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Psicologia do Desenvolvimento
Volume 1
Teorias do desenvolvimento
Nt1729
1 4 reimpressão
ISBN 85-12-64610-1
(c) E.P.U. - Editora Pedagógica e Universitária Ltda., São Paulo, 1981. Todos os direitos
reservados. A reprodução desta obra, no todo ou em parte, por qualqi meio, sem autorização
expressa e por escrito da Editora, sujeitará o infrator, nos tem da lei ne 6.895, de 17-12-1980, à
penalidade prevista nos artigos 184 e 186 do Códi Penal, a saber: reclusão de um a quatro
anos.
Sumário
Prefácio . IX
Capítulo 1 - Introdução . 1
• 2 Bibliografia 9
2. 3 Resistência e repressão 17
2.4.1 O Id 20
2.4.2 O Ego 25
2.4.3 O Superego 28
2. 5
Mecanismos de defesa
29
2. 5. 1
Repressão
30
2.5 . 2
Divisão ou cisão
30
2. 5 . 3
30
2.5.4
Projeção
31
2. 5 . 5
Racionalização
31
2. 5 . 6
1ormação reativa
31
2.5.7
Identificaçã
32
2.5.8
Regressão
32
2 . 5 .9
Isolamento
32
2. 5. 10
Deslocamento
33
2.5.11
Sublimação . .
33
2. 6
Sexualidade e libido
33
2. 7
Fases de desenvolvimento
35
2.7.1
Fase oral
'35
2.7.2
Fase anal
38
2. 7 . 3 Fase fálica . 4
2 . 7 .4 Período de latência 4
2 . 7 . 5 Fase genital 4
2. 8 A formação de sintomas 4
2. 8. 2 Os sonhos e o simbolismo 4
2. 8 . 3 Neurose e sintomas 4
2 .9 Leituras recomendadas 5
3. 1 Introdução
3 . 2. 1 Hereditariedade
3.2.2 Adaptação
3.2.3 Esquema
3 .2.4 Equilíbrio
3 .4 Bibliografia
Capítulo 4 - Modelo da aprendizagem social (Cláudia Davis)
4. 1 Aprendizagem social
4. 2 Aprendizagem e expectativas
4. 6 Resumo e conclusão
4. 7 Bibliografia
Capítulo 5 - Conclusão
VI
Prefácio
Durante estes anos de magistério, de convívio com a bibliografia existente e também diante da
necessidade de formar psicólogos eficientes, de bom nível, com possibilidades de atuar tanto no
sentido profilático como terapêutico com as nossas crianças, deparamo-nos sempre com um
impasse. Qual seria o livro ou os livros mais adequados para nossas finalidades? Várias
tentativas foram feitas, tomando sempre por base obras de autores de outros países que
desconhecem a nossa realidade. E. essas tentativas, embora muito discutidas pela equipe,
sempre se revelaram insatisfatórias. Se, por um lado, um manual abrange uma vasta gama de
itens, por outro lado, perde em profundidade. Se abandonamos os manuais e indicamos
inúmeras obras aos alunos, ganhamos em profundidade. mas perdemos a unidade e a
seqüência, além de onerá-los excessivamente.
Diante dessas dificuldades e de outras mais, cuja enumeração se tornaria cansativa para o
leitor, decidimos aceitar o convite para uma apresentação sistemática de nossas idéias e de
nossas vivências na área da Psicologia da Criança e da Adolescência.
preciso, entretanto, deixar bem claro que não temos a pretensão de esgotar o assunto ou de
eliminar a necessidade de uma consulta mais profunda às outras obras da área e de uma
reflexão crítica a respeito delas. Isto porque entendemos que a função de um curso
universitário, que pretenda formar psicólogos,
Quais as condições que devem ser criadas na família, especialmente nas famílias de
populações carentes, para se evitar o abandono e a delinqüência do menor? Qual a
importância do relacionamento social e da exposição aos meios de comunicação de massa
para a formação da personalidade da criança?
VIII
Quanto a nós, pretendemos, modestamente, contribuir para este processo de formação com a
apresentação desta obra, que nada mais é do que o resultado da nossa experiência.
O conteúdo será apresentado numa série de quatro livros. O primeiro dará ao leitor uma idéia
geral de três modelos de desenvolvimento, que são: o modelo psicanalítico, o modelo
piagetiano e o modelo de aprendizagem social. Os demais representarão um aprofundamento
e uma ampliação destes conceitos iniciais em cada fase da infância.
Já o terceiro enfocará a denominada idade pré-escolar com todo o seu encanto e riqueza.
Veremos o modelo psicanalítico realçando a importância do relacionamento da criança com
seus pais como determinante de um futuro ajustamento de personalidade. Piaget mostrará as
limitações do pensamento egocêntrico que determina uma visão distorcida da realidade. E,
finalmente, do ponto de vista social, veremos a criança dando seus primeiros passos fora da
família, em direção à sociedade mais ampla.
Clara R. Rappaport
Ix
Capítulo 1
Introdução
A partir do século XVII, a Igreja afasta a criança de assuntos ligados ao sexo, apontando as
inadequações que estas vivências traziam à formação do caráter e da moral dos indivíduos.
Passaram a constituir escolas onde, além da preocupação básica com o ensino da religião e da
moral, ensinavam-se habilidades como leitura, escrita, aritmética, etc.
Esta atuação foi evidentemente limitada, embora tenha sido importante no sentido de apontar
as grandes diferenças entre as personalidades das crianças e dos adultos. Esta limitação se
refere tanto aos objetivos específicos propostos para a educação, como aos métodos utilizados
e ainda ao pequeno número de crianças atendidas.
Mas despertou a consciência da humanidade para uma reflexão acerca do assunto, e grandes
filósofos dos séculos XVII e XVIII passaram a discutir aspectos da natureza humana, baseados
nas suas próprias concepções a respeito da criança.
Já no século XIX e mesmo no início do século XX observamos urna preocupação mais ampla e
mais sistematica com o estudo da criança e com a necessidade de educação formal. Apesar
disso, a disciplina era exercida, tanto nas famílias como nas escolas, de forma violenta e
agressiva. Várias formas de castigo - como palmatória, ajoelhar no milho, espancamentos
violentos e quartos escuros - foram abolidas das escolas ainda recentemente, embora,
infelizmente, algumas dessas práticas continuem sendo utilizadas em nosso meio,
especialmente nas populações de baixo nível sócio-econômico-educacional.
Estas atitudes começaram a modificar-se a partir do estudo científico da criança, que se iniciou
efetivamente neste século. Podemos ver, portanto, que dentro de uma perspectiva histórica de
milhares de anos, em que predominou o total desconhecimento da criança, a nossa área de
estudos encontrou no seu início uma série de dificuldades para se impor como área realmente
séria, científica e útil, do ponto de vista social.
Iniciamos nossa história como ciência do comportamento infantil com uma tendência para
descrever os comportamentos típicos de cada faixa etária e organizar extensas escalas de
desenvolvimento. Como exemplo podemos citar o trabalho de Geseli, nos Estados Unidos, ou de
Binet, na França (este último mais preocupado com medidas da inteligência). A partir da
elaboração destas escalas. de uma certa forma, o desenvolvimento de cada criança poderia ser
medido e comparado com o que se esperava para a sua faixa de idade ou com o
comportamento considerado "normal". Por outro lado, através de um procedimento muito
diferente, qual seja a psicanálise de pacientes adultos com vários tipos de perturbações, Freud
chocava a humanidade no início do século XX com suas descobertas a respeito do
desenvolvimento da personalidade da criança e com a constatação de que certos
acontocimentos vi'enciados na infância eram os determinantes principais de distúrbios de
personalidade na idade adulta. Freud causou um impacto decisjvo ao mostrar a importância
dos primeiros anos de vida na estruturação da personalidade, determinando o cursc do seu
desenvolvimento futuro no sentido da saúde mental e da adaptação social adequada OU da
patologia. A idéia e a metodologia de trabalho de Freud, que serão expostas no próximo
capítulo deste livro, tiveram também o mérito de mostrar a presença de processos
inconscientes em
A psicologia infantil, podemos atualmente conceituá-la de maneira bem ampla, bem como a
ciência, ou aspecto da ciência, que pretende descrever e explicar os eventos ocorridos no
decorrr do tempo que levam a determinados comportamentos emergentes durante a infância,
adolescência ou idade adulta. Pretende, pois, explicar como é que, a partir de um
equipamento inicial (inato), o sujeito vai sofrendo uma série de transformações decorrentes
de sua própria maturação (fisiológica, neurológica e psicológica) que, em contato com as
exigências e respostas do meio (físico e social), levam à emergência desses comportamentos.
Portanto, a nossa ciência pretende:
Trata-se de um passo fundamental, sem dúvida, porém insuficiente. Não basta saber que a
mãe, ou as mães, tomam certas atitudes em relação a seus filhos. E necessário explicar quais
os fatores que determinam essas atitudes. Seriam características de personalidade da própria
mãe? Quais? Seriam as características da criança? Seriam fatores circunstanciais,
momentâneos? Seriam fatores externos à dinâmica da própria dupla (econômicos, por
exemplo)? Quais as repercussões que essas atitudes maternas terão no desenvolvimento da
personalidade da criança? E na própria seqüência da interação?
No momento então em que estas dúvidas são lançadas, torna-se necessário recorrer à teoria,
ou às teorias do desenvolvimento. Uma teoria do desenvolvimento se constitui num conjunto
de conhecimentos teóricos que oferecem subsídios para a explicação dos comportamentos
observados.
Fica claro então que o psicólogo do desenvolvimento, através da pesquisa (descrição precisa
dos fenômenos comportamentais individuais ou em situação de interação social) e da
teorização (tentativa de explicar e integrar os dados das pesquisas num todo coerente e
unitário), oferece subsídios para a compreensão:
b) dos possíveis desvios, desajustes e distúrbios que ocorrem durante o processo e podem
resultar em problemas emocionais (neuroses, psicoses), sociais (delinqüência, vícios, etc.),
escolares (repetência, evasão, distúrbios de aprendizagem) ou profissionais.
Assim, a Psicologia do Desenvolvimento é uma disciplina básica dentro da Psicologia, pois nos
permite conhecer e trabalhar tanto com as crianças como com os adolescentes e adultos.
Oferecemos inúmeras opções de aplicação prática de nossa ciência tanto no trabalho
profissional como psicólogos (clínicos ou escolares) ou ainda orientando profissionais de áreas
afins. Podemos auxiliar o educador, mostrando quais as habilidades, capacidades e limitações
de cada faixa etária nos vários aspectos da personalidade (motores, emocionais, intelectuais,
etc.), e assim ajudá-lo a estabelecer programas escolares e metodologias de ensino
adequadas, bem como programas esportivos e recreativos.
Enfim, a nossa ciência é muito abrangente e pode ter uma série de aplicações práticas.
Não há dúvida de que se torna necessário, no momento atual da sociedade brasileira (onde o
problema do menor vem assumindo proporções cada vez mais graves), uma intervenção do
psicólogo infantil ao lado de outros profissionais. A divulgação de nossas idéias junto às
famílias e às instituições educacionais pode contribuir para que as crianças carentes recebam
um tratamento mais adequado. Se os pais forem apoiados e educados no sentido de
proporcionar mais afeto e mais estimulação para o desenvolvimento intelectual, e receberem
eles próprios este afeto e esta estimulação, poderemos então minimizar um pouco o
sofrimento de nossas crianças e diminuir o grau de abandono em que se encontram. Se as
escolas forem instrumentadas para elaborar programas educacionais mais adequados a estas
crianças, menor será o índice de evasão escolar e de desajuste social e profissional
conseqüente.
Enfim, é muito amplo o campo de trabalho tanto no sentido de conhecer a nossa criança
(pesquisa) quanto de aplicações práticas. Muito há para fazer. Mas, é sem dúvida necessária
uma grande disposição para o trabalho e para a sua avaliação crítica constante.
Pelo menos em parte, a resposta está na jovialidade da nossa ciência. Pois, apesar da
maturidade crescente que a Psicologia do
Desenvolvimento vem ganhando como ciência, notamos ainda muitos pontos falhos. E um dos
principais pontos em que falhamos é o dos métodos de pesquisa que temos.
Antes de iniciarmos o estudo do desenvolvimento humano propriamente dito, focalizaremos
rapidamente as dificuldades metodológicas inerentes às pesquisas neste campo, pois se
verifica que. acompanhando as investigações empíricas e clínicas a respeito dos fatores mais
importantes e da forma como atuam no desenvolvimento da personalidade infantil, tem
ocorrido, em paralelo, uma discussão sobre a adequação dos métodos de investigação, que,
em última análise, determinam a validade e a credibilidade dos dados.
Tão grande seria esta preocupação, que várias análises críticas foram feitas. Apenas na área da
interação mãe-criança podemos contar dez publicações.2
A primeira destas linhas de estudo preocupou-se com as práticas de criação infantil e os traços
de personalidade dos pais associados com o desenvolvimento da personalidade da criança.
1 Uma descrição destes métodos poderá ser encontrada nas seguintes obras:
Mussen, P.H.; Conger, J.J. e Kagan, J. Desenvolvimento e personalidade da criança. São Paulo,
Ed. Harper, 1977 ou Pikynas, J. Desenvolvimento humano São Paulo, Ed. McGraw-HiIl do Brasil,
1979.
Estes métodos apresentam, porém, sérias limitações (Lytton, 1971). Por exemplo, as
observações naturalísticas realizadas no lar, embora permitam observar algumas facetas da
socialização, como a hora do banho ou de dormir, contudo, podem perder dados valiosos. E
que situações de conflito ou punições podem ocorrer fora do horário de observação.
Geralmente, este método sem estruturação é usado com bebês, pois são sujeitos mais fáceis
de serem observados (o que talvez explique o fato de a literatura oferecer um número muito
maior de dados a respeito desta faixa etária do que das subseqüentes).
Na idade pré-escolar (2 a 6 anos), são mais raros os estudos deste tipo, quando se usam mais
situações de laboratório. Em relação à idade escolar (7 a 11 anos) existem alguns estudos com
objetivos específicos, por exemplo, o de verificar as reações dos pais e das crianças diante de
certas tarefas estruturadas.
Quanto à observação naturalística, os autores reconhecem que nela pode haver uma distorção
no sentido da desejabilidade social.
Por outro lado, estudiosos com formação etológica, como Blurton Jones (1972) ou Lytton
(1971), criticam o que consideram como falta grave na metodologia de pesquisa da Psicologia
do Desenvolvimento, qual seja a de ter pulado o passo essencial de descrição e de estudos
normativos do repertório comportamental de seus sujeitos.
Embora sugiram para a obtenção de dados o uso dos métodos etológicos, esses autores
reconhecem a necessidade de cautela ao se transpor diretamente para o estudo de seres
humanos, métodos, técnicas e mesmo dados colhidos com outras espécies. A transposição de
tais modos e técnicas constituiria apenas uma tentativa inicial para tornar mais rigorosa e
válida a observação.
As dificuldades aqui apontadas devem ser levadas em conta quando se analisam as pesquisas e
os resultados delas derivados.
Além disso, não se pode deixar de pensar que fatores externos à própria criança ou à dinâmica
específica estabelecida entre os membros da família possam interferir ou mesmo dirigir o
processo de desenvolvimento.
Isto porque, conforme sugestões de Biurton Jones (1972), é apenas a partir de uma abordagem
mais ampla, que leve em consideração outras variáveis além das especificamente psicológicas.
que se poderá chegar à compreensão do processo do desenvolvimento humano.
Entre estas outras variáveis uma delas é o nível sócio-econômico-educacional a que o sujeito
pertence. E, neste sentido, é pertinente relembrar as maiores dificuldades metodológicas
encontradas por alguns pesquisadores ao trabalhar com sujeitos de classe baixa. Entre estes,
Zunich (1971) mostra a dificuldade de se obter um perfil real da interação mãe-criança em
uma amostragem de pessoas de classe baixa - vinte mães de meninos e vinte mães de meninas
de três a cinco anos de idade - através de um procedimento de questionário e também
observando diretamente a interação. Embora o autor acredite que esta forneça mais subsídios
(mesmo que a reticência ou inibição das mães interfira nos resultados) do que aquela onde os
julgamentos são feitos por indivíduos (os próprios sujeitos) menos qualificados do que os
observadores treinados e objetivos.
vadas, e os mais recentes são ainda apenas tentativas, qual a melhor opção para o
pesquisador?
Nesse sentido lembramos ao leitor que deve estar ciente das dificuldades metodológicas da
pesquisa na área da Psicologia Infantil e da Psicologia em geral, quando os resultados práticos
e os conceitos teóricos forem analisados.
