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A guerra nuclear de Guarapari - Uma história s... http://especiais.gazetaonline.com.

br/bomba/

A GU
GUA
Uma hist
tropicais,
riqueza

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AGLISSON LOPES
(ASLOPES@REDEGAZETA.COM.BR)

NATÁLIA BOURGUIGNON
(NBOURGUIGNON@REDEGAZETA.COM.BR)

Uma trama envolvendo negociações secretas, acordos internacionais, disputas


políticas, corrupção e exploração de trabalhadores liga o balneário de Guarapari, no
Espírito Santo, ao programa de produção de armas nucleares dos Estados Unidos
durante e depois da Segunda Guerra Mundial. O pivô de tamanha disputa é
justamente o patrimônio que mais tarde deu fama à cidade por suas propriedades
medicinais: a areia monazítica, rica em elementos radioativos. Essa areia abastecia
as pesquisas de projetos secretos criados pelo governo norte-americano para
acelerar a produção de bombas atômicas, sobretudo no período da Guerra Fria.

A reportagem do Gazeta Online teve acesso a documentos dos governos brasileiro


e norte-americano, pesquisas acadêmicas, notícias de jornais da época e fotografias
de arquivos públicos, que comprovam o envio de areia monazítica de Guarapari e
outros municípios capixabas, do Rio de Janeiro e Bahia para os Estados Unidos –
além de França, Alemanha e Inglaterra – entre as décadas de 1890 e 1960. Muitas
vezes o envio era feito a “preço de banana” ou de forma clandestina, declarada
como areia comum para preencher o lastro dos navios. Esse material, no entanto, é
rico em tório, elemento radioativo muito visado em dois momentos da história:
primeiramente usado para fabricação de luminárias a gás, exportada para a Europa
a partir de 1890, e depois pela indústria nuclear na década de 1940, para
desenvolvimento da bomba atômica.

Nesse caso, o tório virou alvo de cobiça internacional após a descoberta de que
poderia ser produzido a partir dele Urânio 233 (U-233), elemento criado em
laboratório e usado em reatores ou bombas atômicas.

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Retirada e transporte de areia monazítica de Guarapari no início do século XX. O material seguia para
galpões de separação e estocagem, como retrata a imagem da capa, também do mesmo período. Fotos:
Acervo Ufes

Entre boatos e verdades, há quem diga até que a areia monazítica de Guarapari foi
usada para a produção da bomba que caiu sobre a cidade japonesa de Hiroshima,
em 1945, matando cerca de 80 mil pessoas no episódio mais marcante da Segunda
Guerra Mundial. Tal história circulou por diversos jornais e permeou discursos de
figuras políticas brasileiras na década seguinte, a partir das investigações de que
centenas toneladas de areia monazítica saíram do Espírito Santo de forma
clandestina durante décadas a fio. O fato é que não é possível precisar quanto da
areia foi levado durante esse período. Após o escândalo invadir o noticiário,
estimou-se que pelo menos 200 mil toneladas de areia e tório haviam sido retiradas
(legal e ilegalmente) de praias brasileiras em pouco mais de 50 anos. Guarapari era
o principal polo de extração.

TRIGO, SOLDADOS E AREIA


A partir da década de 40, acordos oficiais entre Brasil e Estados Unidos
consolidaram o que já era feito por empresas privadas sem qualquer controle e
fiscalização. Getúlio Vargas se comprometeu a enviar a areia monazítica brasileira
aos americanos, a preços módicos, como parte da “Política da Boa Vizinhança”
entre os dois países.

Parte da elite intelectual brasileira defendia que a matéria-prima fosse mantida no

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país, e que fosse criada uma política nacional para desenvolvimento da tecnologia
nuclear, o que não avançou. Além disso, apesar de inúmeras tentativas, os EUA não
concordavam em compartilhar tecnologia e conhecimento atômico com o Brasil.
Isso acabou gerando um mal-estar político que culminou com a criação de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em 1956, para investigar os interesses
brasileiros em torno dos acordos com os EUA.

(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-content/uploads/sites/9/2015
/07/info1.png)Em outras negociações, foram trocadas toneladas de areia por trigo
americano. Documentos mostram que o acordo favorecia somente a potência
americana. O Brasil chegou a tentar enviar mais tório beneficiado em usinas locais,
como forma de garantir mais lucros. No entanto, em uma manobra política, os
Estados Unidos passaram a taxar a entrada do tório beneficiado em 33%,
inviabilizando o envio por parte do Brasil. A areia monazítica bruta, por sua vez, não

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era taxada.

Em um terceiro momento, o Brasil foi forçado a se decidir entre enviar tropas aliadas
para a Guerra da Coreia, em 1951, ou se comprometer a enviar mais areia
monazítica e outras “matérias-primas estratégicas” para os portos norte-americanos.
Parte da imprensa da época, de forte apelo nacionalista, chegou a tratar o assunto
como um escândalo, com a pergunta “areia ou carne para canhão?”.

Em torno de toda a polêmica, homens ficaram milionários com a exploração da areia


capixaba, enquanto que operários que trabalhavam diretamente com ela sofriam
com baixos salários e jornada exaustiva. Do outro lado do continente, essa areia
alimentava a sedenta indústria nuclear americana durante a Guerra Fria. Bombas de
Urânio 233, produzidas a partir do tório extraído no Brasil, foram lançadas durante
testes em 1956, segundo os arquivos das forças armadas americanas. No entanto,
não há informações sobre quantas bombas foram produzidas e podem estar
armazenadas até hoje em território americano, representando a participação do
Brasil em uma guerra nuclear cujo acesso a informações até hoje é restrito.

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O BARÃO DA MONAZITA

Um só homem foi acusado por grande parte da imprensa brasileira e deputados de


ter faturado milhões de dólares em Guarapari com a extração de areia monazítica
praticamente de graça, durante quase 30 anos, exportando para diversos países do
mundo. Seu nome é Boris Davidovitch.

Natural da cidade de Odessa (então pertencente ao Império Russo, hoje Ucrânia),


Boris era também naturalizado norte-americano, francês e brasileiro. Ele chegou ao
Brasil em 1940 como procurador da “Société Minière”, empresa francesa que já
mantinha a exploração de monazita no Espírito Santo e, em apenas um ano, já era
dono de todo o patrimônio radioativo da cidade de Guarapari. A empresa, que
mantinha uma exploração modesta desde a década de 20, foi transformada, em

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1941, na Mibra – Monazita


Ilmenita do Brasil, o que lhe
rendeu um processo criminal
na França por peculato,
arquivado anos depois por
falta de provas.

