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Aspectos Teóricos

da Educação Física
Material Teórico
Educação Física e Esporte: Desenvolvimento do Campo Acadêmico

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Fábio Tomio Fuzzi

Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
Educação Física e Esporte:
Desenvolvimento do Campo Acadêmico

• Introdução
• Críticas à Ginástica
• Ascensão do Esporte
• Esporte e Educação Física
• A Educação Física e o Teorizar Cientificista
• Crise de Identidade da Educação Física:
Questões Epistemológicas
• Formação Profissional em Educação Física:
Formação Acadêmico-Científica

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Compreender o desenvolvimento do campo científico-acadêmico da
Educação Física e sua relação com o esporte. Identificar as circuns-
tâncias e refletir sobre a crise de identidade da década de 1980.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Educação Física e Esporte: Desenvolvimento do Campo Acadêmico

Contextualização
Nesta Unidade, estudaremos a Educação Física e o desenvolvimento do seu
campo científico-acadêmico. Veremos que esse desenvolvimento está em estreita
relação com o esporte, fenômeno que ganhou importância para além das
competições esportivas em todo o mundo.

É um assunto bem interessante para compreender como todo esse processo


também gerou crises dentro da Educação Física.

Então, comecemos nossos estudos!

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Introdução
O caminho percorrido até aqui mostra a Educação Física/Ginástica se justificando
na sociedade capitalista pelo discurso científico. Essa ginástica se caracteriza como
exercícios físicos sistematizados que ganharam forma dentro das famosas Escolas
de Ginástica.

Assim, diferentes países deram contorno à ginástica, criando seus métodos de


ensino da prática que prometia, entre outras coisas, a melhora da aptidão física,
o desenvolvimento moral e a manutenção de um corpo saudável. Características
as quais as nações buscavam em sua população por preocupação com a defesa
da pátria (militar) e também para produzir mão de obra necessária diante da cres-
cente industrialização.

É dentro desse contexto que a Educação Física/Ginástica começa a se estabelecer,


a se justificar nos currículos escolares e a ganhar contornos científicos.

Porém, o que veremos nesta Unidade é que um fenômeno tomou proporções


mundiais, o que fez a área da educação física prestar mais atenção nele. Estamos
falando do fenômeno esportivo que, aos poucos, substituiria a ginástica e se
tornaria o objeto preferido da Educação Física na tessitura de seu discurso científico.
Veremos assim que o esporte foi decisivo para a construção do campo acadêmico
da Educação Física.

Para entender esse processo, analisaremos os motivos que fizeram com que a
ginástica fosse preterida pelo esporte.

Críticas à Ginástica
Como vimos anteriormente, a ginástica conseguiu argumentos suficientes para
ser recomendada à população em geral e, com isso, entrar nas escolas. Os métodos
ginásticos mostram toda uma estruturação dos exercícios físicos com o propósito de
desenvolver o físico e a moral. Toda sua rigidez casou com as instituições militares
que tanto a propagaram.

Entretanto, os métodos ginásticos não ficaram imunes às críticas. Algumas ideias


mais progressistas de educação já circulavam no começo do século XX, o que se
tornou um obstáculo à ginástica.

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UNIDADE Educação Física e Esporte: Desenvolvimento do Campo Acadêmico

Um primeiro movimento que não é favorá-


vel a ela é o movimento conhecido como Escola
Nova, que se desenvolveu fortemente na década
de 1930 nos EUA, tendo influência das ideias de
John Dewey.

As ideias do autor são favoráveis a uma edu-


cação que seja diferente a da educação tradicio-
nal, que se caracteriza por sua rigidez e tendo o
professor como detentor do saber. Nesse modelo
de educação, caberia ao aluno repetir, obedecer e
executar os comandos dados pelo professor, além
de memorizar conteúdos. Não existe liberdade
para o aluno no seu raciocínio, pois a educação é
centrada na figura do professor.
Figura 1: John Dewey (1859-1952), expoen-
O movimento da Escola Nova tinha por fim
te da escola progressista norte-americana.
Defendia a democracia, a liberdade de pen- proporcionar uma educação integral, dirigindo
samento e dava destaque às questões físicas, adequadamente o desenvolvimento do ser huma-
emocionais e intelectuais das crianças no, ou seja, o respeito ao desenvolvimento físico,
Fonte: Wikimedia Commons intelectual e emocional das crianças.
Uma educação nesses moldes deve se preocupar com os interesses e as
necessidades dos alunos para proporcionar um desenvolvimento integral da criança.
Ou seja, nessa perspectiva, uma educação não poderia deixar de contemplar os
aspectos biológicos, sociais, psicológicos e filosóficos.

