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História da

Educação Física
Material Teórico
Educação Física: Ruptura e Crise

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Ms. Thelma Hoehne Peres Polato

Revisão Textual:
Profa. Ms. Alessandra Fabiana Cavalcanti
Educação Física: Ruptura e Crise

• Educação Física e os Anos de 1980:


Ruptura e Crise
• Os Anos de 1990: A Educação Física Brasileira Frente
ao Cenário da Regulamentação da Profissão

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Apropriação histórica do contexto social brasileiro e da educação física;
· Compreensão do processo vivido pela educação física no período,
caracterizando-se por sua ruptura e por uma crise paradigmática;
· Apropriação política do debate acadêmico;
· Compreensão do contexto da educação física brasileira frente ao
cenário da regulamentação da profissão.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
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Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
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Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Educação Física: Ruptura e Crise

Contextualização
Como pensar a Educação Física no Brasil? Quais os rumos tomados pela área, a
partir dos anos de 1980? O que este período de ruptura e crise nos ensinou?

Quando pensamos a história da Educação Física, não podemos deixar de citar


o período de ruptura e de crise ocorrido entre o final dos anos de 1970 e o início
dos anos de 1980.

Esse período nos ensinou que a dúvida, o questionamento e a crise são funda-
mentais para pensar a mudança.

Ao se colocar em dúvida o sentido e a função educacional da Educação Física,


os seus objetivos e os seus conteúdos, sua metodologia, sua vinculação única com
o esporte e, principalmente, sua função social na sociedade brasileira do período,
permitiu-se que novas perspectivas fossem apontadas. Permitiu-se, ainda, a
negação de uma Educação Física que não atendida aos interesses gerais de uma
sociedade que lutava pela sua liberdade e pela redemocratização.

Esse deve ser o grande aprendizado, a ideia da dúvida e do questionamento de-


vem sempre acompanhar o professor de Educação Física, que não deve se confor-
mar ou se acomodar com as dificuldades encontradas no exercício da sua profissão.

Eleve sua consciência e nunca desvincule sua ação de sua reflexão, supere o
senso comum, contribua para uma Educação Física capaz de verdadeiramente
participar do desenvolvimento das potencialidades humanas. [...] Só aos humanos
é permitida a percepção de si mesmo, dos outros, dos seus próprios atos, do
mundo e de toda uma realidade que o caracteriza, ao mesmo tempo que pode ser
modificada artificial e intencionalmente por ele (MEDINA, 1993, p. 67).

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Educação Física e os Anos de 1980:
Ruptura e Crise
A década de 1980 representa um período de ruptura e de crise para a Educação
Física brasileira. Ruptura com uma visão de uma prática de educação física
pautada exclusivamente nas ciências biológicas, em que a Educação Física aparece
fortemente vinculada a um objetivo de desenvolvimento da aptidão física e da
iniciação esportiva dos estudantes brasileiros.

Com a ruptura dessa visão biológica, na área da saúde e do esporte, a Educação


Física é então colocada em crise. Começa a haver um forte questionamento sobre o
papel da Educação Física na escola, bem como de seus paradigmas de sustentação.

Ao localizar historicamente a construção desse novo cenário para a área, vale


trazer para o debate o contexto histórico vivido pelo Brasil entre as décadas de
1970 e de 1980.

Convido você a assistir ao documentário 1985 - 30 anos de democracia, publicado em 06 de


Explor

outubro de 2015, pela Univesp TV, em que professores pesquisadores analisam e comentam
o movimento que ficou conhecido como movimento pelas Diretas Já. Você consegue acessar
o vídeo pelo link: https://youtu.be/d8O5jTahTXo

Podemos dizer então, que o país foi marcado, nesse período, pelo processo de
redemocratização e a luta pelo fim da ditadura militar, levando milhares de pessoas
a se manifestarem pelo fim do governo militar e o direito ao voto direto na escolha
de seus governantes.

Figura 1 – Comício pelas Diretas Já na Praça da Sé, em São Paulo, em 25 de Janeiro de 1984
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons

Falando em linhas gerais, o contexto histórico do Brasil nesse período, carac-


teriza-se pela necessidade de ajuste e de retomada da economia brasileira, num
movimento de retorno aos direitos democráticos básicos. Um dos pontos que po-
demos levantar do período são os pacotes anti-inflação criados pelos governos que
seguem após o fim da ditadura militar. Planos econômicos como o Plano Cruzado
de 1986; o Plano Collor, de 1990 e o Plano Real de 1994.

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UNIDADE Educação Física: Ruptura e Crise

Explor
No vídeo: Da redemocratização até nossos dias (De Sarney a Lula), é possível acompanhar,
de forma resumida a transição dos governos democráticos, desde o presidente José Sarney
até o presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva. Disponível em: https://youtu.be/Tg9yGBTgOEg

Temos, em 1988, a publicação da última Constituição Brasileira que apresenta


algumas mudanças, como por exemplo:
• Direito de voto para os analfabetos;
• Voto facultativo para jovens entre 16 e 18 anos;
• Redução do mandato do presidente de 5 para 4 anos;
• Eleições em dois turnos (para os cargos de presidente, governadores e prefeitos
de cidades com mais de 200 mil habitantes);
• Os direitos trabalhistas que passam a ser aplicados, além de aos trabalhadores
urbanos e rurais, também aos domésticos;
• Direito a greve;
• Liberdade sindical;
• Diminuição da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais;
• Licença maternidade de 120 dias e licença paternidade de 5 dias;
• Abono de férias;
• Décimo terceiro salário para os aposentados;
• Seguro desemprego;
• Férias remuneradas com acréscimo de 1/3 do salário.

