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História do Brasil

República: Aspectos
Formativos
Material Teórico
A Era Vargas: da Revolução de 30
ao Estado Novo (1930-1945)

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Edgar Silva Gomes

Revisão Textual:
Prof.ª Esp. Kelciane da Rocha Campos
A Era Vargas: da Revolução de 30
ao Estado Novo (1930-1945)

• Introdução;
• Getúlio é o Estado (1930-1937);
• Revolução de 1932: a Elite Paulista se Revolta Contra Getúlio;
• Gestando o Estado Novo;
• Considerações Finais: “Melhorias” para a População em Prol da Elite.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Estudar os mecanismos políticos, sociais e econômicos que mantiveram o poder po-
lítico de Vargas por quase duas décadas; sua relação com a população; a industriali-
zação e a urbanização na Era Vargas.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

Contextualização
Assista ao documentário indicado a seguir de forma crítica. Lembre-se de que
mesmo os documentários são obras de ficção e carregam em si intenções e ideolo-
gias de quem os produziu, assim como a própria história que nos foi deixada como
legado pelos nossos antepassados. Segundo o professor Darcy Viglus, especialista
em Metodologia de Ensino, “A utilização do filme como recurso didático deve fa-
cilitar a aprendizagem, fazendo com que o aluno encontre uma nova maneira de
pensar e entender a história, uma opção interessante e motivadora, que não seja
meramente ilustrativa e nem substitua o professor, mas que seja um momento crí-
tico e reflexivo de aprofundamento da história. Um momento, como diria Almeida
(1994), de alfabetização midiática”.

Getúlio (Vargas) do Brasil: vida e obra política – Tv Senado. Getúlio do Brasil. Disponível
Explor

em: https://youtu.be/Ekj-zmB7sY8.

Bons estudos!

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Introdução
“Já temos Getúlio”
“Atenção! Atenção! Atenção! Vai falar o futuro presidente do Brasil, o doutor
Getúlio Dornelles Vargas!”1 – palavras de Evaristo de Morais, do Partido Democrá-
tico do Rio de Janeiro, ao anunciar o candidato à presidência da república Getúlio
Vargas, para um comício no Rio de Janeiro, no Castelo, no dia 2 de janeiro de
1930. Essas palavras foram proféticas porque Getúlio perdeu as eleições, mas se
tornou presidente do Brasil como veremos.

“A esplanada do Castelo, nome faustoso demais para um imenso terreno baldio e terra-
Explor

planado, de 431 mil metros quadrados, equivalentes a 61 campos de futebol e resultantes


do desmanche do antigo morro do Castelo, posto abaixo em 1921 para eliminar cortiços e
fornecer material aos aterros do Rio”. (NETO, Lira. Getúlio 1882-1930: dos anos de formação
à conquista do poder, p. 392). Imagem disponível em: https://goo.gl/d2ngXQ

A “política dos governadores” estava entrando em colapso na década de 1920.


Essa política, costurada no governo de Campos Sales (1898-1902) para garantir
a governabilidade Federal, buscou o apoio das oligarquias dominantes em cada
estado. Esse esquema político garantia os interesses das oligarquias em seus estados
e os interesses do poder central para governar o país. Os estados mais importantes
da época, São Paulo e Minas Gerais, o primeiro pela importância econômica que
acabara de adquirir, e o segundo pela sua forte influência política, forjaram uma
aliança que lhes garantiu governar o Brasil em sistema de rodízio durante a maior
parte da Primeira República; salvo raro momento de estranhamento, o país foi
governado por um político paulista ou mineiro.

Mas esse pacto para governabilidade, conhecido como “Café com Leite”,
estava sendo contestado justamente em São Paulo e na capital do país, Rio de
Janeiro, as duas maiores economias da época e as capitais que mais se desen-
volviam e se modernizavam. A indústria brasileira estava vinculada diretamente à
produção cafeeira e ao humor da economia internacional; os privilégios às elites
não cessavam, setores médios das cidades em expansão começaram a sentir o
peso desses privilégios.

A instabilidade do mercado internacional interferia diretamente na estrutura pro-


dutiva do país. O trabalhador ressentia-se de uma política que lhe protegesse dessas
crises, mas isso não acontecia, pois o governo federal estava comprometido com
as oligarquias. Precisaria haver uma quebra desse pacto que achatava os direitos
dos cidadãos comuns; “a luta pela industrialização, como pela liberdade econômica

1 NETO, Lira. Getúlio 1882-1930: dos anos de formação à conquista do poder. São Paulo: Cia. das Letras, 2012,
p. 393.

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UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

em geral, está intimamente associada à ideia do homem livre e da igualdade [...]


advoga-se a supressão dos monopólios ou privilégios, entraves à ação dos indiví­
duos e dos Estados”.2

A insatisfação com o pacto oligárquico cresceu com mais uma crise interna­
cional, fazendo crescer a oposição à política da República do Café com Leite.
Foi o que aconteceu em decorrência da Crise de 1929, nos Estados
­Unidos. Somava-se a essa conjuntura, e agravava ainda mais o problema,
o fato de a produção cafeeira ter atingido, em 1928, uma safra recorde
de 26 milhões de sacas. A situação se agravava quanto mais os efeitos
da crise se estendiam para além do setor financeiro norte-americano [...]
o que forçou o repatriamento de seus capitais investidos no exterior. Tal
medida provocou maior retração do mercado mundial [...] as turbulências
causadas pela quebra da Bolsa criaram, dessa forma, situação favorável
à rearticulação das forças políticas no Brasil [...] a hegemonia política
sustentada pelo pacto firmado entre as oligarquias paulista e mineira de
alternância no poder federal sofreu, com isso, irreparáveis abalos.3

A crise de 1929 fez com que o pacto entre São Paulo e Minas fosse quebrado
pelo então presidente da república, Washington Luís, membro da oligarquia pau-
lista, que indicou Júlio Prestes, outro paulista, para concorrer à sua sucessão. Essa
indicação provocou a reação do candidato natural à sucessão presidencial, que
seria o presidente do estado mineiro, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.
Explor

GRAZIER, Bernard. A crise de 1929. Porto Alegre: L&PM, 2009.

Como reação à quebra do pacto, outras oligarquias se uniram para fazer frente
ao candidato do presidente. Foi formada a Aliança Liberal, composta pelos estados
do Rio Grande do Sul e da Paraíba. Com o apoio de outros estados, saiu candidato
à presidência o gaúcho Getúlio Vargas, e o paraibano João Pessoa. Cavalcanti de
Albuquerque concorreu ao cargo de vice-presidente, lembrando que até as eleições
de 1960, os cargos de presidente e vice-presidente concorriam separadamente,
podendo o vice-presidente eleito não ser do mesmo partido do presidente.

Os políticos paulistas dissidentes do Partido Republicano Paulista, ninho de


oligarcas cafeicultores, fundaram o Partido Democrático (1926) e passaram a
­defender políticas voltadas não apenas para a agricultura, mas que privilegiassem
também o equilíbrio entre o comércio e a indústria. Fazia parte do PD um grande
contingente da classe média. Descontentes com as políticas agrárias do governo
federal, os dissidentes paulistas se juntaram às oligarquias paraibana, mineira e
gaúcha. Com isso, a Aliança Liberal atingia seu objetivo, que era não se restringir
apenas às classes dominantes, mas atrair para si as classes médias urbanas e o
operariado. Seu maior atrativo estava em seu programa.

2 IGLÉSIAS, Francisco. A industrialização brasileira. 6 ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 29.
3 AQUINO, Rubim Santos Leão de (et. al.). Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 309-310.

10
Pregava a defesa do voto secreto, do voto feminino, da criação da Justiça
Eleitoral, da regulamentação das leis trabalhistas, da adoção de uma polí-
tica econômica de amplo desenvolvimento nacional e anistia aos tenentes
[...]. Entretanto, essa nova composição política de oposição saiu derrota-
da no pleito eleitoral, aprofundando ainda mais a crise política instaurada
como extensão da crise vivida pela economia cafeeira.4

Entre os componentes da Aliança Liberal havia dois posicionamentos.


O primeiro, liderado pelo moderado João Pessoa, apoiou os resultados das urnas,
porém figuras políticas de destaque, como Oswaldo Aranha, não concordaram
com os resultados das urnas, haja vista o histórico de manipulações e fraudes elei-
torais que marcaram a Primeira República. Entre as eleições e a data prevista
para a posse do presidente eleito, articulou-se um golpe com a rearticulação dos
tenentes para que Júlio Prestes não assumisse o cargo.

Foi realizado um convite para que o famoso líder tenentista, Luís Carlos Prestes,
se juntasse ao golpe, coisa que ele recusou por não entender que haveria uma
ruptura com as oligarquias que sempre estiveram dominando a política brasileira.
Prestes, agora marxista assumido, qualificou o golpe como uma “Revolução das
Oligarquias”, pois não haveria uma ruptura estrutural, mantendo-se no comando
os mesmo políticos e interesses de sempre; era como se houvesse apenas um
embate entre as oligarquias e não uma mudança de rumo na política brasileira.

Prestes se alinhava ao PCB, que não se articulou com a Aliança Liberal na


disputa presidencial, apoiando o candidato do Bloco Operário Camponês (BOC),
Minervino de Oliveira, além de lançar candidatos que concorreram ao Senado e à
Câmara Federal. Sem eleger candidatos, continuou fazendo oposição às articula-
ções das oligarquias.
Essa votação retratava a pouca influência operária na política do país,
além de refletir, ainda, a fragilidade do partido no contexto da socie-
dade brasileira. Ao mesmo tempo, percebe-se que tal resultado eleitoral
decorria do predomínio político exercido pelas oligarquias sobre o
conjunto da população.5

João Pessoa, o líder moderado aliancista, foi assassinado em 26 de julho de


1930; governou a Paraíba desde o ano de 1928, indicado por seu tio, Epitácio
Pessoa. Ao assumir o governo, tomou medidas que visavam sanar as dívidas do
estado e transformá-lo em centro econômico do nordeste. As diretrizes orçamentá-
rias propostas pelo presidente paraibano mexeram com as alianças das oligarquias
de Pernambuco e Paraíba. Os impostos criados por Pessoa – taxa de pedágio;
imposto de importação; o imposto de incorporação, que concedia tarifa prefe-
rencial aos produtos paraibanos; entre outros – provocaram uma verdadeira guerra
fiscal com Pernambuco.

