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PSICOLOGIA DO

DESENVOLVIMENTO:
Um texto introdutório
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Nome da disciplina: Psicologia do Desenvolvimento


Autor: João dos Santos Carmo
Colaboradores: Kelly Canavez (unidade 3), Priscila Mara de Araújo Gualberto (unidade 2); Viviane Colloca Araújo
(unidade 4).
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Sumário

Unidade 1: Uma introdução à Psicologia do Desenvolvimento


1.1 Primeiras palavras
1.2 Problematizando o tema
1.3 O que é Psicologia do Desenvolvimento
1.3.1 O Ciclo Vital
1.3.2 Parâmetros definidores do Desenvolvimento Humano
1.3.2.1 Mudanças quantitativas e qualitativas
1.3.2.2 Sequências ordenadas
1.3.2.3 Maturação
1.3.2.4 Períodos críticos ou sensíveis
1.3.2.5 Interação hereditariedade e ambiente
1.3.2.6 Eventos biológicos compartilhados, eventos culturais compartilhados e eventos individuais não-
compartilhados
1.3.4 Perspectivas teóricas em Psicologia do Desenvolvimento
1.4 Considerações finais (resumo)
1.5 Estudos complementares
1.5.1 Saiba mais
1.5.2 Sugestões de leitura

Unidade 2: O início da vida e os seis primeiros anos


2.1 Primeiras palavras
2.2 Problematizando o tema
2.3 Texto básico para estudo
2.3.1 Concebendo uma nova vida
2.3.2 Desenvolvimento Físico
2.3.3 Desenvolvimento Cognitivo
2.3.4 Desenvolvimento Psicossocial
2.4 Considerações finais (resumo)
2.5 Atividades de aplicação, prática e avaliação
2.5.1 Atividades individuais
2.5.2 Atividades coletivas
2.6 Estudos complementares
2.6.1 Saiba mais
2.6.2 Outras referências
2.6.3 Referências bibliográficas
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Unidade 3: Dos seis aos doze anos


3.1 Primeiras palavras
3.2 Problematizando o tema
3.3 Texto básico para estudo
3.3.1 Desenvolvimento Físico
3.3.2 Desenvolvimento Cognitivo
3.3.3 Desenvolvimento Psicossocial
3.4 Considerações finais (resumo)
3.5 Atividades de aplicação, prática e avaliação
3.5.1 Atividades individuais
3.5.2 Atividades coletivas
3.6 Estudos complementares
3.6.1 Saiba mais
3.6.2 Outras referências
3.6.3 Referências bibliográficas

Unidade 4: Adolescência e Idade Adulta


4.1 Primeiras palavras
4.2 Problematizando o tema
4.3 Texto básico para estudo
4.3.1 Desenvolvimento Físico
4.3.2 Desenvolvimento Cognitivo
4.3.3 Desenvolvimento Psicossocial
4.4 Considerações finais (resumo)
4.5 Atividades de aplicação, prática e avaliação
4.5.1 Atividades individuais
4.5.2 Atividades coletivas
4.6 Estudos complementares
4.6.1 Saiba mais
4.6.2 Outras referências
4.6.3 Referências bibliográficas
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Apresentação

Prezad@s Alun@s,

A Psicologia do Desenvolvimento representa uma viagem fascinante rumo ao entendimento do nosso Ciclo Vital e,
por conseguinte, oferece uma apropriação de conhecimentos necessários a todos os que pretendem trabalhar
profissionalmente com grupos e indivíduos de diferentes faixas etárias.
Ao longo deste livro é minha intenção apresentar as descobertas, fundamentos e aplicações decorrentes de
investigações realizadas acerca dos processos de desenvolvimento humano, de tal forma que vocês possam adquirir
conhecimentos relevantes que subsidiarão a prática do/a Educador/a e, mais além, servirão para ver sob um novo
ângulo os indivíduos com os quais vocês estão em contato no dia-a-dia (filhos e outros familiares, pessoas do
cotidiano).
Os leitores notarão que muitos dos exemplos referem-se a música e instrumentos musicais, percepção musical. A
escolha desse tema, como pano de fundo, nasceu em função de que a música é um fenômeno que faz parte de nosso
cotidiano. Os exemplos apresentados podem ser facikmente generalizáveis para outras áreas e contextos.

A observação dos comportamentos individuais e grupais deve ser uma habilidade a ser exercitada por qualquer
pessoa interessada em desenvolvimento humano. Observar exige lançar um olhar perscrutador para o ser humano em
interação com seu ambiente. Em outras palavras, observar é identificar, descrever e registrar regularidades no
comportamento humano e nos processos de mudança que ocorrem ao longo do Ciclo Vital. É dessa forma que os
psicólogos do desenvolvimento conseguem sistematizar um corpo sólido de conhecimentos acerca do
desenvolvimento humano.

Como observar significa identificar, descrever e registrar regularidades, torna-se importante, de início, esmiuçar um
pouco mais essa importante forma de trabalhar utilizada pelos psicólogos do desenvolvimento. Podemos fazer
observações transversais ou longitudinais.

Observações transversais são realizadas por meio de “recortes” em um fenômeno mais complexo. Nas investigações
em Psicologia do Desenvolvimento, podemos, por exemplo, utilizar recortes em relação à idade (ex., observar
crianças de cinco anos de idade), processos e fenômenos (ex., observar adolescentes de classe média interagindo com
seus pares em uma situação social; crianças tentando solucionar problemas escolares; um bebê tentando empilhar
blocos de madeira) ou casos (indivíduos, grupos pequenos e grupos grandes em momentos específicos). A observação
transversal possibilita o acesso imediato a informações importantes acerca do desenvolvimento de um indivíduo ou
grupo específico. Permite verificar processos imediatos de aquisição de habilidades específicas (motoras, cognitivas e
sociais) em contextos específicos (sala de aula; família; interação social com pares; etc.).

Observações longitudinais são realizadas ao longo de períodos amplos e objetivam identificar, descrever e registrar
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mudanças, etapas e aquisições que seguem certa regularidade ao longo do tempo. Por exemplo, psicólogos do
desenvolvimento podem acompanhar um grupo de crianças desde o nascimento até o início da idade escolar,
registrando aquilo que é típico para aquela faixa etária, levando em conta variáveis específicas e fundamentais
(condições de gestação; parto; padrões de educação em família; classe social; meio cultural, etc.). As observações
longitudinais possibilitam a generalização dos dados de uma amostra para uma população mais ampla que apresenta
características semelhantes à da amostra estudada.

Os registros das observações são realizados por meio de diferentes técnicas e com a ajuda de diferentes instrumentos.
Comumente tem-se a observação naturalística que consiste em observar e registrar comportamentos e processos sem
interferência direta e em ambiente natural. Outra técnica bastante utilizada é a observação em ambiente planejado,
em geral um laboratório onde as condições ambientais são controladas diretamente pelo observador e as
interferências são minimizadas ou retiradas. Podem-se utilizar entrevistas, questionários, formulários, testes e escalas
padronizadas, tarefas e atividades programadas, filmagem, gravação de áudio, enfim toda e qualquer técnica e recurso
que possibilite acesso e registro do evento observado. Evidentemente que as observações devem ser repetidas sob as
mesmas condições ou em contextos semelhantes a fim de se obter um grau elevado de confiabilidade e generalidade.

Com esta brevíssima explicação, quero destacar que uma tarefa fundamental para quem está iniciando seus estudos
em Psicologia do Desenvolvimento é exercitar a observação do comportamento humano. Em outras palavras, o
conjunto de informações apresentado na presente obra pode ser mais bem aproveitado à medida que leitores e leitoras
mergulharem em observações mais acuradas do cotidiano.

Espero que o material aqui apresentado sirva de guia inicial para estudos mais avançados no campo do
desenvolvimento humano.

Desejo a tod@s um excelente aprendizado!


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Ficha da disciplina

Professor responsável pela disciplina

JOÃO DOS SANTOS CARMO é psicólogo formado pela Universidade Federal do Pará e possui doutorado em
Educação pela Universidade Federal de São Carlos. É professor do Departamento de Psicologia da UFSCar e do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSCar. Coordena o Grupo de Pesquisa Análise do Comportamento e
Ensino-Aprendizagem da Matemática, registrado no diretório do CNPq, e é pesquisador do Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia Sobre Comportamento, Cognição e Ensino.

Colaboradores desta edição

KELLY CANAVEZ. Pedagoga pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais. Especialista em Docência do
Ensino Superior e em Psicopedagogia. Possui experiência em tutoria virtual no Curso de Educação Musical da
UAB/UFSCar.

PRISCILA MARA DE ARAÚJO GUALBERTO. Psicóloga pela Universidade Federal de São Carlos. Mestre em
Educação Especial pela UFSCar e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSCar. Atua como
docente do Curso de Pedagogia da Associação de Escolas Reunidas de Porto Ferreira (ASSER) e como professora
substituta do Departamento de Psicologia da UFSCar, onde leciona disciplinas nas áreas de aprendizagem e
desenvolvimento para os cursos de licenciatura. Possui experiência clínica, desenvolvendo atendimento a indivíduos
com dificuldades de aprendizagem.

VIVIANE PATRÍCIA COLLOCA ARAÚJO. Pedagoga pela Universidade Federal de São Carlos, com mestrado e
doutorado em Educação (Metodologia do Ensino) pela UFSCar. Atua como docente nos cursos de Pedagogia
presencial da Universidade Paulista – UNIP – campus Ribeirão Preto e São José do Rio Pardo. Já lecionou como
professora substituta junto ao Departamento de Metodologia de Ensino da UFSCar e como professora do Ensino
Fundamental na Prefeitura Municipal de São Carlos.

Objetivos de Aprendizagem

Definir Psicologia do Desenvolvimento e caracterizá-la como campo de investigação do desenvolvimento humano e


como fonte de subsídios às práticas profissionais em Educação;

Identificar os parâmetros observados no estudo do desenvolvimento;


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Destacar as principais perspectivas em Psicologia do Desenvolvimento, caracterizando-as e identificando


semelhanças e diferenças;

Descrever os aspectos principais do desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial em diferentes períodos do Ciclo
Vital, do nascimento à idade adulta;

Estabelecer relações entre os conteúdos estudados e a prática do/a Educador/a.

Ementário

A Psicologia do Desenvolvimento: definição, características e aplicações. Ciclo Vital e parâmetros definidores do


desenvolvimento. Multideterminação do desenvolvimento humano. Relações entre Desenvolvimento e
Aprendizagem. Perspectivas teóricas em Psicologia do Desenvolvimento. Concepção de uma nova vida: aspectos
hereditários e ambientais. O bebê e os primeiros anos de vida. Os anos pré-escolares (03 a 06 anos). A criança de 06 a
12 anos de idade. Adolescência e Idade Adulta. Aplicações ao campo educacional.

Visão geral da disciplina


A disciplina tratará da Psicologia do Desenvolvimento e insere-se no conjunto de conhecimentos e práticas que o
estudante de licenciatura deve exercitar, independentemente de sua área específica de formação na graduação.

A Psicologia do Desenvolvimento representa um campo fértil de informações que podem subsidiar desde o
planejamento até as práticas de ensino e de intervenção, uma vez que a posse de informações referentes aos processos
de desenvolvimento auxiliará os profissionais em formação a identificar atividades e formas de interação que podem
favorecer a aprendizagem em diferentes etapas do ciclo de vida.

Trabalhar com bebês e crianças é, evidentemente, bastante diferente de trabalhar com crianças mais velhas, ou
mesmo com adolescentes e adultos. Quando se está de posse dos conhecimentos relativos às características etárias,
mais facilmente poder-se-á tomar decisões relativas à linguagem a ser utilizada, formas de interação, atividades e
recursos empregados, tipos de avaliação a serem aplicados, e as possibilidades e potencialidades dos diferentes
indivíduos. Assim, na disciplina Psicologia da Educação II: Desenvolvimento, os conhecimentos adquiridos se
somarão aos demais conhecimentos trazidos por outras disciplinas, visando sempre a qualidade da formação
profissional.

Conteúdo da disciplina

A disciplina está dividida em quatro unidades. Na Unidade 1 faremos uma incursão pela Psicologia do
Desenvolvimento, apresentando sua caracterização, adentrando nos parâmetros definidores do desenvolvimento, e
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discorrendo brevemente sobre diferentes perspectivas no estudo do desenvolvimento humano. As unidades 2, 3 e 4


apresentam, respectivamente, os principais aspectos relacionados ao desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial
de bebês e crianças pequenas (Unidade 2), crianças mais velhas (Unidade 3) e adolescentes e adultos (Unidade 4). A
divisão das unidades possibilitará uma visão geral do Ciclo Vital. A disciplina está caracterizada por um tema
transversal que é a “aplicação dos conhecimentos ao campo educacional”, ou seja, cada unidade abrirá possibilidades
de reflexão e subsídios à prática do educador.
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Unidade 1 Uma Introdução à Psicologia do Desenvolvimento

1.1 Primeiras palavras

A Psicologia do Desenvolvimento é um campo muito vasto de conhecimentos. Envolve o uso de técnicas,


estratégias e planejamentos de pesquisa bastante diversificados. Além disso, os estudos são conduzidos e analisados a
partir de óticas e perspectivas diferentes. Apesar de toda essa diversidade, ao contrário do que poderia parecer à
primeira vista, a Psicologia do Desenvolvimento oferece um corpo sólido e coerente de dados e se constitui em uma
das áreas mais profícuas da Psicologia.
Nada melhor do que iniciar nosso estudo com uma caracterização geral dessa área. Entender as características,
os objetivos e o alcance da Psicologia do Desenvolvimento é a principal meta da primeira unidade de nossa
disciplina.
Talvez para a maioria dos leitores e leitoras, os conteúdos abordados apresentem conceitos novos. Aos poucos
vocês se apropriarão não só dos conceitos, mas também da linguagem utilizada por psicólogos do desenvolvimento.
Minha expectativa é de que a leitura do texto e a participação nas atividades propostas no ambiente virtual
produzam um crescimento qualitativo do alunado. Por crescimento qualitativo refiro-me à possibilidade de
estabelecer relações entre os conteúdos, superação de equívocos conceituais, reflexões amadurecidas em torno das
possibilidades de aplicação da teoria na prática profissional. Em suma, o crescimento qualitativo refere-se à
superação de um mero acréscimo de informações desvinculadas de um contexto maior de formação do educador.
A primeira unidade, portanto, é entendida como fundamental; sem ela as demais unidades não fariam tanto
sentido. Assim, se bem aproveitada, permitirá uma apropriação adequada dos conteúdos apresentados nas unidades
posteriores.

1.2 Problematizando o tema

Você já parou para pensar qual o significado cotidiano do termo “desenvolvimento”? Será que esse termo tem um
significado específico e diferenciado na expressão “Psicologia do Desenvolvimento”? Antes de iniciarmos nosso
estudo, você poderia formular uma definição própria de desenvolvimento e Psicologia do Desenvolvimento? Procure
comparar suas definições com o conteúdo a seguir e veja se você se aproximou ou se distanciou do que será
apresentado.

1.3 O que é Psicologia do Desenvolvimento

Para muitos a Psicologia do Desenvolvimento refere-se ao estudo psicológico da criança e do adolescente. Esta
visão, embora equivocada, é bastante difundida. Isto porque os primórdios dos estudos psicológicos sobre o
desenvolvimento humano concentraram sua atenção exatamente nos períodos infantil e juvenil devido a um
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entendido ingênuo de que as grandes e mais importantes mudanças ocorriam somente nesses períodos, estando o
adulto e o idoso com todas as estruturas físicas, cognitivas já estabelecidas.
Não há notícia de estudos científicos que tratassem de toda a existência humana a não ser a partir da terceira
década do século passado e, ainda assim, tais produções eram bastante raras. Dados históricos indicam que o primeiro
livro publicado com essa perspectiva data de 1939, de autoria de Sidney Pressey, intitulado Life: a psychological
survey (Vida: um inventário psicológico).
Até os anos 1970 duas expressões eram usadas com o mesmo significado: Psicologia Evolutiva e Psicologia do
Desenvolvimento, vindo esta última a ser adotada posteriormente pela comunidade científica, tendo a primeira
expressão praticamente desaparecido a partir dos anos 1980, embora ainda encontremos, principalmente em alguns
países de fala espanhola, o uso corrente das duas expressões. Seja como for, em nosso país e em países de língua
inglesa a expressão que se popularizou é Psicologia do Desenvolvimento.
Feitos esses esclarecimentos iniciais, apresentamos algumas definições correntes de Psicologia do
Desenvolvimento:

“Estudo científico de como as pessoas mudam, bem como das características que permanecem razoavelmente
estáveis durante toda a vida” (PAPPALIA, OLDS e FELDMAN, 2006, p. 47)

“Essa área da Psicologia estuda o desenvolvimento do ser humano em todos os seus aspectos: físico-motor,
intelectual, afetivo-emocional e social – desde o nascimento até a idade adulta, isto é, a idade em que todos estes
aspectos atingem o seu mais completo grau de maturidade e estabilidade” (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 2002,
P. 97)

“Parte da Psicologia que se ocupa dos do estudo dos processos de mudança psicológica que ocorrem ao longo da
vida humana” (PALACIOS, 1995, p. 9)

“Estudo sistemático do desenvolvimento da personalidade humana, desde a formação do indivíduo, até à velhice ou
estágio final da vida (...). estuda os aspectos cognitivos, emocionais, sociais e morais da evolução da personalidade,
bem como os fatores determinantes de todos esses aspectos do comportamento do indivíduo” (ROSA, 1983, p. 11)

“Ramo da psicologia que investiga a evolução da estrutura física, comportamento e funcionamento mental nas
pessoas e animais de qualquer ponto após a concepção até qualquer ponto antes da morte” (DAVIDOFF, 1983, p.
726)

Estas cinco definições são suficientes para esboçar uma concepção abrangente de Psicologia do
Desenvolvimento.
Antes, porém, alguns aspectos devem ser ressaltados: todas as definições trazem, de forma explícita ou
implícita, duas idéias importantes: mudança e vida. Além disso, algumas definições destacam que se trata de uma
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área ou ramo da Psicologia. Outras ainda identificam aspectos específicos da mudança ao longo da vida (físico-
motores, cognitivos, afetivos, sociais...). Outra idéia importante é a de estabilidade, ou seja, os aspectos que
permanecem, apesar das mudanças gerais por que passa o indivíduo. Finalmente, uma das definições enfatiza que a
Psicologia do Desenvolvimento estuda, também, outras espécies além do homem. Esta afirmação faz sentido na
medida em que se sabe que muitos estudos são conduzidos para investigar fenômenos presentes em diferentes
espécies. Exemplos desses fenômenos são o imprinting, o apego, a habituação, dentre outros que serão estudados ao
longo das unidades deste livro.

Com base nas definições e comentários, apresentamos a seguinte definição:

Psicologia do Desenvolvimento (também chamada, menos freqüentemente, de Psicologia Evolutiva) é uma área da
Psicologia dedicada ao estudo das mudanças e das características duradouras que a vida de um indivíduo, desde sua
concepção até a velhice ou até quando durar sua vida. Dentre os aspectos investigados, temos as características
físicas, cognitivas, sociais, afetivas, estudados a partir de uma perspectiva integradora, abrangendo os fatores
hereditários e ambientais determinantes das mudanças e das regularidades percebidas.

