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RESPONSABILIDADE
SOCIAL
ÉTICA E
RESPONSABILIDADE
SOCIAL
Copyright © UVA 2021
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer
meio sem a prévia autorização desta instituição.
REVISÃO DIAGRAMAÇÃO
Clarissa Penna UVA
Theo Cavalcanti
Lydianna Lima
C873
9,4 MB.
ISBN 978-85-5459-056-7
CDD – 170
Apresentação 6
Autor 7
UNIDADE 1
Moral e ética 8
• Moral
• Ética
• Perspectivas Éticas
UNIDADE 2
A questão ambiental 40
• Visões de ambiente
• Crise ambiental
UNIDADE 3
UNIDADE 4
Responsabilidade socioambiental 85
• Análises de iniciativas de responsabilidade social
Nesta disciplina, vamos refletir sobre a moralidade na tomada de decisões, seja por um
profissional, seja por uma organização. Iremos abordar a necessidade e as polêmicas
de temas como responsabilidade social e responsabilidade ambiental. Vamos analisar
como uma empresa pode exercer essas responsabilidades com ética.
A busca por uma nova relação com a nossa própria humanidade é outra tensão que paira
sobre as organizações. A responsabilidade social é uma forma de valorizar as pessoas e
a cultura. Porém como fazer responsabilidade social? Será que a responsabilidade social
realmente resolve os problemas das pessoas ou não passa de um marketing social?
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AUTOR
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UNIDADE 1
Moral e ética
INTRODUÇÃO
A todo momento, nas nossas vidas, nós tomamos decisões sobre como iremos agir. Em
que se baseiam essas decisões? Todas as pessoas e todas as organizações afirmam que
agem no sentido de fazer o bem, de defender o que é certo. Porém, o que é o bem? O que
é certo para uma pessoa é o certo para outra? No intuito de refletir sobre isso, diversos
termos surgem: moral, ética, valores. Muitas vezes esses termos são empregados como
sinônimos, porém eles têm significados distintos. Nas diretrizes curriculares dos cursos
de graduação, geralmente aparece, no perfil desejado do egresso, “o profissional que aja
pautado pela ética”. O que isso significa?
OBJETIVO
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Moral
Para discutir questões morais nas organizações e a relação dessas questões com a
realidade social e ambiental em que vivemos, vamos iniciar analisando um caso histórico.
O que irá marcar o uso do trabalho da criança nessa época será a insalubridade. Meninos
e meninas serão expostos a atividades de risco, tal como entrar em máquinas para
lubrificá-las. Nessa prática, aconteciam acidentes, resultando na mutilação ou morte da
criança. Além disso, as condições precárias de higiene do local de trabalho, a jornada de
mais de 12 horas e a alimentação deficitária também vitimavam as crianças.
Analise a descrição que o filósofo Karl Marx faz das condições de trabalho das crianças
no período:
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supervisores para lhes vigiar o trabalho. Era interesse destes
feitores de escravos fazerem as crianças trabalhar o máximo
possível, pois sua remuneração era proporcional à quantidade de
trabalho que deles podiam extrair. [...] Os lucros dos fabricantes
eram enormes, mais isso apenas aguava-lhes a voracidade
lupina. Começaram então a prática do trabalho noturno,
revezando, sem solução de continuidade, a turma do dia pelo da
noite o grupo diurno ia se estender nas camas ainda quentes que
o grupo noturno ainda acabara de deixar, e vice e versa. Todo
mundo diz em Lancashire, que as camas nunca esfriam. (MARX,
1988, p. 875-876)
A situação que descrevemos acima, com apoio da citação de Marx, foi encarada com
muita tranquilidade durante muitos anos. Será que hoje nós a encararíamos como
normal? Ela provocaria revolta na sociedade?
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Para refletir
Entretanto, o que significa moral? Quando podemos afirmar que algo está
dentro da moral?
Em uma definição simples, de dicionário, a moral consiste em: “Preceitos e regras que,
estabelecidos e admitidos por uma sociedade, regulam o comportamento de quem dela
faz parte” (MORAL..., 2018).
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A relação da moral com a cultura pode ser simplificada ao pensarmos que há coisas que
culturalmente nós podemos fazer na atualidade e há coisas que nós não podemos fazer.
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Poderíamos considerar, hoje, que uma organização que se vale do trabalho infantil age
de acordo com a moral? Claro que não. Na nossa cultura, hoje, o trabalho infantil é
indefensável (não pode ser defendido), é imoral.
A maioria dos filmes que retratam épocas passadas distorcem a história, justamente por
não levarem em conta que a moral muda de acordo com a época. Como o público não
entenderia a cultura e, por consequência, a moral da época, o que esses filmes fazem
é recriar um antigo Egito, Roma ou Idade Média com a moral da nossa sociedade, uma
distorção.
Até o início do século XX, as famílias entregariam uma menina de 12 anos para se casar
com um homem de 60 anos. Toda sociedade ficava contente com isso, não abalava a
moral da época. Na atualidade, temos o conceito de infância, e com isso uma questão
moral surgiu, a pedofilia. No nosso mundo, não é certo que uma criança de 12 anos
case com um adulto; é uma exploração sexual, é pedofilia, algo imoral, algo indefensável.
Como o estudo da moral orienta a produção de leis, podemos acrescentar ainda que a
pedofilia é um crime. Contudo, perceba: a moral não é lei escrita, ela inspira a elaboração
de leis.
Na Grécia Antiga, a escravidão era vista com naturalidade, pois não existia a ideia de
que as pessoas eram iguais, logo não havia problema que algumas não tivessem direito
à liberdade. A prática da tortura foi considerada como normal por toda a Idade Média e
parte da Idade Moderna. Na sociedade atual, é considerada uma prática imoral.
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Ainda explorando a relação entre moral e cultura, devemos levar em conta que a moral não
só varia no tempo como no espaço. Há grupos culturais diferentes espalhados pelo mundo.
Ainda ressaltando o aspecto social da moral, não podemos usar o termo imoral para
indivíduos; não existe pessoa imoral, pois todo indivíduo é parte de uma sociedade e de
uma cultura, toda pessoa internaliza uma cultura, logo internaliza uma moral.
Apesar de os valores morais diferirem nas sociedades, existem alguns valores que são
apresentados como “universais”, presentes em quase todas as sociedades do mundo,
como o princípio da liberdade. Alguns desses valores são tão primordiais que estão
previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Então, alguns valores morais
podem orientar a produção de direitos.
Entendemos o conceito de moral como aquilo que se consolidou como sendo verdadeiro
para uma sociedade ou para uma cultura. Podemos relacionar moral com dois termos:
liberdade e responsabilidade.
Vamos tomar o seguinte exemplo, dado pelo filósofo Clovis de Barros Filho, no conteúdo
apresentado na midiateca. Imagine uma pessoa em uma banca de jornais. O jornaleiro saiu
e deixou a banca aberta. A pessoa quer pegar um jornal. Ela pode pegar e não pagar, pois
não há testemunhas, não há câmeras e não haverá punição. Ela também poderá deixar o
dinheiro na banca e levar o jornal. A moral da nossa sociedade nos diz para não roubar.
O comportamento da pessoa de deixar o dinheiro ao pegar o jornal só será considerado
moral se for exercido assim, com liberdade, sem coerção, sem ser forçado ou por medo
de punição. Caso alguém coloque o dinheiro apenas porque se não o fizer vai poder ser
punida, esse não será um comportamento moral, pois não aconteceu em liberdade.
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A responsabilidade pelo comportamento também depende da liberdade. Ninguém pode
ser responsabilizado por um comportamento se foi forçado a fazê-lo; quando se perde a
liberdade, não há responsabilidade moral. Como afirma Leclerq (1967, p. 376), “os atos só
têm caráter moral na medida em que nele intervém a liberdade; e seu caráter moral diminui
na proporção que diminui a intervenção do livre-arbítrio”.
Entendendo a moral como fruto da cultura de um grupo social, podemos pensar nos
valores morais de uma organização. As organizações são sociedades, com sua própria
cultura — a cultura organizacional. Uma empresa sustentável está alicerçada em valores
como honestidade, responsabilidade social, integridade, inovação, sustentabilidade,
transparência, inteligência, inspiração, flexibilidade, entre outros. Esses princípios são
compartilhados desde os superiores hierárquicos até todos os trabalhadores da empresa.
Como são morais, são culturais, devendo ser exercidos em liberdade, e não por coerção.
O fato de existir uma moral na sociedade não significa dizer que todos irão segui-la o tempo
todo. O que orienta as tomadas de decisão sobre a moral? Como fazemos os julgamentos
morais? O que fez o sujeito deixar o dinheiro para o jornaleiro seguindo a moral? Por que outro
sujeito levou o jornal e não pagou? Quando nos perguntamos isso, estamos nos deslocando
do campo da moral para o campo da ética, que será o objeto do próximo tópico.
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Ética
“O homem quando guiado pela ética é o melhor dos animais, quando sem ela, é o pior de todos.”
(Aristóteles)
Ética é a parte da filosofia que reflete sobre as ações humanas, sobre o que fundamenta
essas ações. Apesar de esse tipo de estudo ter aparecido, independentemente, em várias
culturas na Antiguidade (nos impérios africanos e asiáticos), a ética originada pelos
gregos antigos é a mais conhecida. Provavelmente, os gregos aprenderam elementos de
ética em contato com outros povos e a desenvolveram.
Uma das visões mais antigas sobre ética de que se tem registro é a do filósofo Aristóteles.
Ele estabelece que o objetivo das ações humanas, de todo o trabalho da humanidade, é
o bem. A busca pelo bem seria o que diferenciaria a ação dos homens das dos outros
animais. Os animais apenas repetiriam ações inatas ou que aprenderam, sem o objetivo
de chegar a um bem. Todavia, o que seria esse bem? Para Aristóteles, o bem maior seria a
felicidade. O bem viver e o bem agir resultariam em ser feliz. O problema desse raciocínio,
que Aristóteles percebeu, é que aquilo que é felicidade para uns não é exatamente
considerado felicidade para outros.
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Porém, havia uma certa regularidade; grupos sociais estabeleciam o que é o bem e
o que é a felicidade. Acabamos por partilhar noções parecidas de “fazer o bem” com
as pessoas que vivem sob as mesmas influências que nós: mesma religião, educação
familiar semelhante etc. são as noções de moral.
Como é o indivíduo que interpreta a moral, ele utilizará sua racionalidade para planejar
suas ações. Existe uma norma moral que diz que é errado beber e dirigir, então os
indivíduos irão interpretar essa regra e decidir se irão ou não dirigir após beber. Para essa
tomada de decisões, eles podem focar as consequências das ações.
