PSICOLOGIA
Aconselhamento Psicológico & Psicoterapia
Autoafirmação um determinante básico
OSWALDO DE BARROS SANTOS
Conselho Diretor:
Anita de Castilho e Marcondes Cabral
Nelson Rosamilha
Oswaldo de Barros Santos
In memorian:
Dante Moreira Leite
LIVRARIA PIONEIRA EDITORA São Paulo
Capa:
Jairo Porfírio
1982
Todos os direitos reservados por
ENLO MATHEUS GUAZZELLI & CIA. LIDA. 02515 Praça Dirceu de Lima,
313 Telefone: 2660926 São Paulo
índice
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
8. Contribuições à Terapia Psicológica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
Objetivos básicos: desenvolvimento pessoal e psicoterapia. Metodologia
psicoterápica: a dinâmica do processo.
PARTE III
APLICAÇÕES EM SITUAÇÕES ESPECIAIS
9. Filhos e Alunos Difíceis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Como ocorrem os problemas. Medidas gerais.
10. Ações Preventivas na Educação, na Família e no Trabalho. . . . . . . . . . .
..
11. A Vida na sua Terceira Fase: a Valorização do Idoso. . . . . . . . . . . . . . . .
Técnicas de orientação e psicoterapia
Referências bibliográficas. . . . . ., . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
..
Englishabstract . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Introdução
Os métodos, técnicas ou modelos de atuação, originários de atitudes
naturais ou de comportamentos direcionados, freqüentemente usados para ajudar
as pessoas com problemas psicológicos, são extremamente variados; dependem
de concepções filosóficas e sociais, como, igualmente, dos recursos situacionais,
profissionais, éticos e operacionais. Ademais, as ciências do comportamento
colocam dúvidas e interrogações sobre os efeitos dos procedimentos orientadores
ou terapêuticos em virtude de pesquisas pouco elucidativas.
Os conceitos e as indicações ou lembretes existentes neste livro resultam,
de um lado, de informações bibliográficas e, de outro, de observações e
inferências pessoais que, em muitos anos, logramos realizar. É uma ligeira
coletânea de posições teóricas e da metodologia correspondente, seguida de uma
hipótese sobre a autoafirmação como determinante básico do comportamento e,
em conseqüência, de procedimentos e técnicas terapêuticas.
Todas as considerações, sugestões e hipóteses estão francamente abertas
à crítica de todos aqueles que se dedicam ao estudo ou à aplicação prática do
aconselhamento psicológico e da psicoterapia, seja na situação natural e
espontânea dos relacionamentos humanos, seja na situação profissional. O que se
pretende é colocar nossas observações ainda que falhas ou limitadas a serviço
desses alvos. Serão especialmente acolhidas as apreciações e contribuições
relacionadas com a proposição original, isto é, com a hipótese de ser a
autoafirmação o determinante básico do comportamento no plano psicológico.
Agradeço a meus alunos e exalunos da Universidade de São Paulo pelo
incentivo e pistas que me ofereceram e aos clientes que _e proporcionaram o
mais, fecundo material para estudos e conclusões. Agradeço, também, às
psicólogas Alice Maria de Carvalho Delitti e Walderez B.F. Bittencourt pela
gentileza em rever e comentar o texto do capítulo 4, oferecendo úteis
contribuições.
O.B.S.
PARTE I
VISÃO GLOBAL DOS PROCEDIMENTOS ORIENTADORES E
TERAPÊUTICOS
1 Diagnóstico, Orientação, Aconselhamento e Psicoterapia
O longo caminho: do diagnóstico para a assistência psicológica
Poucos terão definido tão bem a evolução da Psicologia no plano
operacional, como Rogers (1942) o fez ao examinar sua contribuição ao bemestar
e à assistência que dela se poderia esperar. Disse o fundador do método centrado
na pessoa que, na década de 1920, o interesse pelo ajustamento do indivíduo era
essencialmente de estilo analítico e de diagnóstico. "Floresceram os estudos de
casos, os testes, os registros e observações e os rótulos de diagnóstico
psiquiátrico. Com o tempo, essa tendência voltouse da diagnose para a terapia,
para a procura de meios e de processos pelos quais o indivíduo encontre a ajuda
de que necessita. Atualmente, preocupamonos mais com a descoberta de
recursos terapêuticos mais efetivos na assistência ao indivíduo. A dinâmica do
processo de ajustamento substitui a longa fase de descrições e rotulações".