Não que não sejam válidos os estudos de partes do comportamento, e até talvez seja esta a
única forma de se abordar cientificamente a conduta humana ou animal: mas porque esses
resultados, por vezes, se tornam fragmentados e não permitem que
o interessado em Psicologia do Desenvolvimento tenha uma visão adequada do processo como
um todo, dos encadeamentos e das influências biológicas e sociais que ocorrem, sem dúvida, a
todo momento, quer dando condições para o aparecimento de determinados comportamentos,
quer impondo exigências ou limitações para a manifestação desses mesmos comportamentos.
1.2 Bibliografia
1. Biurton Jones, N. Ethologjcal studies of child behavior. Cambridge, Cambridge Univ. Press,
1972.
278-82.
10. Smith, H.C. Desenvolvimento da personalidade. São Paulo, Ed, McGrawHjIl dø Brasil, 1977.
11. Yarrow, L. Y. e Goodwin, M S. Some conceptual issues in the study o mother. Infant
interation. American Journal 01 Orrhopsychiatry, 1965
12. Yarrow, M.R. Problems of methods in parent - Child research. Chil Development, 1963, v.
34, p. 215-26.
13. Zunich, M. Lower-class mother's behavior and attiudes toward chil rearing. Ps-vchological
Reporís, 1971, v. 29, p. 1.051-8.
lo
Capítulo 2
Modelo psicanalítico
II
a sífilis e várias moléstias do sistema nervoso. Durante este período inicial de carreira,
desenvolve ainda uma nova técnica para a coloração de tecidos nervosos pelo cloreto de ouro
e lança as bases para a utilização clínica da cocaína como anestésicó local. Nas décadas de
1880/1890 Freud fixa-se como neurologista de renome. Introduz explicações funcionais,
correlacionando áreas motoras, acústicas e visuais do cérebro. Seus trabalhos sobre a afasia,
paralisias infantis, hipertonias nos membros inferiores em enuréticos, bem como o trabalho
final sobre paralisia cerebral infantil já lhe assegurariam um lugar histórico na medicina.
O interesse de Freud pela psiquiatria, e particularmente pela histeria, o leva a conseguir uma
bolsa de estudos para estudar com Charcot, em Paris. Este psiquiatra havia se notabilizado por
seus estudos e trabalhos com pacientes histéricas. Seu prestígio havia reabilitado a utilização
médica da hipnose. Charcot descobrira que através da hipnose poderia eliminar
temporariamente a manifestação de sintomas histéricos. Descobrira também que, através da
hipnose, sintomas aparentemente histéricos poderiam ser criados artificialmente em suas
clientes. Freud acompanha seus seminários e sua descoberta de que os fenômenos histéricos e
a hipnose constituíam um mesmo processo. As perturbações que assumiam aparentemente
dimensões físicas não eram a expressão de um foco lesional, mas sim a manifestação de um
processo sugestivo, em geral traumático, que desencadeava a sintomatologia física. Na verdade,
a teoria pessoal de Charcot era mais física que funcional. Para ele a histeria era uma
incapacidade congênita de integrar funções psíquicas. Freud usa uma boa imagem para
representar a teoria de Charcot, comparando a histeria a uma mulher sobrecarregada de
pacotes, que não lhe cabem nos braços. Um deles cai e, ao abaixar-se para apanhá-lo, outro se
precipita. Ou seja, é como se o psiquismo, inatamente frágil, sempre apresentasse uma
defasagem na coordenação de suas funções. Este fenômeno era aparentemente confirmado
na prática clínica. Por exemplo, os sintomas de paralisia dos braços de uma histérica poderiam
ser suprimidos por sugestão hipnótica. Algum tempo depois eles ressurgiam ou, então, a
paralisia não voltava. mas outro sintoma físico ocupava seu lugar. Uma cegueira ou uma crise
convulsiva substituía a paralisia. Embora a teoria específica de Charcot não tenha tido utilidade
para a psicanálise, as correlações entre processos sugestivos e sintomas de doenças mentais
constituirão uma base para o pensamento de Freud.
12
O principal colaborador nas idéias iniciais de Freud é Joseph Breuer, médico vienense, mais
velho que Freud, e que já realizava na Áustria pesquisas de tratamento da histeria com a
hipnose, ao mesmo tempo que Charcot clinicava em Paris. Breuer se encarrega de uma
paciente histérica que entrará para os anais da psicanálise com o nome de Ana O. Ao ser
provocado o sonambulismo hipnótico como tranqüilizante, a paciente passa a narrar, durante
a hipnose, uma série de fatos passados, profundamente dolorosos. Estes fatos não faziam
parte do conhecimento consciente da paciente. Quando, ao despertar, a paciente pôde
reconstituir esta etapa do seu passado, com o auxílio de Breuer, os sintomas histéricos
desaparecem. O trabalho de Breuer no tratamento de Ana O. passa a ser o primeiro caso
clínico a ser tratado dentro do modelo que daria origem à psicanálise. O excelente nível
intelectual da paciente é também um dado importante que auxilia Breuer a se organizar em
seu tratamento. Este método de eliminar os sintomas com a retomada de recordações
traumáticas passadas, que se torna conhecido como Método Catártico, é pela primeira vez
definido e reconhecido pela própria paciente, que o define como "a cura pela fala". Ernest
Jones chega a definir Ana O., por esta observação, como sendo a pessoa que primeiro definiu a
técnica analítica.
Breuer introduz Freud em suas descobertas, envia-lhe pacientes para serem tratados pelo
novo método, tornando-se quase que uma espécie de protetor de Freud em seus trabalhos
iniciais. Juntos publicam suas descobertas, e a colaboração durará até a ruptura ocorrida
quando da elaboração da teoria da sexualidade infantil de Freud.
Em linhas muito gerais, estes são os dados iniciais da Teoria Psicanalítica que Freud continuará
a construir por mais cinqüenta anos. Alguns trabalhos serão os organizadores centrais do
modelo:
Os estudos sobre a histeria, escritos com Breuer em 1893-1895; A interpretação dos sonhos,
de 1900: Psicopatologia na vida cotidiana, de 1901; Três ensaios para uma teoria sexual, de
1905; os três casos clínicos de 1909-191 1 (O pequeno Hanz, O "homem dos rat&s"; O
Schreber); Os instintos e seus destinos, de 1915; Luto e melancolia de 1917; Mais além do
princípio do prazer. de 1920; O Ego e o Id. de 1923; Inibição, sintoma e angústia, de 1926.
Inúmeros outros trabalhos complementarão e explorarão
'3
as idéias centrais, abrindo inclusive a psicanálise para outras áreas como a arte, a religião, os
movimentos sociais, a lingüística.
O trabalho que presentemente desenvolvemos tem pretensões restritas. Visamos dar apenas
uma compreensão básica da psicanálise, necessária para o entendimento evolutivo da
afetividade humana. Ë um trabalho destinado aos cursos de Psicologia do Desenvolvimento
ministrado nas faculdades de Psicologia, Pedagogia, cursos paramédicos e ciências afins. Não
nos competiria, portanto, quaisquer revisões críticas da psicanálise. Neste volume, o primeiro
de uma série de quatro, tentaremos estabelecer como surgiram e o que significam os conceitos
básicos da psicanálise. Nossa orientação será estritamente freudiana, por julgar que aí está a
base fundamental do conhecimento em psicanálise. O texto não será pontilhado de
referências bibliográficas, ao nosso ver dispensáveis neste estágio inicial. Preferimos organizar,
ao final, a indicação de algumas leituras básicas de Freud, principalmente dos seus escritos
didáticos, por nos parecer esta a melhor maneira de uma organização inicial deste
conhecimento. Nos três volumes seguintes, desenvolveremos a evolução da libido, estágio por
estágio. Aí, sim, teremos campo para discussões detalhadas, nas quais incluiremos comparações
com os principais continuadores e dissidentes da obra freudiana.
Atualmente nos é fácil aceitar a idéia da existência de processos inconscientes. isto não era
assim tão fácil nas etapas iniciais do desenvolvimento da psicanálise. A idéia despertou
ferrenha oposição, quer dentro dos círculos médicos, quer dos leigos. O próprio Freud
reconhece como uma atitude natural humana rejeitar a idéia de que somos dominados por
processos que desconhecemos, quando, na "Conferência introdutória à Psicanálise", de 1916,
mostra que a espécie humana sofreu três grandes feridas em seu narcisismo. A primeira foi
causada por Copérnico, ao tirar a Terra do centro do universo. A segunda, por Darwin que, ao
definir "A origem das espécies na luta pela vida", tira ao homem a pretensão de ser filho de
Deus. A terceira é a descoberta do inconsciente, que tira ao homem o domínio sobre sua
própria vontade.
A descoberta do inconsciente vem para Freud por dois caminhos diferentes e paralelos. De um
lado, a experiência clínica pioneira de Breuer; de outro, as experiências com sugestão pós-
hipnótica de Bernheim. Comecemos pelo segundo. Um paciente é hipnotizado e, durante o
sonambulismo, dá-se-lhe a sugestão de que, ao acordar, deverá ir para seu lugar. permanecer
quieto durante cinco minutos.
'4
ao término dos quais deverá abrir seu guarda-chuva, colocá-lo um pouco sobre a cabeça, e
depois fechá-lo. Em seguida, o paciente é despertado do sonambulismo. Normalmente ele volta
para seu lugar e, à medida em que o tempo passa, vai se tornando cada vez mais inquieto, até
que, num impulso, abre o guarda-chuva, coloca-o sobre sua cabeça por um momento e depois o
guarda. A pessoa está em geral um pouco constrangida com sua atitude. Não sabe por que foi
levada a fazer isto, mas é bastante lúcida para perceber o ridículo da situação, O hipnotizador a
aborda, questionando o porquê de sua atitude. Imediatamente uma ou mais explicações
aparentemente lógicas surgem, tentando explicar o estranho ato:
"achei que poderia estar chovendo e eu já ia sair", ou "fui verificar se não estava com defeito
para evitar surpresa na saída". Não consegue recordar o que a teria levado a abrir o guarda-
chuva. A ordem faz parte de um processo que não percebe, que é subjacente à sua consciência
e que, no caso específico, é dominante sobre a consciência. A própria atitude envergonhada nos
mostra que o ato foi consumado contra o que o sujeito acha que é adequado. Fica então
claramente definida a existência de dois processos psíquicos paralelos, um consciente e outro
inconsciente, sendo que o inconsciente determina as ações do sujeito, sem que este o
perceba.
Além da caracterização do consciente e inconsciente, dois outros processos psíquicos devem ser
considerados no exemplo acima, por permitirem posteriormente duas descobertas importantes
da psicanálise. O primeiro deles é que, apesar de o paciente realmente não se lembrar da
ordem que o levou a abrir o guarda-chuva, se o hipnotizador rejeita suas explicações iniciais e
continua insistindo para que se lembre do que realmente ocorreu, parece que num dado
momento o paciente faz um grande esforço de introspecção e de repente se lembra de tudo.
Recorda-se de ter sido hipnotizado, de ter recebido a ordem e de tê-la cumprido após o tempo
previsto. Sobram ainda ao paciente dois embaraços: não entende por que foi levado a cumprir a
ordem e não entende como, tendo a sensação de que sempre soubera da ordem recebida,
houve um momento em que não a recordou. Pode-se dizer que ele sabia da ordem. mas não
sabia que sabia, isto não é trocadilho. Veremos que um processo similar irá ocorrer com a
recordação de eventos traumáticos esquecidos.
O segundo processo psíquico curioso não chega a ficar bem caracterizado apenas neste
exemplo. Vimos que o paciente obedeceu a uma ordem que o deixou constrangido. E, se lhe
tivessem ordenado que fizesse algo que fosse ferir profundamente seus valores morais? A
ordem teria sido cumprida? Certamente que não. A
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hipnose foi capaz de abrandar um pouco sua censura e até expô-lo a um certo ridículo, mas
jamais o faria cometer algo profundamente proibido. Não cometeria, por exemplo, um crime
sob efeito de sugestão pós-hipnótica. Uma paciente feminina não poderia ser levada a
desnudar-se por mero efeito de uma sugestão pós-hipnótica, a não ser que ela pessoalmente
não se incomodasse com tal procedimento. Normalmente, quando é dada ao hipnotizado uma
ordem que ele não pode cumprir, em geral acorda abruptamente do transe, bastante
incomodado, e torna-se em seguida resistente a entrar em nova hipnose, O que concluímos é
que, se a hipnose foi capaz de fazer surgir algumas pequenas atitudes que normalmente o
paciente não as teria, quando ele se sente ameaçado, não só se recusa a cumprir as ordens,
como torna-se particularmente resistente ao procedimento. Este dado pesará no posterior
abandono da hipnose na técnica de Freud.
Os Estudos sobre a histeria, publicados por Freud e Breuer em 1895, constituem o primeiro
trabalho de repercussão da psicanálise. Algumas conclusões, tiradas destes primeiros casos, já
definem a relação consciente e inconsciente. Fica estabelecida a existência de uma vida
psíquica inconsciente, paralela à consciência, e que pode ser dominante sobre esta. Estas
relações serão mantidas durante toda obra freudiana. A teoria de origem da neurose,
elaborada por Breuer, baseava-se nos chamados estados de "absence". Julgava ele que as
histéricas seriam sujeitas a estes estados, e, quando dentro deles, a capacidade de elaboração
de eventos afetivos seria reduzida. Isto significa que, durante o aparecimento destes estados, o
sujeito não teria condições de absorver ou integrar eventos psíquicos dolorosos. Os traumas
então sofridos não poderiam ser percebidos pela consciência. Eles passariam direto para o
inconsciente, lá permanecendo enquistados e sem elaboração. A reação do organismo ao
trauma enquistado produziria os sintomas. O doente fica então visto como passivo: não pode
reagir ao trauma e também não pode, sozinho, elaborar o trauma e eliminá-lo. A tarefa do
médico seria então utilizar a hipnose como um bisturi, penetrando no psiquismo e criando
condições para que o trauma ressurgisse à consciência, fora do estado de "absence", quando
então poderia ser experienciado com toda a carga afetiva que não pudera ser vivida na hora
traumática. Esse método de tratamento ficou conhecido como Método Catártico. Freud logo
em seguida o abandonará, com o abandono da hipnose.
A utilização do Método Catártico e Hipnótico de Breuer logo traz problemas para Freud. Há
fracassos nos tratamentos e muitos pacientes não conseguem ser hipnotizados. Freud
desanima com a prática médica da hipnose. Talvez pelo grande respeito que ainda devota a
flreuer, não questiona a técnica, mas questiona-se a si pró-
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17
prio, admitindo-se mau hipnotizador. Particularmente, julgamos que é muito difícil utilizar em
relações interpessoais uma técnica na qual não se confie. A técnica da hipnose é relativamente
simples, e não vemos como um bom profissional não conseguiria dominá-la. Pensamos que as
dificuldades alegadas por Freud já demonstram sua descrença para com a hipnose e a abertura
para a busca de novas soluções.
Freud então se recorda dos experimentos de sugestão pós-hipnótica a que assistira com
Bernheim. O paciente, que a princípio não se recordava da ordem do hipnotizador, conseguia
relembrá-la desde que, diante da insistência do hipnotizador, ele se esforçasse para consegui-
lo. Freud havia aprendido com Charcot que a histeria e a hipnose eram fenômenos similares.
Por que não tentar então com a histeria o mesmo procedimento que Bernheim utilizava na
recordação da sugestão pós-hipnótica? Freud abandona a hipnose e inicia uma técnica
sugestiva, onde afirma ao paciente que ele poderá se lembrar do acontecimento traumático
sofrido, que ele consciente- mente não sabe, mas que está guardado no inconsciente, O
procedimento sugestivo inicialmente utilizado consistia em afirmar ao paciente que, quando
Freud pusesse a mão sobre sua testa, ele se recordaria. O procedimento apresenta resultados
satisfatórios. As recordações inconscientes vão emergindo e entrando para a elaboração e o
domínio da consciência. Freud verifica que pode prescindir da hipnose e mobilizar a
colaboração do paciente em seu processo de descobrir o inconsciente.
Tivesse havido apenas uma alteração técnica no trabalho, isto quase nada acrescentaria à
psicanálise. Mas a descoberta de uma nova técnica quase sempre leva ao conhecimento de
novos fatos, a novas reflexões, e a mudanças na organização teórica do conhecimento. A
utilização do esforço consciente para a descoberta do inconsciente propõe várias questões:
Como o sujeito não fora capaz de se lembrar, antes, de um evento tão importante, o qual
acarretava inclusive perturbações em sua conduta? Por que fora necessário tanto esforço e a
colaboração do médico para que o evento viesse à consciência? O que impedia o acesso deste
evento ao consciente? Freud deduz que, se um fato tão significativo não podia emergir senão
com muito esforço, era porque havia uma força que se opunha à sua percepção consciente.
