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TEORIA DA

EDUCAÇÃO

Pablo Rodrigo Bes


Educação contemporânea
e o paradigma educacional
emergente
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar o paradigma educacional emergente.


 Descrever os conceitos e fundamentos que permeiam os paradigmas
inovadores na educação contemporânea.
 Avaliar a educação na perspectiva do paradigma educacional
emergente.

Introdução
Na educação contemporânea, vem se configurando um novo paradigma
educacional. Tal paradigma foi se constituindo com o passar das décadas,
apropriando-se de tendências pedagógicas dos séculos XIX e XX. Entre
elas, destacam-se as tendências socioculturais e as interacionistas, a visão
sistêmica, o uso de metodologias ativas e de tecnologias digitais como
ferramentas educacionais, bem como o esforço de associar o ensino
à pesquisa. Tudo isso se conjuga com o objetivo de formar um aluno
crítico, consciente de seu papel como cidadão no mundo globalizado
contemporâneo.
O paradigma educacional emergente refuta ideais de modelos ante-
riores, propondo uma nova roupagem para a educação escolar. Todavia,
muitos professores ainda ancoram suas práticas pedagógicas em para-
digmas anteriores, sejam eles liberais ou progressistas. Nesse contexto,
convém analisar como as questões econômicas acabam pautando o
currículo e o funcionamento da escola atualmente, o que representa um
grande desafio ao paradigma educacional emergente.
2 Educação contemporânea e o paradigma educacional emergente

Neste capítulo, você vai estudar o paradigma educacional emergente


no século XXI, conhecendo os seus principais fundamentos e conceitos.
Além disso, você vai ler a respeito da avaliação escolar defendida pelos
partidários desse novo modelo educacional.

1 O paradigma educacional emergente


Para começar, você deve ter em mente o conceito de paradigma. Um para-
digma pode ser compreendido como uma matriz de inteligibilidade que as
ciências propõem para os fatos que pesquisam ao longo do tempo. Logo, os
paradigmas são históricos e socioculturais; por isso, estão sempre em mutação.
Veiga-Neto (2007, p. 40) acrescenta que “[...] o paradigma funciona como uma
imagem de fundo, qual uma imagem de um quebra-cabeça, a partir da qual
se vê e se compreende aquilo que se pode compreender e ver do mundo [...]”.
Dessa forma, quando alguém adota determinado paradigma educacional
enquanto docente, entende que os ensinamentos e proposições de tal para-
digma são adequados para estruturar suas práticas de trabalho cotidianas.
Além disso, cabe ressaltar que “[...] não somos livres para ver e compreender
qualquer coisa, de qualquer maneira, senão a partir dos ‘esquemas’ dados por
um paradigma [...]” (VEIGA-NETO, 2007, p. 40).
Como você deve imaginar, os paradigmas educacionais foram se mo-
dificando ao longo do tempo, acompanhando as reconfigurações sociais e
culturais relacionadas com a educação, a escola, a ciência e a tecnologia.
Todas essas reconfigurações agregaram novos pensamentos, conceitos, prá-
ticas e noções didáticas a serem utilizadas na educação escolar, culminando
com o paradigma educacional emergente, ou seja, com o modelo ou padrão
que na contemporaneidade é considerado adequado para a promoção da
aprendizagem dos alunos.
Quando um novo paradigma emerge, os anteriores não são necessariamente
extintos. Pelo contrário: as ideias que compõem os paradigmas continuam
vigentes de forma simultânea; o que ocorre é uma mudança acentuada de
ênfases. No cenário educacional contemporâneo, tanto no Brasil quanto no
mundo, ainda há professores (e escolas) que são adeptos dos paradigmas
educacionais tradicionais, cientificistas e tecnicistas, por exemplo.
O paradigma educacional emergente se constitui como um novo arranjo
de ideias potentes que foram modificando a maneira de entender o processo
educacional e as práticas componentes da própria didática. Assim, é importante
você explorar alguns dos elementos que se fundem e possibilitam a configu-
Educação contemporânea e o paradigma educacional emergente 3

