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Falar sobre avaliação psicológica no contex- 2007), o psicólogo hospitalar atua em institui-
to hospitalar é desafiante e prazeroso ao mesmo ções de saúde de nível secundário ou terciário.
tempo, uma vez que temos a experiência de atuar Entende-se como nível secundário locais com
como psicólogos hospitalares e trabalhar na do- tecnologia de saúde de complexidade interme-
cência, na formação de graduandos em psicologia diária, como unidades de pronto-atendimento e
e aprimoramento de psicólogos, dando super- ambulatórios médicos especializados. Já o nível
visão em grupos, favorecendo e incentivando o terciário se refere à alta complexidade, como,
trabalho de forma interdisciplinar, o que indica por exemplo, hospitais gerais, hospitais especia-
que estarão sendo treinados para o mercado de lizados e ambulatórios de quimioterapia (Paim,
trabalho e a trabalharem de forma colaborativa, 2015). Nesses ambientes, para o psicólogo, uma
segundo as premissas da World Health Organiza- das principais tarefas é realizar a avaliação psico-
tion (WHO, 2010). A prática interdisciplinar nos lógica dos pacientes que estão vinculados a pro-
faz crescer muito em vários aspectos, uma vez que cedimentos médicos com a função de promover,
se deve estar sempre disposto a aprender e ensi- proteger e/ou recuperar a saúde (CFP, 2007).
nar o outro, num processo psicoeducacional. Como se sabe, o trabalho em equipe nas ins-
Este capítulo será norteado por temáticas que tituições de saúde é uma premissa para a atua-
envolvem avaliação psicológica e o campo do hos- . ção de excelência dos profissionais. Para que as
pital. Tem-se como objetivo apresentar conteúdos ações de proteção, prevenção e/ou recuperação
e possibilidades referentes à prática do psicólogo de saúde do paciente ocorram com efetividade, o
na avaliação psicológica no contexto hospitalar. trabalho dos profissionais deve ser coeso e com
Esta proposta busca nortear a atuação do psicólo- efetiva comunicação, além da adequada execu-
go no contexto assistencial de hospitais e ambula- ção de suas avaliações clínicas. Por isso, a ava-
tórios multiprofissionais, trazendo a relevância da liação psicológica deve ser compreendida como
avaliação psicológica no contexto hospitalar. ferramenta imprescindível para o psicólogo hos-
Para melhor contextualização faz-se necessá- pitalar, pois não somente possibilita a elaboração
rio definir os ambientes entendidos como locais de terapêuticas específicas, como também a par-
de ação do psicólogo hospitalar, uma vez que tir dela o profissional terá elementos e resultados
sua ação deve ser diferenciada nos níveis de hie- clinicamente relevantes para poder discutir com a
rarquização do Sistema Único de Saúde (SUS). equipe de saúde e elaborar um plano terapêutico
Segundo o Conselho Federal de Psicologia (CFP, multiprofissional mais relevante para o paciente.
Rafael Andrade Ribeiro e Aanc111a ~-- .
bém tem
.
a finalidade de ser um pon .
nd
Para tanto, a avaliação psicológica é fu ª- (Bapnsta & Borges, 2017), principal Partida
, l de com- . • mente
mental, já que se trabalha num mve que mmtos eventos mtervenientes O Por.
. ,I corre"'1
plexidade de problemas de saúde que abarca as pouco tempo e o ps1co ogo tem que estar a·• em
condições física, psicológica, comportamental, para atuar de f orma focal e contextu 1. tento
'd a IZad
contextual e muitas vezes espiritual, necessitan- problema de sau e, aos aspectos afef
. . . . 1vos e
ª ªº
do de intervenções mais tecnológicas, muitas • ' og.
ninvos, esp1ntua1s e ao contexto soc1ocultu
vezes invasivas e com a ação de vários profissio- do avaliado. Sendo assim, como praxe .st ral
nais e especialidades diferentes ao mesmo tempo avaliação psicológica inicial, 0 que vai ~oexi ea
e espaço (Faria & Seidl, 2005). Nesta temática, . . . - rtear as
pnme1ras mtervençoes e, após cada intervenção
compreende-se que o principal objeto de inte- ela tem que ocorrer processualmente, para se es-'
.
resse do psicólogo e, consequentemente, da ava- truturar novas mtervenções psicolóuica
õ4 s, ate, que
liação psicológica, seja o paciente e sua relação
se chegue. à finalização do acompanham entoou
com a saúde/doença, como também os familiares
ao
. encammhamento
,. . . do atendimento para outras
que acompanham esse cenário.
mstanc1as de atendimento psicológico. A seguir
Sabe-se que essa avaliação, por ser um pro- é apresentado um fluxograma que serve como
cesso contínuo, ocorre em todo momento no base para o atendimento, construído a partir das
contato com o paciente e familiares, como tam- vivências dos autores deste capítulo.