Devemos lembrar, ainda, de alguns movimentos populares, que de alguma forma


contribuíram com o embate às políticas impostas pelos governos dominantes, como
o movimento sindicalista do ABC, o movimento dos estudantes, principalmente
liderados pela União Nacional dos Estudantes - UNE, o movimento trabalhista,
tendo como uma das lideranças a Central Única dos Trabalhadores - CUT, e no
processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, o movimento
dos caras-pintadas, entre tantos outros que aqui poderiam ser citados.

O mundo também passava por algumas mudanças, como por exemplo, o


processo de globalização econômica e cultural, o fim da Guerra Fria, que tem como
marco a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a criação, em 1991, do Mercado
Comum do Sul – Mercosul, bloco econômico da América do Sul do qual fazem
parte Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Venezuela (hoje não mais pertencente).

Todo esse movimento político e econômico vivido pelo país reflete diretamente
em mudanças na própria Educação Física. A forma de se ver e de se entender
o corpo e o Homem passam a sofrer significativas mudanças do ponto de vista
paradigmático, ou seja, do ponto de vista dos modelos e das visões de Educação
Física até então presentes ao longo da História.

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É consenso na área a importância da década de 1980 para a Educação Física:
inicia-se nesse período a construção de um debate acadêmico-científico; a Educação
Física passa a ser olhada e analisada a partir de outras referências que não vinham só
do conhecimento das ciências biológicas, mas agora também de um conhecimento
advindo das ciências humanas; o paradigma do esporte, da aptidão física e da
saúde passam a ser fortemente questionados; rompe-se com o consenso existente,
passando a haver um conflito em torno dos papéis assumidos pela Educação Física.

Conforme Castellani Filho (1993), as mudanças na Educação Física brasileira


passaram de um olhar simplesmente pautado nas ciências biológicas, para um
olhar, também, pautado nas ciências humanas e sociais. Veja a representação
gráfica abaixo para entender um pouco esse movimento:

Mudanças na Educação Física Brasileira

Questão de natureza Questão de natureza


biofisiológicas político-filosófica

BASE NAS CIÊNCIAS BIOLÓGICAS BASE NAS CIÊNCIAS HUMANAS

Eixo paradigmático Eixo paradigmático


da aptidão física histórico-cultural
(o movimento por ele mesmo) (constatar, interpretar, compreender
e explicar a prática social a partir
de dados da realidade)

Figura 2
Fonte: Adaptado de CASTELLANI FILHO, 1993

Como você pode verificar, ao utilizar-se das reflexões trazidas pelas ciências
humanas, rompe-se com as questões de natureza bio-fisiológicas, que colocam a
Educação Física no eixo paradigmático da aptidão física e do rendimento esportivo
e passa-se a olhar para a área a partir de questões de natureza político-filosóficas,
colocando a Educação Física no eixo paradigmático histórico-cultural, mudança
principalmente sentida no viés pedagógico das análises sobre a área.

Para Castellani Filho (1993) é possível perceber algumas mudanças na área ao


sinalizar que a Educação Física não é mais a mesma, como por exemplo, a bibliografia
presente nos concursos públicos para provimento de cargo de professor, fato que se
percebe, principalmente, a partir da segunda metade da década de 1980; é notável
também nesse período uma significativa mudança nas produções acadêmicas sobre
o esporte, que o colocam como uma prática social, uma manifestação cultural e
histórica e não apenas numa perspectiva de rendimento; assim também acontece
com os debates e temáticas que envolvem os Congressos Científicos do período.
Também como parte dessas mudanças, podemos citar a reforma curricular dos
cursos de Educação Física, ocorrida em 1987.

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UNIDADE Educação Física: Ruptura e Crise

Nesse período, o campo acadêmico da


Educação Física passa a buscar uma renovação
pedagógica, alimentando um debate em
torno do papel ocupado pela Educação
Física na escola. Nesse movimento surgem
novas ideias sobre o papel da Educação
Física que passam pela superação do velho e
a construção do novo, a construção de uma
nova Educação Física.

Medina (1993), no livro A Educação


Física cuida do corpo... e “mente”,
uma das principais obras publicadas no
período, que sinalizam para essa ruptura
da qual estamos tratando nesse texto, traz
considerações do que ele julga serem as
bases para a renovação e a transformação
da Educação Física brasileira. Figura 3

Analise a capa do livro; verifique a ideia passada: tanto o professor de Educação


Física (com apito no pescoço) como seu aluno são colocados como marionetes, ou
seja, como seres humanos e/ou corpos controlados, dominados, domesticados.
Analise também o título do livro, poderíamos entender simplesmente como corpo
e mente, mas ao colocar mente entre aspas, o autor insinua que a educação física
mente (fala uma mentira), ao dizer que cuida do corpo. Já no título e na capa do
livro o autor faz a crítica ao pensamento predominante sobre a Educação Física.

