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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 3

2 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DAS TEORIAS PEDAGÓGICAS


CONTEMPORÂNEAS ............................................................................................. 4

3 A PEDAGOGIA LIBERTÁRIA E A EDUCAÇÃO INFANTIL.............................. 8

4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INOVADORAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL


CONTEMPORÂNEA ............................................................................................. 14

4.1 Cases de inovação na educação infantil contemporânea ........................ 15

4.1.1 Escola Inkiri ....................................................................................... 20

4.1.2 Escola Projeto Âncora ....................................................................... 21

4.1.3 Escola Pluricultural Odé Kayodê ....................................................... 22

4.1.4 Centro Municipal de Educação Infantil Hermann Gmeiner ................ 25

4.1.5 Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim


Lima..... .......................................................................................................... 27

5 Leitura complementar..................................................................................... 30

5.1 Aprendizagem baseada em problemas (ABP): um método de aprendizagem


inovador para o ensino educativo ...................................................................... 30

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 58

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as
perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão
respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da
nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à
execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da
semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DAS TEORIAS PEDAGÓGICAS
CONTEMPORÂNEAS

Ao longo do século XX, emergiram várias tendências pedagógicas que


procuraram ressignificar o papel da escola na sociedade e as formas como
procurava desenvolver os processos de ensino e aprendizagem, alterando a relação
entre professor e aluno, as avaliações e as metodologias aplicadas. Algumas das
teorias pedagógicas tinham sua base ideológica no capitalismo, sendo
denominadas liberais, constituindo boa parte das tendências que fizeram parte do
movimento da Escola Nova, que surgiu no início do século XX na Europa e nos
Estados Unidos. Outras teorias pedagógicas, porém, emergiram associadas ao
pensamento socialista, sobretudo fundamentadas nas ideias do marxismo, sendo
chamadas de progressistas. As escolas na contemporaneidade podem apresentar
traços característicos dessas duas correntes amplas de pensamento, uma vez que,
muitas vezes, elas ocorrem de forma paralela ou simultânea. Vamos conhecer,
neste primeiro momento, as tendências pedagógicas progressistas, pois suas ideias
estão aliadas ao paradigma educacional emergente na educação escolar, tanto na
educação infantil quanto nas demais etapas da educação básica.

Fonte: https://www.ufsm.br/

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Convém destacar que tanto o pensamento pedagógico tradicional quanto o
liberal consideravam que a escola e a educação realizariam por si só a redenção
dos homens e a sua projeção para uma melhor condição na sociedade, não
julgando necessária a devida crítica às realidades sociais existentes. Sobre o
contexto da época, Silva (2010, p. 29) acrescenta que:

[...] a década de 60 foi uma década de grandes agitações e


transformações. Os movimentos de independência das antigas colônias
europeias; os protestos estudantis na França e em vários outros países; a
continuação do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos; os
protestos contra a guerra do Vietnã; os movimentos de contracultura; o
movimento feminista; a liberação sexual; as lutas contra a ditadura militar
no Brasil: são apenas alguns dos importantes movimentos sociais e
culturais que caracterizam os anos 60.

Foi nesse cenário, onde se buscava a transformação social, por meio da


afirmação de direitos sociais e da resistência de grupos étnicos e culturais excluídos
e marginalizados, que também foram contestados as finalidades e o papel da escola
como instituição social.
Ao analisar as tendências pedagógicas progressistas, Queiroz e Moita (2007)
destacam três autores que, em nível internacional, procuraram evidenciar como
eram ingênuas e insuficientes as concepções de uma escola dissociada do contexto
econômico, social e político da época: “[...] Bourdieu e Passeron (1970) com a teoria
do Sistema enquanto Violência Simbólica; Louis Althusser (1968) com a teoria da
escola enquanto Aparelho Ideológico do Estado; e Baudelot e Establet (1971) com
a teoria da Escola Dualista” (QUEIROZ;MOITA, 2007, p. 12). Podemos acrescentar
nesta lista o pensador inglês Michael Young (1971) e o norte-americano Michael
Apple (1979), bem como, no Brasil, o pensador Paulo Freire (1970), com a obra
Pedagogia do oprimido, conhecida internacionalmente.
Para Libâneo (2002, p. 32), “[...] evidentemente a pedagogia progressista não
tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista; daí ser ela um
instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais”. Assim, os
intelectuais progressistas entendem que a educação deve ocorrer também fora da
escola, em ações típicas da educação não formal. Tais ideias progressistas na área
da educação podem ser divididas entre autores que aderem, em maior ou menor

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grau, aos fundamentos do marxismo, produzindo três principais manifestações
destes pensamentos:
• libertadora;
• crítico-social dos conteúdos;
• libertária.
Vamos aprender sobre a pedagogia progressista libertadora e crítico-social
dos conteúdos neste primeiro momento e, pela sua relevância para a educação
infantil, abordaremos a pedagogia libertária no próximo tópico de aprendizagem.
A tendência progressista libertadora tem como principal expoente o
pensador brasileiro Paulo Freire, que, na década de 1970, escreveu a obra
Pedagogia do oprimido, na qual manifesta seu posicionamento político
fundamentado na teorização marxista. Nas palavras de Freire (2001, p. 31), “[...]
enquanto educador progressista não posso reduzir minha prática docente ao ensino
de puras técnicas ou conteúdos, deixando intocado o exercício da compreensão
crítica da realidade”. Dessa forma, ser capaz de compreender a realidade social em
que vivem poderia fazer os indivíduos se libertarem da condição de oprimidos
estabelecida pelo sistema capitalista. Para atingir esse propósito, Freire destacou-
se nas décadas de 1950 e 1960 na educação não formal de adultos analfabetos,
que veio a ser conhecida como educação popular, sendo hoje vista como a
precursora da educação de jovens e adultos (EJA) no Brasil.
Entendendo que, como educador “[...] nosso papel não é falar ao povo sobre
a nossa visão do mundo, ou tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua
e a nossa” (FREIRE, 2003, p. 87), Freire procurou utilizar como principal método de
ensino o diálogo, e propôs duas ideias opositoras de educação: a educação
bancária e a educação libertadora, também conhecida como problematizadora.
A educação bancária é aquela associada com a pedagogia tradicional, na
qual o professor, detentor de todo o conhecimento, é central no processo de ensino,
“[...] cuja tarefa indeclinável é ‘encher’ os educandos de conteúdos de sua narração”
(FREIRE, 2003, p. 57). Assim, o professor irá transmitir, “depositar” o seu
conhecimento no seu aluno, o qual, por sua vez, receberá esses conhecimentos de
forma passiva.

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Na educação problematizadora, há análise da realidade social em que o
aluno se encontra e, a partir de problematizações dela, por meio de um processo
dialógico entre professor e aluno, ocorre a aprendizagem crítica dos conteúdos que
necessitam ser desenvolvidos. Conforme Paulo Freire (2005, p. 47), “[...] ensinar
não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua própria
produção ou sua construção”. Na educação libertadora, alunos e professores são
sujeitos dos processos de ensino e aprendizagem e ambos aprendem a partir de
suas experiências em sala de aula, quebrando a ideia de verticalidade e imposição
do ensino liberal tradicional.
A tendência pedagógica progressista crítico-social dos conteúdos, segundo
Libâneo (2002), é pautada na ideia de que os conteúdos ensinados na escola
podem ser considerados concretos, reais e vinculados com as realidades sociais
existentes, uma vez que são “[...] conteúdos culturais universais que se constituíram
em domínios de conhecimento relativamente autônomos, incorporados pela
humanidade, mas permanentemente reavaliados face as realidades sociais”
(LIBÂNEO, 2002, p. 39). Assim, admite-se a ideia de que os conteúdos que
compõem as matrizes curriculares seriam reconfigurados e atualizados de acordo
com cada momento histórico vivenciado pela sociedade.
Ao se referirem às ideias dessa tendência pedagógica, Queiroz e Moita
(2007, p. 14) reforçam que a “[...] pedagogia crítico-social dos conteúdos defende
que a função social e política da escola deve se assegurar, através do trabalho com
conhecimentos sistematizados, a inserção nas escolas, com qualidade, das classes
populares, garantindo as condições para uma efetiva participação nas lutas sociais”.
Assim, a tendência crítico-social dos conteúdos retoma a centralidade e a
importância dos conteúdos escolares, entendendo que estes seriam capazes de
fornecer aos indivíduos de classes sociais inferiores as condições de participar de
movimentos pela mudança de sua realidade. Segundo Saviani (2013, p. 420), “[...]
no que se refere às manifestações da prática escolar o esforço se concentrará na
proposição de modelos que permitam estabelecer a relação conteúdo-realidades
sociais”. Assim, a educação teria uma função política e social que poderia promover
a transformação da sociedade.

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Cabe destacar que, para que a aprendizagem ocorra nessa tendência
pedagógica, o professor deve vincular os conteúdos de suas aulas com a realidade
e as experiências dos alunos. Tanto o professor deve compreender como o aluno
se expressa e age quanto o aluno deve entender o que o professor está dizendo.
Dessa forma, os estudantes podem ter uma visão ampliada, mais nítida das
realidades analisadas e estudadas.
Podemos aprender que as tendências pedagógicas progressistas
modificaram a forma de entender a função da escola, rompendo com a ideia de
reprodução do sistema social existente e suas desigualdades, permitindo que o
diálogo se estabelecesse como ferramenta pedagógica e que os estudantes
ampliassem sua capacidade crítica e reflexiva acerca da realidade. No próximo
tópico, vamos analisar a tendência pedagógica progressista libertária, que influencia
diretamente a educação infantil brasileira, principalmente pelas contribuições de
Celestin Freinet.

3 A PEDAGOGIA LIBERTÁRIA E A EDUCAÇÃO INFANTIL

A tendência progressista libertária propõe a ideia de que deve haver a


autogestão na educação, ou seja, ao aluno cabe escolher entre os conteúdos a
serem estudados e a base da aprendizagem se dá pelo movimento político
promovido pelas atividades realizadas em grupo, o que proporcionaria maior
liberdade aos estudantes. Assim, um dos aspectos mais significativos para a
educação escolar seria proporcionar vivência e participação crítica nas ações em
grupo, mais do que os conteúdos que as escolas pretendem ensinar.
Com base no que propõe o educador Michel Lobrot (1971), criador da
expressão pedagogia institucional, Libâneo (2002, p. 27) esclarece que:

Há, portanto, um sentido expressamente político, à medida que se afirma


o indivíduo como produto do social e que o desenvolvimento individual
somente se realiza no coletivo. A autogestão é, assim, o conteúdo e o
método; resume tanto o objetivo pedagógico quanto o político. A pedagogia
libertária, na sua modalidade mais conhecida entre nós, a ‘pedagogia
institucional’, pretende ser uma forma de resistência contra a burocracia
como instrumento da ação; dominadora do Estado, que tudo controla
(professores, programas, provas etc.), retirando a autonomia.

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Na visão de Lobrot (1971), caberia aos professores perceberem que a
burocracia e as normas reguladoras impostas pelos sistemas de ensino também
serviriam para que o domínio e controle do Estado e sua ideologia fossem
assumidos como as verdades institucionalizadas nas escolas, o que faria com que
estas não viessem a ter autonomia alguma. Lobrot (1971, p. 5) destaca que:

A pedagogia institucional define-se como uma pedagogia que permite aos


alunos que tomem ao seu cargo, total ou parcialmente, a sua própria
formação. É uma pedagogia na qual os alunos não são considerados como
objetos sobre os quais vertem-se os conhecimentos e que são obrigados
a estudar, mas como sujeitos que assumem a responsabilidade de
aprender e se formar.

Cabe ressaltar que a tendência progressista libertária emergiu junto com o


momento histórico democrático brasileiro e, por esse motivo, “[...] defende, apoia e
estimula a participação em grupos e movimentos sociais: sindicatos, grupos de
mães, comunitários, associações de moradores, etc., para além dos muros
escolares e, ao mesmo tempo, trazendo para dentro dela essa realidade pulsante
da sociedade” (QUEIROZ; MOITA, 2007, p. 13). Essa tendência foi responsável por
propor o início da criação de espaços de participação democrática da sociedade na
escola, como conselhos escolares, grêmios estudantis e eleição de diretores.

Fonte: https://br.pinterest.com/

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Também merece destaque o fato de que “[...] o professor é um catalisador,
ele se mistura ao grupo, para uma reflexão em comum” (LIBÂNEO, 2002, p. 37). Ao
colocar-se junto ao aluno, o professor procura criar condições para que ele não se
sinta coagido ou oprimido e possa, assim, exercer seus estudos críticos de forma
livre.
Os processos de ensino e aprendizagem na tendência pedagógica
progressista libertária têm como características principais:
• antiautoritarismo;
• experiência;
• coletividade;
• autogestão;
• educação integral.
Os autores dessa tendência pedagógica, entre eles Freinet, se opunhamao
caráter autoritário e centralizador do professor na pedagogia tradicional,
entendendo que, para que possa ocorrer a autogestão por parte do aluno, deve
haver uma relação não diretiva, que promova a autonomia dos estudantes.
Outra característica fundamental dessa abordagem consiste em valorizar a
experiência dos estudantes como método principal de produção da sua
aprendizagem. Freinet (1977, p. 28) exemplifica como deveria ocorrer esse
processo:

O processo é realmente infalível, mas pressupõe uma reviravolta total da


técnica educativa; em vez de situarmos no início da aprendizagem o
estudo sistemático das leis e das regras, inserimos a tentativa experimental
da criança num meio rico, acolhedor e propício, que lhe oferece flores
perfumadas com que fabricar o seu mel. O estudo das regras e das leis só
virá mais tarde, quando o indivíduo tiver transformado as suas experiências
em indeléveis técnicas de vida.

