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Contencioso Administrativo e Tributário

- Aulas Teóricas

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA


Traumas do CAT:

• Revolução francesa – este trauma vai durar até à Constituição de 1976 em Portugal.
• Primeira grande reforma de CAT – 2002/2004 – foi feita em 2002 e houve 2 anos de
vacatio. Com esta lei é que o juiz administrativo fosse considerado como um juiz igual
aos outros.
• Até 2004 não havia processo. Agora já existe. O processo já não é uma realidade
substantiva. Processo e procedimento eram 2 faces da mesma moeda, não havia distinção.

Aula 18/09/19

O contencioso teve uma infância difícil e as instituições, tal como as conhecemos hoje
tiveram infâncias difíceis. O mesmo se passou com o contencioso administrativo. Há 2
principais traumas que estão na origem do PA, traumas esses cuja sequela continuam até aos
nossos dias:

Criação dos tribunais administrativos e com a revolução francesa – com a criação das
primeiras leis revolucionárias, em 1789, os tribunais administrativos foram impedidos de
controlar a administração. Aquilo que os revolucionários franceses diziam era que os
tribunais não podiam interferir, não podiam perturbar a administração pública e, portanto, os
tribunais ficavam proibidos de interferir na sua esfera. A par do que está a ser instaurado é o
modelo liberal de Estado assente na separação de funções, na separação de poderes, na
separação de atos.

A primeira constatação é que os revolucionários franceses que estavam a instaurar a


separação de poder, aquilo que eles efetivamente criaram foi a promiscuidade, foi a confusão
entre administrar e julgar, proibindo os tribunais de controlar e remetendo a tarefa da
Administração para a própria Administração. Charles de Basse (historiador do contencioso
francês) vem dizer que se gerou uma confusão, porque os revolucionários queriam dividir,
mas acabaram por misturar/confundir/ por implementar a promiscuidade. Este é o verdadeiro
pecado original do direito administrativo do qual só agora nos vamos libertando e demorámos
muito tempo para superar os traumas originais.

Reparem o que significa isto do ponto de vista psicanalítico: o paciente (o contencioso


administrativo) diz que está instaurada a separação de poderes e o que ele faz é a negação da
separação de poderes – isto é aquilo que o doutor Freud chamava de «revelação de
cobertura». A revelação de cobertura corresponde àquilo que o paciente conta acerca dos
factos traumáticos, é uma versão embelezada, é uma versão que corresponde que eu gostaria
que tivesse acontecido e não aconteceu e é preciso que se crie a empatia entre o paciente e o
especialista para que o paciente venha a reconhecer o que realmente aconteceu. Precisamente
o que se passou no Contencioso Administrativo foi que, no primeiro momento, no quadro do
liberalismo político, havia a afirmação da criação de um sistema político-constitucional
assente na separação de poderes e havia, simultaneamente, a negação/proibição de os
tribunais controlarem. Esta divergência entre o dito e o feito vai justificar muitas realidades
pela qual vai passar o Contencioso Administrativo. Foi preciso esperar pela CRP de 1976
para que em Portugal, os tribunais administrativos se incumbissem no poder judicial porque
no quadro da CRP de 1933, porque como dizia MARCELLO CARTANO «os tribunais
administrativos eram órgãos da Administração no exercício de uma função
jurisdicionalizada». As funções eram jurisdicionais, os órgãos eram administrativos.

Em Portugal, os tribunais administrativos integravam-se na Presidência do Conselho de


Ministros, dependiam diretamente do Primeiro Ministro. Era o Governo que determinava
quando é que havia férias e quando é que se trabalhava, ou seja, os tribunais administrativos
eram órgãos do poder e só com a CRP de 1976 é que eles se transformaram em verdadeiros
tribunais integrados no poder jurisdicional. Mas se efetivamente a CRP de 1976 batizou o
Contencioso Administrativo, muito mais tarde do que aconteceu nos outros países europeus:

• Em França no início do século XX começou a haver uma jurisdicionalidade do tribunal;


em França só em 1880 o tribunal Constitucional considerou que o Conselho de Estado se
integrava no poder jurisdicional;
• Em Espanha aconteceu no início do século XX (1906);
• Em Itália aconteceu no século XX (1907);
• Na Alemanha ainda foi nos finais do século XIX.

Mas se houve este primeiro momento de superação do trauma, o Contencioso


Administrativo, durante muito tempo, continuou a ter as mesmas leis, assentes numa lógica
de âmbito limitado. E foi preciso esperar pela reforma de 2002/2004 para que os juízes
administrativos se transformassem em juízes iguais aos outros com um âmbito de aplicação
muito amplo correspondente a toda a administração administrativa e um juiz tanto pode
anular as decisões administração, como pode condenar e dar ordens a toa a administração.
Estamos a acompanhar a evolução que se deu também nos outros países, embora nesses se
tenha dado mais cedo, normalmente nos anos 70/80 que no quadro da constitucionalização do
contencioso administrativo e depois nos anos 90 temos a europeização do processo
administrativo.

Esta realidade é uma conquista, ou seja, o trauma profundo do nascimento do


Contencioso administrativo vai marcar toda a evolução futura, vai ter consequências
praticamente até aos nossos dias. Se isto já aconteceu, sem qualquer dúvida, no quadro da lei
vigente, o que é facto é que certos mecanismos ainda continuam a ser vistos de forma
limitada, ou com tendência para a limitação, nomeadamente os mecanismos de tutela
cautelar. Na Alemanha, ao contrário dos outros países europeus, não havia tutela cautelar.
Uma das coisas que surge no quadro da U.E foi a regra do standstill – se há dúvidas sobre a
legalidade a administração não faz nada, nada pode ser feito. Portanto, se há no procedimento
contratual algo que gera dúvidas é preciso parar completamente (standstill) e depois tem de
se ver se essa ilegalidade justifica essa medida grave ou se as coisas devem avançar.

Em 2019, o legislador estabelece algo que contraria o poder judicial do juiz. Este trauma
inicial marca a evolução do Processo Administrativo. Em PT, o quadro da lógica objetiva,
que correspondia ao pensamento de MARCELLO CAETANO veio a ser substituído pela
lógica subjetivista, esta última é que transformou uma realidade que foi muito marcada. Esta
ideia do contencioso subjetivo é algo de novo no quadro do Processo Administrativo.
Passamos do Contencioso Administrativo para o Processo Administrativo. Isto em Portugal
veio a ser destacada por SÉRVULO CORREIA quando escreve sobre o Contencioso
Administrativo diz que não é bem processo, mas no fim já não diz o mesmo.

Há um outro trauma, ainda que mais tardio. Há uma célebre sentença de 1873 do
Conselho de Estado – a chamada sentença Blanco. O acórdão Blanco de 1873 é um episódio
que dá origem a uma sentença muito triste. Este acórdão diz: estava-se no início, numa fase
em que o Conselho de Estado e outros órgãos administrativos começavam a emitir normas no
âmbito da atividade de resolução de litígios. Em 1871/1872 houve um desastre na vida
privada da menina Blanco e foi atropelada. Ela estava a brincar numa zona fora do alcance da
ferrovia e há um vagão da empresa pública de Bordéus que descarregou e quem fica lesada
fisicamente é a menina Blanco. Fica com lesões para a vida inteira. Os pais da criança,
perante um acidente destes provocados pela empresa pública, dirigiram-se aos tribunais. O
tribunal de Bordéus respondeu 2 coisas:

1. Não era competente porque estava em causa uma autoridade pública de natureza
administrativa – nós não temos competência. Se fosse um conflito entre 2 particulares nós
poderíamos decidir, mas um conflito administrativo que envolve uma autoridade pública
de natureza administrativa, nós não temos competência.
2. Mesmo que pudéssemos decidir, mesmo que fossemos competentes, também não
poderíamos decidir porque não havia lei aplicável. A única lei que trata de
responsabilidade civil era o Código Civil que estava previsto para entes iguais. Os pais
recorreram à justiça administrativa, mas não chegaram ao Conselho de Estado.
Recorreram à 1ª instância da justiça administrativa (era o presidente da câmara) – este
responde que não era competente. Porquê? Ele dizia que não era competente, porque não
havia nenhum ato administrativo, aquilo era um ato neutro. Portanto não era competente.
Se fosse um ato administrativo o mesmo seria anulado. Mas mesmo que fosse competente
não havia norma aplicável. Houve aqui um caso de conflito negativo de competências –
ocorre quando 2 tribunais de ordens diferente se recusam a julgar; temos também o
conflito positivo que ocorre quando vários juízes querem julgar o mesmo conflito. Este
conflito dá origem à decisão do tribunal em 1873 – o tal acórdão Blanco – este acórdão
vem revogar e vem dizer que a competência é da justiça administrativa, vem resolver o
caso dizendo que os Tribunais administrativos são competentes. Isto veio influenciar a
realidade portuguesa. O Tribunal de conflitos vem dizer que isto é uma espécie de registo
de nascimento do Direito Administrativo: vem dizer «não há lei aplicável, mas temos de
criar uma lei aplicável, porque a administração não pode ser responsabilizada como
qualquer particular. É preciso proteger a administração». Não era possível criar um
começo tão traumático. É o caso mais triste, é o caso traumático do Contencioso
Administrativo.

Este acórdão Blanco, de 1873, não era uma realidade inteiramente passada. Em Portugal,
em primeiro lugar, foi preciso esperar pela lei da responsabilidade administrativa de
2007/2008 para que o caso encontrasse uma má solução. A doutrina defendia que a
competência do tribunal dependia da natureza da responsabilidade:

1. Se fosse uma responsabilidade por um ato de gestão pública – eram os tribunais


administrativos competentes e era aplicada a lei administrativa
2. Se fosse um caso de gestão privada – era competente o tribunal comum e era aplicável a
lei civil. Qual a diferença? Nenhuma – é uma responsabilidade da Administração e
acontece, na maior parte dos casos, não por atos públicos mas por operações materiais.
Portanto, não há distinção em gestão pública e gestão privada. Esta é uma distinção
esquizofrénica que não tem critério distintivo.
Critérios:

Suponhamos que o carro do Primeiro-Ministro atropela uma criança na Avenida da


Liberdade – será um caso gestão pública ou privada? Depende. Temos de saber se o
Primeiro-Ministro está lá dentro a dar ordens ou não.

Isto tem algum sentido? Isto não faz sentido distinguir os atos de responsabilidade da
administração, há sempre responsabilidade. O ETAF vem responsabilizar toda a
Administração, o legislador usou uma expressão de processo comum: «quando haja lugar
lesão provocada no poder administrativo». Isto é algo muito vago. Como é algo muito vasto,
os tribunais começaram a verificar/julgar e ver se a administração era ou não responsável. Se
a administração não fosse encaminhavam o processo logo para os tribunais comuns.

Faz sentido que uma questão que é a natureza do tribunal seja determinada depois de
ser determinado o objetivo do litígio? Não faz sentido, cabe determinar se há ou não
responsabilidade, posteriormente determina-se a competência do tribunal.

Em 2015, a lei mudou e não há sentenças transitadas em julgado no domínio da


responsabilidade civil. Mais, embora o legislador em 2007 – o legislador, no Art.1º, não
acaba com a distinção entre gestão pública e privada. MARCELO REBELO DE SOUSA –
critica o facto da distinção não ter desaparecido, é uma lei que não cumpre a CRP e o Direito
Administrativo.

O legislador acrescenta – «que sejam reguladas por regras e princípio de direito


público» – a referência ao princípio, diz o CPA diz que os princípios do direito administrativo
se aplicam até mesmo à atividade em atos de gestão privada e ao estabelecer que os mesmos
se aplicam há um alargamento jurisdicional a todos os níveis do Contencioso Administrativo.

Porque é que em Direito Administrativo não se fala em direitos subjetivos? O Direito


Administrativo era para proteger a administração. Porque é que no Contencioso
Administrativo não se falava em partes? Porque se entendia que os particulares não tinham
direitos face à Administração Pública, os particulares eram um objeto do poder da
Administração Pública – perspetiva objetivista.

Há 3 momentos da justiça administrativa que marcou a realidade portuguesa, a realidade


francesa e os países anglo-saxónicos):
1. O momento do pecado original – momento da promiscuidade/momento da confusão
entre administrar e julgar – neste período temos um administrador juiz. É o modelo que
vai estar em vigor durante todo o período do estado liberal, termina só nos finais do séc.
XVIII/séc. XIX e termina em finais do séc. XIX, inícios do séc. XX. Está associado a
uma visão da função administrativa e direito administrativo que combina com esta versão
autoritária do Direito Administrativo com a lógica não processual do contencioso.

Verificaram-se algumas mudanças – confusão entre administração e justiça. O órgão


decide julgar-se a si mesmo.

2. Momento da justiça reservada – reservada não só porque os órgãos administrativos que


se julgavam a si mesmos, como a decisão do Conselho de Estado estava submetida à
homologação do chefe de Estado. A última palavra cabia à Administração. Em 1872, o
chefe de Estado passa a delegar ao conselho de estado – é assim que surge a justiça
delegada. Este segundo momento também conhecido como momento do batismo – é o
momento da separação entre administração e justiça – é uma separação formal. Momento
da judicialização do Contencioso Administrativo. O que vai acontecer, nos países
europeus a partir das primeiras décadas do séc. XX e vai até aos anos 60, será uma
realidade em que a lei dos tribunais administrativos vai estando integrada no quadro do
poder judicial. Os tribunais administrativos continuam limitados quer no âmbito de
aplicação, quer nos poderes e podem apenas anular as decisões, mas não podem ordenar
nem dar ordens à Administração Pública. Este período corresponde ao estado social – vai
trazer um incremento da administração e do Direito Administrativo.

3. O terceiro momento surge, primeiro, nos anos 50 com as leis administrativas alemãs. Mas
em rigor surge nos anos 70. Este período corresponde ao facto de se terem
constitucionalizado um modelo novo do Contencioso administrativo em que o juiz
tutelava os particulares. Isto só foi feito com a constitucionalização, transformou o juiz
administrativo num juiz como os outros e assim chegamos ao estado pós-social. Este
último período tem um subperíodo a partir dos anos 90 e vai até aos nossos dias:
a. Período da europeização do Contencioso Administrativo – quer o TJUE condenou
quase todos os estados no âmbito do processo administrativo por incumprimento.
Houve normas que decorrem da europeização e há uma realidade comum, quer no
modelo continental francês, quer no modelo britânico.
Aula 23/09/19

Vamos retomar a matéria do CAT no divã da psicanálise. Na última aula analisámos


os 2 principais traumas da infância difícil do Processo Administrativo. E esses dois principais
traumas foram decorrentes:

1) da proibição dos Tribunais regularem a Administração, regularem a criação do


Contencioso especial para a Administração;

2) a ideia do acórdão Blanco de que o Direito Administrativo discutido era um direito de


autoridade na relação com os particulares, vertente autoritária do processo administrativo.

Se quisermos periodizar a evolução do Contencioso – há 3 momentos, 3 grandes fases:

1. Fase do pecado original, fase que corresponde ao sistema do administrador liberal, do


ponto de vista temporal corresponde ao séc. XVIII e XIX – correspondeu à fase do estado
liberal
2. Fase do batismo do Contencioso Administrativo – batismo porque ele foi
jurisdicionalizado – significa isso que os vários órgãos administrativos especiais se
transformaram em tribunais – houve uma jurisdicionalização, uma judicialização do
Contencioso Administrativo. Mas este período que corresponde ao do séc. XX até aos
anos 70, esse período não foi acompanhado nem por um alargamento do âmbito da
proibição administrativa, nem por um alargamento dos poderes. Foi um período em que o
Contencioso Administrativo ficou na mesma, tendo em conta a sua estrutura.
3. Há um terceiro período que se inicia a partir dos anos 70 e que vai até aos nossos dias e
que é o período da confirmação. Confirmação porque por um lado vai reafirmar a
natureza jurisdicional do processo administrativo e ao mesmo tempo vai afirmar uma
nova realidade administrativa que é o modelo que se destinará à tutela plena e efetiva dos
direitos do particular, portanto uma dimensão subjetiva no quadro do contencioso.
Enquanto que no modelo da judicialização o contencioso era objetivo, não havia partes,
não havia direitos, não havia uma logica jurisdicional. Agora este último período, o
período da tutela plena e efetiva dos direitos do particular, o juiz administrativo torna-se
num juiz como os outros. Esta última fase tem 2 subfases:
3.1.Num primeiro momento nos anos 70/80 há uma constitucionalização, é a constituição que
vai consagrar um novo modelo de justiça administrativa, novo modelo de administração
pública;
3.2.E há um segundo momento a partir dos anos 90 – que corresponde europeização, este
período corresponde também ao novo modelo de estado, ao estado pós-social.

Em primeiro lugar: período do pecado original, período da confusão entre julgar e


administrar – este período corresponde a uma realidade patológica, porque aquilo que se
pretendia fazer com a Revolução Francesa era instaurar um sistema de separação de poderes.
E aquilo que se efetuou foi a confusão, a promiscuidade entre administração e justiça. Esta
promiscuidade não foi sempre igual, houve fases, momentos no âmbito desta promiscuidade.
No entanto há, em todos estes momentos, há a realidade de que o juiz administrativo não é
um verdadeiro juiz, mas sim um órgão da administração. E é por isso que um autor dizia que
o processo administrativo é uma espécie de introspeção administrativa, é a administração que
se analisava a si própria, e um controle ulterior era algo sucedâneo. Isto vai levar a que se
diga no quadro do Direito francês que há uma conceção francesa da separação de poderes – é
uma visão deturpada, é uma visão que nega a ideia da separação de poderes, porque confunde
administrar e julgar. Estamos perante a realidade patológica do paciente que não consegue
enfrentar a realidade, a realidade é demasiado traumática, por isso há uma negação de
cobertura como dizia Freud. Portanto, temos o sistema que assenta nesta realidade
falsa/deturpada e a prova disso é que no quadro do liberalismo político vai nascer um modelo
diferente de administração, de direito administrativo e de contencioso administrativo. Porque
no liberalismo inglês, no liberalismo anglo-saxónico diz-se o contrário – os poderes são
independentes e autónomos, controlam-se uns aos outros – e teoricamente dizia-se:

• o juiz comum controla a administração como controla qualquer realidade privada,


• a administração não goza de privilégios,
• não goza de um privilégio de execução prévia,
• a administração não goza de uma posição especial,
• ela é julgada pelos tribunais comum, segundo o direito comum.

Neste período do liberalismo vão surgir 2 modelos diferentes. Atualmente quase não há
distinção, mas na altura do liberalismo havia 2 formas de olhar diferentes de olhar para a
administração.
No quadro do sistema francês houve 3 momentos, 3 subperíodos:

• 1789-1799 – há uma total confusão entre administrar e julgar. Eram os próprios órgãos
que tomavam a decisão que depois lhes cabia julgar-se a si mesmos. A partir de certa
altura passou a haver um ligeiro desfasamento, pois podia ser o próprio órgão ou o seu
superior hierárquico a julgar. Mas era o órgão da Administração ativa que se julgava a si
integralmente no quadro desta primeira fase.
• 1799-1872 – vai surgir o conselho de estado que é um órgão da Administração criado por
Napoleão Bonaparte que tinha como objetivo aconselhar a Administração antes de ela
tomar qualquer decisão. O conselho de estado vai assumir também funções de
julgamento, o órgão que tinha apenas funções de consulta, vai assumir também funções
de julgamento. Nesta fase, o conselho de estado fazia pareceres tanto no âmbito das
consultas, como no âmbito do julgamento. Portanto as decisões do Conselho de estado
estavam submetidas a homologação do executivo. As suas sentenças não eram definitivas,
dependiam de homologação. O que Marcelo Caetano dizia ser uma justiça reservada,
porque a última palavra pertencia à Administração. Este período tem uma duração longa e
corresponde a esta lógica meio administrativa meio jurisdicionalizada. É o próprio
Napoleão Bonaparte que diz que é um órgão meio administrativo, meio judicial. Este
período vai dar origem, em razão do funcionamento do sistema, porque o sistema
funcionava bem, em regra o executivo homologava as decisões do conselho de estado.
• A partir de 1872 vai-se dizer que o executivo delega no conselho de estado o poder de
tomar decisões definitivas. Isto corresponde a um 3º momento: momento da delegação –
justiça delegada. Isto significava que agora as decisões do conselho de estado passavam a
ser definitivas. Foi um passo importante no sentido da rutura, da autonomização do
Contencioso Administrativo. Mas não foi em 1872 que nasceu, por muito que outros
digam o contrário, em Portugal Marcelo Caetano, Freitas do Amaral acha que em 1872
foi o nascimento da justiça administrativa. O regente não concorda, por várias razões:
o porque o conselho de estado era um órgão e continuará a ser; e não havia sequer nenhuma
diferença entre a parte do órgão que julgava e a parte do órgão que administrava, eram
precisamente os mesmos funcionários que faziam as duas tarefas, que atuavam dando
consulta e julgando nos tribunais;
o Por outro lado, esta realidade do conselho de estado, enquanto órgão administrativo, era
uma realidade que tinha consequências no quadro do respetivo funcionamento. Mais tarde
as coisas vão mudar, hoje em França a secção contenciosa do Conselho de Estado é um
verdadeiro Supremo Tribunal Administrativo francês. Mas houve uma separação, uma
autonomização, hoje não há nenhuma relação entre a secção administrativa e a secção
contenciosa, nem é possível pertencer às duas, ou se pertence a uma, ou se pertence a
outra. Mas em 1872 havia total confusão.
o Depois também porque em França até ao acórdão CADOP vigorava em França a teoria do
ministro juiz, o juiz era ministro e o ministro era juiz. Esta teoria foi importante para
marcar a evolução futura do Contencioso Administrativo: porque o conselho de estado
tomava decisões definitivas e havia em França uma regra que era a regra da decisão
prévia – algo que se assemelha ao recurso hierárquico em Portugal. Só depois da decisão
do governo é que se podia ir a tribunal. Vai-se dizer que o ministro que tem a decisão
prévia, funciona como a 1ª instância do Contencioso Administrativo e depois essa 2ª
instância vai ser recorrida, como se fosse um recurso, para o conselho de estado. Estamos
no domínio da tal confusão total entre administrar e julgar, o ministro era a 1ª instância e
depois a decisão do ministro era recorrida para o conselho de estado. Esta realidade vai
marcar não apenas a realidade francesa, mas também a realidade portuguesa e a de outros
países. Em frança ainda hoje o meio principal de apreciação de atos administrativos
chama-se recurso, é uma ação, uma ação é a primeira apreciação jurisdicional do litígio, e
aquilo que os tribunais administrativos fazem é analisar pela primeira vez do ponto de
vista social uma decisão da administração. Hoje em França ainda se fala em recurso por
excesso de poder, que já não tem a ver com a realidade do passado. Em Portugal, no
quadro da Constituição de 1933, até à reforma de 85 do Contencioso Administrativo o
meio processual de impugnação das atuações administrativas chamava-se recurso direto
de anulação: o juiz intervinha apenas na 2ª instância, no recurso, o poder do juiz era
limitado por isso. em PT, p. ex, só com a reforma de 2002/04 é que a prova passou a
poder ser feita em tribunal. Até aí o juiz administrativo era um juiz de recurso, e um juiz
de recurso não aprecia prova, só aprecia direito. Precisamente porque era assim, dizia-se
que o juiz só podia anular as decisões da Administração. Esta realidade do ministro-juiz
demorou pelo menos até ao acórdão CADO, que vai marcar não apenas a realidade
francesa, como também vai marcar a realidade dos outros países. Estamos perante uma
situação que não é jurisdicional. É uma situação que corresponde a uma lógica
administrativa. A ideia da anulação correspondia à ideia de superior hierárquico, o que
estava em causa eram um recurso hierárquico que se transformava num processo, mas que
continuava a ter a matiz de um recurso. Porque é que não era ainda um tribunal? Porque a
última palavra continuava a pertencer à administração. Em frança não existia nenhuma
possibilidade de obrigar a ADM a respeitar as decisões – executar ou não uma sentença é
um processo administrativo gracioso, segundo Marcelo Caetano. Não havia forma de
executar essas decisões. Isto é uma realidade que tem consequências. O professor
FREITAS DO AMARAL vai pôr em causa este modelo e dizer que o que havia em
Portugal até 1977 era um sistema de justiça reservada no que dizia respeito à execução: o
tribunal decidia, mas a execução dessa decisão dependia da vontade da Administração e
por isso em rigor era como se a última palavra coubesse à Administração, a administração
é que decidia se executava ou não. Um dos traumas maiores do CA era o trauma da
execução das sentenças. Isto que surgiu com a Revolução Francesa vai durar até finais do
século XIX, inícios do séc. XX. Tal como em Portugal, em regra, são as Revoluções
Liberais a introduzirem estes mecanismos. Criação do conselho de Estado com Mouzinho
Silveira. A maior parte do séc. XIX até à República vai ser um período de oscilação entre
momentos de justiça delegada, justiça reservada, e por vezes o surgimento apenas de
tribunais sem poderes de execução.

Isto não era inovador do ponto de vista da organização do poder político. Isto era algo que
tinha outras razões de ser, porque há um conjunto de fatores que vão explicar esta realidade:

1. A realidade que corresponde à teorização francesa da separação de poderes –


Montesquieu: se ele teoriza a separação de poderes, ele faz com que esta separação se
engloba no estado, o que estava em causa eram poderes do Estado. Nos poderes do
estado, ele diz que o juiz é o poder neutro. O juiz era uma boca que não tinha uma
vontade autónoma. De alguma forma, a teorização francesa da separação de poderes
introduzia esta dimensão. Locke era completamente diferente, na logica francesa os
poderes não se integravam na entidade superior e eram autónomos e independentes uns
dos outros. Os revolucionários franceses tinham ainda outra lógica: a lei de 1789 diz-se
que estamos muito agradecidos aos parlamentos e os tribunais porque sem eles não tinha
sido possível a revolução, porque foram eles que contrariaram o poder do monarca
absoluto, mas agora o poder está em boas mãos, portanto, a desconfiança em relação aos
tribunais vai explicar isto.

A receita de criar o Conselho de Estado é ideia do Antigo Regime, havia um conselho do


rei para limitar, porque o monarca absoluto tinha receio do controle. Tocqueville o antigo
regime forneceu a receita, nós não fizemos mais do que mudar o nome. Também há uma
outra realidade que um autor procurou canalizar as pessoas que estavam no conselho de rei e
de estado antes e depois da revolução. E, portanto, mesmo antes de nascer, o Contencioso
Administrativo já estava predeterminado. Isto permite introduzir uma ideia é a ideia da
continuidade entre o Antigo Regime. Porque este sistema meio administrativo, meio
jurisdiconalizado assentava bem no modelo do estado liberal, porque o estado liberal via a
administração de uma forma limitada e agressiva. Porque para um liberal aquilo que a
Administração devia fazer era apenas tratar da segurança da propriedade, aquilo que cabia à
AP era a polícia e as forças armadas, o resto não devia caber à AP, o resto podia ser feito pela
sociedade civil. E por isso, os liberais que defendem os Direitos fundamentais, no quadro do
DA vão ter uma visão autoritária. Na lógica liberal a administração publica devia estar
reservada à garantia da segurança da propriedade e liberdade, mas esta intervém à força, para
impor à força. A Administração liberal era uma Administração agressiva. A lógica liberal
conduzia a um modelo de administração que era autoritária, que era agressiva, porque os
liberais desconfiavam da Administração e queriam limitá-la ao máximo, queriam que a ADM
correspondesse a uma realidade limitada ao exercício da força. A ADM podia fazer o que
queria, porque só havia 6 leis por ano. O sistema ADM era um sistema autoritário. Isto
corresponde à ótica liberal francesa. Como não havia muitas leis a Administração usava e
abusava da força, e isto leva a uma teorização autoritária do ato administrativo. É esta a
realidade francesa, e isso também explica que o particular também não tivesse direitos
perante a Administração. O Contencioso é um contencioso de interesses – interesses
protegidos. O particular só tinha direitos nas relações privadas. Com a transição do séc. XIX
para o XX as coisas vão mudar, a Administração transforma-se.

A Administração transforma-se e o estado também se transforma: o estado vai chamando


novas funções na vida económica e social, vai chamando novas funções primeiro no controle
das prestações laborais, vai intervir na segurança social. Esta intervenção entre as 2 guerras
mundiais torna-se mais intensa, porque a forma de resolver as crises era através da AP,
através da intervenção do Estado injetando dinheiro na economia. A AP passa a assumir um
papel importante. As Constituições assumem novas tarefas na vida económica, social e
cultural, a AP vai prover as necessidades. A AP passa de agressiva a prestadora, passa a
prestar bens e serviços. A Administração passa a ser uma realidade que assume esta dimensão
do estado social, há um autor que caracteriza o estado social como sendo um estado de
administração.

Assistimos a um crescimento da AP da realidade orgânica e formal, quer do Direito


Administrativo como realidade pública. O que sucede do ponto de vista do Contencioso?
Aquele momento inicial de confusão que tinha começado a ter alguma autonomia, em 1982
vai a pouco e pouco transformar-se. No quadro do panorama francês vai transformar-se em
virtude da atuação dos tribunais, os franceses aqui são mais britânicos que os britânicos, é a
atuação dos tribunais que marca a evolução futura do Direito do processo administrativo. O
conselho de estado vai ganhando cada vez mais independência, e a partir de um dado
momento os outros órgãos reconhecem-lhe essa autonomia. Há um momento em que há um
“milagre” do CA. Este milagre é continuado, porque em França há todo um processo. Há uma
evolução que é paulatina, que vai decorrendo da jurisprudência e da atuação do tribunal. O
tribunal administrativo francês é um self made court, porque foi um tribunal que se construiu
a si mesmo em razão da sua atuação.

Isto foi acontecendo gradualmente, com sucessivas leis que introduzem várias alterações,
até que há uma intervenção do conselho constitucional, e o conselho transforma-se em
tribunal. Há uma transformação resultado da logica do funcionamento francês.

Noutros países: esta evolução foi anterior à evolução francesa

▪ na Alemanha e nos estados do Sul, surgiram tribunais administrativos no século XIX;


▪ em Espanha – início do séc. 20 e Itália

Portanto há um conjunto de transformações que mudam a natureza dos tribunais. Mas


apesar disso o CA não se alarga, nem se modifica em termos de matéria, em termos de
competência, nem se modifica em termos de transformação.

Aquilo que se vai verificar no Contencioso britânico começa a aproximar-se daquilo que
se passava no contencioso: a ideia do estado social origina leis especiais – ideia de que a AP
está sujeita ao direito comum desaparece, porque a partir de inícios do séc. XX, finais do séc.
XIX surgem direitos. No reino unido surgem órgão administrativos especiais – que têm
poderes de execução das sentenças. O curioso é que isto surgiu no início do séc. XIX e
metade do séc. XX e vai ser combatido com estado social: ideia de que a ultima palavra cabe
ao juiz, os tribunais podem intervir mas a ultima palavra deve caber ao juiz, isto é, também
na realidade francesa surgem órgãos privativos, como no reino unido estes órgãos vão ser
combatidos pela ideia de que os tribunais é que devem controlar a Administração.