O autor inicia a obra convidando o leitor a repensar com mais seriedade o


problema do CORPO, pois para o autor nós não temos um corpo, nós somos
um corpo. De acordo com Medina (1993), os problemas pertinentes à E.F., ao
comportamento geral do Homem e à sua própria liberdade, estão diretamente
afetos ao sentido humano dado ao corpo. Ao falar da necessidade de dar um sentido
humano ao corpo, percebemos claramente uma ruptura com visões de corpo e de
Educação Física anteriores, em que se considerava apenas o corpo higiênico e
eugênico, o corpo produtivo/corpo máquina, o corpo apolítico e a-histórico.

Ao sugerir que os problemas afetos ao corpo precisam ser repensados, o autor colo-
ca a necessidade de a Educação Física ser colocada em crise para que ela possa evoluir,
[...] uma crise que, através do choque das contradições, amplie as nossas
possibilidades enquanto humanos. Uma crise que, com o tempo, permita
a elaboração de projetos indispensáveis à superação de nossas alarmantes
limitações na direção de uma realização existencial e profissional, pessoal
e coletiva de maior amplitude” (MEDINA, 1993, p.13)

O autor aponta a década de 1980 – pelas características que ela apresentava –


como um momento ideal para a crise, pois entende que em circunstâncias como
essas, de alguma forma são impostas certas medidas de mudanças, ou seja, a

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crise leva a algumas necessidades que vão gerar um processo de reflexão e de
transformação. Para Medina (1993), certos aspectos da realidade ficam com seus
contornos mais nítidos, praticamente na mesma proporção em que as situações
também ficam mais críticas, caracterizando uma crise.

Debatendo acerca das questões que envolvem o corpo e do interesse das pessoas
pelo corpo, e com base na situação social brasileira do período, Medina (1993)
sugere para a Educação Física uma pedagogia revolucionária que faz uma crítica
direta ao processo, denominada pelo autor de domestificação do corpo realizado
até então – a partir de diferentes perspectivas – pela Educação Física brasileira.

O autor questiona e reflete, ainda, sobre a dificuldade da Educação Física se


justificar como disciplina e do papel de seus profissionais nesse processo. Verifique
no trecho a seguir:
Delimitando nossa área de análise à realidade brasileira, podemos dizer
que, no caso da Educação Física, esta tem sido incapaz de justificar a
si mesma quer como disciplina formal e predominantemente educativa,
quer como atividade que auxilie alguns aspectos do desenvolvimento hu-
mano fora da escola e, em especial, no esporte de alta competição ou de
rendimento. Isto se deve, preponderantemente à falta de disposição críti-
ca que tem caracterizado este campo específico do conhecimento. Muito
pouco se tem refletido – pelo menos de maneira séria e profunda – sobre
o real significado de uma cultura do corpo que fundamente a Educação
Física, propiciando por parte de seus profissionais uma atuação coletiva
mais comprometida com um real estado de bem-estar físico, mental e
social de toda uma comunidade nacional [...]. (MEDINA, 1993, p. 68)

O autor ainda complementa:


E quando digo que a Educação Física não é capaz de justificar a si mesma,
ou que não é capaz de encontrar a sua própria identidade, isto na verdade
quer dizer que os seus profissionais não são capazes de justificá-la ou
de dar uma identidade a ela (e por consequência não conseguem defini-
la satisfatoriamente). Trocando em miúdos: quem faz a Educação Física
são as pessoas nela envolvidas de uma forma ou de outra. Assim, as
finalidades, os objetivos, os conteúdos, os métodos e o próprio conceito
dessa disciplina são condicionados pelo grau de consciência individual e
coletiva dos que trabalham nessa área da atividade humana. Portanto,
em função das diferentes visões de homem e de mundo que porventura
possamos ter, diferentes serão as nossas concepções a seu respeito.
(MEDINA, 1993, p. 73)

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UNIDADE Educação Física: Ruptura e Crise

Com o referencial de Paulo Freire, o autor não só estabelece uma crítica e uma
denúncia à Educação Física e aos papéis assumidos por ela, como estende essa
crítica e denúncia ao contexto social e cultural do Brasil e a forma como o corpo é
tratado também nesse contexto, alertando para um problema e para uma questão
que não é exclusiva da Educação Física, mas que faz parte do contexto mais amplo
da sociedade.

De acordo com David (2009, p.1),


Vários foram os impactos deste ensaio, cada um de acordo com a re-
cepção por parte dos diferentes sujeitos políticos da época. Para a ação
militante dentro do contexto de disputas na educação e na sociedade, este
referencial apresentado por Medina foi de suma importância em face da
sintonia com o universo dos movimentos sociais, cuja referência era Paulo
Freire. Esses parâmetros ampliavam o olhar da Educação Física para ou-
tros ambientes e práticas sociais. No campo político-acadêmico, tal obra
ofereceu subsídios para uma ação mais fundamentada (dado a sua origem
dentro da academia), retirando a pressão ideologizada sobre o discurso
militante, uma vez que oferecia conceitos pedagógicos a partir de uma te-
oria reconhecida nacional e internacionalmente. Isso foi estrategicamen-
te oportuno para municiar o processo de combate ao regime militar, as
práticas autoritárias e a alienação presentes no cotidiano da educação e
da escola e a desocultação da imagem conservadora dos professores de
Educação Física no espaço da educação. (DAVID, 2009, p. 1)

Podemos entender que tem início nesse período um processo de superação da


visão a-histórica de Homem e de sua motricidade, de alteração na compreensão
acerca da natureza da atividade corporal, passando a considerar sua dimensão
histórico-social e não somente biológica, e o rompimento com uma visão fragmen-
tada de Homem e de Educação.