Boris possuía diversas


ações na empresa e
conseguiu uma procuração
que daria plenos poderes
sobre a Minière no Brasil. O
russo vendeu a empresa e
abriu uma nova, a Mibra,
usando todo o patrimônio
da Minière, só que com ele
no comando. Por isso, foi
acusado de vender ações
que não eram dele e
(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp- chegou a responder a um
content/uploads/sites/9/2015/07/Boris-Tribuna-da- processo por peculato na
Imprensa-1956.jpg) França, arquivado anos

Boris Davidovitch durante audiência da CPI da energia


depois.
atômica, em 1956. Foto: Tribuna da Imprensa

Davidovitch chegou a possuir


até cinco empresas diferentes no mundo todo relacionadas à extração e
beneficiamento de areia monazítica no Estado e não pagou quase nada de
impostos aos cofres públicos. Em 1955, por exemplo, apesar de já possuir um
império de exportação de monazita, declarou faturamento de apenas Cr$ 15.000,
quantia considerada fora dos padrões para uma empresa mineradora. Os
documentos foram apresentados durante a CPI da Energia Atômica, criada para
investigar o caso em 1956, e da qual Boris foi intimado a depor.

As empresas do barão da monazita cobriam a totalidade do processo de extração e


beneficiamento da areia. A IMOCAP, por exemplo, tratava das concessões de terra,
comprando loteamentos estratégicos que poderiam conter o mineral. Em seguida,

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uma segunda empresa, de tratores, fazia a limpeza do terreno. Outra ainda montava
as instalações e maquinário para o beneficiamento, até que chegava a Mibra, que
ensacava e exportava. Para o transporte era utilizada a CENES, que possuía uma
pequena frota de navios. Além disso, outra empresa de Boris, a Inaremo, fazia o
beneficiamento da areia, extraindo o tório.

Boris Davidovitch também era acionista da “Lindsay Light and Chemicals”, empresa
americana que comprou monazita da Mibra durante vários anos. Ou seja: no final
das contas, o russo vendia dele para ele mesmo com a finalidade de se livrar de
taxações de exportação e outros impostos por parte do governo brasileiro.

Estima-se que Davidovitch tenha revirado mais de 70 quilômetros de praias,


destruindo restingas em Muquiçaba, Castanheiras (Guarapari),  Mãe-bá e Ubu
(Anchieta), e outras praias, deixando apenas crateras no lugar. A empresa conseguia
retirar até 36 toneladas por dia no auge de suas atividades. Durante todos esses
anos, as exportações ocorriam pelos portos de Guarapari, Vitória e Rio de Janeiro.

Até o ano de 1956, ano em que foi instaurada uma CPI na Câmara dos Deputados
para investigar denúncias de corrupção e clandestinidade na extração da monazita,
todo a areia extraída e o tório extraído a partir dela desde o século anterior, além de
outras terras raras, teriam um valor estimado de 227 bilhões de dólares. Enquanto
isso, Boris pagava cerca de Cr$ 0,80 de imposto à prefeitura do município por ano
desde que começou a atuar na cidade, segundo denuncias da própria prefeitura de
Guarapari feitas ao jornal Tribuna da Imprensa (RJ).

As terras raras são 17 elementos químicos agrupados em uma família na tabela


periódica porque ocorrem juntos na natureza e são quimicamente muito
parecidos. Os nomes são: lantânio, neodímio, cério, praseodímio, promécio,
samário, európio, gadolínio, térbio, disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio,
escândio e lutécio.

“Nasci e criei-me aqui. Nunca vi esse homem fazer qualquer coisa em benefício
dessa terra”, protestou ao jornal o prefeito Epaminondas de Almeida, em 1956.
Epaminondas assumiu a prefeitura após seu antecessor, Edizio Cirne, ser afastado
porque deu uma “bofetada” na cara de Boris. O empresário queria brigar na justiça
pela exploração das areias da praia da Areia Preta, mas o prefeito disse que

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defenderia a praia “até debaixo de bala”.

(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-content/uploads/sites/9/2015
/07/Foto9-e1438182603452.jpg)
Barracão da Inaremo, onde o tório era separado da areia

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(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-content/uploads/sites/9/2015
/07/Foto13-e1438182106471.jpg)
Vista da Prainha de Muquiçaba, com o galpão da Mibra à frente, na década de 1940

(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-content/uploads/sites/9/2015

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/07/Foto12-e1438182204656.jpg)
Navio suíço no antigo porto da cidade

O navio Fjord foi um dos mais ativos no transporte de monazita em Guarapari

INVESTIGADO
A influência de Boris Davidovitch se dava além do mundo empresarial. Enquanto um
dos homens mais ricos do país, ele gozava também de boa influência política e
usava métodos nem sempre lícitos para conseguir o que queria.

Na CPI da Energia Atômica de 1956, foram apresentadas correspondências


mostrando que ele subornou juízes e desembargadores para julgar demandas de
terras em que ele estava interessado. O russo, em depoimento, reconheceu a
legitimidade dos documentos.

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Ele também insinuou comprar


os jornais O Globo e Tribuna da
Imprensa para que deixassem
de atacá-lo. “Os jornalistas
ficaram muito insatisfeitos com
o passeio que fizeram e vamos
ter que comprar O Globo e A
Tribuna de Imprensa pra ver se
vão falar alguma coisa”,
escreveu em uma das
correspondências analisadas
pela CPI.

TRABALHO ESCRAVO
Durante a mesma CPI,
deputados, técnicos e
jornalistas visitaram as
instalações da Mibra em
Guarapari e descobriram diversas irregularidades. Faltavam livros de controle e o
fiscal designado pelo Governo não sabia identificar as diferentes areias por cor. O
fiscal sequer tinha autonomia para fiscalizar, visto que morava em um apartamento
bancado pela própria Mibra.

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Notícia de junho de 1956 relata a visita de deputados da CPI da Energia Atômica e jornalistas a
Guarapari, onde constataram indícios de trabalho escravo e falta de fiscalização nas atividades da Mibra.
Fonte: Imprensa Popular / RJ

A denúncia mais grave, no entanto, foi a de trabalho escravo. Segundo relatou a


jornalista Maria da Graça, do periódico carioca Imprensa Popular, “os 27
trabalhadores tinham ausência total de cor nas faces e lábios, magreza doentia,
olhar mortiço, mãos e pés de coloração anormal devido ao constante contato com a
umidade da areia. Todos descalços e semi-nus, vestidos apenas de calções
esfarrapados”. Ela foi uma das repórteres de diversos jornais que acompanharam a
visita da CPI às instalações da Mibra em Guarapari.

Um médico do Ministério do Trabalho verificou as condições insalubres e identificou


anemias, câncer e erosão de pele em muitos trabalhadores.

Na ocasião, o sindicato da categoria explicou à imprensa que os trabalhadores


aceitavam as condições de trabalho porque, fora do verão, a Mibra era a única que
empregava os homens de Guarapari.

Segundo Dr. Antônio da Silva Mello, médico que descobriu e popularizou o uso
terapêutico das areais monazíticas, a Mibra era a única empresa que empregava os
moradores de Guarapari, mas mantinha seus funcionários em condições precárias.
“A Mibra funcionava dia e noite, tendo três turnos de operários que recebiam
salários miseráveis e desconheciam a utilização e para onde era levadas as areias”,
afirmou Silva Mello em seu livro “Guarapari – Maravilha da Natureza”.

Boris também afirmou em depoimento à CPI que exportou cerca de 10.000


toneladas de monazita para os Estados Unidos mesmo depois de uma lei
promulgada em 1951, que proibia a exportação por empresas privadas.