Freud define esta força, chamando-a de resistência. Ela mantinha o evento traumático
inconsciente, protegendo o indivíduo da dor e do sofrimento que seriam trazidos junto com
seu conhecimento. Quanto maior a dor a ser vivida com a recordação, mais a resistência era
mobilizada, tornando-se mais difícil a recordação do trauma. Esta força, a resistência, só
pode ser descoberta e compreendida com o abandono da hipnose. Deixa de haver uma
situação onde a hipnose era utilizada como um bisturi para remover o quisto traumático de
um paciente inerte. As forças do próprio paciente, as forças de sua consciência, passaram a ser
mobilizadas para vencer a resistência.
se há necessidade de uma força tão grande para impedir que o trauma se torne consciente, é
sinal de que as recordações traumáticas não estão imobilizadas no inconsciente; se a resistência
deve ser aumentada na proporção em que o trauma é maior, quanto mais doloroso o evento
reprimido, maior é a força que ele deve fazer para se tornar consciente. Se o processo não quer
permanecer inconsciente, é lícito supor que nunca quis tornar-se inconsciente, e, se assim
ocorreu, é porque uma força maior, num momento de crise,
mobilizou-se para negar o conhecimento à consciência. A esta força que se mobiliza para que o
indivíduo não seja ferido em seus ideais éticos e estéticos, que tira da consciência a percepção
de acontecimentos cuja dor o indivíduo não poderia suportar, Freud chamou de repressão. Na
prática clínica o que se observa é o aparecimento da resistência. A repressão fica demonstrada
como conseqüência lógica da resistência.
lhe arranca o pé, possivelmente não sentirá dor em um primeiro momento. Se a dor é um
elemento adaptativo, necessário para que
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não doeu na hora, mas doerá depois. O trauma reprimido estará permanentemente tentando
ocupar a consciência. A resistência o impedirá mas, como conseqüência da luta, teremos a
formação dos sintomas neuróticos.
Por volta de 1920 Freud faz o que em seu Vocabulário de psicanálise, Laplanche e Pontalis
chamam de "a viragem" do modelo psicanalítico. Os conceitos tópicos de consciente e
inconsciente cedem lugar a três constructos psicanalíticos que constituirão o modelo dinâmico
da estruturação da personalidade: Id, Ego e Superego.
2.4.1 O Id
Nos trabalhos iniciais, quando Freud falava do inconsciente, definia-o como o conjunto dos
desejos reprimidos, com as relações que estes estabelecem. Neste aspecto, o conceito anterior
de inconsciente vai ser abarcado pelo de Id. Mas o Id não será apenas isto. Já vimos que ele é a
fonte da energia psíquica, além de ser o gerador das imagens que organizarão a canalização
destas energias. A este mecanismo de gerar imagens correspondentes às pulsões, Freud
chamará de "processo primário", constituindo-se ele no mecanismo fundamental de
manifestação do Id.
2.4.1.1 Características do Id
1.) É o responsável pelo processo primário. Diante da manifestação do desejo, forma, no plano
do imaginário, o objeto que permitirá sua satisfação. Um exemplo ilustrativo é o sonho, onde os
desejos vão tentando uma satisfação alucinatória ao nível das imagens geradas. Já vimos que
um desejo corresponde a uma carência que, ao ser satisfeita, gerará prazer. Os desejos não
podem satisfazer_se com objetos apenas alucinatórios, mas é necessário que uma imagem, ou
seja, um objeto alucinatório seja gerado, para que
2.a) Funciona pelo princípio do prazer. Busca a satisfação imediata das necessidades. O
processo primário é sua tentativa
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3.) Inexiste o princípio da não-contradição. Como não é dimensionado pela realidade, podem
estar presentes desejos ou fantasias mutuamente excludentes dentro da lógica. Voltemos aos
sonhos, que são a melhor maneira de exemplificarmos os processos do Id. Neles podemos
estar mortos e vivos ao mesmo tempo. Podemos entrar no fogo, e o fogo ser frio. Podemos
nos ver em dois lugares ao mesmo tempo. À medida em que o princípio da não-contradição
inexiste, todas as coisas são possíveis ao nível do Id.
4.) Ë atemporal. A única dimensão da vivência é o presente. Não há passado ou futuro, mas
existe a elaboração de uma dimensão única, vivida como presente. Reviver (recordar) é o
mesmo que viver. Nos sonhos, a recapitulação de um acidente é vivida como o próprio
acidente. Nos sonhos, um projeto de realização futura é vivido como realização presente. Nos
próprios devaneios que temos, ou seja, quando sonhamos acordados, transformamos em
realizações presentes os desejos com perspectivas de realizações futuras. Fantasiamo-nos
dentro do carro que gostaríamos de comprar. Quando compramos um bilhete de loteria,
surpreendemo-nos, fazendo planos para a utilização do dinheiro, como se já o tivéssemos
ganho.
5•a) Não é verbal. Funciona pela produção de imagens. Temos utilizado os sonhos para
exemplificar o Id. Mas quando nos recordamos de um sonho, já efetuamos uma elaboração
secundária sobre ele, ou seja, já o reduzimos ao domínio da linguagem. Em sua forma original,
os sonhos são basicamente plásticos. As imagens são criadas, fragmentadas, deslocadas,
combinadas, de forma a se adequarem à satisfação do desejo.
Condensação
Uma outra fantasia original do homem é o medo de ser destruído pela mulher. Para isto
podemos buscar uma relação ontológica. Em suas iras, a criança pequena ataca em fantasia o
corpo da mãe, e isto poderá gerar um retorno persecutório onde a imagem feminina ficará
como um elemento prestes a destruí-lo. Como a agressividade inicial da criança é oral, a
fantasia decorrente será um temor de ataque oral. Combinado com as fantasias ligadas ao
temor de castração, isto produzirá no homem um temor de ser castrado por uma vagina
dentada ao penetrar na mulher. Ë lógico que a imagem da vagina dentada não aparece
literalmente ao neurótico, mas aparece simbolizada. Veja-se um excelente exemplo desta
fantasia no livro de Hanna Segal, Introduçâo à obra de ?yIe1a,zieKLi,K1eit. Se estas fantasias
existem ontologicamente, também o existem filogeneticamente. As mulheres dominavam o
meio de produção estável, a agricultura doméstica, e a fertilidade masculina era desconhecida.
A mulher era a única responsável pela existência dos filhos e continuidade do grupo. Os homens
eram elementos secundários no grupo social. Veja-se que a estátuas primitivas de deuses são
basicamente femininas, em oposição às atuais divindades masculinas de nossas religiões
contemporâneas. O papel da mulher fica ameaçado, diante da progressiva importância
econômica do homem, e principalmente com a evolução das guerras e da escravidão, e com a
descoberta da fertilidade masculina. Parece que foi uma última defesa do grupo feminino em
tentar controlar o domínio masculino, ritualizar a fertilidade do homem em festas religiosas.
Nestes rituais, um
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homem era eleito o representante da fertilidade, e, após fecundar a rainha do grupo, ou suas
virgens, ele era literalmente devorado pelas mulheres, ou era morto e seu sangue espargido
pela terra para despertar sua fertilidade. Tal qual no ritual de acasalamento da abelha rainha,
ou da aranha, o macho era destruído após cumprir seu papel biológico-simbólico. Vemos que
há, nas origens filo e ontogenética do homem, traços que levam a estruturar uma fantasia
básica de temor, onde a mulher aparece como devoradora.
Este terceiro fator é tão evidente que não necessita maior análise.
Estamos verificando que há várias fantasias básicas que surgem no homem em sua relação
com a mulher: regressão-nascimento- água, fertilidade-destruição-canibalismo, atração-
prazer-sexualidade. O inconsciente formula então uma imagem que condenso todos estes
aspectos e surge a figura mitológica da sereia ou da iara. Ë a mulher que atrai, que seduz com
seu canto e sua beleza, que desperta a sensualidade masculina e que leva sua vítima para a
destruição dentro d'água, onde perece afogada (simbolicamente devorada pelo mar) ou é
literalmente devorada pela própria mulher, como ocorre com nossa mitológica iara. Ê inclusive
muito significativo que esta fantasia surja na mitologia grega, na nórdica, bem como entre os
grupos indígenas da América do Sul. A iara e a sereia se equivalem. Isto parece indicar que as
modalidades de fantasias condensadas nestas figuras são características universais,
manifestações arquetípicas do inconsciente filogenético da espécie.
Deslocamento
Freud acompanhou e orientou, através do pai, a psicoterapia de um garoto de cinco anos, que
sofria de uma fobia por cavalos. Não podia sair às ruas em função do pânico que a visão dos
cavalos lhe despertava. Tenha-se em mente que é um caso clínico da transição do século, e a
condução era de tração animal. No decorrer do estudo, fica claro que o temor inicial era de que
o pai o atacasse e castrasse. O temor de castração, de ocorrência normal, tornara-se tão
forte, no caso do garoto, que a angústia não pôde ser suportada. Mas como poderia sobreviver
um garoto de cinco anos, se o violento temor pelo pai lhe impedisse o convívio familiar? E como
conciliar tão grande temor com o igualmente grande amor devotado ao pai? Em um
nível inconsciente, o temor é deslocado do pai para os cava-
los. melhor não poder sair às ruas, do que não poder ficar em casa, e o amor pelo pai pode ser
preservado. Este é um exemplo didático do processo de deslocamento mas, como já vimos, os
mecanismos de condensação e deslocamento são em geral coexistentes. Vejamos como os
dois se combinam neste caso: o pai é uma figura grande, tem bigode e possui um pênis grande.
Estas características são abstraídas do pai, deslocadas e condensadas no cavalo: grande, com
focinheira e pênis grande. Há deslocamento na transferência das características e condensação
no seu reagrupamento, o que é permitido ao estabelecer a ligação simbólica pai-cavalo.
2.4.2 O Ego
Embora esta estrutura já comece a se configurar nos trabalhos iniciais de Freud, sua
organização mais ou menos final fica elaborada com o trabalho O Ego e o Id, de 1923. O Ego
surge como uma instância que se diferencia a partir do Id, servindo de intermediário entre o
desejo e a realidade. Diferenciado a partir de uma formação instintiva, para Freud, o Ego se
estrutura como uma nova etapa de adaptação evolutiva do sujeito. Isto o leva a afirmar que o
Ego é acima de tudo corporal, ou seja, biológico. Aqui é interessante notar como os pontos de
partida de Ereiid Piag são similares nas origens: há uma formação instintiva inicial que se
desdobra em estruturas mais sofisticadas a partir da elaboração da realidade.
Imaginemos um bebê que tem fome. Ou lhe é imediatamente fornecido alimento, ou ocorre
uma violenta reação de desespero, expressa pelo choro. À medida em que as relações com a
mãe sejam satisfatórias, estabelece-se uma relação de confiança entre o bebê e ela. Diante da
fome, ele já pode aguardar um pouco, porque sabe que o alimento virá. Pode resistir por
alguns momentos sem crise. O rudimento de uma organização temporal começa a se
estabelecer. Há um "agora", com fome, que pode ser suportado, porque há um "depois", com
alimento, que é sentido como certo. Começam a ser estabelecidas as correlações entre o
desejo e a realidade. Progressivamente surgem vagidos diferenciados. Ainda não é
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linguagem, é apenas sinal. Mas a mãe já po 'e diferenciar os sons que pedem comi,cla, dos
gritos de desespero e dor. O Ego começa progressivamente a se diferenciar. Diante do desejo,
mobiliza-se para que a realidade possa satisfazer ao desejo. Havíamos definido o Id como o
nível dos instintos, o princípio do prazer, o funcionamento pelos processos primários.
Definimos agora o Ego como funcionando pelo princípio da realidade e pelos processos
secundários.
ld Ego Superego
Realidade
Diante da manifestação do desejo, duas proibições podem opor- se: as proibições moraís,
oriundas do Superego, e as interdições da realidade objetiva. Por exemplo, é um sonho humano
voar. Quantas vezes, nos nossos sonhos, magicamente alçamos vôo sem que tenhamos asas. O
desejo não conhece proibições. E necessário que o Ego, instância de realidade, nos estabeleça
limites, ou possibilite-nos a aquisição de instrumentos para o vôo. Se estivermos apenas no
nível do desejo, repetiremos o sonho trágico de Icaro, pois as asas da imaginação não vencem a
gravidade. As proibições com as quais o Ego lida não são apenas da ordem do real. Temos
internalizado uma instância censora, o Superego. Uma jovem criada dentro de uma organização
familiar de tradições morais nos moldes antigos provavelmente tenderá a ver a sexualidade,
notadamente a sexualidade pré-marital como algo pecaminoso e proibido. Abraçada ao seu
namorado, os desejos sexuais se manifestam. As proibições surgem tanto do lado real (risco de
gravidez, possíveis atritos reais com a
família) quanto do lado superegóico, ou seja, mesmo que o real esteja sob controle, que ela
racionalmente ache que a experiência será válida, que não há perigo de gravidez e que a família
não necessita saber de sua conduta, algo interno, não definido, proíbe-a de tentar. E o Superego
que se manifesta. Se ceder só aos desejos, corre o risco de não se adequar ao mundo físico e
social. Mas se permanentemente ficar presa às proibições, ela poderá ser imobilizada e não
evoluir, não poderá por si viver novas experiências e crescer com a elaboração de seus
resultados. Cabe exatamente ao Ego efetuar a conciliação entre os desejos e proibições
internas e os desejos e as proibições da realidade objetiva, de forma a possibilitar a atuação
conciliatória mais produtiva para o sujeito.
3.a) Setor mais organizado e atual da personalidade. O Id, como matriz instintiva, é uma
estrutura arcaica, filogenética. O Superego contém proibições que também são oriundas da
evolução da espécie, por exemplo, os tabus contra o incesto, o parricídio, o matricídio, o
filicídio. Os valores morais a serem internalizados são do grupo ao qual o indivíduo pertence,
portanto também anteriores a ele. Cabe ao Ego organizar uma síntese atual, tornando o
indivíduo único e original e permitindo-lhe uma adaptação ativa ao mundo presente em que
vive.
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7) Sede da angústia. Como instância adaptativa, o Ego é o responsável pela detecção dos
perigos reais e psicológicos que ameacem a integridade do indivíduo. De acordo com a origem
do perigo, classificamos a angústia em:
a) angústia real - normalmente denominada medo. o sinal que mobiliza o indivíduo diante da
perspectiva de uma agressão real. Tem inclusive uma dimensão biológica bem definida, ou
seja, diante do perigo uma descarga de adrenalina na corrente sanguínea mobiliza uma
vasodilatação muscular e uma vasoconstrição periférica e visceral, propiciando ao organismo
condições para lutar ou fugir.
h) angústia neurótica - é o temor existente no Ego de que o Id, ou seja, os desejos prevaleçam
sobre os dados da realidade. Na prática isto aparece numa espécie de sentimento de que
estamos enlouquecendo, ou de que não resistiremos ao impulso de matar alguém, ou de fazer
atos em que perderemos nosso controle.
e) angústia moral - é um sentimento acusatório no qual sentimos que erramos, que somos
maus, e nada mais poderá ser feito a não ser espiar a culpa. Este sentimento provém da
atuação de um Superego rigoroso que, ao perceber os desejos que condena, passa a punir
permanentemente o indivíduo como se a transgressão houvesse ocorrido. A confissão dos
pecados por pensamento, existente em nossas religiões, é um bom exemplo do processo. Por
imaginar um ato desonesto, a acusação superegóica de criminoso nos perseguirá, ao imaginar
uma atuação sexual nos sentimos imorais e desmerecedores do amor das outras pessoas.
2.4.3 O Superego
destes valores, punindo-o ou criticando-o quando falha na perseguição desses objetivos. Por
exemplo, a nossa cultura é meritocrática na valorização de títulos universitários. Um açougueiro
que possui seu próprio negócio provavelmente ganha mais que um professor universitário, ou
um bacharel em ciências humanas, ou mesmo que um engenheiro em início ou médio
desenvolvimento profissional. Mas o açougueiro sente-se humilhado diante destes profissionais
que são menos remunerados que ele. Alguma coisa interna, ou seja, um Ego Ideal meritocrático
lhe diz internameite que ele é inferior.
O Superego é uma estrutura necessária para o desenvolvimento do grupo social. Sem ele,
seríamos todos delinquentes, respeitando apenas as restrições da força externa. Dizemos que
alguém que não desenvolve seu Superego é um psicopata, ou seja, alguém que, por não ter
valores internos, será propenso à delinqüência e só se conterá diante de uma restrição externa
punitiva, por exemplo, o temor de ser preso.
Mas, se o Superego é uma instância necessária ao grupo, quando exacerbado tende a imobilizar
ou a neurotizar o indivíduo. Se os valores que o Ego Ideal estrutura são tão altos que o indivíduo
jamais poderá alcançá-los, o indivíduo permanecerá impotente e imobilizar- se-á. Se as
proibições forem muito severas, qualquer atitude que fuja aos valores parentais será
considerada um grande crime. Na prática, isto será particularmente importante na evolução da
sexualidade normal. Neste aspecto, nossa cultura tem sido particularmente cínica. ou seja, mães
e pais pregam aos filhos condutas que em geral não tiveram. Nesta situação,
particularmente o adolescente, será levado a considerar imorais desejos legítimos. Lembrem-
se de que a punição superegójca vem mesmo sem a prática. Basta o desejo. Se sua severidade
for grande, não poderemos nem desejar.
