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ÉTICA E

RESPONSABILIDADE
SOCIAL
ÉTICA E
RESPONSABILIDADE
SOCIAL
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meio sem a prévia autorização desta instituição.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico


da Língua Portuguesa.

AUTORIA DO CONTEÚDO PROJETO GRÁFICO


Valter Forastieri Cova UVA

REVISÃO DIAGRAMAÇÃO
Clarissa Penna UVA
Theo Cavalcanti
Lydianna Lima

C873

Cova, Valter Forastieri

Ética e responsabilidade social [livro eletrônico] / Valter


Forastieri Cova. – Rio de Janeiro: UVA, 2019.

9,4 MB.

ISBN 978-85-5459-056-7

1. Ética. 2. Ética social. I. Universidade Veiga de Almeida.


II. Título.

CDD – 170

Bibliotecária Katia Cavalheiro CRB 7 - 4826.


Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UVA.
SUMÁRIO

Apresentação 6
Autor 7

UNIDADE 1

Moral e ética 8
• Moral

• Ética

• Perspectivas Éticas

UNIDADE 2

A questão ambiental 40
• Visões de ambiente

• Crise ambiental

• Sustentabilidade e sua crítica


SUMÁRIO

UNIDADE 3

Responsabilidade social das empresas 63


• Fundamentos e aplicações da responsabilidade social

• A crítica à responsabilidade social

• A ética e a responsabilidade social

UNIDADE 4

Responsabilidade socioambiental 85
• Análises de iniciativas de responsabilidade social

• Análise de iniciativas de responsabilidade socioambiental

• Elaborando iniciativas socioambientais eticamente fundamentadas


APRESENTAÇÃO

Nesta disciplina, vamos refletir sobre a moralidade na tomada de decisões, seja por um
profissional, seja por uma organização. Iremos abordar a necessidade e as polêmicas
de temas como responsabilidade social e responsabilidade ambiental. Vamos analisar
como uma empresa pode exercer essas responsabilidades com ética.

Para sua formação profissional, discutir ética é fundamental. As profissões costumam


ter seus códigos de conduta para guiar a tomada de decisões. Não será algo raro, em sua
prática profissional, ocorrerem situações em que os valores morais entram em choque.
Como decidir o que fazer?

A busca por uma nova relação com a nossa própria humanidade é outra tensão que paira
sobre as organizações. A responsabilidade social é uma forma de valorizar as pessoas e
a cultura. Porém como fazer responsabilidade social? Será que a responsabilidade social
realmente resolve os problemas das pessoas ou não passa de um marketing social?

Uma empresa deve buscar sustentabilidade, não só no aspecto econômico, mas no


aspecto ambiental. A abordagem desta disciplina o ajudará a analisar de maneira mais
profunda a crise ambiental, desmistificando as visões simplistas amplamente divulgadas
pela mídia. A partir disso, vamos refletir sobre como aplicar a responsabilidade ambiental
nas organizações.

Ética, sustentabilidade, ambiente e responsabilidade são termos que representam


conceitos importantes para a gestão da própria carreira e das organizações. Nesta
disciplina, vamos ampliar nossos horizontes sobre esses temas, no sentido de buscar
uma formação profissional sintonizada com as necessidades impostas pela sociedade
no século XXI.

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AUTOR

VALTER FORASTIERI COVA

Biólogo, mestre e doutorando em Ensino, Filosofia e História da Ciência. Professor da


educação superior desde 2001. Elaborou os Referenciais Curriculares para o Ensino de
Ciências da Natureza dos municípios de Salvador e Camaçari.

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UNIDADE 1

Moral e ética
INTRODUÇÃO

A todo momento, nas nossas vidas, nós tomamos decisões sobre como iremos agir. Em
que se baseiam essas decisões? Todas as pessoas e todas as organizações afirmam que
agem no sentido de fazer o bem, de defender o que é certo. Porém, o que é o bem? O que
é certo para uma pessoa é o certo para outra? No intuito de refletir sobre isso, diversos
termos surgem: moral, ética, valores. Muitas vezes esses termos são empregados como
sinônimos, porém eles têm significados distintos. Nas diretrizes curriculares dos cursos
de graduação, geralmente aparece, no perfil desejado do egresso, “o profissional que aja
pautado pela ética”. O que isso significa?

OBJETIVO

Nesta unidade você será capaz de:

• Conhecer os diversos modelos éticos que orientam a tomada de decisão so-


cioambiental.

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Moral

Para discutir questões morais nas organizações e a relação dessas questões com a
realidade social e ambiental em que vivemos, vamos iniciar analisando um caso histórico.

Durante a Revolução Industrial, surgiu a necessidade de aumento de mão de obra para


operacionalizar as fábricas. A busca por trabalhadores de baixo custo fez as empresas
admitirem, com pagamentos muito inferiores aos dos homens, as mulheres e as crianças.
As crianças trabalharem não era um fato histórico novo, pois no decorrer da história da
humanidade elas já foram mão de obra, a depender das necessidades da economia de
cada época.

O que irá marcar o uso do trabalho da criança nessa época será a insalubridade. Meninos
e meninas serão expostos a atividades de risco, tal como entrar em máquinas para
lubrificá-las. Nessa prática, aconteciam acidentes, resultando na mutilação ou morte da
criança. Além disso, as condições precárias de higiene do local de trabalho, a jornada de
mais de 12 horas e a alimentação deficitária também vitimavam as crianças.

Analise a descrição que o filósofo Karl Marx faz das condições de trabalho das crianças
no período:

[...] milhares de braços tornaram-se de súbito necessários. [...]


Procuravam-se principalmente pelos pequenos e ágeis. [...]
Muitos, milhares desses pequenos seres infelizes, de sete a treze
ou quatorze anos foram despachados para o norte. O costume
era o mestre (o ladrão de crianças) vesti-los, alimentá-los e alojá-
los na casa de aprendizes junto a fábrica. Foram designados

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supervisores para lhes vigiar o trabalho. Era interesse destes
feitores de escravos fazerem as crianças trabalhar o máximo
possível, pois sua remuneração era proporcional à quantidade de
trabalho que deles podiam extrair. [...] Os lucros dos fabricantes
eram enormes, mais isso apenas aguava-lhes a voracidade
lupina. Começaram então a prática do trabalho noturno,
revezando, sem solução de continuidade, a turma do dia pelo da
noite o grupo diurno ia se estender nas camas ainda quentes que
o grupo noturno ainda acabara de deixar, e vice e versa. Todo
mundo diz em Lancashire, que as camas nunca esfriam. (MARX,
1988, p. 875-876)

A situação que descrevemos acima, com apoio da citação de Marx, foi encarada com
muita tranquilidade durante muitos anos. Será que hoje nós a encararíamos como
normal? Ela provocaria revolta na sociedade?

Apesar de sabermos que ainda existem situações de trabalho análogo à escravidão no


Brasil e que ainda existe exploração do trabalho infantil, essas práticas são amplamente
condenadas e consideradas imorais. Isso quer dizer que vão contra a moral vigente. Então,
podemos enquadrar nosso caso analisado (o trabalho infantil) como uma questão moral.

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Para refletir

Entretanto, o que significa moral? Quando podemos afirmar que algo está
dentro da moral?

A moralidade é um campo do estudo da filosofia. O termo moral tem origem do latim,


da palavra romana moralis. Essa palavra significa algo semelhante às nossas palavras
“hábitos”, “costumes”.

A moral engloba um conjunto de valores, de regras de conduta, de normas de convivência


que fazem parte de um determinado contexto social em um hábito cultural.

Em uma definição simples, de dicionário, a moral consiste em: “Preceitos e regras que,
estabelecidos e admitidos por uma sociedade, regulam o comportamento de quem dela
faz parte” (MORAL..., 2018).

Perceba que, ao discutir moral, o termo sociedade é palavra-chave para o entendimento


desse conceito. A moral é um fenômeno social, ela é produzida pelas sociedades. Toda
sociedade produz uma moral, então cuidado, pois não existem grupos humanos sem
uma moral. A questão é: será uma moral igual à da nossa sociedade?

Entendida como produção das sociedades, a moral mostra-se completamente


relacionada à cultura. Então, a moral é um produto da cultura vigente. Por que vigente?
Porque a cultura muda com o passar do tempo. A cultura não é estática. Às vezes as
pessoas se referem a um problema da seguinte forma: “[...] é algo cultural, não vai mudar,
não tem jeito.” Essa é uma afirmação errada. Cultura não é algo cristalizado, ela está
em produção a todo momento e recebe influências de diversos fatores que tensionam
a sociedade (econômicos, políticos...). Então, se a cultura muda com o tempo, a moral
também vai mudar com o tempo.

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A relação da moral com a cultura pode ser simplificada ao pensarmos que há coisas que
culturalmente nós podemos fazer na atualidade e há coisas que nós não podemos fazer.

Para entender melhor a componente temporal da moralidade, vamos voltar ao nosso


exemplo do trabalho infantil. Na época da Revolução Industrial, era parte da moralidade
da época usar a criança no mundo do trabalho. Era considerado normal, não era imoral.
A cultura dessa época era outra, então a moral era outra. Para entendermos isso (algo
que é difícil aos olhos de alguém do século XXI), temos que saber que nos tempos da
Revolução Industrial não existia o conceito de infância. Crianças eram consideradas
adultos em miniatura.

Diversos fatores tensionaram para a mudança cultural e, consequentemente, a mudança


da moral. Os trabalhos de uma nova ciência, a psicologia, com as contribuições de
Sigmund Freud, que inicia a psicanálise, começam a indicar que a criança possui uma
mente muito diferente da mente do adulto. Diversas outras correntes da psicologia
acumulam evidências que derrubam a ideia do adulto em miniatura. O avanço das ciências
naturais relacionando as más condições de higiene e trabalho às doenças e aos óbitos
foram influências para o combate à insalubridade. Os movimentos dos trabalhadores,
que, fartos de tanto sofrimento, começam a reagir, também foram decisivos para a
estruturação de uma nova cultura. Essa teia intricada de fatores acabou por abalar a
cultura da época, resultando em uma nova moralidade.

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Poderíamos considerar, hoje, que uma organização que se vale do trabalho infantil age
de acordo com a moral? Claro que não. Na nossa cultura, hoje, o trabalho infantil é
indefensável (não pode ser defendido), é imoral.

A maioria dos filmes que retratam épocas passadas distorcem a história, justamente por
não levarem em conta que a moral muda de acordo com a época. Como o público não
entenderia a cultura e, por consequência, a moral da época, o que esses filmes fazem
é recriar um antigo Egito, Roma ou Idade Média com a moral da nossa sociedade, uma
distorção.

Até o início do século XX, as famílias entregariam uma menina de 12 anos para se casar
com um homem de 60 anos. Toda sociedade ficava contente com isso, não abalava a
moral da época. Na atualidade, temos o conceito de infância, e com isso uma questão
moral surgiu, a pedofilia. No nosso mundo, não é certo que uma criança de 12 anos
case com um adulto; é uma exploração sexual, é pedofilia, algo imoral, algo indefensável.
Como o estudo da moral orienta a produção de leis, podemos acrescentar ainda que a
pedofilia é um crime. Contudo, perceba: a moral não é lei escrita, ela inspira a elaboração
de leis.

Na Grécia Antiga, a escravidão era vista com naturalidade, pois não existia a ideia de
que as pessoas eram iguais, logo não havia problema que algumas não tivessem direito
à liberdade. A prática da tortura foi considerada como normal por toda a Idade Média e
parte da Idade Moderna. Na sociedade atual, é considerada uma prática imoral.

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Ainda explorando a relação entre moral e cultura, devemos levar em conta que a moral não
só varia no tempo como no espaço. Há grupos culturais diferentes espalhados pelo mundo.

A moral ocidental é essencialmente monogâmica, mas em alguns países de cultura


muçulmana é permitido que os homens possuam mais de uma esposa, desde que
possam sustentá-las. Isso é perfeitamente moral para essas sociedades. O casamento
por interesse econômico, também considerado imoral, já foi perfeitamente moral na
nossa sociedade no passado e continua a ser em outras sociedades atuais. Algumas
sociedades indianas veem como imorais a prática de matar animais, tão comum em
nossa sociedade.

Ainda ressaltando o aspecto social da moral, não podemos usar o termo imoral para
indivíduos; não existe pessoa imoral, pois todo indivíduo é parte de uma sociedade e de
uma cultura, toda pessoa internaliza uma cultura, logo internaliza uma moral.

Apesar de os valores morais diferirem nas sociedades, existem alguns valores que são
apresentados como “universais”, presentes em quase todas as sociedades do mundo,
como o princípio da liberdade. Alguns desses valores são tão primordiais que estão
previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Então, alguns valores morais
podem orientar a produção de direitos.

Entendemos o conceito de moral como aquilo que se consolidou como sendo verdadeiro
para uma sociedade ou para uma cultura. Podemos relacionar moral com dois termos:
liberdade e responsabilidade.

Um comportamento moral é aquele que se expressa em liberdade. Não podemos dizer


que alguém agiu de forma moral se essa pessoa foi forçada a fazê-lo.

Vamos tomar o seguinte exemplo, dado pelo filósofo Clovis de Barros Filho, no conteúdo
apresentado na midiateca. Imagine uma pessoa em uma banca de jornais. O jornaleiro saiu
e deixou a banca aberta. A pessoa quer pegar um jornal. Ela pode pegar e não pagar, pois
não há testemunhas, não há câmeras e não haverá punição. Ela também poderá deixar o
dinheiro na banca e levar o jornal. A moral da nossa sociedade nos diz para não roubar.
O comportamento da pessoa de deixar o dinheiro ao pegar o jornal só será considerado
moral se for exercido assim, com liberdade, sem coerção, sem ser forçado ou por medo
de punição. Caso alguém coloque o dinheiro apenas porque se não o fizer vai poder ser
punida, esse não será um comportamento moral, pois não aconteceu em liberdade.

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A responsabilidade pelo comportamento também depende da liberdade. Ninguém pode
ser responsabilizado por um comportamento se foi forçado a fazê-lo; quando se perde a
liberdade, não há responsabilidade moral. Como afirma Leclerq (1967, p. 376), “os atos só
têm caráter moral na medida em que nele intervém a liberdade; e seu caráter moral diminui
na proporção que diminui a intervenção do livre-arbítrio”.

É considerado AMORAL um sujeito que não consegue internalizar a moral da sociedade.


Uma criança pequena ainda não passou por todo o processo de aquisição cultural, logo
não é capaz de entender a moral da sociedade. Outros casos seriam pessoas com doenças
mentais ou com deficiência intelectual mais grave. Fora esses casos, não podemos
dizer algo do tipo “essa pessoa é sem moral”, pois todos participamos da sociedade e
internalizamos a moral dessa sociedade.

Entendendo a moral como fruto da cultura de um grupo social, podemos pensar nos
valores morais de uma organização. As organizações são sociedades, com sua própria
cultura — a cultura organizacional. Uma empresa sustentável está alicerçada em valores
como honestidade, responsabilidade social, integridade, inovação, sustentabilidade,
transparência, inteligência, inspiração, flexibilidade, entre outros. Esses princípios são
compartilhados desde os superiores hierárquicos até todos os trabalhadores da empresa.
Como são morais, são culturais, devendo ser exercidos em liberdade, e não por coerção.

O fato de existir uma moral na sociedade não significa dizer que todos irão segui-la o tempo
todo. O que orienta as tomadas de decisão sobre a moral? Como fazemos os julgamentos
morais? O que fez o sujeito deixar o dinheiro para o jornaleiro seguindo a moral? Por que outro
sujeito levou o jornal e não pagou? Quando nos perguntamos isso, estamos nos deslocando
do campo da moral para o campo da ética, que será o objeto do próximo tópico.

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Ética

“O homem quando guiado pela ética é o melhor dos animais, quando sem ela, é o pior de todos.”
(Aristóteles)

Ética é a parte da filosofia que reflete sobre as ações humanas, sobre o que fundamenta
essas ações. Apesar de esse tipo de estudo ter aparecido, independentemente, em várias
culturas na Antiguidade (nos impérios africanos e asiáticos), a ética originada pelos
gregos antigos é a mais conhecida. Provavelmente, os gregos aprenderam elementos de
ética em contato com outros povos e a desenvolveram.

Uma das visões mais antigas sobre ética de que se tem registro é a do filósofo Aristóteles.
Ele estabelece que o objetivo das ações humanas, de todo o trabalho da humanidade, é
o bem. A busca pelo bem seria o que diferenciaria a ação dos homens das dos outros
animais. Os animais apenas repetiriam ações inatas ou que aprenderam, sem o objetivo
de chegar a um bem. Todavia, o que seria esse bem? Para Aristóteles, o bem maior seria a
felicidade. O bem viver e o bem agir resultariam em ser feliz. O problema desse raciocínio,
que Aristóteles percebeu, é que aquilo que é felicidade para uns não é exatamente
considerado felicidade para outros.

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Porém, havia uma certa regularidade; grupos sociais estabeleciam o que é o bem e
o que é a felicidade. Acabamos por partilhar noções parecidas de “fazer o bem” com
as pessoas que vivem sob as mesmas influências que nós: mesma religião, educação
familiar semelhante etc. são as noções de moral.

Um elemento essencial para a compreensão da ética é a razão. Somos capazes de pensar


sobre nossas ações, de planejá-las, somos diferentes dos animais, pois realizamos
escolhas e julgamos o valor dessas escolhas. A ética é a ciência que faz a reflexão sobre
a moral. Por julgar diferentes posições de acordo com a moral, ela é uma interpretação
da moral. Então, a racionalidade é uma palavra-chave para o entendimento da ética. Veja
como Marx abordou essa questão:

Uma aranha executa operações que se assemelham às manipulações


do tecelão, e a construção das colmeias pelas abelhas poderia
envergonhar, por sua perfeição, mais de um mestre de obras. Mas há
algo em que o pior mestre de obras é superior à melhor abelha, e é
o fato de que, antes de executar a construção, ele a projeta em seu
cérebro. (MARX, 1988, p. 149)

Como é o indivíduo que interpreta a moral, ele utilizará sua racionalidade para planejar
suas ações. Existe uma norma moral que diz que é errado beber e dirigir, então os
indivíduos irão interpretar essa regra e decidir se irão ou não dirigir após beber. Para essa
tomada de decisões, eles podem focar as consequências das ações.

A ética está ligada à opção; as pessoas optam por um ou outro comportamento. A ética
orienta a conduta humana. Ela norteia nossa vida e a convivência entre as pessoas.

Em entrevista à Rádio EPC, foi perguntado ao filósofo Mario Sergio Cortella qual o limite da
ética. O entrevistador relatou que, por ética, aquela rádio não dá noticias sensacionalistas,
que, por ética, eles também não ofereciam contratos a empregados de outras rádios, mas
que, como as outras rádios faziam, eles se prejudicavam. Qual seria o limite da ética?

A resposta foi: “O limite da sua escolha.” Nessa resposta, captamos um dos elementos
essenciais para a compreensão da ética: a opção racional, as escolhas, as decisões que
tomamos. Não é pelo fato de o outro agir de forma errada que nós também devemos agir.

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Vejamos como Álvaro Valls reflete sobre a ética:

Tradicionalmente ela é entendida como um estudo ou uma reflexão,


científica ou filosófica, e eventualmente até teológica sobre os
costumes ou sobre as ações humanas... A ética pode ser o estudo
das ações ou dos costumes, e pode ser a própria realização de um
comportamento. (VALLS, 2008, p. 18)

Então, seria a ética sinônimo de moral? Não! A moral, como vimos no tópico anterior, é
um conjunto de noções, um conjunto de normas ou um código determinado do que é
certo ou errado produzido por uma cultura, que deveria orientar a conduta das pessoas
em uma sociedade.

O ser humano, como ser social, está submetido às normas morais. No entanto, não somos
apenas coletividade, temos uma visão, uma interpretação, uma crítica dos construtos
sociais. Nós interpretamos e/ou criticamos a moral. Há uma tensão na existência
humana entre o ser de hábitos culturais e o ser autônomo, que toma decisões, que é livre
e responsável pelos seus atos. Nós somos esses dois seres ao mesmo tempo.

Na obra de Sigmund Freud, O mal-estar da civilização, o psicanalista aborda essa


dualidade dos seres humanos. Por um lado, temos as regras de conduta da sociedade,
representadas pela moral. Por outro lado, temos nosso lado animal, que busca satisfação,
prazer. Muitas vezes, os interesses dessas duas partes irão colidir. Será necessário
administrar esse conflito, julgar até que ponto devemos seguir a moral ou satisfazer
nossas necessidades.