Busca ativa
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Coleta
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meio de fontes de rede de saúde
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ençoes e objeti planeJamento da
vos terapêuticos s
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Figura 1 Fl uxogra
ma d a avalia - .
çao ps1cológica
· no hospital
16 Avaliação psicológica hospitalar 'i,r:i ~~ção 187 =:
Outro fator de grande relevância para O pa- ser mais voltadas para uma ação de promoção,
pel da avaliação psicológica no contexto da saúde prevenção, recuperação ou reabilitação (Paim,
hospitalar é que esse psicólogo atende às norma- 2015), ou até mesmo conjugadas. Ressalta-se
tivas da Organização Mundial de Saúde (OMS, que a atuação do psicólogo visa ações voltadas
1996) que se utiliza da Classificação Internacio- para a tríade paciente-familiares-equipe.
nal das Doenças -versão 10 (CID-10) 1 para esta- Segundo Laloni e Fernandes (2018), a psico-
belecer a hipótese diagnóstica do paciente. O uso logia hospitalar no Brasil teve início na década
da CID-10 também favorece a comunicação da de 1960 com a entrada de psicólogos clínicos
equipe e o estabelecimento da intervenção, além como avaliadores da saúde mental em pacientes
de "permitir tratamentos estatísticos, epidemio- e também na pesquisa no hospital. Sendo assim,
lógicos na medida em que busca estabelecer um pode-se observar que se trata de uma área nova,
acordo, uma convenção" (Conselho Regional de em formação; muito tem que ser aprimorado,
Psicologia 6ª Região [CRP], 2005, parágrafo 1°). pois existe ainda a falta de sistematização na ação
Sendo assim, é importante ter em mente que a do psicólogo hospitalar (Gorayeb & Guerrelhas,
CID-10 não oferece informações pormenoriza- 2003). Cabe aqui uma reflexão importante que
das para a compreensão do estado de saúde da justifica ainda a não sistematização da avaliação
pessoa e nem mesmo o que vem a seguir, referin- nesse campo, uma vez que não há o reconheci-
do-se ao impacto do problema de saúde na vida mento dos próprios cursos de psicologia com ên-
da pessoa. Então, além da CID-10, a OMS tam- fase na formação profissional nessa área, pois a
bém orienta a utilização da Classificação Interna- formação é generalista.
cional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde Independente do ambiente de atuação, é de-
(CIF), que tem por finalidade detalhar o estado de ver do psicólogo trabalhar a partir de um refe-
saúde da pessoa, apontando suas funcionalidades rencial teórico-metodológico que faz parte da
e incapacidades, favorecendo as ações multipro- sua formação (Almeida & Malagris, 2015). A
fissionais (Di Nubila & Buchalla, 2008). A partir pluralidade dos referenciais teóricos e filosóficos
disso pode-se perceber a responsabilidade do psi- na Psicologia traz diversas possibilidades para a
cólogo quanto a sua avaliação no processo, uma estruturação e compreensão dos fenômenos em
vez que se não for feito com propriedade poderá um processo de avaliação psicológica. Portanto,
acarretar problemas irreparáveis para o processo não se almeja com este capítulo esgotar as pos-
de retomada da vida de forma funcional. sibilidades de ações avaliativas no ambiente hos-
pitalar, mas sim de realizar uma orientação com
aspectos essenciais a serem considerados nesse
Avaliação psicológica no hospital
contexto, respeitando, assim, o referencial de
A avaliação psicológica auxilia na compree~- cada profissional interessado no tema.
são do problema e o estabelecimento das ati- De acordo com a Resolução n. 218 do Con-
vidades que serão desenvolvidas, isto é, se vão selho Nacional de Saúde, de março de 1997,
considera-se que os psicólogos estão inscritos
1. Uma nova versão da CID, a CID-11, foi anunciada pel~ Or~a- no grupo de profissionais da saúde, juntamente
. m 1° de Janeiro
nização Mundial da Saúde e entrará em vigor e com assistentes sociais; biólogos; profissionais
de 2022.