ração desse novo paradigma. Entre tais elementos, destacam-se: abordagem


sistêmica, abordagem progressista e ensino com pesquisa (BEHRENS, 2011).
A seguir, você vai conhecer melhor cada um deles.
O pensamento sistêmico surge na área da biologia, sobretudo a partir das
pesquisas do biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy (1901–1972), que se
opõe diretamente às ideias cartesianas até então dominantes nos paradigmas
educacionais. Como o conceito de sistema considera fundamentais a interde-
pendência, a relação e o contexto entre as partes para o resultado obtido na
ciência, Von Bertalanffy aponta o erro das teorias propostas por Descartes e
Newton. Estes entendiam que a ciência deveria ter como método de trabalho
a cisão entre partes, ou seja, a segmentação dos saberes a serem analisados
para produzir as “verdades”.
Ao analisar essa importante mudança de paradigmas, Capra (2007) comenta
que as ideias de Descartes, principalmente sobre o seu método científico,
impulsionaram outros cientistas, como Newton, a reforçar a explicação dos
fenômenos a partir da ciência. Esta deveria, para ser legitimada, possuir carac-
terísticas próprias, entre elas a neutralidade do pesquisador e a fragmentação/
decomposição dos pensamentos e problemas em partes, além da separação
entre mente e corpo. Entre os múltiplos efeitos desse paradigma, que foi a base
do Iluminismo no século XVIII, você pode considerar o seguinte:

[...] a excessiva ênfase dada ao método cartesiano levou à fragmentação carac-


terística do nosso pensamento em geral e das nossas disciplinas acadêmicas,
elevou a atitude generalizada de reducionismo na ciência — a crença em que
todos os aspectos dos fenômenos complexos podem ser compreendidos se
reduzidos às suas partes constituintes (CAPRA, 2007, p. 55).

Essas ideias cartesianas e newtonianas sobre a ciência são o fundamento


das tendências pedagógicas liberais. Tais tendências entendem que a educação
escolar é a responsável pela transmissão dos conhecimentos obtidos por meio da
adoção de métodos de pesquisa experimentais típicos das ciências positivistas
e exatas. Assim, a explicação para os fenômenos do mundo funcionaria como
uma máquina, isto é, mecanicamente: cada parte poderia ser responsável
somente pelas suas funções. Nesse paradigma tradicional de educação, caberia
ao professor, como detentor do conhecimento, repassá-lo aos alunos, que o
receberiam de forma submissa e obediente.
Com o paradigma sistêmico, passa-se a entender o funcionamento do mundo
de forma orgânica. O mundo seria comparável ao corpo humano, no qual cada
parte é necessariamente importante e interveniente para o funcionamento
4 Educação contemporânea e o paradigma educacional emergente

pleno do ser. Assim, supera-se a concepção mecânica e fragmentada, que


é substituída pelo conceito de interdependência e organicidade, e o homem
passa a ser entendido de forma holística. Capra (1996, p. 37) destaca que “[...]
a percepção do mundo vivo como uma rede de relações tornou o pensar em
termos de redes [...] outra característica-chave do pensamento sistêmico. Esse
‘pensamento de rede’ influenciou não apenas nossa visão da natureza, mas
também a maneira como falamos a respeito do conhecimento científico [...]”.
Dessa forma, o pensamento sistêmico coloca em evidência a importância das
relações, das interações, das trocas em rede entre os seres humanos, o que é
central nos paradigmas contemporâneos inovadores da educação.
Essas ideias repercutem em vários campos das ciências desde então, so-
bretudo na psicologia, na sociologia, na filosofia e na pedagogia. Propõem-se
novas visões sobre a criança e o seu desenvolvimento, sobre o processo de
ensino e aprendizagem e sobre as funções da educação escolar, sendo muitas
dessas ideias formuladas no âmbito das tendências progressistas da educação.
Assim, ainda que as ideias progressistas não tenham adquirido o que alguns
de seus pensadores almejavam, como a superação do modelo econômico
capitalista e liberalista pelo socialismo, muitas acabaram criando condições
para o surgimento do paradigma educacional emergente na atualidade. Entre
essas ideias, você pode considerar:

