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TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS

* Marinez Fulgêncio Murta


Dicionário da Educação - http://crv.educacao.mg.gov.br

A análise da prática pedagógica envolve referenciais amplos, como a compreensão da


função social da educação escolar e a identificação das concepções de aprendizagem e
ensino que lhe dão suporte.
Como a função social atribuída à educação influencia a prática educativa?

. educar para conservar ou para transformar a sociedade faz diferença;


. educar para formar cidadãos conformados à ordem estabelecida, ou para formar
cidadãos críticos, faz diferença.

Como as concepções de aprendizagem afetam a prática pedagógica?

. acreditar que a aprendizagem é um processo puramente racional, que depende apenas


do exercício e amadurecimento da razão (racionalismo, inatismo), ou perceber a
aprendizagem como uma decorrência da captação dos conhecimentos por meio da
experiência externa (empirismo), faz diferença no modo de organizar o ensino na
escola;
. acreditar que a aprendizagem provém da atividade mental do sujeito ao interagir com a
realidade, ou da atividade do sujeito mediada por outros sujeitos socioculturais
(cognitivismo, interacionismo, sociointeracionismo) leva as outras formas de organizar
o ensino.

Ao longo da história da educação, diferentes concepções de aprendizagem e diferentes


funções atribuídas à educação geraram diferentes tendências ou teorias pedagógicas.

Função social do ensino (intenções


Correntes / Tendências /Teorias
educativas)
Pedagógicas
Concepções de aprendizagem

Org. Tempo / Espaço


Organização do currículo Conteúdos
Ideologias subjacentes às
Configuração de aspectos Relação prof./aluno
tendências pedagógicas
concretos do ensino Agrupamento
Avaliação

Na literatura educacional, vários autores desenvolveram estudos e se posicionaram


