que é atestado pela quase totalidade da
doutrina, nacional e estrangeira, a crise da pena privativa de liberdade
como método exclusivo de coerção estatal para o combate à
criminalidade. Afinal, existem as infrações de menor potencial ofensivo e
23

muitas outras, igualmente insípidas, não gerando grande insatisfação


social quando constatada a sua existência (ex.: vide o furto simples).
Para estas infrações penais, desenvolveu-se um sistema de penas mais
brandas, acompanhando tendência mundial, que pode significar punição,
pois há o cerceamento de direitos, mas sem o ingresso no cárcere, fator
de impulso ainda maior à criminalidade, muitas vezes. As penas
restritivas de direitos e a multa inserem-se nesse cenário. O que houve,
no caso do art. 28, foi fruto desse pensamento. Retirar o usuário de
drogas do contexto da prisão pode contribuir para a sua melhor
ressocialização. A ousadia legislativa, arriscada, como já lembramos na
nota 15 ao referido art. 28, foi a eliminação completa da possibilidade de
se aplicar a pena privativa de liberdade. Optou por outras sanções e está
buscando horizonte diverso da punição carcerária. (NUCCI, 2014, p. 280)

Ante o exposto, depreende-se que embora esteja fixado no capítulo “Dos


crimes e das penas”, o art. 28 da Lei de Tóxicos não impõe como sanção uma
pena restritiva de liberdade, e isso não implica na descriminalização da conduta,
visto que as penas restritivas de direitos ainda são tratadas como formas de
punição. Trata-se apenas de uma tentativa do legislador de desafogar o sistema
carcerário, ao que passo que não submete à reclusão alguém que cometeu um
crime de menor potencial ofensivo, e também dá ao indivíduo uma maior
oportunidade de reinserção no convívio social.

3– O USO RECREATIVO - ASPECTOS CONSTITUCIONAIS

É muito interessante falar a respeito desse assunto sob a ótica legal,


principalmente no que diz respeito aos princípios constitucionais envolvidos.

Iniciando então pela análise do princípio da liberdade de expressão.


Como se pode compreender, quando da análise histórica da cannabis, ela por
diversas vezes foi usada como material ritualístico por povos, religiões, seitas e
culturas das mais variadas. Então por que, se em um passado nem tão distante
assim, a substância tinha uso difundido, comum, não legalizar o seu consumo
novamente?

O princípio da liberdade de expressão acima citado pode ser


vislumbrado na Carta Magna brasileira, em seu art. 5º:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...]
24

i. – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX- é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de


comunicação, independentemente de censura e licença;

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das


pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação. (BRASIL, 1988)

Ora veja, a livre expressão da individualidade do ser humano é um direito


garantido pela própria Constituição Federal, ou seja, o direito de discriminar uma
pessoa ou uma cultura pelo fato de que ela é usuária de uma substância tão
comum não deve ser dado nem mesmo ao Estado. “A par disso tudo, a
restrição ao direito de se expressar livremente representa um exercício de
violência, por parte de quem promove a censura, seja o Estado ou o próximo, na
medida em que viola a abrangência totalizante da dignidade da pessoa humana,
visto que a liberdade propugna pela auto realização da pessoa humana
(MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 359)”.

Posto isso, pode-se fazer o raciocínio que o Estado Democrático de Direito


no Brasil não é pleno, já que o Estado Brasileiro põe a sua própria Constituição
em prática de modo seletivo (leia-se discriminatório/preconceituoso), uma vez que
embora todos sejam iguais perante a Lei, alguns parecem ser “mais iguais”
que outros. O Estado Liberal, da forma que experimentamos hoje, tem
basicamente a sua gênese em dois eventos: a Independência dos Estados Unidos
da América e Revolução Francesa, ambos pautados pelos direitos
correspondentes aos direitos civis e políticos, que buscam a colocação do
indivíduo perante a figura gigantesca, distante (o Estado), o verdadeiro Leviatã de
Hobbes.

O Estado deve, portanto, garantir esses direitos aos seus cidadãos. O


indivíduo, nessa concepção de mundo, é um sujeito ativo. Ele deve debater,
dialogar com seus pares e assim desenvolver os caminhos políticos que o Estado
deverá seguir. Mas há tempos, que não só no Brasil mas outros países, muitos
deles até desenvolvidos como EUA e países da Europa ocidental, o bom debate,
bem argumentado e pautado pela oratória e dados científicos ficou relegado a um
segundo plano.

Vários são os fatores para isso, por exemplo: o imediatismo de


informações trazido pela era das mídias sociais, muitas vezes informações falsas
25

ou imprecisas, que geram apenas desconfiança e medos infundados em uma


população, provocando uma verdadeira histeria coletiva. O descaso com a
educação básica em muitos desses lugares (especialmente no Brasil) e
principalmente, a onda conservadora político-religiosa crescente em muitos países
ocidentais, que fez as pessoas esquecerem o respeito ao próximo, às opiniões
divergentes e a racionalidade, em face da exacerbação e difusão de preconceitos,
ideias sem nenhum fundamento científico e teorias de conspiração sem menor
indício de realidade ou comprovação.
Essa garantia fundamental (liberdade de expressão), como disse o
ministro do STF Luiz Fux, durante julgamento da ADI 132/RJ:
Traduz-se na previsão de que o indivíduo mereça do Estado e dos
particulares o tratamento de sujeito e não de objeto de direito,
respeitando- lhe a autonomia, pela sua simples condição de ser humano.
Assim sendo, incumbe ao Estado garantir aos indivíduos a livre busca de
suas realizações de vida pessoal (STF, 2011).

E completa o ministro Marco Aurélio Mello, na mesma oportunidade:


Ninguém pode ser funcionalizado, instrumentalizado, com o objetivo de
viabilizar o projeto de sociedade alheio (...). A funcionalização é uma
característica típica das sociedades totalitárias, nas quais o indivíduo
serve à coletividade e ao Estado, e não o contrário (STF, 2011).

É mister dizer, que ao se falar em liberdade de expressão, fala-se também


em respeito à vida privada do cidadão, e ao se falar em respeito à vida privada,
chegamos ao conceito mais puro de liberdade que um indivíduo pode
experimentar. Como muito bem define o professor da UFRGS Denis Rosenfield:
O índice de liberdade de uma sociedade se mede pela autonomia
concedida aos seus cidadãos para decidirem por si mesmos o seu
próprio destino. (...) Espaços de liberdade não são dados, mas
diariamente conquistados. Conquistados contra usurpações,
sufocamentos, sobretudo quando o Estado intervém em nome de um
bem supostamente maior, como uma informação mais democrática‟ ou a
saúde dos indivíduos (ESTADÃO, 2012).

Ao suscitar a discussão a respeito da legalização do consumo recreativo


da maconha versus as liberdades individuais, muitas pessoas, talvez de má-fé ou
não, entendem isso como um incentivo ao consumo da substância. Entretanto
trata-se apenas de respeitar as decisões de cada um, da mesma forma que um
indivíduo decide por si mesmo consumir álcool ou tabaco, que são drogas
potencialmente mais nocivas e com poder viciante bem maior que a cannabis, mas
são aceitas pela nossa sociedade.
26

Outro ponto bem pertinente é que o estudo da constitucionalidade do uso


da maconha versus a descriminalização da droga esbarra no princípio da
proporcionalidade, o qual coloca que nenhuma garantia constitucional goza de
valor supremo e absoluto, de modo a aniquilar outra garantia de valor e grau
equivalente. Ou seja, embora se preze pela questão de saúde pública e bem-estar
social isso jamais poderá, de forma alguma, tolher a liberdade que o indivíduo
tem de fazer o que bem entender com seu corpo e até mesmo buscar sua
própria identidade, desde que não interfira na liberdade e direitos de outrem. No
tocante a tal princípio, atentemo-nos à fala do Min. do STF Luís Roberto
Barroso durante o seminário Constitucionalismo Global, promovido pela
Universidade de Yale, nos Estados Unidos:
O princípio da proporcionalidade funciona como um limite às restrições
aos direitos fundamentais. O teste de proporcionalidade envolve a
verificação da adequação, da necessidade e do proveito da medida
restritiva (também chamado de proporcionalidade em sentido estrito). A
criminalização não parece adequada ao fim visado, que seria a proteção
da saúde pública. Não apenas porque os números revelam que a medida
não tem sido eficaz – o consumo tem aumentado – como pelo fato de
que a criminalização, de certa forma, afeta negativamente a saúde
pública. Por duas razões: ela consome os recursos e dificulta o
tratamento dos dependentes, em razão do estigma que ela traz. No
tocante ao terceiro elemento do teste de proporcionalidade, que é a
verificação do custo benefício da medida, a desproporcionalidade parece
ser ainda mais contundente. O custo é muito alto, tanto em recursos
financeiros como o custo humano do encarceramento, sem mencionar
que é a criminalização que dá poder ao tráfico; e os resultados têm sido
irrelevantes, diante do aumento do consumo. Por fim, ainda no domínio
da proporcionalidade, o denominado princípio da lesividade exige que a
conduta que é tratada como crime constitua ofensa à bem jurídico alheio,
isto é, possa interferir negativamente com a esfera jurídica de terceiros.
No caso do consumo de maconha, em que o indivíduo não apresenta
risco para ninguém e a conduta afeta apenas a própria saúde do usuário,
faltaria a lesividade para justificar a punição.
(CONJUR, 2016).

Sobre a ponderação que se faz necessária quando observam-se princípios


constitucionais em choque, é essencial atentar-se ao rezado pelo jurista e filósofo
do direito alemão Robert Alexy:

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completa-


mente diversa. Se dois princípios colidem - o que ocorre, por exemplo,
quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o
ou- tro, permitido-, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa,
contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem
que nele de- verá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade,
o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro
sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da
precedência pode ser resol- vida de forma oposta. Isso é o que se quer
27

dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos
diferentes e que os princípios com o maior peso têm precedência.
Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as
colisões entre princípios - visto que só princípios válidos podem colidir -
ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso. (ALEXY,
2008)

3.1 INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 11.343/2006

Outro princípio constitucional a ser trazido para esta discussão é o da


isonomia, consagrado pelo caput do art. 5º da CF/88, já citado ipsis litteris
anteriormente. Como podem o Estado e o Poder Judiciário tratarem de forma não
equânime indivíduos inseridos na mesma situação, submetidos ao mesmo diploma
legal, diferenciando-os apenas pelo contexto social? A respeito disso, corre no
Supremo Tribunal Federal uma ação que discute a inconstitucionalidade do art.
28 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), o qual diz que:

Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo,


para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar será submetido as seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das
drogas; II - prestação de serviços à
comunidade;
III- medida educativa de comparecimento à programa ou curso
educativo. [...]

§2º Para se determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o


juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao
local e as condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias
sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente
[...] (BRASIL, 2006)

Desta maneira, a Lei de Tóxicos relega puramente à discricionariedade e


subjetividade do julgador a distinção do crime de fato tipificado no seu art. 33 e a
situação em que o cidadão esteja portando um entorpecente puramente para
consumo pessoal. O problema gerado pelo artigo supracitado é que a sociedade
brasileira (e os magistrados não estão excluídos desta afirmação) é extremamente
preconceituosa e racista, então sabe-se bem a diferenciação aplicada pela
Justiça de acordo com a cor da pele, o holerite ou o CEP dos cidadãos. Portanto,
a Lei 11.343/2006 deixa uma perigosa e fatal lacuna aberta no Direito Penal
nacional, abrindo brechas para uma Justiça não igualitária.
A título de curiosidade, ação em questão trata-se do Recurso
28

Extraordinário nº635.659, e até agora conta com votos favoráveis ao provimento


do relator, Min. Gilmar Mendes, do Min. Luís Roberto Barroso e com voto de
provimento parcial do Min. Edson Fachin. Em 10/09/2015 o falecido Min. Teori
Zavascki tinha pedido vista do processo, e o último andamento até esta data
(10/02/2021) registrado no portal on-line do Supremo Tribunal Federal é de
02/08/2020, constando uma petição de sobrestamento do feito enviada ao
gabinete do relator do caso.

