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Biomecânica do

Treinamento
Descrição do Movimento, Mecânica
Newtoniana e Cinemática Linear

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Fabio Milioni

Revisão Textual:
Caique Oliveira dos Santos
Descrição do Movimento, Mecânica
Newtoniana e Cinemática Linear

• Definição e Descrição de Movimento;


• Introdução à Mecânica Newtoniana (Leis de Newton);
• Fatores Mecânicos Determinantes da Força Muscular.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Abordar a descrição da biomecânica do movimento humano, as definições de planos, eixos,
tipos de contração muscular e manifestações de força muscular;
• Estabelecer e discutir a relação entre os conceitos ligados à mecânica newtoniana (as três
leis de Newton) e as determinantes da produção de força muscular (comprimento muscular
x tensão, velocidade x força e ciclo alongamento-encurtamento).
UNIDADE Descrição do Movimento, Mecânica
Newtoniana e Cinemática Linear

Definição e Descrição de Movimento


Definição de movimento
Até este momento, nós nos familiarizamos com a definição de biomecânica e seus
campos de pesquisa e atuação, entendemos que essa ciência investiga as interações de
forças internas e externas em um corpo e que, para isso, se utiliza de ferramentas espe-
cíficas para descrever e quantificar o movimento produzido por essas forças.

Mas o que é o movimento? Tratando de maneira geral, o movimento é a mudança


de posição de um corpo no espaço em função do tempo, ou seja, é o deslocamento de
dado material no espaço-tempo.

O corpo humano se move a partir da combinação de movimentos lineares (transla-


cionais) e movimentos angulares (rotacionais) (MCGINNIS, 2015). Para ficar mais claro,
vamos definir, inicialmente, os movimentos de translação e rotação de um corpo.

O movimento de translação é o movimento uniforme de um corpo e todas as suas


partes na mesma direção, sentido e velocidade, ou seja, é o deslocamento de um corpo
ao longo de uma linha imaginária. Mais uma vez, é importante ressaltar que, durante o
movimento de translação, o corpo se movimenta como uma unidade e as partes desse
corpo não apresentam deslocamento em relação às outras partes.

Por exemplo, durante uma viagem de carro em que o passageiro se encontra imóvel
dentro do automóvel, seu corpo está sendo deslocado linearmente. Entretanto, se o
passageiro mover o braço para alcançar um objeto, essa não será mais uma translação
pura, visto que o braço mudou de posição em relação ao restante do corpo que continua
se deslocando linearmente no espaço.

Figura 1 – Movimento linear retilíneo uniforme


Fonte: Getty Images

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O movimento linear pode ser retilíneo ou curvilíneo (é importante não confundir o
movimento linear curvilíneo com o movimento de rotação). Imagine um ciclista em uma
pista plana. Exceto pelas rodas e pelo pedal, que estarão em movimento rotacional,
tanto a bicicleta quanto o ciclista estarão em movimento linear retilíneo (assim como o
carro viajando que discutimos anteriormente). Contudo, se o ciclista utilizar uma rampa
para saltar com a bicicleta, durante o salto até a aterrissagem, esse conjunto estará em
um movimento linear curvilíneo, dada a rota que o conjunto assume durante o salto.

Figura 2 – Movimento linear curvilíneo uniforme


Fonte: Getty Images

Por sua vez, o movimento de rotação é o movimento angular ao redor de um eixo.


O corpo em deslocamento se move de maneira perpendicular ao plano em que ocorre
a rotação, girando em torno de um eixo.

São exemplos de movimentos rotacionais o giro de uma ginasta ao redor de uma


barra, o gesto motor do arremesso de uma bola de softball e o fouetté (giro sobre uma
das pernas) no ballet. Ou seja, qualquer movimento que ocorra ao redor de um eixo é
considerado um movimento rotacional ou angular.

