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-Estudar esquizofrenia é estudar psicopatologia. Estudar psicopatologia é
estudar esquizofrenia. Certamente é o transtorno com o maior número de
descrições e estudos na psiquiatria. Além disso, ela é, ao lado da mania e da
melancolia, uma das três principais psicoses ou patologias estruturais que
o clínico do campo psi precisa saber.

-Em psiquiatria, estudar um conceito sem saber de onde ele vem sempre vai
gerar erros. Porém, não entenda a história como algo linear, ou seja, que um
conceito acontece necessariamente após o outro. A história da
esquizofrenia é marcada por ideias sobre essa estrutura que aconteceram
de forma simultâneas, concorrentes, às vezes em oposição, um conceito
não é aqui necessariamente uma versão mais atualizada e “ melhor” em
relação a um outro. Estudar isso ajuda a nos situar no contexto atual.

-As primeiras descrições de quadros que posteriormente seriam agregados


no grupo das esquizofrenias se dão aos psiquiatras Morel, Hecker e
Kahlbaum entre os anos de 1851 e 1874. Nessas descrições provavelmente
abrangia outros transtornos que são diferentes da esquizofrenia como
concebemos hoje: outras psicoses, ou quadro orgânicos poderiam compor
esses quadros. Porém, vamos falar de termos que vão se tornar familiares
como: “Demence precoce”, hebefrenia e catatonia.

-Morel ( 1851) cunhou o termo demence precoce , ele se referia a jovens que
evoluíram progressivamente com um quadro de deterioração mental,
atingindo fase terminal com dissolução psíquica , alterações nos
sentimentos , atos extravagantes e fases alternadas de agitação e torpor.

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-Hecker (1871) com o termo hebefrenia definia uma psicose de início no
final da puberdade que era marcada por uma puerilidade (que é um certo
comportamento infantil), frivolidade, alterações marcadas do discurso e
desagregação da personalidade.

-Kahlbaum(1874) foi o primeiro a descrever a catatonia um distúrbio


relacionado ao comportamento motor com sintomas de espasticidade,
mas que tinha fases de mania, estupor, confusão e, em algumas vezes,
evolui para um demência terminal.

-Kraepelin (1856 – 1926), um psiquiatra alemão, que pode ser considerado


um dos pais do nosso atual sistema diagnóstico, reuniu essas três
descrições. Ele viu que esses quadros tinham semelhanças entre si:
começavam em uma idade jovem, tinham uma desagregação psíquica, em
alguns momentos os pacientes ficavam catatônicos e a evolução dos
quadros era comum: um estado demencial. Então ele pensou:
provavelmente essas três descrições são a mesma doença, entretanto com
algumas variações na sua apresentação. Dessa junção nasceu o termo
Dementia praecox ou demência precoce. Vale destacar que até aqui não foi
citado delírio e alucinação, isso porque nessa época esses sintomas
pertenciam ao grupo da paranoia.

-Kraepelin também deu atenção a esta doença separando os pacientes


paranoicos que tinham uma boa evolução (não tinham alucinações e nem
ficavam dementes) dos que evoluíam para uma demência, incluindo estes
últimos no grupo da demência precoce.

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-Krapelin estudou esses pacientes ao longo de toda as suas vidas, ou seja,
longitudinalmente. Ele via que os quadros à longo prazo se deterioraram
(lembrem que estamos falando de uma época que ainda não existiam os
antipsicóticos), ele focou mais no desfecho do que nos sintomas, com isso
ele reuniu três diferentes descrições dentro de uma única e também foi o
primeiro a separar os 3 grandes quadros psicóticos: demência precoce,
constituída de pacientes que evoluíam para deterioração, da doença
maníaco-depressiva e da paranóia, que tinham evoluções mais benignas
(claro que hoje sabemos que TAB podem evoluir com um prognóstico muito
ruim, mas na época, esses quadros de má evolução provavelmente seria
chamados por Kraepelin de demência precoce).

-Eugen Blueler ( 1857-1939) As contribuições dadas por Blueler podem ser


úteis atualmente para reconhecermos um paciente com esquizofrenia,
além disso, à ele é atribuído a primeira proposição do termo Esquizofrenia
em 1908 que significa de modo literal: cisão da mente (psiquismo) , cisão do
eu ou muito importante cisão da Unidade. Essa cisão acontece nas funções
psíquicas e se expressa em alterações dos pensamentos, dos sentimentos
e que são refletidas numa desarticulação com o mundo exterior. Para
Bleuler, a esquizofrenia não era bem uma demência mas sim um processo
que levaria a desintegração das capacidades associativas do paciente,
levando a uma alteração de pensamento e um mergulho na vida interior , em
uma vida autista.

-Blueler tem uma forte influência de Freud e de Jung , por isso , a chave de
sentido que ele vai dar a esquizofrenia é aos seus mecanismos
psicológicos, notem aqui um sotaque psicanalítico.

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-Kraepelin dá destaque a evolução do quadro para diagnosticar sua
demência precoce, já Blueler conceitua que o desfecho não é
necessariamente demencial, entretanto ele fala que o curso crônico da
doença nunca levará a uma restituição completa da pessoa, ou seja, ela não
volta ao normal. Além disso, o foco de Bleuler passa do curso da doença
para a psicologia dos sintomas. Os sintomas organizados por Bleuler
podem ser descritos como os 6As e eles ajudam bastante na identificação
de uma esquizofrenia.

-Os 6As de Bleuler constituem-se em: Autismo, alogia, embotamento


Afetivo, ambivalência , avolição e atenção. Vamos ao primeiro e ao que ,
posteriormente, se tornará o mais importante:

1- Autismo: Isso significa uma vida interior mais rica e mais importante do
que a do mundo exterior, dessa forma haveria um distanciamento e um
desligamento da realidade. Por exemplo: um paciente que fala que está
apaixonado pelo seu médico, o médico lhe dá dados de realidade que isso
não é possível e mesmo assim o paciente continua na sua “fantasia interior”
de paquera com o médico ignorando a realidade. Lembrem-se que o
autismo se refere justamente a essa preponderância do mundo interior que
é mais importante que o externo, ou seja , que não é modificado por dados
da realidade, é diferente do transtorno do autismo. Em graus leves o
paciente tem um distanciamento mais em um plano afetivo ou lógico e,
muitas vezes, pode transitar entre o seu mundo e o mundo real. Em casos
mais graves pode ocorrer um isolamento total, o paciente transitaria no
“mundo real” mais para garantir suas necessidades básicas de
alimentação, sono , etc.

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Alogia: aqui diz respeito a um distúrbio das associações do pensamento ou
das ideias. O encadeamento das ideias fica frouxo , dessa forma, o discurso
do paciente ficaria sem sentido. Em casos graves o discurso do paciente
pode ficar incoerente. Quando você conversa com um paciente que tem
uma certa alogia você ficará com dificuldade de entendê-lo, é difícil dizer
sobre o que aquele paciente está falando, além disso, ele pode responder
aos seus questionamentos de forma confusa.

-A alogia chega no exame psíquico sobretudo na parte das alterações da


forma do pensamento. Lembrem-se dos termos : frouxidão de ideias,
pensamento descarrilhado, salada de palavras. Todos tocam no campo da
alogia. Aqui também aparecem os famosos bloqueios de pensamento (o
paciente pode ter seu pensamento interrompido ) ou mesmo pressão de
pensamentos (o paciente descreve como muitos pensamentos na sua
cabeça). Como as ideias estão desconexas é muito comum os pacientes
ficarem monotemáticos, falarem sempre sobre a mesma coisa.

