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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

Reitor
Emmanuel Zagury Tourinho

Vice-Reitor
Gilmar Pereira da Silva

Diretora Geral do Instituto de Ciências da Arte


Adriana Valente Azulay

Diretor Adjunto do Instituto de Ciências da Arte


Joel Cardoso da Silva

Diretor da Faculdade de Artes Visuais


Ana Cláudia Melo

Vice-Diretora da Faculdade de Artes Visuais


Carmen Silva

Coordenador Geral do Parfor - UFPA


Prof. Dr. Márcio Lima do Nascimento

Coordenadora Adjunta do Parfor - UFPA


Prof.a Dr.a Josenilda Maués

Coordenadora do Parfor - Artes Visuais


Idanise Sant’Ana Azevedo Hamoy

LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS


POLOS QUE MULTIPLICAM A FORMAÇÃO DOCENTE PELO ESTADO DO PARÁ

Organizadora
Isis de Melo Molinari Antunes (FAV-UFPA)

Comitê Científico desta edição


Isis de Melo Molinari Antunes (FAV-UFPA)
Idanise Sant’Ana Azevedo Hamoy (FAV-UFPA)
Daniely Meireles do Rosário (EA-UFPA)

Capa
João Cirilo Neto

Ilustrações
João Cirilo Neto
ISIS DE MELO MOLINARI ANTUNES
(ORGANIZADORA)

Belém – 2019
Copyright Isis de Melo Molinari Antunes (Organizadora), 2019

Editor geral Projeto editorial


Armando Alves Filho Editora Paka-Tatu

Editora-adjunta Conselho Editorial


Suely Nascimento Aldrin Moura de Figueiredo
Ernani Pinheiro Chaves
Diagramação Gutemberg Armando Diniz Guerra
Carneiro Design José Alves de Souza Júnior
José Maia Bezerra Neto
Revisão Paulo Jorge Martins Nunes
Leonardo Porto Paulo Maués Corrêa

A pedido da organizadora e respeitando a sua vontade, mantiveram-se os textos e as formatações


originais que nos foram encaminhados, dos autores Luizan Pinheiro e Armando Queiroz.

Todos os direitos reservados aos Autores.

Editora Paka-Tatu
Rua Bernal do Couto, 785 - Umarizal
CEP: 66055-080 - Belém - Pará - Brasil
Telefone: (91) 2121-1169
E-mail: contato@paka-tatu.com.br
www.editorapakatatu.com.br

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

L674 Licenciatura em artes visuais [recurso eletrônico] : polos que multiplicam a


v. 8 formação docente pelo estado do Pará / organizadora Isis de Melo Molinari
Antunes. - 1. ed. - Belém [PA] : Paka-Tatu, 2019.
recurso digital ; 3 MB

Formato: epdf
Requisitos do sistema: adobe acrobat reader
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-85-7803-443-6 (recurso eletrônico)

1. Arte - Estudo e ensino. 2. Professores - Formação. 3. Prática de ensino.


4. Livros eletrônicos. I. Antunes, Isis de Melo Molinari.

19-58189 CDD: 378.0071


CDU: 378.026:741

Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644


In Memoriam a Arthur Leandro

nossa homenagem ao arthur leandro pelas palavras de luizan pinheiro...

arthur engendrava suas torrentes de produção criação ação mas


fundamentalmente sua crença inabalável numa transformação real pela
arte educação e cultura vida que havia nele um quê de impertinência
e arrogância com visgo de incongruência que o faziam odiá-lo e amá-
lo com a mesma intensidade e de outro modo seu amor e carinho o
recolocavam nas vias dos bons afetos em atuação ele arthuava.
aqui reedito transfiro cito pro mundo seu modo de assinar seus e-mails

há-braços
e que de fato dispara uma potente condição de ser no mundo existência
e vida e os braços fortes e o abraço carinhoso que se diz

a luta e a força
que era o que de arthur emergia ininterrupto no tempo de seu
acontecimento
fique em paz
amigo
bjs

(luizan pinheiro)
rio de janeiro, 11 de janeiro de 2019
SUMÁRIO

Projeto, sonho e realidade… Agradecimentos .........................................9


Prefácio – O Parfor pelas mãos das artes visuais ....................................13
Luizan Pinheiro
Trilhas (in)certas do ensino e aprendizado das artes visuais ................20

CAPÍTULO I
PROFESSORES DA UFPA

A insubmissão silenciosa .......................................................................... 29


Afonso Medeiros
Essa nossa língua portuguesa:
transitando entre as linguagens artísticas ............................................... 41
Joel Cardoso
Ensino de arte + diversidade + resistência cultural ................................ 54
Arthur Leandro
Urbanus: entre a teoria e a prática da percepção visual ......................... 70
Daniely Meireles
Vídeo e educação: interseções na formação em artes .............................. 85
Erasmo Borges de Souza Filho
Orientação de TCC na Licenciatura em Artes Visuais - Parfor:
metamorfoses de professores e alunos ...................................................... 94
Idanise Hamoy, Isis Molinari e Daniely Meireles
CAPÍTULO II
PROFISSIONAIS COLABORADORES

Formação de professores de Artes Visuais - Parfor da UFPA:


análise do Projeto Pedagógico de Curso ................................................ 117
Fernanda Sena da Silva
A didática no contexto da formação de professores de artes visuais
em Moju-PA: a cultura material da didática e o favorecimento da
aprendizagem ......................................................................................... 135
Ricardo Augusto Gomes Pereira e Carlos Jorge Paixão
Os sonhos na mala ................................................................................. 154
Raymundo F. Oliveira N.
Poeira de rio ............................................................................................ 164
Armando Queiroz

CAPÍTULO III
GRADUANDOS E EGRESSOS DO PARFOR

Almeirim: espaço/tempo de criação, fruição e reflexão sobre


arte/fotografia ......................................................................................... 181
Raimunda do Socorro Fonseca da Paixão
Ensino de arte para cegos: a experiência da mala perceptiva .............. 195
Rozianne Dantas Delpupo e Idanise Hamoy
A cultura indígena na estética do cotidiano de alunos da Escola
Estadual de Ensino Médio Getúlio Vargas em Altamira-PA ................ 211
Cleofas Alves da Silva
O estágio na formação docente: caminhos para ensinar/aprender
artes visuais na educação escolar .......................................................... 226
Maria de Lourdes de Siqueira Lima

Sobre os autores ....................................................................................... 243


PROJETO, SONHO E REALIDADE…
AGRADECIMENTOS
A liberdade do artista foi sempre “individual”, mas a ver-
dadeira liberdade só pode ser coletiva. Uma liberdade ci-
ente da responsabilidade social, que derrube as fronteiras
da estética, campo de concentração da civilização ocidental;
uma liberdade ligada às limitações e às grandes conquistas
da Prática Científica (Prática Científica, não tecnologia de-
caída em tecnocracia).

Lina Bo Bardi, In: Tempos de Grossura: O design no im-


passe. Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1994 – Pontos sobre
o Brasil.

S em muitos rodeios, é necessário dizer que o Plano Nacional de


Formação Docente (Parfor) em Artes Visuais encanta a todos que por
ele são atingidos. Projeto, sonho e realidade – uma trilogia amalgamada
que seduz aqueles que se envolvem no processo das trocas acadêmicas.
Por nove anos, esse romance se afirmou e continua vivo!
Os agradecimentos são necessários para que os enlaces continuem
se estabelecendo, mesmo que necessitemos, algumas vezes, discutir
pontos divergentes.
Agradecemos, portanto, a todos que foram responsáveis pela insti-
tucionalização do curso de Artes Visuais do Parfor.

9
Aos professores1 participantes do diálogo e da escrita do Plano Pe-
dagógico de Curso (PPC) que ocorreu nos anos de 2010 e 2011. Aos
técnicos administrativos e à coordenação pedagógica da Faculdade de
Artes Visuais (FAV) do Instituto de Ciências da Arte (ICA), aos Dire-
tores do ICA, prof. Celson Gomes e prof.ª Bene Martins, ao diretor da
FAV, prof. Edison Farias, à época na direção da unidade e subunidade
acadêmicas, e ao coordenador prof. Luizan Pinheiro da Costa (em exer-
cício de sua função de 2010 a 2016) e seus secretários, com destaque
para Fernanda Sena da Silva e Tiago Torres, que muito contribuíram
com a gestão dinâmica, leve e inovadora daquela coordenação.
A todos os professores, mais de 100, que viajaram aos polos para
ministrar disciplinas e oficinas ou orientar TCCs, sejam oriundos da
UFPA ou de outras instituições de ensino.
A todos os alunos dos polos2 que encontraram na licenciatura em
Artes Visuais a capacidade de transformação de uma sociedade.
Meus agradecimentos à equipe de secretárias e bolsistas que as-
sumiu a coordenação do Parfor - Artes Visuais em dezembro de 2016,
como parceiros de minha coordenação: Suelem Cardelly Dinelly, Fer-

1
Participantes do processo de elaboração do Plano Pedagógico do Curso (2010):
prof. Dr. Edison Farias, prof. Dr. Edilson da Silveira Coelho, prof. Dr. Erasmo Bor-
ges de Souza Filho, prof. Dr. José Afonso Medeiros, prof. Dr. Luizan Pinheiro, prof.
Dr. Orlando Franco Maneschy, prof. Dr. Ubiraélcio da Silva Malheiros, prof.ª Dr.a
Valzeli Sampaio, prof.ª Dr.a Zélia Amador de Deus, prof.ª M.ª Ana del Tabor Maga-
lhães, prof. M.e Arthur Leandro, prof. M.e Luiz Tadeu da Costa, prof.ª M.ª Maria
do Socorro Reis Lima, prof. M.e Mário Luiz Barata Junior, prof. M.e Neder Roberto
Charone, prof. M.e Ricardo Harada Ono, prof.ª Dr.ª Rosangela Marques Brito, pro-
f.ª M.ª Idanise Sant’Ana Azevedo Hamoy, prof.ª Luzia Gomes Ferreira. Secretaria:
Analzira Vieira, Murilo Lobato Pantoja, Sandra Melo. Sistematização da proposta:
prof. Dr. Luizan Pinheiro, prof.ª M.ª Maria do Socorro Reis Lima, prof.ª M.ª Idanise
Sant’Ana Azevedo Hamoy. Coordenação pedagógica: Mônica Alcântara Martins.
Parecerista: prof. M.e Neder Roberto Charone.
2
Polos finalizados: Castanhal (2014); Capanema (2015); Moju (2015); Almeirim
(2016); Tucuruí (2017); Tailândia (2017); Bragança (2019), Barcarena (2019), Itai-
tuba (2019). Polos com previsão de conclusão: Abaetetuba, Tracuateua, Santarém
e Alenquer com previsão para o 2º semestre de 2020, e Concórdia do Pará, com
previsão para o 2º semestre de 2022.

10
nanda Sena da Silva e Rodrigo Albuquerque Carvalho. Com esta equipe
renovada e apoiada pela direção do ICA, prof.ª Adriana Azulay e prof.
Joel Cardoso, pelo diretor da FAV, prof. Luizan Pinheiro da Costa e pela
coordenação geral do Parfor, prof. Márcio Nascimento e prof.ª Josenilda
Maués e equipe, outros percursos foram traçados no intuito de dar con-
tinuidade a um plano de formação tão bem estruturado e com grande
potencial de expansão do conhecimento pelas Artes Visuais.
Em junho de 2018, as mãos firmes da prof.ª Idanise Sant’Ana Aze-
vedo Hamoy assumiram a coordenação da licenciatura em Artes Vi-
suais. Minha contribuição, de cariz organizacional na coordenação, foi
breve, de dezembro de 2016 a maio de 2018, entretanto deixei alguns
frutos, como esta compilação de textos que ofereço aos leitores como
resultados de experiências compartilhadas entre docentes, discentes e
técnicos.
Boa leitura a todos e que novas narrativas possam nos brindar com
as exitosas experiências do Parfor-AV.

Prof.ª Isis de Melo Molinari Antunes


Coordenadora do Parfor - Artes Visuais
(2016-2018)

11
o parfor pelas mãos das artes visuais3
luizan pinheiro

1.
,nas relações de produção do conhecimento no plano de formação dos
professores da educação básica parfor ufpa estão as que permitem um
vasto campo de experiências pedagógicas que se constituem num olhar
vida e arte sobre o espaço sociocultural e educacional onde tais expe-
riências se desenvolvem a realidade de cada município é visitada no
olhar dos das professores professoras artistas ativistas da ufpa e cola-
boradores professores externos à faculdade empenhados em construir
a formação educacional no estado pelas mãos das artes visuais pensar
o mundo sua condição de existência a conjuntura mundial nacional e
local tendo em vista os processos pedagógicos e educacionais experi-
mentando formando e debatendo o papel da arte e do professor de arte
nesse contexto as técnicas as práticas a dimensão epistemológica e me-
todológica a pesquisa e a extensão tomando as assim como campo de
conhecimento instrumento de investigação e intervenção nos diversos
níveis da educação básica

3
Referência direta ao livro de Boaventura de Souza Santos. Pela mão de Alice. O
social e o político na transição pós-moderna. São Paulo: Cortez, 1997.

13
2.
o currículo de licenciatura em artes visuais do parfor se constitui não
como um conjunto de determinações preestabelecidas e legais e legalis-
tas não obstante seu regime institucional mas numa outra densidade a
relação da prática docente nas respectivas atividades envoltas em disci-
plinaridades nem sempre necessárias mas abusivas de avaliações dou-
tas e doidas disciplinas de conhecimento dos trabalhos de sala de aula
com a realidade de cada local é preciso que observemos esse diferencial
que despistamos em currículo nômade deslocado no espaço amazônico
o deslocamento físico aquático aéreo terrestre pelas vias do estado do
pará processam inúmeros sentidos para a docência e necessariamente
orientam ou pelo menos deveriam orientar entendemos assim os planos
de aula as práticas pedagógicas na medida em que a compreensão e as
determinações de mudanças autoritárias que a educação promove esta-
belece essa objetivação causal.

3.
a constituição do currículo afirma-se na sua materialidade e complexi-
dade que cada processo de deslocamento absorve nos percursos edu-
cativos e os resultados são sempre diferentes cada professor arma uma
prática plano estratégia pedagógica que escapa da lógica legalista em
sua dureza e se amplia para territórios novos onde as relações entre o
saber dos alunos alunas estes com luz e lume deste norte do parfor com
anos de experiências em sala de aula funde-se dialoga e interfere no
conhecimento sistematizado pelas práticas de cada professor responsá-
vel pela formação no parfor de artes visuais chegados nos vários polos
municípios

4.
o sentido do conhecimento que cada professor professora do parfor
carrega é movente indeterminado em vista das contribuições trazidas
pelas artes ciências e filosofias contemporâneas de acontecimentos no-

14
vos artecientíficos4 que impactaram os diversos campos de conhecimen-
to desde o final do século xix e início do século xx fusões transfusões
da arte ciência filosofia poesia política cabíveis no processo formativo
produzem experiências pedagógicas desafiadoras criando movimentos
abrindo trilhas e trincheiras instaurando combates num continuum de
acontecimentos afetivos conflituosos fortes abertos dialógicos afirmati-
vos por serem inventados e reinventados e nessa invenção e reinvenção
estão as experiências que cada um carrega em sua trajetória docente
existencial a consciência na práxis dessa experiência é o que intuímos
construir neste projétil

5.
é comum se instalarem conflitos entre professores e alunos quando do
início de um processo pedagógico pelo descarte daquela contextuali-
zação percepção e conhecimento local por parte daquele que vem de
fora com sua bagagem acadêmica, intelectual, didático-pedagógica; a
implantar novas ordens discursivas sem levar em conta as contribuições
e experiências educativas e socioculturais dos alunos detentores de am-
pla experiência pedagógica fecham-se os olhos para as trocas de saberes
e os resultados desembocam muitas vezes para práticas de assédio des-
respeito imposições e reprovações implacáveis aos alunos e vice versa
alunos também reprovam professores seus métodos e atitudes mesmo
que se percebam os limites de cada aluno que em geral não detêm as
regras acadêmicas ou as técnicas de estudo e conhecimento mantêm-se
a verticalização hierárquica que marca as salas de aula de absolutismos
e autoritarismos disfarçados de competência e no final as avaliações são
in críveis

4
Roland Azeredo Campos. Arteciência: afluência de signos co-moventes. Perspec-
tiva: Brasilia: 2003.

15
6.
é preciso que se diga que o modelo tradicional de controle e disciplina-
mento não faz mais sentido pois não são base e sustentação apontadas
para alterar a situação degradante de formação na região tal modelo
não cabe mais no atual processo de mudança formativa alavancado
pelo parfor desde 2009 na ufpa o parfor é espaço para experimenta-
ções afetos descobertas e reinvenções de mundos e de sujeitos o que
está implicado logicamente modos outros de organização avaliação e
atitudes de conhecimentos isso não quer dizer que é o lugar do laissez
faire desmedido e insano o que exige que tanto professores quanto alu-
nos tenham clareza dos compromissos e das responsabilidades em cada
processo pedagógico implicados no investimento público que o gesta
não se propõe que se abdique das regras mas que elas façam sentido na
condição de aprofundamento e solidez da formação e não de desejos e
sadismos de delírios negativados sobre outrem que compõe as relações
socioeducacionais estabelecidas nos procedimentos da formação no
parfor daí aquele olhar para o local e para a região se insinua como es-
tratégico para se atingir a qualidade da formação e seus objetivos maio-
res as transformações dos lugares e de vidas pelo conhecimento saberes
e partilhas

7.
essa experiência que o parfor dispara chama a uma ética na relação
professor aluno em que o jogo de gato e rato ou mesmo no que pode
uma mecânica disciplinadora a beirar o fascismo na sua mais ambicio-
sa sanha e entorpocimento não cabem nos processos pedagógicos nas
trasformações necessárias que apontam avanços e fortalecimentos da
educação em artes visuais ética que se embase em valores como partilha
de conhecimentos e saberes responsabilidade com o dinheiro público
respeito às dimensões intelectuais culturais e formativas de cada sujeito
e cuidado de si e dos outros nas formulações que michel foucault nos
deixou eis porque tal ética rechaça as formas autoritárias e egocêntricas

16
dos que se acham acima dos demais componentes da cadeia formativa
portanto a formação em artes visuais evoca uma construção coletiva e
crítica e nova na educação

8.
entendemos assim que nos microcurrículos as alterações no solo edu-
cacional e formativo se instauram as gentes os pessoal tudo do parfor
da educação básica dos municípios paraenses buscam se fortalecer nas
suas organizações políticas e educacionais combatem os combates da
perseguição política dentre tantas outras práticas que operam a estru-
tura da máquina educacional na medida em que compreendem que o
coletivo é a força para o enfrentamento das dificuldades nas relações
institucionais e cotidianas a formação que o parfor de artes visuais
objetiva é a construção de novos processos educativos que solapem
as práticas reducionistas e autoritárias nos diversos níveis do sistema
educacional já avançamos pra isso com todos os egressos nas linhas
formativas das artes visuais reinventando os conteúdos apreendidos
e criando alternativas de fortalecimento profissional e formativo com
qualidade

9.
com tudo isso e muito disso as mudanças nas práticas institucionais
nas políticas educacionais locais quanto nas relações de sala de aula que
atingirão as gerações futuras se solidificam em última instancia como a
grande meta a ser atingida para alterar o déficit educacional que assola a
região metas e perspectivas reais que estão cada vez mais concretizadas
na formação da consciência dos que compõem o quadro formativo do
parfor

10.
é nessa direção que pensamos a força da educação no parfor da ufpa
pelas mãos das artes visuais,

17
11.

sobre narrativas e escombros

o acontecimento da formação se imprime no corpo que é consciên-


cia e totalidade de todos os sentidos em ação absorvendo e retendo
os acontecimentos de diversos lugares e pulsações. municípios, cida-
des, vilas rios estradas pontes terra água e ar produzindo sensações
diversas e emoções tantas que só são possíveis nessas narrativas. E me
pergunto até onde posso ir com minhas memórias E se eu estiver to-
talmente enganado e enganando a mim e aos outros porque eu queria
que elas tivessem sido de outra forma mas e daí
pouco me importa
pouco importa me importa o quê?
não sei
pouco importa5
e o corpo se enche carrega-se de imagens e sensações que se traduzem
em palavras narradas a outrem que o escuta ou lê não solicitamos apenas
uma razão que toma tais acontecimentos num ordenamento racional
organizacional e classificatório como dados disponíveis em planilhas de
excell ou coisa parecida mas como mesmo no seu desordenado narra-
tivo uma desordem enunciativa que o define e revela materializando-se
noutras tantas sensações que aquele que ouvelê também dispara e este
que conduz a pesquisa ao seus diversos territórios possíveis sendo terri-
tórios materializados em tantas outras experiências possíveis se permite
entrever as constituições destas mesmas narrativas em campos abertos
mais ainda do que pode um diálogo inconcluso de blanchot gerado das
tantas matérias reviradas nos escombros das memórias e sentidos das
coisas guardadas em gavetas antigas e novas ao mesmo tempo que mi-
nha arqueologia afetiva se põe a retomar reavivar revirar restaurar talvez

5
PESSOA, F. Poemas Inconjuntos in Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática.
1946 (10ª ed. 1993). p. 96.

18
TRILHAS (IN)CERTAS DO ENSINO E
APRENDIZADO DAS ARTES VISUAIS6

A beleza absoluta e eterna inexiste, ou melhor, é apenas


abstração empobrecida na superfície geral das diferentes
belezas. O elemento de cada beleza vem das paixões, e como
temos nossas paixões particulares, temos nossa beleza
particular
Charles Baudelaire, 18467

O Plano Nacional de Formação Docente (Parfor) se constitui


por uma conjuntura de forças. Quanto a isso, não há dúvidas.

O Plano Nacional de Formação de Professores da Educação


Básica é uma ação conjunta do MEC, por intermédio da
Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes) em colaboração com as secretarias
de Educação dos estados, do Distrito Federal e dos mu-
nicípios, nos termos do Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro
de 2009, que instituiu a Política Nacional de Formação de
Profissionais do Magistério da Educação Básica, estrutu-
rado no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE), com a finalidade de atender a demanda de formação
inicial e continuada dos professores das redes públicas de
educação básica, por meio de cursos de primeira e segunda

6
Agradeço o título das considerações preliminares ao professor Joel Cardoso, que
amorosamente aconselhou-me a poetizar mais a vida.
7
In: MORAIS, Frederico. Arte é o que eu e você chamamos arte. 4. ed. – Rio de
Janeiro: Record, 2002.

20
licenciatura e de formação pedagógica, ministrados por in-
stituições públicas de educação superior (IPES).
Projeto Pedagógico de Curso de Artes Visuais, 2012.

Esta ideia foi acolhida pela Faculdade de Artes Visuais do ICA-


UFPA, que submeteu, em 2009, o Projeto Pedagógico de Curso (PPC)
à sua aprovação nas instâncias competentes da UFPA. Após os trâmites
de sua constituição, iniciaram-se os trabalhos de gestão do curso, sob
a coordenação do professor Luizan Pinheiro da Costa, de 2010 até de-
zembro de 2016, quando assumi o comando do curso. Esta coordenação
instigante e prazerosa replica outra conjuntura de forças: a coordenação
geral do Parfor, as prefeituras e Secretarias de Educação dos munícipios,
as coordenações locais, os professores da UFPA e os professores cola-
boradores, todos voltados a complementar a formação dos discentes do
Parfor (que já são professores com outra formação) com o grau de licen-
ciados em Artes Visuais.
Para apresentar o Parfor - Artes Visuais, nada melhor do que a
publicação desta coletânea de artigos que percorrem trilhas (in)certas
do ensino e aprendizado das artes visuais, cujo título é Licenciatura
em Artes Visuais – Polos que multiplicam a formação docente pelo estado
do Pará, de diferentes grupos de autores, entre professores da UFPA e
profissionais colaboradores, ou seja, professores de outras instituições
de ensino e de egressos dos cursos de Artes Visuais e de áreas afins que
tiveram como premissa relacionar seus estudos/relatos/artigos/ensaios
ao Parfor em Artes Visuais.
A seleção dos textos foi feita por uma comissão de professoras da
UFPA no final do mês de março de 2017, coordenada por mim, profes-
sora Isis de Melo Molinari Antunes, e pelas professoras Idanise Sant’Ana
Azevedo Hamoy e Daniely Meireles do Rosário. Os critérios de seleção
foram a pertinência ao tema Licenciatura em Artes Visuais do Par-
for e a originalidade. Recebemos 37 textos, dos quais apenas 14 foram
selecionados.

21
A publicação está dividida em três capítulos: o primeiro é formado
por seis artigos de professores da UFPA, que ministraram disciplinas ou
oficinas nos polos em que o curso possuía atuação. O segundo capítu-
lo congrega quatro artigos de profissionais colaboradores, ou seja, dos
professores de outras instituições de ensino, dos egressos e discentes da
pós-graduação em Artes do Instituto de Ciências da Arte (ICA), dos
egressos da licenciatura e do bacharelado da Faculdade de Artes Visuais
da UFPA e dos egressos de outros cursos de licenciatura de áreas afins;
e finalmente, o terceiro capítulo é constituído por quatro textos de dis-
centes egressos ou concluintes do Parfor - Artes Visuais.
O prefácio dessa publicação é de autoria do prof. Luizan Pinheiro,
que discorre com propriedade de quem esteve à frente do Parfor - Artes
Visuais por sete anos (2010-2016), imprimindo um tom crítico e refle-
xivo sobre a formação docente.
No primeiro capítulo, a seleção dos textos agrega temas que ofere-
cem um panorama acerca do alcance das artes visuais e de sua permea-
bilidade em outras searas. O primeiro artigo, A insubmissão silenciosa,
de Afonso Medeiros é um abre-alas que insere o leitor no cenário bra-
sileiro do ensino das artes, com seus avanços e retrocessos. Além disso
reflete sobre como o Parfor - Artes Visuais pode ser um campo de ensi-
no e de aprendizagem insurgente, de reação e de resistência, em meio à
desvalorização do ensino das artes no Brasil.
A seguir, o artigo Essa nossa língua portuguesa: transitando entre
as linguagens artísticas, de Joel Cardoso, apresenta-nos as interseções e
aproximações do pensamento que estrutura a linguagem e de suas simi-
litudes com a construção de um pensamento artístico. Além disso, aler-
ta que precisamos ter “disponibilidades para nos defrontar com o novo,
com o inusitado, com o inesperado. A arte – intertextual e interdiscipli-
narmente –constitui-se como janelas permanentemente abertas para a
contemplação de nós mesmos e, ao mesmo tempo, para a contemplação
de outros muitos mundos”.

22
Como a diversidade é tema essencial e nodal das artes em geral, o
ensaio Ensino de arte + diversidade + resistência cultural, de Arthur Le-
andro, instiga-nos a pensar sobre essa questão, de modo a refletir sobre
a importância de pensar o ensino da arte tendo como ponto de partida
o imenso cabedal cultural e identitário do grupo de alunos a que nos
dirigimos.
Em seguida, o artigo de Daniely Meirelles, Urbanus: Entre a teo-
ria e a prática da percepção visual, abarca as questões da sensibilidade
artística para que seja possível pensar a “visualidade como produto de
pensamento, da experiência sensitiva e das relações entre o sujeito e sua
cultura”, e para tanto, utiliza como objeto artístico a própria cidade em
que ministra as aulas, propiciando aos alunos a sensação de pertenci-
mento, identidade e de significância.
A abordagem das questões da mídia e de seus valores intrínsecos
é o trajeto empreendido por Erasmo Borges de Souza Filho em Vídeo
e educação: interseções na formação em artes, que, ao estabelecer uma
relação entre educação e vídeo, oferece meios para uma reflexão cons-
cienciosa: “o uso do audiovisual na educação, e particularmente na sala
de aula, possibilita o desvelamento das tramas e urdiduras que o consti-
tuem um texto cultural ideologizante”.
Finalmente, o artigo Orientação de TCC na licenciatura em Artes
Visuais - Parfor: metamorfoses de professores e alunos, de Idanise Sant’Ana
Azevedo Hamoy, Isis de Melo Molinari Antunes e Daniely Meireles do
Rosário, apresenta como o processo de amadurecimento intelectual e
acadêmico é surpreendente quando comparado ao fenômeno da meta-
morfose, atestando, com isso, que o Parfor é uma política educacional
bem-sucedida e de grande relevância para a expansão da docência para
além dos campi das instituições de ensino.
O segundo capítulo reúne quatro artigos dos profissionais cola-
boradores, professores de outras instituições de ensino, dos egressos e
discentes da pós-graduação em Artes do Instituto de Ciências da Arte
(ICA), dos egressos da licenciatura e do bacharelado da Faculdade de

23
Artes Visuais da UFPA e dos egressos de outros cursos de licenciatura
de áreas afins.
O artigo de Fernanda Sena da Silva, Formação de professores de
Artes Visuais - Parfor da UFPA: análise do Projeto Pedagógico de Curso, é
o primeiro dessa sequência, e consiste numa comunicação de seu traba-
lho de conclusão de curso em Pedagogia, concluído em 2015, na UFPA,
enquanto simultaneamente colaborava com a coordenação de Artes
Visuais do Parfor como secretária acadêmica. Trata-se de um texto de
grande interesse, uma vez que seu olhar é de quem vivencia a realização
de um Plano Pedagógico ao mesmo tempo em que reflete as questões
inerentes ao campo da educação.
Em seguida, o artigo A didática no contexto da formação de pro-
fessores de artes visuais em Moju-PA: a cultura material da didática e o
favorecimento da aprendizagem, de Ricardo Augusto Gomes e Carlos
Jorge Paixão, reflete sobre a didática tendo como referencial um relato
de experiência da disciplina ministrada no polo de Moju. Os autores
desmistificam a ideia da didática como uma “representação tradicio-
nal” e meramente metodológica, como se não houvesse uma ativação
do aparato cognitivo para o seu desenvolvimento. Assim, desconstroem
essa visão redutora e tradicional para evidenciar a importância de pen-
sar didáticas apropriadas voltadas ao ensino das artes visuais.
O relato de experiência Os sonhos na mala, de Raymundo F. Oli-
veira, releva-nos o resultado de um documentário (2017) realizado pela
aluna Elsamar Emerique, de Tailândia, a partir das disciplinas Labora-
tório de Audiovisual e Laboratório de Fotografia, e nos confirma que a
linguagem cinematográfica empodera os discentes para que exponham
as suas narrativas poeticamente, politicamente e esteticamente.
E para encerrar esse capítulo, uma sequência de imagens fala por
si só. Nem sempre é necessário verbalizar um pensamento por palavras.
Um discurso, uma narrativa pode ser realizada por imagens. Poeira de
rio é o ensaio visual de Armando Queiroz, que nos oferece um material
imagético, “mudo” de palavras, mas rico em comunicação, que suscitou

24
aos seus discentes do polo de Alenquer (2016) várias reflexões da per-
cepção visual local.
O terceiro capítulo é formado por uma coletânea de quatro textos
dos discentes do Parfor, graduandas ou egressas dos polos em que as
Artes Visuais atuaram. Nesse capítulo, há, de fato, os resultados com-
provados da atuação do Parfor - Artes Visuais.
Inicialmente, temos o artigo de Raimunda do Socorro Fonseca da
Paixão (com orientação do professor João Cirilo Neto), Almeirim: es-
paço/tempo de criação, fruição e reflexão sobre arte/fotografia, que nos
emociona ao relatar o modo como foi sensibilizada pelas disciplinas
ofertadas pelo Parfor - Artes Visuais e de que maneira elas a instigaram
na escolha do tema fotografia para a elaboração de seu trabalho de con-
clusão de curso, defendido em 2016 no polo de Almeirim. Mas é notório
que a autora ultrapassou os limites dos aprendizados recebidos pelas
disciplinas para adotar a fotografia como uma linguagem visual pessoal,
dotada de poéticas e de verdades locais.
Outro relato de experiência, denominado Ensino de arte para
cegos: a experiência da mala perceptiva, é apresentado por Rozianne
Dantas Delpupo e sua orientadora, professora Idanise Sant’Ana Azevedo
Hamoy (FAV-UFPA). Trata-se de um artigo decorrente do TCC de Ro-
zianne Delpupo, defendido em 2014 no Polo Castanhal. Como afirmam
as autoras: “O ensino de arte para alunos cegos congênitos é um desafio
para professores”. Ao refletirem sobre o tema, apresentam a experiência
da mala perceptiva, material pedagógico facilitador do aprendizado das
artes visuais para alunos cegos.
Na sequência, o artigo A cultura indígena na estética do cotidiano de
alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Getúlio Vargas em Altamira-
PA, de Cleofas Alves da Silva (com orientação da Profª Márcia de Nazaré
Jares Alves Chaves, EA-UFPA), relata-nos sua experiência de Estágio
II - Ensino Médio, realizada em uma escola de Altamira, e opta por nos
apresentar “uma pesquisa acerca do grafismo utilizado pelo grupo étni-
co Parakanã, residente no município de Altamira-PA”. A autora expõe

25
“reflexões sobre a diversidade cultural no ensino de artes visuais a partir
do ensino da história e cultura indígena, em observação à Lei nº 11.645,
que prevê a inserção da história e cultura afro-brasileira e indígena no
currículo da educação básica”.
O último texto desse capítulo, O estágio na formação docente: cami-
nhos para ensinar/aprender artes visuais na educação escolar, de Maria
de Lourdes de Siqueira Lima (com orientação da professora Ana Del Ta-
bor V. Magalhães, do Iced-UFPA), versa sobre um relato de experiência
de como as quatro modalidades do estágio curricular supervisionado
foram realizadas e de que modo essa experiência acadêmica impactou
a sua formação. São suas palavras: “Acreditamos que este novo grupo
de profissionais que estão se formando no curso de Licenciatura em
Artes Visuais pelo Parfor venha a contribuir para que o ensino de arte
dos municípios do sudeste do estado do Pará – Altamira, Baião, Breu
Branco, Mocajuba, Novo Repartimento e Tucuruí – desenvolva-se de
forma mais coerente com sua realidade e se torne de fato um compo-
nente curricular obrigatório na educação básica, com as suas respectivas
modalidades artísticas na escola – artes visuais, dança, música e teatro –,
visando uma formação crítica dos educandos”.
Na certeza de que esses textos contribuirão para expressar o quão
importante é o Parfor - Artes Visuais para a formação docente do estado
do Pará, convido os leitores a desfrutarem desta coletânea. Que as nar-
rativas aqui expressas possam induzir reflexões e, consequentemente,
abrir um campo de diálogo cada vez maior para o fortalecimento das
artes visuais como campo de conhecimento e de apreciação estética.

Isis de Melo Molinari Antunes


Coordenadora do Parfor - Artes Visuais
(2016-2018)

26
CA PÍ TULO I

PR O F E S S OR E S
DA UFPA
A INSUBMISSÃO SILENCIOSA8

Afonso Medeiros9

Desde a Lei 5692/71, que tornou obrigatório o ensino de artes no


sistema de educação básica brasileira (então denominada de educação
artística), a formação de professores de arte tem se configurado como
um desafio insano num país com dimensões continentais como o nos-
so. Nos anos 1980, além da luta pela disseminação das licenciaturas em
artes, o fim da formação polivalente e da licenciatura curta se tornaram
as maiores bandeiras dos arte-educadores, organizados nas associações
estaduais ou regionais com a consequente fundação da Federação de
Arte-Educadores do Brasil (Faeb) em 1986, que efetivamente galvani-
zou as batalhas em prol da especialização e da interiorização dos cursos
de formação.
A LDB 9394/96, no bojo dessa luta, tornou-se um marco, visto
que, finalmente, a legislação educacional brasileira citava claramente
as diversas formações e atuações no campo do ensino das artes. Pa-
recia, naquele momento, que nossas batalhas tinham chegado a bom
termo, mas tudo não passava de um sonho à beira de um pesadelo, já

8
Este texto é dedicado à Ana Mae Barbosa, pelos 80 anos de vida e 60 de dedi-
cação à arte-educação brasileira. Agradeço aos professores Isis Molinari, Ana
Del Tabor Magalhães, Sandra Cristina Santos, Lia Braga Vieira e Joaquim Cesar
Netto pela checagem dos dados, que já se encontravam esmaecidos na memória.
9
Afonso Medeiros é professor associado de Estética e História da Arte da FAV e do
Ppgartes da UFPA e bolsista produtividade do CNPq.

29
que os grandes responsáveis pela efetiva aplicação da Lei (Secretarias
Estaduais e Municipais de Educação) continuavam negligentes – para
dizer o mínimo – quanto à absorção de profissionais habilitados nas
escolas, o que exigiu uma vigilância constante em termos legislativos.
Somente 45 anos depois (2016) daquela lei polivalente é que artes vi-
suais, dança, música e teatro foram finalmente definidos como com-
ponentes curriculares (Lei nº 13278/2016), desdobrando o artigo 6º da
LDB. Certamente 45 anos é um tempo por demais longo para qualquer
definição de políticas públicas, e esse tempo é revelador de nosso jeito
macunaímico de ser.
Entre 1971 e 1996, as licenciaturas plenas na área de artes foram
paulatinamente disseminadas Brasil afora, notadamente em artes plásti-
cas e música. No entanto, essa ampliação de oferta de cursos de forma-
ção é precária ainda hoje, na medida em que o teatro e, particularmente,
a dança ainda são pouco contemplados – esta última, em meio a uma
luta fratricida com a educação física. Nesse interim, as artes passaram a
fazer parte da grande área das linguagens, junto com língua portuguesa
e língua estrangeira. Por um outro lado, foram multiplicados os cursos
de pós-graduação na área, hoje presentes em todas as regiões brasilei-
ras, e contando, inclusive, com um mestrado profissional específico para
arte-educadores, ofertado em rede por 11 IES e capitaneado pela Uni-
versidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
No estado do Pará, a Universidade Federal do Pará foi a pioneira
na Amazônia oriental, com a implantação do curso de Educação Ar-
tística / Artes Plásticas em 1976 (licenciatura e bacharelado em Artes
Visuais desde 2006), seguido do mesmo curso na versão licenciatura
curta, no núcleo avançado dessa universidade em Macapá (1987), e da
habilitação em Música (1991) em Belém. A Universidade da Amazô-
nia (Unama) criou seu curso de Educação Artística / Desenho em 1988
(bacharelado em Artes Visuais e Tecnologia da Imagem e licenciatura
em Artes Visuais a partir de 2000). A Universidade do Estado do Pará
(Uepa) abriu seu curso de Educação Artística / Música em 1989 (hoje

30
em dia oferecido também como licenciatura em Música, nos campi de
Vigia e Santarém), enquanto a Escola Superior Madre Celeste (Esmac)
implantou licenciatura e bacharelado em Artes Visuais em 2003. Quase
tudo se concentrou na capital dos dois estados e nas modalidades artes
plásticas/visuais e música, de modo que licenciaturas em teatro e dança
só se tornariam realidade mais de uma década depois da promulgação
da LDB, também na UFPA. Um contraponto foi oferecido pelo Prodiar-
te, com ações tanto na capital quanto no interior, nos anos 1980. De
qualquer maneira, essas datas demonstram que as instituições de ensino
superior da região responderam com certa vagarosidade às demandas
da legislação, e nenhuma delas foi visionária a ponto de proporcionar
formação na área de artes antes mesmo de quaisquer institucionaliza-
ção, embora a UFPA ofereça formação técnica específica, desde os anos
1960, em Teatro (1962), Música (1963) e Dança (1968).
Essa excessiva parcimônia na implantação de cursos superiores
na área de artes, além de redundar em maracutaias variadas por parte
das secretarias e das escolas (que alegavam a carência de pessoal espe-
cializado), reflete com precisão a pegada colonialista: enquanto a colo-
nização espanhola na América Latina implantou cursos universitários
(comumente promovidos por instituições católicas) ainda no século
XVI, a colonização portuguesa “esperou” até o final do século XVIII10 e
início do século XIX (com a vinda de D. João VI ao Brasil), e ainda as-
sim, somente no momento em que a família real portuguesa se instalou
na periferia do mundo, premida pelo fato de que os filhos do grande
latifúndio e da incipiente aristocracia local não podiam estudar em Lis-
boa e Coimbra, com Portugal acossado por Napoleão I. Mesmo consi-
derando a criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios (1816)11 –
com um núcleo de professores formado por artistas da posteriormente

10
Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, criada em 1792, no Rio de
Janeiro, por D. Maria I.
11
Depois denominada Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetu-
ra Civil (1820), e finalmente, Academia Imperial de Belas Artes (1826).

31
chamada Missão Francesa –, e que tal iniciativa precede a criação da
Academia Portuense de Belas-Artes e da Academia de Belas-Artes (no
Porto e em Lisboa, respectivamente, ambas em 1836), tal promoção
já se encontrava defasada em relação à Europa12 e às Américas.13 Mas
urge lembrar, também, que a criação de uma escola superior para o
ensino das artes plásticas era uma das perspectivas dos inconfidentes
mineiros. Pelo visto, nossa alma macunaímica tem insuspeitado DNA
lusófono.
Voltando ao Brasil e à Amazônia dos últimos 10 anos, macropro-
jetos do governo federal, como o Reuni, o Parfor e novas IES federais,
possibilitaram ainda mais a ampliação desse quadro, fazendo-nos crer
que os novos tempos de democratização do ensino das artes no Brasil
enfim se tornara algo mais que uma quimera presente num horizonte
sempre distante e evanescente. A UFPA se engajou nessas novas opor-
tunidades – não sem atritos internos, é verdade – e ampliou considera-
velmente sua oferta de licenciaturas em artes. Em primeiro lugar, com
a criação do Instituto de Ciências da Arte, em 2006, possibilitando a
reunião das várias atividades de ensino, pesquisa e extensão na área
em uma única unidade acadêmica, antes dispersas em vários níveis da
administração universitária. Ato contínuo, transformou as duas habi-
litações (Artes Plásticas e Música) do então curso de Educação Artís-
tica em licenciaturas específicas e criou, via Reuni, as licenciaturas em
Teatro e Dança (2008). Em 2009, foi implantado o Programa de Pós-
Graduação em Artes (agora também com doutorado, ainda pioneiro
em toda a região amazônica), e em 2013, passou a oferecer também o
mestrado profissional em Artes. Além disso, foram criados no ICA os
bacharelados em Artes Visuais, Museologia, Cinema e Audiovisual e
o tecnológico em Multimeios. Com o desmembramento de dois cam-
pi do interior, que se tornaram, respectivamente, a Universidade do

12
Real Academia de Bellas Artes (Madri, 1752).
13
Real Academia de las Tres Nobles Artes de San Carlos (México, 1783).

32
Oeste do Pará (Ufopa, com sede em Santarém) e a Universidade do Sul
e Sudeste do Pará (Unifesspa, com sede em Marabá), surgiu o Curso
de Licenciatura em Artes Visuais nesta última IES, enquanto a Ufopa
ignora completamente a área de artes em sua estrutura acadêmica. Os
oito campi da UFPA no interior do estado, que se beneficiaram enor-
memente do Reuni, também não oferecem nenhum curso regular na
área de artes.
Nessa perspectiva, um projeto como o Parfor/Capes se configura
como uma oportunidade inestimável para a interiorização das licencia-
turas, e os cursos de artes da UFPA não demoraram a tirar partido dessa
oportunidade. Desde 2009, já criaram 34 turmas em municípios que
cobrem boa parte do território paraense, a saber:
Artes Visuais (14 turmas): Castanhal (2010), Capanema (2011),
Moju (2011), Almeirim (2012), Tucuruí (2012), Tailândia (2013), Bra-
gança (2014), Barcarena (2014), Itaituba (2014), e Abaetetuba, Tracua-
teua, Concórdia do Pará, Santarém e Alenquer (todos em 2016). Dança
(6 turmas): Castanhal (2010), Santarém e Capanema (2011), Marabá
(2012), Mãe do Rio (2014) e Tucuruí (2015). Música (7 turmas): Ca-
panema (2010), Oriximiná (2011), Marabá (2011), Castanhal (2012),
Moju (2014), Óbidos (2015) e Portel (2016). Teatro (7 turmas): Casta-
nhal (2009), Santarém e Capanema (2010, com 41 concluintes nestes 3
polos), Gurupá (2013, com 64 alunos) e Breves (2013, com 25 alunos),
Cametá (2016, com 28 alunos) e Ponta de Pedras (27 alunos).
Sem dúvida nenhuma, trata-se de uma empreitada de fôlego. Mas
o Parfor, mal visto em outras plagas, tem algumas peculiaridades: 1) é
destinado a profissionais que já atuam na educação, como efetivos ou
temporários, oferecendo a primeira ou segunda licenciatura; 2) ofe-
rece cursos intensivos ministrados em períodos intervalares (janeiro-
fevereiro e julho-agosto); 3) cada componente curricular tem a mesma
carga horária dos respectivos cursos na sede, com 48 horas de aulas pre-
senciais e 20 à distância. A maioria dos alunos já tem uma graduação
(comumente em Pedagogia), e alguns poucos contam também com um

33
curso de especialização concluído. Os alunos já atuam em escolas (vá-
rios deles em comunidades quilombolas e indígenas), o que nos obriga
a uma abordagem que responda prontamente aos desafios do ensino e
da aprendizagem em artes na educação formal.
Com essas características, urgia que as licenciaturas do Parfor não
fossem encaradas como “licenciaturas de classe turística e econômi-
ca”, com direito a algumas bolachas, salgadinhos e suquinhos à beira
do prazo de validade. Ao contrário, privilegiou-se mestres e doutores
para ministrarem as disciplinas, com vários colaboradores egressos do
próprio mestrado do PPGArtes. Mas o problema da infraestrutura (os
cursos são in loco), representou um desafio e tanto! Além dos laborató-
rios e ateliês, a carência endêmica de aparelhos culturais funcionando a
contento nos municípios do interior14 – particularmente museus e bi-
bliotecas –, tão necessários para a educação artístico-estética, parecia
um problema incontornável. Na verdade, os aparentes problemas de
infraestrutura e ambiência se constituíam em véus dissimuladores dos
verdadeiros problemas: de que arte estamos falando? O quanto de visão
colonizada perpassa nossas abordagens acríticas dos cânones artístico-
estéticos? A educação não se encontra aprisionada no estreito território
das paredes institucionalizadas?
Essas são as questões que, grosso modo, já vínhamos enfrentan-
do no conforto de nossos institutos e faculdades, mas que se torna-
ram prementes na lida com a realidade interiorana, periférica e es-
quecida pelos órgãos culturais (universidade incluída). Não se trata,
obviamente, de matar o cânone e assumir uma postura niilista, mas
de subverter o cânone, revelar suas idiossincrasias, desnudar seus hi-
bridismos e suas performances transformistas, colocando em relevo
aqueles vastos horizontes estéticos sobre os quais o próprio cânone

14
Com exceção do Museu do Marajó, do museu de arte tapajônica de Santarém,
dos museus de artes sacra de Santarém e de Bragança, das pinturas rupestres em
Alenquer e de um ou outro patrimônio arquitetônico, todos em estado de petição
de miséria, apesar da dedicação amorosa de seus parcos funcionários.