acerca das tendências educacionais, classificando-as segundo suas ideologias
subjacentes. O conhecimento dessas propostas pode ajudar os professores na
identificação de critérios de análise e reformulação de sua prática. Entre os autores mais
presentes na nossa formação podemos destacar: Palácios (1979), Saviani (1985) e
Libâneo (1985).
Palácios (1979) classificou as principais tendências contemporâneas para uma escola
diferente entre três grandes grupos, de acordo com os aspectos envolvidos: aspectos
didáticos (Escola Nova), aspectos de relacionamento (Antiautoritarismo) e aspectos
sociopolíticos (Sócio-Política). Ao concluir o seu trabalho, o autor critica o parcialismo
de cada uma dessas tendências, referindo-se à ilusão pedagógica da primeira (redução
dos problemas da escola a problemas didáticos), a ilusão psicológica da segunda
(redução dos problemas da educação a problemas de relações humanas no interior das
instituições escolares) e à ilusão sociopolítica da última (tentativa de esgotar todos os
problemas da escola com o conhecimento de sua função social). Palácios (1979) sugere
a busca de uma perspectiva integradora que permita a abordagem do fator educativo
como fator pedagógico de relacionamento sociopolítico (propõe uma análise dialética
das questões educacionais).
Saviani (1985) considera um primeiro grupo de teorias – pedagogia tradicional,
pedagogia nova e pedagogia tecnicista – como teorias não críticas, por desconhecerem
as determinações sociais do fenômeno educativo e pela abordagem técnica e neutra com
que tratam as questões educacionais, atribuindo à escola um papel redentor de
equalização social. Critica essa visão como ingênua e aponta um grupo de teorias no
extremo oposto, as teorias crítico-reprodutivistas que atribuem à educação uma função
de reprodução das desigualdades sociais. Ou seja, de um grupo que atribui um poder
ilusório à escola remete a outro que enfatiza uma situação de impotência da mesma
diante dos condicionantes sociais. Nesse impasse, posiciona-se em relação à escola
como uma realidade histórica, isto é, suscetível de ser transformada intencionalmente
pela ação humana. O desafio que apresenta é a busca de uma teoria crítica da educação
que capte a escola como um instrumento capaz de contribuir para a superação do
problema de marginalidade social.
Libâneo (1985), por sua vez, utiliza como critério de classificação a posição que as
tendências adotam em relação aos condicionantes sociopolíticos da escola, agrupando-
se em dois grandes blocos: pedagogias liberais e pedagogias progressistas. Entre as
liberais, inclui as tendências tradicional, renovada e tecnicista. Entre as progressistas, as
tendências libertária, libertadora e crítico-social dos conteúdos.
As pedagogias liberais, como o próprio nome indica, assumem princípios da doutrina
liberal: liberdade, igualdade, respeito aos interesses individuais. O papel que assume a
educação escolar no contexto das propostas de inspiração liberal é a preparação dos
indivíduos para desempenhar diferentes papéis sociais de acordo com as suas aptidões.
A função social da escola é, pois, a adaptação dos indivíduos à sociedade num sentido
conservador. A ideologia liberal não tem um projeto de transformação social no sentido
da equalização. Admite as diferenças de condições sociais como resultado das
diferenças individuais inatas: diferenças de dons e aptidões. Ocuparão as melhores
posições, serão mais bem-sucedidos na vida social, os mais talentosos, os mais bem
dotados, os mais esforçados. A tônica é posta no indivíduo e nos seus méritos pessoais
(meritocracia).
As pedagogias progressistas, contrariamente, partem da análise crítica da realidade
social. Veem a educação como um mecanismo de transformação. A função da escola
nesse contexto é a instrumentalização do educando para compreender a realidade social
e atuar sobre ela num sentido transformador. Visam à inserção crítica do educando na
realidade social. As correntes pedagógicas que se situam nessa perspectiva dão grande
peso à igualdade, desenvolvendo propostas emancipatórias para todos. As diferenças
individuais são compreendidas numa perspectiva de diferenças de universo
socioculturais, justificando a diversificação do trabalho pedagógico em respeito às
mesmas e, não, diferentes graus de aprendizagem e sucesso na escola.
Considerando as classificações de Libâneo (1985) e Saviani (1985), podemos dizer que,
no sistema educacional brasileiro, até a década 70 do século XX, predominam correntes
pedagógicas de inspiração liberal conservadora ou não críticas: tendências tradicional,
nova e tecnicista. Essas teorias de educação, ainda hoje, orientam e influenciam a
prática pedagógica de muitos professores.
No final de 70, as teorias crítico-reprodutivistas fizeram-se presentes no discurso
educacional brasileiro especialmente no meio acadêmico. A década de 80 representou a
reação a essa crítica extrema e a busca de alternativas para a construção deu uma
