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SÉRIE PSICOPEDAGOGIA

Psicopedagogia clínica: caminhos


teóricos e práticos

Makeliny Oliveira Gomes Nogueira


Daniela Leal
Dedicatórias

Dedico este livro ao meu querido Vinicius,


pelo grande amor e pela vida que nos une.

Makeliny

Dedico este livro à minha maravilhosa família,


pelo amor, pelo carinho e pela confiança em
mim, pois sem eles eu nada seria.

Daniela
Agradecimentos

Agradeço a todos aqueles que contribuíram para a minha


transformação nesta longa caminhada até aqui e, em
especial, à professora Inge Suhr, pela primeira
oportunidade no Centro Universitário Uninter.

Makeliny

Agradeço a Deus por colocar em meu caminho pessoas


tão especiais. Você, Mak, é uma delas. Obrigada pela
amizade e confiança.

Daniela
Apresentação

Este livro tem o objetivo de apresentar a psicopedagogia clínica com base


nos fundamentos teóricos e práticos do processo de avaliação
psicopedagógica de crianças e adolescentes que apresentam dificuldades de
aprendizagem. Com o propósito de orientar o futuro psicopedagogo,
contemplamos desde as ações iniciais, tais como a entrevista com os pais,
passando pela entrevista, pelas provas e pelos testes com a criança e o
jovem, assim como pela anamnese, enfim, por todas as etapas do
diagnóstico.

Nessa perspectiva, esta obra surge como fonte de reflexão sobre o


processo de ensino-aprendizagem de crianças e adolescentes, assim como
sobre a prática clínica da psicopedagogia e as inter-relações entre esses dois
focos.

Estruturamos o livro em seis capítulos, que abordam, além da


fundamentação teórico-metodológica, questões e atividades de fixação ao
final de cada um deles. Cada capítulo conta igualmente com indicações
culturais, como filmes, documentários, leituras e sites com os quais o leitor
poderá consolidar o seu aprendizado.

No primeiro capítulo – História da psicopedagogia: rumos e desafios –


estudaremos como se deu a construção histórica da psicopedagogia no
mundo e no Brasil, assim como seus principais conceitos e a importância
dessa área de atuação para a educação e a saúde, destacando a importância
da Associação Brasileira de Psicopedagogia para a formação do profissional
psicopedagogo e do processo de regulamentação dessa área como profissão.

No segundo capítulo − Avaliação psicopedagógica: o processo de


investigação clínica − estudaremos os conceitos básicos da avaliação
psicopedagógica à luz da epistemologia convergente de Jorge Visca,
apresentando sua teoria baseada em três correntes teóricas: a psicanálise de
Freud, a epistemologia Genética de Piaget e a psicologia social de Pichon
Rivière, linhas de pensamento fundamentais para o desenvolvimento da
prática clínica.

No terceiro capítulo – denominado Diagnóstico psicopedagógico:


etapas e instrumentos – apresentaremos aos leitores o diagnóstico
psicopedagógico clínico detalhado, seguindo o modelo da epistemologia
convergente de Visca e trazendo ao leitor os instrumentos de avaliação:
entrevista inicial, anamnese, entrevista operativa centrada na aprendizagem
(Eoca), o uso de testes, provas do diagnóstico operatório, provas projetivas
e a caixa de trabalho. Abordaremos ainda neste capítulo a observação
lúdica, a avaliação pedagógica (leitura e escrita e matemática), as relações
entre aluno-professor e aluno-escola e a avaliação psicomotora.

No quarto capítulo – intitulado Provas operatórias e projetivas:


instrumentos que auxiliam a avaliação clínica – estudaremos as provas do
diagnóstico operatório piagetiano e as provas projetivas de Visca,
aprofundando nossos conhecimentos sobre cada uma dessas etapas, desde
os materiais utilizados até as formas de aplicação e avaliação de cada uma
delas.

No quinto capítulo − Estudo de caso: os desafios da intervenção


psicopedagógica − demonstraremos um estudo de caso real, com as
interpretações e etapas que concernem à avaliação diagnóstica clínica,
esclarecendo e ilustrando os capítulos anteriores. Além disso, apontaremos
caminhos para a instrumentação e compreensão do trabalho interventivo na
clínica psicopedagógica.

Finalmente, no sexto e último capítulo, denominado Informe


psicopedagógico: suas origens e sua elaboração, buscaremos discutir como
se dá a elaboração de um informe psicopedagógico durante todo o processo
de diagnóstico da criança e do adolescente com problemas escolares, assim
como a devolutiva para pais, professores, escolas e demais profissionais.

Esperamos que este livro possa contribuir com a reflexão-ação de


psicopedagogos, psicólogos, educadores e demais profissionais que se
dedicam ao tema da aprendizagem e do desenvolvimento humanos, dando
suporte teórico e prático ao “saber fazer” clínico.
Introdução

A psicopedagogia nos permite atuar em três tipos de campos profissionais, a


distinguir: nas áreas clínica (consultório), institucional (escolas,
instituições, empresas e organizações não governamentais – ONGs) e
hospitalar (classes hospitalares), visto que sua finalidade se encontra tanto
no caráter preventivo quanto no aspecto terapêutico do processo de
aprendizagem e suas dificuldades.

Portanto, cabe a essa área do conhecimento e de atuação prática atingir


não somente o sujeito com dificuldades no processo de aprendizagem, mas
também os pais e a comunidade que fazem parte de seu referencial de vida,
para que todos possam compreender como se dão os processos de
identificação, análise, planejamento e intervenção do profissional da
psicopedagogia diante das dificuldades apresentadas no processo de
aprendizagem.

Apesar de sabermos que cada uma dessas ramificações da


psicopedagogia possui sua importância no trabalho realizado pelo
profissional dessa área, nesta obra buscaremos discutir mais
especificamente a psicopedagogia clínica e seus diversos instrumentos de
aplicação. Não que esse seja o foco mais importante a ser explorado, mas
sim porque intentamos esclarecer muitos anseios e muitas dúvidas que
pairam sobre a atuação psicopedagógica clínica, tanto no trabalho de
profissionais já formados e atuantes na área quanto no início da formação
para uma nova atuação profissional.

Nesse sentido, o psicopedagogo poderá identificar, por meio do trabalho


clínico e de seus mais diversos instrumentos − os quais serão demostrados
detalhadamente nos capítulos que irão se seguir −, as causas dos problemas
de aprendizagem, para que esse profissional possa confirmar ou não suas
suspeitas sobre as causas do não aprendizado.
Caso seja realmente confirmado o diagnóstico, o psicopedagogo inicia o
atendimento, utilizando-se de diversas atividades que possuem o intuito de
identificar a atividade mais apropriada para que o sujeito em questão
aprenda, assim como o motivo que causa o bloqueio da aprendizagem. Para
tanto, o psicopedagogo utilizará de recursos como jogos, brinquedos,
brincadeiras, histórias e outros recursos que forem oportunos.

Afinal, a criança muitas vezes não consegue falar sobre seus problemas
− como é o caso do nosso sujeito do estudo de caso − e é por meio de
desenhos, jogos − como será observado nas provas projetivas − que ela
poderá revelar a causa de sua dificuldade.

Posto isso, podemos dizer que a psicopedagogia clínica tem como papel
principal retirar os sujeitos de suas condições de não aprendizado, dotando-
os de sentimentos de autoestima e, principalmente, fazendo-os perceber
suas potencialidades para recuperarem seus processos internos de apreensão
da realidade, tanto nos aspectos cognitivos como nos afetivo-emocionais.
Capítulo 1

História da psicopedagogia: rumos e


desafios

“Para aprender, necessitam-se dois personagens (ensinante e aprendente) e um vínculo que se


estabelece entre ambos.”

Alicia Fernández (1991, p. 47)

Neste capítulo, estudaremos como se deu a construção histórica da


psicopedagogia no mundo, especificamente no Brasil, e a construção do
conceito de psicopedagogia para que possamos compreender de forma
ampla a importância dessa área de atuação de profissionais da educação e
da saúde. Outro ponto de destaque consiste na compreensão da importância
da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) para a formação do
profissional psicopedagogo, bem como para a regulamentação dessa área
como profissão reconhecida em nosso país.

A princípio, consideramos que a psicopedagogia surge da necessidade


de auxiliar na busca de soluções para as questões envolvendo as
dificuldades e/ou os problemas de aprendizagem. Mas, e hoje, o que
significa a palavra psicopedagogia? É apenas um termo dentro de muitos
outros que buscam discutir apenas os problemas de aprendizagem? É uma
área de conhecimento que vem se expandindo em busca de um lugar
próprio, ao assumir para si a responsabilidade de compreender as
dificuldades enfrentadas por alunos durante o seu processo escolar e,
portanto, reconhecida como tal?

Essas e outras questões que surgirão no decorrer deste capítulo têm por
função promover uma reflexão a respeito da área que estamos assumindo
como compromisso profissional, mas, acima de tudo, como área de
conhecimento a ser discutida e analisada desde a origem de sua palavra,
passando por sua construção histórica no mundo e no Brasil, até chegarmos
nos dias atuais com os esforços realizados pela ABPp para a
regulamentação e o reconhecimento da profissão.

Afinal, segundo Bossa (2000, p. 33), “o movimento da psicopedagogia


no Brasil remete ao seu histórico na Argentina. Devido à proximidade
geográfica e ao acesso fácil à literatura (inclusive pela facilidade da
língua)”. Contudo, não podemos esquecer que, “ao pesquisar a origem do
pensamento argentino acerca da Psicopedagogia, verificamos que sua
literatura está fortemente marcada pela literatura francesa” (Bossa, 2000, p.
36).

Nesse sentido, esperamos que, após a leitura deste capítulo, você possa
fazer uma análise da totalidade, mas também das particularidades que
compõem tal área de conhecimento e profissão, bem como compreender
posteriormente nos demais capítulos a importância de cada uma das etapas
que constituem o trabalho multidisciplinar que cerca a análise da
produtividade ou do rendimento escolar dos alunos.

1.1 Conceituação da palavra psicopedagogia


Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss; Villar,
2009, p. 1.572), a palavra psicopedagogia significa “ciência aplicada que
consiste em aliar a psicologia, especialmente a experimental, à pedagogia;
psicologia da educação”.

Se pensarmos que esse termo foi criado no século XX e que de lá para


cá muitas coisas se modificaram e continuam a se transformar no dia a dia,
será que esse conceito, diante do propósito apresentado no início deste
capítulo, não deixa a desejar? Ou, pelo menos, não nos deixa dúvidas com
relação a que área de conhecimento é essa, que une apenas a psicologia 🕮
[1]
e a pedagogia🕮 e que se diz multidisciplinar?
Nesse sentido, concordamos com Fontes (2006), Sampaio (2005) e
Bossa (2000), que antes, em seu início, podia se afirmar que a
psicopedagogia era apenas a união da psicologia, principalmente por meio
da psicanálise 🕮 , com a pedagogia. No entanto, atualmente, a
psicopedagogia é uma área do conhecimento construída por dois saberes e
duas práticas: a psicologia e a pedagogia, mas com influência de um grande
corpo teórico – psicanálise, psicofisiologia, neuropsicologia, linguística,
semiótica, filosofia e medicina. Ou seja, a psicopedagogia é uma área de
conhecimento reconhecida, mas que busca em outras áreas o suporte para
analisar o educando como um todo (bio-psico-social), e não somente em
sua particularidade – fracasso escolar, não aprendizado etc. (Sampaio,
2005).

Afinal, como bem pontua Bossa (2000, p. 14), não podemos nos
esquecer de que a psicopedagogia “distingue-se em três conotações: como
uma prática, como um campo de investigação do ato de aprender e como
(pretende-se) um saber científico”. Portanto, de acordo com a mesma
autora, essa área do conhecimento apresenta as suas especificidades, não
podendo ser considerada, assim, “sinônimo de Psicologia Escolar 🕮 ou
Psicologia Educacional” [grifo nosso].
Para tanto, na psicopedagogia, como área de aplicação, atua o
psicopedagogo, que, nas palavras de Bossa (2000), é esse profissional que
se ocupa dos problemas de aprendizagem, os quais anteriormente eram
estudados pela medicina e pela pedagogia e, agora, é estruturado por um
corpo teórico com contribuições de várias áreas.

1.2 A psicopedagogia no mundo: um breve


resgate histórico
Na Europa, principalmente na França, no final do século XIX, encontramos
os primeiros registros da preocupação de profissionais da educação, da
filosofia e da medicina com os problemas de aprendizagem; afinal, nesse
período, a pedagogia francesa era influenciada pelos ideais iluministas e
pelo positivismo, defendendo, assim, “a ideia de que todos os indivíduos
são capazes de aprender. Até então, sempre existiram crianças[2] que
apresentavam dificuldades para aprender, mas esse fato não era considerado
um problema” (Fontes, 2006, p. 50-51).

Cabe ressaltarmos que, segundo Bossa (2000), é durante o século XIX


que se consolida o capitalismo industrial; portanto, ao colocar de lado os
ideais burgueses de igualdade e fraternidade, “surge a necessidade de
justificar as desigualdades inerentes à sociedade de classes: será por meio
dos avanços científicos e de formulações teóricas que se buscará a
explicação para as desigualdades da sociedade emergente” (p. 36).

Nesse cenário de crença no cientificismo surge a possibilidade da


existência de um conhecimento certo e seguro com Francis Bacon, “o
precursor da chamada ciência moderna e positiva [...] produzindo na cultura
ocidental a convicção de que o saber, oriundo da pesquisa científica, amplia
a possibilidade do fazer, a tecnologia” (Bossa, 2000, p. 36).

Concomitantemente a tais trabalhos voltados às tentativas de


proporcionar o conhecimento àqueles menos privilegiados, segundo Fontes
(2006), é criada, em 1899, por um grupo de psicólogos e professores, a
Sociedade Livre para o Estudo Psicológico da Criança, tendo por objetivo
integrar diferentes especialistas da infância em busca de maneiras para
orientar os professores a darem uma instrução moral adequada a seus
alunos. Nessa sociedade, os psicólogos “procuravam estudar alunos
tornando-os objeto de estudo e os professores procuravam pesquisar
maneiras de orientar seus alunos para uma instrução moral mais adequada”
(Fontes, 2006, p. 54).

Como membro dessa sociedade, encontramos Alfred Binet, pedagogo e


psicólogo francês, que possuía como objetivo central o estudo da
inteligência. Binet, junto do psiquiatra Theodore Simon – que colocou Binet
em contato com crianças com deficiência, em 1892 –, criou uma escala de
inteligência na qual se separava a inteligência natural da educação, criando,
assim, a noção de normalidade 🕮 e de desvios da norma, portanto, o
conceito de anormalidade 🕮 . “Assim, certos comportamentos que
anteriormente à criação do conceito de anormalidade não lhes eram
atribuído valor e eram resolvidos pelos próprios professores como questões
naturais do cotidiano escolar passaram então a serem considerados como
problemas” (Fontes, 2006, p. 55).

Ou, como descreve Bossa (2000, p. 37), “o conceito de anormalidade,


aos poucos, foi sendo deslocado dos centros psiquiátricos paras as escolas.
A criança que não conseguia aprender era taxada como ‘anormal’, devido à
interpretação de que a causa de seu fracasso era atribuída a alguma
anomalia anatomofisiológica🕮” [grifo nosso].

Para Binet, os alunos considerados anormais já tinham seu destino


traçado, ou seja, caminhavam para o insucesso escolar (Fontes, 2006).
Diante de tal concepção, as classes especiais, ou classes de
aperfeiçoamento, como eram chamadas por Binet e seus colaboradores,
propunham abrigar “alunos que possuíssem uma inteligência superior das
crianças asiladas 🕮 mas que não tivessem uma inteligência suficiente para
acompanhar o ensino regular” (Fontes, 2006, p. 56, grifo nosso). E era
somente por meio da classificação realizada pela escala métrica da
inteligência de Binet e Simon que os alunos conseguiam ingressar nesse
tipo de ensino. O que provocava cada vez mais barbáries, colocando,
segundo Fontes (2006, p. 56), “um ser humano em situação de fracasso,
desde criança pelo simples fato de ele não se adequar à norma”. Segundo a
autora, “essa maneira de se entender problemas de aprendizagem
influenciou a Educação de vários países ao longo do século XX, incluindo o
Brasil”(p. 56).

É somente no final do século XIX, na pequena cidade de Séguin, em


Paris, que surge a primeira escola realmente preocupada em solucionar os
problemas de aprendizagem, especificamente das crianças com deficiência
mental, por meio de um trabalho reeducativo (reeducação psicopedagógica
ou psicopedagogia adaptativa), que visava “desenvolver as funções
cognitivas por meio da adaptação do sujeito ao ‘lugar’ que o sistema lhe
designou” (Fontes, 2006, p. 57).

O que a nosso ver e da autora não deixou de ser um tipo de barbárie.


Afinal, oferece-se ao sujeito a “falsa promessa de uma cultura pacífica e de
que todos os indivíduos são iguais em oportunidades, sendo que, na
verdade, só o são enquanto norma, pois na verdade já possuem seu lugar
determinado na sociedade” (Fontes, 2006, p. 57).

Por ser um século muito influenciado pelas ideias da medicina e das


ciências biológicas, a aprendizagem humana foi vista de uma forma
orgânica, envolvida por ideias racistas.

Com a passagem do século XIX para o século XX surgem as classes


especiais, com o intuito de atenderem às crianças asiladas. Contudo, com o
aparecimento dessas classes ainda fica

embutida a ideia de que um sujeito que não seguisse o padrão definido


a priori, já teria seu destino traçado; sua relação com o conhecimento,
com a escola e com o mundo já ficava a partir daí estabelecida. Ou
seja, embora houvesse uma nova modalidade de classe dentro das
escolas (classes especiais), a estrutura educacional não se alterou.
(Fontes, 2006, p. 54)

Segundo Bossa (2000), com a chegada do século XX e diante da


realidade posta anteriormente, o número de escolas destinadas a crianças
com aprendizagem lenta cresce significativamente, tanto na Europa quanto
nos Estados Unidos, bem como surgem na França os primeiros centros de
orientação infantil formados por uma equipe multidisciplinar: médicos,
psicólogos, educadores e assistentes sociais.

Tal enfoque orientador da conduta do psicopedagogo, face ao


esclarecimento dos problemas de aprendizagem, pautava-se ainda nas
questões orgânicas, ou seja, na então chamada pedagogia curativa 🕮 ,
cujo foco principal, segundo Bossa (2000), era tratar de sujeitos de
inteligência normal, porém com problemas escolares.

Nesse mesmo cenário, além da preocupação referente ao que se fazer


com as crianças com algum tipo de necessidade educativa, surgem também
as preocupações de Janine Mery em “compreender outras questões como as
deficiências sensoriais, debilidade mental e outros problemas que poderiam
comprometer a aprendizagem” (Fontes, 2006, p. 45), por meio de uma
psicopedagogia curativa🕮. Nessa mesma época, ganham notoriedade os
trabalhos de George Mauco, “fundador do primeiro centro médico-
psicopedagógico na França [...], no qual se percebem as primeiras tentativas
de articulação entre a Medicina, Psicologia, Psicanálise e Pedagogia, na
solução dos problemas de comportamento e de aprendizagem” (Bossa,
2000, p. 37).

Contudo, se buscarmos na história da psicopedagogia, bem como na da


educação especial, encontraremos registros que mostram que, antes de
Janine Mery, Jean Itard[3] (1800) apresentou “a primeira proposta de
tratamento infantil com objetivo de reintegrar um garoto considerado
selvagem à sociedade” (Fontes, 2006, p. 52-53); posteriormente, constam
igualmente os trabalhos médicos-pedagógicos de Maria Montessori[4], ao
se preocupar em alfabetizar crianças via estimulação dos órgãos do sentido
(sensorial).

Segundo Bossa (2000, p. 39), “a partir de 1948, entretanto, o termo


pedagogia curativa passa a ser definido, segundo Debesse, como
terapêutica para atender crianças e adolescentes desadaptados que, embora
inteligentes, tinham maus resultados escolares”. Afinal, segundo Debesse,
citado por Bossa (2000, p. 39, grifo nosso), a pedagogia curativa “poderia
ser conduzida individualmente ou em grupos, sendo estendida como
‘método que favorecia a readaptação pedagógica do aluno’, uma vez que
pretendia tanto auxiliar o sujeito a adquirir conhecimentos, como também
desenvolver a sua personalidade”.

No entanto, do sentido conferido por Debesse à psicopedagogia


podemos observar algumas variações, pelos diversos profissionais da área,
principalmente nos trabalhos realizados pelos psicopedagogos argentinos.

A psicopedagogia na Argentina
A psicopedagogia na Argentina surgiu, segundo Fontes (2006), em meados
da década de 1960, por meio de profissionais que possuíam outra formação
(por exemplo, em Filosofia), visando ocupar um espaço que não podia ser
preenchido nem pelo pedagogo nem pelo psicólogo. Tais profissionais
“começaram fazendo reeducação, com o objetivo de resolver fracassos
escolares [...] [e] a produzir toda uma metodologia sobre a chamada
dificuldade de aprendizagem🕮” (Bossa, 2000, p. 40-41, grifo nosso).

O processo de construção da psicopedagogia como profissão e como


curso de formação do psicopedagogo na Argentina passou por três etapas
distintas: a primeira, em 1956, dando ênfase ao âmbito pedagógico. Nesse
período (1956-1961), o curso de Psicopedagogia buscou dar ênfase à
formação em filosófica e psicológica, incluindo fundamentos de biologia e
psicopedagogia como área específica (Bossa, 2000).

A segunda, em 1963, constatou que a medição de funções cognitivas e


afetivas evidenciava a influência da psicologia experimental. Na formação
do psicopedagogo (1963-1969) “buscava-se a formação instrumental do
profissional, ou seja, procurava-se capacitá-lo na mediação das funções
cognitivas e afetivas” (Bossa, 2000, p. 41), passando o curso de graduação
de três para quatro anos.

Nesse período, mais especificamente no início da década de 1970,


foram criados em Buenos Aires os centros de saúde mental, nos quais as
equipes psicopedagógicas faziam diagnóstico e tratamento. Segundo Bossa
(2000, p. 41-42),

Esses profissionais observaram que, depois de um ano de tratamento,


quando os pacientes retornavam para controle, haviam “resolvido” os
seus problemas de aprendizagem. Entretanto, em lugar desses
problemas surgiam graves distúrbios de personalidade: fobias, traços
psicóticos, etc. Os reeducadores tomaram, então, consciência de que
haviam afogado o único grito que esses sujeitos tinham para se
expressar, produzindo-se, pois, um deslocamento de sintoma. A partir
daí ocorre uma grande mudança na abordagem psicopedagógica. Os
psicopedagogos começam a incluir no seu trabalho o “olhar” e a
“escuta” clínica da Psicanálise.

A terceira e última etapa, em 1978, valorizou a área clínica ao incluir


diagnóstico e tratamento e ao criar a carreira de graduação em
psicopedagogia com a duração de cinco anos. No curso de formação,
segundo Bossa (2000), são incluídas as disciplinas voltadas à clínica
pedagógica para que o profissional psicopedagogo possa ser valorizado
como terapeuta.

Nessa última etapa, as duas autoras que mais contribuíram foram Sarah
Pain[5] e Alicia Fernández[6], por possuírem “uma visão psicopedagógica
mais abrangente em relação aos autores que desenvolveram suas ideias até
então, considerando aprendizagem como articulação da inteligência, desejo,
corpo e organismo” (Fontes, 2006, p. 62, grifo nosso).

Não podemos esquecer, no que diz respeito a esse período, das


importantes contribuições de Jorge Visca, renomado psicopedagogo
argentino, criador da epistemologia convergente. Visca, segundo Pinel e
Colodete ([20--]), foi quem fundou os “Centros de Estudos
Psicopedagógicos de Buenos Aires, de Misiones, do Rio de Janeiro, de
Curitiba, de São Paulo e de Salvador”.

A epistemologia criada por Jorge Visca propõe um trabalho integrado


entre a escola de Genebra (psicogenética de Piaget[7]), a escola psicanalítica
(Freud[8]) e a psicologia social (Enrique Pichón Rivière[9]). Da
psicogenética de Piaget, Visca aproveita o exame clínico de raciocínio; da
psicanálise, o conceito de transferência e contratransferência e, da
psicologia social 🕮 , a aprendizagem centrada na tarefa e nos grupos
operativos (Pinel; Colodete, [20--]).

Para muitos autores, inclusive para Pinel e Colodete ([20--]), a


abordagem adotada por Jorge Visca é a mais moderna da psicopedagogia,
pois “fornece muitos subsídios para o trabalho e construção social e
histórica da identidade profissional [do psicopedagogo]”.

Atualmente, segundo Fernández e Montti, citados por Bossa (2000),


podemos dizer que a atuação psicopedagógica está fundamentada em duas
áreas: a da educação e a da saúde. Na educação, a função do
psicopedagogo é cooperar “para diminuir o fracasso escolar, seja este da
instituição, seja do sujeito ou, o que é mais frequente, de ambos” (Fernádez;
Montti, citado por Bossa, 2000, p. 42), por meio de assessoramento aos
pais, professores e diretores.
Quanto à atuação psicopedagógica voltada à saúde, procura-se
reconhecer as alterações de aprendizagem sistemática ou assistemática,
utilizando-se de “diagnóstico na identificação dos múltiplos geradores desse
problema, e fundamentalmente, busca-se descobrir como o sujeito aprende.
Utilizando-se, no diagnóstico, testes para melhor conhecer o paciente e a
sua problemática, os quais são selecionados em função de cada sujeito”
(Bossa, 2000, p. 42).

Posto isso, verificamos, apesar da proximidade existente entre a


psicopedagogia argentina e a brasileira, que, segundo Sampaio (2005), há
um caráter diferenciado entre ambas. Na psicopedagogia argentina, existe a
aplicação de testes, de uso corrente, considerados de uso exclusivo dos
psicólogos. No Brasil, apenas algumas dessas avaliações são permitidas,
contando com uma variedade maior de instrumentos.

Nesse sentido, passaremos agora à análise do processo de construção da


psicopedagogia no Brasil, bem como da regulamentação da profissão no
país e do órgão responsável pelo cumprimento do código de ética da área e
das atribuições do psicopedagogo.

A psicopedagogia no Brasil
A psicopedagogia no Brasil também tem seu início em justificativas
baseadas em fatores orgânicos. De acordo com Fontes (2006, p. 73), as
ideias vindas da Europa influenciaram fortemente essa área do
conhecimento no Brasil e, até aproximadamente a metade do século XX, “a
abordagem utilizada na Psicopedagogia era basicamente a
psiconeurológica 🕮 do desenvolvimento humano [, ou seja,] problemas de
aprendizagem como afasias🕮, dislexias🕮, disgrafias🕮 ou conceitos como
o de disfunção cerebral mínima 🕮 apontavam para essa visão orgânica”
[grifo nosso].

Afinal, segundo Bossa (2000, p. 48), “a ideia que tais problemas de


aprendizagem teriam como causa uma disfunção neurológica não detectável
em exame clínico” era difundida amplamente e, em um curto espaço de
tempo, pais e professores também já adotavam o rótulo disfunção cerebral
mínima (DCM) como referência de diagnóstico.

Para a autora, essa é uma conotação nitidamente patologizante e apenas


um dos rótulos “dentro dos vários diagnósticos empregados para camuflar
problemas sociopedagógicos traduzidos ideologicamente em termos de
psicologia individual🕮” (Bossa, 2000, p. 49, grifo nosso).

Posto isso, Bossa (2000, p. 49) indica que:

Para levantar corretamente a história “das preocupações com os


problemas de aprendizagem”, devemos relembrar que, inicialmente,
tais problemas foram estudados e tratados por médicos (em outro lugar
e outra época – Europa, século XIX) e que ainda hoje, em nosso país, a
primeira atitude de educadores e familiares de crianças com problemas
de aprendizagem é recorrer a esse profissional, o qual assume grande
importância nas decisões de família.

Arthur Ramos[10] foi o primeiro médico a contribuir de forma decisiva


para o “desenvolvimento da Psicologia educacional no Brasil preocupando-
se com uma educação voltada para a higiene mental” (Fontes, 2006, p. 73),
ou seja, para o médico, os aspectos orgânicos vinham em destaque para
explicar as causas dos problemas de aprendizagem.

Cabe lembrarmos que a educação no Brasil, nesse período, seguia os


ideais da Escola Nova🕮, que, por sua vez, entendia a educação como sendo
um instrumento de equalização social e de superação da marginalidade, ou,
nas palavras de Fontes (2006), cabia à escola o papel de garantir a
construção de uma sociedade igualitária por meio da conformação da
sociedade, evitando, assim, a desagregação. Nesse sentido, “o
marginalizado deixa de ser o ignorante para ser o diferente. [E] a
aprendizagem para ocorrer [...] [dependerá de um] ambiente estimulador”
(Fontes, 2006, p. 75).

Os primeiros centros brasileiros de pesquisa educacional foram criados


entre 1938 e 1956, com o intuito de realizar pesquisas de natureza
psicopedagógica em consonância com a visão do processo de ensino-
aprendizagem escolanovista. No ano de 1954, é registrado o primeiro curso
de Orientação Psicopedagógica, patrocinado pelo Centro de Pesquisas e
Orientação Educacional (CPOE) da Secretaria de Educação e Cultura,
coordenado por Aracy Tabalara e Dorothy Fossati, visando ao atendimento
de crianças excepcionais🕮.

Após a segunda metade da década de 1960, de acordo com Fontes


(2006, p. 76),

havia dois tipos de trabalho psicopedagógico: um ligado à parte


corporal realizado pelos psicomotricistas e outro que procurava
trabalhar linguagem oral, audição, voz, leitura e escrita (Bossa, 2000),
[pois] acreditavam que pela estimulação do meio, os problemas de
aprendizagem poderiam diminuir.

Contudo, apesar de adotar uma abordagem interacionista 🕮 em


relação aos problemas de aprendizagem, ainda assim continuavam os
preconceitos, pois se acreditava, muitas vezes, que estes eram adquiridos
fora do ambiente escolar.

De 1965 a 1970, predominavam os estudos psicopedagógicos que


visavam, segundo Patto, citado por Fontes (2006, p. 76), “[à] pesquisa de
instrumentos de medida psicológica, especialmente de habilidades
específicas, tendo em vista aplicá-los no esclarecimento das causas das
dificuldades de aprendizagem escolar”. Nesse sentido, em 1967, surgiram
cursos relacionados especificamente ao trabalho da leitura e escrita,
supervisionados pelo Dr. Julio Bernaldo de Quirós[11], em Porto Alegre.

Já em 1970 surgiu o trabalho preventivo, com o objetivo de evitar que


os alunos com problemas de desajustamento escolar frequentem clínicas;
tais ideias foram fortemente influenciadas pela teoria da carência cultural,
que correlaciona a questão da classe social com a escolaridade. Nesse
período surgiram os primeiros cursos de especialização em Psicopedagogia
no Brasil, para complementar a formação de psicólogos e educadores que
buscam soluções para os problemas de aprendizagem (Fontes, 2006).
Como exemplo desses cursos de formação de especialista em
Psicopedagogia, temos, em 1970, o curso na Clínica Médico-Pedagógica de
Porto Alegre, com duração de dois anos. Logo depois, temos o curso em
nível de especialização na Faculdade de Educação da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, paralelamente, os cursos de Reeducação
em Linguagem e o curso de Psicorreeducação na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). Em 1979, foi “criado o primeiro curso
regular de Psicopedagogia, no Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo,
iniciativa de Maria Alice Vassimon, pedagoga e psicomotricista, e Madre
Cristina Sodré Dória, diretora do instituto” (Bossa, 2000, p. 55).

Com a chegada dos anos 1980, a psicopedagogia assumiu para si,


devido ao aumento abusivo dos números de evasão e repetência nas escolas
do Brasil[12], o compromisso de realizar “pesquisas direcionadas ao estudo
da aprendizagem como um todo, ou seja, não apenas a aprendizagem do
aluno, mas de que maneira se dá a aprendizagem dos professores também,
considerando que são parte ativa do processo de ensino” (Rubinstein, citado
por Fontes, 2006, p. 78).

Bossa (2000, p. 52) ressalta, ainda, que não podemos nos esquecer que
“outro marco na história da Psicopedagogia foi o 1º. Encontro de
Psicopedagogos, em São Paulo, em novembro de 1984, quando Clarissa
Golbert e Sônia Maria Moojen Kiguel apresentaram seus trabalhos, tecendo
considerações a respeito das atividades dos psicopedagogos em Porto
Alegre”.

A partir desse evento, o encontro foi responsável pela transformação do


Grupo Livre de Estudos em Psicopedagogia em Associação de
Psicopedagogos e, “em setembro do mesmo ano, foi organizado pelos
integrantes do grupo de Estudos em Psicopedagogia, juntamente com o
Centro de Estudos Médico e Psicopedagógico de Porto Alegre, o 1º.
Seminário de Estudos em Psicopedagogia” (Bossa, 2000, p. 52), no qual
foram discutidos os trabalhos apresentados em São Paulo.

Já no início do século XXI, podemos dizer que a psicopedagogia,


segundo Fontes (2006), procura trabalhar visando à relação de qualidade
nas relações com o conhecimento e, para isso, utiliza-se de duas abordagens
que se complementam − a abordagem clínica 🕮 e a abordagem
institucional🕮 − para compreender como a transmissão de conhecimento e
a compreensão dos fatos psicológicos interferem no ato de aprender, assim
como o papel da família como transmissor de cultura.

Segundo Fontes (2006, p. 81), “A psicopedagogia conta atualmente com


a associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) desde 1988, iniciada em
1980 em São Paulo (SP) como Associação de Psicopedagogos de São
Paulo”. Vejamos a seguir qual o papel dessa associação para a
psicopedagogia, bem como para o bom desempenho do papel do
psicopedagogo.

As contribuições da ABPp para a psicopedagogia


no Brasil
A Associação Brasileira de Psicopedagogia, desde sua fundação, tem se
preocupado com a organização de eventos de dimensão nacional, assim
como com a publicação de temas que retratem as preocupações e a
tendência da área psicopedagógica.

No início, o objetivo central era tornar o campo profissional do


psicopedagogo reconhecido. Hoje, ela ainda se debruça sobre as seguintes
questões: “Quem é esse profissional? Qual deve ser a sua formação e
atuação profissional? Como criar técnicas e teorias específicas?” (Bossa,
2000, p. 57).

Segundo Scoz e Barone (2007, p. 93), a ABPp se constitui

como uma associação de cunho científico-cultural com objetivo de


aprofundar estudos sobre os processos de aprendizagem e dos
problemas deles decorrentes; difundir o conhecimento da área por meio
da criação do Boletim, hoje “Revista Psicopedagogia da ABPp”;
promover discussão ampla em âmbito nacional, por meio dos
“Encontros de Psicopedagogos” e agregar profissionais para discutir e
caracterizar a identidade do psicopedagogo.
Nesse sentido, podemos dizer que a ABPp acompanhou a evolução da
história da psicopedagogia no Brasil, na qual “ambas assumiram um
compromisso social com a redução dos altos índices de fracasso escolar e,
além disso, com uma concepção multidisciplinar para a compreensão dos
processos e dos problemas de aprendizagem” (Scoz; Barone, 2007, p. 94).

Outro fator de preocupação da associação é a prevenção dos problemas


de aprendizagem nas escolas, propondo, segundo as mesmas autoras, uma
ação psicopedagógica voltada para o ensino e não somente para o processo
de aprendizagem, com o intuito de evitar a evolução dos problemas de
aprendizagem. Nas palavras das autoras, “uma visão que ultrapassa as
cisões na tentativa de superar o que foi artificialmente cindido na história
do pensamento – como exemplo, a cisão homem-sociedade, emoção-
pensamento, ensino-aprendizagem” (Scoz; Barone, 2007, p. 94).

Atualmente, uma das maiores lutas da ABPp, juntamente com seus


colaboradores, é a de tornar a psicopedagogia uma profissão regularizada
no mercado de trabalho. Para isso, há o Projeto de Lei nº 3.124/1997[13], de
autoria do Deputado Barbosa Neto, que dispõe sobre a regulamentação da
profissão, a criação do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de
Psicopedagogia, além de definir os profissionais aptos a exercê-la, quais
suas atividades e atribuições e quem fiscalizará o exercício da
psicopedagogia.

Apesar do projeto de lei estar há mais de 10 anos em votação, diante das


diversas comissões (Trabalho – aprovação –, Educação – aprovação), há
sempre entraves de outras comissões em relação à regulamentação dessa
área de atuação profissional, impedindo que tal projeto avance e todas as
propostas previstas por ele sejam colocadas em prática.

Contudo, cabe ressaltarmos que, ainda que o projeto de lei do deputado


Barbosa Neto não tenha conseguido atingir a regulamentação da profissão,
em 2001 tivemos um salto qualitativo para a nossa área. O deputado Claury
Alves da Silva apresentou o Projeto de Lei nº 128/2000, que visa à
assistência psicológica e psicopedagógica em todos os estabelecimentos de
ensino básico público do Estado de São Paulo, com o objetivo de
diagnosticar e prevenir problemas de aprendizagem. O projeto se tornou,
em 20 de setembro de 2001, após aprovação da Assembleia Legislativa de
São Paulo, a Lei Estadual nº 10.891[14].

A lei em questão busca garantir assistência psicológica e


psicopedagógica para os alunos do ensino básico público, deixando claro
em seu art. 2º. que a assistência prestada deverá ocorrer dentro das
dependências da instituição, durante o período escolar. No entanto, essa lei,
apesar de passar por aprovação, encontra-se ainda em processo de
autorização e implementação.

Posto isso, podemos dizer que a nova lei vem ao encontro da atual
realidade educacional brasileira, tentando, assim, compreender o processo
referente às dificuldades de aprendizagem com a tentativa de transformar a
realidade educacional.

Síntese
O presente capítulo buscou, de forma breve e sucinta, resgatar a construção
histórica da área de atuação psicopedagógica, mostrando seus avanços, bem
como os entraves para que ela venha a se tornar uma profissão reconhecida.

Nesse sentido, não podemos esquecer que a construção da atuação


psicopedagógica em nosso país foi pautada em ideais europeus mesclados
aos ideias da psicopedagogia argentina. Sendo assim, há muito que se
discutir sobre as dificuldades práticas com as quais se deparam os
psicopedagogos brasileiros.

Afinal, precisamos nos debruçar sobre questões que levem à construção


da identidade desse profissional, assim como da formação e atuação do
psicopedagogo e das técnicas e teorias utilizadas em nosso país, para
melhor identificarmos as questões que envolvem o processo de não
aprendizado.
Indicações culturais

Livros
Canguilhem, G. O normal e o patológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2006.

O livro em questão traz uma nova visão sobre os conceitos de normal e


patológico, focando seu olhar não no que é diferente, mas sim no
sujeito que apresenta suas capacidades e limitações, auxiliando-nos,
assim, a compreender o indivíduo como ser social, dentro de uma
psicologia e/ou psicopedagogia que considere o sujeito em constante
processo de estudo e não como um diagnóstico fechado. Nesse sentido,
o indivíduo é visto por ele mesmo, em uma determinada sociedade,
constitutivo e constituído de uma história, o que nos leva a
compreender de forma mais ampla as particularidades desse indivíduo.

Patto, M. H. S. Introdução à psicologia escolar. 3. ed. São Paulo: Casa do


Psicólogo, 1996.

O livro de Maria Helena Souza Patto é clássico para todos os


profissionais que desejam atuar com as dificuldades no processo de
aprendizagem e, ainda mais, para aqueles que pretendem compreender
como se dá a produção do fracasso escolar nas instituições. Apesar da
atual realidade educacional, na qual não se tem mais o psicólogo
dentro das escolas, a obra traz uma reflexão para os futuros
psicopedagogos e educadores sobre como construir uma forma de
trabalho que deixe de lado essa visão mecanicista de só pensar nos
problemas para, em vez disso, verificar as necessidades que cada aluno
possui para participar efetivamente do ambiente escolar.

Filmes
O garoto selvagem. Direção: François Truffaut. Produção: Marcel
Berbert. França: United Artists, 1969. 84 min.

Nesse clássico do drama francês, podemos observar as primeiras


tentativas de trabalho com a educação de um jovem com dificuldades
no processo de aprendizagem. E, mais que isso, o filme complementa a
leitura do livro de Maria Helena Souza Patto, ao mostrar um
profissional que, apesar de todas as suas dúvidas e incertezas, não
desiste de transformar o pequeno Victor por intermédio dos processos
de aprendizagem.

Preciosa. Direção: Lee Daniels. Produção: Lee Daniels, Gary Magness e


Sarah Siegel-Magness. EUA: Lionsgate; PlayArte, 2009. 109 min.

Esse filme nos relata a história de superação de uma jovem (Preciosa)


que, mesmo mediante suas condições (violência e abuso por parte dos
pais – grávida do próprio pai –, aparência física, situação econômica e
escolar desapropriada), consegue, com a ajuda de uma professora que
acredita em suas capacidades, superar todos os infortúnios até então
vividos e construir novos ideais para sua vida.

Atividades de autoavaliação
1. Assinale a alternativa que completa a frase corretamente. A
psicopedagogia teve seu início:
a. em virtude da necessidade de acompanhar os acontecimentos que
envolviam a psicologia e a pedagogia na Europa.
b. pela necessidade de atender aos ideais escolanovistas (da Escola
Nova).
c. devido à necessidade de contribuir com a busca de soluções para
difíceis questões dos problemas de aprendizagem.
d. pela necessidade de acompanhar os avanços da psicopedagogia
argentina.
2. Assinale (V) para verdadeiro ou (F) para falso:
( ) Hoje, a psicopedagogia é apenas a união de dois saberes: a
psicologia e a pedagogia.

( ) Atualmente, a psicopedagogia é apenas a união da psicologia,


principalmente por meio da psicanálise e da pedagogia.