34
silencia e torna invisível, mesmo que o fenômeno artístico esteja bem
aí, a um palmo do nariz.
Nessa perspectiva, mais do que nunca tivemos que assumir o mote
paulofreireano, qual seja, o de trabalhar com as realidades (objetiva,
subjetiva e intersubjetiva) nas quais os educandos estão imersos e de
estar atento ao contexto e aos saberes e experiências acumulados pela
comunidade – a arte e sua teorização nascem da vida, e não vice-versa.
Para nós, professores de artes visuais, tratou-se de um exercício de des-
colonização dos olhares, e isso exige colírios só proporcionados pela
imersão e pelo envolvimento. Nesse amálgama entre o rural e o urbano,
tão propício às “estratégias para entrar e sair da modernidade”,15 é ne-
cessário abrir bem os olhos para as experiências proporcionadas pelos
ecossistemas estéticos, seja na arte, seja na natureza. O desafio é não
repetir as alucinações da saga de Fitzcarraldo (Klaus Kinski, no filme
homônimo de Werner Herzog, 1982).
E diante dessas inquietações, finalmente, o que podem a história
da arte e a estética que se querem subversivas? Em primeiro lugar, é
necessário levar em consideração que toda história da arte pressupõe
a escolha de modelos temporais e estéticos16 e – não menos importante
– sem restringir a estética à uma filosofia da arte canônica, enfrentan-
do os 10 dogmas da “ideologia estética” eivada de metafísica que Katya
Mandoki aponta:

1) La cultura se opone a la naturaleza. 2) Lo bello se opone


a lo útil. 3) La beleza es un valor puramente espiritual. 4)
La contemplación de lo bello es desinteressada. 5) La esté-
tica radica en las características de los objetos (proporción,
orden, ritmo, simetria). 6) Los enigmas de la estética se
descubren sólo con razionamento filosófico. 7) Los juicios
estéticos son imparciales y objetivos. 8) La estética es exclu-

15
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 1997.
16
DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente – história da arte e tempo
dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013

35
sivamente una cuestión cultural. 9) La valoración estética
es distanciada. 10) Toda discusión de lo estético tiene que
realizarse en función del arte.17

Complementando, diríamos que todos esses dogmas radicam em


concepções filosóficas e históricas eurocentradas.
Esses 10 dogmas apontados por Mandoki se tornaram as leis não
escritas de muitos cursos de arte, inclusive do nosso, mas a lida com
a formação de professores de arte no interior do estado nos obrigou
ao enfrentamento desses dogmas, de modo que pudéssemos repensar
a formação de artistas e arte-educadores como um todo. Não era, en-
tão, uma questão de aplicação de um desenho curricular previamente
pensado, mas a oportunidade de repensar os próprios pressupostos do
currículo no confronto com as realidades.
Não tem museus, nem galerias e nem exposições para servirem de
referência? Façamos do meio ambiente natural e cultural local (e suas
imbricações) a própria fonte de experiências artísticas e estéticas, com
espaços sem paredes a servirem de oficinas e ateliês. Afinal de contas, é
necessário perceber que as ninfeias de Monet estão logo ali, vivas, nas
vastidões das várzeas amazônicas. Há muito mais potencialidade de ex-
periência estética na contemplação dessas várzeas do que na majestade
fake das colunatas que adornam os palacetes judiciários, e assim, forne-
cemos um contraponto ao 10º dogma.
Em termos de estética e história da arte, focando as inter-rela-
ções entre o local e o global, fomos forçados a borrar decididamente
as fronteiras entre o erudito e o popular, entre “artes maiores” e “artes
menores”, e entre conhecimento academicamente sistematizado e sa-
beres instituídos, contradizendo aquele segundo dogma apontado por
Mandoki. Dos artefatos e artifícios produzidos pelas culturas indíge-
nas autóctones, além do refinamento estético que eles apresentam e que

17
MANDOKI, Katya. El indispensable exceso de la estética. México: Siglo XXI Edi-
tores, 2013, p. 17.

36
devem ser investigados em seus contextos peculiares, pode-se incitar
discussões variadas: a arte plumária, sozinha, potencializa um amplo
espectro de abordagens sobre cores, sua percepção, contraste e comple-
mento, abstração, sobre a influência do meio nas paletas apresentadas
pelos objetos e seus significados. Ainda no contexto da arte plumária,
pode-se discutir as funções mágico-religiosas de determinados objetos
artísticos, nas relações entre arte e mito e arte e ritual. Passando às ma-
nifestações culturais de raízes africanas, por exemplo, um terreiro de
Umbanda evoca as relações entre arte, religião e ritual, sobre sincretis-
mos artístico-estéticos, além de oferecerem um excelente gancho para
se discutir a invisibilidade da arte de afrodescendentes. Da sabedoria
popular (“a arte imita a vida ou a vida imita a arte”?), todo um campo
de discussão se abre para a abordagem do naturalismo e da mimesis,
inclusive percebendo esta última como estratégia didático-pedagógica,
tanto na natureza quanto na cultura.18 Ainda no campo da sabedoria
popular e suas formas de produção cultural, atravessadas tanto pela tra-
dição indígena quanto pela africana e europeia, o jogo, a brincadeira e a
diversão são temas imprescindíveis.19 Uma canção de Paulinho da Viola
e Hermínio Bello de Carvalho nos leva pela história das ideias estéticas,
de Platão a Kant:

[…] Em Mangueira a poesia, feito mar, se alastrou / e a bele-


za do lugar / pra se entender tem que se achar / que a vida
não é só isso que se vê / é um pouco mais / que os olhos não
conseguem perceber / as mãos não ousam tocar / e os pés
recusam pisar. […] Não sei se toda a beleza de que lhes falo
/ vem tão somente do meu coração.20

18
GEBAUER, Günter; WULF, Christoph. Mimese na cultura: agir social, rituais e
jogos, produções estéticas. São Paulo: Annablume, 2004.
19
HUIZINGA, Johan. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva, 1999.
20
VIOLA, Paulinho da; CARVALHO, Hermínio Bello de. Sei lá, Mangueira. 1968.

37
E enseja discussões sobre poética, metáfora, catarse, beleza, sub-
jetividade, gosto e imaginação e das interações entre popular e erudito.
Considerando os núcleos urbanos onde o Parfor acontece e a não
valorização do patrimônio material popular, sempre esquecido pelos
órgãos “tombadores”, pode-se abordar a cidade como obra de arte:21 um
arco em semicírculo nos leva a romanos, românicos e renascentistas;
um arco em ogiva das igrejas evangélicas e católicas nos remete aos gó-
ticos; uma varanda com parapeito de ripas dispostas em cores vivas e
o desenho marajoara nos levam ao concretismo, ao construtivismo, ao
suprematismo e à arte cinética; cestaria, tecelagem e cerâmica indígena
nos fazem discutir forma e função, design, arte utilitária e estética do
cotidiano; a vida dura no interior nos leva à Portinari, Almeida Júnior
e Antonieta Feio; uma casa de barro com porta e janela na fachada nos
leva ao neoplasticismo e à abstração geométrica, mesmo que Mondrian
não resida ali; as palafitas das populações ribeirinhas servem tanto para
falar de estilos e materiais arquitetônicos quanto de surrealismo e de
Cézanne; a feira ou o mercado nos levam à natureza morta (em mais
de um sentido); um açougue nos envia a Francis Bacon e a Fábio Maga-
lhães; a disposição de mercadorias no supermercado nos coloca diante
de Andy Warhol, do hiper-realismo e da inserção do objeto no mercado
de arte; imagens da via sacra nos levam ao barroco e à Aleijadinho; os
barcos com suas cores e letras nos oferecem motivos suficientes para
falarmos da relação entre palavra e imagem na arte, de poesia visual e
de arte conceitual; as paredes pichadas são motes para discutir formas
de expressão e de apropriações do espaço urbano, das relações entre o
esteticamente instituído e o instituível e de muralismos presentes já nas
primeiras manifestações culturais amazônicas.
Mesmo que às vezes não se tenha acesso aos dispositivos de re-
produção da imagem em sala de aula (data shows ainda são um luxo na

21
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 2005.

38
maioria das escolas), não se pode prescindir das mil e uma utilidades
de um celular conectado à rede global, tão presente inclusive no meio
rural, para discutir arte e tecnologia, tradição e modernidade, virtual
e real… para discutir hibridismos (inclusive os conceituais), enfim. A
fotografia de Paula Sampaio, Elza Lima, Guy Veloso e Luiz Braga, por
exemplo, podem revelar questões cruciais para a história e a filosofia da
arte, tais como: reprodutibilidade, indústria cultural, corpo e performa-
tividade, contexto e intertexto, formas de ver, de sentir e de interpretar
o mundo… A arte, como a vida e a aprendizagem, é feita de misturas e
infecções.
Obviamente, um tal choque de realidade intersubjetiva no campo
da filosofia e da história da arte exige uma maleabilidade na perspectiva
diacrônica e positivista de determinada história das ideias artístico-es-
téticas para que se possa perceber tanto o sincrônico quanto o anacrô-
nico em contextos locais e globais eivados não só de vanguardas, mas
também de retaguardas.
Se, como queria Marshall McLuhan,22 o mundo é uma aldeia glo-
bal, a arte foi o primeiro dispositivo a dar sentido ao sentimento de al-
deia. De resto, as licenciaturas em artes do Parfor não representam, em
si mesmas, novidades didático-pedagógicas absolutas, mas diante da
globalização unilateral e sua consequente hipertrofia midiática de cultu-
ras, estéticas e afetos,23 elas adquirem um significado impar ao propicia-
rem modos de insubmissão e resistência ao contexto espetacularizado
em que vivemos. A arte sobrevive graças à imaginação e à memória,
e enquanto essas forças propulsoras do humano existirem, todos nós,
profissionais da arte, estaremos condenados ao delírio. Felizmente!

22
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São
Paulo: Cultrix, 1974.
23
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal. Rio de Janeiro: Record, 2015.

39
ESSA NOSSA LÍNGUA PORTUGUESA:
TRANSITANDO ENTRE AS LINGUAGENS ARTÍSTICAS

Joel Cardoso24

A adversidade, por vezes, tem o efeito de despertar talentos


que em circunstâncias prósperas continuariam adormecidos.
Horácio


Mestre não é aquele que ensina, mas aquele que, de repente
aprende”, já dizia o mineiro Guimarães Rosa ao nos desvendar trilhas
do grande sertão que, em sendo exterior, em sendo o próprio mundo,
também faziam parte do nosso universo interior, uma vez que “o sertão
é dentro da gente”. Na prática docente, trabalhar com o Parfor significa

24
Pós-doutor em Artes (Literatura & Cinema) pela UFF-RJ. Doutor em Letras: Li-
teratura Brasileira e Intersemiótica pela UNESP-SJRP, SP (2001). Mestre em Letras:
Teoria da Literatura pela UFJF (1996). Graduado em Letras Modernas (português/
alemão - USP), Pedagogia (USP) e Direito (Instituto de Ciências Sociais Vianna Jr,
Juiz de Fora, MG, OAB: 60295-MG). Especialista em Língua Portuguesa: Linguís-
tica Aplicada (Simonsen, RJ). Professor de música (piano clássico). Desde 2002,
é docente da Universidade Federal do Pará, onde atua nos cursos de graduação e
pós (mestrado e doutorado em Artes, ICA). Orientou, até o momento, 36 disserta-
ções de mestrado; 78 monografias de especialização e 161 trabalhos de conclusão
de curso de graduação. É pesquisador das poéticas da modernidade, transitando
pelas áreas de Letras, Comunicação e Artes, com ênfase na correspondência entre
os diversos signos e linguagens, privilegiando as relações entre palavra e imagem
(literatura e cinema, tv, teatro, etc.). Autor do livro Nelson Rodrigues: da palavra à
imagem (Intercom, SP). Organizou, com Bene Martins, os livros Desdobramentos
das linguagens artísticas: diálogos interartes na contemporaneidade (UFPA-PPGAr-
tes, PA) e Dos palcos às telas do cinema (2015, UFPA). Desde dezembro de 2014, é
diretor adjunto do Instituto de Ciências da Arte da UFPA.

41
rever conceitos, metodologias, filosofia de vida e de trabalho. É ter a
oportunidade de se defrontar com um mundo de dificuldades, de de-
safios, de necessidades específicas. Mas é também, ao mesmo tempo,
uma oportunidade única para nós docentes exercitarmos a nossa di-
mensão humana, o nosso potencial docente, as nossas práticas didáticas
e, principalmente, ver o outro em sua especificidade, no seu contexto,
na dimensão exata de sua atuação circunscrita, no caso, às demandas e
possibilidades locais.
Em fevereiro de 2011, estive em Moju, uma cidade da microrre-
gião de Tomé-Açu, para ministrar a disciplina Fundamentos Teóricos e
Metodológicos do Ensino do Português (Português Instrumental) para
a turma de Artes Visuais. Trabalhar com uma disciplina que pressu-
põe, entre outras possibilidades, reflexões sobre o uso efetivo da lín-
gua portuguesa é, sem dúvida, uma oportunidade ímpar de transitar
interdisciplinarmente entre as mais diversas áreas do saber humano. Em
se tratando dessa disciplina especificamente, o que devemos trabalhar
na prática? O que os discentes do Parfor esperam dessa disciplina? Em
que focar e como focar as atividades propostas por essa modalidade de
trabalho? O que é, de fato, relevante para esses discentes? Na verdade,
os questionamentos são muitos. Somos seres da linguagem. Lidamos
com a palavra em todas as nossas relações, desde as mais simples até
as mais complexas. É pela palavra que nós nos entendemos, que nós
estabelecemos laços afetivos e sociais, que nós nos constituímos como
cidadãos por meio de atos e discursos. Os discursos nos velam e nos
desvelam. Com eles, nós nos damos a conhecer, nós nos autoafirmamos.
Em uma época de contradições ideológicas, de inseguranças generaliza-
das, de desrespeito ao ser humano, de crises trivializadas na elaboração
dos processos criativos, é preciso, sem dúvida, que repensemos o lugar
dos discursos, das nossas falas, enfim, da nossa postura em sala de aula.
Quando em sala de aula, cientes da nossa posição privilegiada como
articuladores de discursos, devemos ter em mente, como nos lembram
Vieira, Ferreira e Schmidlin, que

42
Não poderemos formar cidadãos pensantes, críticos e
reflexivos, sem ministrarmos aulas de língua materna,
que usam o texto apenas como pretexto para o ensino de
gramática, ou de leitura e interpretações superficiais. É ne-
cessário primeiro munir o professor de conhecimento téc-
nico e didático, de consciência crítica e cidadã (VIEIRA,
FERREIRA; SCHMIDLIN, 2010, p. 27).

Quem trabalha com arte, qualquer que seja a linguagem, lida, tam-
bém, concomitantemente, com a palavra, tanto no seu modo de viabili-
zar e pensar processos artísticos como para transitar e se fazer compre-
ender no mundo em que atua.
Na conjuntura atual, os brasileiros, via de regra, não dão muita
importância à linguagem. Nós nos comunicamos e achamos que, por
isso, simplesmente, muitas vezes, não temos que dar importância à for-
ma como fazemos uso desse meio de comunicação, que são os nossos
discursos cotidianos. Por isso, é fundamental que retomemos o ensino
da língua, propiciando reflexões críticas sobre as possibilidades efetivas
do uso da língua, reflexões sintonizadas com o presente, mas que, ao
mesmo tempo, não se desvinculem do nosso passado cultural. Este é um
dos muitos desafios de quem trabalha com o ensino da língua materna.
Nesse viés, convém lembrar que existem três concepções de lin-
guagem. De conformidade com a primeira delas, a linguagem seria, es-
pecularmente, a expressão cabal e final da nossa faculdade de pensar.
Assim, a nossa fala, a nossa escrita, os nossos discursos articulariam, de
forma direta, os meandros do nosso pensamento. Segundo essa concep-
ção, fala e escreve bem quem sabe articular coerente e convincentemen-
te o seu modo de pensar. De acordo com a segunda concepção, a lingua-
gem é vista como instrumento comunicativo. Nesse viés, a língua, sendo
um código, na realidade, um conjunto de signos combinados por regras,
possibilitaria a quem fala ou redige a capacidade de transmitir, isto é, co-
municar uma determinada mensagem a alguém. Para que a mensagem
seja compreendida (apreendida), faz-se necessário, obviamente, que o

43
emissor e o receptor dominem o mesmo código. A terceira concepção
de linguagem consiste em uma forma ou processo de interação. Nessa
concepção, segundo Travaglia (1997, p. 23), “o que o indivíduo faz ao
usar a língua não é tão somente traduzir e exteriorizar um pensamento
ou transmitir informações a outrem, mas sim realizar ações, agir, atuar
sobre o interlocutor (ouvinte/leitor)”. Pensar o ensino da língua seria
também levar em consideração as especificidades de cada público, de
cada região, de cada falante, conforme atestam Silva et al.:

Uma língua que não comporta as variedades dialetais (re-


gionais, de classe social, etc.), que esconde essas variedades
e os confrontos e contradições que elas impõem, que se
forma segundo um ponto de vista preconceituoso e elitis-
ta. Uma língua eleita como padrão que nunca se identifica
com a variedade falada pelas pessoas, mesmo as de maior
cultura e de maior prestígio social; que se ancora em um
modelo de escrita, que foi “sistematizada” pelos gramáticos
(SILVA et al., 1986, p. 67).

É pela, e com a, linguagem, é pela interação que nós nos reconhe-


cemos individual e coletivamente, que nós criamos a nossa identidade,
identidade cuja formação se faz da conexão com o momento histórico e
se circunscreve geograficamente. Nossas histórias, nossos causos, nos-
sas estórias nos definem, nos marcam, nos conferem existência. Somos
textos entre outros muitos textos. Cada um de nós tem a sua própria his-
tória. Nesse emaranhado de histórias que se entrecruzam, nós vivemos,
nós nos constituímos como cidadãos atuantes, participativos. Somos
frutos de tempos (históricos, culturais) e locais específicos (delimitados
espacial e geograficamente).
A obra de arte surge e se (a)firma nesse contexto. Retomar o ensino
da língua e vinculá-lo, de forma pertinente, ao universo da arte sempre
se constituiu, para quem trabalha com a língua portuguesa relacionada
ao universo da arte, um desafio, assim como afirma Fróis:

44
Uma das finalidades da arte é contribuir para o apuramento
da sensibilidade e desenvolver a criatividade dos indivídu-
os. Na educação, esta finalidade é uma dimensão de recon-
hecida importância na formação do indivíduo, ampliando
as possibilidades cognitivas, afetivas e expressivas (FRÓIS,
2000, p. 201).

O estado do Pará, como todos sabemos, é territorialmente imen-


so. Cada cidade apresenta singularidades que a caracterizam geográfi-
ca, histórica e culturalmente. O acesso ao município de Moju é difícil.
No período que lá estive, esse acesso estava ainda mais complicado.
À entrada da cidade, a ponte que liga o local à rodovia estava, devi-
do a um acidente, interditada, dificultando sobremaneira a vida dos
moradores. A travessia era feita por uma balsa pertencente a um dos
poderosos do local, que, tirando proveito do momento difícil, visava
apenas lucro. A cidade, como tantas outras do interior do nosso esta-
do, é mal administrada e cara. A violência campeia. Para ter acesso às
aulas, muitos alunos vêm de longe. A pobreza é uma realidade que faz
parte do dia a dia da maioria da população. Com os nossos alunos, a
realidade não é diferente. Para cursar os módulos em que estão inscri-
tos, têm que arcar com as despesas relativas ao período de formação
em que permanecem na cidade. Mesmo assim, apesar das adversida-
des que saltam à vista, quando na sala de aula, encontramos alunos
bem-dispostos, participantes, felizes com a oportunidade de adquirir
novos conhecimentos.
Do ponto de vista docente, este é, sem dúvida, o lado bom da
história, o lado positivo dessa nossa empreitada. Foi, para mim, uma
oportunidade de conhecer um outro município desse nosso imenso
Pará, um Pará com ricas e variadas especificidades, com dificuldades
(muitas) e facilidades (mínimas) diversificadas de acordo com cada
região.

45
Falar, mas, sobretudo, ouvir

Na verdade, de que nos serve toda a cultura se não houver


uma experiência que nos ligue a ela?
Walter Benjamin, In.: Experiência e indigência

Trabalhar com o Parfor é, a cada vez, um momento privilegiado de


se encantar com a recepção dos professores-alunos que nos aguardam
nos nossos locais de atuação. Em Moju, dos 30 alunos matriculados, 21
cursaram, com exemplar sucesso, a disciplina. Como já eram professo-
res, a oportunidade de viabilizar troca de experiências se constituiu na
tônica primordial dos nossos encontros. Trabalhar com artes também
é, além de um desafio constante, um privilégio. Driblamos sempre as
dificuldades naturais impostas pela conjuntura (social, econômica, po-
lítica), e é sempre um prazer descobrir que, nestes recantos longínquos,
existem professores criativos, ousados, batalhadores, comprometidos
com uma prática inovadora. A vida desses profissionais do ensino não
é nada fácil. Sem dispor de uma estrutura adequada nos seus locais de
trabalho, desvalorizados em termos salariais, a maioria dos professores
luta abertamente contra uma série de fatores contrários ao bom desem-
penho da prática educacional. Muitos são oprimidos pela conjuntura
política adversa que, como sabemos, nunca privilegia o lado educacio-
nal. Atuar como docente nessa conjuntura significa inovar sempre, sa-
ber que o professor não é o dono da verdade. Que, no exercício da pro-
fissão, na lida cotidiana, ao mesmo tempo que ensinamos, aprendemos.
Concordamos com Ana Mae Barbosa (1996, p. 64) quando nos lembra
que talvez não seja tão importante “ensinar estética, história e crítica da
arte, mas desenvolver a capacidade de formular hipóteses, julgar, justifi-
car e contextualizar julgamentos acerca de imagens e de arte. Para isso,
usa-se conhecimentos da história, de estética e de crítica de arte”.
O que, como proposta, poderíamos oferecer para viabilizar o jogo?
O que deveríamos privilegiar nesses encontros? Como repensar ideias

46
novas e repassar reflexivamente pelos antigos conceitos? Há, ainda, nos
nossos dias, a decantada arte pela arte? De onde vêm e como se mate-
rializam os impulsos criativos? Como encarar as conhecidas reflexões
sobre arte? Qual o lugar do belo? Implementando provocações, traze-
mos, a título de reflexão, entre muitas outras possibilidades, a concep-
ção proposta por Schiller:

A beleza não oferece resultados isolados nem para o enten-


dimento nem para a vontade, não realiza, isoladamente, fins
intelectuais ou morais, não encontra uma verdade sequer,
não auxilia nem mesmo o cumprimento de um dever, e é,
numa palavra, tão incapaz de fundar o caráter quanto de
iluminar a mente. Pela cultura estética, portanto, permane-
cem inteiramente indeterminados o valor e a dignidade
pessoais de um homem, à medida que estes só podem de-
pender dele mesmo, e nada mais se alcançou senão o fato de
que, a partir de agora, tornou-se-lhe possível pela natureza
fazer de si mesmo o que quiser – de que lhe é completa-
mente devolvida a liberdade de ser o que deve ser (SCHIL-
LER, 1995, p. 110).

Por muito tempo, acreditamos em práticas pedagógicas funda-


mentadas no ensino tradicional. Os tempos, hoje, são outros. Face às
mudanças vertiginosas dos dias atuais, temos que nos atualizar a cada
dia para que não nos sintamos como relíquias do passado. O professor
necessita se ver e se reconhecer como um “orquestrador do processo
educativo (…) que precisa propiciar um ambiente que instrumentalize
o aluno para a sua emancipação social” (BEHERENS, 2005, p. 83).
Somos seres criativos. Criamos por exigência natural, para sermos
o que somos, para exorcizar os nossos fantasmas interiores. Criamos,
por vezes, intuitivamente, e em outros momentos, racionalmente. No
processo criativo, razão e emoção se constituem como faces de uma
mesma moeda. Desde o advento da psicanálise, sabemos, com Freud
(1980, p. 64), que “a natureza deu ao artista a capacidade de exprimir

47
seus impulsos mais secretos, desconhecidos até por ele próprio, por
meio do trabalho que cria”. Por outro lado, quem, como receptor, des-
fruta e aprecia essas obras, sabe que elas “impressionam enormemente
outras pessoas estranhas ao artista e que desconhecem, elas também, a
origem da emoção que sentem”.

Do processo criativo

O pensamento criativo não é um talento, é uma competên-


cia que se pode aprender.
De Bono, 2004.

Criamos para nos sentirmos vivos, para fugir à alienação das nos-
sas realidades, para dar sentido à existência. Como a realidade em que
vivemos não nos basta, com a arte criamos outras muitas realidades,
cujo ponto de partida é, indubitavelmente, essa nossa realidade (por
vezes cruel) na qual estamos inseridos. Criamos, às vezes, do nada. Ou-
tras vezes, impulsionados por motivações múltiplas. Educamos a nossa
prática criativa como educamos e aprimoramos, ao longo das nossas
trajetórias, nossas apreensões, nossos gostos, nossas preferências. As li-
nhas que compõem o nosso traçado artístico vão, com o tempo, com a
prática, melhorando.
Todos nós temos o nosso viés artístico. No limite, o irreverente
espanhol Pablo Picasso afirmava que toda criança seria, naturalmente,
um artista. O problema maior, segundo o pintor, seria como permane-
cermos artistas depois que nos tornássemos adultos. Isso significa dizer
que, aos poucos, no contato com as exigências da vida moderna, vamos
deixando morrer a nossa intuitiva e natural capacidade criativa. Com a
arte representamos objetos, ideias, posturas, mundos, paisagens basea-
das no real, mas sobretudo, imaginárias. Não se trata de uma possível
relação direta e imediata do que se vê, mas de um processo relacional e
interpretativo do artista em relação àquilo que ele cria. Assim, conforme

48
Albinati (2009, p. 4), “uma obra de arte não é a representação de uma
coisa, mas a representação da relação do artista com aquela coisa. […]
Quanto mais se avança na arte, mais se conhece e demonstra autocon-
fiança, independência, comunicação e adaptação social”.
Questionando a citação que inicia esta seção, trazemos a imagem
abaixo, obra do talento de duas alunas, mãe e filha, que faziam parte da
turma. Um pormenor: a pintura – e aí reside uma dificuldade maior
– é feita artesanalmente na superfície de um sabonete minúsculo (cer-
ca de 2,5 cm de diâmetro). A mesma imagem foi reproduzida em um
exemplar maior (6 cm). A riqueza de detalhes, a delicadeza dos traços,
a harmonia das cores em dégradé, tudo merece atenção. Pelo perfeccio-
nismo dos pormenores apresentados, não há como não se lembrar da
delicadeza da arte oriental.

A obra a seguir, também em um sabonete de 6 cm de diâmetro,


é, sem dúvida, de uma riqueza visual impressionante. Extrapolando o
âmbito local, o bucolismo retratado na paisagem remete a cenários uni-
versais, sobretudo, aos europeus. Para a arte, linguagem universal, não
há delimitações. Com ela, expressamos as nossas subjetividades, dando
rumos à nossa busca permanente pela beleza, inventamos mundos ini-
magináveis, transformamos as pedras do cotidiano em pedras preciosas.

49
Face a isso tudo, como não nos deixar seduzir? Como não nos en-
cantar? Como não ficar impressionados? Tudo isso é fruto de um au-
todidatismo que, com o tempo, com a persistência, com a prática, vai
se aperfeiçoando mais e mais. Sensibilidade e técnica a serviço de um
talento que, a despeito das condições inóspitas de vida e de trabalho,
desabrochou, veio à tona e aí está.
Este é um dos muitos exemplos que poderíamos mencionar. O ta-
lento pode superar as adversidades. Aliás, sempre supera. Por meio da
arte, podemos exteriorizar a nossa criatividade. Situações adversas são,
por vezes, oportunidades únicas para que aprendamos a lutar, a tomar
decisões, a confrontar, desafiando-nos para que sejamos criativos, inci-
tando-nos a mudar cenários habituais para que cresçamos como seres
humanos. Temos que ter os olhos abertos e criarmos disponibilidades
para nos defrontar com o novo, com o inusitado, com o inesperado.
A arte, intertextual e interdisciplinarmente, constitui-se como janelas
permanentemente abertas para a contemplação de nós mesmos e, ao
mesmo tempo, para a contemplação de outros muitos mundos. É, nesse
sentido, muito mais que registros singulares de experiências individuais
que, extrapolando o âmbito do meramente pessoal, ganham outras di-
mensões inimaginadas.

50
Para encerrar poeticamente, citamos os versos de Fernando Pes-
soa, que dão conta da universalidade da arte e da criação:

Da minha aldeia vejo quanto da Terra se pode ver no Universo…


Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura… (PESSOA, 1980, p. 43).

Vivenciar, portanto, a arte em sua potencialidade e abrangência


criativa, respeitar os processos individuais de criação, extrapolar as li-
mitações impostas pela aridez da vida cotidiana, estimular e educar a
percepção estética, respeitar a diversidade histórico-cultural, estes são
alguns dos preceitos que, como docentes, devemos ter em mente quan-
do pensamos em dinamizar e ressignificar convincentemente a nossa
prática docente, principalmente levando-se em consideração o âmbito
artístico-discursivo.

REFERÊNCIAS

ALBINATI, Maria Eugênia Castelo Branco. Artes visuais. Artes II. Belo
Horizonte, 2008.
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspec-
tiva, 1996.
BENJAMIN, Walter. A crise do romance; Experiência e indigência; O
narrador. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: en-
saios sobre literatura e história da cultura. 8. ed. São Paulo: Brasiliense,
2012. (Obras Escolhidas I).
BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma emergente e a prática pe-
dagógica. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
FREUD, Sigmund, Edição Standard Brasileira das Obras Completas
(ESB). Rio de Janeiro: Imago, 1980.
FRÓIS, João Pedro. Educação Estética e Artística. Abordagens Transdis-
ciplinares. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.

51
PESSOA, Fernando. Ficções do interlúdio 1: poemas completos de Al-
berto Caeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. São Paulo: Ilumi-
nuras, 1995.
SILVA, L. L. M. da et al.  O ensino de língua portuguesa no primeiro
grau. 2. ed. São Paulo: Atual, 1986.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o
ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1997.
VIEIRA, Rita Alves; FERREIRA, Racilda Maria Nóbrega; SCHMIDLIN,
Regina de Fátima Mendes. A prática pedagógica de professores de lín-
gua portuguesa em uma perspectiva de transversalidade e desenvolvi-
mento de competências comunicativas. Revista F@pciência, Paraná, v. 7.
n. 3, p. 26-40, 2010.

52
ENSINO DE ARTE + DIVERSIDADE
+ RESISTÊNCIA CULTURAL25

Arthur Leandro26

Lembro de uma conversa na mesa da cozinha da residência da


professora Carminha durante um encontro de orientação de TCC de
Macilene Castro. Macilene e Carminha são irmãs, Carminha é pedago-
ga formada pela UEPA, e Macilene, àquela época (2015), fazia seu TCC
em licenciatura plena em Artes Visuais pelo Parfor, em Moju/PA, um
memorial de toda a sua trajetória escolar até concluir a licenciatura em
Artes Visuais. Como parte do memorial, ela também analisava a atua-
ção da irmã, professora de arte em uma escola de ensino fundamental
daquele município. Macilene criticava a irmã porque esta usava a carga
horária destinada à arte para o ensino de outras disciplinas, e Carminha
respondia que não tinha as condições necessárias para o ensino de artes,
e que, para apresentar a arte para os estudantes, ela teria que providen-
ciar o deslocamento de todas as turmas para visitar galerias e museus
em Belém.
Recorro, também, a uma outra memória, anterior à esta da con-
versa na cozinha da professora Carminha. Foi numa sala de aula, tam-
bém num projeto de formação de professores, mas da Universidade

25
Relato de experiência docente na formação de professores de Artes Visuais pelo
Parfor da UFPA.
26
Artista e professor da Faculdade de Artes Visuais da UFPA. Mestre em História da
Arte pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

54
Federal do Amapá (Unifap), para uma turma do município de Serra
do Navio/AP, em 2003. Era o primeiro dia de aula e eu provocava os
estudantes para que falassem de suas experiências como professores e
as dificuldades para o ensino de artes nas escolas em que atuavam. Gina
é professora em escolas indígenas para os povos waiãpi, way-way e apa-
laí, e foi ela quem me trouxe o cerne da problemática imposta a mim
e a todos os professores de arte em todos os níveis de ensino. Ela me
dizia que trabalhava em comunidades de sociedades de povos originá-
rios e que, naquelas comunidades, todos pintam o corpo, os utensílios
domésticos, e todos constroem os adornos que nutrem o manancial
simbólico que identifica aquela comunidade. Mas Gina, assim como
eu, e assim como todos os professores de arte, também recebia da Se-
cretaria Estadual de Educação (SEED/AP) o conteúdo programático
de cada série em que atuava como professora, e esses conteúdos não
dialogavam com as culturas indígenas (nem com culturas negras qui-
lombolas), e eram sempre a visão europeia do fazer artístico. Dizia da
dificuldade dessas comunidades em compreender o porquê da existên-
cia dos grandes mestres da arte universal, ou mesmo compreender os
seus códigos de representação.
Em todos os municípios em que atuei na formação de professores,
é quase sempre a mesma coisa e o mesmo discurso. Por aqui se impreg-
nou uma ideia de que arte é apenas um determinado tipo de produção
de origem eurocêntrica e que se insere na indústria cultural e no mer-
cado de arte e que vive nas galerias e museus de zonas metropolitanas
nas capitais do estado ou nos espaços de exposição que a maioria de
nós só sabe que existem em matérias televisivas, e é talvez por isso que
(quase) ninguém por aqui se reconheça artista. E talvez por esse motivo
também pareça que não é legítimo falar em produção – e nem em ensi-
no – de artes na Amazônia.
Mas de onde veio isso? Qual é o papel do professor de artes nes-
se contexto? Como devolver ao cidadão amazônida esse direito de ser
artista?

55
Imagem 1: sessão cineclubista na Escola Municipal de Ensino Fundamental
Maestro João Leite (2012), em Tucuruí, uma experiência da turma do Parfor
em Artes Visuais do Polo Tucuruí da UFPA em parceria com a Federação Pa-
raense de Cineclubes (Paracine), a diretoria norte do Conselho Nacional de
Cineclubes Brasileiros (CNC), a rede [aparelho]-: e o Cineclube Nangetu.

O que faço aqui é um relato de experiência, um texto ensaísta em


que tento compartilhar a experiência de ser professor de disciplinas
teóricas, mas principalmente nas disciplinas de laboratórios de experi-
mentação artística para as turmas de formação de professores de arte
nas ribeiras da Amazônia paraense. Parto do princípio que não se pode
perder de vista que o estado do Pará é a unidade da federação de maior
população autodeclarada preta e parda no Censo de 2010, e que além
de ser o estado de maior população negra, 76% da população na soma
de preta e parda, é também um estado de grande concentração de co-
munidades quilombolas e de terras indígenas. Isso tudo diante do ra-
cismo da sociedade brasileira, em especial, o racismo institucional, ou
seja, aquele em que o Estado nega o acesso aos bens públicos, inclusive
aos bens culturais, e promove a exclusão da população de origem negra
e indígena do sistema econômico e das esferas de decisão, assim como

56
do direito de ser artista e de reconhecer a arte que resulta dessa diver-
sidade cultural e em seu lugar de habitação.

Imagem 2: exercícios de liberdade do corpo. Turma de Tailândia/PA, 2016.

Nesse contexto colonizador, desde quando começou a se falar em


arte nas Amazônias, ela é importada para o deleite da elite e negada à
maioria da população. João de Jesus Paes Loureiro afirma que, do ponto
de vista oficial da classe dominante sobre a cultura amazônida, e “re-
fletindo a separação qualitativa entre o alto e o baixo, [a visão oficial]
tem entendido rigidamente como alto a produção alienígena e, como
baixo, a produção local, regional”. E que, no período da borracha, ápice
na economia regional, consagrou-se esse modelo que legitima o ‘im-
portado’ como boa arte, relegando a produção local à sua própria sorte
na luta por sobrevivência e afirmação.27 Olhando de outra perspecti-
va, Osmar Pinheiro Junior diz que o isolamento cultural da região em

27
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Por uma fala amazônica. In: FUNARTE. As artes
visuais na Amazônia: reflexões sobre uma visualidade regional. Rio de Janeiro; Be-
lém: Funarte; Semec, 1985, p. 112-122.

57
relação à produção artística brasileira, ou mesmo de outro país, criou
“formas agudas de esquizofrenia cultural”, pois, na Amazônia, “discutia-
se questões de arte, sem obras, e caminhos sem referenciais, movimen-
tos de arte sem cronologia ou seja, sem história”, resultado da “prática
de uma elite sequiosa de diferenciação cultural, [que] determinou uma
forma de estagnação cujas consequências se fazem sentir ainda hoje”.
Para ele, a história da arte amazônica é culturalmente dependente de
modelos externos, uma “sucessão de episódios isolados sem nenhuma
organicidade”.28

Imagem 3: narrativas gráficas, experimentação de desenho com areia.


Tailândia/PA, 2016.

Para a consciência do ser amazônida, é primordial compreender


que a violência em diversas formas foi variável fundamental na consti-
tuição da sociedade, pois é fato que a ocupação europeia do hoje territó-
rio brasileiro foi feita mediante a destruição de centenas de culturas dos
povos que aqui viviam e a morte de milhões de ameríndios e de negros

28 PINHEIRO JR., Osmar. A visualidade amazônica. In: FUNARTE. As artes vi-


suais na Amazônia: reflexões sobre uma visualidade regional. Rio de Janeiro; Be-
lém: Funarte; Semec, 1985, p. 90-100.

58
trazidos para a escravidão. Sabe-se, atualmente, da grande diversidade
e da riqueza sociocultural dos numerosos grupos indígenas, vitimados,
ao longo desse processo de colonização e expansão territorial, pelo Es-
tado luso-brasileiro e por iniciativas particulares, fosse pelo confronto
direto em combate, fosse por doenças, escravidão ou pela desorganiza-
ção de sua vida social, motivos pelos quais os índios brasileiros foram,
em grande parte, dizimados.

Imagem 4: sem título, motivação ‘cartas para ribeirinhos’, mensagens


entregues a viajantes. Obra coletiva. Santarém/PA, 2017.

Da mesma forma, com a experiência escravagista que implicou


violenta dominação física, ideológica e simbólica, a mão de obra africa-
na foi objeto do tráfico durante quase quatro séculos. Milhões de indi-
víduos vindos de diferentes regiões e culturas africanas foram trazidos
coercitivamente para o território brasileiro como parte de um sistema
de divisão de trabalho internacional, no qual os colonizadores lucravam
com o esforço de outros povos, a quem era destinado o trabalho em
plantações de açúcar, tabaco e café ou desumanamente explorados em
minas de metais preciosos, que constituiu a contribuição deste lado do
Atlântico Sul ao bem-estar da Inglaterra, por meio da península ibérica.

59
Inegavelmente, no Brasil se formou uma sociedade heterogênea,
complexa e racialmente conflituosa, que apesar da dimensão de ex-
ploração e crueldade social, apresentou extraordinárias facetas de rica
interação e trocas socioculturais. Porém, considerando o percurso da
evolução histórica da sociedade brasileira, podemos dizer que aqui se
construiu uma hierarquia peculiar referente ao aspecto étnico-racial do
povo brasileiro, e que até hoje, o passado colonial e escravocrata ainda
pesa na estrutura político-social deste país. E ainda: que não é apenas
o Estado brasileiro que é autoritário, mas a própria sociedade civil, es-
truturada sobre relações de favor, tutela e dependência. A colonização
mercantilista, o imperialismo, o coronelismo, o regime das oligarquias
antes e depois da independência, tudo isso somado a um Estado mar-
cado pelo autoritarismo burocrático, contribuiu decisivamente para a
vertente de violência que atravessa a história do país.
A violência da fome brasileira é a matéria que Glauber Rocha
defende como marco para o cinema novo brasileiro. Na Eztetyka da
Fome,29 ele diz que os personagens desses filmes comiam terra, matavam
e roubavam para comer, e que aos olhos dos europeus, essa realidade
parecia um estranho surrealismo tropical. Porém, é “aí que reside a trá-
gica originalidade do Cinema Novo diante do cinema mundial: nossa
originalidade é a nossa fome, e nossa maior miséria é que esta fome,
sendo sentida, não é compreendida”. Pobreza, miséria e mendicância de
um país que, na visão dele, ainda permanecia na condição de colônia.
E acrescenta que a “estética da violência (…) é revolucionária. Eis aí o
ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência do colo-
nizado: somente conscientizando sua possibilidade única, a violência, o
colonizador pode compreender, pelo horror, a força da cultura que ele
explora”.

29
ROCHA, Glauber. Eztetyka da fome. Disponível em: <http://www.tempoglauber
.com.br/t_estetica.html>. Consultado em: março 2017.

60
Imagem 5: narrativas gráficas. Título: Professora Darcy do Codó. Experimenta-
ção de fanzines com histórias de superação do racismo. Obra coletiva, Tailân-
dia/PA, 2016.

“Para nós, arte é campo de batalha na guerra simbólica”.


Táta Kafungeji (Rodrigo Ethnos), 2015.

