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Educação Física no

Ensino Fundamental
Material Teórico
Educação Física no Currículo Cultural

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Bruno Gonçalves Lippi

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin
Educação Física no Currículo Cultural

• Introdução;
• As Teorias Curriculares (Não Críticas, Críticas e Pós-Críticas);
• A Educação Física no Currículo Cultural.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Discutir as teorias pós-críticas no currículo cultural;
· Retomar os aspectos do currículo cultural da Educação Física: seus
princípios e seus procedimentos didáticos.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você
também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Educação Física no Currículo Cultural

Introdução
Nas duas Unidades de ensino anteriores, conhecemos um pouco sobre a tra-
jetória histórica da Educação Física na Escola e estudamos um pouco o que é
o currículo, quais seus impactos na formação das identidades e subjetividades e
a importância da participação democrática na construção dos Projetos Político-
-Pedagógicos das Escolas.

Nesta Unidade, traremos elementos para apresentar a Educação Física numa


perspectiva cultural, entendendo-a como necessária a partir de análises do contexto
político e econômico e se posicionando em defesa de uma sociedade mais justa,
democrática e igualitária.

Para tanto, dividimos esta Unidade em duas partes:


• As teorias curriculares (não críticas, críticas e pós-críticas);
• A Educação Física no currículo cultural.

Na primeira parte, apresentamos brevemente o conjunto das teorias curricu-


lares, dando ênfase às teorias pós-críticas que amparam o currículo cultural de
Educação Física.

Na segunda parte, descrevemos os princípios básicos e os procedimentos didáti-


cos que servem de referência para o desenvolvimento do currículo aqui defendido.

As Teorias Curriculares (Não Críticas,


Críticas e Pós-Críticas)
Como já estudamos, o currículo é um artefato cultural que possui potencial para
influenciar as identidades e as subjetividades das pessoas que o acessam. Dessa
forma, o currículo configura-se como instrumento de poder e, por consequência,
num tenso campo de disputa simbólica.

A seguir, apresentamos as teorias curriculares categorizadas segundo Neira


e Nunes (2009) para podermos compreender os pressupostos que sustentam o
currículo cultural de Educação Física.

As Teorias não Críticas, representadas nos currículos tradicionais, não com-


preendem a Educação como ferramenta de inclusão social e de combate à de-
sigualdade social. Dessa forma, o currículo não crítico tem como função básica
homogeneizar as ideias, reforçar as principais ideias sociais e impor um Código de
Moral e Ética determinado pela classe dominante.

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Segundo Neira e Nunes (2009, p. 97):
[...] a escola é encarada como autônoma, isolada de qualquer influência,
compreendida com base nela mesma. Trata-se de uma visão de cultura
estática e essencializada. (...) fundamentam-se na ideia de que a cultura
é um produto acabado, finalizado por aqueles que compreenderam os
fenômenos naturais e humanos e atingiram um estado elevado de espírito,
um estado culto.

Os currículos ginástico e esportivo apóiam nas teorias curriculares não críticas.


Na trajetória histórica dos currículos de Educação Física, a influência das teorias
não críticas predominaram até a década de 1970. Enfim, essas teorias curriculares
podem ser caracterizadas pelo seu caráter de aceitação e ajuste às estruturais sociais
e por sua restrição ao caráter técnico da ação educativa.

As Teorias Críticas, em oposição às teorias não críticas, não se contentam em


focar o Processo Educacional em ensinar como fazer, mas buscam compreender o
que os conhecimentos ensinados produzem nas pessoas e questionam as formas de
conhecimento que escamoteiam suas relações de dominação e poder.

Dessa forma, a Pedagogia Crítica preocupa-se em compreender as Escolas e


suas relações com os contextos históricos, social, político e econômico. Assim, a
escola é influenciada pela sociedade e, por suas características, pode influenciá-la.

De acordo com Neira e Nunes (2009, p. 102), a “[...] tarefa dos educadores
críticos não é transformação social via escolarização, mas, sim, oferecer a
democratização dos saberes universais e fazer compreender o papel que as escolas
representam em uma sociedade marcada por relações de poder”.