Desse modo, podemos perceber o quanto o caráter experiencial e um


ambiente educacional acolhedor e estimulante são decisivos para os processos de
ensino e aprendizagem nessa perspectiva. Tais aspectos fazem muitas iniciativas
da educação infantil até os dias atuais serem embasadas nas ideias freinetianas,
afinal, em escolas e salas desse nível de ensino costumamos encontrar ambientes
ricos, acolhedores e altamente estimulantes para o desenvolvimento das crianças.

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Outra ideia potente do pensamento de Freinet, que ainda hoje está em
evidência nas escolas de educação infantil, é a consideração de que a escola deve
ser uma extensão da família, da comunidade. Dessa forma, busca-se o
envolvimento direto da comunidade com os afazeres cotidianos escolares, com os
seus projetos e com a sua estrutura. Algumas técnicas amplamente utilizadas na
educação escolar — como as aulas passeio, em que o professor conduz suas
turmas para explorar ambientes externos à escola e aprender a partir deles, bem
como a utilização da escrita de cartas/correspondência entre alunos e escolas, e a
construção de murais de comunicação na escola e jornais a circularem no âmbito
da comunidade escolar —, são originárias do educador.
Freinet entendia que as crianças aprendem pelo que denominava de
tateamento experimental, ou seja, elas formulam hipóteses sobre as coisas (fatos e
fenômenos) com as quais se deparam e, assim, procuram testar a sua validade.
Logo, a escola deveria oferecer condições para que isso ocorra, sendo que a
biblioteca deveria existir para dar esse tipo de suporte aos estudantes.
O educador preocupa-se também com as avaliações escolares, entendendo
que elas deveriam superar o caráter meritocrático e classificatório das pedagogias
liberais tradicionais, envolvendo um processo de autoavaliação. De acordo com
Imbernón (2012, p. 84), Freinet propunha uma alternativa avaliativa composta pelos
elementos apresentados figura 1.

Figura 1. O percurso avaliativo para Freinet.

Fonte: Adaptado de Imbernón (2012).

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Valendo-se do uso de atividades práticas, cooperativas e processuais,
Freinet, assim como a maioria dos educadores progressistas libertários, substitui a
execução de provas pontuais pelo uso de representações gráficas elaboradas pelos
estudantes como forma de autoavaliarem e acompanharem os seus respectivos
níveis de aprendizagem ao longo do processo.
Muitas são as contribuições de Freinet para a educação infantil e que têm
sido aplicadas pelos professores no cotidiano. Entre elas podemos citar a própria
organização das salas de aula, com a proposta de materiais ricos e acolhedores:

Para se preparar de maneira adequada, as crianças precisam estar, pois,


num ambiente rico e ‘auxiliante’, em que possam entregar-se a essas
experiências tateadas (quando dizemos ricos, não consideramos em
absoluto a situação pecuniária dos pais – que não é uma condição
suficiente), mas a quantidade, a variedade e o interesse das atividades
funcionais que esse meio possibilita à criança para a construção de sua
personalidade. (FREINET, 1965, p. 19).

Um ambiente rico em estímulos, associado aos interesses e possibilidades


de escolha (autogestão) das crianças, com foco em seu desenvolvimento integral e
relacional, para além das questões cognitivas, era a proposta de Freinet. Tais ideias
ainda hoje costumam estar presentes nos projetos pedagógicos das escolas infantis
e na práxis dos educadores.
Além disso, podemos incluir nas contribuições os fundamentos da
autoavaliação e da avaliação processual, que permitem às crianças expressar e
elaborar seus pensamentos e, aos professores, registrarem os percursos e
avanços. Conforme afirma Freinet (1965, p. 34):

Depois de ter colocado a criança em seu espaço e situação de criação e


de trabalho, a educadora deve ouvi-la falar, estimulá-la nas direções que
lhe parecem favoráveis; ela anotará o essencial de suas palavras e
realizará, assim, um texto que será como que a emanação superior, a
sintetização e a fixação mágica de um pedaço de vida. As crianças são
extraordinariamente sensíveis a isso e a emoção que daí resultará será a
primeira manifestação verdadeiramente intelectual.

Oportunizar às crianças que se comuniquem junto ao grupo, que elaborem


seu pensamento e hipóteses acerca do mundo, por meio do registro de seus
comentários e expressões por parte do professor, costuma fazer parte de muitas
rotinas em turmas de educação infantil no Brasil e no mundo. Como exemplo,
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podemos destacar as rodas de conversa, bom como a construção de documentos
avaliativos com a participação dos alunos, em composições de livros da vida ou
portfólios.
Warschauer (1993, p. 56), ao referir-se à importância dos documentos
produzidos pelos professores acerca das atividades e avanços realizados pelos
alunos das turmas de educação infantil, acrescenta que “além de favorecer a
reflexão, o registro possibilita a construção da memória e da história, enfatizando o
papel do diálogo e da experiência grupal na formação”. Assim, por meio da
construção de portfólios ou dos chamados livros da vida freinetianos, cada criança
constrói sua história, com o uso do diálogo, da participação e da colaboração
coletiva. A autora ressalta, ainda, que esse registro pode ser visto como:

[...] possibilidade de formação, de reflexão, de introversão, tendo em vista


a compreensão, busca de sentido para a ação cotidiana em sala de aula.
O registro é um grande instrumento para a sistematização e organização
dos conhecimentos. É também uma possibilidade de que a roda não se
feche em si mesma, mas se abra para o mundo. Através de textos, os
conhecimentos ali gestados podem, por exemplo, atingir outros grupos.
(WARSCHAUER, 1993, p. 56).

Freinet entendia que as rodas de conversa, por possibilitarem a expressão e


a elaboração de ideias junto ao coletivo, permitiam que as crianças expandissem
suas possibilidades de análise e interpretação das experiências que vivenciavam.
Enquanto o professor preparava condições para que isso ocorresse, cabia a ele
observar, registrar e documentar tais acontecimentos.
Barbosa e Horn (2008, p. 114) alertam, porém, que “[...] não basta
agruparmos e organizarmos materiais produzidos na sala de aula. [...] eles só têm
sentido se o educador puder apreciá-los, analisá-los, interpretá-los, contextualizá-
los, construindo um sentido para essas produções”. É a partir da análise de tais
registros, documentados no portfólio, que tanto as crianças quanto os educadores
têm acesso à aprendizagem que ocorreu. Assim, o portfólio também pode servir de
base para ajustes, ou mesmo correções que se fizerem necessárias, nas
metodologias aplicadas em sala de aula, podendo contemplar as necessidades
específicas de cada aluno, e não mais buscando uma aprendizagem universal e
que ocorra no mesmo ritmo para todos.

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No próximo tópico, vamos aprender sobre algumas escolas de educação
infantil consideradas inovadoras na contemporaneidade, onde você poderá
perceber o quanto essas ideias propostas pela pedagogia libertária e seus autores
progressistas ainda se apresentam de forma potente, compondo o paradigma
educacional emergente da educação infantil.

4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INOVADORAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL


CONTEMPORÂNEA

O paradigma educacional da educação infantil contemporânea foi sendo


construído a partir da emergência de novas tendências pedagógicas ao longo do
século XX, que possibilitaram uma reconfiguração nas escolas de educação infantil,
sobretudo nas formas como a criança e seu desenvolvimento são compreendidos,
na relação entre professor e aluno e nas metodologias aplicadas em sala de aula.
Behrens (2011) reforça a importância das ideias progressistas que hoje se fazem
presentes no paradigma educacional. Embora as ideias progressistas, de base
socialista, não tenham se efetivado como modelo político na maioria das nações
contemporâneas, os ideais de seus pensadores continuam fazendo parte dos
projetos educacionais que visam uma formação integral dos sujeitos e a busca pela
transformação social a partir das percepções das realidades que estes
experienciam. No Quadro 1, apontamos alguns dos elementos da educação
progressista que compõem esse paradigma educacional e que estão em vigor em
várias escolas de vanguarda da educação infantil contemporânea.

Quadro 1. Características da tendência progressista da educação que fazem


parte do paradigma educacional emergente

A utilização de metodologias ativas, em que o aluno passa a ser o centro dos


processos de ensino e aprendizagem.
O fato de a aprendizagem e o processo de socialização serem considerados
mais importantes do que o ensino propriamente dito.

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O entendimento de que a criança já traz consigo saberes adquiridos em seu
convívio social e cultural.
A necessidade de envolvimento da realidade em que a criança se insere ao
longo das aulas.
A importância do desenvolvimento do pensamento crítico.
A busca por uma formação mais plena para o convívio social e para o trabalho.
A compreensão da criança como um ser em potencial que pode alcançar
patamares cognitivos maiores a partir da mediação do professor e dos colegas.

4.1 Cases de inovação na educação infantil contemporânea

Ao apontarmos algumas experiências contemporâneas que podem ser


consideradas de vanguarda na educação infantil mundial, não podemos deixar de
citar as escolas públicas de Reggio Emilia e a atuação de Loris Malaguzzi, seu
fundador, que procurou unir o que havia de mais adequado das ideias pedagógicas
liberais e progressistas em seu projeto educacional. Assim, conforme declara
Malaguzzi (1999) em entrevista concedida a Lella Gandini, que veio a compor a
obra As cem linguagens da criança, fundamentaram as escolas infantis daquela
região italiana as ideias de Dewey, Pestalozzi, Froebel, Piaget e Vigotsky, Gardner,
entre outros. Ao procurar definir essa iniciativa educacional voltada para a primeira
infância, Gardner (1999, p. X) comenta:

O sistema de Reggio pode ser descrito sucintamente da seguinte maneira:


ele é uma coleção de escolas para crianças pequenas, nas quais o
potencial intelectual, emocional, social e moral de cada criança é
cuidadosamente cultivado e orientado. O principal veículo didático envolve
a presença dos pequenos em projetos envolventes, de longa duração,
realizados em um contexto belo, saudável e pleno de amor.

Aqui podemos perceber traços que irão compor o paradigma educacional


emergente da educação infantil: a busca pelo desenvolvimento pleno, que envolva
os aspectos subjetivos, sensoriais das crianças, possibilitando que, a partir das
atividades práticas e colaborativas presentes nos projetos das escolas, possam
desenvolver seu potencial em diferentes áreas. Malaguzzi (1999, p. 75) acrescenta

15
que o “[...] objetivo é construir uma escola confortável, onde crianças, professores
e famílias sintam-se em casa”. Para que isso seja possível, as escolas adotam “um
estilo aberto e democrático” (MALAGUZZI, 1999, p. 75). Compõem as ações
democráticas da escola uma rede de comunicação ativa com a comunidade, em
que todos podem participar e colaborar nas aprendizagens desenvolvidas interna e
externamente, por meio de excursões e visitas. Os pais, inclusive, podem participar
da construção de móveis e brinquedos para uso nas escolas.
Malaguzzi (1999, p. 75) revela que a filosofia e os valores básicos das
escolas de Reggio Emilia “[...] incluem aspectos interativos e construtivistas, a
intensidade dos relacionamentos, o espírito de cooperação e o esforço individual e
coletivo na realização de pesquisas. Apreciamos diferentes contextos, damos uma
grande atenção à atividade cognitiva individual dentro das interações sociais e
estabelecemos vínculos afetivos”. Assim, as crianças têm liberdade para explorar e
experienciar os ambientes da escola e o professor passa a ser muito mais um
observador e mediador, registrando e documentando seus avanços ao longo dos
projetos. Além disso, as escolas de Reggio Emilia costumam ter um ateliê, definido
como “[...] um espaço rico em materiais, ferramentas e pessoas com competências
profissional” (MALAGUZZI, 1999, p. 85), onde as crianças podem manifestar suas
diferentes linguagens, expandindo seus processos criativos.
Outra experiência internacional que merece destaque é a da Escola da
Ponte, localizada em Portugal, idealizada pelo educador José Pacheco, inspirado
em Freinet, Bruner e Vigotsky. A Escola da Ponte tem como foco as pessoas e suas
relações, que podem vir a produzir a autonomia dos estudantes. Segundo Pacheco
(2012, p. 11), “[...] é, essencialmente, com os pais e os professores que a criança
encontra os limites de um controle que lhe permite progredir numa autonomia, que
é liberdade de experiência e de expressão dentro de um sistema de relações e de
trocas sociais”. Assim, por meio da participação de várias práticas democráticas
coletivas e comunitárias, com as quais as crianças se familiarizam (como os Grupos
de responsabilidade, Plano quinzenal e Plano do dia, Eu já sei, Preciso de
ajuda/posso ajudar, Assembleia, Acho bem/Acho mal, Comissão de ajuda e

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Caixinha de segredos), elas podem se desenvolver. No Quadro 2, a seguir, vamos
conhecer essas práticas.
Podemos perceber nos dispositivos pedagógicos adotados na Escola da
Ponte que existe uma ação de planejamento organizada, porém, sempre
transferindo responsabilidades aos estudantes, que atuam como sujeitos de direitos
no funcionamento democrático da escola. O fato de as crianças terem maior
liberdade de escolha, possibilidades de agir individual e coletivamente em busca do
desenvolvimento de sua autonomia, reconfigura o papel do professor. Pacheco
(2011) reforça que o papel do professor, porém, continua focado nos processos de
ensino e aprendizagem, não mais na forma de protagonista, mas como um ator
voltado para auxiliar os estudantes na construção de seus conhecimentos,
orientando as atividades.