Glauber ainda diz que, enquanto “não ergue as armas, o coloniza-


do é um escravo: foi preciso um primeiro policial morto para o francês
perceber um argelino”, mas que essa violência, contudo, não provém de
ódio, como também não está ligada ao velho humanismo colonizador,
mas ao amor, e que o amor que esta violência encerra é tão brutal quan-
to a própria violência, porque não é um amor de complacência ou de
contemplação, mas um amor de ação e transformação.

61
Imagem 6: visita à escola indígena na aldeia Trocará, povo Assurini, Parfor de
Tucuruí/PA, 2012.

Imagem 7: visita ao Centro Cultural da aldeia Trocará para conhecer a pro-


dução de brinquedos zoomorfos do povo assurini. Parfor, Tucuruí/PA, 2012.

“A maior riqueza / do homem / é sua incompletude. / Nesse


ponto / sou abastado. / Palavras que me aceitam / como sou
/ — eu não aceito. / Não aguento ser apenas / um sujeito

62
que abre portas, que puxa / válvulas, que olha o relógio, que
compra pão / às 6 da tarde, que vai / lá fora, que aponta
lápis, / que vê a uva etc. Etc. / Perdoai. Mas eu / preciso ser
Outros. / Eu penso / renovar o homem / usando borbole-
tas.” Manoel de Barros, Retrato do artista quando coisa

Se a questão é a do papel do professor, tomo pra mim, e para a mi-


nha atuação artística, docente e política, a diretriz indicada por Glauber
Rocha, do “amor de ação e transformação”, de um amor afetivo e brutal
que evidencia a cultura do oprimido e confronta, com força poética,
essa violência que nos é imposta como humanismo colonizador. Reno-
var o ensino de artes a partir da consciência de si, de seu lugar, de sua
importância no mundo e da observação e análise da realidade em que
vivemos. Richard Huelsenbeck, no Manifesto Dadá de 1918, apontava
para a necessidade de uma prática cultural de caráter libertário no seio
da sociedade. Para ele, “a arte, para sua execução e desenvolvimento, de-
pende do tempo no qual vive”, e que a arte maior será aquela que vier a
apresentar conteúdos conscientes dos múltiplos problemas de seu tem-
po, “aquela que se fará sentir como sendo sacudida pelas explosões da
semana precedente, aquela que tenta se recompor depois das vacilações
da noite anterior”, pois os artistas são um produto de sua época, e “os
melhores e mais insólitos artistas são aqueles que, a qualquer momen-
to, arrancam pedaços do próprio corpo, do caos da catarata da vida, e
os recompõe”. É essa recomposição transformadora que propomos en-
quanto ação poética e educativa, mas como Manoel de Barros, também
precisamos ser outros, aqueles que têm consciência de sua realidade e
que carregam água nas peneiras, alicerçam casas em orvalhos e correm
para mostrar aos irmãos que roubaram ventos. Todos nós, professores-
artistas, estudantes-artistas, renovados em borboletas.30

30
Referências às poesias de Manoel de Barros “Retrato do artista enquanto coisa” e
“O menino que carregava água na peneira”. Disponíveis em: <http://www.revista-
bula.com/2680-os-10-melhores-poemas-de-manoel-de-barros/>.

63
Imagem 8: Procissão fluvial. Motivação ambiental. Autoria: Rosana Furtado.
Barquinhos de papel em procissão nas valas do Mercado Central de Capane-
ma/PA, 2013.

Se a realidade da história das artes visuais na Amazônia é a


segregação, Osmar Pinheiro Jr. percebe, nas coloridas pinturas de fa-
chadas de casas, de embarcações e em toda a produção de cultura na
Amazônia negra e indígena, a revelação de

condições particulares de uma outra ordem, onde não ex-


iste mercado de arte, onde o suporte da obra é a casa, o
barco, o boteco, o papagaio, o brinquedo. Onde o artista são
todos… (…) Onde arte e trabalho são parte de um mesmo
movimento cuja razão é o afeto; que quatro séculos de vio-
lência colonizadora não foram capazes de destruir.31

E a quem interessa o mercado de arte quando temos todo um mer-


cado simbólico identitário à nossa disposição? A intenção é a de agir no
seio da sociedade e de produzir arte com ressonância social. O caminho
para que essas coisas aconteçam é potencializar a ação afetuosa na pro-
dução de visualidade.

31
PINHEIRO JR., op. cit.

64
Imagem 9: O velório da Castanheira. Motivação ambiental. Cama de serragem
com a frase escrita em fogo na praça central de Moju/PA. Autoria: Anne Sou-
za, 2013.

Imagem 10: Paz. Motivação: denúncia do extermínio da juventude negra.


Baldes pretos com a inscrição ‘PAZ’, e com furos pelos quais escorre água com
corante vermelho na esquina onde houve chacina de jovens negros na área
central do Moju/PA. Autoria: Tica Pinheiro, 2013.

65
“Pretendo estender o sentido de ‘apropriação’ às coisas do
mundo com que deparo nas ruas. Isto seria um golpe fatal
ao conceito de museu, galeria de arte, etc., e ao próprio con-
ceito de exposição – ou nós o modificamos ou continuamos
na mesma. Museu é o mundo; é a experiência cotidiana.”
Hélio Oiticica, 1966.

Olhe para os lados, veja o mundo, compreenda a realidade, in-


tervenha no real e questione a autonomia moderna na instituição arte,
esta arte que é percebida pela população como pertencente a um espaço
separado e sem comunicação com outras esferas da vida, que afasta a
produção artística da sociedade para outro mundo onde a arte quer bas-
tar-se em si mesma e bastar-se como monetarização de mercado. Essa
separação a torna produção poética entorpecente e inofensiva. Mas se
aliarmos a produção de arte com ações que visam à consciência da exis-
tência e que possam contribuir com a mobilidade social de capacidade
transformadora, chegaremos a uma educação libertária.

“O menino sonhou / Com a volta do velho guerreiro / Do


coração da natureza / Bradando assim / Hoje é meu último
dia / Você vai viver por mim / Pegue a minha cinza e espal-
he pelo ar / Para que o sol e a lua voltem a brilhar”. Osvaldo
Garcia e Albertino Garcia. Tuyá: pequeno índio guardião
da floresta renascida, samba de enredo do Rancho Não
Posso me Amofiná. Desfile das escolas de samba de Belém,
carnaval de 1981 (enredo de Bechara Gaby).

O que eu faço enquanto professor é propor uma série de debates


teóricos – debates que relacionam práticas artísticas à consciência his-
tórica do contexto do desenvolvimento regional da Amazônia – ao mes-
mo tempo em que a turma experimenta exercícios de percepção senso-
rial e de libertação do corpo (corpo físico, corpo social, corpo político,
corpo poético). Incentivo a pesquisa para o uso de materiais disponíveis
em cada lugar, e quase sempre o que tenho como resultado são traba-

66
lhos que versam as nossas relações com a natureza, ordem social e seus
símbolos, que nos livram da mordaça e nos alforriam daquilo que nada
acrescenta. E assim, fazemos soar a voz dos marginalizados no processo
controlador do desenvolvimento regional, da história da Amazônia bra-
sileira e da história da arte negada aos povos indígenas e aos negros na
diáspora amazônida. Fazemos soar a voz poética que quer ser de todos
e que sai das entranhas do nosso próprio contexto para ser agente co-
laborador para a tomada de consciência da nossa condição no mundo.

Imagem 11: Proibido proibir. Motivação: combate à cultura do estupro. Centro


comercial do Moju/PA. Autoria: Taissa (ver sobrenome), 2013

REFERÊNCIAS:

BARATA, Manoel. Formação Histórica do Pará. Belém: UFPA, 1973.


(Col. Amazônica).
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro:
DP&A, 2003.
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura amazônica: uma poética do
imaginário. São Paulo: Escrituras Editora, 2001.

67
__________. Por uma fala amazônica. In: FUNARTE. As artes visuais
na Amazônia: reflexões sobre uma visualidade regional. Rio de Janeiro;
Belém: Funarte; Semec, 1985.
PINHEIRO JR., Osmar. A visualidade amazônica. In: FUNARTE. As ar-
tes visuais na Amazônia: reflexões sobre uma visualidade regional. Rio
de Janeiro; Belém: Funarte; Semec, 1985.
ROCHA, Glauber. Eztetyka da fome. Disponível em: <http://www.tem-
poglauber.com.br/t_estetica.html>. Consultado em: março 2017.
VASCONCELOS, Giseli (Org.). Dossiê: Por uma cartografia crítica da
Amazônia. Belém; Santarém: edição independente, 2012. Disponível
em: <http://dossie.comumlab.org/>. Consultado em: março 2017.
SCHWARZ, Roberto. Cultura e política. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

68
Urbanus: entre a teoria e a prática da percepção visual
Daniely Meireles32

A cidade aparece como um todo no qual nenhum desejo é


desperdiçado e do qual você faz parte, e, uma vez que aqui
se goza tudo o que não se goza em outros lugares, não resta
nada além de residir nesse desejo e se satisfazer.
(Ítalo Calvino)

O trabalho com a disciplina Percepção Visual nas turmas do


Parfor tem sido uma descoberta dos inúmeros meios e possibilidades
investigativas do cotidiano, do comportamento humano e da cultura
popular de cada município trabalhado. Desde 2010, a experimentação
caracteriza o ensino dos princípios básicos da percepção, alicerçados em
autores de diversas áreas, como Arnheim (1991), Merleau-Ponty (1975;
1996), Ferrara (2002; 2007), Bachelard (1978; 1994) e, mais recentemen-
te, Belting (2014) e Didi-Huberman (2013), que me ajudaram a pensar
a visualidade como produto do pensamento, da experiência sensitiva e
das relações entre o sujeito e sua cultura. O relato aqui evidenciado se
construiu a partir do confronto dos autores e de seus conceitos, muitas
vezes complexos, somado à percepção eminentemente ativa dos alu-
nos que compuseram as turmas dos municípios de Castanhal (2010) e
32
Doutoranda em Artes (UFMG/2016). Mestre em Artes (UFPA/2012). Especia-
lista em Semiótica e Artes Visuais (UFPA/2005). Licenciada plena em Educação
Artística - Artes Plásticas (UFPA/2002). É professora de artes visuais na Escola de
Aplicação da Universidade Federal do Pará e membro da Associação Nacional de
Pesquisadores em Artes Plásticas (2014) e da Federação dos Arte-Educadores do
Brasil (2014).

70
Moju (2011), bem como os que fazem parte da turma do município de
Concórdia (2016). Configuram-se como pedaços da cidade, da cultura
cotidiana e das afinidades, que endossam o rol de inúmeras possibilida-
des perceptivas de que dispomos a partir do momento em que abrimos
os olhos.
Em Arnheim, amparei o sentido da descoberta, da visão como sen-
tido que alcança, tateia, conhece; da visão que explora o objeto com
propriedade física de quem o conhece por todas as suas partes; do olhar
que explora ativamente todas as informações, reconhecendo-as e signi-
ficando-as como parte do que se vive, do meio, do acontecimento. Bem
no ponto onde Lucrécia d’Alessio Ferrara instala seus conceitos sobre vi-
sualidade e visibilidade (FERRARA, 2002, p. 120), habitando um campo
de imensas possibilidades de fluidez e construção do tempo, da vivência
e experiência tridimensional: a cidade.
A cidade, para Ferrara, é esse espaço real que infinitamente gera
outros – virtuais. Espaços imprevisíveis que se revelam como novidade
sempre que o olhar se permite ver detalhes, perceber resquícios, esta-
belecer conexões e criar dispositivos (AGAMBEM, 2009). Castanhal,
apelidada de “Cidade Modelo”, a cerca de 68 quilômetros da capital pa-
raense, ainda conserva uma brisa de vegetação virgem e casas com enor-
mes quintais – e até igarapés –, aglomerando várias culturas desde os
idos de sua fundação, em 1932. Moju: município a 266 quilômetros da
capital Belém – na rota feita pela PA-155 –, cujo nome, de origem tupi,
significa “rio das cobras” – pela junção de  mboîa  (cobra) e  ‘y  (rio) –,
cidade calma, com cerca de 80 mil habitantes (IBGE, 2016), está situada
à margem direita do rio do mesmo nome, abaixo da saída do canal de
Igarapé-Miri. Concórdia do Pará: cidade com largas estradas de terra,
emancipada em 1988 e movimentada por caminhoneiros, agriculto-
res e madeireiras, dividindo seus limites com outros municípios, como
Tomé-Açu, Acará e Mãe-do-Rio.
Descobrir essas cidades por suas cores, formas e movimentos diá-
rios foi o exercício proposto nas aulas, buscando uma forma de percep-

71
ção que vai além dos pontos turísticos, dos lugares que todos conhecem
ou das personalidades importantes. Ao contrário, uma percepção mais
ativa e centrada no cenário urbano e todas as suas reentrâncias – o
mercado, a casa, o quintal –, compreendendo-o como uma esfera hu-
mana, cultural e fluida, que sempre engendra novos lugares e novos
tempos entre-espaços. Essa configuração “supõe desmascarar a cidade
como espaço trivial, quotidianamente igual e exposto aos olhos de to-
dos” (FERRARA, 2007, p. 39), o que implica partir de um movimento
de fora para dentro do objeto, do espaço e do tempo que compõem a
cidade. Um movimento artístico que sugere a necessidade do recorte e
da tradução.

1. De fora para dentro

Nos três municípios foi aplicada uma mesma metodologia. O pri-


meiro movimento buscava atingir diretamente o conhecimento cultu-
ral que cada um trazia sobre arte, ensino de arte e produção artística.
O choque foi apenas uma consequência positiva do ato de provocar o
olhar. A cidade estava ali e precisava ser percebida, adentrada, violada.
Todos transitavam nela diariamente, precisavam dela diariamente, tra-
balhavam nela diariamente e começavam a perceber que sequer a perce-
biam como um macroespaço prenhe de imagens e significados.
Filmes e vídeos foram utilizados metodologicamente com o único
objetivo de direcionar a percepção para o estranho, para aquilo que a
maioria rejeitava, para o não óbvio. Nas três turmas, as discussões enca-
minhadas diziam de uma prática alheia ao cotidiano rotineiro de todos
eles: o ato de perceber cada coisa com paciência, incitando cada aluno a
um comportamento novo de ver a cidade e o que a cobre. Sair do plano
comum e conseguir transitar em planos quase aéreos, num movimento
que sobrevoa a cidade e a transforma em espetáculo permanente.
Arnheim (1991) embasou as ações da descoberta das relações en-
tre teoria e prática, ampliando o clima de interesse e pesquisa, num mo-

72
vimento de fora para dentro do objeto, pesquisando sua estrutura física,
sua composição com o cenário, sua idiossincrasia, no momento em que
o olho se torna corpo e vice-versa. A natureza externa buscava o interno
e o interno causava uma sensação desconcertante de apresentação, de
vir para fora, de se externalizar, deixar-se converter. Na compreensão de
uma conversão que se usa de um ato de liberdade para aparecer como
criação, como produto autônomo, independente – em certos aspectos –
da fonte que realmente o motivou: um novo signo.
A partir dessa prática, a cidade se torna um espaço visual e antro-
pológico, e sua imagem se torna objeto de consumo e desejo. Passeando
pelas ruas, sentindo o fluxo da continuidade urbana, cada participante
do processo tinha duas opções: sentir rapidamente o cenário, de manei-
ra casual e apressada, ou exercitar uma prática de percepção autônoma,
capaz de escolher figuras, cores, misturas, para então amá-las, inaugu-
rando possibilidades de instantes ternos de namoro com o objeto esco-
lhido, que nunca morre, porque nunca é o mesmo, porque sempre ativa
no cérebro conexões que o transforma em um complemento de nossas
lembranças. É por isso que só contemplamos/amamos aquilo que nos
interessa. Foi o momento de redescoberta da beleza nos detalhes comu-
mente ignorados: no lixo, na carne, na feira; nas flores, nas árvores, nas
casas; nos rios, nas estradas, nas nuvens.
Para tanto, a fotografia foi utilizada como recurso didático para a
captura dos recortes. Para além da simples técnica que qualquer câmera
digital possibilita, a visão direcionava o pensamento artístico. Tratava-
se de compreender também a conversão da imagem urbana em imagem
fotográfica, refletindo, a partir das palavras de Belting, na noção de uma
imagem antropológica, que:

Surge como o resultado de uma simbolização pessoal ou


coletiva. Tudo o que comparece ao olhar ou perante o olho
interior pode, deste modo, aclarar-se através da imagem
ou transformar-se numa imagem. Por isso, o conceito de
imagem, quando se toma a sério, só pode ser, em última

73
análise, um conceito antropológico. Vivemos com ima-
gens, compreendemos o mundo com imagens (BELTING,
2014, p. 21-22).

De acordo com esse pensamento, a imagem da cidade é formada a


partir de uma série de combinações de valor, a partir do meio, da ação
do homem e de sua devida interferência, sendo uma tarefa quase im-
possível ignorar sua força e sua pregnância. Para as turmas, tal teoria se
configura em perceber visualmente a imagem urbana, compreendendo-
-a como resultado da história do município, das trocas culturais diárias,
da benevolência do tempo, para, de posse de sua imagem, fundar ima-
gens poéticas, livres da insígnia do mero registro e fazer infértil.

2. De dentro para fora

A primeira busca esteve centrada na percepção de objetos que


compunham a cidade, ora embelezando-a, ora apresentando seu lado
sujo. Coisas inanimadas representadas em cores, claras como o centro
da cidade, coloridas também na evidência dos suportes, reveladas a par-
tir da matéria que se projeta para fora, em busca de novos olhares, novos
corpos que veem.

Recorte 1: Ventilador Recorte 2: Cerca (2016). Recorte 3: Mercado


(2010). Dany Meireles (2010).
Cássia (Castanhal). (Concórdia). Ednaldo (Castanhal).

74
Além do direcionamento e sistematização da prática, cabia a mim
fazer parte do processo, deixando também meus registros, o que, ao
final de cada “passeio”, gerava agradáveis momentos de troca, conversas
e até risadas. Os alunos compreendiam a intenção da proposta e pas-
savam a habitar o espetáculo que o cotidiano urbano oferecia, parando
diante de uma cena e pensando: “Pôxa, isso dá uma foto!”. Não um
mero registro de prédios, ou um simples amontoado de coisas. Antes,
um recorte individual, uma percepção única, local, mas paradoxal-
mente, universal. De posse dessa habilidade, os professores se torna-
ram multiplicadores em potência, provocando, em cada município, em
cada sala de aula, a curiosidade própria do ato de ver. A cidade, per se,
sustenta-se como o campo de estudo do educador contemporâneo, e
sua imagem representa o retrato dos trânsitos culturais de um tempo
marcado por instantes.
Nesse sentido, a imagem da cidade se converte em imagem foto-
gráfica, captando o tempo e a energia de cada cena, em um “permanen-
te processo de traduções simbólicas, remoldagem na significação dos
signos ou de multiplicação dos gestos de simbolização” (LOUREIRO,
2007, p. 12). Ou seja, um procedimento pelo qual cada participante do
processo, cada grupo, seria agente criador/recriador de um pedaço de
pensamento, inserido no suporte que concretiza o significado em obra,
representação de um pedaço de realidade, prenhe de infinitas combina-
ções sígnicas. Não era a técnica fotográfica que estava em jogo, mas o
olhar e seus registros, seus flertes e suas conquistas. Uma percepção que
está para além dos textos e teorias expostas em slides. Uma percepção
curiosa, que descobre, pega e ama.
A partir da percepção das coisas e dos lugares – que caracterizou
os primeiros movimentos em direção à cidade –, os encaminhamen-
tos estiveram voltados para a apreensão da gente, das pessoas e suas
atitudes, suas marcas, suas personas, seus papeis. A cidade se revelava
como o lugar onde os vários lugares se fundem e se rompem em doses
de semioses ininterruptas, e o cotidiano como o tempo que é num cur-

75
to espaço de não mais ser, como o espaço do volátil e do fluido. Per-
ceber as pessoas e seus trânsitos seria exercitar a sensibilização para
essa liquidez, no ponto de onde nasce a curiosidade para o modo de
vida de cada sujeito urbano, significando e ressignificando, adequando
interesses, vontades, opiniões várias, relativas à cultura e à vida, uma
prática que não depende apenas da observação da arquitetura e dos
objetos, “mas do olhar do leitor capaz de superar o hábito e perceber
as diferenças: um olhar que se debruça sobre a cidade para perceber
suas dimensões e sentidos, que estabelecem o lugar como fronteira
entre a cidade e o sujeito atento” (FERRARA, 2002, p. 128-129). Um
olhar que abraça antropologicamente e se enamora da imagem real do
cotidiano.
Na cidade, nossa percepção chega aos objetos, e uma vez compre-
endida, aparece como a razão, o porquê de todas as experiências que
deles tivemos ou que deles poderíamos ter. Todo o sistema de percepção
do mundo é constituído a partir disto, conforme aponta Merleau-Ponty:

Tudo o que existe, existe como coisa ou como consciên-


cia, e não há meio termo. A coisa está em um lugar, mas
a percepção não está em parte alguma porque, se estivesse
situada, ela não poderia fazer as outras coisas existirem para
ela mesma, já que repousaria em si à maneira das coisas.
A percepção é portanto o pensamento de perceber (MER-
LEAU-PONTY, 2006, p. 67).

Perceber e entender essa noção de efemeridade e intimidade con-


siste em ensaiar um comportamento discreto de quem se torna cúmpli-
ce da imanência cotidiana, traduzindo-o em uma visualidade de tempo
diferenciado, de tempo construído em preto e branco, de tempo onde
as pessoas se veem em jogos de luz e sombra revelados. Este foi o se-
gundo movimento: de dentro de cada identidade percebida e projetada
para fora do suporte, assumindo um caráter de uma nova espécie: o
de arte.

76
Recortes 4, 5 e 6: Fragmentos cotidianos (2010).
Ednaldo, Mara, Silvana (Castanhal).

Em turmas de graduação em Artes Visuais, é compreensível e im-


prescindível a preocupação com o olhar e fazer artísticos. A fotogra-
fia passa de mero registro a exercício estético/artístico, com múltiplas
possibilidades de edição, mas com a certeza de que aquele recorte físi-
co e concreto representa parte da cumplicidade criada entre o sujeito
que percebe e o assunto que é percebido, adequando teorias diversas
de percepção, composição e interculturalidade à história da cidade. É
nesta dimensão antropológica da percepção urbana que se constrói a
noção de uma imagem arraigada com seu meio, sua energia, sua gen-
te; que tem o poder de se reconstruir a cada tempo, a cada fração de
segundo, quando o olhar se detém sobre ela, a contemplar. Uma ima-
gem “sobrevivente à sua própria morte” (DIDI-HUBERMAN, 2013),
anunciada em cada momento em que é necessário substituí-la por um
novo flerte, um novo objeto de desejo. Uma beleza que não tem hora
para ser alterada, dado seu caráter efêmero e que só adquire valor es-
tético na velocidade do tempo urbano, sendo que se completam e se
legitimam nas massas.

77
Recorte 7: Açougue (2011). Airton e Recorte 8: Bar e Lanchonete (2011).
Dionéia (Moju). José, Vera, Danúzia, Ivanilza (Moju).

O lugar-comum deixa de ser repetitivo e mecânico e altera sua pró-


pria maneira de se dar a perceber. Valores de gosto são alterados – ou no
mínimo afetados – quando o olhar passa a se dedicar a espaços antes jul-
gados como “feios”, “sujos”, “não-apropriados”: a feira, o açougue, o lixo
acumulado, o esgoto, tudo passa a ser compreendido como motivação
estética, por meio da ânsia e da persistência. A percepção do urbanus de
cada lugar extrapola o ato de olhá-lo comumente, adaptando a percep-
ção a novos lugares, novos interesses.
No processo de compreensão das teorias da percepção visual, o
objetivo maior era fazer com que os estudantes de arte – os professores,
coordenadores, artistas, que caracterizam as turmas do Parfor no inte-
rior do estado – não apenas compreendessem as muitas possibilidades
metodológicas na pesquisa com a percepção, mas que vivenciassem di-
retamente, nos bairros, nas ruas, feiras e comércios, o sentido/sentimen-
to da imagem urbana, que persiste em seu real sentido de existência para
as pessoas que produzem a urbe todos os dias, inclusive eles próprios,
descobrindo na imanência o que cada coisa, cada sujeito, cada suporte e
cada espaço urbano apresentam ao corpo que se constrói como instru-
mento de percepção.

78
3. Conversão final: dois relatos

Em meio a inúmeras possibilidades de engendramento metodo-


lógico sobre como converter a imagem da cidade – seus fenômenos e
suas culturas – em outros objetos de valor artístico, simbólicos, a partir
das habilidades técnicas de cada participante da disciplina, a opção es-
colhida foi a utilização da pintura, conseguindo ser executada em dois
municípios: Castanhal e Concórdia.
Em Castanhal, a turma foi orientada à percepção de identidades,
onde cada um buscou se ver, descobrir-se e se revelar. Não se limitan-
do às questões de habilidade em desenho, cada aluno produziu um au-
torretrato em pintura sobre tecido. As particularidades técnicas foram
evidenciadas como conhecimento prático, devido ao fato de que mui-
tos nunca haviam pintado um suporte diferente do papel. Mais uma
vez, o exercício foi utilizado como uma “desculpa” para fazer com que
cada um pudesse se ver e se traduzir em cores e figuração, numa ati-
tude artística contemporânea de percepção, descoberta e simbolização.
Descoberta do que cada coisa, cada sujeito, cada suporte e cada cidade
apresentam ao corpo que se constrói como instrumento de percepção.
Revelação de modos, medos, valores, culturas, opiniões e misturas que
cada aluno trazia em si, socializados no dia da mostra final, ocorrida em
julho de 2010.

Recorte 9: produção de autorretrato. Recorte 10: montagem da mostra.


Acervo pessoal (2010). Acervo pessoal (2010).

79
A mostra Quotidianus aconteceu no refeitório/área de convivência
da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Cônego Leitão, e
foi, para os integrantes da turma – a maioria composta de professores
acostumados ao dia a dia comum das escolas públicas –, não somen-
te um espaço para a tradução do ato de ver as coisas, a cidade e a si
próprio, mas também a deflagração de um discurso direcionado para
críticas preocupadas com a educação em arte nos municípios do inte-
rior do estado. Ambos engendrados como atitude autônoma de quem
foi “comovido por um certo impacto do mundo” (MERLEAU-PONTY,
1975, p. 281), marcado pela sensibilidade, pela subjetivação de quem se
permite recriar seus espaços, converter seus signos e construir novos
sentidos de representação.

Recorte 11: painel de fotografias. Recorte 12: painel de pinturas.


Acervo pessoal (2010). Acervo pessoal (2010).

Estabelecer uma relação entre a mostra realizada em Castanhal em


2010 e a mostra organizada em Concórdia em 2016 me fez relembrar de
fontes bibliográficas, conceitos envolvidos e a motivação pela qual cada
estudante escolheu a graduação em Artes Visuais, superando não apenas
o grau de escolaridade, mas seus valores, seus medos, seus preconceitos.
A mostra Urbanus foi montada em frente à Escola Municipal Aloysio da
Costa Chaves, e apresentou parte da conversão visual proposta por meio
do que Loureiro defende por conversão semiótica, propondo novas redes

80
de significação, transmutando os referenciais reais para fotográficos, e
estes, por sua vez, em pintura: “é justamente o momento complexo dessa
transfiguração simbólica, que altera a recepção conceitual e prática dos
objetos em sua qualidade […] que denomino de conversão semiótica”
(LOUREIRO, 2007, p. 11).
Ao se apropriarem da percepção visual da urbe, os estudantes
precisaram utilizar um sistema de reconfiguração simbólica para uma
criação pictórica que pudesse ser entendida como um outro ser artísti-
co, que pudesse também, per se, conciliar e engendrar novos sentidos e
novas significações a partir de semioses ininterruptas, assumindo uma
postura de criação artística. A exemplo de Castanhal, o foco não estava
na técnica em si, mas no sentido de conversão proposto por Loureiro,
deslocando a paisagem do seu suporte real para uma outra espécie de
matéria, significando e ressignificando incessantemente.

Recortes 13 e 14: vistas parciais da mostra Urbanus. Acervo pessoal (2016).

Neste intuito, a realidade é convertida simbolicamente em outro


mecanismo de representação, disposto a novas conversões, tangen-
ciando o conceito de Loureiro com o conceito de tradução intersemi-
ótica de Plaza (1987), visto que este segundo põe o espectador diante
um sistema complexo de signos que, não obstante terem nascido de

81
uma mesma matriz, conseguem ser díspares em forma e significado,
construindo um conjunto mais abrangente de novos conceitos, que
além de heterogêneos, são autônomos.

Recorte 15: pintura sem tela. Produção em grupos.


Acervo pessoal (2016).

Sob este aspecto, representar, aqui, equivale a dar a ver um pensa-


mento, concedendo uma estrutura física pertinente ao argumento e pas-
sível à leitura e à interpretação. Huchet (2012, p. 218) assinala o conceito
de representação como “a figuração mental e categorial da realidade que
produzimos para poder lidar com ela […]”, como uma saída à com-
preensão por meio das circunstâncias que ela própria, a realidade, nos
impõe. Toda a produção nascida dos “recortes” urbanos – entre fotogra-
fias, pinturas, debates – fundamentou-se num arcabouço teórico que se
completa na prática artística, na ansiedade do olhar por novos temas, na
potencialização da imagem da cidade.
As mostras de Castanhal e Concórdia significaram um retorno à
forma física da cidade: concretude, imanência, superfície. Nada mais
do que uma desculpa para levar o olho a conhecer, pesquisar, significar.
Ações que deveriam fazer parte de toda atitude do estudante de artes e
que também deveriam caracterizar as atitudes de todo professor.

82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Trad.


Vinícius Honesko. Santa Catarina: Argos, 2009.
BELTING, Hans. Antropologia da imagem: para uma ciência da ima-
gem. Trad. Artur Morão. Lisboa: KKYM; EAUM, 2014.
FERRARA, Lucrécia d’Alessio. Leitura sem palavras. 5. ed. São Paulo:
Ática, 2007.
__________. Design em espaços. São Paulo: Edições Rosari, 2002.
HUCHET, Stéphane (Org.). Fragmentos de uma Teoria da Arte. São
Paulo: Editora da USP, 2012.
LOUREIRO, João de Jesus Paes. A conversão semiótica: na arte e na cul-
tura. Edição Trilíngue. Belém: EDUFPA, 2007.
MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. Trad. Marilena Chauí.
Rio de Janeiro: Ed. Abril, 1975, p. 281. (Col. Os Pensadores, Vol. 41).
__________. Fenomenologia da percepção. Trad. Carlos Alberto R. de
Moura. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
PLAZA, Julio. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva; CNPq,
1987.
DIDI-HUBERMAN, George. A imagem sobrevivente: história da arte e
tempo dos fantasmas segundo Aby-Warburg. Trad. Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2013.

83
VÍDEO E EDUCAÇÃO:
INTERSEÇÕES NA FORMAÇÃO EM ARTES

Erasmo Borges de Souza Filho33

1. INTRODUÇÃO

Kellner (2001), desde a publicação do seu livro A Cultura da


mídia, afirma que há uma cultura veiculada pela mídia, em uma inter-
seção de imagens e sons, que ajuda a urdir o tecido da vida cotidiana,
cuja teia molda comportamentos sociais e opiniões políticas, criando
relações identitárias e juízos de valor, demarcando fronteiras entre “eu”,
“nós” e “eles”.
Nesse sentido, estabelecem-se oposições semânticas que deter-
minam quais valores devem coexistir e prevalecer comercialmente. O
audiovisual, dada a sua complexidade enquanto um texto cultural, de
natureza sincrética, reúne uma diversidade de linguagens, e dependen-
do da construção a que se propõe, além de exprimir os aspectos men-
cionados, também os reforçam.
Portanto, o uso do audiovisual na educação, e particularmente
na sala de aula, possibilita o desvelamento das tramas e urdiduras que
constituem um texto cultural ideologizante. Aprender a “ver”, “analisar”,
“interpretar” e “construir” significados, e ressignificá-los, faz parte do

33
Professor do Curso de Artes Visuais da Faculdade de Artes Visuais, ICA/
UFPA. Doutor em Comunicação e Semiótica.

85
processo de desconstrução desses mesmos textos, na experimentação e
construção de novos textos na cotidianidade. Esse foi o movimento es-
tabelecido durante a disciplina Laboratório de Audiovisual, ministrada
no curso de Artes Visuais do Parfor nos municípios de Tucuruí, Bragan-
ça e Barcarena, no estado do Pará.

2. VÍDEO E EDUCAÇÃO

De fato, vivemos imersos intensamente na “sociedade da informa-


ção”, elaborada midiaticamente, em que as imagens parecem exercer um
fascínio na vida cotidiana. Neiva Jr. (1994) nos afirma que a imagem tem
o poder de encantar pela forma como simula a realidade, destituindo-a
do seu valor intrínseco, tornando-a secundária. Setton (2011), ao reco-
nhecer a mídia como uma das matrizes da cultura, portanto produtora
de cultura material e simbólica, admite-a como um sistema de símbolos
com uma linguagem própria, distintas das demais matrizes da cultura.
Essa mesma particularidade nos é apresentada pela semiótica discursi-
va, ao estabelecer a cultura como um grande texto e suas matrizes como
textos articulados entre si.
Ao diferenciar-se da noção de texto linguístico, a noção de texto
para a semiótica discursiva é a de tessituras de relações que se entrela-
çam, dando origem às significações. Nesse sentido, um texto pode ser
linguístico, visual, sonoro, gestual ou de natureza sincrética, conside-
rando a multiplicidade de linguagens que o constitui. No campo das mí-
dias, o cinema, o vídeo, ou mais precisamente o audiovisual, é um texto
complexo, portanto sincrético, por enquadrar-se nessa tipologia, pela
diversidade de linguagens presentes na construção da narrativa fílmica.
Sem tecer a fundo o texto na sua dimensão linguística, sonora, ges-
tual, etc., a imagem, por si só, já estabelece uma rede de significados,
reiterada pelas demais linguagens, que dão concretude à narrativa a par-
tir do discurso previamente estabelecido, sem desconsiderar as demais
dimensões (FIORIN, 2005; BARROS, 2011).

86
Nesse sentido, o discurso é o fio condutor da narrativa audiovi-
sual, ainda que esta opere recursos discursivos semelhantes, tal qual se
fazem no uso das palavras na construção de um texto linguístico, porém
de naturezas estética e poética distintas. Assim, quando o audiovisual
se utiliza de uma gramática própria, na materialidade do discurso que
ganha concretude no filme, é a essa gramática que devemos nos ater ao
pretendermos analisar um filme na compreensão do seu significado.
Na produção audiovisual, têm-se como elementos dessa gramática
os planos, os ângulos e os movimentos de câmera, a composição e a
continuidade, que compõem a cinematografia (MASCELLI, 2010). Es-
ses aspectos são imprescindíveis na construção da narrativa até a finali-
zação da obra cinematográfica. Assim, conhecer os fundamentos dessa
linguagem é fundamental para se trabalhar o vídeo na sala de aula, as-
sim como na própria criação dele. Em tempos em que a acessibilidade
a smartphones e o avanço da tecnologia possibilitam a filmagem em alta
resolução sem grandes complicadores, isso torna o vídeo um recurso de
grande importância e de poderoso alcance na mediação da educação,
reiterando-se o que prevê os PCNs de Arte. Então, como não, ou me-
lhor, por que não fazer uso dele?

[…] entende-se que aprender arte envolve não apenas uma


atividade de produção artística pelos alunos, mas também
compreender o que fazem e o que os outros fazem, pelo
desenvolvimento da percepção estética, no contato com o
fenômeno artístico visto como objeto de cultura na história
humana e como conjunto de relações. É importante que os
alunos compreendam o sentido do fazer artístico, ou seja,
entendam que suas experiências de desenhar, cantar, dan-
çar, filmar, videogravar ou dramatizar não são atividades
que visam a distraí-los da “seriedade” das outras áreas.
Sabe-se que, ao fazer e conhecer arte, o aluno percorre
trajetos de aprendizagem que propiciam conhecimentos
específicos sobre sua relação com o mundo. Além disso, de-
senvolvem potencialidades (como percepção, observação,

87
imaginação e sensibilidade) que podem contribuir para a
consciência do seu lugar no mundo e para a compreensão
de conteúdos das outras áreas do currículo. (BRASIL, PCNs
de Arte, 1998, p.43).

Nesse contexto, o audiovisual propicia aos educandos não somente


a possibilidade de experimentação de uma linguagem, mas, fundamen-
talmente, o acesso a universos culturais distintos, ampliando a percep-
ção de mundo e possibilitando a criação de narrativas audiovisuais pró-
prias. Aos educadores, tem-se um horizonte ampliado de possibilidades
para melhor conduzir o processo educativo de forma significativa, por
meio de imagens dinâmicas presentes no cotidiano e dos mais variados
gêneros, como a propaganda, a animação, o documentário e a ficção.

3. POSSÍVEIS INTERSEÇÕES

A disciplina Laboratório de Audiovisual, constituinte do currículo


de formação do professor de artes do Pafor, está fundamentada na se-
guinte ementa: história e teoria da imagem em movimento; captação de
imagens; edição e montagem; produção de efeitos digitais; técnicas para
criação de vinhetas e animações; e o vídeo na poética contemporânea.
Para que esse conteúdo pudesse ser efetivado, tornou-se neces-
sário introduzir, a priori, os fundamentos para a análise fílmica. Para
isso, os aportes da semiótica discursiva se tornaram a sustentação basi-
lar na compreensão do discurso presente na narrativa (FIORIN, 2005;
BARROS, 2011) e nos aspectos pertinentes à enunciação (VANOYE;
GOLIOT-LÉTÉ, 2012), sem seguir roteiros previamente estabelecidos à
guisa de manuais, conforme nos apresenta Napolitano (2013).
Portanto, os exercícios de análise do filme, em diferentes gêneros,
propiciaram aos professores-educandos do Parfor se dotarem de uma
competência nesse campo de atuação, capazes de exercerem o processo
de desconstrução do filme, cujos aspectos seguintes de domínio da lin-
guagem se tornariam mais acessíveis.

88
Ao procederem à desconstrução do filme, a compreensão da lin-
guagem emerge na própria análise do filme, assim como o uso dos re-
cursos da linguagem cinematográfica no audiovisual, recursos discur-
sivos necessários à materialidade do filme, a partir da sua concepção
inicial no roteiro.
Posteriormente à análise do filme, foram introduzidas as partes
técnicas de criação do roteiro, da filmagem e da edição, passando-se
para a terceira etapa, que marcou a produção do filme em si, conside-
rando as narrativas cujos significados se presentificavam no cotidiano.
Para isso, a turma foi dividida em grupos de trabalho tal qual uma equi-
pe de filmagem, com funções específicas, considerando o produto como
resultado de um trabalho coletivo. Esse é um momento rico de troca de
ideias, de temas, de processo criativo e de mobilização de recursos para
a operacionalização do produto final.
É nessa etapa que emergem temas significativos, como as narra-
tivas presentes no imaginário Amazônico, mas nem sempre “visíveis”
ou acessíveis de imediato ao senso comum. Isso se deve à profusão de
imagens e mensagens midiáticas que banalizam a cultura, reduzindo a
realidade à mera condição de espetáculo (CHAUI, 2010).
As produções efetivadas transitaram do mito para as atividades
cotidianas, nem sempre claras nas vidas das pessoas, ou simplesmen-
te restritas a determinados grupos ou classes sociais. Observou-se, em
alguns casos, que as narrativas surgiram quase que espontaneamente,
num misto de drama e humor, inclusive em diálogo com outras dis-
ciplinas e técnicas aprendidas, caracterizando a transversalidade nos
conteúdos.

4. PRODUTO FINAL

Em Tucuruí, as técnicas de filmagem foram da animação em stop


motion e pixilation à ficção, com temas que envolviam a cultura popular,
a música local, o preconceito e os estereótipos femininos.

89
Em Bragança, os filmes foram produzidos com smartphones, cap-
tação direta de som e edição em notebook, abordando os seguintes te-
mas: “A feira”, mostrando o seu cotidiano desde a montagem até o seu
término, com enfoque em personagens icônicos; “Mãos que recebem
vidas”, abordando a história de uma parteira e a sua importância na co-
munidade local; “Todos os santos em Jurussaca”, abordando aspectos re-
ligiosos e o sincretismo em quilombo do município de Bragança; “Cau-
sos de pescador”, com narrativas de pescadores nas cercanias do porto;
“O bobo”, abordando a tradição de uma vila de Bragança que revive as
brincadeiras de carnavais de época, hoje esquecidas.
Em Barcarena, todos os vídeos também foram produzidos em
smartphones, com captação direta de som e edição em notebooks, com
os seguintes temas: “A lenda da cobra Sofia”, situação dramática ocorrida
em Barcarena e que virou mito, contada num misto de drama e humor;
“Mestre Vieira”, história de um músico que ficou famoso ao criar o gêne-
ro musical guitarradas; “Barcarena, o oposto”, narrativa em forma de cor-
del sobre o naufrágio em que morreram mais de 5 mil cabeças de gado na
Vila do Conde, e ilustrada com xilogravuras produzidas pelas próprias
alunas; “Nazareno Muniz”, a vida e obra de um cantor local que também
desenvolve um trabalho social com as crianças por intermédio da música
regional; “Nossa trajetória para estudar”, mostrando as dificuldades de
um grupo de alunas para cursar Artes Visuais no Parfor; e finalmente,
“A igreja de São Francisco Xavier”, o relato de fundação da igreja onde se
encontram os restos mortais do cabano Cônego Batista Campos.
Nos três polos, os vídeos foram de muito boa qualidade, conside-
rando o exíguo tempo entre a teoria, a produção e a edição dos vídeos,
cujos temas refletiram a preocupação em se abordar temas de interesse
dos alunos e presentes na realidade das escolas e comunidades. Em Bar-
carena, dada a diversidade dos temas locais abordados, houve o interes-
se da Secretaria Municipal de Educação em fazer uma mostra local, em
praça pública, e sua incorporação nas escolas do município, reiterando
o valor das produções, que não se limitaram à sala de aula.

90
5. REFLEXÕES A CONTENTO

Todas as produções refletiram temas de interesse dos alunos e alu-


nas, cujos significados residiram em explorar narrativas do cotidiano,
algumas esquecidas, outras em evidência, porém nem sempre contextu-
alizadas pelas vozes que vivenciam o processo.
Foi gratificante ver a mobilização e o envolvimento dos alunos e
alunas, desde a escolha do tema, passando pela criação do roteiro, filma-
gem, edição e finalização do filme. Foi um misto de alegria e contenta-
mento em se perceberem capazes de produzir audiovisuais e, ao mesmo
tempo, dotarem-se de uma competência para utilizá-lo em sala de aula,
considerando a acessibilidade dos alunos a celulares e smartphones, e
muitos com recursos de edição por meio de aplicativos.
Nesse sentido, e nessa experiência, utilizar o audiovisual como me-
diador na construção e experimentação em artes possibilitou, tanto aos
professores quanto aos alunos, romper a barreira entre a escola e a co-
munidade, trazendo para a sala de aula o cotidiano dos próprios alunos,
contados por eles mesmos.
Sabemos que a aprendizagem se torna mais significativa quan-
do os conteúdos guardam relação direta entre a realidade e a vivência
cotidiana, e o professor é capaz de utilizar adequadamente a especifi-
cidade da linguagem proposta (AUSUBEL, 1968; 2003). Isso se torna
cada vez mais importante à medida que o audiovisual vai deixando de
ser um mero instrumento didático na transmissão de conteúdo e de
informações para se tornar uma linguagem mediadora da construção
do próprio conhecimento e da experimentação em artes. O audiovisual
possibilita o processo criativo de forma coletiva, sensível e humani-
zadora, não só em relação às outras disciplinas, mas principalmente
em íntima relação com o universo cultural do aluno, permitindo que
ele seja capaz de dar soluções criativas e de construir novos significa-
dos em relação à grande trama denominada cultura, presente na sua
cotidianidade.