4 AQUINO, Rubim Santos Leão de (et. al.). Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 311.
5 AQUINO, Rubim Santos Leão de (et. al.). Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 313.

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UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

Entre essas e outras medidas implantadas por João Pessoa, uma das que mais
agravou sua situação foi declarar guerra ao cangaço, braço armado das oligarquias
rurais, com proibição da venda de armas e o desarmamento da população. ­Também
travou uma guerra contra o judiciário, a fim de diminuir a influência dos coronéis
sobre os júris municipais. Pessoa também destituiu dos cargos os ­juízes acusados de
encobertar os crimes dos coronéis e chefes políticos regionais e ­obrigou os juízes a
residirem nas comarcas onde atuavam.

Foram inúmeros e variados os protestos contra a administração de João Pessoa.


Internamente, enfureceu as oligarquias com os estados vizinhos. A reclamação
estava focada na guerra tributária, que enfraqueceu o comércio interestadual e
­fortaleceu o produto interno – nesse sentido, as associações comerciais dos estados
vizinhos reclamaram de suas imposições tributárias.
A repercussão política das medidas ultrapassava os limites do estado.
Estendendo o embate relativo à política fiscal do governo paraibano ao
âmbito nacional, o presidente pernambucano, Estácio Coimbra, pediu
a inconstitucionalidade das medidas fiscais. Buscava-se articular, com
isso, o isolamento político de João Pessoa através da mobilização envol­
vendo tanto os demais governadores nordestinos quanto o próprio presi­
dente Washington Luís. João Pessoa manteve-se incólume das pressões,
mas teve de recuar quando [...] foi publicada a inconstitucionalidade do
Imposto­de Incorporação.6

Mesmo com esse revés, o presidente do estado da Paraíba se manteve longe das
alianças com os coronéis do sertão e as oligarquias de seu estado. Essa atitude provo-
cou a ira dos homens poderosos de seu estado, levando a uma forte oposição interna
ao seu governo, sendo deflagrada uma verdadeira luta política com João Pessoa­.
Toda essa situação desgastante levou João Pessoa a participar da chapa oposi-
cionista a Washington Luís, pois a campanha das oligarquias paraibanas junto ao
governo federal desgastou a imagem do presidente paraibano junto ao poder federal.

Governo federal e governo da Paraíba estavam de relações cortadas, o que


­levou o importante oligarca paraibano José Pereira Lima a apoiar o candidato Júlio
Prestes. Nesse contexto, João Pessoa afastou qualquer possibilidade de candida-
tura desses dois políticos pertencentes ao Partido Republicano Conservador, que
lhe faziam oposição, às eleições de 1930. Esse fato “justificou” o levante armado
contra João Pessoa, entre os meses de março e julho de 1930. O desafeto do
presidente do estado, João Pereira Lima, chefe político da cidade de Princesa, no
sertão paraibano, declarou a região de sua influência um estado livre.

A Revolta da Princesa, comandada pelo coronel oligarca Pereira Lima, justifi-


cou, por sua vez, a perseguição por parte das autoridades do estado, a persegui-
ção às oligarquias, como, por exemplo, da família Dantas, o que levou o advo­
gado João Duarte Dantas e João Pessoa a se tornarem adversários políticos. João

6 AQUINO, Rubim Santos Leão de (et. al.). Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2005, pp. 314-315.

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Pessoa, devido à situação adversa, tornou-se autoritário, utilizando a força policial
para perseguir seus adversários políticos. Houve uma luta jornalística entre Dantas
e Pessoa. Dantas utilizava-se do Jornal do Commercio para atacar Pessoa, que se
utilizava do jornal A União para contra-atacar.

Em uma invasão ao apartamento de João Dantas na capital paraibana, foram


apreendidas cartas eróticas de uma jornalista, Anayde Beiriz, para Dantas. As
cartas foram publicadas no jornal A União para difamá-lo. O combate no interior
entre Pereira Lima e Pessoa continuava paralelo à luta política de Pessoa e Dantas
na capital. A luta armada entre a capital e a cidade de Princesa, no sertão da
Paraíba, teve um desfecho inesperado para uma situação que prometia se arrastar
por meses, devido ao apoio que Pereira Lima estava recebendo dos adversários
políticos de João Pessoa, inclusive do candidato a presidente Júlio Prestes.
[...] a luta estava para terminar, com um desfecho imprevisto. No dia 26
de julho, João Pessoa foi assassinado no Recife por um desafeto, João
Dantas, por motivos mais pessoais do que políticos. Com a morte do chefe
inimigo, José Pereira chegou à conclusão que não tinha mais razões para
lutar. Deixou sua terra, Princesa, e foi para Serra Talhada, em Pernambuco.

Em agosto, soldados do 21 Batalhão de Caçadores, obedecendo a uma


determinação do presidente Washington Luís, entraram em Princesa. Dois
meses depois, foram substituídos por tropas da PM. O município voltou a
fazer parte da Paraíba. A luta deixara um saldo de cerca de 600 mortos.7

A Revolução na estrada...
Acusando inclusive o governo federal pelas ações armadas e a morte de João
Pessoa, a Aliança liberal se articulou contra a posse de Júlio Prestes, unindo todas
as oligarquias contrárias à atitude de Washington Luís, que quebrou o pacto da
República do Café com Leite. No ano anterior, poucas pessoas poderiam sonhar
com essa possibilidade: quebra de pacto e instabilidade política no país, principal-
mente vinda do nordeste; o clima para conspiração não dependia de mais nada!

As oligarquias dos estados que compunham a Aliança Liberal se articularam


para tomar o controle da situação. O político que defendeu o respeito às urnas
estava morto. No dia 3 de outubro iniciou-se um levante armado contra o poder
central no Rio Grande do Sul. No nordeste, o levante foi liderado por Juarez do
Nascimento Fernandes Távora, o “vice-rei-do-norte” militar. Com experiência em
combates, havia participado em São Paulo, no ano de 1924, da revolta contra
o presidente Arthur Bernardes. Em 1926, integrou a Coluna Prestes. Preso em
combate, foi libertado no governo de Washington Luís. No ano de 1932, Juarez
Távora ajudou a sufocar a “Revolução Constitucionalista” em São Paulo. Em Minas
Gerais se formou mais uma frente de combate que se dirigia para São Paulo, onde
havia um foco de resistência à tomada de poder pela Aliança Liberal.

7 MARTINS, Franklin. Coronel x governador: a Revolta da Princesa. In: Conexão Política. Disponível em: <http://
www.franklinmartins.com.br/estacao_historia_artigo.php?titulo=coronel-x-governador-a-revolta-da-princesa>.
Acesso em: 16 mar. 2015.

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UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

Uma guerra civil poderia colocar em risco o controle das oligarquias da Aliança
Liberal, então os militares se articularam para depor o presidente Washington Luís;
compuseram a “Junta Pacificadora”. Formada na cidade do Rio de Janeiro, a junta
foi composta pelos generais João de Deus Mena Barreto e Augusto Tasso Fragoso­,
além do almirante José Isaías Noronha. O golpe do dia 24 de outubro recebeu
apoio popular em várias capitais do país. Passado um mês do Golpe de Estado, foi
formado o Governo Provisório, liderado por Getúlio Vargas. “A heterogeneidade
foi a principal marca de sua composição, o que contribuiu também para incentivar
o processo de mudanças sob intervenção estatal, marcando, dessa forma, uma
ruptura com o modelo liberal existente na República Velha!”.8

Os setores que predominaram na “nova” política pós-revolução de 30 não


foi muito diferente dos que “deixaram” o poder, trocou-se seis por meia dúzia.
As v­ elhas raposas no poder cederam espaço no galinheiro para as raposas mais
­jovens, ou seja, as oligarquias do eixo São Paulo – Minas Gerais – Rio de Janeiro,
que dominavam o poder, passaram a conviver com um quadro de políticos mais jo-
vens, composto por militares, industriais e técnicos diplomados; não houve grandes­
rupturas, o próprio Getúlio fazia parte da velha ordem de políticos, sua carreira
começou a se desenhar na década de 1920.

Getúlio Vargas passou a centralizar o poder em suas mãos, controlando as deci­


sões político-econômicas, deliberando os interesses em jogo no quadro nacional.
As oligarquias foram perdendo poder. Definitivamente, teve fim a política dos
gover­nadores que dominou o cenário político na Primeira República. Isso não quer
dizer que a velha política entre os estados e o poder central na base do “toma lá,
dá cá” conheceu o seu fim, essa política perpassa toda nossa história republi­cana,
em todos os governos, e chega aos dias atuais; mudou a fórmula, o poder ­agora
irradiava do centro para a periferia e não ao contrário, como existiu até 1930.

Surgiu da centralização getulista um novo tipo de estado. Esse “novo” estado


foi sendo forjado durante os anos em que Getúlio esteve no poder. O presidente
incentivou o capitalismo nacional, amparado no aparelho de estado e nas forças
armadas. Getúlio forjou também a aliança entre a burguesia nacional e a classe
trabalhadora urbana. Por esse motivo, o presidente foi cedendo espaço e poder
para a burguesia industrial no seu governo. Getúlio promoveu a industrialização,
deu maior atenção às reivindicações dos trabalhadores e atribuiu às forças armadas
o papel do controle da ordem interna do país.
Não por acaso, a Revolução de 1930 ficou estampada na memória social
como um profundo corte no processo histórico brasileiro [...] rompia-se
por fim o quadro sociopolítico da dominação oligárquica sob a hegemonia
da burguesia cafeeira [...] Os sete anos posteriores a 1930 seriam as-
sim um grande ensaio de amadurecimento da sociedade – frustrado pelo
­golpe de 1937 – com a presença crescente das classes populares u
­ rbanas,
os esforços por construir partidos que fossem a legítima expressão de

8 AQUINO, Rubim Santos Leão de (et. al.). Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 319.

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diferentes interesses sociais, a renovação do debate cultural [...] para a
velha burguesia cafeeira, para a nascente “intelligentsia” de classe média
[...] para os tenentes [...] convertidos em estadistas, o mundo brasileiro
anterior a 1930 incorporou-se definitivamente a um longínquo passado.9

Getúlio é o Estado (1930-1937)


O estado getulista agregou alguns tenentes que militaram na Revolução de
1930, mas não formou nenhuma “república dos tenentes” em seu governo,
manteve-os sempre numa posição subalterna. Juarez Távora foi ministro da Agri-
cultura e chegou a ser por um curto período ministro dos Transportes, além de
adido militar no Chile na década de 1940. Miguel Alberto Crispim Rodrigo da
Costa, militar “brasileiro”, nascido em Buenos Aires no ano de 1885, participou
da Revolta de 1924 e da revolução de 1930; Getúlio Vargas, em reconhecimento,
o alçou a general de Brigada.