Realmente, se nos detivermos no estudo das teorias e das técnicas
psicológicas, parece ser possível inferir que a maioria dos trabalhos psicológicos
era orientada mais no sentido de conhecer a personalidade do que em intervir no
complexo enredo do comportamento humano. As técnicas de diagnóstico tiveram
seu apogeu nos anos de 1920 a 1960. A psicometria e os estudos estatísticos
relacionados com a sensibilidade, a precisão e a validade dos instrumentos de
avaliação psicológica desenvolveramse de forma sensível dando origem,
inclusive, a um conjunto de normas publicadas, em 1954, pela American
Psychological Association, conseqüência natural do crescente interesse pelos
pormenores sobre os métodos de construção e de aferição de testes. A
classificação de reações ou de sintomas e o relacionamento de traços e de fatores
da personalidade era a tendência dominante. E a psicologia, como estudo e
avaliação do comportamento, passa a ser reconhecida como ciência na medida
em que é capaz de prever e descrever, por testes, questionários, inventarmos e
outros recursos, o comportamento de indivíduos ou de grupos. O próprio
comportamento é analisado, identificado e classificado por idades, sexo, grupos
sócioeconômicos ou em variáveis estatisticamente determinadas. Com Binet,
Kuhlmann, Stern, Terman, Claparede, Spearman e outros, surgem o estudo e a
elaboração de testes mentais e escalas métricas. Os conceitos de idade mental,
quociente de inteligência e a psicometria atingem níveis de alta sofisticação; há
preocupações em se desvendar as "habilidades" primárias ou básicas e têm lugar
os estudos fatoriais com Thurstone, Goodman, Thomson, Vernon, Kelley, Cattell e
outros mais; aparecem famosos testes tais como o "Differential Aptitude Test" , o
"California Test of Mental Maturity" , o "Guilford Zimmerman Aptitude Sorve", o
"General Aptitude Test Bater". Na década de 19401950, Wechsler estuda a
inteligência e desenvolve as não menos famosas escalas denominadas W AIS e
WISC. Por último, surge a contribuição de Guilford, baseada em estudos fatoriais
pelos quais 120 combinações de habilidades são teoricamente possíveis (Guilford
e Hoepfner, 1971) e os famosos estudos de Piaget sobre o desenvolvimento
intelectual da criança. Na área da personalidade, além do Teste de Rorschach, do
M.M.P.I., do T.A.T., do Teste de Machover surgem notáveis técnicas expressivas
tais como o P.M.K. e inúmeros questionários, provas situacionais e clínicas
(Anastasi, 1948, 1957; Van Kolck, 1975). Esses estudos e trabalhos de
mensuração se distanciavam muito dos procedimentos terapêuticos como se
estivéssemos em campos independentes.
O aperfeiçoamento das técnicas de diagnóstico conduziu o
Psicólogo a um
conhecimento razoável das reações humanas, mas não lhe ofereceu recursos
suficientes no sentido de manipulálas. O objetivo fundamental, que seria conhecer
para orientar, prevenir, corrigir, recuperar ou
tratar, continuava distante. Ainda
encontramos essa situação em muitos serviços psicológicos: a preocupação com
um bom diagnóstico. Se tal exigência é por vezes necessária, não menos o é a do
estudo dos meios e dos recursos pelos quais possamos ajudar as pessoas
atendidas, por uma razão ou outra, em uma clínica psicológica ou
de orientação
ou em um grupo assistencial.
O cenário retratado marca a longa trajetória da Psicologia para seu aspecto
aplicado, assistencial. Professores, chefes, supervisores, orientadores, pais e até
mesmo psicólogos tinham diante de si um quadro, tão perfeito quanto possível, do
ponto de vista descritivo, etiológico, causal, mas poucos sabiam para alterálo. O
mais acurado diagnóstico ficava, assim, inoperante, simplesmente porque os
recursos de ajuda, de intervenção, não eram conhecidos ou não aplicados.