91
REFERÊNCIAS

AUSUBEL, D. Educational psychology: a cognitive view. New York: Holt,


Rinehart & Winston, 1968.
__________. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva
cognitiva. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. 5. ed. São Pau-
lo: Ática, 2011.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais: arte. Brasília: MEC; SEF, 1998.
CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder. Uma análise da mídia. São Paulo:
Perseu Abramo, 2006.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. 13. ed. São Paulo:
Contexto, 2005.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Trad. Ivone Castilho Benedet-
ti. Bauru, SP: Edusc, 2001.
MASCELLI, Joseph V. Os cincos Cs da cinematografia. Técnicas de fil-
magem. Trad. Janaína Marcoantonio. São Paulo: Summus, 2010.
NAPOLITANO. Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Pau-
lo: Contexto, 2013.
NEIVA JR., Eduardo. A imagem. 2. ed. São Paulo: Ática, 1994.
SETTON, Maria da Graça. Mídia e educação. São Paulo: Contexto, 2011.
VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre análise fílmica.
7. ed. Trad. Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 2012.

92
ORIENTAÇÃO DE TCC NA LICENCIATURA
EM ARTES VISUAIS - PARFOR:
METAMORFOSES DE PROFESSORES E ALUNOS

Idanise Sant’Ana Azevedo Hamoy34 (ICA/UFPA, Pará, Brasil)


Isis de Melo Molinari Antunes35 (ICA/UFPA, Pará, Brasil)
Daniely Meireles do Rosário36 (ETRB, Pará, Brasil)

1. Construindo um casulo

Pensar a arte-educação contemporânea é provocar inúmeras e


múltiplas metamorfoses, termo formado por duas palavras de origem
grega e que significa “transformação. Metá é advérbio que indica o que
vem depois. Morfé é ‘forma’, ‘aparência física’. A forma que se assume
depois de uma magia é o sentido mais preciso da palavra” (PERISSÉ,
2010, p. 46).
E quando falamos em metamorfose, imediatamente vem na me-
mória a transformação das borboletas, que possuem o processo de me-
tamorfose mais completo. Do ovo se forma a larva, com uma aparência
bem diferente da fase adulta, que se alimenta permanentemente para

34
Professora assistente da FAV/ICA/UFPA nas áreas de Arte e Educação, Histó-
ria da Arte e Conservação de Acervos. http://lattes.cnpq.br/0136019251243788 -
idahamoy@gmail.com.
35
Professora da FAV/ICA/UFPA nas áreas de Arte e Educação, Tecnologia e Novas
Mídias e História da Arte. http://lattes.cnpq.br/5387958094272494 - isismolinari@
gmail.com.
36
Artista visual e professora da Escola de Aplicação da Universidade Federal do
Pará. http://lattes.cnpq.br/2813836419048179 - dany.meireles@hotmail.com.

94
depois entrar em uma fase de casulo, na qual para de se alimentar e sofre
um processo de transformação de sua forma, até o momento em que,
não podendo mais se desenvolver dentro do casulo, precisa romper esse
invólucro e sair para fora (de forma redundante mesmo), abrir as asas,
lançar seu primeiro voo. A transformação após a magia.
O ingresso no ensino superior é como essa metamorfose. “A pala-
vra aluno vem do verbo latino alumnari, que significa alimentar. O alu-
no nasceu para ser alimentado” (PERISSÉ, 2002, p. 9). De fato, ao longo
dos quatro ou cinco anos de formação, o aluno se alimenta das palavras
do professor, dos livros, dos vídeos, dos documentários, e ao final desse
tempo, recolhe-se no casulo para escrever a sua monografia, o famoso
trabalho de conclusão de curso (TCC).
Para muitos, é o momento do desespero, talvez por não terem ar-
mazenado alimentos suficientemente. Mas para todos, é um processo de
recolhimento e de transformação, pois, de uma forma ou de outra, terão
que buscar todas as informações e percepções acumuladas ao longo do
curso para a escrita do TCC. Esse tempo na graduação é o tempo neces-
sário para favorecer, ao final, a construção do casulo, até o momento da
eclosão, da escrita final que será apresentada à banca examinadora. Será
o primeiro voo acadêmico do aluno, mas não será um voo solitário, pois
ao longo desse processo capsular, haverá um orientador que acompa-
nhará seu aluno.

O desafio é de ambos, orientadores e orientandos, que pre-


cisarão se aventurar na construção do conhecimento através
da pesquisa, aprender, ensinar, trocar e manter relações
dialogais, falar e ouvir, ler e escrever, juntos e separados,
para que então uma caminhada de caminhos e descamin-
hos, acertos e erros, tristezas e alegrias, possam atingir os
objetivos traçados e as metas estabelecidas, metas teóricas,
metodológicas e de normalização; objetivos educativos e
científicos, e, enfim chegar a um ponto que, antes de ser ter-
minal ou final, seja, com certeza, de chegada e nova partida
ao mesmo tempo (TEIXEIRA, 2005, p. 160).

95
Se o desafio é grande nas graduações regulares, o que dizer do de-
safio de orientação de TCC dos cursos de graduação do Plano Nacional
de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor)? Implantado
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes), em conjunto com as Secretarias de Educação dos Estados e
Municípios e instituições de ensino superior, tem por objetivo capaci-
tar, por meio de cursos de graduação, os docentes que já atuam na rede
pública de ensino básico e que não possuem a licenciatura na área de
atuação ou que possuem uma graduação em área distinta de sua atua-
ção, para atender os princípios da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB).
Nesse grande plano nacional de formação, em julho de 2009 foi
criada a primeira turma de Licenciatura em Artes Visuais da Universi-
dade Federal do Pará, no município de Castanhal (Pará). Um grupo de
31 professores da rede pública de ensino optou, na Plataforma Freire,
pela formação em Artes, e por quatro anos se dedicou initerruptamente
à essa formação no período de recesso escolar, intercalada pelos perío-
dos de atuação em sala de aula.
Uma formação comparada a um grande laboratório, pois, ao mes-
mo tempo em que são alunos da licenciatura, já atuam em sala de aula,
promovendo também processos transformadores com os seus próprios
alunos.
No entanto, a diversidade de formação cultural e o desnivelamento
dos saberes necessários ao ingresso em uma graduação têm sido carac-
terísticas observadas nos alunos do Parfor em Artes Visuais desde o iní-
cio de sua instauração em 2009. O critério de seleção para o ingresso na
Plataforma Freire é somente ser professor da rede pública e ter concluído
o nível médio. Portanto, não serão somente alunos, mas alunos-professo-
res. E aqui nos deparamos com o seguinte paradoxo: educação para todos
x qualidade de formação. Esse é o grande desafio acadêmico do Parfor.
Segundo a Proposta Curricular de Licenciatura Plena em Artes
Visuais (adaptado para o Parfor), aprovada pelo Conselho Superior de

96
Ensino, Pesquisa e Extensão e de acordo com a Resolução nº 4.297, de
13 de junho de 2012: “O Ministério da Educação e as Secretarias de
Educação dos Estados e Distrito federal serão responsáveis pela sele-
ção dos alunos-professores” (UNIVERSIDADE FERDERAL DO PARÁ,
2012, p. 14).
No mesmo documento, é explicitada a forma de seleção dos candi-
datos às licenciaturas no Parfor:

Em suma, a seleção é feita da seguinte forma: primeiro


todos os candidatos fazem a pré-inscrição na Plataforma
Freire, e essa pré-inscrição é avaliada pelas Secretarias de
Educação do Estado e dos Municípios. Após o aceite dos
candidatos por parte das Secretarias de Educação do Estado
e dos Municípios, é feita a análise e escolha do curso por
parte da UFPA. O candidato pode ter até 3 (três) opções de
pré-inscrição, e a seleção prioriza a 1ª opção. Depois disso,
é estabelecida a proporcionalidade de candidatos inscritos
para as 30 vagas por curso, gerando assim vagas por cidade
com candidatos inscritos. A ordem de “escolha” obedece
à ordem de inscrição na Plataforma Freire, pois a mesma
informa dia, hora, minuto e segundo em que o candidato
realiza sua pré-inscrição (UNIVERSIDADE FEDERAL DO
PARÁ, 2012, p. 21).

Nessa seleção, observou-se que os alunos-professores que se candi-


dataram às licenciaturas específicas para sua atuação na educação básica
possuíam pelo menos uma das seguintes características:

1. Estavam prestes a se aposentar e geralmente apresentavam a


formação de magistério (cursada há aproximadamente 25 anos)
com pressupostos metodológicos defasados e arraigados como
verdadeiros e únicos;
2. Enfrentavam graves dificuldades de leitura e interpretação de
textos;

97
3. Dependendo da região, não desfrutavam de acesso às mídias
por lecionarem e morarem em zonas rurais;
4. Não dominavam noções de informática para auxiliá-los no pro-
cesso de ensino e de aprendizagem ofertados pelos docentes do
IES/Parfor, que poderiam ser transmitidos por e-mail ou outros
meios.

Todas essas características encontradas nos alunos engendram um


cenário que deveria ser considerado pelo professor do Parfor, e na medi-
da do possível, serem atenuadas por estratégias de ensino, considerando
ainda o cansaço natural que se acumularia ao longo dos quatro anos,
pois mesmo realizado nos intervalos dos recessos escolares, a carga ho-
rária da formação acadêmica é praticamente a mesma da licenciatura
regular em Artes Visuais. A diferença é que, se no curso regular as aulas
de uma determinada disciplina se realiza uma vez por semana, no curso
do Parfor toda a carga horária semestral é condensada em uma semana,
portanto, cada semestre no Parfor se realiza em sete semanas, com uma
disciplina por semana.
O professor designado para ministrar as disciplinas no Parfor
deve estar capacitado e munido de competências e habilidades e, acima
de tudo, de estratégias de ensino, pois encontrará no Parfor um cená-
rio diverso. Um ensino de qualidade não se restringe à transmissão do
conhecimento por meios eficazes, mas à recepção eficaz do conheci-
mento pelo educando, contemplando de modo amplo o previsto no
Plano de Desenvolvimento da UFPA 2001-2010, que ressalta as dificul-
dades do ensino na Amazônia, com sua diversidade e distâncias quase
continentais, cujo desafio ultrapassa o simples atendimento do ensino,
pesquisa e extensão.

[…] se afirma de modo irrefutável por ser uma instituição


acadêmica na Amazônia, onde as distâncias e, por conse-
guinte, as dificuldades de deslocamento e comunicação

98
constituem barreiras e desafios a serem ultrapassados pelo
tripé: ensino, pesquisa e extensão (UNIVERSIDADE FED-
ERAL DO PARÁ, 2014, p.10).

Ao fim desses quatro anos, e com todas as disciplinas cursadas, o


aluno-professor deve realizar o trabalho de conclusão de curso (TCC)
seguindo as seguintes orientações, de acordo com a Resolução nº 4.297,
de 13 de junho de 2012:

Art. 6º: O Trabalho de Conclusão de Curso – TCC é uma


Atividade Curricular Obrigatória que será precedida e pre-
parada por meio da Atividade Curricular Metodologia do
Trabalho Científico, com carga horária de 68h (2º Bloco)
e Metodologia de Pesquisa em Arte, com carga horária de
68h (5º Bloco), e compreenderá: TCC I, com carga horária
de 68h (7º Bloco) e TCC II, com carga horária de 68h (8º
Bloco).
Parágrafo único. O TCC será desenvolvido em conformi-
dade com as normas específicas do Conselho da Faculdade
de Artes Visuais e regulamentado pelo Consepe, com base
no Regimento Geral da UFPA (UNIVERSIDADE FEDER-
AL DO PARÁ, 2012).

Esse é o momento de entrar no casulo, de sistematizar as ideias a


partir das três dimensões citadas por Teixeira (2005): 1) a dimensão do
conteúdo, que se refere ao aspecto conceitual e temático do trabalho; 2)
a dimensão do método, que definirá o caminho a ser seguido na condu-
ção da pesquisa; e 3) a dimensão da forma, que se refere aos aspectos da
apresentação, organização e normalização do trabalho científico segun-
do as regras da ABNT. O aluno entrará no casulo em companhia do seu
orientador. Serão meses de leituras, debates, divergências e cobranças de
ambos os lados, o que torna esse processo difícil e com desafios que de-
verão ser vencidos em etapas a partir de metas fixadas e da apresentação
de resultados satisfatórios.

99
2. No interior do casulo

O professor do Parfor, ao deparar-se com o aluno-professor no


processo de elaboração do TCC, encontra uma das quatro característi-
cas apresentadas anteriormente em maior ou menor grau de complexi-
dade, dependendo de seu avanço acadêmico durante o curso.
No âmbito de adaptação de performances educacionais, o profes-
sor do Parfor precisa possuir um perfil maleável tanto no que concerne
às orientações técnicas e conceituais quanto às habilidades interpesso-
ais. Parafraseando Luigi Pareyson (1997, p. 26 apud UNIVERSIDADE
FEDERAL DO PARÁ, 2012, p. 11): “a arte é um tal fazer que, enquanto
faz, inventa o por fazer, e o modo de fazer”, e da mesma forma, o profes-
sor deveria refletir sobre o como ensinar no contexto exposto, inventan-
do um por fazer educacional e um modo de fazer conceitual.
Aquele professor que insistisse em utilizar os modelos acadêmicos
de orientação utilizados em graduação regular não conseguiria compre-
ender o aluno do Parfor e não saberia conduzir a realização do trabalho
acadêmico com qualidade.
A primeira turma do Parfor de Licenciatura em Artes Visuais, que
entrou no casulo do TCC, inaugurou também um novo modo de orien-
tação. Com 1 aluno desistente, os outros 30 alunos tiveram disponíveis
seis professores, que assumiram a orientação de cinco alunos cada du-
rante um ano. Não houve, portanto, uma seleção de temas de acordo com
a área de pesquisa do professor. Os temas dos trabalhos foram os mais
diversos, cujos projetos de pesquisa já haviam sido produzidos durante a
disciplina Metodologia de Pesquisa em Artes no semestre anterior.
Sendo o primeiro voo acadêmico do aluno, não é exigido a origi-
nalidade e o grau de dificuldade de uma tese, pois, como afirma Eliza-
beth Teixeira:

O trabalho precisa ser concebido como “o estágio inicial


da vida científica ou como a primeira manifestação sistem-

100
atizada de um trabalho acadêmico mais consistente” (SA-
LOMON, 1987, p. 24). É como se fosse a infância científica
dos alunos. A dissertação de mestrado será a adolescência
e a tese de doutorado a fase de maturidade. É importante
deixar claro que os alunos nesse estágio irão “tentar – e não
mais que tentar – apreender informação que seja mais con-
sistente do ponto de vista do conhecimento (TEIXEIRA,
2005, p. 163).

No entanto, mesmo não tendo a exigência de uma tese, os conse-


lhos de Umberto Eco indicam o caminho e a seriedade com as quais
também se deve conduzir a orientação e feitura de uma monografia:

Fazer uma tese significa, pois, aprender a pôr ordem nas


próprias ideias e a ordenar dados: é uma experiência de tra-
balho metódico; quer dizer, construir um «objecto» que, em
princípio, sirva também para outros. E deste modo não im-
porta tanto o tema da tese quanto a experiência de trabalho
que ela comporta (ECO, 2007, p. 32).

Portanto, a maior dificuldade encontrada dos professores orienta-


dores do Parfor não foi a diversidade dos temas escolhidos, que poderia
exigir do professor um conhecimento mais especializado, mas sim con-
seguir ajudar o aluno a pôr ordem nas próprias ideias, visto que uma das
maiores dificuldades dos alunos do Parfor se consistiu na interpretação
de textos. Parece muito elementar essa constatação, mas suas implica-
ções acadêmicas são enormes. Nessa fase capsular, cada orientador pre-
cisou entrar em cinco casulos individuais, em um processo de imersão
e refinamento de todos os conhecimentos alimentados ao longo dos
quatro anos
Ao não conseguir refletir e criticar um texto, o aluno apresentou
dificuldades extremas na elaboração de seu pensamento, e consequen-
temente sua escrita refletiu essa confusão. Nesse momento, o orientador
deveria se voltar aos processos iniciais de ensino da linguagem, em que

101
se estabeleceriam parâmetros para a leitura e reflexão de textos, simpli-
ficada aqui para a interpretação dos mesmos.
Obviamente, o aluno teve, além da dificuldade de interpretação, de
crítica e de reflexão de textos, a falta de habilidade com as novas normas
gramaticais, mas esse empecilho foi contornado por indicação de revi-
são ortográfica.
Mas em que sentido a interpretação de textos poderia afetar a li-
cenciatura em Artes Visuais, em geral vista como uma formação prática/
artística? Esta é uma indagação retórica, pois o estudo das concepções
da arte, bem como das suas metodologias e práticas, envolve as com-
petências de reflexão e crítica de saberes filosóficos, sociais, históricos,
científicos, comunicacionais, etc.
Ao entender que o Plano de Desenvolvimento da UFPA 2001-
2010, no qual foi baseado o Projeto Pedagógico do Curso, preza a trans-
formação do sujeito e consequentemente a transformação da sociedade
em que se localiza, ter o cuidado com o aluno ao retornar a conteúdos e
saberes não apreendidos, mesmo que pertencentes a outras disciplinas,
não significa um retrocesso, mas sim um resgate dos conhecimentos
deixados para traz ao mesmo tempo em que os fortalecerão nos apro-
fundamentos dos conceitos da arte. Ao diagnosticar as limitações dos
educandos, o professor orientador consegue atuar nessa lacuna da edu-
cação pela arte por meio de interdisciplinaridade de saberes. Segundo o
Plano de Desenvolvimento da UFPA 2001-2010:

A educação pela arte, no contexto do curso de Artes Vi-


suais, é compreendida como uma preocupação, uma in-
tenção edificante a ser atingida e que deve servir para
transformar o sujeito. No entanto, este projeto não pre-
tende considerar a educação como uma instância exclu-
sivamente a serviço do sistema, mas a serviço da socie-
dade, e que deve contribuir no processo de formação da
cidadania. Neste sentido, compreende-se a educação não
como um adestramento, mas como maneira de ser e estar

102
no mundo e de interagir com esse mundo acompanhando
seus objetos, sujeitos, espaços e tempos (UNIVERSIDADE
FEDERAL DO PARÁ, 2014).

Não se deve esperar que todos os alunos do Parfor tenham o perfil


dos discentes das graduações regulares, portanto os processos de educa-
ção e de aprendizagem devem ser ponderados de acordo com o contexto
em que se localizam. Essa plasticidade é ressaltada por Gadotti (1992, p.
106), quando afirma que “cada sociedade (nova) tem seu próprio pro-
jeto político-pedagógico. É ela que dá legitimidade a uma nova concep-
ção de educação; é ela que a universidade deve ouvir prioritariamente e
prestar contas, não os especialistas ou tecnoburocratas”.
Ao entendermos que os alunos deveriam ser orientados em casu-
los individuais, e não em um casulo comum, certamente temos em vista
o universo cultural que cada aluno trazia consigo biológica e cultural-
mente. Na esteira desse pensamento, Reuven Feuerstein cita a relação
conflituosa de sua formação:

Feuerstein diz que o ser humano apresenta dupla ontoge-


nia: biológica e cultural. A ontogenia biológica refere-se
ao ser humano como uma comunidade de células que in-
teragem entre si e o ambiente. A ontogenia sociocultural é
responsável pela estrutura social, moral e de comunicação.
A relação entre ambas é conflituosa. A ontogenia biológica
impõe certos limites, e a sociocultural busca suplantá-los,
impelindo o ser humano a modificar rumos de sua vida
(FEUERSTEIN apud SOUZA, 2003, p. 29).

Essa teoria de Feuerstein, ainda pouco estudada no Brasil, traz as-


pectos importantes para se refletir o processo de aprendizagem, entre
os quais tomamos sua teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural
para compreender as transformações e o impacto que essa formação
no Parfor teve nas práticas dos alunos-professores, a partir da distinção
entre modificação e modificabilidade, explicada por ele como “Modi-

103
ficação é o produto resultante dos processos de desenvolvimento e de
maturação; modificabilidade refere-se à mudança estrutural que se pro-
cesso na mente de uma pessoa, mesmo que ela apresente problemas em
sua etiologia” (FEUERSTEIN apud SOUZA, 2003, p. 29).
Buscamos essa modificabilidade, essa mudança estrutural, acredi-
tando no potencial e na experiência pessoal e de sala de aula que cada
aluno trouxe consigo, e no desejo de apresentar, ao final do curso, o tão
almejado TCC – a eclosão do casulo, empoderados pelos conhecimen-
tos novos adquiridos ao longo dos quatro anos da graduação em uma
universidade federal.

3. Processo de orientação de TCC no Parfor: recursos metodológicos


possíveis

O processo de orientação de TCCs na graduação em Artes Visuais


do Parfor/Castanhal aconteceu em pouco mais de 10 meses, em meio
a muitas ideias e dúvidas sobre como direcionar os temas propostos.
Existiam grande preocupação e expectativa por parte de todos os en-
volvidos, principalmente orientandos e orientadores, posto que seria a
primeira turma a efetuar a conclusão do curso.
A solução encontrada pela coordenação do curso foi dividir os
projetos entre seis orientadores, e por conta da variedade de eixos te-
máticos, cada orientador contou com temas bastante diversos. Logo de
início, percebemos a distância existente entre alguns estudantes e as ba-
ses de leituras básicas para engendrar a primeira parte da escrita. Des-
tacamos aqui seis pesquisas que produziram uma trajetória de busca/
criação muito satisfatória:

• Projeto 1: A tinta e o pincel: produção e vivência na arte de Gil-


mar Lopes;
• Projeto 2: Conhecendo o artesanato da comunidade quilombola
de Macapazinho, em Santa Izabel do Pará;

104
• Projeto 3: O aluno Down: perspectivas de aprendizagem e co-
nhecimento através do desenho;
• Projeto 4: Ensino de artes para o aluno cego: um olhar sobre a
educação especial;
• Projeto 5: Brinquedo de minha infância: a arte do fazer;
• Projeto 6: Desenho infantil: eu risco o meu caderno!.

Para além dos temas e das crises particulares dos graduandos – en-
tremeadas pelas horas de docência que cada um tinha que cumprir fora
de suas atividades de estudantes do curso –, tentou-se buscar, desde o
início, um mecanismo de aproximação entre eles, a pesquisa em arte e
a criação escrita, procurando desfazer julgamentos deles próprios sobre
sua capacidade criadora.
Para os quatro primeiros projetos, o primeiro desafio foi fazê-los
falar de si por meio da escrita de um memorial, que, conforme Silva:

[…] metadiscursivamente, dá a conhecer ao leitor, sem a


densidade da chamada linguagem técnica ou da “escrita
teórica”, pelo menos três traços do funcionamento discur-
sivo do gênero, a saber: a finalidade comunicativa, o con-
teúdo temático e a postura/perspectiva que o produtor as-
sume no curso da escrita de suas memórias, em relação aos
objetos narrados (SILVA, 2010, p. 602).

O memorial foi utilizado como recurso para possibilitar ao


orientando uma familiaridade com a escrita, levando a recordar so-
bre sua trajetória na educação, seu primeiro contato com a arte e seu
interesse pelo tema proposto. Foi um primeiro estágio de construção
textual, que comunicava ao leitor a história do narrador e seu entro-
samento com o objeto da pesquisa. Esse momento fez com que os
orientandos escrevessem suas memórias, levando-os ao encontro do
objeto, sendo uma justificativa do foco e, por conseguinte, da própria
pesquisa.

105
Sem maiores preocupações com referenciais bibliográficos, a prio-
ri, o memorial seria um encontro singelo com a atividade escrita, uma
introdução que os levaria a conhecer suas vontades e buscas dentro do
tema proposto, encontrando argumentos que convencessem primeiro a
si mesmos, a partir de suas próprias histórias de vida, e posteriormente,
o leitor. Um momento de criação e entendimento das histórias particu-
lares e, sobretudo, da natureza da pesquisa em arte e do interesse pelo
tema. Sobre este enfoque, é mister dizer que as provocações feitas a par-
tir do encontro com a escrita do memorial não se configuraram como
uma simples busca do passado, como nas palavras de Silva:

[…] a noção de memória não se restringe àquela de ordem


psicológica, como faculdade mental ou uma capacidade
individual de natureza estritamente biopsíquica. Além
desse traço, a memória, enquanto construção social, situa-
se num espaço que medeia a ação ideológica e a experiên-
cia social que os membros de uma comunidade específica
possuem acerca de suas experiências humanas (SILVA,
2010, p. 605).

O que se buscava era provocar um encontro (reencontro?) daque-


les concluintes com sua própria trajetória na educação e de sua própria
vida, principalmente sobre o que os levou a encontrar a arte em suas
vidas, como uma atitude de prestação de contas com suas escolas, suas
comunidades, suas cidades, exercitando um processo de pesquisa como
um relato de experiências vinculado às normas e técnicas próprias do
trabalho científico, com uma reflexão à luz dos teóricos estudados.
Dos projetos citados, todos haviam encontrado seus objetos/temas
em meio às provocações feitas pelos trabalhos desenvolvidos nas disci-
plinas do curso, e dois (Projetos 1 e 3) enfrentaram dificuldades sobre o
que focar e como fazer.
Como todos desenvolviam atividades de docência em escolas mu-
nicipais e estaduais, e estavam pela primeira vez na condição de con-

106
cluintes de um curso de graduação em Artes Visuais, era importante
que conseguissem relacionar o objeto escolhido para a pesquisa com
a arte, concordando com as palavras de Zamboni (2006, p. 34), ao de-
fender a pesquisa em arte como um processo de criação semelhante ao
artístico, afirmando que “a criação, na realidade, é um ordenamento, é
selecionar, relacionar e integrar elementos que em princípio pareciam
impossíveis”. A criação do texto para aqueles concluintes deveria ser en-
tão um instante de conquista, de algo que parecia tão distante para algo
mais perto e familiar; uma situação de escolhas, seleções e organização
de um raciocínio que começava a ser modelado para adquirir uma for-
ma acadêmica de construção.
A tarefa de produção de um memorial fez com que os orientan-
dos descobrissem na sua história um dispositivo para a criação de texto.
Mais confiantes de seu potencial de escrita, cada pesquisador buscou
suas referências e partiu para o segundo momento: a definição de um
sumário e da leitura das primeiras fontes que pudessem ser fichadas para
possíveis citações. O desafio desta etapa foi a familiarização com a leitu-
ra e sua interpretação, visto que, como as aulas no Parfor aconteciam no
período de férias e recesso escolar (julho e janeiro), a maior parte dos
estudantes terminava por executar as leituras/trabalhos de cada discipli-
na de maneira rápida, sem conseguir, portanto, interpretá-las/fazê-los
de modo a elaborar algum tipo de conhecimento sobre aquilo. O vício
equivocado de pesquisar pela internet, a partir de simples ações como
Control + C e Control + V, sem registrar as devidas referências/créditos,
também foi um problema resolvido.
O interessante desta segunda etapa – de adequação das possíveis
referências e princípio de escrita dos capítulos – foi fazer com que cada
um acreditasse no seu potencial de escrita, e para isso o acompanha-
mento individual foi imprescindível. Escutar cuidadosamente, compre-
ender as limitações e receios, ajudar a adequar a escrita informal por
uma escrita acadêmica/científica foram algumas habilidades exigidas.
Vale destacar o perfil de orientação necessário para essa primeira turma

107
formada no município de Castanhal, diferenciado daquele geralmente
executado no curso regular em Belém.
O perfil dos estudantes do curso, per si, já anunciava a necessidade
de uma nova postura, ou seja, um novo tipo de relação entre orientando
e orientador, pautada na atenção, na compreensão e no respeito entre
ambos para que o conhecimento surjisse de forma sincera e construtiva.
De março/2013 a janeiro/2014, os encontros aconteceram quinzenal-
mente, nos quais os orientadores se deslocaram ao município para as
devidas orientações. Cada orientando recebia, assim, um acompanha-
mento personalizado, no qual o orientador trabalhava de acordo com
sua problemática frente à pesquisa.
A orientanda do Projeto 3 – professora de uma escola municipal
–, por exemplo, apresentou certa dificuldade para encontrar um ob-
jeto de pesquisa definido e precisou prestar atenção ao seu cotidiano
para encontrá-lo. Por ocasião do primeiro encontro, falava da propos-
ta indicada no pré-projeto, no qual pretendia abordar “brinquedos de
arte na educação”, mesmo não sabendo definir muito bem do que se
tratava. À medida que os encontros aconteciam, ao falar de sua histó-
ria e de sua trajetória na educação, revelou sua condição atual na esco-
la em que está lotada, na qual é assistente de um aluno com síndrome
de Down, que tem o desenho como forma de comunicação e aprendi-
zagem diária com seus colegas e professores. A falta de prática com o
universo da pesquisa em arte não a deixou perceber a força do objeto
que tinha à sua frente, e que nas primeiras conversas conseguiu perce-
ber. Para ela, não foi apenas o encontro com seu objeto-foco, mas um
primeiro aprendizado sobre o que realmente deve ser um trabalho de
conclusão de curso. Orientar todos a esse entendimento foi uma ação
cabal para que perdessem seus “medos” frente à pesquisa em si e ao
conhecimento científico que poderiam produzir. O principal apren-
dizado neste ponto do processo foi conseguir segurança e autonomia
para adequar os objetos de pesquisa às leituras que estavam sendo fei-
tas, como também conseguir interpretar aquilo que liam e relacionar

108
àquilo que escreviam. Em resumo, aprender a pesquisar, conforme as
palavras de Severino:

Aprender é necessariamente uma forma de praticar o con-


hecimento, é apropriar-se de seus processos específicos.
O fundamental no conhecimento não é a sua condição de
produto, mas o seu processo. Com efeito, o saber é resul-
tante de uma construção histórica, realizada por um sujeito
coletivo. Daí a importância da pesquisa, entendida como
processo de construção dos objetos do conhecimento e a
relevância que a ciência assume em nossa sociedade (SEV-
ERINO, 2008, p. 21).

Da mesma forma, o Projeto 4 foi baseado na condição de vida da


aluna. Mãe de um aluno cego, desde o início da graduação pensou em
desenvolver uma metodologia de ensino de arte para cegos. E partindo
de sua própria experiência em casa, desenvolveu e testou, com o próprio
filho, o projeto de uma mala perceptiva, com diversos objetos táteis para
o ensino dos elementos da obra de arte, destacados por Fayga Ostrower
como a linha, superfície, volume, luz e cor.
Nos projetos citados no início deste tópico, foi comum o encontro
dos pesquisadores com um tipo de escrita acadêmica mais objetiva, des-
provida de tantos termos verborrágicos e/ou parágrafos desnecessários.
O ato de aprender a pesquisar trouxe a todos mais confiança na capa-
cidade de produzir um conhecimento autônomo e científico, honesto
com sua história e com a comunidade em que está inserido socialmente.
Nos Projetos 5 e 6, a metodologia de condução da orientação pre-
sumiu a liberdade de pensamentos similar a um brainstorming (chuva
de ideias), em que os discentes não deveriam ter pudores de explicita-
rem seus pensamentos e muito menos de se imporem quaisquer tipos de
censura. O orientador se metamorfoseou num psicanalista que recebia
o seu orientador no divã acadêmico. Partiu-se da premissa de que não
teria como um orientador pensar pelo orientando o problema, as vari-

109
áveis, a tese de sua monografia e os resultados, portanto, esse momento
retratou o respeito pelo estado crítico/reflexivo do orientando. Ouvi-lo
em todas as suas inseguranças, e na medida em que ideias-chaves se
afirmavam, o orientador refletia esses pensamentos como grifos orais,
atitude esta que os animou para que tivessem entendimentos de que o
tema escolhido poderia se transformar em um TCC.
Esses projetos tiveram em comum uma abordagem de estudo de
caso que utilizou experiências familiares. A autora do Projeto 5, que es-
tava prestes a se aposentar, teve muitas dificuldades para selecionar o
tema de sua pesquisa, pois se tratava de uma orientanda afastada de
suas atividades laborais por questões de doença. Ela disse que gostaria
de realizar um estudo de caso para explorar o desenho com alunos da
educação infantil do ensino formal, mas como não estava lecionando,
não conseguia vislumbrar uma boa situação para iniciar os seus estudos.
Nas sessões de escuta/orientação, tal descontentamento aflorava, e pouco
a pouco, outras possibilidades de pesquisa surgiram. A própria orientan-
da descobriu que poderia contemplar seu desejo de investigar o desenho
infantil em outros locais, e sugeriu a observação do desenho de seu so-
brinho de 6 anos, que frequentava constantemente sua casa. Sua única
dúvida era: mas esse tipo de pesquisa existe? Ao afirmar o tema como
um estudo de caso familiar, compreendendo que este tipo de pesquisa
era mais comum do que imaginava, a pesquisa se iniciou com intensi-
dade e interesse de leituras sobre o tema, pois o foco foi eleito sem se
deixar de lado o estudo do desenho infantil. O pensamento acadêmico
desta orientanda sofreu transformações positivas no decorrer da gra-
duação: ao iniciar o curso, mostrava-se uma aluna insegura, com baixa
autoestima, mas ao terminar a graduação, transmutou-se, adquiriu um
senso crítico e reflexivo incomensurável, que transpareceu na sua pos-
tura de ser, de se comportar diante dos outros discentes.
No Projeto 6, o tema também foi selecionado a partir de um olhar
direcionado para a família. A discente queria estudar o brinquedo in-
fantil personificado em sua boneca de pano feita por sua mãe, e a partir

110
desse objeto de grande afeto, reminiscências familiares foram reme-
moradas. O trabalho artesanal foi focalizado, bem como a tradição do
aprendizado desse ofício por gerações. Neste caso, não houve dúvidas
sobre o que investigar, mas novamente se repetiu a dúvida: a minha bo-
neca de pano pode ser transformada numa pesquisa monográfica? Ao
ser esclarecida que, mesmo utilizando situações familiares seria possível
gerar uma pesquisa relevante para a sociedade, desde que o objeto de
estudo fosse investigado a partir de um olhar acadêmico e não emi-
nentemente pessoal, a pesquisa “tomou fôlego”. Esta orientanda possuía
grande dificuldade para utilizar mídias eletrônicas, bem como não tinha
qualquer habilidade para digitar texto. As orientações eram principal-
mente conduzidas pelas escutas de suas ideias e pelos rascunhos de seus
textos manuscritos. Com o decorrer do tempo, a discente adquiriu um
laptop, e suas primeiras experiências de digitação e formatação foram
realizadas. Obviamente, os meios não restringem o pensamento acadê-
mico, mas sua inquietação em não poder produzir digitalmente tam-
bém fez parte de seu rol de preocupações. A falta de tempo, o estresse
com o seu trabalho – no qual assumia uma coordenação de ensino – e
episódios de enfermidades – causadas por excesso de atividades que a
deixavam afastada dos estudos e, de certa forma, mais ansiosa – foram
algumas das dificuldades que a discente ultrapassou. Sua escrita de fato
aconteceu no último mês de orientação, em meio a prazos demarcados.
Utilizou-se de uma licença de seu trabalho para poder escrever e viajar
para sua cidade natal, Capitão Poço-PA, onde capturou as imagens ne-
cessárias e realizou as entrevistas familiares que considerou pertinente.

4. O primeiro voo

Em cada projeto, foram observados testemunhos de superação e


de modificabilidade cognitiva estruturada. Nesse primeiro voo, a in-
segurança comum a toda primeira vez também ficou evidente, e cada
um teve seu processo de amadurecimento muito particular, por isso a

111
avaliação foi muito cuidadosa, evitando termos de comparação, mas
colocando em relevância o percurso pessoal, o que instala um novo pa-
radigma. Não importava aqui o conceito final, importava, sim, o modo
como cada estímulo externo ou interno vivenciado nesses quatro anos
provocou verdadeiras metanoias no modo de ser, de fazer e de aprender
desses alunos.
Nesse processo de orientação no casulo, acima de qualquer regra
ou norma estabelecida de orientação de TCC, o respeito ao contexto
sociocultural e à escolha do objeto de cada aluno foi respeitado para
além do campo de atuação de pesquisa do orientador. Os alunos do Par-
for, bem como os alunos de quaisquer formações acadêmicas, trarão
consigo diversidades culturais, indubitavelmente. A peculiaridade, no
entanto, é o desnivelamento de saberes justamente porque não há uma
seleção que delimite pré-requisitos para adentrarem nos conhecimen-
tos específicos da licenciatura que cursarão. Ao nos defrontarmos com
o paradoxo educação para todos x educação com qualidade, entende-
mos que, mesmo com as dificuldades de aprendizado encontradas nos
discentes do Parfor, a Universidade, como uma instituição que preza a
“extensão”, deve garantir a esse público estudantil aquilo que ele não teve
em sua formação básica, portanto, se cumprida essa meta, convergirá
para a educação com qualidade. Não se trata, no entanto, de favorecer
ou facilitar o acesso a um diploma de licenciatura em Artes a qualquer
professor já atuante na rede pública, como muitos podem pensar. O pro-
jeto pedagógico do Parfor de Artes Visuais da Universidade Federal do
Pará é uma revolução no ensino de arte nesse estado, e opera de forma
contínua em vários municípios, instaurando, inclusive, um novo modo
de pensar a formação continuada de professores de artes.
Se nesse primeiro momento as dificuldades de formação inicial
desses alunos/professores foram identificadas, hoje eles são, em muitos
municípios, os únicos licenciados para ensinar arte, com formação es-
pecífica na área, portando uma condição privilegiada de atuar em sua
escola e provocar transformações na própria estrutura nos currículos do

112
ensino de arte. Se por um lado ainda possuem a insegurança de alçar os
primeiros voos, por outro, têm a certeza do que não pode ser considera-
do pesquisa em arte ou o que não faz parte do ensino de arte.
No ano de 2014, 30 novos Licenciados em Artes Visuais voaram.
Um voo tímido, mas com um plano bem traçado. O desejo de seguir sua
formação em especializações, mestrado acadêmico ou mestrado profis-
sional e até o doutorado indica que valeu a pena. Indica que novos ven-
tos os estão levando para voos mais altos, mais longínquos, sem perder
de vista seu local de origem, os interiores da Amazônia. Uma necessi-
dade tão urgente e vital que há muito se esperava, e que agora começa a
ser realidade. E logo teremos mais cinco turmas em municípios do Pará
entrando no casulo para mais uma onda de metamorfoses de professo-
res e alunos de arte.

REFERÊNCIAS

ECO, Humberto. Como se faz uma tese: em ciências humanas. Prefácio


de Hamilton Costa. Trad. Ana Falcão Bastos e Luis Leitão. Lisboa: Edi-
torial Presença, 2007.
GADOTTI, Moacir. Educação e compromisso. 4. ed. Campinas: Papirus,
1992.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, Faculdade de Artes Visuais.
Proposta curricular de licenciatura plena em Artes Visuais. Belém, 2012.
PERISSÉ, Gabriel. Palavras e origens: considerações etimológicas. São
Paulo: Saraiva, 2010.
PERISSÉ, Gabriel. O professor do futuro. Rio de Janeiro: Thex, 2002.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Ensino e pesquisa na docência universitá-
ria: caminhos para a integração. São Paulo: Universidade de São Paulo;
Pró-Reitoria de Graduação, 2008.
SILVA, Jane Quintiliano Guimarães. O memorial no espaço da forma-
ção acadêmica: (re)construção do vivido e da identidade. Revista Pers-
pectiva, Florianópolis, v. 28, n. 2, p. 601-624, jul./dez. 2010.

113
SOUZA, Ana Maria Martins de. A mediação como princípio educacio-
nal: as bases teóricas das abordagens de Reuven Feuerstein. São Paulo:
Editora Senac, 2003.
TEIXEIRA, Elizabeth. As três metodologias: acadêmica, da ciência e da
pesquisa. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2005.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Plano de Desenvolvimento da
UFPA 2001-2010. Disponível em: <http://www.ufpa.br/plano/arquivos/
Plano1.PDF>. Acesso em: 19 jul. 2014.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Resolução n. 4.297, de 13 de
Junho de 2012. Aprova o Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura
em Artes Visuais, adaptado para o Parfor – Consepe. Belém, 2012.
ZAMBONI, Sílvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência.
São Paulo: Autores Associados, 2006.

114
CA PÍ TULO I I

PR O F I S S I O N A I S
COL A BORA DO R ES
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE
ARTES VISUAIS/PARFOR DA UFPA:
análise do Projeto Pedagógico de Curso

Fernanda Sena da Silva37

Sabemos que vários são os fatores que contribuem para a forma-


ção de professores e suas práticas, no entanto, não podemos deixar de
mencionar o papel do currículo e da proposta pedagógica contida no
Projeto Pedagógico de Curso (PPC) como elementos que norteiam a
formação do indivíduo.
Segundo Masetto (2012), é fundamental compreender a importân-
cia do PPC de uma instituição de ensino superior e sua relação com
o currículo de um curso, pois ambos devem estar relacionados para a
formação integral do sujeito. Masetto afirma ainda que:

Diz-se que o projeto pedagógico é um projeto político


porque estabelece e dá sentido ao compromisso social que
a instituição de ensino superior assume com a formação de
profissionais e de pesquisadores cidadãos que, na sociedade
em que vivem, trabalhando como profissionais, pesquisa-
dores ou cientistas, desenvolvem sua participação e seu
compromisso com a transformação da qualidade de vida
dessa sociedade (MASETTO, 2012, p. 62).

37
Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e Espe-
cialista em Educação especial pela Faculdade Superior da Amazônia - Esamaz.

117
Em virtude disso, podemos perceber que o PPC deve ser um “ins-
trumento vivo” nas práticas docentes de cada curso e deve ser posto
em prática a fim de auxiliar o professor no seu planejamento e na sua
docência, ou seja, quando um projeto educacional é construído, ele visa
fazer sua contribuição social e política na formação do sujeito crítico e
reflexivo.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº
9.394/96, no seu artigo12, inciso I, diz que “os estabelecimentos de en-
sino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão
a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica”. Nesse
sentido, a prática docente e o que se coloca no PPC devem estar intima-
mente ligados, uma vez que o projeto é construído por um conjunto de
sujeitos que desejam fazer mudanças e discutir propostas de como será
melhor chegar aos objetivos colocados.
Além de que, “é necessário que se afirme que a discussão do proje-
to político-pedagógico exige uma reflexão acerca da concepção da edu-
cação e sua relação com a sociedade […]” (VEIGA, 1998, p. 13).

O CURSO DE ARTES VISUAIS PELO PLANO NACIONAL DE


FORMAÇÃO DE PROFESSORES (PARFOR)

Por meio da criação do decreto 6.094, de 24 de abril de 200l, foi


instituído o Plano de Metas Compromisso de Todos pela Educação, que
compõe um plano estratégico de desenvolvimento para a educação, no
caso, brasileira. Plano este que conta com a parceria ativa e financei-
ra da União, estados, municípios e Distrito Federal, com o objetivo de
partilhar e subsidiar recursos financeiros, ente muitos outros fatores,
inerentes ao próprio processo, que vai de recursos financeiros, logísti-
cos e agentes envolvidos. O plano é formado por 28 diretrizes voltadas
para a melhoria da qualidade da educação no Brasil, dentre as quais se
destaca: alfabetizar as crianças na idade certa, assegurar ao professor
melhores condições de salário e trabalho, planos de cargos e carreiras,

118
qualificações continuadas para o melhor exercício da profissão, dentre
outros que surgem na longa jornada educacional.
Nesse sentido, visando um maior avanço, o Governo Federal – por
meio do Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, implantado em re-
gime de colaboração entre a Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal
de Nível Superior (Capes), os estados, municípios, o Distrito Federal e
as instituições de ensino superior – criou o Plano Nacional de Formação
de Professores da Educação Básica (Parfor), com a finalidade de induzir
e fomentar a oferta de educação superior, gratuita e de qualidade, para
professores em exercício na rede pública de educação básica, para que
estes profissionais possam obter a formação exigida pela LDB e contri-
buir para a melhoria da qualidade da educação básica no País (BRASIL,
2009).
Como o programa conta com a parceria da IES, em 2009 a Uni-
versidade de Federal do Pará aderiu ao programa, conforme a resolu-
ção nº 3.921, de 21 de dezembro de 2009, e em julho de 2010, iniciou
no município de Castanhal a primeira turma de Licenciatura em Artes
Visuais. E na sequência, iniciou os cursos de Licenciatura em Artes
Visuais nos municípios de Capanema, Moju, Almeirim, Tucuruí e Tai-
lândia, esses já concluídos ou em fase de conclusão, e até o momento
da escrita da pesquisa, continuavam os cursos em Barcarena, Bragança
e Itaituba.