A ética está ligada à opção; as pessoas optam por um ou outro comportamento. A ética
orienta a conduta humana. Ela norteia nossa vida e a convivência entre as pessoas.
Em entrevista à Rádio EPC, foi perguntado ao filósofo Mario Sergio Cortella qual o limite da
ética. O entrevistador relatou que, por ética, aquela rádio não dá noticias sensacionalistas,
que, por ética, eles também não ofereciam contratos a empregados de outras rádios, mas
que, como as outras rádios faziam, eles se prejudicavam. Qual seria o limite da ética?
A resposta foi: “O limite da sua escolha.” Nessa resposta, captamos um dos elementos
essenciais para a compreensão da ética: a opção racional, as escolhas, as decisões que
tomamos. Não é pelo fato de o outro agir de forma errada que nós também devemos agir.
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Vejamos como Álvaro Valls reflete sobre a ética:
Então, seria a ética sinônimo de moral? Não! A moral, como vimos no tópico anterior, é
um conjunto de noções, um conjunto de normas ou um código determinado do que é
certo ou errado produzido por uma cultura, que deveria orientar a conduta das pessoas
em uma sociedade.
O ser humano, como ser social, está submetido às normas morais. No entanto, não somos
apenas coletividade, temos uma visão, uma interpretação, uma crítica dos construtos
sociais. Nós interpretamos e/ou criticamos a moral. Há uma tensão na existência
humana entre o ser de hábitos culturais e o ser autônomo, que toma decisões, que é livre
e responsável pelos seus atos. Nós somos esses dois seres ao mesmo tempo.
Vamos imaginar a situação de um rapaz que está com pouco dinheiro para as despesas
de casa. Ao sair do trabalho, ele, acidentalmente, bateu com sua moto no retrovisor de um
carro que estava no estacionamento. Ninguém viu. Ele terá que tomar uma decisão: ou ele
seguirá a moral, que nos orienta a pagar por aquilo que nós quebramos, ou ele sairá dali
e economizará o já pouco dinheiro que tem. O que fazer? Ele irá usar sua racionalidade
para fazer um julgamento sobre a moral e tomar uma decisão, realizará uma ação.
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Perceba que ética não é sinônimo de valor, não é a mesma coisa que valores como
honestidade ou integridade. Esses valores podem servir de referência para a tomada de
decisão, para o julgamento da moral.
A ética, como ciência, estuda os fatos morais. O fato moral acontece quando você tem
os agentes (pessoas), que tomam decisões, fazem escolhas e realizam ações, com base
nessas escolhas, que impactam a vida de outras pessoas. Esse impacto na vida dos
outros pode ser positivo ou negativo. A ética vai explicar esses fatos morais. Veja o caso
do rapaz da moto: a decisão tomada por ele irá impactar a sua própria vida e também a
vida do dono do carro que ele quebrou a lanterna.
Ao analisar a questão ambiental brasileira, Nelson Tembra (2009) afirma que a falta de
ética é o centro do problema ambiental do país. Um dos casos que o autor utiliza para
ilustrar seu raciocínio é a construção de hidrelétricas. Sobre a construção da hidrelétrica
de Barra Grande, o autor aponta que o Estudo de Impacto Ambiental – EIA:
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Na citação anterior, temos duas ações que são objeto para o estudo da ética. Uma
empresa que coloca informações falsas em um relatório e um órgão que não vistoriou
as irregularidades. Podemos inferir sobre algumas pressões que levaram o órgão a não
cumprir sua função, desde falta de pessoal a pressões de outros setores do governo. O
que pode ser compreendido na análise sobre a ação é que:
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Para refletir
Para refletir
Ou, ainda, imagine o seguinte dilema: é ético roubar um medicamento que é caro
demais para ser comprado no intuito de salvar uma vida? Ou seja, qual valor deve
prevalecer, o valor vida ou o valor propriedade privada?
Para guiar nossos julgamentos éticos, temos que adquirir o código de valores que regem
a nossa sociedade. Por exemplo, no Brasil, temos que conhecer a Constituição, pois lá
estão explicitados os valores morais nacionais. Vejamos o artigo 1º.
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Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado democrático de direito e tem como
fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político. (BRASIL, 1988)
Tendo a dignidade da pessoa humana como valor moral, fica claro que todo ser humano,
sem distinção, merece tratamento digno. Então como agir perante os outros? Como agir
eticamente? Agir sempre de modo a respeitar, a não humilhar, a não discriminar, seja em
relação à sexualidade ou à etnia. Com esses valores morais estabelecidos, surgem os
comportamentos inaceitáveis. A discriminação por etnia será o racismo, a discriminação
por gênero será o machismo. Esses conceitos (racismo, machismo) não existiam em
sociedades antigas que não tinham a dignidade da pessoa humana como valor moral.
Da mesma forma, a escravidão e a tortura tornam-se práticas indefensáveis.
Agora que estabelecemos o papel dos valores morais para a tomada de decisão,
precisamos de modelos que orientem essas ações toda vez que os valores morais
entrarem em conflito entre si ou com as circunstâncias da nossa vida. O próximo tópico
abordará os modelos éticos.
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Perspectivas Éticas
Dália Conrado (2017) realizou uma ampla revisão sobre as perspectivas éticas. Segundo
a autora, podemos distinguir duas perspectivas sobre a noção de valor, com base na
literatura em filosofia moral. Uma perspectiva avalia o valor da ação humana, enquanto a
outra avalia o valor dos sujeitos e objetos no mundo.
Essa primeira perspectiva é centrada no agir, sendo a ação o foco da análise, ou seja,
a conduta humana; assim, nesse campo, a discussão será sobre os critérios utilizados
para atribuir valor moral à ação. Será que uma ação realizada é certa? Fizemos algo
bom ou ruim, recomendável ou não recomendável? Com isso, guiamo-nos no sentido de
entender se esse tipo de ação deve ou não ser realizada.
A busca por essas respostas está na base das três principais tradições éticas da filosofia
moral ocidental: 1) a ética das virtudes; 2) o utilitarismo; e 3) a deontologia.
Vamos submeter a esses três modelos o estudo de um caso proposto por Becket (2012).
Uma jovem necessita de transplante de rim. Seu pai, ao mesmo tempo que quer doar,
tem muito medo de fazer a cirurgia e morrer. Apesar de ser compatível com a filha, sua
saúde não é muito boa. Com vergonha de ser recriminado pela sociedade, por seu medo
de doar, o pai confessa ao médico que é compatível com a filha, mas pede a ele que
minta quanto à compatibilidade dele com a filha.
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A ética das virtudes
Diferentemente das demais éticas ocidentais, a ética das virtudes não foca a conduta das
pessoas, mas sim o caráter. O fato de essa ética ser tão diferente é explicada pela cultura
da época em que foi produzida. Para os gregos, o mundo era estável e estático; as coisas
no universo, inclusive nós, ocupariam sempre os mesmos lugares e fariam sempre as
mesmas coisas. Como dito em um tópico anterior, a escravidão era justificada, pois havia
pessoas cujo lugar natural era dominar e outras cujo lugar natural seria servir. Em um
mundo desse tipo, a ética produzida tentava captar algo que fosse intrínseco às pessoas,
nesse caso as virtudes.
Anscombe (1958) explica que, na visão de Aristóteles, a virtude é um traço de caráter que
só pode ser percebido na forma habitual de agir de uma pessoa. A ideia de “habitual” é
central para o entendimento da ética aristotélica. Só o que é costumeiro, comum, ação do
dia a dia, que irá caracterizar a pessoa como virtuosa ou não. Analisaremos o caso do ser
honesto. A virtude da honestidade só é atribuída a pessoas que sempre falam a verdade.
Ela não pode ser atribuída a pessoas que só falam a verdade ocasionalmente ou só são
verdadeiras se isso trouxer alguma vantagem. O mundo de Aristóteles é um mundo de
índoles inatas. A pessoa honesta é, por natureza, sempre verdadeira; é algo intrínseco,
interno ao ser. Algumas pessoas teriam um caráter firme e inabalável.
Os vícios, assim como as virtudes, são também traços de caráter que se apresentam
nas ações rotineiras. Então, virtude é um traço de caráter bom, que se apresenta nas
ações habituais. As virtudes morais são: afabilidade, autoconfiança, autodisciplina,
benevolência, compaixão, civilidade, coragem, cortesia, equidade, generosidade,
honestidade, justiça, lealdade, moderação, paciência, prudência, ponderação, sensatez,
tolerância (ANSCOMBE, 1958, p. 308).
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meio entre dois vícios, pois, em um extremo, estaria a desonestidade, manifestada por
mentir o tempo todo, e, no outro extremo, a dureza de dizer a verdade mesmo quando
isso favorecer a injustiça.
A ética das virtudes faz referência às qualidades necessárias às pessoas para uma boa
conduta, voltada a uma vida boa. Desde a perspectiva aristotélica sobre as virtudes, é
importante avaliar o encaixe de cada ser humano no todo social. Por isso, podemos
dizer que essa é uma ética acerca da função ou do papel que cada ser humano cumpre
no todo social de que é parte. Lembre-se de que no mundo grego esses papéis eram
estáticos, pois não havia mobilidade social. Para essa tradição, a pergunta sobre “o que
se deve fazer?” terá como referência o que um agente considerado virtuoso faria.
Quanto ao estudo do caso da doação do órgão, sob esse modelo ético, temos que:
• A decisão do pai está relacionada a seu caráter, dividido entre a covardia (vício) e a
solicitude (virtude), mas o vício suplantou a virtude. Então é eticamente condenável o
caráter do pai, por não ser virtuoso.
• O médico está em um dilema: por um lado, está sua integridade moral, a virtude da
sinceridade; por outro, está a solicitude, ajudar o pai da jovem a não ser estigmatizado.
Ele poderia encontrar um meio-termo e dizer que, por razões médicas, o pai não iria
doar. Seria uma meia-verdade.
A ética consequencialista
As éticas que surgem na Idade Moderna são influenciadas pelo desenvolvimento das
ciências da natureza. Sendo assim, o mundo não é mais estático, e não existe aquela
ideia de cosmo ordenado em que tudo e todos têm seu lugar natural. Nessa nova cultura,
surgem novas formas de avaliar a moral, ou seja, surgem novas éticas. O foco dessas
novas éticas não será o caráter, pois as pessoas podem variar a forma como agem, mas
sim a conduta.