educação pública de qualidade, fazendo emergirem teorias críticas. Ganharam
relevância, nesse momento, proposta como a pedagogia libertadora dos conteúdos
socioculturais.
O exame de algumas dessas teorias pode ser instrumental para a melhor compreensão da
prática pedagógica e para a construção de projetos de educação bem fundamentados nas
escolas.
Teorias não críticas
Pedagogia Tradicional
A pedagogia tradicional baseia-se numa visão essencialista de homem, segundo a qual,
todo homem é dotado de uma essência universal, apriorística e imutável (espírito,
faculdades, razão), a qual deve ser realizada pela educação. Os homens são
essencialmente iguais, as diferenças sociais entre ele se devem a diferenças de destino.
A ideia de uma essência universal igual justifica o estabelecimento de esquemas lógicos
predefinidos de educação, aos quais devem submeter-se todos os alunos. Ou seja,
justifica a utilização do mesmo método, do mesmo ritmo, dos mesmos materiais e
atividades para todos. As diferenças de resultados não levam ao questionamento do
método (que se baseia na essência humana). Os fracassos e sucessos são da
responsabilidade do aluno: decorrem de seu esforço, interesse, empenho nos estudos.
Em outras palavras, do ponto de vista político, a ideologia que orienta essa tendência é
conservadora (o destino é que define a posição de cada um na sociedade); do ponto de
vista da aprendizagem, a perspectiva é inatista: todos já nascem com uma essência; esta
amadurece ao ser exercitada. Portanto, as capacidades superiores da inteligência
(pensamento complexo, análise, síntese, julgamento) não são aprendidas, mas
exercitadas.
O modo de ensinar na escola tradicional reflete essas concepções: organizam-se os
conhecimentos de cada disciplina a partir de uma lógica interna do mais simples para a
mais complexo; estipulam-se programas para serem desenvolvidos por todos os alunos,
em tempos determinados de acordo com a necessidade do professor para executá-los.
Avaliam-se os resultados da aprendizagem com o objetivo de classificar os alunos,
exercendo a educação uma função seletiva: identificação dos mais esforçados, dos mais
interessados nos estudos, dos melhores (ver também verbete Avaliação
Classificação no Dicionário Avaliação).
Essa pedagogia sistematizou o modo como se desenvolve o ensino tradicional, ou seja,
o ensino baseado na transmissão dos conteúdos culturais pelo professor: o método
expositivo.
O método expositivo se identifica com os passos formais de Herbat, levando ao seguinte
desenvolvimento da aula:
Apresentação do assunto (estimulação dos sentidos ver, ouvir, sentir a realidade);
Associação (associar o novo com as ideias preexistentes);
Sistematização (generalizar, organizar os conceitos);
Aplicação (aplicar em situações práticas, exercitar).
Os jesuítas foram os grandes difusores dessa pedagogia no Brasil. O método expositivo
vulgarizou-se nos sistemas de ensino, reduzindo-se à fala do professor seguida de
exercícios de fixação repetitivos. Ou seja, no processo de difusão, o método perdeu as
características que lhe davam um caráter de ensino sistemático, assumindo um caráter
mecânico e repetitivo de condução do ensino.
Pedagogia nova (ou renovadora, ou moderna)
A pedagogia nova baseia-se numa visão existencialista de homem, segundo a qual, a
natureza humana é moldada na existência, sendo o homem uma “tábua rasa” ao nascer.
Indivíduos essencialmente diferentes exigem uma educação diferenciada, devendo
predominar uma sequência psicológica na organização do ensino. A abordagem dos
fenômenos educacionais nessa vertente é de natureza predominantemente psicológica. À
escola cabe suprir as experiências que permitem ao aluno educar-se, num processo ativo
de construção e reconstrução do objeto, numa interação entre estruturas cognitivas do
indivíduo e estrutura do ambiente.
Essa perspectiva apresenta uma série de deslocamentos em relação à escola tradicional:
do intelecto (lógico) para o sentimento, do esforço para o interesse, dos conteúdos para
os métodos e processos de ensino. Segundo a proposta da escola nova, a educação deve
apoiar-se nas Ciências Sociais e Humanas (Fisiologia, Biologia e Psicologia) e basear-
se em princípios científicos. Educar-se para a vida, consistindo a educação integral do
aluno no desenvolvimento de suas aptidões peculiares, de valores morais, de hábitos de
higiene e saúde, vida cívica e social, literária e artística.
O ensino é articulado com o método científico ou da descoberta, dando grande ênfase à
atividade do aluno na solução de problemas. Podem-se identificar os seguintes passos
na organização do ensino:
. atividade (o ensino parte sempre de uma atividade que apresenta um desafio ao aluno);
. problema (a atividade inicial leva à formulação de problemas);
. levantamento de dados (levantamento dos dados disponíveis sobre a situação para
subsidiar a formulação de hipótese de solução);
. formulação de hipótese (que serão objeto de estudos pelos alunos);
. confirmação ou rejeição das hipóteses.