Miguel Costa (7º da direita para a esquerda) e sua comitiva durante a Revolução de 1930.
Explor

Fotografia de Claro Jansson. Disponível em: https://goo.gl/RkxyZi.

O pernambucano João Alberto Lins de Barros, outro tenente que colaborou


com a Revolução, foi nomeado por Getúlio para ser interventor em São Paulo.
Governou o estado por um curto período (entre 1930-1931). João Alberto foi
considerado “responsável” pela deflagração da Revolução de 1932 e também pelo
preconceito contra os nordestinos, origem de muitos “tenentes”. Os interventores
foram parte integrante da política centralizadora do governo. Diretamente ligados
à desarticulação do domínio oligárquico nos estados, os tenentes não só apoiaram
o novo regime, como ajudaram a organizá-lo e assim enfraquecer as velhas forças
políticas rurais.

Com a perda de espaço no governo que estava se formando, as velhas raposas


da política nacional começaram a se articular lançando o “Movimento Constitu-
cionalista” de 1932. Foram se acirrando as disputas entre as oligarquias rurais
e o Governo Provisório. A partir desses atritos políticos, Getúlio precisou re-
ver sua trajetória para não colidir com essas oligarquias, que se queira ou não
também fizeram parte da Revolução de 1930. Contrariadas, rearticularam-se para
pressionar o governo, afinal a elite sempre se une para defender seu espaço no
poder. Não foi difícil mineiros e paulistas se unirem novamente.

Os tenentes, com suas aspirações reformistas, pressionaram para que houvesse


mudanças na estrutura política brasileira, pois “nessa conjuntura, reconfigurou-se
o cenário político nacional. A rearticulação das oligarquias agrárias levou à relativa

9 FAUSTO, Boris (Dir.). O Brasil republicano, v. 9, Sociedade e Instituições (1889-1930). História da Civilização
Brasileira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 455.

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UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

aproximação do governo com os chefes políticos regionais. Os tenentes reagiram


a essa aproximação pressionando por mudanças”.10 Houve nesse cenário algumas
divergências entre os tenentes e o governo, que não tinha nenhum programa de
reforma como desejavam os tenentes.
Apesar de o regime ter se apresentado como defensor das mudanças e
logo conciliar com as antigas forças políticas regionais, mantendo inalte-
radas as relações de poder que haviam sido questionadas pelo Movimento
de Outubro, os tenentes não deixaram de compor os quadros oficiais ou
de apoio ao governo. Foi nessa conjuntura, entre 1930 e 1933, sob a
iniciativa da cúpula do próprio Governo Provisório, que foram fundados
vários clubes e legiões em diversas cidades brasileiras. Tais associações
objetivavam lançar bases de uma organização partidária defensora dos
ideais de mudança das instituições vigentes na República Velha.11

Desde o início, o apoio veio das camadas médias da população, que dese­
javam ganhar espaço político e apoiavam as mudanças estruturais na política e na
­sociedade. A bandeira dos tenentes e dessa fatia da população que esteve alijada do
poder era movida pelo desejo de que houvesse um progresso social. Os ideais posi-
tivistas ainda resistiam, mas cedia espaço para a influência comunista, presente no
movimento trabalhista urbano e entre alguns tenentes, como Luís Carlos Prestes.

O Exército era de fato a única instituição social organizada naquele contexto, e


por isso foi inteligentemente utilizada por Getúlio para dar suporte ao seu governo,
pois “Governo Provisório e tenentes propunham o estabelecimento de novos me-
canismos de controle social e de fortalecimento do estado. Dessa forma, entendiam
que era necessária efetiva participação militar na vida política do país”. Com esse
pensamento, a ala conservadora tenentista, representada por Pedro Aurélio de
Góes Monteiro, se sobressaiu. Eles defendiam a necessidade de o Estado “ter poder
para intervir e regular toda a vida coletiva e disciplinar da nação, criando órgãos e
aparelhos próprios para tal”.12

As oligarquias agrárias viam com desconfiança a ênfase à industrialização de


ideologia nacionalista e a política que favorecia o mercado interno em detrimento
da política agrário-exportadora. Também estavam incomodadas com os ataques à
política realizada até 1930, tida como corrupta e imoral, sempre realçada pelos
tenentes do Clube 3 de Outubro, liderados por Juarez Távora, Góes Monteiro
e pelo político Pedro Ernesto Rego Baptista. Não só as oligarquias paulistas se
­ressentiram com esses ataques, outras oligarquias do país viam que tais propostas e
ataques ameaçavam seus poderes locais. Getúlio usava os tenentes como ­escudos.
Na linha de frente ao ataque às oligarquias, estavam os tenentes, preservando
­assim a aparência diplomática do presidente.

10 AQUINO, Rubim Santos Leão de (et. al.). Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 322.
11 AQUINO, Rubim Santos Leão de (et. al.). Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 323.
12 AQUINO, Rubim Santos Leão de (et. al.). Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2005, pp. 323-324.

16
Mesmo prestando todo esse trabalho ao governo, os tenentes perderam espa-
ço político. As oligarquias partiram para o ataque e enfraqueceram os tenentes a
partir da campanha pela constitucionalização no ano de 1931. Os tenentes fizeram
o “Pacto de Poços de Caldas” em reação às oligarquias. Eles se propunham, com
o pacto, a manter os ideais da revolução iniciada em 3 de outubro de 1930 contra
os oportunistas e interesseiros e revolucionários retrógrados. O resultado desse
embate foi o Movimento Constitucionalista de 1932. “A convocação da Assem-
bleia Constituinte, em 1933, marcou o declínio do tenentismo. O domínio oligár-
quico [...] buscou o retorno ao federalismo e ao domínio coronelístico, [houve]
acordos com as elites políticas regionais”.13

Estava, assim, deflagrada a primeira grande crise política ocorrida durante o


Estado Getulista (1930-1945). A Revolução de 1932.

Revolução de 1932: a Elite Paulista


se Revolta Contra Getúlio
A elite paulista e o PD estavam revoltados com a indicação de um interventor
nordestino para governar o estado de São Paulo, João Alberto, que aguentou no
cargo pouco mais de seis meses e demitiu-se. Em menos de um ano, até a eclosão
da Revolução de 1932, sucederam-lhe no cargo outros três interventores. Para
Fausto, “Em São Paulo a inabilidade do governo federal concorreu para a defla-
gração de uma guerra civil [...] negando as pretensões do PD, Getúlio marginalizou
a elite paulista”.1415

No final de 1931 e início de 1932, Vargas procurou conter as críticas organizando uma
Explor

comissão, presidida pelo ministro da Justiça Maurício Cardoso, encarregada de organizar o


novo Código Eleitoral. Em fevereiro de 1932, o Código Eleitoral foi publicado e um novo in-
terventor foi nomeado para São Paulo, o civil e paulista Pedro de Toledo. Os sinais de trégua
emitidos por Vargas, no entanto, não arrefeceram os ânimos. Formou-se a Frente Única
Paulista (FUP), cujos principais lemas eram a constitucionalização do país e a autonomia
de São Paulo. Em maio de 1932, Vargas marcou a data das eleições para dali a um ano. A
medida não teve resultados práticos no sentido de conter a conspiração política, que naque-
le momento já corria solta. A morte de quatro estudantes paulistas em confronto com forças
legais criou mártires: as iniciais de seus nomes – Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo –
foram usadas para designar uma sociedade secreta, MMDC, que tramava para derrubar o
governo.15 Disponível em: https://goo.gl/2kB9eU.

13 AQUINO, Rubim Santos Leão de (et. al.). Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 325.
14 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, p. 342.
15 FGV CPDOC. Anos de incerteza (1930-1937). Revolução Constitucionalista de 1932. Disponível em: <http://
cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/RevConstitucionalista32>. Acesso em: 16 mar. 2015.

17
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UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

A elite paulista, que defendia a autonomia dos estados, o liberalismo e a cons-


titucionalização do país, também solicitou a nomeação de um interventor civil e
paulista para governar o estado até as próximas eleições. Nesse clima de incer­
tezas, houve a aproximação do PD com o PRP, contrários aos ideais tenentistas
de centralização e prolongamento da ditadura imposta pelo Governo Provisório.
Os partidos paulistas citados formaram a Frente Única Paulista para defender os
interesses comuns dos paulistas.

Como a pressão pela distensão da ditadura era reivindicada também por Minas
Gerais e Rio Grande do Sul, o governo, tentando amenizar a situação, nomeou
o paulista Pedro de Toledo para interventor em São Paulo e promulgou o código
eleitoral. Nele incluiu o direito das mulheres de votar, fato que já tinha ocorrido
no Rio Grande do Norte, ainda na Primeira República. “O código trouxe algumas­
­importantes inovações. Estabeleceu a obrigatoriedade do voto e seu caráter secreto­.
Pela primeira vez reconhecia-se o direito de voto das mulheres”.1617

Você Sabia? Importante!

Em 1927, no Rio Grande do Norte, o candidato ao governo daquele Estado, Juvenal


­Lamartine, incluiu em sua plataforma a luta pelo voto feminino. Quando foi elaborada a
lei eleitoral do Rio Grande do Norte daquele ano, Juvenal solicitou ao então governador,
José Augusto Bezerra, que incluísse a emenda que permitia que todos os cidadãos que
reunissem as condições exigidas, sem distinção de sexo, poderiam votar e ser votados.
A Lei n° 660 foi aprovada no dia 25 de outubro de 1927. Várias mulheres requereram suas
inscrições eleitorais e, no dia 25 de novembro de 1927, a professora Celina Guimarães­
obtém seu registro e se torna a primeira eleitora do Brasil.17

Figura 1 – Primeira eleitora: Profª Celina G. Vianna


Fonte: tse.jus.br

16 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, pp. 342-343.
17 PEREIRA, Rodrigo Rodrigues; DANIEL, Teofilo Tostes. O voto feminino no Brasil. Disponível em: <http://www.
prr3.mpf.mp.br/component/content/180?task=view>. Acesso em: 16 mar. 2015.

