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Conhecimentos

da Psicopatologia
As Bases da Psicopatologia

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Carmen Lúcia Tozzi Mendonça Conti

Revisão Textual:
Prof.ª M.ª Marcia Ota
As Bases da Psicopatologia

• Introdução;
• Normal e Anormal;
• A Tradição Sobrenatural;
• Tradição Biológica;
• Tradição Psicológica.


OBJETIVOS

DE APRENDIZADO
• Discutir os conceitos de normal, anormal e transtornos psicológicos;
• Refletir sobre as transformações dos conceitos a partir da dinâmica social e histórica;
• Estudar as questões da tradição sobrenatural e seus meandros;
• Observar as mudanças sociais significativas a partir dos critérios da tradição biológica;
• Investigar a tradição psicológica em sua variedade de acepções e práticas.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas: Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveitee as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha ha o foco!
focco!
rair co
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
hidratado.
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer
parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar
um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que


uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua inter-
pretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de dis-
cussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar
o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE As Bases da Psicopatologia

Introdução
A psicopatologia se estrutura como uma ciência que estuda patologias psicológicas
chamadas por Barlow e Durand (2015) de transtornos psicológicos. Para esses autores,
o transtorno psicológico, também conhecido como comportamento anormal, é “uma
disfunção psicológica em um indivíduo, que está associada a sofrimento ou prejuízo no
funcionamento, bem como a uma resposta que não é típica ou culturalmente esperada”
(BARLOW; DURAND, 2015, p. 3).

A definição dada pelos autores lança mão de duas questões fundamentais para a reflexão
que serão analisadas historicamente no restante da unidade: normalidade/anormalidade
e atividade clínica.

A primeira delas é que a condição para a definição do transtorno passa pela defini-
ção da anormalidade e, consequentemente, da normalidade. Nessa perspectiva, há uma
noção de que o transtorno é um desvio de princípios de normalidade regulamentados
por uma certa cultura. Estudaremos, portanto, como se formam esses princípios, quais
as dinâmicas que os constituem e como as transformações históricas forjaram conceitos
de normalidade e anormalidade.

O outro ponto de destaque que será abordado e estudado no interior desta unidade
é que esses transtornos psicológicos preveem sofrimento humano e, nesse sentido, a
atividade clínica se revela fundamental. Analisaremos como essa atividade clínica se or-
ganiza a partir da não dissociação das instâncias práticas e teóricas, levando em conta,
portanto, como a pesquisa e o tratamento são elementos essenciais e conectados, e
como sua estrutura se modificou ao longo do tempo.

Normal e Anormal
Os conceitos, em geral, são produzidos em contato com o conhecimento científico
de sua época e com as condições de vida social e cultural das sociedades em questão.
Esse processo leva em conta fatores econômicos, sociais, culturais e históricos.

Não é incomum, por exemplo, que as pessoas enxerguem algum tipo de desvio de um
determinado comportamento padrão como anormal. Essa visada conceitual é notada-
mente marcada por uma expectativa de normatização da sociedade e de seus indivíduos.

Há, nessa perspectiva, uma forte homogeneização social, que cria tipos e modelos
a serem seguidos e condiciona o comportamento, os hábitos e a cultura de modo geral.

Esse processo normativo tende, portanto, a criar cisões sociais, processos discrimi-
natórios e sofrimento, na medida que classifica e qualifica indivíduos como normais e
outros como fora dos padrões dessa normalidade.

Esse contexto produz estereótipos, sedimenta estigmas e funda modelos a serem copia-
dos. Essa teia de sentidos que configura hábitos empurra qualquer desvio à marginalida-
de, tratando-o como um elemento não pertencente àquele contexto, como alguma coisa

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que precisa ser “consertada”; porém, para tanto, é preciso que se encontre as causas
desse desvio e se efetive o tratamento de reparação e recondicionamento à norma.

Esse modo de proceder se consolidou ao longo da história, criando estruturas institu-


cionais, simbólicas, psicológicas etc. que agem reproduzindo as suas formas em diversas
instancias da vida social, incluindo até mesmo a nossa percepção sobre a diferença.

Figura 1 – BACON, F. – Head III (1949)


Fonte: wikiart.org

Diante deste cenário, várias perguntas tomam a frente da cena: o que é normal e o
que é normal? É possível definir critérios para estas definições? Essas definições são ne-
cessárias para as relações sociais? É possível a convivência entre o que se nomeia como
normal e anormal?