( ) No contexto contemporâneo, a psicopedagogia é apenas a atuação


da pedagogia sobre os problemas de aprendizagem.

( ) Hoje, a psicopedagogia é uma área de conhecimento construída


por dois saberes e duas práticas − a psicologia e a pedagogia −
apoiados por um grande corpo teórico
3. Assinale (V) para verdadeiro ou (F) para falso em relação ao
complemento da seguinte frase:

A chamada pedagogia curativa tinha a intenção de:

( ) tratar de sujeitos de inteligência normal, porém com problemas


escolares.

( ) tratar de sujeitos com altas habilidades e sem nenhum problema


escolar.

( ) tratar de sujeitos com inteligência abaixo da média, com sérios


problemas de aprendizagem.

( ) tratar de sujeitos de inteligência normal e sem problemas de


aprendizagem.

4. Assinale a alternativa que apresenta a transformação que ocorreu após


o 1º. Encontro de Psicopedagogos, em 1984:
a. Transformação do encontro no Grupo Livre de Estudos em
Psicopedagogia.
b. Transformação do Grupo Livre de Estudos em Psicopedagogia na
Associação de Psicopedagogos.
c. Transformação do encontro no Centro de Estudos Médicos e
Psicopedagógicos de Porto Alegre.
d. Transformação do encontro no 1º. Seminário de Estudos em
Psicopedagogia.
5. Indique a resposta correta.

O Projeto de Lei nº 128/2000 deu origem à:

a. Lei nº 3.124/1997, que dispõe sobre a assistência psicológica e


psicopedagógica em todos os estabelecimentos de ensino básico
público, com o objetivo de diagnosticar e prevenir problemas de
aprendizagem.
b. Lei nº 9.394/1996, que dispõe sobre a assistência psicológica e
psicopedagógica em todos os estabelecimentos de ensino básico
público, com o objetivo de diagnosticar e prevenir problemas de
aprendizagem.
c. Lei nº 5.692/1971, que dispõe sobre a assistência psicológica e
psicopedagógica em todos os estabelecimentos de ensino básico
público, com o objetivo de diagnosticar e prevenir problemas de
aprendizagem.
d. Lei nº 10.981/2001, que dispõe sobre a assistência psicológica e
psicopedagógica em todos os estabelecimentos de ensino básico
público do Estado de São Paulo, com o objetivo de diagnosticar e
prevenir problemas de aprendizagem.

Atividades de aprendizagem

Questões para reflexão


1. Qual a principal questão que diferencia a psicopedagogia dos dois
últimos séculos (XIX e XX) da psicopedagogia do século XXI?
2. O Projeto de Lei nº 128/2000, que estabelece a implantação de
assistência psicológica e psicopedagógica em todos os
estabelecimentos públicos de ensino do Estado de São Paulo, foi
transformado em lei, em sessão extraordinária da Assembleia
Legislativa de São Paulo. A assistência abrangerá os níveis de
educação infantil, ensino fundamental e médio. Diante de tal
afirmação, qual ou quais relações podemos estabelecer entre a lei
descrita anteriormente e a opinião dos membros da ABPp?

Atividade aplicada: prática


Siga o roteiro de atividades:

a. Visite uma escola e observe como se dá o trabalho do


psicopedagogo da instituição.
b. Visite um consultório psicopedagógico e observe a rotina de um
psicopedagogo.
c. Faça um quadro-síntese estabelecendo relações entre a prática de
ambos os profissionais em espaços diferenciados.
d. Elabore outro quadro mostrando as diferenças de atuação de tais
psicopedagogos.

1. A presença do ícone 🕮 indica a inclusão do termo em questão no


Glossário, ao final da obra.

2. Utilizaremos por convenção nesta obra o termo criança para representar


a faixa etária de 4 a 12 anos.

3. Jean Itard: Médico francês que se dedicou à reeducação de um “menino


selvagem” durante o século XIX, o pequeno Viktor, ou Selvagem de
Aveyron (Lajonquière, 1992).

4. Maria Montessori: “médica e educadora italiana [que] elaborou uma


pedagogia na qual a essência era o estímulo de todos os sentidos (para qual
serve o material Montessori), a livre escolha do trabalho ou exercício, a
orientação para a atenção concentrada e o procedimento indireto do
professor ou do(a) educador(a)” (Brunner; Zeltner, 2007, p. 188).

5. Sara Pain: Filósofa argentina que acredita que aprendizagem é um


processo inscrito na dinâmica da transmissão da cultura através das funções
mantenedora, socializadora, repressora e transformadora da educação
(Fontes, 2006).
6. Alicia Fernández: Psicopedagoga argentina. Pautada nas ideias de Sara
Pain, compreende que a aprendizagem, além de ser um processo, consiste
em uma função que não se restringe à aprendizagem escolar, mas também à
construção de um sujeito que vai chegar a ser sujeito exatamente através da
aprendizagem (Fontes, 2006).

7. Jean Piaget: Biólogo e epistemólogo francês; estudou a evolução do


pensamento em indivíduos até o estágio da adolescência destes, procurando
entender os mecanismos mentais que o indivíduo utiliza para captar o
mundo, ou seja, investigou o processo de construção do conhecimento –
epistemologia genética (Psicopedagogia Brasil, 2004).

8. Sigmund Freud: Médico neurologista judeu-austríaco, fundador da


psicanálise. O ponto de partida da psicanálise é constituído pelas
observações sobre o sintoma de doenças (sobretudo da histeria) cujas
causas tinham conexão com elementos psíquicos (teoria própria de
personalidade e de motivação) (Brunner; Zeltner, 2007).

9. Enrique Pichón Rivière: Durante seus estudos na medicina, articula a


concepção psicossomática. Posteriormente, ao atuar na psiquiatria, inclui
todos os desafios da psiquiatria dinâmica e da psicanálise, incentivando
seus colegas a trabalharem com a loucura e a psicose. Progressivamente,
Pichón Rivière deixa a concepção da psicanálise ortodoxa e concentra-se
nos grupos da sociedade, desenvolvendo um novo enfoque epistemológico
que o levará à psicologia social (Psicopedagogia Brasil, 2004).

10. Arthur Ramos: Médico e antropólogo. Destaca-se por suas obras


envolvendo a etnografia afro-brasileira, principalmente na área de cultos
religiosos. Fundou a Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnografia no
Rio de Janeiro (Algosobre, 2010).

11. Dr. Julio Bernaldo de Quirós: Famoso foniatra e neurologista argentino


que se ocupou das questões relacionadas à linguagem e à aprendizagem.
Suas constantes vindas a Porto Alegre e as oportunidades de estágio e
cursos oferecidas a diversos especialistas gaúchos em sua clínica se
constituíram como marco inicial de estudos nessas áreas (Bossa, 2000).
12. “Os anos 1980, na educação brasileira, foram marcados pelo aumento
do número de vagas nas escolas, no entanto, a qualidade de ensino
oferecida por essas escolas não foi o mesmo. A evasão e a repetência
aumentaram nessa época, sendo o Brasil colocado como 106º. em evasão
escolar no [antigo] primeiro grau. Dessas crianças que repetiam ou
evadiam, a maior parte estudava em escolas públicas das redes estadual e
municipal da educação, coincidindo com as camadas mais pobres da
população” (Souza, citado por Fontes, 2006, p. 78).

13. O Projeto de Lei nº 3.124/1997 pode ser lido na íntegra no seguinte site:
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/174582.pdf>.

14. Para visualizar na íntegra a Lei Estadual (SP) nº 10.891/2001, acesse o


site: <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/165557/lei-10891-01-sao-
paulo-sp>.
Capítulo 2

Avaliação psicopedagógica: o
processo de investigação clínica

“Ao considerar […] cada sujeito e seu caso específico, seja no espaço da clínica ou da instituição
[...], o trabalho assume a configuração clínica.”

Nadia A. Bossa (2000, p. 85)

Neste capítulo estudaremos alguns conceitos básicos sobre a avaliação


psicopedagógica clínica à luz da epistemologia convergente de Jorge Visca.
Esse autor colaborou de maneira bastante significativa para o avanço da
psicopedagogia clínica no Brasil trazendo uma visão sistêmica e integradora
entre a psicanálise de Sigmund Freud, a epistemologia genética de Jean
Piaget e a psicologia social de Enrique Pichon Rivière, influenciando
decisivamente a história da psicopedagogia clínica no Brasil.

A avaliação psicopedagógica clínica é um processo complexo de


investigação sobre a aprendizagem de uma pessoa ou um grupo. Esse
processo investigativo envolve não só o psicopedagogo e a criança, mas
vários atores (professores, familiares, colegas etc.), pois, nesse caso,
estamos tratando da aprendizagem informal, como também da
aprendizagem formal, ou seja, aquela que se dá na escola. Assim, devemos
investigar o processo de ensino-aprendizagem em todas as instâncias com
base nas relações socioculturais estabelecidas pelo indivíduo, desde o início
de seu desenvolvimento até o estágio em que se encontra. Conforme Bossa
(2000, p. 85):

O trabalho psicopedagógico [...] implica compreender a situação de


aprendizagem do sujeito, individualmente ou em grupo, dentro do seu
próprio contexto. Tal compreensão requer uma modalidade particular
de atuação para a situação em estudo, o que significa que não há
procedimentos predeterminados. Defino esta característica como
configuração clínica da prática psicopedagógica. A metodologia do
trabalho, ou seja, a abordagem e tratamento, enfim a forma de atuação
se vai tecendo em cada caso, na medida em que a problemática
aparece. Cada situação é única e requer do profissional atitudes
específicas em relação àquela situação.

Dessa forma, o processo de avaliação psicopedagógica deve ser


embasado em um referencial teórico-prático que fundamente passo a passo
o trabalho do psicopedagogo, pois sabemos que avaliar um sujeito é algo
complexo e delicado, já que cada ser humano é único.

Há muitas formas de avaliação na clínica psicopedagógica: por meio de


desenhos, da fala do sujeito, da fala dos pais, do relato dos professores,
pelas produções escolares do indivíduo, pela história de vida analisada por
meio de testes diversificados, por meio de atividades lúdicas etc. Por isso, é
importante ressaltarmos que qualquer avaliação psicopedagógica de um
indivíduo ou de um grupo dependerá sempre dos aportes teóricos que
fundamentam a investigação. Contudo, a linha de trabalho do
psicopedagogo pode variar de acordo com sua formação acadêmica e seu
percurso profissional; ainda assim, independentemente do caminho a ser
trilhado, os resultados devem ser sempre semelhantes ao final da avaliação.

Nessa perspectiva, um dos maiores desafios para nós, profissionais da


psicopedagogia no contexto atual, é o de fazer da diversidade de teorias e
crenças uma unidade complexa que as agregue, aproveitando o que há de
mais significativo em cada uma delas para o caso em questão, convergindo
para um ponto comum ao final da avaliação.

Em nossas experiências, tanto clínicas quanto institucionais, deparamo-


nos com essa diversidade de formas de realizar a avaliação psicopedagógica
e optamos por seguir um modelo teórico. Contudo, é importante
salientarmos que tal modelo não é fechado, permitindo ao psicopedagogo
complementar ou mesmo excluir alguma das etapas quando julgar
pertinente. A seguir, apresentamos essa linha de trabalho inspirada no
trabalho do psicopedagogo Jorge Visca.
2.1 Epistemologia convergente: a
fundamentação teórica de Jorge Visca
Fomos buscar na epistemologia convergente de Jorge Visca a
fundamentação teórica para alicerçar nosso trabalho investigativo, por se
tratar de uma perspectiva vinculadora e abrangente. Como aporte ao
entendimento do conteúdo, apresentamos um breve histórico do
psicopedagogo argentino:

Jorge Pedro Luiz Visca

Marcelo Lopes

Nasceu em Baradero, província de Buenos Aires, em 14 de maio de


1935. Cursou o bacharelado no Colegio Nacional de San Pedro,
Província de Buenos Aires, e o magistério na Escuela Normal de
Profesores Mariano Acosta da Capital Federal. Graduou-se em
Ciências da Educação em 1966, na Facultad de Filosofia y Letras da
Universidad Nacional de Buenos Aires. Foi psicólogo social, formado
na Escuela Privada de Enrique Pichon Rivière, em 1971.
Fundou os Centros de Estudos Psicopedagógicos de Buenos Aires, de
Misiones, do Rio de Janeiro, de Curitiba, de São Paulo e de Salvador.

Realizou numerosas publicações em seu país e no estrangeiro e


participou de congressos internacionais representando a Argentina. Foi
membro de jurados para eleição de docentes nas Universidades de
Buenos Aires, Lomas de Zamora e Comahue.

Foi membro do corpo editor de Aprendizaje Hoy (Argentina) e


publicações especializadas do Brasil: Revista Brasileira de Pesquisa
em Psicologia, Revista Psicologia – USP e Revista Grupal da
Federação Latinoamericana de Psicoterapia Analítica de Grupo.

Trabalhou como consultor e assessor na formação de profissionais em


diversos Centros de Estudos Psicopedagógicos, em universidades no
Brasil e na Argentina.

Publicou seu primeiro livro − Clínica psicopedagógica − em 1985,


traduzido para o português em 1987.

Criador da Epistemologia Convergente, linha que propõe um trabalho


clínico utilizando-se da integração de três linhas da Psicologia: Escola
de Genebra (Psicogenética de Piaget), Escola Psicanalítica (Freud) e
Psicologia Social (Enrique Pichon Rivière).

Ele esteve em Vitória (ES), na clínica de Maria de Fátima Aleixo [...].

Faleceu em 2000.

Fonte: Pinel; Colodete, [20--], grifo nosso.

A epistemologia convergente de Visca é uma teoria elaborada


exclusivamente para o desenvolvimento do trabalho psicopedagógico
clínico e reúne importantes correntes teóricas e práticas. Uma dessas
correntes é a psicanálise 🕮 , com os estudos de Sigmund Freud e outros.
Com base em Freud e na psicanálise, surge um novo olhar sobre o
desenvolvimento e a aprendizagem humanos. Antes, a educação era
modeladora, ou seja, seu objetivo era apenas treinar e transmitir valores,
sem levar em conta o desejo do aluno. Com Freud, inverte-se essa ideia e
surge uma nova prática educativa, não repressiva e respeitadora do desejo
do aluno. Com base nessa prática, aparecem novas ideias e necessidades
educativas e passa-se a considerar o “aprender pela satisfação”, e não o
“aprender pela coerção”, como parâmetro para o processo de ensino-
aprendizagem mais prazeroso e consequentemente mais significativo. Essa
linha de pensamento aponta que caso haja dois sujeitos com igual nível
cognitivo (intelectual) e diferentes investimentos afetivos em relação a um
objeto, tais sujeitos aprenderão de forma diferente. Para a psicanálise,
portanto, a dimensão afetiva tem uma influência decisiva na aprendizagem
e no desenvolvimento humanos.

Outra linha de pensamento que dá base à epistemologia convergente é a


epistemologia genética de Jean Piaget, a qual

tem como foco principal o sujeito epistêmico, ou seja, o sujeito que


constrói conhecimentos. Ao refletir sobre esse processo no decorrer do
desenvolvimento humano, Piaget parte da relação entre o sujeito e o
objeto (meio físico e social), postulando que estes estabelecem
contínuas relações entre si, em que um constitui o outro mutuamente
[...]. Na epistemologia genética, Piaget aborda o processo de
construção do conhecimento pelo sujeito, do nascimento até a idade
adulta [...], seu enfoque principal é no desenvolvimento infantil.
(Nogueira, 2009, p. 40)

Em suas pesquisas, Piaget observou que crianças com faixas etárias


semelhantes cometiam os mesmos erros. Tais observações, somadas à
formação acadêmica do epistemólogo francês, impulsionaram-no para o
desenvolvimento da epistemologia genética, que tinha como foco principal
o sujeito epistêmico, o indivíduo no seu processo de construção de
conhecimento.

Para Piaget, a adaptação do homem ao meio se dá mediante constantes


processos de equilibração. Diante de uma situação-problema, instala-se
uma situação de desequilíbrio (ou desadaptação), que vai mobilizar uma
necessidade, uma ação. Diante dessa situação, entram em ação dois
mecanismos funcionais que contribuirão para que as estruturas se
desenvolvam: a assimilação e a acomodação.

A assimilação é definida por Piaget, citado por Costa (2003, p. 13),


como “uma estruturação por incorporação da realidade exterior a formas
devidas à atividade do sujeito”. Em outras palavras, a assimilação é um dos
aspectos da atividade cognitiva que envolvem a incorporação de novos
objetos e novas experiências a uma estrutura mental ou a um esquema
sensório-motor.

Já a acomodação, para Piaget, citado por Costa (2003, p. 13), “é a


combinação de esquemas ou modificação de esquemas para resolver
problemas que venham de experiências novas dentro do ambiente”, ou seja,
é um dos aspectos da atividade cognitiva que envolvem a modificação das
estruturas mentais ou dos esquemas sensório-motores, para corresponder
aos objetos da realidade.

Assim, por meio da acomodação, o sujeito é capaz de solucionar o


problema, retomando o equilíbrio perdido, reequilibrando-se. Esse novo
equilíbrio é maior e superior ao anterior, decorrendo daí o que Piaget
denominou de equilibração majorante.

A adaptação resulta do equilíbrio sempre precário entre a assimilação e


a acomodação, dois mecanismos que não se separam, uma vez que um não
ocorre sem o outro. Essa separação cumpre apenas fins didáticos. A atuação
recíproca desses dois mecanismos promove a modificação e/ou criação de
esquemas motores ou mentais (operações) que permitirão uma melhor
condição para o sujeito interagir com o mundo.

Para Piaget, o desenvolvimento da inteligência se estrutura em quatro


períodos de pensamento (sensório-motor, pré-operatório, operacional
concreto e operacional formal). Cada um deles é marcado por avanços
intelectuais que acompanharão a criança por todo o seu longo processo de
desenvolvimento até a juventude.

Esses períodos foram pensados por Piaget para idades mais ou menos
aproximadas, ou seja, nem sempre irão corresponder à idade cronológica da
criança avaliada. Dentro de cada um dos quatro períodos e entre todos os
sujeitos, os ritmos de desenvolvimento variam consideravelmente.
Evidentemente, todas as crianças passarão por esses períodos e irão deixá-
los mais cedo ou mais tarde, dependendo das condições de desenvolvimento
biológico de cada uma delas, bem como do desenvolvimento no meio
sociocultural e familiar em que vivem. As experiências com outras crianças,
com adultos, professores, irmãos etc. e a manipulação de objetos variados
como brinquedos, jogos, blocos e principalmente o contato com o meio
escolar e familiar, com sua variedade de interações e vivências no dia a dia,
são bases fundamentais para o desenvolvimento intelectual, racional, moral
e linguístico, apontando assim a interação social como condição necessária
para a evolução mental da criança.

Piaget identificou características específicas em cada estágio do


desenvolvimento, que são utilizados durante todo o processo de avaliação
psicopedagógica clínica, com base no “método clínico 🕮 ” do
epistemólogo francês, adotado por Visca.

A seguir, apresentamos as características principais de cada estágio do


desenvolvimento infantil, as quais são cruciais como parâmetro para a
avaliação psicopedagógica como base para a análise das provas do
diagnóstico operatório (o qual estudaremos no próximo capítulo).

1. Estágio sensório-motor (zero a ± 2 anos)

Esse período se inicia com o nascimento. No início da vida mental do


recém-nascido, podemos verificar apenas reflexos sensório-motores
hereditários e instintivos que têm a função de satisfazer o impulso básico de
nutrição. Em seguida, os reflexos de sucção vão se aperfeiçoando e se
tornando mais complexos “por integração nos hábitos e percepções
organizados, constituindo o ponto de partida de novas condutas, adquiridas
com ajuda da experiência” (Piaget, 2004, p. 18).

Apesar de parecer uma fase sem muita importância para o


desenvolvimento da criança, esse estágio é marcado por extraordinárias
transformações mentais; por conseguinte, o progresso da inteligência corre
a passos largos nesse período. Na verdade, pode não parecer, mas essa fase
é crucial e decisiva para “o curso da evolução psíquica: representa a
conquista, através da percepção e dos movimentos, de todo o universo
prático que cerca a criança” (Piaget, 2004, p. 17).

No início dessa fase, o bebê traz tudo para si, começando a pegar e a
manipular tudo o que vê, ou seja, seus movimentos são sempre no sentido
de trazer os objetos em direção ao seu corpo, para explorá-los ou,
simplesmente e com muita frequência, levá-los à boca, em uma assimilação
sensório-motora. Ao longo dos meses, mais próximo dos 2 anos de idade,
quando iniciam-se a linguagem e o pensamento, ela vai se apropriando
pouco a pouco do mundo exterior (físico e social) que a cerca.

A inteligência aparece, com efeito, bem antes da linguagem, isto é, bem


antes do pensamento interior que supõe emprego de signos verbais (da
linguagem interiorizada). Mas é a inteligência totalmente prática, que
se refere à manipulação dos objetos e que só utiliza, em lugar de
palavras e conceitos, percepções e movimentos, organizados em
“esquemas de ação”. Pegar uma vareta, para puxar um objeto distante,
é assim um ato de inteligência [...]. (Piaget, 2004, p. 18, grifo nosso)

É nesse estágio que a criança construirá as noções centrais de espaço:


“no começo há tantos espaços, não coordenados entre si, quanto domínios
sensoriais (espaço bucal, visual, tátil etc.)”; porém, “no fim do segundo ano,
ao contrário, está concluído um espaço geral que compreende todos os
outros, caracterizando as relações dos objetos entre si e os contendo na sua
totalidade, inclusive o próprio corpo” (Piaget, 2004, p. 21).

Outras noções constituídas no estágio sensório-motor são as de


causalidade e temporalidade, assim como a evolução da afetividade que está
sempre atrelada à evolução da inteligência “são indissociáveis e constituem
os dois aspectos complementares de toda conduta humana” (Piaget, 2004, p.
22). É nesse período, vale lembrarmos, que a criança se encontra “presa” ao
aqui e ao agora pela ausência de representação simbólica, ou seja, a
possibilidade de representar o que não está presente, construção que será
feita no estágio seguinte.

2. Estágio pré-operatório (± 2 aos ± 7 anos)


Nessa etapa do desenvolvimento da criança, as mudanças de conduta são
profundas, tanto as intelectuais quanto as afetivas. Por meio da linguagem,
que é a grande conquista desse estágio, a criança se torna capaz de retomar
o passado e “antecipar o futuro”, ou seja, ela é capaz de “reconstituir suas
ações passadas sob a forma de narrativas, de antecipar suas ações futuras
pela representação verbal” (Piaget, 2004, p. 24).

Daí resultam três consequências essenciais para o desenvolvimento


mental: uma possível troca entre os indivíduos, ou seja, o início da
socialização da ação; uma interiorização da palavra, isto é, a aparição
do pensamento propriamente dito, que tem como base a linguagem
interior e o sistema de signos, e, finalmente, uma interiorização da ação
como tal, que puramente perceptiva e motora que era até então, pode
daí em diante se reconstituir no plano intuitivo das imagens e das
“experiências mentais”. (Piaget, 2004, p. 24)

Dessa forma, a criança passa nessa etapa a socializar suas ações por
meio da linguagem, que se torna “um veículo de conceitos e noções que
pertence a todos e reforça o pensamento individual com um vasto sistema
de pensamento coletivo. Neste a criança mergulha logo que maneja a
palavra” (Piaget, 2004, p. 28).

A linguagem possibilitará a troca e a comunicação entre a criança e o


seu meio sociocultural, pois permitirá a ela representar o que está ausente e
se comunicar com o ambiente social, expondo seu mundo interior e
constituindo-o concomitantemente. Isso irá se dar a partir das relações de
subordinação da criança com os adultos (estes se tornam modelos a serem
copiados, por serem considerados grandes e fortes), nas trocas e
intercomunicações existentes entre crianças e adultos e entre crianças e
crianças e seus solilóquios (as falas da criança nessa fase, na verdade, são
consigo mesmas, pois não conseguem ainda argumentar com o outro,
apenas apresentando seu ponto de vista num monólogo que vai diminuindo
progressivamente dos 4 anos em diante). Por conseguinte, nessa etapa de
pensamento, a criança permanece centrada em si mesma, ou seja, em um
pensamento egocêntrico. A criança pré-operatória “tem uma visão da
realidade que parte do seu próprio eu, dessa forma, atribui às pessoas e ao
mundo um sentido próprio de seus pensamentos e sentimentos” (Rappaport;
Davis, 1981, p. 68).

Essa também é a fase dos “porquês”, na qual a criança reafirma o


caráter egocêntrico do seu pensamento, já que, nessa etapa, o ser humano é
o centro de tudo. “Em outras palavras, não há acaso na natureza, porque
tudo é ‘feito para’ os homens e crianças, segundo um plano sábio e
estabelecido, no qual o ser humano é o centro” (Piaget, 2004, p. 30). Por
isso, o pensamento egocêntrico desse período dificulta em muito a
resolução dos problemas que a criança enfrenta cotidianamente, pois a
percepção que ela tem sobre o mundo se baseia exclusivamente em seu
ponto de vista.

Uma grande conquista desse período é a construção do que Piaget


denominou de função simbólica, que envolve não só a linguagem, mas
outros três aspectos: o desenho, o jogo simbólico e a imitação. “Entre duas
crianças, aparece uma forma de jogo, muito característica da primeira
infância e que sofre intervenção do pensamento, mas um pensamento
individual quase puro com um minimum de elementos coletivos: é o jogo
simbólico ou jogo de imaginação e imitação” (Piaget, 2004, p. 28).

De acordo com Rappaport e Davis (1981, p. 68):

isto será conseguido tanto a partir do uso de um objeto como se fosse


outro (quando, por exemplo, uma caixa de fósforos pode se transformar
num carrinho para brincar), de uma situação por outra (na brincadeira
de casinha a criança estará representando situações da vida diária) ou
ainda de um objeto, pessoa ou situação por uma palavra.

Existe uma inteligência prática que consiste, em síntese, na afirmação


de que “a criança é muito mais adiantada nas ações do que nas palavras”
(Piaget, 2004, p. 33) entre os 2 e 7 anos de idade. Essa inteligência prática
desempenha um importante papel nessa fase. Essa inteligência, de um lado,
prolonga a inteligência sensório-motora do período anterior (pré-verbal) e,
por outro, prepara para as noções técnicas que irão se desenvolver até a vida
adulta.
No estágio pré-operatório, as crianças usam a intuição, e não a razão,
para a resolução dos problemas, “imitando” a realidade sem fazer uso da
lógica e sendo incapazes de reversibilidade de pensamento.

3. Estágio operacional concreto (± 7 aos 11/12 anos)

Esse período das operações concretas marca uma fase decisiva de avanços
mentais para a criança, pois se inicia uma fase ininterrupta de novas
construções. Surgem novas formas de organização da vida psíquica,
cognitiva e afetiva, das relações individuais e das inter-relações. A criança
passa a ser capaz de estabelecer relações entre as transformações dos
estados e das coisas, de forma que as ações podem ser executadas
mentalmente em um determinado momento, independentemente da
manipulação dos objetos.

Há um aumento da capacidade de concentração quando a criança


trabalha sozinha; por outro lado, verifica-se também o aumento da
capacidade de trabalhar em grupo quando as crianças necessitam realizar
uma tarefa coletivamente, como no caso dos jogos com regras. Nas palavras
de Piaget (2004, p. 41):

Do ponto de vista das relações interindividuais, a criança depois dos


sete anos torna-se capaz de cooperar, porque não confunde mais seu
próprio ponto de vista com o dos outros, dissociando-os mesmo para
coordená-los. Isto é visível na linguagem entre as crianças. As
discussões tornam-se possíveis, porque comportam compreensão a
respeito dos pontos de vista do adversário e procura justificações ou
provas para a afirmação própria. As explicações mútuas entre as
crianças se desenvolvem no plano do pensamento e não somente no da
ação material. A linguagem “egocêntrica” desaparece quase totalmente
e os propósitos espontâneos da criança testemunham, pela própria
estrutura gramatical, a necessidade de conexão entre as ideias e de
justificação lógica. (Piaget, 2004, p. 41)

Assim, a tendência lúdica predominante no estágio anterior é substituída


por uma atitude crítica e pela necessidade de explicar logicamente suas
ideias e ações. Dessa forma, a criança desenvolve o pensamento lógico
sobre coisas concretas, como também desenvolve a compreensão das
relações entre as coisas e a capacidade para classificar objetos, superando o
egocentrismo da linguagem.

A criança terá um conhecimento real, correto e adequado de objetos e


situações da realidade externa (esquemas conceituais), e poderá
trabalhar com eles de modo lógico. Assim, a tendência lúdica do
pensamento, típica da idade anterior, quando o real e o fantástico se
misturavam nas explicações fornecidas pela criança, será substituída
por uma atitude crítica. (Rappaport; Davis, 1981, p. 72)

Nesse período surgem as noções de permanência de substância, peso e


volume. Além de elaborar as noções de tempo, velocidade e espaço, bem
como as noções de causalidade, a criança adquire também as noções de
conservação (três elementos continuam sendo três, independentemente de
modificações em sua disposição), “como esquemas gerais de pensamento, e
não mais, simplesmente, como esquemas de ação ou intuição” (Piaget,
2004, p. 47), que diferenciam profundamente o pensamento do estágio
anterior desse estágio atual.

Dessa forma, a realidade deixa de ser pensada com base na percepção e


passa a ser regida pela razão. Isso significa que a criança se dá conta, agora
no pensamento, daquilo que já dominava no nível da ação. Essas ações,
interiorizadas, são feitas no plano mental e são denominadas agora de
operações racionais. No entanto, nesse período, essas operações se apoiam
ainda sobre objetos ou situações que existem concretamente na realidade.

Com essa nova qualidade de pensamento, o sujeito passa a ser capaz de


seriações qualitativas. A criança consegue, por exemplo, construir uma
série crescente de bastões sobre uma mesa, comparando um com o outro,
por meio de um método operatório, sem erros. Em vista disso, a criança é
capaz de supor a operação inversa, ou seja, de reversibilidade operatória
(aquilo que se faz no pensamento pode vir a ser desfeito) ou, ainda, de
intercalar novos elementos depois de ter finalizado a seriação. Nesse
sistema de operações lógicas essenciais, a criança adquire noções gerais
(iniciais) de classificação (noções gerais de “classes” ou simples coleções
de objetos – encaixe das partes em um todo ou, ao contrário, o destaque das
partes em relação ao todo − já que as classes propriamente lógicas só serão
verificadas no estágio lógico-formal).
4. Estágio operacional formal (± 12 anos em diante)

Piaget (2004 , p. 57) coloca que

As reflexões precedentes poderiam levar a crer que o desenvolvimento


mental termina por volta de doze anos, e que a adolescência é
simplesmente uma crise passageira, devido à puberdade, que separa a
infância da idade adulta. Evidentemente, a maturação do instinto
sexual é marcada por desequilíbrios momentâneos, que dão um
colorido efetivo muito característico a todo este último período da
evolução psíquica.

Contudo, ao contrário do que se pode pensar, ao iniciar o período lógico-


formal, marcado pelo início da adolescência, um novo salto de qualidade se
faz presente no desenvolvimento cognitivo. Nesse período, surgem
operações diferentes de todas as outras. Trata-se da capacidade de pensar
abstratamente sobre alguma teoria, sentimento ou conceito e de resolver
problemas matemáticos sem necessariamente utilizar materiais concretos ou
instrumentos, tais como a escrita.

Essa maneira de pensar é também denominada de pensamento


hipotético-dedutivo, pois o sujeito consegue abstrair soluções lógicas e
conclusões hipotéticas para os problemas. Ele agora não pensa apenas sobre
o mundo real, mas sobre o possível. Dessa forma, depois dos 11 ou 12 anos,
o pensamento abstrato se torna possível, “isto é, as operações lógicas
começam a ser transpostas do plano da manipulação concreta para o das
ideias, expressas em linguagem qualquer (a linguagem ou dos símbolos
matemáticos etc.), mas sem o apoio da percepção, da experiência, nem
mesmo da crença” (Piaget, 2004, p. 59).

Além disso, surge o interesse pelas causas sociais, como também a


capacidade de teorização e experimentação e ainda a possibilidade de
conhecer e compreender doutrinas filosóficas e teorias científicas.

A terceira linha teórica que fundamenta a metodologia da epistemologia


convergente é a psicologia social de Enrique Pichon Rivière. Em sua teoria,
o autor defende o pressuposto de que ainda que ocorresse uma absoluta
paridade do cognitivo e do afetivo em dois sujeitos de meios socioculturais
diferentes, também suas aprendizagens em relação a um mesmo objetivo
seriam distintas, dadas as diversas influências de cada um dos meios
socioculturais. Ou seja, cada um de nós é singular e aprende de maneiras
diferentes de acordo com as experiências vividas em um determinado grupo
social no qual estamos inseridos. Assim, “cada um de nós tende a aprender
de múltiplas e diferentes maneiras, construindo ativamente os
conhecimentos nas interações com os outros ao longo de toda a vida”
(Nogueira, 2009, p. 18).

Segundo Visca (1991), a epistemologia convergente é uma visão que


vem a superar as visões inatistas 🕮 e ambientalistas 🕮 , caracterizando-se
como uma perspectiva integradora do conhecimento que permite analisar as
dificuldades de aprendizagem como decorrentes de múltiplas causas, cada
uma delas estudada e aprofundada por uma determinada vertente.

Com base na interação entre a psicanálise de Freud, a epistemologia


genética de Piaget e a psicologia social de Enrique Pichon Rivière, Visca
desenvolveu todo um aparato teórico e prático ao qual denominou de
epistemologia convergente. Essa metodologia de trabalho apresenta
diversos instrumentos e recursos para o desenvolvimento da avaliação
psicopedagógica clínica. Entre os instrumentos concretos, encontram-se,
entre outros, a entrevista operativa centrada na aprendizagem (Eoca), as
técnicas projetivas psicopedagógicas, as provas operatórias piagetianas, a
anamnese, a caixa de trabalho e os recursos diagnósticos e terapêuticos,
individuais e grupais (instrumentos que serão melhor explicados no capítulo
3).

2.2 Epistemologia convergente: uma teoria


sociointeracionista
Visca (1987) leva em conta, durante o tratamento, quatro conceitos básicos
que permitem a flexibilidade operativa da avaliação psicopedagógica
clínica. São termos do vocabulário militar que Pichon Rivière utiliza na
psicologia social:
Logística: Postura de levar em conta os déficits e as capacidades do
indivíduo ou grupo que está sendo avaliado em função das aptidões do
psicopedagogo.
Estratégia: Arte de dirigir as operações durante as sessões de
avaliação − requer que se tenha à disposição categorias conceituais que
possam ser utilizadas no momento indicado (tais como o tempo, o
lugar, a frequência das sessões, a duração, a caixa de trabalho etc.).
Tática: Atitude de pôr em prática o plano traçado para cada caso em
particular durante a avaliação (nível mais concreto).
Técnica: Estilo particular com que cada um de nós opera, ou seja,
como cada um de nós desenvolverá o trabalho de avaliação.

Essa base dá ao psicopedagogo, respectivamente, a capacidade de


analisar e compreender as capacidades e incapacidades individuais ou
grupais, utilizar as categorias conceituais no momento adequado, traçar e
pôr em prática um plano de ação que se encontra ligado ao estilo único de
cada um.

Com base na integração entre essas diferentes concepções teóricas, a


epistemologia convergente concentra seu interesse nas sucessivas etapas de
aprendizagem, sendo um modelo evolutivo que integra e articula as relações
entre os aspectos cognitivos, afetivos e sócio-histórico-culturais no
desenvolvimento do indivíduo. Por isso, podemos classificar a
epistemologia convergente como uma teoria sociointeracionista 🕮 , pois há
sempre “uma interdependência entre o sujeito e seu meio sociocultural”
(Nogueira, 2009, p. 39). Nogueira afirma que:

A aprendizagem é um processo contínuo e dinâmico que ocorre durante


toda a vida do ser humano e é por meio dela que o indivíduo se
apropria de algo novo, apreende um novo conhecimento, de modo que
esse conhecimento passa a fazer parte dele.

Esse processo é resultado da interação entre o indivíduo e o meio


sociocultural em que ele vive, ou seja, para que o ser humano aprenda,
é necessário que ele interaja com os outros seres humanos. A partir
dessas interações, ao longo do desenvolvimento da espécie humana, o
homem foi se apropriando de conhecimentos, habilidades, estratégias,
valores, crenças e aptidões. (2009, p. 17, grifo do original)

Em virtude desse conceito, compreendemos a aprendizagem como um


processo complexo, amplo e dinâmico. Essa complexidade do fenômeno de
aprendizagem humana leva Visca (1987) a concebê-lo sob quatro diferentes
níveis, denominados por ele de esquema evolutivo da aprendizagem,
estendendo-se do nascimento até a morte do indivíduo:

Protoaprendizagem ou 1º. nível de aprendizagem: É a


aprendizagem das primeiras relações vinculares, interação entre a
criança e a mãe.
Deuteroaprendizagem ou 2º. nível de aprendizagem: Apreensão da
cosmovisão do grupo familiar.
Aprendizagem assistemática ou 3º. nível de aprendizagem:
Aquisição instrumental das técnicas e dos recursos que permitem o
desempenho do sujeito em uma comunidade restrita.
Aprendizagem sistemática ou 4º. nível de aprendizagem: Dá-se na
interação com reativos particulares selecionados, ou seja, as
instituições escolares, que a sociedade veicula por meio de instituições
de educação infantil, ensino fundamental, médio e superior.

O vínculo inadequado do indivíduo ao objeto em qualquer uma dessas


etapas de sua vida afetará seu desenvolvimento de forma parcial ou total, o
que produzirá parada em uma etapa ou o não desenvolvimento da
aprendizagem da criança (déficit ou obstáculos à aprendizagem).

Esse déficit pode ser organizado didaticamente em quatro tipos de


obstáculos à aprendizagem, segundo Visca (1987):

Epistemológico: Conceito de Bachelard, retomado por Pichon Rivière,


que consiste na resistência em aceitar todo conhecimento que se
encontre em contradição com a concepção do mundo e da vida.
Epistemofílico: Conceito de origem psicanalítica, também utilizado
por Pichon Rivière, que consiste na dificuldade em aceitar todo
conhecimento novo por medo da indiscriminação, do ataque ou da
perda, ou seja, são “as causas emocionais” (Visca, 2008, p. 19) que
podem gerar dificuldades de aprendizagem.
Epistêmico: Conceito derivado da teoria piagetiana, de acordo com o
qual cada sujeito epistêmico possui uma determinada estrutura
cognitiva que delimita o nível de conhecimento que este pode adquirir
em função das operações de que dispõe.
Funcional: Os obstáculos funcionais são as formas como o
pensamento do sujeito se dá, que, segundo Visca (1987), sofrem uma
evolução que permite ao examinador das dificuldades de
aprendizagem utilizá-las como hipótese auxiliar sempre que precise se
valer de recursos diagnósticos que não possuam na sua organização os
princípios construtivistas, estruturalistas e interacionistas 🕮 , os quais
fundamentam essa visão.

Para Visca (2008, p. 19), “tanto o obstáculo epistêmico como o


funcional produzido por diferenças funcionais só podem ser estudados
mediante a utilização das provas piagetianas”. Por tal motivo, as provas
operatórias piagetianas têm um peso enorme para o diagnóstico clínico e
para o fazer psicopedagógico como um todo, já que elas fundamentam toda
a avaliação das crianças, dos adolescentes e dos grupos, estabelecendo
“regularidades entre níveis cognitivos e aprendizagem e diferenças
funcionais e aprendizagem” (Visca, 2008, p. 20), sendo, dessa forma, de
fundamental importância para o desenvolvimento do trabalho
psicopedagógico clínico.

Síntese
Os conceitos teóricos abordados neste capítulo fundamentam o processo de
avaliação psicopedagógica clínica na linha de investigação do
psicopedagogo Jorge Visca, criador da epistemologia convergente. Essa
linha investigativa agrega a psicanálise de Freud, a epistemologia genética
de Piaget e a psicologia social de Enrique Pichon Rivière. Graças à
psicanálise, o desejo do aluno começa a ser visto como algo significativo
para a aprendizagem, ou seja, as questões afetivas ganham destaque na
educação e passam a influenciá-la decisivamente. Com sua epistemologia
genética, Piaget elabora uma teoria com ênfase na ação do sujeito sobre o
mundo. Esse biólogo estudou o processo de construção de conhecimento
pelo sujeito, do nascimento à idade adulta. De acordo com essa teoria, o
desenvolvimento da inteligência e do raciocínio-lógico está organizado em
quatro estruturas de pensamento: estágio sensório-motor (de zero a ± 2
anos), estágio pré-operatório (± 2 aos 7 anos), estágio operacional concreto
(± dos 7 aos 11, 12 anos) e estágio operacional formal (± dos 12 em diante).
A psicologia social de Pichon Rivière, por sua vez, defende a ideia de que,
em meios socioculturais diferentes, as aprendizagens das pessoas também
serão diferentes, pois para esse autor as inter-relações com o meio e a
cultura transformam as experiências dos sujeitos singulares.

Indicações culturais

Documentário
Jean Piaget. Direção: Régis Horta. Brasil: Paulus, 2006. 57 min. (Coleção
Grandes Educadores).

Documentário apresentado pelo professor Yves de La Taille, da


Universidade de São Paulo, que discute, de forma bastante clara e
didática, os principais conceitos da teoria de Piaget e de sua obra.

Livro
Visca, J. Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1987.

Esse livro apresenta a psicopedagogia com base no olhar da


epistemologia convergente de Jorge Visca e nos fundamentos teórico-
técnicos que norteiam essa corrente de pensamento. Assim, os conceitos
abordados nessa obra consideram tanto a compreensão da
psicopedagogia clínica em seu diagnóstico quanto o tratamento do
problema, trazendo passo a passo a fundamentação de cinco unidades
temáticas: enquadramento, contrato, diagnóstico, gnosiologia e
processo corretor.