1.3.1 O Ciclo Vital


A definição de Psicologia do Desenvolvimento requer uma breve explicação acerca de um conceito já
explicitado: Ciclo Vital.
Por Ciclo Vital entende-se o período amplo que caracteriza a existência humana, da concepção ao nascimento,
da infância à velhice, e da velhice à morte. Em outras palavras, embora as vidas individuais apresentem diferentes
tempos de existências (algumas nem sequer chegam ao fim da infância), um ciclo completo de vida abrange as
seguintes etapas: concepção; vida intra-uterina; nascimento; infância; adolescência; juventude; adultez; velhice;
morte. Essas etapas ocorrem em uma sequência fixa.
A idéia de Ciclo Vital, porém, não se restringe apenas à identificação de etapas seqüenciais. Envolve,
também, a descrição de todos os acontecimentos na vida de um indivíduo e de todos os aspectos ambientais e
hereditários que determinam ou influenciam os rumos do desenvolvimento individual.
A abrangência do conceito é tal que, em certo sentido, podemos dizer que a Psicologia do Desenvolvimento
nada mais é que o estudo do Ciclo Vital, em toda a amplitude abarcada por este conceito

1.3.2 Parâmetros definidores do Desenvolvimento Humano


Se entendermos que o Ciclo Vital refere-se ao próprio desenvolvimento humano, então devemos olhar para
esse ciclo a partir de diferentes ângulos, de forma a poder gerar um entendimento abrangente e integrado da vida
humana. Esses ângulos são os parâmetros que usamos para estudar, descrever e sistematizar nosso entendimento
acerca das mudanças e regularidades do desenvolvimento, conforme veremos a seguir.

1.3.2.1 Mudanças quantitativas e qualitativas


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No desenvolvimento, mudanças quantitativas referem-se aos acréscimos de qualquer natureza: físicos;


conhecimento; vocabulário; rede de relacionamento social, etc.
Mudanças qualitativas referem-se a funções e habilidades que são adquiridas ou surgem por impositivos
biológicos e são refinadas a partir de experiências adquiridas. Como exemplo, temos a habilidade de escrita, que
envolve um refinamento na motricidade fina a fim de segurar o lápis, além de refinamento de outras habilidades
motoras e viso-motoras.
Tanto mudanças quantitativas quanto qualitativas ocorrem ao longo da vida do indivíduo e tendem a manter-
se relativamente estáveis por um período variável de tempo.
Essas mudanças não são simplesmente ocorrências passageiras sem maiores conseqüências; ao contrário, são
ocorrências cuja função é ampliar possibilidades, alterar habilidades, fazer surgir características e preparar o
organismo para a aquisição de novas experiências.
1.3.2.2 Sequências ordenadas
O desenvolvimento humano segue um padrão que podemos chamar de seqüências ordenadas e que estão
determinados filogeneticamente.
Da concepção ao nascimento a formação do bebê segue uma seqüência que vai da fecundação do óvulo pelo
espermatozóide até as primeiras divisões celulares, transformação em embrião, depois em feto e, finalmente, o bebê
pronto para vir ao mundo.
Do nascimento até os primeiros passos, o bebê apresenta uma seqüência progressiva de habilidades: posição
fetal, posição de bruços, erguimento da cabeça e tórax, rolar, sentar, engatinhar, ficar de pé, caminhar.
Do balbucio à aquisição da fala há, também, uma seqüência a ser seguida.
Enfim, em todos os aspectos do desenvolvimento podemos identificar e descrever ocorrências que surgem em
determinada ordem. Notemos, entretanto, que essas seqüências, embora biologicamente determinadas, apresentam
variações de indivíduo para indivíduo.
1.3.2.3 Maturação
As seqüências ordenadas são parte de um processo chamado maturação. Por maturação entende-se o
surgimento de padrões geneticamente determinados, seja em relação a mudanças físicas ou em relação a
comportamentos. Estes padrões surgem dentro de uma seqüência relacionada a momentos específicos e, em geral,
incluem a prontidão para novas habilidades.
1.3.2.4 Períodos críticos ou sensíveis
Há momentos específicos em que os organismos estão mais predispostos ou altamente susceptíveis a
apresentar ou adquirir determinados comportamentos em função de um contexto específico. As expressões “crítico” e
“sensível” são usadas para designar esse momento de maior sensibilidade ou susceptibilidade.
O exemplo mais famoso é o estudo que o etólogo Konrad Lorenz (1903-1989) realizou com gansos e patos.
Lorenz descobriu que gansos, ao saírem da casca dos ovos, seguem qualquer coisa que estiver se movimentando à sua
frente. A esse processo chamou de imprinting (ou estampagem). O imprinting só ocorria em um período específico
entre o nascimento e até cerca de dois dias após começarem a andar. Em períodos posteriores o processo de
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estampagem não funcionava. O próprio Lorenz resolveu ser o alvo móvel e os gansos passaram a segui-lo, ignorando
sua mãe.
Processos semelhantes podem ocorrer com seres humanos. Assim, por exemplo, em nossa espécie a acuidade
visual pode ser afetada se crianças forem privadas de estimulação visual entre seis meses e seis anos, podendo
desenvolver um quadro severo de perda na acuidade visual, chamado de ambioplia. Em relação à linguagem, há
dados na literatura mostrando que sua aquisição talvez esteja dependente de períodos sensíveis em nossa espécie.
Assim, tem-se registrado que crianças expostas a uma nova língua no período compreendido entre 12 meses e seis
anos de idade, adquirem a nova língua mais rapidamente, com maior facilidade e não apresentam sotaque estrangeiro.
Crianças com idade entre seis e 12 anos também aprendem uma nova língua com extrema facilidade, porém há a
permanência de ligeiros acentos estrangeiros; enquanto adultos tendem a manter o sotaque estrangeiro, mesmo tendo
desenvoltura no uso da nova língua.
Estes períodos ótimos (ou seja, críticos ou sensíveis) ainda estão sendo investigados e não há dados
conclusivos que apóiem ou que neguem a existência dos mesmos, porém já há certa segurança em afirmar que
determinadas áreas do cérebro possuem maior plasticidade na infância, o que facilita a aquisição de determinadas
habilidades, não ocorrendo da mesma forma com a passagem do tempo. Seja como for, o papel do ambiente é
extremamente importante na ampliação das possibilidades de desenvolvimento das diversas habilidades e sentidos
humanos.

1.3.2.5 Interação hereditariedade e ambiente

Uma das questões principais entre os estudiosos do desenvolvimento envolve identificar o papel e a
importância de fatores hereditários e fatores ambientais nos processos de desenvolvimento.
Em que medida as mudanças quantitativas e qualitativas são um efeito do que trazemos em nossa dotação
genética ou do que adquirimos por meio da aprendizagem?
A tendência atual é identificar hereditariedade e ambiente em interação, não havendo necessidade de procurar
qualquer proporção de influência de um ou outro aspecto.
Nascemos com uma dotação genética (combinação dos genes herdados dos pais) que nos predispõe a
determinadas ocorrências e mudanças ao longo da vida. Além disso, apresentamos alguns padrões de seqüência de
desenvolvimento, fruto da evolução de nossa espécie. Alguns aspectos da dotação genética são determinantes, porém
a grande maioria são tendências que podem ou não se realizar em função das experiências ambientais.
Por experiências ambientais nos referimos a situações diferenciadas: a família; a cultura local; as condições
socioeconômicas; o bairro em que mora; são aspectos fundamentais que poderão exercer influências decisivas no
desenvolvimento geral do indivíduo, sobrepujando inclusive alguns aspectos biológicos.

1.3.2.6 Eventos biológicos compartilhados, eventos culturais compartilhados e eventos individuais não-
compartilhados
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Os eventos biológicos compartilhados referem-se às seqüências geneticamente determinadas e que são


experienciadas pelos membros de nossa espécie. A eclosão da puberdade é um bom exemplo. Todos nós passamos
por esse conjunto de mudanças físicas em algum momento que gira em torno dos dez aos quatorze anos de idade.
Maturação, seqüências progressivas e períodos críticos fazem parte desses eventos.
Os eventos culturais compartilhados dizem respeito às práticas grupais e experiências oferecidas aos
indivíduos e que são, em geral, vivenciadas por todos ou pela maioria dos membros de um dado grupo.
Os eventos individuais não-compartilhados são constituídos por todas as experiências e mudanças particulares
na vida de um indivíduo e que exercem um efeito determinante no restante de seu desenvolvimento. Podem ser
ocorrências e mudanças positivas ou negativas.

1.3.3 Perspectivas teóricas em Psicologia do Desenvolvimento

Conforme já enfatizado no item 1.3, há diferentes enfoques teóricos em Psicologia do Desenvolvimento e há,
também, diferentes formas de classificá-los. Nossa intenção é apenas situar os leitores e leitoras quanto às
características principais de algumas perspectivas, não havendo espaço mais amplo para aprofundamento.
Cada perspectiva teórica envolve diferentes representantes e cada representante desenvolve um conjunto de
estudos, dando ênfase a aspectos específicos do desenvolvimento. Em outras palavras, as perspectivas teóricas são
menos ou mais abrangentes, dependendo do(s) ângulo(s) e do(s) aspecto(s) abordados.
Para nossas necessidades, na disciplina, descreveremos apenas duas perspectivas: Contextual e Cognitivista.
Outras perspectivas são: Aprendizagem (Teoria Sociocognitiva de Albert Bandura e Teoria Behaviorista, de
Skinner); Humanista (Teoria da Auto-Realização, de Maslow); Etológica (Teoria do Apego, de Bowlby);
Psicanalítica (Teoria Psicosexual, de Freud, e Teoria Psicossocial, de Erickson). Alguns aspectos dessas perspectivas
serão apresentados ao longo das próximas Unidades.

Feitas essas considerações, vamos à descrição:

1.3.3.1 Perspectiva Contextual


O desenvolvimento só pode ser estudado e compreendido a partir do contexto social. Para os contextualistas, o
indivíduo é parte integrante e indissociável do meio. As teorias pertencentes a essa perspectiva não dão destaque aos
estágios de desenvolvimento, e sim às interações do indivíduo com o meio.
A Perspectiva Contextual abrange a Teoria Bioecológica de Urie Bronfenbrenner (1917-2005) e a Teoria
Sociocultural de Lev Vygotsky (1896-1934).

1.3.3.1.1. Teoria Bioecológica: todo organismo biológico desenvolve-se em um sistema ecológico específico; assim,
para entender o desenvolvimento de membros da nossa espécie, precisamos conhecer nossa ecologia, isto é, os
sistemas ecológicos que determinam os rumos de nosso desenvolvimento.
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Bronfenbrenner propõe que o desenvolvimento em nossa espécie apresenta processos cada vez mais
complexos de interação e mútua determinação entre a pessoa e o ambiente cotidiano imediato. Mais que isso,
Bronfenbrenner defende a necessidade de olharmos para nossa ecologia a partir de cinco sistemas complexos em
interação:
1) microssistema: atividades cotidianas que ocorrem em casa, escola, bairro, local de trabalho, ou seja, nos
diversos ambientes imediatos da pessoa. É no microssistema que o indivíduo recebe as influências mais amplas da
sociedade (valores sociais; regras de conduta; crenças socialmente compartilhadas etc);
2) mesossistema: é a determinação dada pela influência conjunta de dois ou mais microssistemas em
interação; por exemplo, família-escola, associação do bairro-unidade de saúde, etc.
3) exossistema: caracteriza-se pelas interações entre dois ou mais microssistemas, porém um deles não é um
ambiente freqüentado pela criança, embora possa afetá-la indiretamente. Como exemplo, o local de trabalho dos pais
e o lar. Freqüentemente ocorre que algo no trabalho afete o pai ou a mãe e isso pode interferir na qualidade do
relacionamento com a criança;
4) macrossistema: é o conjunto amplo de padrões de comportamento, crenças e valores que caracterizam uma
dada cultura e que passam a influenciar o modo de ser individual;
5) cronossistema: refere-se às mudanças significativas que ocorrem no mundo em que a pessoa vive ao longo
do tempo. Há inúmeros exemplos de mudanças ao longo da vida: nascimento de outros irmãos; separação dos pais;
mudança de residência; mudança de cidade; mudanças no sistema econômico que passam a influenciar diretamente a
vida dos cidadãos, etc.

1.3.3.1.2 Teoria Sociocultural: destaca que a aprendizagem (inclusive a aprendizagem dentro da escola) é o principal
fator de promoção do desenvolvimento. Para Vygotsky, os aspectos sociais e culturais, aliados à aprendizagem,
determinam os rumos do desenvolvimento dos indivíduos.
Vygotsky criticou a forma tradicional de avaliar o desenvolvimento cognitivo. Os testes e escalas avaliavam
apenas o que a criança já havia adquirido. A esse conjunto de repertórios que a criança já apresentava, Vygostky
chamou de Zona de Desenvolvimento Real. Entretanto, para o pesquisador russo, conhecer o que a criança já havia
desenvolvido não era suficiente e propôs outro indicador: a Zona de Desenvolvimento Próximo – ZDP (também
chamada de Zona de Desenvolvimento Proximal). Este nível de desenvolvimento refere-se ao repertório que a criança
ainda não apresenta com independência, mas que é capaz de desempenhar caso tenha a colaboração de um parceiro
mais experiente (professor, outra criança mais velha, pais ou outro adulto). A ZDP situa-se, portanto, entre a Zona de
Desenvolvimento Real e a Zona de Desenvolvimento Potencial, esta entendida como o conjunto de habilidades ainda
não desenvolvidas.

Perspectiva Cognitiva
A ênfase dada é em relação aos processos de pensamento e aos comportamentos observáveis que nos ajudam
a entender esses processos. Assim, o desenvolvimento, nessa perspectiva, sofre um recorte; ou seja, as teorias
pertencentes a essa perspectiva enfatizam o desenvolvimento cognitivo. Dentre as teorias pertencentes a essa
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perspectiva, temos a Teoria de Processamento De Informações e a Teoria dos Estágios Cognitivos. Daremos destaque
a essa última em função de sua importância para nosso curso.

Teoria dos Estágios Cognitivos: Jean Piaget (1896-1980) é, sem dúvida, um dos pesquisadores mais influentes na
Psicologia do Desenvolvimento. Seu trabalho é bastante extenso e rico e sua teoria dos estágios dificilmente pode ser
resumida em poucas palavras. O que passamos a expor a seguir são apenas alguns pontos essenciais, os quais servirão
para o entendimento de aspectos específicos a serem estudados nas Unidades 2 e 3.

1) O pensamento da criança é qualitativamente diferente do pensamento do adulto;


2) A inteligência não se refere a acúmulo de conhecimentos, mas a adaptação e organização, sendo estes
processos biológicos esperados em nossa espécie;
3) A adaptação envolve dois subprocessos: assimilação e acomodação. Assimilação é a capacidade de retirar
informações essenciais acerca do objeto a ser conhecido, ou seja, refere-se a dar significado ao objeto e
incorporá-lo a uma estrutura cognitiva já existente. Acomodação refere-se a modificações na estrutura
cognitiva já existente em função das particularidades do objeto a ser conhecido. Tomemos o exemplo de
uma criança que entra em contato, pela primeira vez, com uma cadeira de rodas. Nessa situação nova a
criança passa a assimilar o novo objeto extraindo dele informações e significados essenciais,
incorporando-o a estruturas cognitivas prévias (a noção geral de cadeira); porém como este é um objeto
especial que detém características que extrapolam o significado específico e delimitado de cadeira (uma
noção já construída pela criança), será necessário reorganizar os conhecimentos prévios (alterar a estrutura
cognitiva) através do processo de acomodação a fim de dar significados a essa nova situação: cadeiras não
servem apenas para sentar; há cadeiras cuja função principal é transportar, embora ainda continuem
servindo para sentar;
4) Piaget identifica diversos processos presentes no desenvolvimento do pensamento, porém um deles parece
fundamental: a abstração, que Piaget divide em abstração empírica e abstração reflexionante. A
abstração empírica refere-se à possibilidade de extrair informações do objeto. Uma criança pode, por
exemplo, chegar a algumas conclusões acerca de um carrinho de brinquedo: é amarelo; tem quatro rodas;
as portas abrem; é feito de ferro; é menor que um outro carrinho que ganhou no mês passado, embora
ambos sejam amarelos e de ferro. Já a abstração reflexionante refere-se à possibilidade de pensar sobre o
próprio pensamento. No exemplo do carrinho, seria pensar sobre os julgamentos que faz em relação ao
carrinho e as comparações que está fazendo com outro carrinho. Em outras palavras, seria o pensar sobre o
pensar;
5) A abstração, embora seja uma capacidade presente em crianças pequenas, tende a apresentar uma
qualidade e complexidade maior com o passar das idades;
6) O desenvolvimento do pensamento infantil segue estágios regulares e tendem a se aproximar cada vez
mais da forma de pensar dos adultos;
18

7) Os estágios não estão definidos por faixa etária, porém em função do desenvolvimento gerado do
organismo, determinadas estruturas cognitivas e funções tendem a aparecer por volta de determinadas
idades;
8) Não há uma progressão linear nos estágios. Ao contrário, o que ocorre são descontinuidades, rupturas e
saltos qualitativos que caracterizam um estágio como qualitativamente diferente do anterior, mas
estruturado a partir das conquistas já feitas pela criança;
9) Os estágios identificados e descritos por Piaget são três: 1) estágio sensório-motor; 2) estágio pré-
operacional; 3) estágio operacional. Este último é subdividido em dois: estágio das operações concretas
(ou operacional concreto) e estágio das operações formais (ou operacional formal);
10) Antes de falarmos de cada estágio, convém especificar alguns parâmetros utilizados por Piaget na
definição de estágio: 1) permanência do objeto, ou seja, a noção de que um objeto continua a existir
mesmo que não esteja ao alcance da visão; 2) representação, ou seja, a capacidade de pensar em um
objeto a partir de um outro objeto; 3) mudanças qualitativas na representação, isto é, cada estágio
apresenta formas qualitativas diferentes de representar; 4) operação, definida como ação interiorizada
reversível, ou seja, a capacidade de pensar em uma ação (ação interiorizada) e reconstruir o caminho
traçado pela ação (reversível). A ausência de uma dessas capacidades, a presença delas e a qualidade com
que se manifestação são os critérios essenciais para delimitação dos estágios;

Vejamos um resumo de cada estágio do desenvolvimento cognitivo, segundo Piaget:


Estágio Sensório-motor: inicia no nascimento e se estende até por volta dos dois anos de idade. Há
predominância dos reflexos. Aos poucos o bebê começa a interagir com o mundo e inicia a construção da
permanência do objeto; também ocorre a imitação diferenciada, ou seja, imitar na ausência da coisa imitada, e isso já
é um forte indício de representações iniciais do mundo. Os movimentos passam a ser cada vez mais coordenados e
cada movimento produz mudanças no mundo ao redor. A descoberta de que os movimentos produzem alterações no
mundo leva o bebê a repetir inúmeras vezes a mesma ação, mostrando-se incansável nessa repetição. Há claramente a
princípio o bebê parecer reagir ao mundo como se este fosse causado por suas ações, mas aos poucos consegue
identificar que há causalidade independente de suas ações. Esse é um progresso importantíssimo que o faz
diferenciar-se do mundo. Outro progresso importante é a capacidade de manipular objetos para alcançar outros
objetos, como, por exemplo, quando uma criança levanta um anteparo que estava cobrindo uma bola a fim de apanhar
a bola. Enfim, é o período em que sentidos e movimentos entram em coordenação e sincronia (daí a expressão
“sensório-motor”) a fim de possibilitar as primeiras representações internas de si e do mundo;

Estágio Pré-Operacional: ocorre aproximadamente entre dois e sete anos de idade. O que caracteriza este
período é uma capacidade de representar qualitativamente diferente do período anterior. Enquanto no estágio
sensório-motor as representações são apenas rudimentos e estão diretamente ligadas às ações imediatas e suas
conseqüências, no período pré-operacional a representação é bem mais complexa e pode ocorrer na ausência do
objeto. Os indícios dessa representação são as famosas brincadeiras de faz-de-conta, os desenhos, as imitações, o
19

reconhecimento de si no espelho, em fotografias e filmes. Embora a representação seja a característica marcante


dessa fase, Piaget dá o nome de “pré-operatório” para enfatizar as lacunas que seriam preenchidas no estágio
posterior ou operatório. Uma dessas lacunas é a dificuldade que a criança ainda apresenta de colocar-se no ponto de
vista do outro; assim, por exemplo, a criança pode falar de coisas que do seu ponto de vista são óbvias, e por serem
óbvias para ela, esta julga que são igualmente óbvias para os demais. Essa característica foi chamada de
egocentrismo. Porém, do ponto de vista das aquisições (e não das lacunas), além da representação é nesse período que
a criança passa a adquirir maior domínio sobre a linguagem, o que a introduz nas regras de convivência social e, ao
ampliar as interações sociais, o contato mais intenso com o outro possibilita à criança desenvolver noções morais (o
que pode ou não pode, o que é certo ou errado, o bem e o mal, o ruim e o bom...) de forma bem mais clara que no
período anterior.