Aula 25/09/19
Estávamos na aula passada a analisar o séc. XVIII e XIX, e vimos que o que sucede na
França e nos outros países do continente europeu é o sistema que corresponde ao ministro-
juiz, ao pecado original, em que os órgãos da administração não eram tribunais, mas órgãos
da administração. Se alargamos o nosso olhar a outras experiências liberais veremos que há
dois modelos liberais:

• Continental, que se verificou na França, Itália, Alemanha, Portugal;


• Anglo-saxónico, que se verificou no Reino Unido e depois nas colónias da américa,
Canadá, e esse modelo no início estava nos antípodas do continental. Porque ai não havia
direito especial para a administração, a regra era a administração regula-se pelo direito
comum, não foram criados órgãos especiais, que vão surgir mais tarde. Mas nesta altura
os tribunais comuns julgavam os litígios administrativos. Havia algumas exceções. Mas
regra geral estávamos perante um modelo diferente de controle da administração.

Isto seve para mostrar que a construção francesa não era inevitável, era a consequência
normal do pensamento liberal do séc. XIX. O estado liberal tinha uma costela autoritária
manifestava-se ao nível da administração, a administração exercia a força física, a
administração correspondia à tarefa da polícia e força armada. Mesmo a logica do princípio
da legalidade, que é a grande conquista dos liberais significava um controle fraco, porque os
parlamentos faziam meia dúzia de leis, e aquilo que o parlamento estabelecia como não
proibição a administração era livre, não era uma questão de discricionariedade, mas de
arbítrio. Não havia reserva de lei, a reserva de lei era direito privado, e só na reserva de lei é
que a administração não podia atuar. Por isso, isto conduz a uma teorização autoritária, a
ideia do ato decisivo executório é uma ideia autoritária, porque era suscetível de execução
coativa mesmo contra a vontade dos particulares. Portanto é um regime que casa bem com o
estado liberal, este regime contencioso, este regime processual está de acordo com a
ideologia liberal do séc. XIX. Mas não era típico do estado liberal, a Prússia de Brimark vai
adotar esta realidades, a logica dos estados autoritários, vai também adotar este modelo
supostamente liberal, mas autoritário.

Só que com a transição do séc. XIX para o séc. XX as coisas vão mudar, e as coisas vão
mudar a todos os níveis, aliás há modificações mais radicais na AP no DA do que no PA,
apesar de haver também modificações no processo. Comecemos pelas que são mais fáceis de
explicar:
• O estado começa a intervir na vida económica, social, cultural, começa nos finais do séc.
XIX a regular o trabalho, a criar a segurança social;
• E depois, sobretudo a seguir às guerras, começam uma série crises de 29/30, o estado
passa a intervir injetando dinheiro na economia através do efeito multiplicador da despesa
pública, passa a uma logica de intervenção do estado, o que potencia o papel da
administração publica.

Enquanto no estado liberal o poder mais importante era o poder legislativo, agora o poder
mais importante de todos é o poder administrativo, o poder executivo. É através da
administração que se satisfazem os interesses, como diz um autor alemão aquilo que
caracteriza o estado social é ser um estado de administração. Gerou uma máquina
administrativa que é cada vez maior e que introduz novas formas, que introduz novas formas
de atuação não autoritárias, formas de atuação bilaterais, transforma depois o próprio ato
administrativo. O ato da administração prestadora é um ato que atribui bens e serviços, é um
ato favorável ao particular. Como é que um ato favorável pode ser imposto ao particular de
forma coativa? Não faz sentido. A administração produz atos unilaterais, mas não são
coativos. Em primeiro lugar não são coativos todos os atos favoráveis.

Por outro lado, num estado de direito a execução coativa só depende da lei é a lei que
defende que o ato pode ser executado coativamente, e lei também proíbe. Não é possível
obrigar o que a lei proíbe, e por isso esta ideia dos atos executórios é um disparate e sempre
foi um disparate. É um disparate que tem que ver com esta realidade da administração
autoritária, que deixou de ser uma realidade com a transição do séc. XIX para o séc. XX.

Mesmo a ideia da definitividade não significa nada, a administração não usa o direito
como um fim em si. A maior parte dos atos administrativos de hoje não são definitivos,
porque não definem direito. Em primeiro lugar porque não são praticados pelo superior
hierárquico, os taos praticados pelo subalterno são hoje em dia tao definitivos como os atos
dos superiores. Na nossa ordem jurídica a tripla definitividade não vale nada, esta logica
acabou quando surgiu o modelo do estado social liberal, já não é o modelo da administração
autoritária que vigorava.

No contencioso a natureza do órgão foi alterada, o que vai acontecer neste período é a
judicialização do contencioso, é o batismo, e este batismo muda a natureza do tribunal.
Olhando para os países continentais e para o Reino Unido isto aconteceu de forma diferente.
O que vai acontecer em frança é que a partir do acórdão de CADO, que põe termo à última
fase da confusão entre administração e justiça. Vai havendo um conjunto de leis que
progressivamente vão reconhecendo a qualidade jurisdicional ao poder de controlar a
administração. O Conselho de estado através destas leis cria um tribunal de 1ª instância,
acórdão de BLANCO. Depois surgiram nos anos 60/70 leis para a execução da
administração. Depois em 1980 o tribunal Constitucional veio dizer que a secção contenciosa
do Conselho de Estado era um tribunal, não era um órgão da Administração, alegando a lei de
1799. Esta realidade em França vai demorar muito tempo e só se consuma definitivamente
nesta altura. Aqui França está próxima de Portugal, Portugal no quadro da Constituição de 33
tinha o sistema do ministro-juiz, porque os tribunais administrativos dependiam do primeiro
ministro, integravam-se na presidência do conselho de ministros e porque não havia nenhum
processo jurisdiconalizado de execução, era um tribunal que não era um verdadeiro tribunal.
Só em 1976 é que a CRP integrou os tribunais administrativos no poder judicial e a partir daí
mudou-se a natureza.

• Noutros países que tinham recebido através das revoluções liberais o modelo francês
através da lei, foi a lei que alterou a realidade. Não foi como em França. Logo no início
do séc. XX, 1905 Itália, 1906 Espanha, o Conselho de Estado transformou-se em tribunal
na Itália e até acabou em Espanha. Houve uma jurisdicionalização.
• Portugal também está nesta realidade de países que mais tardiamente acontece a
transformação. Noutros foi mais cedo como na Alemanha. É preciso dizer que a mudança
de natureza não significou nem o alargamento da jurisdição, nem a transformação dos
processos, e não alterou a estrutura do contencioso. O contencioso continuava a ser um
contencioso relativo à autoridade, em Portugal na Constituição, até à revisão de 89,
estivesse a ideia de que havia recurso contra atos decisivos executórios, logica autoritária
típica do séc. XIX. O contencioso estava pensado para os anos da autoridade. Neste
período até aos anos 70 os poderes do juiz continuavam a ser limitados, o contencioso era
limitado, havia desde logo uma logica que vai rebentar: porque é que tinha sucedido do
ponto de vista da Administração, havia mais casos. Houve algumas mudanças:
o Generalização das ações em matéria contratual;

Quando em Portugal a discussão surge: a primeira tentativa de a limitar surge nos anos 80
– o contencioso não era considerado processo, não há partes, a Administração não é parte.
Para se limitar a discussão, os intervenientes da discussão diziam que a discussão
subjetiva/objetiva só tinha a ver com as finalidades. O problema é que não era o fim, era a
logica do processo que tinha que mudar. Vieira de Andrade diz que do ponto de vista da
finalidade também há fins objetivos no processo administrativo. Mas a discussão não é o fim,
não são os motivos da atuação da administração.

• Na Alemanha tinha havido o nazismo, e nesse eclipse a administração era uma das
principais responsáveis pelo totalitarismo que se tinha instalado. E para que isso nunca
mais repetisse surgiu o artigo 19º, a cláusula perfeita para tutelar os direitos dos
particulares, porque o que ela diz é que não é apenas o fim, aquilo que se diz é que o
contencioso é organizado para a tutela dos particulares. A tutela tem que ser efetiva,
plena, protege todos os direitos. É com esta nova realidade que depois surgem leis cada
vez mais completas para controlar a administração e para tutelar os particulares. Aqui há
uma outra realidade que tem a ver com a realidade da Alemanha, ela estava ocupada pelas
grandes potências, o que os teóricos alemães vão querer fazer é aproveitar as vantagens
de todas as lógicas, o sistema alemão é ainda hoje o mais próximo do perfecionismo.

Isto surgiu na Alemanha em primeiro lugar, este terceiro período corresponde a uma
tutela efetiva, a um processo administrativo amplo, que abrange toda a função administrativa
em que o juiz goza. É curioso porque isto resultou da constitucionalização, foi a Constituição
e quando não foram as constituições foram os tribunais.

• O supremo tribunal britânico vai dizer que pertence à Constituição material britânica a
regra de que os tribunais têm sempre a última palavra. O sistema britânico tinha-se
transformado muito neste período, e essa transformação resultou do crescimento da
administração. O que surgiu logo na realidade britânica foram leis. Aquela ideia repetida
no séc. XX de que não há DA no Reino Unido não é verdade, porque há direito
administrativo, aquelas leis destinadas a regular a administração. Por outro lado, o que se
dizia que eram os poderes especiais, quando eles começaram a desaparecer na França
surgiram no Reino Unido é aquilo a que se chama delinquência senil.

Quando os outros países se começam a libertar desta realidade traumática, o Reino Unido
vai descobri-la. Os tribunais são órgãos da administração. Os tribunais a partir do séc. XX
vão passar a julgar também, têm uma formação muito especial porque não são apenas
funcionários, são também representantes do setor. São órgãos especiais administrativos que
não têm só administradores, nem juízes, que tomam decisões administrativas. Ainda neste
período do estado social da judicialização do sistema, vai-se começar a dizer desde o início, a
partir dos anos 30, surgem leis, políticas públicas a mostrar que a última palavra cabe a um
tribunal, e é ai que vai nascer o processo administrativo britânico, porque vão surgir courts
que se especializam em matéria administrativa. O facto de se dizer que a última palavra cabe
aos tribunais se não acabou com a competência de julgamento dos tribunais, esse julgamento
é administrativo, mas esse julgamento administrativo que não está isento de um controlo
judicionalizado. A partir dos anos 60/70 quando se salta para a 3º fase do contencioso
também há a preocupação sobre que haja meios suficientes para controlar a administração no
quadro destes tribunais. Mas surge uma campanha, uns cartazes com funcionários que tinham
os juízes em cima deles, e na sequência dessa campanha, que os tribunais começaram a dizer
que cabia à Constituição material a última palavra. Está não é a lógica francesa, esta realidade
está por de trás de uma realidade forte. Corresponde ao primeiro subperíodo do período
estado pós social.

Um autor diz que faz parte do processo de cura a verbalização da doença e a verbalização
da forma de a curar. Há aqui uma verbalização dos factos traumáticos. Há depois há um
processo de constitucionalização. Há depois aquilo que correspondei aos anos 70/80 a fase da
constitucionalização. Mas a partir dos anos 90 há uma segunda subfase, dentro desta fase, que
é marcada pela ideia de europeização, porque surgem inumerosas normas, surgem
inumerosas fontes de direitos, que estabelecem regras processuais que alargam o processo
administrativo e por outro lado o TJ vai condenar os estados, nomeadamente Portugal, porque
o MP não participava na votação.

Aula 30/09/19

Vamos para a 3ª fase da evolução do estado pós-social, da tutela plena e efetiva do


direito dos particulares. Fazendo uma síntese sobre o analisado na aula passada, o regime
jurídico correspondente ao modelo do Estado social levou a uma jurisdicionalização do
processo administrativo, mas esta mudança não significou o aumento do âmbito de jurisdição.
O contencioso continuou limitado à zona de poder e, por outro lado, o juiz não gozava dos
poderes necessários à tutela dos direitos fundamentais. Isto gerou um problema/conflito
latente entre a realidade e a teoria, porque a teoria continuava a ser a teoria do século XIX,
um contencioso limitado apenas para os atos do poder, um contencioso objetivo em que não
havia partes. Havia um desfasamento entre a teoria e a prática que se torna evidente à medida
que o Estado social é implantado. Neste período do estado social surgem órgãos
administrativos especiais encarregues do julgamento da administração e, por isso, e vai ser
necessário afirmar que a última palavra cabe ao juiz.

Mas as coisas mudaram, desde logo na Alemanha. A Alemanha tinha tido um eclipse
no estado de direito em que a Administração Pública foi um instrumento totalitário. A seguir
à libertação, ao fim da 2ª GM, os alemães vão querer que tal experiência não se repita. É
assim que surge na lei fundamental alemã o “princípio perfeito” da constituição alemã. O
“princípio perfeito” de que a Administração Pública é controlada pelos tribunais, é
controlada de forma plena e efetiva de maneira a proteger todos os direitos. Portanto, há aqui
uma transformação da lógica do contencioso que é consagrada na constituição. Esta mudança
de lógica vai superar os traumas originários do contencioso. O contencioso deve ser
plenamente jurisdiconalizado. E o contencioso deve ser integral e virado para a tutela dos
direitos fundamentais, protegendo os particulares. É um inverso da lógica clássica. No caso
Blanco o direito administrativo surgiu para proteger a administração, tinha nascido como uma
função autoritária. Agora as constituições vai dizer o contrário. Porque é que isto sucede ao
nível constitucional? Há um autor que diz que um dos momentos essenciais para a cura do
paciente é a verbalização. Aquilo a que assistimos agora (no momento da
constitucionalização) é a verbalização ao mais alto nível, ao nível constitucional, um modelo
que supere todos os traumas.

Este movimento começa na Alemanha. Há uma outra razão: Berlim estava dividida
em 4 potências. Destes 4 havia 2 potências: França e Rússia – tinham um sistema francês; a
Inglaterra e a América – tinham um sistema britânico. A discussão que surge na Alemanha é
nos querermos unificar os 2 sistemas e ter um sistema que vá mais longe do que o sistema
anglo-saxónico e que vá mais longe que o sistema francês, porque os alemães querem ir mais
longe. A ideia de procurar o sistema ideal vai fazer com que as leis do processo
administrativo procurem criar um meio processual para cada direito e procuram efetivar uma
tutela efetiva.

Este 3º período – esta 1ª fase do 3º período é o período da tutela plena e efetiva do


direito dos particulares – período do crisma ou da confirmação do processo administrativo.
Por um lado, confirma a natureza jurisdicional do processo administrativo, mas ao mesmo
tempo introduz-lhe uma dimensão subjetiva (a dimensão da tutela plena e efetiva dos
direitos). Portanto, cria, primeiro, um novo modelo constitucional, depois europeu. Há aqui
primeiro na Constituição alemã e depois nas restantes constituições europeias, sobretudo
depois dos anos 70, há uma constitucionalização do processo administrativo.
Constitucionalização esta que vai terá consequências no modo como a justiça será
administrada.

Em PT foi a CRP de 1976 que, não apenas batizou, como crismou logo o CA, porque
até aí o Contencioso Administrativo estava ligado à administração. Com a revisão de 1989, a
ideia do compromisso da tutela destinada aos direitos dos particulares adquiriu uma nova
lógica. Foi a Constituição portuguesa que ao integrar entre os tribunais especiais o tribunal
administrativo e ao criar uma jurisdição verdadeira jurisdição – criou o Art.268º/4 e 5 CRP.

Houve um conjunto de alterações que surgem a partir dos anos 70. Estas alterações
estão associadas àquilo que o Professor Vasco Pereira da Silva designa de “Estado pós-
social”. Esta realidade da constitucionalização também tem outra explicação, porque há uma
mudança da força da Constituição e da relação da Constituição com o ordenamento jurídico.
O direito constitucional foi-se afirmando assim que se adotou a fiscalização da
constitucionalidade, porque quando ela não existia o direito constitucional não tinha força
nenhuma, era um direito da política. No Direito Administrativo ninguém ligava ao direito
constitucional. O Direito Constitucional era uma coisa política que alterava consoante a
realidade. Em Portugal, a CRP de 1976 foi a verdadeira constituição. Esta afirmação do novo
constitucionalismo levou à transformação da lógica entre o Direito Administrativo e o Direito
Constitucional. A lógica que vai surgir, primeiro, com a Constituição alemã e depois aceite
em todos os países é a logica de que o Direito Administrativo é um Direito Constitucional
concretizado – esta ideia implica que o direito administrativo concretize a Constituição.
Portanto, há aqui uma transformação que faz com que cada Constituição tenha um modelo
administrativo diferente. O modelo presidencialista de Constituição conduz a um modelo
diferente de administração daquele que seria o modelo de tipo parlamentar – há aqui a ideia
de dependência constitucional do direito administrativo.

Há um autor que diz que: “não há apenas esta dependência, há uma dupla dependência
entre o direito constitucional e o direito administrativo, porque o Direito Constitucional
também vai depender do Direito Administrativo. A efetividade da Constituição depende do
direito administrativo, o modo como a constituição pelos órgãos administrativos, e a forma
como é efetivada. Esta afirmação faz-se, num primeiro momento, através da
constitucionalização, e, no segundo momento, faz-se através da europeização. Neste
momento estaríamos perante uma mudança na União Europeia. Esta começara por ser uma
simples união de estado, transformando-se em algo que corresponde a uma nova realidade do
ponto de vista jurídico. A U.E, diferentemente de todas as outras organizações internacionais,
tem uma ordem jurídica própria: a ordem europeia que, por um lado, tem primazia sobre os
estados membros e, por outro lado, ela mistura-se com os estados membros – há uma nova
realidade jurídica. Tem uma dimensão interna. Esta importância é muito grande, porque a
União Europeia vai estabelecer normas de processo administrativo e vai criar novas
realidades ao nível do Contencioso Administrativo, porque era necessário estabelecer um
sistema eficaz. Vai também condenar os novos estados, a partir dos anos 80, por não terem
contencioso administrativo adequado.

Há um conjunto de alterações que, por um lado, permitem que se fale no quadro


europeu que se fale de constituição europeia. Não há um texto chamado Constituição, não há
constituição em sentido formal, mas há regras sobre a organização política e direitos
fundamentais que constituem a sua Constituição. Em Portugal já estava na CRP, mas não
estava nas outras constituições, mas há outros que não estão na nossa Constituição como,
p.ex, o princípio da boa administração.

Há uma outra transformação que a partir dos anos 80 vai introduzir mudanças no
processo administrativo. O Professor Vasco Pereira da Silva tem proposto que se diga que há
uma dupla dependência entre o Direito administrativo e o direito europeu. Dupla
dependência, porque, por um lado, o Direito Administrativo Português depende do Direito
Administrativo europeu (ambiente, educação, agricultura, pescas, ensino – Erasmus) e por
causa disso o direito Português depende do direito da União Europa. Há certos domínios que
são marcados pela U.E. tudo tem uma base europeia, embora depois possa seja diferente essa
aplicação.

O direito europeu também depende do direito Português – a União Europeia não tem
administração – a administração europeia é composta pelas administrações dos estados
membros que ao aplicarem direito europeu, são administrações europeias. Portanto, há uma
transformação da realidade, transformação esta que torna tão doloroso o Brexit. Criou-se esta
realidade que é a realidade britânica, daí que exista esta dificuldade em sair.

Transformações: a constitucionalização obrigou a algumas mudanças:


• Foi preciso aumentar o âmbito do contencioso e introduzir a ideia de que o juiz goza de
poderes e, portanto, deve haver poderes processuais que permitam a anulação até à
condenação. O Contencioso Administrativo torna-se um processo como os outros, com
partes – não é apenas a natureza do processo que muda, pois muda também a estrutura.
• A verdadeira discussão é a da necessidade subjetiva de transformar o processo, criar um
processo de partes, atribuir a igualdade de posições processuais, criar uma realidade
plena. Isto surgiu no quadro da constitucionalização, mas depois isto foi completado no
momento da europeização. No 1º momento, os países adotaram medidas de execução das
sentenças. Não havia, em regra, mecanismo de execução das sentenças, tirando o caso
alemão. No entanto, em Portugal, como em Itália, frança, não havia um sistema
jurisdicionalizado da execução das sentenças. Portanto, foi preciso jurisdicionalizar logo
através de um Decreto lei em 1977.
• Isto significa levar uma sentença a sério. Se essa sentença não for cumprida há meios que,
em última análise, passam pela penhora de bens que está ao serviço da administração que
não sejam bens do domínio público. Estabelece-se a responsabilidade civil por
incumprimento. Isto implica o alargamento dos meios processuais. Apesar de todas estas
situações continua a haver um défice que será enunciado com a União Europeia a partir
anos 80 quando a União Europeia passou a ser uma realidade mais efetiva.
• A partir dos anos 80, a União Europeia chamou a atenção, porque não havia tutela
cautelar (tutela que se destinava, no momento em que a sentença surge, ela pudesse
concretizar os seus efeitos). Em Portugal havia vagamente a suspensão da eficácia que
estava feita de tal forma que quase ninguém a suscitava. Portanto, era necessário criar
novos mecanismos cautelares. A União Europeia foi muito eficaz, porque condenou uma
série de estados e disse que era necessário criar mecanismos próprios. A União Europeia
introduziu uma nova realidade: criou a integração horizontal, não foi apenas a integração
vertical – é a existência de uma comunidade que implica o respeito pelo ato
administrativo – um ato administrativo português deve valer o mesmo que em Espanha,
Alemanha. Não deve haver necessidade de reconhecimento, isto cria uma lógica de
integração horizontal que vai sendo feita em resultado da própria colaboração das várias
entidades. O exemplo da declaração de Bolonha – não foi obrigatório e não está em
nenhum elemento jurídico, apenas resultou da vontade dos estados, porque queriam
reconhecer os graus académicos feitos nos outros países, no âmbito da integração.
• Na transição do século XX para o XXI em toda a Europa se discutiu a necessidade de
alterar o contencioso administrativo e a necessidade introduzir normas que consagrassem
a tutela cautelar. Para isso, começou-se a fazer direito comparado. Isto aconteceu antes da
reforma de 2002/2004. Criou-se uma dinâmica comum em toda União Europeia, isto
produz uma dimensão comparativa que obriga à integração horizontal, depende da
vontade dos Estados. As grandes reformas que surgiram têm esta matriz: em 1998 em
Itália; em 2000 França; 2002 Espanha – em todos os países houve reformas. Não se
verificou qualquer unificação, porque não era esse o objetivo, mas há estruturas comuns.
Na altura, os processos urgentes /providências cautelares são influenciados pelos
mecanismos de natureza europeia. Em alguns casos, p.ex, o processo urgente do
contencioso pré-contratual resulta da aplicação da diretiva europeia; a intimação para
proteção de direitos fundamentais inspira-se numa providência cautelar francesa, não é
igual, mas uma mera aproximação; os mecanismos regulamentares são originários. Há
uma lógica que é a lógica de uma realidade comum que acontece no Direito
Administrativo. Em Portugal houve uma mudança radical: o recurso de anulação que se
transformou num processo de partes e o único meio que havia além deste era a ação para
defesa de direitos. Agora, a lógica que decorre do Art.268º/4 e que está no Código de
processo é aquela corresponde à norma do Art.2º que consagra uma norma de tutela
jurisdicional efetiva e que diz a cada direito deve corresponder um meio adequado para a
sua proteção. Na ação administrativa há só uma ação, mas nesta ação pode-se pedir
pedidos de condenação, anulação ou de simples apreciação, ou seja, é um modelo que
permite uma tutela efetiva.
• Tivemos outra reforma em 2015, os outros países europeus (2010-França; 2012- Itália)
houve alterações no âmbito do processo administrativo. A noção de órgão administrativo
é uma noção portuguesa – pessoa coletiva não existe no Reino Unido, Holanda. Se a
União Europeia usasse esse tipo de expressões não regulava nada. Portanto, o ato europeu
é praticado por qualquer entidade de qualquer natureza, que exerça determinada função.
Em Portugal com a existência de autoridade privadas que exercem funções
administrativas, o ato administrativo pode ser um ato de um concessionário, um ato de
uma associação de bombeiros, entre outros. Há um conjunto de transformações na própria
lógica administrativa. Isto aconteceu em simultâneo com o Estado pós- social. Este estado
pós social, por um lado, continua muito naquilo que vinha da história que vinha do estado
social e do estado liberal e, por outro lado, tem realidades novas, nomeadamente no que
toca à organização do poder político e aos direitos fundamentais:
1. Organização poder político – há novas realidades no quadro do direito público que
decorrem da alteração da administração – a administração passou a ser reguladora, passou
a ser multilateral, infraestrutural. Em vez de ser a Administração a realizar os bens e
serviços e a prestá-los, a Administração regula o modo de execução de certos bens e
fiscaliza o cumprimento das normas que estabeleceu. Ela cria as infraestruturas para que
os particulares e a Administração, em conjunto, exerçam essas atividades. Portanto, isto
tem consequências no quadro da natureza da administração infraestrutural que existem
em todos os países e, no quadro da evolução lógica, podemos dizer, que o Estado-pós
social corresponde a uma nova realidade no quadro da nova realidade.
2. Direitos fundamentais – temos novos direitos no domínio da informática, biológico,
biotecnologia, ambiente e introduzem uma nova realidade.

Do ponto de vista administrativo, a administração pública passou, do ponto de vista


orgânico, que é descentralizada, como também desenvolve atividades de natureza privada,
seja porque os privados passaram a ser chamados a intervir na função administrativa, seja
através de contrato ou da atividade que desempenha. A administração atua cada vez mais
como um privado, os atos modernos não têm nenhuma das funções de autoridade (ex. ato do
senhor que controla o tráfego aéreo no aeroporto).

Aula 02/10/19

Há uma dinâmica que se processa entre a Constituição e o Processo Administrativo e


tem havido uma transformação até chegarmos ao atual regime jurídico. Houve uma mudança
de paradigma que ignorou o paradigma constitucional que o direito administrativo passa e o
direito constitucional fica. Isto numa dupla dependência: dependência constitucional do
Direito Administrativo e o Direito Administrativo dependente do direito constitucional. O
direito administrativo vai concretizar os principais objetivos; a Constituição só se concretiza
através das normas de Direito Administrativo. A Constituição de 1976 marcou uma rutura,
esta vai sendo concretizada pela evolução da jurisprudência, mas há momentos muito
grandes. A Constituição foi a primeira a integrar o contencioso administrativo no poder
jurisdicional. Dizia que pode haver tribunais administrativos e fiscais possibilidade), isto foi
importante porque marcou o batismo. A Administração decidia se executava ou não a
sentença. A partir de 1976 isto muda, não há uma opção, não se cria uma jurisdição própria,
mas diz-se que pode haver Tribunais administrativos e fiscais e estipula-se um direito
fundamental, através do qual o particular tem um direito fundamental de aceso aos tribunais
administrativos – abertura da vertente subjetivista do processo administrativo. Com o
Contencioso Administrativo, a Constituição consagra um compromisso entre o novo e o
velho contencioso administrativo. Temos um compromisso entre o novo e o velho
contencioso. No texto de 1976 a realidade era o de um compromisso antagónico.

Portanto há uma mudança limitada. Tal como aconteceu com os outros domínios da
Constituição, por um lado, a pratica constitucional vai transformar o sistema (o Tribunal
Constitucional admitiu que houvesse empresas com capital de 10%, 30%, 40%) – a prática
foi mudando a realidade constitucional, até que houve a revisão constitucional. Em relação ao
Contencioso Administrativo também aconteceu isso, mas as revisões constitucionais vão
alterar: do ponto de vista da prática muito pouco muda, continuam em vigor os diplomas que
vinham do passado – limitado a que o juiz quase nada titulava, matem em vigor o
regulamento de Processo Administrativo, mantem em vigor o Código administrativo. Só
mudou um diploma: DL 266-A/67 – dizia-se que era apenas um texto transitório à espera da
grande reforma do Contencioso Administrativo. O legislador tratava de 3 coisas: dever de
fundamentar (essencial do ponto de vista da Administração Pública – era uma medida que
tinha consequências no Contencioso Administrativo) – indiretamente havia consequências
importantes: 2) regulava as omissões ilegais da Administração Pública – o que o juiz podia
fazer era, se houvesse ato administrativo ele anulava o ato. A Administração Pública quando
queria denegar o direito ao particular não fazia nada. Então criou-se um ato tácito de
indeferimento – é um verdadeiro fingimento, ficção. Na prática não havia controlo das
omissões da Administração Pública. Isto era uma ficção sobre a qual tinha sido construído o
velho Contencioso Administrativo. O legislador em 1976 vem dizer que isto é uma ficção, é
uma realidade ficcional, porque não há efeitos para um não ato. Isto abriu a porta àquilo que
não existe. O que foi essencial, conteúdo mínimo do DL foi que o legislador estabeleceu um
processo de execução das sentenças – vai-se estabelecer um regime sugerido por Freitas do
amaral, segundo a qual o não cumprimento das sentenças originava responsabilidade
disciplinas, responsabilidade civil e responsabilidade criminal do titular do órgao. Havia
ainda assim uma remissão no CPC – execução/penhora.

Em 2002/2004 – grande reforma: tornou as sentenças exequíveis e executadas. As


sentenças depois de transitadas em julgado, têm de ser cumpridas, caso contrário não há
processo administrativo. O sistema passou a funcionar, passou a haver uma lógica
jurisdicional.

1982 houve a 1ª revisão constitucional – esta alargou o âmbito do contencioso e


tornou-o mais subjetivo, mais a favor do novo processo administrativo. O legislador manteve
a possibilidade da justiça administrativa fiscal e pegou no direito fundamental e alarga-o
ligeiramente. Continua a ser um direito fundamental, mas diz 2 coisas: é contra ato
administrativo, independentemente da sua forma e vocaciona-se à defesa de direitos e
interesses legalmente protegidos. A primeira discussão que surgiu: se esta orientação devia
ser interpretada no sentido minimalista ou maximalista. Acabou por vencer a orientação mais
ampla. Vasco diz que foi uma boa opção. Surge então em 1984/85 a primeira reforma do
contencioso administrativo – primeiro texto reformulado do âmbito do estado democrático e
liberal seguido da Constituição de 1976. Esta reforma, embora reduzida, foi importante.

Principais mudanças:

• Manteve-se o recurso de anulação


• igualdade processual – particular e administração de forma idêntica e de forma que
implicava na intervenção com o mesmo número de vezes. O legislador não falava em
partes, o legislador chamava a AP de autoridade recorrido. O legislador não falava de
contestação, falava em “resposta”.
• Outro meio processual principal: ação para reconhecimento de diretos e interesses
legalmente protegidos – alegava o processo e permitia o alargamento dos poderes. Era um
meio supletivo. Foi importante para os processos cautelares, porque criou uma intimação
para um comportamento.

Isto introduziu alguma mudança, mas esta foi muito diminuta, porque o legislador em vez
de querer novamente construir o processo, ele acabou por manter tudo o que estava para trás,
embora tenha introduzido esta nova lei – “manta de retalhos”.

o As normas de processo devem ser simples – a questão da legitimidade processual


(art.9º e 10º). Em 1985, era preciso invocar a norma de 1985, regulamento do STA,
CA, CRP
o Contradição – as normas diziam coisas opostas. Havia dúvida quanto à lei aplicável e
incoerência quanto às normas.
o Incerteza sobre o que estava em vigor ou não
Isto gerou uma grande confusão. Era uma realidade que não fazia sentido. Com a reforma
de 1985 mudo alguma coisa, mas pouco.

Em 1989 havia uma insatisfação total dos processualistas. A revisão da Constituição


obrigava a reformas do contencioso.