A ciência, as pesquisas, a experiência clínica e mais tantos e diversos elementos so-


ciais têm tentado responder essas e algumas outras questões desse problema.

Enfim, é difícil definir “normal” e “anormal” (LILIENFELD; MARINO,


1995, 1999) – e o debate continua (HOUTS, 2001; MCNALLY, 2011;
STEIN et al., 2010; SPITZER, 1999; WAKEFIELD, 2003, 2009). A de-
finição mais amplamente aceita utilizada no DSM-5 (Manual Diagnóstico
e Estatístico de Transtornos Mentais) descreve disfunções comportamen-
tais, psicológicas ou biológicas que são inesperadas em seu contexto cul-
tural e associadas à presença de sofrimento e prejuízo no funcionamento
ou aumento de risco de sofrimento, morte, dor ou prejuízo. (BARLOW;
DURAND, 2015, p. 4)

Como salientam esses autores, a definição de normal e anormal é delicada justamen-


te pela dificuldade de definir os parâmetros do que é inesperado para o contexto cultural
de uma sociedade. Há muitos casos em que a anormalidade é atribuída, por exemplo, a
comportamentos que não seguem os padrões culturais estabelecidos, ou características

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UNIDADE As Bases da Psicopatologia

físicas e psicológicas que não são coincidentes com a média de um determinado local,
ou violações de normas sociais, mesmo que esses violadores tenham razão.

Sendo assim, torna-se importante perceber como a determinação de normalidade e


anormalidade é passível de discussão, debate e reflexão. Não são categorias estanques e
enclausuradas, é preciso que se coloque em perspectiva histórico-cultural as suas defini-
ções para que não se perca de vista seus limites.

Nesse sentido, passamos agora a estudar um pouco como esses conceitos de normalida-
de e anormalidade se desenvolveram ao longo do tempo em parte das sociedades ocidentais.

Barlow e Durand (2015) dividem essa história em três grandes momentos: a tradição
sobrenatural, a tradição biológica e a tradição psicológica.

A Tradição Sobrenatural
Esta tradição se funda nas bases de divisão moral do mundo, a partir de critérios de
bem e mal forjados em larga medida por dogmas religiosos. E, nesse sentido, os com-
portamentos que desviavam dos padrões eram tratados como malignos.

Num período significativo da idade média, tormentos psicológicos que acometiam


as pessoas eram entendidos como ações sobrenaturais. Desse modo, bruxas, diabos,
espíritos malignos e demais entidades mágicas eram responsabilizadas não só por es-
ses transtornos, como também pelos mais diversos comportamentos desviantes. Nesse
contexto, os tratamentos recomendados se assentavam em práticas de natureza místico
religiosa, incluindo até mesmo o exorcismo.

Contudo, essa base religiosa que se impunha e modelava comportamentos, ações e


mesmo tratamentos, não reduz o manancial de experiências sociais da Idade Média a um
mero reflexo ideológico dos ditames da Igreja.

Segundo Barlow e Durand (2015), nesse mesmo momento histórico, a insanidade


também foi entendida como um fenômeno natural causado por estresse mental ou emo-
cional e que era passível de cura. Além disso, depressão e ansiedade eram percebidas
como doenças que deveriam ser tratadas com repouso, bom sono, atividades saudáveis
e inserção em ambientes alegres e estimulantes.

Importa salientar que, em muitos casos, nos vilarejos medievais, as pessoas com
transtornos psicológicos eram cuidadas, em revezamento, pelos próprios vizinhos.

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Figura 2 – GOODNOUGH, R. – Nomads (1960)
Fonte: wikiart.org

Outro fenômeno importante entendido como desviante que atravessou a Idade Média
foi a histeria em massa.

As causas desses surtos de comportamentos atípicos em relação aos padrões sociais


da época eram diagnosticadas de muitas maneiras, desde a picada de insetos até proces-
sos de possessão demoníaca coletiva. Entre os exemplos estão situações, nas quais um
grupo significativo de pessoas saía as ruas para dançar, gritar, pular e se comportar de
maneira colidente com os padrões sociais vigentes do momento.

Hoje, estuda-se que esses fenômenos, nos quais se alastram determinados com-
portamentos podem ser causados por uma espécie de contágio emocional em que a
sensação de uma emoção se dissemina num determinado raio, ou seja, emoções, sensa-
ções, comportamentos estão num processo relacional entre as pessoas, configurando,
refletindo e estimulando modos de ser, estar e sentir.