Artigo
Rego, T. C.; Aquino, J. G. (Org.). Freud pensa a educação. Revista
Educação, São Paulo, 2006. (Coleção Biblioteca do Professor, n. 1).

Esta revista aborda as principais questões da vida e da obra de Freud e


suas relações com a teoria educacional de diversos especialistas
renomados, trazendo para o leitor textos didáticos de fácil compreensão
para a iniciação nos estudos da teoria freudiana.

Atividades de autoavaliação
1. Assinale (V) para as afirmações verdadeiras e (F) para as falsas em
relação à seguinte afirmação: A epistemologia convergente de Visca é
uma teoria que:

( ) foi elaborada exclusivamente para o desenvolvimento do trabalho


psicopedagógico clínico e reúne importantes correntes teóricas e
práticas.

( ) reúne a psicanálise freudiana, a epistemologia genética de Piaget e


a psicologia educacional de Pichon-Rivière.

( ) vem a apoiar as visões inatistas e ambientalistas, caracterizando-se


por ser uma perspectiva integradora do conhecimento.

( ) permite analisar as dificuldades de aprendizagem como


decorrentes de múltiplas causas, cada uma delas estudada e
aprofundada por uma determinada vertente.
2. A epistemologia genética de Piaget apresenta o desenvolvimento da
inteligência organizado em quatro estruturas de pensamento. Assinale
a alternativa que apresenta a ordem cronológica correta dessas
estruturas:
a. Sensório-motor, operatório formal, pré-operatório, operatório
concreto.
b. Sensório-motor, pré-operatório, operatório formal, operatório
concreto.
c. Sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto, operatório
formal.
d. Sensório-motor, operatório formal, operatório concreto, pré-
operatório.
3. Assinale (V) para as afirmações verdadeiras e (F) para as falsas em
relação aos termos militares aplicados à psicopedagogia:

( ) Logística: Postura que leva em conta os déficits e as capacidades


do indivíduo ou grupo que está sendo avaliado em função das
aptidões do psicopedagogo.

( ) Tática: Arte de dirigir as operações durante as sessões de


avaliação − requer que se tenha à disposição categorias
conceituais que possam ser utilizadas no momento indicado (tais
como o tempo, o lugar, a frequência das sessões, a duração, a
caixa de trabalho etc.).

( ) Estratégia: Atitude de pôr em prática o plano traçado para cada


caso, em particular durante a avaliação (nível mais concreto).

( ) Técnica: Estilo particular com que cada um de nós opera, ou seja,


como cada um de nós desenvolverá o trabalho de avaliação.

4. Assinale (V) para as afirmações verdadeiras e (F) para as falsas em


relação aos níveis de aprendizagem:

( ) Protoaprendizagem é a interação entre a criança e a professora.

( ) Deuteroaprendizagem é a apreensão da visão do grupo de amigos.


( ) Aprendizagem assistemática é a aquisição instrumental das
técnicas e dos recursos que permitem o desempenho na
comunidade.

( ) Aprendizagem sistemática se dá por meio de instituições


educacionais de educação infantil, ensino fundamental, médio e
superior.
5. Marque com (V) as afirmações verdadeiras e com (F) as falsas no que
se referem aos seguintes conceitos:

( ) Epistemológico: Consiste na resistência em aceitar todo


conhecimento que se encontre em contradição com a concepção
do mundo e da vida.

( ) Epistemofílico: Conceito de origem psicanalítica que consiste na


dificuldade em aceitar todo conhecimento novo.

( ) Epistêmico: Conceito no qual cada sujeito possui uma


determinada estrutura cognitiva que delimita o nível de
conhecimento que pode adquirir.

( ) Funcional: Conceito no qual as dificuldades de aprendizagem são


produzidas por alterações no desenvolvimento das funções do
pensamento.

Atividades de aprendizagem

Questões para reflexão


Os problemas apresentados a seguir ilustram uma característica do
pensamento da criança, considerada muito importante por Piaget em
uma fase do desenvolvimento cognitivo. Leia atentamente e, em
seguida, responda às questões 1 e 2 de acordo com os estudos realizados
neste capítulo:
Há três meninos: Vinicius, Mateus e Tiago. Vinicius é mais alto que
Mateus e Vinicius é mais baixo que Tiago. Quem é o menino mais
alto?

– Resposta de Clara, de 9 anos: “Não sei”. – Resposta de Rodrigo, de


12 anos: “Tiago, porque ele é mais alto que Vinicius, que é mais alto
que Mateus”.

1. Explique a capacidade de Rodrigo que Clara ainda não possui,


recordando a teoria piagetana trabalhada neste capítulo.
2. Faça uma síntese dos dois estágios de desenvolvimento piagetiano que
constam na questão anterior.

Atividade aplicada: prática


Observe algumas crianças da sua família (como filhos, sobrinhos, primos),
da vizinhança ou ainda alunos da escola em que você trabalha por alguns
dias (no mínimo quatro crianças em idades diferentes). Com base em suas
observações, elabore uma síntese apontando as características que marcam
cada fase do desenvolvimento pela qual cada uma delas está passando
(fundamente sua resposta na teoria da epistemologia genética de Piaget –
quatro estágios do desenvolvimento infantil – estudada neste capítulo).
Capítulo 3

Diagnóstico psicopedagógico: etapas


e instrumentos

“A tarefa psicopedagógica começa justamente aqui, na medida em que se trata de ensinar o


diagnóstico, no sentido de tomar consciência da situação e providenciar sua transformação.”

Sara Pain (1985, p. 72)

Neste capítulo, apresentaremos aos leitores o diagnóstico psicopedagógico


clínico passo a passo, segundo o modelo da epistemologia convergente de
Jorge Visca, com explicações sobre cada uma de suas etapas e cada um de
seus instrumentos de avaliação: entrevista inicial, anamnese, entrevista
operativa centrada na aprendizagem (Eoca), o uso de testes, provas do
diagnóstico operatório, provas projetivas e da caixa de trabalho.
Estudaremos também o uso de outros tipos de avaliação clínica,
extrapolando o método da epistemologia convergente e abrindo espaço para
novas possibilidades no processo do diagnóstico psicopedagógico. São elas:
observação lúdica, avaliação pedagógica (leitura e escrita e matemática),
relações entre o aluno-professor e aluno-escola e avaliação psicomotora.
Devemos lembrar que o presente conteúdo serve apenas como um guia,
com sugestões e dicas sobre a avaliação clínica, não caracterizando um
método fechado e imutável.

O diagnóstico psicopedagógico ocorre em um espaço apropriado, com


recursos e materiais próprios, previamente selecionados. Há todo um
planejamento do psicopedagogo que, em geral, segue um roteiro que varia
de acordo com a linha teórica com a qual trabalha.
O processo diagnóstico, assim como o tratamento, requer
procedimentos específicos que constituem o que chamo de metodologia
ou modus operandi do trabalho clínico. Ao falar da forma de se operar
na clínica psicopedagógica, vale recordar que ela varia entre os
profissionais, a depender, por exemplo, da postura teórica adotada,
além de se contar com o fato de que, como já foi dito, cada caso é um
caso, com suas variantes, suas nuances, que diferenciam o sujeito, seu
histórico, seu distúrbio. [...] a forma de abordagem e tratamento (a
metodologia) aqui apresentada não consiste na única forma de se
realizar o trabalho psicopedagógico e tampouco pretendo considerá-la
a melhor. Esta é, no entanto, a forma de eu me conduzir no exercício
clínico em Psicopedagogia, porque surte resultados positivos,
extremamente gratificantes, apesar de tudo. (Bossa, 2000, p. 96)

No caso desta obra, seguindo o modelo da epistemologia convergente


de Jorge Visca, podemos sintetizar esse processo em um número
aproximado de oito sessões, que podem variar entre mais ou menos
encontros, a depender de cada caso investigado.

De modo geral, podemos delinear as sessões, seguindo um modelo de


roteiro básico que apresentamos a seguir.

3.1 As etapas do diagnóstico


psicopedagógico clínico: o passo a passo
De acordo com Bossa (2000, p. 94), “pensar o trabalho psicopedagógico na
clínica remete, neste caso, igualmente à prática”. Daí a necessidade de
compreendermos o passo a passo de cada sessão do trabalho clínico.
Segundo a mesma autora:

Nesse trabalho clínico, que se dá em consultórios ou em hospitais, o


psicopedagogo busca não só compreender o “porquê” de o sujeito não
aprender algumas coisas, mas “o que” ele pode aprender e “como”. A
busca desse conhecimento inicia-se no processo diagnóstico, momento
em que a ênfase é a leitura da realidade daquele sujeito, para então
proceder à intervenção, que é o próprio tratamento ou o
encaminhamento.

As alterações no aprender, o fracasso escolar e as diferentes formas sob


as quais o problema de aprendizagem se apresenta, em alta proporção,
na população em geral e particularmente na infância, requerem uma
análise cuidadosa de sua etiologia 🕮 e particularidade. A tarefa
diagnóstica, tanto em nível institucional quanto clínico, é indispensável
ao terapeuta. (p. 95)

Dessa forma, conforme afirmamos anteriormente, seguiremos o modelo


de Jorge Visca, sessão a sessão, para se chegar a um diagnóstico
psicopedagógico clínico:

1ª. Sessão: entrevista inicial (familiar)

Objetivos:

esclarecimento sobre o trabalho psicopedagógico;


identificação da criança (nome), filiação (pai, mãe), data de
nascimento, endereço, nome do responsável;
motivos da consulta – queixa (causa que levou os pais ou responsáveis
a buscar a avaliação psicopedagógica) e contrato (estabelecer critérios
como dia, local, horário, frequência e valores);
investigação sobre o processo de aprendizagem desde os primeiros
anos de vida;
investigação sobre o nível socioeconômico e cultural da família;
investigação sobre atendimento anterior;
investigação sobre as expectativas da família e da criança.

No apêndice deste livro, apresentamos uma sugestão de modelo de


entrevista inicial a ser realizada com os pais ou responsáveis pela
criança/adolescente.

2ª. Sessão: entrevista operatória centrada na aprendizagem

Objetivos:
deixar claro para a criança que o objetivo do psicopedagogo é ajudá-la
a superar suas dificuldades e que, para isso, o profissional precisa
conhecer melhor a maneira como a criança avaliada aprende a fazer o
que lhe ensinam, o que ela gosta de fazer e como ela faz o que gosta;
observar e registrar todas as ações da criança e como ela reage à
consigna, a maneira como a criança expressa seus vínculos com a
aprendizagem escolar, seus conhecimentos, conteúdos, conceitos etc.,
observando ainda suas resistências, fugas e defesas em relação às
atividades escolares e aos seus desafios.

Dinâmica: O psicopedagogo deve realizar um encontro com a criança


(sem a presença da mãe, do pai ou do responsável durante a sessão), com
hora marcada – para iniciar e finalizar – e claramente pedir a ela que
demonstre o seguinte: “O que você sabe fazer, o que lhe ensinaram a fazer,
o que você aprendeu a fazer”.

Sugestão de materiais: Lápis de cor, lápis grafite, apontador, massa de


modelar, canetas hidrocor, régua, quebra-cabeça, palitos de sorvete, gibis,
pincéis atômicos, borracha, tesoura, cola, caderno, livros de histórias
infantis, barbante, papel-ofício, papel pautado, papel colorido, pedaços de
cartolina, jogos diversos etc. A criança escolhe livremente as atividades que
quer exercer com base em elementos disparadores que são os materiais
colocados à sua disposição sobre a mesa.

Observações sobre a realização da Eoca

Não se deve realizar perguntas ao entrevistando que fujam da consigna


específica proposta para a Eoca. Se acontecer de a criança realizar uma
pergunta, o psicopedagogo deve conduzi-la à retomar a atividade,
repetindo a consigna. Além disso, é importante contar com a permissão
da família ou do responsável pela criança para realizar essa entrevista,
pois a partir dessa sessão o diagnóstico psicopedagógico clínico não
deve ser interrompido.

Dessa forma, essa intervenção investigativa pode trazer consequências


que devem ser especificadas antes do início da avaliação diagnóstica,
já que, com base no diagnóstico psicopedagógico, pode-se mobilizar
questões delicadas e problemas latentes relacionados à criança. Por
exemplo: o diagnóstico psicopedagógico pode trazer à tona segredos
familiares ou problemas sérios, os quais terão de ser tratados
posteriormente por outros profissionais.

O psicopedagogo também deve estar atento à entrevistada no que se


refere à postura física da criança, ao processo de respiração, a direção
do seu olhar, o que diz a respeito da realização da Eoca e das demais
provas e testes, o que a avalianda demonstra saber fazer, o que a
ensinaram a fazer e o que aprendeu no processo de escolarização
formal e informal e a forma como segura/manuseia os materiais
durante a avaliação.

Para uma avaliação adequada durante a Eoca, o psicopedagogo deve


evitar a apresentação de materiais distantes do cotidiano da criança
(por exemplo, se ela pertence a uma camada social menos favorecida,
deve-se evitar materiais aos quais ela não teria acesso cotidianamente,
pois isso poderia deixar a criança deslumbrada e mais interessada no
material do que na atividade em si).

Além disso, o psicopedagogo deve evitar demonstrar satisfação,


insatisfação ou surpresa com desempenho do entrevistado, ou seja, não
aprovar ou desaprovar com gestos, palavras, sorrisos ou expressões de
surpresa, por exemplo, as atitudes da criança no decorrer do processo
de avaliação psicopedagógica clínica, já que isso pode influenciar de
forma positiva ou negativa o desenvolvimento da avaliação,
comprometendo significativamente o resultado final.

Também é importante que o avaliador psicopedagógico evite nomear


os materiais, pois tal conduta compromete a verificação de vários
aspectos do entrevistado, tais como: desenvolvimento da fala,
conhecimentos prévios, estágio operatório, nível sociocultural etc. É
importante ainda não pronunciar frases de efeito estimulante como:
“Muito bem, você fez um ótimo trabalho!”. É preciso deixar que a
criança aja com autonomia e independência (que também devem ser
avaliadas – se o avaliado tem ou não iniciativa, por exemplo). Isso
certamente influenciará o processo diagnóstico clínico em seu
resultado final. Por conseguinte, não se deve esclarecer dúvidas,
pedindo à criança que repita a atividade.

Por meio da Eoca, busca-se a averiguação dos primeiros sintomas


apresentados pela criança, para que se possa realizar o primeiro
sistema de hipóteses 🕮 que podem ser confirmadas ou não durante o
processo de avaliação psicopedagógica clínica. Após o primeiro
sistema de hipóteses, é traçada uma linha de pesquisa a ser seguida
pelo psicopedagogo. Nesse caso, apresentaremos diversas
possibilidades de provas e testes, para idades e níveis de
desenvolvimento variados, para que se possa eleger o melhor caminho
a ser seguido.

3ª. e 4ª. Sessões: provas e testes

As provas citadas a seguir serão apresentadas detalhadamente no


próximo capítulo.

Provas operatórias (Piaget):

Objetivo: Obter dados para o conhecimento do funcionamento e


desenvolvimento das funções lógicas da criança.

a. Provas de classificação
Prova de mudança de critério (dicotomia).
Prova de quantificação da inclusão de classes.
Prova de intersecção de classes.
b. Provas de conservação
Prova de conservação de pequenos conjuntos discretos de
elementos.
Prova de conservação das quantidades de líquido
(transvasamento).
Prova de conservação da quantidade de matéria.
Prova de conservação de peso.
Prova de conservação de volume.
Prova de conservação de comprimento.
c. Provas de seriação
Prova de seriação de palitos.
d. Provas operatórias para o pensamento formal (a partir dos 11/12
anos)
Prova de combinação de fichas.
Prova de permutações possíveis com um conjunto determinado de
fichas.

5ª. e 6ª. Sessões: provas e testes

As provas citadas a seguir serão apresentadas detalhadamente no


próximo capítulo.

Provas projetivas:

Objetivo: Perceber os conteúdos afetivos constitutivos do processo por


meio de uma investigação projetiva.

Vejamos as provas com as quais conta esse tipo de avaliação:

Par educativo.
Eu e meus companheiros.
Fazendo o que mais gosta.
Família educativa.
Os quatro momentos do dia.
O dia do meu aniversário.
Minhas férias.

7ª. Sessão: anamnese (história de vida)

Segundo Weiss (2004), a entrevista de anamnese é um dos pontos


cruciais de um bom diagnóstico, pois possibilita a integração das seguintes
dimensões: passado, presente e futuro da criança.

Objetivo: Obter dados contextuais para a melhor compreensão da


problemática por meio da etiologia do caso.
Dinâmica: Entrevista com os responsáveis para obter as seguintes
informações:

Aspectos gerais: Nascimento, gravidez, parto, pós-parto.


Evolução das aprendizagens informais: Brincar, comer, controle dos
esfíncteres, vestir-se, compreensão de ordens, relato de novelas,
filmes, programas de TV etc. (procurando perceber a organização do
pensamento, a relação com os outros, a curiosidade, a atenção, os
medos, as explosões etc.).
O não aprender e o grupo familiar: Como as dificuldades de
aprendizagem são vistas pela família e como os familiares viveram e
vivem suas próprias aprendizagens.
A evolução escolar: A relação com o aprender sistemático.
A expectativa e o diagnóstico.
Pessoas significativas na vida da criança: Pessoas que residem
atualmente com a criança.
Interesses e habilidades: O que a criança gosta de fazer e o que faz
bem.
Doenças da infância: Deficiências visual, auditiva? Cirurgias?
Medicamentos?

8ª. Sessão: informe diagnóstico (devolução)

Objetivo: Esclarecer a problemática da criança com base nas hipóteses


levantadas no diagnóstico.

Nesse momento será passado aos pais e/ou responsáveis os resultados


da avaliação, utilizando-se o relatório psicopedagógico (que estudaremos no
capítulo 6). Na constatação da dificuldade de aprendizagem e da
necessidade do acompanhamento psicopedagógico, inicia-se o processo
corretor.

Para Visca (1987, p. 87),

Processo é o transcurso do que vai sucedendo e é uma característica de


toda coisa de estar a cada instante de uma forma distinta da anterior.
[...] Por outro lado, temos o termo corretor que é formado por “co” e
“reger”, sendo o primeiro elemento − “co” − uma forma prefixal
latina da preposição com, e o segundo − “reger” −, a ação do correto
funcionamento de um aparelho ou organismo.

Nesse caso, quando o diagnóstico clínico indica essa necessidade de


acompanhamento psicopedagógico para o sujeito, pode-se fazer uso da
caixa de trabalho, ou caixa lúdica, que deve ser utilizada no tratamento e
deve conter materiais vinculados diretamente ao resultado do diagnóstico da
criança.

A caixa de trabalho, ou caixa lúdica


A caixa de trabalho, idealizada por Visca (1987) como uma forma de
trabalhar com as dificuldades psicopedagógicas, foi inspirada na psicanálise
de crianças, mais precisamente na caixa individual utilizada por terapeutas e
analistas. Segundo Barbosa, citado por Pinel e Colodete ([20--]), no
trabalho psicanalítico com crianças a caixa “é composta por brinquedos e
materiais escolhidos para representarem o mundo interno da criança, suas
fantasias inconscientes frente ao mundo” etc. Segundo os mesmos autores,
no caso da psicopedagogia clínica, a caixa irá conter “materiais que
possibilitem a vivência do aprender para a criança ou para o adolescente”,
ou seja, no lugar do inconsciente, trabalharemos as questões mais voltadas à
aprendizagem.

Por ser inspirada na caixa individual, a caixa de trabalho está longe de


ser um simples receptáculo de materiais e de produções da criança, como
acreditam alguns psicopedagogos. Pinel e Colodete ([20--], p. 5) afirmam
que “os objetos a serem colocados na Caixa de Trabalho serão objetos que
representarão estes aspectos do seu mundo interno [da criança] ou que
receberão projeções para que passem a representá-los”. Assim, serão
colocados objetos de uso individual na caixa sugeridos pelo psicopedagogo,
tais como: papéis, lápis, borracha, apontador, caneta hidrocor, cola, jogos,
lápis de cor etc.; mas também serão guardadas as produções da criança
durante o tratamento, tais como: desenhos, pinturas, textos etc. Os autores
esclarecem que, conforme a necessidade apontada pela avaliação
diagnóstica clínica, a lista de materiais pode ser ampliada ao longo do
acompanhamento (Pinel; Colodete, [20--]).
Weiss (2004) alerta para a importância de o material ser oferecido à
criança em sua versão mais simples, evitando coisas muito atraentes ou
“importadas”, pois, segundo ela, é necessário que a caixa “não se
caracterize como uma ‘boutique de brinquedos’, competindo com os pais
em matéria de atrativos”, já que “o excesso de atrativos [...] desvia do
objetivo da atividade, transformando a sessão num ‘passeio à Disneyworld’
e não num momento de aprender a aprender” (p. 152).

Mais algumas formas de avaliação clínica: indo


além da epistemologia convergente
Além das sessões realizadas de acordo com a metodologia da epistemologia
convergente de Jorge Visca estudadas anteriormente, podemos citar mais
algumas técnicas complementares para a coleta de dados que ajudam na
elaboração das hipóteses diagnósticas ao longo do processo de análise
clínica.

A observação lúdica
O mundo infantil é permeado pelo lúdico e pela fantasia. É por meio das
brincadeiras, dos jogos, das imitações e das representações que a criança vai
aprendendo a se comunicar e a conviver socialmente. Assim, podemos
afirmar que “é no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou
adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente
sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)” (Winnicott, 1975, p.
80).

Dessa forma, a observação lúdica deve ser um momento de


descontração, que proporcione prazer à criança e que não tenha, como a
Eoca, um olhar diretamente voltado para as questões de aprendizagem
escolar. Isso certamente proporcionará à criança um momento mais
tranquilo e agradável, no qual ela não se sinta “julgada” e analisada em seus
“pontos fracos” e possa agir livremente, manipulando os materiais e
“conduzindo” a sessão com certa autonomia. Isso facilita a formação de um
vínculo positivo entre o psicopedagogo e a criança, diminuindo as possíveis
resistências desta em relação à avaliação.

Podem ser utilizados na observação lúdica jogos como dominó, Imagem


& Ação, jogo da memória, quebra-cabeças, pega-varetas, resta um, LEGO®,
assim como jogos de computador (a depender da idade e do nível
socioeconômico da criança). É importante ressaltarmos que o uso dos jogos
no processo na clínica psicopedagógica não possui apenas uma função
lúdica, já que “o jogo propicia a diversão, o prazer e até o desprazer quando
escolhido voluntariamente” (Kishimoto, 1994, p. 19), mas tem também uma
função educativa, pois “o jogo ensina qualquer coisa que complete o
indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão do mundo”
(Campagne, citado por Kishimoto, 1994, p. 19).

Além dos jogos, podem ser utilizados materiais como sucata –


embalagens vazias, vidros, arame, papelão, carretéis, retalhos, rolhas etc.
(material muito utilizado em sessões de arte-terapia) – argila, massas
plásticas, tintas diversas – guache, tinta para pano, etc. – material de
carpintaria – madeira, cola, taxinhas, preguinhos, ferramentas etc. –
fantoches, dedoches, miniaturas etc.

Cabe considerarmos ainda que será relevante para as análises e


observações lúdicas o desenvolvimento da capacidade criativa da criança na
resolução de problemas, bem como a motivação, a criatividade, além de
requisitos como a imaginação e a compreensão das regras dos jogos, a
sequência lógica (início, meio e fim), assim como o envolvimento nas
atividades durante todo o processo de avaliação psicopedagógica clínica.
Além disso, é importante estarmos atentos às representações e imitações de
aspectos familiares, escolares e sociais que a criança deixa vir à tona
durante a sessão lúdica, pois, muitas vezes, esses são momentos riquíssimos
para obtermos informações valiosas sobre a criança, além de podermos ser
uma etapa decisiva para a confirmação ou não de hipóteses diagnósticas.

Dessa forma, a utilização do lúdico no diagnóstico “é mais uma


possibilidade de se compreender, basicamente, o funcionamento dos
processos cognitivos e afetivo-sociais em suas interferências mútuas”
(Weiss, 2004, p. 72) na maneira de aprender da criança.
A observação lúdica pode ser apenas exploratória ou pode ser
participativa. No primeiro caso, o psicopedagogo não participará
diretamente da sessão e assumirá o papel de observador, tomando nota e
buscando analisar minuciosamente cada etapa da sessão. No segundo caso,
o psicopedagogo participará diretamente da sessão lúdica, podendo brincar
com a criança, caso esta o convide, mas sem tentar conduzir a situação, ou
seja, deixando a criança agir com autonomia e descontração.

A avaliação pedagógica
De acordo com Weiss (2004, p. 93):

A avaliação pedagógica não se limita ao conteúdo escolar. Como


qualquer um dos outros momentos do diagnóstico, a conduta do
paciente deve ser vista como uma expressão global em que se está
pondo em foco o nível pedagógico, mas estarão juntos o seu
funcionamento cognitivo e suas emoções ligadas ao significado dos
conteúdos e ações. É necessário que se pesquise o que o paciente já
aprendeu, como articula os diferentes conteúdos entre si, como faz uso
desses conhecimentos. É importante definir o nível pedagógico para se
verificar a adequação à série que cursa. Algumas vezes a defasagem
entre o nível pedagógico e as exigências escolares atuais pode agravar
dificuldades do paciente anteriores à escola, e outras vezes criar
situações que podem vir a formar dificuldades de aprendizagem ou
produção escolar.

Veremos a seguir alguns apontamentos sobre a avaliação pedagógica da


leitura e da escrita e da matemática na avaliação diagnóstica clínica,
destacando a necessidade apontada anteriormente por Weiss (2004) no que
concerne às questões que extrapolam a sala de aula e os conteúdos escolares
propriamente ditos. São questões mais abrangentes, como condições
socioeconômicas, culturais, familiares etc. Às quais o psicopedagogo
precisa estar atento. Ainda assim, como afirma a mesma autora (2004, p.
94), “a maioria das queixas escolares específicas está focada na leitura,
escrita e matemática, em diferentes graus e séries”, fato esse que nos instiga
a pensar seriamente sobre essa problemática.
Leitura e escrita
A aprendizagem da leitura é em nossa sociedade um requisito básico para o
desenvolvimento e para a sobrevivência humana. Sem a leitura, torna-se
difícil a realização das coisas mais simples do cotidiano, como pegar um
ônibus, ler a bula de um medicamento, pesquisar os preços no
supermercado, ler um jornal, navegar na internet etc. A despeito da
existência, hoje, de outras mídias que permitem o acesso às informações
necessárias para se viver no dia a dia, tornar-se um leitor é praticamente
uma exigência social.

Além da leitura, não podemos nos esquecer da escrita, pois ambas são
habilidades essenciais exigidas na sociedade letrada da qual fazemos parte.

Em relação à escrita, Kleiman (2004, p. 12) define bem essa exigência,


quando afirma que a sociedade “impõe a cada dia mais exigências de
letramento, isto é, de contato e familiaridade com a leitura/escrita para a
sobrevivência”.

Ainda segundo a mesmo autora (2004, p. 12):

a leitura é um processo psicológico em que o leitor utiliza diversas


estratégias baseadas no seu conhecimento linguístico, sociocultural,
enciclopédico. Tal utilização requer a mobilização e a interação de
diversos níveis de conhecimento, e que exige operações cognitivas de
ordem superior, inacessível à observação e demonstração, como
inferência, a evocação, a analogia, a síntese e a análise que,
conjuntamente era conhecida como “faculdades”, necessárias para
levar a termo a leitura: a faculdade da linguagem, da compreensão, da
memória.

Solé, citado por Koch e Elias (2006, p. 13), afirma que “Desse leitor,
espera-se que processe, critique, contradiga ou avalie a informação que tem
diante de si, que a desfrute ou a rechace, que dê sentido e significado ao que
lê.”

Além disso, segundo Smith (1999), por meio da leitura e da escrita


aumenta-se em extensão e profundidade a compreensão tanto da linguagem
falada quanto da linguagem escrita, através do aumento de vocabulário, da
habilidade para escrever, da melhora da ortografia e, provavelmente, os
leitores aprendem a pensar melhor.

Contudo, apesar da inegável necessidade da aprendizagem da leitura e


da escrita como um requisito básico em nossa sociedade para o
desenvolvimento e a sobrevivência humana, a realidade educacional
brasileira comprova que, em geral, muitas crianças, jovens e até adultos
possuem muitas dificuldades no que se refere à leitura, escrita,
compreensão e interpretação de textos.

Segundo os dados dos testes de leitura do Sistema Nacional de


Avaliação da Educação Básica (Saeb), em suas pesquisas mais recentes:

42% dos alunos do 3º. ano do ensino médio estão nos estágios “muito
crítico” e “crítico” de desenvolvimento de habilidades e competências
em Língua Portuguesa. São estudantes com dificuldades em leitura e
interpretação de textos de gêneros variados. Não são leitores
competentes e estão muito aquém do esperado para o final do ensino
médio. Os denominados “adequados” somam apenas 5%. São os que
demonstram habilidades de leitura de textos argumentativos. (Araújo;
Luzio, [2004?])

Assim, é evidente que milhares de crianças atravessam a educação


básica sem aprender a ler; mais precisamente, segundo o Instituto Paulo
Montenegro (2009), 54% dos brasileiros que passam da 4ª. série – em
escolas privadas ou públicas – não sabem ler e escrever da maneira como
deveriam ou como se esperaria, ou seja, mais da metade do povo brasileiro
sai da 4ª. série como analfabetos funcionais. O Instituto esclarece que:

Internacionalmente, as medidas de alfabetismo funcional tomam por


base os anos de estudo da população, considerando analfabetos
funcionais as pessoas que não completaram pelo menos a 4ª. série do
ensino fundamental. Supostamente, ao completar esta série, os alunos
já deveriam dominar habilidades básicas de alfabetismo. (Instituto
Paulo Montenegro, 2009, p. 7, grifo nosso)
Em função desse gravíssimo problema, recebemos inúmeros casos de
crianças e adolescentes com problemas de aprendizagem relacionados à
leitura e à escrita para avaliação diagnóstica clínica. A avaliação, nesse
caso, deve seguir o roteiro apontado anteriormente, porém deve ser feita
uma investigação cuidadosa em relação às dificuldades de leitura, escrita,
compreensão e interpretação de textos, pois tais dificuldades podem ter uma
explicação mais social do que escolar.

O primeiro passo é a análise da história de vida do sujeito, pois o


problema pode ter raízes mais profundas e bem anteriores à sala de aula.
Investigadas essas questões cruciais e verificadas as condições de
desenvolvimento e aprendizagem anteriores à escola, devemos partir para
uma análise escolar de fato. Iniciamos com a análise do material escolar.
O psicopedagogo deve pedir os cadernos da criança para buscar
compreender seu desenvolvimento diário na escola.

Por meio do exame do caderno podemos processar uma análise dos


aspectos gerais e específicos vinculados à estruturação, identidade e à
aprendizagem do sujeito. O caderno nos permite observar a
identificação do sujeito com seu instrumento de trabalho, a relação
vincular do sujeito com o instrumento de conhecimento. (Chamat, 2004,
p. 227)

Além disso, Chamat (2004) pontua que devem ser analisados pelo
menos dois cadernos da criança, um das lições de casa e outro utilizado na
sala de aula. Porém, o ideal é analisar quatro cadernos, dois do início do ano
anterior e dois do ano atual, pois assim o psicopedagogo poderá fazer uma
análise comparativa para tentar interpretar e compreender os avanços nas
estruturas cognitivas de pensamento e se estas estão adequadas ou não à
idade da criança. Dessa forma, o psicopedagogo poderá confirmar o
diagnóstico operatório. Segundo Chamat (2004, p. 228):

No exame do caderno devemos observar a organização têmporo-


espacial-sequencial (se escreve na linha, pula linhas, invade margens
etc.). Deve-se observar a pressão do tônus muscular, o esquema
corporal, a lateralidade, o uso excessivo de borracha, a limpeza, a
ordem, os espaçamentos, os cuidados que o sujeito tem com o caderno.
Deve ser examinado o grafismo (tamanho, oscilação, coordenação
motora, tremores, tipos de traçados, escrita em espelho etc.) e a
ortografia (trocas, omissões, aglutinações, escrita, fonética etc.).

Em seguida, realizamos alguns procedimentos que podem consistir


desde a leitura de um gibi ou livro de história (adequada à idade da criança)
até a utilização de testes e provas mais sistemáticos, como o caso do Teste
de Desempenho Escolar (TDE):

[O Teste de Desempenho Escolar é um] instrumento psicométrico,


desenvolvido e padronizado no Brasil (Porto Alegre-RS), que busca
oferecer de forma objetiva uma avaliação das capacidades
fundamentais para o desempenho escolar, mais especificamente da
escrita, aritmética e leitura. Neste teste, o desempenho é classificado
nas categorias superior, médio e inferior. (Fonseca et al., 2004, p. 460)

As provas projetivas também ajudarão de maneira muito significativa


nessa investigação a cerca do domínio ou das dificuldades no que se refere
à leitura, escrita, compreensão e interpretação de textos, pois, como
veremos no próximo capítulo, a criança deverá relatar o que desenhou. Na
sequência, é solicitado a ela para que escreva a história e, em seguida, ela
poderá lê-la para o psicopedagogo. Dessa forma, as provas projetivas irão
se transformar imediatamente em um recurso bastante eficiente para a
análise da leitura e da escrita. Isso tudo, é claro, se a criança já for
alfabetizada.

De acordo com Weiss (2004, p. 96), “para avaliar o desenvolvimento da


leitura […], é interessante o uso de material com significado completo.
Assim, há inúmeras coleções de livros de história bastante atraentes”. Para a
avaliação com adolescentes, a mesma autora indica o uso de crônica e
reportagens de revistas. A autora acrescenta ainda que “ao final da leitura
verifica-se se ele aprendeu o sentido global do texto, se é capaz de sintetizá-
lo” (p. 97). Além disso, verifica-se se a criança “captou a sequência
temporal, se estabelece relações de causalidade, se é capaz de incluir
acontecimentos menores e parciais em classes maiores. É importante ver as
relações afetivas com o texto e dos personagens entre si” (Weiss, 2004, p.
97).
Em relação à escrita, Weiss (2004, p. 98) coloca que o psicopedagogo
deve avaliar

o texto não com os detalhes de uma prova escolar de Português, mas


nos seus aspectos mais globais e que auxiliam na compreensão da
queixa formulada inicialmente. Assim, analisa-se a noção de realidade
e fantasia, a coerência interna do significado, a fluência e a
criatividade, a temática e a estrutura do texto em relação com outros
dados obtidos no diagnóstico, por exemplo, se há ideia de perda, medo,
fracasso, sucesso, vitória e luta, que podem aparecer no grafismo.

Por fim, depois de levantadas as hipóteses, é necessária uma visita dos


psicopedagogos à escola para uma conversa sobre a criança e seu processo
de ensino-aprendizagem formal com a(s) professora(s) e/ou com a
coordenadora, para buscar mais dados que confirmem ou não os possíveis
problemas da criança. Outro ponto importantíssimo é a análise da escola
como um todo, ou seja, como a instituição funciona, qual a linha de
trabalho seguida por ela, qual a metodologia adotada pelos professores,
como é o cotidiano da escola, como é visto o processo de ensino-
aprendizagem na instituição e qual a sua visão sobre a criança, sobre a
queixa e, ainda, a visão da escola sobre a avaliação psicopedagógica.

Só com base no entrelaçamento de todos esses itens apontados sessão a


sessão, passo a passo, é que podemos partir para o desenvolvimento de um
relatório de avaliação da criança e para a necessidade de uma possível
intervenção psicopedagógica clínica.

Matemática
As dificuldades de raciocínio lógico-matemático são muito comuns e
difundidas em larga escala pelo senso comum em nossas escolas e na
sociedade como um todo. Frequentemente ouvimos casos e relatos de
pessoas que desenvolveram verdadeiro “horror” e que entram em pânico
quando o assunto é o “bicho papão” chamado matemática. Dessa forma,
muitos dos alunos que chegam até nós para uma avaliação psicopedagógica
clínica podem estar inseridos nesse grupo dos avessos a essa disciplina.
Porém, assim como a leitura e a escrita, também a matemática é
essencial para a nossa vida em sociedade, pois necessitamos dela, por
exemplo, para pagarmos uma simples conta no banco ou no supermercado,
para adquirirmos uma passagem de ônibus ou para a resolução de
problemas mais complexos, como em provas de vestibular ou de concursos
públicos. O fato é que não podemos viver sem a matemática, pois os
números são instrumentos essenciais às nossas vidas e dominam os meios
de comunicação (por exemplo: a nossa idade ou a de nossos pais e de
nossos filhos, o número de um telefone celular ou o número de um canal de
TV, o número de um documento como a identidade ou CPF, a placa do
nosso carro, o número da nossa casa ou nosso apartamento etc.). Não há
escapatória, os números surgem em todo lugar e a qualquer hora.

No caso da avaliação psicopedagógica clínica da capacidade de


raciocínio lógico-matemático de uma criança, existem inúmeras formas de
como podemos proceder, desde a avaliação sociocultural, citada no item
anterior, ou a análise do material escolar e da visita à escola, da mesma
forma como foi explicitado no tópico sobre leitura e escrita, até o uso de
testes e provas específicas como o TDE, também já citado anteriormente.

Além disso, segundo Chamat (2004, p. 233), “devem-se utilizar jogos


diversos, por exemplo: pega-varetas (variando o valor das cores,
dependendo da idade, para aumentar o nível de dificuldade); dominó”.
Além disso, a autora coloca que “o trabalho de exploração deve partir da
adição para a subtração, da multiplicação para a divisão. O nível de
dificuldade deve estar de acordo com a escolaridade da criança. Porém,
recomenda-se iniciar com um nível mais baixo e ir aumentando
gradativamente” (2004, p. 233-234).

Weiss (2004, p. 99) ressalta que se deve avaliar “o raciocínio


matemático, colocando-se desafios mais lúdicos e problemas mais
formalizados, retirados de diferentes livros didáticos ou de situações reais, e
construídos com base em propagandas, recortes de jornais e revistas”. Para
essa autora, a escolha dos desafios, “deve recair sobre a clareza do
enunciado, o nível operatório da estrutura de pensamento (concreto ou
abstrato)”.
Existe, nas provas de raciocínio operatório, como veremos no próximo
capítulo, uma possibilidade vastíssima de investigar e verificar, além do
nível operatório, o domínio do raciocínio lógico-matemático, como no caso
da prova de intersecção de classes (para crianças menores) ou na prova de
combinação/permutação de fichas (para adolescentes), pois o
desenvolvimento da inteligência, segundo Piaget, tal qual estudamos,
caminha para uma estrutura lógico-matemática que irá atingir seu ápice no
período das operações formais, no qual o adolescente é capaz de
desenvolver pensamentos abstratos.

Avaliação da relação aluno-professor


Em relação ao processo avaliativo, é importante destacarmos o que Weiss
classifica como um clima geral desfavorável à aprendizagem, pois segundo
essa autora:

é necessário também ter claro que, como qualquer conteúdo escolar, há


aspectos emocionais a serem encarados [...]. Há professores que
contribuem para a construção de bloqueios e condutas aversivas [...],
pelo seu discurso autoritário e ameaçador, exigências absurdas,
criação de clima geral de insegurança em sala de aula, contribuindo
para a formação de baixo autoconceito. (Weiss, 2004, p. 99-100, grifo
nosso)

Nesse ponto, no qual estamos avaliando as questões pedagógicas, é


essencial destacarmos a importância do vínculo positivo aluno-professor,
aluno-aluno etc, pois o “aprender pela satisfação”, e não o “aprender pela
coerção”, torna o processo de ensino-aprendizagem mais prazeroso,
significativo e, consequentemente, menos sujeito a problemas e
dificuldades.

Contudo, ainda hoje, há instituições e professores que orientam seus


trabalhos pela coerção, impondo aos alunos uma postura submissa.

O desejo de aprender, ou o “aprender pela satisfação”, refere-se aos


aspectos subjetivos do aluno, que interferem, quer ele saiba ou não, na
aprendizagem e na relação professor-alunos e nas relações aluno-
aluno. O aluno que deseja aprender e que tem prazer e satisfação na
aprendizagem confere ao professor o espaço de ser alguém com quem
vale a pena estar e terá muito mais facilidade no processo de ensino-
aprendizagem. (Nogueira, 2009, p. 26)

Dessa forma, é necessário refletirmos sobre a educação e sobre a


urgência da necessidade de tornar o “ambiente emocional” das salas de aula
“favorável à aprendizagem”, pois esse é um dos aspectos mais importantes
no processo de ensino-aprendizagem escolar.

Como ressaltam Bock, Furtado e Teixeira (1994), os afetos e as


emoções são partes de cada um de nós e estão presentes em todos os
momentos de nossa vida, inclusive na sala de aula. O que estamos vivendo
como “ser integral” nos acompanha à sala de aula e interfere em nosso nível
de atenção, motivação, memória e, portanto, de aprendizagem.

Apesar disso, sabemos que essas questões vêm sendo desconsideradas,


pois acabamos privilegiando e dando ênfase ao caráter cognitivo do sujeito.
No entanto, esses dois lados − afetivo-cognitivo − se complementam e se
encontram intrinsecamente relacionados na constituição humana.

Por isso, para criar um “ambiente emocional” favorável em sala de aula,


é essencial que os professores compreendam a importância da dimensão
afetiva e de sua relevância no desenvolvimento do processo de ensino-
aprendizagem (Mahoney; Almeida, 2005). Não se trata de supervalorizar
esse aspecto, colocando-o como difusor ou inibidor da aprendizagem, mas
de compreender o quanto, por exemplo, as relações professor-aluno, aluno-
aluno, enfim, o “clima emocional” favorável no ambiente escolar pode
repercutir na qualidade do aprendizado.