O quadro abaixo apresenta um resumo da Educação Física brasileira, a partir das


influências até então estudadas na disciplina.

Tabela 1
Pressupostos teórico-científicos Características gerais
Pensamento Liberal ·· Formação de homens sadios
Ciências Biológicas ·· Agente de saneamento público
Educação Física de Higienismo ·· Criação de padrões de conduta
·· Aptidão física para o combate e para o trabalho
influência Médica e Militar Pensamento Militar ·· Eliminação dos incapacitados físicos
Ciências Biológicas ·· Formação do cidadão-soldado
Eugenia
Pensamento Liberal ·· Educação integral → “corpo e mente”
Escola Nova e Psicopedagogia ·· Transmissão das regras de convívio democrático
Educação Física sob a
Tecnoburocracia militar ·· Caracterização da competição e da superação
influência do Esporte individual
Tecnicismo na Educação
·· Desporto de alto-nível: tecnicismo

Pedagogia Crítica ·· E.F. crítica: ludicidade, cooperação e


Educação Física a partir
Ciências Humanas conscientização
da década de 80 Marxismo ·· O SER aparece como SER social e histórico

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Sendo assim, quando a década de 1980 coloca a Educação Física em crise e
sugere uma renovação, passa a haver na área a formação de um debate acadêmico
que questiona, analisa e sugere novas perspectivas diante daquilo que deve ser
renovado ou transformado na Educação Física.

Comunidade Científica na Educação Física Brasileira


Como dito anteriormente, a década de 1980 protagonizou um movimento de
ruptura e de crise na Educação Física brasileira, bem como, e em função disso,
um movimento de formação do debate acadêmico que foi fundamental para que
as novas perspectivas para a área, as diferentes análises e as críticas que estavam
sendo feitas ganhassem corpo e visibilidade.

Surge então com mais força na Educação Física brasileira uma comunidade
acadêmica que foi palco de muitos embates e debates acerca da Educação Física,
sua relação e seu papel na sociedade.

Segundo Daolio (1998), a construção do debate acadêmico na Educação Física


aconteceu no final dos anos de 1970, em função da disseminação dos discursos
acadêmico-científicos na área.

A ampliação do debate acadêmico científico em torno da Educação Física


se deu principalmente por causa da mudança, como falado anteriormente, dos
pressupostos teóricos que fundamentaram as análises sobre a área, qual seja, a
mudança de uma fundamentação teórica exclusivamente advinda das ciências
biológicas para uma fundamentação teórica advinda também das ciências humanas
e sociais, o que levou a um aumento das explicações científicas sobre o fenômeno
Educação Física.

Num sentido mais amplo, o próprio processo de redemocratização do país permi-


tiu que algumas ideias que esbarravam na crítica ao modelo sócio-político pudessem
ser expostas, principalmente aquelas que buscavam subsídios nas teorias marxistas.

Além disso, de acordo com Daolio (1998) e Betti (1991), a partir do momento
em que se iniciaram os cursos de pós-graduação na área, e quando os primeiros
brasileiros ao buscarem suas qualificações acadêmicas no exterior retornaram ao
país, e vários professores de Educação Física passaram a procurar qualificação
acadêmica em outras áreas, sobretudo nas ciências humanas começaram a
haver mais explicações científicas para a Educação Física, por meio de um maior
embasamento científico e teórico. Houve, ainda, a busca de uma reflexão teórica
e a renovação metodológica.

Além disso, com a redemocratização do país, a partir do final da década de


70, tornaram-se possíveis análises sociais da Educação Física, o que não ocorria
durante a ditadura militar. Pela primeira vez começava-se a vislumbrar uma
comunidade científica da Educação Física brasileira.

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UNIDADE Educação Física: Ruptura e Crise

Houve no período a realização de diversos congressos e eventos científicos


que expunham esses novos questionamentos da área. De acordo com Betti
(1991, p.125),
O questionamento deu-se, por um lado, do ponto de vista acadêmico e
pedagógico, e do ponto de vista institucional, no âmbito das associações
de classe mais progressistas. As conclusões do II Congresso Estadual de
Educação realizado em São Paulo, em 1983 (Associação dos Professores
do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, et alii) diagnosticaram que a
Educação Física tem sido historicamente usada, no Brasil, para reforçar
condutas estereotipadas do homem e da mulher, para contribuir para a se-
gurança nacional e os interesses econômicos vigentes e para a repressão
e a desarticulação do movimento estudantil universitário, o que a desca-
racteriza como prática educativa. O uso da Educação Física para esses fins
“deve-se à sua origem militar e à influência que a categoria de médicos
exerceu sobre a mesma” e levou à formação de “profissionais ingênuos,
despreparados para exercer um legítimo papel educativo e facilmente ma-
nipulados por forças políticas das quais não se tem consciência” [...]

Nesse cenário, a pesquisa científica teve papel fundamental, pois fundamen-


tava teoricamente a mudança, o movimento em torno da ruptura e a renovação
na Educação Física.