A Lei Federal n°1310 proibiu a exportação de monazita bruta num esforço de


tentar despertar o interesse de empresas nacionais em beneficiar o material.
Assim, os sais de terras raras seriam exportados enquanto o tório,
considerado mineral estratégico, seria mantido no Brasil.

Mesmo com a lei em vigor, as exportações ilegais continuaram.

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MORTE MISTERIOSA
Boris
Davidovitch
faleceu no dia
20 de setembro
de 1960.
Segundo
informações
extra-oficiais,
ele morreu de
infarto após
desembarcar
no aeroporto
Charles de
Gaule, em Paris.

Após a morte de Davidovitch, as atividades da Mibra foram encerradas. A


pesquisadora Beatriz Bueno, autora do livro “Guarapari, muito mais que um sonho
lindo”, conversou com antigos trabalhadores da empresa. Eles relatam que assim
que a morte do barão da monazita foi decretada, houve ordens para queimar todos
os documentos da empresa e enterrar maquinários na areia.

O OUTRO BARÃO
Além da Mibra, outra empresa atuava na extração e beneficiamento de monazita e
ilmenita no Espírito Santo: a Orquima (Indústrias Químicas Reunidas), com sede em
São Paulo. Seu proprietário, Augusto Frederico Schmidt, também foi convocado a
depor na CPI da Energia Atômica, quando se recusou a divulgar os nomes dos
principais acionistas da empresa à época. Schmidt era bastante influente no meio
político, foi assessor direto e amigo pessoal do presidente Juscelino Kubitschek e,
depois, do general Humberto Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura
militar.

Enquanto que a Mibra de Boris concentrava a exploração de monazita ao Sul do


Espírito Santo, a Orquima obteve licença para extração na faixa que seguia de
Vitória até o extremo norte capixaba, em Conceição da Barra, além do Sul da Bahia.
As jazidas com maior atividade ficavam em Carapebus, na Serra, mas também há
registros de retirada de areia até mesmo na Praia do Suá (Vitória), Nova Almeida,
Regência (Linhares) e São Mateus. Mais tarde, a empresa também explorou areias

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de Ponta da Fruta, em Vila Velha.

Mibra e Orquima chegaram a atuar em


conjunto e eram representadas pelo mesmo
advogado. Schmidt dotava de grande
influência internacional e não escondia sua
posição favorável à exportação de terras
raras (como a monazita) por empresas
privadas, mesmo após decretos
presidenciais da década de 50. Augusto Frederico Schmidt, dono da
Orquima, comandava a extração de areia
monazítica no Norte do Espírito Santo e era
O relatório final da CPI da Energia Atômica, um defensor da livre exportação do material
de qualquer modo, acabou por não atingir
criminalmente nenhum dos empresários
denunciados por fraude na exploração de
monazita no Brasil, nem autoridades ligadas aos escândalos de suborno e
corrupção revelados pelas cartas de Boris Davidovitch.

Dados do Departamento do Interior dos EUA mostram o volume de areia extraído em 62 anos pelos
principais produtores. Estima-se que pelo menos o dobro desse total tenha sido transportado
clandestinamente

Ainda assim, o trabalho da CPI ajudou a jogar luz sobre uma atividade que já durava
décadas, com fiscalização precária, denúncias de corrupção e acordos

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internacionais que prejudicavam o Brasil. O relatório final da CPI foi primordial para
criar uma política nacional de energia atômica, embora a maior parte das jazidas de
monazita e outras terras raras já estarem esgotadas na época.

(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-content/uploads/sites/9/2015
/07/Última-Hora-RJ-161019511.png)
Reportagem de Edmar Morel para o Última Hora em 1957 retratava a condição degradante dos
trabalhadores de Guarapari

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(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-content/uploads/sites/9/2015
/07/http-memoria.bn_.brDocReaderDocReader.aspxbib154083_01PagFis28352-
e1440706549847.jpg)
O jornal carioca Tribuna da Imprensa tratou a CPI de 1956 como um escândalo nacional de corrupção

(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-content/uploads/sites/9/2015
/07/http-memoria.bn_.brDocReaderDocReader.aspxbib154083_01PagFis28273.jpg)
O mesmo jornal acompanhou os deputados e constatou que o fiscal do governo não sabia sequer
diferenciar monazita de outras areias

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(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-content/uploads/sites/9/2015
/07/http-memoria.bn_.brDocReaderDocReader.aspxbib221961_03PagFis47000-
e1438183803313.jpg)
O repórter do Diário da Noite, Antenor Novais, viajou a Guarapari para constatar a total falta de controle
na exploração do tório de Guarapari

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Denúncia do deputado capixaba Anibal Soares, representando a ala nacionalista política, de que o tório
chegava a ser mais caro que o ouro nos EUA, mas era declarada a preço de banana pela Mibra no Brasil

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(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-content/uploads/sites/9/2015
/07/http-memoria.bn_.brDocReaderDocReader.aspxbib221961_03PagFis47009-
e1438183085650.jpg)
Reportagem do “Diário da Noite” de 1956 comparava o esquema americano de proteção ao minério com
o descaso em Guarapari na proteção do mesmo patrimônio

Nova reportagem denuncia o aumento do embarque da areia do Espírito Santo, muitas vezes feito
durante a madrugada

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O Última Hora de dezembro de 1956 destacava que a “praia mais famosa do Brasil” estava abandonada
pelo poder público, sem qualquer fiscalização da extração de areia. Diversos jornalistas viajaram para a
cidade para cobrir a polêmica das areias radioativas exportadas sem controle

O PRIMEIRO EXPLORADOR

O potencial das areias monazíticas brasileiras foi descoberto ainda no final do


século XIX. Várias publicações apontam o engenheiro americano John Gordon
como o primeiro a olhar para as areias das praias do sul da Bahia e perceber uma
diferença de coloração com relação a outros lugares do litoral.

Gordon, funcionário da empresa britânica de exportação de café Edward Johnston


& Co., recolheu amostras da areia e as enviou para o professor francês Henrique
Gorceix, fundador e então diretor da conceituada Escola de Minas de Ouro Preto.

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Após análise, Gorceix informou


em relatório que as areias
continham algum tipo de
minério, mas desconhecia
qualquer uso industrial.

De posse do relatório, John


Gordon foi a Europa procurar
interessados em comprar o tal
mineral brasileiro e encontrou o
austríaco Carl Auer von
Welsbach, criador de um sistema de lâmpadas incandescentes a gás que iluminou a
Europa durante vários anos. Ele descobriu que o óxido de tório era o melhor
material para produzir uma luz forte e duradoura, e encontrou em John Gordon o
grande vendedor de areia.

Enquanto a iluminação elétrica ainda dava os primeiros passos na Europa, tanto a


Auer Light quanto diversas outras empresas europeias que fabricavam luminárias a
gás passaram a encomendar areia monazítica para a retirada do tório. Na época, a
maior parte da areia era extraída no balneário de Cumuruxatiba, na região de Prado,
Sul da Bahia.

John Gordon viu uma oportunidade de negócios e conseguiu do governo brasileiro


autorização para mapear e identificar em que locais da costa havia a ocorrência
desse tipo de areia e explorá-la.