Avaliação da relação aluno-escola


Aqui devemos também abrir um parênteses para darmos um alerta em
relação ao binômio aluno-escola, no que concerne à avaliação
psicopedagógica clínica. Nas palavras de Weiss, citado por Bossa (2000, p.
101-102):
1ª.) A escola escolhida tem a mesma ideologia, filosofia de educação
que a família? Por exemplo: em casa, os pais são adeptos da liberdade
excessiva, do “Laissez-faire” na educação dos filhos e os colocam em
escola rígida, formal, para “discipliná-los”, ou mesmo, situação
oposta: escola liberal versus família rígida. Tal fato é sempre gerador
de grandes conflitos para a criança, podendo atingir a sua produção
escolar.

2ª.) Família sem prática religiosa matricular as crianças em escolas


confessionais de qualquer religião, que cobrarão delas certas práticas e
atitudes coerentes.

3ª.) A metodologia da escola exige a participação dos pais nos


trabalhos de casa, “pesquisas” diversas, saídas com os filhos,
comparecimento a reuniões e festinhas curriculares, etc., enquanto os
pais se recusam a fazê-lo, ou trabalham fora e chegam tarde, não
podendo realmente cumprir certas solicitações.

4ª.) O tamanho e organização da escola em relação à personalidade da


criança. Há crianças que se intimidam, ficam “perdidas”, sem
assistência em escolas muito grandes, com turmas imensas, salas
superlotadas. Elas sentir-se-ão melhor em escolas pequenas, mais
acolhedoras, menos “ameaçadoras”. Por outro lado, há crianças que
gostam de grandes grupos, muito espaço, atividades diversificadas.

É necessário que a família procure conhecer, o melhor possível, a


escola que vai escolher para seus filhos, que tipo de homem pretende
formar, sua metodologia de ensino, formas de avaliação, normas
disciplinares, atualização de professores, etc. Buscar, como já dissemos
anteriormente, uma coerência entre as expectativas da família e o que a
escola realmente pode oferecer.

Consideramos de fundamental importância que se atente para esses


fatos durante o processo diagnóstico, aliando-se a essa reflexão a
análise dos procedimentos da escola, do material usado, estudo da
produção da criança, análise do estágio evolutivo geral da criança,
expectativas da escola e da família em relação à produção infantil.
A prática escolar desarticulada deixará o aluno exposto às
idiossincrasias do professor, ou mesmo, às consequências de fatos
episódicos como: doenças, greves, problemas administrativos, etc. A
dificuldade, observada por um docente, inexiste para outro, e nessa
descontinuidade segue o aluno ao “sabor das ondas”, indicado até
para atendimentos específicos.

Portanto, é essencial ao psicopedagogo clínico compreender e investigar


a fundo todas essas questões apresentadas por Weiss, pois, com certeza, as
relações entre o aluno e a escola influenciarão definitivamente o processo
de aprendizagem de qualquer criança.

A avaliação psicomotora
Gostaríamos de também tratar neste capítulo da questão da
psicomotricidade. Afinal, segundo Barbosa (2002, p. 43), “Hoje, Saúde,
Educação e Bem-Estar Social caminham irmanados na busca do equilíbrio
pleno do ser humano” [grifo do original].

Sendo assim, segundo Barbosa (2002, p. 43), a psicomotricidade tem “o


status de ciência na saúde que facilita as multirrelações escolares, criando
assim uma oportunidade rara de prevenção, profilaxia e encaminhamento”
em uma relação estreita com a escola. Esse fato pode ser, portanto,
considerado um aliado importante para a propagação e o reconhecimento da
eficácia da psicomotricidade como preventiva e educacional.

Mas, o que é de fato a psicomotricidade?

A Psicomotricidade como seu nome indica, trata de relacionar os


elementos aparentemente desconectados, de uma mesma evolução: o
desenvolvimento psíquico e o desenvolvimento motor. Parte, portanto,
de uma concepção do desenvolvimento que coincide com a maturação e
as funções neuromotoras e as capacidades psíquicas do indivíduo de
maneira, que ambas as coisas não são duas formas, até então
desvinculadas, na realidade é um processo. (Núnez, citado por Galvani,
2002, p. 22)
Afinal, como descreve Galvani (2002), o homem, por sua essência,
busca o equilíbrio e é por meio da psicomotricidade que ele consegue
equilibrar suas ações, seus movimentos e suas emoções. Segundo a autora,
“o indivíduo só terá condições de ativar seus potenciais psíquicos na
realização das atividades psicofuncionais, se for trabalhado corporalmente
nos seguintes aspectos: esquema e imagem corporal; equilibração;
coordenação; lateralização; tonicidade” (Galvani, 2002, p. 23).

Como descreve Fonseca (1995b, p. 329):

Os fatores psicomotores surgem relacionados com as três unidades


funcionais de Luria: a tonicidade e a equilibração, mais integrados na
regulação e de ativação da função de atenção e de vigilância; a
lateralização, a noção do corpo e a estruturação espaçotemporal, mais
integradas com a unidade de processamento, onde entram em jogo as
regiões corticais específicas dos dois hemisférios e das estruturas do
corpo caloso que os ligam; a praxia global e a praxia fina, por sua vez,
mais integradas na unidade de programação, unidade essa obviamente
dependente da informação previamente recebida, da sua relação e
concomitante processamento das referências.

Para o autor, se a criança não puder desfrutar dessa organização que


acabamos de sistematizar, ela poderá apresentar um “conjunto de
perturbações na programação e na expressão de movimentos intencionais,
volitivos e aprendidos, que se podem refletir no desenvolvimento do seu
potencial de aprendizagem e no desenvolvimento de sua personalidade”
(Fonseca, 1995b, p. 335).

É claro que tais dificuldades no desenvolvimento precisam ser


identificadas a tempo e com cuidado para que um problema psicomotor não
se transforme em problemas de comportamento ou de aprendizagem mais
graves.

Nesse sentido, a psicomotricidade e suas técnicas de avaliação têm


como foco principal “o potencial de aprendizagem da criança, uma vez que
a psicomotricidade contém o sentido concreto do comportamento e da
aprendizagem dando relevância ao corpo, que não é apenas o receptáculo
do seu cérebro, mas inequivocamente, o habitat de sua inteligência”
(Fonseca, 1995b, p. 336).

Posto isso, Fonseca (1995b) nos alerta que o exame neurológico


clássico não é adequado para avaliar o sistema nervoso humano. Para tanto,
a psicomotricidade desenvolveu uma nova metodologia para abordar essa
tarefa difícil e complexa, que consiste em avaliar as funções motoras das
crianças.

Segundo o autor:

Apresentar um conjunto de tarefas que sejam significativas para tal


objetivo, que não sejam totalmente desprovidas de quantificação e que
não caiam em estandardizações restritas, ao mesmo tempo em que
permitem a detecção qualitativa de sinais funcionais desviantes e a
análise dos fatores psiconeurológicos subjacentes, é tentar contribuir
para a compreensão dos problemas de aprendizagem e de
desenvolvimento na criança. Foi dentro deste quadro de perspectivação
clínica e psicopedagógica que nasceu a bateria psicomotora (BPM).
(Fonseca, 1995b, p. 98)

A BPM é, portanto, um dispositivo diferente de escala do


desenvolvimento motor, que busca, por meio de um conjunto de tarefas,
identificar déficits funcionais em termos psicomotores, cobrindo a
integração sensorial perceptiva que se relaciona com o potencial de
aprendizagem da criança.

Mais algumas considerações sobre o diagnóstico


psicopedagógico
Para finalizarmos este capítulo, apresentamos mais algumas considerações
sobre a prática do diagnóstico psicopedagógico:

Esse tipo de diagnóstico se refere ao conhecimento ou determinação de


alguma doença pelo(s) sintoma(s) apresentado(s) e/ou mediante
exames e testes diversos.
É um processo de investigação realizado com base em conhecimentos
teóricos e práticos.
Geralmente se desenvolve com base na interligação dos aspectos
constantes no sujeito: orgânicos (biopsicológicos), cognitivos
(desenvolvimento das estruturas cognitivas), emocionais (afetividade),
sociais e pedagógicos (aprendizagem).
É um processo de investigação que parte de um sintoma aparente,
desenvolve-se por meio de desvios e parâmetros preestabelecidos e de
hipóteses provisórias.

Segundo Weiss (2004), há dois eixos que não podem deixar de ser
investigados no processo diagnóstico:

1º. Eixo horizontal − a-histórico: Visão do presente − a investigação


fica centrada nas causas que coexistem temporariamente como
sintomas (centrado no sujeito e em suas ações e produções).
2º. Eixo horizontal – histórico: A investigação ocorre a partir da busca
dos processos de construção do sujeito em seus diferentes momentos e
contextos (centrado na dimensão histórica das ações, produções e
relações do sujeito).

Segundo Weiss (2004, p. 30):

A obtenção dos dados relacionados aos dois grandes eixos não pode ser
regida por regras externas prefixadas: cada sujeito em exame
representa um caminho próprio que deve ser descoberto e respeitado
pelo terapeuta. Diferentes instrumentos fornecem elementos para
pesquisa do passado, do presente e expectativas do futuro. Por outro
lado, é indispensável que se utilize cada instrumento de pesquisa
captando ao máximo − e de forma articulada − elementos na área
cognitiva, afetivo-social e pedagógica.

Para essa autora, “o sucesso de um diagnóstico não reside no grande


número de instrumentos utilizados, mas na competência e sensibilidade do
terapeuta em explorar a multiplicidade de aspectos revelados em cada
situação” (Weiss, 2004, p. 30).
Dessa forma, na colocação de Pichon Rivière, citado por Weiss (2004,
p. 31):

Dentro desta perspectiva de abordagem do “desvio de aprendizagem”,


é necessário que o foco de análise não fique restrito ao paciente, mas
estenda-se às suas relações, aos seus grupos de pertinência, às
instituições básicas. Somente assim pode-se aprofundar a investigação
a níveis psicossocial, sociodinâmico e institucional [...].

Portanto, procurar mostrar as capacidades da criança percebidas no


diagnóstico psicopedagógico clínico é essencial, tendo em vista redefinir o
papel desta na família, na escola e na sociedade, ou seja, procurar acabar
com o rótulo de incapaz, mostrando seus desempenhos, suas capacidades e
seus pontos positivos. Isso ajuda a criança a superar gradativamente suas
dificuldades e a se tornar um adolescente/adulto mais confiante e capaz de
superar qualquer problema com autonomia e autoconfiança.

Síntese
Neste capítulo, estudamos as etapas do diagnóstico psicopedagógico clínico
de acordo com a perspectiva da epistemologia convergente de Jorge Visca,
apresentando suas sugestões sessão a sessão, trazendo explicações sobre
cada uma dessas sessões, assim como os instrumentos de avaliação
utilizados na clínica de Visca: entrevista inicial (na qual se busca uma
primeira aproximação com o caso a ser investigado, por meio de um
encontro com os pais e/ou responsáveis), anamnese (processo em que se
investiga a fundo toda a história de vida da criança até o presente momento,
buscando pistas para o levantamento de possíveis hipóteses que possam
contribuir para a investigação diagnóstica clínica), entrevista operativa
centrada na aprendizagem – Eoca (na qual se investiga os vínculos da
criança com a aprendizagem formal), o uso de testes, tais como as provas
do diagnóstico operatório e as provas projetivas, que serão especialmente
contempladas no próximo capítulo. Em seguida, apresentamos a caixa de
trabalho de Visca como um recurso para o acompanhamento e tratamento
dos problemas de aprendizagem na clínica psicopedagógica.
Além disso, neste capítulo abordamos o uso de algumas formas de
investigação alternativas ao método da epistemologia convergente de Visca,
podendo estar ou não vinculadas à investigação sugerida por esse estudioso
e ampliando as possibilidades da avaliação psicopedagógica do diagnóstico
clínico, com a observação lúdica e a avaliação pedagógica (leitura e escrita
e matemática).

Apresentamos também a importância das relações entre o aluno-


professor e aluno-escola para um desenvolvimento do processo de ensino-
aprendizagem, além de apontar tais relações como fontes importantíssimas
a serem analisadas durante a avaliação clínica. Por último, mas não menos
importante, trouxemos a avaliação psicomotora, que complementa de forma
muito significativa o diagnóstico psicopedagógico clínico. Encerramos o
capítulo com algumas considerações importantes sobre o processo de
avaliação, tais como a investigação de doenças, a necessidade de
articulação dos aspectos orgânicos, cognitivos, emocionais, sociais e
pedagógicos para a obtenção de um bom diagnóstico.

Indicações culturais

Livros
Visca, J. O diagnóstico operatório na prática psicopedagógica. São José
dos Campos: Pulso, 2008.

Esse livro de Visca contribui de maneira bastante significativa no


âmbito da psicopedagogia clínica, pois apresenta a metodologia
teórico-prática detalhada da epistemologia convergente para a
aplicação das provas operatórias (método desenvolvido por Piaget
para avaliar o desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes),
ilustrando, com exemplos concretos, cada apresentação, prova por
prova, o que facilita bastante a compreensão destas.
Weiss, M. L. L. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos
problemas de aprendizagem escolar. 10. ed. Porto Alegre: Artes Médicas,
2004.

Maria Lúcia Weiss apresenta em seu livro um excelente roteiro para


uma avaliação psicopedagógica clínica completa. Além disso, a autora
aborda questões importantes sobre as causas dos problemas de
aprendizagem, desmistificando o senso comum de colocar sempre a
culpa do fracasso escolar no aluno e apresentando uma gama de
fatores internos e externos que estão envolvidos nesse problema, tais
como a linha de trabalho da escola, a metodologia do professor e as
influências cognitivas, emocionais, orgânicas, pedagógicas e sociais no
processo de ensino-aprendizagem.

Atividades de autoavaliação
1. Analise as afirmações a seguir sobre a entrevista inicial, de acordo
com o conteúdo estudado neste capítulo, marcando (V) para as
afirmativas verdadeiras e (F) para as afirmativas falsas:

( ) Deve-se esclarecer aos pais e/ou responsáveis sobre o trabalho


psicopedagógico.

( ) Deve-se investigar com os pais e/ou responsáveis qual o motivo –


queixa – que os levou a buscar a avaliação psicopedagógica
clínica.

( ) Deve-se investigar sobre o processo de aprendizagem da criança


desde os seus primeiros anos de vida.

( ) Deve-se esclarecer aos pais e/ou responsáveis que o nível


socioeconômico e cultural da família afetará a investigação
psicopedagógica clínica.
2. Analise as afirmações a seguir sobre a entrevista operatória centrada
na aprendizagem (Eoca), de acordo com o conteúdo estudado neste
capítulo, marcando (V) para as afirmativas verdadeiras e (F) para as
afirmativas falsas:

( ) O psicopedagogo deve evitar a apresentação de materiais distantes


do cotidiano da criança durante a entrevista operatória centrada na
aprendizagem.

( ) O psicopedagogo deve apresentar materiais aos quais a criança não


teria acesso cotidianamente, para deixá-la deslumbrada e mais
interessada na atividade em si.

( ) O psicopedagogo deve evitar demonstrar satisfação, insatisfação


ou surpresa com desempenho do entrevistado, para não
influenciar de forma positiva ou negativa o desenvolvimento da
avaliação, comprometendo o resultado final.

( ) O psicopedagogo deve pronunciar frases de efeito estimulante


como: “Muito bem, você fez um ótimo trabalho, você é muito
inteligente etc.” para que a criança se sinta acolhida durante a
Eoca.

3. Marque (V) para as afirmativas verdadeiras ou (F) para as afirmativas


falsas em relação aos objetivos da Eoca:

( ) Estabelecer uma relação de confiança com a criança, tentando


diminuir suas ansiedades.

( ) Perceber o que a criança sabe fazer e gosta de fazer (vínculo com a


aprendizagem formal – fora da escola).

( ) Perceber o vínculo com os objetos e conteúdos de aprendizagem


escolar observando as defesas, as dissociações (vinculações com a
aprendizagem informal-escolar).

( ) Perceber as condutas de fuga ou enfrentamento diante dos desafios


impostos à criança.
4. Em relação à anamnese, é incorreto afirmar que:
a. a entrevista de anamnese é um dos pontos cruciais de um bom
diagnóstico, pois possibilita a integração das dimensões passado,
presente e futuro da criança.
b. o objetivo da anamnese é obter dados contextuais para a melhor
compreensão da problemática por meio da etiologia do caso.
c. na anamnese deve-se realizar uma entrevista com os pais e/ou
responsáveis pela criança para obter informações sobre aspectos
gerais, tais como o nascimento, a gravidez, o parto e o pós-parto.
d. durante a entrevista com os pais e/ou responsáveis pela criança, é
muito importante compreender a evolução das aprendizagens
informais, tais como: brincar, comer, controle dos esfíncteres,
vestir-se, compreensão de ordens, relato de novelas, filmes,
programas de TV etc.
5. Em relação à caixa de trabalho, é correto afirmar que:
a. os objetos a serem colocados na caixa de trabalho devem chamar
a atenção da criança.
b. a organização da caixa de trabalho não está estreitamente ligada
aos resultados da avaliação diagnóstica clínica.
c. a escolha do material deve ser criteriosa e completa, ou seja, a
caixa de trabalho deve conter todos os desejos da criança e
esgotar todas as necessidades destes.
d. a caixa de trabalho pode conter materiais básicos que servem de
apoio ao aprendiz: papéis, lápis, apontador, borracha, régua. Mas,
conforme a necessidade apontada pela avaliação, essa lista pode
ser ampliada com outros materiais.

Atividades de aprendizagem

Questão para reflexão


Após realização da leitura deste capítulo, faça uma reflexão sobre as
relações professor-aluno e aluno-escola com base em suas próprias
experiências escolares até o momento. Em seguida, procure lembrar se
nessas relações houve algum momento de tensão no qual você tenha se
sentido prejudicado pela postura autoritária do professor ou da
instituição escolar. Como você se sentiu? Você agiria diferente se
pudesse se colocar hoje no lugar do professor ou da direção da escola?
Você acredita que esse fato possa ter gerado alguma consequência em
relação ao seu processo de ensino-aprendizagem? Explique.

Atividade aplicada: prática


Pesquise em outros materiais (livros, sites, artigos, revistas etc.) sobre o
processo do diagnóstico psicopedagógico clínico e aponte outras linhas
(no mínimo três) teórico-metodológicas de trabalho e as suas principais
características e formas de tratamento (apontadas pelos adeptos e/ou
estudiosos dessas correntes).
Capítulo 4

Provas operatórias e projetivas:


instrumentos que auxiliam na
avaliação clínica

“A aprendizagem abre o caminho da vida, do mundo, das possibilidades até de ser feliz.”

Jorge Visca (2008, p. 7)

Neste capítulo, estudaremos o uso das provas do diagnóstico operatório


piagetiano e das provas projetivas, apontadas no capítulo anterior, com
duração média de quatro sessões (da terceira à sexta), podendo esse número
variar em cada caso específico de avaliação psicopedagógica clínica. O
destaque de um capítulo exclusivo para o estudo dessas provas se dá pela
necessidade de um aprofundamento teórico-prático da condução e análise
de cada uma delas.

A seguir apresentaremos as provas operatórias piagetianas e as provas


projetivas sugeridas por Visca para o auxílio da avaliação clínica, passo a
passo, seguindo um pequeno roteiro que inclui os materiais a serem
utilizados, o objetivo, o desenvolvimento e os procedimentos avaliativos
para cada uma delas.

4.1 Provas do diagnóstico operatório:


analisando os indicadores dos estágios
cognitivos piagetianos
Como estudamos no segundo capítulo desta obra, as estruturas cognitivas
evoluem à medida que a criança cresce, permitindo novas aprendizagens e
possibilitando a ela adquirir os conteúdos formais ensinados em sala de
aula. Segundo Weiss (2004, p. 105), “Dentro de uma visão piagetiana, o
conhecimento se constrói pela interação entre o sujeito e o meio, de modo
que, do ponto de vista do sujeito, ele não pode aprender algo que esteja
acima de seu nível de competência cognitiva, ou seja, seu nível de estrutura
cognoscitiva”.

Visca (1987, p. 58) aponta que “ninguém pode aprender além do que
sua estrutura cogniscitiva permite”. Por isso, no manejo das provas
operatórias que apresentaremos a seguir é fundamental ao psicopedagogo
articular a aplicação e a análise dessas provas aos estágios do
desenvolvimento propostos por Piaget e sintetizados no segundo capítulo
desta obra.

Contudo, Weiss (2004, p. 106) alerta para o seguinte fato

As observações sobre o funcionamento cognitivo [...] não são restritas


às provas do diagnóstico operatório; elas devem ser feitas ao longo do
processo diagnóstico. Na anamnese verifica-se com os pais como se deu
essa construção e as distorções no percurso; nas diferentes sessões de
caráter lúdico e na avaliação dos testes, analisam-se aspectos de
caráter cognitivo [...].

A seguir, apresentamos uma síntese do diagnóstico das principais provas


operatórias piagetianas apresentadas por Visca (2008) em sua obra O
diagnóstico operatório na prática psicopedagógica.

Provas operatórias
As provas operatórias são divididas em: provas de classificação, provas de
conservação, provas de seriação e provas para o pensamento formal.
Provas de classificação
a) Prova de mudança de critério (dicotomia)

Material: Figuras geométricas de cartolina ou EVA coloridas: 5 círculos


pequenos vermelhos, 5 círculos pequenos amarelos, 5 círculos grandes
vermelhos, 5 círculos grandes amarelos, 5 quadrados pequenos vermelhos,
5 quadrados pequenos amarelos, 5 quadrados grandes vermelhos, 5
quadrados grandes amarelos .

Figura 1 – Materiais para a prova de mudança de critério (dicotomia)

Objetivo: Avaliar a capacidade de classificar objetos.

Desenvolvimento: O psicopedagogo deve proceder da seguinte forma:

1. Pedido de identificação: O psicopedagogo deve colocar as figuras


sobre a mesa e pedir que a criança fale sobre o que está vendo.
2. Classificação espontânea: Deve perguntar à criança: “Você poderia
juntar as figuras que combinam?”; “E as que são iguais?”. Em seguida,
questiona: “Por que você colocou essas figuras juntas?”.
3. Dicotomia: O psicopedagogo pede à criança: “Agora gostaria que você
separasse esse material por cores e tamanhos, fazendo apenas dois
grupos.” Em seguida, pergunta: “Por que você colocou essas figuras
juntas?”.
4. Primeira mudança de critério: O psicopedagogo pergunta à criança:
“Você poderia separar novamente essas figuras em dois grupos
diferentes?”. Se a criança repetir o que fez no pedido anterior, deve
pedir a ela que tente separar o material de um jeito diferente. Em
seguida, questiona: “Por que você colocou essas figuras juntas?”.
5. Segunda mudança de critério: pergunta: “Você poderia separar
novamente essas figuras em dois grupos diferentes dos outros que você
fez anteriormente?”. Se a criança repetir o que fez no pedido anterior,
o avaliador deve pedir a ela que tente separar o material de um jeito
diferente. Em seguida, o psicopedagogo questiona: “Por que você
colocou essas figuras juntas?”.

Figura 2 – Apresentação do material e possíveis critérios de classificação


Procedimentos avaliativos:

Resposta de nível 1: Pensamento intuitivo global (4/5 anos) – Nesse


nível, as crianças organizam as figuras em forma de trenzinhos,
casinhas, bonecos etc. Além disso, podem juntar as figuras que têm
alguma semelhança, porém mudam sempre de critério e acabam por
não utilizar todas as figuras.
Resposta de nível 2: Pensamento intuitivo articulado (5/6 anos) –
Nesse nível, as crianças conseguem formar pequenos conjuntos não
figurais, de acordo com diferentes critérios (forma, tamanho ou cor),
porém são grupos sem nenhuma ligação entre si.
Resposta de nível 3: Dicotomia − As condutas da criança de nível 3
são próprias de um pensamento operatório, realizando as dicotomias
sucessivas, seguindo os critérios de forma, tamanho e cor.

b) Prova de quantificação da inclusão de classes

Material: Um ramo com 10 margaridas e 3 rosas.

Figura 3 – Disposição das flores no ramo para a prova de quantificação da


inclusão de classes

Cleverson Bestel

Objetivo: Avaliar a capacidade de quantificar a inclusão de classes.

Desenvolvimento: O psicopedagogo verifica se a criança sabe o nome


das flores e se conhece o nome genérico flores. Investiga ainda se a criança
conhece outros tipos de flores e, em seguida, iniciam-se as perguntas da
prova:

1. “Neste ramo há mais margaridas ou mais flores?”. Em seguida, o


psicopedagogo questiona: “Como você sabe?”; “Como pode me
explicar?”.
2. “Conheço 2 crianças que querem fazer ramos. Uma delas quer fazer
um ramo com as margaridas e a outra com as flores. Qual ramo será
maior?”.
3. “Se dou as margaridas para você, o que sobra no ramo?”; “Se dou as
flores a você, o que sobra no ramo?”.
4. “Vou fazer um ramo com todas as margaridas e você vai fazer um
ramo com todas as flores. Quem terá o ramo maior? Como você
sabe?”.

Procedimentos avaliativos:

Resposta de nível 1: Ausência de quantificação inclusiva (geralmente


até os 5/6 anos) − A criança faz sistematicamente a comparação das
duas subclasses, porém responde que há mais margaridas do que
flores. Além disso, costuma errar sobre a subtração de subclasses.
Resposta de nível 2: Condutas intermediárias (geralmente desde os 5/6
anos até os 7/8 anos) − A criança tem dúvidas em relação à pergunta:
“Há mais margaridas ou mais flores?”. Contudo, as perguntas de
subtração (item 3) são respondidas corretamente.
Resposta de nível 3: Condutas de quantificação inclusiva (a partir de
7/8 anos) − As crianças nesse nível dão respostas certas desde a
primeira vez.

c) Prova de interseção de classes

Material: Uma folha de cartolina (1/4 da folha) sobre a qual estão


desenhados 2 círculos. Um contornado de preto e outro de amarelo que se
entrecruzam, delimitando três partes das quais uma é comum aos dois
círculos; 5 círculos vermelhos pequenos de 2,5 cm de diâmetro e 5 com a
mesma medida em azul; 5 quadrados pequenos com 2,5 cm de lado em
vermelho (fichas).

Figura 4 – Materiais para a prova de interseção de classes


Objetivo: Avaliar a capacidade de estabelecer que um conjunto de
elementos possua, simultaneamente, atributos dos outros dois.

Desenvolvimento: O psicopedagogo coloca os círculos azuis e os


quadrados vermelhos na parte exterior e os círculos vermelhos na
interseção. Em seguida realiza as seguintes perguntas:

Figura 5 – Disposição dos materiais no desenvolvimento da prova de


interseção de classes

1. “Por que você acha que coloquei as figuras redondas vermelhas no


meio (os círculos vermelhos da interseção)?”.
2. “Há mais fichas azuis ou mais fichas vermelhas?”.
3. “Há mais fichas quadradas ou redondas?”.
4. “Há a mesma quantidade, há mais ou há menos fichas redondas do que
fichas vermelhas (pergunta de interseção)?”.
5. “Há a mesma quantidade, há mais ou há menos fichas quadradas do
que fichas vermelhas (pergunta de inclusão)?”.
6. Após cada resposta da criança, o psicopedagogo pergunta: “Como
você sabe?”; “Você pode me mostrar?”.
7. Caso a criança não responda às questões principais, são realizadas
perguntas suplementares: “O que é que tem no círculo preto?”; “Você
pode me mostrar?”; “E no amarelo?” etc.

Procedimentos avaliativos:

Resposta de nível 1: Resposta a classes não relacionadas (geralmente a


partir de 4/5 anos) − A criança responde unicamente às questões
vinculadas às classes não relacionadas: “Há mais fichas azuis ou mais
fichas vermelhas?”; “Há mais fichas quadradas ou há mais redondas?”.
Assim mesmo, até os 6 anos, as respostas às questões suplementares
apresentam erros ao se questionar: “O que é que tem no círculo
preto?”. A resposta pode ser a seguinte: “Os quadrados vermelhos”,
sem levar em conta o conteúdo da interseção.
Resposta de nível 2: Resposta às questões suplementares (geralmente a
partir dos 6 anos) − A criança responde adequadamente às perguntas
suplementares: “O que é que tem no círculo preto?”; “O que há no
círculo amarelo?”.
Resposta de nível 3: Êxito na interseção e quantificação (geralmente
desde os 7/8 anos) − A criança responde adequadamente às perguntas
suplementares e às de interseção e quantificação.

Provas de conservação
a) Prova de conservação de pequenos conjuntos discretos de
elementos

Material: Esse exercício conta com 20 fichas do mesmo formato e


tamanho, sendo 10 de cada cor (vermelho e azul) em papelão, cartolina ou
EVA.

Objetivo: Avaliar a noção de números.

Desenvolvimento: O desenvolvimento será dividido em duas situações.


Figura 6 – Materiais para a prova de conservação de pequenos conjuntos
discretos de elementos

Primeira situação

1. O psicopedagogo pede à criança que escolha uma das cores.


2. Em seguida, coloca à frente 6 ou 7 fichas da cor que sobrou e pede que
a criança faça o mesmo com as suas fichas, ou seja, pede à criança
para colocar o mesmo número de fichas ou a mesma quantidade.

Figura 7 – Aplicação da prova de conservação de elementos – situação


1

3. O psicopedagogo registra o que foi feito pela criança e, caso ela não
tenha conseguido realizar o que foi pedido, o psicopedagogo deve
organizar as fichas, para garantir a equivalência inicial dos dois
conjuntos.

Segunda situação

1. O psicopedagogo deve afastar ou aproximar as suas fichas umas das


outras em forma de fila e pedir que a criança observe e diga se o
número de fichas continua o mesmo, se aumentou ou se diminuiu.
Caso a criança diga que o número de fichas variou, questiona: “Onde
há mais/menos fichas?”; “Como você sabe?”.

Figura 8 – Aplicação da prova de conservação de elementos – situação


2

2. O psicopedagogo registra as explicações e justificativas da criança.


3. Contra argumentação: Se a resposta da criança for de conservação, o
psicopedagogo deve afirmar o contrário da resposta dada inicialmente.
Caso a resposta seja de não conservação, lembra a criança sobre a
situação inicial.
4. Em seguida, o psicopedagogo esconde suas fichas e pergunta à criança
quantas fichas ele tem escondidas em sua mão.

Procedimentos avaliativos:

Condutas não conservativas: Intuitivo global − nível 1 (até ± 4/5 anos)


− Nas duas situações do desenvolvimento da prova, a criança pode
fazer uma contagem, ou seja, uma correspondência ficha a ficha,
porém não pode levar em conta o número de fichas apresentadas.
Condutas intermediárias: nível 2 − Nas duas situações do
desenvolvimento da prova, a criança faz a correspondência ficha a
ficha, porém, não mantém a conservação, ou seja, quando se junta ou
se separa as fichas, a criança deixa de reconhecer a equivalência.
Porém, ao contrário da conduta anterior, a questão da quantidade é
resolvida corretamente.
Condutas conservativas: nível 3 (aproximadamente 5 anos) − Ao
alcançar essa conduta, a criança consegue não somente uma
correspondência precisa, como também mantém uma equivalência
durável (igual número de fichas), justificando-se por identidade
(“Você não retirou nem colocou fichas, somente as juntou/separou.”)
e/ou reversibilidade (“A ‘fila’ está mais comprida/curta, mas se você
juntar/separar as fichas de novo vai ficar como antes.”) e/ou
compensação (“‘Esta’ está mais comprida porque tem mais espaço
entre as fichas.”).

b) Prova de conservação das quantidades de líquido


(transvasamento)

Material: São necessários 2 vasos (copos) idênticos (A1 e A2), 1 vaso


(copo) mais fino e mais alto (E), 1 vaso (copo) mais largo e mais baixo (L),
4 vasos (copinhos) pequenos e idênticos (P1, P2, P3 e P4) e 1 jarra com
água colorida.

Figura 9 – Materiais para a prova de conservação das quantidades de


líquido
Cleverson Bestel

Objetivo: Avaliar a conservação de quantidades contínuas com líquidos.

Desenvolvimento: A prova ocorrerá da seguinte forma:

1. Apresentação e reconhecimento do material.


2. O psicopedagogo deve constatar com a criança que há dois copos
iguais (A1 e A2). Em seguida, deve colocar a água colorida em A1 e
pedir à criança que coloque a mesma quantidade em A2, nem mais
nem menos água.

Figura 10 – Disposição inicial para a prova de conservação das


quantidades de líquido

Cleverson Bestel
3. Após a criança colocar o líquido, questiona: “Se eu beber todo o
líquido do meu copo e você todo o líquido do seu, será que vamos
beber a mesma quantidade, mais ou menos?”.
4. O psicopedagogo vira o líquido de A1 em um recipiente E (fino e alto).
“E agora, será que há a mesma quantidade, mais ou menos?”. Pede que
a criança explique sua resposta: “Como você sabe?”.

Figura 11 – Primeira transformação da prova das quantidades de


líquido

Cleverson Bestel
5. Qualquer que seja a resposta da criança, o psicopedagogo deve contra-
argumentar, tomando o ponto de vista oposto ao dela. Por exemplo: se
a criança dá uma resposta não conservadora, dizendo “Este é mais
fino”, o psicopedagogo diz: “Mas este é mais alto também”, ou pode
recordar a igualdade inicial dos dois copinhos idênticos.
6. Ao contrário, se a criança dá uma resposta conservadora, o
psicopedagogo contra-argumenta, dizendo, por exemplo: “Mas este
líquido está mais alto”.
7. Em seguida, o psicopedagogo questiona: “Se eu retornar o líquido de E
para A1, terá mais, menos ou a mesma quantidade de A2?”. Caso a
criança não acerte, realiza o retorno empírico, igualando A1 a A2.
8. O psicopedagogo transfere então o líquido de A1 para L (mais largo e
baixo) e segue os mesmos passos que realizou nos itens 5, 6 e 7, em
relação à contra-argumentação e ao retorno empírico.

Figura 12 – Segunda transformação da prova das quantidades de


líquido
Cleverson Bestel
9. Por último, transfere o líquido de A1 para P1, P2, P3 e P4 e procede
seguindo os mesmos passos que realizou nos itens 5, 6 e 7 em relação
à contra-argumentação e ao retorno empírico.

Figura 13 – Terceira transformação da prova das quantidades de


líquido

Cleverson Bestel

Procedimentos avaliativos:

Condutas não conservativas (geralmente até os 5/6 anos): A criança


considera que os líquidos transferidos são quantidades maiores ou
menores, mas são iguais ao do copo-teste e as contra-argumentações
não modificam sua opinião ou lhe fazem concluir que a quantidade
maior ou menor é a outra.
Conduta intermediária (geralmente entre 5/6 a 7 anos): A criança oscila
entre a conservação e a não conservação − a) em uma mesma
transferência ou b) em diversas transferências ou, ainda, c) diante de
contra-argumentações. Apesar das explicações serem pouco claras e
incompletas, elas podem resolver a situação de retorno empírico.
Condutas conservativas (geralmente a partir dos 7 anos): A criança
considera as quantidades de líquido iguais para todas as transferências.
Além disso, é capaz de dar uma ou mais justificativas, usando
argumentos de identidade, reversibilidade e compensação.

c) Prova de conservação da quantidade de matéria

Material: É necessária 1 caixa de massa de modelar com várias cores.

Objetivo: Avaliar a noção de conservação de quantidades contínuas


com massa.

Desenvolvimento: O psicopedagogo conduzirá a prova da seguinte


forma:

1. Pede à criança para que esta faça duas bolas que tenham a mesma
quantidade de massa. Em seguida, pergunta à criança se as duas bolas
têm a mesma quantidade de massa.

Figura 14 – Disposição inicial do material para a prova de conservação


da quantidade de matéria
Cleverson Bestel
2. O psicopedagogo pede à criança que escolha uma das cores para ele.
Em seguida, ele transforma a outra bola em uma salsicha. Após a
transformação, questiona: “Será que agora há a mesma quantidade de
massa na bola e na salsicha, ou será que há mais na bola ou mais na
salsicha?”.

Figura 15 – Primeira transformação para a prova de conservação da


quantidade de matéria

Cleverson Bestel
3. Qualquer que seja a resposta da criança, o psicopedagogo pede uma
justificativa, o “porquê”.
4. Qualquer que seja a justificativa (conservadora ou não conservadora),
o psicopedagogo contra-argumenta, tomando o ponto de vista oposto
ou não considerado pela criança. Se a resposta for conservadora,
questiona: “A salsicha é mais comprida que a bola? Será que esta tem
mais massa?”. Para a não conservadora, faz a seguinte pergunta: “Você
se lembra de que anteriormente as duas bolas tinham a mesma
quantidade de massa? O que você acha agora?”.
5. O psicopedagogo questiona: “Se eu pegar a salsicha e transformá-la
novamente em bola, será que esta vai ter a mesma quantidade de massa
ou não?”. Caso a criança não dê a resposta correta, iguala novamente
as massas antes de se dar continuidade à prova.
6. Em seguida, transforma a massa (da salsicha) em uma panqueca
(minipizza) e procede como na transformação anterior, fazendo a
contra-argumentação, terminando sempre com o retorno empírico.

Figura 16 – Segunda transformação para a prova de conservação da


quantidade de matéria

Cleverson Bestel
7. Em seguida, o psicopedagogo realiza uma terceira transformação,
fragmentando a massa da pizza em pelo menos quatro bolinhas de
igual quantidade e procede como nas transformações anteriores.

Figura 17 – Terceira transformação para a prova de conservação da


quantidade de matéria
Cleverson Bestel

Procedimentos avaliativos:

Condutas não conservativas (geralmente até os 5/6 anos): Nível 1 −


Diante de cada transformação, a criança considera que uma das
quantidades é maior e que a outra é menor. Contudo, o problema de
retorno empírico pode ser resolvido corretamente ou não.
Conduta intermediária (geralmente entre 5/6 e 7 anos): Nível 2 − A
criança oscila entre a conservação e a não conservação: a) em uma
mesma transformação, b) em diversas transformações, c) em virtude
das contra-argumentações.
Conduta conservativa (geralmente a partir dos 7 anos): Nível 3 − A
criança considera, em todas as transformações, as quantidades sempre
iguais. Além disso, a criança é capaz de justificar-se, usando
argumentos de identidade, compensação e reversibilidade.

d) Prova de conservação de peso

Material: São necessárias duas bolas de massa de modelar de cores


diferentes e uma balança.

Figura 18 – Disposição inicial para a prova de conservação de peso


Cleverson Bestel

Objetivo: Avaliar a noção de conservação de peso.

Desenvolvimento: O psicopedagogo pede à criança que faça duas bolas


com a mesma quantidade de peso. Em seguida, verifica se a criança
conhece a forma de pesar, pedindo a ela que verifique se as bolas de massa
possuem a mesma quantidade de peso, utilizando a balança (se a criança
não sabe como pesar, pode explicar a ela como funciona a balança). A partir
daí, iniciam-se as transformações:

1. O psicopedagogo pede à criança que escolha uma das cores para ele.
Em seguida, transforma a outra bola em uma salsicha. Após a
transformação, questiona: “Agora, como está o peso da salsicha: igual
ao da bola, mais ou menos pesado que a da bola?”.

Figura 19 – Primeira transformação para a prova de conservação de


peso
Cleverson Bestel
2. Qualquer que seja a resposta da criança, ele pede uma justificativa.
3. Qualquer que seja a justificativa (conservadora ou não conservadora),
o psicopedagogo contra-argumenta, tomando o ponto de vista oposto
ou não considerado pela criança. Se a resposta for conservadora,
questiona: “A salsicha é mais comprida que a bola”; “Será que aquela
pesa mais?”. Para a não conservadora: “Você se lembra de que
anteriormente as duas bolas tinham a mesma quantidade de peso? O
que você acha agora?”.
4. O psicopedagogo continua: “Se eu pegar a salsicha e transformá-la
novamente em bola (retorno empírico), ela terá a mesma quantidade de
massa ou não?”. Caso a criança não dê a resposta correta, iguala e pesa
novamente as massas antes de se dar continuidade à prova.

Figura 20 – Segunda transformação para a prova de conservação de


peso
Cleverson Bestel
5. Em seguida, transforma a massa (da salsicha) em uma panqueca
(minipizza) e procede como na transformação anterior, fazendo a
contra-argumentação, terminando sempre com o retorno empírico.
6. Em seguida, o psicopedagogo realiza uma terceira transformação,
fragmentando a massa da pizza em pelo menos quatro bolinhas de
igual quantidade e procede como nas transformações anteriores.

Figura 21 – Terceira transformação para a prova de conservação de peso

Cleverson Bestel

Procedimentos avaliativos:
Condutas não conservativas (geralmente até 6/7 anos): Nível 1 −
Diante de cada transformação, a criança considera que um dos pesos é
maior que o outro. Contudo, o problema de retorno empírico pode ser
resolvido corretamente ou não.
Conduta intermediária (entre 8/9 anos): Nível 2 − A criança oscila
entre a conservação e a não conservação: a) em uma mesma
transformação, b) em diversas transformações, c) em virtude das
contra-argumentações.
Conduta conservativa (geralmente a partir dos 8/9 anos): Nível 3 − A
criança considera, em todas as transformações, os pesos sempre iguais.
Além disso, a criança é capaz de justificar-se, apesar das contra-
argumentações, usando argumentos de identidade, compensação e
reversibilidade.

e) Prova de conservação de volume

Material: São necessários 2 vasos (copos) idênticos e transparentes (os


2 frascos usados na prova de conservação de líquidos – A1 e A2), 2 massas
de modelar idênticas em formato e de cores diferentes, 1 garrafa com água.

Figura 22 – Materiais para a prova de conservação de volume

Cleverson Bestel

Objetivo: Avaliar a noção de conservação de volume.

