Você está na página 1de 16

A função intermediária do psicodiagnóstico e da posição

de porta-sintoma na dinâmica familiar


La función intermediaria del psicodiagnóstico y de la posición
de porta-síntoma en la dinámica familiar
The Intermediary Role of Psychological Assessment and The Position
of Symptom Carrier on the Family Dynamics

Marta Borghetti Bastos, Denise Falcke*


Universidade do Vale do Rio do Sinos – UNISINOS

Doi: dx.doi.org/10.12804/apl32.2.2014.04

Resumo Resumen
O psicodiagnóstico é uma técnica de avaliação breve, El psicodiagnóstico es una técnica de evaluación bre-
realizada a partir de um conjunto de instrumentos, atra- ve, realizada a partir de un conjunto de instrumentos,
vés dos quais se obtém diversas formas de compreensão, por medio de los cuales se obtienen diversas formas
dependendo da orientação teórica do profissional. O ob- de comprensión, dependiendo de la orientación teórica
jetivo desta pesquisa é compreender como se apresenta del profesional. El objetivo de esta investigación es
no psicodiagnóstico a psicodinâmica entre a criança comprender cómo se presenta en el psicodiagnóstico
porta-sintoma e a família. Realizou-se uma pesquisa la psicodinámica entre el niño porta-síntoma y la fami-
qualitativa por meio de estudo de casos, a partir da lia. Se realizó una investigación cualitativa por medio
análise documental de processos psicodiagnósticos, in- de estudio de casos, a partir del análisis documental de
terpretados à luz da Psicanálise Vincular. Os resultados procesos psicodiagnósticos, interpretados a la luz del
sugerem que o psicodiagnóstico pode desempenhar uma Psicoanálisis Vincular. Los resultados sugieren que el
função intermediária entre paciente e família, produzin- psicodiagnóstico puede desempeñar una función inter-
do efeito terapêutico e auxiliando a criação da demanda mediaria entre paciente y familia, produciendo efecto
de tratamento. Também se observou a função interme- terapéutico y auxiliando la creación de la demanda del
diária que a criança exerce entre as diferentes dimensões tratamiento. También se observó la función intermedia-
de subjetivação da família. ria que el niño ejerce entre las diferentes dimensiones
Palavras-Chave: Psicodiagnóstico, intersubjetividade, de subjetivación de la familia.
psicanálise Palabras clave: Psicodiagnóstico, intersubjetividad,
psicoanálisis

* Bastos B. M., Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS; Falcke D. Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS.
A correspondência relacionada com este artigo deve ser direcionada a Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Centro de Ciências da Saúde,
Av. Unisinos, 950 Sala 2A109, Jardim Itu Sabará. 93022000 - São Leopoldo, RS – Brasil. Correio eletrônico: martabbastos@gmail.com

Para citar este artigo: Bastos, B. M., Falcke, D. (2014). A função intermediária do psicodiagnóstico e da posição de porta-sintoma na
dinâmica familiar. Avances en Psicología Latinoamericana, 32(2), 231-245. doi: dx.doi.org/10.12804/apl32.2.2014.04

Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515 231


Marta Borghetti Bastos, Denise Falcke

Abstract tam demandas individuais que necessitam de um


espaço específico para seu tratamento. Através do
psicodiagnóstico, o psicoterapeuta pode avaliar a
Psychodiagnostics is a brief assessment, based on a set
demanda apresentada e fazer o encaminhamento
of instruments, which can help obtain various forms
que parecer mais adequado.
of understanding, depending on the orientation of the
epistemological and theoretical work. The aim of this
investigation is to understand the psychodynamics of
Psicodiagnóstico
the symptom carrier in a family during the psychodiag-
O psicodiagnóstico é uma modalidade de ava-
nostic process. It consists in two case studies, based on
liação psicológica, frequentemente solicitada por
a document analysis of psychodiagnostic processes, in-
profissionais que trabalham em parceria com psi-
terpreted in the light of the theory of Psychoanalysis of
cólogos. No início de sua criação, entre os séculos
bond configurations. The results suggest that the symp-
XVIII e XIX, o processo possuía como objetivo
tom carrier also plays an intermediary role between the
identificar características da personalidade, forças
indicated patient and the family, producing a therapeutic
e fraquezas do funcionamento psicológico, com
effect and creating the demand for the most appropriate
objetivos comparativos quanto à normalidade do
treatment. Likewise, it was possible to observe that the
sujeito em relação a uma determinada população
indicated patient also play an intermediate role among
(Cunha, 2003b). Entre as duas grandes guerras,
the different dimensions of subjectivity of the family.
Galton, Cattell e Binet foram considerados os cria-
Keywords: psychodiagnostics, intersubjectivity, psy-
dores do psicodiagnóstico por formularem testes
choanalysis
mentais voltados à avaliação de diferenças indi-
viduais. Da mesma forma, os estudos nosológicos
foram associados aos conhecimentos da psicanálise
De acordo com os dados da Organização Mun- e aos testes projetivos, que complementavam as
dial de Saúde (2009), o número de casos de crianças informações com compreensões psicodinâmicas
que apresentam sofrimento psicológico é maior que dos casos. Nas décadas posteriores às guerras, o
a oferta especializada de serviços em saúde mental. psicodiagnóstico clínico consolidou-se para além
Cerca de 20% das crianças e adolescentes sofrem da prática restrita à descrição de características,
de alguma forma de transtorno mental. No Brasil, traços e capacidades, desconsiderando o contexto e
estima-se que 13.5% a 35.2% das crianças possuem singularidades do que a pessoa poderia apresentar.
algum problema emocional e/ou de aprendizagem, Este trabalho evoluiu, oferecendo a compreensão
segundo o relato de seus pais; e de 7% a 12.7%, se dos resultados das testagens a partir da complexi-
avaliados por instrumentos diagnósticos (Ramires, dade dos fatores envolvidos na vida do sujeito que
Benetti, Silva, & Flores, 2009). poderiam estar associados ao quadro atual, tais
A repercussão nos casais de uma avaliação psi- como histórico familiar, condição socioeconômica,
cológica ou da presença de sofrimento e estados eventos passados e recentes, entre outros (Cunha,
psicopatológicos de seus filhos ainda é pouco pes- 2003a; Resende & Santos, 2008).
quisada, assim como são escassos os estudos que Hoje, assim como a compreensão sobre o su-
documentem o entendimento teórico da gênese das jeito e como ele se constitui evoluiu, o psicodiag-
patologias na infância. Benetti (2006), Bleichmar nóstico também se desenvolveu para dar conta da
(2005) e Piva (2006) consideram que a origem da complexidade dos processos envolvidos. Barbieri
sintomatologia infantil pode estar associada e servir (2008) afirma que, assim como na terapia, no psi-
de sinalizador de problemas de outras instâncias. codiagnóstico clínico é possível se obter várias
Mesmo assim, ainda que crianças estejam em ple- leituras sob diferentes linhas teóricas. Com o uso da
no desenvolvimento de sua estrutura psíquica e psicanálise no psicodiagnóstico, a compreensão do
sejam vulneráveis às condições de saúde mental do que representa o enquadre também adquire novas
ambiente no qual estão inseridas, muitas apresen- particularidades e potenciais epistemológicos. O