A reportagem do Gazeta Online encontrou registros de jornais brasileiros que


relatam, entre 1880 e 1910, atos do Poder Executivo brasileiro concedendo a John
Gordon inúmeras porções de terra com areia monazítica. Há registros também de
acusações contra o americano por ter subornado governantes e tomado terras de
outros homens, sobretudo no Sul da Bahia. Para convencer o governo de que sua
proposta era vantajosa, ele alegava que as areias eram um bem infinito, com grande
potencial de exploração e sem grandes impactos à natureza. Seja por má-fé ou falta
de conhecimento técnico, as autoridades brasileiras acabaram aceitando as
propostas de Gordon, que pagava menos pela posse das terras do que os antigos
donos. Ele também ficou milionário com a exploração.

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AREIA CAPIXABA
A areia monazítica de Guarapari
só foi descoberta em 1898 e,
oito ano depois, foi instalada a
empresa franco-brasileira
Société Minière Industrielle
Franco-Brasilienne.

A “Minière”, que funcionava à


beira do porto de Guarapari –
onde hoje existe uma praça –
retirava areia monazítica da
praia e do fundo do mar e
separava, através de eletroímãs
e lavagem, a monazita
(dourada), a ilmenita (preta), a
(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-
zirconita (cinza) e a granada
content/uploads/sites/9/2015
(vermelha). O material era
/08/Auer_von_Welsbach.jpg)
ensacado e carregado em
O sistema de iluminação a gás criado pelo austríaco Carl
navios com destino à França.
Auer usava óxido de tório, derivado da monazita. A
demanda pela areia brasileira aumentou bruscamente. As
lâmpadas eram usadas na iluminação pública de grande
parte da Europa e também dos Estados Unidos. O principal
vendedor, John Gordon, retirava areia do Sul da Bahia e
CONTRABANDO E fugia dos impostos atuando na clandestinidade. Muitas
vezes encheu navios declarando que a areia serviria
“TESTAS-DE-FERRO” apenas como lastro.

Contando com o monopólio da


exploração de monazita no
Brasil e gerenciando a extração das areias de Cumuruxatiba e Prado, na Bahia, John
Gordon colocava “testas-de-ferro” para liderar a empresa em Guarapari. Diversos
registros, no entanto, colocam em dúvida a legalidade das suas atividades.

Segundo a pesquisadora Beatriz Bueno, John Gordon explorou e exportou


ilegalmente areias monazíticas das praias de Guarapari dentro de navios,
disfarçadas de lastro. “Diversas embarcações que não tinham nada para fazer em
Guarapari estacionavam na nossa praia e pegavam a areia com a desculpa de fazer
peso nos porões. Nós fomos saqueados durante anos”, conta Beatriz. A prática de

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encher navios vazios de areia já era feita por Gordon no Sul da Bahia.

Os navios Mercator e Fijord foram presença fiel no porto de Guarapari durante as


várias décadas de exploração da areia monazítica. O jornal carioca Última Hora, em
reportagem sobre a extração ilegal das areias em 1948, conversou com moradores
de Guarapari que confirmaram que as duas embarcações, a primeira de bandeira
sueca e a segunda norueguesa, aportavam regularmente no cais e eram carregados
com sacos de areia monazítica sem qualquer fiscalização.

No acordo com o Brasil, a


empresa pagava 4% do preço
de exportação ao nosso
governo. Porém, o governo de
Guarapari arcava com parte dos
custos de extração. Sobrava,
então, pouco mais de 1% do
preço da venda para o
município.

Além disso, a areia que seguia


para a Europa e Estados Unidos
eram declaradas a preços três
vezes mais baixos do que o
praticado pelo mercado
internacional. No início do
século XX, o quilo do nitrato de
tório era vendido a US$ 500
nos Estados Unidos. Com a areia brasileira clandestina, o preço caiu drasticamente.

Ao jornal Imprensa Popular, em 1956, o Deputado capixaba José Cupertino de


Almeida denunciou a baixa taxa de impostos cobrados pela exploração da areia
monazítica de Guarapari. “É doloroso registrar que o município de Guarapari possui
uma das maiores reservas de minerais atômicos do mundo e, no entanto, é um dos
municípios mais pobres do país”.

A ORIGEM DO INTERESSE ATÔMICO


Com a popularização da energia elétrica, a partir de 1920, a exportação da monazita
sofreu uma queda, até que as pesquisas sobre energia atômica se intensificaram no

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período da Segunda Guerra Mundial e na Guerra Fria. A monazita foi, então,


recolocada em evidência por conter tório, elemento radioativo do qual é possível
fabricar o urânio-233.

O PROJETO MANHATTAN

(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-content/uploads/sites/9/2015
/07/Teapot_Met_001.jpg)
Bomba de Urânio-233 lançada em 1956 durante testes no deserto de Nevada, nos Estados Unidos

Passados 70 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, não há documentos que


comprovem que a areia monazítica de Guarapari e de outras regiões brasileiras foi

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usada especificamente nas bombas lançada sobre Hiroshima e Nagasaki. Pelo


contrário: sobre esse assunto restam mais provas contrárias, uma vez que o
elemento base da bomba batizada de Little Boy era o Urânio-235 (U-235), e não o
U-233 gerado a partir do tório das areias. Já a bomba que caiu sobre Nagasaki tinha
como base o Plutônio.

De qualquer moddo, o Urânio-233 chegou a ser usado em pesquisas do Projeto


Manhattan, uma iniciativa ultra-secreta voltada para o desenvolvimento de armas
nucleares pelo governo americano.  Oficialmente, bombas de U-233 só foram
produzidas por volta de 1950, durante a Guerra Fria, quando havia um grande temor
por parte dos norte-americanos de que a União Soviética estivesse produzindo suas
próprias armas nucleares.

É aí que a monazita brasileira assume papel estratégico para os EUA. Os


americanos já dominavam a fissão do U-233 e o envio da areia que já acontecia há
anos se intensificou ainda mais.  O alto escalão político do governo de Franklin
Roosevelt tratou de negociar com o governo de Getúlio Vargas para conseguir o
embarque do maior volume possível de monazita para os Estados Unidos. O maior
ponto de extração era Guarapari. Para tanto foram enviados embaixadores e
comissários americanos para conversar diretamente com assessores e ministros de
Vargas. A maior parte das visitas está documentada no livro oficial do Projeto
Manhattan, disponível para consulta no site das Forças Armadas americanas.

A Índia, outro grande proprietário de terras ricas em tório, suspendeu


completamente as exportações para desenvolver sua própria tecnologia
atômica, dez dias após o fim da Segunda Guerra Mundial. Isso ajuda a justificar
o interesse ainda maior dos americanos pela monazita brasileira.

O envio – clandestino ou oficial – perdurou fortemente por pelo menos mais 15


anos. O fato é que o Urânio-233 ganhou destaque em um projeto de pesquisas em
armas nucleares, batizado de Operação Teapot. Ao todo, 14 bombas foram lançadas
em pontos do deserto de Nevada, nos EUA, sendo que algumas tinham como base
o U-233, combinado com Plutônio. Tudo documentado pelo exército, com fotos e
vídeos. O total de bombas desenvolvidas durante o projeto, porém, é
desconhecido.