24
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2.5.1 Repressão
Um objeto ou imagem com o qual nos relacionamos pode ter simultanearnente características
que despertam nosso amor e o nosso ódio ou temor. Dividimos então este objeto em dois. Um
será o objeto bom, ou seja, portador das características de amor, e com o qual preservaremos
nosso bom relacionamento. O outro será o objeto mau, que negaremos ou poderemos atacar
sem vivenciar culpas, uma vez que seus aspectos positivos já foram isolados no objeto bom.
Para Melanie Klein, este é um mecanismo normal das primeiras etapas da vida, constituindo-se
patológica a sua manutenção.
Não percebemos aspectos que nos magoariam ou que seriam perigosoS para nós. Por exemplo,
se um filho começa a apresentar características homossexuais, o pai pode demorar a
percebê-las ou não as perceber. O clássico chavão que diz "tem pai que é cego" caracteriza
bem a negação de perceber eventos dolorosos. Outro
2.5.4 Projeção
2.5.5 Racionalização
Abstraímo-nos das vivências afetivas e, em cima de premissas lógicas, tentamos justificar nossas
atitudes. Com isto tentamos nos provar que somos merecedores do reconhecimento dos
outros. Por exemplo, exploramos uma empregada doméstica que recebe um salário muito
baixo. Não podemos suportar a angústia de nos ver como exploradores. Então passamos a nos
justificar para nós mesmos: "Ela é burra e não merece ganhar mais do que isso", "trabalho
braçal não cansa", "se fosse para outro emprego, ganharia menos", etc. Selecionamos,
portanto, da realidade, algumas informações fragmentadas, que justificam nossa conduta, e
todo nosso pensamento é elaborado em cima delas. Muitas vezes a defesa da eutanásia é uma
racionalização. Encontramos muitas justificativas lógicas pelas quais
o doente incurável deve ser morto, mas na verdade estamos encobrindo os nossos próprios
sentimentos agressivos contra aquele ser que só nos traz trabalho e angústia. A racionalização
é um mecanismo típico do neurótico obsessivo.
Caracteriza-se por uma atitude ou um hábito psicológico com sentido oposto ao desejo
recalcado. Por exemplo, desejos sexuais ifl31
30
2.5.8 Regressão
2.5.9 Isolamento
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2.5.] O Deslocamento
2.5.]j Sublimação
33
prazer. E neste sentido que a definimos como uma energia sexual, num sentido amplo, e que
caracterizaremos cada fase de desenvolvimento infantil como uma etapa psicossexual de
desenvolvimento. Estamos especificando que a sexualidade não é vista pela psicanálise em seu
sentido restrito usual, mas abarca a evolução de todas as ligações afetivas estabelecidas desde
o nascimento até a sexualidade genital adulta. Por definição, todo vínculo de prazer é erótico ou
sexual. Ao organizar-se progressivamente em tomo de zonas erógenas definidas, a libido
caracterizará três fases de desenvolvimento infantil:
a fase oral, a fase anal e a fase fálica, um período intermediário sem novas organizações, o
período de latência, e uma fase final de organização adulta, a fase genital.
Há uma tendência natural para o desenvolvimento sucessivo das fases. Mas, se num dado
momento de evolução a angústia é muito forte, o Ego é obrigado a mobilizar fortes mecanismos
de defesa para enfrentá-la. Isto significa que há, de um lado, a energia do desejo imobilizada. A
angústia só surge se, ao tentarmos nos ligar a um objeto, isto implica em relações de temor ou
de destruição. Do outro lado, o Ego, que é também um depositário da energia original, mobiliza
energias que são estancadas nos mecanismos de defesa. Isto cria um ponto de fixação, ou seja,
um momento no processo evolutivo onde paramos, por não poder satisfazer um desejo, e onde
também paramos por que aí deixamos muita energia imobilizada. O Ego se torna mais frágil em
seu processo evolutivo, porque parte de sua energia permanece ligada a este momento. Por ser
mais frágil, terá dificuldades em enfrentar novos momentos críticos e se, nesses momentos, a
angústia for muito forte, o Ego regredirá para estes pontos de fixação. A regressão será dupla.
Por um lado, regredirá para uma fantasia infantil, ou seja,
para o desejo que não foi satisfeito. Por outro lado, fará uma regressão formal, ou seja, como a
tentativa de adaptação posterior falhou, o Ego regride exatamente para este ponto onde tem
muita energia mobilizada em um tipo de defesa, passando a relacionar-se com o mundo através
desta defesa. Por isso, a neurose é definida por Freud como um infantilismo psíquico. O
neurótico está sempre atualizando fantasias infantis e repete sempre, na relação com os
objetos atuais, aquele modelo infantil no qual foi fixado e para o qual regrediu depois de um
evento traumático.
Ao nascer, o bebê perde a relação simbiótjca pré-natal que Possuía com a mãe, e a satisfação
plena da vida intra-uterina Com
o corte do cordão, a separação irreversível, e a criança deve iniciar sua adaptação ao meio.
Muito se tem falado no "trauma do nascimento", enfatizando_se os traumatismos físicos de
parto, como uma entrada violenta no mundo. Não negamos que estes processos possam ter
influências no desenvolvimento futuro. Deles podem inclusive decorrer seqUelas lesionais. Mas
não é daí que surgirá a angústia fundamental do nascimento, o termo angústia, em sua própria
origem etimológica, significa "dificuldade para respirar". Com o corte do cordão, bloqueia-se o
afluxo do oxigênio materno. A carência é sentida, e o organismo já luta para sobreviver. A luta
entre os instintos de vida e os instintos de morte já é um combate franco neste momento. Ë
preciso reagir, inspirar, introjetar o mundo externo. Ou se recebe o externo, ou se deixa de
viver. A angústia de respirar é a perda do paraíso bíblico e o início da conquista do pão com o
suor do próprio rosto. Perdido o útero, a criança terá de enfrentar o mundo. Construirá
progressivame suas relações afetivas e intelectuais, até que ela própria se torne progenitora.
Está estabelecida a luta pela perpetuação da vida, finalidade última da própria vida. A latência
da semente cede lugar às primeiras folhas que se abrem para o sol e a chuva, para o crescer e o
tornar-se árvore. Respirar marca o ponto inicial da independência humana. Várias etapas se
sucederão até a plena aquisição de sua identidade.
Ao nascimento, a estrutura sensorial mais desenvolvida é a boca. pela boca que se mobilizará
na luta pela preservação do equilí 34
35
rio homeostático. E pela boca que começará a provar e a conhecer o mundo. E pela boca que
fará sua primeira e mais importante descoberta afetiva: o seio, O seio é o primeiro objeto de
ligação infantil. E o depositário de seus primeiros amores e ódios, O seio já existe quando o
desenvolvimento maturacional não permite ainda à criança reconhecer o seu primeiro objeto
total: a mãe. Esta se construirá gradativamente a partir do amor que o seio oferece. Eriksoi
define que, neste momento, a criança ama com a boca
Neste momento a libido está organizada em torno da zona oral. Como já vimos, o conceito de
fase pressupõe a organização da libido em torno de uma zona erógena, dando uma
modalidade de relação de objeto. A fase fica caracterizada pela zona erotizada, e daí a
denominação de fase oral, dada a este período. A modalidade de relação oral será a
incorporação.
36
Partindo das observações do pediatra Lindner, de Budapest, Freud descreve uma sexuajidade
oral infantil. E muito curioso como as descrições de Lindner são similares às que Freud
posteriormente fará, excetuando a conotação sexual que este último atribui ao processo. Freud
rende-lhe tributos em várias de suas obras. Vamos tentar discriminar esta sexualidade oral,
diferenciando_a inicialmente dos processos biológicos de base que lhe dão origem. A criança
nasce com um corpo de reflexos que em geral a pediatria divide em reflexos alimentares,
reflexos posturajs e reflexos defensivos. Sobre este conjunto inicial de reflexos, vão se
estabelecendo os processos corticais que formam a base progressiva de construção do real.
Este é o tema básico da obra piagetiana. O conjunto de reflexos alimentares é o que na prática
serve às primeiras necessidades de equilíbrio homeostátj_ co da criança. A modalidade reflexa
inata de busca de alimentos é necessária para a sobrevivência Freud (e Lindner) percebe que,
além da necessidade física de alimentação, a criança sente um grande prazer no ato de mamar
em si. Mesmo depois de satisfeita, ela continua a sugar a chupeta. Quando dorme, faz
movimentos de sucção, aparentando grande prazer. O prazer oral é uma modalidade que se
estabelece anacliticamente ao prazer alimentar, mas que dele se separa. Este vínculo inicial de
prazer em Si, independente da sobrevivência física, constituirá a base das futuras ligações
afetivas. O que é o afeto senão um vínculo prazeiroso que se estrutura independentemente das
necessidades básicas de sobrevivência, embora com ela tenha correlações iniciais? Se a ligação
de amor existisse apenas no plano alimentar, as crianças institucionalizadas se desenvolveriam
tão bem quanto as criadas pela própria mãe - o que todos sabemos que não é verdade E a
capacidade de formar um vínculo de prazer em si que pode permitir a formação da afetividade.
Este processo de progresj5 ligações emocionais, que denominamos de desenvolvimento das
relações objetais, começa com o amor que a criança
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K. Abrahan, um dos primeiros e mais atuantes colaboradores de Freud, propõe duas etapas do
desenvolvimento da libido na fase oral. A primeira precede à dentição e é chamada de etapa
oral de sucção, onde a modalidade de relação é incorporativa (introjetiva) e visa a apreensão
em si do mundo (seio, mãe, etc.). Nesta etapa a criança ainda vive seu mundo interno de
fantasias como realidade, sendo que a realidade objetiva externa só é apreendida parcial e
fragmentariamente. Chamamos de narcisismo a este modelo de organização psíquica infantil. A
fixação do indivíduo nesta etapa, ou seu posterior retorno ao modelo desta etapa, através de
uma regressão psicológica, caracterizará um quadro clínico que denominamos
esquizofrenia. A segunda etapa, que surge com a eclosão dos dentes, é denominada etapa oral
sádico-canibal. Os dentes surgem para a criança como a primeira concretização de sua
capacidade destrutiva. É necessário que a agressividade se manifeste, porque dela derivará a
futura combatividade social. Mas r a criança é posta pela primeira vez em uma posição
ambivalente.
De um lado, ama, e amar significa a incorporação oral. De outro, o mastigar e comer atualiza
fantasias destrutivas. Se o desenvolvimento afetivo for normal, o amor será estabelecido como
sentimento básico. Se o desenvolvimento for dominado por angústias, a agressividade (ódio)
será predominante, restando o sentimento de que tudo aquilo que é amado e incorporado, é
inevitavelmente destruído. Este sentimento de destruir o que é amado constitui o ponto de
fixação que poderá estabelecer um futuro quadro de melancolia (psicose maníaco-depressiva).
No início do segundo ano de vida, a libido passa da organização oral para a anal. Temos
insistido sempre que a psicanálise deve ser vista dentro de um modelo anaclítico, ou seja,
sempre há organizações biológicas de base sobre as quais os modelos psicológicos são
organizados. Examinamos no item anterior como isto se dá com a modalidade incorporativa,
que é a estrutura básica do primeiro ano de vida.
No segundo e terceiro anos de vida, dá-se a maturação do controle muscular na criança, isto é,
dá-se a organização psicomotora de base. Ë o período em que se inicia o andar, o falar e em que
se estabelece o controle de esfíncteres. A mão sai do tateio e
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preensão mais grosseiros, para desenvolver grande precisão na pinça indicadorpojegar Embora
ainda com o andar apoiado na ponta dos pS, desequilibrado, aparentando o anjinho barroco que
vai alçar vôo, a criança já pode sair para conhecer o mundo de pé, frente a frente, e não mais de
baixo para cima como ocorria na fase oral. As funções corticais substituem as condutas
anteriormente reflexas. A segmentação neuromuscular permitirá o aparecimento de
movimentos finos e coordenados dominando sobre os antigos comportamentos globais.
Dois processos básicos estão se Organizando na evolução psicológica. O primeiro diz respeito
ao conteúdo, ou seja, às fantasias que a criança elabora sobre os primeiros produtos
realmente seus que coloca no mundo. O segundo diz respeito ao modelo de relação a ser
estabelecido com o mundo através destes produtos.
Primeiramente desenvolve_se o sentimento de que a criança tem coisas suas, coisas que ela
produz e que pode ofertar ou negar ao mundo. Ao nível mais imediato, poderemos perceber
isto no andar ou no falar. Só anda quando está bem; se chega um estranho, volta a engatinhar
em busca da mãe. Fala, mas só o faz se sente que é aceita. Quando assustada, emudece,
negando seu produto "fala" ao ambiente que a rejeita ou a ataca.
O período é denominado fase anal, porque a libido passa a organizar-se sobre a zona erógena
anal. A fantasia básica será ligada aos primeiros produtos, notadamente ao valor simbólico das
fezes. Duas modalidades de relação serão estabelecidas. a projeção e o controle.
Dentre os produtos que a criança elabora, as fezes assumem um lugar central na fantasia
infantil. São objetos que vêm de dentro do próprio corpo, que são, de certa forma, partes da
própria criança. São objetos que geram prazer ao serem produzidos. Durante o treino de
esfíncteres, as fezes são dadas aos pais como prendas ou recompensas Se o ambiente é hostil,
são recusadas. A nós, adultos, pode parecer ingênuo enfatizar tanto o valor psicológico das
fezes. Pois bem, observemos uma mãe ensinando a criança a utilizar o "troninho". ela elogia o
esforço da criança, incentiva, torce para que ela consiga e, quando o produto finalmente vem,
é recebido com honrarias; canta-se "Parabéns" e "Pique-pique" para o cocô. Todo este
processo é vivido por nós como absolutamente normal. Mas imaginem um personagem
emocionalmente frio, como o famoso Dr. Spock de "Jornada nas Estrelas", assistindo
39
o processo. No mínimo o definiria como uma loucura a dois. Tomem outros exemplos normais
adultos, como o ritual de contemplar as fezes antes da descarga, ou o procedimento de
transformar o banheiro num salão de estar, com música, revistas e cigarros. Tomem ainda o
exemplo antropológico de várias tribos que defecam em cima do túmulo do ente querido, em
sinal de respeito. Ou ainda o fato de que o odor das próprias fezes é sentido como agradável
pela maior parte das pessoas, enquanto causa náuseas às outras. Os exemplos poderiam ser
ampliados e analisados em profundidade, tarefa que reservamos para a análise específica desta
fase, num volume seguinte.
Quando o desenvolvimento é normal, ou seja, quando a criança ama e sente que é amada pelos
pais, cada elemento que a criança produz é sentido como bom e valorizado. O sentimento
básicoL que fica estabelecido a levará em todas as etapas posteriores da vida a sentir que ela é
adequada e que seus produtos são bons; portanto, estará sempre livre e estimulada a produzir.
Temos visto vários livros correlacionando fase anal com capacidades artísticas. Isto é só uma
parte do processo. O sentimento de que o que produzimos é bom, é necessário para todas as
relações produtivas que estabelecemos com o mundo. Produzimos no trabalho, e temos de
sentir que nosso produto é bom. Produzimos filhos, e temos de sentir
que nosso produto é bom. Só poderemos criar se houver um sentimento interior de que nossos
produtos são bons. O sentimento de autonomia que Erik Erikson descreve como
correspondente a esta fase, talvez pudesse ser melhor definido como um sentimento geral de
adequação.
Abrahan e Freud subdividem a fase anal em duas etapas. A etapa inicial é biologicamente
caracterizada pelo domínio dos processos expulsivos, sobre os quais se assentará o mecanismo
psicológico da projeção. A segunda etapa é retentiva, o que propiciará a base para os
mecanismos psicológicos ligados ao controle. Temos de levar em conta que a Teoria Psicanalítica
surge de trabalhos clínicos; portanto, é natural que muitos dos processos
descritos derivem sua denominação da psicopatologia. Assim, todos os mecanismos
psicológicos que surgem são necessários e adaptativos dentro de um certo momento de vida,
mas à medida em que um mecanismo psicológico infantil se fixar e se tornar o centro da
organização afetiva, teremos a configuração de um quadro psicopatológico definido e
estruturado por este mecanismo. Vimos que é um processo normal a criança
pôr coisas no mundo, como também é normal discriminar quando e para quem dá seus
produtos.
