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Centro Universitário Maurício de Nassau

Sede Parangaba
Disciplina Processos Clínicos

FICHAMENTO

Fortaleza, 2022.
“O nascimento da clínica enquanto domínio da experiência e da Racionalidade médica é,
certamente, um fenômeno histórico e, portanto, Datado. O final do século XVIII e o início do
século XIX irão oferecer o Cenário científico, social, político, necessário à constituição da
medicina Moderna e sua clínica, como bem demonstrará Foucault (1987).”

“A passagem gradual a essa nova experiência teve como seu primeiro momento a reforma
pedagógica da medicina, realizada sob os auspícios da Revolução Francesa, momento em que
essa profissão assumiu a função do controle higiênico e social. Essa reforma acarretou a
reorganização do domínio hospitalar, espaço onde doença e morte sempre ofereceram grandes
lições à ciência. O hospital tornou-se, enfim, uma escola. A clínica ganhou, além da já
consolidada observação junto ao leito do paciente, um segundo momento fundamental, o do
ensino, quando o médico catedrático retomava a história geral das doenças, suas causas, seus
prognósticos, suas indicações vitais, etc., levando a medicina a uma nova disposição do saber,
a uma apropriação sistematizada e científica de seu objeto.”

“A formação do método clínico esteve ligada, portanto, ao direcionamento da observação


médica para o campo dos signos e sintomas”

“A aparição da doença em seus sintomas possibilitou uma transparência do ser patológico a


uma linguagem descritiva. A partir da investigação clínica, pautada em uma análise exaustiva
dos sintomas, O ser da doença tornou-se “inteiramente enunciável em sua verdade””

“Realizou-se, portanto, uma mudança de visão, tanto em termos ontológicos, quanto


epistemológicos, no que se refere à clínica. Permitiu não somente a confluência de uma série
de fatos e sintomas em torno das doenças, mas também a reflexão sobre as condições de
possibilidades de ocorrer aquela patologia, ao questionar a estrutura do corpo e da vida
humana que permitiam as condições daquele adoecer”

“Portanto, a clínica tornou-se muito mais do que uma prática médica pautada no exame do
indivíduo ou no estudo de casos; ela é um campo de produção científica do conhecimento e de
elaboração de uma práxis, com claros reflexos na cultura moderna. A partir desse
conhecimento e dessa práxis, a intervenção na direção à cura do sofrimento do indivíduo,
sustentada na investigação sistemática e minuciosa do fenômeno do seu adoecer, na definição
precisa do estado de saúde/doença de cada quadro clínico, na análise do contexto da vida do
sujeito adoentado, obtém resultados cujo alcance transcende à esfera do indivíduo, pois diz
respeito a fenômenos que têm sua faceta coletiva.”
“A psiquiatria e a psicopatologia, enquanto domínios correlatos, sempre estiveram divididas
entre duas tendências básicas, que ainda hoje as dominam: a perspectiva organicista, que
busca as causas da loucura em algum elemento orgânico, sejam fluidos corporais, alterações
cerebrais, disfunções neurológicas e, hodiernamente, componentes neuroquímicos; e a
perspectiva psicológica, que busca a explicação da loucura, quer na vida moral, quer na vida
de relações, ou seja, nas desordens emocionais, psíquicas do indivíduo em sua relação com o
ambiente, entendidas como problemas “mentais”.”

“O louco é, portanto, aquele que está na desrazão, ou ainda aquele que está submetido a um
conflito de ideias, como diria Breuer. As concepções psicopatológicas, em sua grande
maioria, ficaram presas ao racionalismo.”

“ A nova área tem uma relação direta com a psicopatologia, na medida em que esta sempre foi
o carro-chefe da psiquiatria. A psicologia clínica lhe deve, assim, muito de sua conformação,
ainda que procure dela se diferenciar.”

“ Existiria, assim, uma psicologia clínica aplicada à psicopatologia, mas também aplicada a
outros domínios (grupos, instituições, social); portanto, não se pode restringir à primeira.”

“ A origem da psicopatologia enquanto campo de conhecimento se confunde com o


nascimento da clínica psiquiátrica francesa no final do século XIX. Ela começou como
neuropatologia, já que os primeiros sistemas de classificação tinham uma perspectiva
fortemente neurológica e organicista: acreditava-se que a loucura fosse uma enfermidade do
cérebro.”

“ Charcot, apoiado em seu prestígio, propôs como método de tratamento para a histeria a
hipnose, totalmente desacreditado no meio

Médico (BERTOLINO, 2004c). Ele considerava que a sugestão hipnótica

Durante o transe propiciava a cura dos sintomas, na medida em que ela agia

No nível dos “conceitos mentais” que causavam a doença, os quais a pessoa

Em estado normal de consciência não deixava aflorar. Esse método, apesar de bastante
questionável, foi um dos primeiros de cunho eminentemente psicológico empregado no
tratamento da loucura.”