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Veja um dos vídeos produzidos durante a Operação Teapot

Atom Bomb Test (Only Explosion) - Operation Teapot (1954)

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Teste com bomba de U-233 durante a Operação Teapot, 1955. Todas as fotos desta galeria pertencem
ao Departamento de Estado norte-americano

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Teste com bomba de U-233 durante a Operação Teapot, 1955

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Observadores acompanham o lançamento de bomba no deserto de Nevada

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(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-content/uploads/sites/9/2015
/07/teapot1.jpg)
Destroços analisados após queda de bomba-teste em Nevada, 1955

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Teste com bomba de U-233 durante a Operação Teapot, 1955

A BOMBA BRASILEIRA
A questão nuclear brasileira
começou no primeiro governo
Vargas e refletiu durante muitos
anos o papel do Brasil como
exportador de matérias primas
em detrimento do
desenvolvimento de produtos e
tecnologias.

Apesar do potencial nuclear


das areias monazíticas de
Almirante Álvaro Alberto (ao centro), primeiro representante
brasileiro na Comissão de Energia Nuclear da ONU e Guarapari ter sido descoberto
fundador do CNPq, defendia o intercâmbio de
conhecimento atômico com outros países, ideia fortemente por volta de 1890 por empresas

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combatida pelo governo americano estrangeiras, foi apenas em


1940 que o governo brasileiro
começou a voltar a atenção
para os recursos nucleares do país.

Neste ano foi firmado com os EUA um Programa de Cooperação para a Prospecção
de Recursos Minerais que possibilitou a identificação de depósitos de areias
monazíticas localizados entre São Francisco de Itabapoana (RJ) e Guarapari (ES).

Em 1945, foi assinado o primeiro acordo com os Estados Unidos, que previa um
fornecimento de 5.000 toneladas anuais de monazita e que poderia ser prorrogável
por até dez vezes. Três anos depois, o Conselho de Segurança Nacional denunciou
o acordo alegando que não havia nenhum retorno de benefício claro dos EUA em
troca da monazita. As exportações foram interrompidas demonstrando o primeiro
ato de preocupação do governo visando resguardar as matérias-primas nucleares
existentes no solo brasileiro.

A Lei 1.310 de 1951, que criou o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq),


estabeleceu o monopólio estatal dos principais minérios atômicos, proibindo a
exportação de urânio e tório, a não ser por autorização expressa do governo.

O CNPq, através do almirante Álvaro Alberto, propunha uma política nacional de


energia nuclear com planos de produção de urânio enriquecido, construção de
reatores e busca de apoio científico e tecnológico em outros países além dos
Estados Unidos. Os detalhes do acordo foram descritos pelo pesquisador Kurt
Rudolf Mirow, no livro “Loucura nuclear: os enganos do Acordo Nuclear Brasil
Alemanha”.

Para o CNPq, o material radioativo só poderia ser exportado caso houvesse uma
compensação específica: o material seria trocado por conhecimento tecnológico
para a criação de reatores nucleares. No entanto, essa demanda ia contra a Lei
McMahon dos Estados Unidos, que protegia todos os conhecimentos associados à
energia nuclear.

O almirante passou, então, a procurar e propor acordos com outros países que
fossem mais vantajosos para o Brasil. Ele defendia, notadamente, uma cooperação
com a República Federal da Alemanha, que estava pesquisando uma maneira
alternativa de enriquecimento de urânio.

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Assim, foi feito um acordo secreto com a Alemanha para instalação de três
equipamentos de enriquecimento de urânio no Brasil, apesar da eficácia do método
pesquisado pelos alemães estar longe de ser comprovada.

Após a compra das máquinas e do treinamento de centenas de pesquisadores, a


suspeita se confirmou: o processo por jet-nozzle usado pelos alemães era
altamente complexo, e totalmente inviável para os fins que o Brasil desejava. Uma
sabotagem também prejudicou os planos de Álvaro Alberto: contrários a qualquer
acordo paralelo, os americanos conseguiram barrar o envio das centrífugas alemãs
poucos dias antes do embarque para o Brasil.

Oficialmente, é aí que termina a primeira tentativa do governo brasileiro de adquirir


a tecnologia para a produção de reatores nucleares. No entanto, sempre houve a
suspeita de que o verdadeiro motivo do acordo com a Alemanha era adquirir a
tecnologia para a bomba atômica.

A pesquisadora Tânia Malheiros, autora de “Brasil: A Bomba Oculta – O Programa


Nuclear Brasileiro”, afirma que o governo manteve dois programas nucleares: o
oficial, com fins pacíficos, e o paralelo e sigiloso. Sempre houve facções do regime
que defendiam que a única maneira do Brasil ser respeitado no mundo seria ter a
bomba.

A Constituição de 1988 havia proibido o país de usar a tecnologia nuclear para fins
bélicos, mas o “esforço paralelo” dos militares sobreviveu até 1990, segundo
confirmou mais tarde José Carlos Santana, ex-presidente da Comissão Nacional de
Energia Nuclear no governo Collor.

Para Marcos Tadeu, físico e pesquisador das areias monazíticas de Guarapari,  o


tório capixaba chegou a ser usado nesse esforço paralelo dos militares, mas se
provou pouco eficaz e foi abandonado alguns anos depois.

A suspeita de que o Brasil trabalhava secretamente em uma ogiva nuclear tornou-se


mais intensa na segunda metade da década de 1980. Uma série de reportagens da
mídia nacional revelou aspectos secretos do programa atômico. Isso só fez
aumentar os rumores sobre um possível teste nuclear brasileiro.

A maior comprovação do esforço para criação de uma ogiva nuclear, porém, só veio
no final dos anos 80. O jornal Folha de São Paulo expôs a construção de instalações
subterrâneas que “se prestam a testes nucleares diversos” na Serra do Cachimbo,

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no Sul do Pará. A área era militar, delimitada por decreto durante o governo Geisel.
Na época o presidente José Sarney negou que o espaço fosse utilizado para esses
fins.

Em 1990, porém, em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, Sarney


contou que, ao assumir o governo, descobriu que havia instalações nucleares na
Serra do Cachimbo.

Pouco depois, ele jogou uma simbólica pá de cal num poço de 320 m para testes
nucleares e ordenou sua destruição.

02:50
A pesquisadora Beatriz Bueno explica propriedades das areias de
Guarapari
Gazeta Online

A pesquisadora Beatriz Bueno explica... (http://www.dailymotion.com/video/x30l4oa_a-pesquisadora-


beatriz-bueno-explica-propriedades-das-areias-de-guarapari_news) por GazetaOnline
(http://www.dailymotion.com/GazetaOnline)

O FIM DA EXPLORAÇÃO

A partir da morte de Boris Davidovitch, a exploração de terras raras passou a ter um


controle maior do Estado e a sede da Mibra em Guarapari se transformou na

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empresa Nuclemon, subsidiária da estatal Nuclebrás, criada para concentrar a


exploração desse tipo de material para interesses industriais.