Estágio Operacional Concreto: ocorre por volta dos sete aos onze anos de idade. O início deste estágio
coincide com o início da escolarização e há um consenso (mesmo entre pesquisadores não-piagetianos) de que
profundas mudanças na forma de pensar ocorrem nesse período. A aquisição mais complexa é a ação interiorizada
reversível, já explicada no item 10. Conseguem distinguir entre fantasia e realidade e entre coisas temporárias e
coisas permanentes. Neste período há maior flexibilidade de pensamento e conseguem solucionar problemas
mentalmente, embora sempre necessitando de objetos concretos, mesmo que estes estejam apenas ao alcance da visão
ou façam parte do próprio corpo (contar os próprios dedos, por exemplo). É capaz de usar um raciocínio indutivo,
isto é, a partir de algumas poucas experiências pode chegar a princípios gerais. O domínio das operações matemáticas
básicas, bem como a capacidade de contar com sentido e de ordenar as coisas e eventos em ordem crescente e
decrescente, são habilidades especiais que aumentam seu domínio sobre o mundo. É nesse estágio que a conservação
de quantidades é marcante.

Estágio Operacional Formal: a partir dos onze anos em diante. O pensar sobre o pensar, pensar sobre as
idéias, organizar as idéias mentalmente, abstração, eis as características marcantes desse período. Flexibilidade e
autonomia de pensamento, características que vão coincidir com a entrada na adolescência. Essa independência e
maior capacidade de abstração são marcadas pelo uso de raciocínio dedutivo, caracterizado pela forma “se...então”
(se todos os homens são mortais e eu sou homem, então eu sou mortal), pelo uso de premissas lógicas e aplicação de
conclusões transitivas (se A é maior que B e B é maior que C, então A é maior que C). A capacidade de uso de crítica
é decorrência da independência de pensamento. A partir deste estágio, o indivíduo chega ao pensamento adulto.

1.4 Considerações finais

Chegamos ao final de nossa Unidade 1. Uma série de conceitos e explicações foi necessária a fim de
sedimentar o terreno para as informações que virão nas unidades seguintes. O desenvolvimento humano, como
vimos, pode ser estudado sob diferentes perspectivas e com uma diversidade de instrumentos e estratégias de
pesquisa.
20

Nesta primeira Unidade tratamos de situar a Psicologia do Desenvolvimento enquanto área de investigação
dos processos envolvidos no desenvolvimento humano. Vimos um conceito fundamental, o Ciclo Vital, e
identificamos alguns parâmetros que nos permitem entender nuances do Ciclo Vital. Os recortes dados no estudo do
desenvolvimento e, portanto do Ciclo Vital, nos ajudam a aprofundar aspectos fundamentais. Assim, podemos olhar
para o desenvolvimento físico, desenvolvimento cognitivo, desenvolvimento psicossocial, desenvolvimento
psicossexual, desenvolvimento afetivo; mas, essa não deixa de ser uma divisão arbitrária, uma vez que todos esses
ângulos estão integrados no indivíduo e dependem de fatores biológicos e ambientais, os quais determinam nossa
existência e nos tornam seres únicos.
Após a leitura da primeira Unidade, seria importante você fazer uma pausa e tentar elaborar sua própria
definição de Psicologia do Desenvolvimento. Qual seria sua definição? O que você destacaria de importante nessa
definição? Pense a respeito.

1.5 Estudos complementares


Apresentamos a seguir algumas sugestões que poderão enriquecer seus conhecimentos acerca da Psicologia
do Desenvolvimento.

1.5.1 Saiba mais

Sugerimos que assista ao documentário “A Invenção da Infância”


(http://www.portacurtas.com.br/pop_160.asp?cod=672&Exib=6008). Lá será discutido uma questão extremamente
importante: não há infância e sim infâncias; ou seja, as condições concretas de vida nos levam a identificar que a
existência individual e a própria subjetividade são forjadas a partir das experiências culturais e sociais, a tal ponto que
se torna necessário rever nossas concepções do que é ser criança e do que vem a ser infância. Estudar
desenvolvimento humano sem refletir sobre essas questões é reduzir significativamente nossas possibilidades de um
entendimento abrangente dos fatores que nos tornam seres únicos.

1.5.2 Sugestões de leitura

Para uma visão abrangente da Psicologia do Desenvolvimento, um manual que traz uma série de informações
que sedimentarão os conhecimentos tratados na presente Unidade. Sugerimos consultar os capítulos 1 e 2 de:
Bee, H. (1997). O ciclo vital. Porto Alegre: ArtMed.

Para aprofundar seus conhecimentos sobre as teorias abordadas na presente Unidade, sugerimos:

Teoria Bioecológica:
Brofenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre:
ArtMed.
21

Teoria dos Estágios Cognitivos:


Piaget, J. & Inhelder, B. (2006). A psicologia da criança. 2 ed. Rio de Janeiro: DIFEL.

Teoria Sociocultural:
Vygotsky, L. S. (2005). Pensamento e linguagem. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes.
22

Unidade 2 O início da vida e os seis primeiros anos

2.1 Primeiras palavras

A primeira Unidade teve como objetivo apresentar aos leitores e leitoras a área denominada Psicologia do
Desenvolvimento. Na presente unidade faremos uma incursão por aspectos específicos do desenvolvimento humano,
abrangendo desde a concepção e gestação e indo até a primeira infância (0 a 3 anos) e segunda infância (3 a 6 anos).
Para nos tornarmos mais didáticos, o desenvolvimento é dividido em áreas – físico-motor, cognitivo e psicossocial –
mas deve ficar claro que a criança se desenvolve integralmente e que as diferentes áreas de desenvolvimento são
interdependentes.
Você notará uma mudança de enfoque na redação, pois passaremos a citar diversas referências que poderão
ser consultadas para aprofundamento. Outra mudança de enfoque é a apresentação de dados de pesquisa relacionados
ao desenvolvimento da percepção musical, bem como dados acerca da influência de estímulos musicais no
desenvolvimento de aspectos específicos, como pensamento e linguagem.

2.2 Problematizando o tema

Já sabemos que somos indivíduos únicos e que as diferentes etapas do Ciclo de Vida apresentam
particularidades, a tal ponto que uma criança é, em diversos aspectos, qualitativamente diferente de adolescentes e de
adultos. Assim, a antiga visão de que a criança é um adulto em miniatura cai por terra, em função de que os dados
observacionais e experimentais dão ampla sustentação a essas diferenças e particularidades. Porém, você já refletiu
mais detidamente acerca de quais são essas diferenças e particularidades? Em que medida o ambiente pode
determinar as peculiaridades e capacidades de um bebê e de crianças pequenas? Qual o papel dos fatores biológicos
na configuração do ser humano? Procure formular respostas provisórias a essas questões e acompanhe o desenrolar
da Unidade a fim de comparar suas reflexões iniciais com o conteúdo apresentado.

2.3 Concebendo uma nova vida

A vida humana começa no momento da concepção, isto é, no momento em que um espermatozóide consegue
fecundar um óvulo. Deste encontro forma-se uma célula-ovo fertilizada, chamada de zigoto. Como as células
humanas possuem 46 cromossomos cada, o zigoto recebe 23 cromossomos vindos do espermatozóide e 23
cromossomos vindos do óvulo; ou seja, o zigoto possui uma combinação de cromossomos do pai e da mãe, num total
de 46 cromossomos agrupados em pares. Cada par de cromossomos é composto por um cromossomo da mãe e outro
do pai. O vigésimo terceiro par determina o sexo do futuro bebê (DAVIDOFF, 1983).
Esta brevíssima descrição pode sugerir que a concepção se reduz a um mero fenômeno biológico. Porém, não
é exatamente essa a realidade.
23

Conceber uma vida, além de ser um evidente fenômeno biológico, envolve também aspectos sociais e
psicológicos que começam antes mesmo da concepção e se estendem ao longo do processo gestacional.
Carmo (no prelo) informa que, antes da concepção, uma vida é determinada pelas expectativas e dinâmicas
envolvendo pai e mãe. Assim, cada concepção está envolvida em uma das seguintes condições:

1) Gravidez desejada e planejada


2) Gravidez desejada, mas não-planejada
3) Gravidez não-desejada, mas planejada
4) Gravidez não-desejada e não-planejada

Claro que uma gravidez que foi desejada e planejada é qualitativamente diferente das demais condições, sendo
possível inferir que a qualidade da interação da mãe com o feto será bastante diferente. Em outras palavras, uma
mulher grávida, que desejou e planejou a gravidez, poderá, com maior probabilidade, interagir com a vida em
formação através de afagos na barriga, canções e murmúrios, além dos cuidados médicos necessários. São atividades
às quais se entregará com maior prazer do que uma mulher que está grávida sem desejar e/ou sem planejar.
O desenvolvimento pré-natal é freqüentemente dividido em trimestres, porém seria mais interessante dividi-lo
em três períodos: germinal, embrionário e fetal.

Período germinal: inicia na concepção e se estende até duas semanas, quando o ovo fertilizado se implanta na parede
do útero;
Período embrionário: inicia a partir da implantação do ovo fertilizado na parede uterina e se estende até o final dos
dois primeiros meses de gestação;
Período fetal: começa no início do terceiro mês e se prolonga até o nascimento.

Durante a formação do novo ser, uma série de influências ambientais (além das já citadas) tem um papel
determinante no desenvolvimento do futuro bebê, dentre elas:
• Idade materna: mulheres adolescentes podem apresentar e mulheres acima dos trinta anos apresentam maior
probabilidade de gerarem um bebê com alguma anomalia congênita; porém, esses riscos têm diminuído em
função dos exames pré-natais e do aumento na qualidade de vida da população em geral. Apesar disso, a idade
pode ser um fator de risco se associada a uso de álcool ou de outras drogas, bem como outros fatores
socioeconômicos.
• Saúde e nutrição materna: baixa nutrição da mãe pode causar um reduzido desenvolvimento do cérebro
(CRAIG & DUNN, 2007), não só no período fetal, mas também nos primeiros anos de vida, principalmente se
a desnutrição da mãe ocorrer por um período prolongado durante a gravidez.
• Cuidados pré-natais: evidentemente os cuidados pré-natais estão diretamente associados ao nascimento de
bebês saudáveis.
24

Outras interferências ambientais também estão presentes: o apoio ou ausência do pai; os cuidados e suportes
dados pelos familiares próximos; condições de moradia e de trabalho; alimentação; uso de álcool, tabaco ou outras
substâncias tóxicas; quedas e outros acidentes; doenças; realização de pré-natal; etc. Em resumo, a situação geral da
mulher grávida altera substancialmente o ambiente químico no qual o bebê em formação se encontra: o útero (BEE,
1986; DAVIDOFF, 1983)

Feto e música
O feto ouve sons? Consegue identificar a voz da mãe? Reage a músicas? Caso sim, a criação de ambientes
sonoros agradáveis poderá alterar as reações do feto, tornando-o mais calmo e influenciando seu desenvolvimento
intra-uterino? Segundo Cabrera (2007):

“a visão que se tinha do útero como um lugar tranqüilo, escuro e silencioso, cai por terra. Hoje, sabe-se que o útero
é, na verdade, um lugar bastante ruidoso, onde o feto pode ouvir tanto sons externos, embora abafados pelo líquido
amniótico e a placenta, quanto os sons internos, provenientes do corpo da própria mãe, como os batimentos
cardíacos, a digestão e a circulação sanguínea” (p. 47).

Ainda segundo Cabrera (2007) alguns estudos indicam que o feto possui capacidade de sons e melodias. A
autora cita o caso de recém nascidos que apresentam diminuição dos batimentos cardíacos após ouvirem melodias
que eram entoadas no último trimestre de gravidez.
Se o feto em formação já é capaz de uma série de reações e, inclusive, de memorização, o que pensar do
neonato e das capacidades apresentadas pelos bebês? Nos tópicos a seguir, serão apresentadas as principais
características de desenvolvimento de zero a seis anos.

2.3.1 Desenvolvimento físico-motor de zero a seis anos de idade

Desde o momento da concepção, o processo de crescimento físico entra em ação. O crescimento pré-natal é
tão importante quanto acelerado e nos períodos embrionário e fetal ocorrem processos físicos importantes (COLL,
PALACIOS e MARCHESI, 1995).
No período embrionário, os processos de morfogênese e histogênese fazem com que o organismo se
diferencie. Na morfogênese, há a diferenciação progressiva das partes do corpo (cabeça, ombro, braços, pernas, etc.)
e na histogênese ocorre a diferenciação das células em tecidos especializados (por exemplo, tecidos epitelial e
nervoso).
Durante o período fetal, o crescimento ocorre em “alta velocidade”, o corpo termina sua formação e vai se
tornando cada vez mais proporcional. O feto para de crescer quando ocupa todo o espaço disponível no útero
materno, o que vai acontecer entre o oitavo e nono mês após a concepção.
25

As nascer, a saúde do bebê é diagnosticada por uma série de exames. Um teste comumente utilizado é o Teste
de Apgar. Trata-se de uma escala que mede, de forma rápida, cinco aspectos no recém-nascido, conforme se pode
observar no Quadro 1.
Cada um dos aspectos recebe uma pontuação e, após a somatória, uma pontuação 7 ou mais indica um bebê
em boas condições físicas; uma pontuação entre 4 e 6 indica que o recém-nascido precisa de cuidados especiais; e
uma pontuação de 3 ou menos indica situação de risco e necessidade de atendimento médico emergencial.

Quadro 1
As cinco dimensões do Teste de Apgar
Pontos Atividade Pulsação Caretas Aparênci Respiraçã
(tônus a (cor da o
muscular) pele)
2 O bebê move 100 O bebê Cor Respiraçã
os membros batimentos chora normal em o forte e
ativamente por minuto intensa- todo o choro
ou mais mente corpo
1 O bebê move Inferior a O bebê Cor Respiraçã
os membros 100 faz careta normal, o lenta e
levemente batimentos ou chora exceto nas irregular
por minuto extremi-
dades
0 Nenhum Não O bebê O bebê Sem
movimento; detectável não está azul- respiraçã
músculos responde acinzen- o
flácidos tado, todo
pálido
Fonte: KAIL (2004, p. 93).

Os bebês nascem com um conjunto complexo de reflexos que os capacita a interagir com o mundo. Ao
contrário do que se imaginava, portanto, o bebê não vem ao mundo como uma página em branco. Suas capacidades
26

permitem que estabeleça contatos e responda às diversas estimulações ambientais (sonoras; táteis; odoríficas;
gustativas; visuais).
O tamanho e o peso dos bebês que nascem a termo, variam dentro de uma faixa considerada padrão. Em geral
o peso varia entre 2,5 Kg e 4,5 Kg e o tamanho fica entre 45 cm e 55 cm. Uma característica física marcante do recém
nascido é a desproporção entre cabeça e o restante do corpo: o tamanho da cabeça equivale a um quarto do tamanho
corporal (PAPALIA, OLD e FELDMAN, 2006).
Ao nascer, o bebê pode fazer muitas coisas a partir dos reflexos de que são dotados (BEE, 1986):
Rotação: ao ser tocado suavemente na bochecha, o bebê gira a cabeça em direção à fonte que o tocou; isso facilita ir
em busca da fonte de alimentação;
Sucção: suga aquilo que é colocado em sua boca;
Deglutição: outro reflexo importante para sua sobrevivência, embora ainda não esteja bem coordenado com a
respiração;
Moro: conhecido como reflexo de susto, são os movimentos típicos de abrir os braços e arquear as costas quando um
som alto e desagradável é emitido ou algum contato físico brusco é realizado;
Babinsky: ao ser tocado suavemente na planta do pé, automaticamente estica os artelhos (dedos do pé) e, em seguida,
os fecha em forma de leque;
Preensão: um toque na palma da mão é suficiente para que o bebê feche as mãos. Se o objeto que o tocou permanece
em sua mão, ele o segura;
Marcha Automática: ao ser segurado pelo tronco e colocado em posição ereta, permitindo contato dos pés com
alguma superfície, o bebê passa a apresentar movimentos de marcha, alternando os pés.

Nota-se claramente que esses reflexos servem não apenas para a sobrevivência imediata do bebê, mas são,
também, recursos que o capacitarão a adquirir outras habilidades futuras. A maior parte dos reflexos desaparecerá no
decorrer dos quatro primeiros meses. Alguns desaparecerão bem cedo (como o reflexo de Moro) enquanto outros
passarão de reflexos involuntários para condutas voluntárias, como é o caso da sucção.
Podemos afirmar que os bebês vêm ao mundo dotados de um sistema comportamental e fisiológico regular e
competente, o que o capacita aos ajustes necessários ao novo ambiente. Em relação ao desenvolvimento geral,
podemos informar que o controle motor ainda é precário, mas aos poucos conseguirá coordenar os movimentos, de tal
forma que conseguirá, por volta dos 13 a 15 meses caminhar sem ajuda. A cronologia apresentada a seguir não deve
ser vista como obrigatória, mas representa uma média em relação às etapas de desenvolvimento motor.

Quadro 2
Habilidades físico-motoras esperadas nos 18 primeiros meses de vida
Meses de Habilidades
vida
01 mês Fica deitado de bruços e consegue erguer o queixo
27

02 meses Permanece de bruços e ergue o tórax


03 meses Estica o braço em direção a um objeto
04 meses Consegue ficar sentado, com apoio nas costas
05 meses Agarra objetos que estão ao seu alcance
06 meses Permanece sentado, com apoio, por um tempo maior.
Nessa época é comum o uso do cadeirão
07 meses Consegue sentar sem ajuda e sem apoio
08 meses Estando em pé, consegue abaixar-se e se colocar em
posição de sentar
09 meses Consegue ficar de pé, segurando-se no mobiliário; arrasta-
se pelo chão
10 meses Consegue andar com ajuda de adultos que o seguram pelas
duas mãos. Consegue engatinhar sobre mãos e joelhos
11 meses Consegue ficar de pé, sem ajuda
12 meses Caminha com a ajuda do adulto que segura uma de suas
mãos
13 meses Consegue andar sozinho
18 meses Sobe escadas utilizando as mãos e as pernas
Quadro elaborado pelos autores a partir de informações de Mussen et al (1988).

Os avanços posturais e a locomoção transformam o bebê em um indivíduo mais ativo no ambiente


circundante. A postura ereta é fundamental para o andar, contudo somente com a ação do princípio de crescimento
céfalo-caudal é que o bebê vai conseguir manter o equilíbrio. Segundo esse princípio, a cabeça e o tronco são as
partes do organismo do bebê que se desenvolvem primeiro. Nos primeiros meses de vida, portanto, a cabeça da
criança é mais pesada que o restante do corpo, o que faz com que ela perca o equilíbrio quando colocada numa
postura sentada. Com o passar dos meses, os braços e pernas crescem e tornam o corpo mais proporcional, ajudando a
criança a se equilibrar em suas tentativas para andar. Além disso, para aprender a andar os bebês precisam adquirir
habilidades de ficar em pé, dar passos alternados e utilizar informações perceptivas para avaliar superfícies (KAIL,
2004). A Figura 1 mostra os marcos fundamentais do desenvolvimento motor.
28

Figura 1 – Marcos fundamentais do desenvolvimento postural e da locomoção. Retirado de Kail (2004, p. 120).