 a utilização de metodologias ativas, nas quais o aluno passa a ser o


centro do processo de ensino e aprendizagem;
 a noção de que a aprendizagem e o processo de socialização são os
fatores mais importantes, em detrimento do ensino;
 o entendimento de que a criança já traz consigo saberes adquiridos em
seu convívio social e cultural;
 a necessidade de considerar, ao longo das aulas, a realidade e o contexto
em que a criança se insere;
 a importância do desenvolvimento da capacidade de pensamento crítico;
 a busca por uma formação mais plena para o convívio social e para o
trabalho;
 o entendimento de que a criança é um ser em potencial que pode alcançar
patamares cognitivos mais elevados a partir da mediação do professor
e dos colegas.

Além dessas ideias progressistas da educação e do pensamento sistêmico,


as reflexões a respeito da pesquisa se fazem muito presentes no paradigma
educacional emergente. A pesquisa é a chave para os processos que buscam
Educação contemporânea e o paradigma educacional emergente 5

promover o pensamento autônomo voltado para o aprender. Como o mundo


atual é marcado pela velocidade das mudanças e pela profusão de dados e
informações, devido sobretudo às tecnologias de informação e comunicação
digitais, o uso da pesquisa é essencial. Veja o que Behrens e Mader (2015,
documento on-line) comentam:

[...] o principal reflexo do acesso à informação decorrente do contexto da


sociedade da informação, apresenta-se a abordagem do ensino com pesquisa.
Nesse caso, o ambiente da escola deve ser inovador, a fim de instigar o aluno
a inovar, respeitando as individualidades. Parcerias com empresas podem
auxiliar a tornar o ambiente equipado em termos de inovações tecnológicas,
indispensáveis para o desenvolvimento de um aluno com perfil de investi-
gador, ativo e produtivo, que elabora projetos e assume postura de sujeito no
processo pedagógico.

Cabe à escola prover os meios para que os estudantes façam bom uso das pos-
sibilidades oferecidas pela sociedade da informação. A ideia é que a aprendizagem
se torne tanto mais produtiva e eficiente quanto mais interessante, aliando-se ao
universo cultural do estudante. A seguir, você vai ver como se caracterizam os
paradigmas educacionais inovadores que emergiram nos últimos anos.

2 Paradigmas inovadores da educação


contemporânea
A educação contemporânea se caracteriza, como você viu, pela busca de uma
aprendizagem significativa. Para atingir esse objetivo, a educação se vale de
todas as possibilidades metodológicas que tornem o estudante o protagonista
do processo de aprendizagem e que o auxiliem a expandir sua capacidade
cognitiva e social. Assim, o paradigma educacional emergente se relaciona
muito com a própria ideia de inovação, que pode ser entendida como a busca
por um novo fazer, uma nova proposta e um novo sentido para a educação e
suas práticas, buscando a qualidade educacional. Tal qualidade é definida por
Schmelkes (1994, p. 4) da seguinte forma:

[...] a capacidade de proporcionar aos alunos o domínio de códigos culturais


básicos, a capacidade para a participação democrática e cidadã, o desen-
volvimento da capacidade de resolver problemas e seguir aprendendo, o
desenvolvimento de valores e atitudes compatíveis com uma sociedade que
deseja uma vida de qualidade para os seus habitantes.
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Note que as ideias em torno de uma educação integral dos alunos, en-
fatizadas pelas tendências progressistas da educação, também se fazem
presentes na contemporaneidade. Porém, tais ideias se justificam com base
no discurso da qualidade educacional e da qualidade de vida, como pontua
Schmelkes (1994). É importante destacar ainda outros fundamentos nos
quais se baseiam os paradigmas inovadores da educação (LAVAL, 2019;
MORAES, 2016). Veja:

 interatividade;
 construtivismo;
 socioculturalismo;
 criticidade;
 interculturalismo/antirracismo;
 hibridez;
 tecnologia;
 globalização;
 neoliberalismo.