Assim, os educadores, influenciados pelas teorias críticas, buscam desvelar as


relações de poder existentes em nossa sociedade e, ao mesmo tempo, empoderar
as classes populares para questionar os valores das classes dominantes disseminados
como universais.

As teorias críticas são representadas na Educação Física pelo currículo crítico-


superador, produzido a partir da década de 1980.

Para melhor compreender as contribuições das Teorias Críticas de Currículo, sugerimos a


Explor

leitura do Capítulo 3 – Teorias Críticas e seu impacto no currículo de Educação Física, do


livro Educação Física, Currículo e Cultura, de Marcos Garcia Neira e Mário Luiz Ferrari Nunes

As Teorias Pós-críticas incorporam as contribuições da teoria crítica sobre as


relações de poder, de dominação e de classe social. Todavia, essas Teorias, em
função das transformações econômicas e sociais ocorridas no final do século XX,
agregam ao debate crítico novas categorias, como as questões de etnia, gênero,
sexualidade e colonialismo, entre outras.

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UNIDADE Educação Física no Currículo Cultural

Para isso, as teorias pós-críticas de currículo incorporam outros referenciais te-


óricos, como, por exemplo, Pós-modernismo, Multiculturalismo Crítico, Pós-colo-
nialismo, Pós-estruturalismo, Estudos Culturais e Estudos Feministas, entre outros.

As teorias pós-críticas reconhecem o pensamento crítico e se nutrem dele. Por


outro lado, questionam seus limites, suas imposições e suas fronteiras. Com as
teorias pós-críticas, o mapa de poder é ampliado para incluir a discussão de outros
processos de dominação.

Assistam ao vídeo “DES-CONS-TRU-ÇÃO”, elaborado pelo Grupo de Pesquisas em Educação


Explor

Física Escolar sobre as teorias pós-críticas: https://youtu.be/5l_gXrevX1M

As teorias pós-críticas põem em xeque as noções de emancipação e de


libertação. Mediante os pressupostos dessas teorias, não existe um processo de
conscientização e libertação possível; não existe uma realidade determinada, fixa,
acabada, em que o papel da ideologia é esconder, disfarçar as marcas das relações
sociais que a produziu.

Aposta-se que não existe uma única verdade ou uma verdade explicada pelas
classes dominantes; busca-se a ampliação da investigação do objeto ao validar
outras vozes e outros conhecimentos para explicá-lo.

O currículo na visão pós-crítica deve possibilitar a ampliação do espaço político


e social da Escola, visando a nutrir a discussão coletiva acerca do que significa uma
boa sociedade e quais as diferentes maneiras de alcançá-la.

Para melhor compreender as contribuições das Teorias Críticas de Currículo, sugerimos a


Explor

leitura do Capítulo 4 – Teorias pós-críticas: a discussão contemporânea e suas contribuições


para a construção do currículo de Educação Física, do livro Educação Física, Currículo e
Cultura, de Marcos Garcia Neira e Mário Luiz Ferrari Nunes

A Educação Física no Currículo Cultural


Devemos formar para a inserção no Mercado de trabalho, obcecado pelo acúmulo de capital?
Explor

Ou devemos nos preocupar com uma formação de cidadãos voltada para uma inserção
crítica na vida pública, em busca de uma transformação das desigualdades que habitam a
Sociedade democrática?

A seguir, pretendemos mostrar como os estudos da teorização curricular pós-crí-


tica podem se materializar em ações concretas para o ensino de Educação Física.