Quadro 2. Algumas das práticas pedagógicas presentes na Escola da Ponte


Nome da prática Descrição
Grupos de responsabilidade É um dispositivo pedagógico que divide
responsabilidades relativas ao
funcionamento dos espaços da escola
entre alunos e professores. Por meio de
reuniões semanais, organizam
recepções aos visitantes da Escola da
Ponte, uso da biblioteca, jornal e murais
da escola, planejamento de datas e
organizações dos eventos existentes,
arrumação das salas e dos materiais
utilizados, entre outros.
Plano quinzenal e Plano do dia Os estudantes e seus orientadores
educacionais planejam quinzenalmente
o que irão aprender, de acordo com
suas escolhas e interesses. Após,
divide-se o plano maior e seus objetivos

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em planos diários a serem postos em
prática.
Eu já sei Quando os alunos já se sentem
preparados sobre algum dos conteúdos
que compõem o plano quinzenal,
podem informar ao orientador e, assim,
serem avaliados.
Preciso de ajuda/posso ajudar Por meio do uso de cartazes nas salas
de aula, as crianças expressam aos
seus colegas aquelas habilidades que
já dominam (posso ajudar) e as que
ainda sentem dificuldades (preciso de
ajuda), permitindo que se organize a
troca de conhecimentos e o
desenvolvimento do grupo.
Assembleia É uma reunião maior, formal, onde, na
forma de conselho, todas as turmas de
crianças e os profissionais da escola
podem deliberar sobre assuntos
diversos de seu funcionamento
cotidiano. Também são realizadas com
todos os membros da comunidade
escolar semanalmente.
Acho bem/Acho mal São cartazes distribuídos ao longo da
escola que permitem que as crianças
registrem pontos que lhe agradam
(acho bem) e que deveriam ser
corrigidos (acho mal). Os itens do Acho
mal são discutidos nas assembleias
em busca de soluções.

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Comissão de ajuda Quando existem problemas graves a
serem resolvidos com urgência,
provenientes de um Acho mal e
deliberados nas assembleias, são
criadas Comissões de ajuda para
implementar as soluções.
Caixinha de segredos Uma caixa de papelão que permite aos
alunos se expressarem, de forma
anônima ou não, quando estão
passando por algum conflito maior,
dentro e fora do ambiente escolar.
Fonte: Adapatado de Pacheco (2011).

Em entrevista à revista eletrônica Ensino superior (2020), José Pacheco,


defende que “[...] a aprendizagem precisa ser significativa, integradora,
diversificada, ativa e socializadora” (KUZUYABU, 2020, documento on-line). Essas
ideias sintetizam muito bem os preceitos que costumam fazer parte dos paradigmas
emergentes da educação infantil — o envolvimento dos sentidos, a integração dos
estudantes em atividades ativas e a busca por espaços e práticas de socialização
que os preparem para o convívio social.
A Finlândia atualmente também tem sido considerada referência no âmbito
educacional, servindo de modelo para outros países. De acordo com Muuri (2020,
documento on-line), existem seis princípios que justificam o êxito da educação
finlandesa:
• o foco em habilidades transversais ao currículo;
• o apoio governamental em relação ao uso das tecnologias digitais na
aprendizagem;
• a busca pela aprendizagem multidisciplinar;
• a busca pela diferenciação das atividades em sala de aula;
• a aplicação de várias práticas avaliativas com os estudantes;

19
• o papel ativo que as crianças desempenham nos processos de ensino
e aprendizagem.
Assim, a educação infantil adota a aprendizagem baseada em fenômenos,
que, a partir da consulta aos alunos pelo professor acerca de seus interesses, irá
proporcionar o contato com os objetos e materiais em suas atividades de sala de
aula, agregando as tecnologias atuais, de forma globalizada, podendo escolher
entre o rol de atividades planejadas pelo professor em quais delas se engajarão
durante as aulas.

4.1.1 Escola Inkiri

Uma iniciativa muito interessante na educação infantil brasileira é o projeto


da Escola Inkiri, proposto pela organização social Instituto Inkiri, em Piracanga, na
Bahia. De acordo com o portal eletrônico da escola,

Foi do desejo de criar nossas crianças de uma forma livre, divertida e


amorosa que nasceu a Escola Inkiri. No início nossas inspirações foram: a
Escola da Ponte, de Portugal – que tem como principais valores a
autonomia e a liberdade, e a Fundação Pestalozzi, do Equador – que
relaciona afeto com autodesenvolvimento. (INKIRI, 2020, documento on-
line).

Reconhecida como um centro de inovação e criatividade, a Escola Inkiri


também evidencia em seu projeto pedagógico a necessária liberdade e o
desenvolvimento pleno, o que envolve as emoções e os sentimentos das crianças.
Na Escola Inkiri existem três pilares que fundamentam suas práticas:

SER: esse pilar representa o autoconhecimento, o ‘eu comigo’ de cada


criança.
SOCIAL: também é importante trabalhar o ‘eu com o outro’, por isso, temos
um pilar focado no senso de comunidade.
PLANETÁRIO: por fim, acreditamos na importância do ‘eu com o mundo’,
que pode ser traduzida no pilar da ecologia. (INKIRI, 2020, documento on-
line).

Assim, com base nesses fundamentos, a escola tem se destacado como uma
comunidade de aprendizagem que busca preparar para a vida, tendo como objetivo

20
a alegria, a busca pela paz, o holismo e a felicidade de seus estudantes e da
comunidade em que se insere.

Fonte: Escola Inkiri

4.1.2 Escola Projeto Âncora

O Projeto Âncora foi criado em 1995 por um casal que, ao se aposentar,


realizou o antigo sonho de se dedicar à área social. O espaço era, inicialmente, uma
associação civil de desenvolvimento social que tinha o desafio de melhorar a
realidade de crianças e de adolescentes de baixa renda do município de Cotia, na
região metropolitana de São Paulo, e da região. Em 2012, o espaço deu um
importante passo ao decidir ampliar sua atuação e tornar-se uma escola formal, com
a ajuda do professor José Pacheco, fundador da Escola da Ponte, em Portugal. A
Escola Projeto Âncora oferece hoje todos os segmentos da educação básica, da
Educação Infantil ao Ensino Médio (EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013).
A escola vem se consolidando como pioneira de um trabalho de assistência
social que, aliado à educação, fornece às crianças, jovens e suas comunidades as
ferramentas necessárias para acabarem com o círculo vicioso da pobreza e
contribuírem para uma sociedade mais justa, íntegra e sustentável. Em 2017, foi

21
mapeada pelo MEC como uma das 178 instituições legais, inovadoras e criativas
do Brasil (EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013).
Sempre centrada no desenvolvimento da autonomia de todos os atores
envolvidos na comunidade escolar, a aprendizagem se dá na relação entre crianças,
jovens e professores, de forma que cada um possui uma trajetória singular, com
tempos próprios para aprender e se desenvolver. Há na escola o ideal de aprender
sem paredes, no convívio sincero entre todos. Não há relação hierárquica entre
educador e estudante e o aprender se faz junto, na troca de experiências, ideias,
gostos e sonhos. “Acreditamos que é na prática e pela prática que se dá a
(trans)formação, refletindo constantemente sobre o papel da escola na vida de cada
indivíduo e na reconfiguração de uma nova sociedade”, diz a cofundadora da
escola, Regina Steurer.

Fonte: Escola Projeto Âncora

4.1.3 Escola Pluricultural Odé Kayodê

“A Escola Pluricultural Odé Kayodê não surgiu porque faltavam escolas em


Goiás. Mas porque faltava essa.” A frase perpassa pelas vozes de diferentes
educadoras e educadores que circulam diariamente pelos caminhos de pedras,

22
árvores, esculturas e símbolos indígenas e de religiões afro-brasileiras presentes
no espaço onde está localizado a escola, no município de Goiás, a 150 quilômetros
da capital Goiânia (GO) (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018).
Embora tenha sido inaugurada oficialmente em 2004, a Odé Kayodê é
resultado de um encontro de muitas pessoas que há muito tempo já vinham
transformando vidas e realidades por meio do Espaço Cultural Vila Esperança. O
terreno onde fica o Espaço Cultural era, até a década de 1990, um local de depósito
de lixo, às margens do rio Vermelho, que recebeu os cuidados e o olhar de um dos
fundadores do local, o educador Robson Max. Com poucos recursos, mas muitas
ideias e força de vontade, ele se uniu a um grupo de artistas e educadores, que foi
tirando, um a um, os lixos jogados ali. A partir dessa ação inicial, a construção física
e filosófica do espaço foi “tomando pé e posse” – como Robson explica. Pouco
tempo depois, a Vila Esperança dispunha de uma área de teatro e uma arena de
circo, e já era tida, na região, como um local de difusão de culturas, valorizando,
especialmente, os povos originários e invisibilizados do país – os indígenas,
africanos e afro-brasileiros. O espaço é uma referência social, humana, artística e
cultural para a comunidade e, ao longo do ano, oferece uma programação de
eventos abertos à cidade, com atividades educativas e artísticas como artes
plásticas, música, canto e dançaterapia (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018).
Por anos, foi desejo dos educadores dali entrar e permanecer em redes
públicas de ensino. Até que, em 2004, foi inaugurada a Escola Pluricultural Odé
Kayodê, dentro do Vila Esperança, que atende, atualmente, 50 estudantes de
Educação Infantil e Ensino Fundamental I. Um projeto que, como conta a diretora,
Rosângela Magda, muitos dos educadores “foram ajudando a nascer”. A concepção
de educação que prevalece é a de que a aprendizagem não se dá fora de um
contexto real da sociedade. Busca-se educar não para que os indivíduos se
adaptem à realidade, mas para que nela atuem politicamente, provocando grandes
transformações sociais. O conhecimento, para a escola, não é algo dado, tampouco
transmitido, mas sim uma busca, uma constante construção. O nome da escola diz
muito do que ela acredita para seus educandos, professores e comunidade: na
língua iorubá, “Odé” significa caçador – não caçador de animais, mas caçador de si

23
mesmo – e “kayodê”, alegria. A escola apresenta-se, então, como uma “caçadora
de alegria”, pressuposto filosófico que sustenta sua concepção e prática pedagógica
(ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018).

Fonte: Escola Pluricultural Odé Kayodê

A escola recebe regularmente visitas guiadas de grupos e escolas.


Estabeleceu, há alguns anos, uma relação próxima com estudantes universitários e
pesquisadores de instituições como Universidade Federal de Goiás, Universidade
Estadual de Goiás e Instituto Federal de Goiás, especialmente os que buscam
referências para o trabalho com a Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da
história e cultura afro-brasileira e africana, ressaltando a importância da cultura
negra na formação da sociedade, e a Lei 11.645/08, que diz respeito à inclusão da
história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo escolar. As parcerias
firmadas com universidades da região têm possibilitado a efetivação de projetos em
comum, como as visitas e cursos de extensão em disciplinas como História,
Pedagogia, Filosofia e Ecologia, e grupos de estudo de educação étnico-racial
(ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018).

24
A Odé Kayodê é também uma referência cultural por ter contribuído no
reconhecimento da cidade de Goiás como patrimônio histórico da humanidade pela
UNESCO (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018).