4 - DIREITO COMPARADO: PAÍSES ONDE É PERMITIDO O USO

Ao se falar em descriminalização ou legalização do uso de maconha, um


país é referência quase inconteste no mundo, os Estados Unidos da América.
Antes de tudo vale lembrar que o federalismo estadunidense é organizado de tal
forma que cada estado tem autonomia para legislar sobre praticamente qualquer
tema, inclusive Direito Penal, ao contrário do Brasil, onde essa competência é
exclusiva da União.

Atualmente, dos 50 estados componentes do EUA apenas três não


legalizaram a maconha para nenhum tipo de uso, sendo eles Idaho, Nebraska e
Dakota do Sul. Desde 1º de Janeiro de 2020 vigora uma lei em Illinois que torna o
estado do centro-oeste americano o 11º na história estadunidense a legalizar a
cannabis para uso recreativo (o uso medicinal já era autorizado). A lei em
questão exclui os antecedentes criminais de cerca de 800 mil pessoas condenadas
por compra ou posse de até 30g de maconha no estado.

Isso acontecerá “através de uma combinação eficiente de extinção


automática, perdão do governador ou ação individual na justiça”, e o
governo estadual ainda destinará um terço da arrecadação de impostos
com a venda de cannabis para o desenvolvimento de comunidades
pobres (CONJUR, 2019).

Outro exemplo que salta aos olhos nos Estados Unidos: Colorado. O
estado localizado na bela região das montanhas rochosas do meio-oeste, onde
encontra-se um dos rios mais importantes da América do Norte e uma das
economias mais prósperas do país, é um molde a ser observado com especial
atenção quando se fala no tema proposto neste trabalho. O estado do Colorado foi
pioneiro na legalização do consumo recreativo da cannabis, no ano de 2014, e
29

desde então, segundo anúncio feito pelo próprio governo, já foram arrecadados
mais de 1 bilhão de dólares (mais de 5 bilhões de reais na cotação de
dezembro/2020) em taxas, licenças e impostos.
Entretanto, essa cifra talvez até acanhada, representa apenas uma
parcela de todo o ecossistema criado no estado em torno do comércio legal de
maconha: a iniciativa privada já contabilizou mais de 6,5 bilhões de dólares em
receita (mais de 33 bilhões de reais), com mais de 2.900 empresas licenciadas e
40.000 pessoas empregadas no ramo, tudo isso até junho de 2019.

“O relatório de hoje continua a mostrar que a indústria de cannabis está


prosperando, mas não podemos descansar sobre os louros. Nós
podemos e devemos fazer melhor frente à crescente competitividade
nacional. Nós queremos que Colorado seja o melhor estado para
investimento, inovação e desenvolvimento para esse crescente setor da
economia”, afirmou o governador Jared Polis ao comentar os resultados.
[...]
Embora a maconha não seja liberada em nível nacional, estima-se que os
empresários do setor tenham pagado US$ 2,8 bilhões em impostos pela
erva somente em 2018. Até 2020, 300 mil pessoas devem trabalhar na
indústria só nos Estados Unidos. Os dados são da New Frontier Data,
empresa especializada em coleta de dados sobre a cannabis (SEU
DINHEIRO, 2019).

E como o referido estado aplica as receitas percebidas com a


comercialização da maconha? Com a fiscalização e fortalecimento da indústria,
claro, mas também com a construção de escolas públicas, programas de
prevenção ao uso de drogas por jovens e adolescentes, combate à criminalidade
e programas de saúde mental. Aspectos esses que são extremamente
deficientes na sociedade brasileira.
“Hoje, mais adultos sabem das leis do comércio de maconha, mais pais
planejam conversar com os filhos sobre os riscos do uso, e a maioria das
mulheres jovens sabem do perigo do uso da maconha durante a
gravidez e a amamentação”, afirma Tista Ghosh, médica-chefe do
departamento de Saúde Pública e Meio Ambiente do Colorado (SEU
DINHEIRO, 2019).

Nos Estados Unidos inteiro, 33 estados já aprovaram a maconha para o


uso medicinal, e dos 39 que não aprovaram para uso recreativo, 15
descriminalizam o consumo pessoal da substância. Neste ponto do trabalho é
válido fazer uma diferenciação importante: legalização não é a mesma coisa que
descriminalização. O primeiro termo refere-se a uma retirada completa de
qualquer traço de ilegalidade no consumo, plantio e comercialização da droga,
enquanto a descriminalização afasta apenas o fator criminal da posse de
30

pequenas quantidades para consumo pessoal. Podem subsistir ainda multas de


natureza civil, mas o cidadão não está sujeito a um processo criminal por conta de
consumir ou portar quantidade reduzida da substância em questão. Por isso, com
a descriminalização o Estado não fica impedido de combater ou fazer a
contrapropaganda da produção e venda de maconha.
Voltando aos EUA, a maconha é legalizada tanto para uso recreativo
como para o medicinal em 10 estados, sendo eles Alaska, Califórnia, Colorado,
Illinois, Maine, Massachusetts, Michigan, Nevada, Oregon, Vermont e Washington.
Também é legalizada no Distrito de Columbia9, nas Ilhas Mariana do Norte10 e em
Guam11.
Em se tratando de um país único, a maconha só foi legalizada para
consumo recreativo no Uruguai e no Canadá, conquanto o uso medicinal já foi
aprovado por Alemanha, Argentina, Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Croácia,
Chipre, Eslovênia, Grécia, Holanda, Israel, Itália, Jamaica, Lituânia, Luxemburgo,
Macedônia do Norte, Noruega, Nova Zelândia, Peru, Polônia, Suíça e Tailândia.

Tecnicamente o consumo da cannabis ainda não é legal, mas é descriminalizado


nos seguintes países: Antígua e Barbuda, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica,
Belize, Bermuda, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Croácia, Equador,
Espanha (em áreas privadas), Estônia, Finlândia, Geórgia, Holanda (apenas em
cafés licenciados), Israel, Itália, Jamaica, Luxemburgo, Malta, México, Moldova,
Paraguai, Peru, Portugal e República Tcheca. Vale lembrar que nesses países
embora os consumidores não estejam sujeitos a processos criminais, a maconha
é tolerada segundo normas bem específicas, e o governo faz uma diferenciação
entre drogas mais leves como o haxixe e a maconha e substâncias pesadas e
consideravelmente mais nocivas como a heroína e a cocaína.
___________________________________

9
Distrito Federal onde está localizada a capital dos Estados Unidos, a cidade de Washington.
10
Estado livremente associado aos EUA, localizado na Micronésia, composto por 14 ilhas do
Arquipélago das Marianas
11
Território também localizado no Arquipélago das Marianas, sob administração dos EUA

Na Holanda, país muito lembrado pelos brasileiros, uma pessoa só pode


comprar cannabis nas chamadas coffeeshops, lojas especializadas e autorizadas
pelo governo, é necessário tem no mínimo 18 anos e não se pode comprar mais
do que cinco gramas por dia da droga. Também não é permitido fumar em locais
31

públicos, só dentro dessas lojas especializadas, da sua própria casa ou quarto de


hotel, quando autorizado pelo estabelecimento.
O uso recreativo é ilegal mas não é combatido em Alemanha, Bangladesh,
Brasil (de fato ilegal, mas combatido somente com penas restritivas de direitos),
Camboja Egito, Índia, Irã, Laos, Lesoto, Marrocos, Myanmar, Nepal, Paquistão,
Polônia, Tailândia e Vietnã.
Vê-se então, que são muitos os países que adotam políticas
progressistas em relação a maconha, em todos os continentes, das mais variadas
culturas e origens. Resta esperar para vermos qual será o posicionamento que o
Brasil adotará nos próximos anos.

4.1- PARALELO HISTÓRICO: GUERRA ÀS DROGAS E SEUS


IMPACTOS SOCIOECONÔMICOS

Iniciaremos este subtítulo trazendo novamente como exemplo o país que é


a maior potência econômica do planeta: os Estados Unidos da América. O
raciocínio agora exige que se faça uma viagem no tempo, voltando ao começo do
século passado, durante a década de 1920. O mundo todo ainda limpava as
cinzas da Primeira Guerra Mundial, que havia se encerrado em novembro de
1918, e com os países europeus destruídos pelo conflito, os EUA despontavam no
cenário internacional como a maior potência industrial e econômica da Terra.
Nesse afã de reerguer a economia e a sociedade americanas no período pós-
guerra, o governo de Washington começou a lançar mão de algumas políticas
socioeconômicas de certa forma questionáveis.

Desta maneira, no ano de 1920 entrou em vigor nos Estados Unidos a 18ª
Emenda à Constituição, através da qual ficaram nacionalmente proibidas a
fabricação, transporte e venda de qualquer espécie de bebida alcoólica.

Um ano depois da ratificação deste artigo serão proibidos pelo presente


artigo o fabrico, venda ou transporte de licores embriagantes dentro dos
Estados Unidos e de todos os territórios submetidos à sua jurisdição, bem
como a sua importação para os mesmos (EUA, 1919).

Vale lembrar que desde o final do século XIX os EUA já experimentavam


um crescimento exponencial do crime organizado, especialmente nas mãos das
gangues e famílias mafiosas de diversas regiões da Europa, notadamente da
32

Irlanda e Itália. O crescimento desse tipo de organização criminosa vinha de forma


tão vertiginosa que em 1931 foi criado um grupo (existente até hoje), uma espécie
de associação, que dividia e controlava a cidade de New York em territórios,
chamado “Le Cinque Famiglie”, ou “As Cinco Famílias”, sendo elas: Bonanno,
Colombo, Gambino, Genovese e Lucchese. E esse crescimento não se deu
apenas na costa leste, chegou também até o meio-oeste americano, onde na
cidade de Chicago, capital de Illinois, a família Capone, liderada pelo jovem
Alphonse Gabriel “Al” Capone, fazia fortuna com sonegação de impostos,
prostituição, agiotagem, apostas e principalmente, o contrabando e venda ilegal
de bebidas durante o período de vigor da Lei Seca.
Al Capone controlava informantes, pontos de apostas, casas de
jogo, bordeis, bancas de apostas em corridas de cavalos, clubes
noturnos, destilarias e cervejarias. Chegou a faturar a quantia inacreditável de 100
milhões de dólares americanos por ano, durante a Lei Seca, tendo sido um dos
que mais a desrespeitaram.

Isso por si só já é suficiente para demonstrar que a repressão feroz


pretendida pela 18ª Emenda, motivada pelo ar conservador nos costumes que
sempre pairou sobre os EUA, não era remédio eficaz para ajudar na reconstrução
do país. Durante os anos de vigência da Lei Seca (1920-1933), em um primeiro
momento de fato houve grande apoio à medida, mas alguns anos depois o efeito
observado foi exatamente o contrário do esperado. Ao invés de salvar o país de
problemas como a pobreza e a violência, a Lei Seca trouxe um aumento na
corrupção (dado que o consumo e venda ilegais se tornaram comuns e as
autoridades faziam “vista grossa” para a situação), desmoralização das
autoridades, explosões de criminalidade em diversos estados e o enriquecimento
e fama da máfia, como já mencionado.

Argumentando que a legalização das bebidas geraria mais empregos,


elevaria a economia e aumentaria a arrecadação de
impostos, os opositores do então presidente norte-americano Franklin
Roosevelt o convenceram a pedir ao Congresso dos Estados Unidos
que legalizasse a cerveja. Com isso, em 1933 é revogada a Emenda
Constitucional da Lei Seca (WIKIPEDIA, 2021).