Betti (1991) destaca ainda que, na década de 1980, a pesquisa científica na área
passou a receber apoio estatal.
[...] Em 1983, a portaria SEED nº 09/83 criou a Comissão de Pesquisa
em Educação Física e Desportos (COPED), com a finalidade de assessorar
a SEED “em todos os assuntos relacionados ao desenvolvimento de ativi-
dades de pesquisa nos setores de Educação Física, Desportos e Esportes
para todos” [...] A diferença desse apoio agora prestado à pesquisa é que,
ao contrário do período anterior, onde as tensões privilegiaram a área bio-
lógica, abriu-se o leque para outros níveis de análise, como o pedagógico,
o psicológico e o sociológico. (BETTI, 1991, p.127)

Podemos citar duas entidades, mas principalmente a segunda, como sendo as


principais nesse cenário: o Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física
de São Caetano do Sul – CELAFISCS e o Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte – CBCE.

O CELAFISCS foi fundado em 1974, pelo médico Victor Keihan Rodrigues


Matsudo, e tem como objetivo reunir profissionais da área da saúde (fisioterapeutas,
nutricionistas, médicos, profissionais de educação física, etc.) com o propósito de
fomentar a pesquisa na área de Ciências do Esporte. Foi a primeira entidade científica
a dar voz aos profissionais da Educação Física. Antes disso, os pesquisadores da
área eram obrigados a frequentar eventos científicos de outras áreas e, na maioria
das vezes, não tinham espaço para divulgação de seus estudos e pesquisas.

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Por ter como principal foco os estudos na área da aptidão física e do esporte, fal-
tava ainda para a Educação Física um espaço em que o debate acadêmico em torno
do questionamento do papel social assumido pela Educação Física nos anos anterio-
res pudesse ser exposto e as novas ideias pudessem ser apresentadas e debatidas.

Em 1978 é fundado o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte – CBCE que


buscou agregar pesquisadores da área de Educação Física/Ciências do Esporte.

O CBCE foi palco de muitas disputas teóricas e políticas, entre diferentes visões
de ciência, sociedade e educação física. Os eventos e os encontros organizados
pela entidade colocam em evidência os questionamentos necessários, na época,
para o desenvolvimento da Educação Física no Brasil.

Apesar de positivo, Daolio (1997) considera que o debate acadêmico iniciado


no período trouxe também para o cenário uma posição acirrada e muitas vezes
de difícil diálogo entre as diferentes visões de educação física, da ciência e da
sociedade, entre pessoas representantes de linhas teóricas diferentes. De acordo
com o autor,
A proliferação de discursos ocorrida na Educação Física, a partir dos anos
80, embora, a princípio, salutar, proporcionou – e ainda tem proporcio-
nado – intensos debates e rancorosos preconceitos, motivados pelo hábi-
to de considerar as opiniões divergentes como desiguais, ao invés de di-
ferentes. A consequência disso parece ter sido o deslocamento do debate
de um nível público para o âmbito pessoal e, portanto, mais restrito, onde
os representantes de cada discurso da Educação Física procuram mostrar
as vantagens das ideias que defendem, muitas vezes em detrimento da
consideração que todos merecem. (DAOLIO, 1997, p. 183)

Na verdade, essa disputa citada por Daolio (1997, 1998) é marcada também por
um posicionamento perante as mudanças sociais que vinham ocorrendo no Brasil
nesse período. Acreditava-se que o posicionamento teórico, perante a Educação
Física, representava também um posicionamento político diante da realidade
brasileira. Ou se era a favor ou se era contra a ditadura militar e a situação político-
econômica do país e isso deveria aparecer nas contribuições teóricas de cada grupo
para a área.

Podemos considerar que o CBCE foi o principal palco dos debates acadêmicos
que resultaram em uma importante contribuição na crítica ao modelo, quase que
exclusivo, de Educação Física que a conformava a um carácter instrumental. A
partir desses debates, abrem-se as portas para uma Educação Física pautada numa
visão histórica e sociológica preocupada em operar a crítica e sugerir alternativas.
Neste sentido, os anos 80 aparecem como o nascimento de concepções
e de práticas pedagógicas libertadoras, transformadoras, na perspectiva de
desenvolver uma Educação Física voltada para o ser humano e não mais
para as necessidades do capital. As elaborações traziam em seu bojo uma
nova proposta de Educação Física, totalmente diferente de tudo o que havia
sido pensado ou experimentado, visto que a Educação Física que se tinha até
então só servia para a manutenção do status quo. (CAPARROZ, 1997, p. 9)

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UNIDADE Educação Física: Ruptura e Crise