4.1.4 Centro Municipal de Educação Infantil Hermann Gmeiner

O Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Hermann Gmeiner é uma


escola pública da cidade de Manaus (AM) que fica localizada em terreno amplo e
arborizado da ONG Aldeias Infantis SOS de Manaus, alugado pela Prefeitura
Municipal, junto a outras duas escolas com as quais divide alguns espaços. A escola
está situada em área periférica da cidade, atendendo crianças de nove bairros da
região, a maioria oriunda de famílias de baixa renda, além de outras da própria ONG
(ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018).
Com o apoio do Coletivo Escola Família Amazonas (CEFA), movimento da
sociedade civil engajado na luta por uma educação pública de qualidade, a escola
iniciou em 2016 um processo de transformação em seu projeto político-pedagógico,
afastando-se do ensino tradicional. Antes, a escola usava muito pouco seus
espaços amplos e bosques, e o processo de alfabetização iniciava-se muito cedo,
por meio do uso de sistemas apostilados. Após muita reflexão sobre o currículo da
escola, tais materiais deixaram de ser utilizados, pois percebeu-se o excessivo
direcionamento das atividades para as crianças e educadores com pouca liberdade
de trabalho. Hoje, as propostas pedagógicas são desenvolvidas pelos próprios
educadores da escola, norteadas por um documento construído por especialistas e
pela Secretaria Municipal de Educação. Com a nova diretriz, há uma grande troca
de saberes, resultados e referências entre os educadores, coordenadores e com a
diretoria, que se desafiam a criar “um novo formato de educação infantil” (ESCOLAS
TRANSFORMADORAS, 2018).
A mudança no projeto político-pedagógico da escola, orientada pela
concepção de Educação Integral e Escola Democrática, já renderam muitos frutos.
O índice de evasão da escola, por exemplo, foi diminuindo ano a ano. Em 2014, a
escola quase chegou a fechar por falta de aluno. “Havia uma quantidade grande de

25
estudantes que se matriculavam e depois deixavam de ir à escola ao longo do ano.
Isso não acontece mais. As crianças sentem-se pertencentes à instituição”, conta a
diretora Zilene Maia Trovão. Outra transformação resultante da nova proposta é o
nítido aumento da disposição dos professores e funcionários, em função do fato da
escola ter se tornado um ambiente mais fértil e acolhedor. “Eles adoecem menos, e
também faltam menos”, explica a diretora.
A professora Paula Vasconcelos vê com entusiasmo esse novo momento,
inclusive em sua trajetória pessoal. “Durante esse percurso, eu me transformei
como profissional, mas também em todas as áreas da minha vida. Como a gente
vai parar algo que nos faz bem?”, questiona.

Fonte: Centro Municipal de Educação Infantil Hermann Gmeiner

A nova proposta da escola prioriza a importância da escuta e do


protagonismo das crianças, especialmente por meio das múltiplas linguagens e
formas de ser e estar dos pequenos, os quais constroem o processo educativo junto
a outros atores (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018).
As crianças escolhem temas de interesse para estudar e compartilhar com
todos a partir de propostas de atividades elaboradas pelos educadores, que veem
no brincar e na educação experiencial o espaço mais propício para o estímulo do

26
protagonismo. Os estudantes são a escola, assim como todos que compartilham
daquele espaço. “Aqui as crianças aprendem integralmente. Não é primeiro o
conteúdo e depois a brincadeira. Tudo isso acontece de maneira interligada”, conta
a diretora Zilene Maia (ESCOLAS TRANSFORMADORAS, 2018).
A escola tem um modelo de gestão democrática e participativa em
desenvolvimento, compatível com a idade dos estudantes. Entre as ações que
sustentam esse modelo estão as assembleias, encontros quinzenais da
comunidade escolar para discutir problemas, soluções e proposições (ESCOLAS
TRANSFORMADORAS, 2018).

4.1.5 Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima

Inaugurada em 1956, a EMEF Desembargador Amorim Lima foi a primeira


escola da Vila Indiana, bairro do Butantã, na capital paulista. Mas foi depois de
quarenta anos de existência, em 1996, que a Amorim passou por seu maior
processo de transformação. Transformação esta que se deu com a entrada da
diretora Ana Elisa Siqueira, que chegou à escola com ideias inovadoras, que
pretendiam aproximar a escola da comunidade (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM
EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013).
Dado o alto índice de evasão dos alunos, a diretora pensou em aumentar o
tempo de permanência das crianças e adolescentes na escola. Em um sinal de
confiança da escola aos estudantes, foram derrubados os alambrados que
cercavam o prédio escolar e o mesmo passou a ser aberto também aos fins de
semana, viabilizando uma relação mais orgânica entre aquilo que acontecia dentro
e fora da instituição. E, na perspectiva de reconhecer os saberes comunitários e
torná-los mais um incentivo para a permanência interessada dos alunos, a escola
buscou apoio de mães e pais para oferecer uma diversa gama de atividades que
foram periodicamente incorporadas ao conteúdo programático e currículo
(CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013).

27
O Conselho Escolar também se fortaleceu nesse período, participando até
mesmo da reformulação da proposta pedagógica da Amorim. E foram nessas
discussões que perceberam como a proposta antiga estava destoante do cotidiano
da escola, que buscava integrar a comunidade e os diferentes saberes ao processo
de aprendizagem. Nesse período, a psicóloga especializada em educação Rosely
Sayão apresentou ao Conselho a metodologia e o trabalho desenvolvido pela
Escola da Ponte, em Portugal, que extinguia o uso de carteiras, avaliações e a
função tradicional dos professores (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO
INTEGRAL, 2013).
O Conselho Escolar tomou a experiência portuguesa como uma inspiração e
começou a dar os primeiros passos rumo a uma escola com proposta pedagógica
diferenciada. Em vez de professores fixos, cada estudante tem um educador tutor,
que vai auxiliá-lo em seu processo de aprendizagem, a partir de orientações de uma
normativa curricular elaborada pela direção, grupo de professores e Conselho
Escolar. Na Amorim, cada tutor é responsável por 20 estudantes por período. Uma
vez por semana este educador realiza um encontro de cinco horas com seus
tutorados (educandos). Caso o estudante tenha alguma dúvida, pode procurar pelo
tutor nos outros dias da semana (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO
INTEGRAL, 2013).

Fonte: EMEF Desembargador Amorim Lima

28
O conteúdo do ano letivo é organizado por roteiros de pesquisa. Cada roteiro
possui em torno de 18 temas (ou tarefas) para que o aluno os desenvolva. Esses
roteiros são propostos a partir do conteúdo dos livros didáticos recebidos pelo
estudante. Porém, no processo de aprendizagem, ele consulta diversos livros e de
variadas áreas do conhecimento, integrando-as em um mesmo assunto (CENTRO
DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013).
Em vez de paredes e salas de aula montados ao modelo tradicional, a
Amorim Lima possui espaços educativos chamados de salões – a escola possui
dois deles. Em um fica o ciclo I (do 1º ao 4º ano) e em outro o ciclo II (do 5º ao 9º
ano). Os estudantes se sentam em grupos de quatro pessoas para realizem a
pesquisa de forma coletiva, mas respondem o roteiro individualmente (CENTRO DE
REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013).
Em cada salão, ficam de cinco a seis educadores. As aulas expositivas
acontecem apenas nas disciplinas de matemática, inglês e oficina de texto. Os
professores ficam circulando pelo salão, orientando ou respondendo as questões
levantadas pelos alunos durante as pesquisas. Como é o estudante que decide a
ordem dos roteiros que irá seguir, mesmo sentados em grupo, nem sempre os
alunos estão desenvolvendo as pesquisas de um mesmo roteiro (CENTRO DE
REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013).
Ao terminar um roteiro, os estudantes descrevem em um portfólio o que
aprenderam e o entregam ao tutor, que vai avaliar se o aluno pode receber a
próxima apostila, com um novo roteiro. Não há provas e as avaliações são
realizadas por meio dos portfólios produzidos participação dos estudantes
(CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013).
Além dos roteiros e espaços de estudo guiado, os estudantes tem a
disposição uma vasta gama de atividades – oficinas que são realizadas em parceria
com outras organizações da comunidade e da cidade como um todo. Entre as aulas
disponíveis, tem até oficina para quem quer aprender latim (CENTRO DE
REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013).
Como podemos perceber, as escolas de educação infantil consideradas
referências na contemporaneidade procuram se inspirar em algumas das ideias que

29
compuseram os paradigmas pedagógicos liberais e progressistas, enfatizando
traços em comum. Entre eles, podemos citar: a aprendizagem ativa, o
desenvolvimento pleno, integral (cognitivo, motor, social e emocional), a busca pelo
lúdico, pelo afeto e pela felicidade, a liberdade de escolha dos alunos — que
protagonizam os processos de ensino e aprendizagem —, a mistura de atividades
individuais e coletivas, em que a participação e a colaboração podem ser base para
que o convívio e a socialização se efetivem (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM
EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013).
Além disso, agregam-se a essas características as preocupações com os
aspectos culturais, regionais e o emprego de tecnologias em favor da
aprendizagem, bem como o devido senso de compromisso com o planeta e seus
cuidados. Que possamos, como professores ou gestores da educação infantil,
pesquisar acerca dessas práticas pedagógicas inovadoras e nos desafiarmos a
colocá-las em funcionamento com os nossos alunos (CENTRO DE REFERÊNCIAS
EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2013).

5 LEITURA COMPLEMENTAR

5.1 Aprendizagem baseada em problemas (ABP): um método de


aprendizagem inovador para o ensino educativo

S. C. SOUZA e L. DOURADO

RESUMO
A prática de ensino, ainda hoje, não diferente do que ocorreu durante muito
tempo, consiste, essencialmente, no modelo de aula em que o professor transmite
um conteúdo com breve momento de discussão e atividades as quais o aluno, após
memorizar as informações, tem de responder. Algumas estratégias metodológicas
de ensino diferenciadas vêm sendo desenvolvidas por professores, que acreditam
ser possível promover mudanças em suas práticas pedagógicas, tendo em vista
uma aprendizagem significativa. A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP)

30
surge como uma dessas estratégias de método inovadoras em que os estudantes
trabalham com o objetivo de solucionar um problema real ou simulado a partir de
um contexto. Trata-se, portanto, de um método de aprendizagem centrado no aluno,
que deixa o papel de receptor passivo do conhecimento e assume o lugar de
protagonista de seu próprio aprendizado por meio da pesquisa. Este artigo constitui-
se em uma revisão da literatura básica sobre a Aprendizagem Baseada em
Problemas. O objetivo é apresentar a ABP como um método de aprendizagem
significativo e eficaz, que pode ser utilizado nos diversos níveis de ensino e nas
mais diferentes disciplinas. Por meio de uma investigação do estado da arte sobre
a ABP, buscamos refletir acerca da sua importância como método de
aprendizagem. A ABP tem apresentado resultados positivos, observados por
pesquisadores das mais diferentes áreas, os quais a utilizaram como método de
aprendizagem, seja em cursos universitários, seja na educação básica. Espera-se,
com este artigo, possibilitar a reflexão sobre novas estratégias de aprendizagem
para um ensino educativo.

PALAVRAS-CHAVE: Educação. Ensino. Método de Aprendizagem. Aprendizagem


Baseada em Problemas (ABP).

1 INTRODUÇÃO

Um dos maiores desafios da educação na atualidade é promover reformas


que, de fato, acompanhem o desenvolvimento científico, tecnológico, social,
cultural, econômico e ambiental, tendo em vista contribuir para o desenvolvimento
de uma sociedade mais justa, social e economicamente. O processo de reforma na
educação, que, inevitavelmente, traz diversas mudanças, entre as quais romper
com estruturas rígidas e com o modelo de ensino tradicional (LIBÂNEO, 1992;
FREIRE, 1996, 2011; CAMBI, 1999; MIZUKAMI, 1986; SAVIANI, 1991) precisa
investir na formação de professores com vistas ao desenvolvimento de
competências que lhes permitam recuperar a dimensão essencial do ensino e da
aprendizagem, que é a produção de conhecimento pertinente (MORIN, 2000) e

31
significativo para contribuir com a formação de profissionais que irão atuar na
sociedade, de forma inovadora e ética, com o cuidado necessário nas relações entre
os seres humanos e o meio ambiente.
Muitas vezes, as experiências inovadoras são introduzidas a partir de
práticas de ensino individuais bem sucedidas, cujos docentes alcançaram
resultados de destaque em sua atuação pedagógica, facilitando, por isso, sua
disseminação e ampliação nas demais instituições. Assim, na contramão do modelo
tradicional de ensino, as experiências desenvolvidas buscam inovar, tendo em vista
a exploração de novas possibilidades no contexto educacional, para mobilizar
processos significativos de mudança.
Nesse cenário, em que se visa à satisfação da demanda por novas formas
de trabalhar com o conhecimento, surge a Aprendizagem Baseada em Problemas
(ABP) como um método de aprendizagem inovador, contrapondo-se aos modelos
didáticos de ensino apoiados em perspectivas ditas tradicionais, em que o professor
é o centro do processo de transmissão de saberes para alunos que apenas recebem
e memorizam o conhecimento transmitido.
Este artigo constitui-se, metodologicamente, em uma revisão da literatura
básica sobre a Aprendizagem Baseada em Problemas. Configura-se como uma
investigação do estado da arte sobre a ABP. A revisão da literatura é um método
sistemático de coleta de conhecimentos já produzidos, para identificar, avaliar e
interpretar de forma crítica o conhecimento em um determinado campo de estudo.
A escolha dos referenciais estudados se deu pelo critério cronológico de produção
das obras, levando-se em consideração os autores clássicos do estudo da ABP, os
principais autores do período intermediário, em que a ABP teve sua expansão em
outros países, áreas de conhecimento e autores mais atuais que desenvolveram
pesquisas na fase de consolidação do método e avaliação do campo de estudo.
Outro critério levado em consideração na escolha dos referenciais partiu da
experiência vivenciada com o grupo de investigadores do Instituto de Educação da
Universidade do Minho em Portugal, que possui uma larga experiência no
desenvolvimento de pesquisa sobre ABP.