Mas pode ocorrer que as relações de angústia predominem sobre as relações de amor. Os
primeiros produtos infantis não são mais objetos de valor, mas se constituem em armas
destrutivas que agridem o mundo toda vez em que são produzidos. Pensemos, por exemplo, em
uma mãe neurótica que entra em pânico toda vez em que a criança suja as fraldas ou que, por
não suportar barulho, obriga a criança ao silêncio. Isto concretiza para a criança a fantasia de
que seus produtos são maus e destrutivos. E uma defesa usual expelir tudo que há em nós e que
sentimos que é mau. Atiramos então nossos produtos destrutivos no mundo e, como
depositário de nossas agressões, o mundo se tornará mau e destruidor. A projeção dos maus
produtos sempre cria um mundo perseguidor. A paranóia é a primeira filha do fracasso em
estabelecer a colocação dos produtos infantis no mundo.
Por volta dos três anos de idade, a libido inicia nova organização.
pipi?" - "Se não tem, é mulher". Curiosamente est. dsL rlmiracào sexual
fálico, ao passo que as mulheres identificam-se pela sua ausência. Nas fases oral e anal já
vimos que cada uma delas tem uma
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relação de objeto. A erotização dos genitais, que se inicia neste período, traz a fantasia de
meninos e meninas serem possuidores de um pênis. A erotização masculina, portanto, recairá
normalmente sobre o pênis, enquanto que a feminina se manifestará no clitóris, que será
fantasiado como sendo um pequeno pênis que ainda crescerá. O menino exibe seu membro,
orgulhoso, com ares de superioridade, aproando que é homem. A menina reage, protestando
que o seu ainda crescerá e ficará igual ao do menino. Mas, à medida em que o
desenvolvimento se processa, a percepção correta da realidade confirmará aos olhos infantis
que só o homem é portador de pênis, ficando a mulher na condição de castrada. Numa visão
freudiana, esta configuração primitiva do pensamento sexual infantil fornecerá as bases
diferenciais das organizações psicológicas masculina e feminina. Ao homem adjudica-se um
elemento de superioridade, que é a posse do pênis. Em decorrência, configura-se uma grande
ameaça diante dos conflitos interpessoais, que é o temor de ser atacado naquilo que mais
valoriza, ou seja, o temor de castração. À mulher atribui-se um elemento de inferioridade, a
castração, e uma inveja decorrente, a inveja do pênis, que a mobilizará no sentido de conseguir
o que só o homem tem, ou de compensar esta inferioridade sentida no plano da fantasia.
Na fase fálica, a libido erotiza os genitais. A fantasia básica é fálica. E qual a tarefa básica desta
fase, ou seja, qual a sua modalidade de relação? A tarefa básica deste momento consiste em
organizar os modelos de relação entre o homem e a mulher. Os genitais erotizados dirigem
uma busca de satisfações de desejos sexuais. Nunca devemos nos esquecer de que estamos
nos referindo à organização da fantasia infantil. A procura do parceiro para a satisfação sexual
real é uma tarefa do adulto, é um trabalho da fase genital. Ao nível da criança, é a modalidade
de relação que se define, ou seja, é no menino que se forma uma espécie de sentimento de
busca de prazer junto a uma mulher. Por parte da menina, o processo é similar e inverso, ou
seja, existe a busca de prazer junto a um homem.
A procura do sexo oposto é uma estrutura comportamental instintiva nos animais, enquanto
grupo geral. Por exemplo, dois coelhos, um macho e uma fêmea, criados individualmente
isolados durante toda a vida, se postos juntos, quando adultos, partem imediatamente para um
lacionamento sexual. Mas à medida em que se sobe na escala filogenética, notadamente entre
os mamíferos primatas, a relação macho-fêmea não é só ditada por traços instintivos. Ela requer
etapas de socialização onde o desenvolvimento inicial tem particular importância. Por exemplo,
macacos superiores criados
isolados, sem a mãe, quando postos juntos, são incapazes de um relacionamento sexual. Macho
e fêmea ficam excitados, agarram-se e agridem-se, mas não sabem o que fazer. E como se o
traço instintivo fosse difuso e necessitasse de uma fase de aprendizado de amor para se
organizar. Quando falamos em atração sexual infantil, é mais ou menos nestes termos que o
processo deve ser considerado. Há a fantasia de busca do parceiro, mas dentro de processos
difusos (embora permeados pela fantasia fálica), que devem ser organizados para que se
estabeleça uma adequada atração masculino-feminina
A libido está organizada sob o primado da zona erógena genital, mas configurada sob a
fantasia fálica. A erotização de uma zona corporal cria um desejo a ser satisfeito. A erotização
é vista dentro de um modelo homeostático, ou seja, há um acúmulo de tensão que deve ser
descarregado. A descarga corresponde à sensação de prazer. A erotização genital cria a
necessidade de buscar o objeto que permitirá a obtenção de prazer, ou seja, um elemento do
sexo oposto. E, portanto, natural que durante a fase fálica, como reação à emergente
erotização, o menino seja dirigido para a busca de uma figura feminina. Buscá-la faz parte de
uma organização filogenética de preservação e continuação da vida. E quem é a figura
feminina mais próxima, e de quem o menino gosta mais? E a mãe. A maior parte dos vínculos
de prazer da infância estão ligados à mãe. É também natural que na fantasia infantil o menino
a configure como seu objeto de atração sexual, O menino está genitalmente erotizado, sente
que isto é bom e que precisa compartilhar isto com uma figura feminina. A figura da mãe
preenche na fantasia este papel. E esta relação estabelecida servirá de suporte para que mais
tarde, quando adulto, possa buscar uma parceira sexual externa à família, com quem
estabelecerá vínculos afetivos importantes e constituirá sua própria família. Podemos dizer que
é aprendendo a amar em casa que a criança se tornará o adulto capaz de amar fora.
Se aprender a amar é uma relação positiva, o amor incestuoso é uma relação proibida, O tabu
do incesto é a lei mínima da organização humana. Foi necessário aprender a amar, mas a
relação incestuosa que serviu de suporte para esta aprendizagem deve agora ser reprimida. O
esquema repressor é desencadeado com a entrada do pai em cena. O pai soma as fantasias
filogenéticas de pai totêmico, dono da mãe e das mulheres, com a configuração real de pai,
marido e símbolo da autoridade. A autoridade usará de sua força para fazer cumprir a lei. Tem
o poder de recompensar e punir. O pai coloca-se então como um interceptor entre o filho e a
mãe.
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As fantasias infantis de se casar com a mãe, de ser seu namorado (expressões estas, todas
usuais de crianças desta idade), ficam vedadas pelo pai. Paralela e ambivalentemente ao amor
que o menino devota ao pai, fica-lhe dirigido um sentimento mesclado de ódio e temor. A
criança configura o desejo de eliminar aquele que lhe impede o acesso à mãe. Fica então
configurado o triângulo que Freud denomina Complexo de Édipo, numa referência ao drama
"Édipo Rei", de Sófocles.
Com o estabelecimento d6 triângulo edípico, o pai, maior, mais forte e dono da mãe, é sentido
pelo filho como um adversário contra o qual não poderá lutar. Se o elemento mais valorizado
pela criança é o pênis, se o ponto de competição com o pai é sua erotização, parece decorrência
lógica que, na fantasia infantil, o pai o puna, atacando-o no ponto fundamental do conflito, ou
seja, o pai o castrará. Configura-se então, na relação com o pai, o temor de castração, que o
obrigará a reprimir a atração sentida pela mãe. Com esta repressão fica encerrada a etapa fálica
infantil. Mas o modelo de busca de um amor heterossexual foi estabelecido e será
posteriormente retomado com a adolescência.
O Complexo de Édípo, também chamado por Freud de Complexo Nuclear, é o ponto central da
organização afetiva dentro do modelo psicanalítico. Ele envolve vários elementos evolutivos,
alguns dos quais se tornam pontos de dissidência dentro da psicanálise.
Com a repressão do Édipo, a energia da libido fica temporariamente deslocada dos seus
objetivos sexuaís. Dizemos que houve de início a repressão da energia sexual. Como esta
energia é permanentemente gerada, ela não pode ser simplesmente eliminada ou reprimida. É
preciso que ela seja canalizada para outras finalidades. Estando os fins eróticos vedados, ela é
canalizada para o desenvolvimento intelectual e social da criança. A este processo de canalizar
uma energía inicialmente sexual em uma energia mobilizadora chamamos de realizações
socialmente produtivas de sublimação. Ao
período que sucede a fase fálica, chamamos de período de latência. O período de latência
caracteriza-se pela canalização das energias sexuais para o desenvolvimento social, através das
sublimações. O período de latência não é, portanto, uma fase: não há nova organização de zona
erógena, não há nova organização de fantasias básicas e nem novas modalidades de relações
objetais. E um período intermediário entre a genitalidade infantil (fase fálica) e a adulta (fase
genital). A sexualidade, que permanece reprimida durante este período, aguarda a eclosão da
puberdade para ressurgir. Enquanto a sexualidade permanece dormente, as grandes conquistas
da etapa situar-se-ão nas realizações intelectuais e na socialização. É por isso que este é o
período típico do início da escolaridade formal ou da profissionalização, em todas as culturas do
mundo.
Ao perguntarem a Freud, em sua velhice - quando já tinha realizado praticamente toda sua
obra pessoal -, como definiria um homem adulto normal, ele respondeu apenas que o homem
normal era aquele que é capaz de "amar e trabalhar". Alcançar a fase genital constitui, para a
psicanálise, atingir o pleno desenvolvimento do adulto normal. É ser o homem que começou a
surgir quando a criança perde o nirvana intra-uterino e vai progressivamente introjetando e
elaborando o mundo. As adaptações biológicas e psicológicas foram realizadas. Aprendeu a
amar e a competir. Discrimjnou seu papel sexual. Desenvolveu-se intelectual e social- mente.
Agora é a hora das realizações. E capaz de amar num sentido genital amplo. É capaz de definir
um vínculo heterossexual signifjcativo e duradouro. Sua capacidade orgástica é plena, e o
prazer dela oriundo será componente fundamental de sua capacidade de amar. A perturbação
na capacidade orgástica é uma tônica dos neuróticos.
O indivíduo normal não só se realizará na genitalidade específica, como o fará num sentido
amplo. A perpetuação da vida é a finalidade última da vida. Procriará e os filhos serão fonte de
prazer. Sublimará e, como frutos paralelos, será capaz de trabalhar e produzir. Produzir é, num
sentido amplo, sublimação do gerar. A obra social é derivada da genitalidacle. Estabelecer
filiações significativas com profissões, partidos políticos, ideologias religiosas, correntes
estéticas, são sublimações da sua capacidade de amar, de estabelecer um vínculo maduro nas
relações naturais homem-mulher.
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Freud descobriu no ser humano dois níveis de estruturas psíquicas coexistentes: o consciente e
o inconsciente. No caso da cliente de Breuer, Ana O., vimos que, os sintomas histéricos
cessavam, quando um evento traumático era trazido para a consciência. Isto nos coloca diante
de uma questão básica: por que os sofrimentos, com a doença do pai, fizeram surgir sintomas
físicos, paralelamente ao processo de repressão das lembranças? Quando acompanhamos
outros casos de doenças mentais, encontramos sempre o sintoma como um substituto do
evento traumático reprimido. Deve haver, portanto, um caminho que progressivamente
transforma os desejos e angústias iniciais em processos completamente diferentes. Nesses
processos, a energia da libido poderá ter vazão, sem que a angústia seja desencadeada.
Parece constituir uma característica básica do ser humano a utilização de meios indiretos para
se comunicar. Isto é um processo normal, criativo e esteticamente valorizado. As figuras de
linguagem que povoam qualquer língua oferecem excelentes exemplos do processo. Jamais
poderão ser tomadas em seu sentido literal as expressões do tipo "deu um nó na garganta",
"estou matando cachorro a grito", "fala pelos cotovelos", "voltando à vaca-fria". Quando as
analisamos em profundidade, poderemos até encontrar relações entre o que formalmente é
dito e o sentimento que faz surgir a frase. O inconsciente, como depositário básico da
simbologia onto e filogenética, tem a capacidade de, por encadeamento de símbolos, propor
fórmulas alternativas para expressar uma mensagem que conscientemente não pode ser
percebida. Vejamos os níveis de ocorrência do processo.
Uma jovem está se arrumando para sair e a mãe lhe diz: "leve a sombrinha que vai chover". A
jovem faz de conta que concorda, mas ignora o conselho. Ao se dirigir para a sala, encontra a
sombrinha que a mãe deixou sobre a mesa, junto à bolsa, para que não a esqueça. A jovem
finge que não percebe, apanha a bolsa e vai para o carro. Solícita, a mãe corre atrás e
triunfante enfia a sombrinha pela janela. Quando retorna depois do passeio, a jovem constata
que perdeu a sombrinha. Pode, inclusive, sentir-se preocupada com isto. Mas, no fundo, a
atuação dos processos inconscientes deram um jeito de livrá-la do símbolo da opressão
materna. Isto é um ato falho. Podemos presumir, oculto por ele, um desejo inconsciente de se
rebelar, romper vínculos com a dependência
que lhe é imposta, ou mesmo uma certa dose de rancor contra mãe. Oposta a isto, há a
postura da boa filha, que ama a mãe, com a qual jamais se permitiria ser grosseira.
Externamente, a última tendência vence, e seu comportamento é atencioso. Mas a primeira
não está morta. Está apenas buscando um meio de burlar a repressão, ou seja, tentando surgir
de uma maneira tão indireta, que a agressão à mãe não seja percebida. Vemos que o ato de
esquecer a sombrinha em algum lugar estabelece um acordo entre as duas tendências
conflitantes. De um lado, pôde contrariar a imposição materna. De outro, pôde preservar sua
boa relação com a mãe.
Temos então em conflito um desejo ou intenção que não pode ser percebida, por contrariar os
ideais morais do sujeito. A isto chamamos de tendência perturbadora Por outro lado, temos as
atitudes ou bons pensamentos que o sujeito se acha na obrigação de assumir, mas que não
correspondem aos seus desejos inconscientes. A isto chamamos de tendência perturbada. Do
conflito estabelecido, surge uma terceira conduta, que em parte satisfaz e em parte contraria
cada uma das duas. Isto é um sintoma, O ato falho é um modelo típico de formação de
sintomas. Nem houve a agressão, nem a submissão. Deve, porém, ser frisado que, se o ato falho
resolveu o conflito no momento, ele não contribuiu em nada para o crescimento individual, ou
seja, não resolveu o conflito pessoal existente. Apenas retardou sua explosão.
Tal qual as parapraxias, os sonhos são fenômenos psíquicos que nos facilitam compreender o
inconsciente. No próprio dizer de Freud, os sonhos são portas para o inconsciente. Vamos
começar analisando uma modalidade de sonhos que não apresentam conflitos na relação
consciente-inconsciente, para depois discutirmos a estrutura dos sonhos conflitjvos. Uma
criança cobiça os doces de uma vitrina e durante a noite sonha que está comendo muitos
doces. Um rapaz fica apaixonado por um carro esporte que vê na rua. À noite. durante o
sonho, dirige o carro que é seu. A garota vê os prospectos de uma agência de turismo e nos
sonhos passeia por Roma ou Paris, Em todos estes casos tivemos um desejo que não pode ser
realizado
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por motivos externos e práticos. Ao nível interno, nada se opunha às realizações. Nos sonhos
os desejos são retomados e realizados alucinatoriamente. O Ego. enfraquecido no sono,
diminui o limite que separa a fantasia da realidade. A tensão do desejo pode então ser
aliviada. Os sonhos são realizações alucinatórias de desejos. A este tipo de sonhos que traz a
realização literal de desejos (porque estes desejos não são conflitivos) chamamos de sonhos
infantis.
Mas, parte dos desejos que temos não pode ser por nós aceita, não podendo nem sequer ser
percebida, notadamente os desejos ligados à agressão ou a fantasias sexuais que nossa
estrutura ética rejeita (por exemplo, o incesto ou as tendências homossexuais). Tomemos um
exemplo. Uma mulher se casa e fica grávida em seguida. Com a criança é obrigada a deixar o
emprego e, como conseqüência das dificuldades econômicas geradas, deixa os estudos. Depois
de alguns anos encontra uma colega diplomada e profissionalmente bem-sucedida. Nesta
noite tem um sonho onde vê o filho embarcando sozinho em um trem para uma viagem. Não
se recorda de outros detalhes, mas acorda angustiada.
seja, um lugar de proteção, onde há pessoas. As conchas são símbolos dos genitais femininos.
Os objetos compridos (bengalas. postes) são em geral símbolos dos genitais masculinos. A
água está ligada à fantasia de nascer-renascer (observem os mitos ligados aos batismos).
Cavalgar ou subir escadas são símbolos ligados ao ato sexual. Perdas de dentes simbolizam a
castração.
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da personalidade.
4.) Análise terminável e interminável (1937). Este textc escrito no período final da vida de
Freud, faz uma retrospectiv crítica das possibilidades da psicanálise, sob a luz do início
término do trabalho clínico. Nele há também uma exposição muit didática de sua teoria final
dos instintos, onde opõe os instintc de vida aos instintos de morte.