Tradição Biológica
Tendo por base Barlow e Durand (2015), esta tradição tem seu ponto de partida oci-
dental no médico grego Hipócrates (460-377 a.C.). Hipócrates e seus discípulos deixa-
ram como legado um conjunto de obras chamado Corpo Hipocrático no qual debatem
e discutem, dentre outras coisas, os assim chamados transtornos psicológicos.

Para esses gregos, tais transtornos poderiam ser tratados como qualquer outra do-
ença. Além disso, em suas investigações e especulações, acreditavam que as causas das
psicopatologias poderiam advir de traumas na cabeça ou patologias cerebrais, sendo
influenciadas inclusive pela hereditariedade. O cérebro assumia centralidade na pers-
pectiva hipocrática, sendo o responsável pela emoção, a sabedoria e a consciência, e,
portanto, qualquer transtorno dessas funções teria no cérebro a sua causa.

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Alguns séculos depois, por volta de 129-198 d.C., o médico romeno chamado Galeno
aprofundou e desdobrou as ideias hipocráticas, deixando um legado para a tradição
biológica que gerou influência até o século XIX.

Galeno desenvolveu a teoria humoral dos transtornos, segundo a qual o “funciona-


mento normal do cérebro estava relacionado aos quatro fluidos corporais, ou humores:
o sangue, a bílis negra, a bílis amarela e a linfa (ou fleuma). O sangue vinha do cora-
ção; a bílis negra, do baço; a linfa, do cérebro; e a bílis amarela ou cólera, do fígado.”
(BARLOW; DURAND, 2015, p. 12).

Dentro dessa perspectiva da teoria humoral, os transtornos psicológicos eram vincu-


lados a um desequilíbrio químico, como por exemplo: o excesso de bílis negra causaria a
melancolia (depressão). E características comportamentais foram atribuídas aos fluidos:
sanguíneo, alguém de coragem; melancólico (bílis negra), alguém depressivo; colérico
(bílis amarela), alguém raivoso; fleumático, alguém apático. Apesar de não ter ressonân-
cia nos estudos científicos atuais, essas formulações ainda fazem eco no senso comum.

Figura 3 – LAZZARI, B. – Racconto n. 2


Fonte: wikiart.org

Depois de alguns séculos de instabilidade, a tradição biológica foi revigorada no sécu-


lo XIX a partir da descoberta da causa da sífilis, bem como suas estruturas naturais de
funcionamento, e do trabalho do psiquiatra norte-americano John P. Gray.

A sífilis, doença sexualmente transmissível, tem semelhança entre alguns seus sinto-
mas com a psicose, como por exemplo delírios persecutórios, e delírios e fantasias sobre
o tamanho de suas realizações. Durante muito tempo, a sífilis era tomada, portanto,
como um transtorno psicológico, com um nível alto e rápido de letalidade, designada
como paresia geral.

Por volta de 1870, a partir da teoria de germe de doença de Louis Pasteur, conseguiu
comprovar-se que a causa da sífilis era um microrganismo bacteriano. Posteriormente,
descobriu-se que a penicilina podia curar a doença. Em paralelo, para pacientes com

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paresia geral, a malarioterapia passou a ser indicada. No entanto, como nem sempre os
diagnósticos eram precisos, alguns médicos deduziram que todos os transtornos psico-
lógicos poderiam ser tratados e curados.

O psiquiatra norte americano John P. Gray foi outro importante marco da tradição
biológica. Para ele, as causas dos transtornos psicológicos – entendidas como insanidade
– eram de ordem física; logo, qualquer problema de ordem psicológica-mental deveria
ser tratado como um problema físico. Sendo assim, os tratamentos recomendados pelo
psiquiatra passavam pelo repouso, por uma dieta específica, permanência em ambien-
tes arejados etc.

O legado de Gray foi fundamental para que as condições dos hospitais fossem apri-
moradas, ampliadas e qualificadas a partir de uma perspectiva mais humanizada.

Além desse legado mais humanizado, o desenvolvimento da tradição biológica enve-


redou no século XX por um outro caminho. Em alguns casos, a psiquiatria se fez valer
de métodos controversos como o uso dos eletrochoques para a tentativa de cura dos
transtornos psicológicos.