18
O Código eleitoral definiu a proporcionalidade eleitoral para o Legislativo, o que
garantia a representação das minorias. Ao lado da representação dos cidadãos, o
governo inseriu, baseado no corporativismo fascista, a representação profissional,
regulada por decreto no ano de 1933, determinando a participação de quarenta
congressistas, escolhidos nas entidades de classe, para representar sindicatos ou
associações profissionais de patrões e empregados.

Naquele contexto, a bancada classista seria maior que a de Minas Gerais e


poderia ser mais facilmente controlada pelo governo para contrabalancear os opo-
sicionistas de São Paulo e Rio Grande do Sul. Houve também a criação da Justiça
Eleitoral, que teve a incumbência de organizar e fiscalizar as eleições, no intuito de
reduzir as fraudes eleitorais, bastante comuns durante toda a Primeira República.
Essas medidas não foram capazes de arrefecer o ânimo dos paulistas, que partiram
para o ataque contra o governo.
Na oposição, permaneciam as dúvidas acerca da convocação de elei-
ções e do controle dos “tenentes”. O governo era muito criticado por
contemporizar na punição de um grupo tenentista que empastelara no
Rio de Janeiro o Diário Carioca, logo após ser promulgado o Código
Eleitoral. Em março de 1931, a Frente Única Gaúcha – formada pelos
partidos regionais – rompeu com Getúlio. Este fato levou os grupos que
já conspiravam em São Paulo, em sua maioria ligada ao PD, a acelerar os
preparativos para uma revolução. Um episódio dramático, ligado à tenta-
tiva de invasão da sede de um jornal tenentista acendeu os ânimos. Qua-
tro rapazes (Miragaia, Marcondes, Dráusio e Camargo) formam mortos a
tiros, disparados da sede do jornal.18

Em julho de 1932, explodiu a revolução em São Paulo, a aguardada adesão


de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul não ocorreu e para piorar a situação, o
interventor gaúcho, Flores da Cunha, traiu São Paulo e apoiou o governo federal
enviando tropas contra o estado. Uma pequena rebelião ocorrida no sul contra o
governo federal foi derrotada. O general Bertoldo Klinger, do Mato Grosso, decidiu
socorrer São Paulo e chegou à capital no dia 12 de julho com um pequeno contin-
gente de soldados. O plano dos revolucionários falhou; eles tinham a intenção de
fazer um ataque fulminante contra a capital federal e colocar em xeque o governo
para pressioná-lo a negociar com os revoltosos.

São Paulo, apesar da simpatia despertada em outras capitais para a “sua” causa,
que na realidade era a causa de todo o país, ficou isolado, a luta ocorreu em seu
território e o porto de Santos foi bloqueado pela Marinha. O recuo do Rio Grande
do Sul e de Minas Gerais se justificava pelo fato de não se disporem a apear do
poder o governo que haviam ajudado a conquistá-lo a menos de dois anos. O
arsenal bélico e humano de São Paulo se resumiu à Força Pública do estado e à
adesão de civis à causa paulista, que enfrentaram praticamente sozinhos as forças
federais. “O movimento de 1932 uniu diferentes setores sociais, da cafeicultura à

18 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, pp. 345-346.

19
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UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

classe ­média, passando pelos industriais. Só a classe operária organizada que se


lançara em algumas greves [...] ficou à margem dos acontecimentos”.19

Houve comícios para mobilização das pessoas em torno da causa da constitu-


cionalização do país através do rádio. A propaganda da superioridade paulista em
relação ao restante do país utilizou com eficiência a imagem de uma locomotiva
puxando vinte vagões vazios, representando os outros estados da federação, e
­alvoroçava a população. As pessoas doavam joias e bens materiais para a causa
dos revolucionários, que fizeram um apelo através da campanha “Ouro para o bem
de São Paulo”. Os paulistas chegaram a enviar representantes aos Estados Unidos
para comprar armas e aviões.

Foi em vão toda tentativa de São Paulo para enfrentar as forças federais, cuja
capacidade numérica e bélica superava em muito a capacidade dos paulistas.
­Segundo Fausto, o contingente que lutava por São Paulo não passava de oito mil
e quinhentos homens, enquanto que só o exército brasileiro contava com mais de
dezoito mil homens. As forças armadas contavam com artilharia pesada, além de
armamento leve. São Paulo, para intimidar os ataques federais, chegou a impro­
visar um equipamento apelidado de “matraca”, que imitava o ruído de uma metra-
lhadora despejando balas, mas que não tinha nenhum poder letal. Mesmo com a
discrepância de forças, os paulistas resistiram por três meses.
Por fim, representantes da Força Pública paulista reuniram-se a 1º de
­outubro de 1932 com o general Góis Monteiro [...] A Força Pública deci-
diu render-se, em um gesto que poupou vidas e pôs fim às últimas espe-
ranças de resistência [...] A bandeira da constitucionalização abrigou tanto
os que esperavam retroceder às formas oligárquicas de poder como os
que pretendiam estabelecer uma democracia liberal no país [...] ­Embora
vitorioso, o governo percebeu mais claramente a impossibilidade de ig-
norar a elite paulista. Os derrotados, por sua vez, compreenderam que
teriam de estabelecer algum tipo de compromisso com o poder central.20

Para acomodar a situação, Getúlio Vargas nomeou um interventor civil da elite


paulista para governar o estado, Armando Salles de Oliveira, cunhado de Júlio de
Mesquita Filho, proprietário do jornal O Estado de São Paulo. Ainda decretou o
“reajustamento econômico”, que reduzia o débito dos agricultores atingidos pela
crise de 1929. Com a constitucionalização, a elite paulista se acomodou com as
conquistas obtidas, mesmo após a derrota armada.

Os “tenentes” foram perdendo força dentro do exército e prestígio político no


governo. Uma parte continuou no governo, outra parte se aninhou dentro dos
partidos de direita ou de esquerda; estava decretado o fim dos “tenentes” como
movimento representativo de uma classe militar e representativa da classe média,
o que nunca chegaram a ser de fato. Segundo Décio Saes, os tenentes, desde o
início, estavam sempre alinhados com as oligarquias dissidentes.

19 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, p. 346.
20 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, p. 350.

20
O governo “resolveu” constitucionalizar o país e convocou eleições para a
Assembleia Nacional Constituinte em maio de 1933. Muitos partidos surgiram
no país, de todas as tendências e ideologias, porém continuamos sem ter um
partido de representação nacional; os únicos com representatividade nacional
eram os comunistas, que estavam na ilegalidade, e a Ação Integralista Brasi-
leira (AIB) de Plínio Salgado, um partido que teve vida curta e intensa durante
apenas cinco anos, quando foi extinto por Getúlio Vargas com a ascensão do
Estado Novo (1937-1945).

As elites regionais mostraram sua força nas urnas. Os partidários de Flores


da Cunha foram eleitos no Rio Grande do Sul, os partidários de Olegário Maciel
venceram em Minas Gerais e a vitória da Frente Única Paulista foi incontestável.
Os “tenentes” obtiveram um resultado fraquíssimo nas eleições. A Constituição
foi promulgada em 1934, no dia 16 de julho, após meses de debates. A Repú-
blica Federativa foi o modelo ratificado, ou seja, já estava presente na Constituição
de 1891, no entanto o modelo que inspirou a nova Constituição não era mais o
norte-americano, mas sim o da República de Weimar. A novidade foram os novos
títulos, que tratavam da família, educação e cultura; da ordem econômica e social;
e da segurança nacional.

Getúlio Vargas foi eleito de forma indireta pela Assembleia Nacional Consti-
tuinte para um mandato de quatro anos (1934-1938); as próximas eleições presi-
denciais seriam diretas.

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de Julho de 1934


Explor

Disponível em: https://goo.gl/dYNCTM. Acesso em: 16 mar. 2015.

Igreja, Escola, Trabalho e Cafezinho...


A elite eclesiástica brasileira mais uma vez se atrelava ao poder. Com Getúlio,
a relação se mantinha. Se antes o catolicismo articulava nos bastidores, agora a
relação estava aberta. O Cristo Redentor, programado para ser inaugurado no
centenário da independência em 1922, só foi concluído e inaugurado com toda a
pompa no dia 12 de outubro de 1931, com a presença de autoridades do governo
e da igreja. O Cardeal Leme consagrou a nação ao “Coração de Jesus”.

A troca de favores entre Estado e Igreja não se manteve somente nas aparên-
cias cordiais. Para o Estado, os frutos se deram sob a influência do catolicismo
no cotidiano das pessoas e na penetração que mantinha na vida privada dos fiéis,
levando-os a apoiar o governo; para a Igreja, a colheita foi mais pragmática, con-
seguindo já no ano de 1931 que o governo decretasse a permissão do ensino
religioso nas escolas públicas, mesmo estando em um país republicano e “laico“.
Entre acertos e distensões, Getúlio conseguiu controlar também a elite eclesiástica
brasileira com seu bom papo e alguns favores.

21
21
UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

Você Sabia? Importante!

A idéia da construção de um monumento religioso no Rio de Janeiro ressurgiu no ano


de 1921, no Círculo Católico, como forma de marcar as comemorações do centenário da
independência. Eram membros do Círculo Católico os intelectuais José Agostinho dos
Reis, Candido Mendes de Almeida, Fernando Mendes de Almeida, Pedro Carvalho de
Moraes, Conde Carlos de Laet, entre outros. Mas se a construção do Cristo era coisa certa,
a curiosidade é que os morros do Pão de Açúcar, o Corcovado e o Morro de Santo Antônio
disputavam quem iria abrigá-lo. O Corcovado venceu a disputa por ser o morro mais
alto. Houve um grande abaixo assinado entregue ao Presidente Epitácio Pessoa, para
a autorização da construção do monumento. A pedra fundamental da construção do
Cristo Redentor foi lançada no dia 4 de abril de 1922. As obras só se iniciaram no ano de
1926 e a inauguração oficial deu-se no dia 12 de outubro de 1931. A inauguração contou
com a presença do Cardeal Leme, de diversos bispos brasileiros, fiéis e do então chefe do
Governo Provisório Getúlio Vargas e de todo seu ministério. (GOMES, Edgar da Silva. O
catolicismo nas tramas do poder. Tese de doutorado em História Social, PUC-SP, 2012,
p. 277.). Disponível em: https://goo.gl/QqsXZq, https://goo.gl/W3PpLv.