Figura 3 – Movimento rotacional


Fonte: Getty Images

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Newtoniana e Cinemática Linear

A maior parte dos movimentos dos corpos acontece devido a uma combinação entre
movimentos de translação e movimentos de rotação, sendo denominada de movimento
geral. Imagine um arremesso de basquetebol. Ao mesmo tempo que a força externa
aplicada pelo atleta que arremessou faz com que a bola descreva um movimento curvi-
líneo até a cesta, a bola também rotaciona ao redor do seu próprio eixo, resultando em
um movimento geral.

Figura 4 – Movimento geral


Fonte: Getty Images

Trocando Ideias...
E, durante uma caminhada ou corrida, qual o tipo de movimento que realizamos? O des-
locamento humano talvez seja o maior exemplo da combinação de movimentos rota-
cionais e translacionais. Para haver a translação do corpo humano ao longo do espaço,
ou seja, o deslocamento linear, uma série de rotações deverá ocorrer, por exemplo, os
movimentos angulares dos segmentos ao redor de seus eixos articulares. Um passo a
frente durante uma caminhada pressupõe flexão de quadril, extensão de joelho e aplai-
namento do pé no solo (uma sequência de flexão dorsal e plantar, respectivamente).
Todos esses movimentos acontecem de maneira angular ao redor do eixo das respectivas
articulações e contribuem para o deslocamento linear do corpo como um todo.

Descrição do movimento
Para progredirmos na descrição do movimento humano, teremos que dar alguns
passos para trás a fim de brevemente revermos algumas terminologias da anatomia hu-
mana, afinal o movimento humano é descrito a partir da perspectiva dos planos e eixos
anatômicos em que ele ocorre.

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Inicialmente, vamos definir posição de descrição anatômica, uma vez que todos os
planos e eixos são, convencionalmente, orientados por esse posicionamento. Na posição
de descrição anatômica (ou posição anatômica de referência), o indivíduo deve estar em
posição ereta bípede (em pé), o olhar direcionado para o horizonte, os braços estendidos
junto ao corpo e com as palmas das mãos para frente, assim como as pernas devem
estar estendidas com as pontas dos pés direcionadas para frente (Figura 5).

Figura 5 – Posição de descrição anatômica (ou posição anatômica de referência)


Fonte: Adaptada do Getty Images

A partir da posição anatômica de referência, temos os planos anatômicos, que


são retas hipotéticas utilizadas para dividir a massa do corpo em partes e auxiliar a
descrição de estruturas e direções dos movimentos. O corpo humano apresenta três
planos anatômicos:
1. Plano frontal (ou coronal): reta imaginária que divide o corpo em anterior
e posterio;
2. Plano sagital: reta imaginária que divide o corpo em direita e esquerda;
3. Plano transversal (ou horizontal): reta imaginária que divide o corpo em supe-
rior e inferior (Figura 6).

Finalmente, há os eixos anatômicos, que são linhas imaginárias que transpassam o


corpo perpendicularmente aos planos anatômicos e auxiliam a descrição do movimento.
O corpo humano apresenta três eixos anatômicos:
1. Eixo anteroposterior: linha que transpassa o corpo perpendicularmente ao
plano frontal;
2. Eixo laterolateral: linha que transpassa o corpo perpendicularmente ao
plano sagital;
3. Eixo longitudinal: linha que transpassa o corpo perpendicularmente ao plano
transversal (Figura 6).

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Figura 6 – Planos e eixos anatômicos do corpo humano


Fonte: Adaptada de BEHNKE, 2004

Os movimentos que ocorrem no plano frontal e, portanto, ao redor do eixo anteropos-


terior são, especialmente, a abdução e a adução de membros, movimentos que, respecti-
vamente, afastam e aproximam os membros da linha mediana do corpo (Figura 7). Como
movimentos de segmentos específicos no plano frontal e eixo anteroposterior estão:
flexão lateral da coluna vertebral, elevação e depressão da escápula, desvio radial e ulnar
do punho e inversão e eversão do pé.

