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INVESTIGADORES E RAZOÁVEIS
Resumo: Pretende-se neste artigo, a partir de um estudo teórico e bibliográfico, tematizar a proposta que o
paradigma da educação para o pensar, proposto inicialmente por John Dewey e defendida pelo filósofo e
educador Matthew Lipman, como um projeto que representa uma nova proposta teórico-metodológica que visa a
iniciação do processo formativo de sujeitos investigadores e pensadores razoáveis. Parte-se da premissa de que
frente à uma educação baseada em um paradigma que aposta numa proposta de ensino instrutiva-informativa e
ineficiente, para atender as demandas de uma educação realmente significativa e propulsora para o
desenvolvimento de sujeitos que pensam de modo razoável, é necessário repensar os princípios que regem a
prática educativa e a possibilidade de uma reforma educacional racional. O paradigma-reflexivo da prática crítica
traz a proposta de educação para o pensar que se apresenta como uma alternativa possível e viável de mudança.
Por conseguinte, nas linhas que seguem, buscar-se-á apresentar um estudo sobre o pensamento lipmaniano que
tematiza essa ideia a qual defende-se ser uma possibilidade válida. Na primeira parte deste percurso, será tratado
dos princípios gerais que diferenciam a educação tradicional da educação reflexiva apontando-se para a
importância de seguir o rumo da educação para o pensar. Na parte final, explorar-se-á a proposta de educação
para o pensar baseada na proposta lipmaniana de comunidade de investigação dialógica, cuja a meta é
possibilitar aos estudantes a aprendizagem do pensamento razoável e proporcionar experiências significativas.
Palavras-chave: Reforma do sistema educacional. Paradigma da educação para o pensar. Razoabilidade e
investigação.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
[...] ‘pensadores autônomos’ são aqueles que pensam por si mesmos, que não repetem
simplesmente o que outras pessoas dizem ou pensam, mas que fazem seus próprios
julgamentos a partir das provas que formam a sua própria visão de mundo e desenvolvem
suas próprias concepções acerca do tipo de indivíduo que querem ser e o tipo de mundo que
gostariam que fosse (LIPMAN, 2008a, p. 36 – grifo do autor).
No entanto, os métodos que são empregados na educação que tentam compensar a sua
ineficiência são semelhantes aos que fazem parte do próprio processo educativo, ou seja, eles
são pensados dentro do mesmo paradigma educacional. Essa ocorrência ameaça a
possibilidade bem-sucedida da educação compensatória, porque representa um conjunto de
estratégias que já são parte das concepções e métodos educacionais que são ineficazes, por
conseguinte, tais medidas não são uma solução e por si só não são suficientes para
proporcionarem melhorias, são apenas meras tentativas de remendar um padrão de educação
que já não consegue se sustentar. Nas palavras de Lipman e seus colaboradores (2001, p. 20),
“sem a compreensão clara dos fatores que determinam a baixa qualidade existente no sistema
educacional vigente, a educação compensatória como normalmente é feita, tende a se
preocupar com pouco mais do que aliviar sintomas”, todavia, o que provoca esses sintomas
ainda existe. Nada adiantará, portanto, trazer ou tirar inovações tecnológicas, estimular
professores, propor a participação dos pais e outras medidas que se possa tomar em relação a
compensação da crise educacional, se todas essas medidas são pensadas ainda dentro de um
paradigma educacional falho.
O problema mais evidente que o cenário educacional enfrenta, talvez não seja a
identificação da crise, mas sim, o modo como se tenta superá-la. Lipman e colaboradores
(2001, p. 22) concluem que sistematicamente busca-se remediar a ineficácia da educação a
partir de medidas que mais ou menos atacam os efeitos causados pela crise ao invés de
reformá-la. Somado a isso, ainda os autores denunciam que há muita preocupação em criticar
a ineficiência educativa e afirmar a existência de uma crise, mas pouco se faz em prol de
melhoria e, em certas circunstâncias, é atribuído às condições culturais e socioeconômicas dos
estudantes como causadoras da má educação. Essa atribuição silencia, em grande parte, a
possibilidade de pensar na educação a partir do ponto de vista de que não haveria o que fazer,
pois problemas educacionais relacionados as condições culturais e socioeconômica são
circunstâncias encaradas como normais e oriundas de uma sociedade altamente plural. Em
resposta, Lipman e colaboradores (2001, p. 21) defendem que a educação deve ser
reformulada de modo que as condições culturais e socioeconômicas sejam vistas “como uma
oportunidade para que o sistema prove a sua boa qualidade, e não como uma desculpa para o
seu colapso”. Não adianta culpar as circunstâncias do mundo, porque não importa em que
circunstâncias do mundo a educação se encontra, importa é o que é feito para melhorar a
educação de modo a promover uma melhoria para todos os envolvidos. Assim, frente a
ineficiência educacional e a importância da reforma, se justifica a possibilidade do paradigma
da educação para o pensar, por fornecer fundamentos que regem a prática e o processo
educativo rumo a proposta de educação mais qualitativo.