232 Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515


A função intermediária do psicodiagnóstico e da posição de porta-sintoma na dinâmica familiar

trabalho de interpretação do material é construído participar ativamente e recorrer a diversos meios


por releituras constantes dos materiais, dos con- técnicos para alcançar o objetivo principal que é a
teúdos observáveis e do que é não-verbal, da teoria tomada de “insight” em relação aos conflitos. No
e prática, das entrevistas, dos testes, etc. Werlang entanto, em alguns casos de avaliação de crianças,
(2003b) refere que, nas avaliações psicodiagnós- principalmente nos quais os pais não vieram por
ticas, informações sobre a psicodinâmica familiar iniciativa própria, mas enviados por um terceiro,
podem ser coletadas a partir das entrevistas com um a devolução do psicodiagnóstico pode se transfor-
único membro ou com vários integrantes. mar em um evento traumático. Em outros casos
Com o passar do tempo, o psicodiagnóstico não raros, a criança avaliada e sua família podem
clínico tornou-se uma técnica interventiva com- não estar preparadas para entender a complexida-
plexa, que favorece a compreensão das indicações de dos resultados, o que compromete a aceitação
e dos objetivos terapêuticos, bem como o estabe- e a procura pelos tratamentos sugeridos. Gastaud
lecimento do vínculo do paciente e de sua família et al. (2011) demonstraram que pacientes que rea-
com o profissional (Lazzari & Schmidt, 2008). lizam avaliação prévia a um tratamento, possuem
As atividades implicadas na avaliação favorecem a tendência de criar uma aliança terapêutica mais
a compreensão da família sobre o sofrimento do consistente e permanecer em tratamento por um
sujeito, confirmam informações cruciais para o en- período mais longo, pois conseguiram compreender
tendimento do caso, elucidam dúvidas a respeito da melhor a indicação terapêutica e o próprio sentido
implicação da família na vida e no tratamento deste em realizar um tratamento. Sendo assim, a forma
(Finkel, 2009). O encontro do psicólogo que realiza como o profissional conduz o seu trabalho e o seu
o psicodiagnóstico com as diferentes dimensões da olhar frente ao paciente tornam-se relevantes na
vida da criança e da família, na medida em que são formulação das indicações do psicodiagnóstico,
realizadas indicações apropriadas, favorece todo o pois isso interfere na qualidade da aliança terapêu-
transcurso do trabalho e a diminuição dos índices tica futura.
de abandono do tratamento (Gastaud, Basso, Soa-
res, Eizirik, & Nunes, 2011). O profissional tem Intersubjetividade na perspectiva de Kaës
que contemplar a possibilidade de sugerir diferen-
tes enquadres tanto individual, quanto vincular, ou A psicanálise vincular propõe uma visão am-
ambos. Com isso, o espaço terapêutico configura-se pliada e complexa do sujeito, na medida em que ele
como um espaço potencial de saúde e resiliência é uma peça do grupo familiar, que possui heranças
familiar (Hack & Ramires, 2010). das gerações anteriores e está inserido em redes
O psicólogo que realiza a avaliação precisa ter sociais e culturais. O processo de subjetivação é
claras as diferenças entre a demanda solicitada, as uma construção constante do sujeito com o outro,
informações coletadas e a capacidade e interesse é o resultado da oferta e da captação dos conteúdos
do sujeito avaliado em receber os resultados (Bar- conscientes e inconscientes, é o efeito da presença
bieri, 2008). A entrevista de devolução é mais uma do outro, do encontro entre os espaços intra, inter
via para o conhecimento do caso, especialmente e transubjetivos.
quando nela surgem lembranças reprimidas ou A transmissão de conteúdos conscientes e in-
atitudes inesperadas ou não mostradas até aquele conscientes é universal e co-formadora de subje-
momento, as quais levam a uma mudança do plano tividade, podendo enriquecer ou aprisionar. Este
tático idealizado previamente para o caso. Para isso, processo nunca é passivo: deixa marcas no sujeito
faz-se necessário trabalhar a capacidade da família através de complexas operações de reinscrição e
e dos pais em estarem dispostos a enfrentar o que transformação, tanto no sujeito, quanto no grupo.
descobrimos no psicodiagnóstico e se estão dispo- A comunicação e trânsito dos conteúdos dão-se
níveis para realizar mudanças. através do discurso familiar, das identificações e
Quando a estruturação da família é favorável e o da trama interfantasmática (Eiguer, 1995). O termo
vínculo com o avaliador foi consolidado, este deve trama remete ao tecido de identificações que se

Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515 233


Marta Borghetti Bastos, Denise Falcke

superpõe entre os sujeitos que pertencem a estrutura alianças, contratos e pactos, sendo os lugares e
deste parentesco, os quais podem remeter a noção obrigações determinantes na sua manutenção (Piva
de que tudo que é vivido por um sujeito, pode ser et al., 2010).
dividido com o outro e pelo outro. As alianças produzem efeitos além dos sujeitos,
No estudo da criança como porta-voz de uma das circunstâncias, sendo a via de transmissão da
realidade ampliada, a proposta de Kaës (1997, vida psíquica entre as gerações e entre os sujeitos
2011) sobre o grupo e os seus sujeitos favorece a contemporâneos de um grupo. A partir deste pres-
compreensão sobre os três espaços psíquicos im- suposto, Kaës (2011) propõe a noção de que um
plicados nesta realidade: o grupo como entidade sujeito não existe sem o outro, e sem o vínculo
específica, o vínculo entre os membros do grupo e que os une e os contém. As alianças inconscientes
o sujeito singular em sua grupalidade intrapsíquica. demandam obrigações do sujeito frente ao grupo,
Para o autor, o grupo está dentro dos sujeitos que ao mesmo tempo em que lhe oferecem benefícios.
o compõem e os sujeitos são o grupo. O autor tra- A satisfação derivada delas pode ser observada
balha com a noção de que os sujeitos são grupos e através do custo psíquico que confere ao sujeito.
que, devido a suas grupalidades, estes se constituem A análise da dinâmica familiar fornece acesso
singularidades grupais. O inconsciente se estrutura ao conhecimento dos conteúdos individuais das
como grupo, portanto, o sujeito do inconsciente é formações inconscientes, na medida em que estão
o sujeito do grupo. A realidade psíquica do grupo articuladas às estruturas intersubjetivas inconscien-
não se reduz a do sujeito. No entanto, a realidade de tes do grupo. Da mesma forma ocorre o contrário,
cada membro é atravessada pela do grupo. O equi- pois as alianças inconscientes estão nos pontos de
líbrio econômico entre a dedicação e o recebimento ligação dessas dimensões. Estes fenômenos oco-
de conveniências faz com que o sujeito tenha que se rrem pela necessidade de reparação em nome da
submeter ao vínculo para existir e ser reconhecido. ameaça catastrófica da emergência dos conteúdos
As fantasias, os processos associativos, as ati- inconscientes. O retorno destes, caso estejam re-
vidades oníricas e os afetos são vivenciados pelo calcados, ocorre através de seus efeitos na cadeia
grupo, mas na medida em que são comuns e com- associativa grupal, nas transferências, nos sonhos,
partilhados produzem as suas variações, que como nos sintomas partilhados e nas funções fóricas. A
consequência proporcionam as derivações secun- função fórica é o processo que inclui e supera a
dárias e singulares de cada sujeito do grupo. O tra- fronteira entre as diferentes dimensões dos casais,
balho intersubjetivo se manifesta nestes processos, das famílias e instituições. Ela implica a ligação
pois são as razões que mantém as psiques unidas e simultânea dos campos intrapsíquico e intersub-
são os lugares de passagem de uma subjetividade a jetivo. Compreende, conforme Kaës (2011) três
outra dos processos de transformação. Não obstan- funções: (a) porta-palavra: quando um dos sujeitos
te, estes conteúdos são vivenciados em grupo, mas é portador de uma fala a qual nem todos dispõem,
possuem uma versão singular secundária, o que embora seja importante também aos outros. (b)
demarca o processo de subjetivação (Kaës, 2005). porta-sonhos: os sujeitos se encarregam de trans-
No estabelecimento da vida psíquica em gru- formar identificações e transferências pessoais e do
po, processos e formações psíquicas originais são grupo em códigos e mobilizam, com os processos
criadas e constituem a matéria prima das alianças primários e secundários, os processos terciários que
inconscientes e mecanismos como o recalque, a correspondem à lógica social e cultural, articulando
denegação, a rejeição ou a clivagem de represen- os sonhos com os mitos; (c) porta-sintoma: possi-
tações ameaçadoras. O termo aliança inconsciente bilita o retorno do recalcado no espaço psíquico do
se refere a uma formação psíquica intersubjetiva grupo e nos espaços psíquicos internos de cada um.
criada pelos sujeitos de um grupo para firmar, em Outras possibilidades apontadas por Kaës (2011)
cada um e na base do vínculo, os investimentos são os porta-ideais e os porta-criptas, sendo os
narcísicos e objetais. O grupo, ligado desta forma, primeiros manifestados através de uma figura de
cria sua realidade psíquica de acordo com estas liderança, que recebe e representa uma parte dos