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termos de felicidade, de prazer, ou por formas de evitar a dor para o máximo possível de
envolvidos. É uma ética altruísta: não se pensa só no bem de quem realiza a ação, mas
de quanto benefício essa ação trará a outras pessoas.
Vamos contextualizar com um exemplo atual: uma empresa estabelece uma meta de
vendas quase absurda para um funcionário do banco. Para atingir essa meta, ele pensou
e vai mentir para alguns clientes vendendo produtos que não servem para eles. Segundo
o consequencialismo maquiavélico, o fim justifica os meios, então pode ser feito. Já para
o utilitarismo de Benthan, isso trará tristeza para muita gente, então não é certo fazer.
Veja que temos aqui uma típica situação de aplicação da ética: uma situação que choca
com os princípios morais e uma ação que precisa ser tomada.
No caso do transplante para a jovem, a ética utilitarista pesaria o maior benefício possível.
Como o risco de morte para o doador é sempre baixo e há chances de a jovem viver após
o transplante, a decisão certa é que o pai doe.
Para o médico, se o pai se recusa a doar, ele deve pensar no que traria maior conforto e
felicidade para a família. Certamente não seria denunciar a covardia do pai. Então, por essa
ética, o médico deveria mentir, pois a mentira em si não é um problema moral, uma vez que
isso depende das consequências dela. No caso, deveriam ser consequências benéficas.
Ética deontológica
A ética deontológica, cujo representante máximo na modernidade foi Kant, nos séculos
XVIII e XIX, afasta-se das anteriores na sua análise das ações, por não buscar critério para
a justificação das ações, seja nas suas consequências (como os consequencialistas) ou
nas virtudes dos agentes (como na ética das virtudes).
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Para Kant, uma ação moral teria que ser executada no sentido do dever, e não apenas
como resultado de uma inclinação, de um sentimento ou de qualquer tipo de benefício
para o seu autor.
Sendo assim, doar dinheiro por caridade, movido por sentimentos de compaixão pelos
mais necessitados, não seria considerada necessariamente uma ação moral, pois foi
movida por sentimentos, e não pelo sentido do dever. Doar dinheiro aos pobres pensando
nas consequências, tal como aumentar a popularidade, também não será uma ação
moral, pois não está focado no dever.
Para agir moralmente, é necessário focar a motivação da ação, e essa motivação tem que
ser o sentido de dever. Para Kant, a motivação é mais importante do que a própria ação,
ou do que as consequências da ação. Ele justifica o foco no sentido do dever, pois focar as
consequências é algo incerto. Será que nós temos um panorama real das consequências
de nossos atos? Em várias situações é impossível saber quais as reais consequências
do que fizemos. Essas consequências podem demorar muito a acontecer ou podem
acontecer de forma discreta, de modo que nós não percebemos que causamos um dano
ou benefício a alguém.
Imagine a situação de alguém que viu que uma criança estava se afogando. Ao tentar salvar
a criança, essa pessoa acabou por contribuir que ela se afogasse mais rapidamente. Para
Kant, a ação dessa pessoa ainda seria uma ação moral, a despeito da consequência trágica,
se essa pessoa praticou a ação movida pelo sentido de cumprir o dever de salvar vidas.
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Kant acreditava que, como seres humanos, temos certos deveres, e tais deveres são
absolutos e incondicionais. Devemos sempre dizer a verdade e nunca matar ninguém.
Esses deveres são válidos independentemente de que consequências possam trazer.
Esses deveres são os imperativos categóricos.
Para entender esse modelo ético, três aspectos devem ser salientados.
Primeiro, a moral é universal, então a lei moral é a mesma para todos os sujeitos. Um
imperativo categórico é aquele dever que pode ser aplicado a todas as pessoas.
Segundo, o sujeito moral (a pessoa) tem o dever de usar sua racionalidade para ignorar
ou mesmo contrariar as suas inclinações ou os seus interesses individuais por respeito
à lei moral.
Por fim, o sujeito moral é a pessoa, fim em si mesmo, e nunca pode servir de meio ou de
instrumento para ação de outrem.
No modelo ético deontológico, o caso do transplante seria visto de forma muito diferente
dos modelos anteriores.
• O pai não tem o dever de doar o rim, pois esse dever não é universal para toda a
humanidade. Há tantas pessoas que não podem doar. Um dever, para ser imperativo
categórico, tem que ser universal. Obrigar todas as pessoas a doar as transformaria em
meios para a felicidade dos outros; os seres humanos não podem servir de meios, eles
são fins em si mesmos. Os sentimentos de compaixão, amor etc. não teriam nesse
modelo qualquer valor moral.
• Para o médico, o dilema é insolúvel. Por um lado, ele tem o dever de não mentir. Por
outro, ele tem o dever, de todo médico, de preservar o segredo contado pelo paciente.
Nessa outra perspectiva, os modelos éticos irão focar o valor dos objetos de consideração
moral. Ou seja, se o objeto é digno ou indigno, merecedor ou não, de consideração moral,
e, nesse sentido, se tem valor intrínseco ou não.
Na perspectiva anterior, nós nos preocupávamos muito com a pessoa que faz a ação,
que chamamos de sujeito moral ou agente moral. Nessa perspectiva, precisamos refletir
sobre quem sofre a ação, ou seja, os pacientes morais, também denominados de objetos.
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Essa segunda perspectiva é importante porque as teorias morais não explicitam, por si
mesmas, os envolvidos, isto é, os seres com os quais devemos nos preocupar quando
formulamos juízos éticos sobre o valor das nossas ações, e quando agimos. Assim, de
uma forma resumida, trata-se de definir interesses de quem ou o que se deve levar em
conta nas decisões e ações em que cabem juízos morais, pelos agentes morais.
ÉTICA AMBIENTAL
Biocentrismo
Ecocentrismo
Os traços dessa ética antropocêntrica estão tão enraizados na nossa cultura que
costumamos nos referir aos animais e plantas como “recursos naturais”. Será que esses
seres estão no mundo para nos servir?
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Guiados por esse tipo de modelo ético, poderíamos achar correto construir uma
hidrelétrica que vai levar ao desaparecimento de espécies de peixes e de plantas, que
destruirá os ecossistemas locais. Isso porque não valoramos moralmente esses objetos
(plantas, animais, ecossistemas).
Algumas vezes, esse modelo ético é aplicado de forma parcial. Seria antropocêntrico
levando em conta toda a humanidade? Vamos pensar na situação das barragens. Será
que a humanidade foi realmente valorada? E os índios e os ribeirinhos, não são humanos?
Geralmente, os mais pobres acabam por ficar excluídos do pensamento ético que se
diz antropocêntrico. Um termo novo que surge nas questões ambientais é “racismo
ambiental”. Em princípio, parece algo muito estranho. Como um racismo pode ser
ambiental? Ao investigarmos quais são as pessoas que vivem próximo aos lixões, aos
rios em que são despejados materiais tóxicos, enfim, aos locais de maior degradação
ambiental, encontramos uma questão étnica muito evidente. Até que ponto o modelo
ético antropocêntrico inclui essas pessoas?
A perspectiva biocêntrica, por sua vez, caracteriza-se por propor a consideração moral
de organismos individuais humanos e não humanos. Nesse sentido, os agentes morais
possuem uma obrigação moral para com os outros seres vivos. O biocentrismo pode ser
considerado uma ampliação da ética animal, uma vez que ele considera que não apenas
os animais (ou alguns deles) têm um valor próprio, mas as plantas também, assim como
qualquer outro ser vivo, que possui interesses de bem-estar e desenvolvimento e, logo,
também deve ser considerado como paciente moral, pelos agentes morais. O raciocínio
ético biocêntrico orienta a atribuição de direitos a todos os indivíduos biológicos,
colocando para o agente moral um compromisso ético sobre todas as entidades vivas.
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Muitos movimentos ambientalistas seguem essa ética biocêntrica. O crescimento
e a disseminação desse modelo levaram a sociedade a repensar diversas práticas.
Antigamente, o departamento de controle de zoonoses de um município poderia sacrificar
indiscriminadamente os cães de rua (por meio da captura pela temida “carrocinha”).
Os circos com animais são intensamente criticados e foram proibidos em diversas
localidades, em virtude dos maus-tratos e mutilações a que submetiam os animais.
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Nesse modelo, uma empresa que provoca um derramamento de óleo no mar ou uma
mineradora que polui um rio é condenável, não só por prejudicar os humanos (modelo
antropocêntrico) ou uma série de indivíduos animais (modelo biocêntrico), mas por afetar
um objeto de valor, o ecossistema, que se estabeleceu muito antes do ser humano — e
por isso nossa missão deveria ser valorizá-lo e defendê-lo.
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NA PRÁTICA
Nesta unidade, estudamos a ética e os modelos éticos. Vamos ver esses conceitos
aplicados à situação da construção de barragens por empresas que exploram o
negócio da energia.
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habitantes serão impactados. ‘As famílias deverão ser
deslocadas de suas áreas, considerando-se que está
prevista uma inundação em média de 300 a 400 km² em
cada área de barragem construída.’ (BITTENCOURT, 2012)
Observe que Célio Bermann alerta para o problema da falta de ética com o ser humano.
Apesar de a construção de hidrelétricas se basear em uma ética antropocêntrica,
que leva em conta o benefício dos humanos em detrimento da natureza, perceba
que essa ética não leva em conta todos os humanos, pois exclui os indígenas e
ribeirinhos. Então é uma postura antiética.
Bittencourt alerta para a falta de uma ética ecocêntrica, pois diversos ecossistemas
são destruídos por barragens. Logo, não é qualquer modelo ético que pode ser
considerado satisfatório para empresas que afetam o ambiente de forma tão intensa.
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Resumo da Unidade 1
Moral e ética não são sinônimos. Apesar da forte inter-relação, eles guardam significados
distintos. A moral é um produto da cultura e, como tal, sofre influência de tudo o que
modifica a cultura. A moral muda com o passar do tempo e é diferente em sociedades
distintas. A ética é a área do conhecimento que estuda os julgamentos morais. Para o
exercício da ética, é necessário utilizar a razão e ter liberdade para tomar decisões. Existem
muitos modelos éticos que irão orientar as ações de indivíduos ou das organizações.
Uma parte desses modelos valoriza o caráter (ética dos valores) ou as ações; é o caso da
deontologia, do consequencialismo. Outro grupo de modelos foi criado a partir do valor
conferido aos objetos, aos pacientes morais, ou seja, àqueles que sofrem a ação.