Desenvolvimento: A prova ocorrerá da seguinte forma:


1. O psicopedagogo deve colocar água nos dois copos (a mesma
quantidade) ou pedir que a criança a coloque, constatando com a
criança que há o mesmo nível de água nos dois recipientes (A1 e A2).
Em seguida, pede à criança que esta faça duas bolas idênticas com a
massa de modelar e que ela escolha uma das cores para si.
2. Após colocar o líquido, o psicopedagogo questiona: “Se eu colocar a
minha bola dentro do copo, a água irá subir, abaixar ou ficar do mesmo
jeito que está?”
3. Se a criança disser que o nível da água vai baixar ou ficar igual, ele
introduz a bola no copo e compara com o nível de água do outro copo
(sem bola).

Figura 23 – Primeira transformação para a prova de conservação de


volume

Cleverson Bestel
4. Em seguida, o psicopedagogo realiza a transformação da bola que está
fora do copo em salsicha, depois em minipizza e, em seguida, há uma
terceira modificação, na qual a massa é fragmentada em pelo menos 4
bolinhas de igual quantidade de massa. Faz a mesma pergunta sobre a
imersão e o nível do líquido e procede como nas transformações das
provas anteriores, pedindo sempre que a criança explique sua resposta:
“Como você sabe?”.

Figura 24 – Segunda, terceira e quarta transformações para a prova de


conservação de volume
Cleverson Bestel
5. Quaisquer que sejam as respostas da criança, o psicopedagogo deve
contra-argumentar, tomando o ponto de vista oposto ao dela e
realizando o retorno empírico.

Procedimentos avaliativos:

Condutas não conservativas (geralmente até os 8/9 anos


aproximadamente): A criança considera que a modificação das formas
faz com que o líquido suba mais ou suba menos porque ocupa mais
lugar ou porque ocupa menos lugar. As contra-argumentações não
modificam sua opinião ou a modificam radicalmente.
Conduta intermediária (geralmente depois dos 9 anos
aproximadamente): A criança oscila entre a conservação e a não
conservação de três formas distintas: ora a água sobe igualmente, ora
sobe mais, ora menos. As explicações são pouco claras e incompletas.
Condutas conservativas (geralmente a partir dos 11/12 anos): A criança
reconhece que a modificação da forma é neutra em relação ao espaço
ocupado pelo líquido e mantém essa opinião apesar das contra-
argumentações. Além disso, é capaz de justificar suas respostas,
usando argumentos de identidade, reversibilidade e compensação.

f) Prova de conservação de comprimento

Material: É necessária 1 corrente de 10 cm e 1 de 15 cm.

Figura 25 – Disposição inicial para a prova de conservação de comprimento


Cleverson Bestel

Objetivo: Avaliar a noção de conservação de comprimento.

Desenvolvimento: O psicopedagogo mostra as correntes à criança,


estendendo-as sobre a mesa, uma ao lado da outra, levando a criança a
reconhecer que uma delas é maior que a outra. Após o reconhecimento,
sugere que cada uma delas represente um caminho e iniciam-se as
transformações:

1. O psicopedagogo ondula a corrente maior, fazendo seus extremos


coincidirem com os da corrente menor e questiona: “E agora, há a
mesma quantidade para caminhar nas duas ou não?” .

Figura 26 – Primeira transfomação para a prova de conservação de


comprimento
Cleverson Bestel
2. Em seguida, o psicopedagogo procede como nas provas anteriores, em
relação à contra-argumentação, terminando sempre com o retorno
empírico.
3. Na segunda transformação, ondula a corrente maior, fazendo com que
fique com uma das extremidades aparentemente mais curta que a
menor.

Figura 27 – Segunda transfomação para a prova de conservação de


comprimento

Cleverson Bestel
4. Em seguida, o psicopedagogo procede como nas provas anteriores, em
relação à contra-argumentação e ao retorno empírico, agindo de acordo
com as respostas da criança.
Procedimentos avaliativos:

Condutas não conservativas (geralmente até 6/7 anos): Nível 1 − Não


há conservação de comprimento em nenhuma das transformações. Na
primeira transformação, as correntes são julgadas como tendo o
mesmo comprimento e na segunda transformação a corrente com
curvas é considerada como sendo menor.
Condutas intermediárias (geralmente entre 6/7 anos e antes dos 8
anos): Nível 2 − Geralmente o julgamento da criança é correto em uma
transformação e incorreto na outra. Em um segundo nível de
julgamentos de conservação, na segunda transformação, as respostas
são instáveis, como também as explicações e as justificativas da
criança.
Condutas conservadoras (geralmente desde os 8 anos): Nível 3 −
Conserva-se o comprimento em todas as situações e as explicações e
justificativas da criança são pertinentes, utilizando argumentos de
identidade, reversibilidade e compensação.

Provas de seriação
a) Prova de seriação de palitos

Material: Uma série de 10 bastões/palitos graduados em tamanho


(podem ser também lápis grafite – da mesma cor − apontados) de 10 a 16
cm, com a diferença de um para o outro de 0,6 cm.

Figura 28 – Materiais para a prova de seriação de palitos


Cleverson Bestel

Objetivo: Avaliar a capacidade de seriação.

Desenvolvimento: O psicopedagogo entrega à criança os 10 palitos


para que esta conheça o material. Em seguida, inicia-se a prova:

1. Pede à criança que faça uma pequena escada, organizando os palitos


do menor para o maior. Caso a criança não consiga. O psicopedagogo
pode iniciar a organização dos palitos para que ela continue a
atividade. Caso a criança erre, pode pedir para que ela tente
novamente, desarrumando o que foi feito e entregando à criança os
palitos juntos e desordenados. É importante tomar nota do processo de
realização.
2. No momento em que a criança acerta a seriação dos 10 palitos, o
psicopedagogo pede para que ela feche os olhos; em seguida, retira um
palito da escada pedindo para que a criança abra os olhos e descubra
de onde ele retirou o palito.

Figura 29 – Primeira transformação na prova de seriação de palitos


Cleverson Bestel
3. No momento em que a criança consegue descobrir de onde o palito foi
retirado, o psicopedagogo coloca um anteparo (pedaço de papelão) e
explica à criança que vai montar a escada atrás da tampa com a ajuda
da criança. Em seguida, pede para a criança: “Vá me dando os palitos,
um a um, do maior para o menor, para que eu possa montar a escada
atrás da tampa, mas você não pode ordená-los antes de me entregar”.

Figura 30 – Segunda transformação na prova de seriação de palitos

Cleverson Bestel
4. Em seguida, mostra à criança o resultado. Caso ela não tenha
conseguido, pede para que repita o processo, registrando sempre a
forma com que a criança realiza suas escolhas.

Procedimentos avaliativos:
Ausência de seriação (geralmente antes dos 4/5 anos): Nível 1 − Nesse
nível, podemos distinguir duas etapas. Na primeira, anterior aos 4
anos, a criança não compreende o que lhe é solicitado. Além disso,
costuma justapor 2 palitos sem levar em consideração a verticalidade e
a horizontalidade. Na segunda, podemos observar diferentes condutas:
a criança ordena duplas ou trios; pode ordenar levando em conta
apenas uma das bases dos palitos, sem respeitar a outra; e, em um nível
mais avançado, constrói uma série completa de 4 ou 5 palitos sem
conseguir colocar o restante.
Intermediária (geralmente a partir dos 6 anos): Nível 2 − Nesse nível, a
criança consegue ordenar do menor para o maior e vice-versa,
superpondo e corrigindo erros. A criança volta ao ponto de partida
continuamente para realizar sucessivos ajustes, pois não possui ainda
um método sistemático.
Êxito obtido por método operatório (geralmente a partir dos 6/7 anos):
Nível 3 − A criança consegue antecipar com facilidade a escala,
inclusive a realizada com anteparo, pois coloca todos os palitos com a
mesma linha de base sem ordená-los previamente, demonstrando um
método sistemático para realizar o processo.

Provas operatórias para o pensamento formal (a


partir dos 11/12 anos aproximadamente)
a) Prova de combinação de fichas

Material: São necessárias 6 fichas de cores diferentes e de mesmo


tamanho.

Objetivo: Avaliar a capacidade de análise combinatória.

Desenvolvimento: O psicopedagogo pede que a criança faça, com todas


as fichas, o maior número possível de duplas. Contudo, é necessário que
esteja atento para perceber se a criança compreendeu a atividade a ser
realizada. Ele deve observar e tomar nota do método utilizado pela criança e
os critérios que esta utiliza para atingir os objetivos e chegar aos resultados,
assim como o que a criança verbaliza durante a realização da prova. Além
disso, muitas crianças pedem para registrar com lápis e papel suas
tentativas, o que é permitido.

Figura 31 – Possíveis combinações das fichas

Procedimentos avaliativos:

Nível 1: Ausência de capacidade combinatória − A criança é incapaz


de descobrir a possibilidade das várias combinações e faz grosseiras
tentativas de ordenamento aleatório, não estabelecendo critério, sem
conseguir obter um número mínimo de duplas.
Nível 2: Condutas intermediárias − A criança realiza combinações
incompletas. São condutas próprias de um pensamento operatório
concreto, pois o indivíduo avaliado descobre a possibilidade de
combinar as fichas à medida que vai operando sobre elas, mas não
consegue prever o número total das combinações possíveis.
Nível 3: Condutas operatórias revelando capacidade de análise
combinatória − A criança tem êxito nas operações combinatórias
mediante um sistema completo e um método sistemático, sendo capaz
de antecipar a possibilidade combinatória antes da experimentação,
chegando a descobrir as 30 duplas possíveis.

b) Prova de permutações possíveis com um conjunto determinado


de fichas

Material: 3, 4 ou 5 fichas de cores diferentes e de mesmo tamanho.

Objetivo: Avaliar a capacidade de permutação.


Desenvolvimento: O psicopedagogo pede que a criança faça com todas
as fichas o maior número de permutações (usando sempre todas as fichas).
Como na prova anterior, é necessário que esteja atento para perceber se a
criança compreendeu a atividade a ser realizada e que tome nota do método
utilizado por ela e os critérios que utiliza para atingir os objetivos e chegar
aos resultados, assim como o que a criança verbaliza durante a realização da
prova. Além disso, também é permitido o uso de lápis e papel para registrar
os resultados.

Figura 32 – Algumas possíveis permutações

Procedimentos avaliativos:

Nível 1: Ausência de capacidade de permuta − A criança é incapaz de


descobrir a possibilidade de permuta e faz tentativas aleatórias.
Nível 2: Condutas intermediárias − A criança realiza permutações
incompletas. São condutas próprias de um pensamento operatório
concreto e representam o início de um pensamento formal; no entanto,
a criança nesse estágio não consegue prever o número total das
permutações possíveis.
Nível 3: A criança tem êxito total nas permutações possíveis, mediante
um sistema completo e um método sistemático (de forma ordenada),
sendo capaz de prever as possibilidades de permutações antes da
experimentação.
Após esse detalhado estudo das provas operatórias propostas por Piaget,
passaremos a analisar as provas projetivas e seus indicadores no processo
de avaliação psicopedagógica clínica.

Provas projetivas: análise do desenho no contexto


do diagnóstico psicopedagógico
Visca (1997) apresenta as provas projetivas em sua obra Tecnicas
proyectivas psicopedagogicas, afirmando logo na introdução que, quando
desejamos avaliar tanto a inteligência quanto a afetividade, não
encontramos muitas técnicas psicopedagógicas que investiguem esse
segundo aspecto.

Segundo o autor, em geral utilizamos recursos provenientes da


psicologia. Contudo, quando nosso objetivo é analisar e explicar as
variáveis emocionais que condicionam positiva ou negativamente a
aprendizagem, os testes das provas projetivas são amplamente utilizados
como técnicas capazes de indicar uma rede de vínculos que o sujeito
estabelece com três grandes domínios: a escola, a família e consigo mesmo.

Em relação ao registro e à avaliação das produções da criança, devemos


tomar nota das explicações ou a sessão pode ser gravada (com a autorização
da criança) com o objetivo de tornar mais precisa a análise da fala. Esta é
analisada destacando-se dois pontos básicos: a função semiótica, ou seja,
as elaborações significativas que a criança relata em relação ao seu processo
de ensino-aprendizagem, e a cognição-afetividade, ou seja, os estágios de
pensamento compatíveis com a idade da criança. No relato escrito, são
observados os erros gramaticais e a capacidade de transpor a cena em uma
passagem escrita.

O desenho é analisado em relação ao grafismo (traços, tamanho dos


sujeitos em relação aos demais sujeitos e em relação aos objetos, posição da
folha, detalhes, objetos incluídos na cena etc.), em relação aos vínculos
com o conhecimento e com o outro (aquele que lhe ensina, por exemplo),
analisando como o sujeito se percebe em situações de aprendizagem e os
vínculos afetivos e cognitivos que desenvolve em relação a essas situações,
além dos vínculos afetivos que representa em relação à família, assim
como sua maturidade cognitiva, os aspectos motores e econômicos e
socioculturais envolvidos nas cenas.

Aplicação das provas projetivas


As provas projetivas são divididas em: vínculos escolares, vínculos
familiares e vínculos consigo mesmo.

Vínculos escolares
Técnica 1: Par educativo

Material: Papel-ofício, lápis grafite, apontador, régua e borracha.

Objetivo: Investigar o vínculo de aprendizagem por meio da relação


vincular entre o sujeito que ensina, o sujeito que aprende e os objetos
escolares.

Desenvolvimento: O psicopedagogo deverá proceder da seguinte


forma:

Pedir à criança que desenhe 2 pessoas, uma que ensina e uma que
aprende.
Após o término do desenho, solicitar à criança que escreva ou indique
(se não souber escrever) como se chama cada uma das pessoas que
desenhou e que idade elas têm.
Em seguida, solicitar à criança que dê um título ao desenho e que
conte o que está acontecendo nele.
Pode ser solicitado à criança (se ela souber escrever) que vire a folha e
escreva uma história do que está acontecendo na cena.
Realizar as perguntas complementares que julgar necessárias.

Processos avaliativos:
Detalhes do desenho: O tamanho do desenho como um todo está
vinculado à importância que se dá à aprendizagem. Os desenhos muito
pequenos podem indicar um vínculo negativo com o processo de
ensino-aprendizagem; por outro lado, os desenhos muito grandes
também. Em relação às pessoas e aos objetos escolares, a proporção
entre os tamanhos também deve ser analisada. Quando a pessoa que
ensina é muito maior do que a pessoa que aprende, pode indicar
supervalorização da primeira. De maneira inversa, quando a pessoa
que aprende é muito maior do que a pessoa que ensina, pode significar
desvalorização da segunda, como também uma negação das
dificuldades de aprendizagem. Assim também se deve proceder em
relação à análise dos objetos: quando um objeto é muito maior que
outro, isso pode indicar supervalorização do primeiro. De maneira
inversa, quando um objeto é muito menor do que outros, pode
significar desvalorização do primeiro, ou seja, um vínculo negativo.
Título do desenho: O título pode resumir em poucas palavras as
características do vínculo – negativo ou positivo – com o processo de
ensino-aprendizagem. O psicopedagogo deve observar se o título é
coerente com o desenho realizado, pois ele também será indicativo de
vínculo negativo quando for dissociado do desenho.
Fala da criança: A fala da criança pode trazer um importante
complemento às representações gráficas das provas projetivas, pois
não é tão simples transmitir para o papel os sentimentos e afetos em
relação aos vínculos escolares. Para tanto, o psicopedagogo deve
analisar a fala com base em seu conteúdo, pois pode demonstrar
características do vínculo – negativo ou positivo – com o processo de
ensino-aprendizagem. Deve observar também a relação do relato com
o título dado anteriormente ao desenho, ou seja, se são coerentes entre
si, demonstrando correlação ou se são contraditórios e incoerentes.

Técnica 2: Eu e meus companheiros

Materiais: Papel-ofício, lápis grafite, apontador, régua e borracha.

Objetivo: Investigar o vínculo com os companheiros de classe.

Desenvolvimento: O procedimento ocorrerá da seguinte maneira:


O psicopedagogo pede à criança que desenhe ela mesma e seus colegas
de classe.
Após o término do desenho, pede à criança que indique ou escreva no
desenho como se chamam seus colegas de classe e que idade eles têm.
Solicita à criança que escreva ou indique (se não souber escrever)
como se chama cada uma das pessoas que desenhou além dos colegas
de classe e que idade elas têm.
Em seguida, solicita à criança que dê um título ao desenho e que conte
o que está acontecendo nele.
Pode ser solicitado à criança (se ela souber escrever) que vire a folha e
escreva uma história do que está acontecendo na cena.
Realiza as perguntas complementares que julgar necessárias.

Processos avaliativos:

Detalhes do desenho: O tamanho total do desenho está relacionado ao


vínculo com a sala de sala, ou seja, quanto maior o tamanho do
desenho, maior a importância do vínculo afetivo. Em relação às
pessoas, a proporção entre os tamanhos também deve ser analisada.
Quanto aos colegas, o tamanho está intimamente ligado ao vínculo
positivo ou negativo relacionado à vivência com os mesmos. O
tamanho dos colegas aponta, ainda, a valorização – quanto maior o
desenho – ou desvalorização – quanto menor o desenho − relacionada
aos companheiros de sala. Outra interpretação necessária se refere ao
tamanho com o qual a criança se representa, pois o desenho demonstra
a autoimagem que esta tem de si mesma. Quando o sujeito se
representa no desenho de forma desproporcional – maior ou menor que
os outros –, pode demonstrar consequente valorização ou
desvalorização de si mesmo. Outro ponto importante a ser analisado é
a posição do sujeito em relação ao grupo de colegas. Quando o
entrevistado se coloca separado ou distante, isso pode significar falta
de integração com o grupo; quando ele se desenha localizado em uma
das extremidades, tal fato pode sinalizar uma interação relativa com os
colegas; por outro lado, se o sujeito se coloca integrado ao grupo ou,
ainda, coloca o grupo em círculo, em volta de uma mesa redonda, isso
pode significar uma boa interação com o grupo. Se, por outro lado, o
sujeito estiver ausente do desenho, tal fato pode apontar uma grande
inibição e timidez para interagir com os colegas. A inclusão do(a)
professor(a) no desenho é bem comum e pode demonstrar duas
situações opostas: um vínculo extremamente positivo, no qual o(a)
professor(a) está integrado ao grupo, ou um vínculo negativo – como
se ele(a) fosse um(a) intruso(a) (isso pode ser esclarecido na fala do
sujeito).
Título do desenho: O título pode resumir em poucas palavras as
características do vínculo – negativo ou positivo – com os colegas de
sala. O psicopedagogo deve observar se o título é coerente com o
desenho realizado, pois também será indicativo de vínculo negativo
quando for dissociado do desenho.
Fala da criança: Nesse caso, a fala do sujeito revela a gama de vínculos
existentes entre o sujeito e os seus colegas – negativos ou positivos –
como um todo, assim como os subvínculos entre eles – negativos ou
positivos –, dando uma visão geral de como o sujeito se relaciona com
seus companheiros de classe e o que eles representam para ele. Deve-
se observar contradições e incoerências entre a grafia e a fala, que
revelam possíveis conflitos.

Vínculos familiares
Técnica 3: Família educativa

Materiais: Papel-ofício, lápis grafite, apontador, régua e borracha.

Objetivos: Investigar o vínculo de aprendizagem com o grupo familiar


e com cada um de seus integrantes. Especificando:

Estudar o vínculo da aprendizagem com o grupo familiar e cada um de


seus integrantes e como a criança se coloca tanto geografica como
afetivamente no contexto projetado.
Perceber o tipo de vínculo existente no seio familiar e como esse se
transfere para as situações de ensino-aprendizagem escolar, articulando
as possíveis causas da não aprendizagem.
Investigar o desenho e a escrita do ponto de vista cognitivo, motor e
afetivo.
Desenvolvimento: A aplicação dessa prova projetiva se dá da seguinte
forma:

O psicopedagogo pede à criança que desenhe sua família, fazendo o


que cada um sabe fazer.
Após o término do desenho, solicita à criança que escreva ou indique
(se não souber escrever) como se chama cada uma das pessoas que
desenhou, que idade elas têm e o sexo de cada uma.
Em seguida, solicita à criança que dê um título ao desenho e que conte
o que está acontecendo nele.
Pode ser solicitado à criança (se ela souber escrever) que vire a folha e
escreva uma história do que está acontecendo na cena.
Realiza as perguntas complementares que julgar necessárias.

Processos avaliativos:

Detalhes do desenho: A atividade de cada pessoa que aparece no grupo


familiar é geralmente explicitada no desenho de maneiras diferentes
entre as crianças mais jovens e as mais velhas. As crianças de 7 ou 8
anos à 11 ou 12 anos costumam representar nos desenhos o que os
membros da família fazem em casa. Já dos 12 anos em diante,
costumam representar os membros da família em suas atividades
profissionais ou externas, porém essa característica não revela nada
sobre vínculos afetivos da criança em relação ao grupo familiar. Só
será possível discernir os vínculos afetivos – negativos ou positivos –
com base na fala do sujeito. Já a idade e o sexo dos membros da
família podem apontar as diferenças entre as atividades de cada um,
revelando um vínculo com a aprendizagem definida justamente por
esses dois fatores – idade e sexo. O grau de autonomia, por exemplo, a
rigidez em relação aos papéis sexuais, a aprendizagem doméstica mais
ou menos direcionada aos membros femininos do grupo, a iniciativa de
cada pessoa no grupo e como cada uma delas parece encarar sua
atividade pode demonstrar a forma como a família encara a
aprendizagem – de forma mais ou menos rígida, mais ou menos
mecânica, mais ou menos criativa etc.
Título do desenho: O título pode resumir em poucas palavras as
características do vínculo – negativo ou positivo – com os membros da
família. O psicopedagogo deve observar se o título é coerente com o
desenho realizado, indicando vínculo negativo quando for dissociado
do desenho.
Fala da criança: A fala da criança demonstrará sua compreensão ou não
das atividades realizadas pelos membros da família. No primeiro caso,
pode significar um melhor vínculo da criança com o processo de
aprendizagem formal e informal, já que a maneira como a família é
percebida em seus vínculos com a aprendizagem, de um modo geral,
refletem na forma como a criança encara suas aprendizagens
particulares. O psicopedagogo deve observar contradições e
incoerências entre a grafia e a fala que revelam possíveis conflitos.

Técnica 4: Os quatro momentos do dia

Materiais: Papel-ofício, lápis grafite, apontador, régua e borracha.

Objetivo: Investigar o vínculo com a aprendizagem ao longo da jornada


da vida.

Desenvolvimento: A prova seguirá da seguinte maneira:

O psicopedagogo pega uma folha de papel ofício e pede-se à criança


que observe como o avaliador vai dobrá-la (dobra-se o papel em quatro
partes iguais). Em seguida, solicita à criança que pegue outra folha e
faça o mesmo (dobre em quatro partes iguais).
Pede à criança que desenhe os quatros momentos do seu dia, cada
momento em um quadrante, desde a hora que acorda até a hora que vai
dormir.
Após o término do desenho, solicita à criança que escreva ou indique
(se não souber escrever) sobre cada momento que desenhou.
Em seguida, solicita à criança que dê um título ao desenho (quadro por
quadro) e que conte o que está representando em cada um deles.
Pode ser solicitado à criança (se ela souber escrever) que ela vire a
folha e escreva uma história do que está acontecendo nas cenas.
Realiza as perguntas complementares que julgar necessárias.

Processos avaliativos:
Detalhes do desenho: Como nas provas anteriores, nessa técnica é
necessário se observar o tamanho dos desenhos, pois estes podem
apontar o grau de importância dos momentos desenhados para o
sujeito. O tamanho do desenho como um todo está vinculado à
importância que se dá a cada um dos momentos representados. Os
desenhos muito pequenos podem indicar um vínculo negativo com o
respectivo momento; por outro lado, os desenhos muito grandes
também. Em relação às pessoas, a proporção entre os tamanhos
também deve ser analisada. Quando a pessoa é muito maior que os
demais objetos ou pessoas, tal fato pode indicar supervalorização da
primeira ou, ainda, uma desvalorização dos demais indivíduos e
objetos desenhados. Também devem ser observadas as posições das
pessoas e dos objetos que possam compor os quatro momentos,
observando a distância entre eles (pessoas sozinhas ou entre outras
pessoas e objetos) e a coerência entre todos os objetos do desenho.
Título do desenho: O título pode resumir em poucas palavras as
características do vínculo – negativo ou positivo – com os quatro
momentos eleitos para compor o desenho. O psicopedagogo deve
observar se o título é coerente com cada desenho realizado, indicando
vínculo negativo quando for dissociado da produção feita pela criança.
Fala da criança: A criança relatará em sua fala o motivo da escolha dos
quatro momentos, demonstrando suas preferências ou, por outro lado,
a imposição da vontade dos outros sobre ela – demonstrando um grau
de autonomia maior ou menor e, dessa forma, uma capacidade maior
ou menor de fazer suas próprias escolhas. Com base na seleção dos
momentos, o psicopedagogo também pode observar a relação com a
aprendizagem formal, pois geralmente em um dos quatro momentos do
dia a criança representará a escola e deve tomar nota das colocações da
criança em relação ao desenho para que se possa fazer uma
comparação com as provas anteriores. O procedimento para avaliar o
grau de maior ou menor importância em relação a cada momento
também pode ser compreendido com base na fala. Deve observar,
ainda, as contradições e incoerências entre a grafia e a fala que
revelem possíveis conflitos.

Vínculos consigo mesmo


Técnica 5: O dia do meu aniversário

Materiais: Papel-ofício, lápis grafite, apontador, régua e borracha.

Objetivo: Conhecer a representação que a criança tem de si mesma e do


contexto físico sociodinâmico em um momento de transição de uma idade a
outra.

Desenvolvimento: Essa prova é realizada da seguinte maneira:

O psicopedagogo pede à criança que desenhe o dia do seu aniversário.


Após o término do desenho, solicita à criança que escreva ou indique
(se não souber escrever) como se chama cada uma das pessoas que
desenhou, que idade elas possuem e o sexo de cada uma.
Em seguida, solicita à criança que dê um título ao desenho e que conte
o que está acontecendo nele.
Pode ser solicitado à criança (se ela souber escrever) que vire a folha e
escreva uma história do que está acontecendo na cena.
Realiza as perguntas complementares que julgar necessárias.

Processos avaliativos:

Detalhes do desenho: O psicopedagogo deve observar as questões mais


gerais apontadas nas provas anteriores; além disso, deve-se analisar o
tamanho e a idade cronológica do sujeito em comparação à idade das
demais pessoas que compõem o desenho. Caso ele seja o integrante
mais jovem, tal postura pode significar seu desejo de não crescer, no
qual está vinculado o “não aprender”. Se as idades forem coincidentes,
tal fato pode revelar tendência a tolerar a frustração e os conflitos
trazidos por um aprendizado novo. Por outro lado, se a idade
cronológica do sujeito for maior em comparação à idade das demais
pessoas que compõem o desenho, geralmente a criança se encontra nos
parâmetros da normalidade, demonstrando um desejo de crescer e
aprender coisas novas.
Título do desenho: Como apontamos anteriormente, o título pode
resumir em poucas palavras as características do vínculo – negativo ou
positivo – com o processo de ensino-aprendizagem. O psicopedagogo
deve observar se o título é coerente com o desenho realizado, pois
indicará um vínculo negativo quando for dissociado do desenho.
Fala da criança: Nesse caso, a fala do sujeito também revela a gama de
vínculos existentes entre o sujeito e as pessoas que ele desenhou
(negativos ou positivos), dando uma visão geral de como o sujeito se
relaciona com essas pessoas e o que elas representam para ele. Deve
observar contradições e incoerências entre a grafia e a fala que revelam
possíveis conflitos que implicam perturbações nos vínculos que o
sujeito estabelece consigo mesmo e com as pessoas mais íntimas.

Técnica 6: Minhas férias

Materiais: Papel-ofício, lápis grafite, apontador, régua e borracha.

Objetivo: Estudar as atividades praticadas durante o período de férias


escolares.

Desenvolvimento: Essa prova é desenvolvida da seguinte maneira:

O psicopedagogo pede à criança que ela faça um desenho relacionado


ao seu período de férias.
Após o término do desenho, solicita à criança que escreva ou indique
(se não souber escrever) como se chama cada uma das pessoas que
desenhou e qual a idade e o sexo de cada uma delas.
Em seguida, solicita à criança que dê um título ao desenho e que conte
o que está acontecendo nele.
Pode ser solicitado à criança (se ela souber escrever) que esta vire a
folha e escreva uma história do que está acontecendo na cena.
Realiza as perguntas complementares que julgar necessárias.

Processos avaliativos:

Detalhes do desenho: Essa prova geralmente revela os desejos mais


íntimos do sujeito e tem um grande valor demonstrativo do vínculo
que o indivíduo possui consigo mesmo. A criatividade deve ser levada
em conta nesse teste, pois apontará um vínculo positivo do sujeito
consigo mesmo nas produções mais criativas e um vínculo negativo
nas menos criativas. Nessa avaliação, o psicopedagogo pode perceber,
em alguns casos, indícios dos desejos e das inclinações profissionais
futuras. Nesse caso, como nos demais, deve ser observado o tamanho
do desenho (quando é pequeno demais, pode representar uma inibição
ou timidez demasiada, ou um vínculo negativo com o objeto ou a
pessoa desenhada; ao contrário, quando o desenho é muito grande, tal
dado pode apontar um descontrole que implica uma falta de limites
adequados); os objetos incluídos indicam objetos ou pessoas com as
quais a criança desenvolveu um vínculo positivo; os elementos
excluídos, ao contrário dos elementos incluídos, indicam vínculos
negativos. Outra interpretação necessária diz respeito à relação do
tamanho com o qual a criança representa a si mesma, pois esse dado
demonstra a autoimagem que esta tem de si. Quando o sujeito se
representa no desenho de forma desproporcional – maior ou menor do
que os outros – esse fato pode demonstrar consequente valorização ou
desvalorização de si mesmo. Outro ponto importante a ser analisado é
a posição do sujeito em relação às demais pessoas. Quando o
entrevistado se coloca separado ou distante, isso pode significar falta
de integração com o grupo; quando ele se desenha localizado em uma
das extremidades, pode estar sinalizando uma interação relativa com as
pessoas presentes; por outro lado, se o sujeito se coloca integrado ao
grupo de pessoas que aparecem no desenho ou, ainda, coloca o grupo
em círculo, em volta de uma mesa, tal fato pode significar uma boa
interação com as pessoas. Se, por outro lado, o sujeito estiver ausente
do desenho, isso pode apontar uma grande inibição e timidez para
interagir com pessoas, da mesma forma se o sujeito estiver sozinho.
Título do desenho: Como apontamos anteriormente, o título pode
resumir em poucas palavras as características do vínculo – negativo ou
positivo – com o processo de ensino-aprendizagem. O psicopedagogo
deve observar se o título é coerente com o desenho realizado, pois
indicará um vínculo negativo quando for dissociado do desenho.
Fala da criança: Nessa prova, pode compreender, com base na fala do
sujeito, a sua predisposição para conhecer e aprender coisas novas,
pois durante as férias geralmente o sujeito entra em contato com
pessoas até então desconhecidas ou que encontra mais raramente.
Dessa forma, o psicopedagogo pode analisar como o indivíduo encara
esse “novo”, “desconhecido” ou “pouco habitual”, aceitando o novo de
maneira flexível, tolerante e harmônica ou encarando-o com rigidez,
inflexibilidade, intolerância e egocentrismo ou, ainda, agindo de
maneira intermediária a essas duas posições, ou seja, aceitando o novo
com certa resistência e desconfiança. Como na prova anterior, a fala do
sujeito também revela a gama de vínculos existentes entre ele e as
pessoas que desenhou (negativos ou positivos), fornecendo uma visão
geral de como se relaciona com essas pessoas e o que elas representam
ou possam vir a representar para ele. O psicopedagogo deve observar
contradições e incoerências entre a grafia e a fala que revelam
possíveis conflitos, que implicam perturbações nos vínculos que o
sujeito estabelece consigo mesmo e com as pessoas mais íntimas.

Técnica 7: Fazendo o que mais gosta

Materiais: Papel-ofício, lápis grafite, apontador, régua e borracha.

Objetivo: Investigar o tipo de atividade de que a criança mais gosta.

Desenvolvimento: Essa prova é desenvolvida da seguinte maneira:

O psicopedagogo pede à criança que desenhe o que ela mais gosta de


fazer.
Após o término do desenho, solicita à criança que escreva ou indique
(se não souber escrever) como se chama cada uma das pessoas que
desenhou e que idade elas têm.
Em seguida, solicita à criança que dê um título ao desenho e que conte
o que está acontecendo nele.
Pode ser solicitado à criança (se ela souber escrever) que use o verso
da folha para criar uma história do que está acontecendo na cena.
Realiza as perguntas complementares que julgar necessárias.

Processos avaliativos:

Detalhes do desenho: Essa prova pode apresentar dados importantes


para se analisar dois pontos – de um lado, os desejos e anseios do
sujeito; de outro, as imposições e os desejos externos. Com base nisso,
é importante se observar a postura do sujeito diante de tais pontos, ou
seja, o grau menor ou maior de autonomia e capacidade de fazer suas
próprias escolhas impondo seus desejos ou a aceitação da imposição
dos desejos dos outros. Por outro lado, o desenho pode apresentar
características das duas situações, demonstrando certo equilíbrio entre
o desejo do sujeito e o desejo dos outros. Como nas demais provas,
deve ser observado o tamanho do desenho (quando é pequeno demais,
pode representar uma inibição ou timidez demasiada; ao contrário,
quando é muito grande, pode apontar um descontrole que implica uma
falta de limites adequados); os elementos incluídos indicam objetos ou
pessoas com as quais a criança desenvolveu um vínculo positivo; os
elementos excluídos, ao contrário dos elementos incluídos, indicam
vínculos negativos. Outra interpretação necessária diz respeito à
relação do tamanho com o qual a criança se representa, pois demonstra
a autoimagem que esta tem de si mesma. Quando o sujeito se
representa no desenho de forma desproporcional – maior ou menor que
os outros – pode demonstrar uma consequente valorização ou
desvalorização de si mesmo. Outro fator importante de se analisar é a
posição do sujeito em relação às demais pessoas. Quando o
entrevistado se coloca separado ou distante, isso pode significar falta
de integração com o grupo; quando ele se desenha localizado em uma
das extremidades, tal fato pode sinalizar uma interação relativa com as
pessoas presentes; por outro lado, se o sujeito se coloca integrado ao
grupo de pessoas que aparecem no desenho ou, ainda, coloca o grupo
em círculo, em volta de uma mesa, isso pode significar uma boa
interação com as pessoas. Se, por outro lado, o sujeito estiver ausente
do desenho, tal fato pode apontar uma grande inibição e timidez para
interagir com pessoas, da mesma forma se o sujeito estiver sozinho.
Título do desenho: Como apontamos anteriormente, o título pode
resumir em poucas palavras as características do vínculo – negativo ou
positivo – com o processo de ensino-aprendizagem. O psicopedagogo
deve observar se o título é coerente com o desenho realizado, pois
indicará um vínculo negativo quando for dissociado do desenho.
Fala da criança: Como nas demais provas, a fala da criança também
revela a gama de vínculos existentes entre o sujeito e as pessoas que
ele desenhou (negativos ou positivos), fornecendo uma visão geral de
como o sujeito se relaciona com essas pessoas e o que elas
representam para ele. O psicopedagogo deve observar contradições e
incoerências entre a grafia e a fala que revelam possíveis conflitos, que
implicam perturbações nos vínculos que o sujeito estabelece consigo
mesmo e com as pessoas mais íntimas.

Além dos aspectos apontados anteriormente, específicos para cada


prova, algumas características gerais dos desenhos também devem ser
observadas como indicadores significativos para a avaliação diagnóstica.
São elas:

Resistências: Casos de rejeição à tarefa proposta em graus diferentes


de intensidade (negação ou omissão de algumas partes do desenho).
Tempo consumido: Analisar o tempo de cada desenho e o tempo total
utilizado, assim como o tempo que decorre entre a consigna e a
realização do que foi solicitado.
Pressão no desenhar: Verificar o nível de energia do indivíduo, assim
como o movimento de pressão do lápis (forte – excesso de
energia/iniciativa e/ou insegurança; média – boa energia/equilíbrio;
leve – baixo nível de energia; possível insegurança; variação:
flexibilidade/adaptação e/ou instabilidade). Alguns casos estão
relacionados mais à coordenação motora do que ao nível de energia.
Localização no papel: Verificar a noção espacial dos desenhos do
entrevistado, a linha de base, a distribuição do desenho no espaço,
assim como o tamanho e a proporção dos desenhos.
Caracterização do traço: Verificar a coordenação motora e a precisão
do traçado (traços livres, contínuos, interrompidos, apagados,
trêmulos, pontilhados).
Elaboração de história: Verificar com se dá a construção do
pensamento da criança sobre os fatos e acontecimentos que envolvem
um determinado desenho, em uma determinada realidade social, bem
como se a história caminha para o mundo da fantasia ou da realidade
pessoal da criança. Faz-se necessário verificar as relações e os vínculos
que surgem com o aprendizado, durante a construção de tais histórias.

Além desses apontamentos, é importante a observação das atitudes


gerais da criança durante a aplicação das provas, assim como sua
compreensão da consigna e sua predisposição para realizar a atividade.
Síntese
No presente capítulo, trabalhamos com o uso de provas do diagnóstico
operatório piagetiano e de provas projetivas, na perspectiva de Visca, pela
necessidade de um aprofundamento teórico-técnico da condução e análise
de tais provas. Na primeira delas, apresentamos detalhadamente as provas
operatórias de Piaget, nas quais analisamos as seguintes modalidades de
provas: I − Provas de classificação (prova de mudança de critério –
dicotomia – , prova de quantificação da inclusão de classes, prova de
interseção de classes); II − Provas de conservação (prova de conservação
de pequenos conjuntos discretos de elementos, prova de conservação das
quantidades de líquido − transvasamento −, prova de conservação da
quantidade de matéria, prova de conservação de peso, prova de conservação
de volume, prova de conservação de comprimento); III − Provas de
seriação (prova de seriação de palitos); IV − Provas operatórias para o
pensamento formal (prova de combinação de fichas, prova de permutações
possíveis com um conjunto determinado de fichas), cujo objetivo consiste
em obter dados para o conhecimento do funcionamento e do
desenvolvimento das funções lógicas da criança avaliada. Em seguida,
apresentamos as provas projetivas: I − Vínculos escolares (Par educativo,
Eu e meus companheiros); II Vínculos familiares (Família educativa, Os
quatro momentos do dia); III − Vínculos consigo mesmo (Fazendo o que
mais gosta, O dia do meu aniversário, Minhas férias), com o objetivo de
perceber os conteúdos afetivos constitutivos do processo de ensino-
aprendizagem por meio de uma investigação dos vínculos afetivos,
cognitivos, motores e socioculturais demostrados nos desenhos.

Indicação cultural

Visca, J. Tecnicas proyectivas psicopedagogicas. Buenos Aires, 1997.

Esta obra de Visca apresenta os fundamentos e a metodologia para a


aplicação das provas projetivas psicopedagógicas específicas para a
investigação clínica. Essas provas avaliam os vínculos do sujeito em
relação a três grandes domínios: a escola, a família e consigo mesmo.
O livro demonstra o desenvolvimento de 10 testes, descrevendo
detalhadamente o material a ser utilizado em cada prova, os objetivos,
os procedimentos e os indicadores mais significativos em cada uma
delas. O desenho é o recurso utilizado em todas as provas e analisado
sob vários aspectos, tais como o grafismo (traços, tamanho dos sujeitos
em relação aos demais sujeitos e em relação aos objetos, posição da
folha, detalhes, objetos incluídos na cena etc.); vínculos com o
conhecimento e com os outros nas situações de aprendizagem e os
vínculos afetivos, cognitivos, os aspectos motores e socioculturais
envolvidos nas cenas.

Atividades de autoavaliação
1. Apresentando a duas crianças 20 fichas de papel de 2 cores diferentes,
sendo 16 vermelhas e 4 azuis, faz-se a seguinte pergunta às crianças
avaliadas: “Existem mais fichas vermelhas ou fichas de papel?”. Ana,
de 5 anos, responde: “Existem mais fichas vermelhas” e Pedro, de 7
anos, responde: “Existem mais fichas de papel do que fichas
vermelhas”. De acordo com as respostas das crianças, assinale (V) ou
(F) para as alternativas a seguir:

( ) Pedro foi capaz de agrupar as fichas vermelhas e azuis na classe de


fichas de papel.

( ) Ana simplesmente não compreendeu a questão.

( ) Pedro respondeu que existem mais fichas de papel, pois é capaz de


operações mais complexas, estando em um estágio mais avançado
de pensamento.

( ) Ana não percebeu o fato de que existem mais fichas de papel, pois
ainda não é capaz de fazer agrupamentos.
2. Para o desenvolvimento correto da aplicação e análise das provas do
diagnóstico operatório, o psicopedagogo deve dominar completamente
os estágios piagetianos. Dessa forma, é preciso testar seus
conhecimentos: “Que tipo de pensamento predomina no estágio
operacional concreto?”. Assinale a resposta correta:
a. Pensamento abstrato.
b. Pensamento perceptivo.
c. Mundo interno.
d. Pensamento lógico-matemático.
3. Ainda em relação ao estágio operacional concreto: “Que tipo de
raciocínio predomina no estágio operacional concreto?”. Assinale a
resposta correta:
a. Indutivo: As generalizações partem de exemplos particulares.
b. Dedutivo: As conclusões implícitas são tiradas das
generalizações.
c. Indutivo e dedutivo.
d. Nenhuma das alternativas anteriores.
4. Até aqui, nós identificamos várias operações e características dos
processos de pensamento das crianças por meio da análise dos estágios
piagetianos e das provas operatórias também propostas por Piaget.
Com base em nossos estudos, assinale a alternativa incorreta:
a. Operações são manipulações internas ou agrupamentos de objetos
percebidos pela criança.
b. Classificação é a ação de agrupar objetos em uma classe.
c. Ordenação é o ato relacionar objetos em uma ordem ou série.
d. Seriação é a ação de separar objetos em relação às suas
características semelhantes.
5. Com base em nossos estudos, assinale (V) ou (F) de acordo com o
estágio correspondente:

( ) 2 a 4 anos: Nessa fase, a criança é capaz de classificação e


ordenação.