-Embotamento Afetivo: Em estados psicóticos mais crônicos é comum


notarmos uma perda de relevo dos afetos, Blueler denominava de um
“embrutecimento".Os pacientes vão ficando mais inexpressivos,
indiferentes. O afeto modula pouco. Vemos isso sobretudo na entonação do
paciente que não consegue ser mais colorida como era antes e, muitas
vezes, até na sua mímica, na sua gesticulação. O paciente pode estar
falando sobre coisas tristes ou alegres mas sem expressar o conteúdo de
sua fala no seu afeto , o que chamamos de paramimia, ou pior, o paciente
pode falar de uma coisa triste tendo uma expressão incongruente, por
exemplo, rindo de maneira estranha, chamamos isso de paratimia ou
mesmo incongruência afetiva.

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-Ambivalência: O paciente pode expressar tendências paradoxais na
afetividade, vontade ou no campo lógico. Por exemplo, um paciente que tem
esquizofrenia, não quer tomar a medicação porque fala que não está
doente, porém quando você dá o remédio ele toma. Veremos que esse
conceito é explorado na fenomenologia e tem semelhanças como o
fenômeno do duplo pertencimento ou doublebookeeping. Atenção: Para
Bleuler, a esquizofrenia poderia levar a prejuízos atencionais tanto no
componente ativo ( que é voluntário, onde indivíduo direciona o foco da
consciência) quanto no passivo ( que é espontâneo, onde um evento
externo invade o foco da consciência). Um prejuízo atencional se relaciona
bastante com o autismo esquizofrenico e também influencia o próximo
item que é a Avolição. Além disso, ter déficits atencionais pode provocar
também prejuízos na memória do paciente.

-Avolição: Se dá a característica de alguns pacientes com esquizofrenia


perderem a iniciativa para realizarem atividades, semelhante a uma
negligência ou preguiça. Pacientes com esquizofrenia é comum termos
uma certa paralisação da vida, eles ficam no mesmo lugar, não se desenrola
mais. Bleuler classifica aqui também casos de falta de vontade quando
pacientes realizam ações impulsivas, sem pensar nas consequências, aqui
faltou a vontade do planejamento. No exame psíquico, isso chega bastante
como alterações da volição ou mesmo do pragmatismo. Por fim, uma falta
de volição também é uma outra face da moeda para planos obstinados de
alguns pacientes. Alguns pacientes ficam em um mesmo plano específico
por anos tentando executá-lo , mas é raro conseguirem. O plano pode ser
bizarro, é importante destacar isso, por exemplo o paciente pode ter a ideia
fixa de construir um templo.

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-Para Bleuler, o paciente esquizofrênico não precisa ter necessariamente
um delírio, apesar disso, ter um delírio facilitaria o diagnóstico. Para ele, o
delírio ocorre como uma tentativa de compensar ou restituir um psiquismo
que perdeu a sua unidade, ou seja, um psiquismo que foi quebrado ou
cindido. “Por uma parte, o relaxamento das associações tem por resultado
a abertura de vias errôneas de pensamento, que se apartam da experiência;
e por outra, o paciente se vê obrigado a operar com fragmentos de idéias”
Bleuler.

-O que seria então o primário para ele? Seria o processo pelo qual a
enfermidade se instala, esses processos não são compreensíveis pela
psicologia, estariam mais ligados ao campo do orgânico ou ao endógeno.
Para Bleuler, os sintomas primários aparecem sobretudo na dissociação
psíquica, nas perturbações da afetividade e no autismo.

-O que chamamos hoje de esquizofrenia pode corresponder a várias


doenças organizadas em um mesmo grupo e essas doenças compartilham
algo em comum. Bleuler ressalta que o correto seria EsquizofreniaS com S,
justamente porque ele sabia que o grupo é heterogêneo, entretanto, o que
organizaria esses tipos no mesmo grupo estaria nesses sintomas
fundamentais. Puxando para hoje, a esquizofrenia mais “ pura” seria algo
próximo ao que Bleuler introduziu como esquizofrenia simples e que
apareceria no DSM como uma esquizofrenia composta somente pelos
sintomas ditos negativos.

- Entraremos agora em uma psicopatologia clínica da esquizofrenia e , para


isso, temos que conhecer um pouco do autor que foi um dos maiores
expoentes nesse campo: K. Schneider ( 1887 – 1967).

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-Ao falarmos de psicopatologia clínica estamos nos referindo a um recorte
da psicopatologia na qual o principal interesse é dar um diagnóstico.Para
Schneider o diagnóstico da esquizofrenia é psicopatológico, porém não só
ossintomas devem ser levados em conta, mas também a partir da
verificação dos comportamentos do paciente e da impressão clínica do
avaliador. Ele é o responsável por elaborar os “sintomas de primeira ordem”
da esquizofrenia em 1948.

-Esses sintomas de primeira ordem significam dizer que : se você encontrar


um paciente que tenha algum deles, um dos seus principais diagnósticos
diferenciais deverá ser esquizofrenia, entretanto esses sintomas não são
patognomonicos de esquizofrenia. Os sintomas de primeira ordem são
uma expressão de alterações na “atividade do eu” – o que isso quer dizer?
Quando você realiza uma ação, ou um pensamento, você sente
internamente que é você o agente ou o “dono” daquela ação ou
pensamento. Por exemplo: pegue um objeto próximo de você, ao fazer isso,
você sente que é você mesmo que está realizando essa ação. Isso só é
possível porque
o seu “eu”, ou seja, a vivência de você ser você está integra. Íntegra entre si e
íntegra com o seu corpo.

-Na esquizofrenia essa integridade é destruída e isso é captado muito bem


nos sintomas de primeira ordem, eles são sintomas que revelam uma perda
de autonomia, perda do agenciamento de si , os pacientes quando perdem a
autonomia podem interpretar que estão sendo controlados ou invadidos.

-Vivências de influência corporal: Nessas vivências os pacientes sentem


que algo no seu corpo (dentro da cenestesia) está sendo influenciado por
alguém externo. Uma passividade somática.

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-Um paciente por exemplo sentia seu intestino vibrando e ele atribuía que
estava sendo controlado por uma macumba dos seus vizinhos. Note que,
nessa vivência, um movimento que pode ser “normal” do corpo é sentido
como se não fosse pertencente a própria pessoa, ele não está integrado e,
como a pessoa não sabe explicar como isso é possível, ela atribui isso a
uma força oculta externa, no caso aqui a macumba dos vizinhos. Ele pode
atribuir também a ondas, fluidos, lasers, rádios, etc.

-Roubo de pensamento ou influência sobre o pensamento: Há a vivência


que os pensamentos estão sendo roubados no ato de serem pensados ou
que algum pensamento é inserido. Exemplo: Um paciente tinha a impressão
que a televisão estava controlando os seus pensamentos através de uma
torre de transmissão. Isso novamente é uma perda de agenciamento de si,
os pensamentos no caso são vivenciados como não pertencentes a si
mesmo.

-Divulgação dos pensamentos: experiência que os pensamentos próprios


são acessados por outra pessoa.

-Vivência de influência na esfera dos sentimentos , tendências e vontades:


os atos e sentimentos do indivíduo não são experienciados como próprios e
sim atribuídos a algo ou a alguém. Um paciente que sentia que sua mão era
controlada por uma organização e ela se mexia independente da sua
vontade.

-Percepção delirante: para Schneider isso é a forma fundamental do delírio


esquizofrênico. Na prática isso é extremamente raro. Essa alteração é uma
percepção normal a qual é percebida com um significado anormal.

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-Veja que a pessoa não percebe errado, o que ela percebe se manifesta com
um significado inteiramente diferente. Aqui é por exemplo a pessoa olhar
para um caneca e descobrir que dessa caneca ele extraiu um sentido que
deu para ele a chave para as respostas do universo.

-Os últimos 3 sintomas de primeira ordem apareceriam no exame psíquico


no campo das alterações da sensopercepção. Porém, são alterações
específicas, não são simples alucinações visuais. Elas são as seguintes:

-Ouvir vozes que dialogam entre si (frequentemente são duas ou mais


vozes que discutem ou depreciam o paciente), vozes que interferem na
atividade do sujeito ( são vozes que comandam, ordenam ou dizem o que o
paciente tem que fazer, há aqui uma passividade em relação às ordens) e a
sonorização do pensamento: o seu pensamento não é para ser audível, isso
não é normal.