CONCEITO
Moral é um construto social, produto da cultura, que determina o que é certo ou erra-
do para um determinado grupo, em uma época específica.
A ética é a área da filosofia e da ciência social que estuda a moral e a tomada de deci-
sões por parte de indivíduos e organizações.
36
Referências
LECLERQ, J. As grandes linhas da filosofia moral. São Paulo: Herder, 1967. p. 376.
MORAL. In: DICIO: dicionário online de português. Matosinhos: 7Graus, 2018. Disponível
em: <https://www.dicio.com.br/moral/>. Acesso em: 26 nov. 2018.
37
TEMBRA, N. A questão mais imediata do meio ambiente é a falta de ética. Ecodebate,
Mangaratiba, 12 dez. 2009. Disponível em: <https://www.ecodebate.com.br/2009/12/12/
a-questao-mais-imediata-do-meio-ambiente-e-a-falta-de-etica-artigo-de-nelson-
tembra/>. Acesso em: 26 nov. 2018.
38
UNIDADE 2
A questão ambiental
INTRODUÇÃO
OBJETIVO
40
Visões de ambiente
A ideia de natureza é um construto social e dependente da cultura, por isso não podemos
esperar que todas as sociedades compartilhem a mesma percepção do que é a natureza.
Além disso, a visão de natureza de uma sociedade não é estática, ela muda no decorrer do
tempo influenciada pelas mudanças na cultura. O trabalho clássico de Lenoble (1969) nos
alerta sobre o fato de natureza ser um conceito, um construto teórico: “[...] não existe uma
natureza em si, existe apenas uma natureza pensada. [...] Não encontramos senão uma ideia
de natureza que toma sentido radicalmente diferente segundo as épocas e os homens.”
Os diversos povos indígenas brasileiros têm visões de natureza diferentes entre si e das
outras culturas comuns no país. As religiões de matriz africana possuem uma interpretação
e uma relação com o mundo natural diferentes das da tradição judaico-cristã.
Lúcia Cidade (2001) exemplifica a relação entre a visão de natureza e a cultura dos povos.
Ela analisou dois perfis básicos de sociedades primitivas: agricultores e caçadores, e sua
forma de encarar a natureza.
41
Os homens e seus deuses desfrutariam uma posição externa e
superior à natureza [...] (CIDADE, 2001, p. 104).
A palavra latina natura significa “a ação de fazer nascer”. Esse termo carrega consigo a
ideia de que a natureza não é apenas um conjunto de elementos (animais, plantas, água,
rochas...), mas que é composta por uma série de processos, algo como um princípio que
é capaz de produzir, desenvolver e eliminar diferentes tipos de coisas ou seres.
42
Não só insetos podem tornar-se pragas, por exemplo, o coral-sol é transportado
de locais distantes do planeta para o Brasil no casco das embarcações e, ao chegar
aqui, ele não possui predador, ocupando o espaço dos corais nativos e eliminando a
fauna nativa. Esse é o perigo do “ser introduzido”. Animais e plantas de outros países
podem representar um risco para nossos ecossistemas. Aqui, eles podem crescer
indiscriminadamente, tornando-se pragas e eliminando as populações nativas. Por isso,
nas viagens internacionais é proibido transportar sementes.
43
polinizador não há processo reprodutivo. Esse é o motivo que faz a humanidade se
preocupar com o atual desaparecimento das abelhas: sem abelhas, diversas espécies
vegetais desaparecerão.
Quando uma organização adota o discurso de preocupação com a natureza, cabe a ela
informar-se da importância do que está fazendo, como suas ações afetam a natureza, e ir
além dos slogans e das palavras de ordem para o entendimento dos processos naturais.
Uma aparente dicotomia presente nos discursos sobre natureza é a questão do natural
versus o artificial. O natural viria da natureza, sem necessidade da participação do
homem; seriam processos que já se estabeleciam antes de a espécie humana surgir. O
artificial é a ação humana sobre as coisas e os processos da natureza. Vale lembrar que
nenhum processo artificial é independente da natureza, pois vem de sua modificação.
Também é importante refletir sobre a ação dos humanos, que é tão intensa na atualidade
que gera consequência para os processos naturais.
O encontro do natural com o artificial gera o ambiental. O ambiente não é natureza pura,
livre de humanos — ele se constrói na tensão das relações naturais e artificiais. Dulley
(2004) alerta que, apesar da dicotomia natural versus artificial, não se pode dissociar
totalmente o natural do social, pois o encontro dessas duas componentes produz as
questões ambientais.
Além disso, o ser humano é um animal, por isso também é parte da natureza. Por mais
que vivamos cercados de produtos e processos artificiais, não podemos nos enxergar
como algo à parte da natureza.
A ISO 14001 é uma norma internacionalmente reconhecida que define o que deve ser feito
para estabelecer um Sistema de Gestão Ambiental (SGA). Essa norma foi desenvolvida
com o objetivo de criar o equilíbrio entre a manutenção da rentabilidade e a redução do
44
impacto ambiental, com o comprometimento de toda a organização. A ISO 14001:2004
arriscou uma definição sobre meio ambiente: “Circunvizinhança em que uma organização
opera, incluindo-se ar, água, solo, recursos naturais, flora, fauna, seres humanos e suas
inter-relações” (ABNT, 2004, p. 1). Essa tentativa de definição ainda é considerada estática
— meio ambiente é mais que circunvizinhança, não é um cenário.
No sistema jurídico brasileiro, foi a Lei nº 6.938/1981, que trata da Política Nacional do
Meio Ambiente (PNMA), que definiu o conceito de meio ambiente como “o conjunto de
condições, leis, influências e infraestrutura de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981, p. 1). A ideia de
abrigar e reger a vida capta mais o funcionamento do meio ambiente e é uma definição
mais profunda que a da ISO.
Sofisticando um pouco mais, podemos analisar a reflexão de Primavesi (1997) de que meio
ambiente não é apenas o espaço em que se vive, “mas o espaço do qual vivemos”. Isso eleva
o papel do meio ambiente de mero cenário a produtor das nossas condições de existência.
Algumas definições explicitam as relações entre mundo natural e sociedades humanas. Para
Tostes (1994):
Por fim, chegamos a uma compreensão mais totalizante, que não dissocia a cultura
do meio ambiente. Silva (2000, p. 20) conceitua o meio ambiente como a “interação do
conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento
45
equilibrado da vida em todas as suas formas”. Para Migliari Junior (2001, p. 40), o meio
ambiente é a:
Então, quando nos referirmos a meio ambiente, é importante que se entenda que esse
conceito engloba toda realidade sociocultural em interação com a natureza. Vejamos
como a Constituição brasileira aborda a questão do meio ambiente:
Apesar de não ser possível definir cientificamente o que é um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, entende-se que buscamos conservar as relações que existem nos ecossistemas.
Utilizamos o termo “conservar” em vez de “preservar”, pois ao conservarmos podemos
intervir — a ação humana não é descartada, desde que não se destrua ou se descaracterize
totalmente o ambiente. A grande polêmica da conservação é entender o que deve ser
conservado: o ecossistema, as populações ou a diversidade genética?
Preservar é um termo mais forte que conservar. Ao preservarmos uma área, devemos
retirar ou livrar o local da exploração humana. Não é possível preservar toda a natureza,
pois isso impediria as atividades humanas.
46
Crise ambiental
O ser humano tem a capacidade de alterar o ambiente para buscar soluções para seus
problemas. Com isso, fomos capazes de utilizar o conhecimento científico para produzir
métodos, técnicas e artefatos que alteram as condições oferecidas pelo ambiente. A partir
do conhecimento científico sobre a eletricidade, foi possível produzir circuitos elétricos
que são a base de diversos aparelhos, mas nem toda tecnologia é necessariamente
um objeto material. Diversas técnicas, receitas, protocolos etc. foram desenvolvidos no
sentido de mudar a natureza: uma técnica de cirurgia, uma receita para produção de
vinhos e um protocolo para coletar sangue para exame são também tecnologias.
Algo que deve ser motivo de reflexão por parte dos professores ao ensinar sobre
tecnologia é que, geralmente, ela não surge como resposta à curiosidade humana ou
como consequência da atitude altruísta de alguém que deseja melhorar a vida das
pessoas. São inegáveis os interesses econômicos e políticos que regem a produção de
ciência e tecnologia. Fazer ciência profissional não é algo barato, assim como não o é
desenvolver tecnologia de ponta. Os conhecimentos sobre os “porquês” e sobre o “como
fazer” são estratégicos politicamente e significam poder. Não é à toa que os países que
possuem uma política externa mais agressiva e desejam estender sua influência militar,
política e econômica investem tanto em ciência e tecnologia.
Para agravar o problema, os impactos ambientais não são compartilhados por todos
igualmente, e os grupos menos favorecidos economicamente defrontam-se de forma
cruel com essa realidade, tendo que habitar locais próximos a lixões, usar água
contaminada e expor-se às poluições visual, sonora e de resíduos tóxicos. Daí surge o
compromisso da responsabilidade social e da responsabilidade ambiental.
47
Para entender melhor a crise ambiental, iniciaremos com uma fábula conhecida: “Era
uma vez, uma floresta em chamas e lá estava um beija-flor com seu minúsculo baldinho
tentando apagar o fogo. Quando perguntado por que não fugia, o beija-flor disse: ‘Eu
estou fazendo a minha parte.’”
Quando Carson fez essa denúncia, a mídia, patrocinada pelas corporações que fabricavam
esses defensivos agrícolas, tentou destruir sua imagem, retratando-a como louca e
sensacionalista, mas a História fez justiça a Rachel Carson com a proibição do DDT, que
logo depois foi comprovado como causador de câncer e envenenamentos.
Não obstante, como tudo isso se conecta com a história do beija-flor? Vamos pensar
em alguns casos parecidos com o que Rachel Carson relatou. O Brasil é campeão no
uso de agrotóxicos (pesticidas ou defensivos agrícolas). Alguém pode afirmar que a
solução para isso é mudarmos nossos hábitos e não usarmos agrotóxicos. Muito bom,
mas somos nós que plantamos nosso alimento? Ainda pensando em solução individual,
alguém pode propor só comermos produtos orgânicos (plantados sem agrotóxicos
ou adubos químicos). Além de serem caros para a maioria da população, não adianta
consumir produtos orgânicos enquanto grandes concentrações de agrotóxicos são
lançadas no solo, contaminando os lençóis de água subterrâneos e os rios. Também
não adianta plantar o próprio alimento, pois não conseguiremos, em área urbana, cultivar
tantos vegetais e ainda utilizaremos água que poderá estar contaminada por agrotóxico.