Já nos anos de 1950 começaram a ser desenvolvidas, de maneira mais sistemática,


as primeiras drogas para controle de transtornos psicóticos. O consumo dessas drogas
se deu de maneira acelerada e, nos anos de 1970, benzodiazepinas figuravam entre as
drogas mais prescritas no mundo.

Apesar de um extenso debate sobre as possíveis e múltiplas consequências físicas


e psicológicas pelo consumo dessas drogas, esse quadro ainda se mantém de maneira
intensa, com alta medicalização; muitas vezes, sem a prescrição médica, para os mais
variados transtornos e problemas psicológicos.

Tradição Psicológica
A tradição psicológica tem referenciais variados e muito distintos entre si, mas é na
modernidade que ela alça voos maiores e consegue se estabelecer como um importante
elemento de reflexão e tratamento das psicopatologias. Uma de suas grandes contribui-
ções é a integração dos fatores sociais e culturais aos fatores psicológicos, como causas
das patologias. Essa visada amplia os transtornos para além dos indivíduos e coloca a
discussão no interior da vida social.

No século XIX, consolida-se e difunde-se, segundo Barlow e Durand (2015), a assim


chamada terapia moral, moral aqui entendido como a instância emocional ou psicológi-
ca. Essa prática terapêutica reivindicava um tratamento psicossocial no qual os pacientes
com transtornos psicológicos eram integrados em um ambiente em que a interações
sociais tidas como normais, estimulando, assim, relações interpessoais e sociais.

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Figura 4 – PATERNOSTO, C. – Confluence 9


Fonte: wikiart.org

Apesar de consolidada no século XIX, essa perspectiva tem como percussor o psi-
quiatra francês Philippe Pinel (1745-1826). Pinel é um dos responsáveis por promover
propostas humanizadas, a partir de uma instituição psiquiátrica que valorizasse a po-
tência dos pacientes com transtornos, contribuindo para o bem-estar de sua estadia no
hospital e estimulando as mais variadas formas de produção e relação social. Essa linha
psiquiátrica se confronta fortemente com os manicômios criados no século XVI que
restringiam contundentemente a liberdade dos pacientes e os submetiam a práticas e
tratamentos degradantes.

Além de Pinel, William Turke (1732-1822) na Inglaterra, e Benjamin Rush (1745-1813)


nos Estados Unidos são outros dois nomes fundamentais desse movimento de huma-
nização dos hospitais psiquiátricos. E é de Dorothea Dix (1802-1887) uma das grandes
contribuições e renovações dessa perspectiva, com um trabalho que ficou conhecido
como movimento de higiene mental no qual o avanço nos cuidados era intensificado e
assistência ampliada para demais pessoas, como os desabrigados, por exemplo. Contu-
do, por uma série de fatores conjunturais os ecos da terapia moral foram se diluindo e a
tradição psicológica perdendo força, sendo reabilitada no século XX por duas correntes
fundamentais: o behaviorismo e psicanálise.

O comportamentalismo ou behaviorismo surge como corrente de estudos do campo


da psicologia derivando do funcionalismo e de outras influências epistemológicas e tem
em John B. Watson um de seus principais teóricos.

Como o interesse explícito no comportamento, Watson mais do que os autores pre-


gressos estreitou e aprofundou a relação da psicologia com as ciências naturais. O com-
portamentalismo, assim como as ciências naturais, tinha interesse e foco naquilo que po-
dia ser observado e, com isso, a pesquisa deveria se pautar na maior objetividade possível.

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Para o comportamentalismo, a psicologia como ciência do comportamento deveria
se deter nos “atos passiveis de descrição objetiva em termos de estímulo e resposta,
formação de hábito ou integração de hábito.” (SCHULTZ; SCHULTZ, 1981, p. 247).

Para Watson, todo comportamento humano pode ser descrito a partir dessas carac-
terísticas, sem a necessidade de acesso aos conceitos e terminologias que descrevem os
processos e as dinâmicas da mente.

Essa redução do comportamento aos seus elementos básicos que seriam os estímu-
los e as respostas tinha como intenção a possibilidade de previsão e controle. E apesar
de ser redutiva, segundo Watson, essa metodologia era capaz de dar respostas sobre o
comportamento geral do organismo total. As respostas, que se mais complexas pode-
riam ser denominadas como “atos”, eram classificadas em apreendidas ou não apreen-
didas; e implícitas ou explícitas.