Figura 7 – Movimentos de abdução e adução no plano frontal e eixo anteroposterior


Fonte: HALL, 2016

No plano sagital, ocorrem os movimentos ao redor do eixo laterolateral. Os principais


movimentos do plano sagital e eixo laterolateral são a flexão e a extensão. Nesse caso
específico, há um movimento especial denominado hiperextensão, que é a extensão
além da normalidade anatômica (Figura 8). Como movimentos de segmentos específicos
no plano sagital e eixo laterolateral estão: dorsiflexão, ou flexão dorsal, e plantiflexão,
ou flexão plantar, do tornozelo.

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Figura 8 – Movimentos de flexão, extensão e hiperextensão no plano sagital e eixo laterolateral
Fonte: HALL, 2016

Por fim, os movimentos que ocorrem no plano transversal e eixo longitudinal são,
principalmente, as rotações internas e externas (Figura 9). Como movimentos de seg-
mentos específicos no plano transversal e eixo longitudinal estão: supinação e pronação
do antebraço e, embora a abdução e a adução sejam movimentos no plano frontal e
eixo anteroposterior, quando o membro superior se desloca numa trajetória horizontal
de uma posição medial para lateral diz-se abdução horizontal e quando a trajetória ho-
rizontal inicia em posição lateral e finaliza em posição medial diz-se adução horizontal.

Figura 9 – Movimentos de rotação interna e externa no plano transversal e eixo longitudinal


Fonte: HALL, 2016

Para um compilado da descrição dos movimentos nos respectivos planos e eixos em


que ocorrem, verifique a tabela a seguir:

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Tabela 1 – Compilação da descrição dos movimentos e respectivos planos e eixos


Plano Eixo Movimento
Frontal Anteroposterior Abdução e adução
Sagital Laterolateral Flexão e extensão
Transversal Longitudinal Rotação interna e externa

Tipos de contração muscular


Os movimentos descritos anteriormente são, obviamente, gerados a partir da contra-
ção de grupos musculares específicos. As contrações musculares, processo fisiológico
comandado pelo sistema nervoso e capaz de alterar a tensão da fibra muscular, tam-
bém podem ser classificadas de acordo com uma série de características, tais como a
alteração induzida do ângulo articular, a relação entre a força gerada pela contração e
a resistência imposta ao movimento e o distanciamento ou a aproximação da origem e
inserção do músculo agonista.

Contrações isométricas
Durante as contrações isométricas, a tensão produzida pelo músculo contraído não
produz força suficiente para vencer a resistência imposta ao movimento. Dessa forma,
as contrações isométricas não apresentam alteração do ângulo articular, da distância
entre origem e inserção do músculo, bem como não há movimento. Naturalmente, as
contrações isométricas são verificadas, especialmente, em condições de manutenção de
postura e estabilização de segmentos corporais.

Contrações isotônicas
Ao contrário das contrações isométricas, as contrações isotônicas apresentam altera-
ção do ângulo articular e da distância entre origem e inserção do músculo e, justamente
em função dessas condições, podem ser divididas em concêntrica e excêntrica.

Durante as contrações isotônicas concêntricas, a tensão gerada pela contração


muscular produz força suficiente para vencer a resistência imposta ao movimento e, por-
tanto, gerar a aproximação de origem e inserção muscular e o consequente encurtamento
do ventre muscular responsável pelo movimento. Para caracterizar a contração isotônica
concêntrica, imagine uma flexão de cotovelo em que a inserção do bíceps braquial (na
tuberosidade do rádio) se aproxima das origens (em acidentes ósseos da escápula).

Já as contrações isotônicas excêntricas são caracterizadas pelo fato de a tensão


muscular produzir força insuficiente para vencer a resistência imposta ao movimento.
Durante uma contração isotônica excêntrica, mesmo sob tensão (e, portanto, produção
de força), a inserção se afasta da origem do músculo, gerando o alongamento do ventre
muscular e produzindo a desaceleração do movimento. Por exemplo, após uma con-
tração isotônica concêntrica de flexão do cotovelo sustentando uma carga significativa,
durante o retorno do antebraço até a posição estendida, o bíceps braquial irá realizar
uma contração isotônica excêntrica.