119
QUADRO DE TURMAS DO CURSO
Nome do município Quantidade Quantidade Quantidade de
Data de início e fim
Nome do curso *Tipo de curso onde a turma foi de vagas de turmas professores-
(mês e ano)
implantada ofertadas implantadas cursistas
Licenciatura Plena
1ª licenciatura Concluído Castanhal 40 1 36
em Artes Visuais
Licenciatura Plena Colação de grau
1ª licenciatura Capanema 40 1 27
em Artes Visuais 27/05/2015
Licenciatura Plena Colação de grau
1ª licenciatura Moju 40 1 27
em Artes Visuais 29/05/2015
Licenciatura Plena 07/11 a
1ª licenciatura Almeirim 40 1 28
em Artes Visuais 02/15

120
Licenciatura Plena 01/2012 a
1ª licenciatura Tucuruí 40 1 25
em Artes Visuais 02/2015
Licenciatura Plena 01/2013 a
1ª licenciatura Tailândia 42 1 42
em Artes Visuais 07/2016
Licenciatura Plena 07/2014 a
1ª licenciatura Bragança 36 1 36
em Artes Visuais 01/2018
Licenciatura Plena 07/2014 a
1ª licenciatura Barcarena 40 1 36
em Artes Visuais 01/2018
Licenciatura Plena 07/2014 a
1ª licenciatura Itaituba 30 1 24
em Artes Visuais 01/2018
TOTAL: 346 9 276

Fonte: Elaborada pela autora com base nas informações da Plataforma Freire (online, 2015).
Abrem-se novos desafios para a formação em Artes Visuais, de-
safios de percorrer agora a Amazônia nos diferentes espaços e escolas,
com diferentes histórias a serem contadas e ouvidas. Agora o curso é
levado para aqueles professores que vão se tornar alunos em busca de
uma educação com qualidade e exigida pela lei.

O PROJETO DO CURSO DE ARTES VISUAIS/PARFOR

O projeto político pedagógico do curso de Artes Visuais/Parfor foi


elaborado coletivamente por representantes legais da Universidade Fe-
deral do Pará e aprovado pelos membros da congregação do Instituto de
Ciências da Arte em 25/08/2011, ambicionando formar especificamen-
te licenciados plenos em Artes Visuais, sendo ofertado na modalidade
presencial, e elaborado pelos docentes que compõem o quadro da Fa-
culdade de Artes Visuais (FAV) com o seguinte objetivo:

O Projeto Pedagógico de Curso - PPC de Artes Visuais do


Plano Nacional de Formação de Professores da Educação
Básica - Parfor foi construído na perspectiva de atender a
necessidade da formação adequada para professores em
Artes da UFPA, com vistas a suprir as demandas dos mu-
nicípios em que os cursos se situam: Castanhal, Capanema,
Moju, Almeirim, Tucuruí e outros que venham a solicitar
(UFPA, 2012, p. 7).

Assim sendo, na leitura do projeto pedagógico, o mesmo segue


o que dizem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores de 2002, em seu art. 2º, quando aponta de que forma a for-
mação de professores deve comtemplar e desenvolver:

I- O ensino visando à aprendizagem do aluno; II- O acol-


himento e o trato da diversidade; III- O exercício de ativi-
dade de enriquecimento cultural; IV- O aprimoramento
em práticas investigativas; V- A elaboração e execução de

121
projetos de desenvolvimento dos conteúdos curriculares;
VI- O uso de tecnologias de informação e da comunicação
e de metodologias, estratégias e matérias de apoio inova-
dores; VII- O desenvolvimento de hábitos de colaboração
em equipe (BRASIL, 2002, p. 1).

Busca-se formar discentes capazes de promover, a partir dos sabe-


res adquiridos e nos quais estão inseridos, condições múltiplas de desen-
volvimento de um olhar crítico da realidade circundante e que encontra
nas artes visuais um fio condutor no incremento de possibilidades para o
alargamento da cultura e de sua propagação. Desse modo, as artes visu-
ais possuem um papel decisivo para a ampliação desse olhar e para uma
tomada de consciência, uma vez que as artes emprestam possibilidades
inúmeras para retratarmos nossa realidade e pensarmos sobre a mesma.
Percebe-se que, por intermédio das artes visuais e por outras ex-
pressões artísticas, podemos entender que, além da transferência de co-
nhecimento, encontramos uma preservação cultural que pode e deve ser
transmitida e mantida, não só por um aspecto artístico, mas acima de
tudo, por uma identidade. Essa colocação é destacada com bastante ên-
fase no projeto do curso, levando em conta que o seu público-alvo é de
professores atuantes, que possuem experiência em sua prática docente e
que buscam, por intermédio do curso, a formação de nível superior exigi-
da na lei e amparo legal no seu fazer educacional. Somando-se tudo isso,
cria-se uma atmosfera enriquecedora aos discentes do curso em questão
na soma de conhecimentos disciplinares, por não exigir que abandonem
o conhecimento que já possuem, mas que o aprimorem, possibilitando
vislumbrar outras alternativas para o ensino-aprendizagem.
Desse modo, as práticas pedagógicas metodológicas apontam que
os professores-formadores devem, dentro de suas possibilidades e re-
alidade, buscar todos os tipos de auxílio que viabilizem a docência e
que encontrem nas tecnologias disponíveis subsídios capazes de garan-
tir uma aprendizagem significativa e condizente com a realidade destes
professores-alunos, conforme descrito no projeto:

122
A estrutura proposta neste plano aponta para o estudo e a
aplicação de ações didáticas e pedagógicas que possam at-
ender aos aspectos da expressão, produção, desenvolvim-
ento e aplicação de tecnologias, assim como a fundamenta-
ção teórica a partir dos conteúdos programáticos adaptados
com ênfase nas Artes Visuais, articulados a uma perspec-
tiva interdisciplinar (UFPA, 2012, p. 19).

A tudo isso, acrescenta-se a perspectiva motivadora do curso em


questão, que no seu cerne, visa “oferecer teoria e prática suficientes para
a reflexão crítica sobre o ensino da arte e seus objetos, assim como posi-
cionamentos políticos e intervenções que levem a mudanças consisten-
tes nos vários municípios do Pará” (UFPA, 2012, p.19).
O curso de Artes Visuais do Parfor busca promover a articulação
coerente entre a realidade desse aluno com o que é ensinado no decor-
rer do curso, respeitando acima de tudo a sua realidade e o seu entorno,
bem como proporcionar a aprendizagem dos conteúdos disciplinares
de artes visuais que são específicos da sua atuação, aproveitando a sua
experiência juntamente com as teorias do ensino que englobam as es-
pecificidades das artes visuais. Essas afirmações condizem tanto com
as Diretrizes Nacionais para a formação de professores quanto com
as próprias Diretrizes do Curso de Artes Visuais, pois são pontos im-
portantes destacados nos referidos documentos e que orientam muito
daquilo que se pretende na formação de pessoas aptas ao exercício da
docência das artes.
O Projeto Pedagógico de Artes Visuais foi coroado pelo reconheci-
mento de seu caráter inovador. No II Encontro Nacional do Parfor, rea-
lizado nos dias 5 a 7 de junho de 2014 em Brasília, a professora doutora
Bernadete Gatti – referência na área da educação por seus estudos sobre
as licenciaturas em todo o Brasil e por ter realizado um estudo recen-
te sobre os projetos pedagógicos dos cursos do Parfor afirmou durante
palestra que:

123
Nós encontramos na Universidade Federal do Pará uma
proposta na área das Artes, em dimensões muito interes-
santes. Por exemplo, eles levam em conta a dimensão de
teorias, a dimensão de fundamentos, a experimentação e
reflexão de meios, a dimensão de pesquisa em artes visuais,
a dimensão de ensino e aprendizagem em artes visuais, a
dimensão de estágio profissional para os licenciados, a di-
mensão das atividades complementares. Essa dimensão de
ensino e aprendizagem em artes visuais corresponde a 16%
do currículo, isso é interessante. Mas quando a gente entra
nesse eixo, a gente vê que tem disciplinas separadas, que
não demostram muita integração. A proposta é interes-
sante, é uma proposta nova, conta a professora, que afirma
que outras universidades não trabalham dessa forma dife-
renciada (Parfor UFPA é destaque no II Encontro Nacional
do Parfor. Acesso em: 20 dez. 2014).

Sobre essa questão da falta de integração no currículo, Libâneo


(2015) ressalta que um dos principais problemas que ainda ocorrem na
formação de professores é a separação entre as disciplinas pedagógicas
e os conteúdos específicos durante o curso, uma herança “maldita” que
deixou raízes profundas na educação brasileira, e que, ainda nos dias
atuais, está longe de ter um desfecho, mas que se discutida e, princi-
palmente, combatida por todos os agentes envolvidos no processo do
ensino-aprendizagem, pode nos trazer melhores resultados.
No entanto, ao nos debruçarmos sobre o projeto pedagógico, e
quando fazemos uma analogia relacional com as Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Artes Visuais de 2009, percebemos que a noção
de competências e habilidades descritas no projeto são as mesmas des-
critas no referido documento conforme quadro abaixo:

124
Competências e habilidades Competências e habilidades
descritas nas Diretrizes presentes no Projeto Político
Curriculares para o curso de Artes Pedagógico do curso de
Visuais 2009 Artes Visuais do Parfor
- Interagir com as manifestações - Interagir com as manifestações
culturais da sociedade na qual se culturais da sociedade na qual se
situa, demonstrando sensibilidade e situa, demonstrando sensibilidade e
excelência na criação, transmissão e excelência na criação, transmissão e
recepção do fenômeno visual; recepção do fenômeno visual;
- Desenvolver pesquisa - Desenvolver pesquisa
cientfica e tecnológica em Artes científica e tecnológica em Artes
Visuais, objetivando a criação, Visuais, objetivando a criação,
a compreensão, a difusão e o a compreensão, a difusão e o
desenvolvimento da cultura visual; desenvolvimento da cultura visual;
- Atuar, de forma significativa, nas - Atuar, de forma significativa, nas
manifestações da cultura visual, manifestações da cultura visual,
instituídas ou emergentes; instituídas ou emergentes;
- Atuar nos diferentes espaços - Atuar nos diferentes espaços
culturais, especialmente em culturais, especialmente em
articulação com instituições de articulação com instituições de
ensino específicas de artes visuais; ensino específicas de artes visuais;
- Estimular criações e sua - Estimular criações e sua
divulgação como manifestação do divulgação como manifestação do
potencial artístico, objetivando o potencial artístico, objetivando o
aprimoramento da sensibilidade aprimoramento da sensibilidade
estética dos diversos atores sociais. estética dos diversos atores sociais.

Fonte: elaborado pela autora com base nos documentos mencionados no quadro.

E se bem analisado o projeto pedagógico em sua estrutura curricu-


lar, percebermos que cada eixo acima é comtemplado com um conjunto
de disciplinas com o objetivo de chegar a todos os pontos apresentados
no quadro.

125
ESTRUTURA CURRICULAR

126
O currículo do curso se divide em oito módulos, com duração de
quatro anos com carga horária distribuída entre teoria, prática e ativi-
dades à distância.
E conforme apresentamos na seção anterior, as competências e ha-
bilidades descritas no projeto corroboram com as descritas nas diretri-
zes do curso de Artes Visuais, e na sua estrutura curricular, podemos
observar qual a finalidade de cada disciplina para que se chegue aos
eixos norteadores das propostas nos documentos.

Competências/habilidades Atividades curriculares


Interagir com as manifestações Estética e Filosofia da Arte I e II;
culturais da sociedade na qual se Teoria e Crítica da Arte; Percepção
situa, demonstrando sensibilidade e Visual; Linguagem Visual; Arte,
excelência na criação, transmissão e Cultura e Sociedade; Artes Visuais
recepção do fenômeno visual. Afro-Indígenas Brasileiras.
Compreender os aspectos Psicologia da Educação; Didática;
pedagógicos, didáticos, metodológicos Fundamentos de Ensino e
e tecnológicos do ensino e da Aprendizagem das Artes Visuais I, II,
aprendizagem em artes visuais e sua III e IV; Libras.
importância na construção da realidade
social tanto na educação formal quanto
não formal.
Desenvolver pesquisa cientifica Português Instrumental; História
e tecnológica em artes visuais Geral da Arte I, II e III; História da
objetivando a criação, a compreensão, Arte Brasileira I e II; Metodologia
a difusão e o desenvolvimento da do Trabalho Científico; Metodologia
cultura visual. da Pesquisa em Arte; Trabalho de
Conclusão de Curso I.
Atuar de forma significativa nas Laboratório de Objeto e Instalação;
manifestações da cultura visual, Laboratório Audiovisual; Laboratório
instituídas ou emergentes, de forma de Narrativas Gráficas; Laboratório
interdisciplinar, tendo em vista a de Animação; Laboratório de Arte e
dimensão ambiental. Novas Mídias I e II; Performance.

127
Atuar, planejar, desenvolver e avaliar
programas e projetos pedagógicos
disciplinares e interdisciplinares em Estágio I, II, III e IV.
espaços de educação formal e não
formal, articulando com instituições de
ensino específico de artes visuais.
Estimular criações visuais e sua difusão Laboratório de Composição;
como manifestação do potencial Laboratório de Desenho I e
artístico, objetivando o aprimoramento II; Laboratório de Pintura I
da sensibilidade estética dos diversos e II; Laboratório de Gravura
atores sociais. I; Laboratório de Escultura;
Laboratório de Fotografia I e II.
Fonte: elaborado pela autora.

No entanto, é acrescida no projeto a compreensão dos aspectos


metodológicos por meio das disciplinas de fundamentos do ensino e
aprendizagem em artes visuais, didática, Libras e psicologia da educa-
ção, que conforme afirmou a professora Bernadet Gatti, ao correspon-
der a 16% do currículo, isso se torna bastante interessante por ser um
curso voltado para formar licenciados em artes visuais. Na sua base cur-
ricular, o projeto apresenta as disciplinas pedagógicas, o que não ocorre
na maioria dos projetos de licenciatura, que priorizam somente o domí-
nio dos conteúdos e esquecem dos processos metodológicos e didáticos.
Para Libâneo (2015, p. 640), “o professor deve não só dominar o conte-
údo, mas, especialmente, os métodos e procedimentos investigativos da
ciência ensinada, portanto, os conhecimentos disciplinar e pedagógico
precisam estar integrados”.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professo-
res de 2002, no seu artigo 11º, quando trata sobre os critérios de organi-
zação da estrutura curricular, também destacam a articulação dos eixos
disciplinares tanto na formação específica quando na própria dimensão
das teorias e práticas aliadas à fundamentação pedagógica. No projeto
pedagógico do curso de Artes Visuais, a proposta é:

128
O currículo estruturar-se-á por meio de atividades curricu-
lares regulares e optativas, relacionando-se entre si e oferta-
das em módulos. Articulando-se por meio do Nível Básico,
Nível de Desenvolvimento, Nível de Aprofundamento e
Nível Complementar, que se desenvolvem segundo as di-
mensões que nortearão os conteúdos curriculares do curso
(UFPA, 2012, p. 29-30).

Esses níveis de desenvolvimento presentes no projeto são os pro-


postos nas diretrizes de Artes Visuais de 2009, no seu art. 5º, em que o
nível básico se concentra na fundamentação teoria-prática, o nível de
desenvolvimento se direciona à interação com outras áreas do conheci-
mento, no caso a filosofia, as letras, a psicologia, dentre outros presentes
no projeto, e o nível de aprofundamento se direciona para o aperfeiçoa-
mento das técnicas e procedimentos conceituais.
As disciplinas de experimentação, como desenho e pintura, e as
demais estão agrupadas nos mesmos blocos que as disciplinas teóricas,
dessa forma o aluno pode associar as técnicas desenvolvidas durante
a experimentação juntamente com bases conceituas durante o cur-
so, evidenciada tanto no projeto quando nas suas próprias diretrizes
curriculares.
Nesse sentindo, Gatti, Barreto e André afirmam sobre as diretrizes
especificas de cada curso:

Mesmo com ajustes parciais propostos nessas diretrizes,


verifica-se nas licenciaturas de professores especialistas a
prevalência da histórica ideia de oferecimento da forma-
ção com foco na área disciplinar específica, com pequeno
espaço para a formação pedagógica. […] mesmo com as
orientações mais integradoras quanto à relação formação
disciplinar-formação para a docência, na prática ainda se
verifica a prevalência do modelo consagrado no início do
século XX (GATTI; BARRETO; ANDRÉ apud LIBÂNEO,
2015, p. 635).

129
Assim, ainda é necessário se buscar maior articulação dos conhe-
cimentos disciplinares com os pedagógicos.

PERFIL DO DOCENTE

O projeto apresenta a equipe de docentes responsável por propor-


cionar a licenciatura em Artes Visuais, composta por professores da
Faculdade de Artes Visuais e professores colaboradores de outras ins-
tituições de educação, na grande maioria com titulação de mestrado
e doutorado, e com vasta experiência educacional nas atividades per-
tinentes à formação de novos professores. Tendo como base a funda-
mentação teórica e os recursos tecnológicos, aspecto multidisciplinar
de suas atividades no âmbito da docência, os professores do Parfor têm
conseguido resultados mais que expressivos nos últimos anos de ativi-
dade do curso, uma vez que a demanda por novas turmas em outros
municípios cresce a cada ano de atividade do Parfor em Artes Visuais.
Conforme as diretrizes do programa Parfor, é previsto que os pro-
fessores vinculados ao mesmo tenham o prazo de uma semana para
ministrar suas disciplinas e realizar suas atividades respeitando a carga
horária destinada a cada disciplina. No entanto, é de se ressaltar que a
maneira didática e avaliativa das disciplinas que compõem a grade cur-
ricular fica a cargo do professor responsável por ministrar as mesmas, e
que tudo o que se vivencia em sala de aula se torna uma experiência sem
igual para os docentes que desfrutam de novos desafios e os discentes,
que por sua vez podem vislumbrar novas possibilidades não só profis-
sionais, como também de âmbito pessoal.

130
Gráfico 1: distribuição de docentes da Faculdade de Artes Visuais da UFPA.

Fonte: Projeto Pedagógico do Curso de Artes Visuais/Parfor 2012.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando analisamos um Projeto Pedagógico de Curso, é necessário


compreendermos o quanto o mesmo é orientado por no mínimo uma
intencionalidade norteadora do projeto em questão, além de conter as
principais propostas educacionais voltadas para o curso ambicionando
fazer dos participantes os grandes beneficiados, uma vez que todo proje-
to que se pretenda ao êxito requer dos seus atores no mínimo uma ação
compromissada com as atividades propostas no mesmo. Dessa forma,
podemos afirmar que o projeto se tornar um importante documento
construído coletivamente sobre a tutela do aspecto democrático e par-
ticipe dos que estão envolvidos com o mesmo, e deste modo, torna-se a
referência principal durante o planejamento que irá direcionar o tempo,
a metodologia e os conteúdos, balizando nossas ações em direção aos
objetivos desejados.
Portanto, precisamos salientar que, de um modo geral, o projeto
do curso de Artes Visuais/Parfor apresenta concordância com as pro-
postas para a elaboração do PPC ao deixar claro o perfil do futuro li-
cenciado, bem como proporcionar aos professores-alunos do curso o
acesso aos conhecimentos disciplinares, buscando ainda formar articu-

131
lação experimental com os fundamentos metodológicos do ensino de
arte, afinal, é notório na análise que as disciplinas compostas na estru-
tura curricular buscam atingir a formação desejada e prevista tanto nas
Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Artes Visuais quanto nas
Diretrizes Nacionais para a formação de professores, a formação de um
professor crítico e com potencialidade para integrar suas experiências
aos conhecimentos necessários à sua formação enquanto professor de
artes visuais.
Assim, mesmo o projeto apresentando resultados bastante anima-
dores, percebemos a necessidade de continuarmos avançado, uma vez
que os desafios educacionais sempre requerem mais daqueles que neles
se veem envolvidos. Há muito a se fazer nas artes e pelas artes, e enten-
demos que o Parfor é a pequena semente de uma nova safra de desafios
que perpassam as futuras qualificações, como especialização, mestrado
e, quem sabe até, doutorado.
No entanto, percebemos o quão importante foi esse primeiro passo
dado pelo projeto e seus atores, de levar, por intermédio das artes, possi-
bilidades reais de mudanças àqueles que são sedentos de conhecimento
e cultura.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Congresso Nacional. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 – Es-


tabelece as Diretrizes e Bases da Educação de Professores Nacionaia/DF,1996.
BRASIL, Conselho nacional de Educação. Câmara de educação Superior. Reso-
lução nº 1, de 16 de janeiro de 2009. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso
de Graduação em Artes Visuais.
BRASIL, Resolução nº 3.921 de 21 de dezembro de 2009. Aprova a criação e a
oferta de cursos de graduação para o cumprimento do Plano Nacional de For-
mação de Professores da Educação Básica. Disponível em: <http://www.parfor.
ufpa.br/legislacao/RESOLU%C3%87%C3%83O%20N.%203.921,%20DE%20
21%20DE%20DEZEMBRO%20DE%202009.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2015.

132
LIBÂNEO, José Carlos. Formação de professores e didática para o desenvolvi-
mento humano. Revista Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 40, n. 2, 2015.
Parfor ufpa é destaque no II encontro Nacional do parfor. Disponível em:
<http://www.aedi.ufpa.br/parfor/index.php/8-noticias-principais/8-parfor-
ufpa-e-destaque-no-ii-encontro-nacional-do-parfor>. Acesso em: 20 dez.
2014.
MACEDO, Elizabeth. Formação de professores e diretrizes curriculares nacio-
nais: para onde caminha a educação?. Disponível em: <http://www.periodicos.
proped.pro.br/index.php/revistateias/article/view/29/31>. Acesso em: 16 abr.
2015.
UFPA. Projeto Político Pedagógico do curso de Artes Visuais/Parfor. Belém:
UFPA, 2012.

133
A DIDÁTICA NO CONTEXTO DA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DE ARTES VISUAIS EM MOJU-PA:
A CULTURA MATERIAL DA DIDÁTICA E
O FAVORECIMENTO DA APRENDIZAGEM

Ricardo Augusto Gomes Pereira38


Carlos Jorge Paixão39

INTRODUÇÃO

[…] a existência […] de cada elemento da riqueza material


não existente na natureza, sempre teve de ser mediada por
uma atividade especial produtiva, adequada a seu fim, que
assimila elementos específicos da natureza a necessidades
humanas específicas. Como criador de valores de uso, como
trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de ex-
istência do homem […] (MARX, 1985a).

38
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Fe-
deral do Pará. Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional pela Unitau. Mestre
em Educação pelo PPGED/ UFPA. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas
sobre Teorias, Epistemologias e Métodos da Educação (EPsTEM/UFPA). Assessor
técnico do Conselho Estadual de Educação (CEE/PA). Professor do Parfor - Licen-
ciatura em Artes Visuais (ICA) e Licenciatura em dança (ETDUFPA).
39
Professor do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará.
Pós-doutor na área de concentração Filosofia e História da Educação da FE/Uni-
camp, Campinas/SP. Coordenador do grupo de estudos e pesquisas sobre Teorias,
Epistemologias e Métodos da Educação (EPsTEM/UFPA). Professor pesquisador
do Parfor/Iced.

135
A didática tem sido vista na atualidade como uma representa-
ção da educação tradicional que impõe aos professores que apliquem
processos de memorização e fixação de conteúdos que são realizados de
forma coercitiva. Fusari & Ferraz (1999) apontam que, em artes visuais,
a didática também cumpriu esse papel, considerando que, ao centrar
seu trabalho no conteúdo do desenho, buscava a padronização voltada
para o desenvolvimento de habilidades técnicas em detrimento da per-
cepção, da sensibilidade e do senso crítico das pessoas.
Essa se constitui uma visão que impera não somente na área de
artes, mas em todas as áreas de formação de professores, vista como
mera formalidade no processo formativo, já que a formação pedagógica
no processo formativo é relegada diante da formação específica, a qual
é atraente por ser nela que acontece a apropriação dos saberes da pro-
fissão. No entanto, parte desses saberes precisa passar pelo tratamento
didático, afinal, versar sobre ensino é tratar do manejo da aprendizagem
do outro que está recebendo os efeitos do ensino.
Outro aspecto subjacente a isso é o fato de o trabalho didático
não ser entendido como trabalho, já que essa forma de trabalho está
em posição secundarizada e vista de forma minorizada, assim como o
trabalho que demanda. A reflexão sobre o trabalho em relação à ação
docente do professor tem sido objeto de inúmeras discussões, pois a
análise do trabalho docente emerge de uma profunda fragmentação do
trabalho do professor, que hoje se encontra intensificado e precarizado
pelas condições objetivas impostas pelas lógicas do capital à toda área
de educação. Marx (1964) aponta que, em relação ao trabalho, nos “ma-
nuscritos econômicos e filosóficos” a referida categoria na perspectiva
da hegemonia do capitalismo acontece atrelada à alienação, já que esta
acontece em etapas e de um homem sobre o outro, e marcadamente no
contexto do trabalho, ao aliená-lo de sua maneira genérica.
Essa problematização acompanha meu trabalho como professor
colaborar do Parfor, no qual atuo desde 2010, na UFPA, inicialmen-

136
te, no Instituto de Ciências da Educação (Iced), no qual fui professor
substituto e, posteriormente, professor em outros institutos. No insti-
tuto de Ciências da Arte (ICA), atuei pela primeira vez no Parfor da
Licenciatura em Artes Visuais, nos anos de 2012 e 2013, nos municípios
de Capanema e Moju. No entanto, desde 2011, no mesmo instituto, já
vinha atuando no Parfor da Licenciatura em Dança, nas disciplinas de
Metodologia da Pesquisa em Dança e TCC I e II.
Essa trajetória docente pelo Parfor tem me delegado realizar den-
sas análises sobre a formação de professores em programas emergen-
ciais, considerando que a referida temática é meu objeto de pesquisa
no doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED/
Iced/UFPA). Diante de tudo isso, tenho desenvolvido minhas aulas no
programa a partir de perspectivas analíticas que consideram a forma-
ção pedagógica de licenciados e o desenvolvimento do trabalho docente
enquanto trabalho que se processa pela produtividade, sem vincular-se
à alienação, mas acima de tudo, pensar o processo dialético da educa-
ção a partir da compreensão de Pimenta (2002, p. 36), ao afirmar que
a dialética da educação “[…] significa entendê-la, conhecê-la, torná-la
intencional e sistematicamente como objeto de investigação […]”.
Tratar a didática nessa perspectiva tem gerado uma série de cons-
tatações, especialmente sobre o manuseio da disciplina em relação à
gama de materiais que são produzidos, já que a didática, ao longo de
sua existência, tem produzido não somente estratégias, mas materiais
que auxiliam na aprendizagem e que, ao longo do tempo, têm se cons-
tituído um cabedal cultural específico da disciplina, que na visão de
Pesez (1978), aponta que esse tipo de cultura está relacionado à concre-
tude necessária ao discurso que envolve a produção social. Pregnolatto
(2006) salienta que o termo cultura material é advindo do termo cultura
arqueológica, o qual se constitui dos artefatos que registram a existência
de grupos humanos.
É necessário lembrar que cultura material, no âmbito da didática,
relaciona-se ao cotidiano e à toda a sua subjetivação, já que a cultura

137
material exerce uma função prática no contexto da escola e da aprendi-
zagem dos sujeitos. Daí a relação entre didática e cultura que se baseia
na experiência dos sujeitos que criam e utilizam no âmbito da escola.
Observa-se que, na visão de Certeau (1994), o cotidiano se constitui
algo que se partilha no dia a dia, e por isso prende-nos à realidade. Essa
concepção aponta para a natureza prática da cultura material e da pró-
pria cultura, já que tem na sua natureza a partilha dos processos que
envolvem a vida em sociedade, já que “A história da ideia de cultura é
a história do modo por que reagimos em pensamento e em sentimento
à mudança de condições por que passou a nossa vida” (WILLIAMS,
1969, p. 30).
Esses fundamentos são importantes para compreender o trabalho
realizado na disciplina Fundamentos da Didática, a qual teve por fina-
lidade oportunizar reflexão crítica acerca dos fundamentos da didática
e sua prática no contexto da arte na Educação básica (educação infantil
e ensinos fundamental e médio) no que concerne à atuação docente.
Para atingir esse objetivo na referida disciplina, a metodologia utilizada
privilegiou a construção individual e coletiva e a participação, requeren-
do leituras, análise e discussão dos temas seguidos de debates e elabo-
ração de sínteses, com vistas a assegurar a interação dos fundamentos
teóricos. Imersão no cotidiano eleito para realização de vivência, regis-
tro e acompanhamento do trabalho, que denominei de tempo trabalho
educativo.
O tempo trabalho educativo se constituiu uma estratégia de de-
senvolvimento do trabalho pedagógico baseado no tempo comunida-
de, metodologia desenvolvida nos cursos de formação em Educação do
Campo, a qual se constitui no tempo da carga horária total destinada
aos estudos e pesquisas independentes, nos quais os alunos retornam
às suas comunidades para aplicarem os conhecimentos aprendidos na
disciplina.
Na disciplina Fundamentos da Didática, a forma assumida de tem-
po trabalho educativo foi organizada em função de que a carga horária

138
total era de 68 horas, mas de forma intensiva, aconteceram somente 50
horas, e as 18 horas restantes foram aplicadas na forma à distância, com
a finalização em um encontro presencial no qual os alunos expuseram
as experiências desenvolvidas em campo, como também o material pro-
duzido no referido tempo.
Diante dessa argumentação, este artigo tem como objetivo analisar
a cultura material da didática e sua influência na prática pedagógica de
professores de artes visuais em formação. Especificamente, o artigo visa
identificar em que medida os recursos didáticos influenciam na apren-
dizagem em artes visuais e discutir como a prática pedagógica pode ser
alicerçada a partir da utilização de recursos construídos didaticamente
para favorecer a aprendizagem.
Para atingir esse objetivo, procuro neste texto desenvolver uma
análise apoiada no registro da experiência desenvolvida, considerando
a perspectiva culturalista a qual essa categoria se apega, especialmente
Thompson (1981), na obra A miséria da teoria, em que analisa a expe-
riência cultural como acelerador da ação social. Essa foi a noção que
embasou o tempo trabalho educativo proposto no sentido de produzir
experiências pedagógicas a partir da aplicação de projetos de ação ela-
borados durante o módulo.
Para desenvolver o exame dos resultados que foram apresentados
no encontro presencial do referido tempo, utilizo como fundamento a
análise interpretativa, sobre a qual Severino (2007, p. 94) comenta que
“(…) é tomar uma posição própria a respeito das ideias enunciadas, é
superar a estrita mensagem do texto, é ler nas entrelinhas, é forçar o au-
tor a um diálogo, é explorar a fecundidade das ideias expostas, é cotejá-
las com outros, é dialogar com o autor (…)”.
A perspectiva apontada por Severino para a análise interpretativa
caminha na direção do que se apresenta neste artigo, a reflexão sobre a
prática desenvolvida pelos alunos de Artes Visuais e sua relação com a
cultura material, que envolve a didática e seus fundamentos.

139
CULTURA E CULTURA MATERIAL DA DIDÁTICA: IMPLICA-
ÇÕES À PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE ARTES
VISUAIS

Discutimos inicialmente neste artigo que a didática é um processo


que consolida o trabalho docente, e por isso, é parte de uma produção
material e subjetiva que influencia na aprendizagem das pessoas. Essa
perspectiva não pode ser vista de forma isolada, uma vez que ela nasce
da experiência dos sujeitos e de suas relações. Ao analisar a questão por
este ângulo, observa-se que, desde Comenius, no século XVIII, a didá-
tica tem a função de partilhar coisas que devem durar a vida toda, não
tendo um lugar específico para que isso seja repassado.
Essa noção de Comenius em muito se aproxima do que Williams
(1992) reflete sobre as funções que a cultura exerce na vida humana,
ao definir que existem dois aspectos que imperam na experiência e
materialidade humana, no que o autor chama de “espírito formador”
e na “cultura vivida”. Observa-se que, em ambas as categorias aponta-
das por Williams, a didática se apresenta fortemente, pois significa a
dimensão formadora e vivida que a prática pedagógica apresenta no
cotidiano da sala de aula e da escola. Williams (1992, p. 11) salienta
que “há questões fundamentais quanto à natureza dos elementos for-
mativos ou determinantes que produzem essas culturas característi-
cas. Repostas alternativas a essas questões têm produzido amplo leque
de significados convincentes […]”.
A opinião de Williams (1992, p. 11), exposta no livro Cultura, afir-
ma que o termo cultura é bastante ambivalente, já que possui uma série
de significados relacionados a diversos aspectos da vida humana, que
vão desde as relações com as atividades sociais até especificidades das
artes e trabalho intelectual, considerando que “a dificuldade do termo é,
pois, óbvia, mas pode ser encarada de maneira proveitosa como resulta-
do de formas precursoras de convergência de interesses”.

140
Nesse sentido, a relação entre didática e cultura se estabelece a par-
tir da produção de sentidos diversos no interior da escola, uma vez que
a didática acontece a partir da organização de meios que conduzem a
uma comunicação efetiva de informações importantes à aprendizagem.
Historicamente, a didática tem feito esforços diversos nessa direção, que
acabaram por criar formas que conduziram à alienação dos sujeitos em
nome da aprendizagem eficiente e ao abandono da consciência crítica.
Alfredo Veiga-Neto (2003), no artigo “Cultura, Culturas e Educação”,
publicado na Revista Brasileira de Educação, aponta que, atualmente, a
educação tem recorrido a muitos aspectos da cultura, o qual ele chama
de virada cultural, e isso tem gerado novas formas de comunicação no
âmbito da educação e em outros campos.
No entanto, historicamente a didática sempre criou esses meios
de comunicação a fim de facilitar a aprendizagem das pessoas. Essas
formas se inserem no que se convencionou chamar de cultura material
escolar, já que este conceito se relaciona à compreensão dos diversos
materiais ligados à produção material da educação (BENCOSTA, 2007).
Dessa forma, a didática produz uma série de materiais que colaboram
com a práxis como atividade docente por excelência relacionada ao en-
sino. Pimenta salienta que tanto a estratégia didática como a sua produ-
ção material ocorrem na perspectiva do ensino, pois

Ocorre através de outras atividades e agentes sociais, a


tarefa de ensinar, desde a organização, análise e decisão dos
processos de ensino em aula, até a organização, análise e de-
cisão de políticas de ensino e seus consequentes resultados
no processo de educação enquanto humanização, constitui
a especificidade de trabalho profissional do professor (PI-
MENTA, 1995, p. 63).

Dessa forma, é possível compreender que materiais produzidos em


aulas e no processo do trabalho docente do professor têm como fim,
principalmente, a humanização dos envolvidos no processo de ensino.

141
Observa-se que essa reflexão de Pimenta acontece no cotidiano da esco-
la e relacionada ao seu saber-fazer, uma vez que este cotidiano, partindo
da compreensão dos estudos culturais, manifesta-se a partir da cultura
manifestada pelos sujeitos e suas ações, sobre a qual Certeau (1994, p.
69) afirma que é algo invisível, pois “aquela que, de dentro da linguagem
ordinária, mostra esses limites; aquela que denuncia o caráter irreceptí-
vel (o nonsense) de toda sentença que tenta uma saída para aquilo que
não se pode dizer”.
Tanto as posições de Pimenta sobre a produção da didática e do
trabalho docente como a de Certeau sobre o cotidiano sinalizam que
a escola e os fazeres e saberes lançam mão de insumos criados para fa-
cilitar a compreensão da vida em seus aspectos teóricos e práticos, re-
presentados em “instrumentos legais e das propostas descritas em seus
documentos institucionais em termos de significação dada pelos sujei-
tos, mas não em termos epistemológicos” (MANESCHY, 2013, p. 8-9).
Assim, é possível observar que isso ocorre em todas as disciplinas
do currículo escolar, e a arte está envolvida nisso, pois enquanto prática
curricular, essa disciplina desenvolve materiais específicos que se incor-
poraram culturalmente aos fazeres da arte no âmbito escolar. Sobre isso,
Silva (2011, p. 8) aponta que a cultura material em artes está relacionada
“à forma, à identidade, às relações sociais e aos discursos engendrados
pelos objetos”.
Assim, é possível verificar que, na prática dos professores de arte,
o discurso não é apenas recurso de palavra, mas se materializa na utili-
zação de materiais que colaboram com a significação dos sentidos atri-
buídos à atividade que o professor direciona a partir dos conteúdos da
referida disciplina. Silva salienta ainda que a cultura material da arte ex-
trapola o sentido meramente didático e adentra em sentidos subjetivos
que somente a arte pode revelar,

[…] utilizando-se das categorias êmicas presentes […] em


alguns desses objetos, singularmente concebidos como

142
presentificações de relações estabelecidas com alteridades
extra-humanas e suas potências, especialmente divindades
e demais habitantes do cosmos (animais, plantas, minerais,
etc.), dotados de atributos humanos, ponto de vista, subje-
tividade e intencionalidade (SILVA, 2001, p. 8).

A partir do que foi dito por Silva, observa-se que são muitas as
possibilidades de produção material, tanto da arte como da didática,
considerando que em ambas as atividades existe a necessidade de pro-
dução de materiais que facilitem a comunicação. Nesse sentido, a dis-
ciplina Fundamentos da Didática desenvolveu materiais para elucidar:

Figura 1: conteúdos do ementário de Fundamentos da Didática. Fonte: Parfor


- Artes Visuais (2013).

143
Os conteúdos apresentados na Figura 1 apontam para a apreciação
crítica da educação e sua vinculação com a realidade ao tratar das teo-
rias tradicionais e críticas que implicam em concepções de desenvolvi-
mento da arte na escola e suas relações. As teorias subjacentes à educa-
ção colaboram com a compreensão de que a educação é permeada por
influências que a impulsionam em diversas direções. Saviani (2011), na
obra Escola e democracia, editada pela primeira vez na década de 1980,
aponta que, de uma forma geral, a educação está envolvida em um fe-
nômeno que o autor chama de marginalidade, no qual a educação pode
ser usada para correção ou avanço da sociedade, o que foi discutido no
âmbito das artes visuais, qual o papel da arte nesse processo, chegando-
-se à conclusão que ela serve ao avanço por proporcionar autonomia aos
atingidos pelas suas ações.
Com essa constatação, a turma foi conduzida a perceber que a au-
tonomia proporcionada pela arte precisa de um processo de organiza-
ção, a qual foi realizada a partir do trabalho com o planejamento didáti-
co, que segundo os PCNs de Artes, assinala que

[…] aprender arte envolve, basicamente, fazer trabalhos


artísticos, apreciar e refletir sobre eles. Envolve, também,
conhecer, apreciar e refletir sobre as formas da natureza e
sobre as produções artísticas individuais e coletivas de dis-
tintas culturas e época (BRASIL, 1997, p. 15).

Finalmente, a disciplina atuou na direção de pensar a práxis a par-


tir dos saberes aprendidos com as aulas de didática, as quais seriam em-
preendidos durante o tempo trabalho educativo, planejado para surtir
efeito nas comunidades ribeirinhas de onde se originava a maioria dos
alunos da turma. Essa perspectiva de trabalho aponta para a criação de
materiais alternativos que auxiliaram na comunicação de conteúdos das
disciplinas, considerando que os referidos professores são profissionais
em formação em serviço, como mostra a Figura 2, na qual observa-se o
planejamento durante a disciplina.

144
Figura 2: planejamento das atividades do tempo trabalho educativo. Fonte:
Ricardo Pereira (2013).

A PRODUÇÃO MATERIAL DA DIDÁTICA NO ÂMBITO DAS


ARTES VISUAIS: CONSTATAÇÕES E IMAGENS DA PRÁXIS

O desenvolvimento do trabalho pedagógico na disciplina Funda-


mentos da Didática se deu a partir da reflexão, primeiro teórica, acerca
das teorias subjacentes à educação, as quais deram lastro à discussão
da prática pedagógica mediada a partir da cultura amazônica, espe-
cialmente a ribeirinha, a qual faz parte da identidade dos professores
cursistas.
Deu-se preferência a essa característica por que a Amazônia é uma
região que não se constitui apenas pela exuberância de seus aspectos
físicos e geográficos, mas também pela capacidade de ser reconhecida
pelo seu imaginário estético-poetizante, sobre o qual Loureiro (1995)
analisa que a grandiosidade da região desencadeia no homem amazô-
nico um devaneio mediatizado pela beleza da floresta, rios, terras e a
diversidade de pessoas que constituem o corpo mítico da região, o qual

145
é constituído de invenções e reinvenções por meio de suas lendas, suas
danças, seus sabores, seus cheiros e seus saberes.
A cultura ribeirinha é uma parte do universo populacional e cul-
tural dos modos de vida peculiares associados ao rio e às suas margens,
que atualmente emerge como uma categoria de análise que tenta des-
vendar, pela via da pesquisa, as peculiaridades e saberes dessa parcela
da população amazônica. Nesse sentido, a construção da produção ma-
terial da disciplina Fundamentos da Didática partiu do reconhecimento
dessa característica da turma, a qual penetrou nos modos de perceber a
região para transformá-la em exercício plástico-artístico.

Figura 3: avental-cenário para contação de histórias. Fonte: Ricardo Pereira


(2013).

Na Figura 3, observa-se uma das alunas expondo um avental-cená-


rio para contação de história sobre a origem da cidade de Moju.

146
Ao trabalhar com o universo cultural da cidade de Moju, os alu-
nos construíram materiais que evocaram a lenda da cobra grande que
serpenteia o rio que banha a cidade, e a atividade se transformou em
um elemento para a comunicação e discussão em sala de aula. Loureiro
(1995, p. 39) analisa que, seja na cultura, seja no âmbito da sala de aula, a
“[…] cultura amazônica, a conversão semiótica para o estético, segundo
a qual as funções se reordenam e se exprimem pela formação ressimbo-
lizada e sobre a qual recai a contemplação”.
Na Figura 4, o que Loureiro (1995) chama de conversão semiótica
continua a se materializar na produção material da turma, a partir de
outras lendas que habitam o imaginário de Moju. Na referida imagem,
observa-se o trabalho com fantoches produzidos com materiais recicla-
dos e que representavam a matinta perera.

Figura 4: fantoches matinta perera. Fonte: Ricardo Pereira (2013).

Na elaboração dessa forma de comunicação de conteúdos, ob-


serva-se que os materiais produzidos partem do que Oliveira e Santos
(2007) chamam de cartografia simbólica, quando sujeitos imaginam

147
e representam a realidade social e cultural a qual vivem, permitindo
dessa forma estruturar saberes fora da formalidade imposta pela escola
e esboçar significados próprios a partir da identidade do lugar.
Na Figura 5, observa-se que a sombrinha chuva de ideias, a qual
foi desenvolvida para servir de dinâmica para desencadear ideias nas
aulas de arte visuais. O objetivo da sombrinha era o de proporcionar
um espaço de discussão dos conteúdos, permitindo aos alunos a inter-
venção nos conteúdos e condução da aprendizagem em sala de aula,
proporcionando autonomia aos alunos, já que estes têm possibilidades
de decidir como ocorrerá as atividades da disciplina, que por ter essa
característica, foi denominada de “círculo do conhecimento”.

Figura 5: sombrinha chuva de ideias. Fonte: Ricardo Pereira (2013).

Ao desenvolver essa sequência de materiais de auxílio à comuni-


cação na sala de aula, surgiu a proposta de utilização de materiais pro-
duzidos em outras disciplinas do curso como recurso a ser utilizado na
perspectiva dos conteúdos de artes visuais. Na Figura 6, observa-se um
caleidoscópio criado para trabalhar a variação de cores e formas.

