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RESUMO
Este estudo teve por objetivo apresentar um programa de intervenção grupal com pais
de adolescentes em processo da escolha da carreira. Vinte e dois pais com filhos
adolescentes matriculados no ensino médio participaram de oito sessões semanais. A
intervenção e análise dos dados foram desenvolvidas com base no referencial teórico-
metodológico do grupo operativo de Pichon-Rivière. As sessões foram registradas por
três observadores e o material coligido foi submetido à análise de conteúdo temática.
Desta análise emergiram as categorias: expectativas quanto ao futuro profissional dos
filhos, o posicionamento frente ao processo de escolha da carreira, o processo de
separação pais-filhos, e as contribuições do Grupo de Orientação de Pais. Os resultados
mostram que os pais investiram maciçamente na formação educacional de seus filhos,
revelando elevadas expectativas quanto ao seu futuro. Os pais puderam refletir sobre
seus sentimentos ambivalentes e ressignificar seu envolvimento nas escolhas iniciais de
carreira dos adolescentes. O grupo operativo mostrou ser uma estratégia apropriada para
a intervenção, proporcionado a participação mais ativa dos pais no processo de
orientação profissional dos filhos.
Palavras-chave: orientação vocacional; escolha da carreira; apoio parental; orientação
de pais; grupos operativos.
ABSTRACT
This study aimed to present a group intervention program with parents of adolescents
facing career choice process. Twenty-two parents with teenage children enrolled in high
school participated in eight weekly sessions. The intervention and data analysis were
developed based on the theoretical-methodological reference of Pichon-Rivière
operative group. Sessions were recorded by three observers and the collected material
was subjected to the thematic content analysis. From this analysis, the following
categories emerged: expectations regarding children´s professional future, the place they
assumed when facing the career choice process, the process of parent-child separation,
and the contributions of the Parent Guidance Group. Results showed that parents
invested heavily in the education background of their children, showing high
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expectations about their future. Parents were able to reflect on their ambivalent feelings
and redefine their involvement in the early career choices of adolescents. The operative
group proved to be an appropriate strategy for intervention, providing more active
participation of parents in the process of vocational guidance of their children.
Keywords: career guidance; career choice; parental support; parents guidance;
operative groups.
RESUMEN
Este estudio tuvo como objetivo presentar un programa de intervención grupal con los
padres de adolescentes en proceso de elección de carrera. Veintidós padres con hijos
adolescentes matriculados en la escuela secundaria asistieron ocho sesiones semanales.
Se desarrolló el análisis de intervención y los datos basado en el marco teórico y
metodológico del grupo operativo de Pichon-Rivière. Las sesiones fueron grabadas por
tres observadores y el material obtenido fue sometido a análisis de contenido temático.
A partir de este análisis surgieron las siguientes categorías: las expectativas sobre el
futuro profesional de los niños, la posición frente al proceso de elección de carrera, el
proceso de separación entre padres y hijos, y las contribuciones del Grupo de
Orientación de Padres. Los resultados muestran que los padres han invertido mucho en
la formación educativa de sus hijos, dejando al descubierto grandes expectativas sobre
su futuro. Los padres fueron capaces de reflexionar sobre sus sentimientos ambivalentes
y replantear su participación en las elecciones de carrera tempranas de los adolescentes.
El grupo operativo demostrado ser una estrategia adecuada para la intervención,
proporcionando una participación más activa de los padres en el proceso de orientación
profesional de los niños.
Palabras clave: orientación vocacional; elección de carrera; apoyo parental; orientación
de los padres; grupos operativos.
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os que buscam realizar uma carreira universitária (Almeida, & Melo-Silva, 2011;
Duarte, Melo-Silva, Santos, & Bonfim, 2005; Romanelli, 2003a; Whitaker, 1997).
Em relação à influência parental sobre o desenvolvimento da carreira dos filhos,
a literatura tem apontado para diferentes direções, o que justifica a realização de novos
estudos. Por exemplo, pesquisa realizada na Indonésia com jovens do ensino médio
apontou que as expectativas parentais estão associadas direta e indiretamente com as
aspirações de carreira dos adolescentes, pela via da autoeficácia e dos efeitos das
expectativas dos próprios adolescentes (Sawitri, Creed, & Zimmer-Gemback, 2014).