De acordo com Watson, era fundamental que se investigasse os processos das res-
postas apreendidas, para extrair possíveis leis de aprendizagem. Ao introduzir a cate-
goria implícita, esse autor fez-se valer de instrumentos a fim de poder observar o seu
funcionamento, isto porque essas respostas se manifestavam no interior do organismo
e, portanto, necessitavam de um instrumento para sua observação.

A epistemologia do comportamentalismo baseava-se na afirmação do comportamen-


to como objeto de estudo e interesse, e apontava a ação do meio ambiente como de-
cisiva para a formação deste comportamento. Essa tese se contrapunha às tendências
instintivas de explicação psicológica, bem como às formulações místicas de explicação
do comportamento.

Essas bases comportamentalistas de Watson previam a possibilidade de uma socie-


dade que compreendesse o comportamento de seus indivíduos, que pudesse prever suas
ações e não se submeter aos desígnios das múltiplas convenções estabelecidas pelos
dogmas. Além de outros, esse fato pode entrever um dos possíveis motivos visando a
ampla divulgação e popularização da psicologia comportamentalista e da psicologia em
geral; coisa que até então se restringia aos círculos especializados.

Figura 5 – PHAI, B. X. (Abstract)


Fonte: wikiart.org

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UNIDADE As Bases da Psicopatologia

A psicanálise tem seu nascimento no final do século XIX, assim como outras escolas
de pensamento no ramo da psicologia; contudo, suas semelhanças se dão mais em as-
pectos temporais, do que propriamente epistemológicos.

Importa notar que a psicanálise se confunde em seus primeiros passos com a história
de Sigmund Freud, que desenvolveu um sistema em termos de conteúdos e métodos mui-
to distintos dos demais sistemas que eram desenvolvidos no interior dos estudos psicoló-
gicos. A base de sua pesquisa era pautada pela relação clínica entre analista e paciente.

Os dois principais e mais difundidos métodos freudianos são o da livre associação e


o trabalho com os sonhos. Na prática clínica, Freud percebeu um aspecto significativo
sobre o método da livre associação: quando algum assunto era por demais embaraçoso,
vergonhoso, repulsivo para ser falado, o paciente resistia. Desse modo, a resistência
aparecia como um sintoma relevante, porque detectava alguma fonte problemática que
deveria ser tratada.

Em consonância com o defendido por Freud, portanto, era importante que se enfren-
tasse essas experiências ocultas que custam a aparecer na realidade. Era por meio desse
enfrentamento que essas perturbações poderiam vir à tona para serem elaboradas.

Essa noção de resistência possibilitou a Freud a conceituação do princípio psicana-


lítico fundamental da repressão. Essa repressão era, segundo Freud, o processo de ex-
clusão de ideias, desejos, lembranças do plano da consciência fazendo que, assim, esse
material operasse no plano da inconsciência.

Diante desse quadro de exclusão forçada, para Freud, o psicanalista deveria trabalhar
junto ao paciente em favor da retomada desse material reprimido de volta à consciência.

Essa relação entre analista e paciente deveria se dar, nas ideias de Freud, de maneira
íntima, capaz de despertar a possibilidade de transferência do paciente para o analista.

Essa transferência tinha caráter emocional, tratava-se de um processo de vínculo afe-


tivo entre analista e paciente e criava condições a fim de que o paciente pudesse estabe-
lecer bases de confiança para a elaboração de suas experiências e, consequentemente,
objetivando a emancipação de sua dependência infantil em relação aos seus genitores.

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Figura 6 – TANAHASHI, K. – Timeless Spring
Fonte: wikiart.org

Outro aspecto fundamental do método psicanalítico freudiano é a lida com os so-


nhos. Freud acreditava que o mundo onírico era provido de desejos e anseios incon-
fessos, reprimidos pelos indivíduos, e, portanto, esse material era fundamental para o
processo analítico.

Conforme pondera Freud, os sonhos têm natureza dupla, uma manifesta e outra
latente. Os conteúdos manifestos são aqueles que o paciente é capaz de narrar, já os
conteúdos latentes são aqueles ocultos, aqueles que residem nas entrelinhas do material
narrado. O trabalho do analista é o de partir do material manifesto pelo paciente ao
material latente, procedendo por meio de interpretações desse material oculto.

A tarefa da interpretação dos sonhos é complexa porque esse material latente, em geral,
aparece nos sonhos de modo cifrado por meio de símbolos, metáforas, representações.
Portanto, para apreender o significado desse material, é necessário um trabalho esmiuçado,
detalhado que guarda relação com organizações simbólicas genéricas, mas sobretudo é
pautado por uma interpretação que se vincule às questões específicas do paciente.