32
A partir dos critérios mencionados, os referenciais foram coletados em
biblioteca física e digital e adquiridos em livrarias. Os artigos foram coletados em
portais de periódicos e repositórios de universidades, o que proporcionou a recolha
de um número significativo da melhor produção bibliográfica sobre o tema. A análise
dos referenciais coletados foi baseada em uma leitura crítica, para além da mera
identificação e descrição de estudos já realizados, o que proporcionou a produção
de um conhecimento aprofundado do tema para discutir pressupostos, conceitos,
processos e resultados, que de forma criativa foram articulados com os diversos
estudos, para compreender o significado da relação entre o tema e o contexto do
tema. Assim, buscamos refletir criticamente acerca da importância da ABP como
método de aprendizagem e apresentamos os seus aspectos conceituais e
históricos, bem como as características e etapas do processo de aprendizagem; em
seguida, apresentamos como ocorre o processo de avaliação na ABP e realizamos
uma análise crítica das vantagens e dificuldade da ABP na construção da
aprendizagem.
Sob tal perspectiva, o objetivo do artigo é apresentar a Aprendizagem
Baseada em Problemas como um método de aprendizagem inovador tendo em vista
um ensino educativo e que pode ser aplicado em todos os níveis, da educação
básica à Pós-Graduação.

2 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS: ASPECTOS


CONCEITUAIS E HISTÓRICOS

2.1 Aspectos conceituais

A Aprendizagem Baseada em Problemas é um método de aprendizagem


que, nos últimos anos, tem conquistado espaço em inúmeras instituições
educacionais de ensino superior (nos cursos de graduação e pós-graduação) e no
ensino básico em diversas disciplinas.
A leitura dos referenciais teóricos sobre ABP apresenta-nos definições
variadas acerca da temática. Cada uma delas traz contribuições importantes para a

33
compreensão do seu significado, o que permite um melhor desenvolvimento do
processo de aplicação nas mais diversas áreas do conhecimento e níveis de ensino,
contribuindo para o avanço desse campo de pesquisa.
Na concepção de Barrows (1986), a ABP representa um método de
aprendizagem que tem por base a utilização de problemas como ponto de partida
para a aquisição e integração de novos conhecimentos. Em essência, promove uma
aprendizagem centrada no aluno, sendo os professores meros facilitadores do
processo de produção do conhecimento. Nesse processo, os problemas são um
estímulo para a aprendizagem e para o desenvolvimento das habilidades de
resolução.
Na definição dada por Delisle (2000, p. 5), a ABP é “uma técnica de ensino
que educa apresentando aos alunos uma situação que leva a um problema que tem
de ser resolvido”. Lambros (2004), em uma definição muito semelhante à de
Barrows (1986), afirma que a ABP é um método de ensino que se baseia na
utilização de problemas como ponto inicial para adquirir novos conhecimentos. Já
Barell (2007) interpreta a ABP como a curiosidade que leva à ação de fazer
perguntas diante das dúvidas e incertezas sobre os fenômenos complexos do
mundo e da vida cotidiana. Ele esclarece que, nesse processo, os alunos são
desafiados a comprometer-se na busca pelo conhecimento, por meio de
questionamentos e investigação, para dar respostas aos problemas identificados.
Leite e Esteves (2005) definem a ABP como um caminho que conduz o aluno
para a aprendizagem. Nesse caminho, o aluno busca resolver problemas inerentes
à sua área de conhecimento, com o foco na aprendizagem, tendo em vista
desempenhar um papel ativo no processo de investigação, na análise e síntese do
conhecimento investigado.
Em concurso com essas várias definições, apresentamos a ABP como uma
estratégia de método para aprendizagem, centrada no aluno e por meio da
investigação, tendo em vista à produção de conhecimento individual e grupal, de
forma cooperativa, e que utiliza técnicas de análise crítica, para a compreensão e
resolução de problemas de forma significativa e em interação contínua com o
professor tutor.

34
Podemos constatar que, na extensa literatura produzida sobre ABP, existe
um consenso acerca de suas características básicas. Numa percepção comum,
todos admitem que a ABP promove a aquisição de conhecimentos, o
desenvolvimento de habilidades, de competências e atitudes em todo processo de
aprendizagem, além de favorecer a aplicação de seus princípios em outros
contextos da vida do aluno. Assim, a ABP apresenta-se como um modelo didático
que promove uma aprendizagem integrada e contextualizada.
O benefício da interação que a ABP promove é fundamental para alcançar o
sucesso na sua aplicação. Isso porque ela é necessária em todos os sentidos: com
o tema e com o contexto do tema estudado, entre os alunos e o professor tutor;
enfim, entre todos. A estrutura da ABP se constrói sobre essa base, uma vez que a
interação é a chave do processo de aprendizagem.
Não obstante, outras dimensões da aprendizagem também são mobilizadas
com a ABP, tais como: a motivação, que é estimulada pela curiosidade sobre os
temas de cada área de estudo e as habilidades de comunicação individual e grupal,
fundamentais para o desenvolvimento da aprendizagem pelo grupo.
A estrutura da ABP foi concebida justamente para que o aluno desenvolva
habilidades e capacidades para proceder à investigação de forma metódica e
sistemática; para aprender a trabalhar em grupo cooperativo e alcançar os
resultados da pesquisa, de forma satisfatória, complementando sua aprendizagem
individual.

2.2 Aspectos históricos

Ao longo da história da educação, vários modelos didáticos e teorias de


ensino e aprendizagem foram criados para contribuir, de forma mais eficaz, no
processo educacional. Por volta do final do século XIX e início do século XX, surgiu
o movimento progressista na educação, conhecido como Escola Nova, que
desenvolveu novas práticas de ensino centradas na aprendizagem e com o foco
principal no aluno como protagonista de sua própria aprendizagem. Esse
movimento teve como representantes exponenciais os educadores John Dewey

35
(1859-1952), Maria Montessori (1870-1952), Henri Wallon (1879-1962), Célestin
Freinet (1881-1966), Lev Vygotsky (1896-1934), Jean Piaget (1897-1980), entre
outros que desenvolveram experiências educacionais inovadoras e que se
contrapunham ao modelo tradicional de educação vigente (ROCHA, 1988).
Na teoria pedagógica de John Dewey, encontra-se a mais significativa
inspiração para a Aprendizagem Baseada na Resolução de problemas. A
Pedagogia Ativa ou Pedagogia da Ação, de Dewey, propõe que a aprendizagem
deve partir de problemas ou situações que propiciam dúvidas ou descontentamento
intelectual, pois os problemas surgem das experiências reais que são
problematizadas e estimulam a cognição para mobilizar práticas de investigação e
resolução criativa dos problemas (CAMBI, 1999). Delisle (2000) e O’Grady et al.
(2012) também apontam Dewey como um dos inspiradores da ABP. Segundo eles,
Dewey acreditava que para estimular o pensamento de um aluno, o professor teria
de partir de um assunto de natureza não formal, que viesse da vida; do cotidiano
dele.
A partir da iniciativa de um grupo de professores da Universidade de
McMaster, no Canadá, no final dos anos de 1960, o modelo da ABP se expandiu
para muitas escolas de medicina em todo o mundo. Não restam dúvidas de que a
ABP foi influenciada por diversos pensadores que, na busca por transformar o
ensino, realizaram experiências pedagógicas inovadoras. Vários autores, como, por
exemplo, Delisle (2000); Savin-Baden & Major (2004); Hillen et al. (2010); Hill &
Smith (2005); O’Grady et al. (2012) são unânimes em confirmar a origem e o
desenvolvimento do termo ABP, no modelo atual, a partir da experiência na
Universidade de McMaster no Canadá, mais especificamente na faculdade de
Medicina, em 1969.
Howard Barrows é apontado como um dos principais articuladores da equipe
de professores formada por Jim Anderson e John Evans, que pensaram o currículo
da faculdade de medicina, a partir de 1966, implantado oficialmente em 1969
(HILLEN et al., 2010). Com o intuito de promover o desenvolvimento das
capacidades dos alunos para contextualizar os conhecimentos teóricos adquiridos
na faculdade, pondo-os em prática no cotidiano, de forma competente e humana,

36
Barrows compreendia que, para realizar esse objetivo, os médicos precisavam,
além de possuir o conhecimento teórico, saber utilizá-lo na prática (DELISLE, 2000;
O’GRADY et al., 2012).
Explica-se, assim, porque o desenvolvimento e a difusão da ABP no Canadá,
Estados Unidos e por toda a Europa alcançou excelentes resultados. Um sucesso,
aliás, bem justificado, no processo de ensino, pelas características peculiares da
ABP: é um método centrado na aprendizagem, que tem por base a investigação
para a resolução de problemas contextualizados e que envolve os conhecimentos
prévios dos alunos, facilitando o desenvolvimento das competências necessárias
ao trabalho profissional; desenvolve a capacidade crítica na análise dos problemas
e na construção das soluções; desenvolve a habilidade de saber avaliar as fontes
necessárias utilizadas na investigação, bem como estimula o trabalho cooperativo
em grupo (DUCH et al., 2001; LEVIN, 2001; O’GRADY et al., 2012). Cabe ressaltar,
ainda, que a ABP, ao se espalhar pelo mundo, não ficou restrita apenas à área da
saúde; também assimilada por várias áreas do conhecimento (sendo adaptada às
suas respectivas especificidades), tais como: as engenharias, a matemática, a
física, a biologia, a química e bioquímica, o direito, a psicologia, a geografia, entre
outras, bem como aos diversos níveis de ensino: da educação básica ao nível
superior e a pós-graduação (DELISLE, 2000; HILL & SMITH, 2005; LAMBROS,
2002; 2004).
Cumprindo esse percurso, a Aprendizagem Baseada em Problemas terminou
por constituir-se um método sistematizado, que permitiu aos professores das mais
diversas áreas e níveis de ensino estimular a criatividade de seus alunos,
desenvolver a capacidade investigativa e o raciocínio para a resolução de
problemas, consolidando-se, assim, como um método de aprendizagem
considerado eficaz nas mais diversas instituições de ensino e pesquisa em todo o
mundo.

37
3 CARACTERÍSTICAS E ETAPAS DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
NA ABP

3.1 O aluno como centro da aprendizagem na ABP

Ao analisarmos a prática pedagógica tradicional, apoiada nos procedimentos


didáticos de aulas expositivas, em que o professor reproduz e transmite um
conteúdo apoiado em um manual didático, para alunos que devem ouvir, ler, decorar
e repetir, constatamos que esse ainda é o modelo mais comum nas instituições de
ensino no Brasil e fora do país. Observamos, também, que esse modelo pedagógico
reflete práticas didáticas centradas no professor e no ensino, sustentadas por um
paradigma que tem sido pouco eficiente para a educação do século XXI por
promover uma visão fragmentada e reducionista nas mais diversas áreas do
conhecimento científico, tecnológico, social e cultural.
Visando a uma reorientação de rumos, nesse contexto, busca-se estimular
os professores a pesquisar metodologias inovadoras que possibilitem o
desenvolvimento das competências dos alunos para a problematização como
componente fundamental de um método que seja centrado na aprendizagem. O
foco na problematização possibilita uma visão transdisciplinar e tem como ponto de
partida o levantamento de questões e a busca de soluções para os problemas
identificados nos temas curriculares de cada disciplina, nos respectivos níveis de
aprendizagem, com a finalidade de produzir conhecimento.
A opção por uma metodologia de aprendizagem centrada no aluno acentua
a importância da ABP, vez que, por sua aplicabilidade, estaríamos possibilitando o
desenvolvimento de atividades educativas que envolvem a participação individual e
grupal em discussões críticas e reflexivas. Mesmo porque esse método compreende
o ensino e a aprendizagem a partir de uma visão complexa e transdisciplinar que
proporciona aos alunos a convivência com a diversidade de opiniões, convertendo
as atividades desenvolvidas em sala de aula em situações ricas e significativas para
a produção do conhecimento e da aprendizagem para a vida. Além disso, propicia

38
o acesso a maneiras diferenciadas de aprender e, especialmente, de aprender a
aprender (DELISLE, 2000).
Em contraponto, os métodos tradicionais de ensino proporcionam o
aprendizado de conceitos num contexto teórico. Para muitos estudantes, o principal
produto desse ensino é representado pela memorização. A ABP, por iniciar-se com
a apresentação de um problema, envolver discussão em grupo, acompanhamento
do professor e a investigação cooperativa, contribui significativamente para conferir
mais relevância e aplicabilidade aos conceitos aprendidos.
Parece bem fortalecida a afirmação de que as atividades desenvolvidas em
sala de aula deverão estar mais conectadas com o contexto de aprendizagem da
área em estudo, sendo os currículos ligados às aprendizagens que se
interconectam com o cotidiano, dentro e fora da escola. Sob totais condições, os
alunos poderão aprender praticando o que será a sua futura profissão, tornando-se
profissionais ativos capacitados a resolver, com autonomia e responsabilidade, os
problemas que surgirão no seu dia a dia. Essa atitude de enfrentamento, muito
provavelmente lhes favorecerá o desenvolvimento da habilidade para o diálogo e a
partilha de ideias em grupo, argumentando, de forma sistemática, para que a
resolução do problema seja satisfatória e eficaz (LAMBROS, 2004; DELISLE, 2000).
Como já foi sublinhado, a ABP enfatiza muito mais a compreensão do que a
memorização; mas considera que esta última também é importante para a
aprendizagem, pois quanto maior for a compreensão de determinado assunto, mais
fácil será a memorização e, consequentemente, a aprendizagem. Entretanto, o
aprendizado que fica apenas no nível da memorização tem pouco valor para a vida
social e profissional. Esse é um dos principais problemas decorrentes de aulas
expositivas que enfatizam o conteúdo apenas no contexto em que foi aprendido.
Isso não ocorre quando se utiliza a ABP. Como os problemas são apresentados
num contexto real, favorecem a transferência dos conhecimentos e habilidades
aprendidos em sala de aula para o mundo do trabalho (ALBANESE & MITCHEL,
1993; DELISLE, 2000). Assim, aderir a um currículo no qual a didática está centrada
no aluno e na aprendizagem é o diferencial para promover a inovação na educação.