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Para tanto, inicialmente, apresentaremos os princípios norteadores para a organi-
zação curricular e, em seguida, apresentaremos alguns procedimentos importantes
para planejar o trabalho pedagógico nessa perspectiva.
Primeiro, cabe esclarecer que a concepção de cultura adotada nessa perspectiva
inspirou-se na teorização pós-crítica.
Segundo Moreira e Candau (2007), cultura refere-se à dimensão simbólica
presente nos significados compartilhados por determinado grupo social. Concebe-
se, assim, a cultura como prática social, não como coisa ou estado de ser.
Nessa abordagem, coisas e eventos do mundo natural existem, mas não apre-
sentam sentidos inerentes: os significados são atribuídos com base na linguagem:
“Quando um grupo compartilha uma cultura, compartilha um conjunto de signi-
ficados, construídos, ensinados e aprendidos nas práticas de utilização da lingua-
gem” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p.27).

Para aprender mais sobre as relações entre o currículo e a cultura, leia o material “Indagações
Explor

sobre o currículo – Currículo, conhecimento e cultura”, organizado e produzido pela


Secretaria de Educação Básica do MEC em 2007, disponível no link https://goo.gl/SvvFer

A partir dessa concepção de cultura, é possível afirmar que a Escola é o cenário


em que diversas culturas entram em conflito, tendo em vista a veiculação de seus
distintos significados. Desse modo, defrontamo-nos com produções simbólicas que
ora nos são familiares, ora nos são estranhas.
A Educação Física, numa perspectiva cultural, empreende o diálogo entre
culturas e momentos de convivência e partilha coletiva com o diferente. Assim,
busca promover a aproximação, a interação, a experimentação, a análise crítica e
a valorização das diversas formas de produção e expressão corporal presentes em
nossa sociedade, sempre produzindo situações pedagógicas nas quais os educandos
possam reafirmar sua identidade e reconhecer a legitimidade de outras.
Daí a importância das intervenções pedagógicas atuarem sobre e/ou com base nas
diferentes produções simbólicas sobre a cultura corporal. Esse movimento fará com
que os significados inicialmente disponíveis sejam reconstruídos, alcançando a produ-
ção de novas significações – garantindo a reflexão e o respeito às diferentes culturas.
Como estudado em momentos anteriores, as manifestações da cultura corporal
foram produzidas em um contexto sócio-histórico-político determinado, com
diferentes intenções, sentidos e significados; porém, com o passar do tempo, foram
ressignificadas, sofrendo inúmeras transformações por causa de suas íntimas inter-
relações com a macroestrutura social. Um currículo pós-crítico da Educação Física
empreenderá a análise das razões que impulsionaram as modificações das práticas
corporais eleitas para estudo naquele período letivo.
O fato de o currículo cultural da Educação Física valorizar as diferentes signifi-
cações de cada cultura não tem a intenção de trocar o protagonismo da cultura
corporal dominante por um protagonismo das culturas dominadas. Não se trata de

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UNIDADE Educação Física no Currículo Cultural

uma política “Robin Hood”, como diria McLaren (2000), que tira dos ricos para
dar aos pobres; o que se defende é que diversos temas relativos à cultura corporal
subordinada sejam incluídos na agenda dos debates escolares, por terem sido, ao
longo dos séculos, desprezados ou tergiversados.
Como já tratado, os conteúdos de ensino não são apenas conhecimentos a
serem transmitidos; carregam em si o contexto de produção que pode valorizar
determinadas identidades culturais em detrimento de outras.
O conteúdo de ensino é tudo aquilo que ocupa o tempo escolar; são todas as apren-
dizagens e os efeitos que derivam das atividades vivenciadas no âmbito da Escola.
No currículo pós-crítico da Educação Física, os conteúdos a serem aprendidos
(conhecimentos relacionados à manifestação corporal como objeto de estudo)
emergirão da problematização apresentada pelas atividades de ensino, desde que
se leve em conta o esforço do grupo para sanar as dúvidas que possam surgir
diante de um fenômeno ainda não compreendido.
Para não cairmos nessa armadilha, os pesquisadores Neira e Nunes (2009)
elencaram critérios para a seleção de manifestações corporais que serão abordadas
no currículo de Educação Física, sem perder de vista a preocupação com a
construção de uma sociedade mais democrática e equitativa.
De acordo com os pesquisadores Neira e Nunes, a distribuição das práticas cor-
porais e a elaboração das Atividades de Ensino deverão atender a princípios básicos:
• Reconhecer nossas identidades culturais: proporcionar espaços para que
os alunos percebam a construção da própria identidade cultural. Desse modo,
a escola necessita promover o entendimento sobre os enraizamentos culturais,
isto é, “valorizar as diferentes características das ‘raízes’ culturais das famílias
de cada um, do próprio contexto de vida, do bairro etc.” (NEIRA; NUNES,
2009, p. 263);
• Justiça curricular: é necessário observar como o currículo privilegia certos
conhecimentos, identidades, vozes e discursos em detrimento de outros. A
justiça curricular é o princípio que busca equilibrar as práticas corporais ex-
ploradas no espaço escolar, levando em consideração os grupos sociais que
produziram ou valorizaram as manifestações:
Ao focalizar a manifestação cultural “brincadeiras”, por exemplo, o pro-
fessor poderá atentar para uma distribuição equilibrada entre aquelas cos-
tumeiramente presentes nos universos vivenciais masculinos e femininos,
brincadeiras pertencentes às diversas etnias, subculturas etc. (NEIRA;
NUNES, 2009, p. 264).