Nessa dinâmica relacional do consciente com o inconsciente, Freud formulou os ele-


mentos que constituem a estrutura da personalidade, que são o id, ego e superego.

Em linhas gerais, podemos dizer que, na concepção traçada por Freud, o id é a parte
mais primitiva e de mais difícil acesso da personalidade humana, nele estão manifesta-
dos instintos sexuais e agressivos. O id busca sua satisfação completa, sem se preocupar
com as normas e regras que regulamentam as dinâmicas sociais, ou seja, o id está sem-
pre em conflito com as posições morais estruturadas pela sociedade.

Em um processo de redução da tensão, o id precisa necessariamente se relacionar


com o mundo real, com suas regras e normas para poder atender a sua energia libidinal.

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Essa dinâmica de relação entre o id e a realidade é mediada por outro elemento, que
Freud chamou de ego. O ego, portanto, tem uma relação de dependência com o id, é
um elemento que emprega sua força a partir dessa derivação.

Para Freud, nessa relação de dependência, o ego se submete ao id, tentando propor-
cionar-lhe prazer, ou seja, tentando reduzir a tensão da energia libidinal.

O terceiro elemento que constitui a estrutura da personalidade freudiana é o superego.


Esse elemento se origina e se desenvolve na infância, quando a criança assimila as
regras de conduta social passadas pelos pais mediante um sistema de recompensas e
punições. Nesse sistema, os comportamentos incorretos, que geram punições, moldam
a consciência (uma parte do superego); e os comportamentos corretos, que geram re-
compensas, moldam o ego ideal (a outra parte do superego).

As formulações de Freud tiveram contribuições, desenvolvimentos e aprofundamen-


tos ao longo do século XX e no início de nosso século XXI. A teoria psicanalítica se
consolidou, portanto, como uma referência fundamental à reflexão e à prática clínica
dos transtornos psicológicos, contribuindo, de maneira decisiva, para o que hoje enten-
demos e realizamos a respeito da psicopatologia.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
Maria Rita Kehl e Freud | Episódio 1
Na websérie Maria Rita Kehl e Freud, a autora do posfácio de “Amor, sexualidade, feminili-
dade” (livro da coleção Obras incompletas de Sigmund Freud), fala sobre o pai da psicaná-
lise, seus conceitos e sua relação com o feminino e a sexualidade.
https://youtu.be/OK0fH3jQCCY
Luta Antimanicomial no Brasil
Breve explicação do que é a Luta Antimanicomial e de como ela surgiu como resistência
aos horrores praticados pelas Instituições Psiquiátricas.
https://youtu.be/rQPCfNsHExo

Leitura
O normal e o patológico: contribuições para a discussão sobre o estudo da psicopatologia
Artigo que reflete sobre a dificuldade de conceituação do normal e do patológico, dada a
fluidez destes conceitos em suas apreciações e aplicações no ambiente social.
https://bit.ly/35PeoDz
Maria Homem: O que a Pandemia nos revela
A psicanalista avalia o impacto do momento que estamos vivendo em nossa saúde mental,
na vida sexual e na compreensão da morte
https://bit.ly/3qmgWm6

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Referências
AMARAL, M. Fundamentos e Semiologia Essencial. Disponível em: <https://www.
ipub.ufrj.br/wp-content/uploads/2017/11/Livro_17_12_2020.pdf>.

BARLOW, D. H.; DURAND, M. R. Psicopatologia: uma abordagem integrada. Tra-


dução Noveritis do Brasil; revisão técnica Thaís Cristina Marques dos Reis. 2. ed. São
Paulo: Cengage Learning, 2015.

BERLINC, M. T. O método clínico: fundamento da psicopatologia. Rev. Latinoam. Psi-


copat. Fund., São Paulo, v. 12, n. 3, p. 441-444, setembro 2009.

SCHNEIDER, D. R. Caminhos históricos e epistemológicos da psicopatologia: Con-


tribuições da fenomenologia e existencialismo. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental
- Vol.1 N.2. Out/Dez de 2009.

SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia Moderna. Tradução: Adail


Ubirajara Sobral e Marta Stela Gonçalves. Revisão Técnica: Maria silva Mourão. São
Paulo, Editora Cultrix, 1ª edição brasileira, 1981.

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