A ética nasce do conflito entre heteronomia (hetero = “diferente”; nomos = “lei”),


representada pela moral, e autonomia (autos = “próprio”; nomos = “lei”), nossa capacidade
de racionalizar criando nossas leis.

Vamos imaginar a situação de um rapaz que está com pouco dinheiro para as despesas
de casa. Ao sair do trabalho, ele, acidentalmente, bateu com sua moto no retrovisor de um
carro que estava no estacionamento. Ninguém viu. Ele terá que tomar uma decisão: ou ele
seguirá a moral, que nos orienta a pagar por aquilo que nós quebramos, ou ele sairá dali
e economizará o já pouco dinheiro que tem. O que fazer? Ele irá usar sua racionalidade
para fazer um julgamento sobre a moral e tomar uma decisão, realizará uma ação.

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Perceba que ética não é sinônimo de valor, não é a mesma coisa que valores como
honestidade ou integridade. Esses valores podem servir de referência para a tomada de
decisão, para o julgamento da moral.

A ética, como ciência, estuda os fatos morais. O fato moral acontece quando você tem
os agentes (pessoas), que tomam decisões, fazem escolhas e realizam ações, com base
nessas escolhas, que impactam a vida de outras pessoas. Esse impacto na vida dos
outros pode ser positivo ou negativo. A ética vai explicar esses fatos morais. Veja o caso
do rapaz da moto: a decisão tomada por ele irá impactar a sua própria vida e também a
vida do dono do carro que ele quebrou a lanterna.

Ao analisar a questão ambiental brasileira, Nelson Tembra (2009) afirma que a falta de
ética é o centro do problema ambiental do país. Um dos casos que o autor utiliza para
ilustrar seu raciocínio é a construção de hidrelétricas. Sobre a construção da hidrelétrica
de Barra Grande, o autor aponta que o Estudo de Impacto Ambiental – EIA:

[...] foi elaborado por uma empresa, que, surpreendentemente, mentiu


sobre a composição vegetal da área submersa pela barragem. No
EIA foi dito que a área comportava somente capoeiras e capoeirões,
estágios de sucessão ecológica que não são protegidos por lei. Ocorre
que, de fato, metade da área era composta por vegetação primária, ou
seja, que nunca havia sido derrubada pelo homem ou áreas em que
se encontrava em estágio avançado de regeneração. Como sabemos,
essas duas últimas formações são protegidas por lei, mas o Ibama,
órgão responsável por vistoriar o estudo e verificar se ele estava
correto, não apurou essas irregularidades. (TEMBRA, 2009)

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Na citação anterior, temos duas ações que são objeto para o estudo da ética. Uma
empresa que coloca informações falsas em um relatório e um órgão que não vistoriou
as irregularidades. Podemos inferir sobre algumas pressões que levaram o órgão a não
cumprir sua função, desde falta de pessoal a pressões de outros setores do governo. O
que pode ser compreendido na análise sobre a ação é que:

[...] o Ministério de Minas e Energia comemorou mais essa mega-


hidrelétrica como mais uma obra que aceleraria o crescimento
econômico do país, mas não o desenvolvimento social. De fato,
a construção dessa hidrelétrica, como todas as demais, só foi
possibilitada pela alegação, por parte do poder público, de que ela era
de interesse público. (TEMBRA, 2009)

O fato de ser “de interesse público” vem permitindo a construção de hidrelétricas


e minerações, inclusive na região da Amazônia, prejudicando os povos indígenas
e as populações ribeirinhas. O autor apresenta a cadeia de raciocínio ético que
convencionalmente é atribuída a esses empreendimentos:

Essa cadeia é estabelecida simplesmente perguntando-se o porquê


de cada ação. Então, começando pelo fato ‘foi construída uma usina
hidrelétrica que irá inundar uma grande floresta’. Por quê? ‘Pois se
considera que a energia elétrica gerada é importante’. Por quê? ‘Pois
com energia elétrica a economia do país pode crescer, e o crescimento
econômico é algo importante’. Por quê? ‘Pois crescendo a economia,
o país tem mais dinheiro, e ter dinheiro é importante’. Por quê? ‘Pois
dinheiro traz felicidade’. Em se chegando nesse ponto, não cabe
mais perguntar ‘Por quê?’. Não faz sentido perguntar por que se quer
ser feliz. O que se pode perguntar é o que é e a quem pertence a tal
felicidade, já que é isso que determina toda a escala de valores. Em se
assumindo que o dinheiro traz felicidade, fica então justificada a ação
da construção da barragem. (TEMBRA, 2009)

Ao analisarmos esses casos, verificamos as perdas para o ambiente, tais como os


serviços ecossistêmicos prestados pela floresta (que envolvem manutenção da saúde
por controle de parasitos, captura de gases do efeito estufa etc.), as perdas para as
populações locais, o ganho irrisório para os operários e o fato de normalmente se tratar
de empresas multinacionais, cujo lucro será destinado a seus acionistas estrangeiros.

21
Para refletir

Ao pensarmos na situação de usinas como a de Belo Monte, cujo estudo dos


impactos negativos pelos especialistas resultou em mais de 200 páginas de
descrição de prejuízos ambientais, podemos pensar em que princípios morais
se baseia essa ética? Como fazer a justificativa para as decisões?

[...] a justificativa ética da obra ficaria mais complicada, já que,


para tanto, o sistema de valores assumido deveria considerar
lícito sacrificar um bem público, o meio ambiente, em nome
de um bem privado, o lucro de algumas megacorporações
multinacionais. Isso só seria factível se assumíssemos que o
correto é que quem pode mais, ou quem possui mais poder, use
todos os meios que considere cabíveis, possíveis, impossíveis,
imagináveis e inimagináveis para perseguir seus interesses, doa
a quem doer. (TEMBRA, 2009)

Para refletir

Ou, ainda, imagine o seguinte dilema: é ético roubar um medicamento que é caro
demais para ser comprado no intuito de salvar uma vida? Ou seja, qual valor deve
prevalecer, o valor vida ou o valor propriedade privada?

Para guiar nossos julgamentos éticos, temos que adquirir o código de valores que regem
a nossa sociedade. Por exemplo, no Brasil, temos que conhecer a Constituição, pois lá
estão explicitados os valores morais nacionais. Vejamos o artigo 1º.

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Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado democrático de direito e tem como
fundamentos:

I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político. (BRASIL, 1988)

Tendo a dignidade da pessoa humana como valor moral, fica claro que todo ser humano,
sem distinção, merece tratamento digno. Então como agir perante os outros? Como agir
eticamente? Agir sempre de modo a respeitar, a não humilhar, a não discriminar, seja em
relação à sexualidade ou à etnia. Com esses valores morais estabelecidos, surgem os
comportamentos inaceitáveis. A discriminação por etnia será o racismo, a discriminação
por gênero será o machismo. Esses conceitos (racismo, machismo) não existiam em
sociedades antigas que não tinham a dignidade da pessoa humana como valor moral.
Da mesma forma, a escravidão e a tortura tornam-se práticas indefensáveis.

O valor moral pluralismo político, apresentado na Constituição, informa-nos que na nossa


cultura as pessoas devem ter liberdade de defender suas ideias políticas, de expressá-
las e defendê-las, sem sofrer censura ou sanções por causa disso. Essa liberdade de
expressão política encontra seu limite nas posições que se baseiam, por exemplo, em
racismo ou machismo, pois elas ferem o valor moral da dignidade da pessoa humana.
Logo, discurso de ódio não é opinião política.

Agora que estabelecemos o papel dos valores morais para a tomada de decisão,
precisamos de modelos que orientem essas ações toda vez que os valores morais
entrarem em conflito entre si ou com as circunstâncias da nossa vida. O próximo tópico
abordará os modelos éticos.

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Perspectivas Éticas

Quais os modelos produzidos pelo estudo da ética que orientarão a nossa


tomada de decisões?

Dália Conrado (2017) realizou uma ampla revisão sobre as perspectivas éticas. Segundo
a autora, podemos distinguir duas perspectivas sobre a noção de valor, com base na
literatura em filosofia moral. Uma perspectiva avalia o valor da ação humana, enquanto a
outra avalia o valor dos sujeitos e objetos no mundo.

A perspectiva ética do valor das ações humanas

Essa primeira perspectiva é centrada no agir, sendo a ação o foco da análise, ou seja,
a conduta humana; assim, nesse campo, a discussão será sobre os critérios utilizados
para atribuir valor moral à ação. Será que uma ação realizada é certa? Fizemos algo
bom ou ruim, recomendável ou não recomendável? Com isso, guiamo-nos no sentido de
entender se esse tipo de ação deve ou não ser realizada.

Essa perspectiva ética busca as razões, os critérios, os argumentos que fundamentam a


ação, ela se preocupa em entender os porquês de uma pessoa cometer uma determinada
ação. As perguntas que guiam essa perspectiva são: com base em que critério pode-se
atribuir valor à ação? Ou: por que devo/devemos agir de um certo jeito?

A busca por essas respostas está na base das três principais tradições éticas da filosofia
moral ocidental: 1) a ética das virtudes; 2) o utilitarismo; e 3) a deontologia.

Vamos submeter a esses três modelos o estudo de um caso proposto por Becket (2012).
Uma jovem necessita de transplante de rim. Seu pai, ao mesmo tempo que quer doar,
tem muito medo de fazer a cirurgia e morrer. Apesar de ser compatível com a filha, sua
saúde não é muito boa. Com vergonha de ser recriminado pela sociedade, por seu medo
de doar, o pai confessa ao médico que é compatível com a filha, mas pede a ele que
minta quanto à compatibilidade dele com a filha.

• Deverá o pai doar o rim?


• Deverá o médico mentir?

Conheceremos os modelos e, em seguida, analisaremos como agir eticamente em cada um.

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A ética das virtudes

Diferentemente das demais éticas ocidentais, a ética das virtudes não foca a conduta das
pessoas, mas sim o caráter. O fato de essa ética ser tão diferente é explicada pela cultura
da época em que foi produzida. Para os gregos, o mundo era estável e estático; as coisas
no universo, inclusive nós, ocupariam sempre os mesmos lugares e fariam sempre as
mesmas coisas. Como dito em um tópico anterior, a escravidão era justificada, pois havia
pessoas cujo lugar natural era dominar e outras cujo lugar natural seria servir. Em um
mundo desse tipo, a ética produzida tentava captar algo que fosse intrínseco às pessoas,
nesse caso as virtudes.

Anscombe (1958) explica que, na visão de Aristóteles, a virtude é um traço de caráter que
só pode ser percebido na forma habitual de agir de uma pessoa. A ideia de “habitual” é
central para o entendimento da ética aristotélica. Só o que é costumeiro, comum, ação do
dia a dia, que irá caracterizar a pessoa como virtuosa ou não. Analisaremos o caso do ser
honesto. A virtude da honestidade só é atribuída a pessoas que sempre falam a verdade.
Ela não pode ser atribuída a pessoas que só falam a verdade ocasionalmente ou só são
verdadeiras se isso trouxer alguma vantagem. O mundo de Aristóteles é um mundo de
índoles inatas. A pessoa honesta é, por natureza, sempre verdadeira; é algo intrínseco,
interno ao ser. Algumas pessoas teriam um caráter firme e inabalável.

Os vícios, assim como as virtudes, são também traços de caráter que se apresentam
nas ações rotineiras. Então, virtude é um traço de caráter bom, que se apresenta nas
ações habituais. As virtudes morais são: afabilidade, autoconfiança, autodisciplina,
benevolência, compaixão, civilidade, coragem, cortesia, equidade, generosidade,
honestidade, justiça, lealdade, moderação, paciência, prudência, ponderação, sensatez,
tolerância (ANSCOMBE, 1958, p. 308).

De acordo com Aristóteles, as virtudes são o meio-termo entre extremos: a virtude é


“o meio-termo por referência a dois vícios: um de excesso e outro de carência”. A
generosidade, por exemplo, é a disponibilidade para gastar os nossos recursos no auxílio
aos outros. Aristóteles afirma que é um meio-termo entre dois extremos: situa-se em
algum lugar entre a avareza e a extravagância.

Os extremos seriam os vícios: vício – virtude – vício. Então, teríamos: avareza –


generosidade – extravagância. Se pensarmos na questão da coragem, ela se situaria
entre a covardia (um vício por não nos dar suporte para enfrentar as situações da vida) e a
temeridade (algo que beira a inconsequência; o sujeito não tem senso de autopreservação
e enfrenta tudo que aparece). A honestidade, também como virtude, seria o caminho do

25
meio entre dois vícios, pois, em um extremo, estaria a desonestidade, manifestada por
mentir o tempo todo, e, no outro extremo, a dureza de dizer a verdade mesmo quando
isso favorecer a injustiça.

A ética das virtudes faz referência às qualidades necessárias às pessoas para uma boa
conduta, voltada a uma vida boa. Desde a perspectiva aristotélica sobre as virtudes, é
importante avaliar o encaixe de cada ser humano no todo social. Por isso, podemos
dizer que essa é uma ética acerca da função ou do papel que cada ser humano cumpre
no todo social de que é parte. Lembre-se de que no mundo grego esses papéis eram
estáticos, pois não havia mobilidade social. Para essa tradição, a pergunta sobre “o que
se deve fazer?” terá como referência o que um agente considerado virtuoso faria.

Quanto ao estudo do caso da doação do órgão, sob esse modelo ético, temos que:

• A decisão do pai está relacionada a seu caráter, dividido entre a covardia (vício) e a
solicitude (virtude), mas o vício suplantou a virtude. Então é eticamente condenável o
caráter do pai, por não ser virtuoso.
• O médico está em um dilema: por um lado, está sua integridade moral, a virtude da
sinceridade; por outro, está a solicitude, ajudar o pai da jovem a não ser estigmatizado.
Ele poderia encontrar um meio-termo e dizer que, por razões médicas, o pai não iria
doar. Seria uma meia-verdade.

A ética consequencialista

As éticas que surgem na Idade Moderna são influenciadas pelo desenvolvimento das
ciências da natureza. Sendo assim, o mundo não é mais estático, e não existe aquela
ideia de cosmo ordenado em que tudo e todos têm seu lugar natural. Nessa nova cultura,
surgem novas formas de avaliar a moral, ou seja, surgem novas éticas. O foco dessas
novas éticas não será o caráter, pois as pessoas podem variar a forma como agem, mas
sim a conduta.

Um grupo dessas éticas é chamado de consequencialismo, pois aqui o que importa é a


consequência da ação que será feita. Então, vamos julgar a validade moral de uma ação
de acordo com os resultados que essa ação vai provocar.

A ética utilitarista foi a principal corrente do consequencialismo, cujos teóricos de maior


destaque foram Bentham (século XVIII) e Mill (século XIX). Para eles, uma ação é boa
quando ela tem uma consequência que maximize o bem. Esse bem é medido em

26
termos de felicidade, de prazer, ou por formas de evitar a dor para o máximo possível de
envolvidos. É uma ética altruísta: não se pensa só no bem de quem realiza a ação, mas
de quanto benefício essa ação trará a outras pessoas.

Nicolau Maquiavel desenvolveu uma ética consequencialista oposta ao utilitarismo.


Ainda focado nas consequências, ele estabelece que: “Os fins justificam os meios.” Para
conseguir um determinado objetivo, qualquer ação seria considerada moralmente válida.
O discurso de Maquiavel visava justificar as ações dos governantes europeus (guerras,
exploração do povo etc.). É considerada uma ética egoísta.

Vamos contextualizar com um exemplo atual: uma empresa estabelece uma meta de
vendas quase absurda para um funcionário do banco. Para atingir essa meta, ele pensou
e vai mentir para alguns clientes vendendo produtos que não servem para eles. Segundo
o consequencialismo maquiavélico, o fim justifica os meios, então pode ser feito. Já para
o utilitarismo de Benthan, isso trará tristeza para muita gente, então não é certo fazer.
Veja que temos aqui uma típica situação de aplicação da ética: uma situação que choca
com os princípios morais e uma ação que precisa ser tomada.

No caso do transplante para a jovem, a ética utilitarista pesaria o maior benefício possível.
Como o risco de morte para o doador é sempre baixo e há chances de a jovem viver após
o transplante, a decisão certa é que o pai doe.

Para o médico, se o pai se recusa a doar, ele deve pensar no que traria maior conforto e
felicidade para a família. Certamente não seria denunciar a covardia do pai. Então, por essa
ética, o médico deveria mentir, pois a mentira em si não é um problema moral, uma vez que
isso depende das consequências dela. No caso, deveriam ser consequências benéficas.

Ética deontológica

A ética deontológica, cujo representante máximo na modernidade foi Kant, nos séculos
XVIII e XIX, afasta-se das anteriores na sua análise das ações, por não buscar critério para
a justificação das ações, seja nas suas consequências (como os consequencialistas) ou
nas virtudes dos agentes (como na ética das virtudes).

27
Para Kant, uma ação moral teria que ser executada no sentido do dever, e não apenas
como resultado de uma inclinação, de um sentimento ou de qualquer tipo de benefício
para o seu autor.

Sendo assim, doar dinheiro por caridade, movido por sentimentos de compaixão pelos
mais necessitados, não seria considerada necessariamente uma ação moral, pois foi
movida por sentimentos, e não pelo sentido do dever. Doar dinheiro aos pobres pensando
nas consequências, tal como aumentar a popularidade, também não será uma ação
moral, pois não está focado no dever.

Para agir moralmente, é necessário focar a motivação da ação, e essa motivação tem que
ser o sentido de dever. Para Kant, a motivação é mais importante do que a própria ação,
ou do que as consequências da ação. Ele justifica o foco no sentido do dever, pois focar as
consequências é algo incerto. Será que nós temos um panorama real das consequências
de nossos atos? Em várias situações é impossível saber quais as reais consequências
do que fizemos. Essas consequências podem demorar muito a acontecer ou podem
acontecer de forma discreta, de modo que nós não percebemos que causamos um dano
ou benefício a alguém.

Imagine a situação de alguém que viu que uma criança estava se afogando. Ao tentar salvar
a criança, essa pessoa acabou por contribuir que ela se afogasse mais rapidamente. Para
Kant, a ação dessa pessoa ainda seria uma ação moral, a despeito da consequência trágica,
se essa pessoa praticou a ação movida pelo sentido de cumprir o dever de salvar vidas.

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Kant acreditava que, como seres humanos, temos certos deveres, e tais deveres são
absolutos e incondicionais. Devemos sempre dizer a verdade e nunca matar ninguém.
Esses deveres são válidos independentemente de que consequências possam trazer.
Esses deveres são os imperativos categóricos.

Para entender esse modelo ético, três aspectos devem ser salientados.

Primeiro, a moral é universal, então a lei moral é a mesma para todos os sujeitos. Um
imperativo categórico é aquele dever que pode ser aplicado a todas as pessoas.

Segundo, o sujeito moral (a pessoa) tem o dever de usar sua racionalidade para ignorar
ou mesmo contrariar as suas inclinações ou os seus interesses individuais por respeito
à lei moral.

Por fim, o sujeito moral é a pessoa, fim em si mesmo, e nunca pode servir de meio ou de
instrumento para ação de outrem.

No modelo ético deontológico, o caso do transplante seria visto de forma muito diferente
dos modelos anteriores.

• O pai não tem o dever de doar o rim, pois esse dever não é universal para toda a
humanidade. Há tantas pessoas que não podem doar. Um dever, para ser imperativo
categórico, tem que ser universal. Obrigar todas as pessoas a doar as transformaria em
meios para a felicidade dos outros; os seres humanos não podem servir de meios, eles
são fins em si mesmos. Os sentimentos de compaixão, amor etc. não teriam nesse
modelo qualquer valor moral.
• Para o médico, o dilema é insolúvel. Por um lado, ele tem o dever de não mentir. Por
outro, ele tem o dever, de todo médico, de preservar o segredo contado pelo paciente.

A perspectiva ética ligada ao valor dos objetos

Nessa outra perspectiva, os modelos éticos irão focar o valor dos objetos de consideração
moral. Ou seja, se o objeto é digno ou indigno, merecedor ou não, de consideração moral,
e, nesse sentido, se tem valor intrínseco ou não.

Na perspectiva anterior, nós nos preocupávamos muito com a pessoa que faz a ação,
que chamamos de sujeito moral ou agente moral. Nessa perspectiva, precisamos refletir
sobre quem sofre a ação, ou seja, os pacientes morais, também denominados de objetos.