1. Em primeiro lugar, os tribunais não integrados no poder jurisdiocnal constituem uma


jurisdição autónoma. E vai-se dizer que o âmbito da jurisdição são as relações jurídico-
administrativos e fiscais. Há uma mudança de paradigma do processo e alargamento do
âmbito da jurisdição. Mas é também uma transformação do direito administrativo que
deixa de ser o Direito da administração toda poderosa e passa para o direito das relações
entre particulares e Administração Pública.
2. Em segundo lugar, a norma que fala do direito fundamental, ele deita para o lixo da
história a noção de ato definitivo e executivo. Passa a ser inconstitucional e o legislador
vai fazer algo mais: deixa de constitucionalizar o recurso de anulação, mantém os poderes
do juiz. É a primeira vez que se fala em tutela efetiva dos direitos e interesses legalmente
protegidos. Nesta altura começa uma tentativa de mudar o Contencioso Administrativo,
mas ela não vai muito longe.

A mudança aconteceu em 1997:

• Nesta norma não se encontram os poderes do juiz, mas sim os direitos dos particulares –
“é garantida a tutela efetiva e plena dos direitos dos particulares”;
• “incluindo nomeadamente” – o legislador exemplifica os casos mais importantes –
reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos; impugnação de quais
atos administrativo – qualquer ato seja de um subalterne ou superior hierárquico se lesa o
direito do particular é suscetível de impugnação;
• “determinação da prática de atos administrativos devidos” – poderes condenatórios;
• Nº5 – a impugnação dos regulamentos também existe.

Aula 07/10/19

Vamos hoje acabar de falar da evolução do contencioso administrativo português:

Vimos que na evolução do contencioso administrativo há em primeiro lugar nos anos


80, inícios dos anos 90, uma discussão teórica importante, de um lado estavam os
subjetivistas, que queriam mudar a natureza do contencioso, a estrutura, de outro estavam os
objetivistas, que consideravam que a Administração Pública e os particulares não eram
partes. Já aqui, o professor Freitas de Amaral abriu a porta ao subjetivismo, não aceitava a
estrutura de classes, mas uma função nova que cabe ao processo administrativo. Esta
discussão forte acabou por criar bases teóricas que permitiram a reforma.

Nos anos 80/90 surgiu uma construção teórica à volta do processo administrativo,
vimos que a constituição de 89, pela primeira vez, consagrava a ideia de que a todos os níveis
devia haver tutela dos direitos dos particulares. Mas a grande revolução vai-se dar com a
revisão constitucional de 97 em que o texto constitucional vai ficar como está agora e vai
surgir uma logica em que o TA fica inteiramente jurisdicionalizado, e virado para a defesa
dos particulares e uma nova logica, um novo centro que são os direitos dos particulares, e é
por isso que o artigo 268º/4 começa por afirmar a necessidade da tutela plena e integral dos
direitos dos particulares.

Há um outro passo em que o professor Freitas do Amaral tem um papel protagonista,


que é uma reunião de uma revista (cadernos de justiça administrativa). Ele entendia que era
necessário ligar os juízes às universidades, era preciso criar um diálogo entre os professores
de todas as universidades de Portugal e todos os juízes, e a ideia era criar um fórum de
discussão central. Os cadernos foram um instrumento para fazer a reforma, e para estabelecer
a comunicação entre os juízes e a universidade.

Em 99 houve um grande congresso em Guimarães, no congresso estava a ser discutida a


necessidade de uma grande reforma, e alguém se lembrou da possibilidade se fazer um
manifesto para fazer mudar as coisas, para introduzir uma lógica diferente. A ideia de um
manifesto foi lançada e o professor regente com Kaupers começaram a escrever o que era
necessário fazer:

• É preciso começar do zero;


• É preciso criar uma comissão para reformar o contencioso administrativo;
• É preciso alterar o âmbito da jurisdição;
• É preciso alargar o âmbito da jurisdição;
• É preciso transformar os TA, não podem continuar como estão aqui, têm que ter uma
estrutura similar à do processo civil, têm que ter uma logica hierárquica, com uma
separação de funções (que ainda hoje não existe, o STA é simultaneamente tribunal de 1ª
instancia (PR, Governo) e tribunal de recurso e só devia ser de recurso, em 2019
melhorou-se um bocadinho, mas continua a haver esquizofrenia);
• Era preciso alterar as coisas do ponto de vista da organização dos tribunais;
• era preciso estabelecer ações em que todos os direitos pudessem ser defendidos e em que
o juiz usasse a plenitude os poderes para a tutela dos direitos dos particulares, e isto tanto
ao nível do processo declarativo, como ao nível do processo executivo e da tutela
cautelar.

Fez-se esse manifesto e no dia seguinte o professor Freitas do Amaral assumiu o


manifesto. Depois dessa reunião o manifesto foi enviado para o Governo e começou-se a
falar realmente a serio na necessidade de fazer a reforma, A reforma começou de uma
maneira estranha porque aquilo que foi feito, não foi começar do zero, não se criou uma
comissão para fazer a reforma, aquilo que o Ministro da Justiça fez foi pôr em discussão o
projeto que tinha sido feito por um conjunto de juízes. Mas o projeto não correspondia ao que
precisava de ser mudado, nem o que estava em discussão, que a CRP exigia mais.

No final da sessão o ministro da justiça disse que não se revia em nada do projeto e que
apenas o tinha posto em discussão e por isso pediu colaboração às universidades para
discutirem isso, em consequência surgiu uma discussão, que deu origem à reforma. Foi criado
um órgão político para discutir esta matéria (centro de justiça legislativa), o órgão teve à
frente um assistente da faculdade João Tiago Silveiro e este rodeou-se de um assessor técnico
do professor Mário Aroso de Almeida. Houve a conjugação destes dois esforços do ponto de
vista político de João Tiago Silveiro e do ponto de vista científico do professor Mário Aroso
de Almeida, por isso eles foram o pai e a mãe da reforma. Agora houve a inteligência de
ouvirem todas as pessoas e de tentarem englobar o resultado da discussão na reforma, por
isso o texto da reforma de 2002/2004 é bom.

Esta realidade estabeleceu alguns problemas: por exemplo como se estava a discutir um
texto que tinha normas concretas, houve uma grande preocupação em discutir aquelas
normas, enquanto se devia ter discutido que norma é que deveria existir para regular aquela
matéria, e houve aquelas matérias que nem foram discutidas, porque não tinham sido objeto
daquele primeiro projeto.

Na sequência dos trabalhos em 2002 foi apresentada à AR um conjunto de 3 projetos de


diploma:

• ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais),


• Código dos Tribunais Administrativos
• e outro diploma que se tinha associado a esse outro projeto, e que tinha sido feito por
uma comissão independente da ordem dos advogados, que se tinha associado à discussão
do contencioso administrativo, que era o projeto sobre responsabilidade administrativa ,
diploma inovador sobre responsabilidade civil, mas ficou pelo caminho. Só em 2007 é
que surge a lei da responsabilidade civil, mas o legislador não resolveu de forma
adequada de acabar com gestão pública, de acabar com a esquizofrenia entre gestão
publica e gestão privada.

Também se entendeu que a reforma como era muito grande precisa de um ano de vacatio
legis, portanto aprovada em 2002 teve uma vacatio legis até 2003, só que de 2002 a 2003 não
mudou nada, fez-se a formação dos juízes, mas não se instalaram os tribunais, ficou tudo,
ainda por fazer, e ao chegar ao final do período foi preciso prorrogar essa vacatio legis.

Os juízes diziam que fazia sentido começar no início do ano judicial e não no início do
ano civil, e quando se estava a acabar o prazo, deu-se razão aos juízes e por isso passou para
2004.

Que dizer destes textos? O estatuto dos tribunais administrativos e fiscais é um texto
medíocre, muito fraco, passível de muitas críticas, mas o Código de processo é bom. O
estatuto devia ter 9 e o código devia ter um 15 grande.

O Professor é muito crítico do estatuto porque o estatuto tem uma norma excelente, até
era melhor na versão originaria, a versão de 2002/2004 era a versão mais aberta que era
possível no quadro do contencioso administrativo, o legislador utiliza todos os critérios em
cumulação, o contencioso administrativo era o contencioso do poder, da função
administrativa, dos direitos, todos os critérios estavam em correlação no artigo 4º. E o artigo
4º é uma regra adequada a um contencioso aberto, que procurava estabelecer uma realidade
nova ao nível do processo administrativo. Mas o resto do estatuto que estabelecia a
organização dos tribunais era mau, porque o legislador mantinha a logica esquizofrénica do
contencioso, com a agravante de haver dois tribunais esquizofrénicos, porque o Tribunal
Central Administrativo criado entretanto também era esquizofrénico, porque era tribunal de
recurso em relação aso tribunais de círculo e tribunal de 1ª instância em relação a entidades
da administração. E o STA continua a ser esquizofrénico. Além disso, criaram-se tribunais
que não tinham o mesmo nome que os fiscais, era uma ordem jurídica de tribunais, mas nem
o nome dos tribunais acertava, era igual.
Como o regente escreveu num texto havia 3 coisas indispensáveis para mudar a estrutura
dos Tribunais Administrativo:

• tirar todas as consequências de uma jurisdição autónoma enquanto jurisdição


especializada, se há uma jurisdição autónoma, tem que haver um corpo de tribunais
comuns e um corpo de tribunais especializados, e havia domínios que facilmente eram
especializados (domínio da segurança social, do ambiente, contratação publica,
urbanismo – mereciam um tratamento especial), isso é previsto, mas não é feito. O
legislador diz que podem existir tribunais especializados, mas até hoje ainda não
existem. Não se tiraram todas as consequências de uma jurisdição;
• Depois era preciso haver formação própria dos juízes, o juiz administrativo tem que
ser um juiz especializado, se não, não precisa de haver juiz administrativo. A razão de
ser é pelo facto de o juiz administrativo conhecer melhor o direito administrativo e
julga melhor a AP, porque o juiz comum não conhece os problemas da AP, e por isso
não está em condições de defender adequadamente os direitos dos particulares. E a
formação dos juízes continua a não existir, há umas formações ad hoc, no âmbito da
formação dos juízes criam-se umas formações ad hoc, ou então criam-se uns juízes ad
hoc para os tribunais administrativos, mas não há uma institucionalização da
formação.
• E depois não há uma carreira, os juízes andam a saltitar. O que é acontece? O STA
tem mais lugares que o STJ, o juiz que está a fazer a sua carreira nos tribunais
judiciais chegou a desembargador e quer reformar-se o mais rápido possível, ele
concorre ao STA, para se reformar no topo da carreira. Aparecem no topo da carreira
juízes que nunca julgaram a AP, que nunca estudaram DA a não ser quando estavam
na faculdade. Não há uma carreira.

Enquanto não houver estas 3 coisas não há um conteúdo para que haja uma legalidade
unificada, para juntar a isto, o STA e TCA são tribunais esquizofrénicos, fazem
simultaneamente a tarefa de um juiz de 1ª instância e a tarefa de um juiz de 2ª instância – isto
traduz-se em ineficiência, excesso de trabalho, inadequação insuficiência. Por causa disto o
professor regente tinha que dar nota negativa. Não mudou praticamente nada no contencioso
administrativa, tirando o artigo 4º, que é o que salva o ETAF, praticamente nada mudou.

Esta reforma de 2019 mexeu no estatuto, mas mesmo mexendo no estatuto, não fez quase
nada. O que é que o legislador agora faz? O legislador diz que devem existir tribunais
especializados nos domínios do contencioso dos contratos, no domínio do urbanismo, do
ambiente, ou seja, diz quais são os que podem existir, mas continua a não os criar. Continua a
ser uma lei posterior que vai criar os tribunais. De 2002/2004 a 2019 já se avançou no sentido
da escolha dos tribunais especializados que queremos, mesmo agora ele quis resolver os
problemas, mas eles continuam lá, diminuiu um bocadinho, mas continua a mesma
esquizofrenia.

A posição do professor em relação ao código é a de considerar que é um diploma bom,


que concretiza as opções constitucionais, até aí não havia nenhum modelo de acordo com a
CRP. Temos um modelo que concretiza quer do ponto de vista do funcionamento dos
tribunais, quer do ponto de vista da lógica do processo, o essencial do modelo constitucional
de justiça administrativa. Há sempre um mínimo de concretização constitucional e um
máximo de concretização que poderá ser alcançado, e a história do processo administrativa é
a história da concretização progressiva, há coisas que estão bem, mas há coisas que podiam
estar melhor. Qual foi a opção originária em 2002? Havia duas opções:

• uma opção alemã – de criar tantos meios processuais quanto os direitos, posição que o
regente defendia
• outra opção francesa/latina de ter um ou dois meios processuais apenas e concentrar
nesses meios todos os direitos, ou seja, qualquer dos meios eram meios de banda larga,
guarda chuva.

Em 2002/2004 o legislador criou dois meios processuais: um meio processual a que


chamou ação administrativa comum e outro a que chamou ação administrativa especial. A
que se chamava ação administrativa comum aparecia concebida como se fosse uma ação de
processo comum, era a ação que correspondia ao remanescente, ao que não estivesse
especialmente regulado. Mas isto era uma aparência, não era nada disto que se passava,
porque todo o contencioso do poder dos atos e regulamentos estava na ação administrativa
especial e a ação administrativa comum era para quando não havia uma atuação em sentido
próprio, ou para quando havia um contrato, ou uma operação. Essa divisão enfermava dos
traumas da infância difícil, porque o legislador reserva para o contencioso do poder a ação
administrativa especial e para o outro a ação comum. Em qualquer das ações todos os
pedidos podiam ser feitos, Artigo 2º do código processo e artigo 20º todos podiam ser
regulados. Mantinha aparentemente esta dualidade. O professor considera que houve uma
troca de nomes, porque o contencioso do ato e do regulamento 99% da justiça administrativa
era especial, o contencioso dos contratos era comum. No entanto, o que salva a reforma é
que o legislador dizia que tudo poderia ser pedido em qualquer ação.
Depois há uma realidade que se modifica, tudo agora pode ser pedido em qualquer das
ações, qualquer direito pode ser suscitado e o juiz está em condição de tutelar integralmente
estes direitos. Depois estabelece-se esta logica no âmbito de todos os poderes do tribunal:
ações de condenação, ações de impugnação, em matéria de regulamento, em matéria de
contratos. Há uma preocupação em regular, mas mais do que isso, o legislador também
estabelece um conjunto de ações urgentes.

Aula 09/10/19

Estávamos na aula passada a analisar a situação de rutura com o passado que foi
marcada com a reforma de 2002/2004, foi a grande reforma do processo administrativo e que
foi depois completada com duas mini reformas, que alteraram alguns aspetos do texto inicial
e que ocorreram em 2015 e 2019.

A reforma de 2002/2004 assentava em dois diplomas fundamentais:

• Estatuto dos tribunais administrativos e fiscais;


• Código do processo dos tribunais administrativos, esta delimitação mostra que o processo
fiscal ficou pelo caminho, e não foi regulado como aconteceu com o processo
administrativo, é estranho e não devia ter acontecido. Ainda hoje esse é um problema, a
reforma de 2019 procurou aproximar as regras de processo fiscal e as regras de processo
administrativo, mas ainda não foi suficiente. O facto desta realidade significa que a
reforma não foi integral e que ficou a meio do caminho, porque há dois sistemas
processuais, faz lembrar a realidade de China, não faz sentido. Mostra como estas coisas
deixam ficar muitas coisas na mesma.

Olhando para os dois diplomas o ETAF é um diploma medíocre, que altera o mínimo
possível, tem uma norma, o artigo 4º que estabelece o âmbito da jurisdição, que é a boa
norma deste texto legislativo, o artigo 4º alarga o âmbito de jurisdição a toda a realidade de
administração. Passamos a ter uma jurisdição que acompanha toda a administração, que
abrange todo o tipo de atuação de natureza publica. Pode-se dizer que todo o processo
administrativo se transformou no processo de plena jurisdição. Mas tirando esta norma nº 4,
tudo o mais é compromissório. Não houve a coragem de resolver os problemas, não houve
coragem porque não se tiraram as consequências de haver uma jurisdição própria, não houve
nem criação de uma carreira autónoma, nem houve criação de tribunais especializados em
matéria administrativa. Por outro lado, os tribunais superiores continuaram a ser
esquizofrénicos, porque os tribunais julgam em 1ª e em 2ª instância. É uma realidade estranha
que só existe em Portugal. Portanto o ETAF é um texto relativamente fraco.

Quanto ao código estabeleceu-se que havia o princípio da tutela plena e efetiva dos
particulares. Logo o Código estabelece que q qualquer direito deve corresponder um processo
adequado, e no que respeita aos processos declarativos, o código estabeleceu uma distinção
entre duas ações principais, a que chamou ação comum e ação especial, depois vários
processos urgentes: intimação para um comportamento; contencioso eleitoral; contencioso
pré-contratual, processos urgentes que surgiram de novo, foram aperfeiçoados no âmbito da
realidade vivida pelo contencioso. Na fase da europeização a UE tinha dito que não havia
tutela dos direitos e veio obrigar os Estados a criar mecanismos. E surge também uma tutela
cautelar ampla, q estabelece o princípio da não tipicidade dos meios cautelares. O juiz
entende que há necessidade de uma tutela cautelar e pode determinar a sua existência e
salvaguardar os direitos, mudança geral.

Criticável entre outras coisas está por um lado, a dicotomia entre ação comum e especial,
não faz sentido a discussão e havendo a distinção com esta base, ela baseia-se na antiga
separação entre o contencioso de poder e o contencioso de quando a administração atuava
como igual, na gestão privada. Mas esta repartição existente era realidade traumática do
passado, correspondia a um contencioso limitado e o legislador manteve a distinção, mas
permitiu que a todos os processos pudessem ser suscitados todos os pedidos. A dicotomia por
um lado, faz todo o sentido, mas por outro lado o legislador trocou as coisas, a ação comum é
aquela a que ele chamou especial, porque é aquela que corresponde ao essencial do processo
administrativo. Há aqui uma troca de nomes.

Um outro ploblema do ponto de vista cautelar, é que apesar de haver um princípio de não
tipicidade, a regulação do exercício com eficácia não é possível, porque se estabelece uma
coisa inadmissível, o particular pede ao tribunal a suspensão da eficácia de um ato e a AP diz
se aceita ou não, não é o juiz que decide, é a AP que decide. É um sistema permite que a
decisão administrativa valha sem haver decisão.

Surge uma pequena reforma em 2015, essa reforma de 2015 tem um benefício, que é a
unificação dos meios processuais. Passa a haver apenas uma ação administrativa, juntando as
outras duas (ação especial e comum que existiam anteriormente). Se calhar o legislador
podia ter ido mais longe, porque continua a haver regras de processo diferentes para cada um
dos pedidos que estão em causa, relacionados com cada forma de atuação administrativa.
Apesar de se dizer que há uma única ação, em rigor há uma ação de impugnação em matéria
de atos administrativos, uma ação de condenação de atos administrativos, há uma ação de
impugnação de regulamentos e de condenação de regulamentos, e depois há um meio geral
de todos os casos, e todas elas têm regras especificas. Dizer que há uma ação e depois
subdividi-la em cinco, o legislador foi preguiçoso ao fazer a unificação. Não se resolveu
integralmente o problema.

Para além disto, esta reforma foi ideológica, procuraram que as normas tivessem um
sentido mais fechado. Houve uma tentativa do legislador se substituir à doutrina e procurar
uniformizar de uma forma mais clássica, aquilo que vinha das reformas, não foi destruidor da
reforma e não pôs em causa o que mudou, mas a formulação passou a ser menos ousada, mais
fechada. Ex: artigo 50º passa de um sistema totalmente aberto, para um sistema que vai
limitar essa abertura dando exemplos. Através da exemplificação procura-se limitar.

Por último em 2019 há uma outra reforma e esta preocupou-se em reformar o ETAF, não
se mexe no artigo 4º e procurou-se modificar o estatuto, foi bom, mas não foi suficiente,
porque não se resolveu integralmente os problemas que o EATF tinha.

Agora prevê-se a criação de tribunais especiais (como já se previa), mas não se cria
nenhum, remete-se para uma lei que depois os vais criar, o único passo que se deu foi dizer
quais as categorias desses tribunais. Por outro lado, continua a esquizofrenia dos tribunais
superiores, não houve melhoria, nem foi mexida. Melhoria houve na aproximação dos
tribunais ficais e administrativos, há equiparação dos tribunais. Mas continua a não haver
uma verdadeira carreira, não há uma formação autónoma.

A especialização fica a meio, é apenas prevista, mas não é feita. Portanto há pequenas
altercações a este nível e depois há alterações cirúrgicas no código, que eram escusadas. As
alterações introduzidas são mínimas e põe em causa aspetos essenciais do processo: vou
apenas dizer um, que é o mais grave. Em Portugal, no âmbito pré-contratual, houve sempre
uma grande dificuldade em concretizar as diretivas europeias, e houve em 2004/2005 uma
violação da diretiva europeia, porque em Portugal não se considerava a clausula standstill.
Em 2015 a cláusula standstill era proferida pela primeira vez na ordem jurídica portuguesa,
concretizando a diretiva. Agora em 2019 a cláusula aparece que pode ou não haver standstill
(dependendo do contrato), é uma forte limitação que viola não só a regra constitucional do
artigo 268º/4, como viola a diretiva. A noma é ou pode ser inconstitucional.
Isto dito, passamos à análise do artigo 4º do ETAF, para o âmbito do início do estudo do
processo administrativo português. Vamos apreciar a questão do âmbito da jurisdição.

Âmbito da jurisdição: questão essencial, o contencioso deve corresponder ao domínio da


função administrativa, é preciso um contencioso amplo para regular todos os litígios
administrativos. A logica portuguesa até 2002/2004 não era assim, a logica portuguesa era
regular sobretudo o contencioso do poder, o contencioso dos atos decisivos executórios. E
aquilo que o legislador neste ETAF faz é consagrar abertura do contencioso, porque o que se
passou no quadro do DA geral foi que a realidade da função administrativa se transformou, a
AP assumiu nova forma de atuação, e as formas de atuação administrativa também se
complexificaram. E era preciso integrar no contencioso administrativo toda essa nova
realidade, há até uma preocupação do legislador com aquilo a que se chama o ato
administrativo em sentido europeu, o ato administrativo em sentido europeu é praticado por
qualquer entidade privada ou publica que exerce a função administrativa num determinado
domínio (energia, eletricidade, domínio considerado especial do ponto de vista do DA). Há
atos administrativos que vão além da realidade tradicional, e o ato é apenas uma das
manifestações, mas não é o ato que corresponde ao universo do direito administrativo. Um
autor diz que o ato administrativo é apenas a fotografia instantânea de relações em
movimento, para ver o que se passou não basta ver a fotografia, é preciso ver o fundo todo,
desde que ele começou até que acabe. E por isso, o contencioso administrativo tem que se
preocupar não com a fotografia, mas sim com o fundo todo.

O grande mérito do artigo 4º foi o ter feito isso: fê-lo de uma forma aberta, em 2004, fê-lo
de uma forma mais fechada em 2015, mas do ponto de vista material as soluções são as
mesmas. O legislador em vez de limitar o âmbito da jurisdição administrativa ao poder
administrativo ou atos decisivos executórios, ou aos atos do poder, o legislador estabeleceu
todos os critérios possíveis de qualificação e alargou o âmbito dos direitos fundamentais,
estabelece no artigo 1º a logica constitucional da tutela da relação jurídica administrativa.

Artigo 4º estabelece a título exemplificativo o que são essas relações jurídico-


administrativas, utilizando todos os critérios de qualificação possíveis, os critérios clássicos,
os critérios novos. E e todos esses critérios são cumulativos, não houve uma preocupação de
criar categorias que esgotassem o universo administrativo, cada uma delas não esgota o
universo, e todas elas são cumulativas:
a) todos os direitos fundamentais, todos os direitos/interesses legalmente protegidos no
âmbito de relações jurídico-administrativas é o critério mais amplo, é um critério
subjetivo de determinação do contencioso administrativo, envolve todas as relações, é um
critério amplo;

b) fiscalização de normas e atos jurídicos praticados por órgãos da administração, é um


critério mais restritivo, está-se a pensar em normas e atos administrativos, mas este é um
dos critérios e todos eles são cumulativos, estes atos fazem parte do contencioso, mas não
são apenas eles;

c) fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do


Estado ou RA não integrados na AP, vai-se além da própria ideia de atos administrativos;

d) validade de atos pré contratuais e interpretação, validade e execução de contratos


administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação
sobre contratação pública. Esta é uma norma que o regente não gosta, porque o legislador
usa a formulação de contratos administrativos, quando em 2004 não havia essa
enunciação, o que se dizia no ETAF em 2004 era que contratos com procedimento,
contratos exercidos na função administrativa eram objeto de contencioso administrativo.

E, portanto, o critério é uma distinção esquizofrénica, porque distingue entre contratos


administrativos e contratos de Direito Público. Por causa da UE essa distinção desapareceu,
porque a UE passou a regular certas espécies de contratos que pertenciam à função
administrativa e deitou fora essa distinção. O estatuto seguia essa orientação em 2004. O que
é que o legislador do CCP fez, que justifica esta solução do artigo 4º? O legislador adotou a
soluções à portuguesa (nem ao diabo lembra) o legislador resolveu chamar a alguns contratos
públicos contratos administrativos, não são todos é apenas uma parcela, e não têm um regime
igual. O legislador português manteve a logica europeia de acabar com a distinção, mas não
se conteve e chamou a alguns contratos públicos contratos administrativos, só que esses
contratos administrativos têm um regime idêntico ao publico, tem todos um regime publico.

O legislador diz todos os contratos administrativos e todos os outros regidos pela


contratação publica. Todos os contratos públicos são da competência do tribunal
administrativo.

Alínea f) regime da responsabilidade civil alargado

Alínea g) regime da responsabilidade extracontratual de titulares de órgãos, funcionários,


agentes, trabalhadores e demais servidores públicos
Alínea h) Também de responsabilidade civil

Alínea i) condenação de remoção de situações de via de facto

Alínea j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos
públicos, sentido amplo

Alínea k) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente


protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do
território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado. De forma
amplíssima. Isto é tao grande, que todos os domínios da alínea k) agora são domínios
privativos do contencioso administrativo. Em qualquer destas realidades haverá um poder de
intervenção pública, que autoriza, regula, fiscaliza, que intervém a qualquer momento, e isto
transfere para o domínio administrativo todas estas realidades, norma que amplia o âmbito da
jurisdição e que cria os tribunais especiais.

Alínea l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas


no domínio do urbanismo

Alínea m) Contencioso eleitoral

Alínea n) obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos

Alínea o) Por último, relações jurídico-administrativas e fiscais, é um critério supletivo. Ou


seja, tudo cabe no contencioso administrativo.

Aula 14/10/2019

Confirmando a boa notícia da semana passada já foi enviado para a AAFDL o caderno
de casos práticos que se chama “Casos Clínicos de Processo Administrativo” em homenagem
ao Dr. Freud que tem casos, simulações, o programa da disciplina, indicações bibliográficas e
julgo ser um instrumento muito útil e agora é esperar que a associação faça o que prometeu e
vamos ver quando esta disponível.

Estávamos na aula passada a analisar o estatuto dos tribunais administrativos e fiscais.

Ficámos no artigo 4º que é excelente porque não limita o âmbito da jurisdição, pelo
contrário, amplia atá ao limite do exercício da função administrativa. Ele não está pensado
nem pela administração prestadora nem para a administração do estado pós social. Ele
permite que qualquer tipo de administração seja ela agressiva ou social, encontrem o lugar no
contencioso administrativo. O legislador fez isso, como vimos na aula passada, adotando o
critério que de ponto de vista logico que não é o mais adequado, o mais adequado seria
recortar os âmbitos, porque é um sistema que funciona bem. O legislador elencou todos os
tipos possíveis de ligação de uma atuação pública à função administrativa e consagrá-los
numa norma. Há critérios dos direitos dos particulares, das relações jurídico-administrativas,
a possibilidade de meios processuais atingirem todos os particulares numa relação jurídico
administrativa como é logica de uma relação infraestrutural, uma lógica multilateral. O
legislador estabeleceu uma grande amplitude no âmbito da dimensão e na logica do
funcionamento da justiça administrativa. Isto foi uma boa solução. Eu teria preferido que o
legislador tivesse delimitado de outra forma e teria preferido a fórmula de 2002/2004 do que
a de 2015, porque no que concerne às categorias utilizadas deu um passo atrás. Eu entendia
que a solução correta é a de 2002/2004 em que não se fala de contratos administrativos numa
logica rivalista que se manifestou no código seguinte. Permite que para além dos atos
administrativos, todos os contratos regulados pela lei da contratação publica são também do
contencioso administrativo e todos eles da competência dos tribunais administrativos.
Mostra-se uma realidade esquizofrénica de tribunais administrativos distintos uns dos outros,
agora são todos públicos porque são todos regulados por direito publico, esta expressão
deveria ter sido utilizada também no CCP, há tantos nomes bonitos para serem utilizados que
este não precisava de ser utilizado porque tem marcas do passado.

Não obstante, tendo uma lógica de implicação implícita na administração, esta


continua a ser regulada pela realidade dos nossos dias, esta é a verdade.

A delimitação negativa que aparece no nº2 e 3 no domínio das relações laborais


públicas, em que o legislador teve alargado mais porque as relações publicas não são iguais a
outras relações aproximando-se das genéricas, mas eu considero que são administrativas, mas
não foi essa a orientação do legislador, há razões para puxar para os tribunais.

Este artigo 4º corresponde à história da corrida anual do colégio que eu já vos falei em
que havia medalhas para todos. Havia um problema de junção de todos os critérios e se por
acaso isto acontecesse cria-se um critério ad hoc, não havia problemas.

Tirando o artigo 4º o resto do estatuto é fraco. Foi melhorado em 2018, mas na lógica
inicial o estatuto era compromissório com os tribunais administrativos e fiscais, tem regras
processuais diferentes que não fazem sentido. Há uma esquizofrenia em 2002/2004 que
infelizmente se mantém ainda hoje. A reforma de 2009 fez mudanças sobretudo estéticas: os
tribunais passaram a ter o mesmo nome, não se acabou com a esquizofrenia dos tribunais, o
que é uma pena! O supremo é só o tribunal de recurso. Não foi dado suficiente espaço para
harmonizar completamente a justiça administrativa: a criação de tribunais administrativos
especializados dentro da jurisdição administrativa, por exemplo, mas deu-se um passo a mais
do que em 2002/2004 que se pode dizer que podia haver, agora diz que há o seguinte tipo de
tribunais, porém não são criados.

A contratação pública é um domínio importante do direito administrativo e que tem


uma atividade que gera litígios correntes, estes litígios são resolvidos pela arbitragem. A
arbitragem é um sistema alternativo e isso justifica esta admissibilidade. Agora, que não haja
um único caso de contratação julgado pelos tribunais públicos é que não! Os particulares
deveriam optar. A ideia de ser obrigatoriamente na arbitragem é mais uma tarefa e pode haver
uma influência nas soluções, o particular paga, mas nem sempre dá bom resultado, sobretudo
se pensarmos no interesse publico. Em Portugal, é na contratação publica que se gera a
confusão, na maior parte dos casos o problema está no domínio da contratação publica e é
isso que justifica que deveria haver um tribunal central administrativo que funcionasse como
tribunal de último recurso.

Arrumámos por aqui o segundo capítulo das lições.

Passamos para o terceiro capítulo porque vamos passar a falar do processo


administrativo em Portugal.

Vamos falar do objeto, e o que vai ser discutido será falar do pedido e causa de pedir.
O pedido pode ser segundo Manuel de Andrade, mediato porque o que se pede ao juiz é um
pedido mediato, uma coisa mediata, que se vai pedir. E depois há a causa de pedir que é a
razão que leva o particular ao processo, por exemplo uma lesão que o leva a ir a juízo para
tutelar.