“Segundo Masson (1984), o que Freud afirma é que não importa se a sedução realmente
aconteceu ou foi apenas fantasia; o que importa são os
Efeitos psicológicos e, na psicanálise, esses não diferem seja o acontecimento real ou
imaginado. No entanto, qualquer pessoa sabe, em termos práticos, que, na realidade, há uma
diferença essencial entre os efeitos de um ato e os de uma imaginação”

“ Freud e Breuer, a partir da discussão de seus casos clínicos, chegaram à conclusão do fundo
sexual na origem da histeria, aspecto que Charcot já insinuava. Também em suas discussões
com Fliess, o melhor amigo de Freud durante os tempos iniciais de sua carreira, com quem
realizavatrocas de suas elaborações teóricas e pesquisas, chegou à constatação da importância
da sexualidade infantil e à afirmação da natureza bissexual do homem.7 A centralidade da
sexualidade no psiquismo humano será amarca distintiva da psicanálise em uma cultura
conservadora.”

“ A sua metapsicologia não é senão uma tentativa de construir vários tipos de metáforas
psíquicas, físicas, históricas, arqueológicas, etc. que permitem visualizar o inconsciente e o
psiquismo em geral.”

“ Dessa forma, a metapsicologia de Freud, resultante de um método Racionalista (dedutivo) e


especulativo, imbuído de influências da filosofia metafísica, transformou os dados clínicos em
uma mistificação travestida de cientificidade.”

“ A metapsicologia, acaba por inserir, também, mudanças nos conceitos da psicopatologia,que


deixam de ser simples descrições de sintomas e tornam-se explicações dinâmicas da
organização psicológica, baseadas em forças pulsionais, conflitos inconscientes, etc. Todas
essas mudanças causaram impacto no meio médico e social e, ainda que desacreditada, a
psicanálise começou A consolidar-se, pouco a pouco, no início do século XX, como a prática
psicoterapêutica da psiquiatria e da psicologia.”

“ Dessa forma, seu método e sua abordagem são considerados por muitos uma “psicologia
Clínica”, em função de sua teoria e metodologia estarem pautadas em estudos de casos
individuais advindos de situações psicoterapêuticas.”

“ A ênfase positivista predominante nas ciências de então trouxe para o seio da psicologia o
imperativo da quantificação dos elementos psicológicos. A necessidade de mensurar as
diferenças individuais, gerada por uma sociedade que se tornava cada vez mais competitiva,
acarretou a criação dos testes psicométricos.”

“ A história deixa-nos claro que a primeira área que consolidou a psicologia enquanto ciência
foi a experimental.”
“ A psicologia clínica, que já estava sendo constituída no seio da psiquiatria, ganhou força ao
se estabelecer como uma alternativa ao modelo experimental, como foi defendido, por
exemplo, por Hatenberg e Valetin, editores da primeira revista dedicada à área, a Revue de
psychologie clinique et thérapeutique, em Nancy, em 1897.”

“ Portanto, ora opondo-se ao experimental, ora seguindo seus princípios, a psicologia clínica
vai elaborando sua história para chegar aos

Nossos dias transpassada por uma série de contradições e paradoxos, típicos, também, como
bem sabemos, de sua disciplina mestra, a psicologia.”

“ Aos poucos, porém, essa área começou a ganhar credibilidade, principalmente com sua
aproximação com a psiquiatria e com a psicologia dinâmica (psicologia que Reconhece a
personalidade como centro de forças) em trabalhos como o de Healy, psiquiatra, discípulo de
William James, que em 1909 propõe a utilização da abordagem clínica em uma instituição de
jovens delinquentes.”

“ A Primeira Grande Guerra trouxe a crescente valorização das clínicas psicológicas, por
estarem vinculadas, entre outras coisas, com o desenvolvimento dos testes psicológicos
destinados à seleção de soldados.”

“ Em 1919, a APA abriu uma seção clínica em seu organograma. Em 1937, aconteceu a
primeira reunião de organização de psicólogos clínicos e, em 1947, eles conquistaram, pela
APA, a delimitação de critérios mínimos para a formação do psicólogo clínico que, além da
formação de um psicólogo generalista, exigia a consagração à pesquisa e à obtenção de um
PhD.”

“ Dois acontecimentos marcaram a psicologia clínica no pós-guerra: a regulamentação da


profissão em solo americano e a emissão de certificados de habilitação através das
associações psicológicas estaduais, o que incrementou, sobremaneira, o número de
psicólogos.”

“ O primeiro momento de demarcação da psicologia clínica, na França, segundo Prévost


(1988), foi o realizado por Hartenberg e Valentin, da École de Nancy, editores, como vimos
acima, da Revue de psychologie clinique et thérapeutique, que apareceu em 1897.”

“ Criticavam, também, a aproximação da psicologia clínica com a experimental, pois


discordavam de sua demarche, Que dissociava elementos da vida psíquica, descaracterizando-
a como um todo concreto, que é sua verdadeira realidade.”
“ A psicologia clínica desaparecerá do cenário francês, enquanto área de especialidade, por
muitos anos, voltando à cena com os trabalhos desenvolvidos por Daniel Lagache (1903-
1972), filósofo, médico psiquiatra E psicanalista”.