No estado getulista, assim como em parte da Europa, o que predominou em


sua organização foi a influência das ideias fascistas. Havia uma crescente migração
campo-cidade, o que consequentemente aumentou a mão de obra disponível para
o mercado de trabalho. “O aumento do número de operários, entretanto, sofre as
vicissitudes da Crise de 1929, quando desemprego e paralisação das fábricas dimi-
nuem o crescimento industrial”.21

Na Primeira República, a questão operária era considerada um “caso de polícia”,


mas essa questão começou a mudar. Os operários saíram dos boletins de ocorrên-
cia e passaram a figurar nos debates políticos, sob o controle do Estado. O governo
getulista aumentou consideravelmente os ganhos sociais da classe trabalhista, sem
abrir mão do recurso à repressão quando lhe interessasse. No ano de 1930, foi
criado o Ministério dos Negócios do Trabalho da Indústria e do Comércio, o MTIC,
sob o comando de Lindolfo Collor. O decreto de criação do ministério deixava claro
seu propósito: “tratar dos assuntos relativos ao trabalho, indústria e comércio”.

Collor, no comando da pasta, mostrou-se um autoritário reformista. Segundo


Carone, o ministro afirmava: “ou se aceitam a ação do Ministério do Trabalho,
que traz uma mentalidade nova, de cooperação [...] ou se consideram dentro de
uma questão de polícia, no sentido do antigo governo”. Essa fala de Collor se
­relacionava à tendência de mobilização dos trabalhadores pelo Partido Comunista.
A legalização dos sindicatos pelo decreto-lei 19.770 deixava-os atrelado ao
governo­, pois havia a obrigatoriedade do registro dos sindicatos no MTIC e a proi-
bição de que líderes estrangeiros fossem diretores dos sindicatos, onde exerciam
atividades político-ideológicas, acusados de sustentarem movimentos grevistas.

21 CARONE, Edgard. A República Nova (1930-1937). São Paulo: Difel, 1974, p. 101.

22
Os sindicatos livres foram desaparecendo e proliferaram os sindicatos atrelados ao
estado, controlados por “diretores pelegos”.

Você Sabia? Importante!

O termo pelego, “emprestado” da cobertura de couro que fica entre a sela e o couro do
cavalo para protegê-lo dos atritos, é adequadamente apropriado para designar os dire-
tores sindicais que agiam contra os interesses dos trabalhadores para facilitar a vida do
governo nas negociações entre empregados e patrões.

As leis trabalhistas eram um “copia-cola” da “Carta del Lavoro”. Em tradu-


ção livre e contextualizada, seriam as “Leis Trabalhistas” do governo fascista ita-
liano. Essa “assimilação” foi combatida pelos líderes sindicais brasileiros ligados ao
comunismo, fascismo, além dos tenentes e de alguns líderes católicos, mas de nada
adiantou, a “Carta del Lavoro” brasileira vigorou no governo getulista. Os trabalha-
dores tentavam resistir às investidas do governo criando ou mantendo sindicatos à
margem da legislação; greves e mobilizações contra os baixos salários continuaram
a existir.

Mas, alguns fatores contribuíram para o governo controlar a massa de trabalha-


dores que cobravam de seus dirigentes o cumprimento das leis. Principalmente os
anarquistas não concordavam com o cabresto imposto pelo estado e passaram a
ser desacreditados pelos trabalhadores. Além disso, o “crescente êxodo de mão de
obra rural nordestina para os núcleos urbanos do sudeste contribuiu para mudar a
composição do operariado, cada vez mais integrado por operários sem consciência
de classe e mais facilmente manipuláveis pelo Estado”.22

Tentativas de curta duração, como a criação da “Confederação Sindical Unitária


do Brasil” (1934-1935) e o Levante Comunista (1935), aumentaram a repressão
contra os movimentos operários e sindicais, e o fantasma da Velha República voltou
a assolar a vida dos trabalhadores com prisões indiscriminadas sob a acusação de
envolvimento com o comunismo. Um dispositivo legal foi aplicado contra os líderes
sindicais e trabalhadores estrangeiros. O artigo 5°, n° XIX, letra G, respaldava a
União para legislar sobre “a naturalização, entrada e expulsão de estrangeiros”.
Para os trabalhadores brasileiros, a situação também não foi fácil. “Ao lado da
expulsão legal, existe outra, que atinge só a liderança nacional: o militante operário,
quando trancafiado, é convidado a abandonar o país ou a permanecer preso inde-
finidamente sem processo”.23

Reuniões sindicais “ilegais” foram vigiadas e dissolvidas à base da repressão


policial e trabalhadores foram presos. Com a decretação do “Estado de Sítio”
(1937), o movimento operário foi se enfraquecendo até ser quase que totalmente
absorvido pelo governo.

22 AQUINO, Rubim Santos Leão de (et. al.). Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 341.
23 CARONE, Edgard. A República Nova (1930-1937). São Paulo: Difel, 1974, p. 144.

23
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UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

Explor
O Estado de Sítio é um instrumento que o Chefe de Estado pode utilizar em casos extremos:
agressão efetiva por forças estrangeiras, grave ameaça à ordem constitucional democrática
ou calamidade pública. Esse instrumento tem por característica a suspensão temporária dos
direitos e garantias constitucionais de cada cidadão e a submissão dos Poderes Legislativo e
Judiciário ao poder Executivo. Assim, a fim de defender a ordem pública, o Poder Executivo
assume todo o poder que é normalmente distribuído em um regime democrático. (BRASIL
ESCOLA. Estado de sítio. Disponível em: https://goo.gl/K5EdGz. Acesso em: 16 mar. 2015.)

O motor da economia nacional ainda estava muito concentrado na agroexpor­


tação, tendo o café como seu principal produto. O governo não abandonou a políti-
ca “cafeeira” que perpassou toda a Primeira República, mas como em outras áreas­,
centralizou em suas mãos a política econômica e as decisões sobre a produção e
regulação da safra cafeeira. Passou o controle dessa política das mãos do Instituto
do Café do Estado de São Paulo para o Conselho Nacional do Café (CNC) em maio
de 1931. O instituto paulista foi criado no ano de 1924 para defender interesses
e disputas na condução da economia do estado, depois de sair do controle federal.
A despeito da relação simbiótica entre café e indústria, que se refletia
­inclusive na união das famílias por meio de casamentos ou no duplo papel
cafeicultor-industrial, não se pode negar a existência de disputas entre
fazendeiros e industriais, principalmente quanto à delicada questão da ele-
vação de tarifas. Tanto a burguesia cafeeira quanto a nascente burguesia
industrial queriam proteger seus interesses. Assim, em 1922 foi criado o
Instituto de Defesa Permanente do Café, o órgão destinado a organizar
o mercado produtor nacional. Não tardou muito para que essa função
­passasse a ser atribuição do estado de São Paulo, com a criação, em
1924, do Instituto do Café de São Paulo.24

Insatisfeito com o controle dos cafeicultores no CNC, o governo criou em seu


lugar o Departamento Nacional do Café (DNC), órgão efetivamente federalizado.
Os produtores de café foram afastados dos órgãos de controle e foram nomeados
diretores subordinados ao ministro da Fazenda, José Maria Whitaker, que tomou
decisões mais relacionadas à conjuntura econômica mundial, abalada depois da
Crise de 1929, do que à defesa intransigente dos interesses das oligarquias.
O ministro foi acusado pela elite de defender os interesses dos banqueiros em vez
de fazer uma política de defesa do produto nacional. Mas persistiu a política de
compra do excedente da produção para regular o mercado. Até 1944, o governo
continuou com essa política, de compra de estoque ou queima do café excedente.
O monopólio cambial passou às mãos do Banco do Brasil, e a elite cafeeira conti-
nuou a ser protegida pelo estado apesar das reclamações.

Desde o início da gestão do governo getulista, a educação estava na pauta


­política. Havia o interesse de se formar uma elite intelectualmente mais prepara-
da no Brasil. Durante a Primeira República, na década de 1920, foram ensaia-
das algumas reformas por Sampaio Dória (São Paulo), Anísio Teixeira (Bahia),

24 FGV CPDOC. Anos 20. Café e indústria. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/


anos20/CafeEIndustria>. Acesso em: 16 mar. 2015.

24
Lourenço Filho (Ceará), Mário Cassassanta (Minas Gerais) e Fernando de Azevedo
(Rio de Janeiro). O governo, mais uma vez, não abre mão de seu autoritarismo
para organizar a educação no país. Dessa vez, o projeto educativo partiu do centro
para a periferia.
A partir de 1930, as medidas tendentes a criar um sistema educativo e
promover a educação tomaram outro sentido, partindo principalmente do
centro para a periferia. Em resumo, a educação entrou no compasso da
visão geral centralizadora. Um marco inicial desse propósito foi a criação
do Ministério da Educação e Saúde, em novembro de 1930. Lembremos,
porém, que nessa área, como em outras, o governo adotou uma postura
autoritária e não-fascista [...] o Estado tratou de organizar a educação de
cima para baixo, mas sem envolver uma grande mobilização da socie-
dade; sem promover também uma formação escolar totalitária que abran-
gesse todos os aspectos do universo cultural.25

O ministério da Educação foi tocado pelo político mineiro Francisco Campos


(1930-1932) e Gustavo Capanema (1934-1945). Francisco Campos foi para a
Justiça e redigiu a Carta de 1937, que instalou o Estado Novo. Capanema teve
longa duração à frente da Educação. Ambos foram forjados na República Velha,
mas faziam parte da nova safra de políticos brasileiros que dominaram o cenário
nos anos getulistas. O foco de preocupação de Campos se concentrou no ensino
secundário e superior. No governo, tentou criar, no nível superior, universidades
dedicadas ao ensino e à pesquisa; “por decreto de abril de 1931, o governo baixou
o Estatuto das universidades Brasileiras e reorganizou a Universidade do Rio de
Janeiro, que estabeleceu as bases do sistema universitário”.26

A reforma de Campos para o ensino secundário visava à preparação para o


ingresso dos alunos no nível superior. Ainda no nível universitário, após a criação
da Universidade do Rio de Janeiro, foi idealizada a Universidade de São Paulo
(1934). Ainda nesse nível, surgiu mais uma universidade na Capital Federal, com
a criação da Universidade do Distrito Federal (1935). Já com Anísio Teixeira no
comando da educação, em 1937 essa faculdade foi incorporada à Universidade do
Brasil, nova denominação da Universidade do Rio de Janeiro.