Começamos por falar de sujeitos processuais pelos quais se realiza a relação jurídico
administrativa.

Por um lado, durante muito tempo havia a lógica de processo especial de recurso e
não havia a distinção autónoma dos elementos do processo e quando existia ela era
deturpada, o único elemento do processo que era valorizado era o pedido na sua vertente
imediata. O objeito do processo é a declaração de nulidade ou a anulação do ato
administrativo. Isto é uma dimensão reduzida do processo e não corresponde mais do que a
realidade do nosso contencioso depois de 2008/2010. Sujeitos não havia, o objeto do
processo era reduzido ao pedido imediato e esquecia-se de certas coisas. Era uma teorização
coxa.

A teoria Monista que vigorou em Portugal até à reforma de 2002/2004 e que falava da
continuidade de figuras de processo, falava da realidade substantiva com regras idênticas e
não uma realidade processual que é entendida em termos processuais, em que aqui se fala de
pé, onde depende da teoria geral. Só a partir da reforma de 2002/2004 é que isto passou a ser
feito. Não podemos conceber o contencioso assim e procurava explicar-se. Agora, a lei
mudou e por causa disso o discurso passou a ser outro, um discurso processual como faz
sentido. A primeira questão que se coloca a este nível do processo é a questão de saber
(alguém tem aí o programa) os sujeitos, começaremos pelos sujeitos. Mas antes disto e algo
que releva para o processo é perceber a logica do contencioso e dos meios processuais. A
grande revolução que se deu foi a de como resulta do texto da constituição de 1997 de
colocar os direitos dos particulares serem colocados no centro do processo administrativo e
isto decorreu na realidade de que é preciso ter uma tutela plena e efetiva em que é possível
todos os litígios neste quadro. O artigo 268º agora nas normas iniciais do processo, por um
lado remete-se para a tutela jurisdicional efetiva e por outro lado, neste número 2º
estabelecem-se todos os pedidos possíveis e imaginários. Em 2002/2004, o legislador quis
mostrar exaustão, por um lado pode parecer enfadonho, mas por outro mostra mudança, não
se podiam continuar a usar os esquemas do passado. Estabelece-se a título meramente
exemplificativo os tipos de pedidos.

O legislador procurou à exaustão elencar os diferentes tipos de pedidos que podem ser
feitos no processo administrativo. Isto é uma mudança radical porque atá aqui o legislador
gozava de pedidos mais ou menos amplos nos processos de contratos amplos, em que podia
condenar, mas não goza de poderes ambulatórios. Agora vem-se dizer que tudo é possível.
Acrescenta-se que todos os pedidos cumulados, o particular pode cumular e como é feito pelo
artigo 2º há tutela plena e efetiva dos particulares das relações jurídico-administrativas. Estes
direitos permitem todos os pedidos possível. Cada direito de cada particular corresponde um
meio processual adequado. Temos uma logica de contencioso pleno destinado à tutela.

Em 2015 para alem do artigo 4º, o artigo 5º veio dizer que mesmo nos processos
urgentes pode haver cumulação de pedidos. Isto é a transformação radical do processo
administrativo.
A técnica adotada foi a de que em todos os países europeus adotou-se duas técnicas de
consagrar no contencioso esta possibilidade:

- método germânico que é o que se parece mais com o processo civil que é o da logica alemã
relacionado com sentenças constitutivas e tendo facilidade e ser um sistema mais adequado
segundo o prof. Problemas a serem corrigidos: aqui há esta logica de cumulação era haver a
junção de varias dessas ações, isto existe em parte no direito alemão.

- Outra alternativa seguida pelo legislador em 2004 devem-se concentrar em todos os meios
processuais todos os pedidos. Ter meios processuais de guarda-chuva no qual cabe tudo e se
quiserem podemos usar o meio de informática que é “banda larga”. Em 2002/2004 distinguia
dois processos especiais, ação comum, processos urgentes.

Em 2015 o legislador alterou esta realidade e bem, em que agora os processos especiais são
só ações administrativas. Encontramos logo na abertura do código os pedidos genéricos,
depois as ações administrativas. Antes admitiam-se todos os pedidos em todas as ações. Este
sistema tem, segundo esta logica mista, e haver aparentemente uma única ação, permite uma
tutela mais completa e permite que o juiz possa decidir da realidade administrativa. Ele pode
decidir do regulamento e impugnar o regulamento. Ou pode mesmo, impugnar o
regulamento, o concurso e o ato administrativo. É possível cumular pedidos para que o
processo julgue integralmente. Em que o particular pode ter uma resposta conjunta. Antes,
teria de pedir a responsabilidade, depois é que poderia usar de outros meios processuais.
Agora isto mudou, tudo pode ser usado no mesmo.

Desvantagens: alguma confusão que se cria e haver a necessidade de o desdobrar em


vários. O legislador não regula só uma ação, regula 4 ou 5 consoante as perspetivas, em bom
rigor não é só uma. Nem sequer é a logica dos shampoos do 2 em 1.

Vejam: ação administrativa artigos 50º e seguintes depois artigo 66º e seguintes;
depois 72º e seguintes; 77ºA e seguintes; ainda surgem providencias cautelares. Vejam isso.

O legislador regula mais ou menos, nestas 4/5 ações em que estabelece regras
especificas, para a marcha do processo, para as providencias cautelares e outras situações,
percorram o código e vejam isso. Temos uma única ação, administrativa e principal e ainda
processos urgentes. A distinção da esquizofrenia da minha perspetiva é correta e corresponde
à realização pratica daquilo que eu já propunha antes e que criticava, porque só há ação
comum e especial e atribuir a estes dois meios processos uma logica aparentemente do
passado não fazia sentido algum. Em processo civil, a ação comum no contencioso
administrativo é aquilo que comum não é o que é regularmente especializado, significa que o
que fica para a ação comum é um ponto reduzido do contencioso administrativo. Ainda por
cima dizia-se que ainda houvesse na conjugação do mesmo processo pedidos diferentes com
o mesmo tipo de atuação, mas com soluções diferentes, aplicava-se nestes casos ação
especial. Ele dizia duas coisas que a distinção não fazia mais sentido, teria feito sentido
quando o contencioso do poder dos atos e regulamentos era limitado e só esse pedido poderia
ser feito. Utilizava-se a técnica legislativa na medida em que o legislador em 2002/2004
apenas se preocupava em regular o processo especial. Eu também criticava isto que tem a ver
com o comum especial e que o direito administrativo é um ramo autónomo e não um
conjunto de exceções. Estas críticas que tinham a ver com os nomes e o legislador não ter
criatividade suficiente para criar novos nomes, pelo menos o legislador admitindo por
hipótese absurda, ao menos que tivesse acertado no nome e tivesse dado um nome correto às
coisas. O comum aplicava-se a 0,05% dos casos. A especial usava-se em 99%. Significava
que tudo ia parar ao processo especial. Temos um problema, do homem que confundia a
mulher com um chapéu, temos uma realidade esquizofrénica.

O legislador resolveu atender, foi pena ele não atender ao que eu dizia a seguir, não
juntar critérios administrativos com processuais. O legislador junta os dois critérios. Há
contratos em que o pedido que é feito tem a ver com uma logica processual. Confundir
critérios substantivos e administrativos. A ação especial dividia-se em ação relativa à
condenação, anulação, etc. O critério processual visava atenuar, todas as ações de
condenação, todas de simples apreciação pode ser pedida no âmbito da ação administrativa,
mas como o legislador não fez isso, então temos várias soluções 4 ou 5 e ações também que
integram a chamada ação administrativa que em bom rigor são autónomas. Faltou fazer isso.

Na próxima aula continuamos a observar estas realidades.

Aula 16/10/19

Ora bem, antes de mais nada bom dia. Está reduzida, a assistência, há qualquer coisa
de preocupante… Já estão fartos de me ouvir? Ainda agora começámos. Está a ficar cada vez
mais interessante, não é?

Bem, na aula passada, analisámos a questão dos meios processuais, e vimos que nos
termos do código de processo, neste momento havia apenas um meio processual: a ação
administrativa. Já o legislador, em 2002/2004 consagrava a ação especial no nosso sistema.
Era o nosso sistema, e ainda bem que o legislador manifestou isso na reforma, só é pena que
apenas existam quatro a cinco meios processuais, porquê? Porque o legislador misturou em
matéria de impugnação de atos, em matéria de emissão de regulamentos, em matéria de
contratos. O legislador estabeleceu regras específicas a propósito de um específico meio
processual. O que acontece é que em relação a cada uma dessas ilações há regras especiais,
acerca do processo, regras especiais em termos de pressupostos processuais. E, portanto,
aparentemente, existem quatro ou cinco, porque na verdade o legislador misturou os critérios
substantivos com os critérios processuais.

Em face da regulação originária, e em face do diploma de 2002/2004, o que o


legislador devia fazer era apenas estabelecer os critérios em termos processuais, porque é isso
que se espera, portanto, arrumar as regras em função dos efeitos. Temos passado para uma
unidade, um bocadinho especial. Na publicidade fala-se a propósito do shampoo do dois em
um, não é? Depois temos o do quatro em um, e o cinco em um, mas apesar de tudo já há uma
maior limitação com esta realidade. Começámos a falar a propósito da ação administrativa
dos diferentes entes administrativos do processo, sendo certo que vamos analisar o que demos
em teoria geral, e portanto as regras que aqui analisámos também valem para os processos
urgentes e para as providências cautelares, embora com as necessárias adaptações.

E começando com os sujeitos, os sujeitos processuais, para usar uma regra que eu
também utilizo em direito administrativo, um pouco como compensação da realidade
histórica, uma espécie de tentativa de fazer o contraponto daquilo que era um direito
administrativo autoritário, vamos começar por analisar os particulares, particulares como
sujeitos jurídicos. Isto é algo novo, porque no quadro da lógica objetivista dominante, o
particular não era o sujeito, o particular não ia se quer a juízo para defender qualquer posição
substantiva também. A lógica do processo era que se tratava de uma realidade objetiva,, em
que o juiz olhava para o mapa administrativo, independentemente de saber quem o praticou,
e portanto a administração também não estava incluída, também não era parte, e
independentemente de saber se ele tinha ou não afetado direitos do particular porque se
entendia então que não tinha direitos face à administração. E, portanto, a lógica era a de
considerar que a administração estava em juízo, para auxiliar o juiz a encontrar as melhores
soluções.

A reforma de 1985, feita já no quadro da nova lei em Portugal, chamava a atenção


para uma “autoridade recorrida”, não era uma parte, era uma autoridade recorrida, estava em
posição similar à do juiz no quadro do processo, e o particular também não era parte porque
não podia fazer valer nenhum direito no processo. O particular era quanto muito, dizia
Rousseau, era uma espécie de ministério público que contribuía também para ajudar o juiz e a
administração a encontrar a melhor solução para aquele caso. E, portanto, o processo
administrativo é um processo sem parte, nem o particular uma parte, nem a administração era
uma parte. E não sendo parte, tinha uma dimensão substantiva e uma dimensão processual. A
dimensão substantiva fazia não se considerar o particular como sujeito que celebrava relações
jurídicas com a administração. Esta ideia da relação jurídica administrativa está por trás de
um novo direito administrativo num estado pós-social. Esta ideia das relações jurídicas
administrativas também é impensável.

O particular dizia, como Mayer, que o particular não pode ter direito em relação à
administração, a administração tem todos os direitos, a administração é que decide, como
refere Dr. Mayer, “da vida e da morte dos particulares”. E, portanto, os particulares não
podem exigir direitos perante a administração. Podem solicitar, podem pedir, mas não têm
direitos perante a administração pública. E portanto isto gerará uma teoria substantiva do
direito administrativo, em que o particular não é titular de direitos. Esta ideia deixa tanta
sequela, que ainda hoje há muitos autores que têm dificuldades em conceber os direitos
subjetivos em face da administração. Depois há os interesses os interesses legítimos, há os
interesses difusos, são todos direitos subjetivos, têm todos um referente, mas são todos
direitos dos particulares em face da administração e que criam uma posição substantiva
também, mas já veremos isso, mais adiante.

Isto levará a que em primeiro lugar, que o direito administrativo substantivo tenha
dificuldade em lidar com os direitos dos particulares e da administração, por outro lado, o
particular, não era considerado como uma parte do processo, ele era apenas o auxiliar, uma
espécie de “Bom escuteiro”, que ajudava a administração e o juiz a tomar as boas decisões,
não é? Era a boa ação diária. Fazia uma boa ação para ajudar a administração e o juiz, sem
ganhar nada com isso. O particular não vai a tribunal porque não recebeu o subsídio, não
recebeu uma bolsa, foi expulso da administração, não, ele vai lá só para ajudar, não é isso que
está em causa, ele é apenas a razão de ser, a razão daquele processo. Mas ele não é parte
daquele processo, ele não intervém no processo, ele não tem uma posição perante o processo
que seja suscetível de ser praticada.

E isto vai introduzir, em todos os países de tipo Francês, esta construção objetivista.
Tal como na idade média, equipara-se o processo a um cadáver. Era isso que se fazia também
no contencioso administrativo, abria-se o cadáver para ver a razão. É um cadáver, é uma
realidade morta, uma realidade em que não se geram relações de expressão de
responsabilidade. Olha-se para a realidade como se ela tivesse caído do céu, e verifica-se
apenas se há uma ilegalidade, se não há uma ilegalidade. E isto tem mil e uma razões. Em
primeiro lugar a ideia de que o particular era uma espécie de sistema público. Se pegarem
num manual do processo administrativo, diz-se que o particular não vai a juízo defender uma
posição própria, vai a juízo para defender interesses objetivos (de trabalho).

Em Portugal, o prof. Marcello Caetano, apesar de tudo, falava num direito à


legalidade. O direito à legalidade é o correspondente a não ter direito nenhum. Alguém tem
direito a que seja aplicada a lei, pois é um direito geral e abstrato, e se é geral e abstrato
também não visa ninguém em particular, não é de nenhuma pessoa, é um direito a nada. Mas
ele fala num direito à legalidade, e como fala em direito à legalidade, então o particular vai a
juízo para defender o direito à legalidade, para ser parte. Numa situação correspondia áquilo a
que no direito francês, se chamou, no séc. XIX, uma escola subjetivista, nascida no
contencioso administrativo, que não era subjetivo, era objetivo. Claro que no direito à uma
proteção à legalidade, um direito geral e abstrato que era de todos e de toda a gente, mas não
era de ninguém, não era de ninguém, não criava uma posição substantiva de vantagem na
esfera do particular. Convém lembrar que os administrativistas não sabem o preço do direito
objetivo. Na ordem jurídica, o direito, existe para além do sujeito e estabelece a ordem
jurídica, e o direito é para o direito subjetivo. É uma coisa que se dá desde o primeiro ano, o
que é o direito subjetivo. Confundiam o direito subjetivo com o direito à legalidade. E por
causa disso, o particular era (não se chamava assim, mas era) considerado como uma parte. A
administração ainda continuava a ser chamada autoridade administrativa, mas o particular era
“quase uma parte”.

Mas há uma outra consistência disto. Qual é o critério, que no processo civil,
determina o acesso ao juiz? A alegação da legalidade do direito. Como não há direitos, ou
havia direitos do direito administrativo, o critério favorito passou a ser exclusivamente o
critério da legalidade. No direito administrativo, como não se considera que devessem existir
direitos, só existia a legalidade. E é por isso que a doutrina administrativa se vai preocupar
em teorizar a legalidade, ligando-a ao interesse e falando na ideia que tem de ser direta,
pessoal e legítima. No processo civil nós contentamo-nos que haja uma legitimidade que
decorre de um interesse direito. Mas aqui exigia-se que fosse direto, pessoal e legítimo.
Direto, porque o particular era diretamente afetado pelo ato que era para ser atribuído;
pessoal porque era afetado na sua esfera jurídica; e legitimo porque correspondia a um
interesse que a lei tutelava. Reparem se esta teorização da legitimidade não tem excesso de
peso. Porque é que o interesse era direto, e legitimo, ou melhor, além de direito, era pessoal e
legitimo? Correspondia a um indivíduo que era protegido pela ordem pública, o que é que
isto significa? Que era um direito, disfarçado. As características que rodeavam o
entendimento da legitimidade do processo administrativo, foram concebidas para evitar a
ação popular e para chamar a juízo aqueles que tinham um interesse próximo que lhes
permitisse estar em juízo. O interesse começou por ser um interesse fático, um interesse de
facto, eram beneficiados pela anulação do ato administrativo. Só que o critério do interesse,
enquanto aferidor da legitimidade, foi sendo progressivamente aferido, para torná-lo mais
protegido e para o limitar aos titulares de direitos subjetivos. Porque os titulares de direitos
subjetivos o seu direito, de uma forma pessoal, de uma forma imediata e correspondendo a
algo que é protelado pela lei , é uma vantagem conferida, pela ordem jurídica. E depois há
uma escola francesa a partir dos anos 60 que começa a dizer esta noção de interesse e
legitimidade, que enquanto critério de interesse e legitimidade levava na prática a um
verdadeiro conceito de direito subjetivo. E em ironia, refere em relação ao Prof. Marcello
Caetano, dizendo que “deixava entrar pela janela aquilo a que se recusava deixar entrar pela
porta”, recusava-se a considerar o direito do particular que não fosse o direito à legalidade ,
não era nenhum direito em concreto, mas depois ao definir de forma restritiva o critério do
interesse como condição de legitimidade, ele criava as condições para estarem em juízo
apenas particulares titulares de verdadeiros direitos subjetivos.

Foi este conceito de interesse no processo que depois vai levar os autores que sem
quererem romper com a tradição, continuando a ter medo em falar em direitos subjetivos, vão
falar nos tais interesses, não é? Vão falar no interesse legítimo, e no interesse difuso, para
não dizer que são todos direitos, porque são todos direitos! Correspondem todos a posições
subjetivas por base, conferidas pela ordem jurídica em domínios concretos. Não há nenhuma
diferença entre os direitos do direito administrativo e os direitos do direito civil, são todos
direitos, não é? Vamos já ver isso. Até dizia que está mais para o fim, mas vamos já resolver
isto, não é? O que é que corresponde a um direito subjetivo? Vamos pegar no que diz o
Professor Freitas do Amaral: Há um direito subjetivo quando a lei expressamente diz que o
particular tem um direito, e, portanto, se a lei disser que os funcionários públicos têm o
direito a reformar-se ao fim de quarenta e cinco anos de serviço, isto é um direito subjetivo.
Se disser que de tanto em tanto tempo tenho direito a um subsídio de natal, isto é um direito
subjetivo, porquê? O que é um interesse legítimo? O interesse legítimo, diz o Prof. Freitas do
Amaral que é um interesse que não protege diretamente o particular, protege apenas
indiretamente, porque o que a lei regula é um dever da administração.

Ora, um dever da administração no interesse do particular, o que é que os senhores


diriam? Em direito civil, é um direito particular, é um direito subjetivo. Se, o próprio juiz,
atribui a alguém um direito, isto é a mesma coisa que a ordem jurídica criar um dever de agir
no interesse de outrem. Se este dever de agir é um dever do particular, se o particular tem um
direito, então não há nenhuma diferença entre o direito subjetivo e o direito administrativo.
Porque o que está em causa é um interesse dito legitimo. É que no dever de a administração
atuar, há um interesse do particular.

Ora, num estado de direito, se a administração tem o dever de atuar relativamente aos
particulares, é no interesse de quem? É obviamente no interesse do particular. E, portanto,
esta distinção, é uma distinção que não faz sentido. Porque é que o direito civil é um direito?
E no direito administrativo é assim uma coisa … Não é a mesma coisa, que o código civil
diga que o comprador tem o direito à entrega da coisa, ou que o vendedor tem o direito a
entregar. Não é exatamente a mesma coisa? A norma não pode ser construída em termos
alternativos. Há alguma dúvida que estamos também sobre um dever em relação a outrem,
que há um direito subjetivo em bom rigor? Ah…, mas os direitos do direito administrativo,
são direito públicos, só dizem respeito à saúde, a saúde uma ova! É um problema de relação
jurídica, não é? Eu diria que isso se apende, nos bancos da escola, infelizmente não se
aprendeu e, portanto, há esta dificuldade.

Ora bem, mas pensemos noutra situação, aquela situação que corresponde àquela
categoria difusa que diz respeito a interesses difusos que gostam muito de falar. Os
chamados interesses difusos. Os interesses difusos, diz-se, são interesses que correspondem a
um bem para a coletividade, e este bem é divisível, e como é um bem divisível não pode criar
um direito. É algo discutido, dentro da doutrina mais clássica, o Professor Jorge Miranda até
às correntes mais modernas: um direito que é divisível, é um bem que é de todos, e se é um
bem publico não pode ser aproveitado individualmente. Agora imaginem, a semana passada
os senhores iam à praia, a praia, sendo um bem público, e há uns senhores que têm um
contrato de exploração de um interesse próprio sobre esse bem público, dos banheiros. Vão lá
para descontrair, mas têm deveres que resultam daquela vinculação contratual. Um banheiro
não está a aproveitar um interesse público no seu próprio interesse individual? Não estamos
perante um aproveitamento individual de um bem, que simultaneamente também é público?
O facto de ele ser público implica que não possa ser individual? Ele pode não ser aproveitado
na sua totalidade, mas pode ser fruído em termos individuais. Eu suponho que a noção que os
senhores estudaram de direito subjetivo seja a “permissão normativa de aproveitamento de
um bem” não é isso que está em causa? Não é isso que está na situação da praia? Ou seja, o
facto do bem ser publico, não significa que esse bem público não permita uma relação
jurídica de fruição de um bem.

E os chamados interesses difusos, são ainda por cima os direitos fundamentais,


constituídos pela constituição. O direito à liberdade de expressão na vida comum, saúde, à
qualidade de vida, em matéria de ordenamento do território, são bens que correspondem
também à tutela de bens públicos. Mas uma coisa é o bem público em si mesmo, outra coisa é
a comissão desse bem público para os interesses individuais e que são direitos. O direito que
é de todos, no interesse pessoal, permissão normativa de aproveitamento de um bem. Embora
haja cada vez mais autores a defender essa categoria difusa, do interesse difuso, que é um
grande disparate. São direitos, com conteúdos de deveres. Outra coisa, também em relação à
administração: ah... a administração não é parte, a administração tem poderes, poder público,
mas poder público é uma coisa muito diferente, é o poder que a administração tem. Não é a
possibilidade de produzir efeitos jurídicos na esfera do particular? É! Aliás isto resulta de um
problema português, porque se olharmos para a Itália, e olharmos para Espanha, ambos países
que usam a língua latina, a expressão “potestato” no espanhol, e “potestato” no italiano,
sendo certo que é designado, pelo poder público, como direito potestativo. É “una potestade”,
e portanto, é a mesma coisa, é a possibilidade de produzir efeitos jurídicos na esfera de
outrem, não há nada de especial no direito administrativo. E, portanto, na minha opinião, o
particular é titular de direitos face ao contencioso administrativo.

No processo administrativo a titularidade de direitos era esquecida, era ignorada, e,


portanto, era a legitimidade que estava construída para chamar a juízo os titulares de direito.
Eu sei que correspondia um interesse direto, pessoal e legítimo. Agora, o legislador, no
código de processo adotou a regra processualista e, eu vejo, nos art. 9º e no art. 10º,
estabelecer regras de legitimidade. Vejamos, do ponto de vista ativo, vimos no art. 9.º, que
goza de legitimidade no processo, é considerado parte legitima, o autor, quando se é parte na
relação material controvertida, ou seja qual é o critério? É o da titularidade do direito na
relação material controvertida. E a legitimidade depois tem de ser direita, como no processo
civil, o autor tem de ser lesado no seu direito. Ora o que está em causa é a alegação de uma
permissão jurídica administrativa, que o autor alegue. Se ele tem ou não se vai decidir em
diante, mas ele alega de forma plausível a titularidade do interesse que quer que seja
prosseguido. E o réu, legitimidade passiva.

A ação tem de ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida. Ou
seja, a outra parte, logo na relação material controvertida, é que ele detém um dever de se
contrapor ao direito do particular ou tem qualquer outra posição substantiva também. Ou seja,
agora, o código faz com que a legitimidade seja colocada na sua exata dimensão de fazer a
ligação entre a relação substantiva e a relação processual, e chama a juízo os titulares das
situações jurídicas contrapostas no quadro da relação jurídica. E, portanto, isto é dar razão.

Eu disse-vos que foi a partir da reforma de 2002/2004 que verdadeiramente nasceu o


processo administrativo. Até aí, era uma coisa meio administrativa, meio processual, não se
sabia bem o que era o contencioso administrativo, era uma coisa estranhíssima, o próprio
Professor Sérvulo Correia tentava ia buscar algumas ideias em França, mas era uma coisa
especial. E, portanto, temos aqui uma alteração radical, no modo de entender a posição de
“parte”. Parte é o particular no quadro da situação jurídica controvertida, tem uma posição
que foi lesada por uma atuação administrativa. E parte é a administração que ousou de estar
do outro lado daquela relação controvertida ou que não cumpriu o dever que estava obrigado
pelo tribunal. Para que é que servem os sujeitos? Dizem os processualistas. Os sujeitos do
processo servem para chamar ao tribunal os direitos do sujeito da relação jurídica. É para isso
que serve, que serve a legitimidade processual. E depois a legitimidade vai trazer com que
sejam os verdadeiros sujeitos da relação a estar aqui através da tal ideia de interesse direto.

Mas o legislador não ficou por aqui, e há uma série de atos que nos surgem logo no
início do código, e que visam mostrar esta mudança relativamente aos sujeitos que o código
de processo fala. E às vezes até são excessivas, não era preciso tanto! Mas o legislador quis
deixar claro que as coisas são da forma como são, e não veio mal nenhum ao mundo. Porque
mesmo assim há pessoas que têm dificuldade em ver, não é? Por isso ainda bem que o
legislador o fez. O art.º. 6º não se limita a dizer o que é parte, a epígrafe do art.º. é
“igualdade de partes”.

O legislador não se contenta só com a afirmação de que é um processo de partes no


processo civil, e a razão de ser é que porque antigamente não havia uma posição igualitária
das partes no processo administrativo. E diz-se, no art.º. 6º, que o tribunal assumiu o estatuto
de igualdade efetiva das partes no processo, tanto no que se refere ao exercício de faculdades
e ao uso de meios de defesa como no plano da aplicação de cominações ou de sanções
processuais, designadamente por litigância de má-fé. Isto aqui está definitivamente a mais,
embora ainda bem que está, não é? Ou seja, antes desta norma, quando nos anos 80,
estávamos a discutir, se o contencioso era subjetivista ou objetivista, e quando a lei do
processo não dizia nada disso, era preciso afirmar esta realidade. Eu lembro-me que estive
sozinho a dizer que, como é obvio, sendo um processo de partes, podia haver sanções de
partes, devia haver custas processuais, e devia haver sanção se estivessem em litigância de
má-fé. Na altura toda a gente me chamou de maluco, não é? E há uma grande discussão,
nomeadamente com o Prof. Freitas do Amaral, e o resto da doutrina, divergente. Todos: não,
isso não pode ser, isso não vale para o processo administrativo, e eu assim: vale, tem de valer,
porque se formos a ver temos um processo de partes, e se é um processo de partes, se as
partes não agem de acordo com a lei processual podem ser sancionadas e uma das sanções é a
litigância de má-fé.

Estava a lembrar-me dessa discussão, uma discussão muito viva em Portugal, e


descobri ali, ali nas velharias, uma coisa que já não se encontra, mas que ainda lá esta, que é a
minha tese de mestrado. Mas achei muita piada, porque estava completamente perdida, não
é? Mas é isso que está em discussão, não é? A minha tese de mestrado chamava-se: “Para o
Contencioso Administrativo dos Particulares: o esboço de uma teoria subjetivista do Processo
Administrativo.” Portanto, era uma tentativa de pegar naquilo que estava na reforma de
oitenta e cinco, sem prejuízo do que lá estava, para dizer isto, para tecer uma realidade.
Primeiro, é preciso que haja partes (é preciso que haja, não há razão para não haver partes) e
é preciso que haja litigância de má-fé. Na altura, havia uma previsão genérica no código, e
portanto nessa disposição genérica cabia que era é um processo de partes. O legislador aqui
quis dar essa “colher de chá”. Não era preciso, para saber que mais adiante, com a tramitação
processual, se viria a falar de litigância de má-fé. Sem litigância de má-fé, portanto não há
nada, e é o exemplo de alguma cosia que deve haver, mas não é o princípio fundamental da
matéria de partes, e portanto o art.º. ficaria muito bem só com a primeira parte. Mas está tudo
junto, e ainda bem, não tem problema, muito bem, fico muito satisfeito por isso acontecer. Há
umas que não estão bem, mas esta pelo menos está.

Depois no art.º. 7.º, surge um outro princípio fundamental que tem haver com esta
realidade processual, e que é o princípio da proibição do acesso à justiça. E aqui diz-se que as
normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias
sobre o mérito das pretensões formuladas. O objetivo do processo administrativo não é
inventar a primeira ilegalidade formal para não decidir sobre a causa, é preciso sempre
decidir sobre a causa, e não é por haver um vício de forma ou qualquer outra coisa que não é
preciso analisar a ilegalidade material. É preciso analisar o processo e todos os processos
devem ser conduzidos no sentido de determinar a existência de decisões de natureza material.

Em 2015, surge o art.7º-A, o chamado dever de gestão processual. E é algo também


visto no processo civil, com uma consagração mais ou menos simultânea deste dever. E no
fundo aqui, de novo, o que está em causa é esta lógica de que a parte, seja o particular seja a
administração, vai procurar junto do processo a melhor maneira de alcançar as melhores
decisões. Aqui é também um corolário desta realidade processual, que não estava como os
outros, na versão originária de 2002/2004, mas compreende-se a sua inclusão, aqui
designadamente nesta norma.

E depois vem a norma do dever de cooperação e boa-fé processual, e esta é mais


importante porque tem outras coisas. É que estabelece um princípio de cooperação e boa-fé.
Outra vez a boa-fé, mas a litigância de má-fé está antes, não está aqui. O que é que se diz
aqui? Diz-se que os magistrados, os mandatários judiciais e as partes devem cooperar entre
si, concorrendo para que se obtenha, com brevidade e eficácia, a justa composição dos
litígios. Coisa muito importante, mas que infelizmente nem sempre acontece, não é? Um dos
problemas graves da justiça portuguesa neste momento é o decorrer do seu próprio processo,
não é? Este apelo à brevidade da eficácia é cada vez mais reduzido.

Depois refere que as partes devem abster-se de requerer diligencias inúteis, portanto,
litigância de má-fé. Mas o que é importante, é o que vem neste duplo dever do art.º. 8º.
Porque no nº3 do art.º. 8º diz-se que as entidades administrativas têm o dever de dizer ao
tribunal, em tempo oportuno, o processo administrativo e demais documentos respeitantes a
matéria do litígio, bem como o dever de dar conhecimento, ao longo do processo, de
superveniências resultantes da tal atuação, para que a respetiva existência seja comunicada
aos demais intervenientes processuais. Ou seja, a razão pela qual, as entidades
administrativas têm de dizer ao tribunal o processo, não é porque isso possa substituir a
contestação, é porque a autoridade administrativa tem documentos em sua posse que
auxiliam a tomar a decisão e isso faz parte do dever de cooperação com o tribunal.