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Trocando Ideias...
Vamos associar os conhecimentos de biomecânica e fisiologia. Para que haja contração
muscular, as cabeças de miosina devem interagir com os sítios ativos de actina formando
as pontes cruzadas e, a partir da utilização de energia (ATP), tracionar os filamentos de
actina para o centro do sarcômero, encurtando o ventre muscular. Essa foi uma breve
descrição da contração isotônica concêntrica em nível molecular. Durante a contração
isotônica excêntrica, as pontes cruzadas vão sendo gradativamente desfeitas (também
há custo energético) para que os filamentos de actina retornem à posição inicial. Agora,
sabe aquela dor que todos experimentamos de 24 h a 48 h depois de um treino de força
intenso, ou após um treino de saltos (pliométricos)? Uma das causas são as microlesões
induzidas pelo excesso de contrações isotônicas excêntricas presentes nesse modelo de
treino. Especialmente quando há excesso de carga durante as contrações excêntricas,
as pontes cruzadas são desfeitas mecanicamente, rompendo as pontes cruzadas e os
filamentos proteicos e favorecendo o processo inflamatório. A parte boa é que, se o des-
canso e a alimentação forem respeitados de maneira adequada, a arquitetura muscular
será fisiologicamente readequada a ponto de otimizar sua capacidade.

Contrações isocinéticas
Por último, as contrações isocinéticas são a combinação de contrações isotônicas
concêntricas e excêntricas acontecendo em velocidade angular constante, ou seja, tanto
na fase de contração quanto na fase de relaxamento, o tempo sob tensão muscular e,
consequentemente, a velocidade do movimento, são os mesmos. Essa condição é razo-
avelmente complexa de ser atingida de maneira precisa sem o auxílio de equipamentos
sofisticados como o dinamômetro isocinético.

Manifestações de força muscular


Como tratado anteriormente, as contrações musculares são capazes de gerar tensão
nas fibras que formam o músculo e, dessa forma, produzir força. Nesse sentido, as
manifestações de força muscular também apresentam peculiaridades que foram detalha-
damente estudadas e descritas ao longo dos anos. Apesar de haver divergências impor-
tantes na literatura quanto à classificação que discutiremos a seguir, muito em virtude
da complexidade do fenômeno em si, basicamente a força muscular se manifesta de três
modos distintos: força máxima, força rápida e força de resistência.
1. Força máxima: pode ser caracterizada como a capacidade de um músculo
ou grupamento muscular produzir uma contração voluntária máxima contra
uma resistência em resposta a uma ativação nervosa, ou seja, sem nenhum
tipo de estímulo artificial (como estimulação elétrica ou medicamentosa) (SIFF;
VERKHOSHANSKY, 2000, p. 20);
2. Força rápida: possivelmente, esta é a manifestação de força que apresenta a
classificação mais problemática. A força rápida pressupõe a manifestação de
força dentro do domínio do tempo, ou seja, a maior produção de força dentro
do menor tempo possível. É comum encontrar a denominação “força explosiva”

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UNIDADE Descrição do Movimento, Mecânica
Newtoniana e Cinemática Linear

ou “força-velocidade”, entretanto, de maneira geral, o conceito aborda o trabalho


mecânico do grupamento muscular, isto é, força executada em determinada
velocidade. Essa interação é traduzida pela física como potência muscular (po-
tência = força × velocidade). A relação entre produção de força muscular e
velocidade de movimento será discutida mais detalhadamente na terceira seção
(VILAÇA ALVES; SAAVEDRA; REIS, 2013, p. 42);
3. Força de resistência: também conhecida como resistência de força, é a ca-
pacidade de manter a tensão muscular contra uma resistência durante uma
atividade, por um período proporcionalmente longo sem perder a eficiência
(SIFF; VERKHOSHANSKY, 2000, p. 175). O conceito de força de resistência
facilmente se confunde com resistência à fadiga muscular, uma vez que ambas
as condições tratam da manutenção do desempenho do músculo sob situação
específica de utilização. Exemplificando força de resistência, imagine um re-
mador numa prova de 2.000 m. Essa prova será finalizada entre 6 e 7 min,
a partir da execução de 230 a 250 remadas, ou seja, num ritmo de 36 a 45
remadas por minuto. Cada remada terá um peso equivalente a 40 a 60 kg/
força, que deverá ser mantido até o final da prova (SIFF; VERKHOSHANSKY,
2000, p. 175).

