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O Grupo Operativo
como Instrumento
Terapêutico-Pedagógico
de Promoção à Saúde
Mental no Trabalho
http://dx.doi.org/10.1590/1982-370302512013
Artigo
Resumo: O presente texto é uma síntese das experiências profissionais vivenciadas junto a
um grupo operativo constituído por cuidadores do Programa Maior Cuidado, da Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte. Apresenta as análises das condições de trabalho enfrentadas
por estes profissionais e sua participação na gênese e desenvolvimento de fenômenos
psicopatológicos. Esta empreitada permitiu a sistematização de alguns fatores envolvidos
na psicodinâmica do adoecimento do trabalhador-cuidador, as possibilidades de superação
e as limitações inerentes ao processo. Fundamentou-se em algumas noções de Grupo
Operativo de Pichon-Rivière e nas pesquisas em Psicodinâmica do trabalho desenvolvidas
por Christophe Dejours.
Palavras-chave: Saúde Mental. Condições de Trabalho. Promoção da Saúde.
Abstract: The present study analyzes the professional experiences of an operative group
composed of caregivers of the Greater Care Program of the City of Belo Horizonte. It presents
analyses of the working conditions encountered by these professionals and their participation
in the genesis and development of psychopathological phenomena. This contract allowed the
systematization of some factors involved in the psychodynamics of illness of the worker or
caregiver, the opportunities for overcoming this, and the limitations inherent in the process.
It was based on notions of the Operative Group of Pichon–Riviere and research in the
psychodynamics of work developed by Christophe Dejours.
Keywords: Mental Health. Working Conditions. Health Promotion.
Resumen: El presente texto es una síntesis de las experiencias profesionales vividas junto a un
grupo operativo constituido por los cuidadores del Programa Cuidado Mayor de la Prefectura
Municipal de Belo Horizonte. El texto presenta el análisis de las condiciones de trabajo
enfrentadas por estos profesionales y su participación en la génesis y desenvolvimiento de
fenómenos psicopatológicos. Esta vivencia permitió una sistematización de algunos factores
envueltos en la psicodinámica del padecimiento del trabajador-cuidador, las posibilidades
de superación y las limitaciones inherentes al proceso. Asimismo, este trabajo se encuentra
ancorado en algunas concepciones del Grupo Operativo de Pichón-Rivière y en las pesquisas
del trabajo desarrolladas por Christophe Dejours con psicodinámica.
Palabras clave: Salud Mental. Condiciones de Trabajo. La Promoción de la Salud.
O suporte dado aos idosos frágeis e aos psicólogo do NASF e uma coordenadora do
seus familiares representa um desafio para projeto vinculada ao CRAS de determinada
o sistema de saúde brasileiro e tem suscitado região de Belo Horizonte.
estudos variados. Trata-se de um fenômeno
que demanda reordenamento da atenção
política, na medida em que traz implica-
As origens de uma demanda
ções econômicas, previdenciárias, sociais e
“Em vão sofrera o operário
assistenciais. Motivada por estas questões, a
Prefeitura de Belo Horizonte criou em 2009 Sua primeira agressão
o Programa Maior Cuidado, que promove
ações de proteção e segurança para a pessoa Muitas outras seguiram
idosa. O Projeto Cuidador de Idosos é uma
das ações deste Programa e consiste no Muitas outras seguirão.
acompanhamento domiciliar da rotina de
idosos semidependentes e dependentes em Porém, por imprescindível
situação de vulnerabilidade social. Trata-se
Ao edifício em construção
de contextos familiares marcados pela fra-
gilização dos vínculos familiares e sociais e
Seu trabalho prosseguia
pela ausência de acesso às possibilidades de
inserção e habilitação social e comunitária. O E todo seu sofrimento
Projeto Cuidador é coordenado pela Secreta-
ria Municipal de Assistência Social (SMAAS), Misturava-se ao cimento
com a cogestão da Secretaria Municipal de
Saúde e é monitorado em nível local pelos Da construção que crescia.”
Centros de Referência da Assistência Social (Moraes, 1982, p. 51).