Era o que se dizia nos anos oitenta. O que é que dizia o Prof. Marcello Caetano, o que
é que dizia o professor Freitas do Amaral? Primeiro é um dever processual e portanto a
autoridade recorrida não podia contestar o que o particular alegava, e se não podia contestar
isso significava que não tínhamos o processo a funcionar em termos equitativos, em termos
de igualdade de armas, entre os dois lados. Eu dizia que ónus de impugnação existem, e
portanto a administração tem de ser contestada, e a razão pelo qual existem, é porque se a
administração não contestar o que o particular diz, a administração pode vir a ser prejudicada
pelo juiz, que aprecia , no quadro da sua livre apreciação de conduta. E, portanto, ónus de
impugnação, existe sempre.

O que não existe é ónus de impugnação especificada, é verdade, mas isso é uma
diferença entre o processo civil e o processo administrativo. Não tinha de existir ónus de
impugnação especificada, porquê? Porque no código de processo civil também não há
impugnação especificada. Mas isso significa que o facto de não haver a impugnação
especificada, e uma sanção específica, não corresponde a uma consequência necessária do
ónus de impugnação que existe sempre.

E dizia o Prof. Marcello Caetano, como dizia o Prof. Freitas do Amaral, que aquilo
que a administração fazia era menos que isso, era apenas, em vez de responder remetia ao
juiz. Ele por sua vez dizia: não a remessa ao presidente não tem nada a ver com isso, a
remessa ao presidente tem haver com a colaboração do particular com o juiz, tem haver com
o princípio da cooperação, não era um sucedâneo de ónus de contestação.

Ora bem, até aqui o legislador nesta norma adotou essa ideia, e, portanto, agora, há
uma contestação por parte da administração, há uma resposta, como se dizia em oitenta e
cinco. E agora o dever de remeter o entendimento para o tribunal não é um sucedâneo da
contestação, é um dever de cooperação entre partes, um dever em qualquer tribunal, e que
tem haver com a cooperação entre todos os sujeitos, titulares de direitos. E, portanto, estas
normas, se calhar, não estão reordenadas da melhor maneira, não estão arrumadas da melhor
maneira, mas há todo um processo, que elas introduzem, e que é a dimensão de um processo.

Ficamos por aqui, até segunda-feira.

Aula 21/10/19

Ora bem. Antes de mais nada, bom dia. Bom dia. Ah ah. Estava a ver se ainda
estavam a dormir. Ah ah. Bem, estivemos na aula passada a analisar a posição do particular
no contencioso administrativo. E vimos que o regime atualmente vigente data da Reforma de
2002/2004. O regime atualmente vigente marca uma transformação radical, uma rutura com
aquilo que era a realidade do processo administrativo em Portugal. Porque agora, no
contencioso administrativo passam-se a aplicar as mesmas regras do processo civil. Enquanto
que a lógica tradicional era a de que o particular não possuía direitos, o particular ia a tribunal
para auxiliar o juiz e a Administração na procura das boas soluções. O particular era uma
espécie de Ministério Público, ajudando a descobrir a legalidade e o interesse público.

Esta cadeira é um horror. Ah ah. Vamos lá ver se esta é melhor. Epa. Esta está
deitada. Elas têm bom aspeto, não são assim muito velhas. Ah ah ah. Bem, por alguma razão
esta devia estar ali. Ah ah. Pronto, esta tem as costas normais. Bem, dizia eu que a lógica
tradicional era a de considerar o particular como um auxiliar do juiz e da Administração, uma
espécie de bom escuteiro que fazia uma boa ação levando a tribunal o caso, como se o caso
lhe dissesse respeito. Não tivesse sido ele a ser afetado por uma atuação administrativa lesiva,
tendo o seu direito amputado. O que se dizia era, bem, o particular vai auxiliar o juiz. Ainda
hoje em França CHAPUS escreve que o particular é o procurador do Direito. Não é um
verdadeiro sujeito no quadro de uma relação jurídica substantiva. E por outro lado, a
Administração também não é uma parte, a Administração era uma autoridade recorrida como
se dizia no art.º. 15º da EPTA que era uma autoridade que tradicionalmente se tinha inserido
no mesmo poder que o Tribunal, eram ambas entidades do poder administrativo e portanto,
era tratada como uma autoridade.

Ora bem, isto levava que no contencioso administrativo o que determinava o acesso
ao juiz era a questão da legitimidade, e, portanto, a legitimidade vai ser construída como
único instrumento de acesso ao processo e como ainda vimos, esta legitimidade é entendida
numa forma sobcarregado, é o interesse direto, pessoal e legítimo. Estas caraterísticas,
sobretudo o pessoal e o legitimo tem a ver com o Direito. O Direito que o particular possuía e
que o levava a ir a juízo. Por que do ponto de vista da teoria clássica o processo também não
devia estar aberto a todos, porque se se considerasse que ele era um procurador apenas para
descobrir a verdade e a lei, a consequência normal seria que o processo fosse um processo de
ação popular. Ora, os juízes no contencioso administrativo também não queriam isso, não
queriam a ação popular. Alias, a ação popular não existe atualmente senão em Portugal. Que
é nos outros países europeus, a ação popular no contencioso administrativo praticamente não
existe. E aqui o que se criava era um interesse que era concebido à imagem e semelhança de
um Direito que se queria negar. Enfim, fechava-se a porta ao Direito e deixava-se que ele
entrasse pela janela. Porque realmente era ele que servia de acesso ao Direito. Agora, com a
Reforma as coisas vão ser transformadas. Com a reforma a legitimidade serve para chamar à
demanda os titulares da relação jurídica material controvertida.
E, portanto, agora, a legitimidade é um simples pressuposto processual sendo que esse
pressuposto processual permite a determinação das partes no contencioso administrativo e as
partes são determinadas pela titularidade de posições jurídicas de vantagem. Já vimos na aula
passada as diferentes normas em que o Código de Processo realça esta ideia de parte na
igualdade de partes, e temos agora este artigo 9º em relação à legitimidade ativa que
estabelece no nº1 a regra de que é considerada parte legitima quando se alegue que se é parte
na relação material controvertida. Ou seja, a relação jurídica processual corresponde à relação
jurídica material e isto tem como pressuposto que o particular seja um sujeito de direito, que
o sujeito seja titular de posições de vantagem no quadro das relações jurídicas
administrativas. Ora bem, qual é a noção jurídica que podemos dizer que está por trás desta
realidade? Se olharmos para o direito substantivo, para o direito administrativo há
basicamente três posições à cerca das posições subjetivas dos particulares em face da
Administração.

Há a conceção trinitária, que nasceu em parte do processo e de uma construção


italiana sobre a teoria do processo e portanto entende que há três posições jurídicas de
vantagem – os direitos subjetivos, os interesses legítimos e os interesses difusos – e carateriza
os direitos subjetivos por uma proteção direta e imediata, é a expressão do professor Freitas
do Amaral, que corresponde à expressão do SANOBINY nos anos 60 em Itália. Os interesses
legítimos seriam uma proteção indireta porque aquilo que a lei regularia seria a realidade
objetiva, o funcionamento da Administração, mas daí resultava indireta ou reflexamente uma
proteção do particular. E depois havia os interesses difusos, que seriam situações atribuídas a
todos em relação a bens de natureza coletiva. O professor Freitas do Amaral só fala em
direitos subjetivos e interesses legítimos, depois os interesses difusos fora, acrescentados não
só pela legislação portuguesa como também por algumas outras construções designadamente
o Direito do Ambiente. Estou a pensar por exemplo na professora Carla Amado (?). Depois
há outra conceção unitária, que tem sido defendida em Portugal pelo professor Rui Medeiros
e pelo professor Mário Aroso de Almeida e que eu próprio já defendi.

Foi de resto a primeira teoria que eu defendi ainda menino e moço na faculdade de
Direito que na cadeira de contencioso administrativo que era uma cadeira optativa, lecionada
pelo professor Freitas do Amaral e esta ideia de direito reativo é uma construção unitária
similar, ou melhor, dizia-se similar à alemã. Na altura li no GARCIA DE ENTERIA (?) que
foi o grande divulgador desta construção, que teve uma grande influência em Portugal. Na
altura também o Doutor Rui Bachete e mesmo o professor Freitas do Amaral manifestaram
alguma concordância com esta ideia. Era uma construção que GARCIA DE ENTERIA (?)
dizia que era inspirada no direito alemão, eu confesso que na altura, enfim, ainda não tinha
lido a doutrina alemã e pareceu que era bem. Depois verifiquei que não tinha nada a ver com
a doutrina alemã. Ah ah ah. Mas enfim, passou, era uma construção muito original do
GARCIA DE ENTERIA, enfim, que não precisava de dizer que se estava a adotar uma
perspetiva alemã porque não era, mas era uma boa construção. E era construir o direito
subjetivo com base na possibilidade de ir a tribunal. Era a ideia de Direito reativo. É um
direito de reagir contra agressões na esfera jurídica do particular provocadas por uma
qualquer atuação administrativa. E, portanto, não distinguia os direitos.

Os direitos eram todos aqueles que permitiam o particular ir a tribunal. e esta


construção, que por exemplo o professor Mário Aroso de Almeida ainda defende nos dias de
hoje criava uma espécie de figura de pertença contra agressões de que o particular seria
titular. Esta construção tem, no entanto, vários problemas. Em primeiro lugar, ela só se
aplicaria no caso de um direito de natureza absoluta ser agredido numa esfera do particular.
Ora, há imensos direito de natureza pessoal, enfim, a uma conduta de outra. E, portanto, ela
não se aplicaria. Depois, ela confunde o direito de reagir contenciosamente, que é
indiscutivelmente um direito, com o direito substantivo para o qual esse direito de reagir
contenciosamente existe. São duas coisas diferentes, mas ela confunde um com o outro. E
depois confunde a relação jurídica processual com a relação jurídica substantiva porque a
relação substantiva parece que nasce quando surge a alusão, ou seja, quando o particular tem
o direito, o direito a ir a tribunal.

E o principal problema que o professor Mário Aroso ainda não resolveu, uma vez é
uma ou outra das alternativas é o de se saber quando surge o Direito. Porque pode-se dizer
que é quando surge a lusão ou pode-se dizer que é quando se inicia o processo. Se se diz que
é quando se inicia o processo, é a total confusão entre a função administrativa, entre a relação
administrativa e a relação processual. Se pelo contrário se diz que surge no lusão, aí
pergunta-se se então antes da lusão não há Direito? Não há uma posição jurídica protegida?
E, portanto, esta construção era interessante na altura enfim, achei que era uma boa
explicação diferente da lógia trinitária, que é um absurdo, mas enfim. A lógica trinitária diz
esta coisa perfeitamente ridícula.

O interesse legitimo é uma posição substantiva de vantagem. O particular é protegido,


mas é protegido indireta ou reflexamente pela ordem jurídica. Ou seja, é uma espécie de
distração do direito. O Direito distraiu-se, não queria proteger o particular, queria regular a
atuação da Administração, mas criou uma posição substantiva de vantagem. É um direito
criado por acaso, que resultou de um engano do legislador. Estava apenas a querer apenas
legislar o funcionamento da administração e protegeu o particular. Isto é um absurdo, não faz
qualquer sentido. O ato de proteção jurídica substantiva ou não há. Agora, esta ideia de um
direito que nasce por acaso do engano do legislador é algo que é insustentável nos nossos
dias. E depois há uma terceira posição que eu tenho defendido e que agora se vai
generalizando, não apenas nos meus alunos, nos meus seguidores mas também noutras
pessoas, por exemplo o professor Vieira de andrade aderiu recentemente a esta teoria que é
baseada na teoria da norma de proteção, essa sim alemã que tem uma longa história que vem
dos finais do século XIX até ao princípio do século XX, e que é uma explicação comum,
tanto ao Direito Público como ao Direito Privado, que é no fundo a explicação que conduz à
teoria do direito subjetivo que os senhores estudaram provavelmente aqui nesta casa.

O professor Menezes Cordeiro adota uma perspetiva similar, quando fala na


permissão normativa de aproveitamento de um bem, é esta a logica da teoria da norma de
proteção que está em causa, mas no quadro do Direito Público a teoria da norma de proteção
vem dizer que sempre que uma norma regule algo que é em benefício do particular isto é um
direito subjetivo. E que no atual Estado de direito todas as regulações por parte da
Administração correspondem a direito subjetivos. Porque esses poderes da Administração
existem no quadro de uma relação jurídica. No fundo, é o direito potestativo que a
Administração tem em relação ao particular. O poder da Administração é um poder
potestativo. É um direito de produzir efeitos na esfera jurídica de outrem. Não tem nada de
aberrante no ponto de vista jurídico, não tem privilégios habilitantes, não tem nenhum desses
disparates que tinham sido defendidos no passado.

E, portanto, estamos perante uma situação em que o particular é protegido. É


protegido diretamente por uma norma. Uma norma que cria uma posição substantiva de
vantagem, senão não faz sentido falar em posição substantiva que não é querida pelo
ordenamento. O ordenamento quer é proteger o particular ao estabelece rum dever da
administração, ao estabelecer uma regra de comportamento relacional no quadro de uma
relação jurídica substantiva. E portanto aqui o que é essencial, enfim, a teoria da norma de
proteção passou pro vários momentos desde que foi criada nos finais do século XIX até aos
nossos dias, passando por uma fase de Otto Bahof, que compatibilizou com o Estado
Democrático e de Direito que tinha se teorizado ainda nos tempos do Estado Liberal, depois
Warbut Bauer (?) já nos anos 90 faz uma reformulação na doutrina e o que aqui está é uma
tentativa de explicar um direito em razão da proteção da norma. A norma que existe para
proteger o particular é uma norma que atribui uma posição substantiva de vantagem e,
portanto, esta norma permite ir a tribunal. Permite o tal direito reativo de que falava a outra
teoria de Garcie de Enterie (?) que no fundo vai buscar apenas o último ponto, o último
momento em que há um direito autónomo, mas esquece que antes de haver o direito de reagir
já há um direito, uma situação protegida do particular em face da Administração.

E por isso, das minhas perspetivas, aquilo que varia no quadro da ordem jurídica, se
pensarmos na lógica trinitária é o modo como a ordem jurídica atribui a um particular a
proteção. Porque a ordem jurídica pode dizer que cria um direito a favor de fulano tal, e aí
ninguém tem dúvidas, toda a gente diz que é um direito subjetivo. Se a ordem jurídica disser
que os funcionários públicos têm direito a salario, os servidores do Estado têm direito a
salário, para usar a expressão dos dias de hoje, se dizer que o servido do Estado ao fim de 40
anos de serviço e mais de 60 anos de idade tem direito à reforma aí ninguém tem problemas
em dizer que é um direito subjetivo. Já se a norma atribuir um dever, aí a doutrina trinitária
fala num interesse legitimo, só que um dever da administração no interesse do particular
significa que o particular tem um direito, um direito a uma conduta da Administração.

E aqui o conteúdo do direito é o conteúdo do dever não é, o particular tem tantos


direitos quanto os deveres da Administração, quanto as condutas devidas da administração.
Para pegar no exemplo do professor Freitas do Amaral, para distinguir o direito subjetivo do
interesse legitimo, ele usa por um lado um daqueles direitos da Função Pública, o direito de
ser promovido de tantos em tantos anos, a lei dizia que era um direito e que não havia
problema, e no interesse legitimo ele fala num concurso para professor catedrático, não sei
como ele se foi lembrar desse exemplo, um concurso para professor catedrático em que havia
já não me lembro, se um ou dois candidatos. Vamos pensar no concurso, havia três
candidatos ao cargo e o professor Freitas do Amaral dizia que cada um dos concorrentes ao
concurso tinha interesse legitimo até ao momento em que havia uma decisão. Só aí é que
havia um direito, um direito ao cargo para quem ganhasse o concurso. Ora isto aprece-me
uma visão errada do que se está a passar, o que se passa ao longo do procedimento, ou seja,
desde que o particular decidiu participar no concurso e apresentou os papeis, apresentou-se ao
procedimento, o particular tem o direito a ser considerado no procedimento. E depois tem
todos os direitos correspondentes aos deveres da Administração.
A Administração tem de analisar todas as propostas em condições de igualdade, tudo
isto são direitos. Direito ao tratamento igual, direito a uma logica equitativa direito a que as
decisões sejam fundamentadas, tudo isto corresponde a um direito. Se há um dever da
administração, o correlato deste dever é um direito do particular. E, portanto, aquilo que o
professor Freitas do Amaral chama de interesses legítimos são direitos do particular que
correspondem a uma proteção direta e expressa da ordem jurídica para o particular que está
naquelas circunstâncias. E depois dizia o professor Freitas do Amaral, só depois de haver a
decisão final, dos candidatos terem sidos qualificados e de um deles ter sido qualificado em
primeiro lugar havendo apenas uma vaga, só esse é que tem direito ao cargo. Enfim, o direito
ao cargo é o último direito que existe, mas antes dele há todo um conjunto de direitos que o
particular foi tendo ao longo do procedimento e que não devem ser volubilados (?) para o
aquele direito a obter o cargo.

Se quiserem, enfim, numa comparação que não é muito rigorosa mas ajuda a perceber,
o direito ao cargo é uma espécie de direito de propriedade de alguém que por chegar ao fim
do processo tem direito a ocupar o cargo, mas ate la chegar tem uma série de direitos reais
menores não é, que não deixam de ser direitos por causa disso, que têm como conteúdo o
dever da administração naquele momento perante o particular. A administração tem em
primeiro lugar que verificar se os candidatos têm as condições, todos os que têm as condições
têm o direito de passar à fase seguinte. Depois há um procedimento em que o júri se reúne,
analisa os candidatos, valoriza, estabelece uma qualificação, tem que fundamenta esta
qualificação, tudo isto corresponde a direitos, cada um dos deveres da atuação da
administração corresponde a um direito do particular. E depois há um direito de conteúdo
maior em relação àquele que ganha o concurso. Mas aqueles que foram preteridos, se acham
que foram preteridos por qualquer razão ilegal, têm o direito de irem a tribunal para
defenderem os seus direitos que entendem que foram violados no quadro daquele
comportamento.

Portanto, a logica do direito administrativo era a de concentrar num único direito


todas as coisas e esquecer-se que ao longo do comportamento da administração há uma série
de deveres sue estão pré-determinados na lei e esses deveres correspondem cada um deles a
um direito. A única diferença entre direito subjetivo e interesse legitimo tem a ver com o
modo como a norma está concebida. Se a norma diz atribuo um direito, é um direito, a norma
que cria um dever também cria um direito. É a mesma coisa se olharmos para o Código Civil,
que a norma diga que o comprador tem o direto à entrega da coisa é a mesma coisa que dizer
que o comprador tem o dever de entregar a coisa. Um dever de alguém no interesse de outrem
é um direito subjetivo. E, portanto, não há, do ponto de vista jurídico, nenhuma distinção
entre os direitos subjetivos e os interesses legítimos. E o mesmo se diga dos interesses
difusos. E aqui ainda há um argumento mais importante, porque a maior parte do chamados
interesses difusos correspondem a direitos fundamentais. Os direitos fundamentais da terceira
geração.

Os direitos fundamentais em relação a novos comportamentos, o ambiente, a


qualidade de vida, o consumo, a habitação, são direitos de conteúdo amplo. E aqui nem
sequer se pode dizer como em relação aos interesses legítimos, que o legislador não lhes
chama direitos porque a constituição fala em direitos fundamentais. Agora, é curioso que
apesar do legislador falar em direitos fundamentais, a doutrina portuguesa em geral e aqui
talvez ainda mais generalizado do que em relação aos interesses legítimos, vem dizer bem
não é bem um direito porque não protege o particular, protege todos. O problema não é
proteger todos, uma norma protege sempre todos, todos aqueles que se colocam no âmbito de
aplicação, não é por haver muitos sujeitos que deixa de haver direitos, enfim, a liberdade de
expressão é um direito de cada um apesar de ser um direito de todos. Não é por ser um direito
de muitos ou de todos que não há uma dimensão subjetiva.

E no caso dos vários como o ambiente ou a qualidade de vida ou outros do género, e


em Portugal tem havido alguma teorização sobretudo em relação ao Direito do Ambiente, em
dizer-se que o ambiente é um bem objetivo, é um bem que vale por si e, portanto, não pode
ser apropriável. Ninguém se quer apropriar do direito, a apropriação não é do ambiente no
seu todo. Eu sou dono do ambiente, digo, ninguém diria uma coisa destas não é. Agora, o
bem ambiente é que pode ser aproveitado individualmente por cada uma das pessoas e tem o
direito a fruí-lo em termos individuais. E esse direito à fruição implica que haja deveres da
Administração em relação à qualidade das águas, em relação ao ruido, em relação à poluição
atmosférica, e tudo isso corresponde a direitos que se integram nos direitos subjetivos em
matéria de ambiente e que se podem reconduzir ao grande direito fundamental ambiente que
a Constituição estabelece. Porque uma coisa é a proteção objetiva de um bem, e o bem
ambiente é um bem objetivamente protegido, e outra coisa é o aproveitamento subjetivo
desse bem que é um bem de todos, um bem comum. E a permissão normativa de
aproveitamento de um bem tanto existe em relação a um bem de todos como a bens
individuais, não há nenhuma razão por se tratar de um bem que também tem uma
componente coletiva, que não possa haver em relação a esses bem direitos subjetivos.
Não há nenhuma razão para uma construção desse género. E, portanto, com todo o
respeito, estamos perante verdadeiros direitos. Ora bem, esta conceção ampla tem como
consequência no direito alemão que a legitimidade esteja toda construída em termos jurídicos
subjetivos. Porque no fundo, o particular tendo um direito que corresponde a uma posição da
administração, isso significa que sempre que há uma ilegalidade também há uma violação do
direito.

E portanto, uma noção ampla como esta de uma teoria subjetiva do posicionamento do
particular em face da Administração, que em ultima análise decorre dos direitos
fundamentais, é a constituição que diz que o particular é o sujeito de direito, que o poder se
baseia na dignidade da pessoa humana, que introduz esta dimensão subjetiva e isso aconteceu
também depois da constitucionalização do Direito Administrativo, e que portanto, implicou a
lógica da relação jurídica administrativa porque tradicionalmente, o particular era um súbdito
do Direito, é a expressão de Otto Mayer, o objeto do poder. É como dizem ainda a doutrina e
a lei em Portugal, que é uma coisa que a mim me faz pele de galinha, dizer administrado,
administrado uma ova! O particular não é administrado coisa nenhuma. O particular é um
sujeito de direito que estabelece uma relação com a Administração. o administrado é um
objeto, é alguém que não tem nenhuma autonomia em face da Administração. Mas dizia eu
que a noção ampla de direito subjetivo levou a que, por exemplo, no Direito alemão, se
entenda que ela esgota toda a legitimidade. Porque adotando esta noção ampla de direito
subjetivo, o resultado é que havendo uma ilegalidade em relação do sujeito particular, essa
ilegalidade pode ser controlada pelo tribunal.

E, portanto, há uma relação entre a tutela dos direitos e o controlo da legalidade da


administração. Em Portugal, quando se fez a reforma, apesar de se ter adotado uma nova
filosofia à cerca da titularidade de posições de vantagem, e apesar de aparentemente se ter
regulado um regime que se baseia num direito, e a prova de que isso é assim é que a
Constituição consagra nos artigos 268º/nº4 e 5 dois direitos fundamentais, ou um direito
fundamental, enfim não é mais barato por ser à dupla ou à dúzia, enfim, há um direito
fundamental de acesso à justiça administrativa. Havendo esse direito fundamental, há aqui
uma lógica que é basicamente subjetiva. O que faz com que o contencioso assente sobretudo
na tutela de direito. Mas o legislador entendeu, e também não vem mal nenhum de que tenha
feito, que havia uma tradição em Portugal de uma tutela também objetiva da ordem jurídica.
Que o legislador também poderia prever a titularidade para a defesa da legalidade e do
interesse público. E por isso o legislador, para além de regular no artigo 9º/1 a legitimidade
jurídico-subjetiva, também regulou no nº 2 a legitimidade em termos objetivos para defesa da
legalidade e do interesse público. E aqui o legislador veio identificar em primeiro lugar a
ação pública que é também uma realidade original do direito português, que surgiu ainda no
inicio do século XX ou até não sei se nos finais do século XIX e que não existe nos outros
países, e é muito curioso que tenha existido em Portugal porque nos outros países o que se
dizia é como o contencioso administrativo era objetivo, e não havia partes, também não era
preciso haver Ministério Público.

Porque tudo se destinava à tutela da defesa da legalidade e isso fez com que em
França não haja Ministério Público no contencioso administrativo e o meso podemos dizer de
outros países europeus, Alemanha e tudo mais. Mas em Portugal, entendeu-se que o
ministério público enquanto defensor dos órfãos e das viúvas, também devia ser chamado a
intervir para proteger o interesse público. Nesta logica de uma proteção de segundo nível,
uma proteção acrescida, não vem mal nenhum ao mundo que o ministério público goze deste
poder. E até se pode dizer que em determinados domínios esse poder é importante. há
situações em que por exemplo, pensando no quadro do funcionamento dos serviços públicos,
os utentes podem usar do direito à ação para se queixarem da qualidade do serviço publico.

Mas o ministério público tratando-se de um interesse de uma multiplicidade de


cidadãos, descobrindo uma ilegalidade deve poder atuar. Não há nenhum problema em que
isso acontece. Agora se ele atuar, tem de atuar como uma parte. E, portanto, o ministério
público tal como o ato a regular, na nossa ordem jurídica se pro um lado também tem
legitimidade, coisa que não acontece no direito alemão e noutros países, nomeadamente o
francês, o ministério público, o ato a regular atuam como partes, e são partes no processo. De
resto, houve naquele momento de europeização um conflito entre Portugal e o tribunal de
justiça da união europeia, porque o tribunal de justiça da união europeia condenou o estado
português por não tratar o ministério publico como uma parte. O ministério publico era parte,
mas também era interveniente na decisão do julgamento. E o tribunal de justiça condenou o
Estado português dizendo que o ministério publico devia ser só uma parte. E de resto foi isso
que fez esta reforma de 2002/2004.

O ministério publico alem de fazer um parecer no final, o ministério público atua


como uma parte, pode ser ele a iniciar um processo ou a continuar o processo depois de um
particular desistir, quando se trate de um direito indisponível, quando haja uma ilegalidade de
tal maneira grave que isso cause problemas e tudo mais. E, portanto, o ministério publico
aqui tem algum papel. Este papel na nossa ordem jurídica não é muito grande. Ou melhor, é
grande do ponto de vista legislativo, na prática quase não existe. Durante muito tempo o
ministério público não usava nunca da ação pública. Se eu vos dizer que até 2000, houve um
levantamento de todos os casos do contencioso administrativo, sabem quantos processos
houve até 2000 intentados pelo ministério público? Zero. E, portanto, apesar de em Portugal
teoricamente o ministério público usar da ação publica, o ministério publico nunca usou da
ação publica. O que também parece algo de desleixo. Ah ah. Porque mesmo sem considerar
que a tutela e a proteção dos particulares se façam por essa via, há uma dimensão objetiva de
tutela da legalidade que passa pela ação do ministério público. Devo dizer que depois da
reforma algo mudou, mas não muito. O ministério publico passou a intervir nos domínios do
urbanismo, designadamente pedindo a condenação dos municípios pela falta do PDM, que é
obrigatório.

É uma atuação que faz sentido, uma atuação que podendo ter uma dimensão subjetiva,
é importante sobretudo do ponto de vista objetivo de tutela da legalidade e do interesse
publico, e neste domínio, tanto do urbanismo e do ambiente, acho que seria aconselhável que
o ministério público atuasse um bocadinho mais. Já que ele na nossa ordem jurídica tem este
poder de atuação, acho que faz sentido. Agora o que não faria sentido e a subversão do
processo, é se o ministério público se substituísse aos particulares e fosse ele o único titular
da legitimidade processual, como acontece por exemplo no Brasil. No Brasil os particulares
queixam-se ao ministério público e quem intenta a ação é o ministério público, não são os
particulares e portanto isto criou uma realidade completamente distorcida no direito brasileiro
que faz com que do ponto de vista teórico, por exemplo, lembro que o Rebler (?) a primeira
vez que foi ao Brasil viu isso na lei mostrado e disse “meus caros, estão a subverter o Estado
de Direito”.

E realmente é verdade, o ministério público não pode ser o único titular da ação e
ainda por cima da ação administrativa. Se no direito penal ele pode ter o papel privilegiado,
no direito civil tal como no direito administrativo ele não deve ter. mas também não fazer
nada e não fazer alguma coisa, enfim, pode haver aqui um meio caminho, e da minha
perspetiva sendo certo que eu entendo que a dimensão essencial da ordem jurídica é jurídico-
subjetiva, o que decorre do artigo 9º/1 e decorre do 268º/4 e 5, também acho que a título
complementar que o ministério publico tem um papel a desempenhar e já que tem um papel a
desempenhar, pode desempenha-lo para a defesa da legalidade e do interesse público. E o
mesmo se diga do autor popular, o autor popular atua para defesa da legalidade e do interesse
público, e ao atuar para a defesa da legalidade e do interesse público o autor popular também
tem um papel em relação a situações de interesse publico que gerem uma ilegalidade que é
suscetível de originar lesões nos direitos dos particulares mas que também pode ser tutelada
através da ação popular. O problema, no entanto, é a formulação que o artigo 9º/2 adotou para
este poder da ação popular tal como o tinha feito na lei da ação popular, alias, usou
exatamente as mesmas expressões. É que quando se fez a lei da ação popular, ainda antes da
reforma, tomou-se por modelo o Brasil. Em vez de ser vamos adotar o sistema brasileiro, só
que aquilo que se instituiu não tem nada a ver com o que existe no Brasil. Ah ah ah. E com
aquilo que foi criado em Portugal. Desde logo, no brasil há duas áreas de ações que só podem
ser dois processos que só podem ser intentados um pelo ministério publico e outro pelo autor
popular. E, portanto, há uma forma de processo autónoma, e só essa que poe ter ou não uma
dimensão de natureza administrativa.

Em Portugal o que o legislador fez, quando fez a lei da ação popular, foi alargar a
legitimidade em todos os processos não é criar um processo próprio, mas é alagar a
legitimidade em todos os processos. E ao alargar a legitimidade de todos os processos, aquilo
que já se dizia na lei de ação popular e que se pede no artigo 9º/2 é algo que permite
confundir a ação popular com a ação jurídico-subjetiva. Porque o que se diz é o seguinte,
intervir em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens
constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o
ordenamento do território, a qualidade de vida, o património do estado, os bens do estado, das
regiões autónomas e autarquias locais, desde logo, isto corresponde aos tais direitos
fundamentais que podiam originar os tais interesses difusos ou os direitos subjetivos, segundo
a minha perspetiva. E acrescenta assim como para promover a execução das correspondes
decisões jurisdicionais. Ora bem, se olharmos de uma forma linear e imediata, uma
interpretação tao literal para este numero 2, há uma sobreposição entre a legitimidade que se
atribui ao autor popular e aquela que se atribui no nº1 ao titular de direitos ou interesses
legalmente protegido, ou titular de direitos subjetivos em sentido amplo. Isto não faz sentido.
Não faz sentido no direito português em que a legitimidade é basicamente subjetiva como
decorre da Constituição. E, portanto, se isto não faz sentido, há que introduzir aqui uma
limitação que permita distinguir uma da outra, o nº1 do nº2. E aquilo que eu tenho defendido
e que curiosamente é aquilo que também defende o professor Sérvulo Correia, depois ele
defendeu essa posição ainda em fase (??), é que preciso pegar no início da formulação do nº2
que diz que independentemente de ter interesse direito na demanda, e ler este
independentemente no sentido de significar quando não haja interesse direto na demanda.