O ideário da escola nova difundiu-se entre os educadores brasileiros no século XX,


especialmente a partir da década de 20, absorvendo sua ênfase psicológica (centrada nos
métodos de aprendizagem, nos testes psicométricos) e sociológica (dinâmicas grupais,
trabalho em grupo, agremiações, atividades sociais no interior da escola) que
influenciaram especialmente a escola primária.

Pedagogia tecnicista
A partir dos anos 50, ganha força entre nós a influência behaviorista americana
(comportamentalista), introduzindo alterações na organização da escola e no currículo, e
culminando no tecnicismo que se instala oficialmente no sistema educacional brasileiro
na década de 70, com a Lei n. 5.692/71.
A intensificação da preocupação com os métodos levou à busca da eficiência
instrumental. O eixo do ensino nessa perspectiva é a organização racional dos meios.
Enquanto na escola nova os meios são controlados e definidos por professores e alunos,
na tecnicista o processo racionalizado é que define o que farão professores e
alunos, como e quando. Preocupação com a objetividade e a operacionalidade do
ensino.
Aqui o pressuposto é de que a maior produtividade do indivíduo (capital cultural
individual) conduz à maior produtividade da sociedade (visão desenvolvimentista). A
educação subordina-se à sociedade (reduzida a mercado) em sua função de formar
recursos humanos (mão-de-obra) em primeiro lugar e não seres humanos plenos,
cidadãos. É o que alguns autores vão chamar de visão produtivista da educação.
Em termos da concepção de aprendizagem, a perspectiva empirista predomina nessa
proposta, tendo como postulado básico que o conhecimento é produto da experiência
exterior. Essa concepção coloca em relevo o objeto, os estímulos externos, a pressão do
ambiente e, em plano secundário, a atividade do sujeito que conhece. O behaviorismo
apoia suas investigações numa base empirista e chega a definir a aprendizagem como
mudança de comportamento resultante do treino ou da experiência. Nessa perspectiva, a
aprendizagem identifica-se com o condicionamento (reações a estímulos que podem ser
previstas, medidas e controladas).
O sujeito que aprende é um receptáculo de informações, passível de ser moldado (objeto
e não sujeito). A aprendizagem, resultando da experiência externa, não precisa das
significações do sujeito, nem de sua atividade organizativa. O que garante a
aprendizagem é o ensino baseado em práticas pedagógicas que submetem os alunos à
autoridade do professor, dos livros, dos exercícios programados, das avaliações.
Essa perspectiva conduz à crescente burocratização da escola, à fragmentação e à
especialização do trabalho docente e ao reinado dos materiais instrucionais, reduzindo o
papel do professor à administração de um sistema de instrução concebido por
especialistas.

Teorias Críticas

Teorias crítico-reprodutivistas
O cunho economicista da abordagem educacional dos anos 70 (visão produtivista da
educação, propostas tecnicistas de organização da educação), gerou análises
educacionais de fundamentação marxista, que colocam em discussão a relação escola-
sociedade numa perspectiva de profunda crítica à escola como reprodutora das
desigualdades sociais.
As teorias crítico-reprodutivistas – teoria da escola/aparelho ideológico do Estado,
Althusser (1974); teoria da violência simbólica, Bourdieu e Passeron (1975); teoria da
mistificação pedagógica, Charlot (1979); teoria da escola dualista, Baudelot e Establet
(1980) – preocuparam-se em explicar o funcionamento da escola tal como este ocorre
na sociedade capitalista. Não apresentaram propostas pedagógicas, mesmo porque não
viam a escola como instrumento de luta pela transformação social.
Essas teorias tiveram como principais conseqüências no meio educacional:
. colocaram em evidência o comprometimento da escola com os interesses do grupo
dominante (escola dual: escola de natureza e qualidade diferenciadas para o povo e para
as elites; escola excludente: instrumento de discriminação social e de legitimação do
sucesso dos já favorecidos );
. disseminaram um pessimismo desmobilizador entre os educadores (especialmente da
escola pública), levando-os a sentirem-se impotentes diante dos condicionadores sociais
e a não acreditarem nas possibilidades da prática educativa.

Teorias críticas emancipatórias

Se não é do interesse da classe dominante transformar radicalmente a escola, essa