Havia um debate no país desde a década de 1920. Dominavam o cenário os


intelectuais católicos por um lado e os intelectuais liberais de outro. Essas duas
correntes se prolongaram no debate que se acirrou com o governo revolucionário
a partir de 1930. Os liberais defendiam o ensino público e gratuito, sem distinção
de sexo, e ainda propunham o corte de verbas do estado, que favorecia os esta-
belecimentos católicos, defendia a escola privada e o ensino religioso, não só nos
estabelecimentos católicos, mas também na rede pública de ensino. Os intelectuais
católicos defendiam um ensino diferenciado por sexo. O pressuposto católico era
o de que os papéis desempenhados na sociedade eram diferenciados para homens
e mulheres.

25 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, p. 337.
26 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, p. 338.

25
25
UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

Os Intelectuais liberais expuseram seus pontos de vista no chamado “Mani­


festo da Escola Nova” (1933), redigido por Fernando Azevedo, Anísio Teixeira e
Lourenço­Filho, entre outros. Para os liberais, era inexistente no país uma “cultura­
própria” ou mesmo uma “cultura geral”, o país estava atrasado em relação a ou-
tros países latino-americanos que já tinham realizado reformas importantes em
suas ­escolas, como, por exemplo, Argentina, Chile, México e Uruguai, com escolas
públicas e gratuitas, com educação comum entre os sexos e obrigatoriedade para
crianças entre os sete e quinze anos de idade. Os liberais propunham um currículo
mínimo para educação e não uniformizado, devido às diferenças regionais do Brasil.

O governo não assumiu integralmente nenhuma das duas correntes de pensa-


mento, porém
Mostrou inclinação pela corrente católica, sobretudo na medida em
que o sistema político se fechava. O maior inspirador de Capanema no
­Ministério da educação, além de Francisco Campos, foi o então intelec­tual
conservador católico Alceu Amoroso Lima [Tristão de Ataíde]. Lourenço
Filho manteve postos de comando, enquanto os demais [liberais] foram
marginalizados ou até perseguidos, como foi o caso de Anísio Teixeira.27

Gestando o Estado Novo


Entre as Forças Armadas, o Exército foi de longe o que mais ganhou prestígio
durante os anos de Vargas à frente do comando da nação (1930-1945). Cresceu
exponencialmente tanto em número de efetivo humano quanto na reaparelhagem
técnica, enquanto que as Forças Públicas estaduais perderam terreno e prestígio.
Após a Revolução de 1932, o exército passou por uma reformulação, tanto na
influência dos antigos “tenentes” quanto daquele quadro importante com algum
resquício da Primeira República, forma para o exílio 48 oficiais. Em contrapartida,
nos primeiros quatro anos de governo, Getúlio promoveu 36 dos 40 generais da
ativa, o que estreitou os laços entre Getúlio e o alto comando do exército.

Entre os generais, estavam Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra. Foram esses
os generais mais importantes na Era Vargas. Dutra foi, além de Ministro da Guerra
(1937-1945), presidente da República (1946-1951), enquanto que Góis Monteiro
foi Ministro da Guerra (1934-1935) e chefe do Estado Maior (1937-1943).

Tudo parecia caminhar para uma abertura democrática, quando no ano de 1934
o país viveu dias agitados com greves e paralisações nos transportes, bancos, e ser-
viços de comunicação. Havia também o combate ao regime fascista, houve choques
entre os integralistas e antifascistas. As greves e manifestações políticas estavam
localizadas principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Belém e Rio Grande do
Norte. O governo propôs medidas que endureceriam tais manifestações e greves.
No ano de 1935, foi enviada ao Congresso a Lei de Segurança Nacional, comba-

27 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, p. 340.

26
tida por sindicatos, jornais, uma parte dos oficiais do Exército e da Marinha, pois
entediam que a medida afetaria especialmente os pobres e trabalhadores. Diante
das manifestações contrárias, o governo recuou e apresentou uma lei substitutiva,
a LSN, em 4 de abril de 1935. A lei foi aprovada em parceria com os liberais.
A lei definiu os crimes contra a ordem política e social, incluindo entre
eles: a greve de funcionários públicos; a provocação de animosidade nas
classes armadas; a incitação de ódio entre as classes sociais; a propagan-
da subversiva; a organização de associações ou partidos com o objetivo de
subverter a ordem política ou social, por meios não permitidos em lei.28

No ano de 1935, enquanto se discutia a


LSN, estava sendo preparado o lançamento MANIFESTO DA ANL
da Aliança Nacional Libertadora (ANL), pelos Suspensão definitiva do pagamento
comunistas e tenentes, cujo presidente de da dívida externa
honra eleito por aclamação foi Luís Carlos. Reforma Agrária
Na presidência do partido, ficou o antigo Garantia das Liberdades Populares
interventor do Rio Grande do Sul, o “tenente” Constituição de um Governo Popular
Nacionalização das Empresas estran-
Hercolino Cascardo. Despontava para a vida geiras
política dentro da ANL o jovem estudante de
direito Carlos Lacerda, que leu o manifesto
do movimento. De conteúdo nacionalista e composto por comunista, a curiosidade
fica para a “exclusão” dos operários. A ANL seguia a orientação comunista de
combate ao Fascismo, decidido no VII Congresso em Moscou, e que propunha a
formação de Frentes Populares com esse objetivo nos países capitalistas. A ANL se
enquadrava na categoria dos países semicoloniais, dispostos a combater o fascismo
e o imperialismo.

O PCB se fortaleceu com a presença de Prestes, que carregou consigo a classe


média e vários militares, fortalecendo o operariado, elemento fundante do PCB no
país. A partir daí, a temática nacional se sobrepôs à luta de classes, a ANL ganhou
projeção em poucos meses de vida, os objetivos da Aliança balançaram entre a
tomada do poder e uma aliança de classes. Prestes estava clandestino no Brasil.
No dia 5 de julho, Lacerda leu um manifesto de autoria do presidente de honra da
ANL, no qual se propunha a derrubada do governo Vargas e a constituição de um
governo popular, nacional e revolucionário. Para o governo, que já estava repri-
mindo a ANL desde sua fundação, foi um ótimo motivo para fechá-la.

A tensão estava instalada no PC e na ANL, que estava sofrendo baixas com inú-
meras prisões. Houve uma tentativa frustrada de “golpe militar”. A movimentação
com esse fim começou no final de novembro de 1935 no Rio Grande do Norte.
Em Natal, uma junta de governo popular tomou o poder por quatro dias; seguida
de rebeliões no Rio de Janeiro e Recife, nos mesmos moldes do levante tenentista
de 1922. Houve repressão e foi decretado “estado de sítio”. Como consequência,
todas as medidas de exceção foram aprovadas pelo Poder executivo no ano de

28 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, p. 359.

27
27
UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

1936 e o estado de sítio foi estendido até 1937. Apoio ou simpatia à causa da ANL
foi motivo de prisão até de parlamentares.

No início do ano de 1936, foi criado um órgão de combate ao comunismo, que


foi denominado de Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo. O poder de
perseguir funcionários públicos simpatizantes da ideologia de Moscou ficou a cargo
do delegado Filinto Muller, que tinha enorme poder e não titubeou em usá-lo para
reprimir quem quer que fosse. Subordinado ao Ministério da Justiça, Muller tinha
linha direta com o presidente da república, que não cansava de elogiar seu trabalho
e dedicação. Foi instituído também o Tribunal de Segurança Nacional, que agilizava
os processos contra os presos de Muller. Esse tribunal existiu durante toda a Era
Vargas, que compreendeu o Estado Novo (1937-1945). A insurreição comunista
respaldou todo tipo de perseguição do governo.
Ao longo de 1937, para aparar possíveis dificuldades, o governo inter-
veio em alguns Estados e no Distrito Federal. Na capital da república,
destituiu o prefeito Pedro Ernesto, que gozava de grande popularidade,
­acusando-o de estar associado à extinta ANL. No Exército, vários oficiais
legalistas foram afastados dos comandos militares. Faltava, porém, um
pretexto para reacender o clima golpista. Ele surgiu com o Plano Cohen,
cuja ­verdadeira história tem até hoje muitos aspectos obscuros.29

A história que permanece sobre o “Plano Cohen” é a de que um oficial inte-


gralista, capitão Olímpio Mourão Filho, foi surpreendido, em pleno Ministério da
Guerra, datilografando o plano de insurreição comunista, cujo autor fictício seria
um comunista húngaro, Bela Khun, ou simplesmente Cohen, que tramava o golpe
no país. Entre as “histórias” contadas sobre o plano Cohen, está a de que esse
“plano” seria uma simulação de como seria uma insurreição comunista no Brasil e
a reação dos integralistas. A história que Morão estava datilografando seria publi-
cada no boletim da Ação Integralista Brasileira.

O fato é que o governo se apropriou dessa ficção para planejar seu golpe. Em
outubro, o deputado Negrão de Lima percorreu vários estados do norte e nordeste
para solicitar o apoio dos governadores ao golpe que instalou o Estado Novo, após
o Congresso ter aprovado por maioria dos votos o “estado de guerra” e a supressão
dos direitos constitucionais por noventa dias. Negrão portava uma carta do gover-
nador mineiro, Benedito Valadares, “explicando” a situação política, em nome do
presidente, que pretendia dissolver a Câmara e o Senado e suspender as eleições.
Os governadores de Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti, e da Bahia, Juraci
Magalhães, não concordaram com o teor da carta. Armando Salles, representante
da oposição, lançou um manifesto aos militares contra a execução do golpe.
Sob a alegação de que o texto estava sendo distribuído nos quartéis,
­Getúlio e a cúpula militar decidiram antecipar o golpe, marcado para o dia
15 de novembro. No dia 10 de novembro de 1937, tropas da polícia mili-
tar cercaram o Congresso e impediram a entrada de congressistas. O mi-
nistro da Guerra – General Dutra – se opusera a que a operação fosse­

29 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, p. 363.