Porque se há interesse direto na demanda e estamos no caso de defesa de bens e


valores constitucionalmente protegidos, ou seja, direitos fundamentais, isto é exatamente
igual, embora mais restrito, ao que está no art.º. 9º/1. E para distinguir um do outro, é preciso
que esta norma relativa à ação popular seja uma norma quando não haja interesse direito na
demanda. Quando alguém, pensando no exemplo de há pouco, no tempo de serviço público,
alguém que não anda de metro nem na carris, quer contestar o contrato, só o poderá fazer se
houver uma razão de ilegalidade que o leva a atuar. O António, cidadão de Lisboa quando
parou as obras do metro, atuava enquanto cidadão de lisboa que não andava no metro, andava
de carro. E, portanto, não tinha interesse direito na demanda. Não era utente do metro. E
portanto, ele atuava para defesa da legalidade e do interesse público. Agora, se eu fosse
utente do metro, eu não usaria ação popular. Eu usaria o seu direito que esta a ser usado no
quadro daquela relação jurídica. E o modo como a norma está construída, precisamente
porque houve a influência do Brasil em que era uma ação própria, não era um alargamento da
legitimidade, fazia com que houvesse uma zona de sobreposição entre a previsão da ação
popular e a previsão da ação jurídica-subjetiva, e portanto, obriga a uma interpretação
corretiva, dizendo que isto só é assim quando o ministério público e o particular ou uma
associação atua para defesa da legalidade e do interesse publico. E isto ainda pode ser mais
difícil, ou mais fácil, se pensarmos em associações. Porque isto tanto existe para particulares
como associações. Mas arranjemos este exemplo, a associação de moradores, ou a associação
para defesa do ambiente, a ONGA, organização não governamental em Freixo de Espada À
Cinta, que é uma associação de interesse local, goza de interesse direto para defesa do
ambiente em Freixo de Espada À Cinta, porque ela tem os seus estatutos, direitos subjetivos a
proteger o ambiente em Freixo de Espada À Cinta, mas ela pode associar-se à associações de
defesa do ambiente nacional, à QUERCUS ou à associação do ambiente de Lisboa ou do
Sado ou do sul de Portugal para a defesa da legalidade e interesse publico em questão
ambiental. Se esta em causa os seus direitos subjetivos que estão nos estatutos, ela atua para
defesa de direitos próprios. Se ela atua apenas para defesa da legalidade e de interesse
público, então ela pode atuar como autor popular.

Há aqui uma realidade que depende do facto de ter interesse direto ou não na
demanda. Ou seja, para que isso possa fazer sentido, porque senão temos a indistinção, enfim,
mesmo os processualistas criam aqui alguma confusão. Precisamente por não serem
administrativistas. Se lermos o que diz o professor Lebre de Freitas e o que diz aqui em
lisboa, como se chama o vosso professor? De processo? Que eu estou com uma branca, estou
a vê-lo à minha frente, mas… Miguel. Diga lá o último nome. Teixeira de Sousa. O professor
Miguel Teixeira de Sousa, isto é uma branca imperdoável. Se lerem o que diz o professor
Miguel Teixeira de Sousa, ele preocupa-se apenas com a dimensão processual, e por causa
disso não distingue entre uma e outra. Ora, não distinguir entre uma e outra significa
inutilizar as duas, não há nenhum critério distintivo. E depois há regras diferentes quanto às
custas do processo, quanto ao modo de funcionamento da ação, e, portanto, há dois regimes
diferentes. Não se podem confundir as duas. E portanto a única forma de não confundir é
adotar uma versão restritiva deste numero 2, tendo em conta a totalidade da ordem jurídica, o
modo como está formulado o artigo 9º/1, a totalidade da ordem jurídica, e esta dimensão
auxiliar complementar da ação pública e da ação popular, e a razão disso, dizer que ela existe
em relação a casos em que não há interesse direto na demanda. E esses casos são muito
reduzidos. Lá está, por um lado era possível dispensar a ação publica, mesmo em Portugal
quando ela existe os casos são muito resumidos.

Em Portugal o último caso famoso, foi efetivamente o do António, cidadão de lisboa


que se resolveu através do senhor ter sido nomeado, eleito para vereador da Câmara
Municipal, acabaram-se as ações públicas. Tirando isso não há mais ações públicas. São
raríssimos casos, quanto muito existem em termos limitados e no âmbito e determinados
processos autárquicos, mas em regra as pessoas quando vão a tribunal é para defender o
interesse próprio. Vão defender um direito que foi lesado. Ir a tribunal para apenas salvar o
mundo é uma coisa muito bonita que deve ser muito louvada, mas é uma coisa restrita. Não
faz sentido como por vezes encontramos escritos nalguns autores de direito administrativo,
que se considere que esta ação popular substitui esta ação jurídico-subjetiva. Não só não
substitui de facto, como em termos jurídicos o processo é concebido como um processo de
partes para a tutela de direito subjetivo. E, portanto, o que é preciso é alagar a noção de
direito subjetivo. Não é de criar uma noção cada vez mais restrita para aumentar a ação
popular.

Qual é a lógica das conceções restritivas? Pensando no quadro do direito do ambiente.


Acontece que os autores que defendem a ideia dos interesses difusos veem defender como
instrumento da ação popular. Enquanto que havendo um direito subjetivo, o instrumento
adequado é a ação jurídico-subjetiva. Mas ao defenderem isto, também não encontram
olhando para a pratica do funcionamento dos tribunais, não encontram uma aceitação desta
ideia porque as pessoas quando vão a juízo é em regra porque foram demitidas, porque não
têm p direito, porque lhes foi negado lugar na função pública, ou seja, vão a juízo para tutelar
direitos como em qualquer outro processo. Também haverá os defensores da legalidade do
interesse público, como existem em todos os domínios, mas não é neles que assenta a logica
do processo. Eles têm uma função autónoma, uma função complementar. Ficamos por aqui.
Para a semana, para a semana não, quarta feira acabamos os sujeitos.

Aula 23/10/19

Ora muito bem, vamos voltar ao trabalho e estávamos a analisar o problema dos
sujeitos no quadro do processo administrativa. Tínhamos na aula passada analisado a posição
dos particulares que no quadro do novo sucesso administrativo são sujeitos de direito numa
posição de igualdade com os demais, com a administração e com os outros sujeitos que
eventualmente intervenham no processo administrativo, e os particulares que são
identificados pela titularidade de direitos nas relações jurídicas subjetivas. E expliquei-vos
que na minha perspetiva o está em causa é um conceito amplo de direitos subjetivos nascido
da posição constitucional do particular em face à administração, e, portanto, no quadro da
teoria da norma de proteção, de algo diferente do posicionamento trinitário e do
posicionamento do direito reativo há uma posição substantiva de vantagem que se manifesta
em todas as normas que atribuem direitos aos particulares seja através da menção expressa
dos direitos, quer seja através do estabelecimento de deveres da administração ou da
regulação de bens públicos em relação aos quais se prevê um aproveitamento individual.

E se há, portanto, uma ação jurídica ou subjetiva que marca a essência do contencioso
administrativo e, que, de resto, está coberta pela previsão constitucional do art.268º/4 e 5
CRP, corresponde a um direito fundamental de acesso à justiça administrativa. Há também
uma legitimidade para defesa da legalidade e interesse público que na nossa ordem jurídica
assume a dimensão de uma parte e nos termos do nº2 do art.9º prevê a ação pública a cargo
do Ministério Publico, e a ação popular a cargo do particular. E para resolver alguma
sobreposição entre a ação para defesa de direitos e a ação popular eu disse-vos que defendo
uma interpretação corretiva deste nº2 do art.9º no sentido de dizer que só há ação popular
quando não há interesse direito na demanda, se houver interesse direito na demanda há ação
jurídico-subjetiva.
Quanto à legitimidade passiva o legislador regula-a no art.10º aqui eu tenho, enfim,
uma posição favorável ao que se diz no nº1, mas discordo quase completamente do que se diz
nos nºs seguintes, porque houve boas intenções mas a solução parece-me um pouco duvidosa.
A regra do nº1 é também a regra da qualidade de partes na relação substantiva, e, portanto,
quem se opõe ao titular de direitos, quem se opõe a quem invoca a ação, seja um particular,
ou seja uma autoridade pública intervém no processo é parte legitima desde que haja interesse
direito, e depois o legislador, cai, quanto a mim, num conjunto de contradições que procurou
resolver um bocadinho na revisão de 2015, na reforminha de 2015, mesmo se não alterou
grande coisa. O que é que está aqui em causa, está aqui em causa determinar quem é que é o
sujeito da relação passiva quando está em causa a administração pública, e, a questão que se
coloca, é de saber quem é que vai a juízo representar a administração, se é o autor do ato, se é
quem o praticou, ou é o autor quem celebrou o contrato, se é quem praticou a atuação
administrativa, como da minha perspetiva seria a solução mais adequada ou, se, pelo
contrário, em termos similares ao processo civil, a pessoa coletiva na qual se insere esse
órgão. O legislador optou por consagrar um critério geral dizendo que, similar ao direito
privado, dizendo que quem está em juízo é em princípio a pessoa coletiva. Só que fez tantas
exceções a esta regra que o que resulta das normas deste art.10º e das normas seguintes, é que
há tantas regras como exceções e, portanto, na prática tanto está em juízo o autor do ato,
como a pessoa jurídica na qual ele se insere e, portanto, pode haver como de resto se diz no
nº4 do art.10º tanto faz chamar um como outro, tanto faz chamar a juízo a entidade na qual se
insere o órgão, como o órgão.

O propósito aqui era bem-intencionado, o legislador dizia, enfim, expliquei isso na


exposição de motivos, que queria adotar uma construção subjetivista, e, portanto, inspirou-se
no processo civil, e diz quem está em juízo é a pessoa coletiva. Só que isto se vale para o
processo civil e para o direito privado, mesmo assim já com algumas dúvidas em relação ao
direito comercial, isto não pode valer para o direito administrativo, o legislador ao estabelecer
esta norma não fez caso, não percebeu, não entendeu as especificidades do direito
administrativo.

O direito administrativo foi desde o início concebido para considerar como sujeitos
aqueles que tomavam uma posição, ou seja, os órgãos, as pessoas coletivas, podemos depois
ver se a expressão órgãos é bem ou mal utilizada, já vamos a seguir ver isso, mas a expressão
tradicional é essa, aqueles que tomam uma decisão, esta era por causa da tradição uma
tradição do direito português, de resto o direito português sempre que fala do direito
administrativo atribui competências aos órgãos, é isso que faz a CRP, ao atribuir competência
aos órgãos, é isso que faz o código do procedimento administrativo, é isso que faz este
próprio código, embora que contraditoriamente diga que o critério geral é o da pessoa
coletiva e portanto há uma tradição que faz sentido no direito administrativo que sejam os
órgão a ter capacidade para atuar m todos os níveis, e portanto também ao nível do
contencioso, porque se o contencioso é verdadeiramente subjetivo quem deve estar a
defender a sua atuação, para mostrar que é a mais adequada, que fez uma boa interpretação da
lei, foi quem praticou o ato, se estamos a falar de um ato praticado pelo direito da repartição
das finanças de freixo-espada-à-cinta não faz sentido ter no tribunal o Ministério das
Finanças ou o Estado representado pela presidência do conselho de ministros, não foram eles
que praticaram o ato, não sei as condições do ato, não estão em condições de defender, numa
logica jurídica-subjetiva, a dimensão desse ato, e explica-lo e tirar dele todas as
consequências, esse ato tem um responsável.

Chamar a pessoa coletiva é uma má solução, da minha perspetiva, não tem em conta
várias realidades do direito administrativo, não tem em conta a complexidade que é hoje a
administração pública, em que há uma multiplicidade de pessoas de sujeitos personalizados,
uns personalizados pelo direito publico e outros pelo direito privado, basta pensar que as
empresas públicas são privadas, do ponto de vista da organização, privadas do ponto de vista
da atuação, privadas porque se constituem de acordo com o Código Comercial, e portanto,
são privadas mesmo se realizam a função administrativa. E depois há numerosos órgãos
independentes, basta pensar em todas as agências todas as entidade administrativas
independentes, para a comunicação social, para a concorrência, para o setor bancário, são
tudo órgãos que não tem personalidade jurídica, não se integram em nenhuma pessoa
coletiva, tal como o procurador geral da república, e, portanto ,a realidade dos dias de hoje,
não se encaixa, e se calhar nunca se encaixou, porque a noção de sujeito jurídico surgiu
depois da teorização dos órgãos, é uma realidade do século XX que nunca foi levada até às
últimas consequências pela doutrina, depois, também não faz sentido chamar a pessoa
coletiva e não o órgão, porque no quadro do direito administrativo cada órgão toma um a
posição e cada órgãos está submetido ao princípio da legalidade, diferentemente do que se
passa no direito privado, em que há relações entre sujeitos, no direito administrativo há
relações entre órgãos, órgãos da mesma pessoa coletiva e órgãos de pessoas coletivas
diferentes.
E, portanto, este código diz e muito bem que pode haver conflitos entre pessoas
coletivas do mesmo órgãos, é uma exceção à ideia da pessoa coletiva, não faz sentido porque
no direito privado há uma lógica de liberdade de autonomia da vontade e, portanto, aquilo
que se passa tem a ver com as relações entre os sujeitos, aquilo que vai na cabeça do sujeito
não é relevante. Mesmo assim, no Direito Privado, se pensarmos no Direito Comercial e no
Direito das Sociedades, a moderna orientação vai no sentido do peeping tom, de levantar a
saia da pessoa coletiva para poder espreitar o que está lá por baixo. Nas sociedades
comerciais se é tomada uma decisão já se adota uma lógica muito próxima do direito
administrativo que é ver como a decisão foi elaborada, quem está por trás dela, qual é a
maioria… ou seja, a lógica do peeping tom de levantar as vestes para ver quem foi a pessoa
que praticou o ato.

Ora no direito administrativo, como tudo é regulado pelo direito administrativo os


órgãos atuam segundo a lei, e há relações entre os órgãos que podem gerar litígios
administrativos, e, portanto, também esses litígios passam-se entre órgãos, não entre pessoas
coletivas.

E para além disso também, a boa doutrina no quadro de direito administrativo, temos
que incluir também o Professor Marcelo Caetano porque adotou esta lógica, nunca
considerou que no seio da administração não houvesse relações jurídicas, como dizia
Ottomayer, como dizia uma certa corrente tradicional do direito administrativo do século
XIX, a ideia de que no seio da administração há relações especiais do poder, não há relações
administrativas, e se não há relações administrativas, não há princípio da legalidade, não há
direitos fundamentais, e não havendo nem uma coisa nem outra, não há litígios jurídicos. Isto
é um disparate. De acordo com as teorias das relação especial de poder os senhores estão
subordinados ao meu poder autoritário, então eu posso decidir de forma autoritária sobre o
que os senhores fazem, e os senhores estão limitados enquanto estão aqui na sala de aula,
porque é uma das relações especiais de poder, a relação professor/aluno, como a relação
médico/doente, como a relação preso/autoridade policial, a relação estado/funcionário,
entidade pública/servidor público. Isto não faz sentido absolutamente nenhum. Estas relações
entre os professores e os alunos têm regras próprias mas são relação jurídica, eu não posso
mandar-vos ir comprar uma pizza porque estou com fome, não posso decidir quem se junta
com quem, quem faz o grupo x, y, z, quem estuda desta maneira ou de outro, quem casa com
quem, para usar o exemplo máximo da sociedade totalitária de Platão, é óbvio que isto não
faz sentido.
É óbvio que no quadro da administração as relações mesmo ditas internas têm uma
relação externa, todas as relações são externas, e, portanto, todas elas são reguladas pelo
princípio da legalidade, todas elas estão submetidas aos direitos fundamentais. A lógica do
direito privado não vale para o direito administrativo.

Como resolver isto é um problema complicado, e eu diria que o legislador em 2015


mostrou que quis compreender um bocadinho melhor o direito administrativo, e pelo
acrescento do art.8º-A veio aqui introduzir a possibilidade de alguma distinção, indo ao
encontro de algumas críticas que eu tinha feito, que a Professor Alexandra Leitão fez, e que
outros colegas também fizeram aqui na faculdade ou fora dela, a Professora Maria da Glória
Garcia, o Professor Vieira de Andrade também em parte, críticas a esta lógica do órgão. É
que há basicamente duas orientações quanto ao modo de entender a relação entre o órgão e a
pessoa coletiva, ou não entender essa relação. No direito italiano há a solução mais radical
que é dizer: isto é um disparate, não há pessoas coletivas nem órgãos, temos de criar uma
lógica automativa porque não há uma relação direita e imediata entre o órgão e a pessoa
coletiva, são conceitos inventados no início do século XX que não fazem mais sentido nos
dias de hoje.

Eu acho que os Italianos são fantásticos na crítica, o problema é depois a alternativa.


Eu concordo com todas as críticas que faz a doutrina italiana chamada “dessubjetivização” do
direito administrativo, neste sentido de não considerar pessoas coletivas públicas nem
privadas, de atender a esta lógica complexa da administração. Acho é que substituir tudo
pelos “serviçozinhos” ainda é pior do que continuar a falar em órgãos e pessoas coletivas.
Porque o serviço corresponde, tradicionalmente, a uma expressão que está generalizada dos
suportes fático para a realização das necessidades coletivas. É preciso haver um serviço, uma
realidade organizada, que permite que se realize no exercício da função administrativa
mesmo que haja um dirigente, enfim, e para pensar em mim, eu sou o presidente do GERI
(Gabinete de Erasmus e das Relações Internacionais) mas para exercer esta atividade há
funcionários, há uma funcionária que é secretária do Erasmus e há uma outra colaboradora, e
depois há estudantes que graciosamente colaboram connosco, há até uma bolsa social que
permite que haja dois estrangeiros a colaborar no exercício. Eles correspondem ao serviço.
As decisões são da responsabilidade do órgão, as decisões são da minha responsabilidade,
mas quem prepara as decisões, quem as executa, são os serviços. Então substituir os órgãos
pelos serviços parece-me uma má ideia. Mesmo que concorde com a crítica.
Se calhar a solução sobretudo se pensarmos num país como Portugal, e o art.8º-A está
a pensar nisso, é a de relativizar o conceito de pessoa coletiva em razão do órgão. Na doutrina
Alemã diz-se desde os anos 30 que a figura da pessoa coletiva no direito público é uma
espécie de figura artística, é um conceito artístico e cultural, que não é um conceito jurídico.
Fala-se em pessoa para dizer que há ali uma pessoa similar aos particulares, mas o que releva
não é a personalidade, mas a capacidade. E quem tem capacidade para atuar são os órgãos. E,
portanto, devem ser os órgãos a ser chamados para defender as suas próprias atuações, são os
órgãos que devem ser chamados a juízo, para se responsabilizarem para atuação que eles
próprios emitiram. E de alguma maneira esta visão Alemã que eu lembrava nas lições de
processo administrativo como lembrava também nos meus escritos de direito administrativo,
esta ideia de relativizar a personalidade jurídica em função da capacidade, parece que foi o
objetivo que levou o legislador a incluir este art.8º-A em que distingue a personalidade da
capacidade judiciária.

Ou seja, não resolveu o problema da contradição no art.10º, mas pôs aqui esta norma
que permite uma construção no quadro da lógica. Isto permite que havendo um critério, esse
critério tenha tantas exceções como a sua realidade, se não reparem, o que se diz logo no nº2:
“nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de
direito público”, o critério pessoa coletiva de direito público, mas a seguir acrescenta “salvo
nos processos contra ao Estado e regiões Autónomas.”, reparem Estado e regiões Autónomas
ficam fora do critério, nesse caso quem é responsável são os órgãos integrados nos respetivos
ministérios ou secretarias gerais, deve ser demandado o ministério ou a secretaria geral. Diz-
se também que a parte demandada é o ministério, mas diz-se que recai sobre o órgão
particular, ou seja, temos aqui uma forma que já está mais compromissória em 2015, do que
em 2002/2004 mas é uma forma que estabelece um critério, mas que determina
imediatamente as exceções, mas depois as exceções continuam, o nº3 é “diz-se que quando
está em causa, destituída de personalidade jurídica” portanto não há nenhuma pessoa coletiva
a chamar, não faz sentido chamar o Estado, “chama-se autor do ato”, depois diz-se que
quando haja cumulação de pedidos também se fala nas pessoas coletivas ou nos ministérios,
depois no nº10 fala-se em litígios entre órgãos da mesma pessoa coletiva, e, portanto, diz-se
no nº8 deste art.10º que a ação é proposta contra o órgão cuja conduta deu origem ao litigio.
Depois no art.9º diz que podem ser demandados os particulares ou concessionários, portanto
já não é a pessoa coletiva pública, são tantas exceções que faz lembrar aquela anedota, não
sei se os senhores já ouviram, mas se não ouvem agora, esta generalizada quando a gente
andava no liceu, que é: Qual é a semelhança entre o cão e o gato? Ambos miam exceto o cão,
ambos ladram exceto o gato; e, portanto, é um critério que não é critério, tem tantos buracos
que não funciona como critério.

Aliás o legislador também teve a inteligência de fazer isso, no art.10º/4 diz que tanto
faz, diz que o particular tanto pode demandar a pessoa coletiva como demandar o órgão, e é
igual ao litro. Isto é um não critério. Isto é um disparate. Mas o legislador achou que era uma
coisa muito bonita, o processo civil faz isso, no direito privado é assim, nós também
queremos ser subjetivistas vamos fazer o mesmo. Enfim, o processo administrativo é
diferente do processo civil, é processo sim, mas é um processo diferente e tem de ter em
conta as realidades do direito administrativo sob pena de chegar de gerar confusão. Apesar
desta contraditoriedade de critérios, eu diria que a boa solução no quadro de uma lógica
jurídico subjetiva é de chamar à demanda a entidade que praticou o ato, o órgão que praticou
o ato, que celebrou o contrato, que fez o regulamento, que interveio ativamente no quadro
daquela atividade jurídica administrativa, e apesar destas contradições do legislador, é isto
que está por detrás desta norma e eu leio a consagração deste art.8º-A como uma tentativa de
dar a mão à palmatória sem mudar os critérios e dizer realmente aqui tão relevante é a
personalidade como a capacidade e portanto, tanto pode estar em juízo um como o outro. Mas
não é o tanto pode, enfim, quem deveria estar, quem deve estar, em todos os casos é a
autoridade que praticou o ato, é ela que deve ser responsabilizada pelo ato que praticou.

Depois destas confusões manifestam-se também na regulação do que vem a seguir que
é a questão do patrocínio judiciário e das representações jurídicas. E aqui o legislador
também tem andado às voltas com esta ideia de patrocínio judiciário e vai arranjando
soluções compromissórias que não são adequadas, mas nunca vai mudando radicalmente as
coisas e, portanto, vai mantendo estas soluções à portuguesa. Mesmo agora na reforma de
2019 o legislador pegou nesta norma para continuar a dizer o mesmo, e, portanto, não se
percebe, quando há uma alteração da formulação, e se mantém o mesmo símbolo jurídico
para mim não faz muito sentido, mesmo se se altera um bocadinho e se melhore um
bocadinho, ou se mexe ou não se mexe, e, portanto, não faz sentido estas soluções meio
compromissórias.

O que é que está aqui, ora bem, é uma regra básica do processo que os sujeitos tenham
patrocínio, estejam representados por alguém licenciado em direito que os represente em
juízo. E a lógica tradicional no direito administrativo português é que em cada serviço há uma
secção jurídica, e nessa secção jurídica há um ou dois servidores públicos que têm por missão
defender aquela autoridade administrativa em juízo. E, portanto, era a única regra existente,
era que as autoridades públicas, os órgãos que tinham praticado os atos fossem representados
em juízo por um funcionário, agora diz-se servidos público que exercesse funções de
aconselhamento jurídico.

Quando foi da reforma e quando foi da lógica subjetivista discutiu-se muito se deveria
consagrar-se uma regra igual ao processo civil, dizendo que o patrocinador da administração
devia ser sempre um advogado, e, portanto, estabelecer a regra idêntica, e de resto essa foi
sempre uma das reivindicações da Ordem dos Advogados em 2002, 2015, 2019, a Ordem tem
reivindicado sempre que tem que ser um advogado porque só ele é que goza de todos os
direitos e deveres que integram a relação entre o cliente e o seu patrocinador e portanto ele é
que está em condições de defender essa entidade. Havia uma outra solução que vinha do
passado também que era a de nos casos em que havia responsabilidade civil uma vez que se
consagra a responsabilidade solidária do Estado em relação a atos lesivos e a geradores de
indemnização causados por qualquer outra entidade, mas o Estado responde solidariamente
com o seu património, para essa responsabilidade solidaria previa-se a atuação do Ministério
Público. De estas três entidades, eu diria que a solução adequada seria pelo menos eliminar
alguma, pelo menos uma delas, aquela que é mais aberrante, mas o legislador vai dizendo
sim, realmente isto não faz muito sentido e tal, rearranja as coisas, mudando as flores do sítio,
mas mantendo a mesma jarreta com as mesmas flores em cima da mesa. E isso não faz
sentido absolutamente nenhum.

Não faz sentido que o Ministério Público seja representante, que é a situação mais
aberrante, seja patrocinador da administração no casos de responsabilidade civil, haja ou não
responsabilidade do estado, é um absurdo porque o MP é uma parte em sentido processual,
foi isso que esta reforma instaurou, foi isso que resulta da condenação que teve o estado
Português por atribuir ao MP funções também de auxiliar do juiz no processo penal e no
processo administrativo, o Estado Português foi condenado pelo TJUE por adotar essa regra e
foi por isso que as coisas mudaram, o MP passou a ser uma parte que exerce a ação pública
ou que não exerce, e a única coisa que faz é fazer um parecer escrito sobre aquilo que se
passou no quadro da instrução do processo. Agora o MP não pode ser uma coisa sui contrario
se nós repararmos, nesta situação, o MP entende que há uma ilegalidade muito grave do
ponto de vista do interesse público e portanto, exerce a ação pública, e pede uma
indemnização ao Estado, e quem aparece a defender o Estado o mesmo MP, o MP torna-se na
parte e na parte oposta, na parte que intenta a ação e na parte que contesta a ação que ele
próprio apresenta. Isto é um disparate pegado, isto é uma realidade completamente ilógica, e
o MP tinha de estar afastado desta tarefa de representação do Estado. A CRP muda a
expressão representação e aqui começam os problemas, mas a representação não tem a ver
com isso, tem a ver com a defesa dos interesses do Estado e a defesa dos interesses do Estado
e das Entidades Públicas, não só do estado, faz-se no processo através da ação pública, não se
faz através do patrocínio das causas em matéria de responsabilidade civil. Isso é um
disparate, devia cair.

Em relação aos outros dois casos, eu, enfim, se calhar, penderia para uma solução
mais radical de dizer é preciso arranjar patrocínio judiciário é preciso arranjar sempre
advogado, mas apesar de tudo esta solução encontrada agora aqui no quadro da reforma
procura dar uma no cravo e outra na ferradura, diz que o responsável pelos serviços no fundo
é um advogado fica com os mesmo deveres deontológicos, designadamente sigilo,
relativamente ao mandatário da outra parte, e se pensarmos que isto pode significar uma
diminuição dos custos do Estado, enfim, poderá haver alguma razoabilidade do ponto de vista
prático em manter esta solução, agora, a solução mais adequada seria de recorrer ao
advogado.

O que é que se passa na vida prática, passa-se o seguinte quando está em causa um
caso difícil que a administração tem dúvidas ou tem medo de vir a perder um caso difícil ou
que corresponda a montantes muito elevados, a administração pública contrata sempre um
advogado. Se se trata de uma de uma situação corriqueira no quadro do funcionamento de
serviços quem vai a juízo é o responsável do serviço, e hoje em dia criou-se o CEJU no
âmbito da presidência do conselho de ministros, que tem tarefa de coordenar a representação
do Estado em juízo, portanto, procurou-se arranjar uma situação que atribuísse uma maior
qualificação jurídica às pessoas que intervêm no quadro do processo.

Eu diria olhando para a realidade aqui da faculdade havendo um litígio, como


calculam há muitos, sempre que há um concurso público muitas vezes surgem litígio, que as
pessoas não aceitam a classificação, ou não concordam, ou foram cometidas algumas
ilegalidades que infelizmente acontecem, mesmo na Faculdade de Direito, e, portanto, geram
litígios, eu diria que a intervenção dos funcionários da Reitoria, designadamente do
responsável pelos serviços jurídicos da reitoria tem sido adequado, eu devo dizer que apesar
de algo critico em relação a esta solução, tenho sido agradavelmente surpreendido com as
intervenções da Reitoria no âmbito de processo que tem a ver com FDUL mas não só, até
diria que a solução pode funcionar bem, na medida em que os técnicos da administração
funcionam como verdadeiros advogados e na prática desempenham essa função.

No entanto, o regime continua a ser compromissório, não faz qualquer sentido, e um


compromisso errado, não faz qualquer sentido que o MP tenha uma intervenção no quadro do
patrocínio, e eu diria que o melhor seria optar ou apenas por ter advogados ou arranjar uma
fórmula ainda mais equilibrada do que esta, restringindo os casos da participação do servidor
público. Mas apesar de tudo o que me choca mais é a dimensão do MP, e eu diria que pelo
menos se houver um daqueles casos em que o MP aparece dos dois lados da ação, não há
razão para permitir isso. Há falta de pressuposto processual e o MP não pode ocupar os dois
lados do mesmo processo.

Quanto ao sujeitos ainda, há que considerar mais duas coisas, em primeiro lugar, o
processo administrativo deve estar adequado a realidade do ponto de vista dos sujeitos, e a
realidade dos nossos dias é das relações jurídicas multilaterais, ou seja, o direito
administrativo começou por ter uma lógica bilateral que se passava entre um particular,
destinatário do ato administrativo, e a administração, que emitia o ato, o ato administrativo
hoje em dia passou a ser multilateral, passou a ter eficácia múltipla, abrange não apenas o
destinatário, mas todos os que são afetados por aquela decisão jurídica administrativa. Há
aqui uma transformação do direito público que corresponde à multilateralidade, que trouxe o
estado pós social na lógica da administração infraestrutural que pratica diariamente atuações
com natureza multilateral.

O primeiro a estudar isto foi Walbinger nos anos 60/70 na Alemanha e esta ideia
generalizou-se, hoje em dia até em Portugal, eu devo dizer que a estudei no meu Em busca do
Ato Administrativo Perdido, pela primeira vez entre nós, porque estive a estudar sobre o ato
na Alemanha e depois introduzi esta noção das relações multilaterais, mas vejo com
satisfação que até o Professor Pais do Amaral na última edição que as relações se tornaram
multilaterais, houve depois um estudo de um dos meus colabores, Francisco Paes Marques,
na sua tese de doutoramento fala desta lógica das relações multilaterais.

O problema principal do processo é o de chamar a juízo todos aqueles que do lado de


quem intenta o processo, ou do lado de quem se defende, do lado da administração, são
sujeitos das relações materiais controvertidas. E aqui também este código fez um esforço no
sentido de abrir o processo, mesmo se este forço não é da minha perspetiva ainda suficiente e
é preciso fazer mais.