proposta deverá partir daqueles que lutam pelos interesses dos dominados, e foi essa
busca que movimentou os educadores na década de 80: luta contra a seletividade, a
discriminação, o rebaixamento do ensino das camadas populares.
Na busca de saídas teórico-práticas para o impasse criado pela visão da escola como
instância reprodutora da sociedade capitalista Dermeval Saviani, Luís Antônio Cunha,
Guiomar Namo de Mello e outros que se destacaram na época parecem ter encontrado
em Gramsci seu grande inspirador.
Com Gramsci, a escola recupera seu potencial da mudança como espaço contraditório
em que se encontram em permanente conflito os interesses dos grupos dominantes e a
luta emancipatória dos grupos historicamente subalternizados.
A tendência democrática, intrinsecamente, não pode consistir apenas em que um
operário manual se torne qualificado, mas em que cada “cidadão” possa se tornar
“governante” e que a sociedade o coloque, ainda que “abstratamente”, nas condições
gerais de poder fazê-lo; a democracia política tende a fazer coincidir governantes e
governados (no sentido de governo com o consentimento dos governados), assegurando
a cada governo a aprendizagem gratuita das capacidades e da preparação técnica
geral necessárias ao fim de governar.(GRAMSCI, 1979, p. 137).
Neste momento, ganham espaço tendências pedagógicas impregnadas de uma visão
crítica e transformadora de educação, voltadas para o desenvolvimento humano e/ou
para os interesses populares numa perspectiva emancipatória. Seus teóricos reconhecem
tanto o papel ativo do educador na transformação da sociedade quanto os
condicionantes histórico-sociais de sua prática (daí sua criticidade).
Educação como uma instância dialética que serve a um projeto de sociedade. Instância
mediadora que pode mediar tanto a conservação quanto a mudança. O projeto que
realiza é definidor nesse sentido.
Incluem-se nessa perspectiva progressista ou transformadora propostas não-formais
como a Libertadora (Paulo Freire) e a Libertária (defensores da auto-gestão
pedagógica). No plano da educação escolar formal, destaca-se a proposta crítico-social
dos conteúdos que acentua a primazia dos conteúdos no seu confronto com as realidades
sociais.
Pedagogia Libertária (autogestionários)
A pedagogia libertária espera que a escola exerça uma transformação na personalidade
dos alunos num sentido libertário e autogestionário. A escola instituirá, com base na
participação grupal, mecanismos institucionais de mudança (assembleias, conselhos,
eleições, reuniões, associações, etc), de tal forma que o aluno, uma vez atuando nas
instituições externas, leve para lá tudo o que aprendeu. A autogestão é o conteúdo e o
método. Há um objetivo pedagógico e um objetivo político.
A relação professor/aluno é de não diretividade. Educar na liberdade exige, também, a
utilização de métodos de ensino-aprendizagem não impositivos, não coercitivos, que se
baseiam nas investigações livres dos alunos, que quebrem pela raiz a velha transmissão
do saber de cima para baixo. O professor é mais um facilitador da aprendizagem e
animador do grupo à disposição dos alunos.
Se a classe tradicional era a negação da palavra, da comunicação e das inter-relações, o
grupo institucional se transforma em meio de diálogo, de mudanças e de intercâmbios, e
o professor considera-se mais um técnico em organização de atividades grupais e um
especialista em relações humanas do que um professor interessado em determinados
conteúdos, em fazer adotar uma ou outra postura.
Pedagogia Libertadora
Na perspectiva libertadora de Paulo Freire, somente o processo de conscientização pode
libertar o homem da alienação, da manipulação ideológica, da dominação de uma
estrutura social determinada. A educação libertadora questiona concretamente a
realidade das relações do homem com a natureza e com os outros homens, visando a
uma transformação.
A produção pedagógica de Paulo Freire apresenta dois momentos: o primeiro, de cunho
idealista, acreditava na educação como o motor de transformação social; o seguinte,
mais dialético, discute o social, numa perspectiva de contradição. Assume a educação
como um processo de diálogo, por meio do qual educador e educando problematizam o
seu estar no mundo e suas visões sobre o mundo.
Os conteúdos do ensino, denominados temas geradores, são extraídos da
problematização da prática de vida dos educandos. A forma de trabalho educativo é o
grupo de discussão, ao qual cabe gerir a aprendizagem tendo o professor o papel de
animador, problematizador e de organizador das situações de ensino e aprendizagem
significativas.
Aprender é um ato de conhecimento da realidade concreta e só tem sentido se resulta de
uma aproximação crítica dessa realidade. Conhecer é um processo ativo e interativo.
Educação crítica não é substituir os conceitos básicos das disciplinas por política, mas
politizar o conteúdo das disciplinas a serem ensinadas e aprendidas (apropriadas).

Pedagogia crítico-social dos conteúdos (ou dos conteúdos socioculturais)

Reconhece e afirma o papel fundamental da escola na socialização do saber, patrimônio


cultural da humanidade de conteúdos abstratos e formais, mas da socialização de
conceitos significativos, concretos, ligados às realidades sociais; conteúdos escolares
que tenham ressonância na vida sociais dos alunos.
Nessa perspectiva emancipatória, reunindo elementos das diversas tendências, mais
especialmente da libertadora e da crítico-social, podemos identificar as seguintes
características nos componentes da prática educativa:

. objetivos da educação: socialização dos conhecimentos; problematização da prática;