39
Interessante observar que, se por um lado a ABP tem como objetivo estimular
os alunos a buscarem soluções para os problemas apresentados, por outro lado, os
alunos acabam motivados a assumir mais responsabilidade pela própria
aprendizagem; afinal, “os modelos curriculares da ABP são largamente
construtivistas na sua natureza, pois é dada a oportunidade aos alunos de
construírem o conhecimento” (CARVALHO, 2009, p. 35). Tanto é que os estudantes
passam a selecionar e a utilizar recursos de investigação e técnicas de coleta de
informação com variedade e frequência muito maior que aqueles envolvidos em
atividades tradicionais de ensino. Por outro lado, como os professores são vistos
não como fontes de respostas, mas como facilitadores da solução de problemas, os
estudantes tendem a se tornar mais competentes na busca de informações
(ALBANESE & MITCHEL, 1993; BARELL, 2007; BARRETT & MOORE, 2011).
A solução de problemas geralmente requer interação social. Por essa razão,
a ABP incorpora atividades com uma maior cooperação grupal. “Durante esse
tempo, os alunos têm a oportunidade de confrontar, comparar e discutir as suas
ideias prévias com as perspectivas dos seus colegas” (CARVALHO, 2009, p. 35).
Essas atividades requerem interação social dos estudantes, o que contribui para o
desenvolvimento de habilidades interpessoais e para o aprimoramento do espírito
em equipe, que são fundamentais para o bom desempenho no mundo do trabalho.
Para a maioria dos estudantes, a ABP é muito mais interessante, estimulante
e agradável do que os métodos tradicionais de ensino. Para além disso, oferece aos
estudantes muito mais possibilidades de desenvolver seus estudos de maneira
independente. A satisfação que os estudantes experimentam, consequentemente,
tem muito mais a ver com a estratégia em si do que com o carisma do professor ou
com a qualidade dos recursos visuais. De fato, o aluno torna-se o protagonista da
sua aprendizagem, porque se sente motivado, valoriza os conhecimentos trazidos
das suas experiências adquiridas ao longo da vida, amplia e desenvolve o seu
potencial para novas aprendizagens. Assim, a aprendizagem torna-se autodirigida,
auto orientada, e motivadora (BARRETT & MOORE, 2011; BARELL, 2007;
LAMBROS, 2004). O currículo centrado na ABP muda o foco do ensino para a
aprendizagem: do professor para o aluno como centro do processo de ensino e

40
aprendizagem, levando este à compreensão de que aprender não é apenas adquirir
informações, mas processar as informações para transformá-las em
conhecimentos.

3.2 O trabalho em grupo

Nos métodos tradicionais de ensino, o trabalho em grupo é uma atividade


habitual, usada pelos professores, nos cursos superiores, para o estudo de
determinado conteúdo. Os grupos se organizam de muitas formas e de acordo com
as exigências decorrentes dos tipos de atividades. Os objetivos são os mais
variados: organizar os alunos para a leitura e análise de textos; responder questões
prontas ou desenvolver alguma atividade que exige troca de conhecimento e
discussões que promovam a aprendizagem.
Na ABP, o trabalho em grupo destaca-se como uma forma de atividade em
que o aluno valoriza a convivência e se dispõe a participar, de forma criativa, do
processo de aprendizagem, buscando criar espaços para o trabalho cooperativo, no
qual todos são protagonistas, colaborando para uma aprendizagem mútua e integral
(BARRETT & MOORE, 2011). Durante o trabalho grupal, em que o processo
educativo se desenvolve, o aluno apresenta-se como um investigador reflexivo,
competente, produtivo, autônomo, dinâmico e participativo.
Nesse processo, o professor tutor é responsável por definir o tamanho dos
grupos, de acordo com a quantidade de alunos, de forma que os grupos atinjam um
número em torno de 4 a 5 componentes. Esse quantitativo permite que todos
possam se envolver com as atividades e participar de forma colaborativa, igualitária,
a fim de favorecer o desenvolvimento das habilidades individuais, apesar das
diferentes personalidades, para que haja coesão entre os componentes, o que
permitirá chegar a consensos nas discussões (WOODS, 2000; LAMBROS 2004;
SAVIN-BADEN & MAJOR 2004). Decerto um trabalho em grupo sempre revelará
divergências e até mesmo membros que não conseguirão se integrar, devido às
dificuldades em desenvolver suas competências colaborativas (SAVIN-BADEN &
MAJOR, 2004; CARVALHO, 2009); por isso, o professor tutor deve estar atento à

41
formação dos grupos para perceber quando algum membro não está conseguindo
participar, seja não se mostrando integrado ao grupo, seja não se mostrando
interessado pela forma de trabalho. Diante dessa dificuldade, o professor tutor
deverá buscar outras estratégias de integração desses alunos, tais como: verificar
o motivo real do desinteresse pelo trabalho; mudar o aluno de grupo, entre outras.
O trabalho em grupo promove a aprendizagem colaborativa, que é uma
oportunidade de formação pessoal e social. A colaboração oferece o espaço para a
reconstrução do conhecimento, que se configura como um conhecimento da
situação problemática; a análise e interpretação de dados; a comparação de pontos
de vista divergentes; e a explicação de conceitos e ideias. Assim, a criação de um
clima colaborativo é também uma fonte de valores entre os alunos que formam o
grupo: a capacidade de escutar e observar o que o outro diz; a solidariedade que
surge de maneira espontânea e a solidariedade que é construída entre todos; a
busca da verdade nas relações e na maneira de atuar de todos e de cada um dos
membros; o potencial de corrigir-se mutuamente e a espera do ritmo de
aprendizagem comum, considerando o tempo de cada um. Experimentar essas
aprendizagens é uma oportunidade de crescimento enriquecedora que somente o
trabalho colaborativo facilita. Nesse sentido, a aprendizagem colaborativa em
grupo, na educação superior, é um processo de mudança cultural; o professor tutor
é o agente dessa mudança quando, no espaço acadêmico, facilita a aprendizagem
por meio de métodos como a ABP (BARRETT & MOORE, 2011).
Essa aprendizagem em grupo, por meio da ABP, é mais um processo do que
um resultado. É um desafio a ser introduzido como um processo de investigação e
análise de problemas reais. Mas, para isso, é necessário um maior interesse e a
assunção de um maior compromisso dos professores para construir novas práticas
pedagógicas que consolidem, cada vez mais, a ABP na educação superior. E vale
ainda acrescentar que o trabalho em grupo, característico da ABP, admite variações
não só no tocante ao tamanho dos grupos, da frequência com que os grupos se
encontram para as reuniões, mas, também, no que concerne à complexidade dos
problemas a serem solucionados (BARELL, 2007; DELISLE, 2000).

42
Portanto, para os alunos, o trabalho em grupo é um conjunto de atividades
que favorece a aprendizagem; o desenvolvimento de competências; o
desenvolvimento da comunicação intergrupal e individual, possibilitando também o
desenvolvimento da socialização na sala de aula. Em si mesmo, o trabalho em
grupo já possibilita o desenvolvimento de todos esses aspectos por todos. Mas isso
vai depender diretamente do empenho de cada um no desenvolvimento das
atividades a serem realizadas pelo grupo. Na ABP, o trabalho em grupo possibilita
uma aprendizagem interdisciplinar e cooperativa e, também, proporciona aos
alunos refletirem acerca dos métodos tradicionais para poder perceber até que
ponto a ABP proporciona uma melhor aprendizagem.

3.3 O professor como tutor

A educação, por ser um processo dinâmico, exige do professor uma


permanente atualização e mudança nas suas práticas docentes, tendo em vista o
desenvolvimento de habilidades diferentes das que tradicionalmente são exercidas
em seu fazer pedagógico. Uma dessas habilidades é a de tutor, que lhe exige a
capacidade de desenvolver, em sala de aula as relações interpessoais com seus
alunos (SAVIN-BADEN & MAJOR, 2004; O’GRADY et al., 2012), pois, quando há
mudanças na postura do professor em sala de aula, consequentemente há
mudanças nas relações interpessoais com os alunos e até mesmo com seus pares.
Na dimensão do conhecimento, o mínimo a ser exigido de um professor é o
domínio do conteúdo de sua disciplina, mantendo constantemente atualizados os
conhecimentos científicos para dar resposta às exigências da evolução dos saberes
e às demandas da sociedade. Deve, ainda, conhecer a contribuição da sua
disciplina ao avanço tecnológico e identificar os valores éticos presentes na
sociedade. Na dimensão didático-pedagógica, é importante que o professor
conheça os processos psicológicos que afetam a aprendizagem, assim como os
métodos e estratégias didáticas, que, de acordo com as características da disciplina,
melhor favoreçam a aprendizagem.

43
A ABP é um método que contempla como um dos pontos fundamentais de
sua aplicação a relação entre o professor, o aluno e o conteúdo a ser estudado e
aprendido. Nessa relação, o professor posiciona-se como um mediador, um guia
que estimula os alunos a descobrir, a interpretar e a aprender. No desempenho
desse papel, assume a função de professor tutor, um criador de situações de
aprendizagem (O’GRADY et al., 2012). Além disso, contribui para o
desenvolvimento de uma série de princípios didáticos que vinculam o ensino e a
aprendizagem com situações reais, reforçando a atividade independente, ativa e
responsável do aluno na construção de novas aprendizagens que complementem
a relação professor, aluno e conhecimento adquirido.
O reconhecimento da importância do professor tutor vem acompanhado por
uma tentativa de delimitar o seu perfil, que se define basicamente por assumir a
responsabilidade pela criação e apresentação do cenário problemático; colaborar
com o processo de aprendizagem; ajudar na aprendizagem dos conhecimentos
conceituais da disciplina; acompanhar o processo de investigação e resolução dos
problemas; potencializar o desenvolvimento das competências de análise e síntese
da informação; ser corresponsável na organização do espaço de encontro e
relações no grupo; favorecer a criatividade que proporciona a independência dos
alunos ao abordar os processos cognitivos. Todas essas características do
professor tutor são apresentadas em relação às etapas fundamentais no processo
de aplicação da ABP.
Em síntese, a função do professor tutor na ABP é a de estimular os discentes
a tomarem suas próprias decisões, ajudá-los a definir as regras que nortearão o
trabalho do grupo, contribuir com eles na pesquisa dos referenciais importantes na
aprendizagem do tema em estudo e orientá-los na elaboração do trabalho final, bem
como apoiar aqueles que encontrarem dificuldades durante o processo. Nesse
sentido, o professor tutor acompanha o processo de aprendizagem e o
desenvolvimento dos alunos, ajuda a promover a integração do grupo, estimula a
exploração dos conhecimentos que os alunos possuem, a fim de que a estes sejam
acrescidos os conhecimentos que irão adquirir (LAMBROS, 2004; DELISLE, 2000;
O’GRADY et al., 2012; CARVALHO 2009). Assim, o professor tutor é visto como o

44
principal motivador da autonomia na produção do conhecimento dos alunos, tanto
individual quanto em grupo (SAVIN-BADEN & MAJOR, 2004; DELISLE, 2000;
O’GRADY et al., 2012; CARVALHO, 2009), sendo um dos responsáveis pelo
processo de aprendizagem bem-sucedido.