Fez um esforço porque logo no art.12º fala na hipótese da coligação de autores, e,


portanto, fala na possibilidade de haver vários sujeitos a intervirem sempre que haja uma
causa de pedir idêntica, sempre que haja um pedido idêntico, permite-se esta lógica da
coligação generalizada. Depois também porque o legislador do lado da administração
considera, embora utilizando uma expressão que é um disparate, que vem do passado, mas
considera que do lado da administração também pode haver sujeitos processuais que intervêm
no processo, o legislador dá-lhes o nome patusco de contrainteressados que estão regulados
no art.º. 57º e seguintes. Estes contrainteressados são sujeitos das relações jurídicas
administrativas, e o regime do art.57º é esse, adotou uma boa solução, mantem esse nome
patusco que vem do passado, que não faz nenhum sentido, o que está aqui em causa são
relações jurídicas administrativas, que têm natureza multilateral. E de alguma maneira o
processo administrativo já está aberto a esta possibilidade.

Tal como o processo administrativo regula por exemplo, aquilo a que chama
processos de massa, que são processos com uma multiplicidade de intervenientes, e, portanto,
há do lado ativo como pode haver do lado passivo uma multiplicidade de sujeitos.

E na reforma de 2015 o legislador ainda criou um processo urgente a que ele chama
procedimento de massa, não se percebe bem porquê, um é processo outro é procedimento, se
quiserem, a única coisa a fazer é a usar a ironia, temos um processo que é processo normal
com número máximo até 50 pessoas unidas no âmbito daquela realidade, e portanto, e depois
temos um processo de massa que é um processo urgente, que é a partir de 50 pessoas, e,
portanto, se quiserem a melhor designação parece a de um grande amigo meu, que é um
grande advogado, já foi académico mas esses seus tempos já passaram, que é o Dr. João
Raposo que é uma pena que não tenha sido académico, que é uma pessoa muito inteligente,
que disse uma vez, e passo a citá-lo que acho sempre delicioso, que há os processo de massa
e há os processos de massinha, sendo que os processos de massa são aqueles que o legislador
chamou de procedimento, e os processos de massinha são os que chamou processo de massa.

Qual a diferença entre uns e outros, é que no âmbito dos processos de massa aqueles
que têm os mais de 50 sujeitos, há uma efetiva coligação dos particulares que unem os
pedidos e as causas de pedir e depois há uma única solução que vale para todos e pode ser
estendida a outros. Nos processos de massinha, aqueles que têm menos sujeitos interveniente
aquilo que se faz é que se prossegue com o processo que foi iniciado em primeiro lugar, os
outros ficam suspensos e depois de haver decisão do primeiro, chama-se à demanda todos os
outros particulares, e pergunta-se concorda com esta solução, não há mais processo em
relação a si, não concorda, continua-se o processo em relação aos outros sujeitos, é uma
decisão em relação ao primeiro que depois se pode aplicar em relação aos outros. Não se
aplica obrigatoriamente apesar de se ter discutido isso no quadro da reforma. Mas não se
pode aplicar por causa da regra do autor e de haver aqui uma realidade que é um direito
fundamental, e portanto, se há alguém mesmo que poderia ficar contente, disser que mas eu
tenho no meu caso especificidades tais e quero ir a juízo, isto não pode ser afastado. Agora é
uma forma que permite a maior celeridade. Em vez de o tribunal estar a decidir 100 processos
iguais, decide o primeiro e depois aplica-se aos outros a mesma sentença daquele, havendo o
mesmo pedido e a mesma causa de pedir. Se não há continuam-se estes processos.

O legislador criou aqui algumas normas a pensar nestes processos de massa que têm a
ver com as relações jurídicas multilaterais, mas não fez uma coisa que eu acho que era
absolutamente evidente, e que se pode dizer que de alguma maneira resulta da aplicação
subsidiária do processo civil, mas mesmo quanto à sua aplicação subsidiária, não corresponde
a uma lógica adequada à resolução dos problemas; Que era distinguir muito claramente entre
situações de litisconsórcio necessário e situações litisconsórcio voluntário, e isto não aparece
no código de processo e eu não sei porque é que não aparece, porque eu já há vários anos que
digo, quando começamos a discutir a reforma disse vamos olhar para o processo e vamos
distinguir litisconsórcio necessário de litisconsórcio voluntário, como isso não foi feito há
sempre ah foram chamados todos não foram, isto tem consequências não tem, abre-se uma
discussão que não faz qualquer sentido. Devia haver de uma vez por todas, espero que seja na
próxima reforma, mesmo que seja só uma reforminha, não tem problema, mas o que falta
nesta lógica de um processo aberto a todos os sujeitos da relação jurídica multilateral, a de
haver possibilidade de chamamento à demanda e haver litisconsórcio necessário e
litisconsórcio voluntário.

No entanto apesar de não termos isso, houve grandes progressos em relação ao


processo que era bilateral e que agora se começa a transforma num processo de natureza
multilateral.

Posto isto, (falta o outro eh diabo temos um minuto), o outro elemento do processo
que é o objeto do processo, também houve aqui alterações radicais a doutrina tradicional
apenas teorizava a causa de pedir em termos até que não eram muito maus, mas a única coisa
que se preocupava era com o pedido, a única coisa que aparecia no código, que resto ainda
aparece sem que ninguém perceba muito bem porquê é que ela cá está, é a propósito da ação
de impugnação, dizer que o objeto do processo é a declaração de nulidade ou à anulação das
decisões, que não é! Não há nenhuma razão para o legislador dizer isso como diz o art.50º,
chamado objeto e efeitos de impugnação que diz “a impugnação de um ato tem por objeto a
anulação ou declaração de nulidade de um ato”, isto é apenas um pedido, não é o objeto do
processo, e é o pedido na sua dimensão imediata, aquilo que se pede ao juiz, mas ao lado
desta dimensão imediata há a dimensão mediata do objeto do processo, do ponto de vista do
pedido que é o direito subjetivo, e há a causa de pedir, enfim, apesar de dizer isto, não é isto
que o legislador regula, mas como já estamos em cima da hora, ficamos por aqui.

Aula 28/10/19

Vamos hoje falar de uma matéria que tem uma grande importância prática. É daquelas
questão que por um lado é tratada em geral no decorrer do processo, tem algumas
especificidades no contencioso administrativo, mas que ao mesmo tempo é algo que devia ter
relevância que é a questão do objeto.

O que é que está em causa no objeto do processo. O objeto do processo visa trazer em
juízo a relação material controvertida. E, portanto, é preciso apurar o objeto do processo de
uma forma tal que permita perceber o estado integral das questões que estão em litígio. E ao
mesmo tempo isto tem depois uma consequência que é por exemplo o caso julgado. O caso
julgado forma-se sobre o objeto do processo, isto é, o suporte para aquilo que foi
efetivamente seguido. Portanto estes dois polos: por um lado a relação material controvertida
e aquilo que corresponde a uma realidade suscetível de formar o caso que se coloca.

Os Senhores conhecem da Teoria Geral do Direito Civil uma discussão que há em


Portugal e que há todos países do mundo: as chamadas conceções substancialistas e as
conceções processualistas. As conceções substancialistas valorizam sobretudo o pedido, o
que está em causa é uma realidade trazida por parte dos particulares no quadro de uma
qualificação que é feita por eles, e portanto valoriza-se a questão do pedido, por outro lado
para as conceções processualistas o que interessa são os factos, independentemente das
qualificações que são feitas, têm por detrás uma valorização da causa de pedir. A causa é um
conjunto de factos que são levados a juízo e que são imputados. Em Portugal no processo
civil há uma discussão e nesta Casa há uma tradição que vem de longe e que de alguma
maneira se personificou em torno de Acácio Bento é uma conceção mais processualista
embora mitigada com alguns elementos substancialistas. Em Coimbra a tendência é para uma
posição contrária. O que era curioso era que nada disto é discutido no Contencioso
Administrativo. E que nunca ninguém ao falar de Processo Administrativo utiliza-se estes
quadros.

Eu diria olhando para as especificidades do Processo Administrativo em que estão em


causa direitos dos particulares que foram lesados por uma atuação administrativa. Portanto é
uma realidade que introduz uma dimensão intimamente relativa entre o pedido e a causa de
pedir. Eu diria que faz sentido independentemente de considerações em abstrato conciliar
conceções substancialistas e processualistas e valorizar tanto o pedido como a causa de pedir.
Por um lado porque no pedido estão configurados aquilo que são os direitos objetivos dos
particulares, o que o leva a juízo, o que o leva a pedir a aquela realidade em juízo, por outro
lado a causa de pedir que tem a ver com a legalidade ou ilegalidade da atuação
administrativa. E, portanto, eu tendo a concordar com conceções como a de Manderioli que
no quadro de Teoria Geral do Direito Civil procuram coligar as duas dimensõess e prestar
atenção às duas realidades no quadro da Teoria Geral do Direito Civil. E, portanto, no
processo administrativo português haver aquela regra sobretudo pensando no processo
administrativo justifica-se fazer algumas concessões e consideram o pedido e a causa de
pedir. Por um lado, o que acontecia em Portugal é que tínhamos discussões no Contencioso
Administrativo que estavam viciadas por os termos da logica objetivista mesmo quando as
soluções não eram coerentes. A teoria do processo ao ato que corresponde à teorização que
vai dos tempos de LaFeerrie no seculo XIX francês. A teoria do processo ao ato levava a uma
esquizofrenia, quando se falava no objeto do processo só se falava em meio de processual
destinado à impugnação de atos e esquecia-se o contencioso dos contratos.

A segunda esquizofrenia é que a doutrina se preocupava apenas com o que estava em


causa era um meio processual que se chamava recurso da relação. A doutrina preocupava-se
em dizer que o pedido imediato é que era o objeto do processo e confundia a questão do
objeto do processo com a questão do pedido em toda a sua dimensão. Isso surgia em todos os
manuais, em todos os livros teóricos de Processo Administrativo, o que se dizia é que o
objeto do processo é a declaração de nulidade da atuação administrativo. E, portanto,
confundia-se uma vertente com a dimensão completa do objeto. Mesmo o nosso legislador
que não fez isso, porque o Código do Processo nota como vamos ver a seguir uma noção
ampla de objeto de processo que conjuga o pedido e a causa de pedir. Não obstante o
legislador quando falou da ação de impugnação no artigo 50.º veio dizer numa clausula que
não tem qualquer sentido que o objeto do processo, a clausula chama-se objeto para efeitos de
impugnação, veio dizer no artigo 50.º/1 que a impugnação de um ato administrativo tem por
objeto a ação de declaração de nulidade administrativa. Também aqui o legislador cai neste
trauma de infância quando tudo o demais que ele diz é o contrário disto. Por isso isto aqui é
uma proclamação que não tem qualquer sentido.

Ora bem, o que é que isto que aqui está contraria o que se diz no resto do Código e
porque é que isto não tem valor nenhum. Em primeiro lugar porque o legislador quando fala
no pedido integra também no pedido os direitos dos particulares. Isso é uma consequência
das normas constitucionais do artigo 168.º/4 e 5, é uma consequência do artigo 2º da tutela
administrativa e quando no artigo 2 também se diz a quem de direito corresponde um meio
processual. Portanto quando falamos em pedido não falamos apenas do pedido imediato, mas
englobamos também o pedido mediato o direito que o particular alega e que vai fazer valer
em juízo. Mesmo pensando no pedido imediato do artigo 50 é só para o caso da impugnação
do ato administrativo e em rigor até não é sequer impugnação. Portanto há aqui uma
realidade, um lapso freudiano que o legislador comete no artigo 50 mesmo que o resto da
legislação não corresponda. Portanto uma noção adequada do processo obriga a considerar o
pedido e a causa de pedir, obriga a considerar o pedido na sua dimensão ampla e que o
pedido tem de ser atendido também em termos de pedido mediato. Depois também o
legislador revolucionou o modo de consideração da causa de pedir. O que o legislador
considerou, e vamos também ver isso na aula de hoje, designadamente nas normas relativas
aos efeitos da sentença.

Curiosamente também na lógica psicanalítica que temos estado a utilizar que tem
efeito a propósito da ação de impugnação. É sempre aí que se revelam o mau e o bom do
processo administrativo nas normas que correspondem ao artigo 95.º que regula os efeitos da
sentença e a relação entre a causa de pedir enquanto elemento essencial do objeto do
processo. O legislador também adota uma valoração adequada da causa de pedir, não tanto
numa perspetiva subjetivista de natureza relacional, porque a causa pedir pode ser entendida
em processo administrativo de duas formas distintas: pode ser entendida como a análise da
globalidade – o juiz deve se ocupar da globalidade – ou pela conceção subjetivista numa
lógica relacional entre o que o particular alega e aquilo que é a lei.
Ora bem, mas vejamos então com um bocadinho de cuidado esta realidade que hoje
está no processo administrativa e que é distinta quer dos traumas da infância difícil quer de
soluções limitativas como aquela que parece constar do artigo 50.º. Vejamos o modo como as
duas coisas se organizam. Em relação ao pedido, tudo o que temos estado a dizer até agora já
resulta de todas as transformações que temos visto em aulas passadas que se constituíram no
quadro do direito português. Como já vimos para garantia dos direitos do particular o juiz
pode usar todos os seus poderes, não está limitado. O juiz não encontra para a tutela dos
direitos que lhe cabem nenhuma limitação. Quanto ao pedido imediato temos uma
autolimitação que aparece no artigo 50.º e de novo está se a tomar a parte pelo todo. Porque
mesmo na ação de impugnação, a maior parte das ações de impugnação não são meramente
constitutivas. É outro dos lipes do contencioso administrativo. A anulação da declaração de
nulidade é outro dos lipes que é uma ação de simples apreciação.

Vejamos então agora a causa de pedir, até porque aí temos discussão acerca da
interpretação do artº 95 nº 3, na ordem jurídica portuguesa. Quanto podia ser importante, mas
acabou por não ser, coisa que veremos já a seguir ah ah ah o que é que está em causa.

A causa de pedir, eu disse-vos há pouco, que é abstrato. Podia ser considerada de duas
formas, em termos absolutos não é: uma forma objetivista- aquilo que é levado a juízo é a
legalidade de ser mais do ato administrativo e, portanto o juiz deve apreciar essa legalidade
independentemente dos factos que foram alegados, independentemente das qualificações
jurídicas feitas pelas partes, o juiz deve procurar todas as hipóteses possíveis e imaginárias de
ilegalidade do ato administrativo; do ponto de vista subjetivista, aquilo que deve ser levado a
juízo é a relação que existe entre os direitos e a lei, e, portanto há uma lógica relacional e essa
lógica relacional que é objeto do processo, no âmbito da causa de pedir, enquanto elemento
essencial do objeto do processo.

Ora, se estas eram as duas orientações tradicionais, a primeira coisa que é preciso
dizer, é que a doutrina objetivista, tradicional desde os tempos do Laferriere até ao Professor
Marcello Caetano, se afirmava a doutrina do processo ao ato, depois não a seguiu,
efetivamente. O que levou até por exemplo a ironia dos anos 80, ainda antes, nos anos 70 de
uma forma mais intensa, mais apaixonada, a partilhar construir alguma coisa, ele dizia,
pegando naquela expressão do censo comum "Ele é católico porque foi um ato praticante"
não é, e ele dizia em relação ao Professor Marcello Caetano que ele, defendia-se, pretendia
ser objetivista, mas em termos de causa de pedir não era muito praticante, porque a conceção
que ele defendia, no fundo, correspondia a uma lógica relativa. Era uma lógica relacional
limitada.

O que ele dizia é que, na nossa ordem jurídica, os vícios do ato administrativo, a
célebre teoria dos vícios do ato administrativo (usurpação de poderes, violação de lei,
incompetências, desvio de poder, enfim) conhecem a lengalenga, mesmo será hoje inútil ah
ah ah, Aquela lengalenga dos vícios do ato administrativo era o modo que ele entendia que
era o mais adequado para determinar, para levar a juízo a relação jurídica administrativa e,
portanto, dizia que essa teoria dos vícios estava relacionada com um elemento objetivo que
era a teoria do ato administrativo e, portanto, dessa forma ele podia dizer que só era válido, só
valia aquilo que o particular alegava através da audição do juiz ..., e ao dizer isto ele não
considerava integralmente um subjetivista, mesmo que também não se considerasse
integralmente subjetivista, porque dizia: "Bem, a teoria dos vícios é extraordinária e os
elementos essenciais do ato administrativo", portanto, tinha o álibi objetivista para a sua
condução que era basicamente subjetivista. As razões disto são difíceis de explicar, mesmo
no quadro da Teoria Clássica. Eu diria que depois de ter procurado bastante, na altura em que
estudei isto mais a fundo, cheguei à conclusão de que só Jeze, Gaston Jeze é que, no início do
século XX, apresentava alguma explicação para isto. Todos os outros diziam: "A teoria que
está em causa é a Teoria do objeto ao ato ponto final e a causa de pedir é determinada pelos
vícios. No direito francês, falava-se na designação tradicional da nossa chamada teoria dos
vícios do ato administrativo.

Ora, esta explicação de Jeze é uma explicação …. é aquilo que eu chamo à teoria das
hipóteses de erro. A teoria das hipóteses de erro justifica-se pelo facto de o juiz ser unânime
como diz Gaston Jeze e é verdade, e, portanto, poder errar, e se errar está a criar força de caso
julgado com um peso muito grande. Dizer que não há invalidade é algo que, para o futuro
impede o controlo daquele ato, por muita pressão, por muito subjetiva que tenha sido a
apreciação que ele tenha feito, ou seja, a ideia é que eles podem errar e, o custo deste erro é a
denominação de algo que é ilegal e que , portanto levantaria poderes de ser observado mais
do que uma vez. A razão prática não é uma razão teórica. Na Espanha alguns .............porque
efetivamente se pode dizer que uma conceção objetivista vai mais longe na proteção da
legalidade, este "vai mais longe" é colocado na 1ª sentença, ou nas sentenças que determinam
efeito de caso julgado, nas duas sentenças que determinam efeito caso julgado e, se do ponto
de vista subjetivo houver outras situações afetadas tal como do ponto de vista da ilegalidade
objetiva houver outros vícios que não chegaram a ser apreciados isto está invertido e portanto
este é um argumento contra uma lei objetiva. No entanto, eu diria que, como sabem em sou
um subjetivista condenado e reincidente, eu diria que, o que faz sentido no quadro do
moderno processo é que as ilegalidades sejam consideradas em razão da lesão do direito, o
critério constitucional ........ isso mesmo, é a lesão do direito, a lesão ilegal do direito que está
a ser apreciada e, portanto, faz sentido que o particular leve...os seus direitos a serem
apreciados quando houve aquela lesão por parte do.............. E, portanto, na minha perspetiva
faz todo o sentido esta construção subjetivista no quadro do contencioso administrativo
mesmo se eu tenho de admitir que, com as coisas que já sabemos da aula passada, que o
chamado contencioso do ato público e do ato particular, haja aí uma realidade que possui os
outros elementos de natureza subjetiva, mas em relação ao pedido, o pedido aí só tem uma
dimensão imediata, não tem uma dimensão mediata. A causa de pedir, no entanto é
determinada para além, no quadro de uma lógica relacionada, mesmo sem que.......

Mas, parece-me que a explicação normal é esta, agora, eu acho que, não gostei, a
posição do Professor Marcello Caetano, é uma visão demasiado restritiva da construção
subjetivista e é uma construção, que da minha perspetiva em boa hora foi afastada do
contencioso administrativo e foi afastada por causa dessa regras relativas ao objeto e limites
da decisão, que aparecem aqui no art.ºº 95 e que mostram uma dimensão verdadeiramente
relacional daquilo que tem a ver com a causa de pedir e que levam a que, no quadro do direito
dos particulares, as questões sejam levadas até ao seu máximo. E também, este art.ºº 95 vai
resolver uma outra questão relacionada com esta, que é a questão de saber se o contencioso
administrativo é determinado pelo princípio do acusatório como é típico do contencioso de
natureza subjetivista, ou se, é determinado pelo princípio de natureza inquisitória como é
típico do contencioso objetivo e veremos logo no nº1 deste art.ºº 95, que a lógica é
basicamente acusatória, mesmo se há alguns elementos de natureza inquisitória.

Diz-se no art.ºº 95 nº1, acerca do objeto e limites da decisão, que o tribunal deve
decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas
aquelas ............ e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe
permita ou imponha o conhecimento oficioso, ou seja, quando a lei permita ou imponha,
haverá processo total; no geral, haverá uma lógica acusatória no quadro do processo. O que,
com todo o respeito, faz todo o sentido, faz todo o sentido e corresponde aquilo que é a lógica
do processo administrativo. Quais são as matérias que são de conhecimento oficioso
obrigatório? Competência do tribunal. Para além disso, há lá outra matéria imposta de
conhecimento oficioso que permita, que tem a ver com a ilegalidade cometida, ou com a
violação do direito, se pensarmos num direito fundamental pode permitir formas de controle
mais rigorosas e pode permitir até que o Ministério Público prossiga a ação mesmo quando
ela tenha sido iniciada por um particular; já não estamos no quadro do processo do juiz, já
estamos no quadro de um processo de partes. Mas este artº 95 e depois no 93º nº 3, é
extremamente importante porque ele põe em causa também aquela conceção restritiva do
Professor Marcello Caetano, aquela conceção restritiva que tinha a ver com a enumeração dos
vícios, a tal enumeração que não fazia sentido. Vamos lá voltar à teoria dos vícios,
relembrando o que aprenderam no 2º ano.

A teoria dos vícios é uma espécie de um bolo envenenado, cada fatia tem um veneno
especial, estricnina, mata-ratos, LCD, o que quiserem, não é. Basta comer uma fatia do bolo
para morrer, mas normalmente comem-se várias fatias e o bolo envenenado do ato
administrativo tem vários vícios, está impregnado através de várias ilegalidades e os vícios
formam tradicionalmente, uma forma designada de invalidade dos atos administrativos que
eram, segundo orientação Portuguesa, a usurpação de poderes, a incompetência, o vício de
forma, o desvio de poder e a violação de lei. Esta enumeração, era uma enumeração que
surgiu tradicionalmente, foram alargando as possibilidades de intervir para impugnar o ato
administrativo. Mas, se isto surgiu historicamente, esta classificação era, em 1º lugar ilógica
e, em 2º lugar, desnecessária, e não sou eu que digo isso, o Professor Gonçalves Pereira, nos
anos 70, na sua Tese de Doutoramento "Erro e ilegalidade no ato administrativo", veio
explicar que esta distinção era ilógica, ilógica porquê? Porque se pensarmos nos dois
primeiros vícios (usurpação de poder e incompetência) eles dizem respeito ao mesmo aspeto
do ato administrativo, à mesma dimensão de ilegalidade que é a competência. Se pensarmos
naquilo que se chamava vício de forma, aquilo que o legislador, como dizia o Professor
Gonçalves Pereira, nos anos 80, aquilo que o legislador chama de vício de forma não é a
forma externa do ato, ou melhor, não é saber se é decreto, ou se é despacho, é obviamente
critérios de formalidade e, portanto cabe na designação tradicional do vício de forma,
contrariamente ao que se passava ali, em que os dois vícios, correspondiam ao mesmo aspeto
do ato administrativo e temos apenas um vício e, portanto podíamos considerar a forma e o
procedimento se quiséssemos que isto tivesse alguma lógica, não é.

E, por outro lado, a violação de lei tem a ver com o aspeto material do ato
administrativo e, portanto, o que está em causa é a ilegalidade material, também aqui temos
dois vícios para designar a mesma realidade, portanto não há grande diferença em utilizar os
mecanismos em relação ao ato discricionário, já não há ato, já houve, mas já não há. E, dizia
o Professor Gonçalves Pereira que faltava aqui a falta de causa, era uma construção do vício
que ele propunha, muito elaborada. Concordo com as críticas, mas não acho que a falta de
causa seja importante. Agora eu chamava a atenção para os vícios da vontade do ato
administrativo, que a doutrina tradicional percebia que estavam de fora, mas como estava de
fora, diziam "Ah isso é uma invalidade, não é ilegalidade". Invalidade e ilegalidade é a
mesma coisa ah ah ah. A razão é porque já não cabia na impugnação dos vícios. O Professor
Freitas do Amaral fala em vícios de legalidade e fontes de ilegalidade, e nas fontes de
ilegalidade cabe os vícios da vontade do ato administrativo. E, curiosamente, também a
doutrina, quando fala dos vícios, só um é que se refere à Administração, os outros são todos
ao particular, não sei porquê, e, portanto, faltava aqui que isto tivesse alguma lógica.

Ora bem, se isto é assim, esta explicação tradicional não tem em 1º lugar lógica, mas
ela é hoje em dia inútil, e é inútil porque a constituição fala apenas em invalidade dos atos
administrativos e é inútil porque não há nenhuma disposição, não há nenhuma lei em
Portugal que indique esta regulação dos vícios do ato administrativo. A última que eu referia
foi revogada nos anos 80, era uma lei das autarquias locais. Não há hoje em dia nenhuma lei
que consagre esta. E se olharmos para as normas que o legislador de processo estabelece, em
nenhuma normal do código de processo se fala em vícios do ato administrativo. O artº 78,
que estabelece os requisitos da petição inicial diz que cabe ao autor, na petição inicial,
formular o pedido, indicar os factos e identificar a causa de pedir do ato. O particular tem de
dizer o pedido e causa de pedir, não tem de dizer que há usurpação de poder, que há
incompetência, não tem de dizer nada disso, se quisesse, é lógico que podia usar esta
classificação alternativa porque esta é aberta e não deve utilizar uma classificação fechada
que, ainda por cima, correspondia a uma visão enviesada.

Ora, o legislador, claramente quer dizer é que o juiz tem de apreciar obrigatoriamente
tudo aquilo que o particular leva, a tal dimensão subjetiva implica que, se o particular por
engano só falar em incompetência, mas houver factos suficientes para qualificar aquilo que o
legislador diz e falar em ilegalidade material ou de vício de procedimento ou qualquer outra
coisa, o juiz deve conhecer integralmente aquilo que o particular opôs. Mais ainda, se o
particular negou, não pode o juiz, dizer "Bem, como basta uma fatia do bolo para o ato estar
envenenado, já não é preciso mais nada". Suponham que um caso de incompetência, um caso
de vício de forma ou vício de procedimento- são aqueles mais evidentes, se o juiz fizesse
como costumava fazer antes de 85 e até 2002-2004, cala-te boca que é para não dizer que
ainda faz, se o juiz começasse "Ah está aqui uma ilegalidade, arrumo já aqui isto", "Há aqui
uma incompetenciazinha, há aqui a falta do dever de fundamentação, há aqui a falta de... não
vejo mais nada".

O que é que acontecia no quadro daquela relação jurídica material? Os juizes


anulavam claro, o que é que a Administração a seguir fazia? Corrigia a ilegalidade e portanto
ia outra vez para tribunal por causa de uma ilegalidade material que não tinha sido apreciada,
e, portanto, o particular ficava igualmente desprotegido e em vez de resolver a questão em 10
anos, precisaria de duas gerações, ah ah ah, enfim, assim em regra, antes de morrer o
particular sabe que se não fosse assim precisava de duas gerações e, portanto, é muito
importante que se diga que o juiz tem de apreciar tudo o que é levado a juízo pelas partes, ou
seja, isto mudou a lógica do direito administrativo, aquilo que agora se evangeliza é a
integralidade da relação material controvertida e tudo implica que o juiz conheça até ao fim
aquilo que o particular opôs, o juiz não pode dizer "Ah mas já está aqui uma ilegalidade",
porque morrer com estricnina não é a mesma coisa que morrer com estricnina e mata-ratos. É
muito mais doloroso morrer com estricnina e mata-ratos. Então se juntarmos LCD pior ainda,
dava em transe total e, portanto, os efeitos cada um dos venenos geram uma ilegalidade
específica daquele ato porque não há apenas um único veneno, sendo certo que cada veneno
em si é suficiente para matar algo, isto se for bem feito, não é. Cada fatia está envenenada e
comer aquela fatia significa morrer, significa haver uma modalidade de... e portanto basta
uma fatia para anular, para impestar o ato, mas não basta uma fatia para proteger o direito do
particular, porque a seguir se a fatia for inteiramente formal, a Administração diz que essa
irregularidade, se for procedimental, a Administração não corrige, se for da competência, a
Administração corrige essa ilegalidade e, portanto fica por aqui.

Ora bem, é isto que diz o artº 95 nº 1. O legislador não se fica por aqui. O legislador
acaba por repetir no nº 2 aquilo que já tinha dito no nº1- não vem mal daí ao mundo, mas
também não era preciso, bastaria escolher a formulação melhor. Mas o ponto da discórdia
reside em saber se, como eu entendo, a 2ª parte deste artº 95 nº 2 é a concretização do que
está na 1ª parte ou se, como dizia, o Professor Mário Aroso, hoje em dia já não se torna tão
claro, ou se pelo contrário esta 2ª parte corresponde a uma exceção à regra das partes. Ora
bem, analisado tudo o que foi trazido a juízo pela parte e analisado de forma completa,
corresponde à visão subjetiva da lógica relacional, mas diz-se que o juiz deve identificar a
existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, e aqui começa uma
discussão.
O que está aqui em causa, não só identificar a existência de causas de invalidade,
significa para mim várias coisas, significa que o juiz qualifica os factos levados a juízo, o juiz
conhece o direito e, portanto, se a parte se enganar a qualificar a situação, se disser que há
incompetência e há vício de forma, se disser que há uma ilegalidade material e é uma
ilegalidade formal, o juiz corrige, não tem nada de mal e não tem nada de mais. Tal como se
o particular não alegou integralmente as ilegalidades e não teve alegado elas resultam do
facto e, portanto, o juiz está em condições de. O Professor Mário Aroso defende mais do que
isso, pretende que o juiz pode carregar factos novos no processo. Ora, da minha perspetiva,
isso é confundir o papel do juiz, é fazer do juiz uma parte. Isso viola as regras da separação
de poderes, o juiz dentro dos limites que as partes alegaram pode ir.... não tem de usar os
vícios, não tem de qualificar, mas não está limitado pelos factos alegados pelo autor, mas
estou a ver que já vos estou a roubar o intervalo, acabamos num bocadinho de nada na
próxima aula. Então até quarta.

Aula 30/10/2019

Antes demais, muito bom dia. Vamos voltar à nossa matéria. Tínhamos ficado na
discussão do artigo 95º/3 CPTA. Aquilo que vimos na aula passado foi que o artigo 95º
CPTA consagrava vários tipos de alargamento do objeto do processo. Tinha que ver com o
facto da relação jurídica concebida pelas partes ter que ser vista como uma integralidade. O
juiz tem que conhecer a integralidade do objeto processo, tem que responder a todas as
questões.

Como vos disse, desde o Professor ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA sabemos que a
teoria dos vícios é ilógica, por várias razões que já analisamos na última aula. Aquela
enumeração surgiu por razoes históricas mas não é lógica e está incompleta.

O Professor Rui Machete tem uma expressão muito feliz: os vícios concebidos para
doutrina clássica eram como uma espécie de frechas para ver a realidade. A partir de agora
não há nenhuma necessidade de alegar. Nos requisitos da petição inicial diz-se que o
particular tem que expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir, não há
nenhuma referência à necessidade de invocação dos tradicionais vícios. A única coisa que é
preciso é invocar o pedido e a causa de pedir.