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Capítulo 3
Modelo piagetiano
3.1 Introdução
Biologia, Filosofia, Psicologia, Lógica, Sociologia, Teologia e História da Ciência, além de Física e
Matemática.
A preocupação central de Piaget foi o "sujeito epistêmico" (Gruber e Vonèche, 1977), isto é, o
estudo dos processos de pensamento presentes desde a infância inicial até a idade adulta.
Interessou-se basicamente pela necessidade de conhecimento típico do homem, que o define
como espécie "homo sapiens". Esta necessidade foi negligenciada por outras correntes
teóricas explicativas do desenvolvimento humano tais como a psicanálise e o behaviorismo. A
primeira centralizou seus etudos nos processos emocionais e irracionais, enfatizando a
presença de impulsos primitivos como a base da conduta; e a segunda despiu o homem de
suas características individuais, mostrando a conduta como resultante de processos de
aprendizagem, que podem ser controlados pela estimulação ambiental.
etapas da vida para poder entender o mundo. Sim, pois para Piaget
Além disso, preocupou-se em elaborar uma posição filosófica, a epistemologia genética. Isto é,
procurou estudar cientificamente quais os processos que o indivíduo usa para conhecer a
realidade. E, como se a tarefa de pesquisar uma área tão vasta e tão desconhecida já não fosse
gigantesca, Piaget procurou formular um ponto de vista filosófico sobre a gênese do
conhecimento. Isto é, conviveu com crianças de todas as idades, submetendo-as às mais
variadas formas de estimulação e experimentação, mas não deixou de refletir sobre as bases
filosóficas do conhecimento.
o meio ambiente. Existe, para ele, uma realidade externa ao sujeito do conhecimento, e é a
presença desta realidade que regula e corrige o desenvolvimento do conhecimento
adaptativo. A função do desenvolvimento não consiste em produzir cópias internalizada da
realidade externa, mas sim, em produzir estruturas lógicas que permitam ao indivíduo atuar
sobre o mundo de formas cada vez mais flexíveis e complexas.
Vê a criança como que tentando descobrir o sentido do mundo. lidando ativamente com
objetos e pessoas. A criança vai construir estruturas mentais e adquirir modos de
funcionamento dessas estruturas em função de sua tentativa incessante de entender o mundo
ao seu redor, compreender seus eventos e sistematizar suas idéias num todo coerente.
Estudou, portanto, o desenvolvimento dos vários processos cognitivos, dirigindo-se aos aspectos
qualitativos e não quantitativos. Lembremo-nos de que, quando Piaget começou suas
investigações. n interesse principal dos psicólogos do desenvolvimento, no que se
52
A partir de seus primeiros contatos com os testes de inteligência e tendo despertado sua
curiosidade científica para a pesquisa dos processos cognitivos, passou a observar o
desenvolvimento de seus próprios filhos, registrando suas reações desde os primeiros dias de
vida. Em muitas obras de Piaget são freqüentes as citações das reações de Jacqueline, Laurent
e Lucienne.
Piaget utilizou como técnica básica de pesquisa o método clínico, que havia aprendido a
aplicar na clínica de Bleuler e nos cursos .práticos da Sorbonne.
Esta opção, às vezes criticada por falhas no controle experimental e descrição incompleta
(Baldwin, 1967), permitiu um aprofundamento no conhecimento dos processos mentais das
crianças. Uma de suas primeiras constatações foi a de que o estudo do pensamento expresso
apenas verbalmente - isto é, através de perguntas feitas à criança, na ausência de
manipulações concretas às quais suas respostas pudessem referir-se - pode fornecer somente
um quadro incompleto da estrutura cognitiva e de seu desenvolvimento. Só depois de 1923,
quando estudou bebês e crianças em idade escolar; é que percebeu a necessidade de fazer
uma distinção entre a lógica das ações, isto é, a lógica expressa no comportamento emitido, e a
lógica aplicada a afirmações verbais.
Assim, através do contato contínuo e constante com um número cada vez maior de sujeitos das
várias faixas etárias e pesquisando diferentes aspectos do funcionamento cognitivo, Piaget
chegou à
53
No Brasil, Piaget começou a ser conhecido na década de 60, e a partir dessa época foi incluído
o seu estudo no currículo dos cursos universitários de Psicologia, Pedagogia, etc. Alguns
autores tentaram, como nos Estados Unidos, uma apresentação mais didática de seus
conceitos (Biággio, 1976).
E preciso ficar bem claro que é possível, válida e recomendável uma utilização dos
conhecimentos trazidos à luz por Piaget a respeito das estruturas mentais que se acham
presentes em cada faixa etária e do modo de funcionamento característico dessas estruturas
em cada fase do desenvolvimento. Mas, é perigoso tentar transpor esses conhecimentos para
um conteúdo programático sem um aprofundamento maior.
Acreditamos ser necessário tanto um conhecimento profundo da nossa criança, nos vários
segmentos da população, como também um estudo árduo e prolongado das propostas
piagetianas para que possamos chegar a uma utilização válida e profícua.
54
Passemos entãc a examinar alguns conceitos piagetianos que são essenciais para a
compreensão do processo de desenvolvimento da inteligência.
3.2.1 Hereditariedade
Quando se fala em ambiente, é bom lembrar que este inclui tanto aspectos físicos como sociais,
de relacionamento humano, que tornam mais difícil e complexo o processo de adaptação. Isto
porque a criança vai precisar desenvolver recursos intelectuais para solucionar uma ampla
variedade de situações para viver satisfatoriamente num determinado ambiente social.
Assim, lembramos, tanto o ambiente físico como o social concorrem no sentido de oferecer
estímulos e situações que requerem um processo cognitivo para resolução.
Entre os estímulos sociais estão os comportamentos, tarefas, conceitos etc., que são
ensinados, deliberadamente ou não, pelas
55
pessoas da cultura através dos processos que costumamos chamar de aprendizagem social.
Ou, dito de outra forma, a aprendizagem social se refere àqueles comportamentos, atitudes e
conhecimentos que a criança adquire através do contato humano constante e contínuo.
Ë óbvio, então, que a riqueza ou a pobreza de estimulação tanto no plano físico corno no social
vão interferir no processo de desenvolvimento da inteligência. No aspecto físico, um ambiente
rico em estimulação irá proporcionar objetos que possam ser manipulados pela criança, lugares
que possam ser explorados, oportunidades de observação de fenômenos da natureza, etc. No
plano social, o ambiente será rico de estimulação quando reforçar e valorizar a aquisição de
competência da criança em muitos e muitos aspectos. Exemplificando: o desempenho
lingüístico da criança vai depender, além dos aspectos de maturação orgânica, do grau de
estimulação verbal e social que a criança vier a receber. Assim, numa família onde os vários
membros têm uma linguagem elaborada e consideram importante a capacidade de expressão
verbal, a criança terá maior probabilidade de desenvolver um repertório verbal amplo cc
rnplexo do que se vivesse numa família onde a linguagem habitualmene utilizada pelos adultos
é pobre, concreta e reduzida.
3.2.2 A dapração
O ambiente físico e social coloca continuamente a criança diante de questões que rompem o
estado de equilíbrio do organismo e eliciam a busca de comportamentos mais adaptativos. No
caso do tuncionamento mental, as questões podem ser propostas pelo próprio sujeito do
conhecimento. E, neste ponto, podemos mencionar que Piaget valoriza a curiosidade
intelectual e a criatividade, sugerindo que o ato de conhecer é prazeiroso e gratificante tanto
para a criança como para o adolescente e o adulto, e se constitui numa torça motivadora para o
seu próprio desenvolvimento. Em última análise, poderíamos dizer que o conhecimento
possibilita novas formas de interação com o ambiente, proporcionando uma adaptação cada
vez mais completa e eficiente e, neste sentido, é gratificante para o organismo, que se sente
mais apto a lidar com situações novas.
Desta forma, poderíamos dizer que as novas questões. movimentam o organismo no sentido
de resolvê-las. Para tanto vai se
utilizar das estruturas mentais já existentes ou então, quando estas estruturas se mostram
ineficientes, elas serão modificadas a fim de se chegar a uma forma adequada para se lidar
com a nova situação. Assim, no processo global de adaptação, estariam implicados dois
processos complementares: a as'irnilação e a acomodação.
O mesmo ocorre em relação aos processos mentais. Suponhamos que uma criança, que
aprendeu a andar de bicicleta, se depare com outro veículo que guarde algumas semelhanças
com o primeiro, porém contenIa elementos novos que a criança desconhece, como, por
exemplo, diversas marchas. Nesta situação a criança tentará agir com a segunda bicicleta da
mesma maneira como fazia com a primeira, e não obterá sucesso. Estará usando um processo
de assimilação, isto é, de tentar solucionar a situação nova com base nas estruturas antigas.
Este processo não será eficiente, pois estas estruturas são inadequadas e insuficientes para
este novo elemento. O sujeito tentará então novas maneiras de acir, levando agora em
consideração as propriedades específicas daquele objeto. Isto é. irá modificar suas estruturas
antigas para poder dominar uma nova Situação. A este processo de modificação dc etrutura
antigas com
vistas à solução de um novo problema de ajustamento. a uma nova situação, Piaget denomina
acornodaçdo. E no momento em que a criança conseguir dominar adequadamente o segundo
veículo, diremos que se acomodou a ele e, portanto, adaptou-se a esta nova exigência da
realidade.
Vemos, pois, que da mesma maneira como, biologicamente, o organismo desenvolve maneiras
de se adaptar à realidade e manter com ela um estado de equilíbrio, mentalmente
desenvolvemos processos com o mesmo objetivo.
Para Piaget existe uma troca constante entre o sujeito e o meio, bem como uma busca
constante de um estado de equilíbrio biológico e mental.
É muito difícil, se não impossível, imaginar uma situação em que possa ocorrer assimilação
sem acomodação, pois dificilmente um objeto é exatamente igual a outro já conhecido, ou
uma situação exatamente igual a outra.
Exemplifiquemos: um bebê que brinca com bolas e que já tenha formado um esquema de
brincar com bolas. Ao receber uma nova bola, a criança irá manipulá-la da mesma forma como
fez anteriormente com objetos semelhantes (assimilação); mas, supondo que a nova bola seja
ligeiramente maior ou menor do que aquelas anteriormente manipuladas, será necessário um
processo de acomodação.
Ou outro exemplo: um professor que pretenda ministrar a mesma aula a duas ou três
diferentes turmas de alunos. Por mais que ele procure ater-se ao mesmo conteúdo e à mesma
metodologia (assimilação), algumas pequenas modificações serão introduzidas. em função da
reação dos alunos (acomodação).
3.2.3 Lvquema
Quando nascem, as crianças não são dotadas de capacidades mentais prontas, mas apenas de
alguns reflexos, como chupar e agarrar. além de tendências inatas a exercitá-los e a organizar
suas
ações. Herdam, portanto, não uma inteligência organizada, mas alguns elementos (a estrutura
biológica, neurológica) que determinam seu modo de reagir ao ambiente, que é, no início da
vida, absolutamente caótico para a criança. Devido à sua imaturidade neurológica e psicológica,
a criança não tem qualquer conhecimento da realidade externa (objetos, pessoas, situações) ou
de seus estados internos (fome, frio, etc.). Poderíamos dizer que a criança, através de seu
aparato sensorial, dispõe apenas de sensações provenientes tanto do exterior como do
interior, mas de nenhuma capacidade para discriminar qualquer uma delas. Exemplificando:
reagirá a uma luz intensa, fechando os olhos; mas este ato será puramente reflexo. Chorará ao
sentir fome, mas não saberá discriminar que o estado de desconforto interno se deve à falta de
alimentação.
Assim, de acordo com Piaget, a partir de um equipamento biológico hereditário, a criança irá
formar estruturas mentais com a finalidade de organizar este caos de sensações e estados
internos desconhecidos. Podemos então introduzir um novo conceito que, por sua
complexidade, será tão difícil de entender, como os anteriores e os que citaremos a seguir.
Quero me referir ao conceito de esquema, uma unidade estrutural básica de pensamento ou
de ação e que corresponde, de certa maneira, à estrutura biolóeica que muda e se adapta.
No aspecto orgânico, sabemos que o nosso corpo é formado de várias estruturas unitárias
(células, por exemplo) que se organizam em elementos maiores (órgãos) ou em sistemas de
funcionamento (aparelhos). No aspecto mental, poderíamos dizer que a nossa estrutura
unitária básica é o esquema, que pode ser simples (como, por exemplo, uma resposta
específica a um estímulo - sugar o dedo quando este encosta nos lábios) ou complexo (como o
esquema que temos das pessoas - de nossa mãe, por exemplo, ou ainda a maneira como
solucionamos problemas matemáticos ou científicos).
Vemos, portanto, que o termo esquema pode referir-se tanto a uma seqüência específica de
ações motoras realizadas por um bebê para alcançar uma argola pendurada em seu berço,
como à imagem interiorizada que temos da escola primária que freqüentamos (incluindo
instalações físicas, localização do prédio, vivências que lá tivemos. pessoas e situações
significativas) ate estratégias mentais que utilizamos para solução de problemas (de análise
combinatória, por exemplo).
Podemos tentar então conceituar um esquema tanto como uma disposição comportamental
específica (uma seqüência de comportamentos eliciada sempre que uni estímulo especifico se
apresenta, como, por exemplo, o esquema de preensão, que seria ativado sempre que o
indivíduo, criança ou adulto, procurasse alcançar um
59
objeto e segurá-lo em suas mãos), ou como uma idéia que formamos a respeito de uma pessoa,
objeto ou situação, ou ainda como uma determinada maneira de solucionar problemas
abstratos.
Ou, conforme disse Flaveli (1975): "Sendo uma estrutura cognitiva, um esquema é uma forma
mais ou menos fluida de uma organização mais ou menos plástica, à qual as ações e os objetos
são assimilados durante o funcionamento cognitivo" (p. 54).
Vemos então que o esquema constitui a unidade estrutural da mente e que, da mesma forma
como as unidades estruturais biológicas. não é um elemento estático, porém, dinâmico e
variado em seu conteúdo.
Vejamos um outro exemplo que ilustre a maleabilidade dos esquemas. A criança, em contato
com sua mãe, irá formar um esquema de mãe. Este esquema incluirá tanto a figura física da
mãe como os sentimentos que a criança tem em relação a ela, as vivências que tiveram em
comum, etc. À medida em que a criança vai crescendo, este esquema irá se modificando e
ampliando não apenas no sentido de incluir novas vivências que a criança tenha com a própria
mãe (que seria um aspecto mais quantitativo, de acréscimo de elementos), mas também de
incluir outras mães, até chegar ao conceito abstrato que nós adultos temos de mãe (mudanças
também qualitativas, que modificam a própria estrutura do esquema inicial, mais simples e
mais primitiva).
por ele, de forma cada vez mais diferenciada e abrangente, exigindo. portanto, formas de
comportamento e de pensamento mais evoluídas.
Dada justamente a complexidade deste aspecto da teoria piagetiana, não temos a pretensão,
neste momento, de fazer uma apresentação aprofundada do mesmo, mas apenas uma
colocação inicial, que possibilite ao leitor o entendimento dos aspectos básicos do
desenvolvimento cognitivo.
60
61
simples, não passaria de um processo de organização das estruturas cognitivas num sistema
coerente, interdependente, que possibilita ao indivíduo um tipo ou outro de adaptação à
realidade. Exemplo:
Assim sendo, poderíamos dizer que o desenvolvimento é um processo que busca atingir formas
de equilíbrio cada vez melhores; ou, dito de outra maneira, é um processo de equilibração
sucessiva que tende a uma forma final, qual seja a aquisição do pensamento operacional
formal. Isto é, em cada fase de desenvolvimento, a criança consegue uma determinada
organização mental que lhe permite lidar com o ambiente. Esta organização mental (equilíbrio)
será modificada à medida em que o indivíduo conseguir atingir novas formas de compreeAder
a realidade e de atuar sobre ela,* e tenderá a uma forma final que será atingida na
adolescência e que consistirá no padrão intelectual que persistirá durante a idade adulta. Não
que o desenvolvimento intelectual atinja um ápice na adolescência e depois ocorra uma
estagnação. Nada disso. Simplesmente, o que ocorre é que, uma vez atingido o grau de
maturidade mental representado pela oportunidade de realizar operações mentais formais,
esta será a forma predominante de raciocínio utilizada pelo adulto. Seu desenvolvimento
posterior consistirá numa ampliação de conhecimentos tanto em extensão como em
profundidade, mas não na aquisição de novos modos de funcionamento mental.