3.4 Etapas da aprendizagem baseada em problemas

A ABP possui uma estrutura básica regida por princípios gerais que lhe
permitem, de acordo com o nível escolar, o curso universitário e a disciplina,
modelar-se a fim de atender a cada uma das especificidades (BARELL, 2007;
LAMBROS, 2004).
De acordo com Leite e Afonso (2001) e Leite e Esteves (2005), a estrutura
básica da ABP ocorre em quatro etapas: a primeira inicia com a escolha do contexto
real da vida dos alunos para a identificação do problema e a preparação e
sistematização, pelo professor, dos materiais necessários à investigação. A
segunda etapa segue com os alunos recebendo do professor o contexto
problemático. Eles iniciam o processo de elaboração das questões-problema acerca
do contexto de que eles têm conhecimento prévio e que aprofundarão. Em seguida,
passa-se à discussão dessas questões em grupo (acompanhados pelo professor
tutor) para, a partir daí, iniciar o planejamento da investigação para a resolução dos
problemas. A terceira etapa é o processo de desenvolvimento da investigação por
meio dos diversos recursos disponibilizados pelo professor tutor. Os alunos, nesta
fase, apropriam-se das informações por meio de leitura e análise crítica, pesquisam
na internet, discutem em grupo o material coletado e levantam as hipóteses de
solução. Na última etapa, elaboram a síntese das discussões e reflexões,
sistematizam as soluções encontradas para os problemas, preparam a
apresentação para a turma e para o tutor e promovem a autoavaliação do processo
de aprendizagem que realizaram.
Nessa passagem, procedemos à apresentação de cada etapa, de forma mais
detalhada, para compreender a estrutura básica da ABP e as possibilidades de
adaptação para os diversos níveis de ensino, de cursos e de disciplinas.

45
3.4.1 A elaboração do cenário ou contexto problemático

A definição do cenário na ABP é uma das etapas mais importantes, pois a


escolha de um bom contexto problemático é garantia de que a investigação
desenvolvida pelos alunos seguirá com grande possibilidade de alcançar o objetivo
pretendido, que é a aprendizagem do tema investigado (CARVALHO, 2009). Por
isso, o cenário deve ser escolhido a partir de um contexto real, que faz parte da vida
dos alunos, para que haja uma identificação imediata do problema motivando-os a
continuar o desenvolvimento da atividade investigativa.
Para a construção de um bom cenário, é importante que seja dado um título
que chame a atenção do aluno e que, de imediato, identifique o tema objeto de
estudo. Este pode ser apresentado em diversos formatos; por exemplo: pequenos
vídeos, diálogos impressos, reportagens jornalísticas, figuras, texto impresso,
banda desenhada, entre outros (BARELL, 2007; BARRETT & MOORE, 2011).
Logo a seguir, apresentamos algumas características básicas e
fundamentais para a definição de um bom cenário, não esquecendo a necessidade
de adaptar essas características ao curso, à disciplina e ao nível da turma:
• Atrair o interesse dos alunos: um bom cenário deve ser capaz de
atrair e de mobilizar o interesse do aluno para o tema a ser estudado; estimular a
pesquisa para aprofundar os conceitos; ser autêntico, proporcionar a ligação do
conteúdo programático da disciplina com situações do cotidiano dos alunos
(BARELL, 2007; CARVALHO, 2009).
• Haver correspondência entre conteúdos curriculares e
aprendizagem: a correspondência entre o cenário e os objetivos da aprendizagem
é fundamental para que os alunos identifiquem que há consistência entre os
objetivos definidos no programa da disciplina para a aprendizagem e a
aprendizagem de fato (BARELL, 2007; CARVALHO, 2009).
• Possuir funcionalidade: o cenário é funcional quando pode ser
facilmente apreendido por meio de leitura escrita (com um vocabulário acessível e
bem construído); visual (com imagens de boa qualidade e tamanho); auditiva (o som
deve ser limpo, sem ruídos permitindo uma boa audição para a compreensão dos

46
alunos). Além disso, deve conter as informações necessárias e relevantes para
despertar a curiosidade do aluno e ativar seu conhecimento prévio; não deve conter
elementos que distraiam a atenção do tema principal da investigação; deve ser
desafiante e trazer os conhecimentos necessários à formulação dos argumentos
conceituais que levarão à resolução dos problemas (BARELL, 2007; BARRETT &
MOORE, 2011; CARVALHO, 2009).
• Ter o tamanho ideal: O cenário não deve ser nem muito extenso nem
curto demais, a ponte de impossibilitar os alunos de identificarem o contexto
problemático; e nem ser complexo demais, que impeça a compreensão dos
conceitos, ou simples demais que impossibilite a reflexão e a discussão acerca do
que deve ser aprendido. Assim, o cenário deve ter o tamanho e a clareza
necessários para apresentar a ideia e estimular os alunos a contextualizar e
desenvolver a investigação para a resolução dos problemas (CARVALHO, 2009).
Convém ressaltar que a construção do cenário problemático é de inteira
responsabilidade do professor tutor, salvo nos casos em que as adaptações
realizadas pelo tutor cumpram o mesmo objetivo, alcançando resultados
semelhantes ou melhores, pelo fato de serem os alunos que, ao receber o tema
geral do professor tutor, se organizam em grupos para, diante do contexto real no
qual estão inseridos, definir o local onde irão desenvolver a investigação do tema
dado. Também é importante lembrar que o professor tutor deve estar
constantemente planejando e atualizando os cenários para que o processo tenha
sempre a inovação como foco final da investigação e das soluções apresentadas
pelos alunos para o contexto problemático.

3.4.2 As questões-problema

Nesta fase, após receber o cenário contendo os elementos informativos do


contexto problemático da vida real, os alunos formam os grupos, com quatro a cinco
componentes (de acordo com o número de alunos da turma), e contam com a ajuda
do professor tutor, que exerce um papel apenas de orientar os procedimentos.
Assim, iniciam o processo em que buscam identificar as informações que faltam

47
para elaborar as questões-problema; organizam o trabalho em grupo (quem vai
fazer o quê) e, a partir daí, começam as discussões para a elaboração das questões
e o desenvolvimento da investigação acerca do contexto que deverão aprofundar.
Seguindo o planejamento elaborado, passam à discussão dessas questões em
grupo e com o professor tutor, que tem a competência de esclarecer as dúvidas,
escolher e definir quais os problemas mais relevantes para a investigação e
resolução, bem como decidir com os discentes como deverão apresentar as
questões-problema a serem aprofundadas tendo em vista a sua resolução sobre a
ordem hierárquica (LEITE & AFONSO, 2001).

3.4.3 A resolução dos problemas

Nesta terceira fase, acontece todo o processo de investigação no qual os


alunos farão uso dos recursos planejados e definidos na fase anterior. Ao apropriar-
se das informações, iniciam as pesquisas, tanto em grupo quanto individualmente,
trazendo os resultados para um amplo debate em grupo, tendo em vista a resolução
das questões-problema, apontando soluções em curto, médio e longo prazo (LEITE
& AFONSO, 2001).
Na organização do trabalho em grupo, os alunos poderão dividir o tempo para
cada atividade a ser realizada; podem, por exemplo, determinar o tempo para as
questões que eles devem pesquisar para fazer um diagnóstico seguro e decidir os
passos seguintes. Eles combinarão quais áreas todos devem investigar e quais
podem ser divididas entre eles. Em média, terão uma semana antes de apresentar
os primeiros resultados ao professor tutor. A discussão inicial do problema levará
os alunos mais criteriosos a identificar um grande número de áreas complementares
ao tema estudado para desenvolver uma pesquisa transdisciplinar. A ABP estimula
a busca por soluções transdisciplinares, pois, ao trabalhar com problemas
complexos, ainda sem solução, no mundo real, os estudantes têm de aprender a
relacionar conhecimentos de diferentes áreas, já que os problemas da vida real não
apresentam a divisão acadêmica em matérias e disciplinas. Para isso, os alunos
recebem ferramentas a fim de lidar com diferentes paradigmas científicos,

48
conhecimentos tácitos e soluções éticas e aceitáveis e usam conhecimentos de
diversas disciplinas (BARROWS & TAMBLYN, 1980; BARELL, 2007; O’GRADY et
al., 2012; LEITE & AFONSO, 2001).

3.4.4 Apresentação do resultado e autoavaliação

Para a apresentação do resultado final do trabalho, será necessária a


elaboração de uma síntese das reflexões e debates do grupo, que contenha as
soluções para os problemas investigados de forma sistemática, bem como a
elaboração de apresentação em slides. É importante que o grupo, ao final do
trabalho de investigação, realize a autoavaliação grupal e individual, e que esta seja
feita com a presença do professor tutor, que acompanhará o processo em cada
grupo para verificar se todas as questões-problema foram resolvidas ou não, e se a
justificativa para aquelas não solucionadas está em consonância com o fato de não
serem estas, de fato, possíveis de solucionar. Na apresentação final, o professor
tutor avaliará o processo da aprendizagem verificando se os conhecimentos
conceituais, procedimentais e atitudinais alcançados correspondem a resultados
concretos de aprendizagem significativa (LEITE & AFONSO, 2001).

4 A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA ABP

O uso da ABP como método de aprendizagem requer uma mudança na


concepção e realização da avaliação, já que seus objetivos não se limitam à mera
aprendizagem de conhecimentos conceituais por parte dos alunos, mas ao
desenvolvimento de competências mentais, direcionadas para, no mínimo, três
habilidades: de compreensão científica, por meio de casos do mundo real, de
estratégias de raciocínio e de resolução de problemas e de estratégias de
aprendizagem autorregulada e autodirigida (DELISLE, 2000; CARVALHO, 2009).
Por possuir uma função no currículo e, consequentemente, no processo de
aprendizagem autorregulada, a avaliação na ABP deve ser estruturada de tal forma
que os estudantes possam pôr em prática a compreensão dos problemas e suas

49
soluções de forma contextualmente significativas. Assim, o professor tutor necessita
pensar quais elementos devem ser avaliados e de que forma os avaliar. Isso faz
com que a avaliação na ABP se configure como o grande desafio para o professor
tutor (SAVIN-BADEN & MAJOR, 2004; CARVALHO, 2009).
Sabe-se que em todo processo de ensino e aprendizagem a avaliação é um
elemento fundamental. Na ABP, essa prática deve ser desenvolvida como parte da
aprendizagem e não apenas como um mecanismo de atribuição quantitativa de uma
nota ao aluno (SAVIN-BADEN & MAJOR, 2004; CARVALHO, 2009). Afinal, é
justamente pela atividade avaliativa que se obtém o feedback do aluno, no que diz
respeito a suas dificuldades no processo de aprendizagem, para que haja tempo de
ser feita a reorientação, por parte do professor tutor, ao tema ou conteúdo estudado,
no intuito de corrigir as incompreensões e possibilitar o retorno ao percurso de
aprendizagem desejado (DELISLE, 2000; CARVALHO, 2009). Bem diferente do
que ocorre em um sistema de avaliação tradicional em que a aprendizagem é
bloqueada; são realizados testes de múltipla escolha (em que prevalece a
memorização) e até mesmo questões que requerem respostas lacônicas,
simplistas, as quais podem ser pouco relevantes para avaliar o nível de
aprendizagem em que os alunos se encontram.
Outro ponto importante é que o professor tutor compreenda que, na ABP, é
fundamental que os alunos se mostrem capazes de desenvolver suas competências
para pensar de forma crítica e contextualizada; analisar e sintetizar as informações,
construir uma argumentação sólida, justificando bem seus resultados e produzindo
conhecimento de forma autônoma; interagir de forma colaborativa; demonstrar
organização na apresentação dos resultados e saber comunicar, com clareza e
confiança, os resultados alcançados, tanto na modalidade escrita quanto na
modalidade oral (DELISLE, 2000; CARVALHO, 2009).
No decorrer do curso ou disciplina, o professor tutor deve coordenar as
atividades de forma que a avaliação dos estudantes ocorra durante todo o processo,
lançando mão dos recursos didáticos disponíveis, com o objetivo de conhecer as
impressões dos estudantes e as dificuldades ou facilidades que estes apresentam
em sua aprendizagem. Ao final do curso ou disciplina, a análise das avaliações

50
realizadas pelo professor tutor, ao longo do percurso, é fundamental para a tomada
de decisões ou medidas corretivas que permitam melhorar a proposta de trabalho
para a próxima turma de estudantes e proceder a uma reflexão sobre as relações
tutor-estudante, tutor-conhecimento, estudantes-estudantes e estudantes-
conhecimento.
Também é responsabilidade do professor tutor preparar os instrumentos de
avaliação final de acordo com o que pretende avaliar. Esses instrumentos podem
ser de diversos tipos: testes desconhecimentos conceituais; elaboração de artigo
científico; apresentação oral utilizando slides; elaboração de relatório escrito;
portfólio; apresentação em pôster; pequenos vídeos, entre outros que, de acordo
com a disciplina ou curso, podem ser propostos pelo professor tutor (LAMBROS,
2004; BARELL, 2007; CARVALHO, 2009).