29
Essa segunda perspectiva é importante porque as teorias morais não explicitam, por si
mesmas, os envolvidos, isto é, os seres com os quais devemos nos preocupar quando
formulamos juízos éticos sobre o valor das nossas ações, e quando agimos. Assim, de
uma forma resumida, trata-se de definir interesses de quem ou o que se deve levar em
conta nas decisões e ações em que cabem juízos morais, pelos agentes morais.

A pergunta que se coloca nessa perspectiva é: quem ou o que tem valor


intrínseco e quem ou o que tem valor extrínseco?

Aqui, utilizaremos três modelos éticos: o antropocentrismo, o biocentrismo e o


ecocentrismo.

ÉTICA AMBIENTAL

Antropocentrismo Não antropocentrismo

Biocentrismo

Ecocentrismo

A perspectiva antropocêntrica assume que somente os seres humanos merecem


consideração moral e somente ações que afetam os humanos merecem um exame
moral. Sumariamente, a espécie humana possui valor intrínseco, um valor atribuído a
algo por sua própria natureza, enquanto outros indivíduos (animais, vegetais) possuem
valor instrumental, que é um valor atribuído a algo por seu uso atual ou potencial, sendo
que a consideração moral ocorre de acordo com interesses de agrupamentos sociais
humanos.

Os traços dessa ética antropocêntrica estão tão enraizados na nossa cultura que
costumamos nos referir aos animais e plantas como “recursos naturais”. Será que esses
seres estão no mundo para nos servir?

30
Guiados por esse tipo de modelo ético, poderíamos achar correto construir uma
hidrelétrica que vai levar ao desaparecimento de espécies de peixes e de plantas, que
destruirá os ecossistemas locais. Isso porque não valoramos moralmente esses objetos
(plantas, animais, ecossistemas).

Algumas vezes, esse modelo ético é aplicado de forma parcial. Seria antropocêntrico
levando em conta toda a humanidade? Vamos pensar na situação das barragens. Será
que a humanidade foi realmente valorada? E os índios e os ribeirinhos, não são humanos?

Geralmente, os mais pobres acabam por ficar excluídos do pensamento ético que se
diz antropocêntrico. Um termo novo que surge nas questões ambientais é “racismo
ambiental”. Em princípio, parece algo muito estranho. Como um racismo pode ser
ambiental? Ao investigarmos quais são as pessoas que vivem próximo aos lixões, aos
rios em que são despejados materiais tóxicos, enfim, aos locais de maior degradação
ambiental, encontramos uma questão étnica muito evidente. Até que ponto o modelo
ético antropocêntrico inclui essas pessoas?

A perspectiva biocêntrica, por sua vez, caracteriza-se por propor a consideração moral
de organismos individuais humanos e não humanos. Nesse sentido, os agentes morais
possuem uma obrigação moral para com os outros seres vivos. O biocentrismo pode ser
considerado uma ampliação da ética animal, uma vez que ele considera que não apenas
os animais (ou alguns deles) têm um valor próprio, mas as plantas também, assim como
qualquer outro ser vivo, que possui interesses de bem-estar e desenvolvimento e, logo,
também deve ser considerado como paciente moral, pelos agentes morais. O raciocínio
ético biocêntrico orienta a atribuição de direitos a todos os indivíduos biológicos,
colocando para o agente moral um compromisso ético sobre todas as entidades vivas.

31
Muitos movimentos ambientalistas seguem essa ética biocêntrica. O crescimento
e a disseminação desse modelo levaram a sociedade a repensar diversas práticas.
Antigamente, o departamento de controle de zoonoses de um município poderia sacrificar
indiscriminadamente os cães de rua (por meio da captura pela temida “carrocinha”).
Os circos com animais são intensamente criticados e foram proibidos em diversas
localidades, em virtude dos maus-tratos e mutilações a que submetiam os animais.

Por fim, no modelo ecocêntrico, há orientação para a expansão da consideração moral a


entidades ambientais coletivas, inclusive a elementos abióticos, espécies e ecossistemas.
Nesse sentido, o enfoque sobre a consideração moral não está em indivíduos, mas
em totalidades ecológicas; assim, é considerado moralmente reprovável qualquer ato
humano que prejudique a integridade e a estabilidade dos ecossistemas.

32
Nesse modelo, uma empresa que provoca um derramamento de óleo no mar ou uma
mineradora que polui um rio é condenável, não só por prejudicar os humanos (modelo
antropocêntrico) ou uma série de indivíduos animais (modelo biocêntrico), mas por afetar
um objeto de valor, o ecossistema, que se estabeleceu muito antes do ser humano — e
por isso nossa missão deveria ser valorizá-lo e defendê-lo.

De modo geral, o raciocínio ético ecocêntrico orienta a atribuição de direitos ao meio


ambiente, porém a definição dos interesses para a consideração moral torna-se com-
plexa e difusa, uma vez que limites/fronteiras entre o todo e a parte (ou entre indivíduo e
comunidade) não são simples de se estabelecerem, por exemplo, na ideia de organismos
como superecossistemas.

33
NA PRÁTICA

Nesta unidade, estudamos a ética e os modelos éticos. Vamos ver esses conceitos
aplicados à situação da construção de barragens por empresas que exploram o
negócio da energia.

Leia com atenção os trechos das entrevistas de Célio Bermann e Anderson


Bittencourt:

O setor energético brasileiro entrou janeiro imerso em


crise, não somente ética, mas também técnica. Os dois
problemas são históricos. O primeiro, relativo à ética, diz
respeito aos impactos ambientais e sociais dos projetos
de construção de usinas hidrelétricas na Amazônia,
refletindo negativamente nas comunidades indígenas e
ribeirinhas. (BERMANN, 2015)

De acordo com Anderson Bittencourt, em entrevista à IHU On-Line:

A usina hidrelétrica de Balbina, inaugurada no final da


década de 1980, no estado do Amazonas, é conhecida
como a ‘pior concepção de hidrelétrica do mundo, porque
ocupa um reservatório de mais de 2.500 km² para gerar
250 MW [...] Enquanto que a média nacional é de 0,5
km² por MW’ [...] Balbina é um mau exemplo que deve
ser considerado diante da proposta do governo federal
de construir quatro novas hidrelétricas no estado, das
sete que serão construídas na bacia do rio Aripuanã, nos
estados do Amazonas, Mato Grosso e Rondônia.

Estima-se que somente no Amazonas oito unidades de


conservação (federal e estadual) serão atingidas, o que
causará ‘impactos significativos na grande diversidade de
espécies animais e vegetais’. [...] Cerca de 112 mil

34
habitantes serão impactados. ‘As famílias deverão ser
deslocadas de suas áreas, considerando-se que está
prevista uma inundação em média de 300 a 400 km² em
cada área de barragem construída.’ (BITTENCOURT, 2012)

Observe que Célio Bermann alerta para o problema da falta de ética com o ser humano.
Apesar de a construção de hidrelétricas se basear em uma ética antropocêntrica,
que leva em conta o benefício dos humanos em detrimento da natureza, perceba
que essa ética não leva em conta todos os humanos, pois exclui os indígenas e
ribeirinhos. Então é uma postura antiética.

Bittencourt alerta para a falta de uma ética ecocêntrica, pois diversos ecossistemas
são destruídos por barragens. Logo, não é qualquer modelo ético que pode ser
considerado satisfatório para empresas que afetam o ambiente de forma tão intensa.

Essas implicações éticas são muito importantes para o entendimento da


responsabilidade social das empresas de energia. A recorrente postura antiética,
seja para com os humanos, seja para com o ambiente, tem mobilizado a sociedade
contra as empresas de energia, pressionando para o fim do negócio de exploração
de barragens. Um princípio importante para nossa reflexão é: a empresa que não
tem preocupações éticas produz evidências que serão usadas para a sua extinção e
eliminação do ramo de atividade desempenhada.

35
Resumo da Unidade 1

Moral e ética não são sinônimos. Apesar da forte inter-relação, eles guardam significados
distintos. A moral é um produto da cultura e, como tal, sofre influência de tudo o que
modifica a cultura. A moral muda com o passar do tempo e é diferente em sociedades
distintas. A ética é a área do conhecimento que estuda os julgamentos morais. Para o
exercício da ética, é necessário utilizar a razão e ter liberdade para tomar decisões. Existem
muitos modelos éticos que irão orientar as ações de indivíduos ou das organizações.
Uma parte desses modelos valoriza o caráter (ética dos valores) ou as ações; é o caso da
deontologia, do consequencialismo. Outro grupo de modelos foi criado a partir do valor
conferido aos objetos, aos pacientes morais, ou seja, àqueles que sofrem a ação.

CONCEITO

Moral é um construto social, produto da cultura, que determina o que é certo ou erra-
do para um determinado grupo, em uma época específica.

A ética é a área da filosofia e da ciência social que estuda a moral e a tomada de deci-
sões por parte de indivíduos e organizações.

As perspectivas éticas são conjuntos de modelos usados para se refletir sobre as


decisões tomadas diante de problemas ou dilemas morais.

36
Referências

ANSCOMBE, G. E. M. Modern moral philosophy. The Royal Institute of Philosophy,


Cambridge, v. 33, n. 124, 1958.

BECKET, C. Ética. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2012.

BERMANN, C. A crise ética e técnica do setor energético brasileiro. Entrevista especial


com Célio Bermann. IHU On-Line, São Leopoldo, 2 fev. 2015. Disponível em: <http://
www.ihu.unisinos.br/entrevistas/539420-a-crise-etica-e-tecnica-do-setor-energetico-
brasileiro-entrevista-especial-com-celio-bermann>. Acesso em: 6 dez. 2018.

BITTENCOURT, A. Hidrelétricas no Amazonas: “Temos um exemplo negativo no nosso


quintal”. Entrevista especial com Anderson Bittencourt. IHU On-Line, São Leopoldo, 3
maio 2012. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/509099-hidreletricas-
no-amazonas-temos-um-exemplo-negativo-no-nosso-quintal-entrevista-especial-com-
anderson-bittencourt>. Acesso em: 6 dez. 2018.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada


em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF, Senado Federal, 1988.

CONRADO, D. M. Questões sociocientíficas na educação CTSA: contribuições de um


modelo teórico para o letramento científico crítico. 2017. 239 f. Tese (Doutorado em Ensino,
Filosofia e História das Ciências) – Universidade Federal da Bahia, Universidade Estadual de
Feira de Santana, Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências,
Salvador, 2017. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/24732/1/Tese-
DaliaMelissaConrado-2017-QSC-CTSA-Final.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2018.

LECLERQ, J. As grandes linhas da filosofia moral. São Paulo: Herder, 1967. p. 376.

MARX, K. O Capital. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. v. 2.

MORAL. In: DICIO: dicionário online de português. Matosinhos: 7Graus, 2018. Disponível
em: <https://www.dicio.com.br/moral/>. Acesso em: 26 nov. 2018.

37
TEMBRA, N. A questão mais imediata do meio ambiente é a falta de ética. Ecodebate,
Mangaratiba, 12 dez. 2009. Disponível em: <https://www.ecodebate.com.br/2009/12/12/
a-questao-mais-imediata-do-meio-ambiente-e-a-falta-de-etica-artigo-de-nelson-
tembra/>. Acesso em: 26 nov. 2018.

VALLS, A. O que é ética. São Paulo: Brasiliense, 2008.

38
UNIDADE 2

A questão ambiental
INTRODUÇÃO

Para sermos capazes de elaborar projetos de responsabilidade socioambiental, é


necessário refletirmos sobre a dimensão da crise ambiental mundial. Apesar da aparente
simplicidade, esse é um tema complexo, que envolve saberes da economia, ciências da
natureza e ciências sociais. Há muitas explicações simplistas e ingênuas para o problema
ambiental, que se constituem na maior armadilha para aqueles que trabalham com
responsabilidade socioambiental. Uma concepção ingênua de ambiente subsidiando um
projeto irá fragilizar toda a sua estrutura.

OBJETIVO

Nesta unidade, você será capaz de:

• Avaliar, do ponto de vista ético, situações de responsabilidade socioambiental para


tomada de decisão profissional.

40
Visões de ambiente

Elaborar, implantar ou avaliar programas de responsabilidade ambiental exige que, antes


de tudo, nós possamos explicitar qual é a nossa visão sobre o ambiente. Seriam meio
ambiente e natureza a mesma coisa? Até que ponto uma ação de responsabilidade
ambiental deve preocupar-se com a inclusão de questões sociais?

A ideia de natureza é um construto social e dependente da cultura, por isso não podemos
esperar que todas as sociedades compartilhem a mesma percepção do que é a natureza.
Além disso, a visão de natureza de uma sociedade não é estática, ela muda no decorrer do
tempo influenciada pelas mudanças na cultura. O trabalho clássico de Lenoble (1969) nos
alerta sobre o fato de natureza ser um conceito, um construto teórico: “[...] não existe uma
natureza em si, existe apenas uma natureza pensada. [...] Não encontramos senão uma ideia
de natureza que toma sentido radicalmente diferente segundo as épocas e os homens.”

Os diversos povos indígenas brasileiros têm visões de natureza diferentes entre si e das
outras culturas comuns no país. As religiões de matriz africana possuem uma interpretação
e uma relação com o mundo natural diferentes das da tradição judaico-cristã.

O estudo de Lenoble ainda detalha que a concepção de natureza dependerá de três


fatores em cada lugar e época: a visão de ciência, a visão religiosa e a visão moral. A
ciência nos dirá o que são as coisas do mundo, de que elas são feitas, como elas se
comportam; a religião norteará a dúvida se a natureza é o divino ou a obra do divino; e a
moral estabelecerá que atitude a humanidade terá a respeito do mundo natural.

Lúcia Cidade (2001) exemplifica a relação entre a visão de natureza e a cultura dos povos.
Ela analisou dois perfis básicos de sociedades primitivas: agricultores e caçadores, e sua
forma de encarar a natureza.

As sociedades agrícolas consideravam a natureza uma grande


mãe, viva e em transformação; as pessoas eram parte desse ser
[...]. Nesse sentido, as pessoas e divindades fariam parte de uma
dança da natureza, improvisada e autocriativa. Diferentemente,
para as sociedades caçadoras nômades, a natureza estaria
separada tanto dos deuses como das pessoas. A natureza teria
sido criada por um deus exterior a ela; significava uma dádiva
para ser usada e explorada.

41
Os homens e seus deuses desfrutariam uma posição externa e
superior à natureza [...] (CIDADE, 2001, p. 104).

Ao estudarmos os modelos éticos que valorizam os objetos da natureza, vimos a oposição


entre dois modelos: o antropocentrismo e o ecocentrismo. O primeiro dota de valores
os elementos da natureza que interessam ao ser humano, os recursos naturais; já o
ecocentrismo valora ecossistemas e relações presentes na natureza, independentemente
dos usos humanos.

A palavra latina natura significa “a ação de fazer nascer”. Esse termo carrega consigo a
ideia de que a natureza não é apenas um conjunto de elementos (animais, plantas, água,
rochas...), mas que é composta por uma série de processos, algo como um princípio que
é capaz de produzir, desenvolver e eliminar diferentes tipos de coisas ou seres.

Os processos naturais são complexos e interligados. Vários fenômenos que ocorrem


nos ecossistemas, quando estudados de maneira mais profunda, revelam diferentes
dimensões. Vamos a alguns exemplos importantes.

As cadeias alimentares tendem a ser simplificadas no ensino de ciências como as


relações tróficas (quem se alimenta de quem na natureza). Essas relações são diretamente
responsáveis pela manutenção da quantidade de seres de cada espécie e pela estrutura
do próprio ecossistema. Caso um elo da cadeia alimentar seja retirado ou sofra uma
redução em sua população, aqueles seres que são suas presas podem se multiplicar
em quantidades absurdas. Temos diversos exemplos disso, um deles são as pragas que
afetam a agricultura, geralmente ligadas à maneira como o próprio setor agrícola lidou com
a natureza. Pragas de gafanhotos, besouros e lagartas são casos típicos. Na fase em que o
café era a base da economia do Brasil, a destruição de florestas para o plantio desse grão
reduziu a população de pássaros que predavam as borboletas. Com isso, surgiu a praga da
borboletinha do café, e as lagartas dessa borboleta dizimaram as plantações.

42
Não só insetos podem tornar-se pragas, por exemplo, o coral-sol é transportado
de locais distantes do planeta para o Brasil no casco das embarcações e, ao chegar
aqui, ele não possui predador, ocupando o espaço dos corais nativos e eliminando a
fauna nativa. Esse é o perigo do “ser introduzido”. Animais e plantas de outros países
podem representar um risco para nossos ecossistemas. Aqui, eles podem crescer
indiscriminadamente, tornando-se pragas e eliminando as populações nativas. Por isso,
nas viagens internacionais é proibido transportar sementes.

Algumas pessoas não entendem por que se investe em programas de conservação de


espécies, tais como a ararinha-azul, a baleia jubarte, as tartarugas marinhas. Além da ética
biocêntrica, que confere valor aos objetos da natureza, há uma questão de conservação
dos ecossistemas como um todo. Os pássaros são dispersores de sementes de muitas
espécies vegetais, e isso quer dizer que, sem certas espécies, algumas plantas não irão
se espalhar e desaparecerão. Outros seres (morcegos, aves, insetos) são polinizadores,
e diversas espécies vegetais não garantem sua reprodução por si só, ou seja, sem o

43
polinizador não há processo reprodutivo. Esse é o motivo que faz a humanidade se
preocupar com o atual desaparecimento das abelhas: sem abelhas, diversas espécies
vegetais desaparecerão.

Quando uma organização adota o discurso de preocupação com a natureza, cabe a ela
informar-se da importância do que está fazendo, como suas ações afetam a natureza, e ir
além dos slogans e das palavras de ordem para o entendimento dos processos naturais.

Uma aparente dicotomia presente nos discursos sobre natureza é a questão do natural
versus o artificial. O natural viria da natureza, sem necessidade da participação do
homem; seriam processos que já se estabeleciam antes de a espécie humana surgir. O
artificial é a ação humana sobre as coisas e os processos da natureza. Vale lembrar que
nenhum processo artificial é independente da natureza, pois vem de sua modificação.
Também é importante refletir sobre a ação dos humanos, que é tão intensa na atualidade
que gera consequência para os processos naturais.

O encontro do natural com o artificial gera o ambiental. O ambiente não é natureza pura,
livre de humanos — ele se constrói na tensão das relações naturais e artificiais. Dulley
(2004) alerta que, apesar da dicotomia natural versus artificial, não se pode dissociar
totalmente o natural do social, pois o encontro dessas duas componentes produz as
questões ambientais.

[...] pois outros temas, além da destruição da natureza, como


o tratamento cruel de animais domésticos, a exploração
desumana de trabalhadores e crianças e as restrições por parte
dos consumidores aos organismos geneticamente modificados,
que até há poucos anos, não eram sequer cogitados pelas
legislações específicas, nem mesmo os monitorados por
entidades internacionais, passaram, recentemente, a ser
considerados parte da crise ambiental. (DULLEY, 2004, p. 17)

Além disso, o ser humano é um animal, por isso também é parte da natureza. Por mais
que vivamos cercados de produtos e processos artificiais, não podemos nos enxergar
como algo à parte da natureza.

A ISO 14001 é uma norma internacionalmente reconhecida que define o que deve ser feito
para estabelecer um Sistema de Gestão Ambiental (SGA). Essa norma foi desenvolvida
com o objetivo de criar o equilíbrio entre a manutenção da rentabilidade e a redução do

44
impacto ambiental, com o comprometimento de toda a organização. A ISO 14001:2004
arriscou uma definição sobre meio ambiente: “Circunvizinhança em que uma organização
opera, incluindo-se ar, água, solo, recursos naturais, flora, fauna, seres humanos e suas
inter-relações” (ABNT, 2004, p. 1). Essa tentativa de definição ainda é considerada estática
— meio ambiente é mais que circunvizinhança, não é um cenário.

No sistema jurídico brasileiro, foi a Lei nº 6.938/1981, que trata da Política Nacional do
Meio Ambiente (PNMA), que definiu o conceito de meio ambiente como “o conjunto de
condições, leis, influências e infraestrutura de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981, p. 1). A ideia de
abrigar e reger a vida capta mais o funcionamento do meio ambiente e é uma definição
mais profunda que a da ISO.

Sofisticando um pouco mais, podemos analisar a reflexão de Primavesi (1997) de que meio
ambiente não é apenas o espaço em que se vive, “mas o espaço do qual vivemos”. Isso eleva
o papel do meio ambiente de mero cenário a produtor das nossas condições de existência.