28
realizada por forças do Exército. À noite, Getúlio anunciou uma nova
fase política e a entrada em vigor de uma Carta constitucional, elaborada
por Francisco Campos. Era o início do Estado Novo. O Estado Novo foi
implantado no estilo autoritário, sem grandes mobilizações. O movimento
popular e os comunistas tinham sido abatidos e não poderiam reagir; a
classe dominante aceitava o golpe como coisa inevitável e até benéfica.
O Congresso dissolvido submeteu-se, a ponto de oitenta de seus membros
irem levar solidariedade a Getúlio, a 13 de novembro, quando vários de
seus colegas estavam presos.30

Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de Novembro de 1937)


Explor

Acesse a constituição autoritária de Getúlio Vargas, através do link: https://goo.gl/wWk9yS.

O Estado Novo: Economia e Sociedade


A partir de 1937, o Estado era Getúlio e seu círculo íntimo de amigos. As decisões
do governo estavam concentradas nas mãos do presidente, e para tomar decisões
importantes para o país, Getúlio consultava seus ministros de Estado, das Casas
Civil e Militar. Em relação aos trabalhadores, a política getulista criou uma imagem
protecionista de “pai dos pobres”. Na política econômica, o governo deu ênfase à
industrialização do país, afastou-se um pouco mais dos agroexportadores e focou
sua atenção para a política de fortalecimento da indústria de produção interna e
deixou de lado a ênfase na importação. A indústria de base foi a vedete do Estado
Novo; produzir aço era a grande meta de Getúlio Vargas.

A industrialização brasileira esteve associada ao nacionalismo, mesmo sem ter


sido feita uma campanha de mobilização nacional nesse sentido. Os riscos iminentes
de uma guerra reforçou o processo do incentivo à indústria nacional. A exploração
dos recursos naturais fez parte da Carta de 1937 e garantiu aos brasileiros sua
exclusividade. Houve a nacionalização progressiva das empresas estrangeiras que
atuavam no Brasil nesse campo.
Os casos do aço e do petróleo são particularmente significativos para se
compreender a política de investimentos estatais na indústria de base.
Cada um deles teve tratamento diverso por parte do governo. A histó-
ria de implantação inicial da grande indústria siderúrgica se contém nos
limites do Estado Novo; quanto ao petróleo, a história se prolonga e
encontra um desfecho na segunda presidência Vargas.31

O governo acelerou a implantação da indústria de aço, criando uma sociedade


mista para a implantação da Usina de Volta Redonda, sob o controle da Compa-
nhia Siderúrgica Nacional. Essa indústria estava voltada para a instalação de uma

30 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, p. 364.
31 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, p. 364.

29
29
UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

indústria pesada, para a expansão dos serviços de transporte e para o alívio da


balança comercial, pois era muito caro para o estado importar aço. O problema foi
equacionar os interesses de empresários, que queriam uma associação com capitais
estrangeiros, e os militares, que queriam uma indústria de base nacional.

Em relação ao petróleo, somente no final da década de 1930 é que se des-


cobriu um campo na Bahia, e era insignificante para mudar a política de impor-
tação. Essa política só foi revista na segunda metade de década de 1940; “o
desenvolvimento de uma indústria petrolífera não era uma questão premente
nos anos 30. As importações de petróleo só se ampliaram depois da Segunda
Guerra Mundial e por muito tempo não causaram maiores problemas ao balanço
de pagamentos”.32

O Estado Novo optou por uma política econômica mais conservadora, sob a
batuta do ministro da Fazenda Sousa Costa, que se manteve no cargo por pratica-
mente todo o período estado novista. Como medidas imediatas adotadas no novo
período, com dívidas muito altas, suspendeu os pagamentos da dívida externa, que
só retornaram no final de 1940, após um acordo com os credores; impôs tributa-
ção nas operações cambiais e monopolizou a venda de divisas; manteve o controle
do comércio exterior.

Voltando à proteção aos trabalhadores, o governo manteve seus pelegos nos


sindicatos e criou a Justiça do Trabalho (1939), originada nas Juntas de Conci­
liação e Julgamento. Criou o Imposto Sindical (1940), para financiar os sindica-
tos e mantê-los sob o domínio estatal. Em 1943, a legislação trabalhista foi siste-
matizada e ampliada com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). No ano de
1940, um decreto-lei deu instruções para se colocar em prática o que a Consti-
tuição de 1934 já havia previsto. Foi criado o salário mínimo. Segundo censo de
1940, o valor médio correspondia a 205 mil réis e indicava uma melhora­salarial
para o trabalhador.

Figura 2 – Comemorações de 1° de Maio com a participação de Getúlio Vargas


Fonte: cpdoc.fgv.br

Getúlio usou e abusou da imagem de protetor dos trabalhadores, não perdendo­


oportunidade de aparecer nas grandes comemorações do dia do trabalho pelo

32 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, p. 372.

30
país. Seu bordão “Trabalhadores do Brasil” foi ouvido nos estádios do Vasco da
Gama no Rio de Janeiro e no Pacaembu em São Paulo, entre outras comemora-
ções de 1° de maio pelo país. O ministro do Trabalho, Marcondes Filho, utilizava
o rádio como veículo de propaganda para aproximar governo e trabalhadores.
Suas palestras semanais podiam ser ouvidas uma vez por semana no programa
“Hora do Brasil”. O DIP também utilizava esse programa para transmitir uma
imagem positiva de Getúlio Vargas para a nação, onde a história do Brasil tinha
uma versão getulista.

Getúlio queria ser o estadista das massas e, portanto, não se restringiu à classe
trabalhadora. Sua imagem era trabalhada pelo regime, para isso houve censura dos
meios de comunicação e a manipulação da história que o país estava vivendo. Foi
criado em seu governo o Departamento Oficial de Publicidade (1931), assim como
o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural no Ministério da Justiça (1934-
1939). O Departamento de Imprensa e Propaganda, subordinado ao presidente da
república, teve funções extensas, que incluíam as áreas de rádio, teatro, cinema,
imprensa, literatura social e política, além de censurar a entrada de toda influência
negativa aos interesses dos brasileiros, que poderia incluir filmes, livros e peças de
teatro; agiu também junto à imprensa estrangeira para que não se divulgasse uma
imagem negativa à cultura do país.

Além da censura, o governo perseguiu e torturou políticos e intelectuais que se


opunham ao seu governo, principalmente os comunistas, porém agiu com certo
cuidado, tentando atrair para seu lado os intelectuais católicos, integralistas e os
que disfarçavam sua tendência de esquerda e aceitavam as benesses oferecidas
pelo governo.
Durante o longo tempo em que permaneceu à frente dos destinos da
nação, o país sofreu transformações significativas – políticas, econômicas
e sociais. De nação essencialmente agrária e semicolonial, o Brasil iniciara
um processo de industrialização crescente [...] Os setores da manufatu-
ra mais tradicional assistiram à expansão do parque industrial de base,
representado em particular pela área metal-mecânica [...] como a Com-
panhia Siderúrgica nacional, a Companhia Vale do Rio Doce, a Fábrica
Nacional de Motores [...] A vasta obra de regulamentação das relações
entre capital e trabalho, materializada na CLT, serviu como estratégia de
sustentação política do regime e, pela força da propaganda, foi anunciada
como concessão benevolente do Estado às classes trabalhadoras [...].33

No Apagar das Luzes...


A eclosão da Segunda Guerra Mundial foi o marco definidor da política externa
brasileira com Getúlio Vargas no poder. Com o recuo comercial da Alemanha devido
ao bloqueio inglês, os norte-americanos expandiram sua participação comercial

33 NETO, Lira. Getúlio 1930-1945. São Paulo: Cia das Letras, 2013, p. 490.

31
31
UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

ao sul do continente. A Inglaterra não soube se aproveitar da situação que havia


­provocado. Antes mesmo do início da guerra, os estrategistas americanos percebe-
ram a possibilidade de ampliar sua participação comercial no mundo, e em especial
com seus vizinhos americanos. Junto ao comércio, veio no pacote americano a sua
ideologia política. Entre as investidas, esteve a criação de Conferências Pan-Ame-
ricanas, com o objetivo comum de defesa do continente e, lógico, com os Estados
Unidos assumindo o comando.

Os americanos investiram principalmente no comércio de borracha, minério


de ferro, manganês, entre outros produtos para a indústria de transformação.
O governo brasileiro, aproveitando a intenção de compra dos americanos, tratou
de se aproximar para tirar vantagens para os produtos primários exportáveis do
país. Com a entrada dos Estados Unidos na guerra (1941), o governo brasileiro
se integrou cada vez mais ao pan-americanismo, mas para isso forçou o reequipa­
mento militar e econômico do Brasil como condição de apoio aos americanos.
O Brasil rompeu com o eixo Alemanha e Itália e assinou um acordo secreto de
colaboração político-militar com os americanos (1942). O alinhamento definitivo
contra o eixo se deu com o envio de uma força expedicionária (FEB), para lutar na
Europa contra o Nazi-Fascismo a partir de junho de 1944.

O Estado Novo, arquitetado para ter vida longa, devido ao seu autoritaris-
mo modernizador, começou a ruir, coincidentemente ao final da Segunda
Guerra­, em que veio a pique os estados autoritários da Alemanha e da Itália, que
­compunham o Eixo. No Brasil, sem querer comparar com as políticas italianas
e alemãs, os problemas se deram no interior do próprio poder. As divergências
se deram mais pela política externa adotada pelo Brasil do que por sua política
interna. A ­inserção na política internacional com o apoio aos Estados Unidos,
entre outros países democráticos, e o envio de tropas da FEB para lutar na Itália
provocaram críticas ao governo, falando-se de contradições do apoio de uma
ditadura a democracias.

