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• Francisco Silveira Guimarães

• Faorício de Araújo Moreira

--
-
• Antonio Waldo Zuardi

"Mas deveras estariam eles doidos, e foram curados por


mim, ou o que pareceu cura não foi mais que a desco-
berta do perfeito desequilíbrio do cérebro?"
\
Machado de Assis, O alienista

O
elemento essencial da chamada loucura é a perda do juízo da realidade, conjunto de regras
de entendimento cuja partilha permite a comunicação entre as pessoas. Em linguagem psi-
quiátrica, esta condição ~ denominada psicose. A esquizofrenia é a mais importante das psi-
coses, e a principal indicação terapêutica dos medicamentos antipsicóticos, também denominados
neurolépticos.

Esquizofrenia
A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico crônico e incapacitante, de natureza complexa, com
manifestações múltiplas e quadros variados. Não há consenso sobre se é uma única entidade noso-
lógica, ou um conjunto de disfunções com diversas etiologias (Quadro 5.1).

Histórico da esquizofrenia.

A humanidade tem encarado a loucura com nas obras de Eurípedes, como Hipólito e Me-
misto de fascinação e temor. Em sua obra, A deia. Nelas, paixões avassaladoras dominam
loucura e as épocas, Isaías Pessotti conclui que os personagens e determinam seus destinos.
três perspectivas têm sido adota das para ex- Finalmente, a terceira posição é adotada por
plicar a perda do controle sobre a mente: 1) a Hipócrates, que propunha ser a loucura devida
místico-religiosa atribui a loucura à possessão a desequilíbrio dos humores do corpo.
por espíritos, ou à influência de deuses ou de- Hoje em dia, grupos religiosos adotam a prática
mônios; 2) a passional vê nas emoções inten- de passes e exorcismos, enquanto psicanalistas
sas e descontroladas a raiz da insanidade; 3) a buscam no inconsciente memórias de expe-
naturalística busca nos desequilíbrios do orga- riências emocionais traumáticas, para libertar o
nismo a causa das psicoses. Uma abordagem paciente de sua tirania. Já a Psiquiatria Biológi-
predomina sobre a outra, conforme a época e o ca investiga genes, neurotransmissores e outras
local. Porém, em geral, as três abordagens con- entidades orgânicas, ti das como responsáveis
vivem sob aparências diversas. Por exemplo, na pelos diferentes transtornos psiquiátricos, e
Grécia clássica, a primeira está representada utiliza medicamentos como forma principal de
as peças de Ésquilo, em que a loucura é vista intervenção terapêutica. Tais formas estanques
-::-mo imposição divina. A segunda encontra-se da compreensão de um mesmo fenômeno ilus-
,

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94 Fundamentos de Psicofarmacologia

Histórico da esquizofrenia. (continuação)

tram a insuperável divisão, em grego schizo, do cadeias e dos asilos, onde eram segregados da
espírito humano. Não é surpresa, portanto, que sociedade. Em 1896, o psiquiatra alemão Emil
a mais típica das loucuras tenha sido denomina- Kraepelin distinguiu duas formas principais de
da esquizofrenia, para destacar a fragmentação insanidade, separando os transtornOs afetivos
entre atividades cognitivas, afetivas e conativas do que chamou, então, demência precoce.
(relativas à ação). Por outro lado, a impossibi- Este nome decorre da progressiva deterioração
lidade de comunicação entre essas três visões das funções cognitivas, que se inicia na idade
de mundo levanta problemas para a filosofia do juvenil, ao contrário das demências caracte-
conhecimento, como a delimitação entre o nor- rísticas da idade tardia. Em 1911, o psiquiatra
mal e o patológico, e até políticos, como quão suíço Eugen Bleuler referiu-se ao "grupo das
"verdadeiro" seria o juízo que o agente social esquizofrenias" para designar a mesma condi-
detém sobre a realidade. ção, salientando, no entanto, as manifestações
Na civilização ocidental, a loucura passou a ser positivas da fase aguda, como delírios e alu-
encarada como problema médico apenas no cinações. Desde então o termo esquizofrenia
início do século XIX, quando o francês Philippe passou a ser largamente empregado, apesar
Pinel iniciou o movimento de tratamento hu- das numerosas divergências sobre sua abran-
manitário dos doentes mentais, livrando-os das gência.

Entre 0,5% e 1% da população desenvolve esquizofrenia ao longo da vida, sendo a incidência


semelhante em homens e mulheres. Usualmente, as manifestações claras do distúrbio são precedi-
das por um período de sintomas pouco definidos (fase prodrômica), caracterizado por afastamento
social, mudanças súbitas nas respostas emocionais, comportamentos peculiares e deterioração da
higiene. Essa fase tem duração variável e é seguida por um episódio agudo, caracterizado por ma-
nifestações psicóticas positivas, como delírios, alucinações e agitação psicomotora (Quadros 5.2 e
5.3). Perto de um quinto dos pacientes tem apenas um episódio agudo e se recupera integralmente.
Metade de todos os pacientes esquizofrênicos apresenta sucessão de episódios agudos, ao longo de
vários anos, com prejuízo progressivo. Os demais cursam com episódios múltiplos, mas com pre-
juízos mínimos ou que se estabilizam após o primeiro episódio. Manifestações negativas, como em-
botamento afetivo, falta de iniciativa e isolamento social podem preceder o primeiro episódio. Mais
caracteristicamente, contudo, os sintomas negativos tendem a surgir mais tarde e agravar-se com a seja, expressão
tom de voz l'yv,"r\~I"'I"
p\?gressão da doença. Quando não tratados, muitos pacientes se tomam cada vez mais deteriorados,
pobrecida. Alguns
após cada episódio agudo, e podem terminar apresentando quadro de demência grave.
prolongadas de
O primeiro episódio psicótico surge frequentemente em adolescentes e adultos jovens, sendo
querem diagnóstico
mais precoce nos pacientes do sexo masculino. Isto aponta para um fator protetor dos hormônios
estrogênicos, confirmado pela presença de um segundo pico de incidência da moléstia em mulheres,
logo após a menopausa.

Sintomas da esquizofrenia.

o paciente esquizofrênico tem sua própria per- As alterações da percepção mais comuns são
e visões ameaçad
cepção da realidade, parecendo viver num denominadas alucinações. A pessoa percebe
pesadelo diário. L
mundo diferente do das pessoas normais. O coisas que os demais não percebem. O mais
meu mundo psicot
comportamento do paciente psicótico é muito comum é ouvir vozes que descrevem o que o
sesperadamente
variado: pode parecer distante ou preocupado, paciente está fazendo, conversam entre si, ad-
bertar deste muna-
sentar-se rígido como uma estátua, ou mover-se vertem sobre perigos iminentes, ou ordenam
por horas a fio, sem emitir uma só palavra. Outras que execute uma dada ação.
vezes, está alerta e constantemente ocupado.
Medicamentos antipsicóticos 95
1-------------. -----------------------------------------,',>-

Sintomasda esquizofrenia. (continuação)

segregados da Dentre as alterações do pensamento, as mais ca- afetivos (ver Capítulo 6), Os casos limítrofes en-
alemão Emil racterísticassão os delírios (ou ideias delirantes). tre esquizofrenia e transtorno afetivo, cuja carac-
-- principais de O conteúdo é frequentemente de perseguição terística principal é a concomitância de sintomas
_ ornes afetivos ou de grandeza, O paciente acredita firmemente de ambos, constituem a categoria diagnóstica
que ele(a), ou algum membro de sua família, ou denominada transtorno esquizoafetivo.
de outro grupo social, é vítima de conspiração, Assim como indivíduos normais podem apre-
está sendo envenenado, enganado, atormenta- sentar sintomas psicóticos em situações extre-
caracte- do. Os delírios assumem, quase sempre, formas mas, o paciente esquizofrênico pode parecer
" o psiquiatra bizarras. Por exemplo, o indivíduo crê que al- normal durante a maior parte do tempo, man-
ao "grupo das guém está controlando seu comportamento por tendo juízo adequado da realidade e falando
:; -nesrna condi- meio de ondas magnéticas, que pessoas numa coerentemente, Porém, há aspectos de sua
manifestações tela de televisão enviam mensagens para ele, experiência, como ouvir vozes, que não são
delírios e alu- ou que seu pensamento está sendo transmitido partilhados pelas pessoas normais. Os sinto-
esquizofrenia para os outros. Além disso, o pensamento pode mas negativos, ainda que não recebessem
regado, apesar estar desorganizado e fragmentado, impedindo esta denominação, já eram considerados como
re sua abran- o raciocínio lógico, Durante muitas horas a pes-fundamentais na esquizofrenia por Kraepelin e
soa não consegue concatenar as ideias. Há difi- 8leuler, no início do século XX. A importância
culdade de concentração, e o paciente distrai-se destes sintomas foi superada pelos sintomas
com facilidade. Pode ser incapaz de distinguir o positivos, após a intr6~ução do conceito de
relevante do irrelevante. Como resultado dessas sintomas de primeira ordem por Kurt Schnei-
sendo a incidência alterações, o paciente parece estar saltando de der. O interesse pelos sintomas negativos re-
. são precedi- um assunto para outro, o que toma a conversa- nasceu a partir dos anos 1980, principalmente
por afastamento ção impossível. Tal fato contribui para o isola- em razão dos trabalhos de Tim Crow (1980,
e deterioração da mer.to social do esqu\z.ofrêrl,(co. 19'05),que d'lfund'lu a concertuação de sineiro-
r-cteriLzaclo por ma- Na esfera emocional, às vezes ocorre o que se me positiva e negativa, e de Nancy Andreasen
(Quadros 5.2 e denomina "inadequação afetiva" , isto é, o pa- (1995), que ampliou este conceito para três
integralmente. ciente expressa emoções que contrastam com o grupos de sintomas (negativos, positivos psi-
~'lUU", ao longo de assunto de que está falando. Por exemplo, pode , cóticos e positivos desorganizados). Dentre os
rir ao dizer que está sendo perseguido por um sintomas propostos como negativos, temos:
espírito maligno, Muitas vezes, porém, o esqui- embotamento afetivo, falta de iniciativa, pobre-
zofrênico apresenta embotamento afetivo, ou za de linguagem e isolamento emocional. Ou-
seja, expressão emocional reduzida, falando em tra proposta é a de agrupar os sintomas em um
tom de voz monótono, com mímica facial em- número maior de categorias, que, além dos psi-
pobrecida. Alguns pacientes apresentam fases cóticos, desorganizados e negativos, incluiriam
prolongadas de elação ou depressão, que re- os sintomas neurocognitivos (prejuízos de me-
querem diagnóstico diferencial com distúrbios mória, atenção e funções executivas) e afetivos.