. conteúdos escolares: conteúdos culturais relacionados à prática social, abordados de
forma contextualizada, objeto de apropriação crítica;
. metodologia: de uma visão sincrética (fragmentadas, confusa), por uma visão analítica
(mediada pelo professor), para uma visão sintética; processos que garantam uma relação
de continuidade entre o universo cultural do aluno e os conteúdos do ensino;
metodologia dialética;
. professor: mediador, orientador do processo de conhecimento; sujeito que aprende no
processo de ensinar; investigador, pesquisador, ser contextualizado;
. aluno: sujeito da aprendizagem, ser sociocultural;
. relação professor/aluno: de respeito-mútuo, dialógica; vínculo emancipatório ou
libertador;
. relação professor/aluno/conteúdo: (conhecimento): interativa, mediana, não-linear,
dialógica;
. relação escola/sociedade: a escola reflete as contradições sociais; necessidade de
explicitação das contradições para superá-las;
. avaliação: acompanhamento do desenvolvimento do aluno; regulação do processo
ensino-aprendizagem; comprovação do progresso do aluno na direção de um saber mais
elaborado.

Com o objetivo de ajudar o professor a situar-se no contexto dessas teorias educacionais


procuramos traduzir, de forma esquemática (QUADRO 1), as configurações que
assumem alguns elementos da prática educativa sob a influência das tendências mais
presentes no nosso sistema educacional ao longo do século XX.
QUADRO 1
Tendências pedagógicas X práticas educativas

Papel do
Conteúdos
Aluno
Escolares Metodologia
Papel do Professor
Tendênci Didática Função de Avaliação
Memorizar
as Fatos e
Implementar ações conhecimen
Tradicion conceitos Exposição SelecionarClassificarContabil
Vigiar / Corrigir to ouvir c/
al científicos oral pelo izar
Aconselhar atenção
das professor
Fazer
disciplinas
exercícios
escolares
Facilitar a Participar Temas de Descoberta
aprendizagem ativamente interesse do pelo aluno
Renovada Acompanhar o processo de
Coordenar Pesquisar aluno Passos do
/ Nova desenvolvimento do aluno
atividade Demonstrar Temas da método
Apoiar curiosidade vida científico
Dar
FatosConceit
respostas Aplicação
Implementar ações os
programada de materiais
Aplicar materiais Princípios Medir
Tecnicista s instrucionais
instrucionaisContro científicos Controlar
Reagir a pelo
lar fragmentados
estímulos professor
externos
Pensar,
refletir,
interpretar
experiências,
vivências.
Buscar
informações
Diálogo
Processar
Construção
informações,
Mediar a Pensar, coletiva do
fatos, Diagnosticar e regular as
construção do refletir conhecimen
conceitos, aprendizagens
Libertador conhecimento Interpretar to
princípios, Orientar as intervenções
a Crítico- Provocar, desafiar, experiência Interações
normas, pedagógicas
social problematizar s, vivências entre os
procedimento Acompanhar o
Criar situações de Buscar sujeitos no
s, valores, desenvolvimento do aluno
aprendizagem informações processo de
atitudes
conhecimen
Conheciment
to
os científicos
e
experiências
socioculturais
vistos de
forma
globalizada
Fonte: elaborado pela autora do texto

Teorias “pós-críticas”
Os anos 90 trouxeram uma nova perspectiva de abordagem das questões educacionais.
Sem perder de vista a característica crítica, foram incorporadas outras categorias de
análise ao campo educacional, reconhecido como um espaço epistemológico social
(SILVA, 1999), em que é importante identificar as conexões entre saber, identidade e
poder.
Assim como as teorias críticas deslocaram a ênfase dos conceitos pedagógicos de
ensino, aprendizagem, métodos didáticos, para os conceitos políticos de
conscientização, libertação, prática social, as teorias pós-críticas vieram trazer um novo
deslocamento na direção de conceitos como subjetividade, intersubejtividade,
multiculturalismo, diversidade, identidade, gênero, etnia, representação (ver Dicionário
de Educação Inclusiva).