148
Figura 6: caleidoscópio. Fonte: Ricardo Pereira (2013).

FAVORECIMENTO DA APRENDIZAGEM E DA COMUNICAÇÃO


EM SALA DE AULA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRÁXIS

Este artigo versou sobre a produção material da didática sobre


como é possível relacionar a práxis como processo de transformação
da vida humana, na qual estão presentes aspectos teóricos e práticos. O
desenvolvimento da disciplina Fundamentos da Didática na licenciatu-
ra em Artes Visuais procurou atuar junto aos professores cursistas de
forma a desenvolver não só a teoria, mas uma prática efetiva mediada
pela realidade local dos alunos de Moju.
Pimenta (2002, p. 88) ressalta que o trabalho didático guiado pela
práxis coloca em ação uma outra pedagogia, a qual é permeada pela
dialética e pela indissociabilidade entre teoria e prática, sobre a qual a
autora afirma ser fruto da atividade humana que se “caracteriza como
produto da consciência, a qual prefigura as finalidades da ação (ativida-
de teórica)”. O trabalho desenvolvido na disciplina Fundamentos da Di-
dática partiu do princípio de que os materiais produzidos na disciplina

149
se configuram da atividade humana, pois foram pensados para produzir
conhecimentos a partir da realidade.
Essa realidade foi estabelecida a partir da identidade ribeirinha
a qual os alunos pertencem, e desenvolveram suas atividades perme-
ados pelos sentidos, saberes e significados construídos social e cultu-
ralmente nos rios e florestas da região. Dessa forma, foi proveitoso às
disciplinas o mergulho na própria subjetividade da cultura local para a
construção de conteúdos e materiais mediados pela cultura ribeirinha,
que segundo Oliveira e Santos (2007, p. 4), “[…] representam traços
subjetivos da história e da vida social das comunidades amazônicas
envolvidas”.
Dessa forma, a cultura material da didática se deu na direção de
criar recursos que facilitassem a comunicação de conteúdos e sentidos
que as artes visuais requerem, pois partem de interpretações aprofunda-
das sobre objetos e recursos que, na visão de Silva,

Essa orientação não pretende deslegitimar as análises que


enfatizam as manifestações artísticas e os sistemas de ob-
jetos como sistemas de representações, indicadores de pro-
cessos identitários, de afirmação de sujeitos de direitos, de
discursos variados e de importantes mensagens culturais
neles contidos (SILVA, 2001, p. 8).

As produções dos materiais no decorrer da disciplina mostraram


que a formação de professores, no caso da região amazônica, tem que
recorrer à sua subjetividade cultural, pois ela pode, em muito, alimentar
os conteúdos das disciplinas na formação e na prática efetiva na escola
básica. Acredito que essas tenham sido lições aprendidas coletivamente
na disciplina, pois pensar a formação mediada pela cultura, pelo coti-
diano e pela experiência dos sujeitos é extrapolar os limites da educação
formal, e com isso, formar professores conscientes de seu papel socio-
cultural.

150
REFERÊNCIAS

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2. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
MARX, Karl. Os manuscritos econômicos e filosóficos. São Paulo: Boi-
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entre teoria e prática? São Paulo: Cortez, 2002, 200 p.
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oria e prática? Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 94, p. 58-73, ago.
1995. Disponível em: <http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/cp/
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Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade de São
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BENCOSTTA, Marcus Levy. Culturas escolares, saberes e práticas educa-
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151
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PED - SIMPÓSIO PEDAGÓGICO E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO,
2013, Resende. Anais… Resende: Associação Educacional Dom Bosco
(AEDB), 2013. Disponível em: <http://www.aedb.br/wp-content/uploa-
ds/2015/05/22319157.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2017.
SILVA, Sergio Baptista da. Repensando objetos, arte e cultura material.
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2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ha/v17n36/v17n36a01.
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LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura amazônica: uma poética do
imaginário. Belém: Cejup, 1995.
OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de; SANTOS, Tânia Regina Lobato dos.
Cultura amazônica em práticas pedagógicas de educadores populares.
30ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED, GT06 - Educação Popular, 2007.

152
OS SONHOS NA MALA

M.e Raymundo F. Oliveira N.40

O sonho é o único direito que não se pode proibir.41


Glauber Rocha

A presento meu relato de experiência como professor do Plano


Nacional de Professores da Educação Básica (Parfor), ministrando a
disciplina Laboratório de Audiovisual em Tailândia, Pará, para a aluna
Elsamar Emerique, e o processo da produção do seu documentário So-
nhos na Mala (2017),42 realizado como parte do processo de avaliação
da disciplina. Nesse documentário estão contidas as falas de estudantes
do Parfor sobre os desafios que precisam enfrentar para participar do
programa por não residirem na mesma região do polo no qual é oferta-
do seu curso. Com a realização do documentário, a fala e a visão da pró-
pria Elsamar Emerique repercutiu por meio de suas escolhas pessoais
para a elaboração do documentário, mostrando as expectativas e reali-
dades dos próprios alunos em relação ao programa e a compreensão das
possibilidades contidas dentro da linguagem audiovisual em dar forma
e visibilidade aos anseios coletivos.

40
Mestre em Artes pelo Instituto de Ciências da Arte/UFPA, 2014.
41
ROCHA, Glauber. Eztetyka do Sonho. In: Revolução do cinema novo. São Paulo:
Cosac Naify, 2004, p. 248-251.
42
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=G6Q_fOEHzF0>.

154
A participação nas disciplinas de Laboratório de Audiovisual e
Laboratório de Fotografia I permitiu um estudo dirigido e o compar-
tilhamento do conteúdo de uma disciplina com a outra em certos mo-
mentos, principalmente em se tratando de aspectos técnicos de captura,
iluminação e composição de imagem.
Logo procurei estabelecer com a própria aluna o trabalho final a
ser realizado em cada disciplina, um diário fotográfico do polo univer-
sitário para a disciplina Laboratório de Fotografia e uma produção au-
diovisual para a disciplina Laboratório de Audiovisual. Em se tratando
do segundo caso, objeto desse relato, coloquei dois caminhos distintos
para a realização do trabalho prático: o documentário e a ficção. Após
a primeira aula teórica para a compreensão dos principais conceitos te-
óricos e técnicos envolvidos na produção audiovisual, tendo como re-
ferência produções cinematográficas e videográficas de diversos autores
e movimentos, no diálogo com a aluna surgiu a sua identificação com
o cinema documental de Eduardo Coutinho, e a partir desse momento,
estava claro qual caminho nós seguiríamos.
A aluna Elsamar Emerique já possuía algum conhecimento de edi-
ção e captura, que havia adquirido de forma autodidata ao realizar algu-
mas produções amadoras em Jacundá (sua cidade de origem), que são
exibidas no seu canal no YouTube.43 A partir desse ponto, de forma natu-
ral, Elsamar trouxe muitas questões sobre a sua jornada e a de colegas do
Parfor, que alimentaram minha própria curiosidade como professor em
primeiro contato com o programa. O curta documental de 23 minutos
nasceu da vontade de Elsamar em contar a sua história e a de seus colegas,
que precisam enfrentar verdadeiras maratonas para poder participar do
Parfor. Ao todo, foram entrevistados 4 professores-alunos do Polo de Tai-
lândia, 3 do ensino de artes (Canuto Bezerra, Elsamar Emerique e Joniel-
ma Maia) e 1 de ciências sociais (Oswaldo Emerique, marido de Elsamar).

43
Disponível em: <https://www.youtube.com/channel/UCsTRgeo08s9EPUY8amv
Fo1w>.

155
Diante desses fatos, não pude escapar da pedagogia da autonomia
de Paulo Freire (1996), na qual o professor deve não só respeitar os sabe-
res do educando – sobretudo os das classes populares, que chegam com
saberes socialmente construídos na prática comunitária –, mas deve
também discutir com os alunos a realidade concreta que os envolve.
O educador deve ter clareza da realidade do aluno, saber questionar a
realidade em que vive para que possa descobrir as causas das desigual-
dades sociais e assim poder fazer parte do grupo de construtores de uma
sociedade mais justa. Conforme Freire (2001), se queremos chamar a
atenção dos alunos, não podemos partir da leitura da palavra para a
leitura do mundo. A disciplina prática tem essa capacidade de aproxi-
mação do conhecimento com o fazer, que é capaz de envolver o aluno e
colocá-lo na posição de produtor que pensa o próprio processo. Não há
uma prática desalinhada com a intenção, por mais inocente que se pre-
tenda; há uma conjuntura que se forma perante a execução composta de
referências passadas e conteúdos trabalhados em sala e fora da mesma,
sejam de processos de terceiros ou mesmo experiências pessoais. No
caso de Sonhos na Mala, foi um documentário no qual se pode ver essa
associação, e também a concretização, de uma proposta triangular de
Ana Mae Barbosa (1998).
A aluna Elsamar Emerique foi orientada a realizar um storyline e
um argumento para posteriormente extrair as questões principais que
iriam apenas guiar a sua fala e a dos alunos em frente à câmera. A filma-
gem foi pensada para ser realizada parte no interior das salas do polo de
Tailândia e parte nos corredores e jardim exteriores, colocando o obser-
vador dentro e fora do espaço da instituição. A iluminação foi comple-
tamente natural, sem o uso de qualquer iluminação artificial, a não ser
a luz fluorescente das salas, buscando sempre posicionar o entrevistado
na melhor luz possível para a iluminação. Para Lumet (1998), a escolha
desses aspectos técnicos devem ser conscientes para a forma atender ao
conteúdo que é filmado; logo, uma iluminação natural contribui para
o realismo da cena, assim como a mudança nos locais de filmagem e a

156
utilização de imagens de arquivo apresentam ainda dinamismo e uma
aproximação entre as entrevistas e o que foi registrado.

Figura 1: entrevista com Canuto Bezerra no interior da biblioteca.

A filmagens das entrevistas foram feitas com uma câmera foto-


gráfica DSLR Canon T1i, com lente 50 mm 1.8, com a regulagem da
abertura da lente e a sensibilidade do ISO conforme a tomada para ob-
ter o desfoque do fundo, além de situar o sujeito como parte daquele
ambiente. A captura do som direto foi feita com o cabo de microfone
de um smartphone conectado no mesmo para a gravação do áudio,
simulando um microfone de lapela. A edição foi feita com algumas
imagens de arquivo dos estudantes, e as entrevistas foram apresenta-
das em uma montagem alternada conforme a evolução das falas no
decorrer do roteiro, e o uso de jump cuts visíveis para retirar conteúdo
desnecessário foi feito com a intenção de mostrar que aquelas falas
fazem parte de uma edição. Como professor, auxiliei na captura da
imagem e na edição para que pudéssemos realizar a produção a tempo
de exibi-la aos demais estudantes do polo no fim da semana, mas as
etapas foram inteiramente guiadas pela força criativa e a intenção da
aluna Elsamar Emerique na posição de diretora. Logo, durante a reali-

157
zação do trabalho, atuei em parte na posição de técnico e de professor,
como um provocador de questionamentos e facilitador de referências
instigadoras.

Figura 2: bastidores de Elsamar entrevistando Josielma Maia no pátio da escola.

O título Sonhos na Mala escolhido pela autora já nos revela algo


intimista, sonhador, mas que está trancado ou guardado no interior
de uma mala, claustrofóbico, em viagem ou jornada para ser realizado,
conquistado. Esse sonho acaba se atualizando na fala dos entrevistados
de maneira distinta, e mostra que a conclusão do curso possui pesos
e significados diferentes para cada um deles, dos quais alguns podem
escapar às próprias expectativas do programa em formar licenciados.
Percebe-se também a vontade de se tornarem artistas criadores, mas
porque não dizer artistas-professores? Como na fala de Canuto: “Eu não
quero ficar só nisso, só dando aula de artes”. As falas também trazem a
situação do professor de arte na rede de ensino no interior e as condi-
ções nada favoráveis encontradas para desenvolver o seu ofício, como
na fala de Elsamar: “Para dar aula de artes, você precisa de mais que um
quadro e um livro”. Portanto, muito mais do que falar de distância física
entre a residência dos alunos e o polo do Parfor, o documentário exibe

158
a distância entre a expectativa e a realidade do ensino de artes e dos
sonhos dos próprios entrevistados-professores-alunos.
Guiado inteiramente pela fala e com algumas questões básicas –
como: Quem é você? De onde vem? Quais suas dificuldades? Qual sua
expectativa ou sonho para o futuro? –, o documentário se formou por
meio do discurso dos professores-alunos e da dinâmica de realização de
“uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”, que se alinha muito à prá-
tica cinematográfica brasileira do cinema de Glauber Rocha e Eduardo
Coutinho. O momento para realização do trabalho era aquele, todos os
alunos que se encontravam no polo de Tailândia estavam fazendo nova
oferta de disciplina e estavam próximos da conclusão do curso, tendo
passado por inúmeros percalços até lá. O momento não esperaria, e a
câmera precisava estar pronta para abraçá-lo.

Figura 3: close de Josielma Maia ao ser entrevistada.

Sonhos na Mala filma o presente dos acontecimentos e procura ex-


por a singularidade dos personagens por meio da fala, dos movimentos
faciais, do que é dito no olhar, no sorriso e na entonação da fala, e que
a escrita não consegue captar. O close funciona então como o recurso
cinematográfico por excelência para aproximar o observador do sujeito
retratado no documentário. O cinema de Eduardo Coutinho já foi cha-
mado por muitos como cinema de palavra filmada pela força que dá à

159
fala dos entrevistados em suas produções. Vemos isso em Edifício Master
(2002) e em outros documentários, mas nenhum se compara à estética
que empregou em Jogo de Cena (2007), alternando a fala dos entrevista-
dos com atores, misturando ficção e histórias reais em um documentá-
rio dominado pela fala. Coutinho não se importa em mostrar aspectos
técnicos de seus filmes, pelo contrário, ele os exibe, seja o microfone
que aparece na tela ou ele mesmo enquanto personagem, porque quer
mostrar a construção ou o que está por trás das imagens. Não podemos
deixar de citar Glauber Rocha também, no manifesto do artista, Estética
da fome, está um discurso sobre como o cinema novo brasileiro se apre-
senta ao exterior com as dificuldades brasileiras sendo “estetizadas”:

O que fez do Cinema Novo um fenômeno de importância


internacional foi justamente seu alto nível de compromisso
com a verdade; foi seu próprio miserabilismo, que, antes
escrito pela literatura de 30, foi agora fotografado pelo cin-
ema de 60; e, se antes era escrito como denúncia social, hoje
passou a ser discutido como problema político (ROCHA,
2004, p.67).

Nesse sentido, com falta de tempo e recursos para a realização do


documentário de curta-metragem, utilizamos os meios e as gambiarras
possíveis para a realização do trabalho, assumindo como um recurso
estético as dificuldades encontradas na produção, misturando capturas
diferentes de imagens e deixando o acaso tomar conta de algumas situa-
ções, tornando claro o movimento de edição, enveredando por um cine-
ma de opacidade no qual, além de mostrar o objeto filmado, mostra-se
enquanto linguagem de realização. A voz do entrevistador aparece, mes-
mo com áudio baixo, como aquele que sussurra uma pergunta e guia
a fala do sujeito para determinado campo de subjetivação, e a própria
diretora se insere na narrativa sendo submetida às próprias perguntas
junto com os colegas, inteiramente inserida também como um persona-
gem atuante, nunca neutro.

160
Figura 4: cartaz da mostra do documentário Sonhos na Mala, à esquerda,
e Elsamar antes da exibição com o público, à direita.

Apresentam-se então as falas com seus gestos inscritas no tempo


para serem discutidas e abordadas por quem quiser se debruçar so-
bre elas. No documentário, foram registrados alguns porquês e ques-
tionamentos mais evidentes em relação à estrutura do Parfor, como
a falta de apoio ao deslocamento e à acomodação dos estudantes que
residem fora da região do polo de Tailândia, assim como da vivência
de cada aluno-professor na sala de aula e sua relação com o curso de
Artes Visuais ou Ciências Sociais (no caso de Oswaldo), dos quais a
maioria adentrou como segunda opção e relata experiências de falta de
reconhecimento e prestígio. Sem querer responder os porquês, o docu-
mentário os apresenta com relatos de vida para que possamos pensar
as estruturas em que se encontram, tanto no discurso quanto no fazer
e no sentir. Para Elsamar, foi gratificante poder ver o reconhecimento
de sua jornada e de seus amigos por parte do público que estudava no
mesmo polo, mas por residir na região, não fazia ideia da realidade que
os forasteiros viviam.

161
REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998.


LUMET, Sidney. Fazendo filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
FREIRE, Paulo. Carta de Paulo Freire aos professores. Estud. av., São Pau-
lo, v. 15, n. 42, p. 259-268, ago. 2001. Disponível em: <http://www.scie-
lo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0103-40142001000200013>.
Acesso em: 28  mar. de 2017.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
ROCHA, Glauber. Eztetyka da Fome. In: Revolução do cinema novo. São
Paulo: Cosac Naify, 2004.
ROCHA, Glauber. Eztetyka do Sonho. In: Revolução do cinema novo.
São Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 248-251.

162
POEIRA DE RIO

Gente de trecho. Somos gente de trecho. Um sistema circulatório


de rios, margens e tempo-gente. De uma Mulher vestida de Sol
fala a TV enganchada no rapiche. Madrugada. Os carapanãs ainda
não deram trégua. Do hotel para a lancha me acompanha um
pastor também hospedado. Para trás deixamos o que acreditamos
ser sementes. Sementes das sementes. Como plantar em solo já
cultivado, revolvido pacientemente pelo suor das eras? Respeito
profundo pela experiência dos daqui. A sedução do capital é
tremenda! Esmagadora em suas bordas. Uma moça de traços
indígenas serve as mesas do bar. Tem o corpo jovem e velha a
alma. Seu semblante é grave, duro, mesmo quando sorri. Quanta
dor carrega? O porto e caminhões empoeirados transportam
gado e sofrimento. Lágrima de touro-gente abatido. O animal
pressente sua hora, sabe que vai morrer. O crânio atingido e os
estertores do nada sentir. As fazendas passam ao largo do rio.
Garra da Gata. Comprei nossa segunda aliança das mãos de um
africano na Magalhães Barata, aço. Aço. Aço resistente. Aço não-
grilhões. Arco-Íris também pode ser aliança e não grilhões. Ficará
somente para a lembrança o Hotel Pepita, a gentileza de seus
donos e a bicicleta emprestada? Meus colegas professores de
tantas localidades que ainda quero conhecer? Sabemos que não.
Virão as celas para montar búfalo, as coberturas de palha das
casas. Os peixes. As danças. Os alunos. O úmido da existência
cada vez mais entranhada no que quero da vida compartilhada
com todos. A tuíra de rio que nunca saiu do cheiro do meu corpo.
Corpo-corrente que impulsiona e não aprisiona, desfaz-se. Cuias
que cruzam destinos. Dignidade de Pacoval.

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Fruto do desejo de compartilhamento de sensações e emoções
trazidas para o ambiente de discussão acadêmica que o Parfor
proporciona, este ensaio fotográfico foi gestado através do contato
com a sensibilidade dos alunos-colegas do polo de Alenquer
(PA), dentro do conteúdo programático desenvolvido ao longo
da semana na disciplina de Percepção Visual, em julho de 2016.
Tomado como um presente que as pessoas do local oferecem
da riqueza do imaginário de sua própria cidade, este projeto
apresenta momentos capturados no entorno da escola Veridiana
D’Oliveira Corrêa. Contrastes invisibilizados, crus, desiguais,
presentes nestas poeiras de rio que abarcam todos nós.

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Armando Queiroz, Belém do Pará, 1968. Mestrando da Escola de Belas Artes da
UFMG. Detém-se conceitualmente às questões sociais, políticas, patrimoniais
e às questões relacionadas à arte e à vida, tendo como referência a cidade e o
Outro. Vive e trabalha entre Belém e Belo Horizonte.

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CA PÍ TULO I I I

E GRESSOS E
C ON CL U I N TES

179
ALMEIRIM: ESPAÇO/TEMPO DE CRIAÇÃO,
FRUIÇÃO E REFLEXÃO SOBRE ARTE/FOTOGRAFIA44

Raimunda do Socorro Fonseca da Paixão45

Nossa primeira incursão no campo da fotografia ocorreu a partir


das aulas do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Pará
(UFPA), pelo Programa de Formação de Professores da Educação Bá-
sica (Parfor), polo de Almeirim, no estado do Pará, por meio de ati-
vidades pedagógicas propostas pela professora Valzeli Sampaio,46 na
disciplina Linguagem Visual (2012). Neste espaço, pudemos exercitar o
ato de leitura e produção de imagem. Antes desse processo de criação e
percepção, a ideia que tínhamos acerca da leitura de imagem fotográfica
era bastante superficial e sem consistência, pois não a compreendíamos

44
Orientação do professor João Cirilo Neto.
45
Graduada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Pará (2016) e espe-
cialista em Metodologias Inovadoras Aplicadas à Educação, Gestão do Trabalho
Pedagógico: Orientação e Planejamento Educacional (Facinter/PN). Professora e
coordenadora pedagógica da rede pública e assessora técnica no Conselho Munici-
pal de Educação de Almeirim (CME).
46
Valzeli Figueira Sampaio: artista visual, produtora e curadora independente. Tem
experiência na área de produção, pesquisa em poéticas e crítica em artes, com ên-
fase em arte contemporânea, design e novas mídias. Doutora e mestra em Comu-
nicação e Semiótica (PUC/SP) e pós-doutorado em Poéticas Digitais (ECA/USP).
Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Pará, na Faculdade
de Artes Visuais do Instituto de Ciências da Arte (ICA/UFPA). Professora do mes-
trado em Artes do ICA. Membro do conselho acadêmico e editorial da Revista
Eletrônica Art& (www.revista.art.br) e da Revista Concinnitas (www.concinnitas.
uerj.br).

181
como um veículo de comunicação própria, não refletíamos sobre seus
processos de construção e leitura de imagens.
Na prática de ver imagens fotográficas, proposta nas disciplinas do
curso como recurso para o desenvolvimento da sensibilidade fruidora,
percebemos o quão importante é para a formação do aluno saber ler
imagens. Destas influências surgiu o exercício do olhar, e a partir disso,
o anseio de desenvolver práticas junto aos estudantes de artes e na edu-
cação básica.
Em nosso percurso formativo, buscamos realizar alguns experi-
mentos fotográficos como forma de exercitar o ato de ver, analisar e
compreender seus significados. Assim, passamos a fotografar algumas
situações do cotidiano, olhando para ele não como um simples registro
de um instante, de uma ligeira realidade, mas como uma possibilidade
de perceber outros signos visuais.
As influências culturais e sociais na composição e busca de um
discurso visual fizeram nos atermos não somente às paisagens orgâni-
cas, mas aos detalhes (Figura 1), aos elementos geométricos, às metáfo-
ras visuais. A cidade de Almeirim e seus espaços constituíram, assim, o
principal tema desse exercício de olhar o indizível das coisas.
A temática da cidade e o enfoque na visualidade local nos fizeram
pensar o espaço como um lugar de construção e de percepção, um lu-
gar onde se encontram presentes elementos que nos fazem pensar sobre a
imagem, não apenas pelos seus enquadramentos, cores, composições, mas
para algo que Roland Barthes (1984) qualifica como um punctum, que
segundo este autor, seria a forma como uma fotografia fere seu espectador.
Segundo ele, “a fotografia é subversiva, não quando aterroriza, pertuba ou
mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa” (BARTHES, 1984, p. 62).
A partir desses experimentos tímidos, construímos nosso discur-
so visual a partir do lugar onde estabelecemos uma relação maternal e
visceral, por assim dizer. Deste despertar para a sensibilidade e para a
fruição da imagem fotográfica e de suas interfaces fizemos uma série de
fotografias intituladas de Rio.

182
Figura 1: foto de Raimunda Paixão, intitulada Como se fosse um rio (2015).
Arquivo pessoal do autor deste artigo.

Esta série de fotografias mostra um recorte da relação intensa dos


ribeirinhos com o rio Amazonas e a cidade de Almeirim, como se o rio
fosse uma rua, como poeticamente escreveu Paulo André e Rui Barata
cantou: “Esse rio é minha rua, minha e tua mururé”. Assim, imbuído
de mistérios e segredos, de estranhas carícias, “momentos”, numa visão
que, segundo Lucia Santaella (2012), afasta o discurso do óbvio, mas
aproxima do invisível, o que torna significativa a imagem.
Neste “olhar o rio”, acabamos por descobrir muitos outros sentidos
para ele, e relacionamos tais imagens aos trabalhos do fotógrafo-artista
Sebastião Salgado. Nascido nas Minas Gerais em 1944, com seu traba-
lho ele denuncia a violência nas suas mais distintas faces, levando-nos a
questionar, em nossa produção, a função do rio e de nosso próprio papel
enquanto profissionais da educação com aquilo que se apresenta a nós
no ato de registrar uma determinada realidade.

183
Figura 2: foto de Raimunda Paixão, intitulada O empurrador (19/02/2015).
Arquivo pessoal do autor deste artigo.

A fotografia intitulada O empurrador (Figura 2), por exemplo,


parece fazer-nos refletir sobre quão cruel pode ser o homem e como
suas ações são massificadoras. Empurrando coisas, objetos, seres vivos
e mortos a lugares distintos, os empurradores carregam a dor e o so-
frimento de muitas vidas rompidas. Tão pungente no cumprimento de
sua própria missão, algumas vezes sua presença é silenciada pela nossa
ignorância, e noutras torna-se óbvia e banal de tanto vermos tal elemen-
to. Neste percurso entre o óbvio e o real, o exercício de olhar, de acordo
com Barbosa (2010, p. 72), contribui para ver além do que a imagem
de fato é, já que “(…) o ver em sentido mais amplo requer um grau de
profundidade muito maior porque o indivíduo tem, antes de tudo, de
perceber o objeto em suas relações com o sistema simbólico que lhe dá
significado”.
Em meio ao nosso breve percurso de envolvimento com a lingua-
gem fotográfica, passamos a observar as imagens com mais criticismo,
analisando-as nas suas múltiplas faces, e assim, demos início à experi-

184
ência de relacionar o conhecimento aprendido no curso com atividades
pedagógicas de sala de aula, olhando “a nossa cidade” com novos olha-
res, novas perspectivas de aprendizagem por meio do ensino de arte.
Dessas percepções e constantes indagações, realizamos uma série de
fotos dos bairros da cidade de Almeirim (Figura 3), buscando aprofun-
dar o conhecimento acerca da realidade visual do lugar em que muitos
de nossos alunos vivem, ao qual muitos não se dão conta de seu valor
poético e expressivo.
Assim, produzimos imagens inspiradas pela obra dos fotógrafos
brasileiros Sebastião Salgado47 e Alexandre Romariz Sequeira,48 que, ao
seu modo, abordam respectivamente a realidade do mundo, no seu con-
texto histórico-social, e seu espaço e memória como objeto de criação,
e que nos conduziram a olhar o local em que habitamos evidenciando
aspectos sociais e estéticos, e atentando principalmente às relações das
pessoas com a terra onde vivem.
Diferentemente de Sebastião Salgado, entretanto, que produz suas
imagens em preto e branco, a cor presente nos trabalhos que começa-
mos a desenvolver é um elemento que visa destacar e conferir vivaci-
dade a uma terra que, mesmo sendo alvo constante das transformações
humanas, mantém-se viva e faz pulsar em si a dor e a beleza que nos
parecem suficientes para a construção de uma poética baseada em as-
pectos culturais e sociais do lugar onde nos inserimos.

47
Sebastião Ribeiro Salgado: nasceu em Aimorés/MG. É um dos mais respeitados
fotojornalistas da atualidade. Graduou-se em Economia e concluiu mestrado (USP,
Brasil, 1967) e doutorado (Escola Nacional de Estatísticas Econômicas, França,
1971) na mesma área.
48
Alexandre Romariz Sequeira: formado em Arquitetura pela Universidade Fe-
deral do Pará (UFPA) em 1984, é professor do Instituto de Ciências da Arte da
mesma universidade, especialista em Semiótica e Artes Visuais e mestre em Arte e
Tecnologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFGM). Artista plástico e
fotógrafo, desenvolve trabalhos que utilizam a fotografia como vetor de interação e
troca de impressões com indivíduos ou grupos.

185
Figura 3: Foto de Raimunda Paixão, sem título (2014).
Arquivo pessoal do autor deste artigo.

Tal experiência visual nos motivou a realizar um projeto de es-


tágio sob orientação da professora Valzeli Sampaio para a disciplina
Estágio Supervisionado I, a partir da temática leitura de imagem fo-
tográfica. O projeto, que recebeu o título de Fotografia na escola: arte
e expressão do olhar, foi aplicado aos alunos da 3ª etapa da Educação
de Jovens Adultos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Prof.ª
Flávia Smith de Moraes, situada em Almeirim. As ações ocorreram ao
longo do mês de maio de 2014, e o trabalho serviu para evidenciar que
as atividades teórico-práticas trabalhadas com os alunos aumentam a
participação nas aulas de artes e o envolvimento com as questões sus-
citadas pelas fotografias, sublinhando que o uso dessas práticas meto-
dológicas pode contribuir para diversificar, e ao mesmo tempo fazer
refletir, o ensino da linguagem visual fotográfica, numa perspectiva
que envolva a participação dos alunos, fomentando a discussão sobre
sua própria realidade local e seus aspectos visuais.

186
Como afirma Ana Mae Barbosa (2010), temos que criar situa-
ções de aprendizagem que possibilitem ao aluno aprender a ler ima-
gens. Tudo isso nos instigou a elaborar o projeto Olhares Moventes,
que se desenvolveu por meio de oficinas para alunos das séries finais
do Ensino Fundamental. Esta proposta pedagógica pressupõe o uso
da fotografia e da cidade como objeto de pesquisa e campo poético,
discutindo acerca da cidade, da sua visualidade, de suas formas, cores,
das fachadas de suas residências, da relação das pessoas com a cidade,
com o rio, enfim, do cotidiano das pessoas e do lugar.

RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE A OFICINA DE FOTOGRAFIA


OLHARES MOVENTES

Nas oficinas de fotografia “Olhares Moventes, propusemos a lei-


tura das imagens fotográficas da cidade de Almeirim e o estudo das
suas periferias. A cidade aqui foi abordada como espaço de circulação,
de criação, de fruição estética, compreendendo-a como resultado de
híbridos culturais, como espaço de arte e de desenvolvimento. A partir
disso, trabalhamos no sentido de desenvolver as percepções visuais
fotográficas dos alunos, fundamentando uma visão crítica, reflexiva e
criativa acerca da leitura visual e do olhar sobre a realidade, fazendo
uso da história da fotografia e dos elementos que compõem a imagem,
produzindo uma relação dialógica acerca de processos de leitura da
imagem fotográfica, de sua beleza poética, estética e de suas diversas
técnicas.
Desenvolvemos este trabalho com um grupo de 30 alunos ado-
lescentes da 4ª etapa do ensino fundamental, modalidade da Educa-
ção de Jovens e Adultos da Escola Municipal de Ensino Fundamental
Prof.ª Eley Duarte Elleres, do turno da tarde, todos moradores do
bairro Palhal, uma comunidade de baixa renda do município de Al-
meirim/PA.

187
Participaram do grupo 30 adolescentes de ambos os sexos, com
idades entre 15 e 17 anos. O projeto foi realizado em três etapas, no
período entre outubro e dezembro de 2015.
Na primeira etapa, foram trabalhados aspectos introdutórios
sobre a linguagem da fotografia, fazendo com que os estudantes co-
nhecessem alguns princípios básicos de composição visual aplicados
à fotografia e suas origens, sua construção histórica até os dias atuais,
reconhecendo a importância dos fundamentos de linguagem visual e
a importância da fotografia como linguagem documental e artística.
Além disso, nesta etapa foi promovida uma discussão sobre a
suposta “simplicidade” do ato de fotografar, explicando que, por trás
de toda fotografia, há um exercício constante do olhar, sempre cri-
terioso, atento e cuidadoso, pois o fotógrafo pensa a imagem, define
o que quer registrar, tem um objetivo, uma intencionalidade, e que
a câmera é um instrumento utilizado para registrar esse seu pensa-
mento a respeito do mundo que o rodeia ou de sua representação
(BARTHES, 1984).
Neste processo foram estudadas imagens sobre os três tipos de
planos (plano geral, plano médio e plano de detalhe), ressaltando-se,
contudo, a existência de outros planos. Discutiu-se ainda acerca da
leitura de imagens como instrumento formador da consciência crí-
tica e acerca de como a sociedade está imersa nos mais diferentes
meios de tecnologia e como isso influencia nossa percepção e pode
nos tornar pouco questionadores de nossa própria realidade.
Nesse sentido, a linguagem fotográfica assume um papel impor-
tante como instrumento para exercitar o olhar para as coisas, agu-
çando o modo como observamos os fatos, produzindo sensações,
emoções, etc., discutindo, enfim, o valor que as imagens possuem no
mundo contemporâneo.

188
Para exercitar esse ato de ver, utilizamos algumas imagens de
artistas fotógrafos, como Sebastião Salgado (1944), Claudia Leão49
(1967), Alexandre Sequeira (1961), entre outros, explorando os te-
mas tratados por eles por meio de suas composições, das escolhas de
cores, planos, das formas, das texturas, observando analogias, estabe-
lecendo comparações no modo de utilização de cores, etc.
A leitura de imagens fotográficas pelos adolescentes é muito
importante na medida em que enriquece o repertório cultural dos
alunos. Com tais ações, eles passam a conhecer artistas, obras e as
mensagens sublimadas em cada uma delas. Esta relação dialógica
contribui para a compreensão das variadas imagens que os cercam
cotidianamente, oferecendo assim elementos que os tornam aptos a
julgar a qualidade dessas informações visuais, mesmo que ainda não
tenham plena clareza da importância da leitura de imagem na sua
formação (PILLAR, 1999).
Na segunda etapa do projeto, propusemos aos alunos um pas-
seio fotográfico no entorno do seu bairro, como forma de exercitar
o ato de ver a partir das experiências adquiridas por meio da leitura
de imagens, das apreciações estéticas e técnicas das obras dos artis-
tas fotógrafos em sala de aula (Figura 4). A utilização de diferentes
máquinas (digital e mecânica) e o uso de suas diversas funções na
produção das imagens foi relevante no processo de assimilação do
conhecimento, uma vez que permitiu relacionar conhecimento teóri-
co com a prática, estabelecendo conexão entre o ato de ver e o papel
da fruição estética.

49
Claudia Leão: nasceu em Belém do Pará. É pesquisadora, fotógrafa, artista visual
e professora do Instituto de Artes do Pará (ICA), da Universidade Federal do Pará
(UFPA). Desenvolve projetos sobre a ontogênese da imagem, suas vinculações em
processos criativos e psicossociais. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-
-SP (2001) e doutora pelo mesmo programa.

189
Figura 4: foto de Raimunda Paixão, intitulada Alunos no passeio fotográfico
(2015). Arquivo pessoal do autor deste artigo.

Os alunos escolheram previamente uma temática, que consistiu


em um objeto, um lugar ou uma cena, por exemplo, para nela aplicar
os conceitos estudados anteriormente, evidenciando elementos perti-
nentes aprendidos, relativos aos três tipos de planos selecionados, aos
problemas sociais e aos aspectos culturais do lugar (Figura 5).
Ao final do processo, cada grupo de aluno escolheu duas fotogra-
fias para a exposição que faríamos como culminância do projeto. Após
a captura de imagens realizada pelos alunos com seus equipamentos,
como câmeras digitais e celulares, foram projetadas na parede com o
uso de um projetor data-show e observadas com o grupo as escolhas que
cada um fez, discutindo sobre suas percepções e, sobretudo, os temas
escolhidos, e sobre elementos visuais como as cores, a luz, os efeitos
capturados, etc. As imagens selecionadas foram posteriormente organi-
zadas para compor a exposição (Figura 6).

190
Figura 5: foto de Adailson, intitulada Ensaio Fotográfico (2015).

A terceira etapa consistiu na organização e apresentação dos resul-


tados à comunidade por meio de uma exposição fotográfica, que ocor-
reu no dia 10 de dezembro de 2015, no espaço interno da escola, debai-
xo de uma frondosa árvore. Foram usados fios barbantes amarrados aos
galhos para sustentar as fotografias selecionadas pelos alunos, sob um
suporte de papel cartão e impressa sobre papel (em tamanho 20 cm x 15
cm). A exposição dos trabalhos durou cerca de 2 horas, com a colabora-
ção dos alunos da classe. Neste momento, os alunos foram estimulados
a explicar o que os inspirou a escolherem as imagens expostas, a falar
sobre os temas sobre o processo de criação e seus objetivos.
As fotografias feitas pelos alunos em meio à oficina Olhares Moven-
tes representam, e ao mesmo tempo questionam, aspectos da realidade
dos alunos, dos meios social e cultural de onde seus autores vêm, já
que são geradas a partir de matrizes históricas e de identidade pessoal.
Nota-se, assim, que cada pessoa pode ter desenvolvidos o seu olhar e
sua percepção por meio de atividades práticas e teóricas oferecidas pelas
experiências visuais fotográficas.
A realização das oficinas nos levou a perceber a necessidade de
inserção de conteúdos que envolvam a leitura de imagens fotográficas

191
no currículo escolar. A inexistência dessa proposta em grande parte das
escolas evidencia a fragilidade nas relações educacionais no que se refe-
re a um saber que é essencial na formação de leitores de textos visuais,
educação essa que deve também alicerçar as fundamentações teóricas e
as relações destas com a prática docente, permitindo uma intertextuali-
zação entre os atos de apreciar, produzir e contextualizar.

Figura 6: foto de Raimunda Paixão,


intitulada Registro da Exposição Fotográfica (2015).

O desenvolvimento da leitura de imagens fotográficas por meio


de atividades teórico-práticas, a partir da oficina Olhares Moventes,
proporcionou a aquisição de habilidades e de novas competências dos
alunos da educação em artes atingidos pelo projeto, permitindo que es-
tabeleçam conexões entre o fazer, o apreciar e o refletir a partir de suas
produções em artes visuais, pressupostos básicos da proposta triangular
de Ana Mae Barbosa.
É preciso redimensionar o papel da arte nas escolas, no sentido de
garantir-lhe o seu verdadeiro papel na formação do aluno. Acreditamos
que o presente estudo possa, de alguma forma, contribuir para discus-
sões e reflexões futuras acerca dos processos de ensino-aprendizagem

192
em artes visuais no município de Almeirim e em outras regiões do es-
tado e de nosso país, contribuindo para suscitar questões e proposições
envolvendo a leitura de imagem e a linguagem fotográfica como ins-
trumentos de formação das competências e habilidades dos alunos da
educação básica, saberes que se constituem de grande relevância tanto
no contexto escolar quanto na própria sociedade.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/Educação Contemporânea: consonân-


cias Internacionais. São Paulo: Cortez, 2010.
__________ (Org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Pau-
lo: Cortez, 2008.
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre fotografia. Rio de Janei-
ro: Nova Fronteira, 1984.
FERRAZ, Maria H. C. de Toledo; FUSARI, Maria F. de Rezende. Meto-
dologia do ensino de arte: fundamentos e proposições. São Paulo: Cor-
tez, 2009.
GERVEREAU, Laurent. Ver, compreender, analisar as imagens. Lisboa:
Edições 70; LDA, 2007.
PILLAR, Analice Dutra (Org.). A educação do olhar no ensino das artes.
Porto Alegre: Mediação, 1999.
ROUILLÉ, André. A fotografia entre documento e arte contemporânea.
São Paulo: Senac São Paulo, 2009.
SANTAELLA, Lucia.  Leitura de imagens. São Paulo: Melhoramentos,
2012.

193
ENSINO DE ARTE PARA CEGOS:
a experiência da mala perceptiva

Rozianne Dantas Delpupo50


Idanise Sant’Ana Azevedo Hamoy51

Dentre os sentidos, a visão sempre foi mais valorizada e privile-


giada em relação aos demais. Isso pode ser observado pela quantidade
de instrumentos e próteses que o homem criou para superar a perda
natural que acontece na vida humana ou para ter acesso a um mundo
invisível para o olho humano.
O ensino de arte para alunos cegos congênitos é um desafio para
professores, que geralmente se descobrem na situação sem que tenha
havido o desenvolvimento de habilidades e competências para assistir
um aluno cego ou com outra necessidade especial de aprendizagem.
Passar do estímulo visual ao estímulo tátil, auditivo e olfativo, exploran-
do outros órgãos dos sentidos, relegados ao segundo plano perceptivo,
não é tarefa fácil. É necessária a busca de novas metodologias e estra-
tégias, o que exige imersão em experimentações, estudos bibliográficos
e observação de campo para construir uma proposta metodológica de
estímulo e descobertas de materiais que favoreçam esse aprendizado.

50
Professora licenciada egressa do curso de licenciatura em Artes Visuais pelo Par-
for de Castanhal, Universidade Federal do Pará (2014). Atual diretora da Escola
Maria José Peniche Moura, na cidade de Aurora do Pará.
51
Professora licenciada egressa do curso de licenciatura em Artes Visuais pelo Par-
for de Castanhal, Universidade Federal do Pará (2014). Atual diretora da Escola
Maria José Peniche Moura, na cidade de Aurora do Pará.

195
Este artigo é o resultado da pesquisa realizada ao final da licencia-
tura em Artes Visuais no Parfor de Castanhal. A contribuição deste es-
tudo se constitui na identificação dos problemas relacionados à inclusão
do aluno com cegueira congênita, e a partir dessa identificação, propõe-
se uma metodologia para o ensino das artes visuais.
Ressaltamos, primeiramente, a distinção entre a criança com ce-
gueira total congênita, que não possui referencial de imagens já vistas
e guardadas na memória em imagens mentais, da criança portadora de
cegueira total adquirida após os 6 anos, sendo por acidente ou por do-
ença, pois estas possuem referência de visualidade e compreensão das
informações do mundo.
Pensar em educação inclusiva é antes de tudo dar acesso demo-
crático a todos os alunos em oportunidades iguais de aprendizagem,
usufruindo de todos os direitos educacionais, e principalmente, ter uma
educação de qualidade e isonômica.

Identificação de necessidades

Se os olhos são privilegiados para a percepção, as mãos permitem


sentir a materialidade do objeto. Tocar, sentir a temperatura do objeto,
seu relevo, sua textura, são de suma importância no aprendizado artís-
tico do aluno, podendo ser expressivo e incorporado nas formas dos
elementos visuais, correspondendo a uma visão de mundo que o rodeia.
Rudolf Arnheim afirma esse potencial tátil na percepção de formas e
objetos por meio do contato imediato:

Não é surpreendente, uma vez que compreendemos que


apreender a forma de um objeto através do tato não é em
absoluto mais simples ou mais direto que a apreensão por
meio da visão. Admite-se que há uma distância física entre
os olhos e uma caixa que eles veem, enquanto as mãos se
acham em contato imediato com a caixa (ARNHEIM, 1994,
p. 157).

196
O autor afirma que, mesmo que o indivíduo veja com os olhos,
em certos momentos ele utilizará o tato para complementar ou satisfa-
zer as sensações do toque, substituindo a visão. O tato pode constatar
e perceber algo que o olho não conseguiu identificar, e justamente na
qualidade da matéria que é feito o objeto, se é duro, mole, áspero, liso.
Enfim, o toque não precisa das projeções transmitidas pela luz, mas sim
da capacidade sensorial das mãos, pois se baseia nesse contato direto
com o objeto, explorando a forma e a matéria utilizadas pelo artista para
compor a obra de arte. Maria Lúcia Batezat e Mari Ines Piekas Duarte,
apropriando-se do pensamento de Lisboa, afirmam que:

Ao contrário do que muita gente pensa, cegueira, de modo


algum, significa escuridão. O mundo de quem não enxer-
ga é povoada de imagens. Essas imagens vão se formando
através de múltiplos caminhos. Ora são as impressões táteis,
no contato direto com o objeto. Outras vezes são as infor-
mações, abstrações que vão se processando e se acumu-
lando. Ver desenhos assim pode representar divertimento
e também mais forma de enriquecimento do universo de
quem não enxerga (BATEZAT; DUARTE, 2011 p, 146).

Portanto, no ensino de arte, para desenvolver uma aula acessível,


vale ressaltar que o professor deve aprofundar o conhecimento do ma-
terial didático e descobrir que adaptações são necessárias, de maneira a
permitirem uma melhor compreensão artística do aluno cego, estimu-
lando-o a criar e produzir objetos artísticos criativos.