Algumas definições explicitam as relações entre mundo natural e sociedades humanas. Para
Tostes (1994):

[…] meio ambiente é toda relação, é multiplicidade de relações. É


relação entre coisas, como a que se verifica nas reações químicas
e físico-químicas dos elementos presentes na Terra e entre
esses elementos e as espécies vegetais e animais; é a relação
de relação, como a que se dá nas manifestações do mundo
inanimado com a do mundo animado [...] é, especialmente, a
relação entre os homens e os elementos naturais (o ar, a água,
o solo, a flora e a fauna); entre homens e as relações que se dão
entre as coisas; entre os homens e as relações de relações, pois
é essa multiplicidade de relações que permite, abriga e rege a
vida, em todas as suas formas. Os seres e as coisas, isoladas,
não formariam meio ambiente, porque não se relacionariam.

Por fim, chegamos a uma compreensão mais totalizante, que não dissocia a cultura
do meio ambiente. Silva (2000, p. 20) conceitua o meio ambiente como a “interação do
conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento

45
equilibrado da vida em todas as suas formas”. Para Migliari Junior (2001, p. 40), o meio
ambiente é a:

[…] integração e a interação do conjunto de elementos naturais,


artificiais, culturais e do trabalho que propiciem o desenvolvimento
equilibrado de todas as formas, sem exceções. Logo, não haverá
um ambiente sadio quando não se elevar, ao mais alto grau
de excelência, a qualidade da integração e da interação desse
conjunto.

Então, quando nos referirmos a meio ambiente, é importante que se entenda que esse
conceito engloba toda realidade sociocultural em interação com a natureza. Vejamos
como a Constituição brasileira aborda a questão do meio ambiente:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações. (BRASIL, 1988)

Apesar de não ser possível definir cientificamente o que é um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, entende-se que buscamos conservar as relações que existem nos ecossistemas.
Utilizamos o termo “conservar” em vez de “preservar”, pois ao conservarmos podemos
intervir — a ação humana não é descartada, desde que não se destrua ou se descaracterize
totalmente o ambiente. A grande polêmica da conservação é entender o que deve ser
conservado: o ecossistema, as populações ou a diversidade genética?

Preservar é um termo mais forte que conservar. Ao preservarmos uma área, devemos
retirar ou livrar o local da exploração humana. Não é possível preservar toda a natureza,
pois isso impediria as atividades humanas.

46
Crise ambiental

O ser humano tem a capacidade de alterar o ambiente para buscar soluções para seus
problemas. Com isso, fomos capazes de utilizar o conhecimento científico para produzir
métodos, técnicas e artefatos que alteram as condições oferecidas pelo ambiente. A partir
do conhecimento científico sobre a eletricidade, foi possível produzir circuitos elétricos
que são a base de diversos aparelhos, mas nem toda tecnologia é necessariamente
um objeto material. Diversas técnicas, receitas, protocolos etc. foram desenvolvidos no
sentido de mudar a natureza: uma técnica de cirurgia, uma receita para produção de
vinhos e um protocolo para coletar sangue para exame são também tecnologias.

Algo que deve ser motivo de reflexão por parte dos professores ao ensinar sobre
tecnologia é que, geralmente, ela não surge como resposta à curiosidade humana ou
como consequência da atitude altruísta de alguém que deseja melhorar a vida das
pessoas. São inegáveis os interesses econômicos e políticos que regem a produção de
ciência e tecnologia. Fazer ciência profissional não é algo barato, assim como não o é
desenvolver tecnologia de ponta. Os conhecimentos sobre os “porquês” e sobre o “como
fazer” são estratégicos politicamente e significam poder. Não é à toa que os países que
possuem uma política externa mais agressiva e desejam estender sua influência militar,
política e econômica investem tanto em ciência e tecnologia.

O fator econômico é também decisivo para a produção de tecnologias. As empresas


não investem em tecnologias que não sejam lucrativas. No caso da saúde, temos o
problema das doenças negligenciadas, pouco pesquisadas pela indústria farmacêutica
por afetarem mais a população mais pobre. Por esse motivo, tecnologias para produção
de vacina e tratamento para doenças antigas como hanseníase e doença de Chagas
são raras e antiquadas. Por outro lado, doenças que também podem afetar pessoas
com maior poder de compra (câncer, HIV) são pesquisadas de forma intensa, e novas
tecnologias são desenvolvidas constantemente.

Os avanços da biotecnologia, caracterizados pela clonagem, pela produção de transgê-


nicos e pela engenharia genética, são direcionados pelos interesses de lucro de gran-
des corporações.

Para agravar o problema, os impactos ambientais não são compartilhados por todos
igualmente, e os grupos menos favorecidos economicamente defrontam-se de forma
cruel com essa realidade, tendo que habitar locais próximos a lixões, usar água
contaminada e expor-se às poluições visual, sonora e de resíduos tóxicos. Daí surge o
compromisso da responsabilidade social e da responsabilidade ambiental.

47
Para entender melhor a crise ambiental, iniciaremos com uma fábula conhecida: “Era
uma vez, uma floresta em chamas e lá estava um beija-flor com seu minúsculo baldinho
tentando apagar o fogo. Quando perguntado por que não fugia, o beija-flor disse: ‘Eu
estou fazendo a minha parte.’”

Então, se cada um fizer a sua parte nós conseguiremos resolver o


problema ambiental?

No sentido de entender as implicações mais profundas da fábula do beija-flor, vamos


analisar o início do movimento ambientalista. Um marco importante na história das
ciências ambientais foi o lançamento do livro Primavera silenciosa, de Rachel Carson,
em 1962. Nele, a autora denunciava os efeitos tóxicos do DDT para o ambiente. Boa parte
da denúncia se baseou no efeito que o pesticida tinha na saúde das aves. O produto
que havia sido utilizado como arma química era agora comercializado como defensivo
agrícola. Se pensarmos nos ecossistemas como uma rede de relações entre os seres,
algo que está afetando as aves tão devastadoramente estaria afetando os demais seres,
humanos inclusos.

Quando Carson fez essa denúncia, a mídia, patrocinada pelas corporações que fabricavam
esses defensivos agrícolas, tentou destruir sua imagem, retratando-a como louca e
sensacionalista, mas a História fez justiça a Rachel Carson com a proibição do DDT, que
logo depois foi comprovado como causador de câncer e envenenamentos.

Não obstante, como tudo isso se conecta com a história do beija-flor? Vamos pensar
em alguns casos parecidos com o que Rachel Carson relatou. O Brasil é campeão no
uso de agrotóxicos (pesticidas ou defensivos agrícolas). Alguém pode afirmar que a
solução para isso é mudarmos nossos hábitos e não usarmos agrotóxicos. Muito bom,
mas somos nós que plantamos nosso alimento? Ainda pensando em solução individual,
alguém pode propor só comermos produtos orgânicos (plantados sem agrotóxicos
ou adubos químicos). Além de serem caros para a maioria da população, não adianta
consumir produtos orgânicos enquanto grandes concentrações de agrotóxicos são
lançadas no solo, contaminando os lençóis de água subterrâneos e os rios. Também
não adianta plantar o próprio alimento, pois não conseguiremos, em área urbana, cultivar
tantos vegetais e ainda utilizaremos água que poderá estar contaminada por agrotóxico.

A questão do desperdício de água é outra que, muitas vezes, é minimizada pela mídia.
A versão conhecida por todos é que nós (os cidadãos comuns) somos os causadores
do problema e resolveremos isso se reduzirmos nosso tempo de banho, não lavarmos a
calçada com mangueira, entre outras ações individuais.

48
Para refletir

Será que a escassez de água se deve ao uso doméstico? Será que fazermos
nossa parte resolverá o problema?

Agora, convidamo-lo a refletir sobre o uso de água pela agricultura e pela indústria e o
uso doméstico.

A análise do infográfico no vídeo nos mostra que os maiores consumo e desperdício de


água se dão nas lavouras que produzem ração para todo tipo de gado. A indústria também
gasta e desperdiça muito mais água que a soma do uso doméstico. A análise do vídeo
sobre o ciclo da água nos mostra o quanto é desperdiçado para produzir uma simples
garrafa plástica, mas que a indústria utiliza esse tipo de recipiente porque é mais barato.

Ainda analisando práticas pedagógicas ingênuas, que se baseiam na fábula do beija-flor,


vamos pensar em reciclagem. A reciclagem costuma ser apresentada como solução
para o problema do lixo: para resolvê-lo, basta que saibamos separar os materiais,
acondicioná-los nas lixeiras específicas e enviar para reciclagem.

Esse tipo de prática não se baseia na evidência científica de que a reciclagem não consegue
dar conta da quantidade de materiais que são produzidos e descartados, impossível de ser
reciclada em sua totalidade. O mesmo erro é cometido pelos artesanatos de garrafa PET.
Não é possível converter nem uma fração insignificante de garrafas PET em artesanato,
pois a cada dia são lançadas na natureza milhares de novas garrafas.

Essa prática também comete o erro das abordagens C&T, que acabam por dar uma
ilusão de mundo em que a tecnologia resolverá todos os problemas: podemos consumir
desenfreadamente, que é só usar as tecnologias de reciclagem; a indústria pode lançar
produtos de curta duração e exagerar nas embalagens, porque a reciclagem resolverá
o problema. Mesmo a iniciativa de algumas indústrias de trabalhar com materiais
reciclados não resolve o problema, pois a produção supera, e muito, aquilo que é viável de
ser reciclado. Lembre-se, também, de que esses novos produtos (reciclados) igualmente
voltarão a ser lixo.

49
Reciclagem de garrafas PET, necessária, porém muito insuficiente
para o enfrentamento do problema ambiental.

Então, como educador ambiental, não posso fazer uma oficina de reciclagem ou ensinar
cuidados de economia da água doméstica? Pode, sim, mas de forma a problematizar,
não para propor soluções mágicas, fantasiosas e ingênuas.

Uma oficina de reciclagem pode ser um desafio para discutir o poder limitado dessa
prática; os cuidados com a água doméstica devem ser ensinados, mas apenas para
economizar dinheiro e água tratada, não como solução para o problema da escassez, pois,
se não recuperarmos os rios, protegermos as matas ciliares ou agirmos politicamente
pela criação de normas contra o desperdício da pecuária, da agricultura e da indústria,
não adiantará o cuidado doméstico.

Prática escolar de reaproveitamento de materiais. Deve ser acompanhada de uma abordagem


bastante crítica da própria atividade para não alimentar concepções ingênuas.

50
O compromisso do educador ambiental é político, comunitário, e não individualista. A
fábula do beija-flor reflete algo triste da sociedade, um egocentrismo desmedido, a ideia
de que, mesmo que não adiante de nada, o indivíduo está fazendo sua parte e pode
pôr a culpa no outro pelo problema ambiental. O compromisso da Educação Ambiental
(EA) não é com a culpa individual, mas com as responsabilidades coletivas, lembrando
sempre que essas responsabilidades variam, pois alguns grupos têm maior poder
político ou econômico.

51
Sustentabilidade e sua crítica

Durante muitas décadas, o rio Tâmisa (Londres, Inglaterra) era poluído e muito malcheiroso,
a ponto de ser apelidado de o grande pooh (o grande cocô!), representando um problema
ambiental e de saúde para a população, que, porém, tratava-o com humor. A população
dos educados ingleses conviveu com o problema por muito tempo sem nenhuma grande
mobilização no sentido de resolvê-la. No século XIX, por causa de diversas epidemias,
incluindo cólera, foram desenvolvidas as primeiras estações de tratamento de água, mas
nada foi feito para melhorar as condições do rio. Nos anos 1960, iniciou-se o grande projeto
ambiental da cidade, e a empresa que explora a água (Thames Water) e o governo fizeram
a despoluição do rio. Atualmente, as águas estão limpas, há peixes e as novas gerações
de ingleses que cresceram com o rio limpo são exigentes quanto à qualidade do ambiente.

O que o episódio do Tâmisa nos ensina sobre o desenvolvimento


sustentável?

Para responder a isso, primeiro precisamos entender o que é desenvolvimento sustentável.


Você poderá encontrar diversas definições para isso, então usaremos uma conceituação
mais amplamente utilizada e adotada pela ONU, que propõe um desenvolvimento
econômico respeitando a continuidade dos recursos naturais para as próximas gerações.
Para isso, é muito importante que você assista atentamente ao vídeo da ONU sobre a
Agenda 2030, documento que orienta o desenvolvimento sustentável em todo o mundo.

52
Perceba que, ao discutir o desenvolvimento sustentável, alguns fatores sempre farão
parte do debate. Com certeza, os aspectos ambientais são lembrados, mas, mesmo
que sejam “os primeiros da lista”, não podemos afirmar que é dada a eles a mesma
importância dos aspectos econômicos. Como vimos anteriormente, ambiente não é
sinônimo de natureza, mas sim da interação de fatores naturais com fatores sociais.
Então, podemos notar a presença de preocupações com as questões sociais.

Dessa forma, podemos entender que o desenvolvimento sustentável é um modelo que


busca aliar o crescimento econômico à conservação dos recursos naturais, buscando
deixar um ambiente saudável para as gerações futuras. Para isso, questões sociais como
a fome, a pobreza e a liberdade precisam ser resolvidas.

O IBGE analisa o desenvolvimento sustentável e as metas da ONU com otimismo. São


apresentadas melhoras nos índices de diversos objetivos da ONU: a fome no mundo está
reduzindo, a desigualdade de gênero também e as condições sanitárias das populações
estão melhorando.

O problema, que mesmo a visão otimista do vídeo deixa passar, é que as metas nunca
conseguem ser cumpridas nos prazos estipulados. Em 1992, na conferência ECO 92
no Rio de Janeiro, a ONU traçou 21 metas para o século XXI, resultando no documento
chamado de Agenda 21. Com a chegada deste século, foi percebido como estávamos
longe de atingir essas metas. Os atuais 17 objetivos para 2030 são uma releitura da
Agenda 21. Mesmo com os avanços, estamos muito longe de atingir qualquer uma das
17 metas estabelecidas pela ONU.

A ênfase no crescimento econômico coloca em choque a economia com a biologia. Como


é possível crescer indefinidamente em um planeta cujos recursos são finitos? A capacidade
de suporte do planeta já foi superada desde os anos 1980. A Terra não consegue gerar
mais recursos ou absorver a quantidade de resíduos dos diversos processos produtivos.
Podemos considerar que um dos grandes entraves ao pensamento sobre sustentabilidade
é considerar o capitalismo a única forma de modelo produtivo possível. Para salvar esse
modelo, são invocadas as inovações tecnológicas e as ações políticas.

Outro problema grave do desenvolvimento sustentável é de natureza ética. O discurso


da ONU, por exemplo, é baseado em uma ética antropocêntrica. Os objetos da natureza
(animais, plantas, ecossistemas...) são reduzidos a recursos.

53
No mundo das organizações, o discurso da sustentabilidade é hegemônico, parecendo
nunca ser questionado. Talvez, por isso, muitas empresas se vejam seduzidas por
soluções ambientais superficiais ou ingênuas. Entender a sustentabilidade é importante,
aprender a trabalhar dentro dessa perspectiva é estratégico, mas saber questioná-la é o
que diferencia o profissional como ser atuante de mero executor de tarefas.

Agora discutiremos sustentabilidade aplicada ao exemplo da questão do


Rio Tâmisa, que estava no início do tópico.

Para pensarmos na situação desse rio em Londres, convidamo-lo a sair da Inglaterra


para visitarmos o litoral brasileiro. Um dos maiores desafios para a conservação das
tartarugas marinhas no Brasil é a necessidade de alimentação da população de baixa
renda que vive na costa. Diante das poucas opções para sobrevivência, comer a carne
e os ovos das tartarugas se tornou uma opção. Isso foi incorporado à cultura local, de
forma que a alimentação à base de tartaruga ganhou valores de identidade local. Vimos
no tópico passado que não se faz EA apontando “culpados”, muito menos a partir de
concepções ingênuas de ambiente, tal qual a fábula do beija-flor (cada um faz sua parte).
Como o Projeto Tamar enfrentou essa situação? Qual foi a abordagem de desenvolvimento
sustentável utilizada por essa organização?

O Projeto Tamar foi criado em 1980 pelo antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento
Florestal (IBDF), que mais tarde se transformou no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
(Ibama). Hoje, é reconhecido internacionalmente como uma das mais bem-sucedidas
experiências de conservação marinha e serve de modelo para outros países, sobretudo
porque envolve as comunidades costeiras diretamente em seu trabalho socioambiental
(PROJETO…, c2011).

O envolvimento das comunidades costeiras no trabalho socioambiental representa


a chave para a questão. O Tamar foi eficiente em gerar uma nova economia para as
localidades onde as tartarugas fazem seus ninhos. O turismo associado às tartarugas,
gerando emprego e renda (a partir de venda de artesanato), deu uma resposta econômica
mais eficiente para as necessidades da população que a predação dos quelônios. Aos
poucos, conservar as tartarugas foi se tornando parte da cultura local, mostrando que a
cultura não é estática, ela muda.

Perceba que a visão de desenvolvimento sustentável do Tamar alia crescimento


econômico, justiça social, natureza, ciência e tecnologia e aspectos culturais.

54
A vida das pessoas nessas comunidades ainda está muito longe do satisfatório se
pensarmos em condições de emprego, renda, moradia e saúde. Porém, é inegável
a contribuição do Tamar para as pessoas e as tartarugas, por isso é um projeto
socioambiental — veja que a concepção de ambiente do projeto é aquela que engloba os
seres humanos como parte da natureza.

Como a EA é uma ferramenta necessária à sustentabilidade, vamos refletir mais sobre


ela. Isabel Cristina Moura de Carvalho (2001) divide a educação ambiental em duas
grandes correntes: a EA comportamental e a EA popular. A EA comportamental foi
criticada por nós na aula anterior. Carvalho (2001) identifica os principais termos dessa
corrente: “conscientização” e “mudança de hábitos”.

[...] urgência de conscientizar os diferentes estratos da


população sobre os problemas ambientais que ameaçam a
vida no planeta. Consequentemente, é valorizado o papel da
educação como agente difusor dos conhecimentos sobre o meio
ambiente e indutor da mudança dos hábitos e comportamentos
considerados predatórios, em hábitos e comportamentos tidos
como compatíveis com a preservação dos recursos naturais [...].
(CARVALHO, 2001, p. 46)

Nessa perspectiva, as crianças geralmente são o grupo-alvo da EA comportamental,


pois se acredita que é mais fácil mudar o adulto do futuro que os adultos já formados,
ignorando que, durante seu desenvolvimento, as crianças serão tensionadas por uma série
de outros fatores sociais (necessidade de trabalho, moradia, alimentação...) e os ideais
dessa EA provavelmente serão esquecidos. A base psicológica dessa EA representa sua
maior fragilidade:

A psicologia comportamental é, sobretudo, uma psicologia


da consciência. Isto significa, por exemplo, considerar o
comportamento uma totalidade capaz de expressar a vontade
dos indivíduos. Acredita, também, que é possível aceder a vontade
dos indivíduos e produzir transformações nas motivações das
ações destes através de um processo racional, que se passa no
plano do esclarecimento, do acesso a informações coerentes e
da tomada de consciência. (CARVALHO, 2001, p. 46)

55
Será que as pessoas comiam tartarugas ou conviviam com a poluição do Tâmisa
por falta de consciência? Será que as nossas decisões do dia a dia são de natureza
apenas racional? Será que o problema ambiental é simples questão de vontade? O que
faltava às pessoas no litoral brasileiro ou em Londres era a informação para a tomada
de consciência? Pois é, “consciência”, “vontade”, “racionalidade” e “esclarecimento” são
fatores psicológicos muito limitados para explicar a problemática ambiental.

A EA popular desloca-se da esfera do indivíduo para focar mais o comunitário:

[...] compreende o processo educativo como um ato político


no sentido amplo, isto é, como prática social de formação
de cidadania, [...] a vocação da educação é a formação de
sujeitos políticos, capazes de agir criticamente na sociedade. O
destinatário desta educação são os sujeitos históricos, inseridos
numa conjuntura sociopolítica determinada, cuja ação, sempre
intrinsecamente política, resulta de um universo de valores
construído social e historicamente. Nesta perspectiva, não se
apaga a dimensão individual e subjetiva, mas esta é vista desde
sua intercessão com a cultura e a história, ou seja, o indivíduo é
sempre um ser social.