16 Avaliação psicológica hospitalar
de pensamentos encontrados
,
porem pontuam-se a1gumas cara
cterísticas que em pessoas com d epressão É'COtnu"'
a ·•1en1c
t · UtoapJ·1 ,
devem ser consideradas para a escolha do teS e, e composto por 26 itens (Car . Cá\'el
como a viabilidade e adequação de uso segu
nd
º Baptista, 2015).
II - Escala de Percepção do Sup
ne1ro
as limitações do teste, considerando, in clusive, 0
(Epsus-A): tem como objetivo Orte 50cia]
ambiente para aplicação. Outro ponto releva~te avalia
fontes d e suporte social nas d' r as
é a adequação do teste ao estado biopsicossocial . . - Itnensõ
a f etivas, mteraçoes sociais instru es
do avaliado, considerando suas especificidades ' mental
enfrentamento de problemas (Ca d e
. r oso R,
socioculturais, psicológicas e seu estado orgâni- Baptista, 2016).
co. Este, inclusive, pode estar alterado crônica ou III - Inventário de Depressão de B k
ec II
momentaneamente devido às questões médicas e (BDI- II) : composto por 21 itens t
. . d ' em o
deve ser compreendido para a escolha do instru- o bJetivo e mensurar
. a gravidade dos sm.-
mento (Borges & Baptista, 2018). tomas depress1vos, c1assificando-os entre mí-
nimo, leve, moderado ou grave (Campos &
Em ambientes como as enfermarias e as uni- Gonçalves, 2011).
dades de terapia intensiva, a utilização dos testes
pode ser mais limitada devido às peculiaridades Já nos espaços ambulatoriais, a testagem psi-
do espaço físico para a coleta de dados, além do cológica conta com características que se diferem
tempo curto que muitos pacientes permanecem dos ambientes de internação, pois, ali, o paciente
internados. Borges e Baptista (2018) sinalizam, costuma ser acompanhado pela equipe de saúde
por exemplo, que testes de métodos expressivos, de forma mais longitudinal e em espaço físico
como Rorschach, ou testes de personalidade com mais propício para a avaliação. Para ilustrar esta
grandes quantidades de itens não são muito ade- particularidade em um ambulatório pediátrico,
quados ao ambiente hospitalar devido à dinâmi- Macedo, Ribeiro e Dias (2018) propõem, além
c~ d~ ~ospital, ao objetivo do psicólogo da saúde da avaliação psicológica inicial, o acompanha·
e,ª d1f1culdade de integrar os dados da avaliação. menta do desenvolvimento dos pacientes. Se
Ja o uso de escalas e inventários pode ser estes estiverem em um tratamento de longo pra·
poss1·b·t·d d uma
. 11 a e mais adequada para esse am b'1ente,
zo , , 1
' e passive acompanhar seu desenvolvimento
considerando a possibilidade de ad . . - físico, cognitivo e social. A aplicabilidade deste
. . . m1mstraçao,
apesar das limitações existentes no h osp1ta.
. 1 modelo de acompanhamento pode ser consid~-
Como a escolha do teste para com rada, por exemplo, para ambulatórios de segut·
liação depende de diversas var·, . por a ava- menta de cnanças
· nasci.das prematuras ou coJJl
. . 1ave1s como as ·,
d1scut1das anteriormente n- _ Ja outras comorbidades. Seguem alguns e.xeroplos
' ao se propoe .
esgotar as possibilidades de . ' aqui, de instrumentos para acompanhamento do de·
·1· . mstrumentos
ut1 ização, mas sim sinaliz 1 para senvolvimento nos ambulatórios.
' ' . ar a guns te t
os autores consideram com l s es que I · da
, . o re evantes p - Escala de Inteligência Wechsler Abrevia
pratica do psicólogo hospit l .,.. ara a
a ar. iem se (Wasi): tem o objetivo de avaliar, brevemen~
exemplo de instrumentos a - como
"d serem utilizad te, a inteligência. Público-alvo: crianças deor
um ades de internação: os nas
anos até idosos de 89 anos. Comp 0st0 p .
