Origem do conceito de Kraepelin, Bleuler e Schneider O que a gente sabe sobre esquizofrenia hoje é o resultado de um conceito que sofreu muitas transformações, foram 100 anos que foram divididos em 3 períodos, o primeiro período foi a origem do conceito de Kraepelin, Bleuler e Schneider, o segundo foi o período de expansão do conceito e o terceiro período foi de restrição do conceito. Essa tabela mostra a cronologia do desenvolvimento da esquizofrenia. O conceito de esquizofrenia geralmente se confirma na origem do seu ancestral, o de demência precoce, que foi proposto na 4° edição do tratado de Kraepelin. A demência precoce foi colocada entre os processos degenerativos da 5° edição do seu tratado e posteriormente entre os metabólicos. A noção da “dicotomia kraepeliniana” foi criada sobre distinção entre demência precoce e insanidade maníaco-depressiva. Kraepelin acreditava que nenhum conjunto dos sintomas poderia caracterizar qualquer patologia mental, dada a sua grande mutabilidade. Na 8° e última edição do tratado de Kraepelin, manteve sua coerência descrevendo com absoluta precisão todos os sintomas que se observam na esquizofrenia, sem definir qualquer um deles como central para diagnóstico, no entanto, nessa edição mudou de posição na definição de duas grandes síndromes que caracterizavam a demência precoce: “O enfraquecimento das atividades emocionais que formam as molas propulsoras da volição” e a “Perda da unidade interna das atividades do intelecto, emoção e volição” . A “síndrome avolicional” foi identificada como a primeira descrição de um conjunto de sintomas que posteriormente foi nomeado de “negativos”, já a “síndrome da perda de da unidade interna” foi descrita por Bleuler como distúrbio das associações. Bleuler denominava a esquizofrenia, ou as esquizofrenias devido aos subtipos, que não representava um conceito de oposição ao de demência precoce, mas um aperfeiçoamento de duas variáveis: a dilatação na idade de início do quadro, podendo o transtorno poderia aparecer tardiamente, e uma ênfase não no processo evolutivo, mas na valorização de alguns sintomas que seriam denominados fundamentais para o diagnóstico, que são os distúrbios de associações do pensamento, autismo, ambivalência, embotamento afetivo, distúrbios de atenção e avolição. Os sintomas como delírios, alucinações, distúrbios do humor ou catatonia não eram considerados essenciais ao diagnóstico, e sim acessórios. A diferença entre Kraepelin e Bleuler é que as descrições kraepelinianas são puramente empíricas e a de Bleuler são guiadas por uma teoria, na qual os sintomas fundamentais são a expressão de uma alteração cerebral subjacente e os acessórios representam uma reação da personalidade com a emergência daquilo que ele chamou de “complexos afetivamente carregados”. Essa desconexão entre sintomas fundamentais e acessórios foi também chamada desdobramento ou cisão, que deu origem ao termo esquizofrenia e foi o primeiro mecanismo proposto para compreensão do transtorno. Esses dois conceitos levaram a uma situação paradoxal onde Kraepelin descreveu uma entidade clínica sem definir qualquer sintoma patognomônico e Bleuler se preocupou em definir tais sintomas sem uma entidade clínica única, mas em um “grupo das esquizofrenias”. Essa necessidade clínica de identificar sintomas, levou a Schneider em 1948 a falar sobre os “Sintomas de primeira ordem” conhecido como SPO que é ouvir os próprios pensamentos soando alto, escutar vozes sob forma de argumentos e contra-argumentos, entre outros. O SPO teve uma grande influência sobre a psiquiatria britânica, sobretudo na elaboração do diagnóstico de esquizofrenia pelo Presente State Examination, o PSE. O PSE foi a base para o exame de paciente com esquizofrenia em 9 países, e deu origem ao Estudo Piloto Internacional da Esquizofrenia, um trabalho patrocinado pela Organização Mundial da Saúde, cujo o objetivo era verificar invariantes da esquizofrenia. O Estudo Piloto Internacional da Esquizofrenia concluiu que a esquizofrenia era um transtorno psiquiátrico universal com alguns sintomas comuns independentes da cultura. No entanto, alguns colaboradores desse estudo constataram que os SPO tinham grande poder discriminatório, mas não poderiam ser considerados exclusivos da esquizofrenia, e outros