A Nuclemon continuou extraindo areia monazítica e beneficiando seus derivados


por mais de 20 anos, até a década de 80, quando uma nova campanha capitaneada
pelo então prefeito de Guarapari, Graciano Espíndula, propunha o fim definitivo da
exploração da areia na cidade e mais investimentos em turismo e infraestrutura,
tornando o balneário atrativo para tratamento de pessoas com diversas doenças,
sobretudo reumáticas. “Se Cleveland (EUA) é a referência mundial em cardiologia,
Guarapari será referência em reumatologia”, declarou o prefeito em maio de 1983,
em entrevista ao jornal A Gazeta.

(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-content/uploads/sites/9/2015
/08/espindula1.jpg)
O prefeito de Guarapari, Graciano Espíndula, concede entrevista em 1983 ao jornal A Gazeta, dando sua
versão da briga judicial travada pelo fim da exploração de areia na cidade. Entrevista à repórter Maura
Fraga. Foto: Helô Santana

Na época os benefícios das areias radioativas de Guarapari para tratamento de


doenças já eram bastante difundidos, e a cidade recebia turistas de diversas partes
do Brasil e do mundo entre os meses de março e junho. Uma série de reportagens
publicadas por A Gazeta mostrava histórias de gente que buscou Guarapari para se
tratar e acabou adotando o local como residência. Também não faltavam relatos de
pessoas creditando a cura de diversas doenças ao tratamento feito com a areia das
praias.

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O próprio prefeito lembrou que


uma história de infância o
marcou profundamente e serviu
como estímulo para entrar na
briga contra a exploração da
areia na cidade. “Lembro-me
que vi um homem
completamente paralítico
descer de um barco e sendo
transportado para o outro lado
da cidade, quando ainda não
havia a ponte de Guarapari.
Depois descobri que se tratava

Diretor da Nuclemon, Delzo Marques, se posiciona sobre a


do secretário de Estado de
permanência da empresa em Guarapari por mais três anos. Minas Gerais, vítima de
A Gazeta, 7 de maio de 1983
reumatismo crônico, em busca
da cura nas areias monazíticas.
Ele estivera na Europa para
tratamento, sem resultado. Meses depois, vindo da escola, vi aquele homem descer
de um bonde, aqui mesmo em Vitória, sem a ajuda de ninguém, e seguir rua afora.
Essa imagem ficou gravada na minha memória”, declarou Graciano, que se julgava
um profundo interessado nas propriedades medicinais das areias da cidade e era,
por muitos, taxado de sonhador.

Por outro lado, a continuação das atividades da Nuclemon deixava grandes buracos
pela cidade e incomodava autoridades e moradores. A areia extraída na cidade era
enviada para uma usina em São Paulo, de onde se retirava diversos elementos para
fabricação industrial, de eletrodos a fibras de vidro, indústria de lentes, de
televisores, além do próprio tório, de interesse da Comissão Nacional de Energia
Nuclear.

NA JUSTIÇA
O caso foi parar na Justiça Federal após a denuncia da prefeitura de que a a
Nuclemon estava extraindo areia em terrenos ilegais e destruindo trechos da
Rodovia do Sol e de praias onde a exploração já havia sido embargada por leis do
próprio município, como Areia Preta, Praia dos Namorados e Praia do Morro.

Diante da batalha judicial, a Nuclebrás alegou que o trabalho em Guarapari era

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estratégico para os interesses nacionais,


uma vez que somente a cidade capixaba
era responsável por 20% de toda a
produção de minerais pesados do Brasil.
A empresa conquistou o direito de seguir
explorando as areias de Guarapari por
mais três anos, encerrando suas
atividades de uma vez por todas em 1986.

A partir daí, o município consolidou seu


Médico, ensaísta e membro da Academia
lema de “Cidade-Saúde” e passou a Brasileira de Letras, Antonio da Silva Mello é
considerado o maior divulgador das belezas
receber cada vez mais turistas
de Guarapari e das propriedades medicinais
interessados nas areias medicinais. As das areias monazíticas. Vários de seus artigos
circularam o mundo na primeira metade do
praias se urbanizaram e a estrutura século passado
hoteleira melhorou. A cidade incrementou
sua vocação turística e hoje chega a
receber mais de um milhão de visitantes
durante o verão. Talvez parte de um sonho idealizado pelo médico Antônio da Silva
Mello a partir de 1930, de que aquela antiga vila de pescadores guardava um
tesouro para a medicina e para a cura de milhões de pessoas por meio de suas
areias radioativas.

Os artigos de Silva Mello rodaram o mundo, e atraíram estudiosos e curiosos para o


balneário capixaba desde então.

AREIA TRATAVA CÂNCER

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Na França, o laboratório de Marie Curie (1867-1934), ganhadora de um Prêmio Nobel por


seus estudos em radioatividade, foi um dos que usou areia monazítica de Guarapari em
seus estudos

Nos arquivos público franceses, mais de 210 documentos entre cartas, pedidos de
material e recibos ligam a Société Minière Industrielle Franco- Brésilienne,
precursora da Mibra, em Guarapari, a diversos laboratórios franceses e alemães.

A maioria dos contatos são de compra, venda e aluguel de tubos de Tório entre a
empresa e o Institut du Radium, laboratório presidido pela ganhadora do prêmio
Nobel de Química, Marie Curie. Ela e o marido, Pierre, foram responsáveis pela
descoberta da radioatividade e por ter dedicado a vida às pesquisas sobre o uso
terapêutico dos materiais radioativos.

As trocas aconteceram entre os anos de 1911 e 1934.

Segundo o estudo “Marie Curie and the Radium industry” do pesquisador Xavier
Roqué, a partir de 1903 o uso na medicina de materiais radioativos foi popularizado
na França, o que fez aparecer um mercado de extração de materiais radioativos
pelo mundo. O material era usado em centros de tratamento de câncer tanto em
Paris quanto em outras cidades. Na capital Francesa, a Société Minière et
Industrielle Franco-Brésilienne mantinha um escritório no número 20 do boulevard
Montmartre, e uma usina de tratamento de tório e outos materiais radioativos na
cidade de Clichy. Por questões de segurança, nos anos 80, a usina foi demolida e

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enterrada pelo governo francês.

Já os pesquisadores Bernward Joerges e Terry Shinn, autores do estudo


“Instrumentation Between Science, State and Industry”, a Minière foi criada,
inclusive, com a supervisão da pesquisadora Marie Curie para fornecer material e
logística ao seu laboratório, assim como outros laboratórios e empresas da Europa,
principalmente da Inglaterra e Alemanha.

Além da pesquisa, os laboratórios utilizam o tório na fabricação de aparelhos de


radioterapia e de sais luminosos (material fosforescente usado em pinturas e em
agulhas).

Marie Curie visitou o Brasil em 1926, atraída pela fama das águas radioativas do
Termas de Lindóia, em São Paulo. Na época, o local já era conhecido como
terapêutico. Curie visitou o local durante um dia.
A visita às terras brasileiras, no total, durou mais de 40 dias. Madame Curie esteve
em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, onde visitou o primeiro hospital
brasileiro especializado em tratamento de câncer com uso de radiação. Marie Curie
faleceu em 1934, depois de muitos problemas de saúde, provavelmente em razão
da contínua exposição à radiação.