Desse modo, o princípio da justiça curricular balanceia a exploração de temas/


conteúdos, considerando a pluralidade dos grupos sociais presentes na Escola e na
Sociedade, e ajuda na desconstrução da maneira hegemônica de descrever o “outro”.
Portanto, fazer justiça curricular exige alternar a seleção dos temas de trabalho em
função dos grupos que as originaram ou praticam aquelas manifestações culturais;

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• Descolonizar o currículo: significa compor o currículo com conhecimentos
e manifestações culturais advindos de grupos sociais historicamente ausentes
no cenário escolar:
“É visível a ênfase em obras literárias, teorias, cientistas, filósofos, artistas
e manifestações culturais que divulgam a identidade cultural dos povos
colonizadores, afirmando sua superioridade, em detrimento dos povos
colonizados, cujas narrativas submetem o Outro cultural à condição de
inferior, bárbaro ou primitivo” (NEIRA; NUNES, 2009, p. 267).

Para descolonizar o currículo, é necessário que os professores tratem com a


mesma intensidade e dignidade as práticas corporais euro-estadunidenses, brancas,
masculina e oriundas da elite econômica e as práticas corporais provenientes de
outros povos e grupos sociais subjugados.

Tradicionalmente, no Brasil, são raras as experiências pedagógicas envolvendo


as práticas corporais africanas e indígenas:
[...] quais jogos, danças e lutas pertencentes a esses povos são estudados
nas escolas brasileiras? Será que sequer conhecemos? Com um currículo
que ignora os conhecimentos dos grupos que compõem uma parcela
significativa da população, veicula-se a impressão de que sua contínua
condição desprivilegiada lhes é merecida (NEIRA; NUNES, 2009, p. 236).

A descolonização do currículo a partir da vivência das manifestações de povos


subjugados pode propiciar aos alunos condições para a comparação e o questiona-
mento das experiências corporais consideradas válidas. Assim, capoeira e maculelê
(manifestações afro-americanas) passam a ter a mesma importância de futebol e
handebol (manifestações europeias);
• Daltonismo cultural: o espaço escolar é rico em função da existência de dife-
rentes culturas. Num currículo cultural, busca-se evitar a homogeneização ou a
uniformização da diversidade apresentada pelos alunos.

Para combater o daltonismo cultural, sugere-se uma variedade de Atividades de


Ensino com a finalidade de:
[...] reconhecer as leituras e as interpretações dos alunos acerca da mani-
festação objeto de estudo; estimular, ouvir e discutir todos os posiciona-
mentos com relação a ela; apresentar sugestões; oferecer novos conheci-
mentos oriundos de pesquisas nas diversas fontes de informação sobre o
assunto; reconstruir a manifestação corporalmente (NEIRA, 2011, p. 91).