Instrumentos e procedimentos metodológicos

Para aprofundar o conhecimento em instrumentos e procedimen-


tos metodológicos de ensino para cegos, realizamos uma viagem a São
Paulo para realizar uma visita técnica à Fundação Dorina Nowill, centro
de referência nacional de inclusão a pessoas com deficiência visual, e
à Pinacoteca de São Paulo, para conhecer o Programa Educativo para

197
Públicos Especiais (Pepe), que garante a visitação ao público com de-
ficiência visual por meio da Galeria Tátil de Esculturas, e também dis-
ponibiliza um aparelho com áudio-descrição das obras, que permite a
autonomia desse público especial nas visitas.
A partir do conhecimento e aprofundamento de metodologias dis-
poníveis para difundir conteúdos visuais aos cegos, pensamos em criar
uma estratégia de sensibilização e percepção de formas, matérias e con-
teúdo por meio de elementos que compõem a obra de arte. E a ideia de
uma mala perceptiva, portátil, que pudesse ser transportada com faci-
lidade para qualquer sala de aula, foi ganhando corpo para auxiliar o
conhecimento de formas essenciais utilizadas por artistas na produção
e criação de sua obra.
Como princípio norteador dessa concepção, a referência fun-
damental foi a experiência de Fayga Ostrower no ensino de arte para
operários da construção civil, narrada em seu livro Universos da Arte
(2004), no qual dedica um capítulo para explicar os elementos da obra
de arte.
Organizando em categorias, Ostrower indica cinco elementos que
compõem a obra de arte: linha, superfície, volume, luz e cor. Partin-
do desses elementos, pode-se iniciar com o aluno cego a percepção de
formas, texturas, contrastes, vazados, cheios, etc., criando, para cada
um desses elementos, uma interface tátil que possibilite a apreensão da
forma e o modo como ela é construída. Esses elementos, apresentados
de forma isolada, indica uma maneira de aprendizado das formas que
poderá ser experimentada e aperfeiçoada. No entanto, é importante sa-
lientar o questionamento de Ostrower:

É verdade que os significados dos elementos visuais ficam


em aberto, mas deve haver alguma coisa de definível nesses
elementos para que possamos reconhecer identidades ex-
pressivas diferentes. Se perguntarmos: o que vem a ser uma
linha? A resposta natural virá: uma linha é uma linha (o
que pouco esclarece). Seria necessário perguntar: o que faz

198
uma linha? Neste caso, perguntando pela função espacial
da linha, receberemos uma resposta mais clara, porque, ao
participar de uma composição, cada elemento visual con-
figura o espaço de um modo diferente (OSTROWER, 2004,
p. 53).

A proposta é apresentar a relação entre a menor informação visual,


que é o ponto, para posteriormente trabalhar a linha utilizando o braile
e o punção52 como elemento concreto para materializar o ponto e a li-
nha. A ideia da construção da mala perceptiva é uma forma de explicar
o que é uma linha? Não somente o conceito de linha, mas as diversas
formas de linha: reta, fina, grossa, interrompida, horizontal, pontilhada,
curva, linhas cruzadas e outas que podem ser demostradas por meio de
fios, lã, barbante, pau de churrasco e outros, explicando ao aluno que é
pela linha que se cria um desenho, e que a partir do desenho, desenvol-
ve-se um rico repertório visual.
Partindo da linha, demonstra-se que a união de várias linhas pode
criar uma superfície, um plano, e que o desenvolvimento e a união de
vários planos é o que se configura como volume, relacionando cada eta-
pa desse aprendizado com a sua percepção espacial no mundo. Da mes-
ma forma que Ostrower afirma que:

O leque expressivo da linha ainda se abre para outras possi-


bilidades, outras experiências e percepções do mundo. Em
vez da delicada e alta poética, vemos nas obras artísticas de
expressionistas abstratos, como por exemplo, Hans Hartung
(1904), Wols (1913-1951), Jackson Pollock(1912-1956) e
Fritz Winter (1905) são que desvestem a linha de sua pou-
ca corporeidade, fazendo-a configurar tempo sem espaço
(OSTROWER, 2004, p. 57).

52
O punção é uma pequena haste de madeira ou de plástico com ponta de metal,
em diversos formatos, usado para a perfuração dos pontos nas células Braille (BRA-
SIL, 2010, p. 49).

199
Já a superfície pode ser concebida tanto em redução de espaço
como um plano sem um contorno. A superfície tem uma conexão si-
multânea entre duas dimensões, e a superfície fechada dá a sensação
de tranquilidade e se constitui ao longo das bordas, por isso não seria
aceitável na superfície aberta, mais ilimitada por não haver contornos
que comprometem o espaço interior da área. Nesse caso, as formas geo-
métricas foram a escolha do elemento visual de superfície.
No caso da percepção de volume, tomamos por referência a con-
cepção de Ostrower, quando sugere que:

Na configuração de volumes sempre há diversos planos


funcionando em conjunto, e, portanto, numerosas margens
comuns atuando umas sobre as outras e multiplicando o
efeito visual da condensação. Surge então, como correlato
ao espaço de profundidade, a matéria física com sua densi-
dade (OSTROWER, 2004, p. 73).

O volume pode ser representado de diversas maneiras. Pode ser


formado um conjunto de vários objetos que permitam a sensação de vo-
lume, pode ser apresentado um só objeto que apresente noções de peso,
podem ser vazados para permitir a ideia de cheio e vazados.
Como trabalhar a luz com aluno cego? Se o aluno for alfabetizado, é
necessário adaptar em Braille o conceito básico da cor para paralelamen-
te desenvolver um planejamento concreto de outras formas de mediação
do conhecimento específico. De que maneira se pode explicar o que é luz
para este aluno? Diante dessa indagação, que se relaciona também com
a cor, o professor deve explicar para o aluno que a luz é um contraste de
algo que existe e que, na ausência desse elemento, não existe mais, é con-
traste formal entre o claro e o escuro. É possível trabalhar esse elemento
com a percepção do cotidiano de presença e ausência de algo.
Ostrower (2004) comenta que a luz não pode ser comparada com
fenômeno da natureza, já que a claridade pode existir independentemen-
te de um foco de brilho, portanto podemos trabalhar a luz com o aluno

200
cego, na possibilidade que ele possa perceber o contraste por meio do
tátil. O recurso utilizado foi uma adaptação de um dominó, confeccio-
nado em EVA53 e dividido em duas partes, sendo uma preenchida com
relevo e outra vasada, para que o manuseio do tátil permita a sensação de
ausência e presença de luz. Esse mesmo conceito de presença e ausência
de algo pode ser trabalhado com as cores. No entanto, a criança cega
de nascença formará, ao longo de sua experiência sensorial, o sentido
por meio da cultura. Vale ressaltar que já existem no mercado aparelhos
identificadores de cor, acionados por um botão que, por um feixe de luz,
capta a cor e emite um comando de voz informando a cor identificada.54
Essa metodologia poderá ser trabalhada tanto em sala comum
como em sala de apoio, partindo da apresentação e exploração da mala
perceptiva. Essa metodologia foi experimentada por um aluno cego do
município de Aurora do Pará.

O ensino de arte e a mala perceptiva

Os dados que originaram este estudo foram coletados por meio da


história de vida e do dia a dia dessa criança, portanto foram utilizadas
às técnicas pertinentes ao estudo de caso, como observação, estudo de
bibliografias e fotografias. Durante a pesquisa, a criança experimentou
os recursos que foram construídos e adaptados, como linhas diversas,
superfície, volume e luz. As fotografias contribuíram para registrar as
ações executadas durante a pesquisa.
Portanto, este estudo nos proporcionou momentos de troca de co-
nhecimento e partilha de saberes inerentes ao aprendizado desta crian-
ça, baseada nas adaptações de recursos que foram necessárias para a

53
EVA, abreviação de espuma vinílica acetinada, sigla escolhida para coincidir com
a do nome técnico de sua matéria-prima, ethylene vinyl acetate.
54
Há um código em braile para identificar as cores. Neste artigo não será apresen-
tado, pois o estudo é direcionado a cegos de nascença que não possuem referência
de cor do modo como videntes percebem. Haverá, sim, o conhecimento conceitual
do que é cor.

201
realização e execução das atividades propostas, a criança demonstrou
interesse no manuseio dos objetos com que explorou as percepções tá-
teis, favorecendo o desenvolvimento cognitivo e percebendo o mundo
que a cerca. A partir desses elementos, foram construídos e adaptados
materiais diversos para serem trabalhados com os alunos cegos durante
as aulas de artes visuais.
A mala é feita de madeira e metal leve, revestida na cor preta (Fi-
gura 1), medindo 37 cm de comprimento, 25 cm de largura e 26 cm
de altura, subdividida em várias partes. A parte interna possui divisões
(Figura 2) nas quais foram inseridos materiais e objetos por categorias
de elementos da obra de arte, segundo a classificação de Fayga Ostrower.

Figura 1: mala perceptiva aberta, Figura 2: apresentação da mala


com os elementos adaptados. perceptiva aberta. Fonte: arquivo
Fonte: arquivo pessoal, 2014. pessoal, 2014.

O primeiro compartimento dedicado ao estudo da linha apresenta


uma coleção de réguas de compensado com medida de 12 cm de com-
primento por 3 cm de largura, na qual diversas formas de representação
da linha foram produzidas com utilização de barbante grosso e cola.
Linha é um elemento básico do desenho, e que segundo Wassily Kan-
dinsky, é resultado do deslocamento de um ponto que se concretiza em
direções e extensões. Com isso, ela carrega em si a ideia de movimento,

202
o que corresponde a dinamismo. Todas as linhas são utilizadas na cons-
trução de desenhos e obras artísticas.

Figura 3: tateando as linhas Figura 4: atividade proposta após o


e identificando tipologias. reconhecimento da linha, criando um
Fonte: arquivo pessoal, 2014. desenho. Fonte: arquivo pessoal, 2014.

Depois da experiência sensória (Figura 3), sugere-se utilizar a pla-


quinha de sondagem. Produzida em compensado no tamanho de 12 x 20
cm e revestida por uma camada de cola permanente, permite ao aluno
experimentar ao aderir um pedaço de barbante grosso às diversas for-
mas de linhas identificadas na etapa anterior (Figura 4). Dessa maneira,
ocorre a estimulação concreta, essencial no desenvolvimento criativo e
interpretativo, podendo chegar à produção de desenhos ou composi-
ções com linhas utilizando somente a plaquinha de sondagem. Outra
opção para trabalhar com linhas é a utilização da régua flexível (Figura
5), um instrumento utilizado em desenhos arquitetônicos que permite
experimentar as diversas formas de apresentação da linha por meio da
modelagem e do manuseio da régua. Por ser flexível, essa régua pode ser
explorada de várias formas, e o aluno pode colocar sua criatividade em
prática manuseando a régua de maneira criativa e prazerosa, criando
desenhos retos, ondulados, ovais, quadrados, entre outros. O objetivo

203
é formar vários tipos de movimentos e tamanhos, já que este recurso
também ajuda no desenvolvimento da coordenação motora fina.

Figura 5:
manuseando a
régua flexível e
identificando
formas. Fonte:
arquivo pessoal,
2014.

Para o estudo da superfície, foram utilizadas figuras geométricas


cortadas em compensado em formato de círculo, quadrado, retângulo
e triângulo (Figura 6).

Figura 6: Reconhecendo a super- Figura 7: volume apresentado em


fície tátil. Fonte: arquivo pessoal, vários objetos. Fonte: arquivo pes-
2014. soal, 2014.

204
A superfície é o suporte do trabalho artístico no qual os artistas
deixam seus registros gráficos, porém, a superfície também é um ele-
mento plástico que se articula como plano, área ou pela linha de seus
limites, cuja organização pode criar efeitos de maior ou menor movi-
mento, e permite a compreensão da bidimensionalidade.
O volume é um dos elementos visuais mais trabalhados no ensino
de arte, pois permite a percepção do espaço tridimensional. O volume
pode ser formado por vários objetos ou apenas um elemento que dê
sensação de volume, e considerado um elemento de massa no contexto
artístico.
Na mala perceptiva foram introduzidos elementos volumétricos
maciços, como bolas de gude, bolinha de pingue-pongue, pirâmide e
outros que podem ser construídos com pau de pirulito e tubo de borra-
cha (Figura 7). A simples pirâmide de papel dobrada permite a percep-
ção da passagem do plano bidimensional para o plano tridimensional.
No espaço destinado ao volume, também foi inserido um boneco
flexível (Figura 8), que permite a exploração das articulações do corpo
humano, e com o qual se pode trabalhar a percepção do próprio corpo
e a estrutura de peso corpóreo, permitindo o exercício de identificação
de contornos de massa, como uma linha imaginária que transcorre o
desenho representativo e aspectos simbólicos do corpo humano.

Figura 8: criança
reconhecendo
o boneco como
representação do
corpo humano.
Fonte: arquivo
pessoal, 2014.

205
Com relação à luz, pode-se dizer que é um elemento que de forma
alguma pode ser descartado, pois compõe o desenvolvimento artístico
em sua produção, tornando-se, dessa forma, relevante na aplicabilidade
da pesquisa. A criança cega congênita tem dificuldade de entender o
contraste de luz por não ter a experiência física com os reflexos da luz
nos olhos. A proposta da mala perceptiva foi a de desenvolver um do-
minó confeccionado em EVA, medindo 12 cm de comprimento e 8 cm
de largura, dividido em duas partes, sendo que um lado tem o relevo de
uma figura geométrica e o outro a mesma figura vazada, justificando a
presença e ausência de uma forma.

Figura 8: criança
manuseando o dominó
feito de EVA e revestido
de velcro e areia
brilhante. Fonte: arquivo
pessoal, 2014.

A criança pode manusear tatilmente por meio dessa adaptação,


percebendo a ausência e a presença de luz (Figura 9), identificando que
o relevo representa o escuro, sensação de lugar fechado, ausência de luz,
e no espaço vazado, o espaço livre, sem obtáculos, com a presença de
luz. Isso pode estimular o interesse do aluno à atividade, permitindo-lhe
conhecer e experimentar concretamente o objeto.

206
CONSIDERAÇÕES FINAIS

É de fundamental importância que a escola cumpra o que se pro-


põe nas leis, como a LDB e a Constituição Federal, as quais asseguram
que a educação é para todos, sem diferenças, seja de raça, sexo, cor, de-
ficiências, etc. Já que os desafios e as dificuldades são grandes, a inclu-
são educacional não pode ser banalizada e tampouco abandonada, mas
deve ser avaliada e discutida dentro de um aspecto mais amplo, buscan-
do a eliminação das desigualdades e da indiferença em relação aos alu-
nos cegos. A responsabilidade com a educação não é só da escola, mas
de todo um contexto social, que envolve professores, gestores, famílias,
governantes, poder público e toda a sociedade.
É importante saber que, para que os alunos cegos possam alcan-
çar a sintaxe da linguagem artística para um aprendizado completo e
significativo, deve-se possibilitar a utilização de seus sentidos rema-
nescentes, como a audição, o tato, o paladar e o olfato, pois são impor-
tantíssimos canais de entrada de informações que serão levadas até o
cérebro.
Apesar de ser enfatizada a questão tátil na mala perceptiva, é
importante avançar para outras experiências sensórias que explorem
outros órgãos dos sentidos. A audição, por exemplo, da criança cega
é o único sentido de estímulo de longo alcance. Poder ouvir à distân-
cia serve para identificar barulhos ambientais, como sons simples de
gravadores, rádios, buzina de carro e ruídos, no intuito de desenvolver
as diferentes coordenações a percepções auditivas e ampliar suas ações
e reações sobre a linguagem e desejos, enriquecendo seu cognitivo e
descobrindo-se enquanto ser capaz e singular.
A criança cega também pode ser estimulada pelo olfato, o que
pode fornecer-lhe subsídios para identificar cheiros, como perfumes e
alimentos (laranja, leite fresco, leite azedo, peixe, líquido forte e outros),
e com o paladar podemos trabalhar e ensinar como reconhecer o gos-
to das comidas e o seu respectivo sabor (salgado, doce, picante, etc.),

207
promovendo metodologias que facilitem ao aluno uma capacidade de
identificar diferentes gostos e sensações.
Esse desenvolvimento sensorial é a base para a aquisição dos sa-
beres articulados e deve estar presente antes da apresentação do braile,
isto é, a criança deve passar por uma fase de sensibilização preparató-
ria, manipulando diversos materiais e estimulando as funções do pegar,
manusear e reconhecer os objetos, com diversos materiais alternativos
manipulados com os dedos, como rasgar papel, iniciando com objetos
de grande dimensão até chegar ao pequeno, cortar pedacinhos de tecido
com tesoura, destacar tiras de papel, folhear o caderno e livros, catar
grãos de feijão, entre outros.
Nesse sentido, a mala perceptiva age também como um estimu-
lador de formas e objetos, propiciando um aprendizado que favorece o
treinamento para a AVAS,55 além de ter sido fabricada com materiais de
baixo custo, sendo acessível a todos.
Vale ressaltar que o grupo familiar precisa ser sensibilizado, orien-
tado e responsabilizado na tarefa de acompanhar o processo educacio-
nal dessa criança. Este estudo foi possível pela experiência compartilha-
da entre a mãe, a professora e a pesquisadora por novos métodos que de
fato permitam o desenvolvimento pleno e autônomo dos alunos cegos,
e em especial do Aderlan, que participou dessa proposta. Filho de uma
das autoras, ensinou-nos um novo olhar sobre o mundo e incentiva a
luta cotidiana de exercermos o simples direito universal do ser humano
de ir e vir, conhecer e experimentar o mundo em que vive. Olhando com
as mãos, vendo com os ouvidos, enxergando com cheiros e gostos. Tro-
cas de sentidos? Não. Troca de olhar. Que seja uma contribuição para a
prática pedagógica e o início de novos caminhos perceptivos nas escolas
públicas e privadas de ensino.

55
AVAS, abreviação de atividade da vida autônoma social, que tem como objetivo
proporcionar ao aluno cego de todas as faixas etárias a autonomia e a segurança
tanto na escola e no lar como na comunidade.

208
REFERÊNCIAS

ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão


criadora. Nova versão. Trad. Ivone Terezinha de Faria. São Paulo: Pio-
neira; EdUSP, 1980.
BATEZAT, Maria Lúcia; DUARTE, Mari Ines Piekas (Orgs.). Desenho
infantil em pesquisa: imagens visuais e táteis. Curitiba, PR: Intight, 2011.
OSTROWER, Fayga. Universos da arte. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

209
A CULTURA INDÍGENA NA ESTÉTICA DO COTIDIA-
NO DE ALUNOS DA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO
MÉDIO GETÚLIO VARGAS EM ALTAMIRA- PA56

Cleofas Alves da Silva57

INTRODUÇÃO

A pesar de o Estado assegurar uma “certa proteção” à diversidade


cultural do país por meio da Constituição Federal (1988, p. 9-11), co-
mumente nos deparamos, dentro de nossas instituições escolares, com
manifestações de racismo e discriminação social e étnica por parte de
alunos, da equipe escolar e até mesmo de professores, ainda que de ma-
neira velada, mas que representam violação dos direitos dos estudantes,
professores e funcionários discriminados, ocasionando em obstáculos
ao processo educacional pelo sofrimento e constrangimento a que essas
pessoas vêm sendo expostas (CARVALHO, 2008, p. 28).
Nesses termos, o presente artigo tem por objetivo relatar expe-
riências educativas realizadas durante o primeiro semestre do ano de
2014 na disciplina Estágio Supervisionado II - Ensino Médio, do cur-
so de Licenciatura em Artes Visuais da UFPA, na Escola Estadual de
Ensino Médio Getúlio Vargas, localizada no município de Altamira,
no estado do Pará, tendo como base uma pesquisa acerca do grafismo

Orientação da professora Márcia de Nazaré Jares Alves Chaves (EA-UFPA).


56
57
Concluinte do curso de licenciatura em Artes Visuais pelo Parfor-UFPA, polo
Tucuruí/PA, 2011. cleofasalves@yahoo.com.br.

211
corporal utilizado pelo grupo étnico parakanã, residente no municí-
pio de Altamira-PA.
Embora a cultura brasileira seja composta pela contribuição de
vários grupos étnico-raciais, ainda não é valorizada em sua totalidade,
pois ainda são muitos os obstáculos em atestar a contribuição afro-bra-
sileira e indígena como parte da cultura nacional. Consequentemente, a
desvalorização de parte das manifestações culturais do povo brasileiro
gera e reforça a estigmatização e a supressão do negro e do índio em
nossa sociedade.
Segundo Carvalho, esta desvalorização às manifestações indíge-
nas ocorre especialmente no campo das artes, devido à grande influ-
ência que os movimentos de artes europeus exerceram em nossa so-
ciedade, e que marcaram a cultura europeia/ocidental. E o autor expõe
dizendo que,

O conhecimento sobre a chamada “arte indígena” é, de um


modo geral, ainda pequeno. Até mesmo na temática indíge-
na a arte é, de uma forma geral, relegada a um plano menos
importante. O mesmo se passa no âmbito das artes: privile-
giamos o conhecimento plástico sobre os grandes “ismos”
da história da arte, e não observamos a riqueza das mani-
festações plásticas indígenas (CARVALHO, 2003, p. 05).

Diante do exposto, e incomodada com o advento dessas novas


transformações advindas das mudanças educacionais ocorridas nas
últimas décadas, verifiquei a necessidade de efetivar uma experiência
educativa na disciplina artes visuais que contemplasse as exigências da
Lei nº 11.645/08, a qual prevê o ensino da história e cultura indígena em
todos os níveis de ensino, especificamente nas áreas do ensino de artes,
sem desconsiderar os referenciais dos temas transversais (PCNS)58 que
contemplam questões que perfeitamente se enquadram nesta proposta,

58
Parâmetros Curriculares Nacionais.

212
as quais dizem respeito à diversidade cultural, porém, que atendessem
a uma “estética do cotidiano”,59 a qual “supõe ampliar o conceito de arte,
de um sentido mais restrito e excludente, para um sentido mais amplo,
de experiência estética”, uma vez que apenas desse modo seria possível
romper com os conceitos de arte provenientes de uma visão das artes
visuais, como “belas artes”, “arte erudita” ou “arte maior”, contrarias à
ideia de “artes menores” ou “artes populares” (RICHTER, 2002, p. 91).
Esta proposta vem ao encontro de uma das principais perspectivas
pós-modernas influentes no ensino das artes visuais, com abordagem
acerca de questões como estudos culturais, cultura visual, identidade,
teoria queer, pós-colonialismo, que surge com o advento de um movi-
mento denominado de multicultural, e das contribuições dos estudos de
Richter (2002; 2003) e de Ana Mae Barbosa (2002d, 2002b). Esta última
destaca que “o compromisso com a diversidade cultural é enfatizado
pela arte-educação pós-moderna” (2002d, p. 19), por meio da “ideia de
reforçar a herança artística e estética dos alunos com base em seu meio
ambiente” (BARBOSA, 2002b, p. 24).
Nestes termos, comungo da premissa de Magalhães (2014, p. 07),
ao afirmar acerca da “necessidade que a realidade multicultural brasi-
leira tem em realizar ações curriculares planejadas e organizadas para
que a prática educativa aconteça de forma articulada com os diferentes
contextos regionais”.
O termo “multicultural”, segundo Richter,

Tem sido utilizado como sinônimo de “pluralidade ou di-


versidade cultural”, indicando as múltiplas culturas hoje
presentes nas sociedades complexas. No entanto, é a de-
nominação de “multicultural” que se encontra consagrada

59
A estética do cotidiano subentende, além dos objetos ou atividades presentes na
vida comum, considerados como possuidores de valor estético por aquela cultura,
também, e principalmente, a subjetividade dos sujeitos que a compõem e cuja esté-
tica se organiza a partir de múltiplas facetas do seu processo de vida e de transfor-
mação (RICHTER, 2003, p. 20-21).

213
na literatura, tanto na área da educação quanto da arte-edu-
cação, pois é dessa forma que a questão da diversidade vem
sendo estudada e discutida há muito tempo. Atualmente,
vem sendo utilizado o termo “interculturalidade”, que im-
plica uma inter-relação de reciprocidade entre culturas.
Esse termo seria, portanto, o mais adequado a um ensino-
aprendizagem em artes que se proponha a estabelecer a
inter-relação entre os códigos culturais de diferentes gru-
pos culturais. No entanto, convivemos hoje com todas essas
denominações, aparecendo como sinônimos (RICHTER,
2003, p. 19).

Pela presente ação que se encontrar inserida no contexto da disci-


plina Estágio Supervisionado, considero oportuno destacar sua defini-
ção encontrada nos documentos do Parecer n. 21, de 2001, do Conselho
Nacional de Educação, o qual ressalta que o estágio é,

Como um tempo de aprendizagem que, através de um


período de permanência, alguém se demora em algum lugar
ou ofício para aprender a prática do mesmo e depois poder
exercer uma profissão ou ofício. Assim o estágio supõe uma
relação pedagógica entre alguém que já é um profissional
reconhecido em um ambiente institucional de trabalho e
um aluno estagiário. […] é o momento de efetivar um pro-
cesso de ensino/aprendizagem que, tornar-se-á concreto e
autônomo quando da profissionalização deste estagiário.

E segundo o paragrafo 1º da Resolução n. 4.297 do Consepe, de


13/06/2012, o Estágio Supervisionado será desenvolvido,

A partir do Quinto Bloco do Curso, com carga horária de


400 h, constituindo-se em quatro etapas: Estágio Docente
I - 100 h (elaboração, aplicação de conteúdos e vivência da
docência em Artes Visuais, no âmbito escolar da Educa-
ção Infantil e/ou Fundamental), Estágio Docente II - 100
h (vivência da práxis docente em Artes Visuais em institu-
ições formais de Ensino Médio), Estágio Docente III - 100

214
h (planejamento, execução e avaliação do ensino de Artes
Visuais em instituições de ensino não formal); e Estágio
Docente IV - 100 h (vivência e práxis da produção em Artes
Visuais em instituições de ensino não formal).

Além do estágio curricular supervisionado, é preciso oferecer ao


futuro professor um conhecimento real do cotidiano das unidades esco-
lares e dos sistemas de ensino. Também é uma ocasião para se examinar
e “provar (em si e no outro) a realização das competências exigidas na
prática profissional e exigíveis dos formandos, especialmente quanto à
regência”, como também um tempo para se

acompanhar alguns aspectos da vida escolar que não acon-


tecem de forma igualmente distribuída pelo semestre,
concentrando-se mais em alguns aspectos que importa vi-
venciar. É o caso, por exemplo, da elaboração do projeto
pedagógico, da matrícula, da organização das turmas e do
tempo e espaço escolares (BRASIL, 2001).

Pimenta e Gonçalves (apud Pimenta; Lima, 2004, p. 45) ressaltam


a relevância que o estágio apresenta em proporcionar uma ligação entre
teoria e prática e a aproximação da realidade na qual atuará o futuro
professor, apresentando um papel basilar para a formação docente, ou
seja, o estágio é um momento de aprendizado que se pode concretizar.
Nestes termos, minha experiência educativa se deu a partir da
fundamentação teórica aliada ao saber pedagógico e de minha experi-
ência, ou seja, do conhecimento na ação e a reflexão na e sobre a ação
(SCHÖN, 1992, p. 80).

2. EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS

Por considerar de suma importância o conhecimento acerca das


culturas locais, seus costumes, tipos de artesanatos, os desenhos, os gra-
fismos e os significados que eles representaram a nós, procurei apresentar

215
aos estudantes o valor da cultura indígena, presente no país antes mesmo
da colonização portuguesa, e sua grande influência e contribuição à so-
ciedade brasileira. Desse modo, e de acordo com a discussão com base na
diversidade cultural, apresentamos a seguir nosso relato de experiência.
Como já mencionado, minha experiência educativa foi realizada
na segunda etapa na disciplina Estágio Supervisionado, que correspon-
de à “vivência da práxis docente em artes visuais em instituições formais
de ensino médio”60 do curso de licenciatura em Artes Visuais da Univer-
sidade Federal do Pará/Parfor, no período de 10/11/13 a 01/02/14, em
uma escola estadual de ensino médio denominada Getúlio Vargas, loca-
lizada à Travessa Pedro Gomes, nº 1156, Bairro Sudam I, CEP: 68372-
150, no município de Altamira, no estado do Pará, que funciona a 13
anos, com 12 salas de aula. No turno da manhã, são ofertadas quatro
turmas de 1º ao 3º anos; no turno da tarde, duas turmas do 1º e 2º anos; e
no turno da noite, seis turmas de 1º ao 3º anos. A experiência foi realiza-
da em duas turmas de 1º ano do ensino médio, formadas por 35 alunos
de faixa etária de 15 a 30 anos, com o objetivo de estabelecer vínculos
entre a estética do grupo étnico parakanã residente no município de
Altamira-PA e a estética desenvolvida na sala de aula.
Segundo o Programa Parakanã: Convênvio Eletronorte - Funai, os
parakanãs são,

habitantes tradicionais pertencentes à família linguística


tupi-guarani. São tipicamente índios de terra firme, exímios
caçadores de mamíferos terrestres. Produzem grandes roças
com produção de excedentes, prática do extrativismo e co-
letas de frutos para comercialização, como açaí, cupuaçu,
castanha, entre outros, e apresentam como cultivo básico
a mandioca amarga. Dividem-se em dois grandes blocos
populacionais, oriental e ocidental, os quais, até janeiro de
2014, somavam aproximadamente 1.000 indivíduos. Habi-
tam em duas áreas indígenas diferentes. A primeira área,

60
Resolução n. 4.297 CONSEPE, de 13.6.2012

216
denominada Terra Indígena (TI) Parakanã, localizada na
bacia do Tocantins, municípios de Repartimento, Jacundá e
Itupiranga, no Pará, com uma extensão de 351 mil hectares.
A segunda área, denominada TI Apyterewa, localiza-se na
bacia do Xingu, nos municípios de Altamira e São Félix do
Xingu, também no Pará, com 981 mil hectares, declarado
de posse permanente dos Parakanã em 1992.61

3. CAMINHOS METODOLÓGICOS

O caminho metodológico percorrido para a realização desta ação


educativa foi desenvolvido nas seguintes etapas, baseadas nos princípios
de Richter, no que diz respeito à importância de ambientes de aprendi-
zagem voltados para a identificação do contexto cultural:

Os/as educadores/as devem criar ambientes de aprendiza-


gem que promovam a alfabetização cultural de seus/suas
alunos/as em diferentes códigos culturais, a compreensão
da existência de processos culturais comuns às culturas, e a
identificação do contexto cultural em que a escola e a famí-
lia estão imersas. Este último aspecto não deve ser descui-
dado, pois a escola, como instituição formal, deve também
desenvolver capacidades específicas, voltadas para a atu-
ação na sociedade em que o/a estudante está, vive e à qual
pertence (RICHTER, 2003, p. 15).

Nestes termos, num primeiro momento, com um grupo de alunos,


buscamos conhecer a realidade de um grupo indígena residente na loca-
lidade do município de Altamira-PA. Para tanto, recorremos a visitas à
Casa do Índio, no município de Altamira, na qual fomos recebidos pelo
grupo indígena parakanã, os quais, por meio de entrevistas e roda de
conversas, oportunizaram-nos a conhecer um pouco de seus costumes

61
Programa Parakanã: Convênvio Eletronorte - Funai. Disponível em: <http://www
.parakana.org.br/>.

217
e tradições, e dentre estes, os grafismos estampados em seus corpos,
que se relacionam numa trama de significados sociais e religiosos.

Pintura corporal parakanã

Figura 1: pintura corporal parakanã.


Fonte: Gosso, 2004.

Figura 2: pintura corporal Figura 3: pintura corporal parakanã.


parakanã. Fonte: Fotolog.com. Fonte: Gosso, 2004.

A indígena que nos atendeu nos passou informações acerca dos


grafismos utilizados pelos homens e mulheres da tribo, cada qual com
seus desenhos específicos. Tais descrições se relacionam numa trama

218
de significados sociais e religiosos, transmitida por meio da memória
cultural herdada de seus ancestrais. A pintura corporal é tarefa exclusi-
va das mulheres da tribo. O pigmento principal utilizado no grafismo
parakanã, exemplificados pelas Figuras 1 à 3, é a semente de jenipapo,
e assim fazem o processo necessário para os seus rituais de acordo com
a ocasião ou manifestação, e as cores principais usadas por eles são o
preto e o vermelho, ambos extraídos da natureza. Em geral, a pintura
corporal dos parakanã é representado por motivos geométricos, corres-
pondendo ao traçado de linhas retas curtas em ziguezague, formando
triângulos ou quadrados, ou ainda representações de animais da floresta
que são homenageados por eles em seus rituais.
Num segundo momento, recorri à pesquisa bibliográfica como
forma de fazer levantamento e análise da literatura, com a finalidade de
selecionar textos que fundamentassem o trabalho com os estudantes.
Num terceiro momento, apresentamos toda uma contextualização acer-
ca do tema por meio de textos lidos e refletidos em trabalho de grupo.
As contribuições de Pillar (1999, p. 14) vêm corroborar nossa ação,
ao destacar que “[…] o primeiro mundo que buscamos compreender é
o […] [mundo] […] onde vivemos”, ou seja, esse que se vive no dia a dia,
em nossas relações de família, amigos, escola, no bairro onde vivemos,
a cidade, o estado, o país, e que, quando tentamos interpretá-lo, “[…]
estamos fazendo leituras desse mundo”, que, dependendo de todo um
contexto histórico, social e politico, pode ser “[…] crítica, prazerosa,
envolvente, significativa e desafiadora”.
Nesse sentido, e para reforçar ainda mais todo o conhecimento
aplicado com os estudantes, num quinto momento alimentamos visu-
almente o grupo de estudantes com imagens fixas e móveis (vídeo), de
acordo com a temática proposta. Nesse momento, procuramos levantar
alguns questionamentos com o propósito de promover uma reflexão
acerca do modo de vida e costumes do povo parakanã. Ao mesmo tem-
po, solicitamos que identificassem os grafismos por eles utilizados para
posteriormente serem utilizados nas aulas.

219
Num próximo momento, realizamos produções de vasos utilizan-
do a técnica da papietagem, com decoração baseada nos grafismos indí-
genas, conforme imagens a seguir (Figuras 4, 5 e 6):

Figura 4: produção de vasos.


Fonte: acervo da autora.

Figura 5: pintura de grafismos.


Fonte: acervo da autora.

220
Figura 6: produção de vasos com pintura de grafismos.
Fonte: acervo da autora.

O processo da papietagem consiste no enchimento de balão com


ar, posteriormente, espalha-se cola sobre a superfície do balão cheio
e assenta sobre a cola papeis previamente recortados, um sobre o ou-
tro, até formar uma camada grossa. Esse processo se repetiu por três
vezes, cobrindo toda a parte externa do balão, deixando uma abertura
no formato de um vaso. Após a secagem, foi passada uma demão de
tinta, e o suporte estava pronto para desenharem suas representações
por meio de linhas baseadas no grafismo indígena estudado. Ao final a
atividade, o resultado foi bastante satisfatório a todos(as).
Culminamos promovendo um debate com socialização dos co-
nhecimentos adquiridos, sempre relacionados com suas vivências e a
exposição dos trabalhos produzidos pelos alunos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto teve como objetivo relatar experiências educativas rea-


lizadas durante o primeiro semestre do ano de 2014, na disciplina Es-
tágio Supervisionado II - Ensino Médio, do curso de licenciatura em

221
Artes Visuais da UFPA, na Escola Estadual de Ensino Médio Getúlio
Vargas, localizada no município de Altamira, no estado do Pará, ten-
do como base uma pesquisa acerca do grafismo utilizado pelo grupo
étnico parakanã, residente no município de Altamira-PA. Para tanto,
partiu-se de uma prática desenvolvida junto a estudantes de duas tur-
mas de 1º ano do ensino médio, formada por 35 alunos de faixa etária
entre 15 e 30 anos, que teve como objetivo estabelecer vínculos entre a
estética do grupo étnico parakanã e a estética desenvolvida na escola.
As atividades realizadas ao longo da ação educativa, apresentadas
no decorrer deste texto, expõem reflexões sobre a diversidade cultural
no ensino de artes visuais a partir do ensino da história e cultura indí-
gena, em consideração à Lei nº 11.645, que prevê a inserção da história
e cultura afro-brasileira e indígena no currículo da educação básica.
Servindo de base para as discussões e reflexões quanto às diferenças
culturais, partir de uma pesquisa acerca do grafismo utilizado pelo
grupo étnico parakanã residente no município de Altamira-PA.
Por fim, a experiência contribuiu para que os estudantes passas-
sem a expressar maior respeito e valorização à cultura indígena e uma
nova compreensão à estética indígena por meio do grafismo utilizado
pela etnia. Pois, ao analisar, refletir e relacionar a cultura do grupo
étnico parakanã com as culturas atuais e vindouras e a reproduzir
objetos a partir da estética indígena, passou a ter um novo sentido,
em especial ao conceito de arte, que passou de arte excludente à arte
inclusiva, o que possibilitou estabelecer vínculos entre a estética dos
indígenas e a estética desenvolvida na escola.

222
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Ana Mae (Org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte.


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BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educa-
ção nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obri-
gatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira, e dá outras
providências. Brasília, DF, 2003. Não paginado. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>.
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223
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da ANPED, 2007, Caxambú. Resumos. Caxambú: Associação Nacional
de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, 2007.

224
O ESTÁGIO NA FORMAÇÃO DOCENTE:
CAMINHOS PARA ENSINAR/APRENDER
ARTES VISUAIS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR62

Maria de Lourdes de Siqueira Lima63

O domínio de conhecimentos sobre educação escolar de


arte (em escolas de educação infantil e ensino fundamental)
torna-se mais concreto quando os professorados vivenciam
atividades nas quais realizam aproximações entre prática e
teoria na área educativa artística (FUSARI; FERRAZ, 2012).

Introdução

O presente artigo traz como referência as experiências vivencia-


das durante o período de Estágio Curricular Supervisionado no curso
de licenciatura em Artes Visuais, ofertado pelo Plano de Formação de
Professores da Educação Básica (Parfor), programa de qualificação pro-
fissional do governo federal em parceria com a Universidade Federal do
Pará (UFPA) e desenvolvida no município de Tucuruí-PA.

62
Orientação da professora Ana Del Tabor Vasconcelos Magalhães (Iced-UFPA).
63
Concluinte do curso de licenciatura em Artes Visuais pelo Parfor/UFPA, polo
Tucuruí. Maria de Lourdes de Siqueira Lima, brasileira, natural de Pernambuco,
graduanda do curso de Artes Visuais pela UFPA/Parfor. Formação acadêmica ini-
cial em Pedagogia pela Universidade da Amazônia no ano de 2002 e pós-graduada
em Psicopedagogia pela Faculdade de Tecnologia Equipe Darwin no ano de 2011.
Atua na área da educação há 27 anos, e atualmente exerce a função de gestora de
escola pública.

226
Importante ressaltar que estágio é o processo oferecido pelas insti-
tuições de ensino no qual abrem espaços para que os estudantes se insi-
ram em diferentes situações profissionais, de maneira a concretizar vi-
vências que proporcionem união entre teoria e prática na construção de
sua identidade profissional. E de acordo com Coutinho (2012, p. 177),
a formação do professor se intensifica à medida que se defronta com as
situações reais de ensino e aprendizagem.
O principal objetivo deste estudo foi analisar criticamente toda a
experiência adquirida por meio do estágio do segundo curso de licen-
ciatura plena em Artes Visuais do Parfor, escolhido com o intuito de
buscar fundamentação teórica e prática para embasar um trabalho que
já vinha desenvolvendo na escola em que atuo como professora de arte,
no município de Breu Branco-PA. Já concluí uma primeira graduação
em Pedagogia, pela Universidade da Amazônia (Unama), e a maior di-
ficuldade enfrentada ao longo das experiências vivenciadas era a de não
ter todo um aparato teórico-prático que me desse segurança na aplica-
bilidade dos conhecimentos/conteúdos a serem ministrados nas aulas
das séries trabalhadas.
As disciplinas Fundamentos do Ensino e Aprendizagem em Artes
Visuais (Ensino fundamental, ensino médio e espaços culturais), que
tivemos a oportunidade de cursar ao longo do curso, vieram para nos
mostrar que o ensino de arte suscita uma visão e uma escuta dos demais
sentidos como uma possibilidade de compreensão mais significativa das
questões sociais e culturais que a rodeia, e que, de acordo com Arouca
(2012, p. 24), “A tarefa de conduzir o estudante no seu processo de for-
mação como indivíduo e cidadão leva, necessariamente, à construção
de um currículo no qual uma complexa teia de inter-relação entre es-
paço escolar e a sociedade diminua a separação instituída pelos muros”.
Muros esses que pretendemos ultrapassá-los, pois, ao vivenciar os
conhecimentos adquiridos nas disciplinas referidas e demais, relatarei
em quatro etapas as experiências vivenciadas em cada estágio super-
visionado, quais contribuições trouxeram para a minha formação e o

227
meu olhar frente à conjuntura socio-histórica, qual visão tinha antes e
depois de cursar as disciplinas do curso.
É necessário destacar que esta turma de licenciatura plena em Ar-
tes Visuais da qual faço parte é composta por alunos-professores dos
seguintes municípios do estado do Pará: Altamira, Baião, Breu Branco,
Mocajuba, Novo Repartimento e Tucuruí (polo que atende ao curso).

Estágio Supervisionado em Artes Visuais I

O Estágio Curricular Supervisionado I foi realizado no ensino fun-


damental. A professora supervisora do estágio, em suas orientações e
acompanhamentos, levou-nos a refletir sobre a verdadeira função do
estágio na formação acadêmica de um futuro profissional e, no curso de
licenciatura em artes visuais, a relevância de estudarmos e verificarmos
os modos de produção e difusão da arte na própria comunidade em que
estamos inseridos, na região e no país. Por isso, ela nos instigou a desen-
volver projetos de ação educativa, que segundo Ferraz e Fusari:

Para que a educação em arte possa ser entendida como uma


construção poética e interativa, e que contextualize as ex-
periências das crianças e jovens, é preciso que os princípios
que orientam todo o processo de ensino e aprendizagem,
assim como os objetos e métodos educacionais, estejam di-
recionados para o conhecimento artístico e estético e tra-
balhados conjuntamente pelos professores e alunos (FER-
RAZ; FUSARI, 2009, p. 27).

Partindo deste conceito, foram desenvolvidas duas ações estrutu-


rais: primeiro uma visita à Secretária Municipal de Educação do muni-
cípio de Breu Branco-PA, para uma entrevista sobre como estava sendo
desenvolvido o ensino de arte no município. E segundo, um projeto de
ação educativa que seria desenvolvido durante o estágio realizado na
instituição de ensino escolhida.

228
Começo falando sobre a entrevista com a secretária de educação
do município de Breu Branco. A secretária de educação, formada em
Letras, mostrou-se muito motivada com a nossa presença e demonstrou
alegria em saber que parte daquele grupo de estagiários ali presentes na
entrevista era de professores lotados na Secretaria Municipal de Educa-
ção (Semed) do município.
Quando questionada sobre o porquê do ensino de arte ser desen-
volvido na perspectiva da polivalência,64 ela justificou que ainda ocorre
pela falta de profissionais qualificados para trabalhar as linguagens ar-
tísticas (artes visuais, dança, música e teatro), mas assim que possível,
serão inseridas nas unidades de ensino as linguagens específicas.
Mas no decorrer da entrevista, ela nos informou que tomara a deci-
são de, já que estávamos no início do ano letivo, a partir daquela reunião
ela iria dar início à inclusão da linguagem das artes visuais, com a indi-
cação de um coordenador na área de arte para organizar esta inclusão do
ensino de artes visuais nas unidades educacionais do município, assim
como posteriormente a linguagem da música também seria prioridade
no currículo, já que também havia professores formando-se na área.
Segundo a secretária, embora não tivesse professores suficientes
para abranger todas as turmas e séries ofertadas no município, o coor-
denador da área de arte iria organizar cursos de preparação para estes
professores administrarem a nova realidade e ou configuração do ensi-
no de arte.
A nossa turma teve, com essa visita à Secretaria Municipal de Edu-
cação do Município de Breu Branco, um grande avanço na organização
curricular do ensino de arte, dando o pontapé inicial para o fim do en-
sino de arte na perspectiva da polivalente.