( ) 4 a 7 anos: Nessa fase, a criança é capaz de controlar variáveis.

( ) 12 anos em diante: Nessa fase, a criança é capaz de realizar


permutações.
( ) 2 a 4 anos: Nessa fase, a criança é capaz de realizar jogos
simbólicos.

Atividades de aprendizagem

Questão para reflexão


Estudamos não só neste capítulo, mas em toda a obra analisada até o
momento, sobre a importância do método clínico adotado por Visca
para o desenvolvimento do diagnóstico operatório psicopedagógico.
Faça uma síntese da importância da confecção, organização e aplicação
das provas operatórias e projetivas na clínica psicopedagógica.

Atividades aplicadas: prática


1. Para o desenvolvimento das provas operatórias, estudadas neste
capítulo, solicitamos que os alunos se organizem em duplas e
providenciem o seguinte material:
1 caixa de massa de modelar;
2 garrafas pequenas (vidro ou plástico) incolores (pode ser do
tamanho de garrafa de refrigerante ou leite de coco ou água);
2 frascos de formato cilíndrico (podem ser copos);
1 frasco ou copo mais alto e fino e outro mais baixo e largo, mas
que tenham a mesma capacidade, ou seja, comportem a mesma
quantidade de líquido dos frascos pedidos no terceiro item;
4 copinhos de tamanhos iguais, menores que todos os outros
copos da lista. Podem ser frascos de filme de máquina fotográfica
ou outros recipientes, desde que sejam transparentes.
10 bastonetes de madeira (uma série), variando de 10 a 16 cm de
comprimento, com diferença de um para o outro de 0,6 mm
(podem ser feitos de lápis, palitos de sorvete etc.).
folhas de papel ofício;
1 régua milimetrada (30 cm);
Figuras geométricas cortadas em papel cartão, sendo:
10 círculos pequenos de 2,5 cm de diâmetro vermelhos e dez
com a mesma medida em azul;
6 círculos de 5 cm de diâmetro vermelho e 6 em azul;
6 quadrados pequenos com 2,5 cm de lado em vermelho e 6
em azul;
6 quadrados de 5 cm de lado em vermelho e 6 em azul.
10 margaridas e 3 rosas vermelhas artificiais, proporcionais em
tamanho (podem ser outros tipos de flores);
1 folha de cartolina (1/4) sobre a qual são desenhados 2 círculos,
um contornado de preto e outro de amarelo que se entrecruzam,
delimitando 3 partes das quais uma é comum aos dois círculos.
1 corrente de metal de 10 cm e outra de 15 cm.
1 balança pequena.
6 círculos de cartolina de cores diferentes, com 5 cm de diâmetro.
2. Após a confecção do material da questão anterior, siga as indicações
desenvolvidas no capítulo que acabou de ler para aplicar as provas em
uma criança (sugerimos uma criança na faixa etária entre 6 e 12 anos).
3. Exercite com o colega de trabalho a aplicação das provas operatórias
em uma criança (utilizando o material confeccionado no item anterior):
a. Aplicar, analisar e elaborar relatório das observações realizadas.
b. Levantar hipóteses e confrontar hipótese(s) anterior(es).
Capítulo 5

Estudo de caso: os desafios da


intervenção psicopedagógica

“Para pensar novas ideias temos que desarmar nossas ideias feitas e misturar as peças, assim como
um tipógrafo ver-se-á obrigado a desarmar os clichês, se deseja imprimir um texto novo num novo
idioma. Um dos primeiros clichês de nosso idioma anterior, que tivemos que desarmar, é o que
considerava o diagnóstico e o tratamento como dois momentos não simultaneizáveis. Como se o
tempo necessário de observação que deve dar-se ao terapeuta ante uma situação recém-conhecida
por ele pudesse isolar-se do vínculo transferencial. Confundia-se assim uma necessidade do
terapeuta com uma necessidade do paciente. Não é o paciente que necessita de um diagnóstico, mas
o terapeuta, para poder intervir.”

Alicia Fernández (1991, p. 23)

O presente capítulo traz a análise de um estudo de caso para exemplificar as


provas e/ou testes psicopedagógicos descritos nos dois capítulos anteriores,
os quais descrevem as etapas que concernem à avaliação diagnóstica de um
sujeito com dificuldades no processo de aprendizagem escolar.

O diagnóstico psicopedagógico clínico aqui apresentado é objeto de um


estudo de caso realizado por uma das autoras durante seus atendimentos
clínicos. Esse diagnóstico foi escolhido para fazer parte integrante deste
livro para que vocês, leitores e/ou futuros psicopedagogos, possam analisá-
lo colocando em prática a discussão de suas angústias e dúvidas durante o
processo de análise, bem como suas ideias sobre como se estruturou a
descrição das provas utilizadas e a possibilidade de pensar como estruturar
tais dados de outra forma. Assim é que, com muito estudo, apresentamos o
resultado do caso para análise e avaliação de novos conhecimentos.
5.1 Caso Carla da Silva Neves[1]
Trata-se de uma criança de 8 anos, que chamaremos de Carla, nascida em
12 de janeiro de 2002 e que hoje cursa o terceiro ano do ensino fundamental
de uma escola particular da cidade de Salvador, Bahia. Seu pai, José
Geraldo da Silva Neves, 42 anos, trabalha como encarregado de obra. Sua
mãe, Maria Antonieta da Silva, 36 anos, trabalha com artesanato em uma
loja-oficina de arte. Carla tem uma irmã mais velha, de 14 anos, que está
cursando o oitavo ano do ensino fundamental, e uma irmã de 5 anos de
idade, que fica com sua avó materna.

O primeiro contato foi realizado por telefone pela psicopedagoga


responsável pelos casos de alunos da escola que apresentavam dificuldade
no processo de escolarização. Nesse primeiro momento, o diálogo ocorreu
entre a psicopedagoga e o pai de Carla, que demonstrou estar preocupado
com a situação da família, bem como disposto a auxiliar no trabalho
psicopedagógico que a escola realizava. Nesse contato, foi agendado o
primeiro encontro da psicopedagoga com os pais.

Na entrevista inicial, a primeira etapa da psicopedagoga consistiu em


explicar a natureza do trabalho realizado por ela, para que não ficasse
nenhuma dúvida sobre a área que se pretendia atuar, bem como para que
não se confundisse seu trabalho com o de um professor particular. Após a
explicação de que o trabalho realizado ajudaria no processo de
aprendizagem de Carla, a psicopedagoga procurou investigar o histórico
escolar da menina.

Durante a fala, a mãe revelou que Carla e sua irmã já estudaram em três
escolas. Na primeira escola ela se deu bem, segundo a mãe, mas não
justificou a saída delas; na segunda, Carla já sentiu bastante dificuldade,
voltava para casa machucada e era discriminada pelos colegas – a irmã
também passava pelas mesmas situações. No entanto, a mãe não buscou a
ajuda na escola, apenas levou Carla para fazer um eletroencefalograma.

Com relação ao seu comportamento, Carla vinha demonstrando estar


mais nervosa, agressiva e rebelde, o que, segundo a mãe, era decorrência de
a menina sempre ter tido um “gênio forte”.

Diante de tais colocações feitas, notou-se que, apesar de a mãe estar


preocupada com a possível dificuldade de aprendizagem de sua filha,
atribuia tal dificuldade à escola, ou seja, por achar que em uma das escolas
que Carla estudou as crianças eram agressivas e problemáticas, tal fato
justificaria o não aprendizado por esses atributos. O que nos mostra, em um
primeiro momento, certo desconhecimento por parte da mãe sobre as reais
condições de aprendizado de sua filha. Afinal, quem ajudava Carla nas
tarefas de casa era sua irmã mais velha, pois a mãe trabalhava o dia todo.

Dados da anamnese
No dia da anamnese, contou-se apenas com a presença da mãe, pois como o
pai viaja muito a trabalho, não pôde comparecer. Contudo, cabe aqui
destacarmos que se faz essencial, quando da família constituída por pai e
mãe, a presença de ambos, para que assim se possa ter uma visão dinâmica
da família, bem como o que a queixa causa em cada um diante do problema
de aprendizagem do(s) filho(s). Passemos ao relato.

Segundo relato da mãe, o início da gravidez foi tranquilo e aceito por


todos da família. No entanto, a mãe não pensava em ter mais filhos, pois a
mais velha já estava crescida. O pré-natal foi realizado a partir do terceiro
mês de gestação: “Estava muito ansiosa para saber se era menino ou
menina. Fiz nove ultrassonografias, mas não deu para saber o sexo. Eu
queria ter um menino, não tenho nada contra meninas, gosto muito de
minhas filhas. Mas... não deu para ser menino”.

Para o pai, o nascimento das filhas foi uma maravilha, pois como ele
tinha outra família e desse relacionamento havia dois meninos – “mas que
não convivem com ele” –, a dedicação foi toda voltada às meninas,
principalmente para Carla.

De acordo com a fala da mãe, durante o parto correu tudo muito bem,
porém o pai não estava presente, devido ao trabalho, e só veio a conhecer a
menina após um mês de vida. O que foi muito difícil para a mãe: “Nós
somos muito unidos! Todos os lugares aos quais vamos, estamos sempre
juntos e na hora senti muito a falta dele”. Carla chorou bastante logo após o
parto, pois era muito agitada, o que levou a mãe a sentir muitas dores antes
do parto, mas, segundo ela, “depois a menina nasceu de uma só vez” –
rapidamente.

Carla começou a engatinhar entre 7 e 8 meses e, apesar de ter um


problema de infecção intestinal, começou a andar entre 9 meses e 1 ano, no
próprio hospital no qual ficou internada por um mês. Já quanto à fala, a mãe
afirmou que não podia dizer o mesmo, pois Carla começou a falar entre 1
ano e meio/2 anos, apesar da mãe conversar muito com ela. Nesse período,
Carla passava a maior parte do tempo com sua avó, pois quando ela
completou 6 meses sua mãe voltou a trabalhar.

Com relação aos vínculos entre Carla e as irmãs, a mãe relatou que
Daiane (a filha mais velha), sempre muito serena, gostava de cuidar da
irmã, ajudar no banho, em tudo. Já Carla, diante da irmã mais nova,
apresentou muitas recaídas, pois achava que os pais davam mais atenção
para a recém-nascida do que para ela. O que, segundo a mãe, não é verdade:
“Carla foi quem recebeu mais atenção”. A menina possuía um vínculo
afetivo maior com a avó.

Com relação ao pai, a mãe colocou que as filhas o dominavam: “Ele não
é de bater, faz tudo o que elas querem, fica retraído de cobrar delas e cobra
de mim as dificuldades na escola”. No que diz respeito à sua relação com
Carla, Maria Antonieta afirmou que, às vezes, a filha era malcriada, mas
que ainda era possível controlá-la. Afinal, para Maria: “Enquanto pequena
tem que ir do jeito que a gente quer. Quando estiver grande pode mudar”.

Quanto ao início do processo de escolarização, a mãe relatou que Carla


foi para a escola somente aos 6 anos de idade, pois, antes de morar na
cidade, eles moravam em um sítio. No período inicial, a menina gostava
muito da escola, mas com a mudança de instituição e de professora a
menina não se adaptou muito bem. Segundo o relato da mãe, “A professora
agredia Carla, que chegava com hematomas [...] a professora agredia Carla
porque ela era muito bagunceira”. Acarretando, portanto, na transferência
de escola.
Atualmente, na escola em que estava, Carla gostava muito dos
professores e de seus colegas. Contudo, no começo, a menina deu trabalho
para fazer as tarefas escolares, ficando muitas vezes inquieta. Mesmo
quando decidiu que queria realizar as tarefas sozinha, encontrou certa
dificuldade: “Eu já disse a ela para prestar bem atenção no que a professora
diz para ela”, pois, para a mãe, “a dificuldade maior que vejo é nos estudos.
Ela é um pouco preguiçosa e relaxada [...] na escola a dificuldade é maior”.

Com relação às dificuldades de Carla, a mãe revelou que gostaria de ter


mais tempo para ficar com a filha depois do horário do colégio, pois quando
esta chegava do serviço, muitas vezes, Carla já estava dormindo e, se ela
era chamada, dizia que não havia feito as tarefas e que não iria fazê-las,
pois estava com sono. Nesse momento, quando questionada sobre tal
preocupação para com a filha, a mãe começou a chorar e entre silêncios e
lágrimas disse:

“Às vezes penso que tenho medo de perder... Desde que ela ficou doente
e que eu quase a perdi... Disseram que quando descobrimos a infecção já
estava bem avançada e não entendi por quê... A alimentação dela sempre foi
boa, sempre tinha acompanhamento nutricional... Então, eu a levei para um
hospital, onde ficou por 15 dias”.

A mãe relatou também que sofreu muito, pois o marido novamente não
estava presente e ela sentiu dificuldade para transferir a menina de um
hospital para outro, pois não queriam deixá-la sair com a menina e nem
ligar para seu esposo e decidir o que fazer. Com muita dificuldade, segundo
ela, conseguiu ligar e levar Carla para outro hospital: “Com muito custo
consegui e quando a levei para o outro hospital, o médico disse que ela
estava quase morrendo”. Nesse momento, o choro se misturava com o
nervosismo. A doença debilitou Carla seriamente e fez com que os pais
fossem mais presentes na vida dela e, ao mesmo tempo, a criança se
acostumou com que todos fizessem tudo o que ela queria.

Diante de tal relato, foi possível observar que a mãe apresentava um


grande sentimento de culpa por tudo que aconteceu e estava acontecendo
com Carla, o que supomos ser um dos fatores que contribuíram para o não
aprendizado da menina. Afinal, os pais acabavam permitindo que ela fizesse
tudo o que queria, sem impor normas e regras para a menina.
Quanto à aprendizagem, verificou-se que Carla demorou um pouco
mais para falar e que entrou na escola bem próxima do período de
alfabetização. Para tanto, fez-se necessário investigar como foi trabalhado o
período inicial do desenvolvimento para descobrir quais eram as efetivas
causas do não aprendizado de Carla.

Dados da Eoca
No dia agendado pela psicopedagoga, Carla compareceu ao consultório
para realizar a entrevista operativa centrada na aprendizagem (Eoca). No
primeiro momento, foi explicado a ela o que seria feito: “Gostaria de
realizar com você algumas atividades para conhecê-la melhor, para saber do
que você gosta e para tentar descobrir por que você está desanimada em
relação a algumas atividades que a professora pede na sala de aula. Você
está disposta a realizar essa atividade?”.

Apesar da fala anterior, Carla permaneceu em silêncio durante quase


toda a sessão, apenas olhando, pegando algum material, fazendo alguma
atividade e respondendo somente nos últimos 10 minutos de atendimento.
Observem.

“Esse material foi todo preparado para você mostrar o que sabe fazer, o
que lhe ensinaram a fazer e o que você aprendeu na escola”. Nesse
momento, ainda em silêncio, Carla pegou um livro de histórias, folheou e o
deixou de lado.

“Você pode pegar o que quiser para me mostrar o que aprendeu a fazer,
o que te ensinaram e o que você sabe”. Carla mais uma vez não respondeu à
consigna, permanecendo em silêncio, só que nesse momento com um olhar
mais triste. No entanto, pegou outro livro e agiu da mesma maneira que
anteriormente. Nesse momento, a psicopedagoga fez uma pausa em seu
questionamento para ver qual seria a iniciativa de Carla diante da situação.
Contudo, de nada adiantou, pois Carla permaneceu parada.

“O que você gosta de fazer?”, perguntou a psicopedagoga. Carla pegou


um dos lápis, apontou-o tranquilamente e após um novo questionamento da
psicopedagoga (“Você pode demonstrar com esse material o que lhe
ensinaram, o que você sabe fazer e o que você aprendeu na escola?”), a
menina pegou um caderno, inverteu sua posição e começou a desenhar uma
casa, que ocupou quase todas as extremidades da folha, e uma menina ao
lado da casa.

“Ainda temos muito tempo, Carla, se quiser pode continuar”. Carla fez,
então, outro desenho: dois corações grandes e vários pequenos e médios,
tampando-os com a mão para que o desenho não fosse observado. Nesse
momento, a psicopedagoga interveio novamente: “Gostaria que você
mostrasse o que você aprendeu na escola. O que você sabe fazer?”. Pela
primeira vez, Carla respondeu: “Eu sei fazer triângulos”. A psicopedagoga
responde: “Pode fazer, se quiser”. Então, Carla começou a desenhar círculos
enfileirados, depois desenhou duas fileiras de quadrados e um boneco com
figuras geométricas. Depois de um tempo e com intervenção da
psicopedagoga, com seus questionamentos, Carla pintou o desenho
utilizando as cores harmoniosamente. Após saber que o tempo estava
terminando, Carla se apressou para concluir a atividade, pintando
rapidamente, mas concentrada no que fazia.

Conclui-se que, apesar de exposto todo o material para a atividade,


Carla se mostrou introvertida, tímida e um pouco apática, não respondendo
com interesse aos estímulos apresentados. Durante a realização dos
desenhos, a menina demonstrou dominar o conceito temporal (início, meio
e fim), começando e concluindo ambos, apesar da inquietação corporal.
Portanto, podemos dizer que a Eoca não apresentou questões que
auxiliassem a avaliação diagnóstica, pois a conduta de Carla não permitiu
que a psicopedagoga observasse se ela possuía facilidade ou dificuldade em
alguma área de conhecimento.

Dados das provas operatórias piagetianas


A seguir, apresentamos os registros das aplicações das provas operatórias
piagetianas com a criança.

Quadro 1 − Conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos


Estratégia do Conduta do
Entrevistador e entrevistado
entrevistador entrevistado

P(1): Tudo bem, C.? Hoje nós vamos


trabalhar de forma diferente com esse
material.

C(2): (Silêncio).

P: Você conhece esse material? Apresentação do material.

Reconhecimento do
C: Mais ou menos.
material.

P: De que é feito?

C: Papel.

P: Escolha uma cor para você.

C: (Apontou e disse “azul”).

P: Vou arrumar as minhas fichas


Pedidos de estabelecimento
enfileiradas e você vai tentar arrumar as
de igualdade inicial.
suas iguais às minhas.

Fez estabelecimento de
C: (Silêncio – arruma igual).
igualdade inicial.

P: Você acha que eu tenho mais, menos ou


Consigna.
a mesma quantidade que você?

C: A mesma quantidade. Resposta conservadora.

P: (Dá espaço maior nas fichas vermelhas e Primeira modificação da


repete a consigna). disposição espacial.

Resposta não
C: A vermelha tem mais.
conservadora.

P: Por quê? Provocação de argumento.

C: (Silêncio, não responde). Conduta evitativa.

P: Você pode arrumar as suas iguais às Segunda modificação da


minhas vermelhas? disposição espacial.

C: (Arrumou em silêncio de maneira Estabelecimento de


correta). igualdade inicial.

P: (Repete a consigna).
Resposta conservadora
C: Tem a mesma quantidade.
sem argumento.

P: Por quê?

C: (Silêncio).

P: Quantas fichas você tem? Contra-argumentação.

C: Seis.

P: Quantas fichas eu tenho?

C: Seis. Resposta conservadora.

P: Por quê?

C: (Silêncio).

P: Você sabe por quê?

C: (Continuou em silêncio).

P: Um menino me falou que tinha menos Pergunta de contra-


fichas vermelhas, ele estava certo ou argumentação com
errado? terceiro.

C: Estava errado.

P: Por quê?

C: Porque tem seis. Argumento de igualdade.

P: Ok, C., obrigada! Agora vamos passar


Conclusão.
para outra atividade.

Nota:
(1)
P = Psicopedagoga
(2)
C = Carla

*Para os quadros a seguir, utilizaremos a mesma legenda.

Hipótese diagnóstica: Carla oscilou entre respostas conservadoras e


não conservadoras, realizando a correspondência um a um, mas mantém a
conservação nas modificações da disposição espacial. Podemos dizer,
portanto, que nessa prova Carla apresentou condutas intermediárias de nível
2.
Quadro 2 − Conservação de quantidade de matéria

Conduta do
Entrevistador e entrevistado Estratégia do entrevistador
entrevistado

P: Vamos trabalhar com outro


Apresentação do material.
material. Você o conhece?

Reconhecimento
C: Sim.
do material.

P: O que é?

C: Massa.

P: Escolha duas cores.

C: (Silêncio. Escolheu vermelho


e amarelo).

1ª. ordem.
P: Observe o que eu estou
fazendo (2 bolas). Agora faça
duas bolas com sua massa.

C: (Em silêncio, fez rapidamente


e com praticidade as duas Iniciativa.
bolas).

P: As minhas bolas têm mais,


menos ou a mesma quantidade Consigna.
de massa que as suas?

C: Você tem mais.

P: Por que tenho mais? Pedido de argumentação.

C: (Silêncio, não respondeu).

P: (Transformou a bola em uma


salsicha) A salsicha tem mais, 2ª. ordem. Modificação do elemento
menos ou a mesma quantidade experimental (alongamento).
de massa que a bola?

Não conservação
C: A salsicha tem mais massa.
da 2ª. ordem
P: Por que você diz que tem
Pergunta de provocação de argumento.
mais?

C: (Não respondeu).

P: (Retorna às 2 bolas e repete a Conservação da


consigna). 1ª. ordem.

C: Tem a mesma quantidade.

3ª. ordem.
P: (Transforma a bola em pizza)
E agora? A pizza tem mais,
menos ou a mesma quantidade
de massa que a bola?

C: Quem tem mais é a pizza. 4ª. ordem. Não conservação.

P: Agora vou dividir a pizza em


10 bolas. As bolas vermelhas
têm mais, menos ou a mesma
quantidade de massa que a
amarela?

C: Quem tem mais é a bola


Não conservação.
amarela.

P: Um menino me falou que


quem tem mais são as 10
Contra-argumentação com terceiros.
bolas. Ele está certo ou
errado?

C: Errado.

P: Por quê?

C: (Silencia e começa a montar Não conservação.


um boneco com as 10 Desvio de
bolinhas). conduta.

P: O que você está fazendo?

C: Boneco.

P: Seu boneco tem mais, menos


ou a mesma quantidade de
massa que a bola amarela?

C: Boneco. Fuga da consigna.


P: Chegamos ao final desta
Conclusão.
prova.

C: (Silêncio).

Hipótese diagnóstica: Nessa prova, Carla apresenta no primeiro


momento respostas de identificação. Contudo, no decorrer da avaliação a
menina apresenta respostas que identificam a não compreensão, bem como
a não reversibilidade, não conseguindo, assim, resolver os problemas
durante as voltas empíricas. Isso nos leva a concluir que o julgamento
durante essa prova é oscilante, caracterizando o nível 1 da classificação das
provas operatórias.

Quadro 3 − Seriação de palitos

Estratégia do Conduta do
Entrevistador e entrevistado
entrevistador entrevistado

Apresentação do
P: Você sabe que material é esse?
material.

C: Sim. Reconhecimento.

P: O que são?

C: Palitos.

P: Você pode fazer uma escada, do maior para o


1ª. ordem.
menor?

Tentou de várias
C: (Não respondeu. Fez uma escada em formato de
maneiras e quis
quadrado com degraus, não concluindo).
desistir.

Pergunta de
P: Por que você não concluiu? provocação de
argumentação.

Dificuldade para
C: Porque os bastões são maiores.
acerto operatório.

P: Tente fazer uma escada do menor para o maior.


C: (Continuou na forma de escada quadrada, só
que diminuindo seu tamanho, sem concluir).

P: Agora, C., gostaria que você colocasse em Repetição da


ordem do menor para o maior sem fazer escada. consigna.

Desvio da consigna.
C: (Iniciou uma fogueira, sem conseguir concluir).
Conduta evitativa.

P: Você não vai concluir a fogueira que você


Estímulo provocador.
começou?

C: Vou (não conseguiu concluir).

Argumentação
P: Por que você não finalizou sua fogueira?
provocadora.

C: Os palitos são pequenos (fez várias tentativas


diminuindo os espaços entre os palitos, porém
Conduta evitativa.
não conseguiu concluir a fogueira e juntou todos
os bastões na mão).

P: Você poderia organizá-los do menor para o


maior?

C: (Começou, fez várias tentativas, mas não Repetição da


conseguiu ordenar os bastões). consigna.

Hipótese diagnóstica: Na prova de seriação, Carla apresentou muita


dificuldade para desenvolver a atividade proposta, demonstrando falta de
conhecimento de seriação, o que a levou a fracassar em várias de suas
tentativas de ordenar/seriar, encontrando-se, portanto, no nível 1.

Quadro 4 – Conservação de comprimento

Conduta do
Entrevistador e entrevistado Estratégia do entrevistador
entrevistado

P: Você conhece esse material? Apresentação do material.

C: Sim, corrente (pegou a corrente Reconhecimento do


pequena e começou a brincar). material.
P: Vamos usar essas correntes para 1ª. situação.
fazer caminhos. Se eu andar pelo
meu caminho e você pelo seu, eu
ando mais, menos ou a mesma
quantidade que você?

C: Você anda mais (brincando com a


corrente).

P: Vamos fazer de conta que elas são 2ª. situação.


dois caminhos da cidade de São
Paulo até o Rio de Janeiro. Qual é o
caminho maior (um em linha reta,
outro com grandes curvas)?

C: O seu.

Pergunta de provocação de
P: Por que você diz que é o meu?
argumento.

Resposta conservadora
C: Porque a corrente é maior.
por compensação.

Modificação de situação
P: E agora (uma reta e um com curvas anterior.
menores)? Eu andei mais, menos ou
a mesma quantidade que você?

C: Eu andei mais.

P: Por quê? Pedido de argumentação.

C: (Não respondeu). Conduta oscilante.

Modificação da situação
P: Vamos fazer um novo caminho para anterior.
ver se você consegue explicar o
porquê (os dois caminhos com
ondulações)?

C: Eu cheguei primeiro.

P: Um menino me disse que quem


Contra-argumentação com
chegaria primeiro era eu. Ele estava
terceiros.
certo ou errado?

C: Certo. Argumento de
conservação.

P: Por quê?

C: (Não respondeu).

P: Um menino me falou que ele ia


2ª. contra-argumentação com
chegar primeiro. Ele estava certo ou
terceiros.
errado?

C: Certo.

P: Mas você não disse que eu ia chegar


primeiro? Ele estava certo ou Pedido de argumentação.
errado?

Argumento de não
conservação e não
C: Errado.
compreensão (conduta
oscilante).

P: Por quê, C.

C: (Não respondeu).

P: Agora vamos passar para outra


atividade.

C: (Pegou a corrente e começou a


Conduta evitativa.
brincar).

P: O que você está fazendo?

C: Cobra.

Hipótese diagnóstica: Na prova de conservação de comprimento,


podemos notar que a conduta de Carla oscilou significativamente suas
respostas, mudando os critérios de reconhecimento, o que nos mostra seu
período de transição, característico do nível 2.

Quadro 5 − Mudança de critério − dicotomia

Estratégia do Conduta do
Entrevistador e entrevistado
entrevistador entrevistado

P: Você conhece esse material? Apresentação dos materiais.


C: Não. Não reconhecimento.

P: Esse material é emborrachado.


Você poderia me dizer alguma Pedido de identificação.
coisa sobre esses objetos?

C: (Silêncio. Pega 2 círculos iguais


e diz que são diferentes).

P: Você poderia juntar as que


combinam?

C: (Separou por tamanho, cores,


Identificação das
formas e depois começou a
formas, tamanhos e
construir uma sequência. Não
cores.
terminando).

P: O que você está fazendo? Nova argumentação.

C: Sanduíche.

Fuga da consigna de
P: O que tem nesse sanduíche?
forma criativa.

C: (Silêncio. Fez com outro maior


uma placa).

P: O que é isso?

C: O preço do sanduíche.

P: O que tem nesse sanduíche que


eu quero comprar?

C: Queijo e presunto.

P: Não tem mais nada não?

C: (Sorriu) Tem pão e manteiga.

P: Agora separe por cores e


Dicotomia.
tamanho.
C: (Arrumou corretamente).

P: Você poderia arrumar de outras


Intervenção questionadora.
formas?

C: (Arrumou contando as peças e


Concentração,
montando conjuntos nos quais os
criatividade,
quadrados eram maiores que os
logicidade.
círculos).

P: O que é isso? Continuação de intervenção.

C: Uns carros.
P: De quem são esses carros?
C: (Sorriu e apontou para o menor e
disse: “É o do Ratinho.”).

P: O carro amarelo (maior) tem


mais, menos ou a mesma
Contra-argumentação.
quantidade de peças que os
outros carros?

C: Todos têm a mesma quantidade. Conservação,


(Continuou fazendo outras identificação,
formas). sequência lógica.

P: Vamos mudar de tarefa, C.? Conclusão.

C: Vamos.

Hipótese diagnóstica: Carla conseguiu classificar as figuras por cor,


tamanho e forma, mesmo sem saber o nome das figuras geométricas
utilizadas durante a prova. Isso indica que talvez esse seja o conteúdo que
não foi trabalhado com ela e que dever ser (re)visto. Contudo, a menina
apresentou dificuldades para separar as formas geométricas (círculo e
quadrado) em apenas dois grupos. Afinal, na maioria das vezes, Carla se
desviou das consignas propostas, criando imagens com as formas, não as
separando em grupo como solicitado. Nesse sentido, é difícil identificar em
que nível das provas operatórias Carla se encontra.

Quadro 6 – Conservação de líquido

Entrevistador e entrevistado Estratégia do Conduta do


entrevistador entrevistado

P: Vamos fazer outro trabalho. Você conhece Apresentação dos


esse material? materiais.

Reconhecimento do
C: Sim, frasquinhos.
material.

Consigna.
1ª. ordem.
P: Vou colocar um líquido nesse frasquinho e
você vai colocar a mesma quantidade
nesse.

C: (Colocou, mediu e disse: “Tem a mesma


quantidade.”).

Pergunta de provocação
P: Por que você mediu?
de argumentação.

C: Para ver se tem a mesma quantidade. Resposta conservadora.

P: Vamos dizer que meu líquido vermelho é Modificação da situação


Resposta de conservação.
suco de melancia. E o seu, de que sabor é? anterior.

C: Abacaxi. .

2ª. ordem.
P: (Pegou o vaso menor e mais largo e
colocou o suco de melancia). Eu tenho
mais, menos ou a mesma quantidade que
você?

C: Temos a mesma. Resposta conservadora.

P: Por que você diz que temos a mesma


Contra-argumentação.
quantidade?

Resposta conservadora
C: Porque temos a mesma quantidade.
sem argumentos.

P: Um menino me disse que no frasco maior


Contra-argumentação
tem mais quantidade que no menor. Ele
com terceiros.
estava certo ou errado?

C: Ele estava certo. Não conservação.

P: Mas você não disse que tem a mesma


quantidade?

C: Ele estava errado. Conduta oscilante.

Retorno empírico.
P: (Retorna à composição inicial e pergunta)
Temos mais, menos ou a mesma
quantidade?

Argumento de
conservação,
C: Agora estou olhando, o seu tem mais.
compreensão e
identificação.

P: (Deu um pouco de suco para completar) E


agora?

C: Estamos iguais.

3ª. ordem.
P: E agora (despeja o suco de melancia em
um frasco médio e o de abacaxi em um
frasco longo): temos mais, menos ou a
mesma quantidade?

C: A mesma. Resposta conservadora.

P: Por quê?

C: Por que tem a mesma quantidade. Resposta conservadora.

Hipótese diagnóstica: Na última prova aplicada, verificamos que Carla


apresentou uma conduta conservativa, segura e de reversibilidade,
respondendo o retorno empírico corretamente. Podemos dizer que ela se
encontra no nível 3 das provas operatórias.

Nesse sentido, notamos que durante a aplicação das provas operatórias


destinadas à sua idade, Carla apresentou muitas oscilações entre os níveis 1
e 2, ou seja, em algumas provas percebemos que a criança conseguia fazer a
conservação e, em outras, notamos total dificuldade para entender a
atividade proposta, ora porque possuía dificuldades no processo lógico-
matemático, ora porque não reconhecia a nomenclatura correta dos objetos
trabalhados, mostrando, assim, o não aprendizado. Portanto, temos uma não
avaliação sobre o nível correto, pois há a necessidade de se ensinar primeiro
antes de se cobrar.

Contudo, Carla surpreendeu em sua última prova ao mostrar conduta


conservativa, segurança e reversibilidade, o que nos leva a pensar em duas
possibilidades: primeiro, Carla não possuía o repertório básico necessário
para realização das atividades; segundo, um grande fator de alerta para a
psicopedagoga: Carla, durante o manuseio dos materiais e da permanente
consigna, começou a transitar do nível dois para o três devido a um salto
qualitativo, provocado pela avaliadora, em sua zona de desenvolvimento
proximal🕮 durante a aplicação da prova.

Cabe aqui uma análise mais detalhada da prova ou até mesmo a


repetição desta, para confirmar as hipóteses levantadas.

Dados das técnicas projetivas psicopedagógicas


Após a aplicação das provas operatórias para a identificação de possíveis
hipóteses do andamento do processo lógico-matemático do sujeito
investigado, faz-se necessário investigar outras questões que possam vir a
contribuir para com as dificuldades no processo de aprendizagem. Para
tanto, utilizamos as provas projetivas para identificar questões relacionadas
à afetividade, criatividade, coordenação motora, noção espacial, entre
outros fatores, para compreender o sujeito como um todo e não somente
como resultado de uma avaliação psicrométrica.

A seguir, apresentamos a análise das seguintes provas projetivas


propostas para Carla: Par educativo, Eu e meus companheiros,
Família educativa, Os quatro momentos do dia, O dia do meu
aniversário, Minhas férias e Fazendo o que mais gosto.

Par educativo
Durante a realização do Par educativo, Carla pegou o papel lentamente,
após ouvir a consigna da psicopedagoga, e começou a desenhar em silêncio.
Durante a confecção do desenho, a menina fez e apagou várias vezes as
pernas desenhadas; fez o rosto com detalhes sem apagar; os braços saíam
quase da cintura. Ao desenhar a segunda pessoa, Carla sentiu as mesmas
dificuldades anteriores, principalmente nas pernas. Escreveu algumas
palavras e apagou.

Após o término do desenho, a psicopedagoga questionou a criança sobre


quem ensinava e quem aprendia na ilustração. No primeiro momento, Carla
ficou em silêncio, começou a escrever soletrando as letras, mas cobrindo
com as mãos sua produção. Na segunda tentativa, Carla apontou para a
primeira pessoa que desenhou e indicou que escreveu os nomes de quem
ensinava e quem aprendia. Segundo a menina avaliada, Vanessa, de 11 anos,
era a professora que ensinava a aluna, Elis, de 13 anos – nomes dados por
Carla para identificar as pessoas desenhadas.

Após sua fala, foi solicitado à Carla que desse um nome para o desenho,
mas novamente a menina ficou em silêncio, escreveu o nome delas e disse
que elas estavam conversando, mas Carla não falava sobre o que
exatamente era conversado.

Podemos deduzir que a fala sobre o aprendizado aparece de forma


truncada, bem como a representação do vínculo entre ela e sua irmã mais
velha, porém com papéis inversos: Carla ensina e a irmã aprende. A fala
ainda pode, nesse sentido, demonstrar o desejo pelo aprendizado que ainda
não se constituiu, mas também o incomodo pela irmã mais velha sempre
ensinar o que Carla não sabe, em vez de ser o oposto. Existe, assim, a
necessidade de mais investigações quanto a esse vínculo. Ou seja, a menina
quer desempenhar o papel da irmã mais velha, desejando ensinar em vez de
ser ensinada, mas como ainda não consegue na prática, revela esse desejo
no desenho.

Eu e meus companheiros
Durante a realização da prova intitulada Eu e meus companheiros, Carla
demorou a desenhar. Quando começou a desenhar, apagou o que estava
fazendo e começou a fazer um sol pequeno na extremidade superior
esquerda; na parte inferior, desenhou grama do lado esquerdo uma árvore,
depois um vaso com flor, mantendo sempre seu silêncio incansável.

Nesse momento, a psicopedagoga repetiu a consigna e Carla, em


silêncio, desenhou uma borboleta voando, nuvens e várias figuras humanas
(desenhos em forma de palito), nomeando-as de: Sara, Lorena, Plínio,
Washington. De repente, parou e recomeçou: Almir, Sara, Lorena. Quase
todos eles apresentando a mesma idade.

Carla disse que Sara, Jaiane e Lorena, além de terem a mesma idade que
ela, eram as amigas de que ela mais gostava, pois elas não abusavam da
menina como os outros colegas. Depois dessa fala, Carla não quis nem
desenhar nem falar. Atitude que nos leva a vários questionamentos, afinal,
as figuras humanas são desenhadas no último instante como se fossem um
mero detalhe do desenho. Já o cenário tinha uma riqueza de detalhes e
contou com um maior tempo de elaboração.

Podemos levantar a hipótese de um menor peso dos vínculos afetivos


entre os colegas, pois a representação dos companheiros sugeriu certo
descaso, uma falta de importância na realidade de Carla, haja vista a falta de
identidade e de características individuais de cada sujeito desenhado. Não
podemos nos esquecer também de considerar a fala da menina sobre o
“abuso” dos colegas, para uma futura investigação sobre essas agressões:
como, de que maneira e em que momento elas ocorriam.

Família educativa
Durante a construção da Família educativa, Carla desenhou em silêncio,
como de costume, e em sua folha começou a surgir uma casa com telhado,
porta e janela (ambas com o mesmo tamanho e uma saindo da outra) na
extremidade do papel. Em seguida, desenhou ela mesma e sua irmã mais
velha, depois a figura de um animal (cachorro), cujo nome Carla tentou
escrever, finalizando a tarefa na sequência.

Quando questionada se aquela era sua família, Carla voltou a desenhar


novas figuras humanas: a mãe, a irmã mais nova e o pai (este bem
pequenino), dizendo que estavam indo ao shopping. Diante dessa fala, a
psicopedagoga aproveitou a oportunidade para perguntar sobre o que cada
um sabia fazer, no que Carla disse prontamente: “Arrumar a casa”. Quanto
a ela, em específico, disse que sabia brincar. E ao falar de suas tarefas
escolares em casa, a menina disse que sua irmã mais velha é quem a
ajudava e, logo em seguida, começou a desenhar figuras dentro de um
quadrinho bem pequeno, que denominou de peixe e pássaros.

Observou-se, portanto, que com relação ao ambiente familiar como


espaço de aprendizagem não se pôde estabelecer muitos pontos de
referência, pois as informações dadas não revelaram a importância do
núcleo familiar em seu processo de aprendizagem, bem como os papéis que
cada um exercia ou desempenhava nesse núcleo, ao ser questionada sobre
“o que as pessoas sabem fazer”.

A figura materna foi desenhada como a primeira da fila (mesmo que


colocada posteriormente), o que pode nos revelar tanto a questão da
autoridade desta sobre toda a família quanto sua influência afetiva sobre
Carla. Já com relação ao pai, por ter sido o último a ser desenhado e
também por ser o de menor tamanho, podemos julgar que este não exerce
autoridade paterna sobre essa família; podemos também concluir que a
questão das constantes viagens de trabalho do pai causava certo
distanciamento entre ele e sua filha. Contudo, cabe aqui uma investigação
mais precisa de tais vínculos familiares.

Os quatro momentos do dia


O primeiro momento dessa técnica foi realizado pela psicopedagoga quando
esta ensinou Carla a dobrar a folha de sulfite, para que depois desenhasse os
quatro momentos de seu dia (do momento que acorda até a hora de dormir).

Carla iniciou sua produção no terceiro quadrante (inferior esquerdo)


desenhando um livro. Em seguida, decalcou a borracha no primeiro
quadrante (superior esquerdo), desenhando em seguida um lápis no segundo
quadrante (superior direito) e terminando no quarto quadrante (inferior
direito) com um jarro contendo uma flor. Quando questionada sobre esses
desenhos e se estes representavam os quatro momentos de seu dia, Carla,
apesar de balançar a cabeça afirmando que sim, largou o papel e não quis
continuar e decalcou a mão em outra folha. Segundo Carla, ela desenhou a
mão porque gostava de fazê-lo e perguntou se a sessão havia terminado.

Notamos mais uma vez que a questão do não aprendizado relacionado à


necessidade de saber e de aprender está muito presente na vida de Carla.
Somente em um quadrante ela deixou de lado os símbolos relacionados ao
vínculo com o aprendizado. Apesar de não falar, o seu silêncio e sua
irritabilidade quando questionada demonstraram o quanto essa queixa era
presente em sua vida. Cabe aqui descobrir porque somente na última parte
do dia não há relação com o estudo, com o aprender. Será por que, voltando
à anamnese, a mãe a deixa dormir e não cobra pelas tarefas não feitas? Ou
será por que é o único momento em que Carla está com as pessoas de sua
família e os vínculos estabelecidos nesse momento são mais importantes
que o ato de aprender? Enfim, é fato que a questão de adquirir
conhecimento permeava sua história de vida, bem como o não saber influía
na constituição de tal identidade.

O dia do meu aniversário


Em silêncio e sem entusiasmo, Carla desenhou um quadrado representando
o bolo, várias estrelas na parte superior da folha representando as bexigas,
várias bolinhas e quadrados na parte inferior representando os pães e os
pastéis e, no lado inferior direito, outras bolinhas representando os
brigadeiros. Acrescentou na parte inferior da folha duas figuras de pessoas –
ela e sua irmã mais velha.