A literatura psicológica, farta em técnicas de exame psicológico,
conservou.se relativamente pobre em estudos e informações sobre
procedimentos para atuação na conduta. Estes se limitavam, principalmente, a
manipulações ambientais, a técnicas de apoio, avisos, recomendações e
conselhos. Por outro lado, em outro universo, desenvolviase a Psicanálise com
teorias e técnicas delas derivadas; surgiu a contribuição rogeriana, e brotaram os
processos de Skinner bem como outras teorias e técnicas. A conjunção entre a
medida dos fenômenos psíquicos de um lado e o tratamento desses mesmos
fenômenos produziuse de maneira lenta e até mesmo hostil como se fossem
campos mutuamente exclusivos. O relacionamento entre a psicometria e a
psicoterapia e as preocupações com solução de problemas psicológicos foram
devidos, também, ao considerável impulso motivacional a partir da II Grande
Guerra, quando contingentes imensos de excombatentes precisavam se
reintegrar na vida civil. Como assinalam Sundberg e Tyler (1963), drásticas
alterações ocorreram. "Uma nova ênfase nos problemas de adultos e de crianças
desenvolveuse rapidamente. Os exames de inteligência e de aptidões
continuaram sendo necessários, porém, maior atenção foi dirigida aos complexos
e difíceis campos da personalidade e da motivação. A Psicoterapia tornouse a
preocupação essencial".
o uso de testes psicológicos
Os testes e as medidas em psicologia remontam aos estudos da psicologia
experimental iniciados por Wundt no século passado, desenvolvidos no começo do
século por Binet e consideravelmente valorizados até a década de 19501960,
quando teve início forte tendência contrária a seu uso. As razões que lhes foram
opostas são, em geral, técnico.científicas e filosóficas. As primeiras questionam a
validade técnica das medidas psicológicas e as últimas o direito que teriam as
pessoas de invadir e medir um campo de fenômenos nitidamente pessoais ou
de
utilizar os dados obtidos em benefício de grupos ou de instituições, sejam estas
educacionais, políticas ou empresariais.
Parece ao autor que estamos em vias de passar de um modismo
psicológico a outro, ambos impregnados de vantagens e de desvantagens, eis que
negar a existência de testes ou exames é desconhecer a realidade da própria vida.
O que se faz, na verdade, é tentar substituir a avaliação psicométrica por
entrevistas e observações clínicas, mudandose o
método mas não a intenção. A
avaliação não pode, porém, deixar de existir seja por um processo seja por outro.
O excessivo apego a resultados psicométricos sem a devida interpretação do
contexto individual e
social
foi, e com razão, a origem da resistência aos testes.
O problema do diagnóstico e particularmente dos testes parece
concentrarse em dois pólos essenciais: 1) a validade das medidas; 2) o uso das
medidas obtidas uma vez comprovada sua validade técnicocientífica.
O primeiro ponto parece ser o
mais relevante pois, se a medida for
precária,
insegura e instável, tudo o mais que dela partir é falso e altamente prejudicial. O
segundo ponto envolve problemas sociais, políticos e essencialmente éticos.
Testes e avaliações sempre existiram e sempre existirão, sob diferentes títulos e
calcados no conhecimento acumulado e na filosofia da época. Nosso problema é
aperfeiçoar as avaliações no seu sentido intrínseco e nas suas implicações
culturais, éticas e terapêuticas.
Quando se coloca o problema do diagnóstico prévio em aconselhamento ou
terapia, podem os testes ser necessários ou não. A tendência atual é esperar que
o diagnóstico ocorra como produto de interação entre psicólogo e cliente e na qual
este atue como participante no seu propalo Julgamento A .pessoa irá ao pouco
firmando sua Imagem e, seu autoconceito. Para fins de pesquisa e para outras
atividades no campo da psicologia, os testes funcionam como medidores ou
indicadores de comportamento e sua utilização é, às vezes, indispensável, desde
que válidos e adequadamente aplicados e Interpretados *
* . No Brasil como no restante do mundo, os testes e técnicas de
diagnóstico também floresceram nas décadas de 1930 a 1950. Vários
instrumentos de avaliação foram elaborados, dentre os quais o Teste SENAI AG3
e o Teste DEP, a cargo do autor e de seus colaboradores. Tais testes destinamse
à medida da inteligência geral, em termos do Fator G.
Orientação, aconselhamento e psicoterapia
Fundamentos
A imposição de padrões culturais, nos seus vários aspectos, é, sempre,
teoricamente repelida, na ânsia de liberdade e autenticidade que envolve o ser
humano. O homem busca afirmarse e talvez nisto consista todo o móvel da
conduta humana e sobre o qual falaremos no Capítulo 6.