64
Polivalência: qualidade daquilo que possui muitos usos ou daquele que possui
muita habilidade. No campo da arte, refere-se ao conhecimento superficial de to-
das as linguagens artísticas. Enquanto proposta metodológica evidenciada no en-
sino-aprendizagem em arte, revela-se ineficaz para uma formação generalista que
não correspondeu/corresponde ao profissional que se quer formar (MAGALHÃES,
2012, p. 180).

229
No segundo momento do Estágio Supervisionado I, houve a rea-
lização do período de observação e regência na unidade de ensino fun-
damental. O estágio ocorreu na EMEF Gonçalo Vieira, localizada no
centro da cidade, com alunos do 6º ano. Os alunos desta unidade de
ensino eram dinâmicos e compreenderam muito bem a proposta que
apresentamos, proposta esta que partiu do projeto de ação educativa
intitulado As transformações do ensino de arte. Para desenvolver a ação,
foram utilizados os assuntos/conteúdos que estavam inseridos no plano
de ensino da professora regente da turma, conforme as orientações da
professora responsável pela supervisão do estágio.
Dentro do conteúdo programático, escolhi abordar as formas ge-
ométricas, as quais foram apresentadas aos alunos por meio das obras
artísticas de Romero Brito, Piet Mondrian e Wassily Kandinsky, que
retratam o abstracionismo geométrico em suas produções. Os alunos
ficaram interessados em realizar as leituras das imagens e perceber
a composição das formas geométricas formando figuras e desenhos
incríveis, revelando a compreensão dos assuntos abordados em sala
de aula.
Nas aulas posteriores, os alunos foram incentivados a desenvolver
suas próprias obras. Alguns usaram a imaginação e criatividade produ-
zindo seus próprios desenhos, outros reproduziram o que tinham visto
nas obras dos artistas apresentados. Foram momentos de grande apren-
dizado e os alunos ficaram orgulhosos de suas produções.
Pensar numa educação em que a arte é conhecimento necessário
na escola, sobretudo, é pensar numa educação que dê ao aluno a chance
de poder desenvolver seu potencial de criação, percepção, produção e
de execução de suas potencialidades artísticas, conforme abordado nos
Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino fundamental (BRASIL,
2007, p. 36): “A qualidade da ação pedagógica, que considera tanto as
competências relativas à percepção estética quanto aquelas envolvidas
no fazer artístico, pode contribuir para o fortalecimento da consciência
criadora do aluno”.

230
Esta é uma das missões do ensino de arte: possibilitar ao aluno/a
desenvolver suas potencialidades criativas de maneira que venha a con-
tribuir com sua formação intelectual, emocional e social.

Estágio Supervisionado em Artes Visuais II

A 2ª etapa do estágio supervisionado foi desenvolvida no ensino


médio. O que podemos destacar de relevante neste período foi a relação
dinâmica das demais disciplinas com o ensino de arte. A escola onde o
estágio ocorreu foi a EEEM José Lourenço, localizada no bairro Santa
Catarina, do município de Breu Branco. A escola é considerada de mé-
dio porte e possui uma infraestrutura razoável. A maioria dos profes-
sores é qualificada para trabalhar na área em que ministra aulas, porém
ainda existe a deficiência de profissionais formados na área de arte.
No quadro de professores, há uma que está se formando na área
de artes visuais, o que já é uma esperança de melhores condições de
desenvolvimento da disciplina nas escolas. As aulas transcorreram em
dinamicidade, em que horários e regras foram postos quase que de
lado, gerando um espaço no qual o aluno foi construtor de sua própria
aprendizagem e o professor, um mediador, conforme nos apontam
os Parâmetros Curriculares do Ensino Médio (BRASIL, 2000, p. 50):
“Na medida em que tais fazeres são acompanhados de reflexões, tro-
cas de ideias, pesquisas e contextualização histórica e socioculturais
(…) transformam conhecimentos estéticos e artísticos em prazer de
conviver”.
Outro ponto em destaque foi o projeto cultural desenvolvido na es-
cola, denominado de III Mostra das Regiões Brasileiras: Brasil de encan-
tos mil. O referido projeto veio ao encontro da nossa proposta de ação
educativa, que levantou a questão da produção de leitura de imagem
em obras de arte. Os alunos das turmas em que estávamos estagiando
tinham que montar um estande para abordar a cultura afrodescendente,
com enfoques para máscaras africanas e religiosidade.

231
Foram realizadas pesquisas e montagem de peças com o objetivo
de esclarecer ao público o significado daquelas imagens e objetos para a
cultura afrodescendente, e assim permitir a compreensão da importân-
cia da preservação de uma cultura que atravessa gerações e que perma-
nece viva na memória e nas tradições de um povo. Conforme Ferraz e
Fusari (2001, p. 79), a leitura e a interpretação dessas imagens “mostram
a diversidade de significados, o quanto o contexto, as informações, as
vivências de cada leitor estão presentes ao procurar dar sentido para a
imagem”.
O que podemos perceber é que, mesmo com toda essa dinamicida-
de em que a escola se situa, a disciplina arte é desenvolvida com conota-
ções polivalentes, ou seja, os professores ministram as quatro linguagens
(artes visuais, dança, música e teatro) durante o planejamento anual de
cada ano, implicando na qualidade das ações a serem contextualizadas
com a nova conjuntura curricular e política do ensino da arte na escola.
Para completar o período de regência após a realização do pro-
jeto, ainda desenvolvemos, dentro de nossa ação educativa, uma ofici-
na de produção de imagens do dia a dia. Para incentivar os alunos, foi
apresentado um slide com a obra de Richard Hamilton, de nome “Olhe,
cheire, ouça e sinta”. Esta obra artística causou várias inquietações na
turma, o que foi muito bom e rico em detalhes, que os ajudariam a mon-
tar suas próprias imagens. Cada aluno(a) produziu uma imagem da-
quilo que mais lhe chamava a atenção de suas ações da vida diária. As
imagens que foram produzidas e expostas na própria sala e dialogadas
com todos os presentes foi um sucesso. Assim, conforme Mondinger e
Guazzelli (2012, p. 56), “Sabemos que, além da produção de imagens, é
fundamental o exercício e o aprendizado da interpretação, com o aluno
atribuindo sentido à imagem de períodos e contextos variados, desde
as produções artísticas mais antigas até as produções contemporâneas
mais instigantes (regionais, nacionais e internacionais)”.
Por isso a importância de exercitar o olhar crítico dos alunos en-
volvidos no processo educacional em artes, para que possam valorizar e

232
entender como as imagens produzem conhecimentos que marcam épo-
cas e registram fatos históricos, transformando sociedades.
Foi ainda nesse período de estágio que tivemos a oportunidade de
complementar os conhecimentos acerca do mundo da arte e seu contex-
to para a sala de aula. Fui convidada pela própria professora responsável
pelo estágio supervisionado, a professora mestra Júnia de Barros Braga
Vasconcelos, a participar de um encontro na capital sobre Intercultu-
ralidade e Novas Mídias. Neste encontro, além de conhecer projetos
riquíssimos de alunos da Universidade Federal do Pará relacionados
à construção e desenvolvimento de como se ensina arte por meio de
mídias, tive o prazer de conhecer e acompanhar uma palestra com a
professora pesquisadora Ana Mae Barbosa, autora de vários livros que
nos orientaram durante a realização do curso.
E para finalizar, participei do XXIX Confaeb (Congresso da Federa-
ção dos Arte-Educadores do Brasil), realizado em Ponta Grossa-PR. Ou-
tra experiência inexplicável. Aprendi que, sozinhos, podemos até chegar
a algum lugar, mas que juntos, podemos ir muito mais além. E a filiação à
Federação dos Arte-Educadores do Brasil (Faeb) nos proporcionou esta
possibilidade, de organização e de contextualização do ensino de arte
frente à incansável luta de valorização e reconhecimento tanto pelo Go-
verno quanto pelos próprios profissionais que atuam na área.

Estágio Supervisionado em Artes Visuais III

Nesta etapa do estágio, desenvolvemos nossas atividades em espa-


ços de educação não formais. A professora supervisora do estágio nos
orientou a seguir o estágio com a seguinte missão: pôr em prática o
projeto de ação educativa em espaços não formais, elaborado durante o
desenvolvimento da disciplina, e elaborar e desenvolver um projeto de
inventário com ênfase no patrimônio cultural.
O objetivo primordial desta etapa do estágio foi o de conhecer a
dinâmica das artes visuais em espaços não formais e compreender sua

233
significância na vida diária de um povo. O grupo procurou, dentro de
suas possibilidades, construir metodologias que proporcionassem ao
público-alvo a oportunidade de reconhecer que a arte está presente em
todos os momentos da vida e ao longo da formação estética da pessoa.
Uma vez que, de acordo com Ferrari:

Hoje, mais do que nunca, a formação cultural de crian-


ças e jovens não está restrita ao ambiente escolar. Praças,
ruas, museus, teatros, cinemas, centros culturais, espaços
midiáticos e espaços virtuais são locais que hospedam e ofe-
recem formas simbólicas geradoras da experiência estética
artística e cultural (FERRARI, 2012, p. 39).

E para desenvolver o projeto de ação educativa, escolhemos a


EMEF Gonçalo Vieira, que embora seja um espaço formal, dentro de
sua estrutura curricular há o Programa Mais Educação,65 que é desen-
volvido em contraturno, o que possibilitou a viabilidade do projeto de
ação educativa, que trouxe como proposta Brincadeiras infantis: um
olhar sobre as lembranças de infância como patrimônio cultural.
Desenvolver o projeto de ação educativa com as crianças do Pro-
grama Mais Educação na escola Gonçalo Vieira foi um aprendizado
riquíssimo, e embora não fosse devidamente um espaço não formal,
como uma associação, instituição religiosa, ONG, trouxe-nos uma re-
flexão acerca da visão do público em questão sobre o olhar frente às
artes visuais.
A proposta apresentada foi relacionada aos objetos da memória
de infância, que, de acordo com os PCNs (BRASIL, 2007, p. 76), “cria-
-se um espaço onde os alunos possam formular questões, dentro de sua

65
Programa Mais Educação é um programa do governo que foi instituído pela
Portaria Interministerial nº 17/2007 e pelo Decreto nº 7.083, de 27 de janeiro de
2010, integra as ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Trata-se
da construção de uma ação Intersetorial entre as políticas públicas educacionais e
sociais, contribuindo, desse modo, tanto para a diminuição das desigualdades edu-
cacionais, quanto para a valorização da diversidade cultural brasileira.

234
experiência pessoal, em conversar com a experiência do artista, ressig-
nificando valores transmitidos pelo processo de socialização”.
Trouxemos obras de dois artistas brasileiros para ilustrar e pos-
sibilitar um diálogo entre os envolvidos a partir das sensações que as
obras provocam neles. Os artistas foram Ivan Cruz, que retrata nas telas
as suas principais brincadeiras de infância, e complementa dizendo que
“a criança que não brinca não é feliz, ao adulto que quando criança não
brincou falta-lhes um pedaço de coração”; e o artista Candido Portinari,
que também retrata as brincadeiras de infância.
As crianças se identificaram imediatamente com as obras de Ivan
Cruz, ficaram encantadas pelo colorido de suas obras. Como o estágio
contemplou a proposta de estudo sobre o patrimônio cultural, é im-
portante refletir sobre o que diz o Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional sobre a temática, ao afirmar que o patrimônio
cultural

É um conjunto de bens culturais que estão presentes na


história do grupo, que foram transmitidos entre várias ge-
rações. Ou seja, são bens culturais que ligam as pessoas aos
seus pais, aos seus avós e àqueles que viveram muito tempo
antes delas. São os bens que se quer transmitir às próximas
gerações (IPHAN, 2013).

Com este intuito, foi possível desenvolver, dentro da ação educa-


tiva, o estudo dos objetos que registram as brincadeiras de infância de
um povo, que marcam e fundamentam a história individual e social de
um cidadão. No primeiro momento, realizamos uma roda de conversa
sobre suas principais brincadeiras, em seguida apresentamos as obras
dos artistas Ivan Cruz e Portinari e depois colocamos à disposição tin-
tas, pincéis, lápis, papeis e solicitamos que retratassem, com desenho e/
ou pintura, uma de suas brincadeiras favoritas.
Foi um momento revelador porque eles adentraram na proposta e
soltaram a imaginação. Após as obras feitas, realizamos uma exposição

235
para todas as crianças do Programa Mais Educação. Outro momento
marcante foi quando as crianças ficaram maravilhadas com os desenhos,
com as cores, sempre dialogando entre si, dizendo que aqueles desenhos
representavam suas brincadeiras favoritas. E assim fomos instigadas a
refletir sobre como objetos tão simples podem marcar a infância de uma
criança. Os monitores que trabalhavam no Programa Mais Educação
nos agradeceram, pois segundo eles, foi uma oportunidade relevante a
troca de experiência que tiveram conosco.

Estágio Supervisionado em Artes Visuais IV

Este estágio foi a finalização de momentos educativos que foram


significativos na formação docente no contexto do curso de Artes Vi-
suais. Trouxeram-nos aprendizados que ficaram marcados para sempre
em nossas memórias.
A professora supervisora de estágio nos mostrou que, muito mais
que adquirir conhecimento, o que vale é a relação de cumplicidade,
companheirismo, solidariedade entre o aprendiz e seu mestre. Por
que me refiro a ela desta forma? Porque estávamos atravessando um
período muito crítico no andamento do curso, devido a problemas
no sistema de viabilização de verbas para as despesas dos professores
que iriam ministrar as disciplinas finais do curso. Mas ela, com toda a
sua atenção e responsabilidade, entrou em contato conosco para dizer
que, caso arcássemos com as despesas da viagem e alimentação, ela
iria fazer o possível para que acontecesse o estágio, que estava pre-
visto para ser realizado na capital do estado, Belém, já que a proposta
do Estágio Curricular Supervisionado IV era também de conhecer os
espaços culturais, como museus, galerias, ateliês de artistas e centros
históricos, como fonte de conhecimentos artísticos para o campo das
artes visuais. Toda a turma se organizou e confirmou a presença para
o cumprimento da etapa final do estágio curricular supervisionado em
espaços culturais.

236
Fomos muito bem recebidos pela professora, que no primeiro mo-
mento foi nos apresentar o alojamento com as condições básicas para
desenvolver as ações planejadas. Após toda essa calorosa recepção, nós
nos reunirmos para ela nos apresentar a proposta de trabalho do está-
gio, que segundo ela, tínhamos a missão de vivenciar e refletir sobre a
produção artística existente em espaços como museus, galerias, ateliês
de artistas e acervos particulares referentes à catalogação, conservação,
restauro, pesquisa documental e imagens.
Foi uma semana de muito aprendizado. No primeiro dia de tra-
balho, participamos de uma palestra sobre o trabalho educativo nos
espaços do Sistema Integrado de Museus e Memoriais. Esta palestra
inicial nos abriu novos olhares acerca da importância dos espaços
culturais na formação de um arte-educador, que segundo Magalhães
(2012, p. 179), “O desenvolvimento da prática de ensino em espaços
que possibilitem a qualidade na formação do professor no que diz res-
peito à aproximação e à contextualização do conhecimento artístico,
histórico e cultural é sem dúvida fundamental à educação/aprendiza-
gem em arte significativa”.
Acreditamos que uma educação/aprendizagem em arte realmente
tenha que perpassar por estes caminhos contextuais dos espaços cultu-
rais existentes no diálogo constante com as ações educativas.
Dando continuidade ainda ao primeiro dia, visitamos alguns espa-
ços da Secretaria de Cultura do Estado do Pará (Secult), O primeiro foi
o Museu de Arte Sacra, e nos deparamos com imagens que transmitem,
além de beleza, um ar de encontro com a nossa formação religiosa, com
nossa relação com as simbologias que representam a nossa crença num
Deus único e vivo. Também a Casa das Onze Janelas, o Museu do Forte
do Presépio, o Museu do Círio, locais estes que nos mostraram como a
arte está presente na construção da identidade de uma sociedade.
No segundo dia, tivemos a oportunidade de conhecer a Galeria
Fluvial na Ilha do Combú. Arte urbana, nossa, outra experiência mar-
cante. A produção artística de um artista em contato com a natureza,

237
emoção para lá de sensitiva, a mistura do som das águas em contraste
com o som do vento das árvores num deslizar do barco no leito de
um rio. Presenciar imagens que transmitem a história de um povo foi
de uma magnitude surreal. Depois desta experiência, conhecemos a
galeria Gotazkaen, que estava preparando uma exposição sobre sons,
e participamos de uma palestra de como se monta uma curadoria e
exposições de arte.
Conhecemos também o ateliê da artista Drika Chagas, que é gra-
fiteira e nos acompanhou numa visita à Trilha do Grafite: Reduto Walls
(Campina), A Rota Urbana pela Arte (RUA) na Cidade Velha, em Belém.
Quantas imagens significativas e cheias de histórias de vida dos mora-
dores daquelas ruas tivemos a oportunidade de conhecer juntamente
com a própria artista, que nos relatou o significado de cada produção.
O espaço urbano se transmuta em um museu a céu aberto ao dar
visibilidade à arte pública. Oferece edifícios, monumentos, esculturas,
murais, grafites, intervenções artísticas e todo um campo expandido das
artes visuais (FERRARI, 2012, p. 37).
E para finalizar esta semana cheia de aprendizado e histórias de
vida com a arte, conhecemos o Museu de Arte de Belém, o Mabe, que
além de nos proporcionar uma viagem ao tempo na história da for-
mação de Belém, tivemos a oportunidade de prestigiar uma exposição
sobre um memorial do Mestre Nato. Que exposição marcante e forte,
cheia de significados!
Este estágio foi o mais marcante, não só para mim, mas para toda a
turma, pois além do trabalho que realizamos durante o período do está-
gio, nas horas vagas foram registrados momentos de união, cooperação
e solidariedade por parte de cada no que se refere à organização do es-
paço em que estávamos alojados, na partilha de alimentos, palavras de
incentivo, carinho e afeto. E a grande responsável por tudo isso foi nossa
professora supervisora do estágio, que além de transmitir conhecimen-
tos, nos trouxe como lição a arte de respeitar e compreender os limites
de cada ser humano, não importa em quais circunstâncias se encontrem.

238
Considerações finais

A história da arte nunca pode ser um fim em si mesmo, mas deve


sempre ser uma força gerativa. Sua energia surge não apenas de nossa
habilidade em dar várias interpretações ao que vemos, o que está real-
mente à nossa frente, mas de nossa habilidade em assimilar e chegar a
um acordo com o próprio passado, com o qual nosso relacionamento
é uma luta constante. Certamente a luta é inevitável, assim como a
multiplicidade de interpretações, e as opções são desnorteadamente
muitas quando surge a definição da própria história da arte. “É dever
do educador apresentar uma útil seleção de possibilidades” (BARBO-
SA, 2012, p. 39).
Com esta reflexão de Ana Mae Barbosa sobre a força gerativa no
campo da história da arte, e que podemos ampliar para outros conhe-
cimentos no ensinar/aprender arte na educação escolar, concluo meu
relato de experiências vivenciadas nos estágios curriculares supervisio-
nados em Artes Visuais, desenvolvidos e orientados pelas professoras
supervisoras Júnia de Barros Braga Vasconcelos e Márcia de Nazaré Ja-
res Alves Chaves, ambas de uma competência profissional ímpar.
Certamente, de agora em diante terei muito a contribuir com o
ensino de arte no município de Breu Branco-PA, no qual moro e atuo
como educadora. Assim, como disse no início deste relato, minha inten-
ção era perceber quais mudanças e contribuições o estágio trouxe para a
minha formação. Diria que, muito além de conhecimentos básicos para
o desenvolvimento da área, proporcionou-me um novo olhar frente ao
ensino de artes visuais na escola.
Acredito que pensar numa educação em que a arte é importante
no currículo escolar é, antes de tudo, pensar numa educação que dê
ao aluno(a) a chance de poder desenvolver seu potencial de criação,
percepção, produção, de execução de suas atividades, e acreditar que
somos capazes enquanto educadores de desenvolver uma educação na

239
área, voltada para uma educação estética na premissa básica da integra-
ção entre o fazer, a apreciação e a contextualização do ensino de arte na
construção do desempenho artístico dos(as) educandos(as).
Acreditamos que este novo grupo de profissionais que estão se
formando no curso de Licenciatura em Artes Visuais pelo Parfor irão
contribuir para que o ensino de arte dos municípios do sudeste do es-
tado do Pará – Altamira, Baião, Breu Branco, Mocajuba, Novo Repar-
timento e Tucuruí – desenvolvam-se de forma mais coerente com sua
realidade, e se torne de fato um componente curricular obrigatório
na educação básica com as suas respectivas modalidades artísticas na
escola – artes visuais, dança, música e teatro –, visando uma formação
crítica dos educandos.

Referências bibliográficas

AROUCA, Carlos Augusto Cabral. Arte na escola: como estimular um


olhar curioso e investigativo nos alunos dos anos finais do ensino fun-
damental. São Paulo: Editora Anzol, 2012.
BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/educação contemporânea: consonân-
cias internacionais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
BARBOSA, Ana Mae (Org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte.
7. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
BARBOSA, Ana Mae; CUNHA, Fernanda Pereira (Orgs.). A abordagem
triangular no ensino das artes e culturas visuais. 1. ed. São Paulo: Cortez,
2010.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Arte. Brasília: MEC; SEF, 1997.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros curricula-
res Nacionais – Ensino Médio: Códigos e Linguagens. Brasília, 2000.
BRASIL. Ministério da Educação. Manual Operacional de Educação In-
tegral. Brasília, 2013.

240
FERRAZ, Maria Heloisa C. de T.; FUSARI, Maria F. de Rezende. Meto-
dologia do ensino de arte: fundamentos e proposições. São Paulo: Cor-
tez, 2009.
FERRARI, Solange dos Santos Utuari. Encontros com a arte e cultura. 1.
ed. São Paulo: FTD, 2012.
IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Educa-
ção patrimonial: manual de aplicação. Programa Mais Educação. Brasí-
lia, DF: Iphan; DAF; Cogedip; Ceduc, 2013.
MAGALHÃES, Ana Del Tabor. Ensino de arte: perspectiva com base na
prática de ensino. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Inquietações e mu-
danças no ensino da arte. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. Terezinha
Telles. Teoria e prática do ensino de arte: a língua do mundo. São Paulo:
FTD, 2010.

241
SOBRE OS AUTORES

Afonso Medeiros: graduado em Educação Artística/Artes Plásticas pela


Universidade Federal do Pará (1985); especialista em História da Arte
pela Universidade de Shizuoka (Japão, 1988), com monografia sobre a
arte e o design tradicional japonês; mestre em Ciências da Educação/
Arte-Educação também pela Universidade de Shizuoka (1996), com dis-
sertação sobre o ideograma como signo estético; e doutor em Comuni-
cação e Semiótica/Intersemiose na Literatura e nas Artes pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (2001), com tese sobre a gravura ja-
ponesa dos séculos XVIII e XIX como crônica visual, sob a orientação de
Lucia Santaella. Foi bolsista do Ministério da Educação, Ciência e Cultu-
ra do Japão (MONBUSHO, 1986-88 e 1992-96), da Capes (1997-2001 e
2003) e da Fundação Japão (2000), e é bolsista produtividade do CNPq.
Foi membro da equipe de pesquisadores brasileiros e alemães (convê-
nio Capes/DAAD) que efetivou o projeto Relações palavra-imagem nas
mídias, com estágio na Universidade de Kassel (Alemanha), em 2003.
De 1998 a 2000, pesquisou o acervo de gravuras japonesas do Instituto
Moreira Salles, cujos resultados constam em sua tese e em várias publi-
cações. Foi cofundador, vice-presidente e presidente da Associação de
Arte-Educadores do Estado do Pará (Aaepa, 1989-91); vice-presidente
(1990-92) e diretor de assuntos institucionais (2011-12) da Federação de
Arte-Educadores do Brasil (Faeb); presidente (2013-14) da Associação
Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap). Foi coordenador

243
do Núcleo de Artes (2002-05), diretor-geral do Instituto de Ciências da
Arte (2006-10) e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ar-
tes (2010-14) da UFPA; membro do Conselho Superior da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa, 2008-10) e membro do
conselho do Instituto de Artes do Pará (IAP, 2011-14). Dirigiu o Depar-
tamento de Ação Cultural do Município de Belém (Fumbel, 1991-92),
ocasião em que presidiu a comissão de criação do Museu de Arte de
Belém (Mabe). É membro da Associação Nacional de Pesquisadores em
Artes Plásticas (Anpap, Comitê de Teoria, Crítica e História da Arte),
da Federação de Arte-Educadores do Brasil (Faeb) e da Associação Bra-
sileira de Críticos de Arte (ABCA). Também é membro dos conselhos
editoriais das seguintes publicações: Art& (revista digital), Argumento
(SP), Cartema (PE), Desenredos (GO) e do Art Research Journal. Foi
avaliador ad hoc do Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep/MEC) para cursos de Artes Visuais e Design (2005-2009). Autor
de O imaginário do corpo entre o erótico e o obsceno: fronteiras líquidas
da pornografia (PPGCA/FAV/UFG, 2008) e A arte em seu labirinto (IAP,
2013), tem publicado diversos capítulos de livros e artigos, principal-
mente nos seguintes temas: artes visuais, semiótica, cultura japonesa
(artes visuais, teatro, literatura), teorias da arte (filosofia, crítica e histó-
ria) e arte/educação. Organizou o I e o II Fórum Bienal de Pesquisa em
Arte (2002/2004), o 1º e 2º Colóquio Interartes (2010/2011) e os 22º e
23º Encontro Nacional da Anpap (2013/2014). Professor associado de
Estética e História da Arte do Instituto de Ciências da Arte da Universi-
dade Federal do Pará, onde coordena o grupo de pesquisa Arte, Corpo e
Conhecimento, do PPG-Artes/ICA/UFPA/CNPq.

Armando Queiroz: nasceu em Belém do Pará em 1968. É artista visu-


al e técnico em museu. Desde 2003, trabalha no Sistema Integrado de
Museus e Memoriais (SIM/Secult-PA) e faz parte da equipe de pesqui-
sa em arte contemporânea e documentação fotográfica de acervos deste
museu. Sua formação artística se constituiu por meio de leituras, experi-

244
mentações, participações em oficinas e seminários. Em 2013, graduou-se
no curso de bacharelado em Artes Visuais do Instituto de Ciências da
Arte (ICA), da Universidade Federal do Pará. É mestrando no Progra-
ma de Pós-graduação da Escola de Belas Artes da Universidade Federal
de Minas Gerais. De julho de 2008 a janeiro de 2011, foi coordenador
de Curadoria e Montagem deste sistema, que congrega as oito unidades
museais do estado do Pará. Neste ínterim, integrou a equipe de curadores
do Rumos Artes Visuais 2008-2009 (Instituto Itaú Cultural) como cura-
dor assistente, responsável pelo mapeamento da região Norte do país.
Em 2012, foi diretor do Museu da Imagem e do Som do Pará (MIS-PA).
De 2013 a 2015, foi diretor do Espaço Cultural Casa das Onze Janelas.
É membro do Conselho Curador da Associação Fotoativa (PA). Expõe
desde 1993 e participou de diversas mostras coletivas e individuais no
Brasil e no exterior. Integrou projetos como: Macunaíma, em 1997, no
Rio de Janeiro, e Prima Obra, em Brasília, em 2000. Participou do Salão
Arte Pará como artista convidado em 1998, 2005, 2006, 2007 e 2008. Na
cidade de Abaetetuba (PA), em 2003, realizou sua primeira intervenção
urbana no Mercado de Carne Municipal, como resultado do workshop
Projetos Tridimensionais II, promovido pelo Instituto de Artes do Pará
(IAP). Foi bolsista do mesmo Instituto de Artes em duas oportunidades:
com a bolsa de pesquisa Possibilidades do Miriti como Elemento Plástico
Contemporâneo, em 2003, e em 2008, com a bolsa de pesquisa Corpo
toma Corpo, estudos em Videoarte: O Corpo como Intermediador entre
a Vida e a Arte. Sua produção artística abrange desde objetos diminu-
tos até obras em grande escala e intervenções urbanas. Detém-se con-
ceitualmente às questões sociais, políticas, patrimoniais e às questões
relacionadas à arte e à vida. A partir de observações do cotidiano das
ruas, apropria-se de objetos populares de várias procedências, utilizan-
do como referência a cidade e o outro. Foi contemplado com a bolsa de
pesquisa em arte do Prêmio CNI Sesi Marcantonio Vilaça para as Artes
Plásticas 2009-2010. Em 2010, recebeu sala especial no 29º Arte Pará,
como artista homenageado do salão. Em 2011, participa da 16ª Bienal de

245
Cerveira, Fundação Bienal de Cerveira (Portugal) e da III Bienal do Fim
do Mundo, em Ushuaia (Argentina). Em 2012, é artista convidado do
64º Salão Paranaense. Em 2013, participa da XX Bienal Internacional de
Curitiba. Em 2014, participa da 31ª Bienal de São Paulo. Em 2015, parti-
cipa de exibição de videoarte no Pompidou-Metz (França) e do 19º Festi-
val de Arte Contemporânea Sesc Videobrasil, e em 2016, do Amazonian
Video Art em Glasgow (Escócia - UK) e do Festival de Ópera Münchner
Staatsoper (Alemanha). Em 2017, participa como artista convidado do
projeto Refazenda, Belo Vale-MG, uma parceria entre o Instituto Inho-
tim e o Iepha-MG. Vive e trabalha entre Belém e Belo Horizonte.

Arthur Leandro: possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela


Universidade Federal do Pará (1992) e mestrado em Artes Visuais pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). Atualmente é profes-
sor assistente da Universidade Federal do Pará, coordenador da Reata
- Rede Amazônica de Tradições de Matriz Africana, é artista titular do
conselho de beneméritos (ACESB) da Embaixada de Samba do Impé-
rio Pedreirense, conselheiro titular no Conselho Municipal de Políti-
ca Cultural de Belém (representando as artes visuais). Foi membro do
Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) - Mi-
nistério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humano de 2014 a
2016. Foi Conselheiro titular no Colegiado de Culturas Afro-brasileiras
do Ministério da Cultura e conselheiro titular representante das culturas
afro-brasileiras no Conselho Nacional de Política Cultural do Ministé-
rio da Cultura (CNPC-Minc) de 2012 a 2015. Tem experiência na área
de artes, com ênfase em cultura, atuando principalmente nos seguintes
temas: culturas afro-brasileiras, arte contemporânea, linguagens visuais,
vivências, vídeo e intervenção urbana.

Carlos Jorge Paixão: possui graduação em Pedagogia pelas Faculda-


des Integradas do Colégio Moderno (Ficom, 1984); especialização em
Metodologia do Ensino Superior (Unespa, Convênio MEC/Sesu/Capes,

246
1988); especialização em Planejamento e Avaliação Educacional (Fi-
com, 1989); mestrado em Educação (currículo) pela PUC-São Paulo,
1993; doutorado em Educação pela Unesp, 1999; pós-doutorado em
Educação pela FE-Unicamp, sob a supervisão do prof. Dr. Silvio Gam-
boa, 2011-2012. Atuou como pedagogo (funções: adm. escolar no ensi-
no fundamental e prof. de ensino médio) no Departamento de Ensino
Fundamental e Departamento de Ensino Médio da Seduc/PA (1983-
1990). Professor do Curso de Pedagogia da Faed/Iced/UFPA e membro
do corpo docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação do Iced-UFPA, atuando na linha de pesquisa Educação, Cultura e
Sociedade (mestrado e doutorado). Docente com experiência de ensino
e pesquisa na área de Educação, com ênfase em: História da Educação;
Filosofia da Educação; Cultura Epistemológica; Epistemologia e Teorias
da Educação; Epistemologia, Didática e Prática Docente. Grupos de
pesquisa / diretório do CNPq: 1) líder do Grupo de Estudos e Pesqui-
sas Sobre Teorias, Epistemologias e Métodos da Educação - EPsTEM /
UFPA; 2) pesquisador colaborador do Grupo de Estudos e Pesquisas
Paideia, da FE-Unicamp.

Cleofas Alves da Silva: Licenciada em Artes Visuais pelo Parfor-UFPA


(Tucuruí/PA, 2017). Pós-graduada em Gestão, Orientação e Supervisão
Escolar (480 horas, 2012) pela Faculdade Famatec. Curso de Aperfeiço-
amento em Metodologia de Ensino: Prática Pedagógica - Prefeitura de
Altamira Norte Energia. Curso de Língua Portuguesa - formação con-
tinuada para Professores do 6º ao 9º ano do Projeto PDRSX 068/2014,
realizado no ano de 2016, com carga horaria 160 horas em Altamira.

Daniely Meireles: é doutoranda em Artes (UFMG/2016). Mestre


em Artes (UFPA/2012). Especialista em Semiótica e Artes Visuais
(UFPA/2005). Licenciada plena em Educação Artística - Artes Plásticas
(UFPA/2002). Tem experiência na área de Artes, Educação e Filosofia
da Arte, com pesquisa e produção voltadas para as artes visuais, per-

247
cepção, teoria da imagem e cultura visual. É professora de Artes Visuais
na Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará, além de atuar
como docente do curso de graduação em Artes Visuais, no Plano Nacio-
nal de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor). É membro
da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (2014) e da
Federação dos Arte/Educadores do Brasil (2014).

Erasmo Borges de Souza Filho: possui doutorado em Comunicação


e Semiótica pela PUC-SP (2003); mestrado em Educação (1998) e es-
pecialização em Educação (1992) pela Unama-PA; graduação em Ser-
viço Social (1989), licenciatura em Desenho (1982) e Engenharia Civil
(1980) pela UFPA. Professor adjunto III no curso de Artes Visuais, Ci-
nema e Audiovisual, e do Programa de Pós-Graduação em Educação em
Ciências e Matemáticas da Universidade Federal do Pará. Foi professor
titular nos cursos de Comunicação Social, Artes Visuais e Tecnologia
da Imagem, e do Programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens
e Cultura, da Universidade da Amazônia (Unama), no período 1982-
2015. Áreas de atuação: semiótica; artes visuais e tecnologia da imagem;
desenho e ilustração digital; fotografia digital; audiovisual; animação e
multimídia. Pesquisa nas áreas de: etnomatemática; educação indígena;
semiótica na relação cinema e literatura.

Fernanda Sena: é licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal


do Pará (UFPA, 2015). Atualmente é contratada pela Fundação de Am-
paro e Desenvolvimento de Pesquisa (Fadesp) como auxiliar adminis-
trativa para atuar no curso de Artes Visuais do Plano Nacional de For-
mação de Professores (Parfor).

Idanise Sant’Ana Azevedo Hamoy: Doutora em Artes da Escola de


Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais e mestre em
Artes pela Universidade Federal do Pará (2012). Possui especializa-
ção em Semiótica e Artes Visuais pela Universidade Federal do Pará

248
(2005), graduação em Arquitetura pela Universidade Federal do Pará
(1988) e licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes
Plásticas (2007). Atualmente é professora assistente da Faculdade de
Artes Visuais do Instituto de Ciências da Arte da Universidade Fede-
ral do Pará, atuando nos cursos de Artes Visuais e de Museologia nas
atividades curriculares de História da Arte, Arte Brasileira, Educação
Patrimonial e Conservação de Acervos. Membro do Committee for
Education and Cultural Action (CECA) do International Council of
Museums (ICOM). Membro da Associação Nacional de Pesquisadores
em Artes Plásticas (ANPAP). É consultora e pesquisadora nas áreas de
arte e educação, com ênfase em história e crítica das artes e educação
em museus, elaboração de projetos culturais, atuando principalmen-
te nos seguintes temas: história da arte, arte brasileira, educação em
museus, educação patrimonial, conservação preventiva de acervos e
coleções. Coordenadora do Parfor Artes Visuais, desde junho de 2018.

Isis de Melo Molinari Antunes: é doutoranda em Artes da Escola de


Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, com a linha de
pesquisa Preservação do Patrimônio Cultural (orientação da prof.ª
Dr.a Maria Regina Emery Quites). Coordenadora do Plano Nacional
de Formação Docente - Artes Visuais (UFPA). Cronologicamente, é
formada em curso técnico de Auxiliar de Laboratório em Análises
Químicas (1983); licenciatura em Educação Artística na modalidade
de 2º grau pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo (1987), com ha-
bilitação em Desenho e Educação Artística na modalidade de 1º grau
pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo (1986); especialização em
Semiótica e Artes Visuais pela UFPA (Universidade Federal do Pará,
2007); bacharelado em Design com Habilitação em Projeto de Produ-
to pelo Instituto de Estudos Superiores da Amazônia (Iesam, 2009); e
mestrado em Artes pela Universidade Federal do Pará (2011). É pro-
fessora lotada na Faculdade de Artes Visuais da UFPA (Tecnologia em
Produção Multimídia), do Instituto de Ciências da Arte. Tem experi-

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ência na área de artes e design, com ênfase em projeto de produtos e
semiótica. Atua nos seguintes temas: projeto de produto, metodologia
de projeto e linguagens híbridas, ministrando no último ano as dis-
ciplinas de Linguagem e Comunicação, Projeto Multimídia Experi-
mental, Comunicação e Multimídia Integrada e Roteiros Multimídia.
Membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas
(Anpap). Coordenadora da Licenciaturas em Artes Visuais do Plano
Nacional dos Professores da Educação Básica (Parfor) da UFPA, de
dezembro de 2016 a maio de 2018.

Joel Cardoso: pós-doutor em Artes - Literatura & Cinema pela UFF-


RJ; doutor em Letras: Literatura Brasileira e Intersemiótica pela
Unesp-SJRP, SP (2001); mestre em Letras: Teoria da Literatura pela
UFJF (1996); graduado em Letras Modernas - Português/Alemão
(USP), Pedagogia (USP) e Direito (Instituto de Ciências Sociais Vian-
na Jr., Juiz de Fora/MG, OAB: 60295-MG). Especialista em Língua
Portuguesa: Linguística Aplicada (Simonsen, RJ). Professor de música
(piano clássico). Desde 2002, é docente da Universidade Federal do
Pará, onde atua nos cursos de graduação e pós (mestrado e doutorado
em Artes, ICA). Orientou, até o momento, 36 dissertações de mes-
trado; 78 monografias de especialização e 161 trabalhos de conclusão
de curso de graduação. É pesquisador das poéticas da modernidade,
transitando pelas áreas de Letras, Comunicação e Artes, com ênfase
na correspondência entre os diversos signos e linguagens, privilegian-
do as relações entre palavra e imagem (literatura e cinema, TV, teatro,
etc.). Autor do livro Nelson Rodrigues: da palavra à imagem (Intercom,
SP). Organizou, com Bene Martins, os livros Desdobramentos das lin-
guagens artísticas: diálogos interartes na contemporaneidade (UFPA-
PPGArtes, PA) e Dos palcos às telas do cinema (2015, UFPA). Desde
dezembro de 2014, é diretor adjunto do Instituto de Ciências da Arte
da UFPA.

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Luizan Pinheiro da Costa: professor, doutor, artista, músico, poeta, es-
critor, compositor. Nasceu em 1965, na praia de Tamaruteua/Marapa-
nim no Pará. Passou a infância na cidade de Vigia, chegando em Belém
aos 12 anos, trazendo na bagagem a poesia da infância: mato, igarapés,
sol e água. Misturou tudo ao concreto da cidade, e a vida virou de pon-
ta a cabeça. Fez Educação Artística (Artes Plásticas) na Universidade
Federal do Pará - UFPA (1994), mestrado (2003-UFRJ) e doutorado
(2008- UFRJ) em Artes Visuais / História e Crítica da Arte. Tese: Pixa-
ção: Arte Contemporânea. Trafega nas áreas de estética e filosofia da arte,
história da arte, crítica de arte, epistemologia e metodologia de pesquisa
e pesquisa em artes. Professor adjunto da Faculdade de Artes Visuais
FAV/UFPA. Pesquisa arteciência, artecidade, arte e intervenção urbana,
grafite e pixação. Ecreve sobre isso tudo e outros temas afins. Participou
do PPGArtes-ICA/UFPA de 2010 a 2015. Coordenou a licenciatura em
Artes Visuais do Plano Nacional dos Professores da Educação Básica
(Parfor) da UFPA (2010-2016). Coordenou o Programa de Extensão
Coroatá - Incubadora de Empreendimentos Culturais (Proex/UFPA)
de 2014 a 2015 e o projeto de pesquisa Anarcometodogia: o que pode
uma pesquisa em arte. Em 2009, publicou o livro de contos Adolescendo
Solar. Novo projeto de pesquisa: Narrativas de trincheiras: a formação de
professores no Parfor de Artes Visuais nos territórios da Amazônia (2016/
2017), projeto aprovado na faculdade de artes visuais. Foi diretor da
Faculdade de Artes Visuais da UFPA, de 2017 a 2018.

Maria de Lourdes de Siqueira Lima: Licenciada em Artes Visuais pelo


Parfor/UFPA, polo Tucuruí (2017). Brasileira, natural de Pernambuco,
graduanda do Curso de Artes Visuais pela UFPA/Parfor. Formação aca-
dêmica inicial em Pedagogia pela Universidade da Amazônia no ano de
2002 e pós-graduada em Psicopedagogia pela Faculdade de Tecnologia
Equipe Darwin no ano de 2011. Atua na área da educação há 27 anos, e
atualmente exerce a função de gestora de escola pública.

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Raimunda do Socorro Fonseca da Paixão: possui graduação em Pe-
dagogia pela Universidade do Estado do Pará (Uepa, 2004) e gradua-
ção em Artes Visuais pela Universidade Federal do Pará (UFPA, 2016).
Atualmente é assessora técnica do Conselho Municipal de Educação de
Almeirim (CME/ALM) e especialista em Educação - Colégio Estadual
de Ensino Médio Frei Constâncio. Tem experiência na área de planeja-
mento, currículo e avaliação.

Raymundo Firmino de Oliveira Neto: Doutorando e mestre em Ar-


tes pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Bacharel e licencia-
do em Artes Visuais e Tecnologia da Imagem pela Universidade da
Amazônia (2010). Durante a graduação, desenvolveu uma linha de
pesquisa e produção artística envolvendo o diálogo entre as lingua-
gens do vídeo, do cinema e da pintura por meio da crítica genética do
processo de criação de um curta-metragem experimental. Durante o
mestrado, pesquisou, com auxílio da bolsa Capes, o uso da realidade
aumentada enquanto dispositivo para prática artística, estética e polí-
tica dentro do campo da artemídia, por meio de um estudo de caso do
grupo Manifest.AR. Atuante a mais de 5 anos no mercado como mo-
tion designer, generalista 3D, editor e compositor de vídeos artísticos,
publicitários e desenvolvedor de assets para jogos eletrônicos. Além de
possuir conhecimento e prática em animação e desenho tradicional,
possui o domínio das ferramentas After Effects, Cinema 4D, Premiere,
Photoshop e Illustrator. Atualmente pesquisa, pelo próprio processo
criativo, novas possibilidades narrativas de instalação com mídias di-
gitais interativas no espaço aumentado.

Ricardo Augusto Gomes Pereira: possui graduação em licenciatura


plena em pedagogia pela Universidade da Amazônia (1992) e mestrado
em Gestão e Desenvolvimento Regional Pela Unitau (SP, 2008) e mestre
em Educação pela Universidade Federal do Pará (Iced/ UFPA) em 2013.
Doutorando em Educação (PPGED/ Iced/ UFPA). Foi docente substi-

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tuto do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do
Pará; docente da Faculdade da Amazônia, atuando principalmente nos
seguintes temas: desenvolvimento regional, indicadores educacionais,
educação básica, currículo, metodologias de ensino e da pesquisa, edu-
cação, cultura e sociedade.

Rozianne Dantas Delpupo: é professora licenciada egressa do curso de


Licenciatura em Artes Visuais do Parfor, polo Castanhal, da Universida-
de Federal do Pará (2014). Atual diretora da Escola Maria José Peniche
Moura na Cidade de Aurora do Pará.

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