Figura 2: Ensino Tradicional X Ensino Progressista


Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images

Porém, a Educação Física, ao se utilizar dos modelos ginásticos, executava uma


educação nos moldes da tradicional. Dentro da intervenção com a ginástica, as
sistematizações dos exercícios físicos colocavam o instrutor/professor de ginástica
como aquele que conhecia com perfeição o método, caberia ao aluno executar o
que era cobrado.

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Repare que essas ideias da Escola Nova não vão de encontro ao modelo peda-
gógico que vinha sendo absorvido pela Educação Física de caráter militar. O que se
via então era uma discrepância entre o nível de abordagem da Escola Nova, com
maior visão de totalidade de homem, perante ao desenvolvimento da Educação
Física, que se restringia a ver o homem sob o ponto vista anátomo-biológico.

Dessa maneira, a influência do Movimento Escola Nova no Brasil fez com que
alguns intelectuais repensassem o modelo educacional brasileiro e, com isso, a
Educação Física, que se utilizava dos métodos ginásticos, acabou sendo criticada.

Na obra de Betti (1991, p. 95), existem alguns trechos que podemos identificar
a crítica aos modelos ginásticos:
Fazer com que um adolescente, cujos interesses são muitos variados,
permaneça por seis a nove minutos imóvel, sem falar, de determinar-lhe
que mova primeiro os braços, depois as pernas, a seguir o tronco e assim
por diante, parece-nos não ser uma forma lá muito atraente de trabalho
físico (MARINHO, s.d).

Uma criança não poderá ter os mesmos objetivos de um adulto; não


interpretará os exercícios da mesma maneira que este último, mesmo
porque o grau de atenção da criança é diferente (COSTA, 1949).

Porém, não podemos achar que somente o Movimento Escola Nova abalou as
estruturas dos modelos ginásticos no Brasil e sua forma de ensino. Concomitante-
mente com esse processo, o mundo estava assistindo ao crescimento do fenômeno
esportivo, esse sim com grande influência na Educação Física.

Ascensão do Esporte
O esporte surge como prática institucionalizada no século XIX nas escolas
inglesas no contexto de Revolução Industrial. O Esporte Moderno surge a partir da
modificação de jogos populares e sua prática consegue se espalhar para o mundo
inteiro, formando uma cultura esportiva.

O final do século XIX e começo do século XX é de consolidação do fenôme-


no esportivo. Basta lembrar as grandes competições esportivas que ganharam
projeção nesse período. A primeira Olimpíada da era moderna foi realizada no
ano de 1896 e a primeira Copa do Mundo de futebol tem o registro no ano de
1930, somente para citar duas competições que ganharam importância dentro
do cenário esportivo.

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UNIDADE Educação Física e Esporte: Desenvolvimento do Campo Acadêmico

Figura 3: As Olimpíadas representam a força que o esporte tem na sociedade moderna.


Também representam mais do que disputas esportivas, mas um conflito político-ideológico
Fonte: Wikimedia Commons

Nas palavras de Betti (1991, p. 49):


Sem dúvida, os Jogos Olímpicos foram decisivos para a universalização
da instituição esportiva, na medida em que difundiram um modelo
esportivo, padrões de funcionamento, regras e normas de conduta. [...]
Passou a interessar cada vez mais a um maior número de nações um bom
desempenho nos Jogos Olímpicos, que agora são palco de confrontos
entre grandes potências esportivas (e econômicas) mundiais.

Então, o fenômeno esportivo passa a ser muito mais do que disputas entre
equipes e atletas e começa a carregar um forte componente político. Com o
desenvolvimento dos meios de comunicação, principalmente após a 2ª Guerra
Mundial, o esporte consegue atingir um número de pessoas ainda maior no mundo
inteiro e se torna um grande aliado para difundir os ideais esportivos e o sucesso
das nações nas competições esportivas.

A ideia de nação poderosa constituída por cidadãos fortes e saudáveis fez com
que os estados totalitários utilizassem o esporte como veículo publicitário de seus
regimes políticos.