A partir do início do segundo ano de vida, a criança começa a apresentar uma independência cada vez maior.
Domina seu espaço e consegue regular muito bem a visão e as habilidades motoras, de modo que a coordenação
visomotora, que antes era um tanto mais custosa, agora passa a ser uma capacidade que abrirá diversas possibilidades
em seu desenvolvimento físico. Esse tipo específico de coordenação dos movimentos é um marco importante no
desenvolvimento das habilidades motoras finas da criança, pois a criança passa a controlar melhor sua ação de agarrar
e alcançar objetos, gerando experiências diversificadas para o estímulo do movimento de pinça fina. As habilidades
motoras finas são especialmente importantes quando a criança entra na escola e passa a ser exigido dela movimentos
cada vez mais coordenados para o desenvolvimento da escrita e em outras situações, como por exemplo na realização
de jogos como quebra-cabeça e jogos de tabuleiro.
Assim, de acordo com Bee (1986), a criança, por volta de:

Quadro 3
Habilidades físico-motoras esperadas por volta de 02 a 06 anos de idade
Anos de Habilidades
vida
29

02 anos Corre; anda para trás; consegue agachar-se para apanhar


objetos do chão, sem se desequilibrar
02 anos e Consegue ficar na ponta dos pés e consegue pular com os
meio dois pés
03 anos Consegue equilibrar-se com um pé só, por alguns segundos
04 anos Desce escadas, alternando os pés e sem apoio
05 anos Consegue saltar com ambos os pés
06 anos Já está pronta para o período escolar. A motricidade ampla
(grandes movimentos) e a motricidade fina (movimentos
menores e mais refinados) a capacitará a segurar o lápis
com mais segurança e traçar linhas e ondas, que são a base
para a escrita
Quadro elaborado pelos autores a partir de informações de Bee (1986).

Verifica-se, a partir do Quadro 3, a importância para a criança do desenvolvimento das habilidades motoras
globais. A Figura 2 apresenta algumas características que mostram a evolução dessas habilidades.

Figura 2 - Evolução das habilidades motoras globais (KAIL, 2004).

Ao longo dos anos, as crianças vão ajustando suas ações de agarrar e lançar, conseguindo atingir alvos cada
vez mais distantes e desenvolvendo cada vez mais precisão no agarrar objetos arremessados de diferentes distâncias.
30

Na fase pré-escolar define-se o problema da lateralidade. O corpo humano é morfologicamente simétrico,


contudo funcionalmente assimétrico. As pessoas mostram claramente preferência por um dos lados do corpo na
realização de atividades de vida diária. Mas a definição da preferência coincide com o início da escolarização.
A preferência lateral pode ser homogênea (a criança ou é destra, ou é canhota) ou cruzada (a criança é, por
exemplo, canhota de olho e destra de braço e perna). A determinação da preferência lateral é dada pelo cérebro e, por
isso, forçar a criança a contrapor sua preferência é uma contradição em relação à organização cerebral (COLL,
PALACIOS e MARCHESI, 1995).
Importante também no desenvolvimento psicomotor são os aspectos simbólicos dessa dimensão da evolução
humana. A representação que se tem do próprio corpo, dos diferentes segmentos corporais, das suas possibilidades de
movimento e ação, bem como das suas limitações constituem o conceito de esquema corporal. Essa representação é
gradualmente construída como consequência das experiências que a criança realiza com o corpo. Esse conhecimento
do nosso próprio corpo permite-nos ajustar os movimentos a cada momento de ação sobre o ambiente, em relação ao
contexto espacial e temporal no qual as atividades ocorrem.
Se você já observou uma criança de cerca de quatro anos tentando arremessar objetos em um alvo específico
(por exemplo, jogar uma bola no gol), você pôde ver sua dificuldade em acertá-lo, por maior que fosse. Não fosse o
desenvolvimento do esquema corporal, passaríamos toda nossa vida envolvidos com ensaios e erros motores. A
construção progressiva do esquema corporal se deve, portanto, aos processos de maturação e às aprendizagens
decorrentes das vivências de ajuste da ação do corpo aos estímulos do meio e aos propósitos da ação.
A época pré-escolar é a fase de plena elaboração do esquema corporal. Dos dois aos cinco anos aumenta a
qualidade perceptiva em relação ao corpo; o desenvolvimento das habilidades motoras, com uma preensão mais
refinada e uma locomoção mais coordenada, facilita a exploração do meio e das interações que a criança tem com seu
corpo. Contudo, a consolidação do “eu corporal” vai se estabelecer entre seis e doze anos (COLL, PALACIOS e
MARCHESI, 1995).

2.3.2 Desenvolvimento cognitivo de zero a seis anos


Para entendermos o desenvolvimento cognitivo torna-se necessário, primeiramente, uma breve explanação
acerca da integração sensorial e da linguagem.
O bebê apresenta uma dotação sensorial complexa ao nascer. Aos poucos, em contato com o ambiente e suas
estimulações, vai refinando seu campo sensorial e perceptual. As sensações (isto é, a transformação de estimulação
externa em impulso cerebral) já são altamente desenvolvidas; mas a percepção (o processo ativo de interpretação das
informações vindas dos sentidos) ainda é limitada no início, porém desenvolve-se rapidamente nos seis primeiros
meses de vida.
Apesar de, aos cinco ou seis meses, a criança ter feito grandes progressos no desenvolvimento perceptivo,
ainda há muito para progredir, principalmente em relação a capacidades mais complexas, como decidir no que focar a
atenção e saber como interpretar o que é percebido.
Um exemplo clássico é o desenvolvimento da percepção visual. Esta envolve a atenção seletiva, isto é, a
capacidade de identificar padrões e regularidades no ambiente (o rosto da mãe; a chupeta; os móbiles; etc.),
31

particularmente os contornos dos objetos, de início. Os bebês humanos são altamente sensíveis ao rosto, ou melhor,
aos contornos e outras características de um rosto humano. Nesse sentido, imitam facilmente, e imediatamente, as
expressões faciais básicas e algumas ações, como mostrar a língua, abrir a boca, sorrir, franzir a testa (BEE, 1986).
Há clara preferência visual das crianças a certas características dos estímulos, sobre as quais ela dedica mais
tempo à exploração. Por exemplo, os bebês preferem olhar para os estímulos brilhantes do que para os foscos;
preferem estímulos com movimento aos estáticos; preferem estímulos coloridos aos sem cor; também se sentem mais
atraídos por estímulos que emitam sons.
No início da vida, essas preferências parecem ser inatas, porém tornam-se voluntárias à medida que a criança
vai acumulando experiências, conhecimentos, interesses, motivações, etc. Então, prestar ou não atenção não mais
dependerá das características dos estímulos, mas sim das características individuais (seus interesses e motivos).
A acuidade visual para profundidade e distância também vai se desenvolver gradativamente na vida da
criança. Um experimento clássico para verificar a percepção de profundidade em bebês é o “abismo visual” (Figura
3). Neste dispositivo, a criança é colocada no centro de uma mesa de tampo transparente. Numa metade da mesa é
colocada, em contato com o vidro, uma prancha com um desenho xadrez, enquanto embaixo da outra metade há uma
prancha com o mesmo desenho, mas localizada no chão, longe do vidro. Essa configuração dá a sensação de que há
uma queda a partir da metade da mesa.
As crianças que, em geral, participam desse experimento são as que sabem engatinhar. As mães ficam no lado
da mesa que dá a sensação do “abismo”, chamando seus filhos. Nessa situação, com crianças com idade aproximada
de seis meses, 90% das crianças evitam o lado transparente da mesa. Independente dessa ser uma capacidade inata ou
aprendida, o fato é que por volta de seis meses as crianças já exibem percepção de profundidade.

Figura 3 – Abismo visual utilizado para o estudo da percepção de profundidade. Retirado de Coll, Palacios e
Marchesi (1995, p. 51).

Outro exemplo clássico é o desenvolvimento da percepção auditiva. Bebês podem facilmente localizar a
direção da fonte sonora, ao movimentarem a cabeça em direção a essa fonte. Além disso, são bastante sensíveis à voz
32

humana, em particular a voz materna (DAVIDOFF, 1983). São capazes também, logo nos primeiros dias após o
nascimento, de discriminar diferentes vozes, mostrando preferência por vozes familiares, como a da mãe.
Paladar, olfato e tato também estão presentes desde o início, de tal forma que vão se refinando cada vez mais.
Por exemplo, foi observado que crianças recém-nascidas reagem positivamente a estímulos doces e negativamente
aos salgados e amargos.
Podemos afirmar que ocorre, aos poucos, uma integração sensorial ao longo das primeiras semanas de vida
(CRAIG & DUNN, 2007), ou seja, a habilidade de combinar informações provindas de diferentes canais sensoriais e
que passam a serem integradas em uma percepção única (por exemplo, olhar um brinquedo e estender a mão em sua
direção para alcançá-lo).
Vê-se, portanto, que a percepção serve para relacionar o organismo com seu meio, sobretudo os aspectos do
meio que são importantes para o indivíduo. A maior ou menor importância de um aspecto concreto do ambiente é
determinada parte pelo código genético herdado filogeneticamente e parte pela história de aprendizagem do indivíduo
em questão (COLL, PALACIOS E MARCHESI, 1995).
Outro marco importante é o desenvolvimento da linguagem, ou seja, a produção de sons cada vez mais
próximos dos sons produzidos pelos adultos e que são emitidos dentro de contextos específicos.
Podemos dividir a linguagem em receptiva e produtiva. A primeira se refere à fala, palavras e sentenças. A
segunda se refere à produção de linguagem por meio de palavras faladas ou escritas. De acordo com Craig e Dunn
(2007), independentemente da língua ou da cultura, em média por volta dos 21 meses de vida ocorre um fenômeno
chamado de “explosão da linguagem”, caracterizado por um acréscimo rápido de vocabulário, em uma taxa semanal
bastante superior ao que ocorria anteriormente. Essa conquista permite à criança a produção de palavras encadeadas
(sentenças) que vão se complexificando e refinando cada vez mais.
Os pais (e adultos em geral) ajudam os bebês a dominar os sons da língua utilizando um estilo didático de
comunicação com eles. Na fala dirigida ao bebê, os adultos falam pausadamente e com alterações de tom e volume.
Esse tipo de fala atrai a atenção dos bebês porque o ritmo lento e as mudanças acentuadas dão pistas para o
entendimento e a aprendizagem da língua (KAIL, 2004).
A produção de fala começa, por volta de dois meses, com um fenômeno conhecido como arrulho. Os arrulhos
são as primeiras experiências da criança com seu aparelho fonador. Nesse momento, os bebês podem produzir
inúmeros tipos de fonemas e, ao longo do tempo, a sociedade vai modelando a produção dos sons de acordo com o
que é convencionado na língua materna. Por isso, há em algumas línguas de culturas diferentes da nossa, sons que
nós, como adultos, não conseguimos reproduzir facilmente (como por exemplo, o som de “th” da língua inglesa norte
americana).
Após o arrulho, vem o balbucio, quando entre os cinco e seis meses de idade os bebês passam a reproduzir
sons semelhantes à fala, mas ainda sem significado (por exemplo, “dá”, “bá”, “pá”, etc.). As crianças experimentam
diferentes sílabas e, com o passar do tempo, passa a repeti-las e combiná-las. Os adultos são bastante atraídos pelos
balbucios infantis, o que auxilia no processo de modelagem da fala das crianças. Os pais, principalmente, dão
significados às sílabas faladas pelos bebês e fazem festa cada vez que a criança produz sons parecidos com mamã e
33

papá, por exemplo. Esse processo de interação da criança com o adulto ajuda na diferenciação da fala produtiva por
parte da criança.
O próximo passo, então, é a produção das primeiras palavras. A descoberta de que as palavras dão nome aos
objetos expande a percepção das crianças sobre o ambiente no qual elas estão inseridas. As crianças passam a
entender que as palavras são símbolos e isso gera muitas novas possibilidades.
A linguagem possibilita rotular as coisas ao redor, classificar, agrupar, categorizar. A linguagem modula o
pensamento e começa a partir das interações com o mundo ao redor; mas essa interação não seria possível sem o
desenvolvimento da percepção, tendo por base os sentidos.
Dessa maneira, percepção e linguagem estão na base do desenvolvimento cognitivo1.
Segundo Piaget, no período compreendido entre zero e dois anos de idade, os bebês apresentam uma
característica cognitiva fundamental: o conhecimento do mundo a partir de sensação e ação (daí a expressão
sensório-motor). Entretanto, conhecer o mundo a partir de sensações e ações é apenas um passo para uma habilidade
ainda mais importante: simbolizar. Em outras palavras, a habilidade de lidar com o ambiente a partir de símbolos ou
representações do ambiente.
Alguns estudos têm demonstrado que os bebês são capazes de identificar variações nas quantidades pequenas
de coisas ao seu redor (GELMAN & GALLISTEL, 1978), identificar que um objeto permanece no ambiente após ser
escondido (o que é chamado de permanência do objeto), memorizar fatos, nomes e localização espacial dos objetos.
Essas e outras capacidades preparam, de certa forma, as crianças para novas conquistas cognitivas. Assim, a
partir dos dois anos de idade, as crianças começam a apresentar uma série de características cognitivas que passamos
a resumir a seguir:

Quadro 4
Habilidades cognitivas comuns em crianças no período pré-escolar
Habilidades Descrição
Cognitivas
Uso de símbolos Não é necessário estar em contato direto com o objeto,
pessoas ou evento para ser capaz de pensar nele.
São capazes de pensar que os objetos ou pessoas
possuem propriedades diferentes das que realmente
têm. Por exemplo, uma criança pode segurar uma
caneta e fazer de conta que é um avião.
Compreensão de São capazes de entender que mudanças superficiais
identidades não alteram a natureza das coisas. Sabem, por
exemplo, que um colega fantasiado de policial
continua sendo seu colega por trás da fantasia.

1
Neste ponto, convidamos o(a) leitor(a) a consultar o item 1.3.4 a fim de rever a descrição dos estágios sensório-motor e pré-operacional do
desenvolvimento cognitivo, proposto por Jean Piaget.
34

Compreensão de Conseguem identificar as causas dos eventos. Por


causa e efeito exemplo, ao ver alguém chorando é capaz de
perguntar de está machucado.
Capacidade de Conseguem agrupar pessoas, objetos e eventos em
classificar categorias com significado. Por exemplo, separa
blocos vermelhos e triangulares de blocos azuis
quadrados.
Compreensão de Conseguem recitar a cadeia numérica e identificar
números quantidades a partir do uso da contagem.
Empatia São capazes de imaginar como os outros se sentem ou
como se sentiriam em dada situação. Por exemplo,
pode consolar um colega que está chorando.
Teoria da mente Tornam-se cada vez mais conscientes dos pensamentos
e do funcionamento da cognição em geral. Fazem
inferências acerca do pensamento alheio e podem
predizer comportamentos a partir do entendimento de
como os outros pensam.
Fonte: Papalia et al (2007), com adaptações dos autores.

Apesar das capacidades descritas acima, há limitações cognitivas claramente percebidas e que precisam ser
conhecidas pelo adulto a fim de que este não julgue inadequadamente algumas formas de manifestação das crianças
com idade entre 03 e 06 anos. Desse modo, temos:

Quadro 5
Limitações cognitivas comuns em crianças no período pré-operacional (Segundo Jean Piaget)
Limitações Descrição
Cognitivas
Centração Concentram-se em um aspecto específico e esquecem
ou não conseguem descentrar, isto é, negligenciam ou
não observam outros aspectos relevantes. Por
exemplo, uma criança julga que seu irmão tem mais
dinheiro do que ela própria por verificar que possui
apenas duas moedas de cinqüenta centavos, enquanto
seu irmão possui quatro de vinte e cinco centavos.
Neste caso, diríamos que o que está controlando o
julgamento da criança é a quantidade de moedas, em
35

detrimento do valor total que deveria ser um aspecto


relevante.
Irreversibilidade Nem sempre são capazes de compreender que uma
ação ou operação pode ser revertida até uma situação
original. Ao usar o “cubo mágico”, pode não entender
que a figura formada pela manipulação do cubo pode
voltar a ser a figura original a partir da reversão das
ações.
Foco em estados Nem sempre compreendem o significado das
e não nas transformações entre estados. Por exemplo, podem
transformações não entender que verter o líquido de um copo largo
para um copo fino não altera a quantidade do líquido.
Raciocínio Ainda não utilizam raciocínio dedutivo ou intuitivo,
transdutivo podendo inferir uma causa que não existe. Por
exemplo, a criança pode julgar que seu cachorrinho
morreu porque ela foi desobediente com a mãe.
Egocentrismo Freqüentemente agem como se os outros pensassem,
sentissem ou percebessem da mesma forma que elas
pensam, sentem ou percebem. Por exemplo, uma
criança pode fechar os olhos e esconder o rosto e,
dessa maneira, julgar que os outros não conseguem
enxergá-la.
Animismo Freqüentemente atribuem vida a objetos inanimados.
Por exemplo, uma criança pode brincar com uma
caneta e dizer que é um cachorro, imitando seu latido.
Dificuldade em Freqüentemente podem confundir o real e o aparente.
distinguir Por exemplo, uma criança pode achar que um urso de
aparência e pelúcia é um animal real e, portanto, está vivo.
realidade
Fonte: Papalia et al (2007), com adaptações dos autores.

O quadro acima foi desenvolvido a partir das considerações piagetianas, porém deve ser visto como um
indicativo de algumas limitações de percepção ou de inferência presentes em crianças pequenas; nunca como uma
conclusão de que crianças pequenas são limitadas cognitivamente. As habilidades apontadas no Quadro 4, em
contraste com o Quadro 5, não deixam dúvidas de que crianças pequenas, contrariamente ao que Piaget julgava,
possuem diversas possibilidades, as quais são desenvolvidas a partir das experiências proporcionadas pelos ambientes
familiares, educacionais e sociais.
36

O desenvolvimento cognitivo é, portanto, uma construção progressiva e, segundo Salvador, Miras, Goñi e
Gallart (1999), para Piaget os fatores responsáveis por esse desenvolvimento são:
I. Maturidade orgânica – trata-se do processo biologicamente determinado que o organismo possa se preparar
física e fisiologicamente para novas experiências. Por exemplo, o maior controle postural permite à criança vivenciar
novas experiências que a levam ao aprendizado do andar. Esse é um fator necessário e indispensável, que permite a
aparição de novas condutas.
II. Experiência com os objetos físicos – diversificadas experiências com os objetos disponíveis nos ambientes
os quais a criança tem acesso permite que, pelo processo de assimilação/acomodação, os esquemas cognitivos sejam
ampliados a cada momento, gerando maior conhecimento da criança sobre os objetos, em suas características físicas e
relacionais.
III. Experiência e interação com outras pessoas – apesar de considerar tal experiência como decorrência do
desenvolvimento cognitivo, ou seja, a criança será capaz de compreender as especificidades das relações sociais
quando estiver cognitivamente preparada para tal, Piaget não nega que as interações sociais contribuem para exercitar
e modificar os esquemas, no sentido que promove situações para que a criança explore seu ambiente.
IV. Mecanismo de equilibração – processo cognitivo, postulado teoricamente por Piaget, que organiza e
articula a ação dos três fatores anteriores.