As teorias educacionais, sustentadas tradicionalmente pela Biologia e pela Psicologia


(final do século XX, início do século XXI), passaram a receber influência também da
Sociologia e, no período de 50 a 70 do século XX, sofreram significativo viés
desenvolvimentista e economicista, chegando nos anos 80, e mais especificamente na
década de 90, a rever suas disposições em função de uma visão antropológica. É
sobretudo a antropologia que vem obrigar os educadores a pensar os alunos como
sujeitos socioculturais, portadores de subjetividades construídas no entrecruzamento de
influências globais e particulares, devendo ser as diferenças objeto de respeito e, por
outro lado, de questionamento em função de suas condições de produção numa
sociedade desigual.

Nesse contexto de influências de múltiplos campos do saber é que hoje pensamos a


educação.

Tendências / teorias pedagógicas x Práticas escolares

O modo como os professores realizam o seu trabalho, selecionam os conteúdos das


disciplinas, organizam os tempos e os espaços escolares, orientam as atividades dos
alunos e definem instrumentos de avaliação indicam as intenções educativas e as
concepções de aprendizagem que os orientam.
Observando nossas práticas escolares, encontraremos evidências da presença de
elementos das várias teorias pedagógicas nas mesmas, nem sempre inseridos de forma
coerente à intencional: resultam daquilo que incorporamos em nossa passagem pela
escola como alunos, das trocas com os colegas de profissão, de prescrições dos livros
didáticos, dos cursos de formação e de soluções empíricas geradas no dia-a-dia da sala
de aula.
Identificar as ideologias subjacentes às próprias práticas, posicionando-se coletivamente
sobre elas, é um passo importante no processo de autoconhecimento das escolas que
desejam construir seu próprio caminho. Construir o seu Projeto Político Pedagógico é o
grande desafio das escolas hoje e este projeto não se constrói sem uma consciência
crítica e coletiva da direção que se deseja tomar. Educar para conservar ou
transformar? Formar cabeças cheias ou cabeças bem feitas? A reflexão conjunta sobre
questões dessa natureza é fundamental à organização curricular. A (re) construção da
escola interpenetra o processo de formação em serviço do seu grupo de educadores.
Inúmeros professores da escola pública que se ocupam hoje de uma pedagogia e
conteúdos socioculturais, articulada com a adoção de métodos que garantam a
participação do aluno em um processo de aprendizagem significativa, avançam na
construção de uma nova escola.
Projetos de educação pública como a Escola Plural da PBH, a Escola Cidadã da
Prefeitura de Porto Alegre, a Escola Sagarana do Estado de Minas Gerais, inserem-se
numa perspectiva de educação democrática e inclusiva, pelo seu comprometimento com
a construção de um ensino de qualidade para todos. Coerentes com esse propósito,
buscam formas alternativas de desenvolver o processo ensino aprendizagem,
fundamentadas em teorias da aprendizagem de base construtivista, interacionista e
sociointeracionista (ver também verbete Aprendizagem, Dicionário Avaliação), de
forma a garantir a todos os alunos o lugar de sujeitos do processo de conhecimento,
promovendo o desenvolvimento de sua criticidade e de sua autonomia moral e
intelectual, necessárias à construção de identidades cidadãs, conscientes de seus direitos
e deveres.
* Mestre em Educação pela FAE/UFMG.

PARA SABER MAIS...

LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública. São Paulo: Loyola, 1985.
No capítulo Tendências Pedagógicas na Prática Escolar, o autor buscar mostrar como a
prática dos professores é influenciada por determinadas teorias de educação, devendo as
mesmas ser desveladas para que estes assumam escolhas conscientes.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. São Paulo: Cortez, 1985. 95 pp.
Esta foi uma leitura fundamental nos anos 80 e, ainda hoje, oferece uma boa síntese
para os educadores que desejam uma compreensão mais sistemática e crítica das
diferentes teorias da educação. Ajuda especialmente na discussão das relações entre
educação e sociedade.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do
currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
Abordagem atual das teorias que fundamentam a organização curricular, situando-as no
seu processo evolutivo até as grandes transformações que vêm ocorrendo na década de
90, com as teorias pós-críticas. Avança em relação à abordagens da década anterior, em
que predominam as contribuições de autores com Libâneo e Saviani.
Outras Fontes Consultadas:
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Porto Alegre:
Civilização Brasileira, 1979.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo, Cortez, 1992.
PALACIOS, Jésus. Tendências contemporâneas para uma escola
diferente. Cadernos de Pedagogia, Barcelona, v. 5. 5 mar. 1979.

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