A questão do desperdício de água é outra que, muitas vezes, é minimizada pela mídia.
A versão conhecida por todos é que nós (os cidadãos comuns) somos os causadores
do problema e resolveremos isso se reduzirmos nosso tempo de banho, não lavarmos a
calçada com mangueira, entre outras ações individuais.
48
Para refletir
Será que a escassez de água se deve ao uso doméstico? Será que fazermos
nossa parte resolverá o problema?
Agora, convidamo-lo a refletir sobre o uso de água pela agricultura e pela indústria e o
uso doméstico.
Esse tipo de prática não se baseia na evidência científica de que a reciclagem não consegue
dar conta da quantidade de materiais que são produzidos e descartados, impossível de ser
reciclada em sua totalidade. O mesmo erro é cometido pelos artesanatos de garrafa PET.
Não é possível converter nem uma fração insignificante de garrafas PET em artesanato,
pois a cada dia são lançadas na natureza milhares de novas garrafas.
Essa prática também comete o erro das abordagens C&T, que acabam por dar uma
ilusão de mundo em que a tecnologia resolverá todos os problemas: podemos consumir
desenfreadamente, que é só usar as tecnologias de reciclagem; a indústria pode lançar
produtos de curta duração e exagerar nas embalagens, porque a reciclagem resolverá
o problema. Mesmo a iniciativa de algumas indústrias de trabalhar com materiais
reciclados não resolve o problema, pois a produção supera, e muito, aquilo que é viável de
ser reciclado. Lembre-se, também, de que esses novos produtos (reciclados) igualmente
voltarão a ser lixo.
49
Reciclagem de garrafas PET, necessária, porém muito insuficiente
para o enfrentamento do problema ambiental.
Então, como educador ambiental, não posso fazer uma oficina de reciclagem ou ensinar
cuidados de economia da água doméstica? Pode, sim, mas de forma a problematizar,
não para propor soluções mágicas, fantasiosas e ingênuas.
Uma oficina de reciclagem pode ser um desafio para discutir o poder limitado dessa
prática; os cuidados com a água doméstica devem ser ensinados, mas apenas para
economizar dinheiro e água tratada, não como solução para o problema da escassez, pois,
se não recuperarmos os rios, protegermos as matas ciliares ou agirmos politicamente
pela criação de normas contra o desperdício da pecuária, da agricultura e da indústria,
não adiantará o cuidado doméstico.
50
O compromisso do educador ambiental é político, comunitário, e não individualista. A
fábula do beija-flor reflete algo triste da sociedade, um egocentrismo desmedido, a ideia
de que, mesmo que não adiante de nada, o indivíduo está fazendo sua parte e pode
pôr a culpa no outro pelo problema ambiental. O compromisso da Educação Ambiental
(EA) não é com a culpa individual, mas com as responsabilidades coletivas, lembrando
sempre que essas responsabilidades variam, pois alguns grupos têm maior poder
político ou econômico.
51
Sustentabilidade e sua crítica
Durante muitas décadas, o rio Tâmisa (Londres, Inglaterra) era poluído e muito malcheiroso,
a ponto de ser apelidado de o grande pooh (o grande cocô!), representando um problema
ambiental e de saúde para a população, que, porém, tratava-o com humor. A população
dos educados ingleses conviveu com o problema por muito tempo sem nenhuma grande
mobilização no sentido de resolvê-la. No século XIX, por causa de diversas epidemias,
incluindo cólera, foram desenvolvidas as primeiras estações de tratamento de água, mas
nada foi feito para melhorar as condições do rio. Nos anos 1960, iniciou-se o grande projeto
ambiental da cidade, e a empresa que explora a água (Thames Water) e o governo fizeram
a despoluição do rio. Atualmente, as águas estão limpas, há peixes e as novas gerações
de ingleses que cresceram com o rio limpo são exigentes quanto à qualidade do ambiente.
52
Perceba que, ao discutir o desenvolvimento sustentável, alguns fatores sempre farão
parte do debate. Com certeza, os aspectos ambientais são lembrados, mas, mesmo
que sejam “os primeiros da lista”, não podemos afirmar que é dada a eles a mesma
importância dos aspectos econômicos. Como vimos anteriormente, ambiente não é
sinônimo de natureza, mas sim da interação de fatores naturais com fatores sociais.
Então, podemos notar a presença de preocupações com as questões sociais.
O problema, que mesmo a visão otimista do vídeo deixa passar, é que as metas nunca
conseguem ser cumpridas nos prazos estipulados. Em 1992, na conferência ECO 92
no Rio de Janeiro, a ONU traçou 21 metas para o século XXI, resultando no documento
chamado de Agenda 21. Com a chegada deste século, foi percebido como estávamos
longe de atingir essas metas. Os atuais 17 objetivos para 2030 são uma releitura da
Agenda 21. Mesmo com os avanços, estamos muito longe de atingir qualquer uma das
17 metas estabelecidas pela ONU.
53
No mundo das organizações, o discurso da sustentabilidade é hegemônico, parecendo
nunca ser questionado. Talvez, por isso, muitas empresas se vejam seduzidas por
soluções ambientais superficiais ou ingênuas. Entender a sustentabilidade é importante,
aprender a trabalhar dentro dessa perspectiva é estratégico, mas saber questioná-la é o
que diferencia o profissional como ser atuante de mero executor de tarefas.
O Projeto Tamar foi criado em 1980 pelo antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento
Florestal (IBDF), que mais tarde se transformou no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
(Ibama). Hoje, é reconhecido internacionalmente como uma das mais bem-sucedidas
experiências de conservação marinha e serve de modelo para outros países, sobretudo
porque envolve as comunidades costeiras diretamente em seu trabalho socioambiental
(PROJETO…, c2011).
54
A vida das pessoas nessas comunidades ainda está muito longe do satisfatório se
pensarmos em condições de emprego, renda, moradia e saúde. Porém, é inegável
a contribuição do Tamar para as pessoas e as tartarugas, por isso é um projeto
socioambiental — veja que a concepção de ambiente do projeto é aquela que engloba os
seres humanos como parte da natureza.
55
Será que as pessoas comiam tartarugas ou conviviam com a poluição do Tâmisa
por falta de consciência? Será que as nossas decisões do dia a dia são de natureza
apenas racional? Será que o problema ambiental é simples questão de vontade? O que
faltava às pessoas no litoral brasileiro ou em Londres era a informação para a tomada
de consciência? Pois é, “consciência”, “vontade”, “racionalidade” e “esclarecimento” são
fatores psicológicos muito limitados para explicar a problemática ambiental.
As soluções, na maioria das vezes, não são fáceis e irão esbarrar em conflitos de poder
político ou econômico.
Vimos que a Organização das Nações Unidas coloca 17 objetivos para atingir a
sustentabilidade. Perceba que esses objetivos foram traçados por países capitalistas, ou
seja, as metas são tão básicas que não se trata de debate entre esquerda e direita, mas
do mínimo para uma sobrevivência digna no planeta. Convidamo-lo a voltar aos vídeos
do início deste tópico indicados na Midiateca e analisar esses 17 objetivos. Veja como
eles integram o homem à natureza.
56
Para refletir
A partir dos 17 objetivos da ONU e da Agenda 21, você consegue construir uma
ideia de sustentabilidade?
NA PRÁTICA
57
Resumo da Unidade 2
Ambiente é muito mais que natureza, pois engloba todas as inter-relações entre sociedade
e natureza. Os seres humanos têm a natureza como condição de sobrevivência, porém
estão em um constante processo de alterá-la. Neste, o ambiente muda, e surgem novas
relações naturais e sociais. A ação desmedida do homem na natureza, amplificada
pelo modo de produção capitalista, levou ao esgotamento dos recursos naturais. O
desenvolvimento sustentável é tido como forma de enfrentamento dessa lógica predatória
de produção, porém não tem conseguido se estabelecer, ao que tudo indica, por suas
próprias contradições internas.
CONCEITO
58
Referências
BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 set. 1981. Disponível em: <https://www2.camara.
leg.br/legin/fed/lei/1980-1987/lei-6938-31-agosto-1981-366135-publicacaooriginal-1-pl.
html>. Acesso em: 23 nov. 2018.
CURI, D. (Org.). Gestão ambiental. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2012.
59
KRZYSCZAK, F. R. As diferentes concepções de meio ambiente e suas visões. Revista
de Educação do Ideau, Getúlio Vargas, v. 11, n. 23, jan./jun. 2016. Disponível em: <https://
www.ideau.com.br/getulio/restrito/upload/revistasartigos/355_1.pdf>. Acesso em: 18
nov. 2018.
SATO, M.; CARVALHO, I. (Org.). Educação ambiental: pesquisa e desafios. Porto Alegre:
Artmed, 2005.
SILVA, J. A. Curso de direito ambiental constitucional. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
60
UNIDADE 3
Responsabilidade
social das empresas
INTRODUÇÃO
OBJETIVO
62
Fundamentos e aplicações da responsabili-
dade social
Durante quase toda a história, as empresas demonstraram estar conformadas apenas com
o seu papel de gerar lucros para seus acionistas e expandir a sua própria estrutura física e
financeira, visando apenas otimizar seu crescimento e ampliar a sua competitividade no
mercado. Algumas ações de empresários isolados visando ao enfrentamento da pobreza
ou das más condições de trabalho já ocorriam, mas não em uma lógica semelhante à
da atual responsabilidade social empresarial. Em geral, as ações de caridade não eram
sistemáticas e eram vistas como algo à parte da gestão do negócio.
Como disciplina autônoma, a responsabilidade social surge com o cunho desse termo
por Bowen, em 1953, no livro Responsabilidade social do homem de negócios. Na teoria
abordada nessa obra, os negócios são encarados como centros de poder e de decisão,
cujas ações afetam a vida das pessoas em muitos aspectos, por isso as empresas têm
responsabilidade para com toda a sociedade. Para dar conta dessa responsabilidade
e corresponder às expectativas criadas pela sociedade, as empresas necessitam
compreender melhor seu impacto social, também o desempenho ético e social deve
ser incorporado à gestão de negócios, devendo ser avaliado por meio de processos de
auditorias. No campo das práticas, porém, essa obra não impactou instantaneamente
a forma de atuar das empresas, sendo considerada como um precursor do movimento
que apenas se estabeleceria nos anos 1990.