A interação é a base por meio da qual ocorre a aprendizagem, seja nas


vivências em grupos culturais, típicos da educação informal, seja nas ativi-
dades ao longo da trajetória escolar (educação formal). A interação também
está presente quando se busca aprender ou desenvolver alguma habilidade de
forma sistematizada fora da escola (educação não formal).
Outro aspecto componente dos paradigmas inovadores da educação é o
seu caráter construtivo, ou seja, os indivíduos devem ser capazes de construir
seus processos de pensamento, modificando-os e adaptando-os ao mundo em
que vivem. Moraes (2016) destaca as contribuições do pensamento de Papert,
Gardner e Freire para que isso seja possível, comentando ainda que a prática
construtivista “[...] parte do pressuposto que o pensamento não tem fronteiras,
que ele se constrói, desconstrói e reconstrói, o que está de acordo com o modelo
científico atual. Está sempre em processo de modificação, transformando-se
pela ação do indivíduo sobre o seu mundo [...]” (MORAES, 2016, p. 198). Esse
pensamento invalida as ideias que associavam a aprendizagem da criança
somente a fatores externos a ela ou a características inatas ou predisposições
genéticas, estabelecendo como centrais as construções mentais que os sujeitos
desenvolvem ao longo de suas relações e interações.
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Paulo Freire inaugurou no Brasil o conceito de pedagogia social. Ou seja, Freire


procurou evidenciar a importância da aprendizagem voltada para a vida social dos
alunos, valendo-se de elementos práticos de suas vidas cotidianas em um processo
dialógico e transformador. Iniciativas como essa muitas vezes eram realizadas em
organizações do terceiro setor, como em igrejas e associações, fora do ambiente
escolar. Tais iniciativas eram caracterizadas essencialmente como educação popular.

O entendimento de que as questões socioculturais intervêm no processo


de aprendizagem dos estudantes faz com que o paradigma educacional emer-
gente procure focalizar o mundo e as suas reconfigurações. A ideia é que os
alunos possam analisar as características da sociedade de que fazem parte,
participando ativamente da interpretação do seu contexto e, inclusive, sendo
desafiados a resolver problemas sociais. Esses procedimentos são utilizados, por
exemplo, nas metodologias de Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP),
na pedagogia de projetos e na adoção de um currículo mais globalizado, que
evidencie conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais.
Por meio da análise das realidades sociais — com base em discussões
propostas a partir de conteúdos e projetos —, pode-se também desenvolver a
capacidade de pensamento crítico dos estudantes. Tal capacidade é fundamen-
tal para que eles proponham mudanças nos aspectos considerados ruins ou
deficitários na sociedade, bem como no interior dos grupos culturais de que
participam. Em outras palavras, o paradigma educacional emergente busca
uma educação intercultural e antirracista, em que todos os grupos étnicos
sejam igualmente reconhecidos. Oliveira e Candau (2010, p. 32) afirmam que:

[...] o termo reconhecimento implica: desconstruir o mito da democracia racial;


adotar estratégias pedagógicas de valorização da diferença; reforçar a luta
antirracista e questionar as relações étnico-raciais baseadas em preconceitos
e comportamentos discriminatórios [...].