“ A problematização da disciplina psicologia já estava em suas preocupações há bastante


tempo. Sua primeira formação como filósofo introduziu-o no seio da atmosfera intelectual dos
anos 1930, na França. “Desde 1938, ele falava da ‘nova psicologia’, ‘totalitária e concreta’,
onde pudessem convergir ‘o bergsionismo, a fenomenologia, a psicanálise, a psicologia da
Gestalt, a importância dada atualmente às noções de situação, de ‘erlebnis’ (mundo vivido),
de pessoa”.

“ A influencia de Jaspers se faz notar na distinção que Lagache faz questão de remarcar entre
explicação e compreensão, bem como na utilização da metodologia fenomenológica.”

“ O “parto” da psicologia clínica será lento: falará primeiro de uma “psicologia em


profundidade”, depois de uma “psicanálise de casos” e, finalmente, em um texto de 1945,
intitulado “La méthode clinique enpsychologie humaine”, discutirá, pela primeira vez de
forma elaborada, a psicologia clínica, afirmando que ela “[...] manifesta-se como o melhor
instrumento, no domínio humano, de uma coordenação e controle das diversas disciplinas
psicológicas””

“ Dessa forma, a psicologia clínica deve ser uma psicologia aplicada e concreta, ou seja, uma
prática apoiada sobre um método (o clínico), sustentada, principalmente, pela análise de
casos, cujo objeto é o “homem em conflito”, desdobrando-se na constituição de uma teoria. A
partir dessas definições, Lagache propõe como objetivos da psicologia clínica: aconselhar,
curar, educar ou reeducar; ou melhor, prevenir e resolver conflitos. A psicologia clínica deve
responder à demanda do sujeito que sofre e que procura seus serviços para curar sua Dor.
Além disso, juntamente com outros trabalhadores sociais, o psicólogo clínico deve trabalhar
situações concretas, contribuindo na prevenção dos problemas sociais, como a delinquência e
a criminalidade.”

“ As técnicas que a psicologia clínica pode utilizar são muitas, entre elas Lagache destaca
como importantes para o trabalho clínico: técnicas históricas (análise de documentos e de
testemunhos), técnicas de observação (anamnese, exame clínico), testes psicológicos e
técnicas Psicanalíticas.”
“ Não se pode subestimar o papel de Lacan no cenário da psicanálise e psicologia francesas
do século XX. Um dos seus argumentou principais era que para retirar a psicanálise francesa
do atraso em que se encontrava era preciso separá-la da psicologia, principalmente aquela
centrada no “ego”, que desvirtuava a noção estruturalista da psicanálise; a psicologia ficaria
presa no estágio imaginário, sem conseguir evoluir, argumenta, ao contrário da psicanálise,
que se sustenta na noção de simbólico.”

“ Dessa forma, não podemos cair no equívoco de traduzir clínica como sinônimo de “prática
de consultório”. O consultório é um dos seus Locus possíveis, mas psicologia clínica é uma
disciplina que não se resume a um dos seus locais de aplicação.”

“ Enfim, poderíamos nos referir à psicologia clínica realizando uma reflexão semelhante à de
Foucault (1987), quando se refere à clínica médica, ao afirmar que ela é, como vimos acima,
“muito mais do que o exame do indivíduo ou o estudo de casos é um campo de produção
científica de conhecimentos e de elaboração de uma práxis, com claros reflexos na cultura
moderna””

“Os anos de 1920 e 1930 foram o grande período da formação intelectual e filosófica de
Sartre.”

“ A partir de 1924, contituiu-se na França um grupo de jovens filósofos cujo espírito era
marcado pela hostilidade ao estilo burguês de vida, pelas críticas contundentes à guerra, ao
colonialismo, ao patriotismo, pela oposição Obstinada à filosofia “à francesa”, conforme
elaborada por Descartes, Brunschvicg, Bergson, marcadamente metafísica. Esse grupo passou
a Valorizar o “sujeito concreto em situação”, a “relação com os outros”, o “ser humano como
ser político”, concepções com clara influência do marxismo e da fenomenologia.”

“ A problematização das disciplinas psicológicas e psiquiátricas estava no cenário intelectual


do início do século XX.”

“ Sartre conhecia a psicanálise e sua prática clínica. Aceitava-a como uma contribuição
importante ao conjunto das ciências do homem, principalmente por chamar a atenção para a
questão da significação dos atos humanos e da inserção destes em um conjunto cultural mais
amplo, Bem como às suas postulações nos quadros da psicopatologia. Questionava, No
entanto, a dimensão metafísica da teoria psicanalítica.”

“A psicologia clínica, como vimos no item anterior, teve na França, em função de sua ligação
com a psiquiatria e psicopatologia, um de seus berços mais significativos.”

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