(CRAS). Consiste numa iniciativa de caráter
intersetorial pioneira no país e por isso seus Os cuidadores de idosos frágeis enfrentam
operadores estão sujeitos aos desafios ine- situações adversas no trabalho que por sua
rentes a uma práxis em construção. natureza, frequência e complexidade, exigem
grande envolvimento emocional e cognitivo.
Este artigo é uma síntese das experiências Os estressores inerentes à atividade do cuida-
construídas em conjunto com um grupo dor podem se intensificar de acordo com o
de profissionais cuidadores. Tenta respon- contexto social e familiar no qual o idoso está
der a uma parcela dos questionamentos inserido, além de suas limitações e patologias
emergentes no cotidiano desta política em (doenças crônicas, neurodegenerativas, trans-
movimento e colaborar com a consolidação tornos psiquiátricos…), recursos econômicos
de seus pressupostos. e sociais de apoio e sua dinâmica familiar.
No cotidiano de trabalho, estes elementos se
O grupo operativo objeto deste estudo iniciou- mesclam e se apresentam como problemas
se em dezembro de 2011 e caracteriza-se por de difícil manejo, já que sua resolutividade,
ser uma intervenção permanente de promoção geralmente, depende da confluência de ações
à saúde. Sua concepção foi instigada pelas intersetoriais (Serviços de Saúde, Assistência
questões emergentes da prática dos cuidadores Social, etc.).
do Programa Maior Cuidado da Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte. Consiste numa Conflitos éticos e psicológicos são comuns
iniciativa de promoção e educação em saúde em situações que exigem do agente uma
que articula setores da saúde (Núcleo de ação para a qual ele não tem os recursos
Apoio à Saúde da família/NASF e Equipes de psicológicos, técnicos e/ou materiais para sua
Saúde da Família/ESF) e da Assistência Social execução. Isto significa que os cuidadores
(Centro de Referência da Assistência Social/ estão sujeitos a experimentarem sentimentos
CRAS). Os encontros acontecem mensalmente de insatisfação, impotência e ficarem vulne-
com a participação de cinco cuidadores, um ráveis à psicopatologia do trabalho.
Nota-se, com isto, que a cooperação apenas O Grupo Operativo iniciou-se em outubro
é concretizada se os trabalhadores possuem de 2011 e desde então ocorre mensalmente.
o desejo de cooperar, isto é, estão subje- Em cada encontro, os participantes são con-
tivamente mobilizados. Isto ocorre porque vidados a debater e refletir sobre as questões
a mobilização subjetiva “é constituída pela que envolvem o trabalho. A ideia consiste
possibilidade de ação coordenada visando à em levantar as possibilidades de intervenção,
construção de um produto comum com base isto é, elaborar estratégias e táticas mediante
na confiança e na solidariedade” (Ghizoni, as quais os cuidadores podem intervir nas
2013, p. 101). situações e provocar transformações. Para
tanto, lança-se mão de atividades de apren-
dizagem, treinamento e tarefa que atuam
O último fator, mas não o menos importante, é
como processo terapêutico.
o reconhecimento. Dejours e Molinier (2008)
explicam que o reconhecimento é uma experi-
ência fundamentalmente simbólica que veicula As técnicas empregadas pelo coordenador
dois significados: reconhecimento da realidade do grupo (Psicólogo/Nasf) visam à ampliação
que representa a contribuição individual à dos recursos comunicacionais e à capacidade
organização do trabalho; e reconhecimento de compreensão das práticas de cuidado
no sentido de gratidão pela contribuição dos e seus efeitos na subjetividade. Espera-
trabalhadores à organização do trabalho. se que o grupo possa constituir-se como
espaço de ressignificação de experiências,
aprendizagem e de criação de alternativas
Lima (2013) corrobora esta hipótese quando
para o sofrimento gerado no trabalho. Os
problematiza o trabalho na contemporanei-
encontros grupais estruturam-se em três eixos
dade. Para a autora:
analítico-metodológicos:
As formas atuais de organização do
trabalho ameaçam a possiblidade de a) Diálogo: a importância do diálogo é
reconhecimento justamente porque amplamente corroborada em vários estudos.