Não obstante o alvo tantas vezes cultivado, vêse o homem julgado, aceito
ou rejeitado pela forma como se ajusta aos padrões que o cercam. A acepção é
válida em todas as épocas e em todos os lugares, em todas as classes e faixas
etárias. Mesmo a adolescência contestatória, às vezes iconoclasta e irreverente,
mas criativa e pura em muitos ideais que tenta opor à tradição e aos hábitos e
costumes, cria, para si mesma, um modelo ao qual os adolescentes aderem, com
normas e valores próprios. Estes passam a ser os critérios de conduta e de
ajustamento pelos quais os próprios adolescentes são entre si aceitos ou
rejeitados. O comportamento grupal, diluído em pequenas castas e classes ou
generalizado em amplos segmentos populacionais, envolve princípios normativos.
Chegase ao paradoxo de proporse a liberdade, a autenticidade, o serelepróprlo
e essa atitude transformase em valor Imposto, o que contraria a idéia fundamental
de liberdade.
A adaptação da pessoa a certas normas, estilos ou formas de vida é, pois,
um critério comum de ajustamento, embora tentemos rejeitálo. Daí se deduz que
muitos procedimentos profiláticos ou educacionais, como técnicas de reeducação
ou de terapia, pautamse, inexoravelmente, por padrões sócioculturais, alguns
transitórios ou superficiais, frutos de modismos ou situações de emergência,
outros permanentes e profundos, produtos da experiência acumulada na sucessão
de gerações em uma espécie de inconsciente coletivo de que nos fala Jung. Como
ser diferente, marginalizado, ou não reconhecido socialmente, pode, em certos
casos ter o sentido de destruição, a pessoa procura adaptarse aos sistemas
existentes para atender à necessidade biológica, básica, de sobreviver. A
sociedade indicalhe os caminhos para se preservar; exige, de forma aparente ou
velada, que se "eduque", isto é, que saiba falar, andar, vestirse e usar o sistema
social tal como existe; exige que estude, trabalhe, cuide dos filhos ou de pessoas,
segundo certos padrões; espera que participe da vida comunitária, que pague
impostos e que desfrute de seus bens, móveis e imóveis, segundo certas regras e
limitações. Em suma, estabelece certos determinismos cuja observância é
essencial para que a pessoa seja aceita. O aconselhamento e a terapia são,
nestes casos, uma proposta de adaptação a uma vida prédefinida. A liberdade
seria apenas a possibilidade de escolha entre os determinismos que nos
pressionam.
Muitos procedimentos de aconselhamento psicológico e de psicoterapia
visam atingir os alvo_ de que falamos: tentam conduzir as pessoas às situações
que os valores sociais estabelecem como adequadas. Essa imposição, se, em
muitos casos, produz reações de crítica e de oposição e até de uma alienação
conducente a quadros patológicos, por outro lado pode gerar segurança aos que
se incorporam à massa, às tradições, ao pensamento grupal. E coletivo. É a
tendência sociocêntrica em oposição à linha individualista ou centrada na pessoa.
Até que ponto as tendências socializantes ou personalizantes são benéficas ou
prejudiciais, aprazíveis ou aterradoras não sabemos. É assunto Dara os filósofos,
sociólogos e psicólogos sociais. O que nos parece evidente é a ausência de
padrões, valores ou pressões que, de uma forma ou outra, balizam o
comportamento humano.
Do ponto de vista do aconselhamento psicológico e de tratamento, há
recursos terapêuticos que visam adaptar o homem a seu contexto sóciocultural
embora se procure, atualmente, limitar ao máximo a subserviência a valores
preestabelecidos, sem, porém, ignorálos; tentase colocar a pessoa em condições
de opção, ampliandose o leque de escolha; procurase aproveitar as
potencialidades individuais e abrir perspectivas para mudanças sociais; procurase
facilitar o questionamento de problemas e situações de vida. E de forma tal que as
transições ocorram na pessoa e na sociedade sem violentálas na sua essência,
mas vigorosas no seu posicionamento. O aconselhamento imposto, extremamente
autoritário, é coisa do passado, ainda que as informações, os conselhos, as
advertências atuem em certos casos. Se os conselhos e recomendações fossem;
por si sós, eficientes, as Prisões estariam vazias e os instrumentos; de repressão
teriam amplo sentido. Há, pois, que estabelecer um sistema de comunicação, de
orientação e de atuação psicológica que produza resultados benéficos para a
pessoa e para a sociedade. E, no caso em que os valores sociais sejam
predominantes, muitos processos são usualmente aplicados com maior ou menor
benefício pessoal ou social consoante as exigências que, naquele momento,
fluem da pessoa ou do grupo.