Para que isso seja realizado pelo docente, é necessário que haja conhe-
cimento, interesse e posicionamento sobre essas questões tão importantes e
presentes na sociedade contemporânea, levando os alunos a entender que a
diferença é um fator positivo, que não deprecia ou inferioriza.
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Outro ponto muito enfatizado nos paradigmas inovadores da educação


é o ensino híbrido, também conhecido como blended learning. Esse tipo de
ensino associa as aulas presenciais na escola a ferramentas da tecnologia
digital para a realização combinada ou complementar do ensino a distância.
Ou seja, a aprendizagem híbrida se constitui de métodos e técnicas típicas
do ensino presencial (off-line) e de ferramentas do ensino a distância (on-
-line). A característica mais marcante do ensino híbrido é a que se refere a
uma experiência integrada. Dessa forma, “[...] as modalidades, ao longo do
caminho de aprendizagem de cada estudante em um curso ou uma matéria,
estão conectadas para fornecer uma experiência de aprendizagem integrada.”
(HORN; STAKER, 2015, documento on-line). Cabe salientar que existem
vários modelos que podem ser implementados nas escolas para proporcionar
aos estudantes essa experiência de aprendizagem híbrida. Entre eles, você
pode considerar os modelos de rotação amplamente aplicados: rotação por
estações de trabalho, rotação individual, laboratório rotacional e sala de aula
invertida ( flipped classroom).
Alguns autores acrescentam ainda que a escola atual se apropriou de várias
características típicas do sistema neoliberal e capitalista: empreendedorismo,
busca por criatividade, inovação, flexibilidade, adaptação a mudanças, con-
corrência, etc. A escola, ao apropriar-se dessas características relacionadas
diretamente ao mercado, deve ter o cuidado de não simplesmente reproduzir
e formar seus alunos para esses valores; a ideia é fazê-los refletir criticamente
sobre o modelo de sociedade em que essas ideias são colocadas em prática.
Nesse sentido, um aspecto significativo presente nos modelos inovadores
da educação contemporânea divide as opiniões dos intelectuais: a tendência da
escola de seguir as regras econômicas, do mercado de trabalho. Configura-se,
assim, o que Laval (2019, p. 17) chama de “[...] escola neoliberal [...]”, na qual a
educação passaria a ser considerada “[...] um bem essencialmente privado, cujo
valor é acima de tudo econômico [...]”. Note que, se a educação é um direito
social de todo cidadão brasileiro, deveria ser compreendida como um bem
público, um bem comum e acessível a todos, e não como uma ferramenta de
estratificação social, utilizada para classificar, dividir e posicionar os sujeitos.
A educação escolar no Brasil desenvolveu-se historicamente entre o uni-
verso da educação pública e o da educação privada, muitas vezes de forma
conflituosa, reconfigurando essas relações ao longo do tempo. Na atuali-
dade, há os mais diversos tipos e níveis de aprendizagem nas escolas públicas
(municipais, estaduais e federais) e nas privadas. Esses fatos levam a um
discurso enfático de privatização da educação pública, o que também é uma
das características básicas do neoliberalismo.
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Assim, ao longo das últimas décadas, os modelos escolares contemporâ-


neos se apropriaram de noções voltadas para o universo empresarial, fazendo
delas os padrões utilizados dentro da escola. Entre tais noções, destacam-se:
o empreendedorismo, a liderança, as relações interpessoais, a inteligência
emocional, a flexibilidade, etc. Isso pode estar fazendo com que a educação
escolar foque muito mais a preparação para o mundo do trabalho — isto é,
para a competição e a concorrência do modelo neoliberal — do que os demais
aspectos do desenvolvimento pleno e do exercício da cidadania, o que merece
reflexão e atenção dos educadores. Um modelo escolar que associa diretamente
a educação formal a vantagens econômicas futuras e à formação de um capital
humano diferenciado e mais competente alarga ainda mais as desigualdades
existentes na sociedade, não é mesmo? Esse é um dos grandes conflitos e
desafios pelos quais passa a educação escolar no Brasil e no mundo.
Como você viu, atualmente existe uma convergência de elementos teóricos
de outras épocas, apresentados tanto nas teorizações de natureza mais liberal
quanto nas mais progressistas. Em meio a esses elementos, o paradigma
emergente filtra e aplica aqueles que mais contribuem para a aprendizagem
dos estudantes na sociedade global, conectada e dinâmica contemporânea.
O ideal é que, nesse contexto, os professores se apropriem dos conceitos e
ferramentas emergentes para formar alunos para uma vida plena, que equi-
libre o trabalho com as relações sociais e os valores morais fundamentais ao
exercício da cidadania.