2.3.3 Desenvolvimento psicossocial de zero a seis anos


As primeiras experiências sociais do bebê ocorrem, em geral, na família. Além da mãe, é comum que o bebê
esteja mergulhado em uma malha mais complexa de interações sociais. Mãe, pai, irmãos, tios e tias, avôs e outros
cuidadores, como as babás, proporcionam ao bebê padrões diferenciados de interação e oferecem os primeiros
modelos a serem observados e imitados.
Os processos sociais de interação são fundamentais para que o bebê comece a identificar emoções, expressar
sentimentos e necessidades. Há, no entanto, outro processo extremamente importante nos primeiros dias de vida: o
apego. Por apego nos referimos a um processo social e emocional que inicia a partir dos contatos e cuidados
dispensados pelos adultos e que podem ser traduzidos por uma forte tendência à aproximação física e emocional. O
apego é recíproco, ou seja, tanto o bebê passa a depender do cuidador, quanto este passa a se adaptar ao bebê. O mais
interessante é que o apego independe de o bebê ser filho biológico ou adotado.
John Bowlby (1907-1990), estudioso dos processos de apego e vínculos sociais, indicou o que o adulto não
fornece apenas cuidados relacionados à sobrevivência orgânica do bebê, mas possibilita padrões de interações sociais
básicas necessárias (sorrir, afagar, tocar, brincar, conversar, olhar). Além disso, os adultos são bastante sensíveis às
reações do bebê e, em geral, demonstram ternura à simples presença de uma criança de colo. Portanto, mais
importante que a presença da mãe biológica parece ser a presença de um adulto que não só forneça os cuidados
básicos, mas também seja fonte de interações sociais fundamentais, uma vez que esses padrões iniciais fornecerão a
base para as futuras interações da criança com o mundo.
37

De acordo com Bowlby (2004), por volta dos seis meses de idade, o bebê humano já está habituado à
presença de seus cuidadores (consegue identificar rostos, reconhece vozes, sente o cheiro familiar do pai ou da mãe,
reconhece o espaço em que mora etc). Nessa época é comum registrar um episódio chamado de ansiedade de
separação: o bebê chora quando a mãe (o pai, o cuidador) se afasta, seja este um afastamento momentâneo e sem sair
do ambiente em que o bebê se encontra, seja um afastamento mais prolongado.
Em torno dos oito a doze meses, além das reações de choro à separação, observa-se a reação de medo em
relação a pessoas estranhas ao seu convívio. Porém, se o bebê vive constantemente cercado de pessoas, recebe
cuidados de mais de uma pessoa, é segurado e afagado por diversos adultos, sua reação será bem diferente diante do
afastamento de um adulto em particular ou diante de um rosto novo que se aproxima, ou seja, não haverá a chamada
ansiedade de separação ou o choro em alta freqüência à presença de um estranho.
É válido destacar que em nossa sociedade o indivíduo tende a aumentar o número de vínculos sociais,
partindo de vínculos restritos à família para vínculos mais amplos na sociedade. Assim, a chamada socialização
primária ocorre geralmente na família, que é seu grupo de origem; enquanto a socialização secundária ocorre
principalmente na escola, em contato com professores e colegas.
A depender do local em que vive e da maior ou menor proximidade entre vizinhos, pode-se notar que vínculos
vão se estabelecendo no contato com colegas da vizinhança, primos etc. Como quer que seja, a ampliação das
interações sociais acompanha a ampliação da independência e autonomia do indivíduo em geral, seja em relação ao
domínio da linguagem, seja em relação ao seu crescimento físico, desenvolvimento cognitivo e autonomia de
deslocamento espacial para além dos limites da família e da escola.
O contato inicial com a família possibilita a aprendizagem de valores, normas e regras de conduta. Os estilos
de cuidado que os pais fornecem à criança também podem interferir com seu desenvolvimento psicossocial. A
combinação da quantidade de afeto que os pais utilizam no trato da criança em combinação com a quantidade de
controle que existe nessa relação gera quatro estilos de cuidado parentais. São eles:
• Educação autoritária: este estilo combina alto controle com baixo afeto. Em geral, são pais que fixam suas
regras e esperam que elas sejam seguidas sem nenhum tipo de contestação. Há autoritarismo nessa relação e a
hierarquia é vertical, de cima para baixo (do pai para a criança). Os interesses e desejos da criança não são
considerados nas decisões dos pais em relação a ela e a criança pode se sentir desvalorizada.
• Educação competente: combina alto grau de controle parental com alto grau de afeto e atenção. Em geral, são
pais que explicam as regras, os motivos das permissões e restrições, ao mesmo tempo em que encorajam a
discussão por parte da criança. Nesse tipo de educação há respeito na relação, fazendo com que a criança se
sinta respeitada em seus interesses e necessidades e estimulada a defender suas vontades.
• Educação permissiva-indulgente: combina bastante afeto e atenção com baixo controle parental. Em geral, são
pais que aceitam o comportamento dos filhos e raramente os punem. Nesse tipo de educação a criança pode se
sentir abandonada, uma vez que os pais não fazem esforços para tentar colocar limites para os
comportamentos excessivos da criança.
• Educação indiferente-distante: não fornece afeto nem controle. Em geral, são pais que apenas atendem as
necessidades físicas e emocionais básicas filhos. Procuram, muitas vezes, oferecer objetos materiais
38

(brinquedos e dinheiro) como compensação pelo pouco tempo que passam com os filhos e pelo pouco
envolvimento emocional existente na relação adulto-criança.

É importante salientar que esse modelo de estilo parental de educação compõe-se como uma predominância,
ou seja, todos os pais utilizam, ao longo da educação dos filhos, todos os tipos descritos, mas há o estilo que ocorre
com maior frequência em suas relações com a criança.
Os relacionamentos entre irmãos e entre amigos também influenciam o desenvolvimento do comportamento
social. Frequentemente, os irmãos estabelecem um tipo de relação na infância, de amizade ou de competição, que
permanece ao longo de suas vidas. E a conduta dos pais parece interferir no estabelecimento dessa relação. Relações
de amizade são mais frequentes quando os irmãos acreditam que os pais não têm favoritos ou quando a diferença de
tratamento entre irmãos é justificada por uma real necessidade de uma das crianças.
Os relacionamentos entre amigos ganham importância na vida da criança a partir dos três anos de idade. Na
fase pré-escolar surge a brincadeira cooperativa e as interações que a criança desenvolve com os colegas a auxilia no
fortalecimento de uma série de habilidades novas, como por exemplo, o seguimento de regras e a capacidade de
resolver conflitos. Nessa fase, como as habilidades sociais ainda estão em desenvolvimento, surgem muitos episódios
de agressividade entre as crianças. Por isso, é fundamental a participação do adulto para auxiliar as crianças a
controlarem seus comportamentos.
De um modo geral, podemos afirmar que o bebê e a criança em seus primeiros anos de vida, apresentam
algumas características cruciais para o desenvolvimento psicossocial, tais como:
1. Expressam emoções básicas nos primeiros anos de vida (raiva, surpresa, tristeza, alegria);
2. Por volta dos 02 anos de idade começa a expressar culpa e embaraço;
3. Apresentam uma típica capacidade de imitação desde seus primeiros meses de vida e, ao final do primeiro
ano, utilizam as reações emocionais alheias como referência para suas próprias emoções;
4. Por volta de 18 meses de vida, começam a desenvolver a noção de “eu” e, portanto, de individualidade e já
conseguem reconhecer seu reflexo no espelho;
5. Vivenciam uma ampliação de seus grupos sociais, desde a família até a escola;
6. Utilizam os jogos e brincadeiras como forma natural de comunicar, interagir e formar papéis sociais e de
gênero, bem como expressar emoções e conflitos;
7. Por outro lado, também são capazes de manifestar agressão, que é considerada como uma resposta natural e
universal. A agressão física tipicamente aumenta nos anos pré-escolares (PAPPALIA et al, 2007), porém
declina à medida em que as crianças aprendem a resolver conflitos. O declínio da agressão física coincide
com um aumento na agressão verbal. Evidentemente, a agressão sofre influência direta dos modelos
oferecidos pelos adultos, da mesma forma que tanto adultos como a mídia podem fornecer modelos
alternativos de solução de conflitos;
8. Por volta dos 04 anos de idade, as crianças se engajam mais intensamente em brincadeiras de faz-de-conta,
envolvendo o uso da imaginação, compartilhamento de fantasias e a inclusão de regras compartilhadas pelo
grupo de pares (POOLE, WARREN & NUÑEZ, 2007);
39

9. Crianças podem criar companhias imaginárias, conversar com eles e tratá-los como reais. Segundo Poole et al.
(2007), crianças que criam amigos imaginários tendem a ser menos tímidas, são mais criativas e tendem a ter
mais amigos;
10. Por volta dos 5 e 6 anos de vida, a competência social (isto é, padrões regulares de interação social) já está
bem estabelecida e tende a se tornar estável ao longo da vida (POOLE et al, 2007). Por esta razão, torna-se
imprescindível incentivar as crianças a desenvolver competência social a partir dos modelos de interação
oferecidos pelos adultos.

A emoção é um componente importante do comportamento social. Os bebês nascem com a capacidade de


reconhecer pelo menos duas expressões faciais diferentes: de alegria (sorriso, olhos bem abertos) e de tristeza
(sobrancelhas franzidas, boca rebaixada). A partir das experiências com os seres humanos, elas passarão rapidamente
a reconhecer outras expressões faciais de emoção, como o medo e a raiva, e a partir de 24 meses já será capaz de
reconhecer emoções mais complexas, como culpa, orgulho e embaraço.
É interessante notar que os sorrisos dos bebês são, inicialmente, expressões de estados fisiológicos internos.
Eles sorriem quando dormem ou logo após terem sido alimentados. Contudo, os sorrisos causam reações emocionais
intensas nos adultos, o que acaba por estimular o contato social no momento do sorriso. O bebê percebe, assim, que
sorrir chama a atenção do adulto e esse comportamento torna-se voluntário e contingente às interações sociais. O
sorriso social vai surgir por volta de dois meses.
Além de muito cedo as crianças serem capazes de reconhecer emoções, elas também iniciam cedo o controle
dessas emoções. Por volta dos seis meses, as crianças já demonstram alguns comportamentos que parecem estratégias
para o controle das emoções. Por exemplo, os bebês desviam o olhar de uma pessoa, objeto ou evento que a esteja
assustando e, quando estão com medo, aproximam-se de um dos pais buscando apoio para o enfrentamento dessa
emoção (KAIL, 2004).
Não poderíamos terminar o tópico sobre desenvolvimento psicossocial sem tratarmos do desenvolvimento da
autoestima. A autoestima trata-se do sentimento de valor que a criança atribui a si mesma. Refere-se à confiança que
o indivíduo tem em seus atos e na sua capacidade de julgamento. Ter autoestima elevada gera sentimentos favoráveis
e de bem-estar em relação a si mesmo, enquanto ter baixa autoestima gera julgamentos negativos sobre si mesmo,
sentimentos de tristeza e vontade de ser outra pessoa.
Durante a fase pré-escolar a criança passa a assumir papéis diferenciados. Ela não é somente filho, agora ela
também é aluno. Com isso, a criança desenvolve maior autonomia e ganha responsabilidades. Ela agora deve vestir-
se sozinha, escolher sua roupa para ir à escola, tomar conta de seus pertences no ambiente escolar, entre outros
afazeres. Ela passa a ser mais livre para explorar sozinha os ambientes e fazer perguntas sobre o mundo. Essas novas
experiências promovem oportunidade para o desenvolvimento da autoestima. Portanto, crianças na fase pré-escolar
tendem a demonstrar autoestima elevada, enquanto no Ensino Fundamental torna-se mais frequente encontrarmos
crianças com baixa autoestima (KAIL, 2004).
40

2.4 Considerações finais

As descrições apresentadas na Unidade 2 podem ser entendidas como um corolário de alguns aspectos
importantes que envolvem o desenvolvimento geral de zero a seis anos de idade. Foram identificadas as principais
características do desenvolvimento físico-motor, cognitivo e psicossocial, porém todas essas características devem ser
entendidas a partir de uma perspectiva bioecológica (ver item 1.3.3.1.1 da Unidade 1).
Em outras palavras, é preciso olhar para os contextos específicos em que uma criança se desenvolve. As
condições concretas da família, habitação, qualidade de vida e de interação entre os adultos e entre adultos e crianças,
são condições que determinarão os rumos do desenvolvimento da criança.
Assim, precisamos entender o desenvolvimento de forma global, dos microssistemas aos macrossistemas e
cronossistema que fazem parte das histórias particulares de vida.

2.5 Estudos complementares


São apresentadas, a seguir, algumas sugestões para aprofundamento dos estudos sobre as diferentes áreas do
desenvolvimento humano

2.5.1 Saiba mais

Conhecer o desenvolvimento humano nos auxilia a entender como a musicalidade se desenvolve. Deste modo,
sugerimos a leitura do artigo de Silvia Nassif, que pode ser acessado no link:
http://www.fflch.usp.br/dl/simcam4/downloads_anais/SIMCAM4_Silvia_Nassif.pdf

2.5.2 Sugestões de leitura

Para um maior entendimento das diferentes características nas diferentes áreas do desenvolvimento, sugerimos que
pesquise os capítulos 3 a 10 do seguinte livro:

Kail, R. V. (2004). A criança. São Paulo: Prentice Hall, 2004.

Nesse livro, vocês encontrarão, de forma detalhada e com muitos exemplos, a descrição de cada uma das áreas de
desenvolvimento tratadas nesta unidade.

2.5.3 Referências bibliográficas


41

BOWLBY, J. (2004). Apego e perda. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes (volumes 1, 2 e 3).

CABRERA, S. M. P. Sons e gestação: implicações do ambiente sonoro sobre a saúde da gestante e do feto.
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Música. Instituto de Artes. Universidade Estadual Paulista-
campus São Paulo, 2007.

CRAIG, G. J.; DUNN, W. L. Understanding human development. New Jersey: Prentice-Hall, 2007.

DAVIDOFF, L. L. Introdução à psicologia. São Paulo: McGraw-Hill, 1983.

GELMAN, R.; GALLISTEL, C. R. The child’s understanding of number. Cambridge: Harvard University Press,
1978.

KAIL, R. V. A criança. São Paulo: Prentice-Hall, 2004.

MUSSEN, P. H.; CONGER, J. J.; KAGAN, J.; HUSTON, A. C. Desenvolvimento e personalidade da criança. 2 ed.
São Paulo: Harbra, 1988.

PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. 8 ed. Porto Alegre: ArtMed, 2007.

POOLE, D.; WARREN, A.; NUÑEZ, N. The story oh human development. New Jersey: Prentice-Hall, 2007;

SALVADOR, C. C.; MIRAS, M. M.; GOÑI, J. O.; GALLART, I. S. Psicologia da


Educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
42

Unidade 3: Desenvolvimento dos seis aos doze anos

3.1 Primeiras palavras


Na Unidade 2 fizemos um passeio pelos principais aspectos relativos ao desenvolvimento físico-motor,
cognitivo e psicossocial do bebê e de crianças pequenas (até 06 anos de idade). Na presente unidade, seguiremos a
mesma estrutura de descrição, desta vez abordando crianças mais velhas, em uma ampla faixa etária compreendida
entre 06 e 12 anos de idade.
É importante, antes de iniciarmos esta nova unidade, ressaltarmos que as características de desenvolvimento,
presentes em uma dada faixa etária, representam o produto de exaustivas investigações em diferentes culturas de
nosso planeta. Portanto, não se trata de catalogação apressada de habilidades e comportamentos, e sim de estudos
científicos de observação, registro e acompanhamento longitudinal de diversas crianças, sob diferentes contextos e
condições socioeconômicas e culturais.
De qualquer forma, trata-se de uma descrição daquilo que é comumente presente no desenvolvimento, mas
nunca de uma regra rígida de classificação. Mais uma vez a sugestão é: observar e interagir com a criança, de maneira
a identificar sua história de vida, seu contexto específico de desenvolvimento, a fim de evitar rótulos e
enquadramentos indesejáveis que só trazem, como conseqüência, o preconceito.

3.2 Problematizando o tema


A criança que está nos anos escolares encontra-se mergulhada em um contexto complexo, do qual participam família,
escola e grupos de pares. Em que medida as experiências trazidas da família podem influenciar as vivências escolares
e desempenhos acadêmicos? E de que forma as vivências escolares podem alterar as habilidades cognitivas das
crianças? Por outro lado, como suas características e possibilidades físicas e cognitivas influenciam seu
desenvolvimento psicossocial? Estas são questões fundamentais cujas respostas são desenvolvidas a partir dos
elementos teóricos, conceituais e descritivos do desenvolvimento, apresentados na presente unidade.

3.3 Texto básico para estudo


3.3.1 Desenvolvimento Físico-motor dos 06 aos 12 anos

Durante os anos escolares, as crianças tipicamente apresentam um crescente refinamento nas habilidades
motoras, o que aumenta ainda mais sua independência. Por outro lado, o crescimento físico é mais lento se
comparado aos primeiros anos de vida.
Embora haja uma grande variabilidade no crescimento físico, podemos afirmar que entre as idades de 07 a 09
anos, os meninos são tipicamente maiores e mais pesados que as meninas; porém, a partir dos 09 anos, nota-se um
desenvolvimento físico mais acentuado nas meninas em comparação com os meninos. Isso porque o estirão inicia
mais cedo no sexo feminino, prenunciando as futuras mudanças na adolescência (a ser abordada na Unidade 4).
Craig e Dunn (2007) destacam a importância de algumas mudanças internas nesse período, como:
43

Desenvolvimento do cérebro: por volta dos 08 anos de idade, o cérebro já atingiu cerca de 90 a 95% do peso do
cérebro adulto. A plasticidade neural é bastante acentuada (tal como nos anos anteriores), o que possibilita um
funcionamento geral eficiente, particularmente no lobo frontal do córtex, o qual está diretamente relacionado à
produção de pensamento e consciência.
Maturação esquelética: os ossos crescem rapidamente nesse período, acompanhando o crescimento corporal, o que
pode algumas vezes causar dores incômodas, principalmente à noite. Outra mudança física importante é a perda dos
dentes de leite, ocorrendo por volta dos 06 e 07 anos de idade.

Em relação às mudanças físico-motoras gerais, o Quadro 5 apresenta um resumo do que é comumente


verificado e esperado entre os 6 e 12 anos de idade.

Quadro 5
Características gerais do desenvolvimento físico-motor em crianças de 06 a 12 anos de idade
Idade Principais mudanças
06 anos Aumento estável na altura e no peso
Crescimento estável na força, em meninos e meninos
Aumento da consciência corporal de amplas partes do
corpo
Uso crescente de todas as partes do corpo
Refinamento das habilidades motoras amplas
Refinamento das habilidades motoras finas
07 a 08 anos Continua o aumento estável na altura, peso e força, em
meninos e meninas
Continua o refinamento das habilidades motoras
amplas e finas, bem como do uso ampliado de todas as
partes do corpo
Início das acentuadas diferenças individuais nas
habilidades motoras, devido principalmente às
experiências proporcionadas
09 a 10 anos Início do estirão nas meninas
Aumento da força física acompanhada de perda da
flexibilidade em meninas
Maior consciência corporal
Capacidade de combinar diferentes habilidades
motoras
Melhora do equilíbrio físico em geral
44

11 a 12 anos As meninas são, em geral, mais altas e mais pesadas


que os meninos
Início do estirão nos meninos
Aumento da capacidade de interceptar objetos em
movimento
Aumentos contínuos das habilidades motoras finas, da
capacidade de combinar movimentos e de variar
habilidades motoras
Fonte: Craig & Dunn (2007), com adaptações dos autores.

3.3.2 Desenvolvimento Cognitivo dos 06 aos 12 anos


De acordo com Piaget (ver item 1.3.3.2 da Unidade 1), as crianças com idade variando entre 06 e 12 anos
estão no estágio operacional concreto. A descrição das características dos estágios, no entanto, precisa ser
contextualizada a fim de não gerar equívocos de interpretação. Em outras palavras, é tentador supor, com base em
Piaget, que as crianças escolares seguem um padrão seqüencial único de aquisições cognitivas. A variabilidade,
porém, é um dos fatos mais concretos que dispomos até o presente momento. E essa variabilidade está diretamente
relacionada às experiências proporcionadas na família, escola e outros ambientais freqüentados pela criança.
Outro fato concreto é a diferenciação crescente quando comparamos o pensamento de crianças pré-escolares e
o pensamento de crianças escolares. Essa diferenciação pode ser resumida em termos de conquistas e refinamentos
nas estratégias mentais, capacidade de representação mental, formas de solucionar problemas e de inferir causas.
A seguir um resumo das conquistas principais.