autores observaram a presença de SPO em cerca de 25% dos pacientes com transtornos do humor. A importância do SPO permaneceu, apesar das evidências em contrário. Os conceitos de Kraepelin, Bleuler e Schneider foram a base para a compreensão de esquizofrenia e fazem parte de uma grande experiência conceitual dos psiquiatras, estando presente nos critérios diagnósticos que operacionalizam o conceito de esquizofrenia. A expansão do conceito A expansão do conceito de esquizofrenia se deu predominantemente nos Estados Unidos, devido a influência de Meyer e Sullivan. Outros autores ampliaram o conceito de outras formas, como Kasanim com a psicose esquizoafetiva, que abolia a dicotomia kraepeliniana, como Hoch e Polatin, que aproximaram a esquizofrenia dos transtornos de personalidade por meio do conceito de esquizofrenia “pseudoneurótica”, levando muitos pacientes que eram pra ser diagnosticados com bipolaridades ou transtorno de personalidade, mas foram diagnosticados como esquizofrênicos. Com isso, a segunda edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, a famosa DSM apresenta um conceito de esquizofrenia amplo, com descrição de sintomas pouco elaborada, mas sendo considerado psicótico todo paciente que é “incapaz de atender as demandas da vida diária” O autor Langfled descreveu o “esquizofreniformes” em oposição a deteriorantes kraepelinianas, na Europa o conceito de esquizofrenia se manteve nos limites mais restritos, especialmente na Inglaterra devido a influência de Schneider e Kraepelin. Um estudo colaborativo entre os Estados unidos e Reino Unido, o projeto US-UK mostrou que os psiquiatras americanos diagnosticavam a esquizofrenia de forma mais ampla do que os psiquiatras britânicos. A restrição do conceito A Universidade de Washington no início da década de 70 publicaram os primeiros critérios diagnósticos estruturados, onde se tornaram restritos e com a inclusão de sintomas schneiderianos e bleulerianos, com um período mínimo de doença de 6 meses, uma retomada clara do conceito de Kraepelin. Anos depois, o Critério de Diagnóstico de Pesquisa trazia novos critérios, enfatizando o uso dos SPO. Na publicação da 3° edição da DSM sintetiza esse período, o critério A são os sintomas bleulerianos como scheneiderianos são introduzidos, no critério B, inclui a noção kraepeliniana de “deterioração a partir de um nível prévio” e no critério C a distinção com a doença maníaco-depressiva. As seguintes edições do DSM mantiveram o mesmo algoritmo diagnóstico fazendo que o conceito de esquizofrenia se tornasse um dos mais restritos do mundo. Em 1974, houve a simplificação dos tipos de sintomas da esquizofrenia, que foi definida a partir de dois processos: os positivos ou psicóticos e negativos ou deficitários, a noção de sintomas positivos e negativos teve grande influência sobre o conceito de esquizofrenia, onde foi denominada de “síndromes da esquizofrenia”. Na 9° edição do CID, Edição de Classificação Internacional de Doenças, era descritivo, e contemplava a presença de SPO quanto a de distúrbios do pensamento e embotamento afetivo, associados a delírios e alucinações. Na 10°e atual edição, fixou em um mês a duração da doença e o privilégio de SPO para o diagnóstico. Alguns autores argumentaram essa combinação tão curta e a predominância da SPO tornando o conceito da esquizofrenia da CID-10 muito amplo. A história do conceito de esquizofrenia ainda não tem um final, o que se espera poder acontecer no próximo século. Teorias etiológicas As causas da esquizofrenia ainda são desconhecidas, existe um consenso em atribuir a desorganização da personalidade à interação de variáveis culturais, psicológicas e biológicas, entre as quais as de natureza genética ganham destaque. Teoria genética Se você possui um parente com esquizofrenia é um fator de risco mais consistente e significativo para o desenvolvimento da doença. Muitos estudos mostram que os indivíduos que possuem parentes em primeiro grau com esquizofrenia possuem um risco aumentado em desenvolver a doença, ressaltando a participação do componente ambiental na expressão da esquizofrenia. Teorias neuroquímicas Existem várias hipóteses bioquímicas para explicar a gênese da esquizofrenia, a hipótese dopaminérgica é atualmente a mais bem investigada e aceita. Essa hipótese