Por outro lado, estudo conduzido em Taiwan, com o objetivo de verificar a influência
parental para escolha do curso superior, encontrou que a maioria dos estudantes parecia
ter escolhido sua graduação sem muita influência dos pais (Lin, 2011).
Os estudos que relacionam a escolha de carreira pelos adolescentes com o
investimento parental apontam consistentemente para as diferenças de gênero, ou seja,
filhos do gênero masculino recebem mais investimento por parte dos pais em suas
escolhas profissionais. Hopcroft (2005) investigou a hipótese de Trivers-Willard,
segundo a qual existe uma interação entre o status individual e o investimento na prole,
de modo que os indivíduos de elevado status investiriam mais nos meninos e os de
baixo status alocaram mais seus recursos nas meninas, que alcançariam maior nível
educacional. Os dados apoiaram a hipótese, usando anos de educação alcançados como
uma medida indireta do investimento dos pais. Canec e Okten (2010) mostraram que o
rendimento do pai e seu status ocupacional são fatores que influenciam o filho na
escolha de uma carreira de maior risco em termos de remuneração, como negócios, em
comparação com ocupações menos arriscadas, como educação ou saúde.
Outros estudos têm reiterado a relevância do relacionamento com os pais e do
suporte familiar (Tziner, Oren, & Caduri, 2014; Tziner, Loberman, Dekel, & Sharoni,
2012). Desse modo, é possível afirmar que o desenvolvimento vocacional dos
adolescentes inclui a interface com os processos parentais e ocorre dentro de um
contexto familiar influenciado por uma miríade de fatores, que incluem papéis
familiares, estrutura familiar, disponibilidade de capital financeiro, humano e social,
relação que a família estabelece com o trabalho e as condições sociais e históricas que
afetam a família (Bryant et al., 2006). Esses fatores familiares contextuais modulam a
compreensão que se tem atualmente acerca da influência do investimento parental no
desenvolvimento vocacional dos adolescentes.
Ao investigar a relação entre estilos parentais, instabilidade de metas e indecisão
vocacional em uma amostra de adolescentes do terceiro ano do ensino médio, o estudo
de Magalhães, Alvarenga e Teixeira (2012) mostra que uma combinação adequada de
apoio afetivo e exigências quanto ao cumprimento de normas, com a característica do
estilo parental autoritativo, parecem favorecer o desenvolvimento dos filhos. No que
tange ao desenvolvimento da carreira, a construção da identidade ocupacional está
diretamente vinculada à identidade pessoal. Nesse sentido, a família tem um papel
fundamental nas relações que o indivíduo estabelece ao longo da vida (Medeiros,
Gonçalves-dos-Santos, & Melo-Silva, 2013). Esses resultados são congruentes com o
que apontam Moraes e Lima (2014), que destacam que os pais se preocupam com a
escolha e o futuro profissional dos filhos, estabelecendo diálogo para tentar fornecer
informações sobre as profissões e a continuidade dos estudos. As autoras destacam,
ainda, que os pais manifestam o desejo de que os filhos busquem sua satisfação pessoal
e profissional.
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MÉTODO
REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
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PARTICIPANTES
PROCEDIMENTO
COLETA DE DADOS
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1998b). Maiores detalhes sobre o modelo de intervenção adotado com pais podem ser
obtidos em Almeida (2009) e sobre os desdobramentos da intervenção podem ser
consultados no estudo longitudinal de Almeida (2014).
Cada sessão grupal era estruturada em dois momentos: (a) definição do
disparador temático, relacionado com o eixo da sessão, mediante o uso de técnicas para
estimular o debate dos eixos temáticos; e (b) grupo operativo, centrado na tarefa
proposta pela coordenadora. A tarefa explícita dos pais era refletir sobre o processo da
escolha profissional e o papel que exerciam na construção da carreira dos filhos. A
tarefa implícita era a superação de obstáculos (resistências) da comunicação, próprios da
interação grupal e, concomitantemente, a expressão de ideias, sentimentos e
posicionamentos que mantinham junto aos filhos.