Figura 4: A Olimpíada de 1936 em Berlim, Alemanha, serviu como propaganda do


nazismo de Adolf Hitler. Na época, o alemão pregava que a raça superior era a raça ariana
Fonte: Wikimedia Commons

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Se recordarmos que o período da Guerra Fria foi um período de disputas
estratégicas e conflitos indiretos entre EUA e URSS de ordem política, militar,
tecnológica, econômica, social e ideológica, podemos perceber o quanto o esporte
foi decisivo para tentar mostrar a superioridade de uma nação perante a outra.

Além da corrida armamentista, os Jogos Olímpicos protagonizaram uma


verdadeira disputa entre as nações. As medalhas olímpicas representavam para o
mundo a supremacia de uma nação perante a outra, a afirmação de uma nação
mais forte, poderosa e mais preparada do que a outra.

No Brasil, não foi diferente. Os resultados do Brasil em competições esportivas


internacionais ajudaram a formar a imagem de um país em desenvolvimento e com
grande potencial de progresso para o mundo.

As conquistas brasileiras em diversos esportes, principalmente no futebol (Copas


do Mundo de 1958, 1962 e 1970), contribuíram para elevar a autoestima do povo
que superava países europeus, considerados de primeiro mundo.

Entretanto, o uso político do esporte também foi uma estratégia do plano político
da ditadura militar brasileira. Foi um projeto intelectual e político de associar a
imagem do Brasil e do homem brasileiro às vitórias da seleção de futebol nas Copas
do Mundo.

A conquista da Copa do Mundo de 1970 pelo Brasil foi um emblemático exemplo


da propaganda ideológica que o esporte poderia passar. A tentativa era passar a
impressão de que a ideologia da ditadura militar conseguira projetar o Brasil para
o mundo não só no esporte, mas na sociedade mais ampla.

Figura 5: A seleção brasileira de futebol de 1970 teve sua imagem fortemente


associada à propaganda de um Brasil vencedor a serviço da ditadura militar
Fonte: Wikimedia Commons

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UNIDADE Educação Física e Esporte: Desenvolvimento do Campo Acadêmico

Podemos assim perceber que o esporte ganha importância social e política


em todo o mundo, o que justificará investimentos para o seu desenvolvimento.
Com esse cenário construído, é possível perceber uma reação contra os métodos
ginásticos pela crescente importância do fenômeno esportivo na sociedade e na
Educação Física.

Esporte e Educação Física


O Brasil, na década de 1940 e 1950, sofre influência de um famoso autor
francês, Auguste Listello, começa a difundir no mundo o famoso Método Desportivo
Generalizado. Tal método tem o intuito de proporcionar uma atividade física
prazerosa que englobe o indivíduo como um todo, numa ação psico-morfo-fisio-
sociológica. Para isso, são propostas intervenções em forma de jogo, forma coletiva
de trabalho por pequenos grupos com flexibilização das regras, por exemplo.

O Método Desportivo Generalizado incorporava o conteúdo esportivo aos


métodos da Educação Física com ênfase no aspecto lúdico (jogo), sendo visto como
uma possibilidade de formação integral dos alunos e, por isso, como um meio de
formação e preparação para a vida. Além disso, foi possível atrelar ao esporte os
valores de solidariedade, lealdade e associação em torno de um interesse comum.

Dessa maneira, o Método Desportivo Generalizado torna-se uma proposta muito


mais atrativa, do ponto de vista da pedagogia progressista, do que se viu em Dewey, e
que se coaduna com os objetivos políticos mais amplos do desenvolvimento do esporte.

Sendo assim, o Método Desportivo Generalizado representou, além de uma


reação contra os velhos métodos de ginástica, uma tentativa de manter o esporte
sob o domínio pedagógico da Educação Física.

A partir desse momento, o binômio Educação Física/Esporte se intensifica, já


que a Educação Física Escolar será a base da pirâmide esportiva, ou seja, será
na escola o início, o local para selecionar os talentos e descobrir os atletas que
garantirão o sucesso brasileiro nas competições internacionais.

Inicia-se um momento de esportivização da área e dentro da escola o reflexo


disso são conteúdos esportivos para ensinar a prática esportiva e, sobretudo, um
local de seleção dos melhores para a prática esportiva.