-A sonorização do pensamento é algo então que é até difícil de imaginar,


mas seria algo entre uma coisa sonora (sensoperceptiva) e um
pensamento, o espaço de onde sai ou vem esse som é meio indefinido, não é
claro. Às vezes os pacientes descrevem isso como um sussurro.

-Os sintomas positivos derivam do K schneider (sobretudo os dois


primeiros que são a presença de delírios ou alucinações). Os sintomas
negativos vem da definição do Blueler ( que aparece como o 5 critério), além
disso, ele contribui também com o critério 3 de discurso desorganizado e
com a catatonia. A ideia de cronicidade e do curso da doença são as ideias
do Kraepelin - elas entram na definição de que precisa que os sintomas
durem mais que 6 meses ou deixem algum tipo de resíduo.

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-Esquizofrenia é um processo, o que significa dizer que a pessoa nunca irá
voltar a ser a mesma, sua linha biográfica foi alterada, não há uma
restituição ao ponto de partida de como era antes da doença, nem mesmo
com medicação.

-Além disso, o DSM 5 retirou a divisão da esquizofrenia nos nove subtipos,


entretanto, guardem 4 deles que foram descritos por Bleuler e que são
muito frequentes na prática: o catatonico, o paranoide, a hebefrenia e a
esquizofrenia simples.

-A esquizofrenia é uma doença ampla e com distintas manifestações.

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-Afinal, o que é esquizofrenia? Segundo a psicopatologia clínica de um
grande psiquiatra chamado Henri Ey: "A psicose esquizofrênica é um
conjunto de distúrbios onde predomina a discordância, a incoerência
ideoverbal, a ambivalência, o autismo, as ideias delirantes, as alucinações
mal sistematizadas e profundas perturbações afetivas no sentido do
desinteresse e da estranheza de sentimentos - esse distúrbio tende a
evoluir para um déficit e uma dissociação da personalidade"

-"A esquizofrenia é a perda da unidade".

-"A esquizofrenia não está no início da evolução mas no fim" - Henri Ey


Capturar como a esquizofrenia se comporta ao longo de sua evolução é
fundamental para o entendimento da psicopatologia da doença. Jaspers já
deixou isso claro na sua noção de processo no qual o grande exemplo que
ele dá é a esquizofrenia. Processo para ele é o acometimento, ou um
acontecimento, sobre a vida psíquica de um paciente que, a partir dali,
altera radicalmente como esse psiquismo vinha se estruturando e gera
mudanças permanentes que são refletidas na biografia desta pessoa, que
não guardam uma continuação com as conexões psicológicas anteriores e
que impedem um retorno para uma normalidade prévia.

-É importante saber que um processo esquizofrênico pode acontecer


didaticamente de duas formas: uma mais aguda ou rápida e outra mais
insidiosa ou lenta. A forma insidiosa é a mais comum, ela vai se
expressando ao longo da vida do paciente como um todo e leva a um
retraimento progressivo do indivíduo sobre si mesmo. Esta será a forma
principal que iremos descrever aqui porque ela dá a noção de um todo sobre
a esquizofrenia.

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-Dessa forma podemos caracterizar a psicopatologia clínica e descritiva da
esquizofrenia através da divisão do seu quadro evolutivo em 5 fases: pré-
mórbida, prodrômica, primeiro episódio psicótico, relapsos (novos surtos) e
fases tardias (ou crônicas).

-1. Pré mórbida: A esquizofrenia se instala geralmente entre o final da


adolescência e início da fase adulta, ela é mais frequente e mais precoce em
homens. Em mulheres, ela possui dois picos de instalação, além do período
já citado, ela tem um segundo pico em um período perimenopausa. Quanto
antes a doença se instala, maior a chance de acometimentos graves. O
primeiro período que devemos conhecer é o pré mórbido. Ele compreende
desde o nascimento da pessoa até o aparecimento dos primeiros sinais
psicóticos.

-Ele é assintomático, a pessoa aqui preserva sua funcionalidade,


entretanto, podemos notar em alguns pacientes atrasos nos marcos do
desenvolvimento motor, alguns déficits cognitivos e dificuldades de
interação social. Nesse período, o paciente vai acumulando fatores de
risco.

-A experiência central do período pré-morbido é a de isolamento e solidão, é


principalmente isso que os pacientes irão relatar. Os pacientes descrevem
que eram sozinhos ou mesmo introvertidos. Verificamos aqui o início de
uma desafinação com as interações sociais, uma desafinação com o
mundo. Isso muitas vezes pode ser visto como pacientes que já tinham
personalidades mais esquizoides e foi caracterizada por Bleuler como
esquizofrenia latente.

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-Ter uma personalidade assim desde criança torna mais comum o
isolamento. O isolamento e a introversão aumentam as chances de
discriminação social, de bullying, de serem chamadas de esquisitas, de
alienação, de abusos, de conflitos em uma idade menor, de dificuldades na
escola. Isso tudo só acentua esses sentimentos de solidão e
estranhamento. Lembrem-se que os pacientes não irão chegar dizendo que
estão na fase pré-mórbida da esquizofrenia, é mais comum eles serem
trazidos pelos seus pais em quadros semelhantes a fobias sociais, medos
recorrentes, humor deprimido ou pensamentos obsessivos, por isso, é de
fundamental importância o acompanhamento longitudinal desses
casos.

-Lembrem que a perda do senso comum ou da evidência natural, um


conceito que , para a fenomenologia, define o que é a esquizofrenia, ou pelo
menos o que é comum a todas elas , pode acontecer nessa fase. Ou seja, o
período pré mórbido indica justamente que a porta de entrada da
esquizofrenia já é ter um certo caráter ou organização de personalidade que
é mais vulnerável para se agravar e irromper a esquizofrenia. É importante
tentar procurar isso na sua entrevista quando for perguntar sobre a infância
e adolescência do paciente.

-2.Prodrômica: A segunda fase é o período prodrômico, este pode ser


identificado em quase 80% dos indivíduos e é caracterizado por sintomas
psicóticos atenuados ou "leves" que já causam algum prejuízo funcional ou
cognitivo porém ainda não atingem o limiar para serem definidos como
uma psicose. Este é literalmente o período que antecede o surto, a
estruturação de uma psicose é o que delimita o fim dessa fase e o
surgimento de do primeiro episódio psicótico.

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-No pródromo podem aparecer alterações na estrutura do pensamento, na
sensopercepção e no comportamento, porém os pacientes tendem a
manter a crítica sobre os sintomas, diferente do mais comum em uma
psicose. Essa fase pode durar anos e nem todos os pacientes irão
necessariamente desenvolver esquizofrenia . A grande marca da vivência
do paciente no período prodrômico é o sentimento de que "algo de
importante irá acontecer" e que o indivíduo está prestes a descobrir algo
fundamental em relação ao mundo, uma verdade por exemplo. A isso,
chamamos de TREMA.

-Quem primeiro cunhou esse termo foi Klaus Conrad (1905-1961) e ele
descreveu as fases de abertura e de evolução de um quadro esquizofrênico,
sendo a primeira delas o trema. Trema significa (medo de palco, é um nome
bonito para descrever a sensação que atores sentiam antes de se
apresentar em um teatro. Olhem a cultura da época! Certamente você já
voltou para casa a noite passando por um bairro perigoso, é esperado que
fique em alerta, todos os componentes do ambiente que você naturalmente
não presta atenção ganham relevância, tudo pode ser uma ameaça, tudo
ganha sentido, qualquer barulho, luz ou vulto.