Nessa dinâmica, o emergente grupal caracteriza-se por ser resultado do interjogo
de forças contraditórias atuantes: conteúdos manifestos (explícitos) versus conteúdos
latentes (implícitos). Para Pichon-Rivière (1998a), todo conteúdo manifesto na
comunicação (situação explícita) prevê a existência do conteúdo latente (situação
implícita). A finalidade do grupo operativo é a aprendizagem, ou seja, preparar as
condições favoráveis que possibilitem o salto qualitativo do grupo na tomada de
consciência de seus sentimentos e papéis assumidos e adjudicados.
Para fazer fluir a comunicação dos pais no grupo, a intervenção foi baseada na
análise do conteúdo emergente e nas relações do grupo com a tarefa: pensar sobre a
construção da carreira dos filhos. Assim, foram observados, no processo grupal, os
Vetores do Cone Invertido, com o objetivo de examinar como o grupo abordava a tarefa
de superar suas resistências, transformando a situação implícita em explícita. São cinco
os vetores definidos por Pichon-Riviére (1998a): (a) afiliação (primeiro nível de
identificação entre os membros) e pertença (identificação profunda, com adoção de
normas que regem o grupo); (b) cooperação (capacidade de colaborar com papéis
complementares na execução da tarefa); (c) pertinência (o centrar-se na tarefa, vencendo
resistências à mudança); (d) comunicação (relação entre os membros e com o
coordenador); (d) aprendizagem (integração das informações veiculadas pelos
membros, provocando modificações qualitativas); (e) Tele (disposição do grupo para
com a tarefa, dos membros entre si e com o coordenador).
As sessões foram estruturadas de acordo com as estratégias de ação descritas em
estudo anterior (Almeida, 2009).
1. Expectativas dos pais. Os conteúdos abordados na primeira sessão foram:
expectativas em relação ao Grupo de Orientação de Pai, em relação ao futuro
profissional dos filhos e quanto ao papel que desempenham junto ao processo de
escolha profissional dos filhos. Na segunda sessão foram abordados os conteúdos:
expectativas que os pais nutriam, durante suas adolescências, quanto ao seu futuro
profissional, e expectativas que imaginam que os filhos têm para o seu futuro
profissional.
2. Fatores que influenciam a escolha da profissão dos filhos. Os conteúdos
tratados na terceira e quarta sessões foram: influência dos pais no processo da escolha
profissional dos filhos e outros fatores de influência no processo da escolha de carreira.
3. Comunicação. Os conteúdos abordados na quinta e sexta sessões foram:
comunicação entre pais e filhos adolescentes na atualidade e diálogo em casa com os
filhos.
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ANÁLISE DE DADOS
RESULTADOS E DISCUSSÃO
EXPECTATIVAS QUANTO AO FUTURO PROFISSIONAL DOS FILHOS
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obtenção de resultados mais positivos por parte de seus filhos adolescentes. Na situação
grupal, nas primeiras sessões, as cobranças do cotidiano familiar foram gradualmente
explicitadas, à medida que os participantes se adaptavam à tarefa do grupo operativo
(Pichon-Rivière, 1998a): “Cobro sim que tem que estudar, ele tem que ir bem, afinal
sempre pagamos uma boa escola para ele”.
O processo de escolha da carreira era percebido pelos pais como de extrema
importância, pois a decisão tomada pelos filhos era imprescindível para o sucesso da
empreitada. Ficou claro que o ingresso na universidade era assumido como um projeto
familiar. Assim, tanto os participantes incentivaram que os filhos realizassem o
processo de Orientação Profissional, como eles próprios, em sua condição de pais,
decidiram participar do Grupo de Orientação de Pais, objeto deste estudo. É o que
revela a narrativa: “que o grupo ajude a diminuir nossa ansiedade e que vocês nos deem
uma luz”.
Observa-se que o posicionamento dos participantes e suas expectativas quanto à
formação educacional corroboram o que salienta Romanelli (2003a) ao apontar que os
pais investem cada vez mais para que os filhos adquiram o capital escolar, visando à
realização do projeto familiar. “Eu digo pra ela: ‘O que eu quero é que você estude. Eu
e seu pai não fizemos faculdade. Demos essa oportunidade a você”. Os participantes
com formação universitária demonstravam expectativas de que os filhos alcançassem
patamares superiores aos atingidos pela família, não bastando a formação de nível
superior, mas o ingresso em universidades renomadas.