Introdução à Mecânica
Newtoniana (Leis de Newton)
Como abordado na primeira unidade desta disciplina, a biomecânica é o campo da
ciência que aplica os conceitos da mecânica (campo da física) aos sistemas biológicos,
neste caso, ao corpo humano. A partir dessa aplicação, é possível entender e descrever
o movimento humano.

Nesse sentido, entre os diversos nomes que cooperaram para o progresso da mecânica
moderna, destaca-se o inglês Isaac Newton. As contribuições de Newton foram tão im-
portantes para a mecânica que a unidade de medida de força leva seu nome (newton, N).
O físico inglês compreendeu e publicou seus achados sobre as relações entre a física e o
movimento, assim como elaborou três princípios básicos que explicam mecanicamente
o deslocamento dos corpos, inclusive o humano. Esses três princípios são popularmente
conhecidos como as “leis de Newton” e iremos discuti-los a seguir.

Primeira Lei de Newton (princípio da inércia)


Um corpo tende a manter o seu estado de movimento a menos que uma força
externa o altere.

Em tempo, estado de movimento nada mais é do que a condição em que o corpo se


encontra, ou seja, o estado de movimento de um corpo pode ser o estado de repouso
(corpo parado) ou o estado de movimento (corpo em deslocamento), propriamente.
O princípio da inércia diz que um corpo mantém seu estado de movimento, a não ser

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que uma força externa o altere. Isso significa que, se um corpo está em movimento, ele
irá permanecer em movimento, exceto se uma força for aplicada a esse corpo. Da mesma
maneira, um corpo que se encontra parado irá permanecer parado até que uma força
externa altere essa condição.

Imagine uma criança chutando uma bola. Antes de o chute ser executado, a bola se
encontrava em estado de repouso, o qual foi alterado para estado de movimento a partir
do contato do pé da criança com a bola, responsável por aplicar uma força de magnitude
suficiente para alterar o estado do movimento em que a bola se encontrava. Essa é uma
descrição de uma situação bastante intuitiva para compreender o princípio da inércia,
entretanto, quando o corpo está em deslocamento, o princípio da inércia não parece tão
óbvio, uma vez que, em condições normais, haverá a resistência do ar e o atrito como
duas forças sempre presentes e responsáveis por desacelerar o movimento.

Para auxiliar o entendimento desta última condição, basta refletirmos sobre duas situ-
ações hipotéticas: após aplicação de uma força exatamente igual, em qual condição um
patinador alcançaria uma distância maior, deslizando sobre uma superfície áspera ou des-
lizando sobre o gelo? Claramente, na segunda situação, visto que o atrito proporcionado
pelo gelo contra as lâminas dos patins é comparativamente muito menor do que o atrito
de uma superfície áspera e, portanto, a força contrária imposta ao movimento e respon-
sável por causar a desaceleração do patinador também será proporcionalmente menor.

• Estado de repouso: corpo parado;


• Estado de movimento: corpo em deslocamento.

Segunda Lei de Newton (princípio da aceleração)


Uma força aplicada a um corpo causa a aceleração deste em magnitude propor-
cional à força, na direção que foi aplicada e inversamente proporcional à massa
do corpo.

O princípio da aceleração quantifica a força necessária para deslocar a massa de um


corpo em dada aceleração. Em outras palavras, a força necessária para deslocar um
corpo é igual ao produto entre a massa do corpo e a aceleração atingida (F = m × a).

Exemplificando a partir da utilização da fórmula anterior, pense em uma bola


sendo rebatida:

Exemplo 1: uma bola de 1 kg, após rebatida, acelera a 10 m/s2. Qual foi a força
aplicada na rebatida?