Na data comemorativa da Revolução de 1930, 24 de outubro, foi lançado


o M ­ anifesto dos Mineiros (1943), repudiando as práticas políticas existentes na
­Primeira República, além de sinalizar que a Revolução de 1930 havia se afastado
de seu curso, que era a implantação da democracia sem as mazelas praticadas
pelas oligarquias do país. A intenção dos intelectuais que assinaram esse mani-
festo – Arthur Bernardes (ex-presidente), Milton Campos, Afonso Arinos, Virgílio
de Melo Franco, Odilon Braga, Pedro Aleixo – foi propor a instalação no país
de um verdadeiro regime democrático, que pudesse dar bem-estar social e segu-
rança econômica aos brasileiros. Do interior do eixo duro do governo, Osvaldo
Aranha, ministro das Relações Exteriores, mostrou-se favorável a uma abertura
democrá­tica. A ­imprensa passou a burlar a censura, passando a publicar entrevistas
e ­comentários dos adversários do regime.
Fato mais grave foi o gradativo afastamento do Estado Novo de um de
seus idealizadores e sustentáculos militares. Convencido de que o regime
não sobreviveria aos novos tempos, o general Góis Monteiro abandonou

32
na mesma época o cargo que ocupava em Montevidéu como embaixador
do Brasil, junto ao Comitê de Emergência e defesa Política da América,
regressando ao Brasil. Góis iria para o Ministério da Guerra, em agosto de
1945, muito mais para encaminhar a saída de Getúlio do que para tentar
garantir sua permanência no poder.34

Com a desculpa da manutenção do regime em virtude da guerra, Getúlio


prometeu eleições livres ao seu final. No ano de 1944, os liberais fizeram uma
grande jogada, lançando a candidatura de Eduardo Gomes à presidência. Desde o
ano anterior (1943), os universitários começaram a se mobilizar pela democrati-
zação do país, organizando a União Nacional dos estudantes (UNE). Nesse ano os
estudantes fizeram uma caminhada de braços dados e lenços na boca. A passeata
foi desarticula com truculência pela polícia. Vinte pessoas ficaram feriadas e duas
faleceram. A repercussão foi péssima para o governo.
A partir deste quadro [...] Getúlio baixou o chamado Ato Adicional à Carta
de 1937, fixando, entre outros pontos, um prazo de noventa dias para
a marcação da data das eleições gerais [...] era decretado o novo Código
Eleitoral, que regulava o alistamento eleitoral e as eleições. Estabelecia a
data de 2 de dezembro de 1945 para a eleição do presidente e de uma
Assembleia Constituinte [...]35

Considerações Finais: “Melhorias” para


a População em Prol da Elite
No Estado Novo, a população deixou de ser representada via Congresso, a
aliança da burocracia militar e civil com a burguesia industrial deu a nota musical
pela qual a população dançava. A industrialização representava para a burguesia
a independência do Brasil e os militares, por acreditarem que esse era o caminho
para o fortalecimento da economia.

A burguesia industrial se aproximou do governo principalmente depois da Revo-


lução de 1932, quando passou a reivindicar medidas no setor de câmbio e de tarifas
para proteger a indústria nacional. A aproximação se deu através da Confederação
Nacional da Indústria, dirigida por Euvaldo Lodi; pela Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo, dirigida por Roberto Simonsen; e pela Federação Industrial
Mineira, dirigida por Américo Giannetti.

A industrialização do país impulsionou o desenvolvimento das cidades, que


já vinham crescendo desde a década de 1920 sem nenhum planejamento,
contexto em que “grupos de intelectuais, militares, eclesiásticos, empresários,

34 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, p. 383.
35 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2002, p. 384.

33
33
UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

trabalhadores e funcionários públicos pleiteavam ações nas cidades, antecipan-


do as intervenções físicas e as novas formas de gestão municipal, empreendidas
a partir de 1930”.36

Figura 3 – Edifício Martinelli em construção – São Paulo Figura 4 – Central do Brasil – Rio de Janeiro
Fonte: Acervo/Estadão Fonte: Acervo/Estadão

Figura 5 – Avenida São João, 1930 – São Paulo Figura 6 – Copacabana, década de 1930 – Rio de Janeiro
Fonte: Divulgação/Gazeta do Povo Fonte: Museu Aeroespacial

A industrialização trouxe vários benefícios. No campo educacional, criou-se o


Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), pensando-se na formação
qualificada da mão de obra para a indústria, assim como a urbanização. Um dos
objetivos do poder público foi adequar a massa operária às necessidades da elite.
Na Era Vargas delineou-se a política nacional para as cidades quando o
governo incorporou a questão urbana, seja pela pressão popular, seja por
necessidade de estabelecimento das melhorias exigidas pela industriali­
zação. Essa política vinculava-se ao sistema técnico de administração, à
legislação, à habitação, ao conhecimento do território, à criação de novas
cidades e aos planos diretores. É nesse sentido, portanto, que nos parece
ser possível trabalhar, para o período em tela, com a ampliação da ideia
de planejamento como função de governo, sendo a cidade o objeto estra-
tégico de atuação e o urbanismo uma prática em prol do interesse públi-
co, paradoxalmente ancorada na despolitização e tecnificação da atuação
profissional, buscando formas de conciliação entre o capital e o trabalho.37

Houve uma série de modificação para propriedade do solo na Carta de 1934.


Segundo Resende, o papel da administração pública para a modernização e con-
trole da produção do espaço foi muito relevante. Para isso foram criados novos

36 RESENDE, Vera F. Urbanismo na Era Vargas: transformação das cidades brasileiras. R. B. Estudos urbanos e
­regionais, Niterói, UFF, v. 15, n. 2, novembro, 2013, p. 213.
37 RESENDE, Vera F. Urbanismo na Era Vargas: transformação das cidades brasileiras. R. B. Estudos urbanos e
­regionais. Niterói, UFF, v. 15, n. 2, novembro, 2013, p. 215.

34
organismo controladores, como, por exemplo, ministérios, autarquias, departa-
mentos e institutos, que promulgaram leis e códigos urbanos. Houve também a
ampliação dos sistemas viário e urbano, além de propostas de remodelação das
cidades brasileiras e políticas de povoamento dos espaços. Outra questão impor-
tante foi a tentativa de aglomerar em torno das indústrias a população operária,
deslocando-a do centro para a periferia.
Para inúmeras cidades constata-se ainda que no período Vargas não
foram poucos os decretos proibindo favelas e os planos urbanísticos
que propuseram a construção de bairros operários em locais afastados
servidos pelas linhas férreas. Nesse sentido, admite-se que a produção da
casa dos pobres sendo alvo da intervenção do Estado deslocou o proble-
ma da “forma” da habitação para o “espaço”, ou seja, de “questão social”
converteu-se em “questão urbanística”.38

Sob a competência dos interventores, “o plano urbanístico da Era Vargas” previa


a construção de obras viárias, com largas avenidas e interligação entre os bairros e
o centro nas capitais, além do alargamento de ruas. O primeiro plano nesse sentido
foi realizado para a cidade de São Paulo (1930), denominado “Plano de Avenidas
para São Paulo”, era um sistema radial-perimetral, aliado ao plano de zoneamento
da cidade. A nota que destoou dessa melodia foi que, ao empurrar o trabalhador
para a periferia, com o tempo, os bairros operários, afastados do centro da cidade
e dos bairros nobres, passaram a despertar menos atenção do poder público e da
elite, que colaborou para o afastamento do trabalhador do centro das cidades. Mas
a cidade moderna do autoritarismo foi uma bela vitrine do regime.
Se “a modernidade e o autoritarismo foram dois movimentos que fizeram
parte do mesmo processo”, a intenção do urbanismo para esta “cidade
moderna do autoritarismo” foi a de criar uma nova imagem, torná-la vi-
trine e instrumento de propaganda do governo Vargas que favorecesse
o sentimento de unidade. Os decretos de desapropriações e a derrubada
de quadras deram origem a avenidas remodeladas e grandiosas, cenário
dos desfiles da juventude e de paradas militares “quando se comemorava
a exaltação à pátria”.39

Mas, a cidade moderna e planejada da Era Vargas (1930-1945) sofreu com o


tempo outra consequência. “As intervenções sugeridas pelos planos e implantadas
nas urbs brasileiras tiveram como efeito a formação de periferias empobrecidas”.40
Como no governo Vargas o “inimigo” estava intimamente relacionado com as
diretrizes e os delírios dele decorrentes, os dois não resistiram ao que se propu-
nham. O autoritarismo impositivo para implantar um projeto, por melhor que seja
esse projeto, produzirá efeitos colaterais que o destruirão.

38 RESENDE, Vera F. Urbanismo na Era Vargas: transformação das cidades brasileiras. R. B. Estudos urbanos e
regionais. Niterói, UFF, v. 15, n. 2, novembro, 2013, p. 213.
39 RESENDE, Vera F. Urbanismo na Era Vargas: transformação das cidades brasileiras. R. B. Estudos urbanos e
regionais. Niterói, UFF, v. 1 5, n. 2, novembro, 2013, p. 216.
40 RESENDE, Vera F. Urbanismo na Era Vargas: transformação das cidades brasileiras. R. B. Estudos urbanos e
regionais. Niterói, UFF, v. 15, n. 2, novembro, 2013, p. 215.

35
35
UNIDADE A Era Vargas: da Revolução de 30 ao Estado Novo (1930-1945)

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
A Guerra dos Paulistas – A Revolução Constitucionalista de 1932
Direção de Lais Bodsnzky e Luiz Bolognesi.
https://youtu.be/r-57bzFq49c
Sonho sem fim - 1930, tempo de revolução
De Lauro Escorel Filho.
https://youtu.be/vOPeTl3fzd8

36
Referências
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através dos movimentos sociais. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.

CARONE, E. A Primeira República (1889-1930): texto e contexto. 3ª ed. Rio


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CARVALHO, J. M. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil.


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FAUSTO, Boris (Dir.). O Brasil republicano, v. 9, Sociedade e Instituições (1889-


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NETO, Lira. Getúlio 1882-1930: dos anos de formação à conquista do poder.


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RESENDE, Vera F. (Org.). Urbanismo na Era Vargas: transformação das ci-


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