As crianças e os jovens moradores do mesmo bairro e pertencentes a mesma


classe social não necessariamente possuem a mesma história, e vivenciam experi-
ências culturais diferentes. Daí decorre o cuidado de evitar o daltonismo cultural,
que significa não homogeneizar os grupos;
• Ancoragem social dos conteúdos: passa a reconhecer como objeto de es-
tudo o ponto de partida das manifestações corporais; analisar a evolução das

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UNIDADE Educação Física no Currículo Cultural

práticas corporais, entender a sua origem e quais foram as correlações de


força na teia de relações de poder que as transformaram ao longo da história.
Isto é, contextualizar as práticas corporais no seu espaço/tempo de produção
e reprodução, identificando os modos como são afirmadas ou silenciadas. A
ancoragem social dos conteúdos também está relacionada ao trabalho com
práticas corporais que, lastreados culturalmente, ou seja, que existem e estão
presentes na realidade social. Significa se opor ao trabalho com práticas inven-
tadas no interior da Escola, como os jogos cooperativos e pré-desportivos, que
não possuem qualquer relação com as culturas.

Após conhecermos os princípios norteadores do currículo cultural de Educação


Física, quais são os procedimentos didáticos que devem ser adotados pelos
professores no planejamento das Atividades de Ensino para o desenvolvimento do
currículo de Educação Física nessa perspectiva?

O Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar da Faculdade de Educação da USP (GPEF)


Explor

possui um site na Internet com inúmeras publicações e pesquisas sobre o currículo cultura
de Educação Física. Acesse: http://www.gpef.fe.usp.br

No currículo cultural, em geral, aplicam-se os seguintes procedimentos didáticos:


tematização, mapeamento, ressignificação, ampliação, aprofundamento e
documentação e avaliação do processo.

No currículo cultural, não há hierarquia para a organização dos Temas de Ensino.


Não se recorre a taxionomias, nem tampouco a gradações para distribuição do
conhecimento. Não há separação entre os “saberes acadêmicos” e os “saberes
populares”. “Os esportes, as brincadeiras, as danças, as lutas e as ginásticas podem
ser estudados em qualquer etapa, nível ou ciclo de ensino” (NEIRA, 2011, p.102).

Na perspectiva cultural, o currículo é produzido em coautoria entre professores


e alunos. Segundo Neira (2011, p. 104), “[...] com responsabilidade e atribuições
distintas, os docentes selecionam o tema de estudo, organizam as atividades de
ensino, conduzem o processo e interpelam os estudantes”.

Já os estudantes, “[...] com seu repertório, interpretações e posicionamentos


pessoais e coletivos, reconstroem os conhecimentos veiculados, conferindo-lhes
novos significados, sugerem, alteram, propõem e enriquecem as aulas, participando
ativamente de variadas formas” (NEIRA, 2011, p.105).

Assim a tematização passa pela articulação das aulas de Educação Física com o
Projeto Político-Pedagógico (PPP) da Escola. A tematização não pode simplesmente
sair da cabeça do professor. Deve ser um processo de observação do contexto
cultural do lugar e das experiências sociais das pessoas. É um procedimento para
perceber o enraizamento cultural das práticas corporais, ou seja, sua vinculação
com a comunidade.

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A tomada de decisão sobre os temas/conteúdos que serão explorados ao longo
do ano letivo deve se dar a partir do mapeamento do patrimônio cultural corporal
da comunidade atendida.

De acordo com Neira (2011, p.107):


Mapear quer dizer identificar quais manifestações corporais estão dispo-
níveis aos alunos, bem como aquelas que, mesmo não compondo suas
vivências, encontram-se no entorno da escola ou no universo cultural mais
amplo. Mapear também significa levantar os conhecimentos que os alu-
nos possuem sobre uma determinada prática corporal.