-O trema é similar, ele se refere a uma alteração atmosférica, ou seja, parece


que o mundo se alterou e o paciente não consegue dizer muito bem o que
aconteceu, isso costuma ser acompanhado com uma perplexidade em
relação ao mundo, o que descrevemos como um Humor Delirante. É fácil
deixar passar um trema porque ele não é comum, é bem raro você atender o
paciente exatamente neste estado, ele pode durar alguns dias a um mês e ,
raramente anos. Os pacientes não sabem explicar muito bem essa
experiência, ela é muito difícil de ser posta em palavras porque é algo novo.

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-Certa vez uma paciente no pronto socorro chegou em TREMA, achava tudo
estranho, ela falava que estava muito ansiosa e de fato estava, ficava com
os olhos arregalados, prestava atenção em todos os detalhes da sala e
qualquer coisa assustava ela. Sensação de antecipação , de " frio na
barriga", de algo desconhecido que ainda será revelado, de tensão."Tem
algo acontecendo, está tudo estranho, alguém me diz o que é por favor "
pode ser uma frase de um paciente passando por um Trema.

-Essa estranheza em relação ao mundo pode ser sentida também em


relação a si próprio e isso dá a sensação que a pessoa está se
transformando, passando por uma metamorfose. Uma estranheza do
trema em relação ao mundo e em relação a si, pode ser descrito como uma
desrealização ou despersonalização. Sobretudo quando o paciente
mantém a crítica, ou seja, ele sabe que está acontecendo algo estranho,
vemos aqui que estes fenômenos de desrealização e despersonalização
não estão restritos a intoxicações, crises de ansiedade ou histeria, eles
aparecem aqui, porém , diferente destes transtornos, no trema a experiência
de base é o início de uma vivência delirante.

-É isso que o trema é: o trabalho de parto de uma psicose. Jaspers se refere


ao trema como um humor delirante e dele surge um processo psicótico
primário. E como isso é possível ? Na fase prodrômica da esquizofrenia é
provável que os pacientes sintam que os estímulos do ambiente ou mesmo
internos são direcionados para ele, ou seja, o paciente fica mais centrípeto
em relação ao ambiente. Sinais que aparecem no mundo podem se tornar
salientes, ou aberrantes e podem ganhar significados para o paciente.

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-O plano de fundo da vida, do cotidiano, que normalmente não prestamos
atenção, começa aqui a passar para primeiro plano, ganhar significado.
Essa
experiência pode sobrecarregar o paciente. É comum eles começarem a
recorrer a novos temas e interesses mudando os seus comportamentos e
crenças, como uma forma de significar ou buscar explicações para o que
está ocorrendo, muitos começam a buscar ideias religiosas, científicas ,
paranormais , metafísicas. A temática do delírio começa a nascer aqui.

-Note que a saliência não acontece só para eventos do ambiente, podem


acontecer também para estímulos do próprio corpo, um pensamento por
exemplo pode ganhar materialidade, ele também pode ficar aberrante, aqui
vai surgir a gênesis de fenômenos como alucinações, inserção, roubo e
sonorização do pensamento. Chamamos um pouco isso de perturbação do
senso de self, ou mesmo de agenciamento da experiência. Para termos a
sensação de um self estável dependemos que o mundo também se
apresente de forma estável ou familiar, pois o self está imerso em um
mundo e não separado deste, como isso está dissolvendo no trema, é
esperado que o self se desestabilize, isso leva a experiências de dissolução,
o pensamento da pessoa, que normalmente é sentido integrado ou
pertencente ao seu corpo começa a se desintegrar, isso é sentido como se
mente e corpo fossem duas coisas separadas, os pensamentos ganham
agência própria, automatismo, e o paciente pode começar a sentir que são
vozes os seus pensamentos.

-Aqui se dá o início desse processo, as alucinações nas fases prodrômicas


costumam ser rápidas e passageiras, diferente da psicose instalada,
alguns pacientes ditos Ultra-High-Risk se encontram aqui, com psicoses
subclínicas.

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-Não é de se espantar que com toda essa experiência o paciente fique com
o
sentimento de perplexidade no estado prodrômico, perplexidade significa
um estado de alienação ou mesmo de não estar entendendo o que está
acontecendo, isso vira uma sensação de ameaça ou de perseguição muito
rápido. Pode chegar como um ataque de pânico ou um episódio de irritação.
Pode se apresentar também como um sentimento "positivo", apesar de ser
mais raro, um estado de júbilo por exemplo.

Certamente é muito difícil lidar com isso tudo, é difícil inclusive de transmitir
para outra pessoa, dizer o que está sentindo, por isso, não é incomum o
paciente se isolar muito aqui, ficar retraído, esconder da sua família ou de
amigos o que está sentindo, eles inclusive possuem medo de serem
taxados de loucos. Usar substâncias para manejar a situação por conta
própria pode ser um caminho também. O contato com o mundo fica ainda
mais prejudicado na fase prodrômica, as habilidades sociais pioram, as
sutilezas que estão presentes no contato com outras pessoas ficam cada
vez mais opacas : um gesto, uma comunicação ambígua, um significado
diferente, se tornam mais difíceis de compreensão, pois o mundo está
ficando cada vez mais cheio de significados. A exclusão em relação aos
outros fica mais presente, fazemos um link aqui com os sintomas
negativos, com o autismo presente em Blueler , uma fuga para vida "interna"
vai aumentando aqui.

-A neurociência usa a hipotése dopaminérgica para explicar essa saliência


aberrante do mundo, teoricamente o sistema dompaminérgico seria o
sistema que regula o que se apresenta como relevante para a consciência
do paciente.

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-O mundo do TREMA, que é estranho, em crise, que não é mais familiar ao
paciente, que anuncia que algo vai acontecer é substituído por uma
revelação, uma "EUREKA". Aquilo que é estranho, se organiza em um
sistema racional que dá um sentido absoluto para as vivências, é nesse
momento que nascem os delírios ou mesmo as percepções delirantes. O
paciente descobre " A VERDADE" ou " A essência das coisas". Essa
revelação é acompanhada com a sensação de alívio, de que alguma coisa
foi descoberta, que finalmente aquilo que era estranho fez sentido. Quem dá
esse sentido é a psicose.

-Vejam o exemplo de um paciente:" eu percebi que o mundo parecia de


mentira porque alguém tinha armado isso para mim, nesse momento eu
tive a intuição que isso foi organizado por um comando de Brasília que
controla as pessoas". A esse momento de revelação , de organização de um
mundo estranho à luz de um sistema delirante, Conrad chamou de
Apofania.

-Esse é o primeiro episódio psicótico, as experiências anormais que foram


descritas no período do pródromo ganham corpo aqui, ficam intensificadas.
Diferente do período prodrômico o paciente fica preso, as experiências não
passam. O delírio surge como um espaço de clareza naquilo que era
estranho, sentido naquilo que faltava, podem inclusive trazer propósito ou
senso de protagonismo para os pacientes: na prática não é incomum
escutar pacientes falando que são os filhos de Deus, que são enviados ou
mensageiros, que descobriram uma grande revelação sobre o mundo, que
haverá um combate entre anjos e demônios e que eles estão querendo
impedir isso. Os delírios são então novas crenças dos pacientes que
nascem de uma realidade estranha. A vivência delirante resulta de uma
alteração global da experiência.

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-A essa alteração global, damos o nome de Experiência delirante primária
(Wahnstimmung) e é dela que o paciente elabora o seu delírio. Na
psicopatologia descritiva os delírios são identificados por alterações do
juízo de realidade e nos processos de pensamento. Na prática é possível
percebê-lo através de suas características: ele é exprimido através de uma
linguagem abstrata e que pode ser muitas vezes simbólica, o que gera
dificuldades do clínico de entender ou reconstruir as vivências do paciente,
o paciente utiliza conhecimentos ou pensamentos mágicos. O delírio aqui
funciona como um sarcófago, no qual o paciente fica isolado e fechado das
trocas com o mundo e com a realidade, por isso, vem o fato que é impossível
convencer uma pessoa delirante de que seu delírio não é real, pois para ele
aquilo ali que ele está experienciando é a sua nova realidade.