234 Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515


A função intermediária do psicodiagnóstico e da posição de porta-sintoma na dinâmica familiar

ideais de cada um a partir da eleição de um objeto nome também de interesses individuais construídos
comum, poderoso e unificador, representando a por sua história e conforme sua estrutura. De acor-
alma do corpo imaginário grupal. Os segundos do com esta complexidade que envolve o sujeito
remeteriam a função que um sujeito exerce como do e no grupo, pode-se considerar que através dos
o de bode expiatório ou possuído. instrumentos no psicodiagnóstico, a avaliação po-
A função fórica, a escolha de seu portador e de de adquirir um caráter consciliente nas diferentes
sua função são delineadas pelas necessidades es- dimensões dos processos de subjetivação.
truturais da vida grupal. No caso, cada membro do Partindo-se desses pressupostos, o presente
grupo assume um lugar determinado pelas redes estudo visa compreender como se manifesta, no
identificatórias, pelos cenários fantasmáticos, pelas psicodiagnóstico, a psicodinâmica entre a criança
relações de objeto e de defesa. Todas as funções se porta-sintoma e sua família. Mais especificamen-
colocam nos pontos de intersecção da fantasia te, objetivou-se compreender como o sintoma da
inconsciente comum e partilhada, nos discursos criança se articula com as características da dinâ-
associativos e na transferência (Kaës, 2005). Da mica familiar, a partir da leitura intersubjetiva, e
mesma forma, todas apresentam a matéria das como se manifestam as alianças inconscientes pa-
alianças inconscientes, dos contratos narcísicos, tológicas da criança com sua família na testagem,
dos pactos denegativos, da comunidade de dene- além de avaliar diferentes demandas do sujeito e
gação. O sujeito que exerce a função fórica se liga da família que possam ser apresentadas no material
aos outros sujeitos fóricos, que ocupam seu lugar da avaliação.
e função específicos nestas alianças. Os portado-
res destas funções indicam a tópica, a modalidade Método
econômica, dinâmica e semiótica dos processos
grupais (Kaës, 2011). A pesquisa se caracteriza como documental, re-
Todas as funções possuem seu caráter psicopa- trospectiva, com delineamento de estudo de casos
tológico, versões neuróticas, perversas e psicóticas. múltiplos (Yin, 2005). Foram usados como fontes
Embora existam características comuns a todas as de dados os relatos da avaliação psicodiagnóstica
funções fóricas, no trabalho analítico é necessário da criança, incluindo a testagem psicológica, a en-
fazer a discriminação do que contém neste processo trevista lúdica e as entrevistas com os pais.
que remete aos pontos de ligação do sujeito e o que
cabe à estrutura do grupo. A delegação é um proces- Participantes
so complexo, que implica a projeção, identificação
projetiva ou depósito num aparelho psíquico exter- Participaram deste estudo duas crianças e suas
no, estando pré-disposto a receber partes da psique famílias, encaminhadas por duas escolas parti-
que um outro não consegue reter em si, que, por sua culares do município de Porto Alegre, as quais
vez, deposita em outro com o propósito de evitar atendem uma clientela de nível sócio-econômico
o destino que seria seu (Amaro et al., 2007). Este médio. Considerou-se que o critério para seleção
mecanismo é comum em casos em que a criança dos participantes fosse por conveniência, pelo fato
assume uma parte inaceitável ou irrealizável da da pesquisa ter sido realizada a partir dos casos en-
psique dos pais. As funções fóricas não podem ser caminhados diretamente ao consultório particular
apenas compreendidas a partir do que determina o da pesquisadora, situado no mesmo município.
sujeito assumi-la num determinado grupo, ou por Foram considerados os seguintes critérios de in-
um lugar predisposto pelo grupo na sua organi- clusão: presença de sintomas emocionais, identifi-
zação. A função e o lugar fórico que o sujeito ocu- cados a partir de queixas escolares de dificuldade
pa precisa ser analisado a partir do próprio desejo de comportamento ou de aprendizagem, idade de
inconsciente que o sujeito possui de ocupar esta seis a nove anos, inexistência de condição clínica
posição. Ele porta a palavra, a fantasia, o conflito, que pudesse intervir nos resultados da atividade ini-
o sintoma do outro, mas realiza seu próprio fim, em cial de psicodiagnóstico e de qualquer medicação

Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515 235


Marta Borghetti Bastos, Denise Falcke

em uso. As crianças foram escolhidas na medida Foram realizados, nessa etapa, o HTP, o Desenho
em que pertencessem a famílias com os genitores da Família, o WISC III, o Teste das Fábulas e a
casados, não participando os casos em que os pais Entrevista Lúdica. No final deste período de ava-
eram separados. Também foram excluídas do estu- liação, foram realizadas consultas para a devolução
do crianças cujos pais realizavam alguma espécie do psicodiagnóstico.
de tratamento psicológico. Cabe salientar que o projeto de pesquisa foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Instrumentos Unisinos (Parecer nº 148/2011) e que aqueles que
aceitaram participar da pesquisa assinaram um Ter-
Foram utilizados como fonte de dados os relatos mo de Cessão de Informações, autorizando o uso
do processo de avaliação psicológica, que inclui a dos dados da avaliação para fins do estudo. Como
realização dos testes psicológicos, a entrevista lú- a pesquisa foi realizada com base nos atendimentos
dica com a criança e sessões de entrevistas com os já realizados, não foi exigida nenhuma modificação
familiares. Como parte do processo de atendimento nos procedimentos realizados no atendimento para
do paciente, as entrevistas com os genitores oco- fins de investigação.
rreram de maneira que fosse possível obter o maior
número de informações a respeito do histórico da Procedimentos de Análise dos Dados:
criança, da família e do casal. Não existiu uma or-
dem de assuntos, favorecendo a compreensão da A análise dos dados ocorreu a partir do enten-
cadeia associativa que os participantes construíram, dimento de cada caso como único e singular, ou
bem como o entendimento que possuíam dos pro- seja, cada caso foi analisado em profundidade
cessos psicodinâmicos e do contexto no qual esta- (análise vertical). Posteriormente à compreensão
vam inseridos. As entrevistas foram relatadas por de cada um, foram analisados os aspectos comuns
escrito após o final de cada sessão. No processo de e diferenciais de interações entre os casos descritos
avaliação foram utilizados ainda os seguintes ins- (análise horizontal), o que possibilitou a ampliação
trumentos: a) Genograma (McGoldrick & Gerson, da compreensão do fenômeno, não numa tentativa
2007); b) Entrevista Lúdica (Werlang, 2003a); c) de generalização dos dados, mas sim de aprofun-
HTP (Buck, 2003); d) Desenho da família (Wer- damento do entendimento da dinâmica vincular da
lang, 2003b); e) WISC – III (Wechsler, 1991; adap- criança sintomática com sua família (Yin, 2005).
tada e padronizada por Figueiredo, 2002); f) Teste
de Fábulas (Düss, 1940; traduzido e adaptado para Resultados
a população brasileira por Cunha & Nunes, 1993).
Caso 1 – Carlos
Procedimentos de Coleta de Dados
Carlos, seis anos e nove meses, foi encaminhado
A pesquisa teve como fonte de dados os relatos pela escola para realizar uma Avaliação Psicodiag-
dos atendimentos ocorridos no consultório parti- nóstica devido a sua dificuldade de permanecer
cular da pesquisadora. Na realização dos atendi- entrosado nas atividades em grupo, em manter a
mentos, após o contato inicial por telefone foram atenção nas tarefas solicitadas e em se manter
agendados os primeiros encontros somente com os sentado em sua classe, além de ser muito displi-
pais das crianças. Nestas consultas, promoveu-se cente quanto à organização e manutenção do seu
um espaço para coleta do maior número de infor- material. O paciente era o segundo filho de Fernan-
mações possíveis sobre o contexto e desenvolvi- do e Helen, sendo irmão mais novo de Natália, a
mento físico, emocional/social, cognitivo/lingüís- qual possuía 09 anos e estudava na mesma escola.
tico da criança e da família, além da construção Fernando, 36 anos, trabalhava no setor de vendas
do genograma da mesma. O segundo momento e Helen, 38 anos, era profissional da saúde. Na
correspondeu ao processo de avaliação da criança. primeira consulta, realizada somente com os pais,