Procedimentos comuns
Como se verifica em vários autores (hahn & MacLean, 1955; Stefflre &
Grant, 1976; Sundberg & Tyler, 1963; Wolberg, 1977), há grande variação nos
procedimentos adotados nesta categoria metodológica de tipo "orientador" ou
“diretivo" .
Ainda que prevaleça o sentido sociocêntrico,. Baseado em padrões
culturais, tentase, do ponto de vista psicológico, reduzir ao mínimo a diretividade
procurandose reduzir tensões e preparar a pessoa para decisões socialmente
desejáveis. Em geral, os procedimentos mais comuns são: 1) Discussão com o
psicólogo dos prós e contras de cada situação; 2) Informação, pelo psicólogo, com
base no diagnóstico, das possíveis causas e da possível evolução das reações
observadas; 3) Opinião do psicólogo no sentido de estimular ou de impedir a
consecução de certos planos; 4) Planejamento de situações, com o cliente,
envolvendo assuntos relacionados com os problemas tratados.
Dificilmente se encontra, na literatura, a citação de pormenores técnicos do
método, isto é, sobre o tipo de diálogo e atuação pelo qual o psicólogo conduz o
relacionamento com o cliente. Em geral" são citados métodos de interpretar
resultados de testes face a uma situação considerada e prognósticos que podem
ser levantados. Limitamse os autores a afirmar que "o cliente deve ser
informado", que" deve tomar conhecimento J' , que o psicólogo deve considerar
isto ou aquilo e que o cliente deve decidir.
Em geral, qualquer dos procedimentos aqui citados, como outros, análogos,
,embora com nomenclatura diferente, compreendem três etapas:
Fase catártica
O psicólogo ouve o cliente mantendo atitudes não críticas, facilitando sua
expressão. O cliente expõe seus problemas e o psicólogo usa várias intervenções,
tais como repetição, sumário e proposição de questões, esperando que o
problema seja devidamente enquadrado em hipóteses prováveis. Essa fase pode
durar uma ou mais sessões, na medida em que seja necessário chegarem,
psicólogo e cliente, a uma estruturação formal dos problemas a enfrentar.
Fase de diagnóstico
Preparado emocionalmente o cliente na fase catártica, pode seguirse o
diagnóstico, orientandose sua execução de acordo com os problemas ou
hipóteses fixados na etapa anterior. Anamnese, testes, questionários, entrevistas
com familiares.e outras pessoas são usados. Exames médicos e pareceres
escolares ou profissionais podem ser incluídos no diagnóstico. Este envolve mais
de uma pessoa e, em algumas clínicas, uma grande equipe participa do estudo do
caso
e da formulação de hipóteses e de planos (Vide outros comentarmos sobre o
diagnóstico, no Capítulo anterior).
Ao mesmo tempo, o psicólogo procura conhecer as oportunidades de
estudos, de trabalho, de vida social, de recreação e de eventuais tratamentos
específicos disponíveis para o cliente; precisa recorrer a diferentes especialistas,
entre os quais orientadores educacionais, assistentes sociais, médicos,
professores e até mesmo a outros profissionais. Como tem que julgar a
disponibilidade de recursos da comunidade, seu trabalho pessoal geralmente é
insuficiente.
Quando o diagnóstico é necessário, temos notado ser mais eficaz o
procedimento que identifique: 1) o nível potencial
do cliente, e que se estende
desde suas condições de saúde até seus níveis de escolarização e de condições
sócioeconômicas, incluindo nível de inteligência, de aptidões e reações sensoriais
e motoras; 2)
as condições de adaptabilidade que favorecem ou delimitam o uso
de suas potencialidades, penetrandose no estudo da personalidade do cliente e
nos seus dinamismos. Todos os planos geralmente consideram as expectativas
sociais e, de outro lado, as potencialidades individuais, inclusive as facilitações ou
barreiras que a pessoa pode encontrar (Barros Santos, 1978).
Fase de decisões
Com o quadro do cliente diante de si, o psicólogo é levado à compreensão
do comportamento do cliente e à decisão sobre os procedimentos aplicáveis para
prevenção, ajustamento ou alteração de conduta. A característica básica reside na
maior dose de iniciativa e decisão atribuída ao psicólogo. Este espera o cliente
colocar os problemas e as soluções, mas, se estas não surgirem, assume o
psicólogo o papel de proponente. O diálogo é Uma troca de idéias. O psicólogo
informa, de modo impessoal, sobre os dados apurados, baseandose em
interpretações clínicas e estatísticas (Meehl, 1954; Super, 1955; Coule, 1960;
Goldman, 1961). Evita personalizar as situações e oferece panoramas gerais,
impedindo o aparecimento de nova ansiedade quando certos dados possam
contrariar os alvos do cliente. Ao discutir com este, o psicólogo, ao mesmo tempo
que informa,
tenta explorar em cada idéia ou fato novo os sentimentos manifestos.