Relato de paciente esquizofrênico,

• A vida parecia escura, amedrontadora e frag- tava contaminada por espíritos demoníacos.
mentada. Eu me sentia estranha, com vozes Eu tinha receio de contar aos outros sobre as
ais comuns são
e visões ameaçadoras em um atormentado vozes, por medo de ser levada pelos 'homens
oessoa percebe
pesadelo diário, Eu não conseguia alívio de de avental branco'. Imagine uma criança de
rn. O mais
meu mundo psicótico. Eu queria morrer de= 15 anos ouvindo as mesmas vozes sempre e
o que o
sesperadamente em um esforço de me li- sempre: Você deve morrer, você vai morrer"
entre si, ad-
bertar deste mundo. A primeira vez que ouvi (Acordando de um pesadelo esquizofrênico.
-:5, ou ordenam
essas vozes eu era adolescente, Não sabia o Retirado e traduzido de Schiller Lori. "Walking
que estava acontecendo. Eu me sentia como from a schizophenic's nightmare" schizophre-
se estivesse possuída, e que minha mente es- nia.com, 2007),
96 Fundamentos de Psicofarmacologia

As causas da esquizofrenia são ainda desconhecidas. Porém, há consenso em atribuir a desorga-


I1
nização da personalidade, verificada na esquizofrenia, à interação de variáveis culturais, psicológi-
cas e biológicas, entre as quais destacam-se as de natureza genética (Quadro 5.4).
e não parece

-
doença, nem
tação ventricu ar
Genética da esquizofrenia. esquizofrenia, C
pacientes COIT'
Há muito tempo se constatou que a incidência adotadas, realizado na Dinamarca, revelou ção dos ventría..
de esquizofrenia tem caráter familiar. Quando que ser filho biológico de mãe ou pai esqui- atrofia do tecioo
um dos pais é portador de esquizofrenia, o fi- zofrênico aumenta o risco para esquizofrenia, morfométricos
lho tem 13% de probabilidade de manifestar mesmo quando o contato com o ascendente fia cerebral qer
o transtorno, contra 1% de risco da população biológico é muito pequeno ou nulo, e ambos reduções selet
em geral. Estudos epidemiológicos controla- os pais adotivos são normais. Acredita-se que -hipocampal e
dos com gêmeos idênticos, que possuem o o elemento herdado é uma maior vulnerabi- zinhas, como a
mesmo patrimônio genético, bem como fra- lidade ou predisposição à doença, em razão alterações são
ternos, que partilham desse patrimônio tanto de defeitos neurológicos ou bioquímicos rio esquerdo
quanto irmãos nascidos em épocas diferentes, desconhecidos. Os resultados de estudos de Esta assimetria
mostraram evidências convincentes de here- genética molecular destinados a localizar o(s) problemas de r

ditariedade. Assim, a taxa de concordância gene(s) determinante(s) da esquizofrenia não funções


da esquizofrenia entre gêmeos idênticos é foram conclusivos até o momento. Estudos re- Verificou-se, a>
de 48%, comparada com 17% entre gêmeos. centes sugerem que o componente genético hipocampo
fraternos. Contudo, o fato de a concordância é poligênico, envolvendo grande número de defeito na
mais alta estar longe de 100% sugere a par- variações genéticas, que individualmente não
ticipação de fatores ambientais. Por outro apresentam risco significativo, mas em conjun-
lado, estudo bem controlado com crianças to, podem ter um papel importante.

Antigamente, incluía-se entre as causas da esquizofrenia aspectos da relação mãe-criança, como


ambivalência ou rejeição intensa. Porém, a tendência a responsabilizar os pais parece incorreta e, de sua vez,
qualquer modo, não auxilia o tratamento. a tomografia
Nos últimos anos, houve considerável progresso no conhecimento da fisiopatologia da esqui- inglesa PET) e
zofrenia, graças ao uso de técnicas não invasoras, que permitem obter imagens morfológicas e por emissão de
funcionais do cérebro de pessoas executando diversas tarefas mentais e ao estudo de receptores Iam redução c-
de neurotransmissores em cérebros conservados após a morte do paciente (ver Capítulo 2). Como metabolismo
resultante desses esforços, a concepção da esquizofrenia como psicose meramente funcional (sem
substrato neurológico) foi abalada. A tendência atual é de considerá-Ia como resultado de desorga-
nização do desenvolvimento cerebral (Quadro 5.5). A esquizofrenia pode ser considerada, portanto,
como patologia que decorre da interação entre anormalidades cerebrais iniciais e maturação nor-
mal do sistema nervoso, fazendo que as manifestações patológicas ocorram muito mais tarde, no As possíve'-
desenvolvimento. O início da esquizofrenia se dá mais comumente durante o final da adolescência em função do
ou início da idade adulta, período em que a mielinização e o desenvolvimento do córtex pré-frontal volvimento de
dorsolateral estão se completando. -humorais deste

- Neuropatologia da esquizofrenia.

As primeiras evidências sugestivas de alte-


rações neurológicas na esquizofrenia foram
obtidas com o uso da pneumoencefalografia,
laterais do cérebro em pacientes esquizofrêni-
coso Este achado foi confirmado por modernas
técnicas de tomografia axial computadorizada
com introdução de ar nas cavidades liquóricas. e de ressonância magnética nuclear. O grau
Constatou-se, assim, dilatação dos ventrículos da dilatação varia de paciente para paciente,
Medicamentos antipsicóticos 97
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Neuropatologia da esquizofrenia. (continuação)

e não parece estar relacionado com a fase da são coerentes com estudos neuropsicológicos
doença, nem com suas manifestações. A dila- mostrando deficiência no desempenho de ta-
tação ventricular também não é exclusiva da refas que requerem o bom funcionamento do
esquizofrenia, ocorrendo, por exemplo, em lobo frontal, dentre os quais a mais utilizada é
pacientes com transtornos afetivos. A dilata- o teste de Wisconsin, que consiste na escolha
revelou ção dos ventrículos laterais pode ser indício de de cartas de baralho conforme estratégias va-
atrofia do tecido nervoso. Entretanto, estudos riáveis. Durante a execução desta tarefa, não
morfométricos post mortem não revelam atro- se verifica aumento de fluxo cerebral no lobo
fia cerebral generalizada. Mostram, contudo, frontal, tal como ocorre em indivíduos normais.
reduções seletivas do tamanho do giro para- Foram estabelecidas correlações entre diminui-
-hipocampal e de estruturas subcorticais vi- ção do fluxo sanguíneo do córtex pré-frontal
zinhas, como a amígdala e o hipocampo. Tais em tarefas que envolvem desenvolvimento de
em razão alterações são mais pronunciadas no hemisfé- novas estratégias e intensidade de sintomas
::>ioquímicos rio esquerdo em comparação com o direito. negativos. A "hipofrontalidade" de pacientes
estudos de Esta assimetria tem sido correlacionada com esquizofrênicos é atenuada por drogas, como a
ocalizar o(s) problemas de linguagem e pensamento lógico, anfetamina, que além de aumentar o fluxo san-
funções integradas no hemisfério dominante. guíneo, melhoram o desempenho nos testes
Verificou-se, ainda, que células piramidais do psicológicos.
hipocampo estão desorientadas, sugerindo Existem, também, investigações sobre o en-
defeito na migração celular durante o desen- volvimento de regiões subcorticais, particular-
volvimento. Como não se verifica gliose, pare- mente os gânglios da base, responsáveis pela
ce que o processo patológico interrompe-se na integração perceptual e motora, motricidade
idade adulta. As alterações do lobo temporal fina, bem como habilidade espacial e memória
'têm sido associadas com sintomas positivos, de procedimento.
tais como alucinações e ideias delirantes, bem Às mencionadasevidênciasneurológicas,somam-
como o déficit de aprendizagem e memória, -se resultados de estudos epidemiológicos,
verificados em pacientes esquizofrênicos. Por indicando maior incidência de esquizofrenia
sua vez, imagens funcionais do cérebro, como associada a complicações de parto, infecções
a tomografia por emissão de pósitrons (sigla virais intrauterinas, e em crianças do sexo mas-
inglesa PET) e a tomografia computadorizada culino nascidas durante o inverno em países de
por emissão de fótons singulares (SPECT),reve- clima temperado. Em conjunto, essas evidên-
lam redução do fluxó sanguíneo cerebral e do cias fortalecem a hipótese de que a vulnerabili-
metabolismo de glicose na região pré-frontal dade para esquizofrenia resulta de anomalia do
e no giro cíngulo anterior, indicando prejuízo desenvolvimento cerebral ocorrida durante o
funcional (hipofrontalidade). Tais resultados segundo trimestre da gestação.

As possíveis alterações neuroquímicas presentes na esquizofrenia serão discutidas mais adiante,


em função do mecanismo de ação dos neurolépticos. Cabe aqui salientar a importância do desen-
volvimento de modelos animais satisfatórios de esquizofrenia, para que o estudo' das bases neuro-
-humorais deste distúrbio seja bem-sucedido (Quadro 5.6).

Modelos animais de esquizofrenia.

esquizofrêni- A complexidade da esquizofrenia, quer em delos existentes repouse, quase unicamente,


oor modernas termos de manifestações clínicas, quer de etio- no critério de validade preditiva (ver Capítulo
rizada logia, dificulta o desenvolvimento de modelos 3). Como foram desenvolvidos para detectar
r. O grau animais para este distúrbio. Não é surpresa, o efeito dos neurolépticos, muitos modelos
portanto, que a validade de muitos dos mo- identificam apenas a capacidade de a droga
98 Fundamentos de Psicofarmacologia
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Modelos animais de esquizofrenia. (continuação)

antagonizar receptores dopaminérgicos. Por a ignorar o estímulo sinalizador, embora seja