F=m×a
F = 1 kg × 10 m/s2
F = 10 N

Exemplo 2: uma bola de 2 kg, após rebatida, acelera a 10 m/s2. Qual foi a força
aplicada na rebatida?

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UNIDADE Descrição do Movimento, Mecânica
Newtoniana e Cinemática Linear

F=m×a
F = 2 kg × 10 m/s2
F = 20 N

Exemplo 3: uma bola de 1 kg, após rebatida, acelera a 5 m/s2. Qual foi a força apli-
cada na rebatida?

F=m×a
F = 1 kg × 5 m/s2
F=5N

Como podemos ver, a 2ª Lei de Newton demonstra matematicamente que a acele-


ração adquirida por um corpo é diretamente proporcional à resultante das forças que
atuam sobre ele e inversamente proporcional à sua massa.

Esse princípio também se aplica a um corpo em movimento. Imagine um jogador de


rugby bloqueando um adversário durante uma partida. A interação entre os dois atletas
no momento do bloqueio (força aplicada) irá gerar novos valores de aceleração para
ambos, as quais serão inversamente proporcionais aos valores de suas respectivas mas-
sas. De maneira semelhante, as direções que os atletas assumirão após o choque serão
relativas as forças aplicadas durante o contato.

Terceira Lei de Newton (princípio da ação e reação)


Para cada ação existe sempre uma reação com mesma intensidade e direção,
mas com sentido contrário. Em outros termos, quando um corpo exerce uma força
sobre outro corpo, o segundo exerce uma força de mesma magnitude aplicada pelo
primeiro, mas em sentido oposto.

O exemplo mais marcante da 3ª Lei de Newton em humanos é durante a marcha


(caminhada humana). A cada contato do pé com o solo, ou seja, durante a aplicação de
força contra o solo, uma força de mesma magnitude, mas sentido contrário, é aplicada
do solo contra o pé e será transmitida para o restante do corpo, sendo a responsável
pelo deslocamento durante a marcha.

Fatores Mecânicos Determinantes


da Força Muscular
Agora que já discutimos a definição e descrição de movimento, as manifestações de
força muscular e os princípios físicos que regem o movimento, vamos associar esses
conhecimentos e entender os fatores mecânicos determinantes da força muscular.

Inicialmente, imagine o músculo agindo em seu corpo como um fio, mais especifi-
camente um elástico. Um elástico é extremamente efetivo para tracionar objetos, mas
inócuo se for utilizado para empurrar algo. Da mesma maneira funciona o músculo,
visto que, a partir de sua capacidade contrátil e propriedades elásticas, ele é capaz de

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tracionar os segmentos ósseos que se articulam e formam as alavancas responsáveis
pela produção do movimento da forma como conhecemos.
Nesse sentido, a interação entre a capacidade contrátil e as propriedades elásticas do
músculo gera respostas específicas que, obviamente, influenciam o desempenho muscular
no que diz respeito à geração de força e, consequentemente, movimento. Os fatores
mecânicos que iremos discutir a seguir são: a relação comprimento muscular × tensão/
força gerada pelo músculo, a relação força muscular × velocidade de contração e o ciclo
alongamento-encurtamento muscular.

Relação comprimento x tensão/força


Voltemos à ideia do músculo funcionando de maneira semelhante a um elástico. Para
lançar esse elástico, é necessário tracioná-lo e, então, soltá-lo para que a energia elástica
acumulada seja liberada e o elástico lançado. Em qual situação esse elástico alcançaria
uma distância maior, se fosse superestirado ou subestirado? A resposta correta é: em
nenhuma das duas situações!
A descrição anterior é um paralelo às propriedades elásticas observadas nos mús-
culos. Assim como o elástico do exemplo, experimentamos a máxima capacidade de
produção de tensão muscular e, consequentemente, força muscular quando este se en-
contra dentro de uma faixa ótima de estiramento. Se o músculo estiver numa condição
subestirada, as propriedades elásticas desse tecido serão subaproveitadas para produ-
ção de força. Já se o músculo for superestirado, além de prejudicar o aproveitamento
das propriedades elásticas, o tecido pode sofrer rupturas significativas e até mesmo
lesões importantes.
A figura a seguir aborda graficamente a relação entre o comprimento do sarcômero
(eixo x) e a capacidade de produção de tensão/força muscular (eixo y). A curva de-
monstra claramente uma zona ótima de estiramento, em que a capacidade elástica do
músculo auxilia a produção da máxima tensão/força. Essa condição ocorre quando o
estiramento das fibras musculares atinge um comprimento ideal e, de modo oposto, o
desempenho do músculo diminui em faixas de comprimento muscular abaixo ou acima
do ótimo (Figura 10).