Assim, num primeiro mapeamento, pretende-se fazer um estudo daquela co-


munidade, que inclui observar e coletar dados dentro e fora da Escola, conversar
com os professores, funcionários, alunos e famílias, buscar informações no PPP da
escola. Nesse primeiro momento, busca-se mapear as práticas corporais que circu-
lam entre os alunos para que, num momento posterior, o professor possa fazer a
seleção das práticas corporais que serão estudadas e problematizadas.

A partir da seleção da(s) prática(s) corporal(is) a ser(em) estudada(s), inicia-se o


segundo mapeamento, no qual os alunos:
[...] analisam sua configuração e posicionamento no tecido social, bem
como a de seus representantes (procedimentos, características da prática,
regras, técnicas, táticas, participantes, recursos necessários, localização
etc.); o modo como ocorre; como é representada pelos próprios alunos
ou por outros grupos culturais; quais os discursos pronunciados sobre ela
etc. (NEIRA, 2011, p. 116)

Durante o mapeamento, inicia-se o processo de problematização, que impli-


ca destrinchar, analisar e elaborar inúmeras Atividades de Ensino que permitirão
compreender melhor não só a própria manifestação, como os grupos sociais que
a produziram e reproduziram.

Dessa forma, a problematização implica acercar-se das práticas corporais,


olhando com minúcia para a dinâmica das relações e interações que constituem
o seu funcionamento, para compreender como operam os mecanismos de domi-
nação e de resistência, de opressão e de contestação, além do papel e da atuação
dos praticantes.

Outro procedimento didático importante é a ressignificação. Ressignificar é


atribuir um novo significado àquela prática corporal, com base em seu repertório
e diante das condições que diferenciam a prática social da manifestação no
seu locus original e a realidade da Escola (número de alunos, espaço, tempo e
material disponível). Isto é, a ressignificação é o momento em que o professor deve
propiciar situações em que os alunos possam reconstruir a prática corporal a partir
da vivência.

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UNIDADE Educação Física no Currículo Cultural

Assim, o professor deve favorecer a participação dos alunos como leitores e


intérpretes da gestualidade:
Ao valorizar as atividades de ressignificação, o currículo da Educação Físi-
ca favorece a construção de identidades democráticas por meio da troca
entre alunos, entre alunos e professor, da aceitação das diferenças e do
respeito ao outro. Os indivíduos se reconhecem e se diferenciam a partir
do outro, por isso, as atividades devem possibilitar a participação, inde-
pendentemente das características individuais” (NEIRA, 2011, p. 132).

A experimentação do empinar pipa na Escola é um bom exemplo de ressignificação das


Explor

práticas corporais, pois não é possível reproduzi-la exatamente como ela ocorre fora da
escola: https://goo.gl/w7kuxL

Na Prática Pedagógica do currículo cultural de Educação Física, os procedimentos


didáticos aprofundamento e ampliação estão inter-relacionados.
O aprofundamento significa compreender melhor as práticas corporais que são
objetos de estudo. Isto é, desvelar aspectos e características que nem sempre se
evidenciam num primeiro olhar ou numa primeira vivência.
Para saber mais sobre uma determinada prática corporal, Neira (2011, p. 135)
sugere a preparação de algumas atividades de ensino:
[...] visitas aos espaços onde a manifestação cultural acontece no seu for-
mato mais conhecido, aulas demonstrativas com estudantes praticantes,
análise e interpretação de vídeos, leitura e interpretação de textos perten-
centes aos diversos gêneros literários, realização de pesquisas orientadas
previamente, entre outras.

A sugestão de Atividades de Ensino acima pode permitir que os alunos avancem


na compreensão sobre os signos e os gestos daquela vivência corporal, expandindo
sua capacidade de ler e de interpretar os códigos da manifestação corporal.

Figura 1 – Registro de aula que evidencia Atividades de Ensino


de aprofundamento sobre a prática corporal do Kung Fu
Fonte: principo.org

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Já a ampliação sugere que os alunos tomem contato com outros pontos de
vista e outros discursos referentes às práticas corporais estudadas, preferencial-
mente, aqueles que trazem posicionamentos e representações diferentes da cultu-
ra hegemônica.