É bom lembrar que o Esporte de alto rendimento se torna um sustentáculo


ideológico para a promoção do Brasil no exterior, e tudo isso terá início na escola.
Assim, é possível perceber que em pouco tempo o rendimento esportivo do país
começará a ser encarado como um ponto de atenção em políticas públicas, uma
vez que o esporte consegue proporcionar uma propaganda ideológica do Brasil
para o mundo.

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A preocupação com o rendimento esportivo gerou um documento que foi citado
Betti (1991, p. 97):
A observação do desempenho das equipes representativas nacionais, em
todos os setores desportivos, tem indicado uma evidente ineficiência no
que se refere à condição física [...] Além disso, é sensível na atualidade
que a pesquisa do treinamento desportivo, com suas implicações e novos
conceitos, está influenciando preponderantemente a evolução de todos os
setores da Educação Física (Brasil, MEC, DEF, 1968, p. 7).

O documento aponta urgência de se pensar o problema do rendimento esportivo


no Brasil. E como estamos falando de um contexto moderno que os problemas são
respondidos pela ciência, a pesquisa dentro da área esportiva começa a ganhar
força e destaque.

Esse momento é muito importante para Educação Física no que se refere


ao desenvolvimento do campo acadêmico. Agora, é possível reivindicar com
propriedade um campo de atuação e de pesquisa que é legítimo da Educação
Física, que é o foco no desempenho esportivo.

Com os métodos ginásticos, a autoridade científica eram os médicos higienistas.


Porém, agora a autoridade científica, o teorizar cientificista começava a ser a
própria Educação Física.

A Educação Física e o Teorizar Cientificista


Este é o momento oportuno para a consolidação da Educação Física enquanto
área acadêmica, afinal, antes, com a ginástica, sua teorização era realizada pelos
médicos, e não por um agente da Educação Física.

Como nos lembra Bracht (1999, p. 17-18):


[...] a teorização da ginástica escolar era realizada a partir de um olhar
pedagógico (médico-pedagógico, moral-pedagógico), ou seja, as práticas
corporais eram construídas e vistas como instrumentos para a educação
para a saúde e para a educação moral. [...] Outra característica é a de que
essa teorização era realizada, necessariamente, por intelectuais de outros
campos (medicina, forças armadas, pedagogia, ciências políticas), uma vez
que o campo acadêmico “EF” (ou ginástica escolar) não havia se constituído.

Portanto, a Educação Física, enquanto ginástica, via-se impossibilitada de


teorizar sua prática e, como consequência, sem um campo acadêmico definido. A
área estava sendo teorizada pela medicina e sua formação era militarizada com um
forte componente prático.

Já a partir da década de 1960, o discurso da Educação Física é tomado pelo


teorizar cientificista, por conta do enorme desenvolvimento do fenômeno esportivo.
A Educação Física agora está subordinada aos interesses do desempenho esportivo,
é a performance esportiva que orientará os caminhos e a teorização da área.

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UNIDADE Educação Física e Esporte: Desenvolvimento do Campo Acadêmico

Haverá um forte investimento científico no esporte, pois a importância social e


política do desempenho esportivo do país em um nível internacional fará parecer
legítimo todos os esforços nesse campo. Agora estamos falando de uma área que
quer se afirmar na Universidade, que se permite utilizar de um discurso científico,
de reivindicar cursos de pós-graduação, simpósios, criação de entidades científicas,
financiamento de pesquisas, estruturação de laboratórios etc.

No final dos anos de 1970, são fundados o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) e
Explor

o Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (CELAFISCS). São
exemplos de duas entidades científicas de grande nome dentro da Educação Física.

É nesse contexto que nasce um agente social da Educação Física, um intelectual,


alguém com formação originária na Educação Física, que se desafia a teorizar
cientificamente o problema da melhoria da performance esportiva.

Lembre-se que quando falávamos do período dos métodos ginásticos, tratávamos de uma
Explor

formação que era militarizada e os médicos higienistas eram os que ditavam a importância da
prática de exercícios físicos. Ou seja, não havia um agente formado genuinamente na Educação
Física. Agora, com a teorização científica da área, aquele agente formado na Educação Física
começa a ter autoridade científica para teorizar sobre a performance esportiva.

Porém, o teorizar da Educação Física/Ciência do Esporte se dará fundamen-


talmente a partir de ciências-mãe como a Fisiologia, Física, Medicina etc. Assim,
o profissional de Educação Física torna-se cientista da Fisiologia, da Biomecânica
etc., e não um cientista da Educação Física.