Quadro 6
Habilidades Cognitivas em crianças de 06 a 12 anos de idade
Habilidades Descrição
Cognitivas
Pensamento Capacidade de orientação no espaço; capacidade de
espacial seguir mapas, calcular distâncias mentalmente, inferir
o tempo necessário para deslocar-se de um ponto a
outro; capacidade de instruir outra pessoa a encontrar
um objeto distante ou localizar um endereço
Causa e efeito Já são capazes de identificar os aspectos relevantes de
uma situação que são determinantes na produção de
um dado evento; porém, ainda não conseguem
identificar os que não são relevantes.
Classificação Refinamento na capacidade de agrupar em categorias,
45

formar conjuntos e subconjuntos, identificar diferenças


quantitativas e qualitativas em ter conjuntos e entre
conjuntos e subconjuntos.
Seriação e Capacidade de ordenar ou seqüenciar objetos. Um
inferência refinamento maior dessa capacidade é a possibilidade
transitiva de inserir um novo objeto em uma seqüência, na ordem
correta. Por exemplo, diante de uma fila de objetos
organizada do menor para o maior, a criança, ao
receber um novo objeto, saberá em que posição inseri-
lo tendo critério o tamanho. Já a inferência transitiva
é a capacidade de julgar que se um objeto x é maior
que um objeto y e este, por sua vez, é maior que um
objeto z, logo o objeto x também é maior que z.
Raciocínio No raciocínio indutivo, parte-se de observações
indutivo e particulares para se chegar a conclusões gerais. No
dedutivo raciocínio dedutivo, parte-se de premissas gerais sobre
uma classe para se chegar a conclusões particulares
acerca dos membros daquela classe. Embora Piaget
tenha afirmado que as crianças escolares só utilizam o
raciocínio indutivo, novas pesquisas sugerem que
essas crianças conseguem utilizar ambas as formas de
raciocínio.
Conservação Capacidade de julgar que uma dada quantidade não se
alterou apesar das manipulações realizadas. Por
exemplo, 01 litro d’água será sempre um litro d’água,
independente de estar em um vasilhame comprido e
fino ou em um vasilhame largo e baixo. Há três
princípios envolvidos na habilidade de conservação:
1) identidade, ou capacidade de inferir que um objeto
permanecerá sendo ele mesmo, apesar de sofrer
deformações; 2) reversibilidade, ou capacidade de
inferir que um dado objeto pode voltar à sua forma
original, após sofrer deformação; 3) descentração, ou
capacidade de levar em contar diferentes aspectos em
uma tarefa de conservação. Notem que a conversão é
uma habilidade complexa que pode ser manifestada
46

sem manipulação concreta do objeto, ou seja, a


criança é capaz de julgar usando apenas observação e
raciocínio mental.
Número e Capacidade de contar, somar e outras operações
matemática básicas.
Fonte: Papalia et al (2007), com adaptações dos autores.

3.3.3 Desenvolvimento Psicossocial 06 aos 12 nos


Rosa (1984) informa que o processo de socialização, nesse período, é bastante ampliado em função das
experiências de interação social já adquiridas em períodos anteriores. Acrescentamos que, no período escolar, a
criança já adquiriu uma linguagem mais refinada e pode, também, circular em outros ambientes além do familiar e do
escolar, ou seja, já começa a conviver mais intensamente com seus pares e em outros grupos sociais.
É no convívio com seus pares que podemos identificar alguns aspectos e possibilidades fundamentais, como:
1. Apoio social dos amigos;
2. Imitação de modelos apresentados por pares significativos;
3. Aprendizagem de diferentes papéis sociais;
4. Padrões de auto-avaliação
5. Desenvolvimento de autoconceito;
6. Identidade sexual
7. Moralidade
8. Padrões de agressão;
9. Comportamento pró-social.
Uma forma de abordar cada um dos aspectos citados acima é a perspectiva desenvolvida pelo psicólogo
Albert Bandura, denominada de Aprendizagem Social. Observar e imitar são os componentes do que Bandura
chamou de aprendizagem social.
Bandura verificou que modelos significativos para crianças (personagens de desenho animado) eram imitados
em seus gestos agressivos. Crianças que assistiam a um programa no qual apareciam cenas de agressão física,
passavam imediatamente a imitar os gestos violentos quando um boneco João teimoso era colocado na sala onde
essas crianças estavam.
Estudos como esses chamam atenção para alguns aspectos cruciais da aprendizagem vicariante: 1) a presença
de um modelo significativo; 2) a oportunidade de observar as ações do modelo significativo; 3) a oportunidade de
imitar as ações do modelo significativo; 4) a ausência de critérios de julgamento acerca das ações do modelo
significativo; 5) possíveis ganhos sociais e satisfação pessoal ao imitar o modelo significativo.
É precisamente o quinto aspecto (ganhos sociais e satisfação pessoal) o responsável pela manutenção ou
aumento na freqüência dos comportamentos imitativos.
As considerações a seguir, foram extraídas de Carmo e Araújo (2009), com autorização expressa dos autores:
47

Mudança desenvolvimental na auto-estima. Quando entram na escola, as crianças começam a se comparar com os
colegas. Essa comparação às vezes mostra que elas não são tão boas nos esportes, por exemplo, quanto achavam, ou
que não são os melhores leitores da escola. Descobrem, ocasionalmente, que estão abaixo da média em algumas
atividades escolares. Essa percepção produz uma queda na auto-estima em relação àqueles aspectos nos quais estão
em desvantagem.
Além disso, a auto-estima torna-se mais diferenciada com o passar dos anos. As crianças são capazes de se
avaliar melhor à medida que se desenvolvem e suas avaliações são cada vez mais independentes dos outros.
Conseqüentemente, as crianças pequenas costumam ter taxas de auto-estima mais elevadas e mais consistentes. As
taxas de crianças mais velhas são mais variáveis. As crianças em idade escolar têm auto-estimas múltiplas, ligadas a
áreas específicas.
Em todas as idades, muitas pessoas não se vêem de maneira positiva. Algumas crianças são ambivalentes a
respeito de si mesmas, outras se avaliam de forma negativa (autoconceito negativo).

Fontes influenciadoras da auto-estima. A educação dada pelos pais tem um papel-chave no desenvolvimento da
auto-estima da criança. As crianças tendem a se encarar de modo positivo quando os pais são afetuosos e se
envolvem em suas atividades. No mundo todo, as crianças têm auto-estima mais elevada quando as famílias vivem
em harmonia e os pais educam os filhos.
A disciplina dos pais também se relaciona à auto-estima. As crianças com auto-estima elevada geralmente possuem
pais que fixam regras, mas também estão dispostos a discuti-las.
Os pais que não estabelecem regras estão, na verdade, dizendo aos filhos que não se importam, que não os
valorizam o suficiente para terem o trabalho de criar regras e controlar a obediência a elas. Da mesma forma, os pais
que se recusam a discutir a disciplina com os filhos estão indiretamente dizendo: “a sua opinião não importa para
mim”. Ao internalizar essas mensagens, as crianças estão construindo um autoconceito negativo, resultando em baixa
auto-estima.
Além da influência dos pais, os outros ambientes que as crianças frequentam, sobretudo a escola, também
geram oportunidades para que elas façam comparações sociais com os colegas. As rotinas diárias da classe dão a cada
estudante ocasiões amplas de descobrir a situação de cada no grupo. Dessa forma, as crianças podem perceber como
são vistas pelos colegas (como alunos talentosos ou pouco talentosos), fornecendo subsídios para a formação da auto-
estima acadêmica.
A idéia básica, então, é que a auto-estima das crianças baseia-se em como elas são vistas pelas pessoas que as
cercam. A auto-estima das crianças é alta quando os outros a vêem positivamente e baixa quando as vêem
negativamente.

Conseqüências da baixa auto-estima. Crianças com baixa auto-estima correm o risco de apresentar muitos
problemas desenvolvimentais. Elas são mais propensas a:
• Ter problemas com os colegas;
• Ter distúrbios psicológicos como depressão;
48

• Exibir comportamentos anti-sociais;


• Sair-se mal na escola.

Contudo, a baixa auto-estima não é apenas causa desses problemas, mas é também causada por eles. As
crianças que se desempenham mal na escola, com o tempo não conseguem acompanhar os demais colegas de turma,
diminuindo sua auto-estima acadêmica, sua autoconfiança e as probabilidades futuras de sucesso escolar. Torna-se,
portanto, um “círculo vicioso”. O mesmo ocorre com os relacionamentos sociais, pois a inabilidade social leva à
rejeição dos colegas, reduzindo a auto-estima e atrapalhando futuras interações entre colegas.

Relacionamentos com os colegas: Na escola, o contexto das relações entre colegas muda drasticamente. O número
de colegas aumenta e as crianças começam a ser expostas a um conjunto mais diversificado de colegas do que antes.
Além disso, a supervisão dos adultos diminui consideravelmente, permitindo que a criança desenvolva maior
autonomia.

Amizade. Na idade escolar, as crianças desenvolvem relacionamentos especiais com os colegas. A amizade é um
relacionamento voluntário entre duas pessoas envolvendo uma ligação mútua. Nessa fase, as amizades são mais
comuns entre crianças de mesmo sexo e idades próximas.
As crianças e adolescentes aproximam-se porque têm atitudes similares em relação à escola, à diversão e ao
futuro. Uma criança que gosta da escola, gosta de ler e planeja fazer faculdade, provavelmente não ficará amigo de
outra que acha que a escola é idiota, gosta de assistir TV o dia todo e pretende sair da escola o mais rápido possível.
À medida que as amizades se fortalecem, as crianças tornam-se mais parecidas em suas atitudes e valores.
As amizades variam bastante em qualidade. Às vezes, as amizades são breves porque as crianças têm a
habilidade de criá-las – conhecem histórias engraçadas, brincam com várias crianças – mas não têm a habilidade de
mantê-las – não conseguem guardar segredo ou são muito autoritárias. Quando surgem conflitos, as amizades muitas
vezes terminam, porque as crianças se concentram em seus próprios interesses e não se dispõem a negociar ou porque
descobrem que suas necessidades e interesses não são tão semelhantes quanto haviam pensado.
Por várias razões, então, as amizades se desfazem. Diz-se, popularmente, que “um amigo fiel é um tesouro”.
As crianças que têm amigos possuem auto-estima mais elevada, são menos propensas à solidão e à depressão e agem
pró - socialmente com mais freqüência. Além disso, as boas amizades ajudam a criança a enfrentar as tensões a que
estão sujeitas, como as transições entre os anos escolares.
As amizades são, portanto, fonte de riquezas. Com os amigos as crianças aprendem e podem recorrer ao seu
apoio em momentos de dificuldade.

Comportamento pró-social. Definido como comportamento intencional, voluntário, destinado a beneficiar outra
pessoa (altruísmo). Os comportamentos pró-sociais são observados muito cedo, em crianças de dois a três anos:
ajudam, emprestam brinquedos, tentam consolar. Na idade escolar e na adolescência, prestam assistência física e
49

verbal. Consolar o outro parece ser mais comum entre os pré-escolares e iniciantes no ensino fundamental. Crianças
altruístas são mais empáticas e demonstram mais freqüentemente emoções positivas.

Popularidade e rejeição. A maioria das crianças pode ser classificada em cinco categorias:
• Crianças populares – aquelas de que a maioria dos colegas gosta;
• Crianças rejeitadas – aquelas de que a maioria dos colegas não gosta;
• Crianças controversas – são tanto apreciadas quanto rejeitadas pelos colegas;
• Crianças médias – são apreciadas e rejeitadas por alguns colegas, mas em menor intensidade do que
as crianças classificadas como populares, rejeitadas ou controversas;
• Crianças negligenciadas – são ignoradas pelos colegas.

As crianças mais inteligentes e fisicamente atraentes costumam ser mais populares. Contudo, o fator mais
importante na determinação da popularidade são as habilidades sociais. Crianças populares são mais hábeis no
estabelecimento de interações sociais, na comunicação e integração em uma conversa ou brincadeira em andamento.
Usualmente, são mais propensas a compartilhar, cooperar e ajudar e menos propensas a iniciar brigas. Já as crianças
rejeitadas tendem a ser socialmente inábeis, agressivas, provocativas, possuem pouco autocontrole e sempre
provocam tumultos na escola.

Causas da rejeição. A influência dos pais pode explicar parte da rejeição sofrida por seus filhos. As crianças imitam
os comportamentos dos pais. Pais que são amigáveis e cooperam com os outros demonstram habilidades sociais reais.
Pais briguentos e hostis demonstram muito menos habilidades sociais.
As práticas disciplinares também afetam as habilidades sociais e a popularidade dos filhos. A disciplina não-
sistemática e incoerente está associada a comportamentos anti-sociais e agressivos por parte das crianças. Estabelecer
limites e regras coerentes demonstra a afeição dos pais, promove modelos reais de habilidades sociais.
É importante, portanto, que os professores e outros profissionais da área da educação ensinem às crianças
como estabelecer uma interação, como comunicar-se com clareza e como ser amigável com os colegas. As crianças
rejeitadas podem aprender habilidades que as levem à aceitação dos colegas, evitando os danos a longo prazo
associados à rejeição.

Agressão. O comportamento agressivo visa prejudicar, danificar ou ferir. As agressões físicas são típicas de crianças
pequenas, enquanto que as crianças mais velhas preferem empregar a linguagem para expressar a agressão. Uma
forma comum de agressão, principalmente entre meninas, é a agressão relacional, na qual as crianças tentam ferir as
outras prejudicando seus relacionamentos, por exemplo, espalhando boatos, ou insultam-se com xingamentos e
expressões públicas de desprezo.
Entre os meninos, a agressão física é bastante comum na idade escolar. Algumas crianças altamente
agressivas se transformam em jovens que causam estragos à sociedade.
50

Raízes do comportamento agressivo. As primeiras experiências familiares constituem o principal treinamento para
aprender padrões de agressão. Pais e irmãos desempenham papel fundamental no desenvolvimento do
comportamento agressivo das crianças. Muitos pais usam o castigo físico ou ameaças para deter o comportamento
agressivo. O efeito imediato é parar a agressão, mas o castigo físico serve como um modelo para a criança,
demonstrando de forma clara que a força física funciona como um meio de controlar os outros.
Contudo, apenas as reações agressivas dos pais não são essenciais para tornar uma criança agressiva. Quando
os pais são autoritários, indiferentes e emocionalmente não envolvidos, os filhos têm maior propensão a desenvolver
um padrão agressivo de comportamento.
Após ser rotulada como agressiva, a criança tende a ser acusada de agressão e castigada mesmo quando se
comporta bem. A “criança agressiva” será acusada de tudo o que sair errado, sendo a má conduta de outras crianças
próximas ignorada.
Pesquisas mostram que bater em uma criança agressiva não costuma inibir a agressão por muito tempo. Como
agir, então? Desencorajá-la, ignorando-a ou castigando-a, mas encorajar e recompensar outras formas de
comportamento social não agressivo. A criança deve ser elogiada por cooperar ao invés de agredir.
Algumas crianças herdam uma tendência à impulsividade, a um temperamento irritável ou a controlar mal o
próprio comportamento. Essas características muitas vezes levam os pais a castigar essas crianças com mais
violência, o que as torna mais agressivas. Assim, tanto os pais quanto a criança contribuem para o “círculo vicioso”
da agressão em escalada.
Para resumir, o ciclo da agressão em geral começa cedo na vida da criança. Uma vez rotulada como agressiva,
fatores ambientais podem levá-la quase inconscientemente a um caminho agressivo. Os castigos que os pais e
professores aplicam tendem a aumentar a hostilidade da criança e servir como prova de que a agressão funciona. A
criança pode, também, escolher companhias agressivas que encorajam ainda mais esse comportamento.
Como fatores macrossociais favorecedores da agressão temos o desemprego, a pobreza, o racismo, a má
distribuição de renda, a injustiça social, a intolerância religiosa etc. O conjunto desses fatores cria uma cultura de
agressão e violência.

3.4 Considerações finais


Ao finalizarmos a Unidade 3 foi possível compreender que a adolescência é a fase em que o indivíduo está
deixando de ser criança e se acha buscando a identidade de adulto, novas emoções, ansiedades e problemas que
sucedem, podendo constituir situações transitórias de perturbações da personalidade, como também tornarem-se mais
sérios, de modo a requerer tratamento específico dos pais ou de clínica psicológica.
Nessa Unidade, foram identificadas as principais características do desenvolvimento físico-motor, cognitivo e
psicossocial na faixa etária compreendida entre 06 e 12 anos de idade. Fizemos uma rápida viagem pela transição do
desenvolvimento na adolescência, analisando sua conceituação, quando começa e quando termina, oportunidades e
riscos acarretados por ela; alterações físicas e alterações que afetam em termos psicológicos; desenvolvimento do
cérebro e como isso afeta o comportamento; o pensamento e a linguagem e como se diferenciam da infância.
51

3.5 Estudos complementares


Apresentamos a seguir algumas sugestões que poderão enriquecer seus conhecimentos acerca das habilidades
motoras e aprendizagens na Psicologia do Desenvolvimento e em especial a faixa etária compreendida entre 06 e 12
anos de idade.

3.5.1 Saiba mais


Existem diversos fatores que influenciam a atividade motora e podemos considerar que os pré-requisitos
necessários para a aprendizagem são dois tipos: biológicos e psicológicos.
A aprendizagem da execução de um instrumento musical, que é caracterizada pela área da percepção motora e
cognitiva é basicamente um processo psicológico.
Portanto, para que possamos refletir e aprofundar nosso conhecimento a respeito das habilidades motoras e
aprendizagem de instrumentos musicais sugerimos a leitura do texto (disponível em website), a seguir:

GOHN, Daniel Marcondes. Auto-aprendizagem musical: alternativas tecnológicas. São Paulo: Annablume/FAPESP,
2003. Originalmente apresentada como dissertação (Mestrado – Escola de Comunicação e Artes da Universidade de
São Paulo, 2002). Disponível em: http://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=mMe-
NpOojrYC&oi=fnd&pg=PA9&dq=%22Gohn%22+%22Auto-
aprendizagem+musical:+alternativas+tecnol%C3%B3gicas%22+&ots=UMjUenYvu-
&sig=UD24_vhuA6a98nr9CrARCvOwQ3Q#v=onepage&q=&f=false. Acesso em: 04/10/09.

3.5.2 Outras referências


Para uma melhor compreensão da fase de desenvolvimento da Adolescência (faixa etária compreendida entre
06 e 12 anos de idade), sugerimos a obra a seguir, que traz uma série de informações que sedimentarão os
conhecimentos tratados na presente Unidade. Sugerimos consultar a parte 5 da literatura:

PAPALIA, Diane E.; OLDS, Sally Wendkos; FELDMAN, Ruth Duskin. Desenvolvimento humano. [Título original:
Human development]. Carla Filomena Marques Pinto Vercesi (Trad.); Dulce Catunda (Trad.) et. al. 10 ed. São Paulo:
McGraw-Hill, 2009.

Para aprofundar seus conhecimentos sobre as teorias abordadas na presente Unidade, sugerimos:

BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. [Título original: The developing child]. Maria Adriana Veríssimo
Veronese (Trad.). 9 ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.

CAMPOS, Dinah Martins de Souza. Psicologia e desenvolvimento humano. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
52

PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. [Título original: Six études de psychologie]. Maria Alice Magalhães
Damorim (Trad.). 24 ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.