63
As mudanças na sociedade não ocorrem de forma passiva ou sem conflitos. Diversos
fatores de tensão social resultaram na mentalidade atual de responsabilidade socioambiental
nas empresas. O cenário dos anos 1960 e 1970 é de profundo questionamento social, e lá
estão as raízes das mudanças na mentalidade empresarial. Isso foi manifestado pela luta
pelos direitos civis, incluindo direitos trabalhistas, o enfrentamento do racismo, o feminismo,
a nova visão sobre cidadania e exercício dessa cidadania e o surgimento das associações de
proteção ao consumidor. Na unidade anterior, vimos o papel de Rachel Carson no surgimento
dos movimentos ambientalistas, que denunciariam e lutariam contra práticas danosas de
algumas empresas. Assim como Rachel, diversos jornalistas assumem um papel mais rígido
de investigação sobre os danos sociais e ambientais resultantes da ação de empresas. A
divulgação desse tipo de notícia propicia a construção da chamada opinião pública, que
seria a reação coletiva à divulgação massiva de alguns fatos. Tudo isso contribuiu para a
preocupação com novas posturas, não só dos indivíduos, mas também das organizações.
Como resultado desse caldeirão de tensões sociais, a declaração de Dehli (1965) é responsável
pelo surgimento da ideia de que as empresas deveriam encarar a comunidade como parte
envolvida em seus negócios, sendo ela também responsável pela influência nos objetivos,
política e decisões das empresas. Ainda nos anos 1960, os estudos de Keith Davis e os de J.
McGuire ampliam o debate acadêmico sobre a responsabilidade social, pois esses autores
defendiam que a responsabilidade das empresas vai além da responsabilidade em maximizar
lucros. Eles acrescentam à responsabilidade a necessidade de uma postura pública perante
os novos recursos econômicos e humanos da sociedade, assim como o objetivo de mobilizar
esses recursos para interesses do coletivo, e não simplesmente restringi-los a servir a
interesses privados de alguns indivíduos.
A partir dos anos 1970, a responsabilidade social das empresas é vista como um conjunto de
obrigações que as organizações deveriam colocar a serviço da comunidade. Em 1979, Archie
Carrol amplia o conceito de responsabilidade social para além de gerar lucros e obedecer às
leis. Isso por meio de um modelo de quatro expectativas básicas ou responsabilidades que
comporiam a responsabilidade social: econômica, legal, ética e social. Vamos detalhar cada
uma dessas dimensões.
64
A responsabilidade econômica das empresas está contida na lógica do modo de
produção capitalista. Dentro desse cenário, a empresa deve produzir e vender bens e/ou
serviços para a sociedade, conseguindo obter lucros. No capitalismo, a empresa tem a
responsabilidade de alcançar os lucros.
Com base nas dimensões propostas por Carrol, podemos interpretar as reflexões sobre
o conceito de sustentabilidade enunciado por Thomas Zenisek. Leia atentamente e
identifique as quatro dimensões:
65
empregados e dar-lhes bom tratamento. Logicamente,
responsabilidade social das empresas é tudo isto, muito embora
não sejam, somente, estes itens isoladamente.
Você percebeu que, ao mencionar “[...] como uma responsabilidade legal”, é invocada a
dimensão legal. Ao tratar do “comportamento responsável em que se observa a ética”, é
evidenciada a dimensão ética. Quando situa a ideia de ir além da caridade, surge a dimensão
discricionária. Há também elementos de sustentabilidade econômica, exemplificada pelo
“pagar bem aos empregados”. Além de trazer as quatro dimensões, esse pensamento informa
algo importante: a responsabilidade social não é nenhuma das dimensões isoladamente.
A abordagem de responsabilidade social pauta as ações por metas que vão além das
econômicas, estabelecendo as metas sociais, com destinação de recursos para alcance
dessas metas. Essa forma de atuação não se baseia apenas em altruísmo, mas em uma
preocupação legítima do estudo da história das organizações, que revela que as empresas
que não usam o poder conferido pela sociedade de forma responsável tenderão a perdê-
lo a longo prazo. Sobre isso, Fernanda Borger (2013) discute os fatores da superação da
abordagem de obrigação social e a evolução da abordagem de responsabilidade social. A
autora afirma que uma das grandes questões levantadas em relação aos temas sociais e
ambientais é se estes afetam a competitividade das empresas. Segundo a visão clássica
da empresa, incorporar as questões sociais e ambientais além da obrigação legal eleva
os custos e reduz o lucro das empresas. O debate sobre o conteúdo e a extensão da
responsabilidade social nos negócios foi intenso, no sentido de contrapor o desempenho
econômico ao social e ambiental.
66
O conceito de desenvolvimento sustentável está hoje totalmente integrado ao conceito
de responsabilidade social: não haverá crescimento econômico em longo prazo sem pro-
gresso social e sem cuidado ambiental. Todos os lados devem ser vistos e tratados com
pesos iguais. Mesmo porque são aspectos inter-relacionados. Da mesma forma que o
crescimento econômico não se sustenta sem uma equivalência social e ambiental, pro-
gramas sociais ou ambientais corporativos não se sustentarão se não houver o equilíbrio
econômico da empresa.
A abordagem de sensibilidade social vai além das demandas sociais imediatas. Empre-
sas que atuam nessa abordagem vão além de estabelecer metas econômicas e sociais;
elas se antecipam no enfrentamento de problemas sociais do futuro para agir agora e dar
respostas a esses problemas. Novamente, é o pensar a longo prazo que determinará a so-
brevivência de uma empresa. Percebemos que as abordagens em responsabilidade social
tornam-se mais sofisticadas quanto maior a capacidade de antecipar questões futuras de
relevância social. Diferentemente da ideia de que atuar com responsabilidade social é ser
“uma empresa boazinha”, o estudo das organizações nos permite perceber que a respon-
sabilidade social é condição de sobrevivência futura para a empresa. Por isso, não pode
ser encarada como um fardo, como caridade ou como atividades para descontrair.
67
• Comunicações transparentes: obedecendo a princípios éticos, a comunicação
interna e externa deve ser baseada em princípios morais como o da verdade.
• Sinergia com os parceiros: uma empresa tem vários parceiros, por exemplo os
fornecedores. Uma empresa deve preocupar-se em seguir a lei e adotar posturas
éticas para com seus parceiros para estabelecer uma relação profunda e duradoura
com eles. Lembre-se: a sobrevivência da empresa depende de uma rede de relações
internas e externas.
68
A crítica à responsabilidade social
A posição socialista considera que, por mais bem-intencionados que alguns progressistas
possam ser, é impossível humanizar o capitalismo. Para os que seguem essa posição, o
desenvolvimento sustentável não é possível, pois a necessidade de lucro no capitalismo esgota
a natureza. Nessa linha, a responsabilidade socioambiental é um paliativo para os problemas
sociais e ambientais, sendo que cada avanço conseguido é superado pelo agravamento
da crise do capitalismo, manifestado pelo aumento do desemprego, da violência e da crise
ambiental. Apenas um sistema diferente traria solução para esses problemas.
69
e os limites dessa ideia. Você pode acreditar em qualquer uma delas. Espera-se que
leia mais e aprofunde seus conhecimentos sobre elas. Por exigência do mercado de
trabalho, espera-se que você saiba atuar na posição progressista, uma vez que a posição
conservadora é eticamente condenável, e a posição socialista, em um país capitalista,
só se aplicaria a poucas organizações. Porém, o que queremos nesse tópico é promover
o questionamento sobre suas práticas profissionais e o alcance delas, pois isso é
fundamental para a formação intelectual do sujeito.
Loureiro, que é uma das maiores referências em educação ambiental no Brasil, divide as
concepções ambientais em naturalística, romântica e tecnicista.
70
A concepção romântica sobre os problemas ambientais é mais frequente nas abordagens
de responsabilidade ambiental. Na unidade anterior, denominamos essas concepções de
ingênuas. O maior slogan desse tipo de visão é: “Se cada um fizer a sua parte, salvaremos
o planeta.”
Um dos maiores erros é culpar o pobre por sua própria condição de pobreza. Quantas
vezes não ouvimos sentenças desse tipo: “Caso as pessoas se qualificassem, elas não
seriam pobres.” Essa mentalidade culpabiliza as pessoas pelo fenômeno da pobreza.
Vamos imaginar que todas as pessoas, ou a maioria delas, se qualificassem; imaginando
que isso é possível, será que o mercado absorveria essas milhares de pessoas? Então,
por que há pessoas qualificadas desempregadas?
71
em expansão. Compreender o papel da educação é fundamental para as empresas que
investem em projetos educacionais.
É muito comum notarmos nos meios de comunicação a visão moralista sobre a pobreza
que a simplifica e a reduz a hipotéticas ausências de valores e atitudes inadequadas
dos(as) pobres. Essas visões são ditas moralistas, pois moral é diferente de moralismo.
Uma posição moralista tenta impor sua visão a todas as pessoas, rotulando e
discriminando as pessoas que se encontram em uma condição diferente. Nesse caso,
pessoas de outra classe social encaram as pessoas pobres como inferiores, preguiçosas
ou “sem cultura”. Esses rótulos moralistas reduzem a questão social do Brasil a meras
atitudes individuais e mostram um desconhecimento do próprio conceito de cultura, que
encara todo ser humano como agente que vive e faz cultura. É claro que, em uma visão
moralista, só um tipo de cultura interessa. As empresas precisam tomar cuidado com
isso, por isso disciplinas como estudos culturais ou cultura e contemporaneidade são
muito importantes para a formação de futuros gestores.
Para refletir
72
Para refletir
73
A ética e a responsabilidade social
Muitas são as razões que têm impulsionado a ética no ambiente empresarial. Venturoso
(2008) lista as mais relevantes: os altos custos de escândalos nas (ou gerados pelas)
empresas, acarretando perda de confiança por parte do consumidor na sua reputação;
multas elevadas por não cumprimento das leis e normas; a desmotivação dos empregados,
entre outras. Dentro desse quadro, podemos elencar alguns motivos para o estabelecimento
da ética empresarial, tais como: necessidade de recuperar a confiança na empresa; a
importância de tomar as decisões a longo prazo; responsabilidade social das empresas;
urgência em se adotar uma ética nas organizações que estabeleça o papel do diretor e o
meio para recuperar o espírito comunitário face ao individualismo crescente.
Uma longa estrada foi percorrida desde a antiga filantropia, que era algo como atitude
individual de um determinado empresário que desejava ter uma boa imagem, passando
para a atual versão da responsabilidade social, cuja ética se baseia em uma política de
toda empresa em busca da equidade.
Diversos termos novos foram utilizados para sinalizar a escolha por uma nova ética.