A educação ganha um aspecto político, de organização das comunidades, sempre


levando em conta a história, a cultura e os fatores que geraram o problema ambiental.
Nessa perspectiva, espera-se que as comunidades, em todas as suas faixas etárias, e
não apenas as crianças, lutem por seu direito constitucional a um ambiente equilibrado.

As soluções, na maioria das vezes, não são fáceis e irão esbarrar em conflitos de poder
político ou econômico.

Vimos que a Organização das Nações Unidas coloca 17 objetivos para atingir a
sustentabilidade. Perceba que esses objetivos foram traçados por países capitalistas, ou
seja, as metas são tão básicas que não se trata de debate entre esquerda e direita, mas
do mínimo para uma sobrevivência digna no planeta. Convidamo-lo a voltar aos vídeos
do início deste tópico indicados na Midiateca e analisar esses 17 objetivos. Veja como
eles integram o homem à natureza.

56
Para refletir

A partir dos 17 objetivos da ONU e da Agenda 21, você consegue construir uma
ideia de sustentabilidade?

Para muitos, sustentabilidade é conciliar desenvolvimento econômico com conservação


do ambiente para que as futuras gerações de humanos e as outras espécies não sejam
prejudicadas por nossa maneira de produzir. O problema é que fazer isso não é simples.
Deixamos no ar a questão principal: é possível continuar a crescer indefinidamente em um
planeta limitado? Já ultrapassamos a capacidade de renovação de recursos da Terra, e
esse esgotamento do planeta indica que a atual lógica de produção é insustentável e que
todas as medidas tecnológicas em busca de energia mais limpa e materiais sustentáveis
se mostram insuficientes para enfrentar o problema ambiental. A busca por lucros cada
vez maiores é incompatível com a ideia de conservação do ambiente (incluindo a da
nossa própria espécie).

NA PRÁTICA

As empresas de turismo podem causar sérios impactos socioambientais. Um dos


maiores desafios é aliar empreendimentos turísticos a práticas sustentáveis.

No caso do Guarujá (SP), as empresas de turismo apenas se preocuparam com


seus lucros, atraindo mais e mais turistas sem controlar a quantidade de pessoas
suportada pelo local e sem estabelecer políticas de conservação dos recursos
naturais. Como resultado, a poluição em todas as suas formas (sonora, visual,
química...) e os problemas sociais (violência e exploração sexual) saíram do controle
e desvalorizaram a área. As próprias empresas de turismo estão ameaçadas de ver
o fim de seus negócios por falta de uma política de responsabilidade ambiental.

Já o município de Bonito (MT) aliou políticas públicas de conservação ambiental a


ações de responsabilidade ambiental de empresas de turismo, levando a conservação
do ambiente, lucro para as empresas e aumento do índice de desenvolvimento
humano (IDH) da população.

57
Resumo da Unidade 2

Ambiente é muito mais que natureza, pois engloba todas as inter-relações entre sociedade
e natureza. Os seres humanos têm a natureza como condição de sobrevivência, porém
estão em um constante processo de alterá-la. Neste, o ambiente muda, e surgem novas
relações naturais e sociais. A ação desmedida do homem na natureza, amplificada
pelo modo de produção capitalista, levou ao esgotamento dos recursos naturais. O
desenvolvimento sustentável é tido como forma de enfrentamento dessa lógica predatória
de produção, porém não tem conseguido se estabelecer, ao que tudo indica, por suas
próprias contradições internas.

CONCEITO

Nesta unidade, destacaram-se os conceitos de natureza, ambiente e sustentabili-


dade, fundamentais para que você seja capaz de entender a crise ambiental e suas
implicações para as ações de responsabilidade ambiental de uma empresa.

58
Referências

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ambiental: especificação e diretrizes para uso. 2. ed. Rio de Janeiro, 2004.

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Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 set. 1981. Disponível em: <https://www2.camara.
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em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF, Senado Federal, 1988.

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59
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TOSTES, A. Sistema de legislação ambiental. Petrópolis: Vozes, 1994.

60
UNIDADE 3

Responsabilidade
social das empresas
INTRODUÇÃO

Modismo ou necessidade: em que dimensão se encontra a responsabilidade socioam-


biental corporativa? Para poder responder a essa pergunta, é necessário aprofundar es-
tudos na formação do conceito de responsabilidade empresarial. É preciso eliminar uma
série de visões simplistas sobre ambiente e sobre a questão social do Brasil, além de en-
frentar as visões baseadas em caridade e assistencialismo. De que forma a gravidade e
a profundidade do problema socioambiental estão relacionadas com a complexidade da
responsabilidade corporativa? Essas questões devem nortear seu estudo desta unidade.

OBJETIVO

Nesta unidade, você será capaz de:

• Elaborar propostas de ação de responsabilidade social nas organizações.

62
Fundamentos e aplicações da responsabili-
dade social

Durante quase toda a história, as empresas demonstraram estar conformadas apenas com
o seu papel de gerar lucros para seus acionistas e expandir a sua própria estrutura física e
financeira, visando apenas otimizar seu crescimento e ampliar a sua competitividade no
mercado. Algumas ações de empresários isolados visando ao enfrentamento da pobreza
ou das más condições de trabalho já ocorriam, mas não em uma lógica semelhante à
da atual responsabilidade social empresarial. Em geral, as ações de caridade não eram
sistemáticas e eram vistas como algo à parte da gestão do negócio.

Um episódio considerado precursor da noção de responsabilidade social foi a disputa


jurídica entre os acionistas da indústria automobilística Henri Ford e os Dodge, em 1916.
Ford, que era o acionista majoritário da empresa, decidiu não distribuir parte dos lucros
esperados entre os acionistas da empresa, preferindo revertê-los para a realização de
ações sociais, tais como o aumento de salários e operários e a aplicação do dinheiro em
um fundo de reserva para uma possível redução, que já era esperada, das receitas da
empresa por causa da redução de preços de carros. Os irmãos Dodge não concordaram
com essas decisões e processaram Ford. Eles saíram vitoriosos dessa questão judicial.
Isso porque, no entendimento da corte de justiça de Michigan, naquela época, a função
da corporação era o benefício de seus acionistas, cabendo aos diretores corporativos
livre-arbítrio apenas quanto aos meios para realizar tal função. Para os juristas daquela
época, o gestor não poderia usar os lucros da empresa para outros fins. Ou seja, além
de não ser incentivada, as ações que atualmente compõem a responsabilidade social já
foram consideradas ilegais.

Como disciplina autônoma, a responsabilidade social surge com o cunho desse termo
por Bowen, em 1953, no livro Responsabilidade social do homem de negócios. Na teoria
abordada nessa obra, os negócios são encarados como centros de poder e de decisão,
cujas ações afetam a vida das pessoas em muitos aspectos, por isso as empresas têm
responsabilidade para com toda a sociedade. Para dar conta dessa responsabilidade
e corresponder às expectativas criadas pela sociedade, as empresas necessitam
compreender melhor seu impacto social, também o desempenho ético e social deve
ser incorporado à gestão de negócios, devendo ser avaliado por meio de processos de
auditorias. No campo das práticas, porém, essa obra não impactou instantaneamente
a forma de atuar das empresas, sendo considerada como um precursor do movimento
que apenas se estabeleceria nos anos 1990.

63
As mudanças na sociedade não ocorrem de forma passiva ou sem conflitos. Diversos
fatores de tensão social resultaram na mentalidade atual de responsabilidade socioambiental
nas empresas. O cenário dos anos 1960 e 1970 é de profundo questionamento social, e lá
estão as raízes das mudanças na mentalidade empresarial. Isso foi manifestado pela luta
pelos direitos civis, incluindo direitos trabalhistas, o enfrentamento do racismo, o feminismo,
a nova visão sobre cidadania e exercício dessa cidadania e o surgimento das associações de
proteção ao consumidor. Na unidade anterior, vimos o papel de Rachel Carson no surgimento
dos movimentos ambientalistas, que denunciariam e lutariam contra práticas danosas de
algumas empresas. Assim como Rachel, diversos jornalistas assumem um papel mais rígido
de investigação sobre os danos sociais e ambientais resultantes da ação de empresas. A
divulgação desse tipo de notícia propicia a construção da chamada opinião pública, que
seria a reação coletiva à divulgação massiva de alguns fatos. Tudo isso contribuiu para a
preocupação com novas posturas, não só dos indivíduos, mas também das organizações.

Como resultado desse caldeirão de tensões sociais, a declaração de Dehli (1965) é responsável
pelo surgimento da ideia de que as empresas deveriam encarar a comunidade como parte
envolvida em seus negócios, sendo ela também responsável pela influência nos objetivos,
política e decisões das empresas. Ainda nos anos 1960, os estudos de Keith Davis e os de J.
McGuire ampliam o debate acadêmico sobre a responsabilidade social, pois esses autores
defendiam que a responsabilidade das empresas vai além da responsabilidade em maximizar
lucros. Eles acrescentam à responsabilidade a necessidade de uma postura pública perante
os novos recursos econômicos e humanos da sociedade, assim como o objetivo de mobilizar
esses recursos para interesses do coletivo, e não simplesmente restringi-los a servir a
interesses privados de alguns indivíduos.

No ideal de preocupação com os abusos cometidos por grandes companhias, a Resolução


nº 1.721 do Conselho Econômico e Social da ONU, em 1972, institui o estudo sobre a ação das
multinacionais em países pobres. Nos anos 1970, a responsabilidade social das empresas
passou a fazer parte do debate público para enfrentamento dos problemas sociais: pobreza,
desemprego, diversidade, distribuição de renda, desenvolvimento, crescimento econômico,
poluição, segurança do trabalho e diversos outros.

A partir dos anos 1970, a responsabilidade social das empresas é vista como um conjunto de
obrigações que as organizações deveriam colocar a serviço da comunidade. Em 1979, Archie
Carrol amplia o conceito de responsabilidade social para além de gerar lucros e obedecer às
leis. Isso por meio de um modelo de quatro expectativas básicas ou responsabilidades que
comporiam a responsabilidade social: econômica, legal, ética e social. Vamos detalhar cada
uma dessas dimensões.

64
A responsabilidade econômica das empresas está contida na lógica do modo de
produção capitalista. Dentro desse cenário, a empresa deve produzir e vender bens e/ou
serviços para a sociedade, conseguindo obter lucros. No capitalismo, a empresa tem a
responsabilidade de alcançar os lucros.

A responsabilidade legal responderá à expectativa da sociedade de que a empresa


realize a sua atividade econômica dentro das regulamentações impostas pelos países.
Uma empresa deve conhecer e respeitar o direito ambiental, assim como os direitos
trabalhistas. A empresa tem a responsabilidade de atuar dentro do que é permitido
pela constituição federal e das diversas leis e portarias, inclusive as específicas para
cada tipo de negócio (i.e. regulamentação sanitária para restaurantes ou hospitais, leis
educacionais para escolas etc.).

A responsabilidade ética manifesta-se ao ir além do campo legal. Uma empresa deve


apresentar comportamentos éticos em relação aos negócios mesmo em questões em
que não haja exigência legal. Lembrem-se de que uma tomada de decisão é considerada
moral quando em liberdade, não quando é coercitiva, ou seja, não há uma obrigação de
tomá-la para evitar punição, tomando-se a decisão por valorizar a moral. Enquanto a
responsabilidade legal refere-se à expectativa de atuar conforme a lei, a ética se refere
à obrigação de fazer o que é certo e justo, evitando ou minimizando danos às pessoas.

A responsabilidade discricionária reflete o desejo comum de que as empresas estejam


ativamente envolvidas na melhoria do ambiente social, engajando-se em novos papéis
sociais. Porém, diferentemente das anteriores, isso não acontecerá para atender a uma
expectativa legal ou ética da sociedade. A empresa atuará de forma voluntária em
questões que estão se tornando estratégicas, mas que ainda não são expectativas da
sociedade. A empresa que atinge essa dimensão é a empresa cidadã. Doações, sejam
financeiras ou não, correspondem a esse tipo de responsabilidade.

Com base nas dimensões propostas por Carrol, podemos interpretar as reflexões sobre
o conceito de sustentabilidade enunciado por Thomas Zenisek. Leia atentamente e
identifique as quatro dimensões:

Para uns é tomada como uma responsabilidade legal ou


obrigação social; para outros, é o comportamento socialmente
responsável em que se observa a ética, e para outros, ainda, não
passa de contribuições de caridade que a empresa deve fazer.
Há também, os que admitam que a responsabilidade social
seja, exclusivamente, a responsabilidade de pagar bem aos

65
empregados e dar-lhes bom tratamento. Logicamente,
responsabilidade social das empresas é tudo isto, muito embora
não sejam, somente, estes itens isoladamente.

Você percebeu que, ao mencionar “[...] como uma responsabilidade legal”, é invocada a
dimensão legal. Ao tratar do “comportamento responsável em que se observa a ética”, é
evidenciada a dimensão ética. Quando situa a ideia de ir além da caridade, surge a dimensão
discricionária. Há também elementos de sustentabilidade econômica, exemplificada pelo
“pagar bem aos empregados”. Além de trazer as quatro dimensões, esse pensamento informa
algo importante: a responsabilidade social não é nenhuma das dimensões isoladamente.

A responsabilidade social pode se expressar nas práticas empresariais em três níveis de


abordagem: obrigação social, responsabilidade social e sensibilidade social.

A abordagem da obrigação social se restringe às dimensões econômica, legal e ética.


É uma forma de atuação pautada na ideia de que a obrigação da empresa é dar lucro,
cumprindo as leis, sem danos ou fraudes.

A abordagem de responsabilidade social pauta as ações por metas que vão além das
econômicas, estabelecendo as metas sociais, com destinação de recursos para alcance
dessas metas. Essa forma de atuação não se baseia apenas em altruísmo, mas em uma
preocupação legítima do estudo da história das organizações, que revela que as empresas
que não usam o poder conferido pela sociedade de forma responsável tenderão a perdê-
lo a longo prazo. Sobre isso, Fernanda Borger (2013) discute os fatores da superação da
abordagem de obrigação social e a evolução da abordagem de responsabilidade social. A
autora afirma que uma das grandes questões levantadas em relação aos temas sociais e
ambientais é se estes afetam a competitividade das empresas. Segundo a visão clássica
da empresa, incorporar as questões sociais e ambientais além da obrigação legal eleva
os custos e reduz o lucro das empresas. O debate sobre o conteúdo e a extensão da
responsabilidade social nos negócios foi intenso, no sentido de contrapor o desempenho
econômico ao social e ambiental.

O papel das empresas incluiria lucros, mas, em vez da maximização do lucro de


curto prazo, os negócios deveriam buscar lucros de longo prazo, obedecer às leis e
regulamentações, considerar o impacto não mercadológico de suas decisões e procurar
maneiras de melhorar a sociedade por uma atuação orientada para a responsabilidade e
sustentabilidade dos negócios.

66
O conceito de desenvolvimento sustentável está hoje totalmente integrado ao conceito
de responsabilidade social: não haverá crescimento econômico em longo prazo sem pro-
gresso social e sem cuidado ambiental. Todos os lados devem ser vistos e tratados com
pesos iguais. Mesmo porque são aspectos inter-relacionados. Da mesma forma que o
crescimento econômico não se sustenta sem uma equivalência social e ambiental, pro-
gramas sociais ou ambientais corporativos não se sustentarão se não houver o equilíbrio
econômico da empresa.

A abordagem de sensibilidade social vai além das demandas sociais imediatas. Empre-
sas que atuam nessa abordagem vão além de estabelecer metas econômicas e sociais;
elas se antecipam no enfrentamento de problemas sociais do futuro para agir agora e dar
respostas a esses problemas. Novamente, é o pensar a longo prazo que determinará a so-
brevivência de uma empresa. Percebemos que as abordagens em responsabilidade social
tornam-se mais sofisticadas quanto maior a capacidade de antecipar questões futuras de
relevância social. Diferentemente da ideia de que atuar com responsabilidade social é ser
“uma empresa boazinha”, o estudo das organizações nos permite perceber que a respon-
sabilidade social é condição de sobrevivência futura para a empresa. Por isso, não pode
ser encarada como um fardo, como caridade ou como atividades para descontrair.

Existem sete eixos ou vetores da responsabilidade social que orientam e direcionam o


processo de gestão para o fortalecimento da dimensão social da empresa. Veja:

• O apoio no desenvolvimento da continuidade em que atua: cabe à empresa se ante-


cipar aos problemas que levarão ao esgotamento da sua área de atuação e pôr em
prática ações que garantam a continuidade dessa atividade, por meio de inovações,
inclusive tecnológicas.

• Conservação do meio ambiente: o colapso ambiental acarretará a extinção de di-


versas atividades econômicas, levando as empresas atuais a desaparecer. Cuidar
do ambiente é garantir a sobrevivência das pessoas, das espécies, mas também
das práticas econômicas.

• Investimento no bem-estar dos funcionários e dependentes em um ambiente de


trabalho agradável: apesar de adotarem nomenclatura de acordo com os princí-
pios contemporâneos da gestão (colaboradores, associados...), muitas empresas
continuam com práticas antiquadas quanto ao relacionamento com seus recursos
humanos. Ter pessoal saudável, satisfeito e empolgado com a empresa é também
condição de sobrevivência a longo prazo para a organização.

67
• Comunicações transparentes: obedecendo a princípios éticos, a comunicação
interna e externa deve ser baseada em princípios morais como o da verdade.

• Retorno aos acionistas: não apenas o retorno financeiro, mas de informações; a


transparência é fundamental.

• Sinergia com os parceiros: uma empresa tem vários parceiros, por exemplo os
fornecedores. Uma empresa deve preocupar-se em seguir a lei e adotar posturas
éticas para com seus parceiros para estabelecer uma relação profunda e duradoura
com eles. Lembre-se: a sobrevivência da empresa depende de uma rede de relações
internas e externas.

• Satisfação de clientes e consumidores: ouvir o cliente/consumidor, entender suas


expectativas, antecipar seus desejos, ser sensível a causas que possam mobilizar
as pessoas a criarem relações afetivas com o produto ou serviço e com a marca.

68
A crítica à responsabilidade social

A primeira crítica à responsabilidade social vem do próprio contexto de produção desse


conceito. Só há sentido para esse tipo de teoria dentro do modo de produção capitalista.
Essa é uma teoria elaborada por acadêmicos de pensamento liberal voltados a enfrentar
os problemas do capitalismo sem questioná-lo como sistema. Com base nos trabalhos
de Ivo Tonet, podemos ter três posições político-econômicas básicas para encarar essas
questões: conservadora, progressista e socialista.

A posição conservadora não se incomoda com os problemas criados pelo capitalismo e


entende que as crises do sistema são passageiras, podendo o capitalismo se reinventar
e sobreviver. Nessa posição, as ideias de responsabilidade social recebem abordagem
superficial e muitas vezes reduzidas a mera propaganda; a finalidade das ações ainda é
quase que exclusivamente o lucro. Nessa posição, visões ingênuas de ambiente ou da
questão social brasileira são assumidas, muitas vezes não por desconhecimento, mas
por seu caráter simplista e por serem facilmente transformadas em propagandas.

A posição progressista atua dentro do capitalismo, mas questionando-o. Há uma


intenção de humanizar o sistema e combater sua lógica interna. Essa posição gera
uma questão sem resposta: é possível dentro de um sistema que desumaniza mudar
essa lógica para o bem de todos? Para os que acreditam que a resposta é sim, os
progressistas, a responsabilidade social se apresenta em sua abordagem mais profunda,
a de sensibilidade socioambiental. Daí surgem todas as ações voltadas para a promoção
da cidadania e para o desenvolvimento sustentável. As resoluções da ONU e da Unesco
são guiadas por essa perspectiva.

A posição socialista considera que, por mais bem-intencionados que alguns progressistas
possam ser, é impossível humanizar o capitalismo. Para os que seguem essa posição, o
desenvolvimento sustentável não é possível, pois a necessidade de lucro no capitalismo esgota
a natureza. Nessa linha, a responsabilidade socioambiental é um paliativo para os problemas
sociais e ambientais, sendo que cada avanço conseguido é superado pelo agravamento
da crise do capitalismo, manifestado pelo aumento do desemprego, da violência e da crise
ambiental. Apenas um sistema diferente traria solução para esses problemas.