Vygotsky, L. S. Pensamento e linguagem. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

3.5.3 Referências bibliográficas

BARROS, Célia Silva Guimarães. Pontos de psicologia do desenvolvimento. 6 ed Sâo Paulo: Ática, 1991.

BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. [Título original: The developing child]. Maria Adriana Veríssimo
Veronese (Trad.). 9 ed. Porto Alegre: Artmed, 2003

BEE, Helen. O ciclo vital. [Título original: Lifespan development]. Regina Garcez (Trad.). Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997.

BOCK, Ana Mercês Bahia. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

CORIA-SABINI, Maria Aparecida. Psicologia do desenvolvimento. João Guizzo (Ed.). 2 ed. São Paulo: Ática, 2007.

PAPALIA, Diane E.; OLDS, Sally Wendkos; FELDMAN, Ruth Duskin. Desenvolvimento humano. [Título original:
Human development]. Carla Filomena Marques Pinto Vercesi (Trad.); Dulce Catunda (Trad.) et. al. 10 ed. São Paulo:
McGraw-Hill, 2009.

PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. [Título original: Six études de psychologie]. Maria Alice Magalhães
Damorim (Trad.). 24 ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.

Vygotsky, L. S. Pensamento e linguagem. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.


53

Unidade 4: Adolescência e Idade Adulta


4.1 Primeiras palavras
Na presente unidade abordaremos alguns aspectos relevantes e fundamentais do desenvolvimento na adolescência
e na idade adulta. Os conhecimentos relacionados à adolescência são vastos e bem sedimentados, porém até
recentemente eram poucos os estudos acerca do desenvolvimento na idade adulta, particularmente no que se
refere ao período da senilidade2.
Hoje sabemos que o processo de desenvolvimento não cessa; ou seja, as mudanças físicas, cognitivas e
psicossociais são processos contínuos de adaptações, perdas e ganhos em habilidades ao longo do ciclo de vida. A
idéia, já ultrapassada, de que a velhice representava tão somente um processo de perdas e degenerescência física,
mental e social, passou a ser questionada e hoje a ênfase recai nos ganhos sociais e no exercício de habilidades,
sejam estas físicas ou cognitivas, o que dá ao idoso um novo horizonte.
Da concepção ao nascimento, da infância à adolescência, da adultícia à senilidade, passamos por períodos que
podem ser vivenciados de maneira rica se conhecermos melhor as possibilidades, limites e potencialidades de
cada época. Desta maneira, o educador deverá estar atento às características da faixa etária com que irá trabalhar
e, sobretudo, deverá saber propor atividades que potencializem uma capacidade que nunca está perdida: a
capacidade de aprender.
Começaremos, na unidade 4, com um percurso pela adolescência, a qual sinaliza o término da infância e aponta
para uma gama de experiências ricas e diversificadas que preparará o jovem à assunção de papéis sociais de
adulto. Em seguida abordaremos a idade adulta, a qual será dividida em três etapas: o adulto jovem; a meia idade
e a velhice.
Esperamos que as informações aqui compartilhadas possam ser o início de novas buscas que ampliem o
entendimento do ser humano em desenvolvimento.

4.2 Problematizando o tema


Quando você lê ou ouve a palavra “adolescência”, qual a imagem que vem à sua cabeça? Para muitas pessoas, a
primeira imagem é, em todos os sentidos, um clichê: jovens que quebram regras, vestidos de modo diferente,
inconsequentes. Agora compare esse clichê com a imagem que lhe veio à cabeça. Há alguma semelhança? E o
que a Psicologia do Desenvolvimento tem a dizer sobre isso?
Da mesma forma, quando você imagina a velhice, qual imagem lhe ocorre? Apesar dos avanços sociais no
entendimento do idoso, muitos indivíduos ainda imaginam o idoso como alguém em decrepitude física e
cognitiva, alguém quase totalmente dependente dos outros e socialmente improdutivo. E você, também pensa
dessa forma? Ao longo da unidade 4, daremos oportunidade a você de ampliar seus conhecimentos sobre essas
fases e, sobretudo, quebrar alguns clichês que são frequentemente divulgados pela mídia. Ao longo das

2
Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Aurélio, o substantivo senilidade significa “um dos últimos passos no processo chamado envelhecimento. A
senilidade ocorre quando o envelhecimento, acarreta um esmorecimento da memória e dificuldades físicas”.
Disponível em: http://www.dicionariodoaurelio.com/dicionario.php?P=Senilidade
54

considerações feitas nesta unidade, você poderá identificar possibilidades de estabelecer planejamentos
educacionais mais condizentes com as etapas aqui estudadas.

4.3 Texto básico para estudo


4.3.1 Adolescência e seus aspectos físicos, cognitivos e psicossociais
De um modo geral, a adolescência é entendida como um período no qual o indivíduo está transitando para a
idade adulta. É um caminho marcado por mudanças bem delimitadas, mas, ao mesmo tempo, está envolto em
questões culturais e sociais típicas. Podemos, portanto, identificar marcadores biológicos, marcadores culturais e
sociais, os quais determinarão nosso entendimento de adolescência.
Etimologicamente, a palavra adolescência provém do verbo latino adolescere, significando “crescer ou
desenvolver-se até a maturidade”. Podemos olhar para este “desenvolver-se até a maturidade” a partir de critérios
cronológicos e biológicos, ou a partir de critérios psicológicos e sociais.
Do ponto de vista cronológico e biológico, a adolescência inicia por volta de 12 anos de idade, coincidindo
com a puberdade. Porém, seu término não apresenta delimitações biológicas nem cronológicas precisas. Em nossa
sociedade, por exemplo, há controvérsias sobre o término dessa etapa e os critérios podem variar em torno dos vinte
até vinte e quatro anos.
Do ponto de vista psicológico e social, é extremamente complicado falar em adolescência como algo comum
e compartilhado por todos os indivíduos de uma determinada faixa etária. Diferentes sociedades, culturas e épocas
acabam por lidar com o indivíduo jovem de maneira bastante diversificada. Neste sentido, podemos dizer que a
adolescência é uma construção social, ou seja, é um período diferenciado apenas em algumas culturas e em
determinadas épocas.
Como em nossa sociedade, desde pequenos, ouvimos falar em adolescência, temos a expectativa de que se
trata de um acontecimento natural, inevitável e generalizado. Não conseguimos distinguir que por trás do fenômeno
cultural “adolescência” existe uma série de clichês e estereótipos aceitos consensualmente em nossa sociedade. A
imagem do adolescente como um indivíduo que não é mais criança e ainda não é adulto, é a imagem mais
generalizada e aceita culturalmente. Além disso, há um discurso divulgado amplamente de que o adolescente é
tipicamente rebelde, quebra regras de conduta, está em conflito familiar, veste-se de forma inusitada, tende a
apresentar comportamentos de riscos, muitas vezes envolvendo-se com drogas, além de apresentar a sexualidade
aflorada. Esta imagem é, na verdade, um clichê amplamente aceito em nossa sociedade, embora haja uma base
cultural para isso, uma vez que muitos jovens de fato apresentam aqueles padrões de comportamento. A questão,
porém, não é simplesmente identificar tais padrões como sendo de caráter puramente biológico. A cultura na qual
vivemos não só gera as expectativas de que os adolescentes agem de determinada maneira, mas também divulga qual
é o papel social do adolescente. Desse modo, seria mais acertado falar que a adolescência é culturalmente produzida,
uma vez que é possível identificar outras culturas nas quais os jovens não apresentam os comportamentos que são
comuns em nossa sociedade.
Assim, de um ponto de vista psicológico e sociológico, seria mais adequado falar em adolescências e, por
conseguinte, em adolescentes. Isto porque cada indivíduo e cada grupo social apresentam histórias de vida
55

diversificadas, marcadas por fatores e determinantes sociais, culturais e políticos que delimitam a forma como
vivenciará esse período.
Uma pessoa que mora em uma favela, não conhece os pais, trabalha desde criança, e já é pai ou mãe aos 15
anos de idade, tendo que conviver com a tarefa de criar uma criança e, também, tendo que assumir responsabilidades
sociais típicas dos adultos, é evidentemente bastante diferente de outra pessoa que não precisa trabalhar para seu
sustento, tem acesso a viagens ao exterior, internet em seu quarto, não se preocupa com gastos e possui referências
familiares estáveis.
Claro que estamos falando de casos extremos. Há uma variedade imensa de situações individuais. Os grupos
sociais também variam. Encontraremos, por exemplo, o uso de drogas tanto entre jovens favelados quanto entre
jovens ricos. O mesmo vale para a gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, AIDS, prostituição,
desencontros familiares. De qualquer maneira, são vivências tão específicas que, seguramente, podemos afirmar que
não há a adolescência típica.
Em algumas culturas da Idade Média, crianças ao completarem 08 anos de idade já eram inseridas no mundo
adulto e tratadas como tais. Não havia um período para adolescer, isto é, para amadurecer até a vida adulta. Por outro
lado, em algumas épocas a adolescência terminava por volta dos 18 anos, período em que o jovem ingressava no
mundo adulto.
Em nossas sociedades industrializadas e marcadas por diversas situações sociais de desigualdade e de
instabilidade econômica, é muito comum que o término da adolescência seja empurrado para além dos 24 anos.
Muitos jovens, por falta de opção, ficam presos aos pais a fim de sobreviverem economicamente.
A adolescência tardia passa a ser um fenômeno típico de nossas sociedades capitalistas, fenômeno este
retratado já no final dos anos 1970 no filme “Os embalos de sábado à noite”, o qual descrevia a vida de um grupo de
jovens suburbanos; alguns com idade que beirava a fase adulta; buscavam diversão e dificilmente conseguiam seu
sustento longe da família.
Se nos apoiarmos na Teoria Bioecológica, de Urie Bronfenbrenner, vista na unidade 1, ficará mais fácil
entender o que queremos dizer ao afirmarmos que a adolescência é um fenômeno socialmente produzido. Segundo
Bronfenbrenner (1996), os indivíduos vivenciam e são influenciados, direta ou indiretamente, por diferentes sistemas
ecológicos ao longo de sua vida. Algumas dessas vivências são determinantes na formação do indivíduo. As
experiências em casa, na família, bem como as ocorrências na escola ou em outros grupos de referência, passam a
fornecer padrões importantes de interação social, valores morais, modos de encarar a vida e, inclusive, modos de
pensar. Isso mesmo, nossos pensamentos são determinados pela linguagem que aprendemos dos adultos e pelas
experiências e valores que nos são passados. Em outras palavras, nossa subjetividade também tem um ponto de apoio
no mundo exterior, ou seja, no mundo social. Isso não significa que sejamos meros autômatos determinados por uma
programação externa, tão somente. Temos uma grande capacidade de autonomia, porém não podemos jamais
diminuir o papel da sociedade na construção de nosso modo de ser.
Bronfenbrenner também destaca que os diversos sistemas ecológicos interagem de maneira a fornecer o
terreno no qual nos desenvolvemos. Ora, se um indivíduo identifica desde cedo as expectativas sociais em relação ao
ser adolescente, e se essas expectativas são repassadas em diferentes sistemas ecológicos, muito provavelmente
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passará ele mesmo a reproduzir ou confirmar as expectativas dadas socialmente. A Teoria da Aprendizagem Social,
de Albert Bandura, estudada na unidade 3, vem em apoio a essa assertiva, ao mostrar que os papéis sociais são
observados e aprendidos por imitação e por regras que são repassadas pelos modelos significativos fornecidos pela
sociedade.
Desse modo, um indivíduo que começa a entrar na adolescência já traz uma série de discursos e expectativas
acerca do que é ser adolescente e, muito provavelmente, será incentivado a reproduzir determinados padrões ou, se
não incentivado, haverá pelo menos algumas expectativas, por parte dos adultos, acerca do que é “normal” e do que é
esperado nessa fase. Claro que aquilo que é considerado “normalidade” é acompanhado por outros discursos acerca
do que foge a essa “normalidade”. Assim, tanto os adolescentes extremamente calmos e obedientes quanto os que
extrapolam os limites das regras sociais e apresentam comportamentos de risco para si e para a sociedade, são vistos
como fugindo à “normalidade”.

4.3.1.1 Aspectos gerais do desenvolvimento na Adolescência


Dissemos, anteriormente, que um marco biológico que sinaliza a entrada na adolescência é a puberdade. Esta
é descrita como um período de desenvolvimento acelerado, no qual os indivíduos se tornam capazes de procriar.
Desse modo, a puberdade é um fenômeno biológico universal em nossa espécie.
Apesar de afirmarmos que a puberdade sinaliza o início da adolescência, é comum que as mudanças ocorram
entre 08 e 14 anos de idade nas meninas, e entre 09 e 15 anos nos meninos. Isso significa que, para alguns indivíduos,
as mudanças começam ainda no período infantil.
Há duas grandes mudanças físicas com a puberdade: características sexuais primárias e características
sexuais secundárias.
As primeiras se caracterizam por mudanças nas estruturas diretamente ligadas à reprodução: útero, ovário e
vagina, nas meninas, e pênis e testículos nos meninos.
As segundas incluem o aparecimento dos seios e alargamento dos quadris nas meninas, e crescimento de pêlos
faciais e engrossamento da voz nos meninos. As características sexuais secundárias são fundamentais na
diferenciação dos sexos, mas não são necessárias à reprodução.
A puberdade exige ajustamentos radicais do corpo, uma vez que há um crescimento rápido. É comum, em
função desse ajustamento, que os indivíduos manifestem irritabilidade e agressão, tristeza e depressão (BEE, 1986).
Os hormônios desempenham um papel fundamental nas transformações físicas e biológicas no início da
adolescência. Hormônios, neste caso, podem ser entendidos como secreções de glândulas endócrinas que direcionam
o crescimento físico e outras mudanças biológicas. Há, basicamente, cinco tipos diferentes de hormônios. Embora
não seja nossa intenção aprofundar esse aspecto, acreditamos que seja necessária uma breve descrição a respeito.
O hormônio tiroxina, secretado pela glândula tireóide, é responsável por direcionar o desenvolvimento do
cérebro e o crescimento físico. Nesse último aspecto, há uma ação conjunta com o hormônio do crescimento,
secretado pela glândula pituitária, localizada na base central do cérebro. No caso dos meninos, o hormônio
testosterona, produzido nos testículos, e no caso das meninas, o hormônio androgênio, produzido pelas glândulas
supra-renais, são responsáveis pelo aparecimento de mudanças sexuais primárias. Particularmente no caso das
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meninas, o hormônio estradiol, juntamente com o androgênio, possui o papel fundamental de desenvolvimento dos
ovários e, particularmente, de regulação do ciclo menstrual e crescimento dos seios. A rigor o que ocorre é uma
profusão de secreções hormonais, comandada pelo cérebro, e que produz mudanças acentuadas e rápidas na
configuração física e sexual dos adolescentes. Dependendo de como essas mudanças são anunciadas, apoiadas e
vivenciadas, teremos indivíduos retraídos, agitados, agressivos, isolados ou até mesmo comprometidos
emocionalmente.
É comum os adultos observarem que, no início da adolescência, seus filhos praticamente dormem de um
tamanho e acordam de outro tamanho. Isso é, de fato, comum, uma vez que o crescimento é bastante acelerado e, por
vezes, pode causar certos constrangimentos quando o adolescente iniciante não consegue coordenar tão bem seus
movimentos e parece, num certo sentido, bastante desengonçado ao andar e suas roupas já não se ajustam tão bem
quanto antes.
Apesar de a puberdade estar diretamente ligada a uma profusão hormonal, hoje é sabido que mudanças no
cérebro talvez sejam mais relevantes e determinantes que as mudanças hormonais (HERCULANO-HOUZEL, 2005).
A seguir apresentamos um quadro resumindo aspectos fundamentais do desenvolvimento adolescente:

Quadro 7
Desenvolvimento Físico, Cognitivo e Psicossocial do Adolescente com idade entre 12 anos
Desenvolvimento Desenvolvimento Desenvolvimento
Físico Cognitivo Psicossocial
Durante este Em muitos jovens, Os grupos de
período, a mas não em todos, companheiros tornam-
puberdade se desenvolvem-se as se mistos ao invés de
completa havendo operações formais e grupos do mesmo sexo,
muita variabilidade um julgamento moral aparecendo também os
no ritmo de em função de casais. A maturação
aparecimento e princípios. Os dois precoce contribui para
duração das temas estão aumentar a
mudanças puberais. relacionados: o popularidade entre os
Ocorre o estirão do pensamento companheiros. O jovem
crescimento e o operacional formal deve enfrentar o dilema
jovem atinge sua parece ser necessário, da identidade versus
altura final. A embora não suficiente, confusão de papéis,
maturidade sexual é para o segundo Erickson, e
atingida. Há poucas desenvolvimento de encontrar sua
mudanças nas uma moralidade com identidade ocupacional
capacidades base em princípios. O e sexual. Durante esse
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perceptivas. jovem pode pensar período, os papéis


dedutivamente e sexuais tornam-se mais
imaginar claramente
antecipadamente diferenciados e a
possibilidades ocultas. estereotipia sexual mais
forte, principalmente
entre os rapazes.
Fonte: Bee, H (1986). A criança em desenvolvimento. 3 ed. São Paulo: Harbra.

O quadro acima sintetiza alguns aspectos considerados relevantes da adolescência, mas precisamos destacar
um fator importantíssimo que torna a adolescência, em nossa cultura, um acontecimento social único: a maior
independência do indivíduo.
Neste sentido, podemos dizer que as mudanças que o corpo e a cognição vivenciam, possibilita uma série de
autonomias ao adolescente, como sejam:
1. Autonomia no deslocamento espacial: ao adolescente é permitida maior locomoção no espaço além da
escola e além de casa. Não só porque os adultos entendem que ele já pode se conduzir sozinho, dentro de
certos limites, mas porque assim é esperado do adolescente em função de seu maior domínio motor.
Deslocar-se para além dos lugares usuais e, algumas vezes, sem a supervisão direta dos adultos, capacita o
adolescente a sentir-se cada vez mais seguro consigo mesmo e, ao mesmo tempo, possibilita o acesso a
outros bens culturais e outras experiências com seus grupos de pares;

2. Autonomia no uso dos símbolos linguísticos e autonomia de pensamento: novas experiências sociais
possibilitam novas linguagens e novas linguagens permitem novas construções conceituais e, sobretudo, a
revisão ou desconstrução de antigos conceitos. A autonomia da linguagem apresenta-se não apenas pelo
uso de gírias e expressões compartilhadas socialmente pelo grupo de pares, mas essas mesmas gírias e
expressões permitem ver o mundo de uma maneira totalmente inédita para o indivíduo. A autonomia no
uso da linguagem ocorre concomitantemente com a autonomia do pensamento. Conforme verificamos na
teoria de Jean Piaget, na unidade 1, o adolescente ingressa em um período de desenvolvimento cognitivo
chamado de operacional formal, cuja característica marcante é uma maior capacidade de abstração, uso de
pensamento dedutivo e possibilidade de antecipar ações, retroagir sobre o próprio pensamento, isto é,
pensar sobre o próprio pensamento.
Essa flexibilidade mental aproxima o adolescente do modo adulto de pensar e o distancia das
características infantis do pensamento. Mais que isso, pensamento e linguagem mais sofisticados
permitem o uso da crítica, razão pela qual os adultos muito frequentemente não conseguem impor suas
opiniões aos adolescentes e a negociação deve ser a tônica das conversas entre pais e filhos. Explicações
que não convencem, imposições que não têm justificativas plausíveis, só produzem um maior afastamento
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desses indivíduos que estão começando a vivenciar algo que irá transformá-los para sempre: a autonomia
do pensamento e da linguagem;

3. Autonomia no julgamento moral: em função das novas aquisições na linguagem e no pensamento, os


adolescentes podem julgar com maior segurança e, algumas vezes, passam a não seguir as antigas normas
familiares. Isso ocorre muito em função de que conseguem, com mais refinamento, identificar a
correspondência entre dizer e fazer, ou seja, a coerência entre o que os adultos declaram como sendo
socialmente adequado e como esses mesmos adultos agem nas situações sociais. Claro que as crianças
também conseguem identificar coerências ou incoerências entre discurso e ação dos adultos, mas o
refinamento da linguagem e autonomia do pensamento nos adolescentes permitem a estes um afastamento
suficiente para que não só enxerguem incoerências, mas as descrevam verbalmente. É uma época na qual
se descobre que os pais, e outros adultos significativos, de sua convivência, são pessoas comuns e não os
super-heróis idealizados;

4. Autonomia em relação aos padrões familiares: a autonomia no julgamento moral pode provocar um
afastamento em relação aos padrões de comportamento em família. Uma forma de contestar as
incoerências percebidas na família, é o distanciamento e o isolamento e, algumas vezes, a provocação por
meio de comportamentos de contraposição ao que é apresentado pela família;

5. Busca de padrões comportamentais no grupo de pares: claro que se as referências são derrubadas, é
esperado que os adolescentes busquem novas referências. Isso geralmente ocorre no grupo de pares, onde
os adolescentes encontram ecos para suas revoltas e suas observações. A linguagem compartilhada, bem
como a identificação com indivíduos que passam por mudanças gerais semelhantes, possibilita a criação
de vínculos que, algumas vezes, se tornam mais fortes que os laços em família;

6. Autonomia no uso e vivência do próprio corpo: os adolescentes percebem claramente que a autonomia
em relação ao corpo está bastante ampliada. E essa autonomia se revela por meio do uso de adereços
(tatuagens, piercings), roupas “descoladas”, vivência da sexualidade, assunção de novos padrões de
relacionamento (ficar, namorar). Esse momento de descoberta, aliado às críticas e distanciamentos em
relação aos padrões familiares e busca de novos valores, pode levar os adolescentes a se contraporem por
meio do uso de drogas bem como por meio do uso desmedido de comportamentos anti-sociais e, até
mesmo, sexuais;

7. Identidade, auto-conceito e auto-estima: quem sou eu? Quem eu quero ser? São perguntas
frequentemente presentes nas reflexões dos adolescentes. Uma insatisfação consigo mesmo pode gerar
auto-conceito negativo e, portanto, baixa auto-estima. A busca de ídolos em quem se espelhar é algo muito
60

comum. Os ídolos fornecem modelos de comportamento, linguagem, conduta e atitudes em sociedade.