não favorecem a construção de rela- Rogers (1961/2012) demonstra o quanto é
ções solidárias e cooperativas. Tais enriquecedor para o crescimento pessoal,
entraves podem ser intensificados pela inserir-se numa relação onde há canais
avaliação individualizada do desempe-
abertos, através dos quais as pessoas podem
nho, pelas formas precárias de trabalho
comunicar seus sentimentos e mundos per-
como a terceirização, pelas estratégias
adotadas pela qualidade total, a forte ceptivos particulares.
concorrência e o individualismo, den-
tre outras características deste cenário, Dejours (2008), por sua vez, acredita que
que conduzem a uma extrema pressão o acesso à inteligibilidade dos fenômenos
no trabalho e, concomitantemente, ao contribui para o desvelamento da realidade
isolamento e solidão do trabalhador do sofrimento e de seu relacionamento dinâ-
(Lima, 2013, p. 354).
mico com a subjetividade. A palavra tem um
estatuto privilegiado, pois torna cognoscível
Em síntese, pode-se dizer que os fatores aqui aquilo que sem mediação simbólica perma-
descritos são expressões de um saber-fazer nece sob o véu do sintoma.
e explicam, em parte, a gênese e desenvol-
vimento da psicodinâmica do trabalho. Nos Essa propriedade da linguagem deve-
encontros com os cuidadores estes elementos se ao fato de que falar com alguém é
para mudança, alteridade, aspectos socio- prática, não dependem de sua ação exclusiva.
econômicos do envelhecimento, direitos Tais experiências geram sensações de frustra-
da pessoa idosa serviram de subsídio teó- ção e impotência perenes, vividas como algo
rico-prático para a reflexão e compreensão difuso e ameaçador. Por meio de uma medida
parcial das questões vivenciadas. defensiva contra o sofrimento, o desejo de
cuidar sofre um deslocamento de objeto e é
Saber técnico redirecionado para o sujeito da ação sob a
forma de demanda de ser cuidado e acolhido.
Os trabalhadores percebem que a gênese e Cançado e Sant’Anna (2013) esclarecem a
o desenvolvimento do sofrimento vinculam- importância destes mecanismos na economia
se, em parte, a sensação de incompetên- da saúde mental. Recorrem a Freud para
cia técnica para resolução de problemas propor a seguinte definição:
emergentes na prática diária de cuidado.
Pode-se entender como mecanismos
A maioria dos idosos acompanhados tem
de defesa o conjunto de operações
enfermidades crônicas (transtornos neu- que visam mitigar perigos à integri-
ropatológicos, distúrbios metabólicos, dade psíquica do indivíduo, que são
deficiência física, etc.) que demandam decorrentes de elementos recalcados
atenção cuidadosa e especializada. O des- de seu nível de consciência. Emergem
conhecimento dos fatores que participam de suas dificuldades de elaborar, em
destes processos e das possibilidades de nível consciente, determinados conte-
manejo em situações agudas intensifica a údos e representações retidas a priori
sensação de impotência constituindo-se em seu registro inconsciente (Cançado
& Sant’Anna, 2013, p. 249).
como fator gerador de ansiedade.
intransponíveis que colocam em risco a saúde frente, mas andasse para trás, isso então
do trabalhador. Mas, se Dejours está correto seria desesperador; mas uma vez que
em dizer que o trabalho pode ser fonte tanto está escalando uma encosta íngreme,
de sofrimento, quanto de prazer, resta-nos tão íngreme quanto você próprio é visto
criar novas perspectivas. de baixo, os passos para trás podem ser
causado apenas pela condição do ter-
Se você estivesse cruzando uma pla- reno e você não precisa se desesperar
nície com a firme intenção de ir em (Kafka, 2011, p. 191).
Ghizoni, L. D. (2013). Cooperação. In M. A. Rogers, C. R. Tornar-se pessoa. (2012). São Paulo, SP:
Mendes, A. R. C. Merlo, & F. O. V. Vieira, Martins Fontes. (original publicado em 1961).