-Para o examinador fica muito difícil acessar essa realidade do paciente, ela
é obscura, labiríntica. Como o mundo do paciente fica progressivamente
separado e desconectado do nosso ele vai ficando cada vez mais separado
da realidade compartilhada e se fechado em si mesmo, ou seja , em um
mundo autístico. À medida que a doença evolui, as formulações delirantes
podem ir se empobrecendo até ficarem incomunicáveis, o que corresponde
à noção máxima de autismo.

A noção de autismo é o mais fundamental na esquizofrenia para autores


como Binswanger. O problema de se fechar em um mundo impenetrável é
que o paciente vai perdendo o contato com os outros e consigo mesmo,
isso leva a uma perda das coordenadas temporais e espaciais da realidade.
Os elos que nos ligam ao mundo, como as crenças, a linguagem, as
emoções, a realidade compartilhada, ficam perturbados na esquizofrenia.

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-Ao quebrar esse contato, o paciente se fragmenta, enquanto pessoa,
enquanto corpo e enquanto unidade, pois para para termos um senso de
unidade, precisamos estar afinados com a realidade em um sentimento de
continuidade desta. O que o paciente conseguirá comunicar serão apenas
estes fragmentos e isso , para quem está de fora, fica muito difícil de
compreender.

-Não é necessário ter delírio para ter esquizofrenia, entretanto alguns


pontos fazem desconfiar de que aquele delírio tem marcas de
esquizofrenia. Quanto a forma: delírios mais típicos da esquizofrenia são
os delírios primários, ou seja, aqueles que resultam de vivências
incompreensíveis , não tem como empatizar com a experiência do paciente
- por exemplo - o paciente fala que sente que é controlado por ondas do
celular - isso é uma vivência que por mais que você se esforce, por mais que
você procure dentro
de você algo parecido, não tem como você ter a experiência que esse
paciente está tendo, além disso, não dá para mapear a origem de um forma
compreensiva no psiquismo ou biografria do paciente.

-O contrário disso são delírios ditos secundários, ou seja compreensíveis,


eles são mais comuns em quadros de mania e melancolia: Imagine que um
paciente em mania , que está eufórico, fala que ele é o ser mais poderoso do
universo, nesse exemplo veja que o delírio é compatível com o humor do
paciente.

-No episódio psicótico é comum também verificarmos a união de sistemas


delirantes com um aumento na saliência do mundo que falamos durante o
pródromo. Aqui, o paciente fica ainda mais no centro do ambiente e tudo
pode se referir a ele ,
casando bem com sistemas delirantes paranoicos, de repente mensagens

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pode se referir a ele, casando bem com sistemas delirantes paranoicos, de
repente mensagens de televisão, whatsapp, algoritmos se referem ao
paciente, assim como gestos, pessoas, movimentos de carros,
virtualmente tudo. Outras pessoas podem estar ali para observá-lo,
espioná-lo ou esconder algo dele.

-Vemos que o mundo perde sua CASUALIDADE, nada acontece por


acontecer ou por acaso, tudo vira sentido e referência. Este período é
classificado por Conrad como sendo a fase de Anastrofe (que significa
literalmente retornar ou se voltar para, em alusão a característica de
referência do mundo em relação ao paciente).

-Na fase da Anastrofe, que situamos aqui didaticamente dentro do episódio


psicótico, o sentimento de que o paciente é o dono da experiência, ou seja,
que ele possui um Self íntegro e estável fica ainda mais ameaçado. Durante
o pródromo, o que era uma experiência transitória, ganha intensidade. As
alucinações auditivas, que são provavelmente os pensamentos dos
pacientes materializados,borram cada vez mais a fronteira do que vem de
dentro , os pensamentos do paciente, e o que é de fora, vozes externas.

-A membrana que é naturalmente íntegra entre a minha experiência e os


objetos do mundo , que permite essa delimitação entre interno e externo,
fica porosa, permeável. Aqui os sintomas de primeira ordem de Schneider
começam a fazer mais sentido, pois eles se referem a alterações de
vivência do EU, Bleuler chama isso de transitivismo e Jaspers se refere a
perda da demarcação do EGO. Dessa forma, você verá pacientes que
costumam experienciar alucinações auditivas (únicas ou múltiplas vozes)
com conteúdo de ordens, insultos, avisos, narrações, sons distorcidos,

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sonorização dos pensamentos, alucinações visuais, alucinações táteis.
Como vimos na psicopatologia descritiva, alucinações se encaixam em
alterações da sensopercepção onde há percepção falsa de um objeto sem o
estímulo sensorial real correspondente.

-As alucinações verdadeiras preservam todas as características de nitidez


do objeto, não há crítica por parte do paciente e também se situam em um
espaço que seria externo ao paciente (ou seja, as vozes são escutadas fora
da cabeça). Alguns autores, Dalgalarrondo por exemplo, considera que as
alucinações mais típicas da esquizofrenia seriam as pseudoalucinações,
pois as percepções na esquizofrenia não são tão bem definidas como uma
voz que escutamos, além disso, o espaço de onde elas se originam não é
exatamente fora da cabeça, é em um espaço meio indefinido, algo entre fora
e dentro.

-Essa indefinição ressalta justamente que não são vozes propriamente


ditas, mas uma experiência diferente, nova, inclusive difícil de ser
comunicada, talvez o que o paciente consiga mais aproximadamente
transmitir seja justamente falar que está ouvindo vozes.

-Essa perda de fronteira ou divisão de si , justificando o termo


esquizofrenia, é intensificada no episódio psicótico, pode provocar
sensações extremas no paciente de se sentirem diferentes do que eram
normalmente, de se sentirem fragmentados,vazios por dentro e de
perderem o controle ou de da sensação de serem donos das próprias ações
da própria mente ou do próprio corpo. A estes últimos, nomeamos perda do
agenciamento da experiência, na fenomenologia isso aparece como um
dano na ipseidade, para Jaspers um dano na atividade do EGO.

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Dessa forma, você verá pacientes que costumam experienciar alucinações
auditivas ( únicas ou múltiplas vozes) com conteúdo de ordens, insultos ,
avisos, narrações, sons distorcidos, sonorização dos pensamentos,
alucinações visuais, alucinações táteis.

-Alucinações se encaixam em alterações da sensopercepção onde há


percepção falsa de um objeto sem o estímulo sensorial real
correspondente. Lembrem também que as alucinações verdadeiras
preservam todas as características de nitidez do objeto, não há crítica por
parte do paciente e também se situam em um espaço que seria externo ao
paciente ( ou seja, as vozes são escutadas fora da cabeça). Alguns autores,
Dalgalarrondo por exemplo, considera que as alucinações mais típicas da
esquizofrenia seriam as pseudoalucinações, pois as percepções na
esquizofrenia não são tão bem definidas como uma voz que escutamos,
além disso, o espaço de onde elas se originam não é exatamente fora da
cabeça, é em um espaço meio indefinido, algo entre fora e dentro.

-Essa indefinição ressalta justamente que não são vozes propriamente


ditas, mas uma experiência diferente, nova, inclusive difícil de ser
comunicada, talvez o que o paciente consiga mais aproximadamente
transmitir seja justamente falar que está ouvindo vozes. Essa perda de
fronteira ou divisão de si , justificando o termo esquizofrenia, é intensificada
no episódio psicótico, pode provocar sensações extremas no paciente de
se sentirem diferentes do que eram normalmente, de se sentirem
fragmentados, vazios por dentro e de perderem o controle ou de da
sensação de serem donos das próprias ações da própria mente ou do
próprio corpo. A estes últimos , nomeamos perda do agenciamento da
experiência, na fenomenologia isso aparece como um dano na ipseidade,
para Jaspers um dano na atividade do EGO. Quando o paciente
perde a noção que é dono das próprias ações e do próprio corpo podem

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-Para Jaspers um dano na atividade do EGO. Quando o paciente perde a
noção que é dono das próprias ações e do próprio corpo podem surgir
delírios de influência sendo possível o paciente acoplar a temáticas
religiosas ou espirituais - ( "meus braços estão sendo controlados por uma
macumba).