exemplo, o teste da catalepsia, que observa o capaz de subir na plataforma quando recebe
tempo de manutenção de posições não ana- o choque. Esse efeito, de inibir a esquiva mas
I tõmicas de roedores após o tratamento com
antipsicóticos, tem elevada correlação com a
não a fuga, é típico desta classe de drogas, e
guarda certa semelhança com o estado de in-
dose terapêutica destes medicamentos. No diferença, que voluntários sadios apresentam
entanto, esse efeito decorre do bloqueio de re- após a ingestão de neurolépticos.
ceptores de dopamina (DA) no estriado, e cor- Algumas abordagens mais recentes têm procura-
responde aos efeitos adversos extrapiramidais do desenvolver modelos que permitam explorar
observados em humanos (ver Efeitos adversos aspectos circunscritos da esquizofrenia, como o
dos antipsicóticos). Outro teste bastante em- déficit de processamento de informações. Entre
pregado é o do bloqueio das estereotipias in- eles a inibição pré-pulso e a inibição latente. Na
duzidas por agonistas dopaminérgicos diretos inibição pré-pulso existe diminuição da resposta
ou indiretos, como apomorfina ou anfetamina, de sobressalto a estímulo acústico de elevada
respectivamente. Estereotipias são repetições intensidade, quando este último é precedido
incessantes, sem objetivo aparente, de movi- por outro estímulo de menor intensidade. A
mentos que fazem parte do repertório normal inibição latente consiste no efeito deletério so-
do animal, como lamber as patas, cheirar e bre a aquisição de condicionamento clássico
morder as barras da gaiola onde se encontra. É provocado pela pré-exposição a um estímulo
possível que envolvam ativação de programas ulteriormente utilizado como estímulo condicio-
motores por excesso de DA no estriado, como nado. Ambos os processos estão alterados em
demonstrado por estudos com injeções intra- pacientes esquizofrênicos. Entre as vantagens
cerebrais de drogas, realizados pelo grupo da desta abordagem está o fato de que as mesmas
pesquisadora inglesa Susan Iversen. O mesmo alterações podem ser produzidas em voluntários
grupo mostrou, ainda, que o aumento da ativi- sadios tratados com drogas que mimetizam ou
dade locomotora que precede o aparecimento agravam manifestações da esquizofrenia. Apon-
das estereotipias envolve o aumento de DA na tam, assim, para mecanismos neuroquímicos
região do núcleo accumbens, pertencente à via subjacentes, por exemplo, os dopaminérgicos.
dopaminérgica mesolímbica. Além disso, podem ser avaliados com métodos
Um dos primeiros modelos animais para de- semelhantes, tanto em seres humanos como em
tectar efeitos de antipsicóticos foi o da esquiva animais de laboratório, sendo potencialmente
condicionada. Neste modelo, ratos aprendem úteis para investigar o substrato neural do dé-
a subir em uma plataforma em resposta a-estí- ficit de atenção que se verifica na esquizofrenia.
mulo sinalizador (por exemplo, um tom), para A tendência atual é a de não se referir a esses
evitar a aplicação de um choque elétrico nas fenômenos como modelos animais de esquizo-
patas. O tratamento com clorpromazina ou ou- frenia, mas sim de dimensões específicas desta
tro agente antipsicótico faz que o animal passe patologia (Quadro 5.2).

tatos interpe
o tratamento da esquizofrenia sofreu~~sformação fundamental com a introdução dos medica- festações ini
mentos antipsicóticos, na década de 1950 (Quadro 5.7). de idade, a"~
são prejudica
da terapia p
_ Quadro 5.7 Descoberta dos medicamentos antipsicóticos. habilidades

Para tanto, r
A descoberta dos neurolépticos, no ano de reações neurovegetativas de pacientes sub- sido empreg
1952, marca o início da Psicofarmacologia con- metidos a cirurgias prolongadas realizadas a preende aco
temporânea. Nessa época, o cirurgião francês baixas temperaturas - a assim chamada "hi- mento profi -
Henri Laborit utilizava mistura de drogas, que bernação" artificial. Dessa mistura participava com proble
denominava "coquetel lítico", para abrandar o composto anti-histamínico prometazina. Ao
transporte p
Medicamentos antipsicóticos 99

Descoberta dos medicamentos antipsicóticos. (continuação)

observar os efeitos de seu análogo químico, Surpreendentemente, muitos desses pacien-


clorpromazina, Laborit notou que os pacien- tes apresentaram melhora considerável, e
tes ficavam em estado peculiar, que passou a puderam mesmo retornar ao convívio social.
ser conhecido como síndrome neuroléptica, Em especial, os sintomas psicóticos caracte-
caracterizada por indiferença emocional, sem rísticos da esquizofrenia eram aliviados após
diminuição importante da vigilância. Assim, algum tempo de uso da droga. A notícia logo
na véspera de uma cirurgia, os pacientes de- se propagou, e o uso da clorpromazina e de
monstravam pouca ou nenhuma ansiedade a seus análogos difundiu-se pelo mundo. Como
respeito da intervenção, porém estavam bem resultado, a prática psiquiátrica mudou muito,
orientados no tempo e no espaço, e conver- passando pela chamada revolução farmaco-
savam articuladamente sobre diferentes as- lógica. Sobretudo em relação ao número de
suntos. Essa observação casual despertou leitos dedicados a pacientes crônicos, que
a curiosidade de Laborit, que sugeriu a dois passou a diminuir a partir dos meados da dé-
colegas psiquiatras, Jean Delay e Pierre Deni- cada de 1950 nas nações mais desenvolvidas.
ker, o uso experimental da droga em pacientes Nelas, o uso do tratamento farmacológico
mentais. Como consequência, a clorpromazi- abriu as portas para intervenções sociais e psi-
na foi administrada a pacientes internados cológicas (Quadro 5.8), que trazem benefício
por longo tempo em hospitais psiquiátricos. adicional ao paciente.

as vantagens Como veremos, centenas de ensaios clínicos controlados mostram que os antipsicóticos supri-
que as mesmas mem ou atenuam manifestações psicóticas agudas, bem como reduzem a frequência de recidivas na
em voluntários esquizofrenia. Consequentemente, reduzem o tempo de hospitalização e viabilizam outras formas de
mimetizam ou tratamento (Quadro 5.8), impossíveis de serem aplicadas quando o paciente está confuso e agitado.
zofrenia. Apon- Porém, os agentes antipsicóticos não curam a esquizofrenia, além disso, produzem efeitos colaterais .
Devido ao perfil diversificados destes medicamentso, eles são divididos em duas clases: os neurolép-
ticos ou antipsicóticos típicos e os antipsicóticos atípicos. No entanto, conforme será discutido, os
critérios dessas classificações, ou mesmo a sua validade, são aspectos bastante controversos.

Tratamentospsicossociais.
.:;esquizofrenia.
referir a esses
de esquizo- Estes tratamentos complementam a ação dos psicoterapia pode ser individual ou de grupo.
l",""nP,rítir,,~ desta medicamentos. Sem eles, a farmacoterapia No primeiro caso, estudos comparativos têm
traz benefícios limitados. Mesmo quando os mostrado superioridade de formas orienta-
pacientes estão livres de sintomas psicóticos, das para a realidade sobre psicoterapias de
têm grande dificuldade para estabelecer con- cunho analítico, pois permitem que o pacien-
tatos interpessoais. Como, em geral, as mani-
te aprenda a distinguir o que é tido como real,
festações iniciam-se entre os 18 e os 35 anos
pelo senso comum, das experiências pessoais
de idade, a instrução e formação profissional
de natureza psicótica. A terapia familiar é de
são prejudicadas. Assim, o objetivo principal
suma importância para facilitar o ajustamen-
da terapia psicossocial é o treinamento de
habilidades para facilitar a vida em socie- to do paciente após hospitalização. Ambien-
dade e aumentar a capacidade de trabalho. tes familiares muito críticos com alto nível da
Para tanto, numerosas formas de terapia têm "emoção expressa" são prejudiciais. Por isso,
sido empregadas. A reabilitação social com- é importante que os membros da família se-
preende aconselhamento vocacional, treina- jam instruídos para tratar adequadamente o
mento profissional, ensino sobre como lidar paciente. Outras formas de tratamento são
com problemas comuns, tais como utilizar o hospital-dia, o tratamento residencial e os
transporte público, lidar com dinheiro etc. A grupos de autoajuda.
100 Fundamentos de Psicofarmacologia
- -,-.---------------- -----------.1

Embora o eletrochoque tenha sido introduzido num primeiro momento para tratar pacientes es-
quizofrênicos, seu uso foi amplamente substituído pelas drogas antipsicóticas. Nos tempos mais
recentes, a eletroconvulsoterapia tem sido reservada para situações específicas, tais como primeiro
episódio com acentuada agitação e delírios, e pacientes com predomínio de sintomas catatônicos ou
com características esquizoafetivas. Também foram abandonados tratamentos largamente utilizados
antes da introdução dos neurolépticos, entre os quais o estado de coma induzido por insulina (ver
Capítulo 1), que comporta risco para o paciente, e a lobotomia pré-frontal, modalidade de psicoci-
rurgia que pode produzir profundas alterações da personalidade.

Neurolépticos ou antipsicóticos típicos


Seguindo-se à clorpromazina, foram descobertos diversos outros compostos com propriedades far-
macológicas semelhantes, embora com estrutura química diferente (Tabela 5.1 e Figura 5.1).

Tabela 5.1 ~ Classificação e principais representantes dos antipsicóticos.


Dose diária habitual Variação de dose
Classe Composto (via oral, mg) possível (via oral, mg)
Típicos
Fenotiazinas
a. alifáticas Clorpromazina 200-800 30-2000
b. piperidínicas Tioridazina 150-600 20-800
Mesoridazina 75-300 30-400
Outros
c. piperazínicas Flufenazina 2-20 0,5-30
Perfenazina 8-32 4-64
Trifluoperazina 5-20 2-30 F

Butirofenonas Haloperidol 2-20 1-100


Tioxantenos Tiotixene 5-30 2-30
Difenilbutilpiperidinas Pimozide 2-6 1-10

Atípicos
Benzamidas Sulpirida 300-1.200 50-2.400
Dibenzapinas Clozapina 150-450 12,5-900
Loxapina 60-100 20-250
Benzisoxazole Risperidona 2-8 0,25-16
Tienobenzodiazepina Olanzapina 5-10 2,5-20
::::l
Outros Aripiprazol
Ziprasidona
Quetiapina
10-15
80-160
300-500
5-30
20-160
50-750
CI--(Jl
Apesar do grande número de compostos existentes, com exceção da clozapina, estudos clínicos
controlados não indicam maior eficácia antipsicótica de um em reláção aos demais. Diferem, contu-
do, quanto à potência, farmacocinética e perfil de efeitos adversos. Figura 5.1 ~
No decorrer do tratamento com antipsicótico, a melhora inicial decorre da diminuição da ansie- vido de efeito
dade e agitação. Embora as alterações do pensamento cedam com mais lentidão, estudos clínicos e
em modelos animais sugerem que o efeito antipsicótico se inicia precocemente. Entretanto, ele se
"acumula" ao longo do tempo, embora a fase na qual ocorre a melhora mais significativa seja exa-
tamente nas duas primeiras semanas do tratamento. Embora úteis para aliviar sintomas positivos, Apenas no iní
os antipsicóticos são pouco eficazes no alívio dos sintomas negativos da esquizofrenia. No entanto, Arvid Carlsson
alguns antipsicóticos, chamados atípicos, têm alguma eficácia no seu tratamento. bólitos de c
neurotransm.ÍSSi.
Medicamentos antipsicóticos 101

como primeiro Fenotiazinas


catatônicos ou
k:Jmente utilizados

Prometazina

HO~Nl
~N~

C(:()S'CH, CC~x:rCF3
Tioridazina Flufenazina
30-2000
20-800 Alifáticas Piperidínicas Piperazínicas
30-400
Outros
0,5-30
4-64 CH'Ii))
2-30
1-100
F~ F-QyÜN~N
2-30 ~~ ~ O
O OHIj-~ CI ~- ~
1-10 Risperidona
Haloperidol

50-2.400
12,5-900
20-250
0,25-16
2,5-20
5-30
20-160
50-750

estudos clínicos Clozapina Olanzapina Oustiaplna Aripiprazole


Diferem, contu-
Figura 5.1 ~ Estrutura química de alguns antipsicóticos e da prometazina, um anti-histamínico despro-
vido de efeito antipsicótico.