Alguns chamavam de investimento social, para não relacionar com a ideia de custo para
empresa. Outros chamariam de ação social empresarial, mas estariam mais focados na
ação em si que na mudança de mentalidade. Outros termos foram participação social,
participação comunitária da empresa, desenvolvimento social, até chegarmos à versão
atual da responsabilidade social. Os apelos morais foram os guias da maior parte das
ações durante a história. Esses apelos se baseavam na concepção de moral de setores
mais tradicionais da sociedade, que muitas vezes passavam da moral para o moralismo.
Mesmo com a atual concepção de responsabilidade social empresarial, ainda há
resquícios de uma lógica da caridade, assistencialismo e paternalismo na atuação de
muitas empresas.
74
Pelo princípio ético da caridade, os cidadãos mais afortunados de uma determinada sociedade
teriam o dever moral de ajudar aos menos afortunados (principalmente os desempregados,
os deficientes, os doentes, os idosos e as crianças), sendo a caridade um ato individual/
pessoal. A generosidade deveria ser praticada por todos aqueles que usufruíssem das
melhores condições para fazer isso, e essa prática não era imposta às empresas.
Pelo princípio ético liberal, o principal objetivo das empresas seria a obtenção de lucros,
sendo a sua mais importante missão proceder de forma eficiente e respeitar as leis do livre
mercado. A ética liberal leva ao extremo a ideia de autonomia individual, ao pressupor que
há direitos fundamentais que devem ser protegidos contra os abusos de poder político,
por exemplo: direito à vida, à liberdade, à expressão e à propriedade. Só que esses direitos
são base para o juízo moral, porém não são o certo ou o errado. Logo, alguém tem o direito
de agir de uma forma, mas isso não quer dizer que agir assim é fazer o bem. Considera-
se, sob o ponto de vista liberal, que há apenas uma, e só uma, responsabilidade social das
empresas: usar os recursos para incrementar os lucros. Ir além disso, para os liberais,
seria ceder a um conjunto de intenções que, em concreto, traz mais desvantagens para
a empresa do que benefícios. O bem não pode ser exercido para ganhar dinheiro, e as
preocupações sociais mais relevantes são de responsabilidade do Estado ou no máximo
de cidadãos mais abastados. Sob esse prisma, a única responsabilidade das empresas é
aumentar os lucros de seus acionistas, sem praticar fraude ou engano (seguindo a lei); e
qualquer outro procedimento que inclua a responsabilização das empresas pelo impacto
social do desemprego, das diferentes formas de discriminação ou, ainda, da poluição
ambiental não passa apenas de uma utopia daqueles que desejam o socialismo.
Pelo princípio ético do bem-estar social, a função da empresa não é apenas gerar lucro.
Keith Davis estabelece cinco princípios sobre as práticas de responsabilidade social
empresarial:
75
(ii) As empresas têm que se configurar como sistemas abertos que mantêm um
conjunto de trocas com o meio circundante, recebendo e exercendo influência no meio.
(iii) Quaisquer custos ou benefícios sociais devem fazer parte da contabilidade
empresarial.
(iv) Os custos sociais de uma empresa devem ser transferidos para os consumidores.
(v) As empresas têm a obrigação moral de enfrentar a questão social, indo além
do seu negócio.
Esse último princípio emerge do modelo ético do cuidado. Fundado em uma ética do
feminino, o modelo do cuidado é a oposição ao modelo do individualismo liberal. Aqui, os
valores tidos como femininos — empatia, amor, compaixão e simpatia — iriam alargar a
concepção de responsabilidade, indo muito além dos direitos individuais.
Sobre a evolução da ética que domina a responsabilidade social, Moura et al. (2004, p.
20) afirma:
Isso significa ir além da caridade e passar a ter consciência da rede de relações complexas que
envolve uma atividade empresarial. Essa nova ética é capitalista, portanto não nega o lucro:
76
Como já discutido nas unidades anteriores, a concepção atual de responsabilidade social
empresarial não vê o cuidado com as pessoas e com a natureza como um inimigo do lucro,
mas como uma condição necessária à sobrevivência da empresa e do tipo de negócio.
77
Veja, por exemplo, como Queiroz, Estender e Galvão (2014) definem a responsabilidade
socioambiental:
Com base na citação, questiona-se ainda hoje se algumas empresas poderão ser sequer
responsáveis. Também se será apenas a sua consciência social um derivado da lei, do
lucro econômico, ou da gestão moral dos projetos em causa? Empresas que têm o seu
negócio relacionado com bebidas alcoólicas, armas, cigarros, entre outras, jamais podem
78
ser consideradas cidadãs pelo mal que causam aos cidadãos e à sociedade. Pode um
banco que estimula o endividamento ser cidadão porque desenvolve uma atividade de
educação financeira para pessoas da comunidade?
79
NA PRÁTICA
80
Resumo da Unidade 3
CONCEITO
81
Referências
DIAS, G. Samarco: destruição com causa técnica ou ética? Sabe, Petrópolis, 8 dez. 2015.
Disponível em: <http://www.sabe.com.br/blog/detalhe/samarco-destruicao-com-causa-
tecnica-ou-etica>. Acesso em: 18 dez. 2018.
82
UNIDADE 4
Responsabilidade
socioambiental
INTRODUÇÃO
OBJETIVO
84
Análises de iniciativas de responsabilidade
social
Um passo muito importante é conhecer as normas que regulamentam a área. Para isso,
é de fundamental importância que você se familiarize com a norma brasileira ISO 26000
do ano de 2010. Veja como a norma caracteriza a responsabilidade social.
85
transparente e ético que contribua para o desenvolvimento
sustentável, esteja em conformidade com as leis aplicáveis e seja
consistente com as normas internacionais de comportamento.
Também implica que a responsabilidade social esteja integrada
em toda a organização, seja praticada em suas relações e leve
em conta os interesses das partes interessadas. Uma parte
interessada tem um ou mais interesses que podem ser afetados
pelas decisões e atividades de uma organização. Esse interesse
dá à parte interessada uma “participação” na organização que
cria uma relação com a organização. Essa relação não precisa
ser formalizada ou mesmo reconhecida pela parte interessada
ou pela organização. As partes interessadas podem também
ser chamadas stakeholders. Ao determinar quais interesses
de partes interessadas serão reconhecidos, convém que a
organização considere a legalidade desses interesses e sua
consistência com as normas internacionais de comportamento.
(ABNT, 2010, p. 6-7, grifos nossos)
86
e atividades para que possa compreender seus impactos
e como lidar com eles. Apesar de as partes interessadas
poderem ajudar uma organização a identificar a relevância de
assuntos específicos para suas decisões e atividades, elas não
substituem a sociedade como um todo na determinação de
normas e expectativas de comportamento. Um assunto pode
ser relevante para a responsabilidade social da organização
mesmo quando não identificado especificamente pelas partes
interessadas que ela consulta. (ABNT, 2010, p. 32)
87
Saiba mais
Perceba que a escolha desses grupos está de acordo com os ideais de equidade, que
refletem justiça social. São grupos discriminados no mercado de trabalho, constituídos
por pessoas com talento, que podem contribuir para o crescimento da empresa. Por ou-
tro lado, esses grupos também constituem consumidores em potencial. A empresa está
atenta ao poder de compra de todas essas pessoas e deseja estabelecer laços afetivos
e de confiança com elas.
88
Os papéis de gênero, na maioria das vezes, subestimam a intelectualidade e a força das
mulheres e também estereotipam os homens. Em todos os casos, a discriminação de
gênero limita o potencial de indivíduos, famílias, comunidades e sociedades.
Ainda mais agravante é que há uma relação positiva entre igualdade de gênero e desen-
volvimento socioeconômico, ou seja, quanto mais rígida a crença no papel de gênero,
menos desenvolvida a sociedade, e quanto mais uma sociedade dá liberdade para que
os indivíduos exerçam seus talentos sem preocupação com o estereótipo da profissão,
mais desenvolvimento econômico é alcançado. Por isso igualdade de gênero é um dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio traçados pela ONU.
89
Logo uma empresa deve preocupar-se com a proporção de homens e mulheres na
gestão, visando atingir progressivamente paridade e extinguir limitações de gênero.
Parece óbvio, mas é importante destacar que a empresa tem que atuar com igualdade de
tratamento para homens e mulheres trabalhadores no recrutamento, na designação de
tarefas, no treinamento, nas oportunidades de progresso, na remuneração e na rescisão
de contrato de trabalho.
Atingir equidade, entretanto, não é só dar condições iguais, é respeitar as diferenças. Então
a empresa deve estar atenta às questões de saúde ocupacional que afetam homens e
mulheres de forma diferente e como ela veicula na mídia a imagem das mulheres, não
as reduzindo a objetos sexuais. Ainda, o investimento dela deve ser maior em áreas em
que um dos gêneros leva desvantagem, por exemplo, as empresas de tecnologia (assim
como o faz a Microsoft) devem ficar mais atentas às mulheres, pois, historicamente, elas
foram excluídas da produção e do uso de tecnologias.
90
Outra preocupação da ISO 26000 é o engajamento da empresa na promoção dos direitos
humanos. Uma vez que a mídia tende a distorcer a concepção de direitos humanos, iremos
nos dedicar a discuti-los aqui.
Direitos humanos são os direitos básicos de toda e qualquer pessoa. Podem ser direitos
civis e direitos políticos. Todo ser humano tem direito à vida, à propriedade privada, liberda-
de de pensamento e de expressão, assim como de crença. Todos têm direito à igualdade
formal (todos são iguais perante a lei). Temos direito a uma nacionalidade, assim como ao
direito político de participar do governo (votando, sendo votado).
Outro grupo de direitos humanos são os direitos econômicos e socioculturais. Todos temos
direito ao trabalho, à educação, à saúde, à previdência social, à moradia, à distribuição de ren-
da. Por causa desses direitos temos o Sistema Único de Saúde (SUS), pois todos têm direito
à saúde, não apenas quem pode pagar por ela. Por causa deles também a escola pública
deve ser para todos (no passado, era para poucos), incluindo as pessoas com deficiência
(inclusão). Por isso também devem existir programas de moradia digna, ninguém deveria
morar nas ruas.
Também há os direitos humanos mais difusos e coletivos: direito à paz, direito ao progresso,
direito à autodeterminação dos povos, direito ambiental, direitos do consumidor, inclusão digital.