Quando questionada pela psicopedagoga se não tinha mais pessoas na


festa, Carla voltou a desenhar, em silêncio, várias figuras humanas, ou seja,
seus amigos. Quando perguntado sobre o nome do desenho, ela não quis
falar, deixou o desenho de lado, pegou outra folha e começou a fazer a
dobradura de um chapéu e, por fim, escreveu seu nome, dizendo que esse
era um soldado, mesmo não conhecendo um de verdade.

Ficou claro, nessa técnica projetiva, que Carla fez as atividades


propostas sem entusiasmo, compromisso e interesse. Tal fato permite
pressupor que ela possui um grande vínculo com a irmã mais velha, vínculo
cujo teor de cumplicidade deve ser analisado para se verificar se este é
positivo ou negativo para ambas, deixando de lado os demais membros da
família, principalmente a irmã menor.

Outro ponto de destaque consiste em se analisar, com base nas teorias


próprias sobre o desenho infantil, por que Carla apresenta um desenho tão
esquemático e, às vezes, rudimentar, para representar o mundo à sua volta.
Afinal, na idade em que a menina se encontra, geralmente as crianças
buscam representar suas vidas o mais próximo possível da realidade e não
por esquemas tão figurativos (formas geométricas, principalmente).

Minhas férias
Em silêncio, Carla pegou o papel, dobrou-o em quatro partes e depois fez o
desenho de uma pessoa no primeiro quadrante; no terceiro, desenhou um
boneco de bolas; no segundo, fez várias bolas e, no quarto, um mar com
ondas. Figuras, a princípio, que pareciam sem relação umas com as outras,
mas que, em sua fala, ficava mais claro o que tais símbolos representavam:
“Saio, brinco, jogo bola e vou à praia [...] com minha mãe e minhas irmãs”.
Somente quando questionada é que Carla revelou que o pai também ia
junto.

Nesse momento, Carla começou a brincar com o papel, depois o largou


na mesa, levantou, colocou o chapéu do soldado e se arrumou para sair.
Apesar de a psicopedagoga dizer que o tempo não havia terminado e que
ela poderia continuar a trabalhar, a menina se manteve em silêncio até o
final do atendimento, sem fazer absolutamente nada.

Como se pôde observar, a folha foi divida em quatro partes como o


desenho dos quatro momentos do dia, demonstrando que Carla possuía uma
noção temporal muito boa, com a qual desenhou momentos de lazer que
costumava praticar em suas férias, relatando o fato com começo, meio e
fim. Fato que demonstrou, a nosso ver, um momento de criatividade e
espontaneidade para realizar a atividade, bem como um dos poucos
desenhos sem a representação da dubiedade entre o não saber e o querer
aprender.
Nesse sentido, poderíamos dizer que, nesse caso em específico, as férias
seriam um momento em que o aprendizado não estaria presente, o que a
levava a estabelecer um maior contato afetivo com sua família ou com
alguns membros desta? Poderia ser, ainda, a possibilidade de esse momento
representar o esquecimento de seu conflito interno sobre o aprender/não
aprender, mostrando a verdadeira Carla que ela gostaria de ser?

Fazendo o que mais gosta


Diante da solicitação de desenhar o que mais gostava de fazer, Carla
utilizou o fundo do apontador para decalcar uma borracha e as laterais para
decalcar uma lapiseira. Logo em seguida, a menina não realizou mais nada
e ficou somente olhando para a psicopedagoga.

Quando questionada sobre os nomes dos objetos, Carla tampou com as


mãos a folha e escreveu um título que denominou de Escrever, dizendo que
aqueles objetos serviam para desenhar, escrever e pintar.

O desenho aparentemente trouxe à tona o conflito de saber escrever de


forma dilemática, ou seja, sem assumir o problema do não saber, mas ao
mesmo tempo apresentando suas dificuldades cognitivas, em relação às
quais ela desejava e precisava melhorar. Cabe aqui destacar que a escrita
sempre vem cercada de muito mistério, pois todas as vezes que buscou a
escrita como um de seus recursos, Carla a cobria para que o outro não a
visse, reafirmando, assim, as colocações anteriores de que a dificuldade
aparece ao mesmo tempo em que não se quer fazer presente.

Expostas as análises das provas aplicadas, surgem os seguintes


questionamentos: O que fazer com tantos dados a serem analisados? Como
sistematizar tais informações para que estas se tornem compreensíveis tanto
para as escolas quanto para os pais e demais profissionais? Essas e outras
questões serão respondidas no próximo capítulo.

Síntese
O presente capítulo procurou apresentar algumas técnicas utilizadas em um
estudo de caso real, realizado por uma das autoras em sua prática
psicopedagógica, para que o leitor possa verificar na prática como se deu a
aplicação das teorias que foram apresentadas até o momento.

Nesse sentido, buscamos exemplificar e trazer à tona todas as


observações feitas durante a aplicação das avaliações psicopedagógicas
para que o futuro psicopedagogo se familiarize com o caso e assim possa
também construir sua linha de pensamento para estruturação de suas futuras
análises.

Por fim, esperamos que os dados elencados possam contribuir para a


construção do informe psicopedagógico, tema de nosso próximo capítulo,
bem como auxiliar na aplicação das provas psicopedagógicas
exemplificadas teoricamente nos capítulos anteriores.

Indicações culturais

Livros
Chamat, L. S. J. Técnicas de diagnóstico psicopedagógico: o diagnóstico
clínico na abordagem interacionista. São Paulo: Vetor, 2004.

Chamat procura relatar e explicar de forma clara como se dá o


processo de análise dentro da clínica psicopedagógica, partindo da
entrevista inicial até chegar à aplicação das provas projetivas. A autora
traz também exemplos de como realizar as anotações obtidas durante
as entrevistas e aplicações de provas sem comprometer a atenção
destinada à observação a ser realizada. Podemos dizer que este livro,
em conjunto com o livro de Maria Lúcia L. Weiss – Psicopedagogia
clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar
–, faz uma combinação essencial para que psicopedagogos
desenvolvam uma prática psicopedagógica coerente e precisa.
Orsa, I. P. Psicopedagogia clínica: modelo de diagnóstico compreensivo
das dificuldades de aprendizagem. São Paulo: Porto de Ideias, 2009.

Nesse seu novo livro, Orsa busca realizar uma comparação entre as
diversas formas de análise utilizadas para a compreensão de estudos de
caso, contribuindo com os futuros e atuais psicopedagogos para a
escolha de modelos de sistematizações dos resultados obtidos nas
diversas avaliações realizadas para compreender cada caso.

Atividades de autoavaliação
1. Assinale as alternativas corretas. A queixa apresentada pela mãe de
Carla revela que:
a. Carla vem se apresentando mais nervosa, agressiva e rebelde.
b. por voltar machucada (pela professora) da segunda escola em que
estudou, Carla entrou em um processo de não aprendizado.
c. foi somente na terceira escola que ela percebeu o quanto sua filha
não sabia e o quanto esta estava desmotivada para o aprendizado.
d. apesar do incentivo dado pela escola e de ela ter vontade de
aprender a ler, Carla não consegue aprender.
2. Os laços afetivos entre mãe e filha parecem alicerçados em algumas
questões bem pontuais, envolvendo certo sentimento de culpa. Marque
(V) para as alternativas verdadeiras ou (F) para as respostas falsas em
relação a esse sentimento.

( ) A mãe de Carla revela que gostaria de ter mais tempo para ficar
com a filha depois do horário de escola, pois chega tarde do
serviço.

( ) “Desde que ela ficou doente tenho medo de perdê-la, pois eu quase
a perdi... e não entendo por quê, pois ela tinha uma alimentação
muito boa”.

( ) A doença debilitou Carla seriamente, o que deixou os pais mais


presentes em sua vida e, por isso, a menina se acostumou a fazer
o que quisesse.

( ) A entrada de Carla desde bebê na escola foi uma das causas


principais para o problema da menina, pois como a mãe
trabalhava o dia todo e o pai sempre estava viajando a trabalho,
isso prejudicou, e muito, o seu desenvolvimento.
3. A distância que vai entre o que somos capazes de fazer sozinhos e o
que somos capazes de fazer com a ajuda dos outros é denominada de:
a. nível de desenvolvimento real.
b. nível de desenvolvimento proximal.
c. zona de desenvolvimento proximal.
d. zona de desenvolvimento real.
4. Recapitulando os conhecimentos vistos até o momento e de acordo
com o que estudamos neste capítulo, no qual apontamos que a criança
avaliada possui dificuldades no processo lógico-matemático, assinale a
resposta incorreta. Quando a criança começa a dominar as operações
mentais lógicas, ela entra, segundo Piaget, no estágio denominado de:
a. sensório-motor.
b. pré-operatório.
c. operatório concreto.
d. operatório formal.
5. Neste capítulo afirmamos que o psicopedagogo, durante a aplicação
das provas diagnósticas ou mesmo durante suas intervenções, atua no
que Vigotski chama de zona de desenvolvimento proximal. Assinale a
resposta que melhor define esse conceito.
a. A zona de desenvolvimento proximal se caracteriza pela distância
entre o “nível de desenvolvimento real” (o que a criança faz com
a mediação de um adulto) e o “nível de desenvolvimento
próximo” (o que a criança sabe realizar sozinha, sem auxílio).
b. A zona de desenvolvimento proximal não pode ser observada
quando se analisa o “nível de desenvolvimento real”, pois ela
necessita especificamente do “nível de desenvolvimento
proximal”.
c. A zona de desenvolvimento proximal se caracteriza pela distância
entre o “nível de desenvolvimento real” (o que a criança sabe
realizar sozinha, sem auxílio) e o “nível de desenvolvimento
próximo” (o que a criança faz com a mediação de um adulto).
d. A zona de desenvolvimento proximal se caracteriza pela
disparidade entre o “nível de desenvolvimento real” (o que a
criança sabe realizar sozinha, sem auxílio) e o “nível de
desenvolvimento próximo” (o que a criança faz com a mediação
de um adulto).

Atividades de aprendizagem

Questões para reflexão


1. Em diversos momentos da aplicação das provas psicopedagógicas,
Carla não estabeleceu nenhum tipo de contato com a psicopedagoga,
ficando, assim, em um silêncio absoluto, que muitas vezes escondia o
que a menina sentia ou queria dizer. Diante dessa afirmação, explique
quais as implicações que podem estar nesse silêncio de Carla.
2. Durante a aplicação das provas operatórias, mais especificamente na
aplicação da última, Carla saiu da relação dos níveis 1 e 2,
principalmente 1, e deu um salto qualitativo para o nível 3. O que pode
explicar essa mudança tão repentina de resposta?

Atividade aplicada: prática


Primeira parte:

Exercite com um colega a aplicação das provas projetivas com a


mesma criança na qual foram aplicadas as provas operatórias.
Siga todas as etapas contidas nos dois capítulos lidos
anteriormente.
Após a explicação, registre quais as observações, impressões e
hipóteses obtidas na aplicação das provas.

Segunda parte:
Em grupos maiores, discuta os registros e anote as novas
hipóteses que surgirem juntamente com seus colegas.
Compare as anotações e, por fim, elabore um relatório sobre cada
uma das provas projetivas.

1. Todos os nomes utilizados neste estudo de caso são fictícios.


Capítulo 6

Informe psicopedagógico: suas


origens e sua elaboração

“Na realidade podemos considerar que o tratamento começa com a primeira entrevista diagnóstica,
já que o enfrentamento do paciente com sua própria realidade, realidade esta que provavelmente
nunca precisou se organizar em forma de discurso, o obriga a uma série de aproximações, avanços e
retrocessos mobilizadores de um conjunto de sentimentos contraditórios.”

Sara Pain (1992, p. 72)

Neste capítulo final, buscaremos discutir como se dá a elaboração de um


informe psicopedagógico, tanto como forma de registro do psicopedagogo
como de elaboração das ideias centrais analisadas durante o processo de
diagnóstico do sujeito com algum tipo de dificuldade no processo escolar,
para que seja dada uma devolutiva para pais, professores, escolas e demais
profissionais envolvidos no processo, bem como um recurso que nos dá
subsídio para compreender e traçar um trabalho interventivo com o sujeito
em questão.

O informe psicopedagógico tem sido um grande desafio para muitos


psicopedagogos, pois, além de estar contido nele todas as informações
obtidas durante a aplicação das provas (estudadas nos capítulos anteriores),
faz-se necessário a análise detalhada do relatório para que se chegue a um
possível diagnóstico 🕮 , bem como a um futuro prognóstico 🕮 . Não
devemos nos esquecer de que é por meio desse informe que se elabora o
relatório que será encaminhado e/ou comunicado (devolução) aos pais,
professores e demais profissionais envolvidos com o sujeito avaliado.
Na prática de sala de aula dos cursos de pós-graduação em
Psicopedagogia, esse desafio é uma constante, pois os alunos (futuros
especialistas) aprendem gradualmente o que fazer, como fazer, que testes
aplicar, enfim, que procedimentos utilizar diante do caso de um aluno com
dificuldades no processo de escolarização. Contudo, com a aproximação do
final do curso, surge entre os alunos o desespero de não saberem como
sistematizar todas as informações obtidas em um único documento, ou seja,
no informe psicopedagógico.

Nesse sentido, procuraremos, neste capítulo, trazer ao leitor a origem do


informe psicopedagógico, assim como quais são suas etapas e os
procedimentos que levam à elaboração deste, para que tanto o
psicopedagogo como os demais sujeitos envolvidos no processo possam
compreendê-lo de forma coesa e precisa.

6.1 O surgimento do informe


psicopedagógico
Para darmos início ao resgate histórico do informe psicopedagógico, não
podemos deixar de nos remeter ao surgimento e à construção histórica da
psicopedagogia, pois, se em seus primórdios essa área do conhecimento
tinha como marca a sua origem na psicologia – principalmente na
psicanálise – e na pedagogia, o informe psicopedagógico também tinha
raízes firmes e profundas no psicodiagnóstico🕮. Foi somente com o passar
do tempo que este ganhou outras características, assim como a
psicopedagogia.

De acordo com Sinattolli (2008, p. 58), em relação aos testes, apesar de


terem sidos criados na Europa, “não se tem dúvida que foi nos Estados
Unidos que floresceram de maneira inusitada. Com efeito, tanto na clínica
psiquiátrica como no mundo da educação e no âmbito do trabalho nas
organizações”, como a forma mais adequada de diagnóstico, orientação e
seleção.
Segundo a mesma autora, ao falarmos em psicodiagnóstico devemos
nos remeter à palavra diagnostikós, termo de origem grega que indica
“discernimento, faculdade de conhecer, de ver através de [...] possibilidade
de conhecimento que vai além daquela que o senso comum pode dar, ou
seja, a possibilidade de significar a realidade, que faz uso de conceitos,
noções e teorias científicas” (Trinca, citado por Sinattolli, 2008, p. 58).

Diante da ampla, mas precisa, descrição de diagnóstico revelada


anteriormente é que, durante os anos de 1970, os testes foram submetidos a
uma importante crítica com relação a seu valor científico e, assim, passou-
se a admitir que os testes “são apenas alguns dos instrumentos utilizados
para recolher informação sobre o sujeito, contrastar as hipóteses formuladas
e tomar decisões sobre os objetivos do caso, quer como psicodiagnóstico,
orientação, seleção, tratamento ou encaminhamento” (Sinattolli, 2008, p.
57).

Contudo, apesar de na década de 1970 e ao longo da década de 1980 a


psicopedagogia no Brasil ter construído seus instrumentos de análise e
diagnóstico pautados na concepção da psicologia – o que é até hoje motivo
de grandes discussões entre o Conselho Nacional de Psicologia e a
Associação Brasileira de Psicopedagogia para regulamentação da profissão
–, na década de 1990 a psicopedagogia começou a tomar novos rumos,
tanto para diagnosticar quanto para registrar as hipóteses e os resultados
obtidos por seus instrumentos de trabalho.

Para Porto (2009, p. 3), pautada em Rubinstein, o diagnóstico


psicopedagógico é utilizado para detectar problemas de aprendizagem, ou
seja, ele é um processo de investigação no qual “o psicopedagogo
assemelha-se a um detetive à procura de pistas, selecionando-as e
centrando-se na investigação de todo o processo de aprendizagem, levando
em conta a totalidade dos fatores envolvidos”. A autora chega à conclusão
que o diagnóstico psicopedagógico é em si uma das intervenções do
psicopedagogo para com o sujeito, a família, a escola e os demais
envolvidos com o processo.

Seguindo essa mesma linha de pensamento, Griz (2009, p. 128-129)


concorda com a afirmativa anteriormente exposta ao dizer que:
Para a Psicopedagogia, não se trata de enquadrar o indivíduo em
categorias patológicas que possam vir, no futuro, a rotulá-lo,
aumentando, assim, sua baixa estima, seu bloqueio para o processo de
aprender. O que o psicopedagogo busca é compreender a modalidade
de aprendizagem do indivíduo e o que está ocorrendo nessa modalidade
para que não tenha sucesso ao investir na aprendizagem. É buscar os
dados de sua vida orgânica, cognitiva, emocional e social, para que, de
forma global, possa integrar os dados encontrados, analisá-los e
chegar a uma hipótese diagnóstica que possibilite o início de uma ação
capaz de ajudar o sujeito a retomar o prazer de aprender e a mostrar-
lhe sua capacidade para tal, dando-lhe o sentimento de competência.

Nesse sentido, compreendemos que tal hipótese diagnóstica pode ser


provisória, sendo modificada ou confirmada ao longo de todo o processo
psicopedagógico, só obtendo clareza no final do acompanhamento
interventivo.

Afinal, segundo Griz (2009), o diagnóstico é baseado em dois conceitos


fundamentais e complementares: o conceito do ser humano e o de problema
de aprendizagem. Como bem afirma a autora (2009, p. 128):

O ser humano é uma unidade complexa, pluridimensional,


transversalizado pela afetividade e pelas relações vinculares. Por estar
em relação é contextualizado, devendo tornar-se sujeito da construção
de seu próprio saber. Os problemas de aprendizagem estão ligados ao
indivíduo como um todo, e o sintoma que emerge do processo de
aprender coloca em cena a pessoa total, não existindo causas
independentes mas, sim, produtos de uma estrutura global.

E, mais,

Seguindo essa linha de pensamento, devemos compreender a


aprendizagem humana como uma rede plena de interações, vínculos,
compromissos e papéis, que constituem um sistema complexo, no qual
devemos atuar. Aí teremos o envolvimento não só do aprendente como
também da família, da escola, da sociedade, permeados por uma
filosofia, uma ideologia e uma política governamental [...]. Ademais,
faz-se necessário visualizar possibilidades de atuar no plano da
subjetividade, pois não há testes e programas elaborados previamente
que possam esgotar a diversidade de cada sujeito [...]. (p. 132)

Posto isso e diante desse pequeno resgate do que é o diagnóstico


psicopedagógico (discutido amplamente nos capítulos anteriores),
passaremos a discutir como se dá a construção do informe psicopedagógico,
pautado na vertente de uma psicopedagogia que analisa o sujeito em todos
os seus aspectos e não somente por intermédio de provas psicodiagnósticas.

6.2 Elaboração de informe psicopedagógico


Uma vez que o psicopedagogo reúne o maior número de informações
possíveis sobre os diferentes aspectos que envolvem as dificuldades de
aprendizagem durante o processo diagnóstico, o profissional deverá se
preparar para sistematizar todas essas informações de forma coesa e precisa
por intermédio do informe psicopedagógico.

Segundo Weiss (2001, p. 137),

Ao final do diagnóstico psicopedagógico, o [...] [psicopedagogo] já


deve ter formado uma visão global do [...] [sujeito][1] e sua
contextualização na família, na escola e no meio social em que vive.
Deve ter uma compreensão do seu Modelo de Aprendizagem, o que já
aprendeu, o que pode aprender do ponto de vista cognitivo e afetivo-
social, que recursos possui, se os mobiliza ou não, que direção tomam
seus interesses e motivações na busca do conhecimento.

Nesse sentido, o psicopedagogo, ao estabelecer uma reflexão sobre esse


mapeamento do sujeito, conseguirá pensar de forma mais clara e detalhada
sobre as estratégias didáticas que poderão ser eficazes para cada situação.
Contudo, segundo Carlberg (2000), para que tais estratégias sejam eficazes
e para que o informe psicopedagógico se torne mais preciso, faz-se
necessário ter clareza do objetivo, do uso e da função do relatório dentro do
processo diagnóstico.
De acordo com a autora, a palavra informe já indica porque esta é a
mais completa entre outras terminologias, “pois se refere à fotografia de
uma conjuntura complexa que, no caso da Psicopedagogia, é o que se
pretende ao final de um diagnóstico: uma fotografia do sujeito pesquisado.
Fotografia, no sentido de ‘um jeito de ver, de observar a realidade’”
(Carlberg, 2000).

Para tanto, faz-se necessário seguir alguns passos, ou, nas palavras de
Carlberg (2000), “temos que aprender a comunicar ao outro as conclusões,
sem agredir, sem gerar culpas, tentando esclarecer [...] aquilo que, segundo
o nosso ponto de vista, percebemos como sintomas, obstáculos e possíveis
causas”.

O primeiro passo, de acordo com a autora, deve levar em consideração a


quem se destina o informe psicopedagógico. Quando escrevemos para um
colega de área ou áreas afins, o conteúdo utilizado pode ser mais técnico; já
quando escrevemos para um pai ou uma escola, devemos tomar cuidado
para não expormos ou rotularmos o sujeito. Afinal, descrevemos o
indivíduo como ele está no momento e não como ele é de fato.

No segundo passo, faz-se necessário verificarmos qual a forma de


apresentação que será utilizada, pois o informe psicopedagógico é um
documento escrito que permanecerá existindo independentemente do que é
verbalizado durante a avaliação diagnóstica, bem como durante a
devolutiva para pais, professores, escolas e demais profissionais envolvidos.
“É um documento assinado por seu autor, um profissional que trata de
dificuldades de aprendizagem, portanto, deve haver um compromisso com a
qualidade da forma e do conteúdo” (Carlberg, 2000).

O terceiro e mais importante passo é o conteúdo que será escrito no


informe, pois é este que caracterizará o sujeito em questão. Para tanto,
Carlberg (2000) sugere que sigam os cinco passos para a descrição do
conteúdo:

1. Introdução (apresentação do sujeito – nome completo, idade, filiação,


série que está cursando e a queixa que o levou ao psicopedagogo).
2. Citação dos instrumentos utilizados (não há necessidade de detalhar
cada um dos instrumentos, deve-se apenas citá-los indicando suas
dimensões).
3. Análise dos resultados (é o momento de expor a que conclusões se
chegou, bem como articular a queixa com os sintomas, os obstáculos e
as possíveis causas do não aprendizado).
4. Prognósticos[2] (não se pode conduzir um prognóstico fechado, pois
durante o processo interventivo, o psicopedagogo pode se surpreender
com as reações do sujeito).
5. Indicações (estas são divididas em duas grandes categorias, segundo
Visca – 1987: a primeira, chamada de gerais, conduz a solicitação de
outras áreas de conhecimento – neurologia, psiquiatria, fonoaudiologia
etc. –; a segunda, denominada de específicas, refere-se ao
enquadramento do atendimento psicopedagógico – duração,
frequência, lugar etc.).

Segundo Pain (1992, p. 72), o que mais nos ajuda durante esse processo
“é aquilo que foi expresso no motivo de consulta, de cuja textualidade se
lançará mão, se necessário. Explicita-se, então, como disseram, o que
disseram e o que não disseram, em função dos dados recolhidos sobre o [...]
[sujeito]”.

Informe psicopedagógico clínico


Durante a elaboração do informe psicopedagógico clínico, o psicopedagogo
deve levar em consideração que as técnicas e os instrumentos
psicopedagógicos utilizados devem ajudá-lo a fazer uma reflexão sobre o
que ocorre e sobre o que é preciso fazer a respeito, tomando cuidado para
apenas ver o que o aluno sabe ou não sabe, mas também para definir as
necessidades educacionais e os ajustes nas intervenções educacionais.
Observemos um exemplo de informe psicopedagógico clínico, retomando o
caso da aluna Carla, explanado no capítulo anterior.

Exemplo de informe psicopedagógico clínico

I – Dados pessoais
Nome: Carla da Silva Neves

Data de nascimento: 12 de janeiro de 2002

Idade na avaliação: 8 anos

Filiação: José Geraldo da Silva Neves e Maria Antonieta da Silva

Escola: Particular

Série: 3º. ano do EF

Queixa: Com a mudança para a terceira escola, foi possível perceber o


quanto Carla não sabe o quanto está desmotivada, apesar do incentivo
dado pela escola e sua vontade de aprender a ler e a escrever. Ela não
consegue aprender.

II – Instrumentos utilizados

Entrevista inicial, Eoca, anamnese, provas operatórias piagetianas,


técnicas projetivas psicopedagógicas.

III – Análise dos resultados

Pedagógica: Com relação à parte pedagógica do aprendizado escolar


de Carla, pouco se pôde observar. Ora porque ainda não ocorreu a
visita à escola, ora porque a criança se apresenta muito desmotivada
para realizar tanto suas atividades escolares quanto as propostas em
consultório. No entanto, verifica-se a importância de constatar como se
dão os recursos e a maneira como os vínculos pedagógicos são
apresentados e passados na escola para compreender melhor a
desmotivação de Carla no aprendizado de fato, apesar de apresentar
constantemente o desejo de aprender. Outro fato de suma importância,
relacionado à parte pedagógica, a ser investigado é o caso de agressão
por parte de uma das professoras expresso pela mãe, que levou a
menina a não querer aprender. Por que de fato isso ocorreu? Quais os
reais motivos para se chegar a uma ação como essa? O que implicou
tal antipatia entre professora e aluna? O que fazer para deixar essa
questão de lado e buscar um novo e efetivo aprendizado?

Cognitiva: Com relação à parte cognitiva, pode-se dizer que Carla


possui conflitos fundamentais para o seu desenvolvimento, tanto na
parte escrita (principal) quanto no raciocínio lógico matemático. Com
relação à escrita, faz-se necessário compreender o que ocorre no seu
processo de aprendizagem que não permite a assimilação da escrita,
bem como o motivo pelo qual a criança sempre esconde o que produz.
Nas questões que envolvem o raciocínio lógico-matemático, nota-se a
necessidade de se trabalhar com conceitos básicos, antes de nova
aplicação das provas, assim como a construção de um repertório de
conceitos básicos para que Carla continue a se desenvolver nessa área
do conhecimento. Observa-se também que sua noção temporal é bem
aguçada, apresentando sempre um começo, meio e fim para tudo o que
faz.

Afetivo-social: Aparentemente, os vínculos afetivos e sociais devem


ser muito bem trabalhados, não somente com Carla, mas também com
sua família, pois seus familiares se apresentam abalados, tanto nos
papéis desempenhados por cada membro da família como nas relações
inseguras e de desconfiança que Carla estabelece no espaço escolar.
Agregam-se a esses problemas o sentimento de culpa que a mãe sente
por não ter tempo para ficar com a filha e o fato de quase tê-la perdido
quando bebê, em conjunto com o fato de o pai deixá-la fazer tudo, em
decorrência de sua constante ausência, o que leva a criança a se
aproveitar da situação para fazer o que bem quer, tolhendo sua irmã
mais nova da relação da família e utilizando-se de sua irmã mais velha
para aprender. Nesse sentido, há a necessidade de se investigar mais
detalhadamente o quanto esses vínculos parentais e sociais interferem
no desenvolvimento de Carla, bem como analisar cada um de seus
silêncios e o não diálogo durante o processo de construção de seu
diagnóstico.

Psicomotora: Pelas atividades realizadas, aparentemente Carla


apresenta uma boa coordenação motora, principalmente no que tange à
noção de espaço; porém, necessita-se de um trabalho direcionado à
parte motora que envolva a escrita e uma investigação mais minuciosa
sobre a parte postural de seu corpo, para verificar se não existe
nenhum fator motor que a impeça de conseguir escrever ou ler.

IV – Prognóstico

Carla apresenta dificuldades mais contundentes no processo de


alfabetização, fato que precisa ser investigado com provas específicas
de leitura e escrita, assim como deve ser investigado o processo
pedagógico ao qual está submetida a sua aprendizagem na escola em
que Carla está regularmente matriculada. Não se pode esquecer que a
referida criança começou a falar tardiamente e que entrou na escola
sem passar pelo processo da educação infantil; nesse sentido, há de se
verificar o quanto essas questões contribuem ou não para o seu
desenvolvimento.

Quanto aos conceitos lógico-matemáticos, é necessário resgatar ou


ensinar os conceitos aplicados na caixa operatória para que Carla os
aprenda e depois seja submetida a uma nova avaliação, o que permitirá
verificar o que a menina não conseguiu aprender, mas principalmente o
que aprendeu de fato.

Para tanto, este diagnóstico ainda fica em aberto para possíveis


modificações do quadro apresentado por Carla em seu processo de
escolarização.

Dessa forma, o informe aqui apresentado sobre Carla possibilita um


trabalho mais amplo de suas potencialidades e das habilidades que
possui para o aprendizado se dar de forma efetiva, tirando o foco do
“não saber” para “o que sabe fazer”.

V – Intervenções

Melhorar o vínculo afetivo entre psicopedagoga e “cliente”, para


que a mesma se desiniba e encontre na profissional um aporte
para o aprendizado.
Trabalhar conceitos necessários para o bom desempenho das
provas operatórias e projetivas e, por fim, reaplicá-las para obter
um informe psicopedagógico mais consistente e preciso.
Trabalhar com provas de avaliação escrita e leitura para verificar
como está o processo de alfabetização e letramento.
Solicitar a análise diagnóstica de outros profissionais, como
neuropediatra, fonoaudiólogo e psicólogo, para que, de posse de
suas avaliações diagnósticas, o psicopedagogo realize um
atendimento multidisciplinar que atenda às necessidades do
sujeito em questão.
Deixar claro aos pais que eles devem passar por todo esse
processo, inclusive da terapia psicológica, para que os laços
afetivo-sociais possam se restabelecer dentro da família e com as
demais pessoas que compõem seu grupo social de amigos.
Convidar os pais para conversas durante o processo para mostrar-
lhes a importância de sua participação no processo de
aprendizagem de Carla e a conduta errada que os pais tem ao
deixarem a responsabilidade da aprendizagem da criança sobre a
filha mais velha.
Estabelecer um vínculo construtor com a escola, para que o
trabalho seja realizado em equipe, visando ao real aprendizado de
Carla e não somente ao papel de cada profissional isoladamente.

Informe psicopedagógico institucional e/ou


familiar
No informe psicopedagógico passado para a instituição e/ou para a família,
o psicopedagogo deve apresentar um documento como forma de
colaboração com o processo escolar, ou seja, o profissional deve levar as
informações relevantes obtidas durante o diagnóstico para complementar a
avaliação inicial (queixa) e continuada (processo) dos professores,
estabelecendo-se assim uma avaliação contínua e coordenada entre todos os
profissionais à volta do sujeito. Vejamos:

Exemplo de informe psicopedagógico institucional e/ou familiar


I – Dados pessoais

Nome: Carla da Silva Neves

Data de nascimento: 12 de janeiro de 2002

Idade na avaliação: 8 anos

Filiação: José Geraldo da Silva Neves e Maria Antonieta da Silva

Escola: Particular

Série: 3º. ano do EF

II − Introdução

No informe aqui apresentado à instituição de ensino, relatamos


algumas das características da aluna Carla da Silva Neves,
regularmente matriculada no terceiro ano do ensino fundamental, bem
como algumas indicações sobre como a criança se porta em sala de
aula diante do aprendizado e algumas contribuições a serem
trabalhadas pelos professores, se possível.

III − Descrição do caso

Carla da Silva Neves, com 8 anos atualmente, apresenta dificuldades


no processo de escolarização, principalmente no que tange aos
processos de leitura e escrita. Nesse sentido, observa-se que a vontade
que a referida aluna tem de aprender não é suficiente para que esse
desejo se efetive.

Durante as investigações realizadas, foi possível notar que faz-se


necessário trabalhar com Carla conceitos fundamentais que não foram
assimilados, como também descobrir o que lhe motiva ao aprendizado,
para que esse processo não continue a ser tão doloroso como tem sido.

Outro fator de observação e trabalho em sala de aula são os vínculos


sociais que Carla estabelece, pois estes se apresentam fragmentados e
repletos de incertezas em decorrência de situações que a aluna já
vivenciou em outro estabelecimento educacional. Para tanto, faz-se
necessário que a professora consiga estabelecer um vínculo afetivo
com a menina, assim como com a psicopedagoga, que relata este
informe, para adquirir confiança nas mesmas e assim obterem um
melhor aprendizado da aluna Carla. Deve-se observar também qual o
relacionamento que a mesma estabelece com seus colegas de classe,
pois Carla relata que apenas três colegas não “abusam” dela. O que
seria esse abusar na visão dela e na visão dos colegas perante o olhar
da professora?

E, por fim, faz-se necessário procurar estabelecer um vínculo maior


entre escola e pais, chamando estes para sua responsabilidade no
aprendizado de Carla, assim como o contato entre psicopedagogo e
escola para esclarecer qualquer dúvida que surja, bem como o
estabelecimento de uma prática em conjunto para o melhor
desempenho de Carla.

Cabe aqui destacarmos que esses dois exemplos de informe


psicopedagógico são adotados e sugeridos pelas autoras deste livro.
Contudo, se observarmos nas obras dos diversos autores indicados para
leitura ao longo dos capítulos, notaremos que cada autor seguirá uma forma
de registrar sua devolutiva, o que possibilita a análise, a síntese e a escolha
de uma forma de registro pessoal por cada um dos leitores.

Gostaríamos de destacar que, independentemente da forma de registro


da devolutiva, como psicopedagogos devemos tomar muito cuidado com o
que escrevemos sobre o sujeito analisado, para que este não seja exposto a
situações desagradáveis; o psicopedagogo deve sempre se preocupar em
respaldar aqueles que de uma forma ou de outra apresentaram uma queixa
sobre esse sujeito e, portanto, buscam uma possível resposta ou ajuda para o
trato com o indivíduo.

Síntese
O presente capítulo buscou resgatar o processo histórico de construção do
informe psicopedagógico, assim como suas transformações durante o
processo histórico da psicopedagogia.

Pudemos observar, durante a escrita do informe psicopedagógico, que


este é constituído por características marcantes, que ressaltam não só as
dificuldades enfrentadas pelo aluno no processo escolar, mas também a
importância de salientar as possibilidades que esse relatório apresenta
durante o processo de intervenção, superando, em alguns casos, o
prognóstico dado como fechado anteriormente.

Outro fator de destaque foi a estrutura dos tipos de informes


psicodiagnósticos encontrados: o clínico e o institucional e/ou familiar, bem
como as etapas que os constituem para uma maior clareza e distribuição dos
dados obtidos, assim como o nível de discussão apresentado em cada um
dos tipos.

Para finalizar, o capítulo trouxe exemplos dos dois tipos de informes


para que o leitor possa se familiarizar com o vocabulário, bem como com a
forma de escrita desses tipos.

Indicações culturais

Livro
Sánchez-Cano, M.; Bonals, J. Avaliação psicopedagógica. Porto Alegre:
Artmed, 2008.

Essa obra apresenta as principais questões sobre a avaliação


psicopedagógica e os procedimentos mais atuais para essa prática,
além de contribuir para as discussões sobre a produção de um informe
psicopedagógico preciso e bem elaborado para ser compreendido por
todos. Seu vocabulário é essencial para que o futuro profissional se
familiarize com as terminologias utilizadas entre os especialistas, bem
como as transformem em vocábulos entendíveis por pais e professores.

Site
Psicopedagogia Brasil. Psicopedagogia Brasil: prazer em aprender.
Disponível em: <http://www.psicopedagogiabrasil.com.br>. Acesso em: 25
maio 2010.

O site Psicopedagogia Brasil reúne um vasto acervo de artigos sobre a


psicopedagogia, bem como as discussões sobre a regulamentação da
profissão; também conta com indicações de sites voltados para as mais
diversas temáticas da psicopedagogia, contatos com especialistas da
área, dicas de livros, biografias e eventos.

Filme
Nell. Direção: Michael Apted. Produção: Jodie Foster e Renée Missel.
EUA: 20th Century Fox Film Corporation, 1994. 112 min.

Esse filme apresenta a história de Nell, uma jovem sozinha que vive em
uma casa na floresta, após a morte de sua mãe. Por ser eremita, Nell se
expressa por meio de um dialeto próprio. Após o encontro com um
médico, passa-se a verificar a disponibilidade do profissional para
trabalhar com Nell, a tentantiva de integrá-la à sociedade.

Atividades de autoavaliação
1. Assinale a alternativa correta:
a. O sentido mais amplo do psicodiagnóstico é que, por meio dele,
discernimos, conhecemos e vemos o que ocorre com o sujeito.
b. O sentido mais amplo do psicodiagnóstico é que este possibilita ir
além do senso comum.
c. O sentido mais amplo do psicodiagnóstico é que ele nos
possibilita que o conhecimento vá além do senso comum, ou seja,
ele nos possibilita significar a realidade, fazendo o uso de
conceitos, noções e teorias científicas.
d. O sentido mais amplo do psicodiagnóstico é que ele nos
possibilita significar a realidade.
2. Assinale (V) para as alternativas verdadeiras e (F)para as falsas:

( ) O diagnóstico psicopedagógico é utilizado para detectar problemas


de aprendizagem.

( ) O diagnóstico psicopedagógico é em si uma das intervenções do


psicopedagogo para com o sujeito, a família, a escola e os demais
envolvidos no processo.

( ) O diagnóstico psicopedagógico busca enquadrar o indivíduo em


categorias patológicas.

( ) O diagnóstico psicopedagógico possibilita o início de uma ação


capaz de ajudar o sujeito a retomar o prazer de aprender e de
mostrar-lhe sua capacidade.

3. Assinale a afirmativa correta que complete a fala: “Uma vez que o


psicopedagogo reuniu o maior número de informações possíveis sobre
os diferentes aspectos que envolvem as dificuldades de aprendizagem
durante o processo diagnóstico, este deverá...”:
a. se preparar para sistematizar todas essas informações de forma
coesa e precisa por intermédio do informe psicopedagógico.
b. se preparar para sistematizar todas essas informações de forma
coesa e precisa para obter a categoria patológica na qual se
encontra o sujeito.
c. se preparar para sistematizar todas essas informações de forma
coesa e precisa para obter uma visão particular e única do sujeito.
d. se preparar para sistematizar todas essas informações de forma
coesa e precisa por intermédio do relatório psicológico.
4. No que diz respeito ao informe psicopedagógico, assinale com (V) as
afirmações verdadeiras e com (F) as afirmações falsas:

( ) No informe psicopedagógico, temos de comunicar tudo o que é


feito em consultório, sem pensar no outro que está nos ouvindo,
mas somente no sujeito com dificuldade no processo de
escolarização.

( ) A palavra informe se refere à fotografia de uma conjuntura


complexa, que, no caso da psicopedagogia, é o que se pretende ao
final de um diagnóstico.

( ) O informe psicopedagógico se refere à fotografia no sentido do


jeito de se ver e de se observar a realidade.

( ) No informe psicopedagógico, temos de comunicar ao outros as


conclusões, sem agredir ou gerar culpa, mas sim esclarecer.

5. Assinale (V) para as afirmativas verdadeiras e (F) para as falsas:

( ) Os três momentos que compõem a elaboração de um informe são:


considerar a quem se destina, verificar a forma de apresentação e
o conteúdo a ser escrito.

( ) A análise dos resultados é considerada o momento em que se


expõem as conclusões às quais o psicopedagogo chegou e em que
se articula a queixa com os sintomas, os obstáculos e as possíveis
causas do não aprendizado.

( ) Segundo o momento do conteúdo do informe, o relatório deve ser


conduzido a um prognóstico fechado.

( ) O que menos ajuda durante o processo de escrita e análise do


informe é a queixa expressa no primeiro encontro.

Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
1. Explique a afirmação: “O informe psicopedagógico tem sido um
grande desafio para muitos psicopedagogos”.
2. “Uma vez que o psicopedagogo reuniu o maior número de
informações possíveis sobre os diferentes aspectos que envolvem as
dificuldades de aprendizagem durante o processo diagnóstico, ele
deverá se preparar para sistematizar todas essas informações de forma
coesa e precisa por intermédio do informe psicopedagógico”. Diante
de tal afirmação, explique qual a diferença existente entre o informe
psicopedagógico clínico e o informe psicopedagógico institucional
e/ou familiar.

Atividades aplicadas: prática


1. Aproveitando os resultados obtidos na caixa operatória e nas provas
projetivas realizadas, providencie a anamnese e a Eoca da mesma
criança estudada nos exercícios dos capítulos anteriores.
2. Estando em posse dos instrumentos de análise e das hipóteses de cada
um deles, elabore um informe psicopedagógico clínico e um informe
institucional.

1. Weiss utiliza os termos terapeuta e paciente, os quais preferimos evitar


em nossa obra.

2. Para Visca (1987, p. 68-69), o prognóstico completo é aquele que se


formula com base em três níveis: “1. O prognóstico não pode transcender o
alcance dos enunciados legais sobre os quais se funda; a profecia popular de
fato o faz ou carece de pressupostos legais [...] 2. O prognóstico não pode
ser mais preciso que a informação específica que utiliza, a profecia costuma
sê-lo. 3. O prognóstico é condicional enquanto as profecias são
incondicionais e podem-se enunciar sob forma categórica”.
Considerações finais
Foram estudados e trabalhados nesta obra conceitos chaves para a
compreensão da clínica psicopedagógica, tais como a Eoca, a observação
lúdica, as provas operatórias, as provas projetivas psicopedagógicas, as
provas pedagógicas, as entrevistas, a anamnese, a avaliação psicomotora, as
provas e os testes complementares, além da análise e elaboração do
diagnóstico, do encaminhamento e da intervenção psicopedagógica. Tais
tópicos foram apresentados em um viés teórico-prático fundamentado na
visão da epistemologia convergente de Jorge Visca, trazendo ao leitor uma
vasta fonte de informações e conhecimentos que contribuirão de maneira
muito significativa para uma prática psicopedagógica consciente e crítica,
que priorize, antes de tudo, a ética e o ensino-aprendizagem de qualidade.