Tomar consciência da existência dessas posições é muito importante para o profissional


que atuará com responsabilidade social. O bom profissional não é aquele que segue
cegamente uma ideia, mas aquele que sabe operar com a ideia e conhece as críticas

69
e os limites dessa ideia. Você pode acreditar em qualquer uma delas. Espera-se que
leia mais e aprofunde seus conhecimentos sobre elas. Por exigência do mercado de
trabalho, espera-se que você saiba atuar na posição progressista, uma vez que a posição
conservadora é eticamente condenável, e a posição socialista, em um país capitalista,
só se aplicaria a poucas organizações. Porém, o que queremos nesse tópico é promover
o questionamento sobre suas práticas profissionais e o alcance delas, pois isso é
fundamental para a formação intelectual do sujeito.

A segunda crítica à responsabilidade social surge do fato de esta se relacionar frequentemente


com concepções superficiais sobre a crise ambiental. Reduzir o problema ambiental a
slogans como “salvar o planeta” ou “salvar o verde” revela o grau de infantilização de boa
parte das ações ambientais promovidas ou apoiadas pelas empresas.

Loureiro, que é uma das maiores referências em educação ambiental no Brasil, divide as
concepções ambientais em naturalística, romântica e tecnicista.

Uma concepção naturalística de ambiente separa o ser humano da natureza e entende as


ações humanas como fatores “antrópicos” divorciados do ambiente. Nessa linha, estão
os projetos que não valorizam as comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas,
ribeirinhos...) e outras comunidades mais recentes, não as percebendo como agentes
no processo de cuidado com a natureza. Um cuidado que as empresas devem ter é não
encarar o ser humano como inimigo do mundo natural. Nós fazemos parte do ambiente,
nossas ações trazem consequências para toda a cadeia de processos naturais, mas isso
não quer dizer que essas consequências devem ser sempre negativas. Incentivamos que
você pesquise sobre as comunidades que se dedicam à agroecologia, que é uma forma de
produzir alimentos sem agrotóxicos e respeitando, ou melhor, cuidando, das florestas. As
agroflorestas são uma tendência muito positiva que poderiam ser alvo de empresas que
desejassem uma real responsabilidade ambiental. Para isso, a empresa deve entender
que os grupos humanos precisam ser ouvidos e ter sua cultura respeitada. Há saberes,
inclusive tradicionais, que muito colaboram para a conservação do ambiente. Encarar
as pessoas mais pobres como ignorantes que precisam de informação das pessoas
mais esclarecidas é um erro. A gestão ambiental é um processo de troca de saberes e
de entendimentos das diferentes percepções sobre o ambiente e seus problemas. Não
julgar as comunidades ou encará-las como vilãs é evitar a concepção naturalística. Outra
barreira é o discurso dos seres humanos sendo maus, e a natureza, vítima. Esse é um
discurso improdutivo. A espécie humana sempre estará modificando a natureza, mas
essas modificações podem seguir outros rumos, inclusive o do cuidado.

70
A concepção romântica sobre os problemas ambientais é mais frequente nas abordagens
de responsabilidade ambiental. Na unidade anterior, denominamos essas concepções de
ingênuas. O maior slogan desse tipo de visão é: “Se cada um fizer a sua parte, salvaremos
o planeta.”

A concepção tecnicista da crise ambiental é alimentada pelo progresso da ciência e da


tecnologia. Atualmente, muito é investido em tecnologias para geração de energia com
menos impacto ambiental ou para a produção mais limpa e sustentável. Os engenheiros
ambientais se dedicam a buscar soluções menos poluentes para os diversos tipos de
indústria. Em princípio, esse tipo de avanço pode empolgar alguém a ponto de levar à
crença de que a tecnologia resolverá a crise ambiental. Esse é um pensamento ingênuo,
pois, apesar de necessária, a tecnologia sustentável é insuficiente para resolver o problema
ambiental. Placas solares, geradores eólicos, matérias produzidas a partir de plástico que
iria para o lixo, filtros despoluidores de água, materiais que retiram carbono da atmosfera,
tudo isso é de genuíno interesse para a pesquisa científica e tecnológica. Os países que
investem em ciência investem nesse tipo de pesquisa, inclusive por meio das ações de
responsabilidade socioambiental de empresas privadas. Porém, mesmo as instituições
que realizam essas pesquisas têm consciência de que esse caminho ameniza problemas
ambientais, mas não consegue resolvê-los.

A terceira crítica à responsabilidade ambiental é a visão das empresas sobre a questão


social brasileira. Enfrentar os problemas relativos à pobreza, à desigualdade social e à
educação requer a sensibilidade dos gestores para estudar sobre os problemas sociais
do país a partir de referenciais acadêmicos, evitando os “achismos” ou as concepções
não embasadas.

Um dos maiores erros é culpar o pobre por sua própria condição de pobreza. Quantas
vezes não ouvimos sentenças desse tipo: “Caso as pessoas se qualificassem, elas não
seriam pobres.” Essa mentalidade culpabiliza as pessoas pelo fenômeno da pobreza.
Vamos imaginar que todas as pessoas, ou a maioria delas, se qualificassem; imaginando
que isso é possível, será que o mercado absorveria essas milhares de pessoas? Então,
por que há pessoas qualificadas desempregadas?

E educação é fundamental para a formação do ser humano e para a preparação para o


mercado de trabalho, porém a educação não tem o poder de fazer crescer o mercado de
trabalho. Em geral, o que acontece é o movimento contrário: quando alguma atividade
econômica cresce no país, começam a surgir demandas educacionais. Toda vez que há
um crescimento muito intenso do mercado imobiliário, há um crescimento dos cursos de
engenharia e cursos técnicos profissionalizantes que qualificam pessoas para o mercado

71
em expansão. Compreender o papel da educação é fundamental para as empresas que
investem em projetos educacionais.

É muito comum notarmos nos meios de comunicação a visão moralista sobre a pobreza
que a simplifica e a reduz a hipotéticas ausências de valores e atitudes inadequadas
dos(as) pobres. Essas visões são ditas moralistas, pois moral é diferente de moralismo.
Uma posição moralista tenta impor sua visão a todas as pessoas, rotulando e
discriminando as pessoas que se encontram em uma condição diferente. Nesse caso,
pessoas de outra classe social encaram as pessoas pobres como inferiores, preguiçosas
ou “sem cultura”. Esses rótulos moralistas reduzem a questão social do Brasil a meras
atitudes individuais e mostram um desconhecimento do próprio conceito de cultura, que
encara todo ser humano como agente que vive e faz cultura. É claro que, em uma visão
moralista, só um tipo de cultura interessa. As empresas precisam tomar cuidado com
isso, por isso disciplinas como estudos culturais ou cultura e contemporaneidade são
muito importantes para a formação de futuros gestores.

Para refletir

Como vemos a pobreza? Como enxergamos e pensamos esses milhões de


crianças e adolescentes pobres? Como esses sujeitos são pensados pelos
projetos de responsabilidade social?

Geralmente, a pobreza é vista como carência, e, consequentemente, as pessoas pobres


são encaradas como as carentes. Porém, de que forma esse desprovimento é, muitas
vezes, entendido? Muitas vezes tem sido compreendido como escassez de espírito, de
valores, e, inclusive, incapacidade para o estudo e a aprendizagem. Contudo, sabemos
que, no lugar disso, deve-se atentar para as privações materiais que impossibilitam uma
vida digna e justa a esses sujeitos. A sociedade tende a considerar, sobretudo, supostas
carências intelectuais e morais que os pobres carregariam para as escolas e para o
trabalho. Essas são carências de conhecimentos, de valores, de hábitos de estudo, de
disciplina, de moralidade. Desse modo, reforça-se uma concepção moralista sobre as
pessoas pobres que se encontra há muito tempo em nossa cultura política e pedagógica:
a pobreza moral dos pobres produzindo a sua pobreza material. Ou seja, as pessoas são
pobres em termos materiais porque antes são pobres morais. É preciso encarar que é a
carência material que irá desencadear todas as carências.

72
Para refletir

Por que negligenciar, minimizar a visão da pobreza como escassez material,


privação das condições mais básicas para viver de forma justa e digna, como
ser humano? Será que os corpos não importam? Esses corpos precarizados
pela pobreza não interferem no processo educativo e no trabalho? Por que
resistimos a dar a centralidade devida às bases materiais do viver, do pensar,
do ser sujeito intelectual e moral?

Um princípio importante para repensar o acesso à educação e o enfrentamento da


questão social é o princípio da equidade. Equidade não é o mesmo que igualdade; buscar
equidade é buscar a justiça, é dar suporte para aqueles que precisam mais, pois algumas
pessoas se encontram em um estado de vulnerabilidade social tão intenso que dar
acesso a elas à educação não garantirá a sua permanência. Poder estudar significa ter
tempo e ter alguma renda para bancar alimentação, matérias de estudo, moradia etc. Para
algumas pessoas, isso não é um grande problema, pois contam com o apoio financeiro
da família ou exercem alguma atividade profissional que lhes garante tempo e dinheiro
para estudar. Essa não é a realidade da maior parte da população brasileira. Um dos
princípios que deveriam nortear a ética da responsabilidade social empresarial deveria ser
a equidade. Em vez disso, muitas organizações defendem uma visão meritocrática, que
se baseia em um princípio de igualdade: “Oferecemos as mesmas condições, as mesmas
oportunidades.” Essa visão só se sustenta em mundo ideal, em que as condições de vida
das pessoas são iguais ou muito parecidas.

73
A ética e a responsabilidade social

Muitas são as razões que têm impulsionado a ética no ambiente empresarial. Venturoso
(2008) lista as mais relevantes: os altos custos de escândalos nas (ou gerados pelas)
empresas, acarretando perda de confiança por parte do consumidor na sua reputação;
multas elevadas por não cumprimento das leis e normas; a desmotivação dos empregados,
entre outras. Dentro desse quadro, podemos elencar alguns motivos para o estabelecimento
da ética empresarial, tais como: necessidade de recuperar a confiança na empresa; a
importância de tomar as decisões a longo prazo; responsabilidade social das empresas;
urgência em se adotar uma ética nas organizações que estabeleça o papel do diretor e o
meio para recuperar o espírito comunitário face ao individualismo crescente.

Sobre as inter-relações da ética com a responsabilidade social, podemos dizer que a


origem está na filantropia. A filantropia empresarial é um campo que vem ganhando
espaço cada vez maior no Brasil. No entanto, a expressão “filantropia” está associada
a uma referência histórica bastante negativa, sendo ligada a termos como caridade,
paternalismo e assistencialismo. Todos esses termos denunciam o problema ético da
visão de ser humano adotada pelas empresas. Nenhum dos pilares éticos que sustentam
esses termos resultou em mudanças econômicas ou sociais significativas durante
toda a história da humanidade. Pelo contrário, podemos afirmar que esses princípios
colaboravam para a manutenção da pobreza e das mazelas sociais.

Uma longa estrada foi percorrida desde a antiga filantropia, que era algo como atitude
individual de um determinado empresário que desejava ter uma boa imagem, passando
para a atual versão da responsabilidade social, cuja ética se baseia em uma política de
toda empresa em busca da equidade.

Diversos termos novos foram utilizados para sinalizar a escolha por uma nova ética.
Alguns chamavam de investimento social, para não relacionar com a ideia de custo para
empresa. Outros chamariam de ação social empresarial, mas estariam mais focados na
ação em si que na mudança de mentalidade. Outros termos foram participação social,
participação comunitária da empresa, desenvolvimento social, até chegarmos à versão
atual da responsabilidade social. Os apelos morais foram os guias da maior parte das
ações durante a história. Esses apelos se baseavam na concepção de moral de setores
mais tradicionais da sociedade, que muitas vezes passavam da moral para o moralismo.
Mesmo com a atual concepção de responsabilidade social empresarial, ainda há
resquícios de uma lógica da caridade, assistencialismo e paternalismo na atuação de
muitas empresas.

74
Pelo princípio ético da caridade, os cidadãos mais afortunados de uma determinada sociedade
teriam o dever moral de ajudar aos menos afortunados (principalmente os desempregados,
os deficientes, os doentes, os idosos e as crianças), sendo a caridade um ato individual/
pessoal. A generosidade deveria ser praticada por todos aqueles que usufruíssem das
melhores condições para fazer isso, e essa prática não era imposta às empresas.

Pelo princípio ético da assistência, os indivíduos mais ricos da sociedade também


deveriam colocar o seu dinheiro ao dispor dos mais pobres, podendo a caridade ser
exercida agora não apenas por indivíduos isolados, mas por empresas e/ou organizações.
Nessa lógica, ajudavam-se as populações com base em uma função assistencialista, em
que o ser humano era visto como passivo e dependente. Essa visão cogitava o apoio
financeiro apenas de organizações mais robustas e estáveis em termos econômicos.
Porém, a assistência não era vista como algo consistente na atividade empresarial, era
um algo a mais que, caso não acontecesse, não traria grandes problemas.

Pelo princípio ético liberal, o principal objetivo das empresas seria a obtenção de lucros,
sendo a sua mais importante missão proceder de forma eficiente e respeitar as leis do livre
mercado. A ética liberal leva ao extremo a ideia de autonomia individual, ao pressupor que
há direitos fundamentais que devem ser protegidos contra os abusos de poder político,
por exemplo: direito à vida, à liberdade, à expressão e à propriedade. Só que esses direitos
são base para o juízo moral, porém não são o certo ou o errado. Logo, alguém tem o direito
de agir de uma forma, mas isso não quer dizer que agir assim é fazer o bem. Considera-
se, sob o ponto de vista liberal, que há apenas uma, e só uma, responsabilidade social das
empresas: usar os recursos para incrementar os lucros. Ir além disso, para os liberais,
seria ceder a um conjunto de intenções que, em concreto, traz mais desvantagens para
a empresa do que benefícios. O bem não pode ser exercido para ganhar dinheiro, e as
preocupações sociais mais relevantes são de responsabilidade do Estado ou no máximo
de cidadãos mais abastados. Sob esse prisma, a única responsabilidade das empresas é
aumentar os lucros de seus acionistas, sem praticar fraude ou engano (seguindo a lei); e
qualquer outro procedimento que inclua a responsabilização das empresas pelo impacto
social do desemprego, das diferentes formas de discriminação ou, ainda, da poluição
ambiental não passa apenas de uma utopia daqueles que desejam o socialismo.

Pelo princípio ético do bem-estar social, a função da empresa não é apenas gerar lucro.
Keith Davis estabelece cinco princípios sobre as práticas de responsabilidade social
empresarial:

(i) A responsabilidade social é consequência do impacto social que a empresa


exerce sobre as comunidades, o que significa que o cidadão poderia responsabilizar
as empresas pelos agravamentos na questão social provocados por elas.

75
(ii) As empresas têm que se configurar como sistemas abertos que mantêm um
conjunto de trocas com o meio circundante, recebendo e exercendo influência no meio.
(iii) Quaisquer custos ou benefícios sociais devem fazer parte da contabilidade
empresarial.
(iv) Os custos sociais de uma empresa devem ser transferidos para os consumidores.
(v) As empresas têm a obrigação moral de enfrentar a questão social, indo além
do seu negócio.

Esse último princípio emerge do modelo ético do cuidado. Fundado em uma ética do
feminino, o modelo do cuidado é a oposição ao modelo do individualismo liberal. Aqui, os
valores tidos como femininos — empatia, amor, compaixão e simpatia — iriam alargar a
concepção de responsabilidade, indo muito além dos direitos individuais.

Todos esses princípios foram superados na evolução da responsabilidade social, no


sentido de que seu exercício não seja visto apenas pelo seu lado humanitário, mas tendo
em conta a racionalidade econômica dos seus argumentos, sem que, todavia, perca-se
de vista o imperativo kantiano, da ética deontológica, recordando que todos os seres
humanos têm não apenas o direito de não ser tratados como meios, mas como fins em
si próprios.

Sobre a evolução da ética que domina a responsabilidade social, Moura et al. (2004, p.
20) afirma:

Onde antes dominava o imperativo ‘moral’ e da responsabilidade


em face dos trabalhadores […] agora impõe-se a ideia de que
se deve assumir a responsabilidade por todos os problemas
decorrentes da atividade empresarial própria, não importando a
sua natureza e o seu alcance.

Isso significa ir além da caridade e passar a ter consciência da rede de relações complexas que
envolve uma atividade empresarial. Essa nova ética é capitalista, portanto não nega o lucro:

As empresas vão, apesar da sua orientação essencial para o


lucro, tomando consciência de que a responsabilidade social
tem valor econômico direto, isto é, que a assunção de objetivos
sociais e ambientais importa para o seu sucesso e deve fazer
parte da sua estratégia econômica. (MOURA et al., 2004, p. 24)

76
Como já discutido nas unidades anteriores, a concepção atual de responsabilidade social
empresarial não vê o cuidado com as pessoas e com a natureza como um inimigo do lucro,
mas como uma condição necessária à sobrevivência da empresa e do tipo de negócio.

Podemos analisar a tragédia de Mariana/MG, em que a falta de ética com a sociedade


e o ambiente não só destruiu a vida das comunidades locais e devastou ecossistemas
inteiros, como também condenou o negócio de mineração no local. Esse episódio será
sempre trazido à tona quando se discutir a implantação de empresas de mineração e com
certeza colocará a sociedade para lutar contra a instalação desse tipo de empresa. A falta
de ética e responsabilidade socioambiental na atuação empresarial pode levar ao declínio
de um tipo de negócio. Analise o que afirma Luiz Guilherme Dias (sócio-diretor da Sabe
Consultores, consultor de empresas e conselheiro certificado) sobre o caso da Samarco:

A amplitude da tragédia colocou a empresa Samarco e o Setor


de Mineração no radar nacional e mundial, motivo pelo qual
resolvemos postar este novo artigo procurando refletir se a
destruição teve causa técnica ou ética. No primeiro artigo
discutimos o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE),
criado com o objetivo de ser uma ferramenta para análise
comparativa da performance das empresas listadas na Bolsa
de Valores sob o aspecto da sustentabilidade corporativa,
além do desempenho empresarial nas dimensões econômico-
financeira, social, ambiental e de mudanças climáticas. Nesta
ocasião, o ISE possuía em sua carteira teórica 50 ações de 40
companhias, tendo a Vale o maior peso (12%). Poucos dias após
nossa publicação o site Plurale publicou um artigo intitulado
‘Vale está fora do Índice de Sustentabilidade Empresarial da
BM & Bovespa de 2016’, repercutindo a nossa manifestação
assim como de outros analistas financeiros e especialistas em
sustentabilidade que vinham cobrando um posicionamento
firme da BM & Bovespa, uma vez que a Vale tinha o maior
peso no Índice e teve a sua reputação e transparência
em xeque diante da tragédia de Mariana. (DIAS, 2015)

Na citação acima, percebemos como a responsabilidade socioambiental vai muito além de


uma ética de caridade, assistência, lucro ou cuidado. É uma questão de autopreservação
da empresa, algo que nem sempre é captado nos conceitos propostos na literatura.

77
Veja, por exemplo, como Queiroz, Estender e Galvão (2014) definem a responsabilidade
socioambiental:

Responsabilidade Social é um conjunto de ações adotadas e


realizadas pelas empresas visando o bem-estar da sociedade, e
uma maior lucratividade, ou seja, é quando uma empresa decide
cooperar para melhoria de uma sociedade, em um aspecto
geral: educação, inclusão social, meio ambiente, entre outras
ações benéficas à sociedade, tendo em vista os dois lados da
organização: o lado interno, que são os colaboradores e todos
que irão afetar de alguma forma no resultado da empresa, e o
lado externo, que são as consequências das ações, as parcerias
e o ambiente em que está inserida.

Apesar de interessante, esse conceito não abordou a questão da própria sobrevivência


da empresa e do negócio.

Ainda sobre o caso Samarco, Guilherme Dias continua a detalhar:

[...] a questão da ambiguidade entre os objetivos de longo prazo


contidos na declaração de Visão da Samarco (dobrar de valor e
ser a melhor do setor) contra as boas práticas de governança
e crescimento sustentável. Analisando o Relatório Anual de
Sustentabilidade 2014 tudo parecia estar ‘verde’, mas a realidade
mostrou o ‘marrom’ da lama que devastou a região, se arrastou
por 600 km até o oceano Atlântico, deixando pelo caminho
centenas de vítimas desabrigadas. [...] em sua história recente,
a Samarco esteve envolvida em diversos episódios causadores
de danos socioambientais nas áreas onde pratica a atividade da
mineração. Reportam-se, por exemplo, ao menos cinco outros
episódios de rompimento de estruturas [...]. (DIAS, 2015)

Com base na citação, questiona-se ainda hoje se algumas empresas poderão ser sequer
responsáveis. Também se será apenas a sua consciência social um derivado da lei, do
lucro econômico, ou da gestão moral dos projetos em causa? Empresas que têm o seu
negócio relacionado com bebidas alcoólicas, armas, cigarros, entre outras, jamais podem

78
ser consideradas cidadãs pelo mal que causam aos cidadãos e à sociedade. Pode um
banco que estimula o endividamento ser cidadão porque desenvolve uma atividade de
educação financeira para pessoas da comunidade?