91
São indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é
insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros, não. Na
prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos
outros. (O QUE…, 2017)
A ISO 26000 destaca que convém que uma organização respeite os direitos humanos e
reconheça tanto sua importância como sua universalidade. No caso das multinacionais,
respeite a universalidade desses direitos, ou seja, reconheça que eles são aplicáveis em
todos os países, culturas e situações de forma unívoca; em situações em que os direitos
humanos não estejam protegidos, tome medidas para respeitar os direitos humanos
e evite tirar vantagens dessas situações; e, em situações em que a legislação ou sua
implementação não prevejam proteção adequada aos direitos humanos, siga o princípio
de respeito pelas normas internacionais de comportamento.
92
Análise de iniciativas de responsabilidade
socioambiental
A Alcoa é uma empresa que atua em toda a cadeia produtiva do alumínio, desde a
mineração, com a extração da matéria-prima, que é o mineral bauxita, até os produtos
finais, que são alumínio em pó e outros componentes à base desse metal. Seguindo
a tendência dos anos 1990, a empresa fundou o Instituto Alcoa, uma entidade sem
fins lucrativos destinada a atuar na dimensão discricionária da responsabilidade social
empresarial. Isso quer dizer que esse instituto promove ações de voluntariado que
beneficiam as comunidades em que a empresa está presente. Tais ações têm foco em
educação, trabalho e renda, saúde, meio ambiente, governança e segurança. Um dos
pilares do instituto é a busca por um modelo de desenvolvimento sustentável.
93
Outro exemplo interessante de atuação em relação ao ambiente é o do Carrefour. A
empresa tem sua política de responsabilidade ambiental voltada para o controle dos
resíduos sólidos, o combate ao desperdício de água e a eficiência energética. Apesar
de necessária, a propaganda sobre as ações ambientais da empresa esbarra em uma
concepção ingênua (romântica) sobre crise ambiental. A empresa recorre a slogans
apelativos que simplificam o problema ambiental. De qualquer forma, as ações adotadas
são interessantes; o que os profissionais da área da responsabilidade social precisam ter
em mente é o alcance dessas medidas, seus limites.
Para refletir
Pela análise do site do Carrefour, percebemos o foco na destinação dos resíduos. Caso
você venha a trabalhar em uma empresa com a mesma preocupação, vale a pena
conhecer a ideia de créditos de logística reversa. Eles representam as atividades de coleta e
triagem realizadas pelas cooperativas de catadores. Além de constituir um instrumento de
inclusão produtiva e geração de renda para os catadores (adicional à venda dos materiais)
e contribuir para a formalização, o desenvolvimento e o fortalecimento das cooperativas,
constituem um modo eficiente de as empresas cumprirem suas obrigações legais.
94
Após assistir a esses vídeos, reflita que, pela política de resíduos sólidos do Brasil, a prioridade
é a não geração do resíduo. Caso seja possível não produzir algo que será danoso ao ambiente
quando for resíduo, essa será a opção. A segunda opção será a redução. Reduzir o consumo
e a produção de certos materiais é uma necessidade para a redução de resíduos. Apenas
depois dessas medidas é que temos a reutilização e, por último, a reciclagem.
• O princípio da precaução
Formulado na ECO-92, na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
também aparece em todas as declarações que vieram depois dessa. Como indicado
pelo título, precaver é tomar medidas antes que algo ruim aconteça. Caso algo esteja
colocando em risco o ambiente ou a saúde humana, a empresa precisa agir e tentar
sanar o problema, mesmo que não haja certeza científica da sua responsabilidade
pelo ocorrido. Não se pode “pagar para ver”, ou seja, adiar ações à espera de
confirmações. Ao considerar a relação custo versus benefício de uma medida,
convém que a organização considere os custos e benefícios de longo prazo dessa
medida, e não somente os custos econômicos de curto prazo para a organização.
95
• O princípio do poluidor pagador
Afirma que a organização deve arcar com os custos resultantes da poluição
causada por suas atividades de acordo com a extensão do impacto ambiental
na sociedade e a ação corretiva exigida, ou à medida que a poluição ultrapassa
o nível aceitável. Convém que a organização se esforce para internalizar o custo
da poluição e quantificar os benefícios econômicos e ambientais de prevenir a
poluição, em vez de mitigar seus impactos com base no princípio do “poluidor
pagador”. A organização pode escolher cooperar com outros no desenvolvimento
de instrumentos econômicos, como fundos de contingência para arcar com os
custos de incidentes ambientais de vulto.
96
A abordagem por sistemas de produto-serviço pode ser usada para mudar o foco das rela-
ções mercantis, passando-as da venda ou fornecimento de produtos (ou seja, transferência
da propriedade por meio de operações únicas de venda ou locação/leasing) para a venda
ou provimento de um sistema de produtos e serviços que, conjuntamente, satisfaçam as
necessidades do consumidor (em uma variedade de mecanismos de serviço e entrega).
Sistemas de produtos/serviços incluem leasing do produto, locação ou compartilhamen-
to do produto, combinação de produtos e pagamento por serviços. Tais sistemas podem
reduzir o uso de materiais, separar a receita dos fluxos de materiais e envolver as partes
interessadas na promoção de uma maior responsabilidade do produtor ao longo do ciclo
de vida do produto e do serviço que o acompanha (ABNT, 2010, p. 55).
97
Elaborando iniciativas socioambientais eti-
camente fundamentadas
Sustentabilidade
Ambiente
Sociedade Economia
98
Outro aspecto que deve ser lembrado e que é provocado por essa citação é que ser
responsável socialmente envolve quatro dimensões: a econômica (garantindo o lucro da
empresa), a legal (mantendo-se de acordo com as leis), a ética (tomando decisões morais)
e a discricionária (com diversas ações socioambientais). É de suma importância que os
gestores das corporações coloquem essas dimensões na ordem do dia. Esse será nosso
segundo critério a ter em mente na elaboração de propostas de responsabilidade social.
RESPONSABILIDADE
ECONÔMICA
RESPONSABILIDADE
PILARES DA LEGAL
RESPONSABILIDADE
SOCIAL
RESPONSABILIDADE
ÉTICA
RESPONSABILIDADE
DISCRICIONÁRIA
Esse argumento nos leva a encarar a responsabilidade social como uma necessidade para
a sobrevivência da empresa e do ramo de negócio. Vivemos em um período de grande ins-
tabilidade e mesmo as grandes empresas sofrem o risco de desaparecer. Ao pensarmos em
longo prazo, a situação se agrava diante da crise ambiental e da questão social brasileira.
99
Uma vez que estamos convencidos da importância da responsabilidade social, vamos
agora pensar nos erros mais comuns cometidos pelas empresas nessa área. Ter
consciência desses erros será nosso terceiro critério para elaborar nossas ações e tomar
decisões em responsabilidade social. Refletiremos sobre cada um desses erros no sentido
de pensar em como evitá-los nas nossas ações. Segundo o site administradores.com,
uma pesquisa realizada pela consultoria DOM Strategy Partner, baseada em entrevistas
com os executivos de 223 das 500 maiores empresas brasileiras, identificou os dez erros
mais representativos em sustentabilidade nas companhias:
100
conseguir atingir esse objetivo de forma adequada. Por causa da pouca maturidade
da governança, a devida mensuração é ignorada. Ainda neste tópico, vamos sugerir o
uso dos Indicadores Ethos, para não cometermos esse erro.
7. A miopia em relação aos resultados potenciais foi registrada em 61% das empresas
pesquisadas. Por toda a disciplina, insistimos na ideia de que responsabilidade
social não pode ser vista como antagonista do lucro, nem como modismo ou como
101
obrigação. Para boa parte das empresas, ainda não são claras as oportunidades
de gerar e proteger o valor oriundo das iniciativas de sustentabilidade. Mais do que
obrigação por pressão social, o conceito precisa ser um motor facilitador para a
inovação, eficiência operacional, diferenciação dos competidores e fonte adicional
de receitas por novos produtos, serviços ou canais.
9. Pensar de forma unidimensional foi o erro cometido por 39% das empresas. Fazer
responsabilidade social é levar em conta que há um equilíbrio entre as dimensões
ambientais, sociais (incluindo aspectos culturais aqui) e econômicas. Os pesos e a
importância de cada uma dessas dimensões são determinados de acordo com as
prioridades de cada companhia. A exclusão de uma dessas dimensões condenará
os projetos, ainda que de início eles pareçam dar bons resultados. Lembre-se de
que a responsabilidade social é um investimento para longo prazo.
10. Em 43% das empresas ocorreu falta de realismo. As iniciativas que visam ser
sustentáveis precisam de um planejamento que leve em conta o segmento e a
estratégia de atuação da empresa. Não levar isso em conta pode resultar em metas
distorcidas em relação à realidade e em resultados subvalorizados.
102
Embora traga medidas de desempenho em sustentabilidade e
responsabilidade social, esta ferramenta não se propõe a medir
o desempenho das empresas nem reconhecer organizações
como sustentáveis ou responsáveis. A nova geração dos
Indicadores Ethos foi desenvolvida para estar a serviço dos
negócios, com aplicações e funcionalidades que permitem total
flexibilidade em sua aplicação pelas empresas e a geração de
relatórios mais próximos da realidade empresarial, que apoiam
efetivamente a gestão, com mecanismos para planejamento,
compartilhamento de dados com as partes interessadas e
desenvolvimento da sustentabilidade nas cadeias de valor.
(INDICADORES…, 2017, p. 8)
103
NA PRÁTICA
A C&A abriu mil vagas de emprego para travestis e transexuais para promover a
inclusão e a diversidade.
Fonte: merca20.com.
104
Resumo da Unidade 4
A responsabilidade social corporativa tem como norte a norma ISO 26000, que, apesar de
não ser certificadora, estabelece todos os parâmetros para estruturar projetos na área. O
Instituto Ethos, além de catalogar as melhores experiências em responsabilidade social
corporativa no Brasil, editou os Indicadores Ethos, que ajudam as empresas a avaliar seus
projetos. Basicamente, não podemos esquecer que a responsabilidade é, ao mesmo tempo,
econômica, social e ambiental. Logo, o conhecimento sobre sustentabilidade e direitos
humanos é essencial para entender como se processa a responsabilidade empresarial.
CONCEITO
105
Referências
EMPRESAS e direitos humanos: uma breve introdução. Business & Human Rights
Resource Centre, [S.l.], 2018. Disponível em: <https://www.business-humanrights.org/pt/
empresas-e-direitos-humanos-uma-breve-introdu%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 21
dez. 2018.
O QUE são os direitos humanos? Organização das Nações Unidas no Brasil, [S.l.], 2017.
Disponível em: <https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/>. Acesso em: 21 dez. 2018.
106