Ainda nos EUA, pulemos para a década de 80. O presidente americano na


época era o Republicano e ex-governador da Califórnia, Ronald Reagan. Ele
era uma espécie de sucessor político do presidente eleito na década anterior, o
33

polêmico Richard Nixon, que por volta de 1971 iniciou a implementação de uma
política socioeconômica que ficou conhecida popularmente como “Guerra as
Drogas”. O nome é autoexplicativo, mas trata-se de uma campanha liderada até
hoje pelos Estados Unidos, com o intuito de coibir e combater o tráfico de drogas,
através de intervenção e suporte militar, além de pacotes de ajuda econômica a
diversos países.
No início dos anos 70, o presidente Nixon elencou o uso de substâncias
ilegais como “o inimigo número 1” da sociedade americana à época. Na década
seguinte, mais precisamente o já citado Reagan assumiu a presidência, e
então essa política de tolerância zero foi levada a outro nível. A Casa Branca usou
até mesmo a primeira-dama, Nancy Reagan, como garota-propaganda da nova
campanha, fazendo visitas por escolas de todo o país além de comerciais
constantes na televisão e outras mídias. Em 8 de abril de 1986, o presidente
Reagan assinou um documento de cinco páginas intitulado “Narcotics and
National Security”, tratava-se de uma National Security Decision Directive (NSDD),
um instrumento através do qual o presidente dos EUA pode estabelecer
prioridades e diretrizes a respeito da política internacional e de defesa do país,
antes mesmo que o Congresso Americano apreciasse a questão.

Logo nas primeiras linhas da NSDD-221 Reagan deixa bem claro as suas
posições, ao afirmar que “a expansão do tráfico internacional de narcóticos [...]
adiciona outra significativa dimensão aos aspectos de aplicação da lei e saúde
pública e ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos” (NSDD-221, 1986,
p. 1). O presidente estadunidense ainda pontua no documento que “essa ameaça
seria especialmente séria fora das fronteiras dos EUA” e também que “a
combinação de organizações narcotraficantes internacionais, insurgentes rurais e
terroristas urbanos podem minar a estabilidade de governos locais”. A partir dessa
época, o governo americano liberou verbas que chegaram ao patamar de 1,7
bilhão de dólares para atender diversas frentes de aplicação dessas políticas.
Todo esse enorme custo humano e financeiro foi colocado nas costas da
sociedade americana e sem apresentar resultados satisfatórios. Na verdade,
essas medidas pouco fizeram para diminuir a disponibilidade de drogas nas ruas e
causaram certa disparidade racial na população carcerária americana, ao tratar de
forma distinta os detentos de acordo com as substâncias apreendidas sob sua
34

posse (crack ou cocaína), além de haver uma explosão na prisão de indivíduos


afro- americanos por conta do preconceito pujante contra essa população nos
Estados Unidos. É interessante relembrar também que durante os anos 80,
durante o governo Ronald Reagan, foi quando a atividade dos carteis de drogas
latino- americanos cresceu vertiginosamente, notadamente os carteis colombianos
de Cali (controlado pelos irmãos Orejuela) e Medellín (comandado pelo
famigerado Pablo Escobar).
Essas organizações cresceram como verdadeiras empresas
multinacionais, movimentando bilhões de dólares por ano. E mesmo em um ramo
ilegal, as leis do livre mercado funcionam de forma idêntica, ou seja, se havia um
movimento do narcotráfico tão grande rumo aos Estados Unidos, é porque havia
demanda.
Os EUA eram, à época, os maiores consumidores de cocaína do mundo, o
que prova que esse dispêndio gigantesco de recursos humanos e econômicos
não foi a melhor solução para a questão das drogas, especialmente entre a
juventude. Além de que, da mesma forma que o governo arregimentava tropas
para combater a criminalidade, o narcotráfico optou pelo combate sangrento
também contra o governo. Essa política de guerra às drogas levou a explosões de
criminalidade nos países da América Latina onde esses grupos atuavam,
corrupção era extremamente comum em todos os setores da sociedade e a
população abandonada pelo Estado virava refém desse poder paralelo.

Os carteis de narcotraficantes passaram a aliar-se a grupos paramilitares


e revolucionários para retaliarem essas investidas norte-americanas, e assim
promoveram diversos atentados, como as FARC e o M-19 na Colômbia, o
Sendero Luminoso no Peru e até mesmo o Comando Vermelho aqui no Brasil.
Trazendo dessa maneira apenas mais miséria, tristeza e morte a povos já tão
devastados pela violência como são esses países latino-americanos.
Sobre essa política de guerra às drogas/tolerância zero, o médico
brasileiro Dráuzio Varella disse em entrevista a UM BRASIL:

A filosofia da guerra às drogas está em reprimir e colocar os traficantes


na cadeia. Na teoria, ocorreria falta no mercado e as pessoas usariam
menos drogas, mas na realidade aconteceu o oposto. A droga está cada
vez mais barata. Nós temos que reconhecer que a guerra às drogas é um
fracasso monumental. Entregamos o comércio das drogas nas mãos do
crime organizado. Fizemos o pior negócio que se podia fazer
35

(HUFFPOST BRASIL, 2019).

E a respeito dos reflexos que uma possível legalização/descriminalização


da maconha traria, o médico ainda afirmou que:

Há várias experiências no mundo que começaram pela maconha porque


ela não provoca uma crise de abstinência brutal. Agora, se a droga for
muito barata, mais gente vai usar. Se for cara, o usuário vai preferir
comprar do traficante. Legalizar não é tão simples, mas eu acho que
temos de começar por algum lado. Vamos analisar o que está
acontecendo nos outros países. Vamos tentar sair um pouco dessa visão
estreita da guerra às drogas que não leva a absolutamente nada
(HUFFPOST BRASIL, 2019).

Tomemos como exemplo as políticas adotadas pelo governador de São


Paulo, João Dória: sendo cria política do limitado intelectual e socialmente
presidente da república Jair Bolsonaro, o governador do estado mais rico do Brasil
optou por insistir no velho erro, o de tratar o usuário de drogas com violência e
truculência. Chegou-se ao ponto de a polícia invadir a região da Cracolândia na
capital com canhões de água para expulsar as pessoas em situação de rua e
demolir um prédio com três pessoas dentro, tudo largamente documentado pela
mídia.
Contudo antes de o atual mandatário estadual assumir um interessante
experimento social vinha sendo conduzido por um grupo chamado De Braços
Abertos, baseado num experimento com ratos feito nos anos 80 nos Estados
Unidos pela Partnership for a Drug-Free America (Parceria para uma América
sem Drogas.

O experimento é muito simples: coloca-se um rato em uma gaiola com


duas fontes de água, uma contendo somente água, e outra contendo água
misturada com cocaína ou heroína. O resultado observado é que o rato começava
a beber a água batizada e viciava-se nela, bebendo mais e mais até morrer de
overdose.
Porém um professor de psicologia de Vancouver, chamado Bruce
Alexander, percebeu que nesses experimentos o rato era sempre colocado
sozinho na gaiola, ou seja, não tinha a fazer a não ser drogar-se. Então ele
construiu o que chamava de Parque dos Ratos, uma grande gaiola, com vários
roedores, brinquedos, ração da melhor qualidade, e as mesmas vasilhas com
água normal e também a misturada com drogas. Dessa vez o observado foi
36

surpreendente: embora os ratos provassem ainda das duas fontes de água, os


que tinham “vida boa” desprezavam as drogas, consumindo menos de um quarto
do que os ratos isolados consumiam, com nenhuma morte entre os moradores do
Parque dos Ratos. Ou seja, os roedores criados sozinhos tornavam-se adictos às
substâncias e as consumiam até morrerem, enquanto os criados em “ambientes
felizes e propícios”, com contato saudável com outros ratos, seguiam em direção
diametralmente oposta.
O que se entende com isso: que na verdade o oposto do vício é a
conexão, e que a punição aumenta a dor. A solução para a redução da
dependência é a diminuição da dor que essas pessoas sentem, acolhendo-as,
oferecendo compaixão, compreensão e novas oportunidades, tratando a questão
das drogas como uma epidemia, um problema de saúde pública. Com isso em
mente o grupo De Braços Abertos oferecia acomodação digna, comida e
empregos aos moradores da Cracolândia, e como resultado foi observada uma
redução de 65% no números de viciados em drogas dentre os atendidos pela
iniciativa. Todavia o atual governo de SP resolveu não investir mais nessa frente,
e usar a truculência com solução, o que de forma totalmente previsível, só fez
explodir novamente a questão das drogas e da violência urbana na capital do
estado.

Continuando no tema da guerra às drogas, essa política nefasta e totalmente


ineficaz que é adotada até hoje, de certa forma, pelos EUA e seguida à risca pelo
atual governo brasileiro, que é um verdadeiro wannabe12 do Tio Sam13, o que
se pode dizer é que os norte-americanos realmente deram muitas chances à ela:
foram gastos trilhões de dólares; durante décadas a fio; milhares de pessoas
foram mortas e países (como a Colômbia, por exemplo) foram destruídos por essa
sanha conservadora e retrógada; e os próprios estadunidenses encarceraram
milhões de seus próprios cidadãos. O resultado? Os Estados Unidos da América
enfrentam hoje a pior crise de dependência química de sua história, onde o
consumo de drogas pesadas como crack e a heroína se espalha mais fácil que o
Corona Vírus, e o governo parece estar catatônico vendo tudo isso acontecer, não
conseguindo fazer o raciocínio simples que a situação só chegou a esse ponto
devido a adoção ao longo de décadas de uma política de combate às drogas tão
eficaz quanto enxugar gelo. Algo não muito diferente do que acontece no Brasil,
37

infelizmente.

Os Estados Unidos hoje possuem a maior população carcerária do


mundo: cerca de 2,3 milhões de pessoas, e embora esse número até venha sendo
de certa forma reduzido nos últimos anos, há um longo caminho ainda a ser
percorrido. Vejamos na prática. Ao observar o estado de Idaho (como já dito, um
dos três únicos no país todo que não legaliza o consumo recreativo e nem
medicinal da maconha) vemos que: possui a maior taxa de encarceramento dos
EUA, algo em torno de 734 pessoas para cada 100 mil habitantes (o dobro do
registrado aqui no Brasil).

A situação é tão crítica em Idaho que o governo estadual teve que passar
a contratar vagas em prisões privadas de outros estados, como Texas e Arizona.
A população carcerária do estado quintuplicou nos últimos 35 anos, mesmo a taxa
de criminalidade estar em queda nos últimos 25 anos, seguindo uma tendência
nacional.

“Após atingir o pico da superpopulação entre 2009 e 2010, o sistema


prisional norte-americano passou a focar na implementação de
programas de penas alternativas, além da redução e substituição de
penas nos casos de infrações menos graves da lei de drogas”, explica a
advogada Robin Long, diretora legal do Innocence Project Idaho, projeto
que busca provar a inocência de pessoas presas injustamente.
“Infelizmente, esse movimento não aconteceu com a mesma intensidade
em Idaho.

[...]

Ali mais de um terço dos presos (35%) foi condenado por infrações das
leis de drogas, que tiveram sentenças mínimas obrigatórias instituídas em
1992. Em 2019, primeiro ano do republicano Brad Little como governador
de Idaho, 35% dos novos detentos haviam sido enquadrados por
posse – e não tráfico – de drogas (FOLHA DE SÃO PAULO, 2020).