236 Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515


A função intermediária do psicodiagnóstico e da posição de porta-sintoma na dinâmica familiar

o casal se apresentava bastante contrariado com o ternando com sua mãe, a avó paterna do paciente,
encaminhamento, referindo que não concordavam os cuidados e condução deles para as atividades
com a indicação de avaliação ou tratamento que a extraclasses e escolares. Inicialmente, o casal apa-
escola fizera, pois o filho era inteligente e estava rentava uma relativa solidez conjugal, com papéis
apresentando este comportamento, segundo eles, parentais satisfatoriamente estabelecidos, o que se
devido à incapacidade da professora de estabelecer observava pelo seu discurso referente ao respeito
um vínculo efetivo com o mesmo. à hierarquia entre pais e filhos, pela forma como
No entanto, os pais relatavam a dificuldade de apresentaram sua história prévia conjugal e da
manejo com o menino, pois se surpreendiam com constituição da família, além da maneira como de-
a atitude de Carlos, parecendo não comemorar as monstravam preocupação em relação ao bem-estar
aquisições de seu crescimento. Eles referiam que do menino, pois não associavam sua problemática
o filho parecia não ter crítica quando estes fatos a nenhum evento ou fator preocupante em relação
relatados ocorriam, ficando em dúvida se ele era à vida familiar. No entanto, ao descrever a rotina
capaz de compreender as orientações dos pais e das familiar, algumas lacunas foram sendo apresenta-
educadoras da escola. No entanto, não duvidavam das. A hora das refeições, principalmente o jantar,
da capacidade cognitiva do filho, pelo contrário, mesmo no final de semana, não era uma atividade
surpreendiam-se com os comentários ou raciocí- compartilhada e constituída pela presença de todos,
nios lógico-matemáticos que ele demonstrava. sendo cada um responsável pela sua refeição. Além
Outra razão de preocupação e fantasia do casal disso, tanto a mãe quanto o pai não acompanhavam
era a de que o paciente não se sentisse valorizado pessoalmente a vida escolar dos filhos, se limitando
pela família como era Natália, pois os grupos de a levar e buscar os filhos na frente da escola, e se
origem de ambos proporcionaram para a menina revezando em dias de reunião com os professo-
muitos privilégios por ser a primeira neta destes res, permanecendo somente metade do tempo nos
dois núcleos familiares. Fernando e Helen descre- encontros. Eles também mantinham uma postura
veram a menina como sendo muito bonita e inteli- muito passiva frente ao contato com a professora,
gente, tendo sucesso em tudo que fazia. De acordo referindo que não recebiam nenhuma comunicação
com o que percebiam, Carlos não expressava raiva da mesma pela agenda.
ou qualquer sentimento negativo em relação à irmã, Na entrevista inicial com Carlos, foi realizada a
pelo contrário, às vezes, buscava reproduzir o que Entrevista Lúdica, na qual ele brincou com bone-
a irmã fazia, mesmo sendo atividades nitidamente cos, soldados e animais. Na medida em que sele-
do gênero feminino. cionava os personagens, separava-os para compor
Sobre as famílias de origem, Fernando era na- grupos de famílias da mesma espécie que, em sua
tural de Porto Alegre, possuindo três irmãos mais história, eram salvos pelos soldados, pois “estavam
novos do casamento de seus pais – dois irmãos e presos em fortalezas indestrutíveis”. O menino
uma irmã, além de outra irmã menor da segunda selecionou da caixa de brinquedos dois canhões
união de seu pai. Helen possuía somente mais uma e ele e a profissional tinham a tarefa de quebrar as
irmã mais nova e seus pais foram casados até o fa- muralhas da fortaleza. Carlos pareceu estabelecer
lecimento de seu pai em 2007. O convívio com as um vínculo cooperativo; mesmo ficando um pouco
famílias de origem era eventual, predominando o tímido, mostrou-se curioso pelo ambiente do con-
contato com a família de Fernando, principalmente sultório e se despediu de forma afetuosa.
quanto aos cuidados dos filhos que eram realizados No HTP e Desenho da Família, realizados na
pela avó paterna. sessão seguinte, foi possível coletar os seguintes
Sobre as relações familiares, o casal referiu que dados através do levantamento: no primeiro, foi
passavam por um momento estressante, em que os possível compreender questões referentes ao pa-
horários de trabalho de Helen não favoreciam a ciente e como ele estava sentindo o ambiente e sua
participação da mãe do cotidiano dos filhos. Fer- relação com ele. Foram apontadas as seguintes
nando possuía maior flexibilidade de horário, al- questões: dificuldade momentânea de adaptação a

Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515 237


Marta Borghetti Bastos, Denise Falcke

situações novas, sofrimento e receio quanto ao am- foram: Compreensão Verbal –108– Médio, Orga-
biente, tendência ao descontrole emocional, frágeis nização Perceptual –109– Médio, Resistência à
capacidades egóicas, intensa agressividade reprimi- Distração –119– Médio Superior, Velocidade de
da e limitação para lidar com sentimentos hostis, Processamento –115– Médio Superior. Cabe sa-
desatenção como manifestação da agressividade lientar que contou no relatório entregue aos pais a
e/ou oposição, ansiedade referente ao processo de explicação de que os resultados de QI e Índices Fa-
separação-individuação, dependência, tendência de toriais se referiam ao potencial cognitivo do sujeito,
utilizar a negação como mecanismo de defesa, re- na presente data. Carlos alcançou escores acima do
traimento, insegurança e fantasias de inferioridade, esperado para sua faixa etária, tanto na parte Verbal,
assim como necessidade de gratificação imediata. quanto na escala de Execução. No entanto, pode-se
No Desenho da família, o paciente represen- entender que os resultados acima de sua média no
tou e identificou sua própria família. Embora a subteste de Vocabulário (escore: 16 pontos) revela
cena criada e descrita pelo paciente remetesse a as seguintes características: bom ambiente cultural
um momento de prazer, sugerindo uma união do familiar e escolar, bom potencial intelectual, defe-
grupo (símbolo na roupa dos bonecos), a preca- sas intelectualizadas, bom potencial para psicote-
riedade na composição das figuras humanas e a rapia ou tendência a permanecer em tratamento,
distribuição dos personagens na folha sugere uma bom potencial para aprendizagem. Por outro lado,
falha na configuração do grupo. A diferença entre a alteração discrepante (déficit em relação a sua
as gerações era fragilmente esboçada, mas existe e própria média) apresentada nos resultados de Car-
a disparidade fraterna era claramente apresentada. los no subteste de Informação (escore: 09 pontos)
Estes resultados, somados ao conteúdo do HTP pu- sugere a seguinte compreensão: pouca motivação
deram sugerir e favorecer a compreensão de como para tarefa, atitude hostil frente ao aprendizado,
o paciente percebia dinamicamente as diferentes dificuldade de compreensão e da linguagem, pouco
questões de demanda da família e de si mesmo. interesse em relação ao ambiente e ao contato com a
No Teste de Fábulas, aplicado na mesma consul- realidade, pouca ambição intelectual no momento,
ta do HTP, foi possível observar itens significativos prejuízo na integração das experiências de palavras,
na compreensão dinâmica, pois Carlos apresentou objetos, fatos e relações, ambivalência frente aos
resultados que sugerem forte passividade e depen- estímulos educacionais.
dência das figuras cuidadoras, com ambivalência Além dos resultados relevantes, Carlos apresen-
quanto à figura materna. O paciente apresentou tou escores que podem sugerir também tendências
intensos sentimentos de culpa e autopunição, não e características que podem ser entendidas através
associados à triangulação edípica e posição fálica. dos dados articulados, os quais auxiliam a com-
Seus desejos de reconhecimento são intensos e ele preensão mais abrangente de sua personalidade.
se mostrou ambivalente frente à disputa fraterna. Seus escores baixos em Compreensão e Arranjo
Na aplicação do WISC-III, a qual implicou duas de Figuras (escores: 11 e 10, respectivamente),
sessões da avaliação, Carlos atingiu resultados embora dentro da média esperada para a população
além da média esperada para sua idade cronológica de sua faixa etária, podem sugerir um prejuízo na
para a parte Verbal e Execução (MV e ME = 12). capacidade intelectual em razão de fatores emocio-
No entanto, nos subtestes de Informação, o paciente nais latentes. O subteste de Compreensão reflete os
obteve um déficit estatisticamente relevante quan- fatores emocionais que prejudicam as capacidades
to a sua própria média. Por outro lado, no teste de cognitivas e enfrentamento do ambiente diário. Por
Vocabulário, o menino obteve um ávit, uma discre- sua vez, os escores baixos neste subteste podem
pância estatisticamente significativa (Significância indicar um estado transitório de desatenção, dificul-
= 0.05) em relação a sua própria média (Figueiredo, dades de planejamento em situações consecutivas
2002). Seus resultados em QI foram: Verbal –113– e causais e indicar a tendência ansiosa e impulsiva
Médio Superior, Execução –112– Médio Superior, do sujeito em lidar com diferentes situações. Os
Total –113– Médio Superior. Seus Índices Fatoriais dados levantados na aplicação desta Escala também