Essa atuação, informativa e exploratória, leva o cliente a conhecer suas
possibilidades e, desde que não gere tensões, produz condições favoráveis para
escolhas e decisões. É uma etapa difícil, principalmente quando existem dados
fortemente contrários às expectativas da pessoa. Em geral, é mais cauteloso
esperar que esta, pouco a pouco, com a atmosfera de conforto criada pelo
psicólogo, possa ir, ela própria, inferindo conclusões. As interferências no sentido
de ordenar, proibir, persuadir não têm, em geral, mostrado eficácia. A informação
e a exploração subseqüentes e imediatas nos parecem ser o procedimento mais
adequado até agora encontrado. O psicólogo julga e avalia as possibilidades do
cliente, mas o faz atenuando qualquer grau de dependência ou de ansiedade, na
medida em que seja capaz de, concomitantemente com a informação, incluir
atitudes que conduzam o cliente a explorarse a si mesmo e à tomada de
decisões.
Variações no processo
Em inúmeros casos, na fase catártica ou na fase de decisões, o cliente se
sente mais à vontade "falando dos seus problemas" do que dos motivos
originariamente expostos como razões para consulta. A redução da ansiedade
criada pelas atitudes do psicólogo permite, pois, distinguir os casos em que
ocorrem problemas emocionais generalizados dos que procuram, apenas,
informações para uso predominantemente intelectual. Nessas circunstâncias,
vêse o psicólogo na contingência de continuar o processo no esquema original
previsto, de transformáLo em processo terapêutico específico ou, ainda, de
combinar ambos.
O atendimento do caso pode ter início com atitudes e técnicas centradas na
pessoa, o que, além de preparar o cliente para um melhor diagnóstico, quando
este se revelar necessário, permite iniciar uma assistência terapêutica que será útil
nas situações em que, ao lado dos aspectos intelectuais, haja situações
emocionais a serem manipuladas.
Quando o método é aplicado principalmente em casos de orientação
vocacional ou profissional, sem problemas emocionais graves, temos notado que
os clientes, quando submetidos apenas à reflexão de sentimentos, mostraram
pouco ou nenhum avanço no sentido de equacionar melhor suas opções. Sempre
que o psicólogo intervinha apenas com técnicas rogerianas, não se notava o
aparecimento de respostas que revelassem modificação de comportamento
associada a eventuais decisões. Em se tratando de casos em que predominavam
problemas cognitivos
O que se supôs antes e se verificou posteriormente a técnica de
informação, discussão e explanação refletiuse favoravelmente no aumento das
possibilidades de decisão. Tais efeitos concordam, em parte, com o que afirmam
os partidários desse método e segundo os quais os problemas de escolha nem
sempre são originariamente emocionais. Estudos de Watley (1967), concernentes
à predição do sucesso de estudantes atendidos por conselheiros de orientação
doutrinária e técnicas diferentes, demonstraram que os conselheiros filiados à
teoria informativa (teoria e traços da personalidade) predisseram com mais
exatidão o grau de sucesso dos indivíduos estudados do que os filiados à
orientação não diretiva, dos chamados ecléticos ou dos que não tinham doutrina
técnicocientífica bem definida.
A maioria das técnicas ou de recursos terapêuticos baseados no contexto
sóciocultural não tem nomes consagrados. Muitos mesclamse entre si. Vamos
enumerálos com pequenas explicações já que constituem variações do
procedimento geral descrito.
InformaçãoOrientação
Tratase de imposição comportamental, no plano da ideação e da ação,
baseada em padrões de conduta previamente definidos como únicos possíveis e
válidos. De efeito sugestivo, atua sob a forma de dissuasão racional, geralmente
associada a recompensas e punições. É de valor ético discutível e somente
indicado em situações de emergência e de perigo para o cliente ou para outras
pessoas. Inclui, muitas vezes, a doutrinação e a orientação das pessoas para
comportamentos sociais ou políticos emanados de um grupo dominante. Um
exemplo extremado deste procedimento é a chamada "lavagem cerebral".