Essa política de encarceramento em massa traz à baila outra discussão


importantíssima no que tange os impactos sociais que a não adoção de medidas
diferentes das atuais na questão das drogas produz: a segregação racial levada a
cabo com o aprisionamento totalmente desproporcional entre indivíduos afro-
americanos e brancos. Hoje no Brasil dos cerca de 657,8 mil presos 438,7 mil são
negros (algo em torno de 66,7%). São 2 a cada 3 presos. Os dados são
referentes ao ano de 2019, divulgados em 18/10/2020 no 14º Anuário Brasileiro de
Segurança Pública, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
38

Figura 2 – Prisões no Brasil


Fonte: (G1, 2020)

Voltemos mais uma vez ao exemplo de Idaho. O estado do noroeste


americano tem uma taxa de encarceramento, quando analisadas separadamente
as diferentes etnias, de 701 presos para cada 100 mil habitantes em relação a
cidadãos brancos. Porém, quando se trata de presos afro-americanos esse índice
sobe para inacreditáveis 3.252 indivíduos para cada 100 mil habitantes, mais de 4
vezes maior. Só para efeito de comparação à média nacional de presos negros nos
Estados Unidos é de 1.134/100 mil. Em 2018 a disparidade entre negros e
brancos detidos no estado chegou a ser 5,8 vezes maior para o primeiro grupo,
que curiosamente representa apenas 1,2% da população em Idaho (Folha de São
Paulo, 2020).
Ante o exposto, fica visível que proibir o indivíduo, ou reprimi-lo de forma
tão violenta, por praticar um ato de vontade própria e que trará consequências
apenas à sua saúde, é inconstitucional e ilegal em qualquer situação, além de
completamente ineficaz na resolução do problema, ainda mais quando se usa o
jus puniendi do Estado para institucionalizar a perseguição e segregação racial.
Entretanto, isso não significa que o Estado não possa alertar esse indivíduo sobre
os riscos de se assumir esse tipo de conduta, a exemplo das campanhas contra
o tabagismo e o alcoolismo. Legalizar o consumo da maconha não significa
incentivá-lo. Como disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso:
39

No Brasil, atualmente, a droga está livre nas mãos do bandido. O tráfico


existe por todo lado e o acesso é amplo e irrestrito. [...] o país se tornou
exemplo mundial pela maneira como lidou com o problema do tabaco.
Ninguém proibiu o cigarro, mas dificultamos ao limitar os espaços onde é
permitido fumar, proibimos a propaganda, conscientizamos a população
dos malefícios e hoje o consumo aqui é muito menor do que na Europa e
em outras regiões. Por que não fazer a mesma coisa com as drogas? A
nossa proposta não é de liberar geral, mas de descriminalizar
(FUNDAÇÃO FHC, 2017).

Aduz ainda, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso:


Mas, embora seja importante do ponto de vista humanitário, a
descriminalização do porte para uso pessoal produz pouco impacto sobre
a dramática realidade das drogas no Brasil. [...] Nós temos um problema
maior, que é o poder do tráfico nas comunidades carentes, onde ele se
tornou o poder político e econômico. E seu poder vem da ilegalidade. O
tráfico perpetra a maior violação de direitos humanos que há no Brasil
atualmente, que é impedir um pai ou uma mãe de família decente de criar
seu filho numa cultura de honestidade porque o tráfico alicia esses jovens
pelo dinheiro, pela intimidação ou de outra forma (FUNDAÇÃO FHC,
2017).

A respeito da incoerência entre a maconha ser proibida e drogas


potencialmente mais nocivas serem comercializadas de forma legal, pode-se citar
o depoimento do famoso roqueiro inglês Ozzy Osbourne, adicto conhecido de
várias substâncias ao longo de sua vida:

Eu costumava dizer que ia pôr a carcaça‟ na recreação. Tomava Ambien,


Klonopin, temazepam, hidrato de cloral, álcool, Percocet, codeína – e
isso só nos meus dias de folga. Mas a morfina era a minha favorita. (...)
Mas foi o tabaco que realmente quase acabou comigo. (...) Quer viver
bastante? Nem pense em tragar nada. Se você é fumante, por que está
perdendo tempo se preocupando com o seu intestino? E os seus
pulmões? [...] Por que você não para de fumar e toma um copo de suco
de laranja no lugar? Sabe, ao longo dos anos usei todas as drogas
conhecidas pelo homem, e juro que a nicotina é a pior. Ouça o que diz o
Príncipe das Trevas: cigarro é ruim (OSBOURNE, 2011 p. 19)

Por fim, depois de todo o discutido até aqui, entende-se que legalização
ou descriminalização da maconha, está amparada pela própria Constituição
Federal, essencialmente através dos princípios da liberdade de expressão e da
proporcionalidade. O respeito a esses princípios, à forma como o cidadão leva a
sua vida pessoal sem afetar negativamente os demais indivíduos à sua volta, deve
ser tomado como um dos pilares da construção de uma sociedade
verdadeiramente igualitária e socialmente justa, que respeita as individualidades e
as opções e opiniões de cada cidadão.
Infelizmente, os valores cristãos sob os quais a sociedade brasileira afirma
ter sido construída (respeito ao próximo e compaixão, principalmente) são um
40

grande entrave político hoje na discussão de temas progressistas como a


legalização/descriminalização das drogas ou aborto, por exemplo. Ora veja, como
se tornou aceitável o Estado assassinar seus próprios cidadãos, inocentes, sob o
pretexto de combater o tráfico ou a violência? Quantos jovens são mortos todos os
dias nas comunidades carentes brasileiras em ações desastrosas da polícia ou
das Forças Armadas? Novamente, o Estado não trabalha na solução do problema.
Não existe esse objetivo, mas sim o de reprimir, de combater e de matar uma
parcela da população que é majoritariamente pobre e negra, pois as favelas estão
longe do imaginário de boa parte do eleitorado, ou não fazem parte da vida da
maioria da população a não ser quando é notícia nos telejornais. É muito fácil não
se importar.

E esse comportamento é ensinado diariamente como a regra. O que


importa é o uso da força, é esmagar os que estão abaixo, pois é assim que se
resolve o problema da violência, do narcotráfico e da desigualdade social, e não
com políticas públicas para promover a saúde, a educação e condições dignas de
vida. É o maior dos contrassensos.
É notável que a guerra as drogas não é o caminho a ser seguido para o
Brasil vencer os seus problemas de segurança e saúde pública, pois é uma
filosofia deturpada, completamente a par da realidade. É penoso ver que o Brasil
não dá sinais de mudança, de que há esperança de superação dessa
mentalidade, ainda mais com um governo federal que hoje aí está, e todo o
levante de preconceitos, absurdos ideológicos e negação da ciência e da
realidade que vem junto. É um combo desastroso, seria algo como esperar que
um chimpanzé vá conseguir pousar um avião que está caindo. Enquanto o povo
não se libertar dessas amarras sociais e ideais arcaicos, o país está fadado a
viver a mesma história, de novo e de novo, num ciclo vicioso.

5 – OS REFLEXOS DA LEGALIZAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL E


NO COMBATE AO TRÁFICO

Como já dito anteriormente, embora a Lei de Tóxicos não estabeleça mais


uma pena de reclusão para o usuário de cannabis, não se considera que a droga
foi legalizada no país, pois ainda existe o crime, embora o mesmo seja punido
41

agora com uma sanção restritiva de direitos apenas. A esse respeito, ensina o
professor e ex-procurador do Ministério Público de Minas Gerais Rogério Greco:
(...) o atual art. 28 da referida lei ainda incrimina a conduta de consumir
drogas. O que houve, na verdade, foi uma despenalização, melhor
dizendo, uma medida tão somente descarcerizadora, haja vista que o
novo tipo penal não prevê qualquer pena que importe em privação de
liberdade do usuário, sendo, inclusive, proibida sua prisão em flagrante,
conforme se dessume da redação constante do § 2º do art. 48 da Lei
Antidrogras (GRECO, 2016, p. 102).

Já foi discutida previamente a polêmica que gira em torno do art. 28 da Lei


11.343/06, porque ele relega à subjetividade a condenação ou absolvição do
indivíduo, podendo este contar apenas com a discricionariedade e bom senso do
magistrado, já que a legislação não estabelece critérios objetivos. E foi dito
anteriormente que o dispositivo aqui em análise está sob julgamento de
inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes declarou a inconstitucionalidade
do referido artigo, sem reduzir o seu texto, afastando de tal dispositivo todo e
qualquer efeito de natureza penal, mantendo, no que couber, as medidas de
natureza administrativa, até que surja uma legislação específica.
O Ministro Edson Fachin também declarou a inconstitucionalidade do art.
28 da Lei 11.343, mas somente com relação ao porte e consumo da maconha,
mantendo a atual legislação e regulamento quanto às outras drogas. Manteve
ainda a tipificação das condutas relacionadas à produção e à comercialização da
maconha mas, concomitantemente, declarou a inconstitucionalidade progressiva
dessa tipificação, com relação à maconha, até que sobrevenha a devida
regulamentação legislativa.
Em adição, é deveras interessante acompanhar a ementa do voto do
ministro Luís Roberto Barroso:
DIREITO PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 28 DA LEI Nº
11.343/2006. INCONSTITUCIONALIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO
PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL. VIOLAÇÃO AOS
DIREITOS À INTIMIDADE, À VIDA PRIVADA E À AUTONOMIA, E
AO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 1. A descriminalização do
porte de drogas para consumo pessoal é medida constitucionalmente
legítima, devido a razões jurídicas e pragmáticas. 2. Entre as razões
pragmáticas, incluem-se (i) o fracasso da atual política de drogas, (ii)
o alto custo do encarceramento em massa para a sociedade, e (iii) os
prejuízos à saúde pública. 3. As razões jurídicas que justificam e
legitimam a descriminalização são (i) o direito à privacidade, (ii) a
autonomia individual, e (iii) a desproporcionalidade da punição de
42

conduta que não afeta a esfera jurídica de terceiros, nem é meio idôneo
para promover a saúde pública. 4. Independentemente de qualquer juízo
que se faça acerca da constitucionalidade da criminalização, impõe-se a
determinação de um parâmetro objetivo capaz de distinguir consumo
pessoal e tráfico de drogas. A ausência de critério dessa natureza produz
um efeito discriminatório, na medida em que, na prática, ricos são
tratados como usuários e pobres como traficantes. 5. À luz dos estudos e
critérios existentes e praticados no mundo, recomenda-se a adoção do
critério seguido por Portugal, que, como regra geral, não considera tráfico
a posse de até 25 gramas de Cannabis. No tocante ao cultivo de
pequenas quantidades para consumo próprio, o limite proposto é de 6
plantas fêmeas. 6. Os critérios indicados acima são meramente
referenciais, de modo que o juiz não está impedido de considerar, no
caso concreto, que quantidades superiores de droga sejam destinadas
para uso próprio, nem que quantidades inferiores sejam valoradas como
tráfico, estabelecendo-se nesta última hipótese um ônus argumentativo
mais pesado para a acusação e órgãos julgadores. Em qualquer caso,
tais referenciais deverão prevalecer até que o Congresso Nacional venha
a prover a respeito. 7. Provimento do recurso extraordinário e absolvição
do recorrente, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal.
Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “É inconstitucional a
tipificação das condutas previstas no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, que
criminalizam o porte de drogas para consumo pessoal. Para os fins da Lei
nº 11.343/2006, será presumido usuário o indivíduo que estiver em posse
de até 25 gramas de maconha ou de seis plantas fêmeas. O juiz poderá
considerar, à luz do caso concreto, (i) a atipicidade de condutas que
envolvam quantidades mais elevadas, pela destinação a uso próprio, e (ii)
a caracterização das condutas previstas no art. 33 (tráfico) da mesma Lei
mesmo na posse de quantidades menores de 25 gramas, estabelecendo-
se nesta hipótese um ônus argumentativo mais pesado para a acusação
e órgãos julgadores (STF, 2011).

A despeito da polarização política exacerbada no Brasil hoje, vale lembrar


que, como muito bem dito pelo ministro Barroso durante sua participação no
seminário “O que a questão das drogas tem a ver com justiça e democracia?”,
realizado na Fundação FHC, não há que se falar que o tema da
descriminalização ou legalização da maconha e outras drogas é um tema
estritamente progressista ou ligado à esquerda política. O ministro lembra muito
bem que um dos maiores defensores da legalização foi o ultra-liberal americano
Milton Friedman, citando o renomado economista: “A ilegalidade só faz uma coisa:
assegurar o monopólio do traficante”. Portanto, é hora de deixar de lado os falsos
moralismos e a polarização política, e abrir o diálogo a um tema tão sensível e que
tem sido tratado de forma completamente leviana, rasa, nas últimas décadas.
Com referência aos princípios do direito penal norteadores da discussão
aqui proposta sobre a maconha, assevera o professor Rogério Greco:
O princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, é o responsável não
só pela indicação dos bens de maior relevo que merecem a especial
atenção do Direito Penal, mas se presta, também, a fazer com que
43

ocorra a chamada descriminalização. Se é com base neste princípio que


os bens são selecionados para permanecer sob a tutela do Direito Penal,
porque considerados como os de maior importância, também será com
fundamento nele que o legislador, atento às mutações da sociedade, que
com a sua evolução deixa de dar importância a bens que, no passado,
eram de maior relevância, fará retirar do nosso ordenamento jurídico-
penal certos tipos incriminadores (GRECO, 2016, p. 97).