A fim de compreendermos melhor o papel da ética e da moral no contexto da iniciativa


privada, citemos Adolfo Sanchez Vasquez (1990, p. 53):

[...] a moral é um fato histórico e, por conseguinte, a ética,


como a ciência da moral, não pode concebê-la como dada
de uma vez para sempre, mas tem de considerá-la como um
aspecto da realidade humana mutável com o tempo [...]. O
sistema econômico no qual a força de trabalho se vende como
mercadoria e no qual vigora a lei da obtenção do maior lucro
possível gera uma moral egoísta e individualista que satisfaz
o desejo de lucro [...] Contudo, há na moral uma função social
que não se modifica: [...] regular as ações dos indivíduos nas
suas relações mútuas, ou as do indivíduo com a comunidade,
visando a preservar a sociedade no seu conjunto ou, no seio
dela, a integridade de um grupo social.

Lembrando que a moral é um produto cultural situado historicamente de forma dialética,


pois ela é continuamente construída e desconstruída à medida que o ser humano atua
sobre a natureza. O próprio ato de se apropriar da moral e exercê-la cria as contradições
que a colocarão em xeque no futuro. Se, por um lado, a moral capitalista é individualista, por
outro, esse mesmo individualismo é questionado e tensionado na busca do coletivo, nas
situações em que os interesses da sociedade são ameaçados por interesses particulares.

79
NA PRÁTICA

Nesta unidade, abordamos a tragédia socioambiental de Mariana/MG e do Rio Doce,


com base nas dimensões da responsabilidade social. Analisando as decisões da
Samarco, podemos inferir que a falta de responsabilidade socioambiental causou o
acidente com a barragem, mas não parou por aí: a forma que a empresa administrou
sua reponsabilidade legal e ética levou à mobilização da sociedade civil contra o
negócio da mineração. Sem dúvida, esse episódio será lembrado toda vez que
mineradoras tentarem se instalar em localidades. A Samarco deu um passo longo para
sua própria extinção e para a inviabilização da mineração como atividade econômica.

80
Resumo da Unidade 3

A responsabilidade socioambiental das empresas não é sinônimo de caridade. Em sua


evolução histórica, a relação entre empresa, sociedade e ambiente foi regida por diferen-
tes modelos éticos. Atualmente, a responsabilidade socioambiental é vista como neces-
sária para a conservação da própria empresa no mercado, não podendo ser encarada
como antagonista do lucro, pois se dá em uma dimensão econômica em sintonia com
as dimensões ética, legal e discricionária.

CONCEITO

Esta unidade destacou o conceito de responsabilidade socioambiental das empresas


como um conjunto de decisões e ações tomadas pelas organizações a fim de
buscar um enfrentamento da questão social e da crise ambiental. Essas decisões e
ações devem aliar o desenvolvimento econômico da empresa e a atividade por ela
desenvolvida, levando em conta os aspectos legais, assim como os éticos.

81
Referências

BECKET, C. Ética. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2012.

BERTONCELLO, S. L. T.; CHANG JUNIOR, J. A importância da responsabilidade social


corporativa como fator de diferenciação. Facom, São Paulo, n. 17, 2007.

BORGER, F. G. Responsabilidade social empresarial e sustentabilidade para a gestão


empresarial. Instituto Ethos, São Paulo, 16 jun. 2013.

BRASIL. Curso de especialização em educação, pobreza e desigualdade social.


Brasília: MEC; Secadi, 2016.

DIAS, G. Samarco: destruição com causa técnica ou ética? Sabe, Petrópolis, 8 dez. 2015.
Disponível em: <http://www.sabe.com.br/blog/detalhe/samarco-destruicao-com-causa-
tecnica-ou-etica>. Acesso em: 18 dez. 2018.

FONSECA, D. E. M. A importância do conceito de responsabilidade social nas empresas.


Comunicación, [S.l.], n. 37, 2017.

MOURA, R. et al. Responsabilidade social das empresas: emprego e formação


profissional. [S.l.]: MundiServiços, 2004.

QUEIROZ, S. G.; ESTENDER, A. C.; GALVÃO, M. Responsabilidade social: uma estratégia


para as empresas se destacarem no mercado. In: SIMPÓSIO DE EXCELÊNCIA DE
GESTÃO E TECNOLOGIA, 11., 2014, Resende. Anais... Resende: Associação Educacional
Dom Bosco, 2014.

VASQUEZ, A. S. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990.

VENTUROSO, L. J. Ética empresarial e a responsabilidade social e ambiental.


Administradores, João Pessoa, 31 maio 2008.

VIEIRA, R. F. A iniciativa privada no contexto social: exercício de cidadania e responsabilidade


social. RP em revista, Salvador, n. 22, 2007.

82
UNIDADE 4

Responsabilidade
socioambiental
INTRODUÇÃO

Atuar na área da responsabilidade social corporativa exige conhecer modelos aplicados


de outras empresas e analisar seus pontos fortes e a coerência dessas propostas com
os pilares da responsabilidade social. Também é importante ter noção dos principais
erros cometidos pelas corporações na tentativa de responder ao clamor do mercado por
responsabilidade social, mas fazendo isso de maneira apressada e cedendo a modismos.
Nesta unidade conheceremos a ISO 26000 e os Indicadores Ethos para responsabilidade
social, referências imprescindíveis para trabalhar na área.

OBJETIVO

Nesta unidade, você será capaz de:

• Elaborar propostas de ação de responsabilidade socioambiental eticamente


fundamentadas.

84
Análises de iniciativas de responsabilidade
social

Trabalhar na área da responsabilidade social empresarial exige o conhecimento das


normas e dos indicadores sobre a atuação responsável das empresas, além de exemplos
concretos de como as organizações vêm desenvolvendo seus programas. A partir de
agora, focaremos em nos instrumentalizarmos para elaborar e/ou gerir situações de
responsabilidade social.

Um passo muito importante é conhecer as normas que regulamentam a área. Para isso,
é de fundamental importância que você se familiarize com a norma brasileira ISO 26000
do ano de 2010. Veja como a norma caracteriza a responsabilidade social.

Agora vamos analisar um trecho da norma em que é abordado o conceito de


responsabilidade social:

A característica essencial da responsabilidade social é a


disposição da organização de incorporar considerações
socioambientais em seus processos decisórios, bem como a
accountability pelos impactos de suas decisões e atividades na
sociedade e no meio ambiente. Isso implica um comportamento

85
transparente e ético que contribua para o desenvolvimento
sustentável, esteja em conformidade com as leis aplicáveis e seja
consistente com as normas internacionais de comportamento.
Também implica que a responsabilidade social esteja integrada
em toda a organização, seja praticada em suas relações e leve
em conta os interesses das partes interessadas. Uma parte
interessada tem um ou mais interesses que podem ser afetados
pelas decisões e atividades de uma organização. Esse interesse
dá à parte interessada uma “participação” na organização que
cria uma relação com a organização. Essa relação não precisa
ser formalizada ou mesmo reconhecida pela parte interessada
ou pela organização. As partes interessadas podem também
ser chamadas stakeholders. Ao determinar quais interesses
de partes interessadas serão reconhecidos, convém que a
organização considere a legalidade desses interesses e sua
consistência com as normas internacionais de comportamento.
(ABNT, 2010, p. 6-7, grifos nossos)

As partes interessadas em responsabilidade social são muitas e, algumas vezes, não


são completamente identificadas pelas empresas. A norma as define “como indivíduo ou
grupo que tem um interesse em quaisquer decisões ou atividades de uma organização”.
Mas como saber qual o limite disso? Vamos pensar no caso da construção de uma
barragem para produção de energia. Comunidades indígenas e ribeirinhas que serão
impactadas são partes interessadas, os consumidores de energia elétrica também,
os trabalhadores que vão se deslocar para construir a barragem estão inclusos nesse
conceito. Em uma ética antropocêntrica, seriam partes interessadas todos os grupos
humanos que vão, em alguma medida, beneficiar-se e/ou se prejudicar pelas decisões da
empresa. É importante destacar que, mesmo que a empresa discuta suas decisões com
as partes interessadas, isso não substitui o diálogo com a sociedade como um todo, pois
vários conhecimentos e pontos de vista estarão ausentes no universo limitado às partes
interessadas. Na construção de uma barragem, devem ser ouvidos os movimentos
ambientalistas, organizações que trabalham com direitos humanos, cientistas, que,
mesmo não vivendo na área e não sendo impactados pelas ações da empresa, têm
contribuições a dar na análise das decisões empresariais.

A identificação e o engajamento de partes interessadas são


fundamentais para a responsabilidade social. Convém que a
organização determine quem tem interesse em suas decisões

86
e atividades para que possa compreender seus impactos
e como lidar com eles. Apesar de as partes interessadas
poderem ajudar uma organização a identificar a relevância de
assuntos específicos para suas decisões e atividades, elas não
substituem a sociedade como um todo na determinação de
normas e expectativas de comportamento. Um assunto pode
ser relevante para a responsabilidade social da organização
mesmo quando não identificado especificamente pelas partes
interessadas que ela consulta. (ABNT, 2010, p. 32)

O termo accountability, como explicado pela própria norma, significa a condição de


responsabilizar-se pelas decisões e pelas atividades, além de prestar contas dessas
decisões e atividades aos órgãos de governança de uma organização, a autoridades legais
e, de modo mais amplo, às partes interessadas da organização. Ou seja, é necessário
assumir as decisões tomadas por uma empresa de forma ética e legal.

Vamos analisar o modelo de responsabilidade social adotado pela Microsoft. A multinacio-


nal da área de tecnologia da informação destaca-se por sua ação inovadora na educação.
Não se trata de projetos assistencialistas ou caridade para escolas, mas de utilizar a exper-
tise da empresa no desenvolvimento de softwares para tornar o processo de aprendizagem
mais divertido e dinâmico. Seguindo princípios éticos, os materiais desenvolvidos são de
boa qualidade (não são mera propaganda) e facilitam a vida de professores e estudantes. A
empresa disponibiliza links que instruem estudantes e professores a otimizar seu trabalho
com auxílio de ferramentas tecnológicas. Há uma política de preços mais baixos para pro-
dutos educacionais a fim de garantir a inclusão digital de uma parcela maior da população
estudantil. Os professores podem se tornar Microsoft Innovative Educators, que nada mais
é que participar de uma comunidade global de mais de 100 mil professores que usam as
tecnologias desenvolvidas pela empresa na sala de aula para preparar seus estudantes.

87
Saiba mais

Outra linha importante da responsabilidade social da Microsoft é a política de


inclusão e diversidade na empresa. Segundo o próprio site da empresa:

Nossos funcionários são a ponte para os nossos


clientes. Portanto é importante que eles se
sintam encorajados a contribuir com a sua visão
única e habilidades para ajudar a resolver alguns
dos desafios tecnológicos mais complexos.
Na Microsoft Brasil incentivamos seis grandes
grupos com a participação de funcionários e
engajamento com o mercado que nos ajudam a
construir uma comunidade de apoio em toda a
Microsoft. (DIVERSIDADE…, c2016)

Os grupos são: Mulheres Em Tecnologia, Mulheres Na Liderança, blacks@microsoft,


Pessoas Com Deficiência, Multigerações e LGBT.

Perceba que a escolha desses grupos está de acordo com os ideais de equidade, que
refletem justiça social. São grupos discriminados no mercado de trabalho, constituídos
por pessoas com talento, que podem contribuir para o crescimento da empresa. Por ou-
tro lado, esses grupos também constituem consumidores em potencial. A empresa está
atenta ao poder de compra de todas essas pessoas e deseja estabelecer laços afetivos
e de confiança com elas.

A Microsoft participa do programa pró-equidade de raça e gênero e do programa da ONU


Women’s Empowerment Principles (princípios de empoderamento feminino). A ISO 26000
explicita a preocupação com a igualdade de gêneros. Uma empresa que não promove esse
princípio não pode ser considerada responsável socialmente. A própria norma assume que,
culturalmente, todas as sociedades do planeta, em sua história cultural, designaram os pa-
péis esperados para os homens e para as mulheres. Esses papéis de gênero são os com-
portamentos aprendidos desde cedo e, muitas vezes, informalmente que condicionam quais
atividades e responsabilidades são encaradas como tipicamente masculinas ou femininas.

88
Os papéis de gênero, na maioria das vezes, subestimam a intelectualidade e a força das
mulheres e também estereotipam os homens. Em todos os casos, a discriminação de
gênero limita o potencial de indivíduos, famílias, comunidades e sociedades.

Ainda mais agravante é que há uma relação positiva entre igualdade de gênero e desen-
volvimento socioeconômico, ou seja, quanto mais rígida a crença no papel de gênero,
menos desenvolvida a sociedade, e quanto mais uma sociedade dá liberdade para que
os indivíduos exerçam seus talentos sem preocupação com o estereótipo da profissão,
mais desenvolvimento econômico é alcançado. Por isso igualdade de gênero é um dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio traçados pela ONU.

A ISO 26000 afirma que:

[…] a promoção da igualdade de gênero dentro das atividades e


campanhas da organização é um importante componente da
responsabilidade social. Convém que as organizações revejam
suas decisões e atividades para eliminar desequilíbrios de
gênero e promover igualdade de gênero. (ABNT, 2010, p. 8)

89
Logo uma empresa deve preocupar-se com a proporção de homens e mulheres na
gestão, visando atingir progressivamente paridade e extinguir limitações de gênero.
Parece óbvio, mas é importante destacar que a empresa tem que atuar com igualdade de
tratamento para homens e mulheres trabalhadores no recrutamento, na designação de
tarefas, no treinamento, nas oportunidades de progresso, na remuneração e na rescisão
de contrato de trabalho.

Atingir equidade, entretanto, não é só dar condições iguais, é respeitar as diferenças. Então
a empresa deve estar atenta às questões de saúde ocupacional que afetam homens e
mulheres de forma diferente e como ela veicula na mídia a imagem das mulheres, não
as reduzindo a objetos sexuais. Ainda, o investimento dela deve ser maior em áreas em
que um dos gêneros leva desvantagem, por exemplo, as empresas de tecnologia (assim
como o faz a Microsoft) devem ficar mais atentas às mulheres, pois, historicamente, elas
foram excluídas da produção e do uso de tecnologias.

90
Outra preocupação da ISO 26000 é o engajamento da empresa na promoção dos direitos
humanos. Uma vez que a mídia tende a distorcer a concepção de direitos humanos, iremos
nos dedicar a discuti-los aqui.

Direitos humanos são os direitos básicos de toda e qualquer pessoa. Podem ser direitos
civis e direitos políticos. Todo ser humano tem direito à vida, à propriedade privada, liberda-
de de pensamento e de expressão, assim como de crença. Todos têm direito à igualdade
formal (todos são iguais perante a lei). Temos direito a uma nacionalidade, assim como ao
direito político de participar do governo (votando, sendo votado).

Outro grupo de direitos humanos são os direitos econômicos e socioculturais. Todos temos
direito ao trabalho, à educação, à saúde, à previdência social, à moradia, à distribuição de ren-
da. Por causa desses direitos temos o Sistema Único de Saúde (SUS), pois todos têm direito
à saúde, não apenas quem pode pagar por ela. Por causa deles também a escola pública
deve ser para todos (no passado, era para poucos), incluindo as pessoas com deficiência
(inclusão). Por isso também devem existir programas de moradia digna, ninguém deveria
morar nas ruas.

Também há os direitos humanos mais difusos e coletivos: direito à paz, direito ao progresso,
direito à autodeterminação dos povos, direito ambiental, direitos do consumidor, inclusão digital.

Cabe às empresas colaborarem com a sociedade no cumprimento desses direitos. Muitas


empresas atuaram de forma contrária a eles durante a história. Ainda hoje os abusos
acontecem: o Walmart foi acusado em um processo de discriminar sistematicamente
milhares de suas funcionárias mulheres nos EUA. Alguns empregadores na França têm
insistido que agências de emprego se referem apenas aos trabalhadores brancos para
eles, de acordo com os promotores (EMPRESAS…, 2018).

A ONU ressalta as características mais importantes dos direitos humanos:

São fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada


pessoa;
São universais, o que quer dizer que são aplicados de forma
igual e sem discriminação a todas as pessoas;
São inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus direitos
humanos; eles podem ser limitados em situações específicas.
Por exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma
pessoa é considerada culpada de um crime diante de um tribu-
nal e com o devido processo legal;

91
São indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é
insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros, não. Na
prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos
outros. (O QUE…, 2017)

A ISO 26000 destaca que convém que uma organização respeite os direitos humanos e
reconheça tanto sua importância como sua universalidade. No caso das multinacionais,
respeite a universalidade desses direitos, ou seja, reconheça que eles são aplicáveis em
todos os países, culturas e situações de forma unívoca; em situações em que os direitos
humanos não estejam protegidos, tome medidas para respeitar os direitos humanos
e evite tirar vantagens dessas situações; e, em situações em que a legislação ou sua
implementação não prevejam proteção adequada aos direitos humanos, siga o princípio
de respeito pelas normas internacionais de comportamento.

92
Análise de iniciativas de responsabilidade
socioambiental

A Alcoa é uma empresa que atua em toda a cadeia produtiva do alumínio, desde a
mineração, com a extração da matéria-prima, que é o mineral bauxita, até os produtos
finais, que são alumínio em pó e outros componentes à base desse metal. Seguindo
a tendência dos anos 1990, a empresa fundou o Instituto Alcoa, uma entidade sem
fins lucrativos destinada a atuar na dimensão discricionária da responsabilidade social
empresarial. Isso quer dizer que esse instituto promove ações de voluntariado que
beneficiam as comunidades em que a empresa está presente. Tais ações têm foco em
educação, trabalho e renda, saúde, meio ambiente, governança e segurança. Um dos
pilares do instituto é a busca por um modelo de desenvolvimento sustentável.

A melhor maneira de ser apresentado à política de responsabilidade socioambiental de


uma empresa é conhecendo seu balanço social. Geralmente, ele está disponível como
documento na internet.

93
Outro exemplo interessante de atuação em relação ao ambiente é o do Carrefour. A
empresa tem sua política de responsabilidade ambiental voltada para o controle dos
resíduos sólidos, o combate ao desperdício de água e a eficiência energética. Apesar
de necessária, a propaganda sobre as ações ambientais da empresa esbarra em uma
concepção ingênua (romântica) sobre crise ambiental. A empresa recorre a slogans
apelativos que simplificam o problema ambiental. De qualquer forma, as ações adotadas
são interessantes; o que os profissionais da área da responsabilidade social precisam ter
em mente é o alcance dessas medidas, seus limites.

Para refletir

Seria ético simplificar a profundidade do problema ambiental para o consumidor?

Pela análise do site do Carrefour, percebemos o foco na destinação dos resíduos. Caso
você venha a trabalhar em uma empresa com a mesma preocupação, vale a pena
conhecer a ideia de créditos de logística reversa. Eles representam as atividades de coleta e
triagem realizadas pelas cooperativas de catadores. Além de constituir um instrumento de
inclusão produtiva e geração de renda para os catadores (adicional à venda dos materiais)
e contribuir para a formalização, o desenvolvimento e o fortalecimento das cooperativas,
constituem um modo eficiente de as empresas cumprirem suas obrigações legais.

94
Após assistir a esses vídeos, reflita que, pela política de resíduos sólidos do Brasil, a prioridade
é a não geração do resíduo. Caso seja possível não produzir algo que será danoso ao ambiente
quando for resíduo, essa será a opção. A segunda opção será a redução. Reduzir o consumo
e a produção de certos materiais é uma necessidade para a redução de resíduos. Apenas
depois dessas medidas é que temos a reutilização e, por último, a reciclagem.

Ao analisar modelos de responsabilidade socioambiental de empresas, é importante perceber


se esses modelos estão pautados nos princípios estabelecidos pela ISO 26000 (2010). A
norma sugere que uma organização respeite e promova os seguintes princípios ambientais:

• O princípio da responsabilidade ambiental


Vai além de seguir a legislação e normas. Convém que uma organização assuma
sua responsabilidade pelos impactos ambientais causados por suas atividades
em áreas rurais ou urbanas e no meio ambiente como um todo. Convém que, em
reconhecimento aos limites ecológicos, a organização atue visando à melhoria de
seu próprio desempenho, assim como do desempenho de quem está dentro de sua
esfera de influência.