Subestirado Superestirado
Comprimento
120 ótimo
100
(percentual da máxima)
Tensão/força muscular

80
60
40
20
0
40 60 80 100 120 140 160 180 200
Comprimento em repouso do sarcômero
(percentual do ótimo)
Figura 10 – Relação entre comprimento do sarcômero e capacidade de produção de tensão/força

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UNIDADE Descrição do Movimento, Mecânica
Newtoniana e Cinemática Linear

Trocando Ideias...
Você gosta de testar conceitos na prática? Realize o experimento a seguir e anote os
resultados: a tarefa será dividida em três dias. No primeiro dia, realize uma série de três
saltos verticais com 10 segundos de intervalo entre eles e anote a altura atingida em
cada um deles. Espere 30 minutos passivamente, realize a série novamente e anote os
resultados mais uma vez. No segundo dia, faça a mesma coisa, mas, ao invés de aguar-
dar passivamente entre uma série de saltos e outra, realize 30 minutos de exercícios de
moderada/alta intensidade, alongamentos dinâmicos e exercícios tradicionais de aque-
cimento. No terceiro dia, realize de novo as séries de saltos, mas, entre elas, alongue, de
maneira intensa, durante 30 minutos, os músculos do quadríceps, isquiotibiais, glúteos
e tríceps sural. Quais serão os resultados de cada um dos dias? No primeiro dia, possivel-
mente não haverá diferenças entre as séries de salto, sobretudo se você for experiente
nesse gesto motor. No segundo dia, é possível que o aquecimento auxilie os músculos a
atingirem o comprimento ótimo, e isso irá influenciar positivamente o desempenho dos
saltos. Já no terceiro dia, caso o alongamento seja exagerado, ele irá contribuir para um
superestiramento dos músculos e consequente diminuição do desempenho dos saltos.

Relação velocidade x força


Vamos, brevemente, retomar a relação entre força muscular e resistência imposta ao
movimento durante os diferentes tipos de contração que estudamos anteriormente. Se
a força de contração supera a resistência imposta, a inserção muscular se aproxima da
origem e ocorre uma contração isotônica concêntrica, à medida que, se a resistência
imposta ao movimento excede a força contrátil, a inserção muscular se afasta da origem
mesmo sob tensão do músculo, gerando uma contração isotônica excêntrica.
Ainda nesse sentido, quando a força contrátil e a resistência imposta ao movimento
se igualam, não há alteração do comprimento muscular e ocorre uma contração isomé-
trica. Esses são os conceitos que norteiam a relação inversa entre a capacidade do mús-
culo em sustentar carga e a velocidade em que ocorre a contração muscular. Observe o
gráfico a seguir (Figura 11) que ilustra a relação entre a resistência imposta ao músculo
por uma carga externa (eixo x) e a velocidade de contração muscular (eixo y).
Neste gráfico, é possível perceber que a maior velocidade de contração muscular ocorre
quando a carga imposta ao músculo é igual a zero e, inversamente, quando a carga im-
posta ao músculo se iguala a sua capacidade contrátil, a velocidade de contração é igual
a zero, ou seja, ocorre uma contração isométrica.

O entendimento desse conceito é fundamental para a manifestação de força rápida.


Uma vez que força rápida pode ser entendida como uma expressão de potência muscu-
lar, e potência nada mais é do que o produto entre força e velocidade (potência = força
× velocidade), a manipulação dessas duas variáveis de maneira adequada possibilita a
otimização da manifestação de força rápida, ou potência muscular.