Greco ainda afirma que "O Direito Penal deve, portanto, interferir o menos
possível na vida em sociedade, devendo ser solicitado somente quando os demais
ramos do Direito, comprovadamente, não forem capazes de proteger aqueles bens
considerados da maior importância" (GRECO, 2016, p. 97). Sob essa ótica, o
consumo da maconha não deveria ser tratado sob a esfera do Direito Penal,
devendo o Poder Público, a partir da legalização, adotar outros meios que
desestimulem o indivíduo a consumir tal droga, como campanhas educativas ou, já
sendo consumidor, fornecer ou facilitar o acesso a algum tratamento médico, caso
o uso da substância se torne um empecilho as atividades da vida cotidiana, assim
como ocorre para aqueles que se tornam viciados no consumo de drogas legais,
como o álcool ou o cigarro.
E por que é interessante frisar que o direito penal deve ser sempre a
ultima ratio? Porque sendo encarado como o último recurso a ser utilizado,
conseguimos visualizar que há maneiras mais eficientes de se tratar a questão do
usuário de maconha, que não a prisão, a exemplo as campanhas educativas, a
contrapropaganda do consumo de substâncias e as penas alternativas. É uma
forma de otimizar a atuação do poder judiciário e desafogar o sistema prisional.
(...) nós prendemos milhares de jovens primários e de bons
antecedentes por delitos associados ao tráfico. Pequenos traficantes, de
100 g, 200 g, até 1 kg. No mesmo dia em que este jovem entra na prisão,
por questão de sobrevivência se filia a uma facção e, então, passa a
dever favor a ela, ele e sua família, que do lado de fora se torna refém
das facções que operam nos presídios. Para criar uma vaga no sistema
penitenciário, o Estado gasta R$ 40 mil e, para manter um jovem na
prisão, R$ 2.000 por mês. Portanto, há um custo financeiro e, quando ele
volta para a rua, há um custo social. (BARROSO, 2017).

Segundo dados do Infopen 2019, sistema de informações do Departamento


Penitenciário Nacional, divulgados em fevereiro de 2020, o Brasil atualmente
conta com uma população carcerária de 773.151 pessoas, número que triplicou
desde o ano 2000. Se levarmos em consideração os custodiados apenas em
unidades prisionais, sem contar os detidos nas delegacias, o número é de 758.676
indivíduos privados de liberdade, e o percentual de presos provisórios (sem
44

condenação) é de 33%, ou seja, mais de 235 mil pessoas.


A taxa de encarceramento no país durante a década de 1990 era de 61
para cada 100 mil habitantes, enquanto nos anos 2000 passou para 137/100 mil
habitantes, e até junho de 2019 subiu para 367,91. De acordo com o
Departamento Penitenciário Nacional, até junho do ano passado cerca de 39,4%
dos indivíduos detidos estavam presos por crimes relacionados à Lei de Drogas, e
apenas 11,31% estavam presos por crimes contra a pessoa, como homicídio,
aborto, ameaça, violência doméstica e assim por diante. Para efeito de
comparação, apenas o número irrisório de 820 pessoas estavam presas por
crimes contra a administração pública, ou 0,1% do total de encarcerados. Esses
dados foram divulgados em entrevista coletiva dada no começo de 2020 pelo
então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e o diretor do Depen
Fabiano Bordignon.
Moro negou que haja muitos presos provisórios no Brasil. “O número
de
presos provisórios, sempre se fala que se prende muito cautelarmente no
Brasil, não é [verdade]; 34% não é um percentual diferente do que tem na
França ou na maioria dos países europeus”, disse Moro. Segundo o
ministro, esse percentual é de 42% dos presos na Suíça, 38% no Canadá
e 35% na Bélgica e na Dinamarca." (GAZETA DO POVO, 2020).

Embora a população carcerária tenha aumentado no primeiro semestre de


2019 em relação ao mesmo período de 2018 (3,89%), de fato esse crescimento foi
abaixo do esperado, que girava em torno de 8%. Entretanto, se o crescimento
continuar nesse ritmo, até 2025 a quantidade de indivíduos presos pode
chegar a 1,5 milhão de pessoas, com o Brasil se mantendo com a terceira maior
população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.
De acordo com Gustavo Ribeiro, defensor público da União e que atua no
STF, essa situação insustentável do sistema prisional se arrasta devido à
morosidade na conclusão dos processos, prisões cautelares que se estendem em
demasia e pessoas que são presas por conta de crimes de baixo potencial
ofensivo. “Recebo muitos processos de prisões cautelares que duram três, quatro
anos, sem condenação nenhuma. Eles acabam cumprindo pena sem
condenação”, afirmou Ribeiro.

Para ele, embora haja casos de reiteração criminosa, pequenos crimes,


como furtos famélicos – aqueles em que se furta para suprir uma
45

necessidade urgente, como fome – devem ser tratados do ponto de vista social.
“É uma questão muito mais social do que de polícia”, disse o advogado. “Em
relação ao tráfico, qualquer circunstância é usada para manter o regime mais gravoso.
Grande parte não tem histórico e são presos com pequenas quantidades de droga”,
concluiu.
Destarte, pode-se afirmar que no Brasil prende-se sim muitas pessoas
todos os anos, porém prende-se muito mal, e isso devido à precariedade do
sistema prisional e à letargia do Poder Judiciário, algo que só agrava a já penosa
situação pela qual passa o país no que se refere ao combate da criminalidade.
Qual o sentido que existe em se prolongar uma política pública por
décadas, sendo que ela não demonstra nenhum resultado prático, e esperar um
resultado diferente? Nenhum sentido. E novamente, a forma como o Estado brasileiro
trata o mero consumidor de substâncias entorpecentes serve apenas para abarrotar
as cadeias e delegacias de jovens primários e jogá-los nas mãos das grandes
facções criminosas atuantes lá dentro, mascarando a realidade e oferecendo uma
falsa percepção de solução de questões como a violência, o tráfico e a segurança
pública de uma forma geral.
Por esta razão, a legalização da maconha, que é uma droga
extremamente difundida, pode dar a oportunidade de réus primários e de bons
antecedentes não serem jogados no limbo das cadeias brasileiras, dando a essas
pessoas a oportunidade de reavaliarem as suas condutas e reconstruírem suas
vidas, sem a ameaça de serem cooptadas pelo crime organizado, algo que é
interessante do ponto de vista social e também econômico, dado o elevado custo de
manutenção desses indivíduos no sistema prisional.
Portanto, a legalização é uma política interessante para a sociedade como
um todo, pois a alivia do custo humano trazido por essa guerra às drogas e a sua
falsa percepção de solução dos problemas sociais, bem como alivia o Estado dos
gastos com a criação e manutenção de vagas no sistema prisional e todos os custos
agregados a isso. É uma boa parte do erário que poderia ser usada em áreas tão
carentes quanto, como a educação e a saúde pública, por exemplo, fatores que
contribuem muito para a superação do abismo gerado pela desigualdade social
gritante em nosso país, e que são sim, a receita para o desenvolvimento do Brasil
em todos os aspectos, para que seja realmente um país de todos os cidadãos.
46

6– O USO MEDICINAL DA CANNABIS

6.1- O BRASIL E A REGULAMENTAÇÃO DE NOVOS


MEDICAMENTOS PELA ANVISA

Durante os últimos anos no Brasil, o que se buscado é a legalização do


uso medicamentoso, através do óleo de Cannabis. Para efeito de comparação,
podemos relembrar estes que são alguns dos países em que a maconha é
consumida para uso recreativo ou medicamentoso:
Argentina – Uso medicinal apenas do óleo de Cannabis.
Holanda – Tolera o uso com algumas condições específicas.
Pessoas acima de 18 anos em Coffeeshops. O consumo não é legal,
porém é tolerado sem punição.
Bangladesh – O uso é tradição no país, não existe leis relativas a
maconha.
Coreia do Norte – Lá a maconha não é considerada uma droga.
Estados Unidos – É ilegal na maioria dos estados. No Colorado e em
Washington o uso e cultivo para consumo pessoal é legal, e o comércio
permitido mediante licença estadual. Outros 31 estados autorizaram a
Cannabis para uso medicinal.
Portugal – A droga foi descriminalizada em 2001. Apesar da maconha
não se legalizada em Portugal, o consumo da droga em pequena
quantidade, no jargão popular, “não dá cadeia”.
Espanha – O governo permite o plantio privado para consumo
pessoal, assim como o uso em locais particulares.
Uruguai – Venda legalizada, cultivo e distribuição. Pessoas com mais de
18
anos poderão comprar até 40 gramas por mês da droga que é plantada
pelo governo do país.

A maconha possui diversos componentes canabinóides, mas os dois


principais são o THC (tetrahidrocanabinol) e o CBD (canabidiol). O THC é o
responsável pelos efeitos psicoativos e neurotóxicos da droga, já o CBD possui
diversas possibilidades terapêuticas e até efeitos protetores contra os danos do
próprio THC, incluindo efeitos antipsicóticos. O problema é que os efeitos
maléficos deste não são compensados por aquele quando a maconha é fumada.

Nos últimos anos, tem-se notado um aumento nos níveis de THC e


diminuição do CBD nas qualidades de maconha consumida, e as consequências
podem ser desastrosas para os usuários. Mais especificamente, consumidores de
espécimes pobres em canabidiol estão sob risco maior de surtos psicóticos,
diminuição volumétrica das áreas cerebrais responsáveis pela memória,
planejamento e execução de tarefas, além de diversos outros prejuízos cognitivo.
47

Um estudo de revisão publicado em abril de 2016 na Biological


Psyhicatry, uma das mais conceituadas revistas de Psiquiatria do mundo,
ressaltou as principais alterações cerebrais encontradas em estudos com
usuários de longo prazo de maconha. A maioria deles iniciou o uso entre
15 e 17 anos de idade, por períodos que variam entre 2 e 23 anos. As
áreas cerebrais mais afetadas são aquelas também com maior densidade
de receptores canabinoides CB1: ocorrem diminuições volumétricas e de
densidade de matéria cinzenta no hipocampo (associado à memória), nas
amígdalas, no estriado (região cerebral ligada ao sistema motor e
comportamento), no córtex orbitofrontal, no córtex insular e no cerebelo.
São regiões cerebrais relacionadas à memória, à emoção, à tomada de
decisão e ao equilíbrio motor (ASSOCIAÇÃO PAULISTA PARA O
DESENVOLVIMENTO DA MEDICINA, 2016).

Conclui-se assim, que o simples ato de fumar maconha não traz


benefícios terapêuticos, pois a droga in natura tem substâncias potencialmente
prejudiciais ao sistema nervoso, então é preciso processar a erva e isolar o
canabidiol dos outros componentes.

Posto isto passemos a analisar a situação dos medicamentos e pesquisas


científicas baseados em cannabis existentes em solo pátrio. O Brasil ainda está
engatinhando nesse ramo farmacêutico, mas os progressos até agora são
animadores. No início de 2017, mais precisamente em janeiro, a ANVISA (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou o primeiro medicamento a base de
cannabis oferecido em nosso país.