foi baseada na observação de que certas drogas tinham habilidade em estimular a neurotransmissão da dopamina, a droga psicoestimulante anfetamina quando administrada em doses altas e repetidas causa uma psicose tóxica com características muito semelhantes às da esquizofrenia paranóide em fase ativa, essa semelhança é tão grande que pode levar a erros diagnósticos, caso o psiquiatra ignore que o paciente tenha ingerido anfetamina. Alguns pacientes com Parkinson que são tratados com L-DPOA (levodopa), que aumenta a formação de dopamina, desenvolvendo sintomas psicóticos semelhantes. Esquizofrenia como distúrbio do neurodesenvolvimento Eventos de ocorrência precoce, durante a vida intra-uterina ou logos após o nascimento, podem ser de importância fundamental na etiologia de uma parcela dos casos de esquizofrenia, interferindo no desenvolvimento normal de determinadas estruturas cerebrais e tornando o indivíduo vulnerável ao surgimento mais tardio dos sintomas da doença. Esses eventos e complicações durante o parto podem causar danos ao hipocampo e córtex cerebral por causar hipóxia ou isquemia, sendo assim esses eventos afetam o desenvolvimento cerebral durante a gestação e o período perinatal estão claramente relacionados a esquizofrenia. Embora esses eventos sejam de uma pequena magnitude pode explicar uma pequena porcentagem dos casos. Na metade da década de 1970, utilizando a técnica de tomografia computadorizada estudos recentes sugere que os cérebros de alguns pacientes esquizofrênicos são mais leves e menores em comparação a indivíduos normais. As áreas que tem sido identificadas são as porções mediais dos lobos temporais, o hipocampo e giro-hipocampal. Essa descoberta tem despertado interesse, onde essas alterações já vinham sendo de uma certa frequência em pacientes com epilepsia do lobo temporal em psicoses esquizofreniformes. Na década de 1980, estudos utilizando a ressonância magnética nuclear, tem permitindo a avalição em pacientes esquizofrênicos vivos e não medicados, onde confirmam a presença de reduções volumétricas especificamente em lobos temporais mediais, mais pronunciadas no hemisfério esquerdo e em outras áreas temporais que são envolvidas em produção de linguagem, como o giro temporal superior. Essas alterações estruturais estão invariavelmente presentes na doença, variando em intensidade de paciente para paciente. Teorias psicológicas As teorias psicológicas tentam explicar a esquizofrenia a partir de relacionamentos familiares patológicos e padrões de comunicação interpessoal que ganharam forças, influenciando certas escolas do pensamento psiquiátrico. Se os fatores psicossociais não estão primariamente relacionados com a etiologia da doença, certamente influenciam a forma de aparecimento e o curso de sintomas esquizofrênicos. O conceito de emoção expressa foi usado para definir determinados tipos de atitudes hostis ou do excesso de envolvimento emocional por partes de familiares esquizofrênicos. Utilizando a metodologia adequada para avaliar a presença dessas atitudes, as entrevistas bem estruturadas, mostram que altos índices de emoção expressa na família aumenta significativamente a taxa de recaída e reinternação hospitalar de esquizofrênicos. Atualmente, a pesquisa está relacionada aos estudos da influência de “eventos estressores psicossociais” no curso da doença onde os pacientes esquizofrênicos podem apresentar pioras a partir de algumas situações, por exemplo, como uma perda familiar próximo, mudança de moradia, exames escolares. Existe diversos modelos que tem buscado integrar os aspectos psicossociais aos aspectos biológicos da etiologia da esquizofrenia, um deles é o da “vulnerabilidade versus estresse”, onde os pacientes apresentam uma vulnerabilidade para a doença de caráter biológico que ao deflagrar dos sintomas pode ser diretamente influenciado pelo grau de estresse psicossocial ao qual o indivíduo ele é submetido. A intensidade e o curso dos sintomas esquizofrênicos são vistos como um balanço entre o grau de vulnerabilidade biológica e a intensidade de estresse ambiental, levando não só a eliminação dos sintomas, mas também o controle e prevenção de fatores ambientais estressores. Agora eu vou passar a palavra pra Cleiciane que ela falar sobre a conceitualização da psicose