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Por exemplo, desde muito jovens, atletas profissionais de tênis, beisebol, golfe, entre
outros esportes que se utilizam de artefatos para atingir uma bola em movimento, rea-
lizam detalhados estudos biomecânico para identificar o peso ideal desses artefatos em
relação à velocidade de movimento dos golpes realizados. Dependendo da velocidade dos
golpes, os pesos de raquetes e tacos podem ser ajustados para que a máxima potência
seja aplicada a cada rebatida.

Máxima velocidade de contração.


Ocorre sem carga no músculo.
Velocidade de contração

Quando a carga excede a


capacidade contrátil, a
velocidade de contração é zero
(isométrica)

0
Carga no músculo

Figura 11 – Relação entre carga suportada pelo músculo e velocidade de contração

Ciclo alongamento-encurtamento
Quando um músculo tensionado é alongado imediatamente antes da contração con-
cêntrica, a força da contração ocorre de maneira mais intensa se comparada à condição
sem alongamento prévio. Esse fator é conhecido como ciclo alongamento-encurtamento
e diz respeito ao benefício experimentado em relação ao desempenho muscular em uma
situação na qual a contração concêntrica é precedida por um alongamento. Ainda, é im-
portante ressaltar que o tempo entre o alongamento e a contração, bem como o tempo de
manutenção do alongamento, é fator condicional para a otimização da força da contra-
ção concêntrica e deve ser o mais curto possível (GUEDES NETO et al., 2005).

Apesar de o ciclo alongamento-encurtamento não ser plenamente compreendido, as


evidências apontam que essa prática favorece as propriedades elásticas das fibras mus-
culares, otimizando a capacidade de transferência de energia elástica induzida pela con-
tração excêntrica (alongamento) para a contração concêntrica subsequente (Figura 12).

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UNIDADE Descrição do Movimento, Mecânica
Newtoniana e Cinemática Linear

Figura 12 – Influência do ciclo alongamento-encurtamento


durante a realização de um salto vertical contra o movimento
Fonte: Getty Images

Trocando Ideias...
Vamos testar o ciclo alongamento-encurtamento na prática? Realize um salto vertical
a partir de duas técnicas distintas. Na primeira, inicie o salto da posição ereta e, o mais
rápido possível, flexione os joelhos até 90° seguido de uma contração concêntrica de
extensão de joelho em sua maior capacidade. Na segunda técnica, flexione os joelhos
até 90° e sustente essa posição entre 3 e 5 segundos. Realize a concentração concêntrica
de extensão de joelho o mais rápido possível. Qual das técnicas irá resultar em melhor
desempenho no salto vertical? Partindo do pressuposto tratado anteriormente, durante
a primeira técnica (denominada salto contra movimento), as propriedades elásticas dos
músculos serão utilizadas de modo mais eficiente, contribuindo com o desempenho do
salto, enquanto, na segunda técnica, a manutenção da flexão de joelhos irá contribuir
para dissipar a energia elástica acumulada nos músculos, consequentemente diminuindo
o desempenho do salto.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
Contração muscular
https://youtu.be/-Mfo3Af5E3c
As 3 leis de Newton
https://youtu.be/B2u8FYE9fWk

Leitura
Journal of Exercise and Sport Sciences
https://bit.ly/3t8qi5I
Capacidade motora força: conceptualização e formas de manifestação
https://bit.ly/31Y0gWT

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UNIDADE Descrição do Movimento, Mecânica
Newtoniana e Cinemática Linear

Referências
GUEDES NETO, C. L. et al. A atuação do ciclo alongamento-encurtamento durante
ações musculares pliométricas. Journal of Exercise and Sport Sciences, v. 1, n. 1,
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2015. (e-book)

SIFF, M. C.; VERKHOSHANSKY, Y. Superentrenamiento. 2. ed. Barcelona: Paidotribo,


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VILAÇA ALVES, J.; SAAVEDRA, F.; REIS, V. Capacidade motora força: conceptua-
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