O LIXO NA LATINHA
Afinal, o que teria acontecido com as toneladas e mais toneladas de tório
exportados para os Estados Unidos principalmente durante a Guerra Fria? No final
das contas, o que restou delas agora é encarado como problema de segurança
nacional e opinião pública.

Pouco mais de 1.500 quilos de Urânio-233 criado a partir do tório – e que chegou a
ser testado em bombas e reatores na década de 1950 – está agora armazenado em
latas e tubos em um depósito do governo americano no estado de Tennessee.
Novas tecnologias nucleares mais seguras tornaram obsoleta a pesquisa com
U-233 há várias décadas. Sem serventia, o governo decidiu transportar esse
material para um túnel de armazenamento de lixo nuclear em Nevada, justamente
onde as bombas atômicas eram testadas, perto de Las Vegas.

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A iniciativa, com custo estimado de


500 milhões de dólares, mobiliza a
opinião pública nacional e sobretudo
da população de Nevada, sendo alvo
constante de protestos de ativistas.
No entanto, testes para o transporte
foram iniciados em maio de 2015, e o
envio pode acontecer a qualquer
momento. O urânio-233 armazenado
é considerado de “baixo nível de
risco” pelas autoridades americanas.
(http://especiais.gazetaonline.com.br
/bomba/wp-content/uploads/sites/9/2015 Robert Alvarez, especialista em
/08/Captura-de-Tela-2015-08-05- estudos políticos e consultor do
às-00.56.00.png) Departamento de Energia dos
Exemplos de compartimentos onde o urânio-233 Estados Unidos durante o governo de
está armazenado, sob a forma de pastilhas e óxido,
entre outras. Foto: DOE-USA Bill Clinton, estima que 200 toneladas
de u-233 foram produzidas a partir de
800 toneladas de tório entre 1954 e
1970, nos EUA. O custo dessa
produção pode variar entre US$ 5,5 e US$ 11 bilhões de dólares.

A constatação de diversos especialistas americanos é de que a corrida nuclear


durante a Guerra Fria acabou gerando estoques de matéria-prima e materiais
processados que hoje geram apenas dor-de-cabeça para o governo. Um exemplo
emblemático disso é justamente o tório enviado das praias brasileiras e o urânio de
laboratório produzido a partir dele.

Algumas correntes chegam a especular sobre o perigo desse material radioativo


nas mãos de nações ou grupos com interesses bélicos. Outros cientistas defendem
a teoria de que reatores de tório podem ser soluções viáveis para a geração de
energia elétrica atualmente. De qualquer modo, a constatação de que toneladas e
mais toneladas de areia exportada durante décadas acabam por se tornar um
problema envolvendo latinhas de lixo radioativo é, no mínimo, curiosa.

EM CHICAGO, AREIA FOI USADA EM ATERRAMENTOS


Sede da Lindsay Light & Co, a maior compradora norte-americana da areia
monazítica capixaba, a cidade de Chicago também vive hoje um impasse em

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relação ao que
sobrou da matéria
prima usada pela
empresa, que
utilizou o tório
primeiramente para
fabricação de
lâmpadas e, mais
tarde, foi a principal
fornecedora do
material para os
projetos secretos
(http://especiais.gazetaonline.com.br/bomba/wp-content
de construção de
/uploads/sites/9/2015/08/chicago.jpg)
bombas atômicas.
Vista da região de Streeterville, a oeste de Chicago, onde boa parte do
bairro foi aterrado com areia monazítica ao longo do século XX. Foto; Matt
Reportagens de Howry / Flickr / creative commons
diversos jornais de
Chicago nos
últimos anos relatam que, após feita a separação do tório, a areia que sobrava era
vendida para utilização em aterros. Assim, a região de Streeterville, fortemente
industrializada na época, recebeu toneladas de aterro radioativo para construção de
novos prédios e fábricas. Ninguém sabe exatamente quando a venda da sobre de
areia foi encerrada pela Lindsay Light, mas o bairro passa atualmente por uma
modernização e a construção de novos edifícios residenciais, hotéis e condomínios
de luxo levanta o risco à saúde ao se revirar a areia radioativa.

Em entrevista ao jornal Chicago Tribune,


representantes da Agência de Proteção
Ambiental dos EUA informaram que a
inalação de poeira contaminada por tório
aumenta o risco de desenvolver câncer de
pulmão e pâncreas. Grupos ativistas lutam
há pelo menos 20 anos pelo
(http://especiais.gazetaonline.com.br desenvolvimento de projetos para retirar
/bomba/wp-content/uploads/sites completamente a areia da cidade.
/9/2015/08/Lindsay-Reed-
KepplerPark- Em uma década, uma ação para retirar a
photo_P_20131025162631.jpg) areia contaminada retirou

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Local onde foram depositadas toneladas de 13.500 toneladas do material de diversos


areia pela Lindsay Light Co, a maior
terrenos de Chicago. A areia é enviada para
compradora da areia brasileira. Foto: Illinois
Emergency Management Agency um aterro licenciado a trabalhar com
resíduos radioativos, em Utah. As
multinacionais que assumiram o controle da
Lindsay Light fizeram acordos com a Justiça e se comprometeram a injetar recursos
para auxiliar na limpeza desses terrenos. O custo para retirada de toda a areia é
estimado em US$ 121 milhões. A estimativa de governantes é de que quase 150 mil
toneladas dessa areia foram despejados em terrenos a oeste de Chicago. Não é
difícil presumir que grande parte do polêmico material enterrado em Chicago tenha
sido retirado de Guarapari. Em seu depoimento à CPI da Energia Atômica, Boris
Davidovitch havia declarado que o principal cliente da Mibra era justamente a
Lindsay Light, da qual o próprio Boris possuía participação acionária.

Pelo menos seis regiões de Chicago,


inclusive residenciais, receberam a areia
para aterro. Uma área utilizada pela Lindsay
Light ficou conhecida como “montanha de
tório” pela grande quantidade de material
concentrado. Apesar de boa parte da
limpeza já ter sido efetuada, o impasse
agora fica por conta do destino do lixo Mais de 600 casas cujo solo foi aterrado
com restos industriais de monazita e tório
industrial, e não apenas em Chicago: assim tiveram de ser limpas ao longo da década
como a Lindsay Light, estima-se que pelo passada. Algumas foram desocupadas para
a retirada do solo contaminado. A limpeza
menos outras 15 indústrias atuaram na residencial já foi concluída em Chicago, de
produção de mantas de tório para lâmpadas acordo com o governo local. Foto: Illinois
Emergency Management Agency
em diversos Estados americanos, e tenham
comprado, em quantidades desconhecidas,
areia monazítica no período entre 1900 e
1930.