É possível perceber, ao analisar o movimento ocorrido dentro do CBCE como a


área evolui do ponto de vista das suas produções. Um exemplo disso é o tema dos
congressos organizados pela entidade a cada dois anos.
Considerando que o primeiro presidente do CBCE foi Victor Keihan Rodrigues
Matsudo, o mesmo que preside o CELAFISCS, é possível constatar que os primeiros
eventos e debates ocorridos se deram ainda em torno da discussão sobre o esporte
e a aptidão física, porém, de acordo com Daolio (1998). A partir do congresso de
1989, o CBCE passou a ser o maior veiculador de uma tendência “renovadora”,
principalmente às de vieses marxistas.
Veja abaixo os congressos organizados pelo CBCE e perceba a mudança nas
preocupações e nos objetos de análises que permearam e permeiam a área:
• I CONBRACE - 1979 – São Caetano do Sul/SP – A criança brasileira e a
atividade física.
• II CONBRACE – 1981 – Londrina/PR – Esporte no Brasil.
• III CONBRACE – 1983 – Guarulhos/SP – Treinamento Esportivo.
• IV CONBRACE – 1985 – Poços de Caldas/MG – As ciências do esporte na
Nova República.
• V CONBRACE – 1987 – Recife/PE – A criança e o esporte no Brasil.
• VI CONBRACE – 1989 – Brasília/DF – Esporte e mudança na América Latina.
• VII CONBRACE – 1991 – Uberlândia/MG – Produção e veiculação do conhe-
cimento na Educação Física, Esporte e Lazer no Brasil: análise e perspectivas.
• VIII CONBRACE – 1993 – Belém/PA – Que ciência é esta? Memória e
tendências.
• IX CONBRACE – 1995 – Vitória/ES – Interdisciplinaridade, ciência e pedagogia.
• X CONBRACE – 1997 – Goiânia/GO – Educação Física/Ciências do Esporte:
renovações, modismos e interesses.
• XI CONBRACE – 1999 – Florianópolis/SC – Educação Física/Ciências do
Esporte: intervenção e conhecimento.
• XII CONBRACE – 2001 – Caxambu/MG – Sociedade, Ciência e Ética:
Desafios para a Educação Física.
• XIII CONBRACE – 2003 – Caxambu/MG – 25 anos de história: o percurso
do CBCE na Educação Física Brasileira.
• XIV CONBRACE – 2005 – Porto Alegre/RS – Educação Física e Ciências do
Esporte: ciências para a vida.
• XV CONBRACE – 2007 – Recife/PE – Política científica e produção do
conhecimento em Educação Física.
• XVI CONBRACE – 2009 – Salvador/BA – Formação em Educação Física &
Ciências do Esporte: Políticas e Cotidiano.
• XVII CONBRACE – 2011 – Porto Alegre/RS – Ciência & Compromisso
Social: Implicações na/da Educação Física.
• XVIII CONBRACE – 2013 – Brasília/DF – Identidade da Educação Física e
Ciências do Esporte em Tempos de Megaeventos.

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• XIX CONBRACE – 2015 – Vitória/ES – Territorialidade e Diversidade
Regional na América Latina: Suas Conexões com a Educação Física e Ciências
do Esporte.

Daolio (1998), ao apresentar a construção do debate acadêmico da Educação


Física brasileira, faz um delineamento dos autores e dos discursos que caracteriza-
ram esse debate e os rumos tomados pela Educação Física a partir de então. Seu
estudo aponta tendências e abordagens surgidas no campo teórico da Educação
Física do período.

Convido você a ler o capítulo 2 do livro de Daolio, intitulado Educação física


brasileira: autores e atores da década de 1980, para que se aproprie dos
resultados apresentados pelo autor na leitura que faz da construção do debate
acadêmico da Educação Física brasileira, das tendências e das perspectivas surgidas
e dos rumos acadêmicos que passam a existir na Educação Física do Brasil.

Em resumo, o autor identifica a psicomotricidade de Jean Le Boulch, a pedagogia


humanista de Carl Rogers e Skinner, a Ciência da Motricidade Humana de Manuel
Sérgio, a teoria da psicologia sócio-interacionista de Jean Piaget, os estudos sobre
desenvolvimento, aprendizagem e controle motor, de Gallahue e os debates em tor-
no das ideias de Karl Marx, que enfatiza os determinantes histórico, social e político
nas obras publicadas, e as contribuições da fenomenologia de Merleau-Ponty.

A partir dessas influências, a Educação Física foi organizada, do ponto de vista


teórico, em tendências e abordagens.

Do ponto de vista das tendências, Medina (1993) a classifica em três concepções:


a convencional, a modernizadora e a revolucionária. Já Guiraldelli Junior (1988)
a classifica em tendência higienista, tendência militarista, tendência pedagogicista,
tendência competitivista e tendência popular. Por fim, Castellani Filho (1991)
define a Educação Física a partir de três concepções, a que se define com base na
biologização, a que se define com base na psicopedagogização e a educação física
transformadora.

Do ponto de vista das abordagens, entre o final dos anos de 1980 e os anos de
1990, a Educação Física foi classificada a partir das seguintes abordagens:
1. Abordagem Humanista: principal autor – Vitor Marinho de Oliveira;
principal publicação – Educação Física Humanista, de 1985;
2. Abordagem Construtivista: principal autor – João Batista Freira; principal
publicação – Educação de Corpo Inteiro: teoria e prática da educação física,
de 1989;
3. Abordagem Desenvolvimentista: principal autor – Go Tani; principal
obra – Educação Física escolar: fundamentos de uma abordagem
desenvolvimentista, de 1988;
4. Abordagem Crítico-Superadora: principais autores – Lino Castellani
Filho, Celi Taffarel, Valter Bracht; principal publicação – Metodologia do
ensino de Educação Física, de 1992;

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UNIDADE Educação Física: Ruptura e Crise

5. Abordagem Fenomenológica: principal autor – Wagner Wey Moreira;


principal publicação – Educação física escolar: uma abordagem
fenomenológica, de 1991;
6. Abordagem Crítico-Emancipatória: principal autor – Eleonor Kunz;
principal publicação – Educação física: ensino e mudanças, de 1991;
7. Abordagem Cultural: principal autor – Jocimar Daolio; principal publicação
– Da cultura do corpo, de 1995.
8. Abordagem Sistêmica: principal autor – Mauro Betti; principal publicação
– Educação Física e Sociedade, de 1991.