Roupas, cortes de cabelo, trejeitos, posturas corporais, gostos musicais, etc., são parte das buscas dos
adolescentes e, ao mesmo tempo, são fortalecidas pelos pares. Tudo ocorre como se, do ponto de vista dos
adolescentes, eles ditassem e vivenciassem o que há de melhor e mais desejado em termos de
comportamentos e valores individuais e grupais; como se estes padrões fossem durar para sempre. Aí,
provavelmente, se encontra a raiz das paixões “eternas” e dos modismos;

O quadro descrito até aqui, entenda-se, refere-se ao que é comumente encontrado entre nossos adolescentes.
Além disso, estudos têm indicado que há maior propensão à depressão em meninas, mais do que em meninos (BEE,
1997), mas esta é ainda uma questão controversa uma vez que sua raiz, provavelmente, não está no corpo e sim nas
vivências sociais.

Como quer que seja, a adolescência, enquanto fenômeno socialmente construído, possibilita uma abertura para
a arte, nas suas mais variadas expressões. Como os jovens estão em plena vivência de suas novas possibilidades e
autonomias, é esperado que busque maneiras alternativas de expressar seu próprio mundo. Esta característica, aliás,
deve ser aproveitada pelo educador que lida com adolescentes. Se a regra é a quebra de regras, se o valor maior é a
autonomia física, cognitiva e social, então porque não proporcionar momentos de encontro com novas linguagens e
novas expressões, isto é, momentos de encontro com as artes. Dentre estas, a música em particular proporciona aos
jovens um encontro consigo mesmo na medida em que estes se percebem como autores de sua própria história.
Aprender a tocar um instrumento musical amplia suas possibilidades de aceitação, admiração e auto-estima. Poder
expressar suas dores e angústias, revoltas e reflexões sobre a vida, por meio da música, pode servir como uma
excelente via de crescimento pessoal e grupal, bem como uma ação preventiva ao uso de drogas e assunção de
comportamentos anti-sociais que só tendem a agravar os problemas existenciais que vivenciam.
Ser adolescente, estar adolescente, adolescer. Um fenômeno típico de nossa sociedade industrializada; mas, ao
mesmo tempo, uma condição imposta pelo desenvolvimento biológico. De qualquer forma, uma vivência esperada
para todos os indivíduos que se aproximam das mudanças da puberdade. Toda essa vivência, atravessada pelas
experiências individuais e de classe social, tende a ser vista, em nossa cultura, como um momento que antecede a
entrada no mundo adulto. Esse entendido como um mundo bastante diferente, no qual alguns papéis sociais devem
ser assumidos, conforme veremos a seguir.

4.3.2 Mudanças desenvolvimentais relevantes na Idade Adulta


Podemos dividir o período adulto em três períodos:
1) Adulto jovem, compreendendo a faixa etária entre 20 e 30 anos;
2) Meia idade: envolve as idades entre 40 e 50 anos;
3) Velhice: a partir dos 60 ou 65 anos em diante.
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Esta é uma forma de classificação, mas existem outras igualmente interessantes, como a proposta por Bee
(1997):
1) Início da vida adulta: compreende o período entre 20 e 40 anos de idade;
2) Vida adulta intermediária: envolve a faixa etária de 40 a 65 anos;
3) Final da vida adulta: a partir dos 65 anos até a morte.

Ambas as classificações são relativamente arbitrárias, mas trazem a vantagem de identificar períodos
marcados por experiências sociais e por alterações físicas e cognitivas marcantes e, em geral, compartilhadas pelos
indivíduos naquelas faixas etárias.
Claro que a idade cronológica é importante e fundamental para a definição da entrada do indivíduo no período
adulto. Além da cronologia, porém, é necessário levar em conta outros fatores importantes, como a qualidade de vida,
as experiências de vida, fatores subjetivos (maneira de encarar a idade e de se sentir mais ou menos jovem).
Assim, se compararmos aos períodos anteriores, podemos afirmar que as mudanças no adulto variam muito
em função dos fatores apontados. Apesar dessa diversidade, algumas mudanças são previsíveis (os chamados eventos
normativos).

O início da vida adulta, marcado ente as idades de 20 a 30-40 anos, apresenta alguns eventos que são
amplamente compartilhados pelos indivíduos em sociedades semelhantes à nossa:
Saída do lar
Busca de trabalho estável
Início da vida conjugal
Chegada dos filhos

Esses são eventos em relação aos quais há grande expectativa da sociedade, porém há outros aspectos
relevantes, conforme apontados por Bee (1997):
Até cerca de 35 anos de idade, os indivíduos encontram-se no auge de suas funções físicas. Também estão na
época mais propícia para terem filhos e a saúde encontra-se em seu estado pleno. A partir dos 40 anos já é possível
verificar ligeiro declínio em algumas funções físicas em geral, mas nada que seja tão acentuado.
Em relação às habilidades cognitivas, os adultos jovens apresentam máxima destreza na memória e operações
mentais em geral, soluções de problema e testes de QI (Quociente de Inteligência). O vocabulário continua se
ampliando.
Em termos psicossociais, o adulto jovem está caminhando para a definição de seu papel como esposo/a,
pai/mãe, bem como uma definição da profissional que marcará sua vida laboral. Em relação à vida conjugal, estudos
têm demonstrado haver um certo declínio na satisfação com o parceiro que coincide com a chegada do primeiro filho;
provavelmente isso se deve às exigências decorrentes da função materna/paterna, a própria divisão de tarefas no lar e
no cuidado dos filhos, a dificuldade em conciliar a vida sexual com as tarefas de pai e mãe.
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Quanto à própria identidade, o adulto jovem demonstra maior independência, autoconfiança e auto-estima,
porém, contrariamente, é possível encontrar indivíduos cada vez mais isolados e propensos à depressão.
Muito do que foi vivenciado nas etapas de vida anteriores poderá se refletir na entrada para a vida adulta. É
possível, por exemplo, que padrões inadequados de vivência familiar possam acompanhar a própria relação que o
jovem adulto terá com seus filhos ou cônjuge. Claro que estamos, aqui, no terreno das suposições e, mais uma vez,
valem as considerações feitas por Bronfenbrenner ao indicar que as experiências em diversos sistemas ecológicos
podem influenciar, mas nunca a um nível tal de determinação que não possam ser superadas ou alteradas por novas
experiências ao longo da vida.

Em relação à vida adulta intermediária, que abrange as idades de 40 a 65 anos, uma importante constatação é
que, em função do aumento na qualidade de vida da população, em nossa sociedade, podemos afirmar que o
indivíduo que chega aos 40 anos está apenas um pouco acima da metade da expectativa de vida, a qual gira em torno
de 75 a 80 anos de idade. Claro que nos referimos a uma condição média da população. Por outro lado, é necessário
não confundir a extensão vital (tempo máximo de vida possível em nossa espécie, que em geral é de 110 a 115 anos e
que está relacionado aos nossos limites biológicos) e expectativa de vida (tempo médio de existência humana em
nossa sociedade e que está relacionado às condições concretas de vida).
O aumento na expectativa de vida é um excelente indicativo de que os adultos plenos podem organizar sua
vida não mais em função da senectude e morte, mas em função das possibilidades que ainda estão por vir. Em outras
palavras, é possível, nos dias atuais, um planejamento de vida a partir dos 40 anos, o que, sem dúvida, amplia a auto-
estima.
Apesar disso, algumas características gerais são observadas na vida adulta em função de limites biológicos:
diminuição da acuidade visual; perda auditiva, gradativa e lenta; redução da densidade óssea, principalmente me
mulheres; perda da capacidade reprodutiva tanto nos homens quanto nas mulheres (fenômeno conhecido por
climatério); esta perda é mais lenta nos homens que nas mulheres, tendo-se, inclusive, notícias de homens que se
tornaram pais em idade avançada (em torno de 70 anos).
Ainda em relação às perdas biológicas, nota-se ligeira diminuição na memória, embora esta diminuição não
chegue a ser preocupante e nem atrapalhe a vida social e produtiva. Em geral, o que os indivíduos declaram é que
precisam de um tempo maior para registrar determinados fatos ou aprender certos temas novos, mas nada que venha a
ser tão perceptível aos outros.
Em compensação, indivíduos que vivenciam a idade adulta intermediária demonstram que suas habilidades
cognitivas em geral mantêm-se em bom estado, sendo que os escores em testes de QI tendem a ser mais elevados, o
que é comprovado pelo aumento do próprio vocabulário utilizado.
Ainda podemos apontar que os indivíduos adultos intermediários possuem uma alta capacidade criativa, fruto,
muito provavelmente, de suas experiências acumuladas.
Todos esses indicativos estão diretamente relacionados ao tipo de vida que o indivíduo leva. Por outro lado,
há um aumento na densidade de dados que indicam que a prática regular de exercícios físicos concorre positivamente
para o aumento ou manutenção das habilidades gerais acima indicadas.
63

O final do período intermediário adulto sinaliza a entrada no último período de vida, que vai dos 65 anos de
idade até a morte. Por ser um período muito especial, trataremos do mesmo em uma seção destacada.

4.3.3 O Idoso: aspectos biopsicossociais


Na velhice as perdas sensoriais, físico-motoras e cognitivas são visíveis. Pode-se, de certa forma, afirmar que
é um período no qual, mais particularmente, o adulto começa a lidar com perdas bastante previsíveis: as capacidades
gerais diminuem; amigos e entes queridos tendem a morrer, dentre esses o próprio cônjuge; os filhos já partiram ou
estão prestes a deixar o lar para constituírem novas famílias, muitas vezes geograficamente distantes; a aposentadoria
chega juntamente com uma perda ou diminuição do valor social e afastamento do mundo produtivo.
Ao mesmo tempo, novos desafios surgem: busca de adaptações às novas condições que o corpo impõe; a
chegada dos netos e netas e dos genros e noras, aumentando a extensão da família; as novas responsabilidades com a
chegada dos netos e a possibilidade de se sentirem novamente valorizados em função das experiências acumuladas
em anos.
Algumas doenças são bastante comuns e, junto com elas, novas exigências de adaptação e de mudanças nos
hábitos de vida: artrite, hipertensão e doenças cardíacas não são, necessariamente, ocorrências obrigatórias na vida do
idoso, mas é grande a possibilidade. Alimentação, exercícios e cuidados gerais com as emoções devem ser uma
preocupação maior que ajudará o indivíduo idoso a lidar melhor com essas vicissitudes.
Outras doenças degenerativas podem surgir, como o Mal de Parkinson e a Doença de Alzheimer. Por serem
doenças degenerativas do sistema nervoso central, requerem uma ajuda permanente de terceiros, o que pode afetar
negativamente a auto-estima do idoso.
Outro aspecto importante diz respeito à vivência da sexualidade. Com o aumento da qualidade e da
expectativa de vida, bem como o desenvolvimento de tratamentos médicos, muitos idosos passaram a ter acesso à
plenitude sexual, quebrando antigos tabus sociais. Por outro lado, as estatísticas infelizmente começam a identificar
um aumento nos índices de doenças sexualmente transmissíveis e AIDS em idosos de ambos os sexos.
As atividades voltadas exclusivamente a idosos, desde programas de condicionamento físico a turismo na
terceira idade, ofertas de serviço em terapia ocupacional e em lazer, presentes em diferentes classes sociais, apontam
para uma mudança nas atitudes sociais em relação aos idosos e, consequentemente, na criação de uma mentalidade
diferenciada nas novas gerações. Essas constatações indicam que a presença de dois fatores é fundamental para a
manutenção de uma vida ativa na terceira idade: os efeitos do treinamento e os efeitos da sabedoria.
Por efeitos do treinamento, queremos enfatizar as oportunidades de exercícios físicos e cognitivos. Muitas
capacidades são diminuídas em função da ausência de treinamento adequado. É possível, por exemplo, aprender a
nadar, praticar esportes e outras atividades físicas, bem como treinar as capacidades cognitivas, como memória,
lógica, resolução de problemas. O aprendizado de uma nova língua, a leitura regular, a convivência em grupo, são
excelentes fatores de manutenção da saúde cognitiva e emocional. Os idosos, como os demais indivíduos nas
diferentes etapas de vida, são sensíveis à música. Aprender a tocar um instrumental musical, participar de um curso
de iniciação musical, fazer parte de um coral, etc., são atividades riquíssimas e que podem descortinar novos
horizontes ao idoso.
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Por fim, é necessário ampliar programas de apoio social ao idoso, de modo a que este possa se sentir
valorizado e valorizar-se. O aumento no controle pessoal, na autonomia e na auto-estima fazem-se notar em idosos
que têm acesso a algumas das atividades descritas até aqui, quando comparados com idoso inativos, isolados e
asilados.
Cabe aos educadores a importante tarefa de contribuírem para o aumento e manutenção da qualidade de vida,
através da proposição de programas educacionais voltados à terceira idade.

4.4 Considerações finais


Ao finalizarmos a unidade 4 chegamos ao final do nosso percurso sobre o desenvolvimento humano, que
começou na concepção da vida (na unidade 2) até a velhice. Nessa unidade em especial, estudamos as principais
características físicas, psicológicas e sociais das seguintes fases do desenvolvimento humano: adolescência e idade
adulta, percorrendo todos os seus momentos – do jovem adulto até a velhice.
Pudemos verificar as belezas e os percalços no desenvolvimento do ser humano, desde as características
biológicas desse desenvolvimento, as quais todos da nossa espécie passam necessariamente, até as influências do
meio, que irão favorecer as diferenças individuais e culturais de cada um de nós.
Para nós educadores fica a seguinte mensagem: precisamos conhecer o público com o qual atuamos.
Conhecendo um pouco as características de cada etapa do desenvolvimento humano teremos maiores chances de
atuar de forma significativa, ou seja, compreender, colaborar e atuar de forma a atender às necessidades de nossos
alunos.

4.5. Saiba mais

Sugerimos os seguintes filmes que tratam da adolescência, da idade adulta e velhice:

• Cazuza o tempo não pára (Drama, 2004. Sinopse: Sob a lona do Circo Voador, um jovem canta uma música
em inglês. Poderia ser apenas mais um entre inúmeros aspirantes ao sucesso, no entanto, Cazuza não ficaria
muito tempo na tribo dos talentos promissores. Instável e desafiador, mas também extremamente sedutor, ele
vivia sua confortável vida de garoto da zona sul do Rio sob a cerrada vigilância da mãe. Fonte:
http://www.filmesdecinema.com.br/filme-cazuza-o-tempo-nao-para-885/ ).
• Pro dia nascer feliz (Documentário, 2006. Sinopse: As situações que o adolescente brasileiro enfrenta na
escola, envolvendo preconceito, precariedade, violência e esperança. Adolescentes de 3 estados, de classes
sociais distintas, falam de suas vidas na escola, seus projetos e inquietações. Fonte:
http://www.filmesdecinema.com.br/filme-pro-dia-nascer-feliz-4117/ )
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• Aos Treze (Drama, 2003. Sinopse: Elas não são mais garotinhas "um dos melhores filmes do ano.
impressionante, chocante, interpretações magníficas." Aos Treze é um olhar corajoso que expõe a vida
conturbada dos adolescentes. Para Tracey (Evan Rachel Woods), uma garota com treze anos e um boletim
impecável, tudo muda quando Evie (Nikki Reed), a garota mais popular e bonita da escola, se torna sua amiga
e a leva para um mundo de sexo, crime e drogas. Fonte: http://www.filmesdecinema.com.br/filme-aos-treze-
332/ ).
• Tomates Verdes Fritos (Drama, 1991. Sinopse: Evelyn Couch (Kathy Bates) é uma dona de casa
emocionalmente reprimida, que habitualmente afoga suas mágoas comendo doces. Ed (Gailard Sartain), o
marido dela, quase não nota a existência de Evelyn. Toda semana eles vão visitar uma tia em um hospital, mas
a parente nunca permite que Evelyn entre no quarto. Uma semana, enquanto ela espera que Ed termine sua
visita, Evelyn conhece Ninny Threadgoode (Jessica Tandy), uma debilitada mas gentil senhora de 83 anos,
que ama contar histórias. Fonte: http://www.filmesdecinema.com.br/filme-tomates-verdes-fritos-4856/ ).

• Íris (Drama, 2001. Sinopse: A história de amor entre a novelista e filósofa Iris Murdoch e seu marido, o
professor John Bayley, contada em duas épocas distintas: na juventude, quando se conheceram, e na velhice,
quando Iris sofre do mal de Alzheimer. Fonte: http://www.filmesdecinema.com.br/filme-iris-2667/ ).

4.5.1 Outras referências

Sugerimos como leitura complementar os seguintes livros:

• BOUER, J.; FRANCINE, S. Tipo Assim: adolescente. Campinas: Papirus, 2005 (Coleção Papirus Debates).
• SKINNER, B.F.; VAUGHAM, M.F. Viva bem a velhice: aprendendo a programar a sua vida. São Paulo:
Summus, 1985.

4.5.2 Referências bibliográficas

BANDURA, A. Social learning theory. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1977.

BEE, H. A criança em desenvolvimento. 3 ed. São Paulo: Harbra. 1986.

BEE, H. O ciclo vital. [Título original: Lifespan development]. Regina Garcez (Trad.). Porto Alegre: ArtMed, 1997.

BROFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto


Alegre: ArtMed. 1996.

HERCULANO-HOUZEL, S. O cérebro em transformação. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

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