Howard Gardner (1943–) é um psicólogo cognitivo e educacional que, com sua teo-
ria das múltiplas inteligências, contribuiu muito para a superação do paradigma
educacional positivista e tradicional, que encarava a capacidade de raciocínio lógico-
-matemático como a única forma de inteligência (medida a partir dos Testes de QI
— coeficiente de inteligência). Assim, Gardner afirma que as pessoas possuem diversas
inteligências, umas mais desenvolvidas do que as outras, o que confirma que cada
ser humano é único e diferente. São estas as inteligências de Gardner: inteligência
lógico-matemática; inteligência espacial-visual; inteligência verbo-linguística; inte-
ligência interpessoal; inteligência intrapessoal; inteligência naturalista; inteligência
corporal-cinestésica; e inteligência musical.
10 Educação contemporânea e o paradigma educacional emergente

3 A avaliação no paradigma educacional


emergente
O paradigma educacional emergente, como você estudou até aqui, procura
romper com as amarras dos modelos educacionais anteriores. Ao mesmo
tempo, ele carrega consigo alguns traços e características mais significativos
desses modelos, que se aliam às necessidades atuais de formação e às possi-
bilidades metodológicas advindas das ferramentas digitais contemporâneas.
Dessa forma, seria incoerente pensar a avaliação nos moldes das tendências
pedagógicas tradicionais, que enfatizavam a medição e a classificação de
resultados finais, não é? Assim, ainda que a escola continue utilizando provas
e testes individuais, estes hoje compõem um todo maior e suas finalidades são
diferentes, como você vai verificar a seguir.
Suassuna (2007, p. 37), ao criticar o paradigma avaliativo classificatório,
propõe um novo conceito de avaliação para os tempos atuais, que deveria “[...]
instituir o pensamento crítico, favorecer a autonomia intelectual e a criativi-
dade, desenvolver-se em processos pedagógicos democráticos e solidários [...]”.
Ou seja, como a educação hoje integra o rol dos direitos sociais brasileiros,
o paradigma educacional emergente precisa formular novos pensamentos a
seu respeito, de modo a envolver os alunos, os professores (sua formação e
suas práticas pedagógicas), o currículo escolar, a estrutura das escolas e a sua
gestão, bem como os sistemas de ensino existentes.
Os paradigmas inovadores da educação contemporânea buscam dirigir
novos olhares ao processo de ensino e aprendizagem — e, consequentemente,
à forma de apuração de seus resultados em termos de rendimento e qualidade
educacional (GIMENO SACRISTÁN, 2020; HOFFMANN, 1994; SUASSUNA,
2007). Assim, o modelo avaliativo do paradigma educacional emergente é:

 processual;
 focado no ensino e na aprendizagem;
 dialógico;
 intersubjetivo;
 histórico;
 coletivo;
 ético;
 político;
 associado à cultura organizacional.
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O primeiro ponto a salientar é que a avaliação no paradigma educacional