Os discursos no grupo comunicavam o desejo de munirem seus filhos de
recursos que os destacassem futuramente no mercado de trabalho. Os participantes
creditam enorme prestígio social às instituições de nível superior de caráter público:
“Não me preocupa a profissão e sim o nível da faculdade, pois considero que uma boa
faculdade abre portas no sentido profissional. Considero a USP ou as faculdades
federais importantes pelo nível de profissionais que lecionam nelas.”
O grupo de pais não reconhecia, nos primeiros encontros, as suas próprias
exigências em relação aos filhos: “Esses cursinhos só querem saber do resultado do
vestibular, não estão preocupados com seu filho. Para eles importa a porcentagem de
aprovados”. No entanto, à medida que se sentiam pertencendo ao grupo (Vetores
Afiliação e Pertença, segundo Pichon-Rivière, 1998a), tornavam-se mais confiantes para
se expressarem, foram surgindo as possibilidades para os confrontos de percepções
entre participantes. Assim, contradições inerentes ao campo grupal operativo (Pichon-
Rivière, 1998a, 1998b) puderam emergir, como expressam as verbalizações: “Eu falo
pra ela: ‘Tua única responsabilidade é estudar e passar’. Mas o fato do filho não querer
estudar, será que não é de tanta cobrança? Minha filha fala: ‘Pelo amor de Deus, mãe,
dá um tempo pra mim!’. Gente, eu penso, vocês acham certo essa cobrança?”
O grupo operava buscando desvendar o que permanecia latente: a importância
conferida à formação educacional e aos investimentos parentais eram consoantes com
expectativas muito idealizadas que os pais mantinham para o futuro dos filhos. As
narrativas dos participantes refletiam as crenças parentais a respeito do que idealizavam
que uma carreira poderia proporcionar. Observou-se que não só o adolescente fantasiava
a existência de uma profissão que o realizasse plenamente, como apontam Almeida e
Melo-Silva (2006), mas que essa ideologia parece estar enraizada no grupo familiar,
sobretudo nas camadas sociais médias e altas.
No grupo de pais, a preocupação frente à indecisão profissional dos filhos
relacionava-se com a ameaça e risco de malogro que o conflito do adolescente oferecia
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Pertinência com a tarefa: refletir sobre o futuro e a carreira dos filhos (Pichon-Rivière,
1998a).
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quando os pais interpretaram que os “obstáculos” criados para a saída dos filhos de casa
funcionam para postergar a separação. Ao mesmo tempo, explicitavam o quanto
duvidavam de seus recursos para lidarem com a progressiva independência dos filhos.
As narrativas contam sobre esse reconhecimento. “A gente subestima muito os filhos,
mas por insegurança que é nossa. Percebi que não estou preparada para soltar e está na
hora de soltar eles pro mundo. É que ele vai sair dos meus braços, então fico colocando
obstáculos pra ele sair. Sei que ele vai se virar, mas eu quero adiar porque sei que a hora
que ele sair por aquela porta, não vai mais voltar. Vai voltar pra me ver, mas não voltar
pra mim [...]”.
É interessante confrontar esses relatos com a reflexão proposta por Bohoslavsky
(1977/2007), quando aponta que o momento em que o jovem escolhe a profissão
representa a aceitação de seu crescimento, o que desestrutura momentaneamente a
dinâmica familiar. Por outro lado, a partir dessa tomada de posição o filho pode assumir
o papel reparador, ao proporcionar uma nova configuração para a família, possibilitando
uma nova relação entre pais e filhos, envolvendo outras necessidades, acordos e novos
projetos. No grupo, a explicitação do latente fez emergir no campo operativo o medo de
que os pais se tornassem desnecessários, obsoletos, algo que seguramente os remetia ao
processo do envelhecimento. “A gente se dedica tanto que, quando eles saírem de casa,
pensamos ‘Vamos fazer o que agora?’. Mas é assim, né? Vamos cuidar de nós, agora!”