A respeito dos parâmetros da educação reflexiva, Lipman (1990, p. 163) comenta que
representa uma grande mudança de paradigma que redireciona o alvo da educação: “o
aprender deu lugar ao pensar”. Como mencionado anteriormente, para o autor, as ideias que
dão origem a esse padrão de educação estão ligadas ao filósofo da educação John Dewey,
[...] quem descreveu o curso natural do pensamento na vida diária como uma concatenação
de esforços na solução de problemas, quem viu a ciência como purificação e perfeição
daqueles esforços e quem viu a educação como um fortalecimento da produção de
significado no processo falível de pensamento inerente a todos os seres humanos
(LIPMAN, 1990, p. 163).
Dewey foi aluno de Charles Sanders Pierce, filósofo e cientista, a quem Lipman
atribuiu como o criador do termo comunidade de investigação, o qual referia-se à comunidade
de cientistas profissionais envolvidos com a metodologia científica na investigação de
problemas postos pelo grupo. Na compreensão de Lipman (2008a), Dewey entendeu que a
educação corre um sério risco de fracassar por cometer o erro categórico de confundir “os
produtos finais e refinados da investigação com o tema bruto e não polido da investigação e
[...] fazer com que os alunos aprendessem as soluções ao invés de investigarem os problemas
e envolverem-se no questionamento por si mesmos” (LIPMAN, 2008a, p. 30). Sob esse
ângulo, nas palavras do próprio Dewey (1979), a educação tradicional é adjetivada pelos
estudantes como desanimadora e ao mesmo tempo desconexa devido a mera oferta de
experiências deseducativas. Por experiências deseducativas, o autor define que é “toda a
experiência que produza o efeito de parar ou distorcer o crescimento para novas experiências
posteriores” (DEWEY, 1979, p. 14). As experiências deseducativas apresentam-se tal qual um
obstáculo epistemológico que impede o sujeito de buscar novas experiências com o
conhecimento estendendo o que é aprendido na escola para a vida cotidiana e social, o que faz
com que o estudante, na escola, fique estagnado e não queira conhecer o significado das ideias
ou as distorça.
Ao contrário do que é a proposta de educação tradicional, o projeto de Dewey (1959)
orienta-se pelos princípios de uma educação formadora de pessoas que construam
conhecimentos por si mesmas, isto é, uma educação para a formação de sujeitos
pesquisadores na qual seja possível o desenvolvimento do pensamento reflexivo. Para que tal
projeto concretize, o autor aponta que os estudantes devem formar comunidades de
investigação e trabalharem conforme a metodologia científica na solução de problemas
ligados a experiência humana. Esta proposição ampara-se na ideia de comunidade de
cientistas peirceana, ou seja, a comunidade de investigação escolar, na teoria de Dewey,
deveria funcionar de modo semelhante à comunidade de cientistas - trabalhar a partir de
problemas que afetam a vida das pessoas - elaborar hipóteses de resolução - testar essas
hipóteses - discuti-las com os pares - elaborar conclusões que podem ser provisórias.
A partir das ideias de Dewey e de autores como Gilbert Rely, Charles Sanders Peirce,
Justus Buchler, George Hebert Mead e Lev Vygostky, que sustentam o princípio norteador do
paradigma reflexivo da prática crítica, Lipman (2008a) fundamenta a sua proposta de educação
para o pensar na qual apresenta a comunidade de investigação dialógica. A teoria explícita
que essa proposta aponta, nas palavras de Lipman (2008b, p. 17), é interpretada pela asserção
de que “[...] ainda que se reconheça que a aprendizagem é um aspecto importante da
educação, [...] ainda nos falta conceber o ensino como iniciação no processo de pesquisa”. No
entanto, o autor não pretende afirmar que apenas o modelo científico é uma forma de
pesquisa, a investigação científica é, pois, “[...] somente uma entre muitas formas de
investigação que podem ser encontradas nas artes e ofícios, nas áreas humanas e nas
profissões e, na verdade em todo lugar em que os seres humanos estejam envolvidos em fazer,
realizar ou falar” (LIPMAN, 2008a, p. 355). A partir desse ângulo, o autor propõe que a prática
de pesquisar é desenvolvida por um processo autocorretivo, autotranscendente e autocrítico,
os quais se relacionam e resultam em julgamentos razoáveis e provisórios.
A filosofia é, pois, uma forma de investigação desse escalão e o diálogo também. Este
último, o diálogo, é um dos principais elementos teórico-filosófico do paradigma da educação
para o pensar, e não só isso, é também uma forma de investigação representativa das três
características do processo de investigação citadas anteriormente, a saber, a autocorreção, a
autotranscedência e a autocriticidade. Sendo dessa forma, não apenas os cientistas podem
envolverem-se com a pesquisa, crianças, jovens, professores, filósofos, todos podem ser
investigadores desde que estejam comprometidos com as características do processo de
investigação, de serem autocríticos com suas crenças, buscarem sempre ir além das
proposições dadas e abertos para modificarem seus pontos de vistas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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