Darido (1998) elabora, em uma de suas publicações, um quadro com as principais


características de cada abordagem. Verifique o quadro:

Tabela 2
Abordagem Abordagem Abordagem Abordagem
Abordagem Abordagem Abordagem
Abordagens Crítico Desenvolvi- Plural/ Crítico
Construtivista Humanista Sistêmica
Superadora mentista Cultural Emancipatória
Principais João Batista Coletivo de Jocimar Vitor Marinho
Go Tani Elenor Kunz Mauro Betti
Autores Freire Autores Daolio de Oliveira
Educação Educação
Metodologia Transformação
Obras e Física: uma Física Educação Educação
Educação de do Ensino Didático-
Abordagem Escolar uma Física Física e
publicações Corpo Inteiro da Educação pedagógica do
Desenvolvi- Abordagem Humanista Sociedade
Física Esporte
mentista Cultural
Sociologia Sociologia e Sociologia e Sociologia e
Área Base Psicologia Psicologia Antropologia
Política Filosofia Filosofia Filosofia
Autores de Jean Piaget;
Saviani e Marcel
Michael Gallahue Habermas Carl Rogers Bertalanfy
Base Libâneo Mauss
Foucault
Promoção do
Finalidades e Historicidade Emancipação
Construção do Transformação crescimento Transforma-
Adaptação da Cultura Crítico
Objetivos Conhecimento Social pessoal dos ção Social
Corporal Pedagógica
alunos
Aprendizagem
Temática Cultura Cultura Aprendizagem Diversidade Cultura do Significativa Cultura
Principal Popular Lúdica Corporal Motora e Pluralidade Movimento e Potencial Corporal
Criativo
História
Cultural das Vivência
Conhecimento Conhecimento
Brincadeiras formas de O jogo, o Corporal:
sobre o jogo, Habilidades sobre os es-
Populares, Ginástica, esporte, a do Jogo, do
Conteúdos esporte, Básicas, Jogo, portes através
Jogo Simbólico Lutas, dança, a Esporte, da
dança, Esporte, Dança do sentido de
e de Regras Danças, ginástica Dança, da
ginástica movimentar-se
Jogos e Ginástica
Esportes
Reflexão e
Aprendizagem Valorização Contextualiza- Não diretiva,
Estratégia Resgatar o Articulação
do, sobre e das diversas ção do sentido Aprendizagem
conhecimento com o Projeto Tematização
Metodológica através do formas de do fazer o Integral para
do aluno Político
movimento expressão esporte a Vida
Pedagógico
Fonte: Adaptado a partir de DARIDO (1998, p.64)

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É importante destacar que para alguns autores, a década de 1980, apesar de
bastante produtiva e positiva para a Educação Física, foi pouco propositiva do
ponto de vista da profundidade das análises necessárias para refletir de fato sobre
as práticas pedagógicas efetivas que vinham acontecendo nas escolas.
Observa-se que a preocupação central dos formuladores dessas
concepções é com a Educação Física escolar. Entretanto, não parecem
estar preocupados em caracterizá-la como componente curricular e sim
versar sobre uma área que, na escola, deve-se pautar nos princípios
norteadores de uma certa concepção. Ou seja, não conseguem promover
uma discussão em torno dos aspectos pedagógicos necessários que
devem ser observados para caracterizá-la como componente curricular.
Parece que esses formuladores, apesar de estarem centrados na Educação
Física escolar, buscam prioritariamente interlocução com a própria
Educação Física, e quando buscam interlocução com a Educação, o fazem
privilegiando as teorias educacionais abrangentes, que conformariam a
atuação concreta da Educação Física escolar, ou ainda das questões de
fundo sociológico e filosófico da Educação. (CAPARROZ, 1997, p. 15)

Fato é que a denúncia e a crítica precisavam ser feitas, para que as mudanças
tão necessárias na área pudessem acontecer. E entre o final de 1970 e início dos
anos 1990 isso aconteceu, e por causa desse período, hoje podemos olhar para
a Educação Física de forma crítica e consciente, bem como, podemos refletir e
dialogar sobre a área a partir de diferentes perspectivas e sobre diferentes aspectos.

Os Anos de 1990: A Educação Física


Brasileira Frente ao Cenário da
Regulamentação da Profissão
Após esse período efervescente, vivido pela Educação Física, chega à área com
mais força o debate sobre a regulamentação da profissão de educação física.

Durante o governo de José Sarney, o debate em torno da regulamentação da


profissão já havia sido feito, chegando a ser tramitado e aprovado na Câmara e no
Senado um Projeto de Lei sobre a regulamentação da profissão e que foi vetado
pelo Presidente com a justificativa de que os professores eram supervisionados e
subordinados ao Ministério de Educação e Cultura - MEC.