5 VANTAGENS E DIFICULDADES DA ABP

A ABP adaptou-se satisfatoriamente a várias áreas do conhecimento nas


últimas décadas. Porém, ainda é necessário um maior desenvolvimento de estudos
para que possa continuar avançando. Por tratar-se de um método no qual se
entrecruzam diversos modelos pedagógicos (aprendizagem colaborativa,
aprendizagem significativa, aprendizagem por meio de projetos, aprendizagem
autônoma, entre outros), se for corretamente utilizado, pode produzir experiências
de aprendizagem positivas, como vem sendo confirmado por numerosos trabalhos
publicados nos últimos anos (DELISLE, 2000; LAMBROS, 2004). Entretanto,
advertimos que podem surgir algumas dificuldades no uso da ABP, sobre as quais
é preciso refletir.
Não é novidade o fato de que toda mudança implica vantagens e
desvantagens. Nesse contexto, o reconhecimento das vantagens da ABP frente ao
ensino tradicional de aula expositiva tem promovido uma maior difusão do método
que, atualmente, é usado em diferentes áreas do conhecimento e em diversos
cursos de graduação e até na pós-graduação. Vejamos, a seguir, as vantagens e
as dificuldades da utilização da ABP, apresentadas por diversos autores

51
(MARGETSON, 1997; BARELL, 2007; DELISLE, 2000; WOODS, 2002;
CARVALHO, 2009).

5.1 As vantagens da ABP

Uma primeira vantagem a ser destacada é a motivação ativada pelo


dinamismo, que mantém o comportamento dos alunos direcionado para a vontade
de aprender. A motivação é o elemento fundamental da aprendizagem, pois
desperta o interesse e a curiosidade do discente pelos temas estudados para a
obtenção de uma aprendizagem de qualidade, o que vai gerar uma maior satisfação.
Essa forma de trabalhar estimula os alunos a envolverem-se mais na aprendizagem
devido à possibilidade de interagir com a realidade e observar os resultados desse
processo. Com isso se promove a ampliação do conhecimento e a motivação diante
da aprendizagem. Além de despertar a criatividade, a motivação é reforçada pelo
fato de os alunos trabalharem com problemas que irão enfrentar na sua futura
profissão, o que caracteriza uma aprendizagem significativa (MARGETSON, 1997;
BARELL, 2007; O’GRADY et al., 2012).
A integração do conhecimento é uma segunda vantagem da ABP. Ela
possibilita uma maior fixação e transferência do conhecimento. Ao desenvolver o
novo conhecimento integrando-o com o conhecimento prévio, ocorre a integração
da aprendizagem, o que permite a transferência, a ampliação e a duração do
conhecimento produzido. Pode-se afirmar com isso que o conhecimento é integrado
e memorizado de uma forma mais eficaz (MARGETSON, 1997; BARELL, 2007;
DELISLE, 2000; WOODS, 2002; CARVALHO, 2009).
A terceira vantagem traduz-se no desenvolvimento da habilidade de
pensamento crítico. A complexidade e a diversidade dos campos de formação e de
atuação necessitam que o aluno desenvolva a habilidade de pensar o conhecimento
de forma crítica e realize uma permanente investigação das informações e dos
conhecimentos para, depois, analisá-los criticamente e elaborar as questões
necessárias à resolução dos problemas. O pensamento crítico estimula a
imaginação e a criatividade necessárias à aprendizagem dos conhecimentos

52
conceituais de forma transdisciplinar (MARGETSON, 1997; BARELL, 2007;
DELISLE, 2000; CARVALHO, 2009).
A interação e as habilidades interpessoais, que dizem respeito à quarta
vantagem, são fundamentais no trabalho em grupo, na relação com o professor tutor
e na apresentação final dos trabalhos. A interação implica uma relação geral entre
todos os envolvidos na sala de aula, pois a ABP proporciona a aprendizagem não
só de resultados das atividades acadêmicas de investigação, mas, também, busca
alcançar aprendizagens mais amplas de caráter educativo interpessoal para
desenvolver habilidades afetivas, de convivência e de personalidade dos alunos. A
interação converte-se em um processo no qual os indivíduos participantes
aprendem a conviver e trabalhar com outros (MARGETSON, 1997; BARELL, 2007;
DELISLE, 2000; WOODS, 2002; CARVALHO, 2009).

5.2 Dificuldades da ABP

Existe uma insegurança inicial diante da mudança de método de ensino, pois


o novo traz inquietações, dúvidas e questionamentos, ao contrário de um método
de ensino convencional. A ABP supõe assumir responsabilidades e realizar novas
ações.
O tempo é uma das grandes limitações para o uso da ABP. Não é possível
realizar a construção do conhecimento de forma rápida como se faz nos métodos
tradicionais. Com a ABP, é necessário mais tempo para que seja possível aos
alunos alcançarem um nível de aprendizagem satisfatória. A dificuldade apresenta-
se, também, porque, ao fazer com que os alunos sejam ativos e autônomos em sua
aprendizagem, se reconhece que o tempo da disciplina deve ser ampliado para a
obtenção de um bom resultado, pois, caso não haja esse tempo, os alunos podem
se sentir inseguros acerca do conhecimento adquirido. Também o professor tutor
necessita de mais tempo para preparar os cenários problemáticos e para
acompanhar os alunos no desenvolvimento da aprendizagem por meio da ABP
(MARGETSON, 1997; BARELL, 2007; DELISLE, 2000; CARVALHO, 2009).

53
A inadequação do currículo também dificulta a aplicação da ABP. Como se
trata de trabalhar com problemas, os conteúdos de aprendizagem podem ser
abordados de forma distinta e com maior ou menor profundidade nas várias
disciplinas. Assim, se o currículo não está adequado à ABP, haverá um desequilíbrio
na aprendizagem do aluno, pois alguns professores trabalharão com a ABP e outros
não. Nesse sentido, há uma necessidade de fazer uma análise das relações dos
conteúdos das diferentes disciplinas no curso, para que não haja desequilíbrio na
aprendizagem. Daí a necessidade de pensar um currículo por meio da ABP
(MARGETSON, 1997; BARRETT & MOORE, 2011; WOODS, 2002).
A limitação dos recursos financeiros constitui-se em mais um entrave. Os
professores e os alunos necessitam de referenciais bibliográficos atualizados (e em
bom número), de salas amplas, equipadas com mesas, cadeiras e internet, que
possibilitem o trabalho de investigação dos conteúdos e problemas apresentados;
isso significa mais apoio institucional no que concerne à disponibilização de
recursos financeiros (MARGETSON, 1997).
A avaliação constitui um dos principais desafios na educação e para as
instituições universitárias. Como etapa fundamental do processo educacional, a
avaliação traz muitas dificuldades, incertezas e controvérsias. Na ABP, a avaliação
é parte do processo de aprendizagem e da produção do conhecimento individual e
grupal. É uma tarefa difícil para os alunos que não estão acostumados com o tipo
de avaliação que inclui autoavaliação e avaliação dos membros do grupo na
presença do professor tutor. Isso faz com que os alunos tenham medo de que seus
companheiros recebam uma nota negativa. Assim, a avaliação é considerada difícil
e uma complicada tarefa para os professores tutores atentos a uma série de
aspectos e reclamações que terão de resolver. Além disso, ainda têm de confrontar-
se com sua própria avaliação, que é feita pelos alunos, o que faz com que muitos
professores não se exponham, resguardando, particularmente, suas fragilidades;
afinal sabem que estão sendo avaliados (MARGETSON, 1997; BARELL, 2007;
DELISLE, 2000; WOODS, 2002; CARVALHO, 2009).
A falta de habilidades do professor tutor revela-se uma outra dificuldade. Nem
todos os professores possuem as habilidades necessárias para determinadas

54
dinâmicas na ABP, o que pode gerar um verdadeiro fracasso na utilização do
método. Assim, é de grande importância que o professor tutor conheça bem a ABP
para dominar todas as suas etapas e esteja bem preparado para definir novas
estratégias durante o processo quando surgirem imprevisibilidades no percurso. Ter
competência nas técnicas e dinâmicas de grupo para ser um bom facilitador do
processo de construção do conhecimento e aprendizagem é essencial na ABP
(MARGETSON, 1997; BARELL, 2007; DELISLE, 2000; WOODS, 2002).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se que o ensino e a aprendizagem são práticas demasiadamente


dinâmicas e complexas e que um único método de ensino não produz os resultados
esperados na aprendizagem para o exercício profissional. O desenvolvimento
rápido do conhecimento científico e tecnológico, as modificações e alterações nos
sistemas econômicos, sociais, políticos e no meio ambiente exigem dos
profissionais, nas mais diferentes áreas, uma visão multidimensional da realidade
em que estão inseridos. Nesse sentido, o processo educacional precisa avançar na
introdução de métodos inovadores de ensino e aprendizagem que acompanhem a
evolução do conhecimento na formação de profissionais que saibam transferir os
conhecimentos teóricos para a prática. Assim, a ABP apresenta-se como um
método inovador de aprendizagem utilizado em diversas instituições de ensino dos
mais diferentes níveis e tem alcançado resultados importantes na aprendizagem e
desenvolvimento de habilidades profissionais. Como se trata de um modelo que não
é fixo nem fechado, a ABP pode ser adaptada às diversas realidades e
necessidades dos cursos e conteúdo de estudo.
Outra questão importante a observar, e já apontada na literatura sobre
métodos de ensino inovadores na educação, é a necessidade do apoio institucional
em termos de incentivo, suporte pedagógico e infraestrutura. E não podemos deixar
de reconhecer que os ganhos que tornam a ABP um método eficaz, quer na
educação superior, quer em outros níveis de ensino, traduzem os benefícios
decorrentes da sua capacidade de alcançar objetivos educacionais mais amplos

55
que os alcançados pelas metodologias de ensino tradicionais; ou seja: além da
produção de conhecimentos, do desenvolvimento de habilidades e atitudes, os
alunos poderão ser bem-sucedidos em suas carreiras acadêmicas e profissionais.
A ABP também é um método que aprimora o trabalho do docente na medida
em que o estimula a acompanhar o processo de investigação desenvolvido pelos
alunos e tomar ciência do modo como eles chegam à solução dos problemas que
se propõem resolver. Assim, a ABP contribui com o desenvolvimento da formação
continuada do docente, pois os professores são impelidos a pensar em outras
formas de aperfeiçoar sua prática pedagógica diante dos novos desafios da
aprendizagem.
Resumindo, a ABP é um método eficaz por apresentar resultados de
aprendizagem importantes, observados por vários professores que o utilizam em
suas aulas como método de aprendizagem, seja em cursos universitários, seja em
curso de nível médio. Os resultados positivos, mencionados por todos eles são
reveladores dos reais benefícios desse método: alguns alunos que não se saem
bem no ensino tradicional, na ABP, apresentam resultados melhores em sua
aprendizagem, pois são mais ativos e comprometidos; os alunos dominam o
conhecimento e apresentam seus resultados, com mais segurança, visto serem
estes frutos de um processo de investigação e reflexão, conduzidos por eles
mesmos e não, simplesmente, se limitam a apresentar respostas prontas a
questões dadas pelo professor; os alunos exercitam suas habilidades de formulação
de questões-problema e análise crítica do cenário para a compreensão e a
resolução dos problemas; os alunos desenvolvem a capacidade de inter-relação e
cooperação no trabalho em grupo, pois buscam as informações e avaliam a sua
importância para a resolução dos problemas e aprendem com autonomia; por fim,
desenvolvem a capacidade de autoavaliação e avaliação do desempenho dos
integrantes do grupo.
Assim, trabalhar com problemas reais, por meio da ABP, supõe deixar de
lado, a ideia de que aprender significa memorizar conceitos transmitidos de manuais
didáticos. Consiste, sim, em processar as informações adquiridas por meio da
pesquisa, acrescentando novas compreensões significativas, para a ampliação do

56
conhecimento investigado. Supõe, também, abandonar a compreensão linear dos
conceitos para compreender o conhecimento como um processo em que estão
envolvidas várias dimensões e variáveis que tanto os professores como os alunos
devem levar em consideração, tais como: espaço, tempo, acesso a fontes de
informação, investigação da informação correta, posta em comum, de maneira
organizada e bem argumentada, além de pôr em prática determinadas habilidades
sociais e a disponibilidade de adquirir aquelas relacionadas com a comunicação
compartilhada, a escuta ativa e a organização grupal.
Vale dizer, por fim, que a ABP tem sido implementada em escolas urbanas e
rurais, com estudantes do nível primário e secundário, com estudantes das mais
diversas capacidades e das mais diversas idades e em quase todas as disciplinas.
Quando o docente está motivado e conhece a fundo suas técnicas, a ABP obtém o
melhor resultado com todos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.
A ABP, também, apresenta conteúdos sólidos e estimulantes; compromete os
estudantes em um nível emocional; e promove o desenvolvimento das habilidades
necessárias para desenvolver-se em um mundo complexo. Além do mais, contribui
com a organização curricular e define as estratégias de ensino a serem aplicadas
em combinação com outras estratégias, sempre que os objetivos de aprendizagem
exijam uma compreensão mais profunda.
Em se contemplando todos os passos desta abordagem, parece-nos haver
suficientes razões para acreditar que a ABP é uma estratégia eficaz, que todos os
docentes deveriam incluir em seu repertório didático para novas práticas
educacionais no século XXI.

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