Podemos dizer que o adulto atinge uma forma de equilíbrio com o ambiente. Conseguiu
desenvolver estruturas e modos de funcionamento dessas estruturas que lhe permitem viver
num estado de equilíbrio satisfatório com o ambiente. Este não será, entretanto, um equilíbrio
estático, mas sim, um equilíbrio dinâmico. Isto porque, a todo momento as pessoas estão sendo
solicitadas a solucionar situações e problemas novos. A cada solicitação este equilíbrio é
rompido e ocorre uma movimentação das estruturas mentais no sentido de solucionar este
desequilíbrio e atingir novamente o estado de equilíbrio. Este será conseguido no momento em
que o problema for solucionado. No caso do adulto, para se equilibrar, ele utilizará sempre o
mesmo tipo de estrutura e o mesmo tipo de funcionamento dessas estruturas. No caso da
criança, ela poderá não apenas se utilizar dos recursos já existentes, mas desenvolver novos
processos de funcionamento mental. E é neste sentido que podemos dizer que o
desenvolvimento consiste numa passagem constante de um estado de equilíbrio para um
estado de desequilíbrio - para um equilíbrio superior no sentido de que a criança terá
desenvolvido uma maneira mais eficiente (poderíamos até dizer, mais inteligente) de lidar com
seu ambiente.
Ao longo de sua vida Piaget observou que existem formas diferentes de interagir com o
ambiente nas diversas faixas etárias. A estas maneiras típicas de agir e pensar, Piaget
denominou estágio ou período, Assim sendo, podemos dizer, que a determinadas faixas
etárias correspondem determinados tipos de equisições mentais e de organização destas
aquisições que condicionam a atuação da criança em seu ambiente. A criança irá, pois, à
medida que amadurece física e psicologicamente, que é estimulada pelo ambiente físico e
social, construindo sua inteligência.
Sim, porque é preciso ficar bem claro que embora tanto a teoria psicanalítica como a teoria
piagetiana possam ser chamadas de teorias de estágios, pois consideram a natureza do
desenvolvimento relativamente seqüencial e fixa, focalizando estágios de de-
62
63
Uma delas se refere ao fato de que para Freud a criança não tomará parte ativa na
determinação da seqüência de suas fases de desenvolvimento. Estas ocorrerão, basicamente na
mesma idade, para todas as crianças e se caracterizarão, principalmente, pelo investimento da
libido em urna ou outra região do corpo. E como se esta seqüência de desenvolvimento e de
integração da personalidade estivesse pré-fixada e seguisse um curso natural acompanhando a
própria maturação física da criança. Existe, portanto, um paralelismo muito forte entre o
biológico e o psicológico, quase que se poderia dizer que o próprio crescimento biológico irá
determinar em que fase dè desenvolvimento psicológico a criança estará. Esta parece ser
considerada um indivíduo passivo em seu próprio processo de desenvolvimento.
Assim, o desenvolvimento, para Piaget, irá seguir determinadas etapas (fases, períodos ou
estágios) caracterizadas pela aparição de estruturas originais e de urna determinada forma de
equilíbrio, que dependem das construções anteriores, mas dela se distinguem. Podemos dizer
que "o essencial dessas construções sucessivas permanece no decorrer dos estágios ulteriores,
como subestruturas sobre as quais se edificam as novas características" (Piaget, 1964).
Assim sendo, no adulto permanecem elementos adquiridos nas fases anteriores e é isto que
justifica a grande riqueza de comportamentos e ajustamentos observados nas várias situações.
O adulto.
por ter atingido a sua forma final de equilíbrio, qual seja, a possibilidade de pensar
abstratamente sobre situações hipotéticas, de modo lógico, poderá tanto conceber uma nova
teoria científica ou doutrina filosófica, como agarrar com suas mãos um determinado objeto
que deseje. Assim estará no primeiro caso, utilizando uma forma superior de equilíbrio
(operações lógico-formais) adquirida na adolescência, e no segundo, um esquema sensorial-
motor, adquirido na infância inicial.
Podemos dizer então que, cada fase corresponde a determinadas características que são
modificadas em função da melhor organização. Cada estágio constitui uma forma particular de
equilíbrio, efetuando-se a evolução mental no sentido de uma equilibração sempre mais
completa e de uma interiorização progressiva.
64
Apenas por esta colocação podemos ver quão longo e complicado é o processo de
desenvolvimento mental, que se inicia com um organismo totalmente imaturo, dotado apenas
de uns poucos reflexos e vai gradualmente construindo sua vida mental, enriquecendo-se
progressivamente, até chegar a ter capacidade para imaginar uma doutrina filosófica,
questionar valores sociais e com isto contribuir para o progresso social, discutir teorias
científicas já estabelecidas e desenvolver novas, analisar os fundamentos dos dogmas
religiosos, etc. E é justamente em função da complexidade do processo que o estudo do
desenvolvimento da inteligência é uma tarefa árdua, difícil e muitas vezes até penosa para o
estudante. Mas, por outro lado, é extremamente gratificante quando se chega à compreensão
de qual é o mecanismo mental que está determinando tal ou qual comportamento da criança.
Representa a conquista, através da percepção e dos movimentos, de todo universo prático que
cerca a criança. Isto é, a formação dos esquemas sensoriais-motores irá permitir ao bebê a
organização inicial dos estímulos ambientais, permitindo que, ao final do período, ele tenha
condições de lidar, embora de modo rudimentar. com a maioria das situações que lhe são
apresentadas.
"No ponto de partida da evolução mental, não existe, certamente, nenhuma diferenciação
entre o eu e o mundo exterior, isto é, as impressões vividas e percebidas não são relacionadas
nem à consciência pessoal sentida como um 'eu', nem a objetos concebidos como exteriores.
São simplesmente dados em um bloco indissociado. ou como que exposto sobre um mesmo
plano, que não é nem interno nem externo, mas a meio caminho entre esses dois pólos. Estes
só se oporão um ao outro pouco a pouco. Ora, por causa desta indissociação primitiva, tudo que
é percebido é centralizado sobre a própria atividade. O eu, no início, está no centro da
realidade. porque é inconsciente de si mesmo e à medida que se constrój como uma realidade
interna ou subjetiva, o mundo exterior vai se objetivando. Em outras palavras, a consciência
começa por um egocentrismo inconsciente e integral, até que os progressos da inteligência
sensório-motora levem à construção de m universo objetivo, onde o próprio corpo aparece
como elemento entre os outros, e, ao qual se opõe a vida interior, localizada neste corpo"
(Piaget, 1964, p. 19).
Uma das funções da inteligência será, portanto, nesta fase, a diferenciação entre os objetos
externos e o próprio corpo.
O período de bebê é sem dúvida bastante complexo do ponto de vista do desenvolvimento, pois
nele irá ocorrer a organização psicológica básica em todos os aspectos (perceptivo, motor,
intelectual, afetivo, social). Do ponto de vista do autoconhecimento, o bebê irá explorar seu
próprio corpo, conhecer os seus vários componentes, sentir emoções, estimular o ambiente
social e ser por ele estimulado e assim irá desenvolver a base do seu autoconcejto. Este
autoconceito estará alicerçado no esquema corporal isto é, na idéia que a criança forma de seu
próprio corpo.
Para chegar à concepção desta imagem corporal (que continuará em formação após esta fase
inicial), é necessária a intervenção de um processo cognitivo, que leve a um conhecimento do
próprio corpo. Vemos, portanto, que o desenvolvimento é um processo integi ado e que a
divisão por itens ou aspectos (emocional, social, intelectual, etc.) é meramente didática.
Em suma, vemos que a criança está trabalhando ativamente no sentido de formar uma noção
do eu, de se distinguir como objeto dos demais objetos existentes no exterior e de se colocar
em relação a eles.
Começará, portanto, com uns poucos reflexos hereditários que irão gradualmente, pelo
exercício, se transformando em esquemas sensoriais_motores. Exemplificando: a criança herda
uma tendência instintiva a se nutrir, tendência esta que será atualizada pelo reflexo de sucção.
Ora, se observarmos um recém-nascido no momento de seu nascimento e alguns dias depois,
veremos que este reflexo já se modificou, incorporando novos elementos, constitujndose em
comportamento mais amplo. Diremos que a sucção de um bebê de 30 dias ou (0.0.30) como
escreve Piaget (onde o primeiro algarismo se refere à idade em anos, o segundo à idade em
meses e o terceiro em dias) deixou de ser um simples reflexo e se transformou em esquema de
sucção. Este esquema continuará se modificando nas semanas e meses seguintes de forma a se
tornar mais abrangente e mais eficiente.
Assim, gradualmente, a criança irá conquistar alguns comportamentos que lhe permitam dar
uma organização à realidade pela conquista da permanência substancial dos quadros sensoriais
(que será obtida pela aquisição da noçào de permanência dos objetos em torno dos
9 meses de idade, e que permitirá à criança a concepção de um mundo estável onde a
existência dos objetos é independente de sua percepção imediata), da construção do espaço
prático (um espaço geral que contém todos os Outros espaços parciais e aos
66
objetos neles contidos, bem como sua interrelação e a percepção de si mesmo como um
objeto espacialmente colocado e integrado) da causalidade (reconhecer as relações de
causalidade entre si, objetivando causas para os acontecimentos) e a objetivação das séries
temporais.
feremos. entao, uma criança que a niel comportamental atuará de modo lógico e coerente (em
função dos esquemas sensoriaismotores adquiridos na fase anterior) e que a nível de
entendimento da realidade estará desequilibrada (eni funcão da ausência de esquemas
conceituais t.
O egocentrismo se caracteriia. basicamente, por uma visão da realidade que parte do próprio
e:i, isto é, a criança não concebe um mundo, uma situação da qual não faça parte. confunde-se
com objetos e pessoas, no sentido de atribuir a eles seus próprios pensa-
1.a situação
2,a situação
(-d
69
1 a situação 2a situação
o oU
Alem destas provas clássicas, Piaget realizou inumeras outras que demonstraram
empiricamente a ausência do pensamento conceitual e das noções de conservação e
invariância na criança em idade pré-escolar. Como estas são premissas básicas para a
realização das operações mentais o período foi denominado pré-operacional.
O que varia algumas vezes é a idade em que os conceitos são adquiridos pelas crianças e esta
variação (que não é muito grande) pode
e mais adequada.
Quanto ao aspecto social, vemos como característica marcante desta fase, o início do
desligamento da família em direção a uma sociedade de crianças. Isto é, se quando bebê o
contato social se restringia às pessoas da família e algumas outras, na fase pré-escolar a
criança começará a se interessar por outras de sua mesma idade.
Mas, o tipo de relacionamento se caracteriza por um brinquedo paralelo, um fazer coisas juntos,
mas sem uma interação efetiva. Assim, é freqüente observarmos várias crianças brincando
juntas com carrinhos, bonecas, ou areia, mas cada uma delas está brincando sozinha. Isto
decorre de seu egocentrismo, de sua dificuldade de considerar o outro como uma pessoa com
sentimentos, atitudes e vontades diferentes das suas próprias. Existe um tipo de extensão de si
mesmo para os demais. Ë como se a criança concentrada em sua própria atividade não pudesse
perceber que outras pessoas estão fazendo, sentindo ou pensando coisas diferentes. £ difícil,
por exemplo, para o adulto explicar a uma criança de quatro anos
que ele não quer passear ou brincar por estar cansado. Pois a criança está presa às suas próprias
perspectivas, no caso, desejo de passear ou brincar, e não consegue perceber que o outro não
está. Outro exemplo ainda de egocentrismo social observado com freqüência por todos que
trabalham com crianças pequenas se refere à situação em que uma começa a chorar e várias
outras exibem o mesmo comportamento, sem causa aparente.
enquanto come diz: "nenê papa" ou enquanto brinca "o carrinho vai para a garagem"; "a
boneca está com frio e vou trocar sua roupa"; "estou fazendo bolo de chocolate". Esta
verbalização que acompanha a ação pode ser entendida como um treino dos esquemas
verbais recém-adquiridos e como uma passagem gradual do pensamento explícito (motor)
para o pensamento interiorizado.
70
71
Este período que corresponde praticamente à idade em que se inicia a freqüência à escola
elementar será marcado por grandes aquisições intelectuais de acordo com as proposições
piagetianas.
Estas operações mentais consistem em transformações reversíveis (toda operação pode ser
invertida) que implicam na aquisição da noção de conservação ou invariância (objetos
continuam sendo iguais a si mesmos, apesar das mudanças aparentes. O julgamento deixa de
ser dependente da percepção e se torna conceitual. Para esclarecer tomemos os mesmos
exemplos citados para a fase anterior. No caso das duas fileiras de fichas, como a criança já
terá adquirido a noção de conservação de quantidade, entenderá que o número de
fichas permanece igual nas duas fileiras, apesar da mudança na disposição das mesmas.
No que se refere à conservação de volume, massa e peso, a criança perceberá, não só que não
houve alteração como também que a operação pode ser invertida, isto é, que se voltarmos a
colocar a água no 1.0 recipiente o nível será igual. O mesmo vale para o caso da massa e do
peso. A criança entende, portanto, tanto a operação direta como a inversa como fazendo parte
de um mesmo sistema e isto consolida o pensamento da criança numa estrutura lógica, que
Piaget denomina agrupamento. Este termo, assim como outros utilizados por ele, tem origem
lógico-matemática e não claramente psicológica. Isto porque, para ele, certas estruturas
lógico- matemáticas se prestam para explicar a organização das estruturas cognitivas nesta fase
e na seguinte (de operações formais). Dada a complexidade do conceito de agrupamento, não
iremos, neste momento, entrar em detalhes.
Diremos apenas que um agrupamento se refere a um tipo de organização lógica entre os seus
elementos, de tal forma que existem leis que regulem a relação de cada elemento com os
demais, lembrando que estas relações devem ser reversíveis. Para exemplificar, a capacidade
para organizar séries e classes (a nível comportamental) pressupõe que a criança possua, em
torno de oito anos, o agrupamento de soma de classes lógicas (a nível mental). O termo
agrupamento se refere, portanto, a leis que organizam e regulamentam a utilização dos
esquemas conceituais adquiridos nesta fase, e que são responsáveis pela coerência agora
observada no pensamento da criança.
Quanto ao desenvolvimento social, que não só ocorre paralelamente ao intelectual, mas que
se constitui num dos seus fatores motivadores, poderemos observar também progressos
significativos. Ocorrerá diminuição no egocentrismo social, e a criança já terá capacidade para
perceber que outras pessoas tem pensamentos, sentimentos e necessidades diferentes dos
seus. Isto levará ao desenvolvimento de uma interação social mais genuína e mais efetiva
tanto com seus pares como com os próprios adultos. Pela flexibilidade mental que está agora
adquirindo passará a entender regras de jogos e isto modificará em parte as brincadeiras
pre(eridas,
72
73
pois na idade pré-escolar, em função das limitações já citadas. estes jogos não eram
compreendidos pela criança.
Quanto ao desenvolvimento dos julgamentos morais, observaremos mais uma vez uma
tendência para a interiorização, pois se na fase pré-escolar os julgamentos eram feitos em
função do ato efetivamente praticado, já agora as intenções do sujeito passam a ser levadas
em consideração.
Assim, vemos uma criança que caminha lenta, mas decisiva- mente, de um estado de
indiferenciação, de desorganização do pensamento e de autocentralização, para uma
compreensão lógica e adequada da realidade que lhe permite o percebe-se como um indivíduo
entre outros, como um elemento de um universo que pouco a pouco passa a estruturar pela
razão, O pensamento é, sem dúvida,' para Piaget, um dos aspectos centrais na adaptabilidade
do homem ao seu meio circundante.
Na adolescência, esta limitação deixa de existir, e o sujeito será então capaz de formar
esquemas conceituais abstratos (conceituar termos como amor, fantasia, justiça, esquema,
democracia) e realizar com eles operações mentais que seguem os princípios da lógica formal,
o que lhe dará, sem dúvida, uma riqueza imensa em termos de conteúdo e de flexibilidade de
pensamento. Com isso adquire capacidade para criticar os sistemas sociais e propor novos
códigos de conduta; discute os valores morais de seus pais e constrói os seus próprios
(adquirindo, portanto. autonomia); torna-se capaz de aceitar suposições pelo gosto da
discussão; faz sucessão de hipóteses que expressa em proposições para depois testá-las;
procura propriedades uerais que permitam dar definições exaustivas, declarar leis gerais e ver
significação comum em material verbal; os seus conceitos espaciais podem ir além do tangível
finito e conhecido para conceber o infinitamente grande ou infinitamente pequeno: torna-se
consciente de seu próprio pensamento, refletindo sobre ele a fim de oferecer justificações
lógicas para os julgamentos que faz; lida com relações entre relações, etc.
3.4 Bibliografia
1. Baldwin, A. Teorias de desenvolvimento da criança. São Paulo. Liv. Pioneira Ed., 1967.
4. Flaveli, J .H. A Psicologia do Desenvolvimento de Jean Piaget. São Paulo, Liv. Pioneira Ed.,
1975.
5. Gruber, H. E. e Vonèche, J. J. The essential Piagel. London. Routledge and Kegan Paul,
[,ondon and Henley, 1977.
6. Piaget, J. A formação do símbolo na criança. 2. ed. Rio de Janeiro. Ed. Zahar, 1975.
7. Piaget, J. e Inhelder, B. Psicologia da ('riança .5. cd. São Paulo. Difusão Européia do Livro,
1978.