Mecanismo de ação dos antipsicóticos


Apenas no início da década de 1960, foi descoberto o provável mecanismo de ação dos neurolépticos.
Arvid Carlsson e Margit Lindqvist observaram que a clorpromazina aumentava a produção de meta-
bólitos de catecolaminas e sugeriram que esse fato decorria do aumento da taxa de renovação destes
neurotransmissores, por mecanismo de retroalimentação compensatório ao bloqueio de receptores de
102 Fundamentos de Psicofarmacologia

catecolaminas ocasionado pela droga. Embora no trabalho original a dopamina (DA) não fosse men-
cionada, estudos posteriores confirmaram o envolvimento deste neurotransmissor (Figura 5.2).
Vários argumentos apoiam a hipótese de que a interferência na neurotransmissão mediada por
DA é fundamental para os efeitos terapêuticos dos neurolépticos. Entre eles, destacam-se os seguin- sua recap
tes: 1) estudos de cristalografia mostraram que a estrutura tridimensional da clorpromazina é super- dopaminé gi
ponível à da DA, dado que a cadeia lateral constituída de três átomos de carbono e um de nitrogênio, potente que
presente em todos os neurolépticos típicos (Figura 5.1), permite o ajuste da molécula ao receptor de Coma
DA; 2) a potência clínica dos antipsicóticos correlaciona-se positivamente com a capacidade de des-
locar ligantes dos receptores de DA, bem como de inibir as estereotipias produzidas pela anfetamina,

Neurotransmissão dopaminérgica

Corpo celular Axônio

2
2. Reserpina
3. Anfetamina 8
4. Haloperidol
5. SCH-23390
6. Cocaína
Neurônio
pós-sináptico
o
7. Selegilina
8. Entacapone
4

Figura 5.2 ~ Neurotransmissão dopaminérgica. A dopamina é uma catecolamina cuja síntese se inicia com
3
a captação ativa do aminoácido L-tirosina. Esse aminoácido é transformado pela ação da enzima tirosina
hidroxilase, primeiro em L-DOPA e, posteriormente, em dopamina (DA), por ação da L-DOPA descarboxila-
se. A dopamina assim formada é armazenada nas vesículas sinápticas. Quando chega o impulso nervoso, a
2
DA é liberada das vesículas por processo de exocitose. Pós-sinapticamente, ela pode atuar em receptores
das famílias D1 (D1 e Ds) ou D2 (D2, D3 ou D4). Existem ainda receptores pré-sinápticos inibitórios, do tipo D2'
que estão localizados tanto nos terminais como nos corpos celulares. Todos esses receptores são ligados a
proteínas G. O principal mecanismo de retirada da DA da fenda sináptica é a recaptação pelo terminal ner-
voso. Sua degradação intraneuronial ocorre pela enzima monoaminoxidase (MAO) de tipo B, sendo um de
seus principais metabólitos o ácido hornovanflico (HVA). Outra enzima envolvida na degradação da DA é a o
I catecol-o-metil-transferase (COMT). Embora a localização celular desta enzima não seja ainda bem conheci-
da, alguns autores sugerem que seja predominantemente extracelular. Os números da figura ilustram o local
de ação de diferentes fármacos que modificam a neurotransmissão dopaminérgica. (1) Alfa-metiltirosina:
inibidor competitivo da enzima tirosina hidroxilase, passo limitante na síntese de dopamina. (2) Reserpina:
bloqueia a entrada da dopamina na vesícula sináptica; no citoplasma, as aminas são degradadas pela MAO, Figura 5.3
reduzindo-se os e~toques de catecolaminas. (3) Anfetamina: promove a liberação e impede a recaptação de de pacie
catecolaminas através da membrana celular. (4) Haloperidol: antagonista de receptores dopaminérgicos com mais pot
maior afinidade por Dr (5) SCH-23390: antagonista de receptores D1. (6) Cocaína: inibe a recaptação neuro- sintomas
nial de dopamina. (7) Selegilina: inibidor da MAO-B.(8) Entacapone: inibido r da COMT.
Medicamentos antipsicóticos 103

mediadas pela liberação de DA no estriado; 3) a L-DOPA, precursora da síntese de DA, empregada


no tratamento da doença de Parkinson, pode produzir sintomas psicóticos; 4) estados psicóticos po-
dem ser observados após administração de anfetamina, que libera DA dos terminais nervosos e inibe
sua recaptação neuronial; de cocaína, que bloqueia a recaptação neuronial de DA, ou do agonista
dopaminérgico direto, apomorfina; 5) apenas o isômero a do antipsicótico flupentixol, muito mais
potente que o isômero ~ para bloquear receptores de dopamina, é clinicamente eficaz (Figura 5.3).
Com a descoberta da existência de vários tipos de receptores de DA (Quadro 5.9), verificou-se
que a potência terapêutica dos vários compostos é diretamente proporcional ao bloqueio dos recep-
tores D2 (Figura 5.4). Exceção a essa relação é o antipsicótico atípico clozapina, embora neste caso
haja correlação com a afinidade pelo receptor D4.
Estudos com tomografia por emissão de pósitrons demonstraram que, em doses terapêuticas, os
antipsicóticos ocupam i50% a 70% dos receptores D2 no sistema nervoso central (Figura 5.6). Seu
uso prolongado causa aumento (up-regulation) do número desses sítios.
A ocupação de receptores D2' como visto anteriormente, é um dos argumentos utilizados para
fundamentar. a hipótese dopaminérgica da esquizofrenia, que procura relacionar sintomas da
doença com aumento da neurotransmissão mediada pela DA. Existem, no entanto, problemas em re-
lação a esta hipótese. A clozapina apresenta ocupância de receptores D2 do estriado de apenas 50%-
60%, nas doses terapêuticas (Figura 5.6). Também não produz aumento do número de receptores D2
nesse local. Não se encontrou, de forma consistente, aumento do nível plasmático ou liquórico do

4 Embotamento afetivo 4 Pobreza de linguagem

3 3

2 2

O
O 2 3 4
O
~
O
~=;
2 3
~
4

4 Alucinações 4 Ideias delirantes

3 3

/Placebo
2 2
.••...f3- Flupentixol

a-Flupentixol
/
O O

O 2 3 4 O 2 3 4
Semanas de tratamento Semanas de tratamento

Figura 5.3 ~ Diminuição de sintomas da esquizofrenia em comparação com o período pré-tratamento


de pacientes tratados durante quatro semanas com placebo, a- e ~-flupentixol. O isômero a é muito
mais potente para bloquear receptores de dopamina. Observe-se a ineficácia da droga para reduzir os
sintomas negativos "embotamento afetivo" e "pobreza de linguagem".
104 Fundamentos de Psicofarmacologia
·..-.--------------------------------------....., •...
ácido homovanílico (RVA), metabólito utilizado para estimar a taxa de renovação (turno ver) cere-
iII bral de DA em pacientes esquizofrênicos. Por outro lado, vários estudos têm revelado aumento de
receptores D2 nos gânglios da base, núcleo accumbens e substância nigra, Embora o uso de drogas

._I
antipsicóticas leve a esse aumento, complicando a interpretação dos resultados, ele foi relatado em
pequeno número de pacientes não tratados.

I
Quadro 5.91 Classificaçãodos receptores de dopamina.
Com base em evidências farmacológicas e neu- adenilciclase sensível à DA, vêm sendo empre-
roquímicas, os receptores de DA foram clas- gados na localização dos diferentes tipos de re-
sificados em dois tipos, D1 e D2. Os primeiros ceptores de DA. Como resultado, verificou-se
ativam a adenilciclase, aumentando a produção que a localização anatômica varia com o tipo de
do mensageiro intermediário AMPc, enquanto receptor. Por exemplo, o receptor D1 concen-
os receptores D2têm efeito oposto sobre a mes- tra-se sobretudo no caudado-putâmen e caro-
ma enzima (ver Capítulo 1). Estudos de biologia ço do núcleo accumbens, enquanto o receptor
molecular realizados nas duas últimas décadas, Ds predomina em estruturas límbicas, como o
envolvendo a clonagem de receptores e deter- hipocampo e o hipotálamo. Já o receptor D2
minação de seus genes, acrescentaram novos concentra-se sobretudo no caudado-putâmen,
tipos de receptores, denominados D3' D4 e Ds' no caroço do accumbens e no bulbo olfativo.
O receptor Ds tem características semelhantes Os receptores D3' por sua vez, são menos abun-
ao D1' enquanto os receptores D3 e D~ asse- dantes que os D2' e têm localização preferencial
melham-se aos receptores D2. Constituem-se, em áreas corticais e subcorticais inervadas pelo
assim, duas famílias de receptores de DA, D1 e grupo A 10, que estão envolvidas com proces-
D2'respectivamente. Os receptores D1e Dscom- sos cognitivos e emocionais (Quadro 5.10).
partilham 91% da sequência de aminoácidos em Finalmente, o receptor D4se expressa sobretu-
sua constituição. Ambos estão acoplados a pro- do no córtex frontal, mesencéfalo, amígdala e
teínas Gs/Go e ativam a adenilciclase. Também bulbo, estando pouco concentrado no estria-
possuem afinidade comparável por ligantes es- do. Tal distribuição anatômica tem implicações
pecíficos, como o composto SKF38393.Uma no- funcionais. Por exemplo, os neurolépticos clás-
tável exceção, contudo, é a própria DA, que tem sicos têm grande afinidade por receptores D2'
afinidade de 5 a 10 vezes maior pelo receptor abundantes no estriado. Este dado correlacio-
Ds do que pelo D1. Os três tipos de receptores na-se com a presença de sinais extrapiramidais,
D2 são igualmente bloqueados pela espipero- como efeito colateral de seu uso.
na, porém diferem na afinidade por outros li-
Os neurônios dopaminérgicos possuem recep-
gantes. Por exemplo, a agonista bromocriptina
tores pré-sinápticos que regulam seu funcio-
tem afinidade 100 vezes maior pelos tipos D2 e
namento. Situam-se tanto nos corpos celulares
D3' em relação ao D4' enquanto a clozapina tem e dendritos - receptores autossômicos - como
afinidade pelos receptores D4' de 8 a 10 ordens nas varicosidades, de onde a DA é liberada.
de magnitude superior aos demais. Esta sele-
Os receptores D2 são fortes candidatos a au-
tividade alimentou hipóteses que atribuíram a
torreceptores autossômicos, pois ocorrem na
ela as características de neuroléptico atípico da substância nigra e na-área tegmentar ventral,
clozapina. Múltiplas vias de efetuação intracelu- onde se localizam corpos celulares de neu-
lar podem ser utilizadas a partir da ativação de rônios dopaminérgicos. A estimulação dos
receptores do tipo D2.Além da inibição da ade- receptores autossômicos reduz o ritmo de dis-
nilciclase, via acoplamento com proteínas Gi, há paro dos neurônios. Por sua vez, os receptores
I ativação do fosfatidil inositol, ativação de canais
de K+e inibição de canais de Ca2+.Também po-
situados nas varicosidades terminais inibem a
síntese do neurotransmissor e sua liberação,
tencializam a liberação de ácido araquidônico a estando localizados em sítios diferentes para
partir da membrana celular. Essesefeitos variam cada função. Como no caso dos receptores
com o tipo de receptor; por exemplo, recepto- autossômicos, trata-se principalmente de re-
res D3e D4não afetam o fosfatidil inositol. ceptores D2. Contudo, há evidências suges-
Diversos métodos, como ensaios com ligantes tivas de que receptores D3 possam também
marcados, dosagem de RNAm específico e de funcionar como autorreceptores (Figura 5.5).
Medicamentos antipsicóticos 105

turno ver) cere-


aumento de Constantede 1000 ,---------------------------------------------~------------,
o uso de drogas dissociação
para o
foi relatado em receptor D2
(em nM)