Manipulação ambiental
Consiste em uma atuação planejada e diretiva sobre agentes externos,
presentes na família, na escola, no trabalho ou na comunidade, visando eliminar
ou atenuar a exposição do cliente às fontes de frustração ou de conflito. Pode
exigir amplo diagnóstico do cliente e dos fatores externos atuantes em seu
comportamento para localizar as variáveis nele intervenientes e a aplicação de
medidas que conduzam alvos desejados. Muitas vezes o processo é indireto, ou
seja, o próprio cliente não tem conhecimento dos alvos e das intenções que visam
alterar seu comportamento, o que ocorre em casos de deficiência grave e
incapacitante no plano intelectual ou emocional.
Aproveitamento de interesses e de recursos pessoais e ambientais
Partindo de prévio diagnóstico global! E diferencial, visa utilizar ao máximo
o potencial e a estrutura individual, usando caminhos não bloqueados. Inclui o
Estudo da dinâmica do comportamento e dos alvos e das necessidades
individuais, procurandose conciliálas com as ofertas e as necessidades sociais.
Multo usado no Campo da Orientação Vocacional e Profissional e na Educação,
baseiase nas possibilidades da comunidade ou da instituição, procurandose
facilitar à pessoa seu ajustamento a uma ou mais alternativas que a sociedade
oferece. É menos diretivo Do que os procedimentos _tj.anteriores, já que oferece
opções no campo do trabalho, Do lazer, da família, das atividades comunitárias ou
em outras áreas do comportamento social.
Terapia ocupacional
Confundese com outros métodos e técnicas já que o aconselhamento e a
psicoterapia de qualquer estilo são, também, socioterápicos. Mesclase, mais
comumente, com a manipulação ambiental, com comunidades terapêuticas e com
as técnicas de grupo em geral. Em essência, visa um contexto grupal, de que são
exemplos a terapia familiar (Bowen, 1978), a terapia institucional (para pessoas
que têm vida em comum) e equipes de trabalho. Nestes e noutros casos, a ênfase
é dirigida para os sentimentos e as relações intragrupos e intergrupos;
concentrase nos problemas de agrupamentos humanos em geral como, também,
em grupos especiais tais como grupo de doentes, grupo de viciados (o A.A.A. é
um exemplo), grupo de minorias raciais, grupo de delinqüentes, etc.
Os procedimentos aplicados correspondem, em geral, às técnicas de grupo,
sob orientações psicológicas as mais diversas (vide capítulo 4).
Comunidades terapêuticas e
vivenciais; processos de grupo
São geralmente usadas quando se busca um relacionamento grupal e um
trabalho de grupo e, neste caso, assemelhase à socioterapia. As comunidades
terapêuticas e vivenciais são, também, destinadas aos casos que não possam ser
atendidos em clínicas ou consultórios comuns por dificuldades diversas.
Aplicamse igualmente às pessoas que tenham problemas de residência, de
locomoção e as que precisam de constante assistência, seja médica ou
psicológica.
Em alguns casos caracterizase uma internação ou seja um regime de vida
em clínica, hospital ou comunidade em que a pessoa submetese a um tratamento
médico, psicológico e social em geral programado pela instituição que a acolhe.
Modernamente, os "internos" são convidados para colaborar, podendo até
participar da direção dos programas em regime de cogestão, visandose
confrontação com a realidade e autoafirmação. A interação entre os participantes
é discutida em sessões especiais prevendose, também, relações externas e o
gradativo término da internação com o conseqüente autogoverno. .
Os procedimentos e todas suas variações médicas, psicológicas ou sociais
são planejados e aplicados por equipes multidisciplinares, com a cooperação dos
participantes, podendo ser usados tanto em hospitais como em escolas,
empresas, estabelecimentos penais, centros de abrigo e proteção e obras
assistenciais.
O hospitaldia, centrodia ou centro terapêutico é uma variação
metodológica na qual o cliente conserva o vínculo com a família e freqüenta o
centro diariamente ou algumas vezes por semana. Aplicase a pessoas para as
quais a tarefa terapêutica de consultório ou de ambulatório é insuficiente e para as
quais a internação comum é desnecessária ou contraindicada.