Nesse processo de teorização da área é que começam alguns questionamentos: a


Educação Física é uma ciência, uma vez que precisa de outras ciências para construir
seu conhecimento? Com o teorizar cientificista foi construído um conhecimento da
Educação Física ou foi construído conhecimento para Fisiologia, Medicina, Física etc.?

Na tentativa de responder a tais indagações, entre outras, a respeito de sua


identidade, a Educação Física é obrigada a entrar em crise. Ou como Medina
(1986, p.35) decretou:
A Educação Física precisa entrar em crise urgentemente. Precisa
questionar criticamente seus valores. Precisa ser capaz de justificar-se a si
mesma. Precisa procurar sua identidade. É preciso que seus profissionais
distinguissem o educativo do alienante, o fundamental do supérfluo de
tarefas. É preciso, sobretudo, discordar mais, dentro, é claro, das regras
construtivas do diálogo. O progresso, o desenvolvimento, o crescimento
adviriam muito mais de um entendimento diversificado das possibilidades
da Educação Física do que através de certezas monolíticas que não
passam, ás vezes, de superficiais opiniões ou hipóteses.

Desse ponto, faz-se necessário entender a crise de identidade da Educação Física


sob a perspectiva da ciência.

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Crise de Identidade da Educação Física:
Questões Epistemológicas
Do ponto de vista científico, a Educação Física procurou se estabelecer
enquanto campo acadêmico ao longo do século XX. Veja a forma como a área
foi se estabelecendo primeiramente com os modelos ginásticos e depois com sua
esportivização pelo prisma da ciência. Ou seja, pelo discurso científico, a Educação
Física se estabeleceu como uma prática de intervenção na realidade social.

Nesse processo de consolidação, enquanto campo acadêmico, percebemos que


sua teorização científica se deu a partir da performance esportiva, onde conseguiu,
por conta da importância social e política do esporte, investimentos necessários e
autoridade científica própria para desenvolver-se enquanto uma área da Ciência.
Assim, a Educação Física explicita seu desejo de virar uma ciência.

Entretanto, como já foi dito, o teorizar cientificista não se dava por conhecimentos
da Educação Física, mas foi por conta das já descritas ciências-mãe. Então, qual a
identidade epistemológica da Educação Física, é uma ciência ou não?

De acordo com Tesser (1994), Epistemologia significa discurso sobre a ciência. É o estudo
Explor

crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências. É a teoria do
conhecimento. Sua tarefa principal é a reconstrução racional do conhecimento científico:
conhecer, analisa, todo o processo gnosiológico da ciência do ponto de vista lógico,
linguístico, sociológico, interdisciplinar, político, filosófico e histórico.
Como esclarece Bracht (1999), identidade epistemológica significa a forma própria com que
cada disciplina científica interroga e explica a realidade, o que é determinado pelo tipo de
problema que levanta, pelos métodos de investigação e pela linguagem que desenvolveu
e utiliza.

Sobre a crise de identidade da área sobre essa última questão, tema central desta
unidade, é preciso algumas elucidações.

Buscando em Bracht (1999), perceberemos que o quadro elaborado pela


Educação Física mostra que surgiram os especialistas da área, mas não em
Educação Física, e sim em Fisiologia do Exercício, Biomecânica, Psicologia do
Esporte, Sociologia do Esporte, Aprendizagem Motora etc.

Dessa maneira, o autor aponta que a Educação Física na verdade é colonizada


epistemologicamente, ou seja, existe uma dependência de outras disciplinas
científicas e os conhecimentos produzidos não eram genuínos da área.

Assim, no final dos anos 1970 e 1980 a Educação Física percebeu influência
predominante da área biológica (Ciências Biológicas) e que havia uma ausência de
um estatuto epistemológico-científico próprio.

A crise da Educação Física, que ocorre predominantemente na década de 1980,


foi um movimento de denúncia e de crítica à área, principalmente porque começou
o contato com outras ciências diferente das Ciências Biológicas.

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UNIDADE Educação Física e Esporte: Desenvolvimento do Campo Acadêmico

Pode-se dizer que esse movimento surgiu por intermédio de um envolvi-


mento maior dos profissionais da área com outros ramos do saber, como
filosofia, sociologia, psicologia, educação, etc. Foi especialmente na déca-
da de 80 que começou no Brasil esse período de crítica (SURDI; KUNZ,
2007, p. 26-27)

Dessa maneira, depois da década de 1980, a Educação Física começou a in-


corporar fundamentos pedagógicos, culturais, antropológicos, filosóficos e sociais.
Especialmente no Brasil, foi um período de muitas críticas à área.