O grande volume de areia aterrada em Chicago também sugere que a quantidade


exportada pelo Brasil é realmente maior do que as 100 mil toneladas declaradas
oficialmente. Em 1950, reportagem do jornal Chicago Tribune detalhava a
preocupação do setor industrial norte-americano com a possibilidade de uma lei
brasileira proibir a exportação de monazita a partir do ano seguinte. Ouvido pela
reportagem, Charles Lindsay, proprietário da Lindsay Light, detalhou que havia uma
grande corrida pela monazita por conta dos projetos atômicos americanos. Ele

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alegou que o governo brasileiro estaria fazendo pressão para que Lindsay
instalasse uma fábrica no Brasil para tratamento do tório. Ele também declarou ao
jornal que “mantinha um grande estoque de areia monazítica nos Estados Unidos”,
sem citar, porém, a quantidade.

CURIOSIDADES
1. Foi na época de bastante movimento no porto de Guarapari que foram criados
os hotéis Torium, Radium e Monazita. O Radium foi um casino muito
frequentado na década de XX, e símbolo de ostentação da classe mais
abastada do Espírito Santo. Hoje está desativado.
2. Boris Davidovitch é nome de rua na Praia do Morro, em Guarapari, exatamente
a mesma onde funcionava a antiga Inaremo. Não é possível precisar a data
exata da criação da lei, na Câmara dos Vereadores da cidade, que dá à rua o
nome do empresário russo
3. Augusto Frederido Schmidt, além de proprietário da Orquima, que explorava
areia no Norte do Espírito Santo, foi um grande empresário paulista, criador de
uma rede de supermercado e firmas industriais. Ele também é criador do
famoso slogan “50 anos em 5”, usado na campanha de Juscelino Kubitschek
para a construção de Brasília. No entanto, o fato mais curioso é que Schmidt é
um dos poetas mais conhecidos da segunda geração do Modernismo
brasileiro, com três livros publicados. Assim como Boris Davidovitch, morreu
após um infarto fulminante. 
4. O problema da exploração ilegal de areia monazítica também foi denunciado
pela imprensa da Índia, sobretudo por volta de 1990. Reportagens de diversos
jornais relatavam que empresas escondiam o volume de areia retirado,
exportava sem autorização e causava impacto a comunidades em volta das
áreas com maior volume de areia monazítica.
5. A Índia, aliás, que desde o fim da Segunda Guerra Mundial havia proibido a
exportação de terras raras, trabalha atualmente em um reator de tório para
geração de energia. A tecnologia também é visada por países como China e
Irã. A previsão é de que o reator indiano entre em operação a partir de 2018.
6. Em 2013, o Brasil negociou a venda de 16 mil toneladas de Torta II,  resíduo
radioativo proveniente do tratamento químico da areia monazítica. O
comprador foi uma empresa de Taiwan chamada Global Green, que domina

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técnicas para extrair terras raras desse tipo de resíduo. A alegação na época é
de que o Brasil não possui tecnologia para fazer essa extração. O estoque
ficava situado na cidade mineira de Caldas. De acordo com as Indústrias
Nucleares do Brasil (INB), o material é estocado desde 1940.

REFERÊNCIAS
Robert Alvarez (2013): Managing the Uranium-233 Stockpile of the United
States, Science & Global Security: The Technical Basis for Arms Control,
Disarmament, and Nonproliferation Initiatives, 21:1, 53-69; disponível online
(https://dx.doi.org/10.1080/08929882.2013.754311)
Depoimento de Boris Davidovitch à CPI da Energia Atômica de 1956, Diário do
Congresso Nacional, 30 de outubro de 1956, disponível online ( http://goo.gl
/vWr32N)
Uranium Substitute Is No Longer Needed, but Its Disposal May Pose Security
Risk, New York Times, 23 de setembro de 2012, disponível online (https://goo.gl
/Xhsz3S)
U-233 Disposition Project Update, Departamento de Segurança dos Estados
Unidos, 2011, slides disponíveis clicando aqui ( http://www.oro.doe.gov/em/ssab
/Minutes/FY2011/Presentations/U-233ProjectUpdate.pdf )
A Física Atômica no Brasil: da questão das areias monazíticas à CPI de 1956.
Mário Fabrício Fleury
Especial Município A Gazeta -Guarapari – 26 set 1994
A bomba atômica dos militares ( http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-
historia/saiba-quais-sao-segredos-historicos-brasil-706546.shtml) –
Revista Aventuras na História, publicado em 17/8/2011
Instrumentation Between Science, State and Industry
(https://books.google.com.br/books?id=cHArBgAAQBAJ&pg=PT85&lpg=PT85&
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Br%C3%A9silienne&source=bl&ots=4lYFQD3wnY&
sig=QQTvylvuOAryULZid94HW5qntaE&hl=en&sa=X&
ved=0CBwQ6AEwADgKahUKEwiZ-f_Y4orGAhULzIAKHW7NAFQ#v=onepage&
q=Soci%C3%A9t%C3%A9%20Mini%C3%A8re%20et%20Industrielle%20Franco-
Br%C3%A9silienne&f=false) – edited by Bernward Joerges, Terry Shinn, 2001
Guarapari, muito mais que um sonho lindo. Beatriz Bueno, 2012

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“Testes são possíveis há dois anos”, Folha de S.Paulo, São Paulo, 10 de agosto
de 1986
“A bomba atômica no porão”, Veja, São Paulo, n. 792, abril de 1987
“Na cerimônia e nas ruas, átomos de discórdia”, Folha de S.Paulo, São Paulo, 9
de abril 1988
Mineração: Guerra pelas terras raras (http://www2.unesp.br/revista/?p=5066),
Unesp, 09/04/2012
A política nuclear brasileira entre 1945-1964
(http://revistaliter.dominiotemporario.com
/doc/A_politica_nuclear_brasileira_Fabiano_farias_de_souza_(1).pdf ).  Fabiano
Farias de Souza (UERJ)
“Serra do Cachimbo pode ser local de provas nucleares”, 08/Agosto/1986,
Folha de São Paulo
Especial “A Nuclebrás em Guarapari”, Maura Fraga,  Jornal A
Gazeta, 15/05/1983
“Nuclebrás fica em Guarapari por mais três anos”, Jornal A Gazeta, 7/05/1983
Reportagens publicadas pelos jornais Tribuna da Imprensa (RJ), Revista da
Semana (RJ), Diário de Notícias (RJ), Folha Capixaba (ES), Diário da Noite (RJ)
Chicago Tribune, “Brazil acts to bar export of minerals”, 3 de abril de 1950.
Disponível online (http://archives.chicagotribune.com/1950/04/03/page
/51/article/brazil-acts-to-bar-export-of-minerals)
Fluvial Monazite Deposits in the Southeastern United States. Department of
Interior, EUA, 1968. Disponível online (http://pubs.usgs.gov/pp/0568/report.pdf )
The geologic Occurrence of Monazite, Department of the Interior. USA, 1967.
Disponível online (http://pubs.usgs.gov/pp/0530/report.pdf )

A reportagem contou com a colaboração de Anelize Nunes (Cedoc), Arabson


(ilustrações), Marcelo Franco (Ilustrações) e Wing Costa (edição de vídeo)

Publicada em 29/08/2015

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