emergente no século XXI possui um caráter processual. Isso significa que o
professor deve dispor de instrumentos e estratégias planejadas para observar
os avanços e as fragilidades de seus alunos ao longo de todo o processo de
ensino e aprendizagem. Dessa forma, a avaliação ocorre de maneira contí-
nua, fornecendo condições de diagnóstico e acompanhamento. O professor
pode ocupar a posição de mediador e atuar para que o desenvolvimento das
habilidades dos alunos se amplie.
Atualmente, o processo de ensino e aprendizagem é o foco da educação.
Compreende-se que o preparo do professor para ensinar é importante, porém
a aprendizagem é o foco principal. Assim, desloca-se o centro do processo
para o estudante. Da mesma forma, o ensino, como tarefa inerente aos pro-
fessores, deve se ajustar às exigências contemporâneas, que envolvem um
mundo global e digital, bem como às técnicas e metodologias que contribuem
para a aprendizagem dos alunos. Os docentes devem personalizar suas aulas,
inserindo metodologias ativas e inovações, como a gamificação. Isso implica
modificar a formação dos professores, para atuarem de forma mais eficiente
em busca dos objetivos educacionais.
Outro ponto importante, que já vem sendo discutido ao longo das últimas
décadas na área educacional, é a necessidade permanente do diálogo e do
acompanhamento dos estudantes enquanto vivenciam o seu processo de apren-
dizagem. Como salienta Hoffmann (1994, p. 56), “[...] a avaliação, enquanto
relação dialógica, vai conceber o conhecimento como apropriação do saber
pelo aluno e também pelo professor, como ação–reflexão–ação que se passa
na sala de aula em direção a um saber aprimorado, enriquecido, carregado
de significados, de compreensão [...]”. Assim, professor e aluno aprendem e
modificam-se na relação de ensino e aprendizagem. A aprendizagem pode
adquirir mais significados quando o docente procura conhecer seus estudantes
e proporcionar espaços para que eles participem, debatam, se envolvam com
o que aprendem e sejam capazes de se autoavaliar a fim de melhorar sua
própria performance.
O paradigma educacional emergente considera a avaliação também
como um processo intersubjetivo, ou seja, que ocorre internamente, por
meio das trocas entre o professor e os seus alunos, contribuindo para
produzir as suas subjetividades. Assim, a comunicação pedagógica na
sala de aula se reveste de extrema importância, devendo haver diálogo,
abertura à participação e colaboração mútua entre professores e estudantes.
Suassuna (2007, p. 38) afirma que “[...] a intersubjetividade implicada no
ato de avaliar reclama novos olhares sobre a realidade: para o outro, para
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diferentes contextos e níveis de desenvolvimento cognitivo, acertos e


erros, hesitações e conflitos, representações mentais e ideológicas, dados
aparentemente insignificantes [...]”.

Rodrigo foi um aluno muito aplicado e disciplinado ao longo de toda a sua trajetória
escolar na educação básica e traz boas lembranças dessa época, além de algumas,
infelizmente, ruins. Rodrigo sempre teve um pequeno problema de dicção, principal-
mente na pronúncia da letra “r”, o que nunca lhe chamou a atenção nem preocupou
seus pais. Porém, ao participar de um concurso de leitura na escola, começou a ouvir
de seus professores que “deveria desistir”, que “não seria o ganhador” e que “não
conseguia nem ler, que dirá ganhar um concurso”. Rodrigo persistiu, sendo eliminado
nas semifinais com a justificativa de que a sua leitura não servia como um modelo a
ser seguido pelos demais alunos, devido à sua dicção.
Rodrigo se lembra de como esse fato o deixou triste e desanimado na sua infância,
tornando-o inclusive mais introvertido e calado numa época de sua vida. Adulto,
porém, Rodrigo atua como consultor e, ironicamente, faz palestras e procura sempre
ajudar outros jovens que acreditam, devido a comentários ou resultados escolares, que
possuem alguma limitação. Esse exemplo indica que aquilo que um professor diz, bem
como a relação que ele estabelece com seus alunos em sala de aula, causa impactos
na subjetividade dos estudantes que podem reverberar ao longo de suas vidas.