-Outros achados da psicopatologia descritiva entram aqui como bloqueio


de pensamentos, roubo de pensamentos, transmissão de pensamentos,
nestes o paciente pode acoplar delírios místico religioso que está sendo
possuído ou científicos de que uma máquina está substituindo as pessoas.
Pacientes podem sentir inclusive que as partes do seu corpo não são suas,
interpretar um peristaltismo como algo estranho, as partes do corpo podem
inclusive invadir o ambiente em delírios somáticos considerados bizarros
(um paciente falar que seus braços saem da mesa do consultório e que ele
pode sentir as coisas através dela).

-Esses sentimentos corpóreos são a base para surgir delírios


hipocondríacos ou de negação de órgãos. Aqui também justifica bastante
os delírios niilistas do paciente se sentir vazio, um nada, uma rolha de vinho,
falar que está oco por dentro.

-Pacientes que possuem essa divisão de si e que perdem a sensação de


agenciamento do próprio corpo possuem risco para se envolverem em
ações bizarras como mutilações de partes do próprio corpo, já escutamos
relatos de pacientes que arrancaram órgão genital ou um globo ocular.

-Se você possui um corpo que é estranho a você mesmo é mais fácil de
realizar essas ações ou mesmo se submeter a experiências que seriam
muito mais difíceis para um corpo íntegro como sair vagando pela rua ou
morar nela.

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muito mais difíceis para um corpo íntegro como sair vagando pela rua ou
morar nela. Sentir tudo isso certamente é difícil para o paciente, é , portanto,
muito fácil perder a confiança em si, no mundo e nos outros. Portanto, não é
tão estranho que os pacientes se sintam perseguidos, ou achem que o
mundo está em um complô contra eles.

-A temática persecutória é muito presente no delírio porque o mundo do


paciente psicótico é muito ameaçador e autoreferente , e o pior, é difícil
localizar de onde a ameaça vem porque ela está em todos os cantos. Isso
chega muitas vezes para gente em comportamentos do paciente de
isolamento em suas relações, em discursos que são vagos, imprecisos,
onde temos a sensação de falta algo ou em uma atitude suspicaz em
relação a família, amigos, colegas de trabalho, profissionais de saúde.

-No primeiro episódio psicótico é bem comum que a sintomatologia dos


doentes seja mais rica e exuberante e isso, claro, torna mais fácil a
identificação. Há geralmente uma abundância de sintomas ditos positivos
como os delírios, as alucinações e as desorganizações do pensamento.
Porém, há uma base de sintomas negativos que podem estar presentes em
fases anteriores e que podem surgir ou ficarem mais graves durante o
episódio psicótico.

-As diferentes organizações entre os sintomas positivos e negativos,


preponderância de uns em relação aos outros, além do seus cursos, que
podem ser variáveis ao longo da doença e , sobretudo, a partir do primeiro
episódio é o que vai resultar em diferentes apresentações ou tipos de
quadro de esquizofrenia. comporta nas fases de relapso (ou novos surtos)
e crônica.

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-4. Fase de Relapso: o primeiro episódio psicótico costuma ser quente,
florido, inflamado, há uma riqueza de manifestações que chegam para o
clínico como uma exuberância de sintomas positivos. Os antipsicóticos
atuam principalmente nestes sintomas positivos, promovendo uma
organização doprocesso, aqui está a explicação para o fato dos estudos
seguirem cada vez mais fazendo recomendações sobre o uso precoce
desta medicações, que inclusive, são as responsáveis por atualmente não
ser mais tão comum formas muito graves da esquizofrenia.

-Após a instalação do primeiro episódio psicótico o quadro clínico e a


gravidade tendem a se estabilizar após 5 a 10 anos e que o curso pode ser
bem variável: alguns sintomas podem remitir, outros podem agravar, bem
como podem haver novos surtos que causam mais danos ao psiquismo. A
essa fase ,que segue o primeiro episódio e que a esquizofrenia está tendo
um curso meio variável podendo ter outros surtos e remissões dos quadros
agudos, chamamos de fase de relapso.

-O curso da doença aqui, após o primeiro episódio é imprevisível. A pessoa


pode ter um único episódio psicótico e nunca mais ter outro? Pode sim, um
caso agudo pode remitir, não ir para frente e virar o que chamamos de
transtornos psicóticos agudos. São transtornos que remitem pelo DSM em
1 mês, mas aceitamos até 6 meses.

-Estes correspondem a quase um terço dos pacientes e os fatores de bom


prognóstico para evoluções que remitem são contrários do que
descrevemos aqui, ou seja, não tem esse curso insidioso que estamos
descrevendo, o episódio costuma ser abrupto (o que pode indicar inclusive
causa orgânicas), geralmente as pessoas não possuem uma
personalidade pre mórbida e os delírios e alucinações não são tão
misturados ao EU, ou seja, eles tem uma característica mais cênica, os

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pacientes mais descrevem os delírios e alucinações do que sentem na pele,
ou seja, vivenciam. Porém, após um episódio psicótico, o mais comum é
que o paciente tenha novos episódios e remissões e para , ter esquizofrenia,
que esse processo continue.

-O período mais crítico será por volta de 2 anos, a doença tem uma
plasticidade nessa etapa e é aqui que iremos priorizar o uso de
antipsicóticos. Você pode se perguntar, como os pacientes se sentem ou o
que eles relatam após o primeiro episódio psicótico? Pacientes que ficam
mais preservados e que conseguem organizar e relatar a experiência que
passaram podem perceber a perda que tiveram se compararem a como
eles eram antes da psicose. Isto pode ter um impacto na autoestima e na
autoconfiança. Eles podem se sentir diferentes comparados a outros, uma
perda nas suas individualidades.

-Além disso, com o diagnóstico, pode vir estigma da sociedade e


sentimentos de rejeição tornando mais difícil o processo de aceitação ou
fazendo com que eles escondam o diagnóstico de outras pessoas. Além
disso, a perda também é sentida nas atividades comuns do dia a dia, que
agora , pela perda da autonomia de si, podem ficar mais difíceis. Alguns
pacientes podem até sentir falta da apofania que tiveram no período
delirante. Por esse motivo é muito comum episódios depressivos que
seguem a remissão de episódios psicóticos, sobretudo em pacientes que
possuem a consciência dessa perda, na prática, deem muita atenção para
isso, os pacientes costumam ficar esvaziados e aqui é uma fase onde o
risco de suicídio é importante, pois é associado a sensações de
desesperança e de que eles são uma falha.

-Um importante destaque vai para a ideia que , por mais que os quadros
melhorem, sempre haverá algum dano no psiquismo, mesmo com a

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medicação. Os pacientes sentem isso e inclusive relatam a experiência de
estarem divididos, de um lado o mundo externo, do outro um mundo privado
delirante.

-Esse fenômeno do duplo pertencimento a duas realidades ou consciência


de que habita dois mundos é chamado de double-bookeeping e foi
originalmente descrito por Bleuler. Além disso, a ameaça de ter um novo
surto, sobretudo na fase de relapso, é constante para estes pacientes.

-Ter um novo surto significa muitas vezes destruir novamente os objetivos


e o futuro do paciente. Por isso, muitos relatam a experiência de incerteza,
de medo. O medo aqui, diferente de uma ansiedade, é um medo perante a
condição humana, um medo abissal que resulta da sensação de nunca
estarem realmente seguros da estabilidade das suas existências.