Neira (2011, p. 138) também, sugere algumas Atividades de Ensino que podem
confrontar os conhecimentos hegemônicos das práticas corporais:
(...) entrevistas ou conversas com pessoas com uma história de vida
marcada pela prática da manifestação, leitura de textos argumentativos,
assistência a documentários, comparação entre variados pontos de vista
dos estudantes e do educador, análises de notícias, participação em
eventos, explicações de convidados e contato com artefato alusivos às
práticas corporais.

Por fim, o último procedimento didático é a documentação de registros e


avaliação do processo, sendo o objetivo dessa ação didática facilitar a retomada
do processo de socialização entre os alunos, favorecer a discussão em sala de aula
e contribuir para o replanejamento e o reordenamento da prática educativa.

Na perspectiva adotada, o objetivo não é avaliar individualmente os progressos


na aprendizagem dos alunos. E sim, avaliar o trabalho docente, verificando se estão
sendo alcançados os objetivos, e trazer indícios para a revisão e a reorientação das
suas rotas de trabalho.

Para tanto, os professores num currículo cultural de Educação Física fotografam,


filmam, utilizam aplicativos, registram, descrevem, produzem portfólios etc. A partir
desses registros, conseguem avaliar o desenvolvimento das atividades.

As diferentes formas de registros são marcas que dão ao professor possibilidades


para investigar o processo de aprendizagem e o ensino de forma menos abstrata.

Além disso, os registros são recursos concretos que podem ser utilizados em aulas
seguintes para que os alunos façam comparações e análises sobre as práticas corporais.

A partir das próximas unidades, vocês terão contato com relatos de experiências
de professores que estão colocando em prática esses procedimentos didáticos do
currículo cultural em Educação Física.

Para compreender melhor a proposta de currículo cultural de Educação Física, assistam ao


Explor

vídeo “Educação Física cultural – Marcos Neira”, disponível no link:


https://youtu.be/gnoxQc1Mua4

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UNIDADE Educação Física no Currículo Cultural

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

  Sites
Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar da FEUSP
http://www.gpef.fe.usp.br/

 Livros
Indagações sobre o Currículo: Currículo, Conhecimento e Cultura
MOREIRA, A .F. B.; CANDAU, V. M. Indagações sobre o currículo: currículo,
conhecimento e cultura. Brasília: MEC/SEB, 2007;
Educação Física
NEIRA, M. G. Educação Física. São Paulo, Blucher, 2011;
Direitos de Aprendizagem dos Ciclos Interdisciplinar e Autoral: Educação Física
SÃO PAULO. Direitos de aprendizagem dos ciclos interdisciplinar e autoral:
Educação Física. São Paulo: SME / COPED, 2016;
Documentos de Identidade: Uma Introdução às Teorias do Currículo
SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.
Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

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Referências
MCLAREN, P. Multiculturalismo revolucionário: Pedagogia do dissenso para
novo milênio. Porto Alegre: Artmed, 2000.

MOREIRA, A .F. B.; CANDAU, V. M. Indagações sobre o currículo: currículo,


conhecimento e cultura. Brasília: MEC/SEB, 2007.

NEIRA, M. G. Educação Física. São Paulo, Blucher, 2011.

NEIRA, M. G.; NUNES, M. L. F. Educação Física, Currículo e Cultura. São


Paulo: Phorte, 2009.

McLAREN, P. Multiculturalismo revolucionário: pedagogia do dissenso para


novo milênio. Porto Alegre: Artmed, 2000.

MOREIRA, A .F. B. & CANDAU, V. M. Indagações sobre o currículo: currículo,


conhecimento e cultura. Brasília: MEC/SEB, 2007.

NEIRA, M. G. & NUNES, M. L. F. Educação Física, Currículo e Cultura. São


Paulo: Phorte Editora, 2009.

NEIRA, M. G. Educação Física. São Paulo, Blucher, 2011.

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