Para os paradigmas inovadores contemporâneos, a avaliação é uma ex-


periência histórica e coletiva, que ocorre a partir de relações e interações
múltiplas existentes na escola. Tais relações e interações ocorrem tanto nas
atividades propostas pelo professor na sala de aula quanto nas demais experi-
ências vivenciadas entre estudantes, docentes, gestores e demais membros da
comunidade escolar. Dessa forma, a avaliação não é uma experiência de caráter
predominantemente individual, bem como nunca é uma prática neutra, pois
se associa aos aspectos históricos de cada época, às características, conceitos
e visões de mundo existentes. Considere, por exemplo, a situação descrita na
seção anterior: as competências exigidas para o mercado de trabalho invadiram
a escola; além disso, a educação por competências foi implementada por meio
da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nesse contexto, cabe à escola
rever suas finalidades, passando a considerar e a inserir em seus projetos
político-pedagógicos as realidades locais e os aspectos culturais, isto é, os
cenários e as tendências que se apresentam no seu próprio contexto.
Educação contemporânea e o paradigma educacional emergente 13

A avaliação, no paradigma educacional emergente, deve ser entendida


também em relação às questões éticas e políticas. A ética, nesse caso, envolve
considerar a finalidade da educação: a serviço de quem ela se realiza? Em quais
condições de execução? Com exclusão ou inclusão de todos? Com privilégios
ou de maneira equitativa? Já o viés político implica considerar que, no âmbito
das relações democráticas da gestão escolar, as metodologias avaliativas
devem ser amplamente discutidas, negociadas com todos os atores sociais que
fazem parte das comunidades escolares. Esse movimento pode ser realizado
a partir das plenárias de construção e revisão do projeto político-pedagógico
das escolas, uma vez que essas plenárias estabelecem os critérios e as ações
avaliativas que serão postas em prática ao longo do ano letivo.
Ainda é necessário e urgente que a avaliação seja parte da cultura orga-
nizacional das escolas, que seja entendida como elemento importante dos
processos educacionais. Afinal, tais processos são postos em prática para a
formação de sujeitos, ou seja, não são apenas ferramentas de controle e de
construção de indicadores. Os indicadores são importantes, porém muito mais
relevantes são as ações realizadas a partir deles. Sem tais ações, o processo
de ensino e aprendizagem não será enriquecido, não é?
Ao refletir sobre os modelos de avaliação e a escola contemporânea, Gimeno
Sacristán (2020, p. 331) comenta o seguinte:

Acreditamos que qualquer esquema ou modelo de realizar a avaliação, ou


qualquer proposta de mudança qualitativa das práticas escolares, como pode ser
a avaliação formativa, a qualitativa, a avaliação contínua, etc., deve considerar
as possibilidades de ser realmente implantado em termos de sua adequação
às limitações objetivas e subjetivas dos professores em seu trabalho. As pri-
meiras podem ser melhoradas, por exemplo, com uma redução do número
de alunos, com uma liberação de tempo durante a jornada escolar, etc.; as
segundas podem ser modificadas com uma melhor formação.

Como você viu, no paradigma educacional emergente, a avaliação envolve


a percepção dos elementos objetivos que podem interferir nos resultados da
aprendizagem dos alunos. Além disso, ela envolve as questões subjetivas dos
docentes, relacionadas diretamente com a sua formação, a ampliação das suas
visões de mundo e a sua percepção do papel da educação escolar na vida dos
alunos. Assim, a escola contemporânea procura reinventar-se, acompanhando as
tendências pedagógicas inovadoras que buscam conciliar práticas já existentes
com a proposição de novos elementos didáticos.
Nesse contexto, entende-se que a avaliação é essencial como ferramenta
diagnóstica, processual e formativa, contribuindo diretamente para a am-
14 Educação contemporânea e o paradigma educacional emergente

pliação das possibilidades de desenvolvimento dos estudantes — tanto nas


questões cognitivas quanto nas sociais, igualmente relevantes. Como professor,
é importante que você faça bom uso das práticas avaliativas, valorizando seu
caráter processual e qualitativo.

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Educação contemporânea e o paradigma educacional emergente 15

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