-Saindo um pouco da experiência dos pacientes e indo um pouco para a


clínica, podemos nos perguntar se há formas mais típicas da doença se
manifestar a partir de um primeiro episódio psicótico? Sim, neste momento
iremos entrar nos tipos mais comuns de esquizofrenia. Essa divisão foi
abolida pelo DSM, mas ainda é bastante útil na prática. Além disso, um tipo
não precisa ser necessariamente rígido, um pode mudar para o outro
conforme a doença vai evoluindo.

-Além disso, existem formas mais graves, como é o caso da hebefrenia e


da catatonia, que em um período podem se comportar de forma mais
estável e leve, assim como há formas menos graves que podem ,ao longo
do tempo, ficarem mais prejudicadas como é o caso da esquizofrenia
paranoide e da simples.

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-Todas podem evoluir para uma fase mais crônica da doença com
estabilização em torno de um resíduo ou mesmo para uma evolução
catastrófica. Por exemplo, um paciente que tem esquizofrenia paranoide
pode evoluir passando por pontos catatonicos ou de desagregação que
lembram um hebefrenico.

-O que difere esses 4 tipos de apresentações entre si? Basicamente a


preponderância de alguns sintomas sobre outros. Por exemplo, se há a
preponderância de sintomas positivos como delírios e alucinações e
menos sintomas negativos estaremos lidando com a forma paranóide. Se
há preponderância de desorganização psíquica e início precoce estaremos
falando de hebefrenia. Se há pouco psiquismo e uma presença maior de
sintomas motores estamos falando aqui da catatonia. Por fim, se os
sintomas negativos predominam e há poucos sintomas positivos será a
esquizofrenia simples.

-Essas formas foram agrupadas dentro da mesma doença, mesmo sendo


diferentes. Essa ideia levou alguns autores a proposição de que haveria um
contínuo entre essas formas se baseando numa resposta que o psiquismo
consegue realizar perante uma cisão esquizofrênica.

-Se uma psicose cinde ou fragmenta o psiquismo e ele se estabiliza e se


reorganiza através destes fragmentos, seja pelo curso da doença ou por um
antipsicótico, não conseguindo restituir a unidade por completa, mas
formando delírios e alucinações, ou seja, sintomas positivos, teremos a
forma paranóide, um pouco menos grave. Se a cisão é grave e o psiquismo
não consegue se reestruturar, ficando instável, a doença irá cursar com
formas graves e com predominância de marcada desorganização e de
sintomas motores, que são as formas hebefrênicas e catatonicas.

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-E a cisão em si ? Qual é a marca deste dano no psiquismo? Bom, cada autor
vai propor o que ele acha que seja o fundamental, porém a forma mais fácil
de visualizar esse dano seria a esquizofrenia simples, uma forma marcada
pelos sintomas negativos na nossa nosologia atual (nestes reside a marca
da esquizofrenia), essa forma seria a base para todas as outras e também
pode ser correspondente a um resíduo comum em fases mais crônicas.

-A forma paranóide, é a forma na qual o psiquismo se organiza em torno


dos sintomas positivos, ou seja, delírios, alucinações e formas mais leves
de alterações formais do pensamento, esses são os sintomas mais
exuberantes, portanto ela é mais florida e chama mais atenção do clínico,
sendo mais fácil de diagnosticar.

-Os sintomas ditos positivos são secundários, ou seja, quem está base
desse processo é a desagregação da vida psíquica ou mesmo a ideia da
perda de unidade. Dessa forma, delírios e alucinações são uma espécie de
preenchimento a um dano ou a um vazio causado no psíquico.

-A desagregação do sistema psíquico pode contribuir também para o que


chamamos de alterações formais ou do curso do pensamento. Essas
alterações aparecem na forma paranóide e podem estar muito mais
evidentes numa forma hebefrênica por assim dizer. O pensamento do
paciente pode aparecer de forma desordenada, lentificada, confusa. Isso é
percebido pelo médico como um discurso difícil de entender. Ou seja,
entrevistou um paciente e viu que está fazendo esforço para entendê-lo ou
que simplesmente não compreende, provavelmente você tem que voltar a
sua atenção para a forma do pensamento. Os achados mais comuns aqui
podem ser resultantes de uma má organização de ideias do paciente. O
paciente pode por exemplo ficar repetindo uma mesma palavra ou assunto,
o que chamamos de perseveração ou ruminações.

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-Você pode fazer uma pergunta sobre o tema e ele pode lhe dar uma
resposta muito prolixa ou tangencial àquilo que você perguntou, isso é visto
como respostas vagas a um tema. Por exemplo: Por que você está
internado aqui? R- Eu estava em casa tranquilo, minha família não me
compreende, eles me tratam assim, quando vi tinha várias pessoas do
Samu…. e o paciente continua para um tema que não é a resposta da sua
pergunta, ou seja, ele foge.

-Os discursos podem ser bastante abstratos em formatos de monólogos


(os chamados solilóquios) ou o paciente pode se recusar a falar o que
chamamos de mutismo, podem haver também discursos baixos
semelhantes a sussurros que são as mussitações. O significado das
palavras também podem se apresentar de forma totalmente diferente ao
significado normalmente compartilhado, se tornando um significado único
para aquele paciente. O extremo disso são neologismos, que inclusive
podem ser bizarros. "Aquelas pessoas pequenas são os tarakiros" é um
exemplo.

-Além de neologismos o paciente pode fazer associações por assonâncias,


ou seja, o sentido fica tão quebrado que as palavras se relacionam por sons
parecidos:"eu sou makito, filho do egito". É importante notar que se um
paciente tem esquizofrenia não significa dizer que ele não seja inteligente,
eles podem estar completamente preservados nessa área. Entretanto o uso
dessa inteligência pode não acompanhar o seu nível, é o que chamamos de
uma certa ataxia intrapsiquica, isso resulta em ideias com associações
mais frouxas e que são contaminadas por outros temas.

-A lógica do pensamento inclusive pode estar comprometida, ao invés de


seguir a realidade e o que é fornecido por ela, o paciente pode escapar à esta
não se guiando por categorias que geralmente utilizamos no nosso pensar

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como a causalidade, a dedução, identidades ou contradições. Isso por
vezes pode vir sobre a forma de um pensamento mais concreto e pode
inclusive dar alterações em testagens mais formais da capacidade de
abstração: Ao perguntar a um paciente a semelhança entre um trem e um
bicicleta, seus processos de categorização podem não agrupá-los como
meios de transporte.

-Diferente de uma demência, o dano aqui são em processos cognitivos


mais elevados. Alterações mais graves leva a modificações na forma do
pensamento, apesar de serem possíveis na forma paranóide são mais
características de formas hebefrênicas, aqui o paciente pode ter
afrouxamento das ideias, descarrilamento das ideias e, em último grau,
salada de palavras.

-Na fase hebefrênica ocorrem alterações mais graves do psiquismo. É uma


fase que é mais difícil formar um delírio, porque o psiquismo está mais
fragmentado. Ao invés de aparecer um delírio, aparecem fragmentos de
ideias com difícil conexão, o que dá a marca de bizarrice nas ideias e de
desorganizações formais do pensamento mais graves.

-Além disso, quanto mais fragmentação da unidade mais há reflexos na


fragmentação da unidade do corpo, aqui já há uma exuberância de
sintomas motores como maneirismos e estereotipias, porém em um grau
menor do que nas formas catatônicas. Os sintomas negativos são
proeminentes também, a pessoa pode ficar bem mais apática, evoluindo
quase para uma indiferença perante ao mundo e aos afetos.

-Todas essas manifestações ficam expressas em comportamentos pueris,


parece que o paciente paralisou no seu desenvolvimento. Vale lembrar que
ela foi inicialmente descrita como uma esquizofrenia de início em jovens,

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daí o prefixo hebe que significa juventude. Os pacientes costumam ter
evoluções ruins para fases ainda mais desorganizadas, essa evolução é a
que possivelmente foi a mais capturada por Kraepelin para criar a
demencia preoce.