A filial brasileira do laboratório francês Ipsen, conhecido mundialmente por


trabalhar com fármacos relacionados à doenças neuromusculares, dentre outras,
oferece desde junho de 2018 o remédio Mevatyl, um medicamento na forma de
spray via oral, indicado para o tratamento da esclerose múltipla, uma doença
neurológica autoimune crônica grave, que faz com que as células de defesa do
corpo ataquem as do sistema nervoso como se fossem organismos estranhos.
Esse fármaco é fabricado pela companhia inglesa GW Pharma LTD., e distribuído
pela Ipsen Farmacêutica.
"A espasticidade [provocada pela esclerose múltipla] é como uma cãibra
constante, uma condição dolorosa e incapacitante, caracterizada pela
rigidez muscular. No Brasil, estima-se que cerca de 30 mil pessoas
tenham EM e estudos apontam que cerca de 84% das pessoas com
esclerose múltipla desenvolvem espasticidade, o que prejudica a
execução de tarefas básicas do dia a dia, como se vestir ou alimentar-se,
por exemplo", afirma Dra. Andrea Thomaz Viana, gerente médica da
Ipsen no Brasil. (...) Composto por THC e CBD, o produto está aprovado
em 29 países e é comercializado em 16, incluindo países da União
48

Europeia, desde 2010. "A chegada de um produto como esse significa


um grande avanço na saúde do país e, mais do que isso, uma nova
esperança de melhora na qualidade de vida de pacientes que antes não
apresentavam melhora diante das terapias já existentes no mercado",
complementa Dra. Andrea (ABOUT FARMA, 2018).

Em março de 2020 entrou em vigor a resolução nº 327 da ANVISA,


elaborada em 9 de dezembro de 2019, que

Dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização


Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece
requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o
monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins
medicinais, e dá outras providências (ANVISA, 2019).

[...]

Art. 2° O procedimento estabelecido no disposto nesta Resolução se


aplica à fabricação, importação, comercialização, monitoramento,
fiscalização prescrição e dispensação de produtos industrializados
contendo como ativos derivados vegetais ou fitofármacos da Cannabis
sativa, aqui denominados como produtos de Cannabis.

[...]

Art. 4° Os produtos de Cannabis contendo como ativos exclusivamente


derivados vegetais ou fitofármacos da Cannabis sativa, devem possuir
predominantemente, canabidiol (CBD) e não mais que 0,2% de
tetrahidrocanabinol (THC).
Parágrafo único. Os produtos de Cannabis poderão conter teor de
THC acima de 0,2%, desde que sejam destinados a cuidados paliativos
exclusivamente para pacientes sem outras alternativas terapêuticas e em
situações clínicas irreversíveis ou terminais.
Art. 5° Os produtos de Cannabis podem ser prescritos quando estiverem
esgotadas outras opções terapêuticas disponíveis no mercado brasileiro
(BRASIL, 2019).

Segundo reportagem publicada no portal Sechat, canal dedicado à


maconha medicinal e aos negócios da cannabis:

O ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, disse ontem


(10/09/2020) que está em andamento um processo para que o SUS
passe a oferecer medicamentos à base de canabidiol, substância química
derivada da Cannabis, a planta da maconha, e que é usada no
tratamento de uma série de doenças neurológicas graves.

Já agora, em agosto, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região


determinou que a União inclua medicamentos à base de canabidiol já
registrados na Anvisa na lista de medicamentos oferecidos pelo Sistema
Único de Saúde. E o assunto também está em discussão no Congresso
Nacional (PORTAL SECHAT, 2020).

Mais recentemente, em 21/09/2020, um grupo de 29 senadores protocolou


no Ministério da Saúde um manifesto pedindo a inclusão e dispensação gratuita,
49

através do SUS, de medicamentos à base de canabinoides. A expectativa é que


até dezembro de 2020 comece a distribuição, entretanto esse ato precisa do
aval da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).

Outro grande avanço que pode ser experimentado pelo Brasil no tocante a
medicina canábica é a regulamentação do plantio medicinal da erva, fato esse
que se consumado poderia reduzir consideravelmente os custos de produção de
tais medicamentos. O manifesto dos senadores acima mencionado também cita
os altos valores dos produtos importados, mas cuida de ponderar os riscos caso o
cultivo e plantio da maconha sejam permitidos em território nacional.

“Isso vai evitar que se possa cultivar maconha em nosso país, que a
Polícia Federal já disse claramente que é contra, que não tem como
controlar, assim como a Associação Brasileira de Psiquiatria e tantas
entidades”, aponta o senador Eduardo Girão (Podemos-CE).

[...]

A proposta de garantir o fornecimento de medicamentos à base de


Cannabis pelo SUS foi apresentada pela deputada governista Bia Kicis
(PSL/DF), em reunião realizada dia 01/09 pela Comissão Especial sobre
Medicamentos Formulados com Cannabis da Câmara dos Deputados
para debater o PL 399/2015, que irá regulamentar o cultivo,
processamento, pesquisa, produção e comercialização de produtos à
base de Cannabis para fins medicinais e industriais. Na oportunidade, a
deputada se posicionou contra o substitutivo do PL pelo texto permitir o
plantio. “Sou favorável à comercialização (dos produtos) e contrária o
plantio, - declarou - (...) porque os danos para a sociedade seriam
gigantescos. Tenho seríssimas objeções à liberação do plantio, mas
estou buscando isso de forma fundamentada no direito e na medicina.
Para mim, a discussão não é ideológica”, disse. “Nos estados dos EUA
que liberaram o plantio, a experiência para a saúde tem sido desastrosa.”

Para o deputado Luciano Ducci (PSB/PR), que é relator do substitutivo


ao PL 399/2015, a discussão hoje não é se é a liberação da Cannabis
medicinal é boa ou ruim. “Isso já é ultrapassado”, alfineta. “Desde 2014 o
Brasil já tem esses produtos na prateleira. A questão, agora, é diminuir o
custo (de venda) e oportunizar que o país possa ser um novo player no
mercado nacional e internacional nessas questões que envolvem tanto o
uso medicinal quanto o uso industrial. Precisamos fazer pesquisas para
avançar ainda mais.” (PORTAL SECHAT, 2020)

O ponto em discussão aqui é muito válido. O Sistema Único de Saúde já


fornece medicamentos à base de canabinoides antes mesmo de resoluções da
ANVISA, através da judicialização do acesso à saúde. A questão é que os
medicamentos, que são importados dada a proibição do plantio nacional, tem
custo altíssimo ao erário, custo esse que é arcado pelo contribuinte. Ou seja,
enquanto não for autorizado o plantio da erva em solo nacional, a produção dos
50

medicamentos feitos de cannabis continuará sendo uma despesa exorbitante, o


que onera excessivamente o Estado, e consequentemente o contribuinte, vez que
o dinheiro do governo não cai do céu, como muitas pessoas parecem pensar.
Essa redução de custos com a produção nacional de tais fármacos poderia
resultar em maior folga no orçamento do próprio Ministério da Saúde, que poderia
utilizar essa parcela residual dos dividendos da pasta para socorrer outras áreas
mais urgentes da já debilitada saúde pública brasileira.

Sobre o plantio em solo nacional da Cannabis, atentemo-nos ao rezado


pela Lei 11.343/2006:

Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem


como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e
substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas,
ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o
que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre
Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso
estritamente ritualístico-religioso.

Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita


dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins
medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante
fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas. (BRASIL,
2006)

Ou seja, o que se pode depreender dessa situação é que mais uma vez a
letargia do Poder Legislativo em regulamentar uma matéria, de forma muitas
vezes oportunista, causa males severos à população. O PL 399/2015 não busca
inventar novamente a roda, mas sim de efetivar um direito, uma garantia, que
já está no papel há 14 anos. É uma matéria que há muito urge ser colocada em
pauta, ser discutida realmente por pessoas bem-intencionadas, honestas
intelectualmente e que tragam critérios objetivos à conversa.

O grande entrave para se avançar neste campo é o proselitismo


cristão/conservador crescente no país hoje em dia, onde homens e mulheres que
deveriam pôr a par suas convicções pessoais, dados os cargos que ocupam, pelo
contrário, as trazem à mesa do jogo democrático, colocando valores e falsos
moralismos à frente da Constituição Federal e das discussões mais urgentes na
nossa sociedade por conta que essa ou aquela religião não permite ou condena
que se fale em condutas consideradas demasiadamente progressistas. Tem-se
51

colocado perigosamente valores e questões extremamente pessoais, como


crenças religiosas, à frente das discussões de interesse público, como
legalização/descriminalização da maconha, aborto e tanto mais.

O ex-diretor da Anvisa William Dib, que esteve no comando da


agência entre 2016 e 2019, disse que só quem vive na área da saúde ou
é um familiar de algum doente sabe da importância que essa legislação
terá para o país. Para ele, o projeto conseguiu sintetizar o que há de
melhor do mundo, englobando as legislações mais robustas, o que irá
gerar segurança e qualidade para as empresas produzirem os seus
produtos. (...) “Não é possível a Anvisa avançar (na liberação do acesso),
mas com um custo excepcionalmente alto, com exigências extremamente
difíceis de serem cumpridas. Espero que com esse avanço legislativo, a
agência também entre em outro ciclo com uma atuação mais rápida, ágil,
mas fundamentalmente garantido o acesso das pessoas que precisam
aos medicamentos.” (PORTAL SECHAT, 2020)

Ainda na discussão sobre o Projeto de Lei 399/2015, que visa


regulamentar o plantio da maconha para fins científicos, assim posiciona-se o
deputado federal Pedro Cunha Lima, do PSDB/PB:

“Tudo que não precisamos aqui é polarizar essa discussão entre direita e
esquerda”, disse. “É muito triste tratarmos dessa forma um tema sobre
um medicamento que pode fazer com que uma criança pare de
convulsionar e os pais sabem que o remédio existe, mas não têm como
acessá-lo. Isso não é de direita ou de esquerda, isso é uma questão de
humanidade.”

Lima elogiou a relatoria ao projeto, a qual considera equilibrada. Para


ele, por uma questão de cautela, não foi possível alcançar com o texto
atual a todas as necessidades da causa estando contemplado apenas o
que parece ser evidente. “É uma crueldade não votar a urgência desse
texto. Fale para quem está tendo uma convulsão, para quem está
sofrendo de
uma dor que é preciso esperar acabar a pandemia”, disse. (PORTAL
SECHAT, 2020)

O Brasil vive uma onda petulante de querer impor a todos os princípios de


alguns, violando fundamentos básicos de qualquer democracia, e parece nem se
importar do mal que isso possa causar na sociedade a médio e longo prazo, já
que quanto mais se posterga a discussão de tais temas, mais se agravam os
problemas e questões sociais aqui em voga, como a saúde e segurança pública,
por exemplo.

6.2 – PESQUISAS E APLICAÇÕES DE MEDICAMENTOS À BASE DE


CANABINÓIDES
52

Um dos usos mais divulgados do Canabidiol é para tratar a epilepsia, já


que a substância é um poderoso anticonvulsivo, que silencia a atividade elétrica
excessiva no cérebro. E os efeitos não param por aí: relatos de experimentos
descrevem aumenta no estado de alerta e melhoras no sono e no humor.

Um estudo foi conduzido entre 2014 e 2015 com 214 pacientes nos
Estados Unidos, com idades entre 1 e 30 anos, todos portadores de doenças
neurológicas graves, como epilepsia, síndrome de Dravet ou de Lennox-Gastaut,
e todos os pacientes tinham algum grau de resistência às drogas usadas
normalmente nos tratamentos. Esses pacientes foram tratados diariamente com
doses de canabidiol variando entre 2 - 50mg/kg, e alguns resultados adversos
foram relatados, como sonolência, diarreia e fadiga.

Entretanto os médicos realizadores do estudo perceberam que o CBD


reduz bastante a frequência de convulsões nesses pacientes, bem como mostrou-
se com um perfil de segurança alto para aplicação em crianças e jovens adultos
que tem grande resistência aos medicamentos mais comuns dispensados no
tratamento da epilepsia. Vale lembrar que esse estudo foi financiado pelo
laboratório GW Pharmaceuticals, e as organizações Epilepsy Therapy Project of
the Epilepsy Foundation e Finding a Cure for Epilepsy and Seizures, e está
publicado na National Library of Medicine14.