10. Piaget, J. A equilibração da.s estruturas co,'nitis'a,s. Rio de laneiro. Fd. iahar, 1976.
74
75
Capítulo 4
Cláudia Davis
O objetivo deste capítulo é fazer com que o leitor entre e contato com alguns conceitos
fundamentais da Teoria da Aprendiz gem Social. Derivada das teorias de "estímulo-resposta",
porá muito menos radical, esta proposta fornece um modelo de atuaç humana coerente e
harmonioso. A despeito da reconhecida influên dos fatores externos sobre o comportamento
humano, o home permanece segundo esta visão - como sendo capaz de autodirecionar. Na
medida em que a potencialidade humana preservada, outras variáveis - não somente aquelas
passíveis observação - passam a ser consideradas.
Convém lembrar que nas teorias tradicionais de comportamen o enfoque principal é dado à
experiência direta, ou seja: no cent está a idéia de que o comportamento é aprendido e
modificado p variáveis de reforçamento com que o próprio sujeito entra em contal
Recentemente, progressos no entendimento dos processos psicológic geraram a necessidade
de reformular alguns dos pressupostos básic a respeito de como o comportamento humano é
adquirido e regulaé Neste capítulo, serão indicados os desenvolvimentos mais significativ
dentro do quadro conceitual da Teoria da Aprendizagem Social.
o produto desta análise e, principalmente, de criar, planejar e prever suas ações futuras, torna-
se imperioso o estudo de tais processos. Assim sendo, procura-se, hoje, desenvolver técnicas
que permitam a análise cuidadosa do pensamento e dos mecanismos de que este se utiliza para
controlar a ação.
Fica claro, então, que a explicação do comportamento humano está centrada em uma
interação contínua e recíproca entre fatores ambientais, comportamentais e cognitivos. Desta
forma, a Teoria da Aprendizagem Social afirma que as pessoas nem são totalmente livres para
seguirem seu próprio caminho, nem totalmente impossibilitadas de participar da determinação
de seu destino. Chega-se assim, na teoria, a um novo equilíbrio, deixando margem para que os
indivíduos possam, em certa medida, ampliar ou restringir seu curso de vida pessoal. Neste
determinismo recíproco, as pessoas. tanto como o ambiente, devem ser variáveis estudadas,
uma vez que um fator tem sempre um impacto sobre o outro.
A noção de aprendizagem social indica o fato de que o comportamento pode ser adquirido e
modificado independentemente da ação de reforços. A ênfase dada à aprendizagem através
das conseqüências de urna determinada ação tem sido privilegiada nas teorias tradicionais de
comportamento porque:
b) grande parte dos estudos experimentais foram desenvolvidos em laboratórios, com animais,
onde o principal fator de aprendizagem parecia ser a apresentação de reforços diretos.
77
Fundamental para o fortalecimento desta teoria foi a inadequação dos conceitos tradicionais da
ciência do comportamento para explicar o desenvolvimento de padrões complexos de resposta.
De maneira geral, após a observação dc modelos, verifica-se: 1) a aquisição súbita de novas
unidades amplas de comportamento; 2) a independência entre aquisição da resposta e
variáveis de reforçamento; 3) o fato da manifestação da resposta aprendida poder dar-se dias,
semanas ou meses após a observação do modelo.
7.4
Para que se possa prever qual o curso de ação a ser adotado, é - necessária uma estimativa dos
valores e expectativas pessoais que irão atuar na determinação das diferentes escolhas que se
apresentam como alternativas de comportamento ao sujeito. Neste
79
sentido, esta estimativa deve voltar-se para as experiências passadas vividas pelo indivíduo cm
situações semelhantes. É na aprendizagem anterior que está a chave para se descobrir como se
formam as expectativas e os valores. Entretanto, vale ressaltar que tanto expectativas quanto
valores são facilmente modificáveis por alterações na situação individual. Em virtude deste fato,
criou-se o termo "expectativa generalizada" para se referir a um grupo ou conjunto de
expectativas que parecem ser mais constantes, mantendo-se estáveis ao longo de diferentes
situações. Da mesma forma que as outras, as expectativas generalizadas são produtos da
experiência passada e, conseqüentemente, aprendidas.
Uma distinção importante feita pelos teóricos da aprendizagem social seria a distinção entre
aquisição e desempenho. Obviamente, as pessoas sabem fazer coisas que, muitas vezes, não
fazem em situações rotineiras. Por exemplo, tanto os meninos como as meninas sabem como
se deve proceder para brincar de casinha. No entanto, em nossa cultura, este tipo de
brincadeira é levada adiante principalmente pelas meninas. Em geral, os padrões culturais
vigentes na sociedade brasileira restringem às crianças do sexo masculino de participar deste
tipo de atividade. Nesta medida, é possível dizer que existem diferenças significativas na
freqüência com que crianças, de sexos diferentes, apresentam tal comportamento. A partir
desta observação - de que existem grandes discrepâncias entre a capacidade das pessoas para
executar determinadas ações e suas ações propriamente ditas parece útil distinguir-se entre
aquisição e desempenho.
As expectativas das conseqüências que se espera atingir por uma determinada resposta não
são somente frutos da experiência passada do sujeito. Ou seja, as expectativas individuais não
dependem exclusivamente dos resultados produzidos pelas próprias ações em situações
anteriores semelhantes. Os resultados produzidos pelos comportamentos de outras pessoas
são também variáveis importantes na formação de expectativas, uma vez que estabelecem
indícios valiosos sobre o que pode acontecer ao sujeito caso se comporte de igual maneira.
Eis a seguir,. um resumo deste experimento, descrito original- mente por Albert Bandura sob o
título de "Influence of model's reinforcement contingencies on the acquisition of imitative
responses", no Journal of Personality and Social Psychology (1965), e citado por Lawrence
Pervin, no livro Personalidade: teoria, avaliação e pesquisa.
Método: as crianças foram divididas ao acaso em três grupos de 22 sujeitos cada. Todas as
crianças foram levadas para uma sala onde assistiram a um filme na televisão, O filme começa
com uma cena na qual um modelo vai até um "João Bobo" de plástico inflável do tamanho de
um adulto e lhe ordena que saia do caminho, O "João Bobo" não obedece, e o modelo dá
quatro diferentes respostas agressivas, cada uma delas acompanhada por verbalização
distinta. Por exemplo, o modelo senta-se no boneco, dá-lhe um soco no nariz e diz: "Toma,
bem no nariz, bum, bum", e depois o golpeia na cabeça com um taco de pólo. A cena final do
filme é diferente para as crianças de cada um dos três grupos, denominados: "Condição
o boneco.
Depois que assistiram ao filme, as crianças foram levadas até uma sala onde há um "João Bobo"
de plástico, inflável, e outros brinquedos. Ficaram brincando no quarto à vontade, sozinhas, por
dez minutos, enquanto seu comportamento era observado através de um espelho de visão
unilateral. Registrou-se o comportamento das crianças em termos de categorias pré-
determinadas de respostas imitativas. Como medida de desempenho usou-se o número de
respostas imitativas diferentes, físicas e verbais, emitidas espontaneamente pelas crianças.
Depois de obtida a medida de desempenho, foi dito às crianças dos três grupos que
receberiam doces para reproduzirem as reações físicas e verbais que observaram no filme. Isto
é uma "Condição de incentivo positivo", na qual as crianças são recompensadas por
desempenharem respostas imitativas. O número de respostas imitativas físicas e verbais
diferentes reproduzidas pelas crianças serviu como medida de aprendizagem ou como índice de
aquisição.
b) os meninos adotaram mais respostas imitativas que as meninas. As garotas foram mais
influenciadas pelas conseqüências reforçadoras dadas ao modelo.
82
83
Urna outra variável que afeta o comportamento são informações sobre suas possíveis
conseqüências. No entanto, da mesma forma que a observação das conseqüências sofridas por
um modelo, informações afetam o desempenho e não a aprendizagem deste comportamento.
Por exemplo, informações de que cobras são animais perigosos pode desenvolver medos, e
mesmo fobias, em indivíduos que nunca foram picados por estes animais. Desta forma, uma
pessoa pode nunca vir a segurar uma cobra embora conheça o procedimento adequado e,
portanto, seguro, de como fazê-lo.
De uma maneira geral, pode-se dizer que as teorias, tradicionais do comportamento são
ineficientes para explicar o funcionamento humano pelas seguintes razões: 1) não explicam o
aparecimento súbito de comportamentos complexos; 2) não explicam a aquisição de
comportamentos na ausência de recompensas ou incentivos; 3) não esclarecem como o
comportamento pode se manifestar dias, semanas e mesmo meses após terem sido
aprendidos. De igual maneira, as teorias tradicionais de comportamento falham por não
fazerem a distinção entre aquisição e desempenho e por acentuarem, de maneira marcante, a
aprendizagem por tentativa e erro e por aproximações sucessivas. Bandura (1971) expõe
claramente seu ponto de vista a este respeito:
Desta forma, para Bandura, a maioria das respostas sociais são adquiridas através de
indicações fórnecidas por modelos. Estas respostas, contudo, vão se manifestar
(desempenho), dependendo das condições de reforçamento em atuação no ambiente.
Consequentemente, a Teoria da Aprendizagem Social acredita que tanto a modelação, quanto
as contingências de reforçamento do ambiente são fundamentais na determinação da conduta
humana.
Por outro lado, o conceito clássico de personalidade implica na noção de coerência. Diz-se que
um indivíduo possui uma personalidade X se ao longo das mais diversas situações ele se
comportar de maneira X. Por exemplo, urna pessoa altruísta é aquela que sempre, a despeito
de condições adversas, penosas e mesmo intoleráveis, consegue pensar mais nos outros do que
em si mesma. Entretanto, a visão da aprendizagem social contesta o conceito tradicional de
personalidade: os indivíduos se comportam dc forma coerente, nas diferentes situações de seu
dia-a-dia, somente enquanto estes comportamentos produzam - ou se espera que produzam -
resultados semelhantes aos interiormente obtidos. Para
o,
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I-i,tru 1 . Numero medio de respostas insitativas diferentes reproduzidas poi crianças como
uma função de conseqüências de resposta ao modelo de incentivos positivos. Fonte: Bandura
(1965). Reproduzido de: Pervin. L. A. Per (01111 114(1(11': ti'orii( . avo lia çdo e pe sqií isa . São
Paulo. E.P Li .. 1 97
84
85
que a pessoa se comporte de forma coerente, seria preciso que seus comportamentos tivessem
sido reforçados uniformemente em distintas ocasiões. Ora, na maioria dos casos,
comportaméntos sociais não estão sujeitos a esta regularidade de conseqüências. Por exemplo,
um homem pode se vestir de mulher, durante o carnaval, sem que isto implique em
conseqüências punitivas. Ao contrário, tal comportamento pode ser alvo de elogios, atenção e
aprovação. A mesma resposta, entretanto, poderá produzir conseqüências totalmente
contrárias se ocorrer numa segunda-feira qualquer, num escritório ou repartição pública. É,
portanto, necessário que os indivíduos desenvolvam discriminações, muitas vezes sutis, para
que se comportem adequadamente, na vida em sociedade. A partir destas discriminações, a
pessoa passa a se comportar da forma X em um dado contexto, e da forma Y, em um outro.
Nesta medida, o princípio da coerência não se mantém.
Desta forma, uma pessoa pode ser doce, meiga e carinhosa em determinadas ocasiões, e
agressiva, rude e hostil em outras.
O termo "cognição" possui um significado bastante amplo, mas de maneira geral, refere-se
àquelas condições que propiciam a aquisição de conhecimentos, Desta forma, seu sentido
primordial refere-se ao processamento de informações, ou seja, à atenção, coleta de dados e
resolução de problemas. Para que a informação seja processada, alguns pré-requisitos são
necessários: 1) o estímulo precisa ser discriminável, porque, de outra forma, passará
despercebido; 2) a pessoa tem de estar atenta para poder notar este estímulo - de nada
adianta o estímulo ser discriminável se a atenção do indivíduo está focalizada em outro lugar.
Outro fator Importante para se avaliar o impacto de um estímulo sobre um determinado
organismo é a maneira através da qual ele é apresentado. Além de suas características físicas,
especial importância deve ser
86
87
Não somente informações alteram o comportamento humano. Mudanças drásticas podem ser
obtidas através de leituras - ou de se escutar sobre o comportamento de outras pessoas.
Embora a forma de atuação destes mecanismos seja ainda pouco clara, não resta, hoje em dia,
dúvidas de que processos simbólicos podem alterar o significado dos estímulos. É interessante
notar que os processos cognitivos podem modificar o comportamento social,
independentemente da observação de modelos reais. Modelos imaginários, como os que se
criam através da leitura, podem ser bastante influentes, promovendo tanto a aquisição como a
modificação de respostas.
Como já foi dito anteriormente, qualquer teoria que ressalte a importância das condições de
estímulo pode ser facilmente interpretada como sendo uma que exclui a capacidade de
autodireção de sua visão da potencialidade humana, O homem seria considerado como um
organismo vazio, à mercê de forças externas, ou seja, dos estímulos ambientais. Entretanto,
embora basicamente preocupada com a co-variação entre mudanças nas condições de
estímulo e reforçamento e mudanças em respostas, teóricos da aprendizagem social
acreditam que é o homem - e não o estímulo ou a situação
- aquele que exerce a ação. Desta forma, um dos pressupostos básicos desta teoria é que a
pessoa não é um agrupamento de respostas automáticas, desencadeadas por estímulos
ambientais. Embora estes últimos tenham um impacto sobre a conduta humana, os indivíduos
são capazes de monitorar seu próprio comportamento. Neste sentido, mudanças de
comportamento também ocasionam alterações no meio externo.
X9
dos princípios da ciência positivista, ou seja, ela enfatiza air embora de maneira muito menos
radical, o dado objetivo. Teóri desta abordagem consideram desnecessário postularem-se
fases fi de desenvolvimento, atendo-se aos determinantes presentes comportamento.
4.7 Bibliografia
Prentice-Ha!l, 1977.
Winston, 1971.
7 Rotter. .1 . B .5aial Icar,u,, is aia! (lia/rui p.s v(/loioç'v New York. Fng1es
Capítulo 5
Conclusão
Como se vê, pela apresentação inicial destes três modelos teóricos (psicanalítico-freudiano,
cognitivista-piagetiano e social-Bandura), há várias maneiras de se conceituar o
desenvolvimento humano. Não há dúvida de que estas Várias maneiras decorrem de
condições particulares vivenciadas pelos seus autores e pelo momento histórico-científico em
que surgiram.
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hasicas de todo o desenvolvimento? São dúvidas que certamente surgirão ao leitor sério e
critico.
A impressão que nos resta é i de que, qualquer que seja a linha mestra que nos pareça mais
razoável, restarão dúvidas de inegável valor científico. Sim, porque e nossa crença e nossa
convicção de
(lu, justamente por estarmos numa época relativamente inicial do estudo da crianca e do
adolescente, temos mais perguntas do que respostas a oferecer.
Isto poderia ser desalentador, não fosse o grande número de pesquisas práticas e teóricas em
curso atualmente e que têm caminhado, a nosso ver, basicamente no mesmo sentido: o de
reunir os conceitos apresentados por cada modelo teórico numa visão global do
desenvolvimento; o de extrair de cada modelo os conceitos fundamentais para se concluir que,
longe de se contrapor, eles se completam.
Exemplificando: na primeira etapa da vida denominada fase oral por uns, período sensório-
motor por outros, ou ainda infância inicial por terceiros, as características, tarefas e aquisições a
que se referem são basicamente as mesmas. A diferença está mais no enfoque. na teoria e na
técnica do que no comportamento observado, E, obviamente, a criança é a mesma, quer seja
vista por um psicanalista, por um cognitivista ou por um teórico da Aprendizagem Social.
Somos da opinião de que uma mente inquieta é aquela que mais tem oportunidade de crescer,
de se desenvolver e de se aprofundar. Assim sendo, esperamos ter provocado, neste volume
inicial, dúvidas básicas no leitor, que serão esclarecidas - esperamos - nos volumes seguintes.
Isto porque, como tentaremos demonstrar quando expusermos mais detalhadamente cada fase
do desenvolvimento, o exame minucioso das várias propostas teóricas levará o leitor à
formulação de uma idéia básica e integrada deste tão maravilhoso e por isto mesmo tão
complexo processo - a evolução de um ser imaturo, dependente, incapaz de garantir a própria
sobrevivência para um indivíduo autônomo, inteligente, maduro e. se possivel. bem adaptado a
seu ambiente social.
92
Adolescência
Abordagem psicanalítica
As mudanças subjetivas que o indivíduo tem que operar para dar conta das metamorfoses
corporais e das novas exigências sociais são abordadas neste livro, escrito por psicanalistas
experimentados tanto na clínica quanto no ensino.
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