I ...:. Escala de Pensam
(EPD ): temcomoobJ'ef entos .Dep ress1vos . quatro b , . b s seIIle
su testes: vocabulano, cu O ' .
ivo avaliar d.Istorçoes
- 1hanças e raciocínio matricial (Wagner, 0
mey, & Trentini, 2014).
16 Avaliação psicológica hospitalar e Seção 3 193 =
II - Bateria Psicológica para Avaliação da Aten- lógica deva começar, uma vez que por meio dela
ção (BPA): tem o objetivo de avaliar a atenção o psicólogo tem acesso ao nível de consciência
geral e três tipos de atenção, sendo Aten- do paciente. Assim, quando rebaixado seu nível
ção Concentrada, Atenção Dividida e Atenção de consciência, sabe-se que a coleta deve ocor-
Alternada (Rueda, 2013). rer a partir dos familiares, equipe e prontuário.
Para ter acesso à escala, basta entrar no endereço
d) Utilização de materiais complementares: eletrônico: https://www.glasgowcomascale.org/
considerados como Fontes Complementares, os downloads/GCS-Assessment-Aid-Portuguese.pdf
instrumentos não psicológicos podem ser utili-
zados pelos psicólogos desde que possuam res- II - O Miniexame do Estado Mental (Meem):
paldo científico da literatura e que sejam desti- é um instrumento de rastreamento cognitivo,
nados a profissionais da saúde e que respeitem que não substitui uma avaliação mais detalhada.
os padrões éticos do Código de Ética do Con- É de fácil aplicação, não requerendo material es-
selho Federal de Psicologia (CFP, 2018). Sendo pecífico, basta o instrumento impresso e o uso
assim, serão relacionados alguns instrumentos de lápis e papel. Pode ser aplicado por todos os
que mostram por meio de pesquisas de evidên- profissionais da saúde, desde que treinados. Ava-
cias sua eficácia nos resultados. Validados para lia os domínios cognitivos; orientação espacial
a população brasileira, seus resultados são rele- e temporal; memória imediata e de evocação;
vantes para a avaliação psicológica, uma vez que cálculo; linguagem-nomeação; repetição; com-
oferecem informações importantes para a com- preensão; escrita; e cópia de desenho. É valida-
preensão psicológica do paciente. do e adaptado para a população brasileira, tendo
que ser levado em conta a escolaridade do ava-
liado (Bertolucci, Brucki, Campacci, & Juliano,
I - Escala de Coma de Glasgow: não é apli-
1994). O uso do Meem auxilia na avaliação no
cada por psicólogos e sim por outros membros
sentido de verificar se o paciente tem condições
da equipe de saúde: fisioterapeutas, médicos e
de acompanhar e armazenar as informações que
enfermeiros. É destinada aos pacientes que so-
são oferecidas durante o processo do diagnós-
freram um TCE (Traumatismo Cranioencefáli-
tico, internação e prognóstico. Ressalta-se que
co) fornecendo informações de como estão suas
atualmente o Meem II foi publicado e pode ser
condições de consciência. O nível de consciência
encontrado na forma expandida.
é avaliado pela abertura ocular, resposta verbal e
resposta motora, e pode auxiliar no prognóstico Para ter acesso à escala basta entrar no endere-
da vítima e na prevenção de eventuais sequelas. ço eletrônico: https://www.ufrgs.br/telessauders/
Em 2018, Brennan, Murray e Teasdale propu- documentos/protocolos_resumos/neurologia_
seram uma atualização na escala, incluindo a resumo_MEEM_TSRS.pdf
reatividade pupilar. A nova versão é conhecida
como Escala de Coma de Glasgow com Resposta III - Escala Hospitalar de Ansiedade e De-
Pupilar (ECG-P). pressão (HAD): adaptada e validada no Brasil
Os resultados sempre estão no prontuário do por Botega, Bio, Zomignani, Garcia Jr. e Pereira
paciente e sinalizam por onde a avaliação psico- (1995) para rastrear transtornos de humor em
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- Rafael Andrade K1u1:mv - . ·-
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