Quando surge, em 1987, a elaboração de um parecer que aprova a criação dos


cursos de Bacharelado em Educação Física, caracterizando a atuação em um campo
profissional não regulado pelo MEC, o movimento a favor da regulamentação
da profissão, liderado pelo professor Jorge Steinhilber, conseguiu aprovar, na
Comissão de Constituição e Justiça, o Projeto de Lei nº 330-C, que após algumas
alterações veio se tornar a Lei no. 9.696/98, aprovada pela sanção presidencial,

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UNIDADE Educação Física: Ruptura e Crise

em 1º de setembro de 1998 — que dispõe sobre a regulamentação da profissão de


educação física e cria os respectivos Conselhos Federal e Regionais de Educação
Física – CONFEF e CREFs.
Marco jurídico na transformação da situação da profissão dos educadores
físicos, o CONFEF constitui-se como autarquia de regime especial,
uma entidade civil sem fins lucrativos, com sede e foro na cidade do
Rio de Janeiro, destinado a orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício
das atividades próprias dos profissionais de Educação Física. Com este
texto legal, buscou-se regulamentar o exercício profissional do educador
físico na área de Educação Física e, também, designou o Profissional de
Educação Física como sendo o único que possui prerrogativa para atuar
nesta área, com a condicionante de ser registrado num Conselho Regional
de Educação Física (CREF). (ALMEIDA, et alii, 2009, p. 1)

Na área, os debates sobre a necessidade de criação da lei se dá de forma dividida.


Há o grupo que se organiza em torno do Movimento Nacional pela Regulamentação
do Profissional de Educação Física e há o grupo contrário à regulamentação,
organizado no Movimento Nacional contra a Regulamentação do Profissional de
Educação Física.

No site do Movimento Nacional contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física


Explor

– MNCR você encontra artigos e publicações sobre a questão, bem como materiais jurídicos
que auxiliam os profissionais na análise e na defesa frente às ações do CONFEF e do CREFs. O
site encontra-se no seguinte endereço: https://goo.gl/TOUxlA

Os principais argumentos daqueles que defendiam a regulamentação são os


de controlar/regular quem poderia atuar na área de Educação Física, em uma
clara defesa de mercado de trabalho, a preocupação com a qualidade dos serviços
prestados e das atividades profissionais desenvolvidas na área e a ideia de que o
Conselho Federal e os Conselhos Estaduais trabalhariam na defesa dos usuários
desses serviços, pois os profissionais passariam a atuar de acordo com um código
de ética profissional.

Os principais argumentos daqueles contrários à regulamentação são os de que o


projeto de regulamentação não considera os debates e os avanços teóricos ocorridos
na área acerca de uma concepção de Educação Física, em uma clara tentativa de
retomada da Educação Física por um setor conservador da área. Eles defendem a
ideia de que a regulamentação da profissão apenas legaliza a atuação profissional,
mas não legitima/consolida a Educação Física como profissão. Além disso, eles
apontam que o projeto não foi amplamente debatido na categoria, não sendo
construído de forma participativa, reforçando a ideia de retomada política pelo
setor conservador da Educação Física. Entendem que o projeto de regulamentação
é corporativista e defendem que a ocupação e a atuação nos espaços devem se dar
pela competência e não pela reserva de mercado.

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Para este grupo, a regulamentação é desnecessária, já que já existem mecanismos
legais que podem garantir os direitos dos professores e da sociedade, além de
entenderem que o projeto de regulamentação defendia o trabalho liberal e não os
setores públicos de ensino.

Há ainda uma forte discussão presente na área em torno do processo de


regulamentação da profissão e a atuação dos Conselhos Regionais e do Conselho
Federal. A lei existe, mas o debate em torno dela é grande, principalmente sobre a
obrigatoriedade de registro no Conselho pelos professores licenciados em educação
física e que atuam na área de educação básica, bom como dos profissionais da área
de lutas e artes marciais, de dança e de yoga. O debate e o embate estão longe de
ter fim e de chegar a um consenso.

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UNIDADE Educação Física: Ruptura e Crise

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
Desenvolvimentista
https://youtu.be/nkUFe7RwFZg
Psicomotor
https://youtu.be/JQ2vps_McfM
Saudável
https://youtu.be/z5ZzVVRZiVo
Crítico/ Pós-crítico
https://youtu.be/2xT-gfrMCLE
Debate sobre a Regulamentação Profissional da Educação Física - 1998
https://youtu.be/gpqprjsiWf4

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Referências
ALMEIDA, M. A. B. et. alii. A inserção da regulamentação da profissão de
educação física, dez anos depois: embates, debates e perspectivas. Revista
Movimento, v. 15, n. 3, 2009.

BETTI, M. Educação Física e Sociedade. São Paulo, SP: Editora Movimento, 1991.

CAPARROZ, F. E. Entre a educação física da escola e a educação física na


escola: a educação física como componente curricular. Vitória, ES: UFES, Centro
de Educação Física e Desporto, 1997.

CASTELLANI FILHO, L. Educação Física no Brasil: a história que não se conta.


Campinas, SP: Papirus, 3. ed.,1991.

DARIDO, S. C. Apresentação e análises das principais abordagens da Educação


Física Escolar. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, p.58 – 65, 1998.

DOLIO, J. Educação física brasileira: autores e atores da década de 1980.


Campinas, SP: Papirus, 1998.

GUIRALDELLI JR. Educação Física – a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos


e a Educação Física brasileira. Coleção Espaço, vol. 10, São Paulo, SP: Edições
Loyola, 3. ed., 1991.

MEDINA, J. P. S. A educação física cuida do corpo e... “mente”: bases para


a renovação e transformação da educação física. Campinas, SP: Papirus, 11ª
edição, 1993.

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