Outro caso interessante do uso médico do óleo de cannabis é uma doença


talvez mais comum do que se pensa: a anorexia. O cérebro humano desenvolveu-
se no sentido de produzir sensações de euforia quando comemos, pois de forma
subconsciente isso torna mais provável que sobrevivamos para transmitir nossos
genes. Com os anoréxicos isso é diferente, pois o hábito natural de comer gera
medo e ansiedade, e a única alternativa para esses pacientes é afastar-se da
comida a todo custo.

Mas já há estudos também que sugerem que pessoas acometidas desse


distúrbio alimentar possam experimentar um desequilíbrio no sistema
endocanabinoide15, sendo assim, os medicamentos à base de CBD são perfeitos
para o tratamento desse tipo de transtorno alimentar.

O CBD tem sido investigado em busca de benefícios potenciais no


tratamento do transtorno de ansiedade. Em modelos de roedores, o CBD
53

apresentou resultados positivos no medo condicionado, aversão ao


espaço aberto, testes de conflitos, estresse por restrições e outras
medidas de transtorno de ansiedade. Em humanos, o CBD reverteu os
efeitos indutores de ansiedade do THC em voluntários saudáveis e
demonstrou efeitos ansiolíticos em pacientes com transtorno de
ansiedade social.
Além disso, cientistas da Universidade Estadual de Washington
publicaram um estudo no Journal of Affective Disorders sobre ansiedade
e cannabis que sugere que o uso inalado da planta pode reduzir
significativamente os níveis autorrelatados de depressão, ansiedade e
estresse a curto prazo. (PORTAL DR. CANNABIS, 2020)

Como exposto acima, o CBD é promissor também no tratamento da


ansiedade de uma forma geral. Hoje, uma a cada 13 pessoas no mundo sofre de
ansiedade, sendo assim o distúrbio de saúde mental mais comum que existe,
segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
__________________________________________
14
Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, órgão mantido pelo governo federal do país
e que é a maior biblioteca médica do mundo.
15
O sistema endocanabinóide (SECB) é um sistema biológico composto por endocanabinóides,
que são neurotransmissores presentes no sistema nervoso central e periférico dos vertebrados,
responsáveis por regular e equilíbrar os restantes sistemas, desde de processos
fisiológicos a cognitivos, incluindo fertilidade, gravidez, durante o desenvolvimento pré e pós-natal,
todas atividades do sistema imunológico, apetite, sensação de dor, humor e memória, e na
recepção dos efeitos farmacológicos da Cannabis.
Nesse estudo supracitado foi observada uma redução de cerca de 58%
nos índices de estresse e ansiedade logo após o uso. E mais importante ainda,
foi notada também uma redução do índice de depressão em torno de 50% nesses
pacientes.
Para avaliar os efeitos ansiolíticos do CBD, um estudo duplo-cego
foi
realizado em voluntários saudáveis submetidos a uma simulação do
teste de falar em público. O CBD (300 mg) foi comparado a ipsapirona
(5 mg), diazepam (10 mg) ou placebo. Os resultados mostraram que
tanto o CBD quanto os outros dois compostos ansiolíticos atenuaram a
ansiedade induzida pelo teste. O efeito ansiolítico do CBD em
voluntários saudáveis também foi observado em um estudo duplo-cego
mais recente que investigou seus efeitos no fluxo sanguíneo cerebral
regional por tomografia computadorizada de emissão de fóton único.
Como o procedimento, por si só, pode ser interpretado como uma
situação ansiogênica, permite a avaliação de medicamentos ansiolíticos.
Os resultados foram animadores: o CBD foi capaz de induzir um efeito
ansiolítico claro e um padrão de atividade cerebral compatível. (PORTAL
DR. CANNABIS, 2020)

A aplicação de fármacos à base de CBD foi extensivamente levada a cabo


em laboratório em animais, para detectar possíveis efeitos colaterais ou tóxicos
antes que a aplicação fosse iniciada em seres humanos. E quando dispensada a
humanos, a administração oral, inalatória ou intravenosa não induziu nenhum tipo
de efeito tóxico significativo. Além disso, a administração diária de CBD em doses
54

que variam entre 10 e 400 mg não mostrou qualquer alteração significativa nos
exames neurológicos, psiquiátricos ou clínicos dos pacientes. Por fim, voluntários
portadores da doença de Huntington receberam altas doses diárias (700 mg) de
CBD e não apresentaram nenhum sinal de toxicidade no organismo. Isso
demonstra que o medicamento em questão pode ser oferecido em uma grande
variedade de doses.

Outra grave enfermidade que vem sendo combatida com cannabis é o


Alzheimer, um distúrbio neurológico muito comum que afeta a memória e outras
funções importantes do sistema nervoso, tais como habilidades linguísticas e de
pensamento abstrato, e em casos mais agudos até mesmo a capacidade do
paciente de cuidar de si mesmo, em vários aspectos. A doença em si não tem
cura, mas os tratamentos existentes conseguem frear o seu avanço, detendo a
progressão da situação do paciente para casos mais extremos.
Sobre o tratamento do Mal de Alzheimer com CBD, o neurologista Aldo
Deucher, formado pela USP – Ribeirão Preto, e que desde de 2001 atua na área,
diz em entrevista para o jornal Folha de São Paulo que os canabinoides possuem
importantes propriedades antioxidantes, que reduzem o processo inflamatório
provocado no tecido cerebral. Completa ainda:

P: Na sua experiência, quais são os resultados esperados quando um


paciente é tratado com canabinoides?

R: Esperamos ao menos uma redução da progressão da doença, mas


temos vistos diversos casos com regressão dos sintomas. Sempre
lembrando que cada caso evolui de uma maneira. (PORTAL DR.
CANNABIS, 2020)

No Brasil, alunos e professores da Universidade Federal da Integração


Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu/PR, têm levando a diante uma
pesquisa promissora com a Cannabis sativa, no tratamento tanto do Mal de
Alzheimer quanto na Doença de Parkinson. O farmacêutico, pós-doutor em
farmacologia e professor da Unila Francisney do Nascimento trabalha com a
droga desde de 2017, e em 2018 fez parte da fundação do Laboratório de
Neurofarmacologia Clínica da universidade paranaense, que é fundamentado no
tratamento de doenças neurodegenerativas, tendo como principal base os
medicamentos à base de canabinoides.
55

O docente explica que toda planta Cannabis possui centenas de


substâncias químicas, mais de 100 tipos de moléculas. Entretanto, as
duas principais são o tetrahidrocanabinol (THC), conhecido pelo efeito
psicoativo e neurotóxico, e o canabidiol (CDB) que possui funções
terapêuticas. “Ambos podem ser terapêuticos, dependendo da dose
ministrada. Sabemos que o THC tem maior potencial, mas em dose
acima de 30 miligramas, começa a ter o efeito psicoativo”, explica
Nascimento. Ainda de acordo com o professor, a “maconha selvagem”
produz mais THC, mas hoje existe tecnologia para modular a proporção
entre esta substância e o CDB. “Existem centenas de milhares de tipos
de maconha. (...) O homem manipula a planta para fazer a dose que ele
quiser.” (UNILA, 2019)

As aplicações da Cannabis no tratamento da Doença de Parkinson são


fruto da pesquisa de mestrado de duas alunas da Unila. Esse é um distúrbio
neurológico em que a pessoa começa a ter tremores e dificuldades de movimento.
A pesquisa foi feita ao longo de 3 meses, com oito portadores de Parkinson que
tomavam uma solução em gotas antes de dormir feita de THC. De acordo com o
professor Nascimento, após 5 semanas de tratamento com o extrato de 170
microgramas de THC os pacientes apresentaram diversas melhoras, conseguindo
repetir coordenadamente movimentos com os pés e as mãos, além de relatos
de melhora na qualidade do sono e do humor.
O professor da Unila explica ainda que em parceria com a Associação de
Portadores de Parkinson de Medianeira, no Paraná, pretende testar essa hipótese
em um número maior de pacientes. Ele pontua que a intenção é aumentar a dose
para observar as reações do organismo, lembrando que a dose utilizada
inicialmente é 120 vezes menor do que a que geralmente desencadeia os efeitos
psicoativos no organismo, então há uma boa margem de segurança para
desenvolver a pesquisa.
Esse extrato também foi testado em um paciente de 75 anos
diagnosticado há três com Mal de Alzheimer. A doença estava em estágio
moderado, com o paciente ainda reconhecendo familiares mas não mais amigos e
vizinhos, e também não se lembrava de informações básicas, como o caminho de
casa.

O extrato de maconha utilizado neste paciente tinha 500 microgramas de


THC e 50 de CDB. Em dois meses, os pesquisadores notaram respostas
positivas, como por exemplo, o aumento do score de um teste que reflete
a memória. “Nenhum outro medicamento fez isso (...). Já são 15 meses
de tratamento e em termos de sintomas é como se o paciente não tivesse
Alzheimer, ele continua muito bem.”
56

O estudo também será estendido em outros oito pacientes para avaliar se


o fenômeno se repete. “Em caso positivo, seria uma grande aposta de
tratamento futuro para pacientes que sofrem de Alzheimer”, diz Elton
Gomes da Silva, neurologista responsável pelo estudo. (UNILA, 2019)

Hounie é formada em medicina pela Universidade Federal de Pernambuco


(1994) e tem doutorado em Ciências, na área de Genética Epidemiológica em
Psiquiatria pela Universidade de São Paulo-FMUSP (2003). É membro da
Associação Brasileira de Psiquiatria e faz pós-doutorado na Faculdade de
Medicina da USP. Trabalha principalmente no atendimento e pesquisa do
Transtorno Obsessivo-compulsivo e da Síndrome de Tourette, e também é autora
do livro “Tiques, Cacoetes e Síndrome de Tourette”. Ela relata mais um caso
deveras interessante no tratamento de neuropatologias com medicamentos
canábicos.
Uma paciente de 71 anos há 6 era acometida de paralisia supranuclear
progressiva (PSP), uma outra doença neurodegenerativa extremamente delicada,
geralmente associada com Mal de Parkinson e/ou Alzheimer. Nesse caso a
paciente apresentava profundas debilidades neurológicas, como não conseguir
mexer os olhos, não conseguia andar, apresentava rigidez nos membros e
também havia perdido a capacidade de produzir uma fala inteligível e se
alimentava apenas com líquidos. Após o início do tratamento com CBD/THC a
paciente teve melhora significativa, recuperando o movimento horizontal dos
olhos, a capacidade de fala, de alimentar-se com substâncias sólidas e de
caminhar, ainda que com ajuda, e passou também a frequentar a fisioterapia.
A Dra. Ana Hounie demonstra muita empolgação com este relato no artigo
escrito para divulgação dessa descoberta:

A paralisia supranuclear progressiva (PSP) é uma doença grave,


debilitante e frequentemente fatal que não tem tratamento eficaz até o
momento. Suas características clínicas e patológicas se assemelham a
outros distúrbios neurodegenerativos, como as doenças de Alzheimer e
Parkinson. O desenvolvimento de novas terapias para distúrbios
neurodegenerativos tem sido objeto de intensa pesquisa nos últimos
anos, com várias evidências experimentais sugerindo a possível eficácia
de canabinoides, como o canabidiol (CBD) e o tetra-hidrocanabinol
(THC). Relatamos aqui o caso de melhora nas funções motoras e de
linguagem em uma paciente com PSP após a administração de cannabis
medicinal (PORTAL DR. CANNABIS, 2019)
57