-O terceiro tipo que encontramos é a catatônica . Essa é uma forma rara nos
dias de hoje, sobretudo pelo acesso ao tratamento. A catatonia é uma
entidade que não é exclusiva da esquizofrenia, aparece em outros
transtornos como TAB e também de bases orgânicas. Porém a descrição
dela aqui faz sentido do ponto de vista que estamos considerando: uma
cisão que leva ao máximo de fragmentação e com quase nenhuma
reorganização. A grande marca da catatonia são os sintomas motores e
uma grande ambivalência afetiva.

-Essencialmente o doente em catatonia está em um estado de estupor,


isso é uma alteração do nível da consciência, marcado por uma baixa
responsividade aos estímulos do ambiente. Esse estupor pode ir de um
simples entorpecimento a um grau de bloqueio mais intenso que permite
poucas expressões de movimento ou verbais. A maioria dos pacientes se
encontram negativistas, que é basicamente uma rejeição, pode ser visto
com um "ser do contra": o paciente pode não falar nada (um mutismo),
recusar alimentação ou mesmo agir de forma oposta a sua instrução.

-Para avaliar isso basta pedir para o paciente realizar comandos simples
como apertar a sua mão ou levantar um dos braços. Ao mesmo tempo que
isso pode existir, a catatonia é marcada por uma ambivalência, ou seja,
pode coexistir também o contrário do negativismo que é a
sugestionabilidade, o paciente pode obedecer de forma passiva o que você
solicita, mesmo que seja um absurdo, "você pode dizer me dê a sua mão
que eu vou furar ela com uma agulha" , o paciente pode ir lá e estender a sua

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mão para você. A sugestionabilidade também pode assumir formas do
paciente imitar o que você está fazendo, tanto de gestos quanto de
palavras, para avaliar isso comece a coçar a sua própria cabeça, o paciente
pode lhe imitar, o que seria uma ecomimia ou ecopraxia, além disso, o
aciente pode ficar repetindo o que você fala ou o que ele mesmo fala , que é
uma ecopraxia.

-Outros fenômenos psicomotores presentes na catatonia são os


maneirismos: eles são ações , expressões ou comportamentos mais
exagerados e extravagantes, eles são quase uma arquitetura barroca que
podem assumir o formato de gestos, caretas, risos, tiques, marchas
estranhas.

-Gestos mais ritmados e repetidos são o que chamamos de estereotipias,


eles podem ser também atitudes que ficam fixadas, por exemplo, o paciente
ficar estalando os dedos de modo estranho repetidamente, lembrar que
estereotipias também podem ser verbais. Não esqueçam que esses
movimentos também se expressam na mímica facial, podem resultar
caretas daqui, bem como posturas em que o paciente fica com olhar fixo ou
que não faz contato visual.

-Por fim, o tônus muscular paciente também se encontra em ambivalência,


notamos isso por posturas mais rígidas e fixas, resultando em um
fenômeno chamado de catalepsia. Esta se refere a plasticidade e rigidez
das posturas. Você pode por exemplo levantar o braço do paciente e este
pode ficar fixo em uma posição, apesar que o mais comum é que ele vá
regressando lentamente a posição de origem. A isso, chamamos também
de flexibilidade cérea, pois o paciente se dobra como se fosse uma cera de
uma vela quente.

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-O paciente que está catatônico pode alternar períodos no qual ele não se
move com períodos no qual há o movimento, o que dificulta ainda mais a
avaliação. Algumas catatonias podem durar horas, outras semanas e
meses, pode ser um quadro que remite e entra em recorrência após.

-Por fim teremos a esquizofrenia simples. Teoricamente seria o fundo


comum a todas as outras e também pode ser uma evolução de um quadro
esquizofrênico após um quadro psicótico, em fases crônicas, ou mesmo
uma forma residual. Esta fase tem a sua grande marca na preponderância
de sintomas negativos e poucos ou quase imperceptíveis sintomas
positivos.

-Os pacientes são marcados por uma inércia ou uma apatia invencíveis, na
prática isso é visto através de pacientes que exerciam antes suas
atividades e vão largando tudo: emprego, vida social, planos, projetos.
Dessa forma vão se tornando cada vez mais isolados e restritos a um
mundo que vai progressivamente encolhendo. É como se fosse uma
esclerose da biografia, ou uma seca existencial.

-Aqui, a propulsão emocional que faz com que nossa biografia se


desenvolva e se desenrole ao longo do tempo é retirada, isso repercute em
um embotamento ou achatamento afetivo. Muitos pacientes que não são
diagnosticados podem passar como desinteressados pelo mundo, ou,
como esse quadro costuma ter uma evolução muito lenta, são
erroneamente conduzidos como quadros de "depressões refratárias" ou
"depressões recorrentes", mas não, isso aqui é a expressão de uma
afetividade que vai se achatando cada vez mais.

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-Mais comum em uma esquizofrenia simples do que em uma depressão, a
doença tem um curso de um processo, ou seja, uma alteração definitiva na
pessoa que vai agravando ao longo do tempo, por isso, a importância de
sempre analisar a sua evolução.

-Além disso, ao investigarmos cuidadosamente esses pacientes há a


chance de acharmos alguns sintomas psicóticos que a princípio estão bem
escondidos. Por exemplo, ao investigar bem o isolamento do paciente você
pode descobrir crenças meio estranhas sobre a marcha do mundo, ideias
religiosas ou sobre abstinência sexual. Mas o destaque é por sintomas que
hoje lemos como negativos e especialmente por um achamento dos afetos
ou uma desorganização afetiva que contribui cada vez mais para a retirada
do paciente para o mundo interior.

-5. Fase crônica. O curso da esquizofrenia pode ser bastante variável.


Anterior ao advento dos antipsicóticos e tratamentos como ECT, as
evoluções mais graves e desfechos de pior prognóstico eram mais comuns
e dependiam quase que exclusivamente de como a doença iria se
comportar naquela pessoa. Nas fases terminais da esquizofrenia ocorrem
evoluções para fases marcadas por uma regressão intensa da vida
psíquica, inércia, catatonia e exuberância de comportamentos
automáticos e estereotipados.

-Até mesmo doenças que inicialmente os pacientes eram mais


preservados e faziam delírios bem estruturados poderiam evoluir para uma
grande incoerência entre a fala e as ideias e uma reclusão importante para o
autismo - a chamada esquizofasia. Com o tempo, felizmente essas
apresentações e evoluções estão ficando mais incomuns, graças ao
tratamento e a identificação.

37
-Por isso, a importância de estudar tão bem a psicopatologia desta
doença. A detecção em fases precoces é essencial para uma possibilidade
de prevenir isso. A longo prazo é possível que o paciente aprenda a conviver
com os sintomas e se adeque ao mundo com adaptações, é possível por
exemplo que ele ganhe um certo senso de controle e agenciamento sobre
delírios e alucinações, que estes fiquem mais encapsulados nos seus
psiquismos e que, muitas vezes, o paciente consiga ignorá-los.

-Isso permite aos pacientes habitar de forma mais confortável a realidade


na qual eles vivem e também ter uma maior adaptação ao diagnóstico e ao
impacto que ele promove. Entender este mundo te permite construir um
tratamento mais adequado, uma psicoterapia mais respeitosa e uma
compreensão mais empática destes pacientes.

38
Henry, EY; Bernard, P.; Brisset, C. Manual de Psiquiatria. 5. ed. São Paulo:
Masson, 1978.

Sallet, Paulo Clemente. Manual de Psicopatologia Clínica e Entrevista


Psiquiátrica. Editora Manole, 2022.

Schneider, K. (1976). Psicopatologia clínica São Paulo, SP: Mestre Jou.


(Trabalho original publicado em 1948)

Fusar-Poli P, Estradé A, Stanghellini G, et al. The lived experience of


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