100 Clozapina

Tioridazina
Molindone
10
Racloprid Sulpirida

Clorpromazina

Haloperidol

0,1
0,1 10 100 1000
Concentração terapêutica (em nM)

Figura 5.4 ~ Correlação entre potência clínica e afinidade por receptores D2.

no estria-
mplicações
epticos clás-
CAUDADO/PUTAMEN, N.
te·celJtc res D2'
ACCUMBENS,
correlacio-
{ TUBÉRCULO OLFAT6RIO

D1

HIPPOCAMPO, N; MAMILAR
LATERAL, N. TALAMICO
{ PARAFASCICU LAR

CAUDADO/PUTAMEN, N.
D25 ACCUMBENS,
("short") K+ TUBÉRÇULO OLFAT6RIO,
{
PITUITARIA
D2l
(··'ong··)

TUBÉRCULO OLFAT6RIO, N.
? { ACCUMBENS

? C6RTEX FRONT~L, AMfG-


{ DALA, MESENCEFALO

Figura 5.5 ~ Subtipos de receptores de dopamina. AC = adenilato ciclase.


106 Fundamentos de Psicofarmacologia

II Tomografiapor emissãode pósitrons


% de ocupação de receptores D2

100

I 90
Jo
I 80
S
.'•
70

60

50

40 •
30

20

10

O
Haloperidol Flupantixol Clorpromazina Tioriclazina Crozaprna

Figura 5.6 ~ Ocupação de receptores O2 in vivo por diferentes antipsicóticos. (Dados obtidos de Farde et
aI. Arch Gen Psychiatry 1992;49:538-44.)

Os neurônios dopaminérgicos do prosencéfa- (amígdala, núcleo accumbens, septo, tubér-


10 localizam-se em três regiões distintas: subs- culo olfatório e córtex piriforme) e em áreas
tância nigra (áreas A8 e A9), área tegmentar corticais (córtex pré-frontal medial, cíngulo e
ventral (área A 10) e hipotálamo. A substân- córtex entorrinal), formando as vias mesolím-
cia nigra, assim denominada pela aparência bica e rnesocortical, Esta última parece ter
escura, quando vista a olho nu em secções propriedades distintas, pois apresenta ativida-
anatômicas, localiza-se bilateralmente no te- de eletrofisiológica basal maior, possivelmen-
gumento mesencefálico. Os neurônios dopa- te pelo menor número de autorreceptores
minérgicos aí localizados projetam-se para a inibitórios D2. /

região dos gânglios da base, formando a via No hipotálamo, os neurônios dopaminérgicos


mesoestriatal. Eles estão envolvidos no con- localizam-se nos núcleos arqueado e periven-
trole da atividade matara, e sua degeneração tricular, e se projetam na eminência média e
I resulta na doença de Parkinson.
A área tegmentar ventral também se encontra
lobo intermediário da hipófise, constituindo a
via túbero-infundibular. Na hipófise exercem
no tegumento mesencefálico. Neurônios do- efeito inibitório sobre a liberação do hormônio
paminérgicos aí localizados projetam-se, via prolactina (Figura 5.7).
feixe prosencefálico medial, em áreas límbicas
Medicamentos antipsicóticos 107

Via nigro-estriatal

Córtex frontal

• ..
t-


Via túbero-infundibular

Figura 5.7 ~ Vias dopaminérgicas do sistema nervoso central. ATV: área tegmental ventral, S. Nigra:
substância nigra, N. accumbens: núcleo accurnbens.,

Os antipsicóticos induzem alterações nas vias dopaminérgicas ao longo do tempo, sendo par-
ticularmente importante o fenômeno denominado bloqueio de despolarização. Experimentos
eletrofisiológicos mostraram que a administração aguda de haloperidol aumenta os disparos dos
neurônios dopaminérgicos da substância nigra e da área tegmental ventral, efeito que envolveria
o bloqueio de autorreceptores inibitórios do tipo D2• Com o uso prolongado isso desaparece, e
os neurônios dopaminérgicos tornam-se hiporresponsivos a outros estímulos excitatórios. Isso
poderia explicar a latência para que se atinja o efeito terapêutico máximo com os antipsicóticos,
e também porque o aumento inicial do metabólito da DA, HVA, retorna ao normal após algumas
semanas de tratamento. Como a hipossensibilidade dos neurônios dopaminérgicos pode ser rever-
tida pela hiperpolarização induzi da por GABA, sugeriu-se que este efeito decorra da estimulação
excessiva dos neurônios.
Observação interessante é que, enquanto o haloperidol produz o bloqueio por despolarização,
tanto em neurônios da substância nigra quanto da área tegmental ventral, a clozapina só o faz nos
neurônios desta última região. Além disso, os neurônios da área tegmental ventral que se projetam
no córtex frontal não apresentam bloqueio por despolarização. Como os sintomas negativos da es-
quizofrenia parecem depender da via mesocortical, isso poderia explicar a ausência de eficácia dos
neurolépticos para sintomas negativos.
Descobertas recentes têm levado a modificações da hipótese dopaminérgica inicial. Propôs-
-se que em vez do aumento da DA, o quadro de esquizofrenia seria ocasionado por um desequi-
líbrio dessa transmissão, com diminuição na via mesocortical, responsável pelo aparecimento
de sintomas negativos, e aumento na via mesolímbica, responsável pelos sintomas positivos
(Quadro 5.11).
108 Fundamentos de Psicofarmacologia

Desequilíbrio da neurotransmissãodopaminérgica.

A 'exposição a estresses leva ao aumento da li- tivacional, pelo qual estímulos neutros adqui-
beração de DA na via mesocortical. Por outro rem a capacidade de atrair a atenção. Eventos
lado, lesões desta via provocam hiperatividade novos, apetitivos ou aversivos, aumentariam a +
subcortical crônica, sugerindo retroalimenta- liberação de dopamina em áreas como o nú-
ção corticolímbica inibitória. Na esquizofrenia, cleo accumbens (estriado ventral), com duas
foi proposto por Daniel Weinberger e colabo- consequências, uma imediata, envolvendo
radores que os efeitos de uma lesão precoce captura da atenção, facilitação da ação e alter-
da via mesocortical tornar-se-iam clinicamente nância entre comportamentos, e outra futura,
evidentes durante o período de grande estres- conferindo saliência motivacional àquele even-
se social vivenciado na adolescência, quando to eiaos estímulos a ele associados. Fatores
ocorreria aumento na demanda do sistema, ambientais (como por exemplo: dificuldades
ainda imaturo. A diminuição dopaminérgica de socialização, urbanização, uso de Cannabis)
frontal produziria os sintomas negativos e le- e genéticos interagiriam para provocar exces-
so da liberação e/ou do efeito da dopamina, o
varia indiretamente, pelo prejuízo da retroali-
que levaria a um senso aberrante de novidade
mentação corticolímbica inibitória, ao aumento
e atribuição anormal de saliência a estímulos
da atividade em áreas límbicas, produzindo os
e representações internas. Na visão de Kapur,
sintomas positivos da esquizofrenia (Figura 5.8).
isso poderia levar o sistema nervoso a desen-
Este modelo é atraente por agregar evidências
volver um esquema cognitivo para explicar as
de diferentes áreas. Faltam, no entanto, maio-
experiências aberrantes de saliência, o que es-
res comprovações empíricas.
taria na gênese de sintomas positivos, como as
Resta a questão de como um aumento de ati- ideias delirantes. Nessa proposta, drogas antip-
vidade dopaminérgica mesolímbica levaria aos sicóticas corrigiriam agudamente os efeitos de
sintomas positivos da esquizofrenia. Tem sido excesso da neurotransmissão dopaminérgica,
proposto por vários pesquisadores, dentre eles mas a latência para que se atinja o efeito má- Figura 5.8 •
o de origem indiana Shitij Kapur, que o sistema ximo dependeria da readaptação do sistema
dopaminérgico mesolímbico seria importante nervoso e consequente correção do esquema
para o processo denominado de saliência mo- cognitivo alterado.

Outros receptores, além dos D2' têm sido implicados na esquizofrenia. Observou-se recen-
temente, através da tomografia por emissão de pósitrons, uma diminuição de receptores DI no
córtex frontal de pacientes esquizofrênicos não tratados com antipsicóticos. Nessa região, os re-
ceptores DI têm expressão cerca de 10 vezes maior do que os D2' e estão localizados em dendritos
de células piramidais. Parecem ter papel importante na modulação de respostas a estímulos excita-
tórios aferentes, mediados por glutamato. Estudos comportamentais sugerem que este neurotrans-
missor regula a memória de procedimento, parecendo ser necessário um nível ótimo de ativação
neuronial, abaixo ou acima do qual o funcionamento é prejudicado. Após o uso prolongado, os
neurolépticos reduzem o número dos receptores DI' Já os receptores D3 e D4 estão concentrados
em regiões límbicas (Figura 5.5). A ativação de D3 parece ter efeito contrário à de D2' diminuindo
a atividade locomotora de animais. Por isso, alterações deste receptor foram relacionadas aos
sintomas negativos da esquizofrenia.
A afinidade preferencial da clozapina por receptores D 4 levou à sugestão de que suas proprie-
dades "atípicas" (ver adiante) decorrem da interação com este tipo de receptor. No entanto, esta
proposição tem sido posta em dúvida, já que: 1) alguns antipsicóticos clássicos têm alta afinidade
por D4' enquanto outros, considerados atípicos, não a apresentam (Tabela 5.2); 2) indivíduos
destituídos do receptor D4' devido à mutação genética, não parecem ter anormalidades psiquiátri-
cas; 3) o L 745870, um antagonista seletivo de D4' não mostrou efeitos antipsicóticos em estudos
clínicos iniciais.
Finalmente, propôs-se que, na esquizofrenia, receptores dopaminérgicos estão em estado perma-
nente de alta afinidade, devido a alterações de proteínas G regulatórias.
Medicamentos antipsicóticos 109

Hipótese de Weinberger

Córtex pré-frontal
+

Áreas límbicas

Neurônios
dopaminérgicos da
área tegmental
ventral

Normal

Figura 5.8 ~ Hipótese do desequilíbrio da neurotransmissão dopaminérgica na esquizofrenia.