Importante entender que a Educação Física brasileira a qual nos referimos aqui
está dentro de um contexto sociopolítico mais amplo, ou seja, o que acontece na
Educação Física tem relação com a história do Brasil.

Assim, o movimento de crítica à Educação Física e os questionamentos levan-


tados vão de encontro ao momento pelo qual o país vivia: a redemocratização do
Brasil. O final da década de 1970 e a década de 1980 foram períodos de muito
questionamento ao regime político do país. A ditadura militar era questionada e um
movimento renovador da sociedade brasileira nascia para redemocratizar o país.

A crise da Educação Física na década de 1980 reflete esse momento maior,


afinal estamos falando da busca da área por uma identidade diferente daquela
militarizada, de práticas alienantes, mecânicas e autoritárias.

Para Medina (1986), a Educação Física precisa superar a ideia de ser ela uma
disciplina exclusivamente prática, sem maiores necessidades de reflexões que
questionem o valor de suas atividades para a formação integral da mulher e do
homem brasileiros.

Ainda para o autor, a área se caracteriza por um divórcio de um referencial


teórico que lhe dê suporte como atividade essencialmente – mas não exclusivamente
– prática.

Cientificamente, a Educação Física na crise questionou as bases do seu


conhecimento e necessidade de um estatuto epistemológico que lhe fornecesse
identidade. Parece que as bases científicas de outrora davam sinal de esgotamento.

Foi então que, no que se refere ao plano científico, na tentativa de superar a crise
de identidade, levantou-se a hipótese de que isso só iria acontecer quando houvesse
a sua afirmação enquanto Ciência. Porém, como alerta Bracht (1999), a Educação
Física não apresenta características necessárias para condicioná-la a ser vista como
ciência; estando mais para um campo de aplicação do conhecimento produzido em
outras áreas, do que um campo específico de produção do conhecimento. Afinal, ela
está colonizada epistemologicamente (dependência de outras disciplinas científicas):
[...] essas pesquisas têm sua identidade epistemológica ancorada nas
ciências-mãe e não na EF, ou seja, a EF não é capaz de oferecer/fornecer
uma identidade epistemológica própria a essas pesquisas. A pesquisa
em fisiologia do exercício não é ciência da EF e, sim, ciência fisiológica,
assim como história do esporte não é Ciência do Esporte e, sim, ciência
histórica (BRACHT, 1999, p. 32).

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Segundo o autor, a própria definição do objeto de estudo da Educação Física
é problemática, pois o movimento humano por si só não é um objeto científico.
Objeto científico é algo construído a partir de uma determinada abordagem
metodológica. E como nos mostra Lüdorf (2002), a Educação Física apresenta
abordagens empírico-analíticas, fenomenológico-hermenêutica e crítico-dialéticas
quando foram levantadas as teses e dissertações na década de 1990.

Portanto, podemos perceber que definir a Educação Física enquanto Ciência


não é tarefa fácil e parte da sua crise de identidade vem do desejo de se tornar
ciência. Além disso, a busca por um status acadêmico não para no discurso. Olhar
para a formação em Educação Física nos ajuda a perceber o quanto a área buscou
se legitimar no espaço científico.

Formação Profissional em Educação Física:


Formação Acadêmico-Científica
Para falar de formação e atrelar com o teorizar cientificista em Educação Física,
vamos recordar que a área teve sua herança médico e militar também na sua
formação e na base de conhecimentos da Educação Física.

Os cursos civis de Educação Física apenas surgiram no contexto dos movimentos


educacionais, com a obrigatoriedade da disciplina Educação Física ser ministrada
nas escolas a partir da década de 1930.

Assim, a formação do professor de Educação Física, aquele que irá atuar no


ensino formal, foi pensada e estruturada, porém sem escapar do caráter de curso
técnico, afinal para o ingresso no curso era necessário somente o ensino secundário
fundamental (antigo ginásio).

Com o quadro desenhado, era distante para a Educação Física ganhar um status
acadêmico, pois até sua formação não o legitimava. Também depõe contra a área
o fato da Educação Física, mesmo nos seus cursos de formação, contemplar muito
do saber prático, o saber fazer, na ginástica e no esporte.