Com base nesta obra, os futuros psicopedagogos terão uma base para
desenvolver o diagnóstico clínico passo a passo em uma perspectiva ampla
e abrangente. Os profissionais que já atuam na clínica, por sua vez, poderão
rever sua prática com base em um olhar holístico, integrando diversas áreas
do saber, tais como a psicologia, a epistemologia genética, a psicanálise, a
psicomotricidade, a educação etc., como previsto no resgate histórico
realizado no primeiro capítulo desta obra.

A prática que ilustra todo o livro é uma tentativa de aproximar o leitor


da realidade clínica, instrumentalizando-o e dando suporte e orientação para
ampliar sua atuação profissional. Nesse sentido, foi reunida aqui a
experiência de anos de estudo e atendimento psicopedagógico ao longo da
formação e da atuação das autoras.

A teoria apresentada foi minuciosamente selecionada com base em


várias obras de autores renomados da psicopedagogia no Brasil e no
mundo, complementada pelos conhecimentos teórico-técnicos das autoras.

De posse desses instrumentos, os leitores construirão ou reconstruirão


sua ação psicopedagógica, criando seus caminhos próprios de atuação na
clínica, já que, ao longo do processo de trabalho, a partir de cada caso
específico, vamos analisando e transformando nossa práxis como
profissionais, assumindo nossa responsabilidade sócio-histórica e cultural e
contribuindo com as áreas da saúde e da educação brasileira.

Os desafios são enormes, mas enorme também é a nossa capacidade e


nossa vontade de superá-los, criando novas formas de trabalhar, de ser e de
reinventar nossos caminhos teóricos e práticos por meio da psicopedagogia
clínica.
Glossário
Abordagem clínica: Procedimento que envolve diagnóstico da queixa ou
do sintoma apresentado; atendimento terapêutico previamente
combinado com a família e a escola da pessoa a ser atendida (Fontes,
2006).

Abordagem institucional: De caráter preventivo, tem como foco a


instituição de ensino, ou seja, o trabalho é realizado diretamente com os
profissionais da instituição, ajudando o aluno de forma indireta (Fontes,
2006).

Abordagem interacionista: Considera-se nesse tipo de abordagem a


interação entre o organismo e o meio, ou seja, a criança é vista de forma
dinâmica, interagindo a todo tempo interage com sua realidade (PPD,
2010).

Afasia: Transtorno da comunicação adquirido por lesão nas regiões


cerebrais especificamente envolvidas no processo linguístico, após a
estruturação daquelas. Em relação a crianças, não podemos falar em
afasia, pois esta normalmente ocorre em consequência de um acidente
vascular cerebral (AVC) ou por lesões nas áreas da fala e da linguagem
que geralmente prejudicam a evocação de palavras em idosos (Rotta;
Ohlweiler; Riesgo, 2006).

Ambientalismo: “Para essa linha, há uma imensa influência do ambiente


no desenvolvimento humano. Nessa concepção, o homem é considerado
um ser completamente plástico, ou seja, moldado pelo meio em que
vive. Segundo essa perspectiva, todo conhecimento humano provém do
ambiente externo, pois a criança é concebida como uma tábula rasa (do
latim, ‘folha em branco’), ou seja, sem saber nada, sem conhecimento
nenhum, sem qualquer registro de informações. Dessa forma, os
conhecimentos vêm do mundo externo, e o sujeito os recebe
passivamente” (Nogueira, 2009, p. 28).
Anatomofisiologia: É a fusão de duas áreas de conhecimento: a anatomia e
a fisiologia. A anatomia busca estudar a forma e a estrutura do seres
vivos; a fisiologia, por sua vez, estuda o funcionamento dos organismos.
Ou seja, uma define o nome e a outra descreve o funcionamento
(Dauber, 2009).

Anormalidade: Quando o indivíduo foge das condutas previstas para uma


determinada faixa etária (Cabral; Nick, 2006).

Crianças asiladas: Indivíduos que eram considerados “entraves” para o


bom desenvolvimento da nova e organizada sociedade republicana, ou
seja, separava-se a “população doente” da “saudável” (Rocha, 2004).

Crianças excepcionais: O termo em questão é utilizado de duas formas –


para se referir a uma criança particularmente inteligente ou a uma
criança com talentos pouco comuns. No entanto, o termo é muitas vezes
utilizado de forma pejorativa para identificar a pessoa com algum tipo
de deficiência. Nesse sentido, com base na Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência, adotada pela ONU em 2006, o mais
correto é usar a designação pessoa com algum tipo de deficiência (ex.:
pessoa com deficiência visual) (ONU, 2006).

Dificuldade de aprendizagem: É um termo geral que se refere a um grupo


heterogêneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas
na aquisição e utilização da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da
escrita e do raciocínio matemático (Fonseca, 1995a).

Disfunção cerebral mínima: “As crianças com disfunção cerebral mínima


têm, em geral, inteligência média ou acima da média, mas apresentam
certos problemas de aprendizagem ou de comportamento associados a
desvios das funções do sistema nervoso central” (Saúde Informações,
2010). Segundo Bossa (2000), o nome de disfunção cerebral mínima
consolidou-se em 1962, em um simpósio em Oxford, para designar a
causa de muitos problemas de aprendizagem. Atualmente, não se utiliza
mais essa terminologia, e sim transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade (TDAH).
Disgrafia: Está relacionada à incapacidade de recordar e traçar a grafia das
letras, o que torna a letra ilegível. Cabe aqui ressaltar que a questão da
disgrafia não está relacionada com comprometimento intelectual, mas
sim com comprometimentos motores (Psicopedagogia Brasil, 2004).

Dislexia: É um distúrbio ou transtorno de aprendizagem na área da leitura,


escrita e soletração, comprometendo, assim, o desenvolvimento das
habilidades de reconhecimento de palavras e da compreensão da leitura
(Rotta; Ohlweiler; Riesgo, 2006).

Epistemologia genética: “A epistemologia genética de Piaget tem como


foco principal o sujeito epistêmico, ou seja, o sujeito que constrói
conhecimentos. Ao refletir sobre esse processo no decorrer do
desenvolvimento humano, Piaget parte da relação entre o sujeito e o
objeto (meio físico e social), postulando que estes estabelecem
contínuas relações entre si, em que um constitui o outro mutuamente”
(Nogueira, 2009, p. 40).

Escola Nova: “Movimento de renovação do ensino que foi especialmente


forte na Europa, na América e no Brasil” (Hamze, 2010). Defendia a
universalização da escola pública, laica e gratuita. Afinal, para os
idealizadores desse movimento, o único meio efetivo de combate às
desigualdades da nação seria por um sistema estatal de ensino público,
livre e aberto.

Etiologia: Estudo ou ciência das causas de um determinado conhecimento


ou de um determinado objeto.

Inatismo: “Essa linha de pensamento parte do pressuposto de que tudo o


que ocorre após o nascimento do bebê não é importante para o seu
desenvolvimento, ou seja, acredita-se que a capacidade de
desenvolvimento e de aprendizagem do ser humano já está determinada,
e nada, ou quase nada, que aconteça depois pode mudar isso. Dessa
forma, a personalidade, a inteligência, os valores, as crenças, a forma de
pensar e de ver o mundo nasceriam com a pessoa, sofrendo pouca
alteração ao longo de sua existência” (Nogueira, 2009, p. 23).
Interacionismo ou sociointeracionismo: “A denominação interacionista
ou sociointeracionista não é unânime entre os pesquisadores que se
dedicam aos estudos das obras de Piaget e Vygotsky [...]. Dessa forma,
utilizaremos essa denominação para nos referirmos às linhas de
pensamento que influenciam a perspectiva do ‘aprender’ por meio da
interação do sujeito com o meio sócio-histórico-cultural” (Nogueira,
2009, p. 38, grifo do original).

Método clínico: “Nasceu no século V a.C. na Grécia. Desde seu


nascimento até o momento atual tem sido aplicado a diferentes objetos
de estudos: às enfermidades do corpo, [...], ao inconsciente e às funções
cognitivas. [...]. As investigações iniciadas por Freud levaram à
elaboração de um modelo diagnóstico/terapêutico cujo objeto de
estudos é o inconsciente. A partir de tais trabalhos que, inicialmente, se
restringiram aos adultos, se estenderam às crianças, adolescentes e
grupos” (Visca, 2008, p. 21).

Normalidade: Indivíduos que possuam uma inteligência “para adotar e


manter uma direção definida [do comportamento mental]; a capacidade
de fazer adaptações com o intuito de alcançar determinado fim; e o
poder de autocrítica” (Bianet, citado por Cabral; Nick, 2006, p. 47).

Pedagogia: Significa o total da prática educativa, como também o


esclarecimento teórico e a delimitação dessa prática (Brunner; Zeltner,
2007).

Pedagogia curativa: De origem terapêutica, tem por função atender a


crianças e adolescentes desadaptados didática e socialmente.

Psicanálise: Essa escola psicológica denominada psicanálise (ou análise da


mente) foi iniciada em Viena (Áustria) no começo do século XX e teve
como precursor o médico psiquiatra Sigmund Freud. “Seu interesse
inicial era pesquisar as causas das doenças mentais (neuroses e
psicoses). Sua obra foi influenciada pelo modelo cartesiano de ciência,
embora ele discordasse dos racionalistas em relação à razão humana,
pois acreditava que o homem é fortemente comandado pelo
inconsciente (conteúdos reprimidos – não presentes – da consciência
pela ação de censuras internas) e por forças instintivas” (Nogueira,
2009, p. 25).

Psicologia: “A definição mais abrangente designa a Psicologia como


ciência do comportamento e da vivência e de suas pressuposições,
condições e consequências conscientes e inconscientes. As tarefas da
Psicologia são as pesquisas do comportamento e da vivência, isto é, a
descrição e explicação dos fenômenos psíquicos e a aplicação dos
resultados na área [sic] cultural, social e econômica” (Brunner; Zeltner,
2007, p. 207).

Psicologia escolar: “É a aplicação dos conhecimentos psicológicos,


sobretudo da psicologia da aprendizagem, da psicologia do ensino, da
psicologia do desenvolvimento, da psicologia social e da psicologia
clínica à área escolar e ao ensino. Além disso, a Psicologia escolar
procura embasar este campo prático de forma científica através de
pesquisas e trabalhos teóricos” (Brunner; Zeltner, 2007, p. 211).

Psicologia individual: “Designação geral e pouco usual para áreas parciais


ou teorias da psicologia que têm como ponto de partida a consideração
do indivíduo em particular em contraposição àquelas disciplinas, como
a psicologia social, que colocam como ponto central as interações do
indivíduo com o ambiente que lhe é significativo” (Brunner; Zeltner,
2007, p. 212).

Psicologia social: Ramo da psicologia que tem o “Objetivo de [...] explicar


como a estrutura social chega a se tornar fantasia inconsciente [...] sobre
os processos de constituição da subjetividade [do sujeito]” (Adamson,
2000).

Psiconeurológica: Abordagem fundamentada na biologia, na psicologia e


nos processos educativos e de treinamento, permitindo ver a criança ou
o discente em quatro aspectos – seu organismo, seu corpo, seu desejo e
sua inteligência, ou seja, no seu “ser total” (Pinel, 2002).

Psicopedagogia curativa: Segundo Bossa (2000, p. 37), “O termo


psicopedagogia curativa, adotado por Janine Mery, é usado para
caracterizar uma ação terapêutica que considera aspectos pedagógicos e
psicológicos no tratamento de crianças que apresentam fracasso
escolar”[grifo nosso].

Sistema de hipóteses: “O vocábulo hipótese do grego hypóthesis, originou


a palavra latina hypóthese. No novo dicionário Aurélio, tem o
significado de ‘suposição’, ou de ‘conjetura’. A hipótese é como uma
proposição antecipadora à comprovação da realidade existencial; uma
forma de pressuposição acerca da constatação dos fatos. Trata-se de
formulações provisórias a respeito de fatos que se procura conhecer. [...]
No que concerne ao diagnóstico psicopedagógico, o levantamento de
hipótese tem a finalidade de direcionar o trabalho de avaliação,
tornando-o mais objetivo, evitando-se especulações que possam desviar
o examinador do campo focal de estudo” (Chamat, 2004, p. 38)

Zona de desenvolvimento proximal: “Se caracteriza pela distância entre o


‘nível de desenvolvimento real’ (o que a criança sabe realizar sozinha,
sem auxílio) e o ‘nível de desenvolvimento próximo’ (o que a criança
faz com a mediação de um adulto), uma ideia, segundo Vigotsky,
fundamental para indicar o aproveitamento da criança na escola” (Leal,
2008, p. 46-47).
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Weiss, M. L. L. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos


problemas de aprendizagem escolar. 8. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

_____. _____. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

Winnicott, D. M. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.


Bibliografia comentada
Neste espaço destinado às leituras de aprofundamento e de materiais extras,
buscamos indicar a vocês, leitores, algumas obras que constam da
bibliografia utilizada para a construção deste livro, assim como leituras que
recomendamos para uma melhor compreensão dos aspectos abordados no
decorrer da obra.

Bossa, N. A. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática.


2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Nesse livro, Bossa faz um resgate histórico da psicopedagogia no Brasil


e na Argentina, dando destaque à ética profissional e defendendo a
promoção da aprendizagem como o objetivo primordial da atuação do
psicopedagogo em qualquer campo de atuação. A autora apresenta
ainda o objeto da psicopedagogia, o campo de atuação
psicopedagógico, a formação do psicopedagogo, a prática clínica e a
institucional dessa área de atuação, assim como as teorias que
embasam esse trabalho.

Fonseca, V. da. Psicomotricidade: perspectivas multidisciplinares. Porto


Alegre: Artmed, 2004.

O livro em questão vem complementar todo o trabalho que Vitor da


Fonseca vem realizando sobre psicomotricidade. Nessa obra, é possível
observar e recuperar a discussão sobre o conceito de psicomotricidade,
assim como permite que psicopedagogos e psicomotricistas observem
as dificuldades no processo de aprendizagem não somente por
intermédio de aspectos cognitivos, mas também de aspectos
psicomotores.

Fonseca, V. da. Manual de observação psicomotora. Porto Alegre: Artes


Médicas, 1995.
Nessa obra, Vitor da Fonseca propõe ao leitor e aos profissionais da
educação e saúde uma abordagem psiconeurológica da observação
psicomotora da criança. Para tanto, o autor oferece instrumentos de
observação psicoeducacional, a qual, em vez de medir o produto motor
da criança, busca verificar a qualidade dos processos envolvidos na
integração, na programação, na elaboração e na regulação dos atos
motores.

Fontes, M. A. Psicopedagogia e sociedade: história, concepções e


contribuições. São Paulo: Vetor, 2006.

Nesse livro, Fontes traz aos leitores que querem se embrenhar pela
ceara da psicopedagogia pontos cruciais da história, trazendo
informações complementares para o trabalho realizado por Nadia
Aparecida Bossa no livro A psicopedagogia no Brasil.

Gorman, R. M. Descobrindo Piaget: um guia para professores. Rio de


Janeiro: LTC, 1976.

Esse livro traz de forma bastante didática e, portanto, de fácil


compreensão, uma introdução ao pensamento de Jean Piaget para
educadores, psicólogos e psicopedagogos, dando ênfase aos anos
escolares e às aplicações das teorias de Piaget à educação e ao
processo de ensino-aprendizagem de uma maneira geral. Além disso,
toda a obra é delineada por atividades teórico-práticas para que os
pesquisadores possam testar seus conhecimentos durante a leitura.

Griz, M. das G. S. Psicopedagogia: um conhecimento em contínuo


processo de construção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2009.

Esse livro de Maria das Graças S. Griz nos ajuda a compreender por
quais paradigmas a psicopedagogia já passou, bem como a fazer
articulações entre os diferentes momentos históricos vivenciados por
essa área de atuação e conhecimento. Além do trabalho histórico
realizado pela autora, os estudos de casos apresentados elucidam
significativamente os primeiros passos do profissional de
psicopedagogia, para que este possa pensar de forma ampla e dialética
sobre o fenômeno dos problemas de aprendizagem.

La Taille, Y.; Dantas, H.; Oliveira, M. K. Piaget, Vygotsky e Wallon:


teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.

Essa obra apresenta uma interlocução entre Piaget, Vygotsky e Wallon,


apontando os fatores biológicos e sociais no desenvolvimento
psicológico e a questão da afetividade e da cognição presentes nas
concepções desses teóricos, com base na visão de três professoras da
área de psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem da
Universidade de São Paulo.

Weiss, M. L. L. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos


problemas de aprendizagem escolar. 8. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

Maria Lúcia Lemme Weiss expõe com maestria o passo a passo do


diagnóstico psicopedagógico em cada um dos capítulos dessa obra,
com descrições fascinantes de casos reais para ilustrar cada uma das
técnicas utilizadas na obtenção de um informe diagnóstico preciso e um
prognóstico com o maior número de possibilidades de intervenções.
Apêndice
Modelo de entrevista inicial
(entrevista com a mãe e/ou pai e/ou responsável)

Data da entrevista: ___________________________

Nome: ___________________________

Data de nascimento: ___________________________

Nome da mãe: ___________________________

Profissão: ___________________________

Nome do pai: ___________________________

Profissão: ___________________________

Nome da pessoa que supervisiona a criança:


___________________________

Telefone(s): ___________________________

Endereço: ___________________________

Escola: ___________________________

Professor(a): ___________________________

Coordenador(a): ___________________________

Série: ___________________________

Telefone(s): ___________________________

Endereço: ___________________________
Atendimentos anteriores? Atuais? Qual(is)?
___________________________

Uso de medicamentos? ___________________________

Indicação: ___________________________

Queixa (motivo da consulta): ___________________________

Expectativa da família e da criança: ___________________________

Idade: ___________________________

Turno: ___________________________

Esclarecimento sobre o trabalho psicopedagógico

ANAMNESE

1 − Identificação

Nome do cliente: ___________________________

Data de nascimento: ___________________________

Naturalidade: ___________________________

Nome do pai: ___________________________

Idade: ___________________________

Nome da mãe: ___________________________

Idade: ___________________________

Profissão do pai: ___________________________

Profissão da mãe: ___________________________

Escolaridade do pai: ___________________________


Escolaridade da mãe: ___________________________

2 – Motivo da consulta (início, desenvolvimento, fase de agravamento e


melhora do sintoma)

_____________________________________________________________
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_____________________________________________________________
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_____________________________________________________________
___

_____________________________________________________________
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3 – O dia da criança

Manhã:

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_____________________________________________________________
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Tarde:

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_____________________________________________________________
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Noite:

_____________________________________________________________
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_____________________________________________________________
___

4 – Ambiente familiar

Quem mora na casa? ___________________________

Irmão(s): ___________________________

Nome: ___________________________

Escolaridade: ___________________________

Idade: ___________________________

Nome: ___________________________

Escolaridade: ___________________________

Idade: ___________________________

Nome: ___________________________

Escolaridade: ___________________________

Idade: ___________________________

Nome: ___________________________

Escolaridade: ___________________________

Idade: ___________________________

Como é a residência?

_____________________________________________________________
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_____________________________________________________________
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Como é a vizinhança?

_____________________________________________________________
___

_____________________________________________________________
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Relacionamentos afetivos mais importantes:

_____________________________________________________________
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_____________________________________________________________
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Como reagiu ao nascimento de novos irmãos?

_____________________________________________________________
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_____________________________________________________________
___

Relacionamento entre os irmãos:

_____________________________________________________________
___

_____________________________________________________________
___

Relacionamento do pai com a criança:

_____________________________________________________________
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_____________________________________________________________
___

Relacionamento da mãe com a criança:

_____________________________________________________________
___

_____________________________________________________________
___

Relacionamento entre os pais e os avós da criança:

_____________________________________________________________
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_____________________________________________________________
___

Relacionamento do casal:

_____________________________________________________________
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_____________________________________________________________
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Perderam algum filho?

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_____________________________________________________________
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5 – Se pais separados

Época da separação?
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Como foi?

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_____________________________________________________________
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O que e como foi explicado à criança?

_____________________________________________________________
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Reação da criança?

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_____________________________________________________________
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Visitas: quando e como?

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Houve novo casamento do pai ou da mãe?

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_____________________________________________________________
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Nasceu(ram) novo(s) irmão(s)?

_____________________________________________________________
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_____________________________________________________________
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Relacionamento da criança com ele(s)?

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6 − Gestação

Como o casal reagiu à notícia?

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Qual o sexo desejado?

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_____________________________________________________________
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Ocorreram doenças ou acontecimentos graves durante a gravidez?


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A mãe fez pré-natal?

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7 – Parto: Transcorreu normalmente? Anestesia? Tempo de duração?


Local? Como a mãe se sentiu?

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Como era a criança quando bebê?

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Quem cuidou da criança nos primeiros dias?


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Tomou leite materno até quando?

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Como e quando foi a passagem para a alimentação sólida?

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Usou chupeta até quando?

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_____________________________________________________________
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Como era utilizada? Como deixou?

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Alimenta-se sozinha? É necessário forçar a alimentação?


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Como?

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A criança tem diarreias? Prisão de ventre?

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Quando nasceram os primeiros dentes?

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8 − Sono

Como dormia quando bebê?

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_____________________________________________________________
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E atualmente?

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Precisava (precisa) de alguém ou algo para pegar no sono?

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Ia (vai) à noite para o quarto dos pais?

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9 – Desenvolvimento psicomotor

Quando sentou?

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___

Quando engatinhou?

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Quando andou?
_____________________________________________________________
___

Quando se equilibrou?

_____________________________________________________________
___

Tem noção de lateralidade?

_____________________________________________________________
___

Quando disse as primeiras palavras?

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___

Quando falou corretamente?

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___

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___

Tem algum problema de linguagem?

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___

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___

Quando controlou o esfíncter diurno?


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___

_____________________________________________________________
___

Quando controlou o esfíncter noturno?

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_____________________________________________________________
___

Como foi ensinado o controle?

_____________________________________________________________
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Toma banho sozinha?

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Veste-se sozinha?

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10 – Doenças
Da criança:

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Da família:

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11 – A criança apresenta algum tique?

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12 − Escolaridade

Com que idade entrou na escola?

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___

Como foi a adaptação?

_____________________________________________________________
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Houve mudança de escola?

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Quando?

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Por quê?

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Como foi a nova adaptação?

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_____________________________________________________________
___

Rendimento e comportamento escolar?

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Precisa de auxílio fora da escola?

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_____________________________________________________________
___

Relata de forma compreensiva sobre o que assiste e o que faz?

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13 – Mudanças e acontecimentos importantes (mortes, doenças


graves, mudança de casa etc.: como foi explicado e como a criança reagiu)?

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_____________________________________________________________
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14 – Sexualidade (curiosidade, informação, masturbação, brincadeiras


sexuais)?

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15 – Brincadeiras prediletas:

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16 − Quanto à curiosidade:

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17 – Atenção/concentração:

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18 – Amigos (quem? idades, preferências, quem escolhe?)

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19 – Como é comemorado o aniversário da criança?

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21 – Comportamento

Agressividade:

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Medos:

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Aprendizagem:

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O que mais gosta de fazer:

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O que faz melhor:

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22 – Retrato da criança (pede-se a cada um dos genitores que descreva


física e emocionalmente o filho).

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23 – Observações sobre a entrevista (o entrevistador deverá relatar o seu


sentimento sobre a entrevista e começar a levantar hipóteses sobre o caso,
para serem reunidas com as demais ao final do diagnóstico, pois é com base
na reunião e no cruzamento de todas as informações obtidas durante o
diagnóstico que será redigido o informe psicopedagógico).

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Gabarito
Capítulo 1
Atividades de autoavaliação

1. c
2. F, F, F, V
3. V, F, F, F
4. b
5. d

Atividades de aprendizagem

Questões para reflexão

1. Notamos que a psicopedagogia dos séculos XIX e XX, apesar de ter


tido grandes avanços em suas teorias e técnicas, ainda se preocupava
mais com a questão quantitativa dos exames psicométricos, buscando
suas respostas para as dificuldades no processo escolar em números, e
não nas capacidades dos alunos. Atualmente, a psicopedagogia busca
atuar de maneira bio-psicossocial, ou seja, busca ver o indivíduo em
toda a sua magnitude, em todos os seus espaços e não somente por
intermédio de um teste. Nesse sentido, contamos com a união da
abordagem clínica e da abordagem institucional para compreender
como se dá a transmissão de conhecimento, bem como a compreensão
de como os fatos psicológicos interferem no ato de aprender.
Considerando, também, o papel da família e da sociedade nesse
processo de desenvolvimento biopsicossocial.
2. Se pensarmos que o projeto de lei do Deputado Barbosa Neto (nº
3.124/1997) está a mais de 10 anos em votação e ainda não conseguiu
atingir resultados positivos para a regulamentação da profissão,
acreditamos, em consonância com os membros da ABPp, que a Lei nº
10.891/2001 foi um grande salto qualitativo para a área e para a
profissão da psicopedagogia, pois, com a aprovação da referida lei,
cremos que esta virá ao encontro da realidade educacional brasileira,
buscando compreender o processo referente às dificuldades de
aprendizagem, com a tentativa de transformar a realidade educacional.

Atividade aplicada: prática

Nessa questão, espera-se que o leitor consiga identificar as diferenças


que existem entre o trabalho de um psicopedagogo na clínica e um
psicopedagogo na instituição, bem como o compromisso que estes
devem possuir com ambas as suas práticas, podendo, assim, realizar
uma reflexão crítica sobre o que é ato preventivo e o ato clínico na área
psicopedagógica.

Capítulo 2
Atividades de autoavaliação

1. V, F, F, V
2. c
3. V, F, F, V
4. F, F, V, V
5. V, V, V, V

Atividades de aprendizagem

Questões para reflexão

1. Neste capítulo, estudamos as características principais de cada estágio


do desenvolvimento humano, que são cruciais como parâmetro para a
avaliação psicopedagógica clínica. No caso específico apresentado
nesta atividade, observamos que Clara, de 9 anos, ao responder que
não sabe a resposta para o problema proposto, confirma que, nessa
etapa do desenvolvimento, correspondente ao estágio operatório
concreto, a criança não é capaz de pensar em termos abstratos.
Rodrigo, de 12 anos, conseguiu resolver o problema porque está no
estágio das operações formais e, por isso, é capaz de pensar em termos
abstratos e resolver o problema corretamente. Clara poderia responder
o problema de forma correta se Vinicius, Mateus e Tiago estivessem na
sua frente – “concretamente” −, no entanto, a menina tem dificuldade
para operar em um nível puramente verbal.
2. No estágio operacional concreto (7 aos 11/12 anos), a criança realiza
no plano mental uma ação que antes só conseguia realizar no nível
motor, mas ainda apoia-se nos objetos e nas situações concretas. Nesse
estágio, a criança adquire as noções de: permanência de substância,
peso e volume e as de tempo, velocidade e espaço, além das noções de
reversibilidade, conservação, também sendo capaz de seriações,
classificações etc. Nesse nível, o indivíduo supera gradativamente o
egocentrismo a partir da interação com os outros. Já no estágio
operacional formal (12 em diante) a criança construirá o pensamento
hipotético-dedutivo, a forma mais elevada de pensar e de lidar com os
problemas, podendo generalizar e construir princípios abstratos. É na
adolescência que o sujeito concretiza a personalidade, com base na
elaboração de um “projeto de vida”, que cumpre dupla função:
disciplinar a vontade e servir como instrumento de cooperação para o
desenvolvimento humano.

Atividade aplicada: prática

Nessa atividade, o leitor deverá identificar os estágios do


desenvolvimento propostos por Piaget, fazendo uma síntese de cada
estágio respectivo à observação da criança ou do(a) adolescente em
questão. Segue uma síntese dos quatro estágios para que o leitor possa
se guiar após realizar a atividade: 1) O estágio sensório-motor (até 2
anos de idade) se inicia por uma indiferenciação da criança com o
mundo, progredindo para uma distinção entre ela e os demais
elementos. Partindo dos aparelhos reflexos, o sujeito, na interação com
o meio, constrói esquemas sensório-motores, pautados na percepção e
na motricidade (inteligência prática). Esses esquemas, por sua vez,
servirão de alicerce para o desenvolvimento das novas estruturas. No
decorrer desse estágio, a criança construirá as noções centrais de
espaço, tempo, causalidade e objeto permanente. 2) No estágio pré-
operatório, (2 aos 7 anos) ocorre a construção da função simbólica, que
envolve quatro aspectos: o desenho, o jogo simbólico, a imitação e a
linguagem. Esse estágio é permeado pelo egocentrismo, uma
impossibilidade de considerar o outro e suas opiniões, incluindo aí as
normas sociais e morais. A percepção que a criança tem sobre o mundo
se baseia, portanto, exclusivamente em seu ponto de vista, o que a
impele a incorrer em uma série de erros. 3) No estágio operacional
concreto (7 aos 11/12 anos), a criança realiza no plano mental uma ação
que antes só conseguia realizar no nível motor, mas ainda apoia-se nos
objetos e nas situações concretas. Nesse período, a criança adquire as
noções de: reversibilidade (aquilo que se faz pode ser desfeito),
conservação de substâncias (independentemente de suas formas) e de
invariância. Nesse nível operacional, marcado pela superação do
egocentrismo, a socialização é marcada por uma efetiva interação com
seus pares. 4) No estágio operacional formal (12 em diante), a criança
construirá o pensamento hipotético-dedutivo, a forma mais elevada de
pensar e de lidar com os problemas, podendo generalizar e construir
princípios abstratos. É na adolescência que o sujeito concretiza a
personalidade, com base na elaboração de um “projeto de vida”, que
cumpre dupla função: disciplinar a vontade e servir como instrumento
de cooperação para o desenvolvimento humano.

Capítulo 3
Atividades de autoavaliação

1. V, V, V, F
2. V, F, V, F
3. V, F, F, V
4. a
5. d

Atividades de aprendizagem

Questão para reflexão

Essa questão visa levar o estudante a refletir sobre o seu próprio


processo de ensino-aprendizagem e suas relações professor-aluno e
aluno-escola com base em suas próprias experiências escolares até o
momento, verificando se houve algum agravante no seu processo de
ensino-aprendizagem relacionado a tais passagens. A intenção é levar o
leitor a pensar sobre seus próprios problemas e dificuldades de
aprendizagem – autoconhecimento – pois isso poderá ajudá-lo no
momento de diagnosticar e tratar dos problemas e das dificuldades dos
seus clientes futuros. O exercício também ajudará o estudante a se
colocar no lugar dos outros atores em questão para que possa fazer um
verdadeiro exercício de autorreflexão.

Atividade aplicada: prática

Segundo Chamat (2004), existem inúmeras abordagens, tipos e


metodologias no campo clínico e institucional para a atuação
psicopedagógica, tanto em relação à avaliação diagnóstica quanto no
que tange à intervenção ou ao tratamento propriamente dito. Aqui,
citaremos algumas delas, mas o leitor poderá encontrar outras durante a
sua pesquisa:

1. Abordagem psiconeurológica: Tem uma visão neurológica da


aprendizagem, acreditando que, para a criança aprender, é necessário
que seu aparelho neurológico seja saudável – sistema nervoso central e
periférico em harmonia −, pois só assim ela será capaz de receber,
categorizar, armazenar e integrar informações. O tratamento nessa
linha é feito com estimulação cerebral e medicamentos se necessário.
2. Abordagem neuropsiquiátrica: Trata os casos de crianças disléxicas,
psicóticas, esquizofrênicas que não conseguem aprender. Nesse caso, o
tratamento é neurológico e psicológico, no caso da dislexia, e
psiquiátrico e psicológico, no caso da psicose ou da esquizofrenia.
3. Abordagem comportamental: Enfatiza a questão da motivação
intrínseca e extrínseca, ou seja, estimulação da atenção e
memorização. O tratamento é feito com estimulação e reforço do
comportamento.

Capítulo 4
Atividades de autoavaliação
1. V, F, V, V
2. c
3. a
4. d
5. F, F, V, V

Atividades de aprendizagem

Questão para reflexão

Nesse momento, espera-se que o estudante retome o conteúdo estudado


até o momento, relendo cuidadosamente o capítulo e fazendo uma
síntese dos principais conceitos abordados para realizar de maneira
objetiva os exercícios propostos na Atividade aplicada: prática dessa
parte da obra. Além disso, essa recapitulação é essencial para que no
capítulo seguinte o leitor possa compreender melhor o caso apresentado.

Atividades aplicadas: prática

Esse material pode ser produzido de maneira simples e barata, mas, para
aqueles que desejam adquirir o kit profissional para a aplicação das
provas do diagnóstico operatório, é necessária a procura desses
materiais em locais específicos nos quais são comercializados
instrumentos para a clínica psicopedagógica, como a livraria Casa do
Psicólogo. Para maiores informações, o leitor pode acessar o seguinte
site: <http://www.casadopsicologo.com.br/>. Depois da confecção e da
organização ou da aquisição do material, os estudantes poderão
exercitar a aplicação das provas operatórias, familiarizando-se com cada
uma delas e tornando-se, pouco a pouco, experientes e adquirindo
conhecimentos teóricos e práticos para o início do exercício das
atividades da clínica psicopedagógica. Com base na aplicação das
provas operatórias e das provas projetivas, os estudantes podem estudar,
tirar as dúvidas e adquirir experiência para atuarem no processo de
investigação psicopedagógica clínica.

Capítulo 5
Atividades de autoavaliação

1. c, d
2. V, V, V, F
3. c
4. d
5. c

Atividades de aprendizagem

Questões para reflexão

1. A questão do silêncio de Carla é um fator a ser investigado, pois em


muitos momentos ela tinha atitudes vagas durante a realização das
provas projetivas psicopedagógicas. Nesse sentido, podemos
desconfiar que esse silêncio possa estar relacionado com um não
vínculo com a psicopedagoga, que deverá ser construído, portanto,
para que se possa obter informações mais precisas sobre a referida
paciente. Ou, ainda, acreditamos que o silêncio representa sua dúvida
entre o querer saber e o não saber, pois quando mantinha o silêncio e
não se abria, Carla não precisava discutir sobre o que não sabia;
contudo, seus desenhos revelavam esse conflito o tempo todo mesmo
que ela não tenha dito nada a respeito.
2. A nosso ver, existem duas possibilidades: na primeira, é possível que
Carla já esteja familiarizada com o conceito de conservação de líquido,
pois esse método de aprendizagem já pode ter sido trabalhado com ela
durante suas atividades escolares ou mesmo durante seus vários
momentos de aprendizagem nos mais diversos espaços. Na segunda,
existe a possibilidade de que, durante a aplicação das provas, Carla
tenha tido um salto qualitativo muito grande ao perceber o conceito de
reversibilidade nas provas anteriores, de acordo como os
questionamentos foram conduzidos, e conseguindo na última etapa
perceber que, apesar de mudar de forma, a quantidade de líquido
continua sendo a mesma.

Atividade aplicada: prática


Na atividade proposta neste capítulo, esperamos que o leitor e futuro ou
atual profissional da psicopedagogia possa exercitar atividades práticas
de aplicação de provas projetivas, assim como analisar em grupos as
possíveis possibilidades de hipóteses que tais provas permitem no
estudo dirigido de um caso de dificuldades de aprendizagem. Posto isso,
podemos dizer que tal atividade permitirá o trabalho interdisciplinar dos
vários olhares sobre o mesmo sujeito e instrumento de trabalho,
propiciando, assim, um relatório final com mais subsídios e informações
para quem apresentou a queixa da dificuldade no processo de
aprendizagem.

Capítulo 6
Atividades de autoavaliação

1. c
2. V, F, V, F
3. a
4. F, V, V, V
5. V, V, F, F

Atividades de aprendizagem

Questões para reflexão

1. O informe psicopedagógico é um grande desafio para muitos


psicopedagogos, pois é nele que encontraremos toda a informação
obtida durante a aplicação das provas, bem como a análise que dará
origem a um possível diagnóstico acompanhado de um prognóstico.
Não nos esquecendo, também, que é por meio dele que será elaborado
o informe que será encaminhado aos pais, professores e demais
profissionais envolvidos com o sujeito.
2. O informe psicopedagógico clínico contribui para que o
psicopedagogo faça uma reflexão sobre os instrumentos aplicados,
focando-se não só no que o sujeito não sabe, mas sim no que sabe e
nas intervenções que poderão ser feitas para atender suas necessidades.
Já o informe psicopedagógico institucional e/ou familiar busca
esclarecer de forma mais clara e precisa como se apresenta o sujeito
em questão, levando para a escola e para a família as informações
relevantes para complementar a avaliação inicial e contínua do
educando ante os professores.

Atividades aplicadas: prática

Diante do processo de construção percorrido ao longo do livro, tanto


pelas autoras como pelos leitores desta obra, esperamos que, após a
leitura desse último capítulo e com a realização das atividades práticas
anteriores, os leitores possam atender e analisar uma criança com
dificuldades de aprendizagem, para que expressem possíveis hipóteses e
sugestões de condução do caso, por intermédio da descrição de informes
psicopedagógicos clínico e institucional.
Sobre as autoras
Makeliny Oliveira Gomes Nogueira é mestre em Psicologia da Educação
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP (2008) e
licenciada em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP
(1999). Possui especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional
pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL (2002), em Deficiência
Mental e suas Diversas Abordagens pela Escola Bahiana de Medicina e
Saúde Pública (2005) e em Educação Transdisciplinar e Desenvolvimento
Humano pela Universidade Federal da Bahia – UFBA (2006). É formada
em Teatro pela UFOP (2000) e em Psicanálise pelo Círculo Psicanalítico da
Bahia –CPB (2003). Iniciou sua carreira docente no ensino superior como
professora de Filosofia na Faculdade de Ciências da Bahia – Faciba entre
2003 e 2006. Lecionou Teatro e Filosofia para crianças e adolescentes do
Colégio Perfil (escola inclusiva) entre 2004 e 2005, em Salvador-BA.
Posteriormente, lecionou no curso de Pedagogia da Faculdade
Metropolitana de Camaçari – Famec (2006-2007), instituição na qual
também foi responsável pela criação e implantação do Núcleo de Apoio
Psicopedagógico – NAP, para os alunos das diversas graduações dessa
instituição, atuando como coordenadora e como psicopedagoga
institucional. Atuou como psicopedagoga clínica, entre 2002 e 2006, na
Consultoria Psicopedagógica e Terapias Integradas Ltda – CEPp. Também
atua como docente em cursos de especialização em Psicopedagogia,
Educação Especial e Metodologia do Ensino Superior. Atualmente, dedica-
se ao doutorado em Psicologia da Educação na PUC-SP, onde integra o
grupo de pesquisa “A dimensão subjetiva da desigualdade social: suas
diversas expressões”, coordenado pela professora Drª. Ana Mercês Bahia
Bock. Além da presente obra, Makeliny é autora do livro Aprendizagem do
aluno adulto: implicações para a prática docente na educação superior,
publicado pela Editora Ibpex em 2009.

Daniela Leal é mestre em Educação: Psicologia da Educação pela


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP (2008) e
licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitário Sant’Anna –
UniSant’Anna-SP (1999). Possui especialização em Psicopedagogia Clínica
e Institucional pela UniSant’Anna (2002) e em Educação Inclusiva e
Deficiência Mental pela PUC-SP (2005). Iniciou sua carreira docente na
educação infantil (1994-1996), passando pelo ensino fundamental (1997-
2001) e atuando como coordenadora pedagógica do Colégio Vinícius de
Moraes – Guarulhos/SP – (2002-2005). Posteriormente, iniciou a carreira
docente lecionando aulas para o curso de pós-graduação lato sensu em
Psicopedagogia nas Faculdades Integradas de Ciências Humanas, Saúde e
Educação de Guarulhos (2005-2010) e como professora do curso de
graduação em Pedagogia da mesma instituição e também da Faculdade
Guaianás – SP – (2006-2009). Atualmente, dedica-se ao doutorado em
Educação: Psicologia da Educação PUC-SP, onde integra os grupos de
pesquisa “Psicologia e Educação no Brasil: o olhar sobre a criança”,
coordenado pela professora Drª. Mitsuko Aparecida Makino Antunes, e o
“Núcleo de História da Psicologia (Nehpsi)”, coordenado pelas professoras
Drª. Maria do Carmo Guedes e Drª. Mitsuko Aparecida Makino Antunes.
Sumário
Dedicatórias
Agradecimentos
Apresentação
Introdução
História da psicopedagogia: rumos e desafios
1.1 Conceituação da palavra psicopedagogia
1.2 A psicopedagogia no mundo: um breve resgate histórico
Avaliação psicopedagógica: o processo de investigação clínica
2.1 Epistemologia convergente: a fundamentação teórica de Jorge
Visca
2.2 Epistemologia convergente: uma teoria sociointeracionista
Diagnóstico psicopedagógico: etapas e instrumentos
3.1 As etapas do diagnóstico psicopedagógico clínico: o passo a
passo
Provas operatórias e projetivas: instrumentos que auxiliam na
avaliação clínica
4.1 Provas do diagnóstico operatório: analisando os indicadores
dos estágios cognitivos piagetianos
Estudo de caso: os desafios da intervenção psicopedagógica
5.1 Caso Carla da Silva Neves
Informe psicopedagógico: suas origens e sua elaboração
6.1 O surgimento do informe psicopedagógico
6.2 Elaboração de informe psicopedagógico
Considerações finais
Glossário
Referências
Bibliografia comentada
Apêndice
Gabarito
Sobre as autoras

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