Além da DA, outros neurotransmissores têm sido relacionados com a esquizofrenia. Entre eles
figuram noradrenalina, acetilcolina, GABA, endorfinas, canabinoides endógenos, serotonina (5-HT)
e glutamato. Os dois últimos têm sido os mais investigados. A neurotransmissão serotonérgica exer-
ce efeito modulatório sobre a dopaminérgica, glutamatérgica e outras. Um possível envolvimento da
5-HT com a esquizofrenia foi reforçado pela observação de que a clozapina apresenta alta afinidade
por receptores 5-HT2• A ritanserina, um antagonista de receptores 5-HT2A e 5-HT2C' diminuiu a in-
cidência de efeitos extrapiramidais adversos (ver Efeitos adversos dos antipsicóticos) e melhoraria
sintomas negativos quando combinada com o haloperidol. Surgiu, assim, a hipótese proposta por
Herbert Meltzer de que o bloqueio de receptores 5-HT2 melhora sintomas negativos e atenua os efei-
tos extrapiramidais, enquanto o bloqueio de receptores dopaminérgicos aliviaria os sintomas positi-
vos da esquizofrenia. Isso levou ao desenvolvimento do novo antipsicótico risperidona (ver adiante).
No entanto, algumas evidências têm sugerido que a relação da capacidade de antagonizar recep-
tores de DA e 5-HT não é o principal fator que diferencia antipsicóticos típicos dos atípicos. Entre
elas, estão: I) doses de risperidona que produzem grau de ocupância de receptores D2 estriatais
semelhantes aos observados com haloperidol também produzem efeitos extrapiramidais; 2) testes
em macacos de compostos com diferentes relações de bloqueio DA/5-HT mostraram que todos pro-
duzem distonia, à exceção da c1ozapina; 3) a ritanserina é incapaz de reverter a catalepsia induzi da
por altas doses de haloperidol em roedores. Desse modo, conforme será discutido posteriormente,
outras hipóteses têm sido propostas para explicar os efeitos dos antipsicóticos atípicos.
Vários resultados experimentais implicam o glutamato na esquizofrenia. Diversas alterações em
receptores desse neurotransmissor têm sido descritas em cérebros de pacientes esquizofrênicos, exa-
minados post mortem. Além disso, antagonistas de receptores do tipo NMDA, como a droga de abu-
so fencic1idina ou o anestésico de uso parenteral ketamina, produzem sintomas psicóticos. Enquanto
o quadro psicótico produzido pela anfetamina crônica lembra a esquizofrenia do tipo paranoide,
110 Fundamentos de Psicofarmacologia

Tabela 5.2 ~ Afinidade de diferentes antipsicóticos a receptores de dopamina (D" D2 e D4), serotonina seu USO mais
III (5-HT2A), muscarínicos, de histamina tipo 1 (H,) e alfa-1 adrenérgicos (u,). 'ler adiante), o
e a resistência ao
Droga D2 D, D. 5-HTzA Muscaríflicos(') a (2) H (3)
1 1 limitantes do
Amperozida 140 260 20 1700 130 730
Aripiprazol 3,40 265 44 3,40 >10000 57 61

II Clorpromazina
Clozapina
19
180
56
38
12
9,6
1,40
1,60
60
7,50
0,60
9
9,10
2,75
Flufenazina 0,80 15 9,30 19 2000 9 21
Haloperidol 4 45 10 36 >20000 6,20 1890
Loxapina 71 12 1,69 62 28 5
Melperona 199 230 32
Mesoridazina 5 13 >1000
Olanzapina 11 31 9,60 4 1,89 19 7,14
Perfenazina 1,40 5,60 1500 10
Pimozida 2,50 30 13
Pipamperona 93 2450 1,20 >5000 66 >5000
embora dentro
Ouetiapina 160 455 1164 294 120 62 11
Remixiprida 275 >10000 3690 >10000 >10000 >10000 >10000
Risperidona 3,30 750 17 0,16 >10000 2 59
Sertindole 0,45 28 21 0,38 >10000 0,77 500 síndromes não é
Sulpirida 7,40 >1000 52 >1000 >1000 >1000 parkinsonismo do
Outro concei
Tioridazina 2,30 22 12 17,8 10 1,10
pequena prope
Tiotixene 0,45 340 77 130 2500 11 6 síntomas negativ
Ziprasidona 0,42 525 32 0,42 >1000 10 47
Zotepina 84 5,80 0,63 550 3,40 3,40
A potência está expressa pela constante de inibição (Ki), em nM. O Ki é calculado a partir da ICSO pela fórmula Ki~ ICSO/(1 + [L]lKd),
onde [L] é a concentração do ligante. Portanto, quanto menor o Ki maior a afinidade. Consequências clínicas: (1)xerostomia (boca seca),
visão turva, retenção urinária, constipação, piora do glaucoma de ângulo fechado, (2)hipotensão postural, dificuldades de ejaculaçâo'",
sedação, ganho de peso (modificada de Baldessarini e Tarazi, 2006).

negativos seriam
com predominância de sintomas positivos, aquele produzido pela fencic1idina ou ketamina reproduz tar da ação da
tanto sintomas positivos quanto negativos, sendo considerado por alguns como o melhor modelo clozapina atua
farmacológico de esquizofrenia conhecido. O tratamento prolongado com haloperidol aumenta os Apesar dessas
sítios de ligação da fencic1idina no receptor NMDA, enquanto a clozapina inibe esta ligação e au- às terapêuticas
menta as concentrações de glutamato no córtex pré-frontal. esquizofrênicos
Foi sugerido pelo pesquisador Anthony Grace, da Universidade de Yale, que o glutamato facilita maior redução-dê
pré-sinapticamente a liberação de DA. Segundo ele, essa liberação em áreas límbicas dar-se-ia de entanto, já nos -
duas formas, uma fásica, decorrente da atividade dos neurônios dopaminérgicos da área tegmental relatavam que :=
ventral, e outra tônica, controlada por projeções glutamatérgicas corticais. Uma possível diminuição vos. Tais efeitos
da atividade cortical frontal diminuiria a liberação tônica de DA, levando à menor ativação de autor- Estudos contro
receptores dopaminérgicos inibitórios. Com isso, o sistema ficaria mais sensível a respostas fásicas Além dos d
de liberação de DA, que levariam ao aparecimento dos sintomas positivos da esquizofrenia.

Antipsicóticos atípicos
Apesar de um elevado número de substâncias com atividade antipsicótica ter sido identificado desde paciente como
a introdução da c1orpromazina, até meados da década de 1980 o progresso na terapêutica com estas três critérios fi
drogas deveu-se ao melhor conhecimento de sua farmacocinética e farmacodinâmica, permitindo uso parcial deles.
Medicamentos antipsicóticos 111
~-------;a--------------------------~-----------':1~"-

seu uso mais racional. No entanto, aspectos como a alta frequência de efeitos colaterais motores
(ver adiante), o fato de que os chamados sintomas negativos alteram-se muito pouco com seu uso,
e a resistência ao efeito benéfico observada em alguns pacientes esquizofrênicos permaneceram
limitantes do emprego terapêutico dos antipsicóticos típicos.
A procura de drogasque superassem estes problemas permitiu identificar um grupo reduzido de
novos antipsicóticos que contornavam alguns destes aspectos limitantes. Este grupo de drogas re-
cebeu a denominação genérica de antipsicóticos atípicos. Os autores divergem quanto ao conceito
de antipsicóticos atípicos, questionando-se até mesmo se estas drogas constituem um grupo inde-
pendente. Os critérios de inclusão variam desde a resposta a testes pré-clínicos até as características
da resposta clínica, passando por supostos mecanismos de ação e efeitos hormonais. No entanto, a
conceituação mais simples utiliza apenas um critério de inclusão, que é o de produzir efeito antip-
sicótico na maioria dos pacientes, em doses que não causam efeitos extrapiramidais importantes.
A determinação das drogas que satisfazem esse critério não é tão simples como parece. Uma
primeira dificuldade é que, em geral, os estudos comparam a propensão para produzir efeitos ex-
trapiramidais com o haloperidol, que tem grande propensão para tal. Levando-se ao extremo esta
comparação, correríamos o risco de considerar o primeiro antipsicótico, a clorpromazina, como
atípico, uma vez que produz menos efeitos extrapiramidais que o haloperidol, em razão da sua
maior ação anticolinérgica. Assim, uma comparação mais segura seria com a própria clorpromazina.
Outra dificuldade é que os efeitos extrapiramidais são, em geral, considerados de forma unitária,
embora dentro dessa denominação possam ser identificadas diferentes síndromes, como distonia
aguda, acatisia e parkinsonismo, com variadas manifestações e, provavelmente, fisiopatologia di-
versa. As escalas para medidas dos efeitos extrapiramidais, em geral, consideram o conjunto destas
síndromes. Sabemos, no entanto, que a propensão dos antipsicóticos atípicos para essas diferentes
síndromes não é a mesma. Assim, a risperidona, por exemplo, tem menor propensão para induzir
parkinsonismo do que acatisia.
Outro conceito de antipsicóticos atípicos considera que as drogas deste grupo, além de terem
pequena propensão para produzir efeitos extrapiramidais, apresentam efeitos benéficos sobre os
sintomas negativos. Os problemas deste critério começam pela determinação de quais sinais e sin-
tomas são considerados negativos. Outro complicador é que outras condições podem ter sintomas
que se confundem com os sintomas negativos da esquizofrenia. Entre elas estão: 1) efeitos extrapi-
ramidais dos antipsicóticos: particularmente, a acinesia mostra grande correlação com o relato de
sintomas negativos; 2) resposta adaptativa a sintomas positivos: como exemplo, pode-se mencionar
o retraimento social resultante da desconfiança paranoide; 3) episódios depressivos: podem ocorrer
na evolução da esquizofrenia, confundindo-se com sintomas negativos. Em tais casos os sintomas
negativos seriam secundários, e o efeito de um antipsicótico em reduzir tais sintomas poderia resul-
tar da ação da droga sobre a condição primária. Nesse contexto, desenrola-se a polêmica sobre se a
clozapina atua sobre sintomas negativos primários ou secundários.
Apesar dessas dificuldades, é amplamente aceito que os sintomas negativos são menos sensíveis
. terapêuticas habituais do que os sintomas positivos. Comprovando esta afirmação, verificou-se que
esquizofrênicos com início recente de sintomas, submetidos ao tratamento clínico habitual, apresentam
maior redução de sintomas positivos (psicóticos e desorganizados) do que de sintomas negativos. No
entanto, já nos primeiros anos de uso dos antipsicóticos, autores europeus, particularmente franceses,
relatavam que alguns deles apresentavam efeitos que poderiam sugerir ação sobre os sintomas negati-
·os. Tais efeitos receberam diferentes denominações, como desinibidor, antiautista, antideficitário etc.
Estudos controlados com escalas específicas para avaliação de sintomas negativos são mais recentes.
Além dos dois critérios de antipsicótico atípico, comentados anteriormente, existe um terceiro,
oem mais estrito, que inclui o fato de serem eficazes em pacientes resistentes aos antipsicóticos
:ipicos. Uma clara demonstração de maior eficácia foi obtida com a clozapina, no estudo clássico
ze John Kane e colaboradores, publicado em 1988, que utilizou critério rígido para considerar um
ciente como resistente ao tratamento e observou melhora em 30% deles. Assim, exigindo-se os
zês critérios mencionados, apenas a clozapina pode ser considerada como antipsicótico atípico. O
:lSO parcial deles, no entanto, permite a inclusão de outras drogas como atípicas.
112 Fundamentos de Psicofarmacologia