Porém, como vimos anteriormente, o teorizar cientificista, decorrente do


fenômeno esportivo que possui importância social e política, impactou na formação
em Educação Física.

Desta maneira, atenta ao fenômeno esportivo e com um novo olhar para


atuação profissional, a Educação Física volta a reestruturar seu curso em 1969
com a ampliação de carga horária e foco na formação do professor de Educação
Física com licenciatura plena, quanto a formação do técnico desportivo (habilitação
obtida simultaneamente à licenciatura, com o acréscimo das matérias desportivas).

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UNIDADE Educação Física e Esporte: Desenvolvimento do Campo Acadêmico

Estudo da vida humana em seus aspectos


celular, anatômico, fisiológico, funcional, Professor de Educação Física
mecânico, preventivo

Estudo dos exercícios gímnico


Educação Física ou de forma
desportivos em seus aspectos físicos,
motores, lúdicos, agonísticos, artísticos (SABERES) concomitante

Estudo das matérias pedagógicas: didática,


Formação Profissional
estrutura e funcionamento do ensino, Técnico Desportivo
(1.800 horas-aula)
psicologia da educação e prática de ensino

Figura 6: Formação Profissional em Educação Física: O programa de 1969


Fonte: Adaptado de Souza Neto et al., 2004

Porém, os investimentos científicos na área com a criação de entidades e eventos


científicos e, principalmente, os cursos de pós-graduação a partir do final da década
de 1970 possibilitou uma maior interação com a comunidade acadêmica.

Neste processo, a Educação Física viu a necessidade de novamente, repensar


sua formação. E isso aconteceu em 1987, ano muito importante para ao pensar a
formação profissional em Educação Física.

Em 1987 aconteceram algumas mudanças substanciais na formação em Edu-


cação Física. Podemos mencionar que a Resolução CFE 03 do mesmo ano pro-
vocou o aumento da carga horária de 1800 para 2880 horas, uma formação
que contemplou conhecimentos humanísticos e técnicos e o aprofundamento de
conhecimentos, etc. Porém, o mais impactante para a área foi a criação do curso
de Bacharelado em Educação Física. Com isso a área buscou uma formação de
professores/profissionais e não de atletas e com isso fugir da vinculação com a
dimensão prática unicamente.
Formação Geral: Humanística e Técnica

Conhecimento Filosófico
Humanística Conhecimento do Ser Humano
Educação Física
(SABERES)
Conhecimento da Sociedade Licenciatura em
Educação Física

Técnico Conhecimento Técnico Formação Profissional


(2.800 horas-aula)

Bacharelado em
Aprofundamento de Conhecimento Educação Física

Figura 7: Formação Profissional em Educação Física: O programa de 1987


Fonte: Adaptado de Souza Neto et al., 2004

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Agora a área têm duas formações, em Licenciatura e em Bacharelado em
Educação Física. Mas por que a criação de outro curso? Uma das justificativas foi a
adequação necessária ao mercado de trabalho.

Porém, podemos pensar que a Educação Física com Licenciatura e Bacharelado


aproxima a área daquelas outras disciplinas que tradicionalmente possuem a mesma
divisão como é o caso da Matemática, da Física, Geografia, História, entre outros.
Essas disciplinas são daquelas ciências mais duras e consolidadas.

Portanto, com a Crise de Identidade, o teorizar cientificista e a busca para se


afirmar enquanto ciência também atinge os currículos de formação profissional em
Educação Física.

São movimentos empreendidos pela a área em busca de uma identidade acadê-


mico, epistemológica e profissional, no qual a chave para desvelar esse processo
está no entendimento da ciência.

Contudo, até por conta do status que a ciência possui na sociedade e


principalmente no meio acadêmico algumas propostas de identidade epistemológicas
foram pensadas, e veio a hipótese para sair da sua Crise de Identidade: a Educação
Física deveria se tornar uma Ciência.

Porém isso é um assunto para outra unidade.

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UNIDADE Educação Física e Esporte: Desenvolvimento do Campo Acadêmico

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Hitler usou as Olimpíadas para fazer Propaganda do Nazismo em 1936
Veja uma reportagem sobre os Jogos Olímpicos de 1936 como um exemplo da pro-
pagando ideológica do nazismo
https://goo.gl/79YVCP
Futebol e Regimes Militares no Brasil e Argentina
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Leitura
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