Assim, paulatinamente, o clima de ameaça de perda, presente no campo grupal,
não se mostrava mais tão desagregador. Ao contrário, favorecia movimentos de
integração, de busca de saídas. A respeito da posição depressiva, Pichon-Rivière
(1998a) ressalta o seu caráter de oportunizar a elaboração das ambivalências e,
consequentemente, a integração do grupo, abrandando resistências e possibilitando a
construção da identidade grupal. Essa condição adquirida é base para os insights, o que
proporciona a aprendizagem no campo operativo, como ilustrado na comunicação:
“Achei que esse grupo era pra ajudar meu filho a encontrar um caminho e agora acho
que acabei encontrando um caminho meu”. Observa-se, nessa etapa, a ação do Vetor
Tele (Pichon-Rivière, 1998a).
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também a gente se cobra de nós mesmos enquanto pais. Eu vim pelos meus filhos e a
mais favorecida fui eu.” Com expectativas menos idealizadas sobre o exercício de seus
papéis parentais e até mesmo sobre o que esperar dos filhos, os pais mostravam
posicionamentos menos radicais. Refletiam mais sobre as individualidades de cada um:
“[...] percebi que cada filho é diferente e também nós com eles. Serviu para um
crescimento meu, e no fundo, me aproximei mais do meu filho [...]”. A percepção
dessas situações é fundamental, uma vez que os pais desempenham um papel
importante, pois são percebidos pelos filhos como principal fonte de apoio (Teixeira,
Dias, Wottrich, & Oliveira, 2008).
O enfretamento das resistências, o compartilhamento de sentimentos e atitudes
semelhantes (que, em outros momentos, eram tão divergentes), possibilitaram novas
percepções aos membros do grupo. A construção do conhecimento, para Pichon-Rivière
(1998a), não é um ato individual, mas uma produção social. É o que se apreende do
discurso que revelou o quanto os participantes puderam se beneficiar da operatividade
grupal: “[...] na história de cada um, a gente se via, eu pensava: ‘Puxa, posso fazer isso
diferente ou aquilo’. Sabe, ficou parecendo que o problema não era só meu, é nosso
[...]”.
Assim, o grupo avançou rumo à construção de pontes para o diálogo, de
possibilidades e co-responsabilidades na comunicação com os filhos, favorecendo que
refletissem sobre como o homem tem estabelecido suas relações na atualidade e os
reflexos dessa postura no funcionamento familiar. Nota-se, a seguir, o reconhecimento
do desamparo dos filhos frente ao não posicionamento dos pais: “Acho que os filhos
estão muito perdidos, porque os pais nunca têm tempo nem interesse de dialogar com
eles. Pensei muito sobre isso aqui.” Observa-se um salto na espiral de aprendizagem dos
participantes do grupo. Há uma reconstrução em marcha dos significados do papel de
pai e mãe. Com entusiasmo, os participantes compartilhavam com o grupo o que
vinham aprendendo ao longo do seu desenvolvimento, ponderando sobre suas perdas e
seus ganhos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo mostrou que o Grupo de Orientação de Pais, desenvolvido com base
no referencial de Pichon-Rivière (1998a, 1998b), favoreceu aos participantes a
construção de um campo operativo, no qual em cada sessão os participantes adquiriram
condições de enfrentar resistências na comunicação, tornando explícitas as situações
latentes (no grupo e no cotidiano familiar). Sabe-se que, ao se constituir um grupo, cada
membro participa com seu próprio esquema de referência, de acordo com sua história de
vida. Por meio do Vetor Afiliação, observavam-se pais reunidos com o mesmo objetivo,
porém desconhecendo o que era trabalhar em grupo operativo. À medida que se
identificavam, entraram em contato com expectativas e ansiedades semelhantes, pouco a
pouco o Vetor Pertença foi sendo favorecido e o grupo progressivamente foi
construindo seu próprio ECRO, condição básica para a comunicação operativa.
No desenrolar desse processo, os participantes puderam adquirir a confiança
necessária para cooperarem entre si (Vetor Cooperação) na tarefa de abordar as
situações com as quais se deparavam, sobretudo as divergências e contradições. O Vetor
Pertinência gradual à tarefa proposta ao grupo (conversarem sobre a vivência com os
filhos em processo de escolha da carreira) permitiu que se aproximassem dos conteúdos
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Sobre os autores:
Recebido: 19/01/2016
1ª revisão: 04/09/2016
Aceite: 20/10/2016
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