Tanto a internação ou hospitalização comum como o centrodia implicam na
existência de várias atividades que compreendem, em geral: 1) Assistência
médica em geral; 2) Atividades psicoterápicas tais como sessões de grupo, jogos,
dança, esporte, artes plásticas e musicais, artesanato, participação em tarefas
para o centro; 3) Psicoterapia específica, conforme o caso; 4) Contacto com a
realidade; 5) Trabalho com a família, fazendo desta uma ativa participante.
O centrodia, ou centro terapêutico, vem sendo usado também no campo da
gerontologia, pelo qual conserva o idoso seus vínculos familiares sendo,
simultaneamente, assistido por uma equipe especializada, em um melo que lhe
proporciona convivência e atividade produtiva.
A vivência comunitária é outra variação do procedimento de internação e
comunidade terapêutica. Pode assumir várias formas, desde instituições
destinadas a menores excepcionais ou desemparados, até instituições penais ou
conjunto residencial para idosos. Esse sistema tem algumas vantagens e algumas
desvantagens. Em geral provê meios assistenciais mais facilmente e menos
onerosos mas, por outro lado, afasta o indivíduo da realidade existencial
contribuindo, até certo ponto, para uma segregação social ou etária. Outro perigo
é o
envelhecimento
ou saturação da comunidade ou seja, o cansaço resultante de
uma constante vida em comum. Os inconvenientes apontados podem ser
removidos com uma organização suficientemente ampla e flexível, com
programações variadas e com população parcialmente rotativa. Podese, também,
em certos casos, limitar a estada residencial a alguns dias por semana ou
intercalála com temporadas em outros locais, principalmente junto à família.
3 Procedimentos Centrados no Contexto Pessoal
Fundamentos
Ao longo dos tempos, a sociedade revê os focos de referência em que
balisa seus alvos, concentrandose ora na pessoa, ora no grupo ou 'sistema, o que
acarreta, no campo do aconselhamento psicológico ou da psicoterapia,
correspondentes alterações. O conceito humanístico, 'voltado para uma atitude
antropocêntrica, geralmente se sucede ao período sociocêntrico, no retorno a um
equilíbrio natural. Essas tendências se alternam e, às vezes, coexistem. Hoje
parece estarmos diante de uma orientação predominantemente personalista em
que o indivíduo é o centro. Nesta conceituação, acentuada depois da II Grande
Guerra, o foco preferencial tem sido o homem, a pessoa antes do grupo, embora
alguns sistemas sociais existam como alvo prioritário.
Embora essas colocações e a luta pelos direitos humanos definam uma
marcante filosofia social, a distância é bem grande entre a idéia e a ação. Mesmo
no aconselhamento tipicamente centrado na pessoa, quando terapeuta e cliente
buscam libertarse das amarras sociais, estas não conseguem ser eliminadas. Os
seres vivos têm medo de mudanças e apegamse às estruturas existentes. No
humanismo psicológico, pois, o efeito máximo atingido parece limitarse a uma
proposição para o futuro, isto é, ao planejamento para geração posterior. O
humanismo é um desenvolvimento e um aproveitamento daquilo que é a pessoa,
com ênfase na inovação, no enriquecimento experiencial e no crescimento, o que
não significa constante oposição social mas a capacidade e a habilidade de extrair
do melo o que é útil à pessoa e, em contrapartida, oferecer ao melo o que pode
ser a ele necessário para o equilíbrio geral. Neste ponto, o aconselhamento e a
psicoterapia de linha chamada' 'humanística" são contrários à educação de massa,
à modelagem social e à socialização planejada.
Os métodos e técnicas dirigidos pelo enfoque humanístico partem do
princípio de que a pessoa, como organismo total, é um ser com características
próprias, que age e interage de acordo com as coordenadas básicas, biopsíquicas
e sociais de sua personalidade, em uma equação pessoal de que nos falam tantos
autores. O meio social é um corpo à parte, tão significativo quanto O ente
biopsíquico, mas não o alvo irremovível e indiscutível. A pessoa é o centro e não o
sistema de valores e de hábitos sociais. Francamente opostos ao domínio
sóclocultural, da primeira categoria de métodos (Capítulo 2), coloca como objetivo
básico a satisfação e o bemestar individual, sem que isto implique em rebeldia ou
subversão mas, ao contrário, em busca de valores e de opções que conciliem o
EU pessoal com o EU social.
Os métodos e os procedimentos práticos atuam tanto no plano consciente
como no inconsciente da personalidade e tendem a ser fenomenológicos ou, como
diz Tyler: "Lida com o mundo como a pessoa o vê mais do que com a realidade