• O princípio da precaução
Formulado na ECO-92, na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
também aparece em todas as declarações que vieram depois dessa. Como indicado
pelo título, precaver é tomar medidas antes que algo ruim aconteça. Caso algo esteja
colocando em risco o ambiente ou a saúde humana, a empresa precisa agir e tentar
sanar o problema, mesmo que não haja certeza científica da sua responsabilidade
pelo ocorrido. Não se pode “pagar para ver”, ou seja, adiar ações à espera de
confirmações. Ao considerar a relação custo versus benefício de uma medida,
convém que a organização considere os custos e benefícios de longo prazo dessa
medida, e não somente os custos econômicos de curto prazo para a organização.

• O princípio da gestão de risco ambiental


Estabelece que uma organização deve implantar programas usando uma perspectiva
baseada em riscos e na sustentabilidade para avaliar, evitar, reduzir e mitigar riscos
e impactos ambientais de suas atividades. Convém que a organização desenvolva
e implemente atividades de conscientização e procedimentos de resposta a
emergências para reduzir e mitigar impactos ambientais na saúde e na segurança
causados por acidentes e para divulgar informações sobre incidentes ambientais
às autoridades competentes e às comunidades locais (ABNT, 2010, p. 54).

95
• O princípio do poluidor pagador
Afirma que a organização deve arcar com os custos resultantes da poluição
causada por suas atividades de acordo com a extensão do impacto ambiental
na sociedade e a ação corretiva exigida, ou à medida que a poluição ultrapassa
o nível aceitável. Convém que a organização se esforce para internalizar o custo
da poluição e quantificar os benefícios econômicos e ambientais de prevenir a
poluição, em vez de mitigar seus impactos com base no princípio do “poluidor
pagador”. A organização pode escolher cooperar com outros no desenvolvimento
de instrumentos econômicos, como fundos de contingência para arcar com os
custos de incidentes ambientais de vulto.

A ISO 26000 também estabelece abordagens para a questão ambiental.

A abordagem do ciclo de vida visa reduzir os impactos ambientais de produtos e serviços


e aumentar seu desempenho socioeconômico ao longo de todo o seu ciclo de vida, ou
seja, desde extração de matérias-primas e geração de energia, passando por produção
e uso, até descarte ou recuperação no fim da vida. Convém que uma organização se
concentre nas inovações, e não somente na conformidade, e que se comprometa com a
melhoria contínua em seu desempenho ambiental.

A abordagem da avaliação de impacto ambiental sugere que uma organização avalie os


impactos ambientais antes de começar uma nova atividade ou projeto e use os resulta-
dos de sua avaliação no processo decisório.

A abordagem da produção mais limpa e da ecoeficiência está relacionada a:

Estratégias para satisfação das necessidades humanas pelo


uso mais eficiente de recursos e pela menor geração de polui-
ção e resíduos. Um importante foco é realizar melhorias na fonte
em vez de no final de um processo ou atividade. As abordagens
de produção mais limpa e segura e ecoeficiência incluem o se-
guinte: melhoria nas práticas de manutenção; modernização ou
introdução de novas tecnologias ou processos; redução no uso
de materiais e energia; uso de energia renovável; racionalização
do uso da água; eliminação ou gestão segura de materiais e re-
síduos tóxicos e perigosos; e melhoria no design do produto ou
serviço. (ABNT, 2010, p. 55)

96
A abordagem por sistemas de produto-serviço pode ser usada para mudar o foco das rela-
ções mercantis, passando-as da venda ou fornecimento de produtos (ou seja, transferência
da propriedade por meio de operações únicas de venda ou locação/leasing) para a venda
ou provimento de um sistema de produtos e serviços que, conjuntamente, satisfaçam as
necessidades do consumidor (em uma variedade de mecanismos de serviço e entrega).
Sistemas de produtos/serviços incluem leasing do produto, locação ou compartilhamen-
to do produto, combinação de produtos e pagamento por serviços. Tais sistemas podem
reduzir o uso de materiais, separar a receita dos fluxos de materiais e envolver as partes
interessadas na promoção de uma maior responsabilidade do produtor ao longo do ciclo
de vida do produto e do serviço que o acompanha (ABNT, 2010, p. 55).

A abordagem do uso de tecnologias e práticas ambientalmente saudáveis estabelece


que é conveniente que a empresa adote e promova o desenvolvimento e a divulgação de
tecnologias e serviços que reduzam o dano ambiental.

A abordagem das práticas de compras sustentáveis estabelece que a empresa leve em


conta o desempenho ambiental (assim como social e ético) em suas decisões de com-
pra. Priorizando os produtos ou serviços de menor impacto, fazendo uso de sistemas
de rotulagem confiáveis, eficazes e com verificação externa, como os selos verdes ou
atividades de auditoria.

Por fim, temos a aprendizagem e a conscientização. Convém que uma organização


promova a conscientização e a aprendizagem adequadas para dar suporte aos seus
esforços ambientais, na própria organização e dentro de sua esfera de influência.

97
Elaborando iniciativas socioambientais eti-
camente fundamentadas

Antes de refletirmos sobre como fazer na prática a responsabilidade social empresarial


acontecer, é importante que estejamos conscientes do que ela significa e o que representa.
Utilizaremos a definição ampla adotada pelo Instituto Ethos (2017, p. 8):

É a atividade econômica orientada para a geração de valor


econômico-financeiro, ético, social e ambiental, cujos
resultados são compartilhados com os públicos afetados. Sua
produção e comercialização são organizadas de modo a reduzir
continuamente o consumo de bens naturais e de serviços
ecossistêmicos, a conferir competitividade e continuidade à
própria atividade e a promover e manter o desenvolvimento
sustentável da sociedade.

Desse conceito apreendemos que o tripé economia, sociedade e ambiente é fundamental


para nortear o pensamento dos gestores quando eles propõem ações de responsabilidade
social corporativa. Esse será nosso primeiro critério orientador para tomarmos nossas
decisões.

Sustentabilidade

Ambiente

Sociedade Economia

98
Outro aspecto que deve ser lembrado e que é provocado por essa citação é que ser
responsável socialmente envolve quatro dimensões: a econômica (garantindo o lucro da
empresa), a legal (mantendo-se de acordo com as leis), a ética (tomando decisões morais)
e a discricionária (com diversas ações socioambientais). É de suma importância que os
gestores das corporações coloquem essas dimensões na ordem do dia. Esse será nosso
segundo critério a ter em mente na elaboração de propostas de responsabilidade social.

RESPONSABILIDADE
ECONÔMICA

RESPONSABILIDADE
PILARES DA LEGAL
RESPONSABILIDADE
SOCIAL
RESPONSABILIDADE
ÉTICA

RESPONSABILIDADE
DISCRICIONÁRIA

Sobre a importância de realizar na prática as ações de responsabilidade social, é


importante tomar o argumento de Gianoni:

Empresas que se preocupam com o futuro e como elas se


encaixam nesse tipo de visão em longo prazo se preocupam
com essa questão. Está muito claro que os recursos atualmente
empregados na indústria em geral estão cada vez mais escassos
e a tendência é piorar. Investir em responsabilidade social
corporativa é fundamental para a sobrevivência e longevidade
de quem quer ser relevante amanhã. (GIANONI, 2015)

Esse argumento nos leva a encarar a responsabilidade social como uma necessidade para
a sobrevivência da empresa e do ramo de negócio. Vivemos em um período de grande ins-
tabilidade e mesmo as grandes empresas sofrem o risco de desaparecer. Ao pensarmos em
longo prazo, a situação se agrava diante da crise ambiental e da questão social brasileira.

99
Uma vez que estamos convencidos da importância da responsabilidade social, vamos
agora pensar nos erros mais comuns cometidos pelas empresas nessa área. Ter
consciência desses erros será nosso terceiro critério para elaborar nossas ações e tomar
decisões em responsabilidade social. Refletiremos sobre cada um desses erros no sentido
de pensar em como evitá-los nas nossas ações. Segundo o site administradores.com,
uma pesquisa realizada pela consultoria DOM Strategy Partner, baseada em entrevistas
com os executivos de 223 das 500 maiores empresas brasileiras, identificou os dez erros
mais representativos em sustentabilidade nas companhias:

1. Em 79% das empresas pesquisadas, a visão e os valores se encontravam


dispersos e desalinhados. Não foi estabelecida para toda a empresa a noção do que
é sustentabilidade, da linha de educação ambiental a ser trabalhada. Há problemas
envolvendo setores, pois a visão de sustentabilidade fica limitada a um único setor,
departamento ou líder, sem se difundir por toda a corporação, fazendo com que a
maioria dos colaboradores simplesmente não compreenda a visão defendida pela
empresa, causando atitudes dispersas ao encarar o tema. Uma empresa deve
estar preparada para conduzir as diferentes visões que possam aparecer a partir
de um direcionamento, sem repressão. O alinhamento com uma mesma ambição
é importante e só é conseguido se está bem estabelecido pelos gestores. Não que
essa visão seja imutável, as considerações e questionamentos dos diversos setores
da empresa devem retroalimentar a visão da empresa e orientar para modificações.

2. Tão grave quanto a noção de sustentabilidade não ser compartilhada e entendida


por todos os setores é quando a governança não se convence dela e não a
abraça como causa. A inconsistência de governança foi detectada em 74% das
empresas pesquisadas. Nessas empresas, a importância da sustentabilidade só
está presente no discurso, sendo ainda uma espécie de prática solta ou difusa na
empresa. O tema ainda não tem adesão, nem ganhou o apoio das lideranças. Como
consequência disso, não foram implantados sistemas de gestão bem estruturados
para esse fim, não foram estabelecidas metas, nem elaborados orçamentos ou
designados executivos que assumiriam o papel de líderes nesse processo. Por
causa disso, em muitas dessas empresas, o conhecimento de sustentabilidade,
que é um dos principais elementos que tornam possíveis as ações socioambientais,
encontra-se disperso. A partir desse erro, devemos pensar em como não o
cometer. Daí vemos a necessidade de organizar a governança e designar papéis.

3. Em 72% das empresas pesquisadas, a avaliação a partir da mensuração era


inexistente. Esse é um dos erros mais comuns diante da quantidade de empresas
que se mobiliza para implantar iniciativas de sustentabilidade, mas acabam por não

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conseguir atingir esse objetivo de forma adequada. Por causa da pouca maturidade
da governança, a devida mensuração é ignorada. Ainda neste tópico, vamos sugerir o
uso dos Indicadores Ethos, para não cometermos esse erro.

4. Sustentabilidade é um tema amplo, de múltiplas dimensões, que pode abarcar


uma infinidade de ações. Por isso, traçar as prioridades é fundamental. Em 65%
das empresas pesquisadas havia inconsistência na fixação de prioridades. Como
resultado disso, a sustentabilidade pode não contemplar os objetivos de todos os
envolvidos, devido à diferença de prioridades, que se desencontram. Em geral, isso é
causado por falta de materialidade, quando as aspirações, desejos e ideais adotados
são, na prática, inviáveis, difíceis de abordar ou pouco factíveis. Ainda, as prioridades
traçadas às pressas ou de forma irresponsável podem não ter a relevância desejada.
Então as ações causam frustração, resultados irrisórios para a empresa, prejuízos
financeiros e de reputação.

5. Nem toda ação de responsabilidade social é coerente com o negócio exercido


pela empresa. A dissociação do core business (o negócio central da empresa) foi
detectada em 62% das corporações. O negócio principal da empresa precisa ser
encarado como foco e inserido nas ações de responsabilidade social. Apoiar causas
que se distanciem do negócio principal da empresa, do seu propósito, das suas
práticas, dos processos, dos produtos e dos serviços centrais reduz o impacto das
estratégias de responsabilidade social. Por isso, ao elaborarmos nossos projetos de
responsabilidade social, temos que priorizar ações que dialoguem diretamente com
o negócio central desenvolvido pela corporação.

6. Em 61% das empresas ocorreu o erro da comunicação oportunista ou


ineficiente. A comunicação é essencial para a sobrevivência da estratégia de
responsabilidade social. Caso seja mal elaborada e de pouca consistência,
poderá não ser eficiente em engajar a clientela interna e ser insuficiente para os
demais stakeholders. O cenário pode ser mais desastroso, caso a estratégia de
comunicação descambe para o oportunismo, o sensacionalismo ou a falsidade,
o que gera um problema ético, que levará ao descrédito da empresa perante o
público. Investir na comunicação responsável e contínua é a alternativa para reduzir
riscos e atingir os perfis desejados. As empresas devem conhecer seus diversos
públicos, adequando o conteúdo, a linguagem, o canal e a abordagem a cada um.

7. A miopia em relação aos resultados potenciais foi registrada em 61% das empresas
pesquisadas. Por toda a disciplina, insistimos na ideia de que responsabilidade
social não pode ser vista como antagonista do lucro, nem como modismo ou como

101
obrigação. Para boa parte das empresas, ainda não são claras as oportunidades
de gerar e proteger o valor oriundo das iniciativas de sustentabilidade. Mais do que
obrigação por pressão social, o conceito precisa ser um motor facilitador para a
inovação, eficiência operacional, diferenciação dos competidores e fonte adicional
de receitas por novos produtos, serviços ou canais.

8. O erro da baixa percepção de impacto sistêmico no entorno ocorreu em 51% das


empresas pesquisadas. Em geral, as empresas ainda tendem a perceber os seres
humanos como objetos, e não como sujeitos. Os sujeitos são capazes de criar e
recriar suas relações com o meio, incluindo as empresas. Os impactos sistêmicos
da sustentabilidade, sejam da empresa para os stakeholders ou dos stakeholders
para a empresa, ainda não são percebidos com facilidade pelos executivos. Por
essa razão as ideias provindas do entorno da empresa não são aproveitadas, as
ideias tendem a ser impostas por poucos executivos em uma via apenas de ida
para os demais setores.

9. Pensar de forma unidimensional foi o erro cometido por 39% das empresas. Fazer
responsabilidade social é levar em conta que há um equilíbrio entre as dimensões
ambientais, sociais (incluindo aspectos culturais aqui) e econômicas. Os pesos e a
importância de cada uma dessas dimensões são determinados de acordo com as
prioridades de cada companhia. A exclusão de uma dessas dimensões condenará
os projetos, ainda que de início eles pareçam dar bons resultados. Lembre-se de
que a responsabilidade social é um investimento para longo prazo.

10. Em 43% das empresas ocorreu falta de realismo. As iniciativas que visam ser
sustentáveis precisam de um planejamento que leve em conta o segmento e a
estratégia de atuação da empresa. Não levar isso em conta pode resultar em metas
distorcidas em relação à realidade e em resultados subvalorizados.

Uma ferramenta importante para a elaboração e para a avaliação da responsabilidade


social na empresa são os indicadores do Instituto Ethos. Manter-se submetida à análise
segundo esses indicadores garante à empresa não cair nos erros listados anteriormente.
Sobre esses indicadores, afirma o Instituto Ethos:

Os Indicadores Ethos para Negócios Sustentáveis e


Responsáveis têm como foco avaliar o quanto a sustentabilidade
e a responsabilidade social têm sido incorporadas nos negócios,
auxiliando na definição de estratégias, políticas e processos.

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Embora traga medidas de desempenho em sustentabilidade e
responsabilidade social, esta ferramenta não se propõe a medir
o desempenho das empresas nem reconhecer organizações
como sustentáveis ou responsáveis. A nova geração dos
Indicadores Ethos foi desenvolvida para estar a serviço dos
negócios, com aplicações e funcionalidades que permitem total
flexibilidade em sua aplicação pelas empresas e a geração de
relatórios mais próximos da realidade empresarial, que apoiam
efetivamente a gestão, com mecanismos para planejamento,
compartilhamento de dados com as partes interessadas e
desenvolvimento da sustentabilidade nas cadeias de valor.
(INDICADORES…, 2017, p. 8)

Os indicadores abrangem quatro grandes dimensões para a efetividade da


responsabilidade social:

1. A dimensão de visão e estratégia, que avalia as estratégias para sustentabilidade,


a proposta de valor e o modelo de negócios.

2. A dimensão de governança e gestão, que se preocupa com a relação entre


governança e conduta e aborda o código de conduta (dimensão ética), a organização
da governança, o compromisso voluntário e o engajamento das partes interessadas.
Também nessa dimensão estão a preocupação com a prestação de contas, as
práticas concorrenciais, as práticas anticorrupção e o sistema de gestão.

3. A dimensão social avalia a empresa quanto ao risco aos direitos humanos, às


questões de trabalho, ao consumidor e, por fim, à sociedade e seu desenvolvimento.

4. A dimensão ambiental aborda o impacto nas mudanças climáticas, na gestão e


monitoramento dos impactos sobre os serviços ecossistêmicos e a biodiversidade.
Por fim, avalia impactos do consumo.

103
NA PRÁTICA

A C&A abriu mil vagas de emprego para travestis e transexuais para promover a
inclusão e a diversidade.

A companhia de origem holandesa busca com isso se atualizar e adaptar seus


recursos humanos à realidade de um mundo em constante transformação.

Esse é um exemplo concreto de ação de responsabilidade social que leva em conta


os direitos humanos, destacando o direito ao trabalho digno. Um dos dramas sociais
vividos pelas pessoas transexuais e travestis é a rejeição pelo mercado de trabalho.
A C&A se antecipa às tendências de mercado e abriga essa população, tornando-se
referência para a mudança necessária nas atitudes das empresas, reforçando sua
imagem de empresa cidadã. É claro que a ação despertará alguma polêmica, mas
a questão é: que ética guia a ação da empresa? A C&A decidiu valorizar os direitos
humanos, a inclusão e a aceitação da diversidade.

Fonte: merca20.com.

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Resumo da Unidade 4

A responsabilidade social corporativa tem como norte a norma ISO 26000, que, apesar de
não ser certificadora, estabelece todos os parâmetros para estruturar projetos na área. O
Instituto Ethos, além de catalogar as melhores experiências em responsabilidade social
corporativa no Brasil, editou os Indicadores Ethos, que ajudam as empresas a avaliar seus
projetos. Basicamente, não podemos esquecer que a responsabilidade é, ao mesmo tempo,
econômica, social e ambiental. Logo, o conhecimento sobre sustentabilidade e direitos
humanos é essencial para entender como se processa a responsabilidade empresarial.

CONCEITO

Nesta unidade destacou-se o conceito de responsabilidade social corporativa, que se


baseia no tripé economia, sociedade e ambiente. Cada item desse tripé está descrito
e discutido na ISO 26000, uma norma que norteia a criação dos programas de
responsabilidade social. Além disso, o Instituto Ethos elaborou indicadores para avaliar
a implantação de projetos na área. Basicamente, as visões de sustentabilidade e de
direitos humanos são indispensáveis para se pensar em responsabilidade social e são
muito bem defendidas nesses documentos.

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Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 26000: diretrizes de


responsabilidade social. Rio de Janeiro, 2010.

DEZ erros da sustentabilidade mais comuns nas empresas. Administradores, João


Pessoa, 14 jul. 2015. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/noticias/
negocios/dez-errosda-sustentabilidade-mais-comuns-nas-empresas/103134>. Acesso
em: 21 dez. 2018.

DIVERSIDADE e inclusão. Microsoft, [S.l.], c2016. Disponível em: <https://www.microsoft.


com/pt-br/diversity/>. Acesso em: 21 dez. 2018.

EMPRESAS e direitos humanos: uma breve introdução. Business & Human Rights
Resource Centre, [S.l.], 2018. Disponível em: <https://www.business-humanrights.org/pt/
empresas-e-direitos-humanos-uma-breve-introdu%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 21
dez. 2018.

GIANONI, M. Responsabilidade social corporativa: como fazer? Responsabilidade Social,


Brasília, n. 192, 29 maio 2015. Disponível em: <http://www.responsabilidadesocial.com/
artigo/responsabilidade-social-corporativa-como-fazer/>. Acesso em: 21 dez. 2018.

INDICADORES Ethos para negócios sustentáveis e responsáveis. Instituto Ethos, São


Paulo, 2017. Disponível em: <https://www.ethos.org.br/cedoc/indicadores-ethos-para-
negociossustentaveis-e-responsaveis/#.XAWfKGhKi01>. Acesso em: 13 nov. 2018.

O QUE são os direitos humanos? Organização das Nações Unidas no Brasil, [S.l.], 2017.
Disponível em: <https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/>. Acesso em: 21 dez. 2018.

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