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CAPOEIRA COMO ESPORTE.

Introdução:
Embora o assunto para muitos já esteja resolvido, tenho recebido
algumas perguntas sobre esse tema.
Embora esta questão não esteja diretamente relacionada com o
Treinamento Desportivo vale a pena, em prol de um maior esclarecimento
trabalhar o tema proposto. Neste artigo vamos tentar definir a partir de um
quadro sociológico a diferença entre atividade física livre e esporte e suas
variáveis como sport e desporto.
Optamos por um quadro de analise sociológico porque estamos
tratando especificamente de comutações sociais, ou seja, as formas que
determinada manifestação cultural interage com este mesmo tecido social.

Desenvolvimento:
A tese principal de Huizinga em seu livro Homo Ludens é de que o
jogo é um elemento da cultura, ou seja, o jogo é um elemento constitutivo
de todas as culturas. Acontece que entre a mera atividade física e o jogo
está o conceito de obediência as regras estabelecidas entre pares. Para
entendermos esta passagem basta que nos reportemos ao momento de
sociabilização que toda a criança faz quando passa da fase “egoísta” onde
quer que todos atuem sob suas regras à compreensão de regras
estabelecidas entre os participantes.
No desenvolvimento histórico da capoeira esta fase estaria
representada como resposta à perseguição dos capitães do mato contra os
negros fujões. Cada negro se valia do que sabia como defesa e ataque para
tentar manter sua integridade física e sua fuga.
Na medida em que esta linguagem individual sofre um processo de
amalgamento e sincretização tanto na senzala como nas cidades,
transforma-se em um jogo. Temos ai o “nascimento” do que comumente
chamamos de capoeira. Podemos chamá-la de esporte? Parece que não.
Ainda estamos em um momento social em que esta atividade não possui
regras definidas por um consenso. Cada mestre tinha seus códigos e formas
de conduta. A capoeira era uma manifestação da cultura popular sem
nenhuma regra pré estabelecida a não ser a da conveniência de seus
praticantes. Neste momento a capoeira ainda era praticada pelos estratos
sociais mais baixos e não possuía nenhum reconhecimento dos grupos de
poder. As perseguições aos mestres de capoeira e a capoeiragem como um
todo durante o Império até Getulio Vargas ilustram este momento.
Quando Mestre Bimba cria sua “Luta Regional Bahiana”, usando
este nome inclusive para dissociar sua proposta da capoeira de rua e
consegue arregimentar alunos da “classe alta” está dando os primeiros
passos para transformar a capoeira em um esporte, conseguindo com isto o
reconhecimento das autoridades e dando mais um passo na história da
capoeira. O reconhecimento da sociedade como um todo, criação de grupos
de interesse, ligas, faz com que haja necessidade de uma organização supra
partidária definindo regras, modos de conduta etc.....
Apenas a titulo de exemplo vamos analisar os primeiros artigos da
Confederação Brasileira de Capoeira – Cópia do regimento interno –
Expedição de registro de instrutores.

“Art. 1º- A Confederação Brasileira de Capoeira - CBC, é a Entidade


Nacional de Administração do Desporto da Capoeira. Integra-se por
Entidades de Administração Desportiva de âmbito nacional, estadual,
regional e municipal, bem como por grupos e Entidades de Prática
Desportiva e por núcleos de ensino da referida modalidade, para as quais
tem como finalidade básica e primordial integrar através da padronização
de procedimentos técnicos, culturais, administrativos e desportivos,
Parágrafo Único- Ao conjunto de entidades que integram a CBC,
dar-se-á o nome de Sistema Desportivo de Capoeira - SDC.”

Temos aqui o conceito de integrar e formatar bastante explícito,


demonstrando o desejo de um trabalho supra partidário este discurso dá o
caráter de desporto à entidade e a pratica da capoeira começa então a
denominar-se desporto. Por ultimo fechando este raciocínio, temos a
PADRONIZAÇÃO de procedimentos..... ou seja, para que se pertença à
esta entidade e obtenha suas benesses espera-se se que abdique o poder
individual para o poder do coletivo.
Este momento caracteriza a passagem final entre a atividade cultural
e o desporto.
Atualmente estamos observando um fenômeno de acomodação.
Vários Mestres obedecendo a uma tradição que afinal garantiu a
sobrevivência da capoeira durante os anos de repressão, na medida que
cada “célula” ao ser esmagada propiciava o aparecimento de outras tantas
se contrapõe a necessidade atual de organização e reconhecimento através
da Ligas e associações. Esta tensão gera, como é de se esperar, atritos e mal
entendidos de toda à ordem, porém é inevitável que acontece esta
passagem. A capoeira de uma atividade de guetos e grupos adentra as
escolas e academias e tem a pretensão de se tornar um esporte Olímpico.
Para que isto ocorra será necessária uma padronização do discurso só
alcançado quando se abdica do poder pessoal ( do mestre) para os
presidentes de Associação ou Federação com todo o jogo político que isto
traz. São os preços que se pagam pela evolução. Contudo, sempre irá
acontecer as rodas informais, o contra discurso, o individual, o que afinal
não destoa mas garante a vivacidade e a abrangência da Capoeira.
Caracterizado esta passagem de atividade física livre para desporto,
nos cabe agora discutir seus correlatos.
Sport é um anglicanismo que tem o mesmo sentido de esporte não
tendo mais nenhum sentido usa-lo na medida que temos já aportuguesado
esporte.
Entre esporte e desporto, podemos estabelecer um conceito
operacional fazendo uma equivalência entre esporte e o que chamávamos
de atividade física livre e desporto sua normatização.
Neste sentido podemos dizer que a capoeira é um esporte na medida
que acontece livremente, dentro de regras estabelecidas ao sabor da
conveniência dos seus pares, portanto, um jogo de competição, em uma
definição acadêmica e torna-se um desporto quando é submetida a uma
estrutura de consenso de pretende perdurar e se estabelecer como padrão.

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