238 Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515


A função intermediária do psicodiagnóstico e da posição de porta-sintoma na dinâmica familiar

servem para eliminar a hipótese de prejuízos na compreender e aceitar as indicações de tratamento


capacidade de atenção, pois o somatório e a forma sugeridas sem que se sentissem criticados ou cul-
como os resultados dos subtestes se apresentaram, pados por esta questão vincular que demandava
apontam o contrário, como o escore de Aritmética uma intervenção.
(15 pontos), Códigos (12 pontos), os quais são pré-
requisitos para esta possibilidade. Caso 2 – Rodrigo
A conclusão do psicodiagnóstico apontava, por-
tanto, o sofrimento da criança frente a circunstân- Rodrigo, nove anos e nove meses, foi encamin-
cias emocionais da família, inviabilizando qualquer hado pela escola para Avaliação Psicodiagnóstica
suspeita de déficits nas áreas cognitivas de atenção devido à dificuldade em prestar atenção na aula e
e/ou concentração. Carlos apresentava intensos atender a solicitação da professora em se manter
sentimentos de culpa e fantasia de rejeição, inten- sentado durante as atividades. Depois de um lon-
sificando suas demonstrações de dependência dos go período de divergência com o pai do paciente,
familiares. Embora demonstrasse uma vivência da Nanci, 32 anos e mãe do menino, trouxe-o para
triangulação edípica satisfatória, as figuras pater- realizar o exame. A entrevista inicial foi agendada
nas e maternas eram vistas com ambivalência, pois e contou somente com a presença de Nanci, pois,
apontava as falhas dos cuidadores em desempenhar segundo o que relatou, o pai era contra a indicação
suas funções assim como em demonstrar uma vi- de avaliação do filho, pois ele era muito inteligente
vência conjugal satisfatória. Seu comportamento e não havia necessidade de atendimento psicoló-
social era prejudicado, utilizando-se predominante- gico. O pai do menino possuía 53 anos e Rodrigo
mente da fantasia como recurso frente às angústias era o único filho do casal. A família morava com
quanto ao ambiente. Isso acarretava prejuízo nas os avós paternos do paciente, os quais já estavam
suas relações sociais e inserção no grupo escolar. muito doentes há anos e, por isso, ficaram aos cui-
O relatório da avaliação psicodiagnóstica foi dados de Marcos, pai do menino.
apresentado para os pais do paciente, incluindo a Marcos possuía outros cinco irmãos, sendo
indicação de psicoterapia individual para Carlos e que a irmã mais nova e o irmão mais novo haviam
de atendimento familiar para a família. No início falecido. Os três irmãos ainda vivos, discordavam
da consulta, o clima era muito tenso, assim como sobre o casamento que ele possuía com Nanci,
era muito intensa sua curiosidade pelo desempen- afirmando que eram contra a relação devido ao
ho intelectual da criança. No entanto, assim que os interesse que ela poderia ter com relação aos bens
dados do documento começaram a serem discuti- da família. Ela referia que mantinha uma relação
dos, os pais foram se tranquilizando a respeito de restrita, mas satisfatória com os sogros, sendo ela
Carlos. Fernando e Helen se surpreenderam com uma das responsáveis por auxiliar na coordenação
a capacidade e o potencial cognitivo do filho e a da equipe de cuidadores que os atendiam. Nanci
com a intensidade com que Carlos, mesmo sendo contou que também mantinha uma relação restrita
muito pequeno, conseguia captar os fenômenos com sua família de origem, que morava na região
afetivos que a família vivenciava. A compreensão metropolitana de Porto Alegre. Possuía duas irmãs
dos resultados favoreceu com que os pais do me- e um irmão, mas não tinha contato com eles ou com
nino compreendessem a necessidade da alteração os pais, os quais eram separados. Referiu que a fa-
de certas rotinas que os mantinham longe do filho, mília era também contra a sua união com Marcos e
assim como pôde elucidar de que formas e meca- que Rodrigo não havia estabelecido convívio desde
nismos o paciente se utilizava para denunciar es- seu nascimento com a família de origem da mãe.
tas falhas dos cuidadores. Na medida em que eles Nanci e Marcos se conheceram no local de
perceberam que a criança cumpria com um papel trabalho de ambos e estabeleceram um relaciona-
dinâmico de porta-sintoma da família, bem como as mento no mesmo ano em que foram morar juntos.
consequências negativas para seu desenvolvimento Relataram que sempre tiveram um casamento con-
caso não tomassem uma providência, conseguiram turbado, pois tinham uma diferença importante de

Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515 239


Marta Borghetti Bastos, Denise Falcke

idade, e porque discordavam muito em relação à limitado em poder dar atenção ao filho, pois ele já
criação de Rodrigo, que nasceu meses depois que possuía uma idade avançada para ter disposição de
Nanci foi morar com Marcos. A mãe referia que brincar com ele, ao mesmo tempo em que tentava
o marido não participava da vida do filho e que o de algumas formas diferentes chamar sua atenção.
menino ainda o solicitava nas brincadeiras, ou ati- Além disso, denunciou que, nestes momentos,
vidades escolares, mas Marcos não correspondia. Nanci não facilitava a aproximação de Rodrigo
Além disso, o pai do paciente fazia uso diário de com o pai.
maconha quando chegava em casa, afastando-se Na sessão seguinte, foi realizada a Entrevista
do filho e da esposa. Ele permanecia trancado em Lúdica com Rodrigo, na qual ele pediu para jogar
seu quarto enquanto estava sob o efeito da droga, alguns jogos de tabuleiro, como Combate e Dete-
impossibilitando Rodrigo ou a esposa de entrarem tive. Ele parecia interessado pelo ambiente e pelos
no local. brinquedos, além da razão pela qual veio consultar.
Nanci tinha dúvidas quanto à manutenção do O paciente parecia um menino retraído, que se ex-
casamento. Referiu que fazia faculdade para ter pressava de forma infantilizada em alguns momen-
maior estabilidade financeira, para que pudesse se tos, afinando a voz e usando muito expressões na
separar do pai de Rodrigo caso concluísse que a re- forma diminutiva. Pareceu preocupado em estabe-
lação não tivesse futuro. No entanto, afirmava que lecer um vínculo com a profissional e demonstrou
grande parte do insucesso da relação era devido aos receio em comemorar sua vitória nos jogos. No
problemas gerados pelos cunhados e não por falta final da consulta, conversou-se sobre o objetivo da
de entrosamento do casal. Ela temia a repercussão avaliação e ele demonstrou contrariedade sobre a
destes eventos na vida do filho e na forma como situação familiar e escolar. Rodrigo referiu que não
ele entendia a realidade familiar. Conta que os dois entendia o porquê de seus tios não gostarem de sua
eram muito unidos, e que ele tinha comportamentos mãe, nem o porquê seus pais pareciam desinteres-
que não inspiravam grandes preocupações em casa, sados às vezes um pelo outro. Quanto à escola, re-
como um menino adequado para sua idade. clamou dos outros meninos da turma, referindo que
A entrevista seguinte foi realizada com Marcos, eles eram muito injustos na forma de lidar com ele.
o pai de Rodrigo, que também referiu que ainda Da mesma forma, a professora parecia não entender
tinha esperanças que a relação familiar se rees- o que ele sentia, segundo seu relato. Demonstrou
truturasse na medida em que eles estabelecessem receio frente à escola e certa insegurança sobre o
um vínculo mais pacífico com seus irmãos. Nesta sentimento de seus pais em relação a ele.
entrevista, o pai esclareceu que não acreditava A consulta seguinte foi dedicada à realização
que o menino tivesse qualquer prejuízo cognitivo, do HTP, Desenho da Família e do Teste de Fábu-
mas que concordava que o clima da família estava las. Nos resultados do primeiro, foi possível fazer
muito pesado devido às discordâncias entre os pais o levantamento das seguintes questões: sentimen-
e entre estes e sua família de origem. Naquela cir- tos de rejeição; preocupação, sofrimento e receio
cunstância, pensavam em comprar um novo imóvel quanto ao ambiente; tendência ao descontrole emo-
para que a família fosse morar, com a ideia de que cional, frágil capacidade egóica; capacidade de
as brigas com Nanci não ocorressem mais. Sobre adiar gratificação; insegurança; efeito de estresse;
o uso de maconha, referiu que havia parado havia agressividade reprimida; ansiedade; dependência;
três dias, com a intenção de restabelecer a confiança e busca da fantasia de grandiosidade como recurso
a harmonia familiar. Marcos referiu que ficava para lidar com sentimentos; retraimento; tendência
muito magoado e sensível com o clima criado entre à regressão.
sua família e a esposa, além de sofrer por assistir e O Desenho da Família revelou um material que
acompanhar a doença de seus pais. Também ficava sugeria uma imaturidade das figuras parentais, sem
preocupado com a condição do filho em presenciar uma distinção clara a respeito das gerações. Além
estas discussões. No entanto, quanto aos desencon- disso, a cena reportava ao “dia em que o mundo
tros dele e do filho, Marcos contou que ele se sentia acabaria”, representado como um momento frio

240 Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515


A função intermediária do psicodiagnóstico e da posição de porta-sintoma na dinâmica familiar

apresentando de forma dissociada os conteúdos resultados de Rodrigo no subteste de Compreensão


de festa/prazer com uma catástrofe, que pode re- (escore: 10 pontos) sugere pouca motivação para
presentar o temor pelo fim do vinculo conjugal/ tarefa, atitude hostil frente ao aprendizado, difi-
familiar iminente. Os personagens representavam a culdade de compreensão e da linguagem, pouco
própria família do paciente, sendo este o único que interesse em relação ao ambiente e ao contato com
apresentava uma expressão e traços faciais claros. a realidade, prejuízo na integração das experiências
A ordem como se dispunham no papel também de palavras, objetos, fatos e relações, ambivalên-
pode representar o distanciamento afetivo entre os cia frente aos estímulos educacionais. Este escore
membros da família, pois o pai se postava longe da extremo e baixo, se comparado ao restante da pon-
mãe e principalmente do menino. tuação dos outros subtestes da escala Verbal, mostra
No Teste das Fábulas, Rodrigo realizou a ati- uma circunstância subentendida nos seu desempen-
vidade de forma que pudesse se obter a seguinte ho. Sua média da Escala Verbal passou a apresentar
compreensão dinâmica: tendência à individuali- um escore mais baixo que sua média da executiva
zação, com intensa hiperdriscriminação frente ao devido à variação significativa dos resultados. Na
ambiente, ambivalência frente à figura materna e Escala de Execução, seu desempenho apresentou
capacidade fálica. Foram identificados fortes sen- maior uniformidade, preservando seu desempenho.
timentos de culpa e autopunição, além da neces- Na avaliação do desempenho geral do paciente,
sidade de reconhecimento. Suas representações faz-se necessário levar em conta a variação destes
a respeito da conflitiva edípica não indicaram ser escores, bem como sua combinação, pois o caso
razão de angústia. de Rodrigo configura um caso que suas conflitivas
No WISC-III, Rodrigo atingiu resultados além emocionais de caráter neurótico estão interferindo
da média esperada para sua idade cronológica para na sua manifestação emocional.
a parte Verbal e Execução (MV = 13.5 e ME = 15). Portanto, de acordo com o material levantado
No entanto, nos subtestes de Compreensão, o pa- na Avaliação Psicodiagnóstica, Rodrigo apresen-
ciente obteve um déficit estatisticamente relevante tou um desempenho que sugere uma capacidade
quanto a sua própria média. Por outro lado, no teste cognitiva muito superior à esperada para sua idade
de Vocabulário, o menino obteve um ávit, uma dis- cronológica. No entanto, de acordo com o material
crepância estatisticamente significativa (Significân- levantado nas atividades projetivas e psicométri-
cia = 0.05) em relação a sua própria média (Figuei- cas, pode-se obter a compreensão de que devido
redo, 2002). Seus resultados em QI foram: Verbal a dificuldades do paciente frente as suas vivências
–122– Superior, Execução –138– Muito Superior, familiares, o paciente apresentou prejuízos na utili-
Total –133– Muito Superior. Seus Índices Fato- zação deste potencial cognitivo, o que acabava por
riais foram: Compreensão Verbal –122– Superior, prejudicar seu desempenho escolar. Além disso, a
Organização Perceptual –132– Muito Superior, ambivalência das figuras parentais quanto à pa-
Resistência á Distração –119– Médio Superior, rentalidade e conjugalidade prejudicou a forma do
Velocidade de Processamento –126– Superior. Ro- menino de manifestar seus sentimentos, conservan-
drigo alcançou escores acima do esperado para sua do seu intenso sentimento de culpa e autopunição.
faixa etária, tanto na parte Verbal, quanto na escala Da mesma forma, esta problemática interferiu na
de Execução. No entanto, pode-se compreender forma como o paciente estava estabelecendo seus
que os resultados acima de sua média no subteste contatos sociais na escola.
de Vocabulário (escore: 17 pontos) revela bom A entrega do relatório da avaliação ocorreu da
ambiente cultural familiar e escolar, bom potencial mesma forma como o casal e a família funcionava:
intelectual, defesas intelectualizadas, bom poten- de forma dissociada, sendo agendados encontros
cial para psicoterapia ou tendência a permanecer individuais, um com cada membro da família.
em tratamento, bom potencial para aprendizagem. Nota-se que isto não é uma prática usual, mas, a
A alteração estatisticamente discrepante (déficit pedido dos pais de Rodrigo, foi realizada desta
em relação a sua própria média) apresentado nos forma, pois a mãe já sinalizava neste momento o

Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515 241


Marta Borghetti Bastos, Denise Falcke

interesse em pedir a separação. Este pedido já de- sua família e a maneira como passou a demonstrar
monstrava a ambivalência do casal e o despreparo suas insatisfações, Rodrigo se sentiu mais aliviado
nesta circunstância para encarar a problemática do e compreendido, intensificando o vínculo com a
grupo. Na devolução, Nanci ficou satisfeita com a profissional.
avaliação, se surpreendendo quanto à forma com
que o resultado mapeava as aptidões e déficits que Discussão dos resultados
Rodrigo apresentava no momento. No entanto, de
acordo com a impressão da profissional, ela não Os casos de Carlos e Rodrigo se constituem em
aceitou a proposta de atendimento familiar, visto um material que possibilita a análise da dinâmica
que não acreditava na legitimidade do desejo do do sujeito do e no grupo. Através dos dados da tes-
marido em mudar, mas aceitou a indicação de psi- tagem psicológica, diante das circunstâncias que
coterapia para Rodrigo, uma vez que compreendeu foram relatadas, as famílias de ambos pacientes
a repercussão e prejuízo para ele em assumir o pa- eram marcadas por uma fragilidade na constituição
pel de porta-sintoma da família. De toda forma, foi da parentalidade e da conjugalidade. A função fóri-
apresentada para a mãe do paciente a compreensão ca assumida pelo paciente porta-sintoma relatado
de que o atendimento vincular poderia servir justa- evidencia a dinâmica na qual cada sujeito que é
mente como um trabalho que pudesse favorecer a escolhido para ser o portador do sintoma aceita e
tomada de decisões sem maiores danos colaterais se indica para tal compromisso. Eles se permitem
principalmente para seu filho, independente do tipo e se oferecem a esta eleição na medida em que os
de conclusão a que chegassem, sendo a favor ou organizadores psíquicos inconscientes que presi-
não de uma separação. dem à formação do aparelho psíquico do grupo
Por outro lado, na consulta realizada com Mar- falha e determina os lugares e postos no grupo.
cos para apresentação dos dados da avaliação, o pai Nos casos relatados, a falha na conjugalidade e
do menino se surpreendeu e ficou muito satisfeito na parentalidade, bem como as fragilidades indi-
com os resultados do psicodiagnóstico, aceitando viduais de cada genitor, contribuiu para que estas
inclusive a indicação do atendimento vincular, a fim crianças tomassem lugar em predisposições de
de que o filho ficasse mais imune a tensão gerada posições comandadas pelas redes de identificação,
pelos desentendimentos da família. Comentou que pelas relações de objeto, pela configuração dos me-
participaria do trabalho na medida em que Nanci canismos de defesa apreendidos, pelos mandatos
contatasse o atendimento vincular. Neste momento, fundamentais do grupo. A fragilidade dos apoios
o paradoxo, o impasse do casal também se apre- à qualidade da vida pulsional destes sujeitos e a
sentava, pois Marcos sabia da intenção de Nanci predominância de estabelecimentos de alianças
de não realizar este trabalho. Ambos ainda perma- inconscientes alienantes e não estruturantes, asso-
neciam muito projetivos na maneira de abordar os ciadas às falhas na capacidade destes cuidadores de
problemas da família e do casal, o que acabava por mediar a vida destas crianças em seu mundo am-
intensificar a angústia da possibilidade de encontro pliado, auxiliou na configuração de prejuízo emo-
no setting terapêutico. cional e interferência no aprendizado das crianças
Diante do impasse e desacordo do casal, Mar- (Papp, Goeke-Morey & Cummings, 2004).
cos e Nanci foram capazes de somente coordenar Através da análise psicodinâmica dos meca-
o início do atendimento de Rodrigo. A entrevista nismos inconscientes de Carlos e Rodrigo, a pré-
de devolução da avaliação com o menino foi muito condição para o cargo de porta sintoma de ambos
positiva, pois o paciente foi capaz de visualizar seu fica clara, na medida em que há tendência à auto-
potencial, favorecendo através de dados concretos punição, associada à intensa desvalia e fantasia de
a melhora de sua autoestima, bem como de perce- rejeição e preocupações com o ambiente e vínculos
ber como seus sentimentos poderiam obstruir as afetivos. Estas fantasias associadas ao compro-
suas capacidades. Na medida em que pôde ter uma misso narcísico assumido em nome da família, na
breve compreensão sobre o lugar que ocupa em medida em que se comprometem com uma aliança

242 Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515


A função intermediária do psicodiagnóstico e da posição de porta-sintoma na dinâmica familiar

inconsciente, garantem a permanência e a legiti- legitimidade narcísica, heroica. Um trabalho de


mação de seus lugares no grupo. caráter individual também auxilia e complementa o
O lugar de porta-sintoma assumido por ambos é trabalho vincular, na medida em que é voltado para
marcado por seu próprio desejo inconsciente de ca- questões mais específicas do sujeito, de forma que
rregar estas demandas e funções, ao mesmo tempo ele evolua e torne mais complexa sua participação
em que denuncia a fragilidade deles, do grupo e de no grupo, sem que obtenha prejuízos, criando no-
cada um pertencente ao mesmo. Suas sintomatolo- vos mecanismos para lidar com as alianças que
gias, se sobrepostas à análise da dinâmica grupal, este propõe.
denunciam a conflitiva de todo o grupo, a qual não é As representações do grupo que estes pacientes
marcada pela ameaça da castração edípica, mas sim apresentam nos testes psicodiagnósticos, quando
de falha de estrutura e incerteza de permanência do associadas às entrevistas com familiares, favore-
vínculo ao longo do tempo. Os próprios pacientes cem a compreensão de que estes grupos internos
revelam, através dos instrumentos de avaliação, o contém matéria representada e não representada pe-
funcionamento perverso e frágil da família, sus- lo grupo. Através de mecanismos como a conden-
tentada por mecanismos como a desmentida, de sação, projeção, desmentida e deslocamento, ocorre
não aceitação consciente da problemática vincular, a dramatização do conflito grupal para a conflitiva
na medida em que eles assumem o lugar de porta- individual. Esta configuração pode ocorrer num
sintoma de uma questão de ordem familiar. Seus duplo registro, com sentidos interno-externo, sendo
sintomas reproduzem a instabilidade do vínculo e a passível de análise e intervenção tanto através de
ameaça, não do retorno de um conteúdo recalcado/ uma representação do sujeito, na psicoterapia de
edípico, mas sim a precariedade do funcionamento grupo, quanto do grupo através da representação
grupal e da fragilidade destas relações. Neste sen- manifestada pelo sujeito.
tido, o contrato narcísico, apresentado através da Nos casos em que a criança assume uma função
ambivalência com as figuras cuidadoras e com os de porta-sintoma, pode-se considerar que ela esteja
ambientes sociais, esclarece o objetivo do papel desempenhando uma função de intermediário en-
do porta-sintoma. Através do interjogo econômico tre os processos que envolvem a trama realidade-
de investimento no bem estar do grupo, mesmo sujeito-grupo. Da mesma forma, o psicodiagnóstico
que em nome do prejuízo individual, é que estes pode ser considerado uma técnica interventiva que
contratos se apoiam. As crianças acabam por inibir adquire uma função intermediária do(s) paciente(s)
significativamente suas capacidades cognitivas de com o processo psicoterapêutico mais apropriado.
inter-relacionar o conhecimento acadêmico com o
conhecimento emocional, para que, em nome do Considerações Finais
pacto narcísico, se mantenham no lugar de porta-
sintoma do grupo. Até mesmo os resultados da O trabalho com psicodiagnóstico evoluiu ao
testagem de caráter psicométrica, como a do WISC- longo do tempo, assim como as teorias psicanalíti-
III, apontaram tendências que se formam e/ou se cas que podem embasá-lo. Através da compreensão
reforçam diante de psicodinâmicas familiares, tais da complexidade que envolve os diferentes níveis
como se apresentaram nestes casos. de subjetivação do sujeito e seus vínculos, pode-
Cabe salientar que as pessoas portadoras de se ampliar a leitura do material obtido através dos
funções fóricas são também carregadas por elas, instrumentos de avaliação que existem hoje.
assumindo uma posição mais complexa e precisa, A existência de demanda para psicoterapia indi-
na medida em que possui uma dinâmica específica vidual existe, assim como a de tratamento familiar.
e simultânea nos campos intra e intersubjetivos. O O psicodiagnóstico pode servir como dispositivo
papel assumido por estas crianças se torna funda- para a reflexão de qual indicação de tratamento é
mental e garante sua validade no grupo. Além de mais urgente, além de auxiliar a compreensão de
se encarregarem do pacto narcísico estabelecido uma demanda de acompanhamento multiprofissio-
com o grupo, simultaneamente, eles garantes sua nal, que às vezes pode gerar angústia para aqueles

Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515 243


Marta Borghetti Bastos, Denise Falcke

pacientes que buscam por uma orientação que Buck, J. N. (2003). H-T-P:casa-árvore-pessoa, técnica
ilusoriamente simplifique suas vidas. No entanto, projetiva de desenho: manual e guia de interpre-
o profissional precisa possuir um conhecimento tação. Tradução Renato Cury Tardivo; revisão
satisfatório da teoria e da prática de avaliação para de Iraí Cristina Boccato Alves. São Paulo: Vetor.
realizar um trabalho ético, e que saiba inclusive as Cunha, J. A. (2003a). Estratégias de avaliação: perspec-
limitações que os instrumentos e suas informações tivas em psicologia Clínica. In J. A. Cunha et al.
podem obter. Ao mesmo tempo em que deve estar Psicodiagnóstico – V. (pp. 19-22) Porto Alegre:
aberto para a diversidade de possibilidades de leitu- Artmed.
ras que se tornam possíveis a partir do contato com Cunha, J. A. (2003b). Fundamentos do psicodiagnóstico.
o paciente e com o material coletado. Muito mais In J. A. Cunha et al. Psicodiagnóstico – V. (pp.23-
do que instrumentos diversificados ou modelos 31) Porto Alegre: Artmed.
revolucionários de avaliação, o olhar do terapeuta Cunha J. A., Nunes, M. L. T. & cols. (1993). Teste de
pode ser o guia para a compreensão do sofrimento Fábulas: forma verbal e pictórica. São Paulo:
e das demandas do paciente. Espera-se que essa Centro Editor de Testes e Pesquisas em Psicologia.
pesquisa possibilite com que possam ser levantadas Finkel, L. A. (2009). O Lugar da Mãe na Psicoterapia da
novas ideias para futuras investigações e práticas Criança – uma Experiência de Atendimento Psi-
profissionais em Psicologia, inclusive a respeito da cológico na Saúde Pública. Psicologia, Ciência e
formulação de psicodiagnósticos vinculares. Profissão, 29(1), 190-203.
As teorias atuais, embasadas de uma compreen- Gastaud, M. B., Basso, F., Soares, J.P.G., Eizirik, C. L.
são epistemológica que contemple a diversidade, & Nunes, M. L. T. (2011). Preditores de abando-
permite ao pesquisador a criação de novas propos- no de tratamento na psicoterapia psicanalítica de
tas de leitura e intervenção do trabalho com instru- crianças. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do
mentos já existentes, como os testes psicológicos. Sul, 33(2), 109-115.
Da mesma forma, o entendimento da complexidade Hack, S. M. P. K. & Ramires, V. R. R. (2010). Adoles-
de redes intersubjetivas instiga a criação de novas cência e divórcio parental: continuidades e rup-
ferramentas que auxiliem o profissional a investi- turas dos relacionamentos. Psicologia Clínica,
gar e entender como o sujeito e o grupo podem se 22(1), 85-97.
constituir e cambiar conteúdos. Kaës, R. (2011). Um singular plural – A psicanálise à
prova do grupo. São Paulo: Loyola.
Referências Kaës, R. (2005). Espaços Psíquicos Comuns e Compar-
tilhados: Transmissão e Negatividade. São Paulo:
Amaro, C., Grinblat, H., Fontanari, J., Dariano, J, Po- Casa do Psicólogo.
letto, R., Oliveira, S. & Thomazi, V. (2007). Con- Kaës, R. (1997). O Grupo e o Sujeito do Grupo: elemen-
temporânea - Psicanálise e Transdisciplinaridade, tos para uma teoria psicanalítica do grupo. São
01, 150-185. Recuperado de 01 de 2012 de: www. Paulo: Casa do Psicólogo.
revistacontemporanea.org.br Lazzari, J. M. W. & Schmidt, E. B. (2008). Percepção
Barbieri, V. (2008). Por uma ciência-profissão: o psico- dos pais em relação a mudanças após o processo
diagnóstico interventivo como método de inves- psicodiagnóstico. Avaliação Psicológica, 7(2),
tigação científica. Psicologia em Estudo, 13(3), 211-221.
575-584. McGoldrick, M. & Gerson, R. (2007). Genetogramas e
Benetti, S. P. C. (2006). Conflito conjugal: impacto o ciclo de vida familiar. In. B. Carter; M. McGol-
no desenvolvimento psicológico da criança e do drick & cols. As mudanças no ciclo de vida fami-
adolescente. Psicologia, Reflexão e Crítica, 19(2), liar: uma estrutura para a terapia familiar (pp.
261-268. 144-164). Porto Alegre: Artmed.
Bleichmar, E. (2005). Manual de Psicoterapia de la re- Papp, L. M., Goeke-Morey, M. C. & Cummings, E.
lación padre e hijos. Buenos Aires: Paidós. M. (2004). Mother´s and Father´s Psycological

244 Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515


A função intermediária do psicodiagnóstico e da posição de porta-sintoma na dinâmica familiar

Symptoms and Marital Functioning: Examina- Brasil: Uma Revisão da Literatura. Interação em
tion of Direct and Interactive Links with Child Psicologia, 13(2), 311-322.
Adjustment. Journal of Child and Family Studies, Resende, A. C. & Santos, S. C. G. (2008). A polêmica
13(4), 469-482. do uso dos testes psicológicos. In: Strey, M. N. &
Piva, A. B. (2006). Fundamentos teóricos e técnicos pa- Tatim, D. C. org. Sobre ETs e dinossauros: cons-
ra uma psicanálise vincular. In A. B. Piva & cols truindo ensaios temáticos (pp. 142-162). Passo
Transmissão transgeracional e a clínica vincular Fundo: Editora Universitária.
(pp. 215-234). São Paulo: Casa do Psicólogo. Werlang, B. G. (2003a) Entrevista Lúdica. In J. A. Cunha
Piva, A. B., Ponsi, A., Saldanha, C., Gomes, E., Marti- & cols. Psicodiagnóstico – V. (pp. 96-104) Porto
ni, J., Dariano, J., Ferraro, K., Silva, M. L. D. & Alegre: Artmed.
Spizzirri, R. (2010) Origens do conceito de Inter- Werlang, B. G. (2003b). Avaliação inter e transgeracio-
subjetividade: Uma trajetória entre a Filosofia e nal da família. In J. A. Cunha & cols. Psicodiag-
a Psicanálise Contemporânea. Contemporânea nóstico – V (pp. 141-150). Porto Alegre: Artmed.
- Psicanálise e Transdisciplinaridade 9, 71-91. Wechsler, D. (1991/2002). WISC – III: Escala de Inte-
Recuperado de www.revistacontemporanea.org.br ligência Wechsler para Crianças:Manual. Adap-
Organização Mundial De Saúde – OMS. (2009). Caring tação e Padronização de uma amostra Brasileira;
for children and adolescent with mental desorders. Vera Lúcia Marques de Figueiredo. São Paulo:
Geneva: Setting WHO Directions. Casa do Psicólogo.
Ramires, V. R. R., Benetti, S. P. C., Silva, F. J. L. & Flo- Yin, R. K. (2005). Estudo de caso – planejamento e
res, G. G. (2009). Saúde Mental de Crianças no métodos. Porto Alegre: Bookman.

Recebido em: 22 de outubro de 2012


Aprovado em: 27 de novembro de 2013

Avances en Psicología Latinoamericana/Bogotá (Colombia)/Vol. 32(2)/pp. 231-245/2014/ISSNe2145-4515 245

Você também pode gostar