Por fim, no tocante à aplicações farmacológicas dos princípios ativos


presentes na Cannabis chegamos a um ponto que instiga esperança de forma
imediata: o uso de CBD e THC no tratamento da infecção pelo vírus Sars-Cov-2,
causador da Covid-19. Já existem estudos que apontam a eficácia da
maconha medicinal em aliviar diversos sintomas dessa nova doença que
assola o mundo desde o fim de 2019.
Em se tratando das dores de cabeça por exemplo, os canabinoides
possuem um papel importante no alívio das dores e enxaquecas. De acordo com
um estudo feito por Carrie Cuttler, professora-assistente de psicologia da
Universidade Estadual de Washington, feito em 2019, o uso da cannabis pode
reduzir as dores de cabeça em até 47,3%. Além do fato que a substância os
problemas intestinais causados pelo vírus, como a diarreia, aliviando também as
dores decorrentes da mesma.
Resultados bem empolgantes também foram observados em outros
centros de pesquisa, relacionando a maconha medicinal ao auxílio no tratamento
das crises respiratórias causadas pela Covid-19. O professor Mark Pletcher, da
Universidade da Califórnia, observou que a inalação do CBD ajuda a melhorar a
capacidade pulmonar do paciente, auxiliando no tratamento de um dos sintomas
mais graves gerados por esse novo vírus.
Ainda nos Estados Unidos, pesquisadores da Carolina do Sul perceberam
que o Tetrahidrocanabinol (THC) também pode ser utilizado como tratamento
suplementar do Corona Vírus. Através de um trio de estudos o THC foi
responsável por reprimir uma resposta mortal do sistema imunológico que causa a
Síndrome Respiratória Aguda (ARDS), além de estimular uma cultura de bactérias
pulmonares saudáveis. Esses estudos foram publicados no Frontiers in
Pharmacology, International Journal of Molecular Sciences assim como no British
Journal of Pharmacology.
A Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto (SDRA) é uma patologia
potencialmente grave, que faz com que os pulmões do indivíduo não forneçam
suprimento de oxigênio suficiente para os órgãos e sistemas do corpo, o que
faz com que os pulmões acumulem líquidos, piorando ainda mais o quadro
respiratório, e tem uma taxa de mortalidade em torno de 38,5%.
58

Por conta disso os pesquisadores da Carolina do Sul fizeram mais de uma


dúzia de experimentos com extratos de THC em ratos de laboratório, e qual foi a
surpresa ao descobrir que o medicamento utilizado alivia o quadro inflamatório e
outros sintomas relacionados. Ao final do estudo, 100% dos ratos que haviam
recebido as doses de THC haviam sobrevivido à SDRA.

“Trabalhamos com canabinoides há mais de 20 anos e descobrimos que


os canabinoides como o THC são altamente anti-inflamatórios”, disse o
coautor do estudo, Prakash Nagarkatti. “Assim, nossos estudos levantam
a sugestão empolgante de testar o THC contra a SDRA observada em
pacientes com COVID-19. ”

“Atualmente, não há medicamentos aprovados pela FDA16 para tratar a


SDRA, devido à qual a taxa de mortalidade é próxima a 40%”, disse o co-
autor do estudo, Mitzi Nagarkatti. “Nossos estudos sugerem que o THC é
altamente eficaz no tratamento da SDRA e, portanto, os ensaios clínicos
são essenciais para investigar se isso funciona.” (PORTAL SECHAT,
2020)

Ante o exposto, salta aos olhos o potencial gigantesco que a aplicação


farmacêutica de Cannabis tem, e o valor substancial que o investimento nas
pesquisas científicas possuem. Medicamentos canabinoides têm grandes
indicativos, exaustivamente comprovados, de serem eficazes no tratamento de
doenças graves, muitas vezes fatais, e sem grandes efeitos colaterais, por vezes
figurando como uma tábua de salvação para muitos enfermos em situação há
muito degradada.

A utilização de um composto natural no tratamento de moléstias sérias


como as discutidas aqui só demonstram o poder do ser humano, e acima de tudo
da ciência, de produzir conhecimento e resultados maravilhosos. Mas a medicina,
como qualquer área da ciência, só evolui com a pesquisa, debate e
experimentação empírica. A formação de profissionais capazes de elevar essa
discussão no nível técnico, afastando o aspecto ideológico, é de suma
importância. Como bem dito pelo físico austríaco Albert Einstein, “a mente que
se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”.

6.3– O FUTURO DA CANNABIS MEDICINAL


59

Em janeiro deste ano, mais precisamente no dia 22, a Agência Nacional


de Vigilância Sanitária (ANVISA) decidiu por simplificar o processo de importação
de substâncias à base de cannabis, revogando assim a RDC 17/2015, diminuindo
dessa forma a quantidade de documentos necessários para tal.
Ainda em dezembro de 2019 a Agência já havia liberado a venda de
produtos à base de cannabis nas farmácias brasileiras, porém com a mantença da
proibição do plantio em terra brasilis ainda que para fins medicinais, os fabricantes
que desejarem ingressar nesse ramo do mercado deverão importar o extrato da
maconha.
Agora o processo é todo feito online, sem envio de documentação pelo
correio, já que o tempo de espera médio para feitura da autorização de importação
era estimado pela própria ANVISA em 75 dias. Segundo dados da mesma
agência, até o terceiro trimestre de 2019 foram 6.267 solicitações de importação, e
no ano de 2018 foram 3.613. É um aumento de mais de 73% no espaço de um
ano, (se considerarmos desde 2015 o número bate a casa dos 700%)
demonstrando um grande interesse do mercado e um potencial muito
interessante.
Dentre as principais mudanças no processo, podemos citar: fim da
exigência do paciente informar a quantidade do medicamento a ser importado, o
monitoramento passa a ser feito na alfândega; ampliação da validade de autorização
de importação de um para dois anos; extinção da lista de produtos analisados pela
Anvisa, para evitar “o favorecimento indevido de empresas e produtos”; a
importação pode ser realizada pelo responsável legal do paciente ou por procurador
legalmente constituído; fim do envio postal de documentação; agora o pedido de
autorização será feito exclusivamente pelo Portal Único do Cidadão.
O presidente-diretor da Diretoria Colegiada da Anvisa, Antônio Barra
Torres, relator da proposta, ressaltou durante o voto que a espera para
análise do pedido de autorização de importação é de 75 dias atualmente.
O impacto prático da nova norma neste prazo, no entanto, não foi
informado.
Ao justificar a aprovação da medida, Torres ressaltou que a simplificação
do processo é necessária, pois “tratam de pedidos de pacientes em
tratamento, em sua maioria, de doenças graves e em uso contínuo de
produto”.
O posicionamento do relator foi acompanhado posteriormente pelos
diretores Fernando Mendes e Alessandra Bastos. (G1, 2020)
60

Um último ponto atrativo a ser tratado neste trabalho é o fato que a ONU
reclassificou a Cannabis no começo de dezembro. A votação histórica retirou a
maconha do rol de drogas mais perigosas do mundo, que tem como exemplo a
heroína. O pleito em questão contou com a participação de 53 países, dos quais
27 votaram a favor, 25 contra (o Brasil um deles, de forma não surpreendente) e
um país se absteve. A Cannabis estava no Anexo IV da Convenção Única sobre
Entorpecentes, ao lado de opioides altamente viciantes e perigosos, desde 1961.
Obviamente cada país tem jurisdição para decidir sobre como classificará
a Cannabis, mas o ato aprovado pela ONU tem importância significativa no
tocante ao desenvolvimento da discussão sobre o futuro da erva, no consumo
recreativo bem como no medicinal, visto que muitos Estados baseiam-se nas
resoluções do órgão internacional para determinar suas diretrizes internas.
É bastante animador ver que essa discussão tem sido levada cada vez
mais à diante, e agora conta com a chancela da ONU. Ainda que exista um
movimento anticientífico e de negação da realidade tomando conta de uma parte
do mundo hoje em dia, que descredita instituições como a Organização das
Nações Unidas ou a Organização Mundial da Saúde por conta de inimigos
imaginários e ideologias imbecis, é excitante saber que a ciência e o pensamento
são como forças da natureza que não se podem deter, evoluem e mostram seu
valor nas mais complexas adversidades.
61

CONCLUSÃO

Como dito anteriormente, populações humanas consumidoras de


maconha não é um fenômeno dos anos 60, é uma história datada de séculos ou
até milênios antes de Cristo. É uma droga extremamente popular, perdendo
apenas em número de usuários para o álcool e o tabaco. Portanto, há muito
deixou de ser um costume de grupos isolados ou religiões exóticas, por isso ao
criticar do ponto de vista moral quem consome a maconha (nas suas mais
diversas formas), devemos olhar primeiramente para o nosso lado, nosso local de
trabalho, nossa igreja e talvez até para dentro de nossas casas, sob o risco de
incorrer na hipocrisia e no julgamento sem sentido. Ódio pelo ódio é também um
obstáculo a ser transposto nessa discussão.
No tocante à descriminalização/legalização do consumo para
entretenimento pessoal da maconha, infelizmente há que se dizer o óbvio:
legalizar o uso não é estimulá-lo. Muito pelo contrário. Isto se trata apenas de
evocar os direitos fundamentais trazidos pela própria Constituição Federal, além
de ser uma enorme demonstração de civilidade e modernidade de pensamento,
porque o homem evolui não somente no aspecto biológico, mas psicológico
também. É perfeitamente possível que o Estado implemente tais políticas e aja
da mesma forma que faz com o tabaco e o álcool: trabalhando na
contrapropaganda, alertando sobre os riscos à saúde, delimitando espaços onde
se pode consumir a substância e sancionando na esfera cível ou administrativa os
transgressores dessa regra. Não se pode tratá-los como criminosos, verdadeiros
traficantes.
É extremamente necessário que o legislador, quando da feitura de tais
normas, tenha precisão cirúrgica, para mitigar o surgimento de situações dúbias e
sujeitas à mera subjetividade do aplicador da Lei, como no caso do art. 28 da Lei
11.343/2006 (Lei de Tóxicos), alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade
perante o Supremo Tribunal Federal. Esse tipo de acontecimento contribui apenas
para o agravamento da profunda desigualdade social observada no Brasil, já que
o Poder Judiciário, Ministério Público e demais agentes da lei são muito seletivos
com os indiciados/réus quanto à cor de sua pele, saldo bancário e CEP.

Promover essa assertividade é benéfico a todos. Ao cidadão porque ele


passa a ver o Estado não como um carrasco, que apenas está à espera de puxar
62

a alavanca e abrir o cadafalso, e deleitar-se ao vê-lo sufocar até seus últimos


instantes de vida, mas sim como um aliado na busca por uma vida mais justa,
próspera e digna. É bom para o Estado pois o alivia na folha orçamentária, já que
economiza-se com o não acionamento da máquina judicial para quaisquer
pequenos delitos, economiza-se com um número menor de pessoas a serem
mantidas pelo sistema prisional e consequentemente todos os gastos derivados
de tal.
O Estado ainda pode lucrar com isso, através da tributação de
medicamentos, insumos para a produção e serviços prestados pela indústria
farmacêutica e todos os seguimentos agregados. Bem como no caso da
legalização do uso recreativo a tributação de produtos à base de cannabis, nos
mesmos moldes do que é feito com tabaco e álcool. Do ponto de vista
administrativo, há uma tendência de diminuição de gastos e aumento de receita
com uma fonte que a administração pública não contava antes, ou seja, não
precisa ser economista para ver o potencial dessa evolução.
Em se tratando da aplicação medicinal da maconha, os argumentos
científicos para tal são largamente difundidos. É uma droga (não no sentido
pejorativo) capaz de tratar um amplo range de doenças, desde de uma simples
dor de cabeça ou dificuldade para dormir, passando por neuropatologias graves
como Mal de Parkinson e Alzheimer e auxiliando até mesmo no combate aos
sintomas causados pelo novo Corona Vírus. E isso não se trata de opinião, já que
ciência não se produz com achismo, mas sim com comprovação empírica.
São milhares de pessoas no Brasil e no mundo que podem ser ajudadas,
e terem sua saúde e capacidade recuperadas com o tratamento à base de
Cannabis. Negar esse tipo de auxílio, ou manter a burocracia e custos altíssimos
para tal a alguém que necessita de um tratamento alternativo, por questões
puramente pessoais, preconceitos ou falta de conhecimento é de uma covardia e
desumanidade sem precedentes, é o ápice da falta de compaixão com o próximo.
63

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