Por fim, além desses critérios clínicos (menor propensão para induzir efeitos extrapiramidais.
eficácia sobre sintomas negativos e eficácia em pacientes refratários aos antipsicóticos típicos), cri-
térios estritamente farmacológicos têm sido propostos na tentativa de explicar as diferenças entre
antipsicóticos típicos e atípicos. O objetivo desta abordagem é o de identificar mecanismos de ação
que sejam comuns aos antipsicóticos considerados atípicos (conforme os critérios clínicos), mas que
não estejam presentes nos típicos. Isto permitiria, em contrapartida, o desenvolvimento racional de
novos antipsicóticos com o perfil clínico de atípicos. A primeira dessas propostas, já mencionada..
foi a de Herbert Meltzer, ao final da década de 1980. Segundo ensaios de ligantes marcados (ver
Capítulo 1) realizados pelo grupo deste pesquisador, os atípicos teriam em comum o fato de serem
antagonistas tanto 5-HT2A quanto D2' com maior afinidade pelo primeiro. A serotonina, atuando via
receptores 5-HT2A,estimularia intemeurônios GABAérgicos, os quais inibiriam os neurônios dopa-
minérgicos. Dessa forma, antagonistas 5-HT2A favoreceriam a liberação de dopamina em determi-
nadas regiões do sistema nervoso central. No estriado, este efeito também poderia ocorrer pela ação
direta da serotonina em receptores 5-HT2A localizados em axônios dopaminérgicos. Além disso, foi
proposto que efeito agonista em receptores 5-HT1Apoderia também influenciar a neurotransmissão
dopaminérgica. A ativação de autorreceptores 5-HT1Ainibiria a atividade dos neurônios serotonérgi-
cos (ver Capítulo 6), favorecendo de forma indireta a liberação de dopamina.
Esta hipótese, bastante influente, tem direcionado o desenvolvimento de fármacos antipsicóticos..
Porém, ela vem sendo contestada, uma vez que não acomoda algumas observações importantes.
dentre as quais o fato de que a amisulprida, que tem o perfil clínico de antipsicótico atípico, atua
como antagonista seletivo de receptores D2' sem afinidade por receptores 5-HT2A.Uma teoria alter-
nativa, defendida principalmente por Shitij Kapur e Paul Seeman, postula que o perfil de ligação a05
receptores D2 seria necessário e suficiente para explicar a "atipicalidade". Tais autores observaram.
em ensaios in vitro com ligantes radiativos, que os antipsicóticos com perfil clínico de atípicos disso-
ciam-se mais rapidamente dos receptores D2, em comparação aos típicos. Segundo essa observação
pode-se supor que os primeiros seriam facilmente deslocados do receptor pela dopamina endógena,
possibilitando as ações fisiológicas desse neurotransmissor no estriado dorsal. Já os típicos, por
dissociarem lentamente, não permitiriam a ligação da dopamina nesses receptores, ocasionando
efeitos extrapiramidais.
Finalmente, uma nova abordagem tem sido a de se desenvolver fármacos que atuam não co
antagonistas D2' mas como agonistas parciais (ver Capítulo 1). Tais fármacos atenuariam o exce
de ativação de receptores D2 no estriado ventral (núcleo accumbens), pois competiriam com a do-
pamina pelos receptores e, ao se ligarem, reduziriam a sua ativação por possuírem menor atividade
intrínseca do que a própria dopamina. Desta forma, atenuariam os sintomas positivos da esquizo-
frenia. Por outro lado, ao substituír a dopamina nos receptores D2 do estriado dorsal, eles própri -
tendo discreta atividade intrínseca, não aboliriam a função desses receptores, evitando efeitos extra-
piramidais que se observam com os antagonistas. Além disso, pode-se argumentar que um agonisc
parcial aumentaria a atividade dopaminérgica na via mesocortical, atenuando os sintomas negativ
Em outras palavras, os agonistas parciais atuariam como "estabilizadores da neurotransmissão
paminérgica". Na verdade, não é recente a ideia de se desenvolverem agonistas parciais de recep-
tores de dopamina para o tratamento da esquizofrenia. Tal proposta foi feita inicialmente por AP
Carlsson, que conduziu estudos clínicos com o composto preclamol. No entanto, este último ind
efeitos consistentes a curto, mas não a longo prazo. Recentemente, o agonista parcial aripiprazol
introduzido tendo, de fato, o perfil clínico de antipsicótico atípico. Porém, estudos clínicos ainda -
necessários para sustentar a ideia de que essa estratégia pode ser mais interessante no que se refi
aos perfis de eficácia e efeitos colaterais.
Este ciclo de hipótese sobre os possíveis mecanismos de ação dos antipsicóticos atípicos ( -
tagonistas 5-HT/D2' antagonistas D2 de rápida dissociação, agonistas parciais de D2) constitui
exemplo interessante de aplicações dos conceitos básicos da Farmacologia para a compreensão
desenvolvimento de novos fármacos.
Não obstante a elegância destas hipóteses, tem-se questionado o significado, e mesmo a impee-
tância, do termo "atípico" para agrupar certos antipsicóticos, conforme já mencionado. De fato
Medicamentos antipsicóticos 113

influente estudo clínico CATIE (Clinical Antipsychotic Trials of Intervention Effectiveness), publi-
cado em 2006, bem como estudos de meta-análise mais recentes, mostraram que diversos "atipicos",
na verdade, não apresentam superioridade alguma diante dos "típicos". Além disso, foi verificado
através de estudos clínicos, associados à medida in vivo da ocupação de receptores D2' que é possí-
vel obter respostas terapêuticas dissociadas da presença significante de efeitos extrapiramidais com
doses baixas de antipsicótico típico como o haloperidol, que promovam ocupância de receptores D2
no estriado entre, aproximadamente, 70 e 80%.
Portanto, considerando a heterogeneidade destes fármacos, alguns dos antipsicóticos mais rele-
vantes da "classe" dos atípicos são discutidos a seguir.

Clozapina
Esta droga bloqueia o aumento da atividade locomotora produzido por agonistas dopaminérgicos
diretos ou pela anfetamina, mas não causa catalepsia. Também não produz aumento de receptores
D2' embora aumente o número de receptores DI' tal como a sulpirida. Estudos que utilizam a técnica
da detecção da expressão do c-fos (ver Capítulo 2) mostram que o padrão de ativação neuronial após
a clozapina difere fundamentalmente de neurolépticos como o haloperidol (Figura 5.9).
Na clínica, a clozapina é igualou superior aos antipsicóticos clássicos na melhora dos sintomas
positivos da esquizofrenia, mas também mostra efeitos em sintomas negativos. Além disso, 60%
dos pacientes que não respondem a neurolépticos típicos podem apresentar melhora com o uso da
clozapina. Assim como outros antipsicóticos, muitos efeitos adversos da clozapina decorrem da
alta afinidade que ela apresenta por receptores muscarínicos, adrenoceptores alfa-1 e HI' Também
diminui o limiar convulsivo. O maior problema da clozapina, no entanto, é o aparecimento eventual
de agranulocitose. Este quadro, de origem controversa, talvez com componentes imunológicos, ca-
racteriza-se pela redução acentuada do número de neutrófilos, tomando o paciente susceptível a in-
fecções graves. Com a melhor monitorização, a incidência do quadro diminuiu de 0,38% para 0,06%
um 'Vdt3iertL~ qU'C'uà'ilüíIfl11 t!rura:pflTd. 'lrd TI~TIld 'iurrrld, 11TIiUl\11'irlfdD'C qClC t;tfSWffláV"d 'l>TI.1TIl turriu

de 42% baixou para 19%. Mesmo assim, dada a gravidade e potencialletalidade da agranulocitose,
o uso de clozapina é restrito, na prática clínica, a casos refratários aos tratamentos convencionais.
O mecanismo de ação da clozapina é tema de intensa pesquisa, dificultada pela afinidade rela-
tivamente elevada que a droga apresenta por diversos receptores centrais (Tabela 5.3). O possível
envolvimento de diferentes tipos de receptores de dopamina (DI' D3 ou D4) ou de serotonina (5-HT2)

.' .
ontal medial
Estriado dorsal

Haloperidol Clozapina

Figura 5.9 ~ Principais áreas de expressão do c-fos, detectadas por imunocitoquímica (ver Capítulo 2),
após tratamento com diferentes antipsicóticos.
=-
---
~

_~ ••_o."
114 Fundamentos de Psicofarmacologia
---"_- ---'!4

foi aqui discutido. Alguns autores sugerem, no entanto, que os efeitos peculiares da clozapina decor-
!II rem de sua capacidade de funcionar como antagonista de múltiplos receptores.

Sulpirida
Estudos com animais de laboratório mostram que a diferença entre as doses desta droga que anta-
gonizam o aumento de locomoção produzida por anfetamina, daquelas que produzem catalepsia, é
muito maior do que o que se verifica com o haloperidol. Na clínica, a incidência de efeitos extrapi-
ramidais agudos é menor, e estudos não controlados sugerem menor incidência de discinesia tardia,
com uso prolongado. A sulpirida é catalogada como antagonista D2 seletivo, embora também tenha
certa afinidade por D3' Dissocia-se facilmente dos receptores D2' o que pode explicar o seu perfil de
atípico, à luz da hipótese de Seeman e Kapur. De forma semelhante à clozapina, com o uso prolonga-
do aumenta o número de receptores DI' mas não D2' centrais. Os efeitos colaterais mais importantes
dessa droga estão relacionados à elevação dos níveis de prolactina no sangue, talvez decorrente da
penetração da droga mais facilmente na hipófise do que no encéfalo. A amissulprida tem caracterís-
ticas muito semelhantes à sulpirida, atuando também como antagonista seletivo D/D3 com rápida
dissociação dos receptores. Outros antagonistas D2 seletivos são o raclopride e o remoxipride. Estes,
porém, dissociam-se lentamente dos receptores e, de fato, têm o perfil mais condizente com o de
antipsicóticos típicos, podendo induzir efeitos extrapiramidais em doses que atenuam os sintomas
positivos. São, no entanto, ferramentas farmacológicas de grande importância.

Risperidona e paliperidona
A risperidona foi desenvolvida a partir da observação dos efeitos do uso combinado do antagonis-
ta 5-HT2, ritanserina, com o haloperidol. Ela é potente antagonista de receptores 5-HT2A, 5-HT __
adrenoceptores alfa-I e alfa-2 e HI' Comparativamente ao bloqueio 5-HT2, sua capacidade de an-
tagonizar D2 é menor, embora em termos absolutos seja similar à do haloperidol. Estudos iniciais
sugeriram que tivesse certo efeito terapêutico em sintomas negativos, mas trabalhos mais recentes
não conseguiram concluir que a risperidona e outros agentes atípicos (com exceção da clozapina
sejam mais eficazes do que os antipsicóticos tradicionais. Em dosagem habitual, a incidência de
efeitos extrapiramidais é menor que a do haloperidol, embora estes sintomas apareçam com doses
maiores. Recentemente foi introduzido na clínica a paliperidona, o metabólito ativo da risperidona..
Ela vem sendo empregada na clínica sob forma de liberação lenta, via um sistema de liberação oral
controlado por osmose. Embora esta forma de administração ocasione flutuações menores nas con-
centrações plasmáticas da droga, foi verificado que a dose de risperidona que produz concentrações
de sua fração ativa similares às concentrações obtidas com a paliperidona de liberação lenta causa
aumentos similares de prolactina. Além disso, em doses entre 6-9 mg/dia, essa formulação da pali-
peridona produz ocupância de receptores D2 entre 70-80%, similar à obtida em doses terapêuticas
de outros antipsicóticos.

Olanzapina
Esta droga tem estrutura química e propriedades farmacológicas muito semelhantes às da clozapi-
na. Assim como esta, apresenta afinidade por amplo espectro de receptores, incluindo DI' D2' D_
5-HT2A, 5-HT2C' HI' alfa-l e muscarínicos. Estudos clínicos têm demonstrado que ela aprese
eficácia pelo menos igual à do haloperidol. Sua eficácia terapêutica, em comparação à clozapina,
ainda está por ser estabelecida. A grande vantagem em relação a esta última é o fato de não ter si
verificado nenhum efeito significante sobre os parâmetros hematológicos. Deve ser administrada
com cautela em pacientes com distúrbios cardíacos e cerebrovasculares devido à possibilidade
hipotensão, e em hepatopatas. Os possíveis problemas metabólitos associados ao seu emprego -
discutidos adiante.

Aripiprazol
Primeiro antipsicótico a atuar por um mecanismo que não seja o antagonismo de receptores U:-
Aparentemente, atua como agonista parcial nesses receptores. Apresenta, também, afinidade
Medicamentos antipsicóticos 115

receptores de serotonina, sendo antagonista ou agonista parcial 5-HT2 e 5-HTIA, o que ainda deixa
dúvidas sobre a relevância desses outros receptores para o efeito clínico do aripiprazol. Ele atenua a
hiperlocomoção induzida pela anfetamina, mas reverte determinados efeitos da reserpina (substân-
cia que depleta dopamina), condizente com o perfil de agonista parcial. As doses necessárias para
droga que anta- induzir catalepsia são maiores do que aquelas que antagonizam os efeitos da anfetamina. De fato,
em catalepsia, é estudos clínicos têm demonstrado um perfil favorável no que se refere aos efeitos extrapiramidais,
de efeitos extrapi- mesmo em doses que induzem ocupação de cerca de 90% de receptores D2 no estriado. Ao contrário,
discinesia tardia, portanto, dos demais antipsicóticos, que, sendo antagonistas, induzem efeitos extrapiramidais signi-
também tenha ficativos quando ocupam acima de 70%, conforme discutido anteriormente.
o seu perfil de Os ensaios clínicos demonstram que é superior ao placebo no tratamento da esquizofrenia e pelo
o uso prolonga- menos tão eficaz quanto a risperidona e o haloperidol. Como não chegou a ser avaliado no ensaio
mais importantes CATIE, sua eficácia em um quadro mais real comparado a outros atípicos e a perfenazina ainda é
rez decorrente da desconhecida. Estudos pré-clínicos e clínicos de pequena escala sugerem que o aripiprazol possua,
tem caracterís- além de propriedades antipsicóticas, também antimaníacas e antidepressivas.
DjI\ com rápida
remoxipride. Estes, Outros medicamentos antipsicóticos,
ondizente com o de novas indicações e perspectivas futuras
Ia:<~uam os sintomas
Outras drogas recentes incluem a quetiapina, zotepina, sertindole e ziprazidona. Todas elas possuem
propriedades farmacológicas complexas, como antagonismo de receptores D4 (quetiapina), 5-HT2
(sertindole, zotepina, quetiapina), 5-HT2C e 5-HTlD (ziprazidona), agonismo de receptores 5-HTIA
(ziprazidona), aumento de liberação de dopamina no córtex pré-frontal dorsolateral (ziprasidona) e
inibição de recaptação de noradrenalina e serotonina (ziprasidona).
Estudos mais recentes têm mostrado que diversos antipsicóticos atípicos são também eficazes
em transtornos de humor. Todos são antimaníacos eficazes e provavelmente o início do efeito
é mais rápido do que com o lítio (ver Capítulo 6). Também têm sido empregados como agentes
coadjuvantes ou potencializadores de drogas antidepressivas, como a fluoxetina, no tratamento de
depressão unipolar, sendo que a quetiapina foi recentemente aprovada nos Estados Unidos como
monoterapia em depressão bipolar.
eçam com doses
Além dessas drogas, novas estratégias estão sendo exploradas para o desenvolvimento de an-
o da risperidona.
tipsicóticos. Embora tenha sido sugerido que o bloqueio DI também possa ter papel no tratamento
de liberação oral
da esquizofrenia, ensaio clínico com o antagonista DI seletivo SCH-39166 não mostrou efeito te-
rapêutico. As estratégias não dopaminérgicas mais estudadas têm girado em tomo do glutamato.
uz concentrações
Inibidores da captação de glicina, um coagonista dos receptores NMDA de glutamato, revertem a
iberação lenta causa
hiperatividade motora e o prejuízo de inibição pré-pulso induzido em animais de laboratório. Além
formulação da pali-
disso, substâncias que atuam em receptores metabotrópicos deste neurotransmissor também têm
doses terapêuticas
sido investigadas.

Novas drogas para tratamento de déficits


cognitivos na esquizofrenia
Embora déficits cognitivos observados em pacientes esquizofrênicos tenham sido um dos princi-
pais aspectos identificados quando do reconhecimento desse transtorno, chamado inicialmente de
dementia praecox (demência precoce), eles foram, durante bastante tempo, pouco considerados do
ponto de vista terapêutico. Na última década, no entanto, passaram novamente a ser vistos como
ser administrada de grande importância na evolução favorável do paciente. Pacientes esquizofrênicos apresentam,
à possibilidade de em média, prejuízos de um desvio padrão em várias habilidades cognitivas (atenção, velocidade de
processamento, memórias de longo prazo e de trabalho, funções executivas e cognição social), que
não respondem aos antipsicóticos convencionais. Dentre as novas abordagens farmacológicas que
estão em desenvolvimento incluem-se drogas nicotínicas (principalmente agonistas parciais ou mo-
duladores alostéricos de receptores nicotínicos a4~2 ou a7), facilitadores do sistema glutamatérgico
(agonistas e inibidores de recaptação de glicina, potencializadores alostéricos de AMPA, agonistas
rnGlu2l3 e dopaminérgico mediado por receptores DI (DAROlOO). Em relação a esta última aborda-
116 Fundamentos de Psicofarmacologia
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gem foi verificado que o bloqueio crônico de receptores D2 pode levar à diminuição de receptores DI
no córtex pré-frontal, o que poderia, segundo alguns, ser um fator agravante dos déficits cognitivos.

Efeitos adversos dos antipsicóticos


Além do efeito terapêutico, o bloqueio de receptores dopaminérgicos também é responsável por
muitos dos efeitos colaterais dos antipsicóticos (Tabela 5.3).
O bloqueio do efeito inibitório da DA na secreção de prolactina, na via túbero-infundibular, eleva
a concentração plasmática desse hormônio, com consequente aumento de tamanho e sensibilidade
dos seios, diminuição da libido, amenorreia e galactorreia em mulheres e ginecomastia em homens.
A via mesoestriatal participa da regulação da atividade motora. Como discutido anteriormente,
por bloquearem receptores dopaminérgicos estriatais os antipsicóticos típicos podem fazer surgir
efeitos adversos extrapiramidais. Estes incluem a síndrome de Parkinson, reações distônicas agu-
das, acatisia, acinesia e síndrome neuroléptica maligna, explicadas adiante. A incidência destes
efeitos é bastante elevada, podendo chegar a até 90% nos estudos iniciais com doses elevadas de
antipsicóticos típicos, e costuma se dar nas primeiras semanas de tratamento. A ocorrência é usual-
mente bem menor com os antipsicóticos atípicos.
A síndrome de Parkinson carateriza-se por lentidão dos movimentos (bradicinesia), tremor
variável das extremidades (aumenta com a movimentação e está abolido no sono), imobilidade da laterais da
expressão facial (fácies inexpressivo), alteração da marcha e postura rígida.
Reações distônicas agudas também podem ocorrer, apresentando espasmos dos músculos da
face, pescoço e língua. Tanto estas quanto os sintomas de Parkinson respondem a anticolinérgicos.
A acatisia refere-se a estado de desconforto intenso nos membros inferiores, acompanhado da
incapacidade de ficar com as pernas paradas. Embora a fisiopatologia desse distúrbio não seja bem
conhecida, pode haver benefício no tratamento com agentes antiparkinsonianos, ansiolíticos benzo-
diazepínicos (ver Capítulo 7)r ou propranolol. Diferente de outras manifestações extrapiramidais, a
ocorrência de acatisia não parece ser significativamente menor com os antipsicóticos atípicos quan-
do comparados com os típicos.
Estudos utilizando tomografia por emissão de pósitrons mostraram que pacientes com efeitos
adversos extrapiramidais têm grande ocupância de receptores D2 no estriado (75% a 80%). Por ou-

Tabela 5.3 ~ Incidência relativa de alguns efeitos colaterais dos antipsicóticos.

Hipotensão Ganho de aumenta o


Extrapiramidais Antimuscarínicos 1 posturaF Sedação" peso
Clorpromazina ++ ++ ++ +++ +++
Flufenazina ++++ + + + ++
Tioridazina + +++ +++ +++ ++
Haloperidol ++++ + + + +/-
Clozapina O +++ +++ +++ +++
Risperidona ++ + ++ ++ ++
Olanzapina + ++ ++ + +++
Pimozida +++ + + + +/-
Quetiapina O + ++ +++ ++
Ziprasidona 0/+ + + +/++ +/-
Aripiprazol O 0/+ 0/+ 0/+ +/-
Sulpirida + + 0/+ + +
'Boca seca, constipação, visão turva, retenção urinária etc.
'Decorrente de bloqueio de adrenoceptores alfa-1.
'Decorrente de bloqueio de receptores H, de histamina.

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