A construção da lei do processo vai no sentido de tornar ainda mais desnecessária a


identificação do vício. O que é relevante é a invocação do pedido e da causa de pedir. De
muito vez em quando faço uns pareceres, essa é a minha invocação principal mas gosto de
olhar para alguns casos. Quando faço um parecer, explico quais os factos e quais as violações
das normas jurídicas mas depois, entre parênteses, digo vulgarmente chamado vicio de desvio
do poder, ou outra coisa qualquer. Todavia, não há qualquer exigência para incluir os vícios
do ato.

Na minha perspetiva, também este artigo 95º obriga a conhecer da integralidade do


objeto do processo, conhecendo de todos os factos alegados pelo particular. Isto impede
julgamentos que se importem com ilegalidades de natureza formal. O juiz tem que explicar a
integralidade daquilo que é levado a juízo. Há aqui também um alargamento do processo. A
questão que se coloca é saber a interpretação a dar a de dizer que o juiz deve identificar a
existência de causas de invalidade diversas.

Esta alegação de ilegalidades diferentes significa que o juiz não está limitada pelas
qualificações feitas pelas partes. Se o juiz entende que as alegações estão mal fundamentadas
ou identificadas, o juiz pode corrigir e identificar as causas de invalidade. O limite último é o
dos factos alegados, não significa isto que o juiz se transforme em parte e traga novos factos.

Para o Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, o poder inquisitório do juiz pode


leva mesmo à possibilidade de determinar factos novos. Isto tem a ver com a conceção de
direito reactivo, para o Professor, o particular tem o direito subjetivo a reagir contra todas as
ilegalidade do ato praticado e que provoca uma determinada lesão. O que está em causa é
uma noção de direito subjetivo enquanto direito reactivo, uma pretensão integral de
afastamento da ilegalidade que atingiu aquele particular.

Esta teoria do direito reactivo é uma teoria que tem vários problemas do ponto de
vista da análise jurídica. Ela só considera direitos dos particulares a partir do momento da
lesão. A lesão que configura um direito de impugnar, é um direito que acresce aos direitos
que foram lesado e que são anteriores à lesão. O particular tem um direito correspondente a
cada um dos deveres da administração. Estes direitos que foram lesados estão na base do
direito de ir a juízo. O direito reactivo confunde a parte com o todo, confunde o direito de ir a
juízo com todos os direitos. Na minha perspetiva, é um erro logico.

Mais, há uma confusão entre a situação jurídica processual e a situação jurídica


substantiva.
Esse direito é construído a partir do processo, é uma noção processual que depois é
tomada como substantiva. Há uma confusão entre duas situações jurídicas com natureza
diferente.

Critiquei o Professor nas suas provas de doutoramento e o professor apresentou uma


solução que mesmo sendo melhor que a tradicional ainda não me agrada. Esta confusão das
duas realidades. Isto faz lembrar muito a lógica do professor Marcelo Caetano do direito à
legalidade. A legalidade não é como as pombinhas da Catrina que andam de mão em mão, o
direito é de cada pessoa, não é uma coisa abstrata. O Professor Mário Aroso já não o constrói
como abstrato, mas ao mesmo tempo este direito assume uma dimensão abstrata porque é
uma pretensão negativa que vai afastar todas as ilegalidades que foram cometidas.

Como o que interessa é o que diz o legislador, o que temos que fazer é interpretar as
normas e ver o seu sentido útil, o legislador diz que o limite é a alegação pelas partes. Mesmo
que haja aqui uma dimensão de inquisitório, este poder do inquisitório é limitado pelo próprio
princípio do contraditório.

Este poder inquisitório está limitado pelos factos alegados e pelo contraditório. Eu
entendo que a posição de Mário Aroso sendo legitima e partindo do direito reactivo não é a
mais correta nem a mais adequada para interpretar o artigo.

Curiosamente, nas versões posteriores o Professor limita um pouco a ideia, começa a


falar em factos alegados. Essa limitação também tem sido feita pela jurisprudência. A
jurisprudência tem que dizer o que é a causa de pedir. Ir à procura de outras coisas é muito
arriscado por causa da própria ideia de caso julgado. Portanto, aquilo que tem tido a doutrina
a pronunciar-se sobre isto é NIM (ahahah, risos). Uma solução muito à portuguesa, ficamos
todos satisfeitos. Esta autolimitação faz sentido, se não houvesse esta autolimitação teríamos
um juiz tornado em parte.

O ministério publico é uma parte, o juiz é o juiz. Isto não faz sentido algum, o
Ministério Publico não tem o poder de julgar de decidir e, também, o juiz não tem o poder de
trazer factos novos. De outra maneira, podemos cair numa situação de inconstitucionalidade.
Eu entendo que esta é a única interpretação conforme à constituição.

É uma polemicazinha. Ainda não tive tempo de ler a ultima edição mas na ultima já a
posição estava tao mitigada que mais um bocadinho e até eu subscrevo. Mesmo assim a
polémica ainda fez correr alguma tinta.
Bem, com isto arrumamos o objeto do processo e vamos passar agora para o estudo
detalhado da ação administrativa.

Como já sabemos, a ação administrativa é no quadro do processo administrativo, o


único meio processual principal do contencioso administrativo.

Vem regulado nos artigos 37 e seguintes. Aparentemente há uma unidade, nos meios
principais há apenas um. Isto foi uma inovação do legislador na reforma de 2015, foi uma boa
inovação, não faz sentido a distinção entre ação comum e ação especial, não havia razões. As
razões do passado para a ação especial limitavam os poderes do juiz, essa limitação
desaparece.

Existia a ideia que o processo administrativo era uma exceção ao processo civil, uma
ideia claramente errada. Isto não fazia sentido.

Ainda bem também porque a admitir que só podia escolher entre duas alternativas
escolheu a certa (risos).

O legislador em boa hora, seja louvado por isso, resolveu o problema. O legislador
poderia ter ouvido até ao fim o que eu disse e isso teria evitado que ele sob a aparência de
uma única ação criasse 4 ou 5 ações especiais.

Vejamos, o artigo 37 estabelece as regras da ação administrativa, a ação comum. E


tem algumas regras iniciais de natureza genérica em relação a este mecanismo. Depois, o
legislador vai regular 4 subações e implicitamente mais uma. Estão reguladas de uma forma
tão detalhada que correspondem a verdadeiras ações. Em rigor, o que o legislador faz é criar
várias ações. Basta olhar para os artigos..

O legislador não adota um critério único, vai misturando critérios processuais e


substantivos.

Curiosamente, mistura sem critério. Temos primeiro a impugnação de atos


administrativos (critério processual da impugnação) dos atos administrativos (forma de
atuação) mas logo a seguir nos artigos 66 e seguintes cria uma outra ação de condenação à
prática do ato devido. Distingue-se em razão do elemento processual. Ou seja, temos o ato
administrativo e duas ações. Mais à frente acontece que o legislador junta isto com uma
solução contrária, a respeito do regulamento. Temos uma nova ação que corresponde à
condenação e impugnação de normas.
Depois, o legislador no artigo 177º e seguintes cria uma nova ação relativa a
contratos, aqui só importa o critério substantivo. Aqui vale tudo.

A quinta será a que corresponde aos pedidos que têm ver com condenação de
responsabilidade civil e um conjunto de outros pedidos que antes cabiam na açao comum.
Não apenas criou estas opções como o modo de regulação não faz qualquer sentido. São
reguladas como uma ação autónoma.

O legislador acha que os pressupostos são diferentes então resolveu repetir os artigos
todos da marcha do processo em todas as subações.

O legislador se optou por uma ação unitária, essa ação é diferente. O legislador tratou
estas realidades ligando a dimensão substantiva e a processual. Se há uma única ação o
legislador devia ter pensado no critério processual de regulação das ações. O legislador
estabeleceria todas as sentenças de apreciação com as mesmas regras, as constitutivas com as
mesmas e as condenatórias com as mesmas em vez de criar várias ações dentro de uma ação.

Fico contente porque o legislador leu o que eu escrevi mas fico triste porque não leu
até ao fim. Não quero ser mal agradecido mas podia ter feito um pouco mais.

Vamos então analisar as regras mais detalhadamente.

Anteriormente, havia dois artigos que estabeleciam os pedidos típicos da ação comum
e da ação especial. Havia regras diferentes. Agora o legislador fundiu estes dois artigos.

Como não quero abusar da vossa paciência e como já vos roubei o intervalo,
continuamos a análise desta matéria na próxima aula.

Aula 04/11/19

Bem, vamos então à ordem do dia.

Estávamos a analisar a Ação administrativa… analisámos os diferentes pedidos que,


segundo o art. 37º, podem ser feitos nesta modalidade de Ação e que correspondem grosso
modo aos que estão estabelecidos no art. 2º, também com a ideia estabelecida no art. 4º de
que todas as formulações são possíveis e vamos agora começar a analisar cada uma das
modalidades de sub-ação ou de ação especial no quadro desta ação administrativa.

Talvez, no entanto, dizer que, embora façamos referência a essas outras normas em
momento posterior, há dois artigos comuns: o art. 38º e o art. 39º - comuns a todas as ações…
é um bocadinho estranho dizer isto. Vamos ver que há artigos específicos para cada uma das
ações, cada uma delas corresponde a uma ação, mas há dois artigos comuns. Gosto
especialmente do primeiro - um dos artigos em que o legislador utilizou, inclusive,
expressões que eu tinha defendido numa discussão que tivemos na doutrina portuguesa acerca
da suscetibilidade de apreciação de atos, apesar de inimpugnáveis. Ou seja, a
inimpugnabilidade é, segundo a minha perspectiva, um simples efeito processual que decorre
de ter passado o prazo de impugnação – que, como veremos, é um prazo curto para a
impugnação de actos administrativos – deixando passar esse prazo, o acto torna-se
inimpugnável. E a doutrina portuguesa… com base na figura do caso decidido, que, na
expressão do Professor Marcello Caetano, era algo menos intenso do que o caso julgado,
embora implicasse uma estabilidade das relações jurídicas constituídas pelo acto. Dizia o
professor Marcello Caetano e dizia a doutrina (que repetia, sem pensar no que estava a dizer)
que isso implica que o caso decidido sanava as invalidades do acto administrativo. E, talvez
tenham estudado em alguns manuais de Direito Administrativo, diz-se que o acto anulável é
um acto que se sana, que se convalida ao final de um ano. Ora, com todo o respeito, isto não
faz sentido: um acto que é ilegal não se transforma em legal a menos que se corrija essa
invalidade, a menos que haja um acto expresso de sanação do acto administrativo.

Não há nenhum milagre das rosas: um acto que era inválido, continua a ser inválido.
Aliás, o Professor Marcello Caetano fazia batota com a realidade: o Professor Marcello
Caetano dizia que o caso decidido tinha um efeito mais fraco, mais ténue do que o caso
julgado. Mas depois dizia que o caso decidido implicava a sanação do acto administrativo.
Ora, na Teoria Geral do Processo, nem mesmo o Professor Marcello Caetano dizia que o caso
julgado correspondia a uma decisão legal, a uma decisão justa – o problema do caso julgado é
que, por questões de segurança, não se podia continuar a discutir eternamente uma questão,
independentemente da decisão ser ou não justa. O problema não é um problema de justiça, é
um problema de segurança. E se a doutrina não diz que o caso julgado implica a sanação da
sentença, não faz sentido que o caso decidido implique a sanação do acto administrativo: não
faz sentido, senão teria mais efeitos do que o caso julgado. Era o contrário daquilo que dizia o
professor Marcello Caetano. Mas ele fazia esta pequena batota intelectual: dizia que tinha
menos efeitos e depois dizia que tinha mais. Era uma pequena batota intelectual que enganou
muita gente.

No Direito Administrativo há muitos professores que usam esta expressão: “o acto


convalida-se ao fim de um ano” … e, mesmo no Direito Constitucional, a expressão da
convalidação do acto aparece, designadamente, na fiscalização concreta. E eu, como já tinha
feito para o direito administrativo, dizendo que não há, por causa da inimpugnabilidade, uma
sanação, também escrevi, nos Estudos em Homenagem ao Professor Jorge Miranda, dizendo
que também o Tribunal Constitucional não pode falar de convalidação porque o acto é ilegal
e continua a ser ilegal - o que não pode é ser usado o meio processual de impugnação contra
o acto, porque já passou o prazo, mas o acto continua a ser ilegal para todos os efeitos. E,
portanto, particular pode pedir ao Tribunal que aprecie, incidentalmente, a legalidade do acto
para obter outro efeito jurídico.

Houve um caso muito famoso que justificou pareceres de toda a gente e que justificou
também a minha tomada de posição nos anos 80, que depois publiquei no "Ventos de
Mudança no Contencioso Administrativo": era um caso em que os funcionários públicos
foram pedir a contagem de tempo de serviço. No momento em que estavam a chegar à
reforma, pediram a contagem do tempo de serviço e descobriram que tinham menos tempo do
que aquilo que tinham trabalhado e ficaram surpreendidos porque julgavam que estavam em
condições de se reformar, mas a contagem de tempo de serviço tirava seis meses, tirava um
ano, tirava dois anos, consoante a realidade. E procuraram saber porquê. O porquê tinha sido
um acto sancionatório que tinha ocorrido nos anos 60, aquando das greves universitárias em
Lisboa e em Coimbra, sobretudo em Coimbra. Houve medo de que as greves se pudessem
alastrar também para os jovens licenciados que estavam no exercício de funções e, portanto,
quem faltasse ao serviço nos dias de greve tinha sanções, mesmo aqueles que tinham faltado
porque estavam doentes e apresentaram atestado médico. Ora bem, os funcionários públicos
descobrem vinte ou trinta anos depois, nos finais dos anos 80, inícios dos anos 90, quando
iam tratar da reforma, que tinham menos tempo de serviço de que aquele que julgavam que
tinham porque tinham sido sancionados através de um acto administrativo.

Ora, trinta anos depois, eles não estão interessados em impugnar o acto
administrativo; não se trata de usar o mecanismo de impugnação para afastar o acto
administrativo - o acto já está afastado por natureza, o acto caducou, produziu os seus efeitos.
Agora, aquele acto administrativo que era ilegal, produzia efeitos em situações futuras, em
relações jurídicas que dependiam daquele acto administrativo. A contagem do tempo de
reforma era um acto que era consequencial daquele primeiro acto e que se integrava numa
relação jurídica duradoura que era uma relação de serviço público. Ora, se isso é assim, trinta
anos depois, os particulares poderiam pedir que o tribunal considerasse a ilegalidade do acto
para o efeito da contagem do tempo de serviço e para o pagamento da respectiva reforma.
Esta ideia do tempo de serviço, ainda por cima, em funcionários no início de carreira,
significava que, nalguns casos, se perdia quatro ou cinco meses em cada ano lectivo. Se
pensarem nos professores estagiários que estavam colocados numa escola e, portanto, não
trabalhavam durante os três meses de Verão mais o resto do tempo ao longo do ano, portanto,
quatro meses, tendo o efeito de perda de tempo de serviço – vinte dias, trinta dias, fosse o que
fosse, significava, por vezes, perder um ano de serviço. Não era perder uns dias, era perder
um ano, porque uma contagem em que o período de estágio não contava o ano todo – contava
oito meses – significava que era possível perder meses, um ano. Isto é um absurdo. Porque
não é por um acto se ter tornado inimpugnável, que é um mero efeito processual, que esse
acto não pode ser penalizado pela ordem jurídica e que o juiz não pode considerar a
invalidade daquele acto. Ora bem, o legislador aqui, no artigo 38º, enfim, leu o que eu escrevi
– fico satisfeito – e utilizou até expressões próximas daquelas que eu defendi no tal Estudo
sobre os efeitos duradouros do acto administrativo.

E, portanto, diz, primeiro de uma forma encoberta, "nos casos em que a lei substantiva
o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil"… – não é só na
responsabilidade civil, a responsabilidade civil é mais um exemplo porque é sempre possível
pedir a responsabilidade mesmo quando não se impugnou o acto anulável, porque não há
nenhuma razão de ser para que não haja uma responsabilidade civil desde que o acto se
mantenha – é uma realidade que não faz sentido que aqui esteja, mas pronto, é um caso
óbvio… mas, vem-se dizer que o tribunal pode proceder a conhecer, a título incidental, da
ilegalidade de acto administrativo que já não possa ser impugnado. Portanto, é possível o
tribunal conhecer, a título incidental, da ilegalidade.

E acrescenta outra coisa que, essa, já vai um bocadinho mais longe do que o que eu ia
e que é a prova de que, quando lêem, nem sempre lêem bem. Diz o seguinte: "sem prejuízo
(…) não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do
acto inimpugnável". Aqui é um bocadinho demais, não é? Porque o Professor Marcello
Caetano – não há como utilizar o inimigo para protestar contra as posições que ele defendia –
o Professor distinguia entre um acto de revogação – um acto só, que afastava o efeito do acto
anterior e, na altura, a revogação correspondia ao que hoje se chama anulação, era uma
revogação com eficácia anulatória… um acto de revogação – anulatória – não é a mesma
coisa do que um acto de conteúdo contrário: porque um acto de conteúdo contrário afasta os
efeitos de um acto anterior, mas não é praticado pelo mesmo órgão, não resulta do mesmo
procedimento… embora tenha um efeito contrário, este acto contrário, não é equivalente a
uma anulação. Ora, se isso é assim, eu defendi e continuo a defender que é possível haver um
acto de conteúdo contrário. Nada proíbe que a Administração pratique um acto de conteúdo
contrário e que o particular peça ao tribunal a condenação da Administração na prática do
acto de conteúdo contrário – não pode é ser praticado pelo mesmo órgão que praticou aquele
acto de conteúdo inimpugnável, não é pode ser praticado pelo mesmo procedimento; agora,
produzir os mesmos efeitos, não há razão nenhuma para que isso não aconteça. E, portanto,
este n.º 2 tem de ser interpretado de uma forma restritiva. O que se pretende aqui dizer é que
não pode usar o meio “acção de impugnação”, que deixa de ser possível ao fim de um ano,
que é o prazo máximo. Mas, se não pode haver o uso da acção de impugnação, pode haver o
uso da acção administrativa para condenar a Administração a praticar o acto de conteúdo
contrário; isso faz todo o sentido. E, portanto, este n.º 2 vai um bocadinho mais longe do que
deveria ter ido, apesar de tudo.

Isto significa que os senhores não devem dizer que o acto tem um efeito
convalidatório: efeito convalidatório uma ova. Não há nenhum milagre das rosas. Passou um
ano - milagre do Senhor, são rosas! Já não é uma ilegalidade, agora é uma rosinha, uma
rosinha muito bonita. Não faz sentido absolutamente nenhum. O milagre das rosas, enfim,
nasceu de uma situação em que eu estava a falar disto em Coimbra – e em que outra cidade,
senão Coimbra, há que invocar o milagre das rosas! – e, portanto, aquilo causou um grande
impacto na vetusta Universidade de Coimbra… não são rosas nenhumas! Um acto com um
ano e um dia é exactamente igual ao acto com um ano. Tem um ano e um dia: o particular já
não pode impugnar contenciosamente. Mas o acto é o mesmo, a ilegalidade continua e,
portanto, este acto pode ser apreciado pela ordem jurídica, quer a título incidental, quer até
para obter um acto de conteúdo contrário. É uma apreciação que é incidental e que não vai ser
sobre o acto; vai ser sobre o dever de afastar o acto, vai ser sobre o dever que foi incumprido
pela Administração na prática daquele acto.

O que se passava naquela hipótese de escola que foi a dos pedidos de reforma foi que,
ao fim de 30 anos, ninguém estava preocupado com o acto que tinha sido praticado, ninguém
queria afastar as faltas injustificadas ilegais que passaram. A pessoa lamentava muito, mas
pronto: alguns não sabiam, outros souberam e acharam que não havia razão para impugnar,
outros, enfim, tinham apresentado atestado médico e nunca pensaram nisso. E, portanto, não
havia razão para afastar o acto; agora, havia razões para que aquele acto, que era ilegal –
porque aplicar uma sanção não correspondia ao exercício da função… as sanções
disciplinares correspondem ao exercício de uma função Administrativa e a razão pela qual
eles estavam a ser punidos era porque havia uma greve académica naquele dia, ou seja, este
acto era ilegal – era um acto que violava os fins que a Administração deveria ter prosseguido
e, conforme a conformação tradicional, seria um desvio de poder. Agora, ninguém estava
preocupado com isso: ficaram preocupados 30 anos depois – claro – porque 30 anos depois
tinham menos tempo de serviço e, portanto, fazia sentido que esse acto não fosse considerado
válido naquela relação jurídica que é duradoura. E, portanto, temos esta norma que aparece
aqui como norma comum – voltaremos a falar dela a propósito do prazo.

Depois, aparece no art. 39º algo que também faz todo o sentido, que é a consideração
do interesse processual como condição autónoma da legitimidade. Os senhores estudam o
interesse processual no Processo Civil e, normalmente, aparece nos pressupostos processuais
típicos, mas, curiosamente, no Direito Administrativo não se alegava este pressuposto
processual. Porque é que não se alegava? Porque o modo como era concebida a legitimidade
implicava pegar no conceito de interesse e falar no interesse directo e pessoal. E esta
expressão do interesse directo, pessoal e legítimo era utilizada para substituir o direito que se
negava – era uma forma de, sub-repticiamente, apelar aos direitos subjectivos, mas negar a
sua existência através do critério do interesse.

Mas, o facto de se colocar a tónica na legitimidade do ponto de vista do interesse


inutilizava o interesse como pressuposto processual. Ora, a partir do momento em que
mudam as regras de determinação da legitimidade, a partir do momento em que são as partes
que alegam sê-lo na relação material controvertida e em que o interesse passa a ser apenas o
interesse directo – que decorre da titularidade da posição jurídica de vantagem no quadro da
relação controvertida – então o pressuposto processual do interesse processual fica, de
alguma maneira, liberto para funcionar como pressuposto processual autónomo. E o
legislador, aqui, no art. 39º, regula-o, embora, a sua dimensão mais ínfima, que é relativa aos
pedidos de simples apreciação.

É claro que num pedido de simples apreciação faz sentido saber se o particular tem
algum interesse jurídico em pôr o tribunal a funcionar – não há um interesse directo em que
ele é afectado, não é isso que está em causa… é saber se, do ponto de vista daquilo que ele
vai pedir ao juiz, faz sentido pôr a funcionar a máquina da justiça para resolver uma dúvida
teórica: ficou na aula teórica com uma dúvida e sabe que ali uma acção e vai usá-la… quer
dizer, não aconteceria porque as acções estão mais caras do que aquilo que deveriam estar.
Há uma máxima, de resto enunciada pelo meu amigo, que eu acho deliciosa, que é dizer que
as portas da justiça administrativa estão abertas para todos, estão tão abertas como as portas
do Hotel Ritz. E, realmente, a partir do momento em os emolumentos e as custas são
excessivos… as portas estão abertas para todos tal como estão abertas para toda a gente as
portas do Hotel Ritz. Aqui há algum exagero, mas também é algo que tem de ser dito para
que os governantes não caiam no excesso em que têm caído, naquela de “isso é a coisa menos
importante, vamos carregar nas custas de processo, vamos carregar nos emolumentos”, o que
é errado… mas se era errado que o processo administrativo fosse gratuito, como era a lógica
tradicional objectivista, também é igualmente errado que o processo administrativo seja
excessivamente oneroso.

Bem, mas o legislador pensou logo nas acções de simples apreciação: é naquela lógica
de o tribunal não poder estar a trabalhar em vão, pelo que o melhor é regular, como limite, o
pressuposto processual do interesse no quadro desta acção. Mas, o legislador, agora, na
reforma de 2015, com bastantes críticas a esta limitação do interesse, já no n.º 2 fala na acção
de condenação. Eu diria que não faz muito sentido limitar o âmbito deste pressuposto
processual porque ele é, em si mesmo, de aplicação limitada. O que está em causa são
aquelas situações em que não há motivos jurídicos válidos para pôr a funcionar o processo,
portanto, não há interesse. Se quiserem, na medida em que – veremos isso, se não for hoje,
numa das próximas aulas – o art. 56º, que estabelece a aceitação do acto, estabeleça que
alguém que aceita expressamente um acto administrativo não o pode pôr em causa, aqui seria
um destes casos de aplicação do interesse processual em agir: não pode pôr em causa porque
falta o interesse, falta o pressuposto processual do interesse. Mas deixaremos a análise do art.
56º para outro momento, porque eu tenho muitas críticas a essa norma. Mas, considerando
que aceitar impede, para o particular que aceitou, a impugnação do acto, não é preciso
inventar aqui um outro pressuposto processual, tal como faz o professor Vieira de Andrade –
não há nenhum pressuposto processual autónomo… o pressuposto que aqui está é, de facto, o
interesse: o particular disse que aceitou, perdeu o interesse em agir. Portanto, ele aplica-se a
todos os casos, na medida limitada em que possa ser aplicado. Não é preciso o legislador
estabelecer estas distinções. Agora, o que agora sucede é que antigamente ele nunca era
suscitado no contencioso administrativo: e não era porque o interesse tinha sido absorvido
pela ideia da legitimidade.

Bem, vamos então analisar agora a acção de impugnação. E vou-lhe chamar "acção"
precisamente porque quero criticar a técnica legislativa adoptada (já vimos isso), porque o
legislador criou várias sub-acções, acções que têm regras completas para aplicação a uma
determinada realidade. E, no âmbito da impugnação administrativa, para além do objecto,
temos os pressupostos, temos a marcha do processo, temos todos os momentos relativos a
uma verdadeira acção.

Mas a razão pela qual vamos olhar para estes artigos (do art. 50º ao art. 65º) é que o
legislador foi muito detalhado ao regular esta modalidade de acção. E à partida, diríamos que
devia ter sido ao contrário: vejamos, à partida, a impugnação de actos administrativos é o que
era conhecido e, portanto, não precisaria de ter uma regulação tão exaustiva. Pelo contrário, o
que era novo é que tinha de ser regulado. E se olharmos para cada uma destas normas há aqui
um problema de natureza psicanalítica que é o legislador ocupar-se mais do que é antigo e
preocupar-se muito pouco com aquilo que é novo. Senão reparem: dos arts. 50º ao 66º, temos
quinze artigos a regular a acção de impugnação; depois surge uma coisa radicalmente nova,
que nunca existiu no direito português, que contraria aquilo que era tradicional no
contencioso administrativo, que é uma realidade essencial agora no novo Processo
Administrativo: as acções de condenação na prática do acto.

Aqui esperar-se-ia que o legislador fosse bastante detalhado, mas não: bastam os arts.
66º ao 71º (cinco artigos) para tratar esta matéria. Há pouco tínhamos três vezes mais para a
acção de impugnação… é ligeiramente estranho. Mas, para a acção de impugnação de norma
e a condenação à emissão de normas, também encontramos o mesmo: dos arts. 72º a 77º, nos
quais 72º a 76º se ocupam do conhecido (a impugnação de normas, que já existia), há apenas
um artigo para o que é novo (a condenação à emissão de normas). Há aqui qualquer coisa que
não joga muito bem. Também, enfim, nos contratos podíamos dizer que era uma realidade
conhecida e aparecem aqui duas normas, enfim, mas há, sobretudo, à acção de condenação,
uma certa excessiva parcimónia na regulação, no tratamento destas normas. Até porque há
aqui algumas coisas que ficam de fora… há questões que já se colocavam em 2004 e há
questões novas que surgiram entretanto e que se colocavam em 2015 e em 2019… e nem o
legislador de 2004 actuou, na formulação originária, nem o legislador de 2015 ou de 2019 se
ocuparam de novo de regular esta situação o que é, à partida, estranho.

Uma explicação para isso – também ela de natureza psicanalítica – é que o legislador
se preocupou mais em regular aquilo que aparentemente já existia porque quis mostrar que,
agora, sobre uma designação equivalente, o que existe hoje é radicalmente diferente e não se
confunde com o anterior recurso de anulação. E, portanto, revelou aqui, por um lado, um
certo medo do desconhecido ao não regular as coisas novas de uma forma tão detalhada como
devia (uma tendência psicanalítica de, perante o novo, adoptar aquela posição sobranceira e
depois estar, por dentro, a tremer, que é uma coisa que, normalmente, acontece a todas as
pessoas e não apenas aos pacientes da psicanálise) – portanto, uma posição do legislador em
não querer dar parte fraca e, portanto, não dar muita importância ao que era novo – e, ao
mesmo tempo, regular para mostrar que o que agora existe é radicalmente diferente.

E eu vou-vos fazer a prova de tudo isto pegando num trabalho que eu escrevi nos anos
90 e que também está nesse "Ventos de Mudança", podem consultar na Biblioteca, está lá,
porque eu ofereci… um artigo que eu escrevi, na altura, anos 90, que se destinava a analisar a
realidade processual vigente, já tardia, para mostrar que aquilo que existia não fazia sentido e
que era preciso reconstruir o Contencioso Administrativo. E para isso recorri à lógica
germânica das duas teses – os alemães gostam de simular teses no sentido de haver um
enunciado reduzido daquilo que eles dizem - e as minhas duas teses eram as seguintes: tese
n.º 1: o recurso directo de anulação não é um recurso; tese n. º2: o recurso directo de anulação
não é de anulação. E, portanto, estavam formuladas de forma chocante para mostrar que o
nome e a realidade subjacente ao nome não podiam funcionar mais e não correspondiam à
natureza.

A primeira explicação é óbvia: a acção administrativa não se confunde com o anterior


recurso de anulação. Pode-se dizer que, antes, era um nome – e, realmente, era para
subverter, eu chamava-lhe uma acção chamada recurso. E era um nome que, um nome que
vinha do passado, dos traumas da infância difícil, da formação do contencioso administrativo,
mas uma realidade que se tinha transformado pela separação entre Administração e Justiça,
porque só fazia sentido ver o Processo Administrativo como um recurso se se considerasse
que a Administração e o Tribunal se inseriam no mesmo poder do Estado e, portanto, o acto
administrativo definitivo e executório era a primeira instância e, depois, recorria-se dessa
decisão para o tribunal – era a lógica de uma continuidade entre procedimento e processo. A
partir do momento em que se separa o procedimento do processo, a primeira apreciação por
um tribunal de um litígio administrativo é, necessariamente, uma acção. Era uma acção que
tinha nome de recurso, mas era uma acção, porque era a primeira vez que se estava a apreciar
a ilegalidade de uma actuação administrativa no quadro de uma relação jurídica
administrativa, em que o particular, lesado, se ia queixar daquele acto. E, portanto, era óbvio
que o nome não era adequado à natureza da coisa.

Eu até ironizava – e, por isso, é fácil de lerem e saberem em que ano é que isso foi
escrito… os mais cinéfilos podem ir procurar à Internet – com um filme da altura que era o
"Todo Sobre Mi Madre" do Almodóvar, que é um filme de trocas de identidades. Enfim, o
pai, que ele conhecia a determinada altura, tinha-se transformado numa segunda mãe,
portanto, havia ali um problema de troca, de uma relação difícil com as duas entidades, uma
numa matéria e outra noutra. E eu brincava com o "Todo Sobre Mi Madre" e dizia que esse
filme era inspirado no recurso directo de anulação, porque era um nome feminino, era a
Maria Antonieta, um nome histórico… um nome adequado para o recurso…, mas, por trás,
havia um Joaquim Manuel, ao contrário do que existia na história do Almodóvar. E, então, eu
brincava com a história das trocas de identidade do Almodóvar com a troca de entidade no
Contencioso Administrativo porque aquilo a que se chamava recurso era uma verdadeira
acção.

Ora bem, o que é que mudou? Mudou que agora temos uma acção administrativa –
uma acção de impugnação – e que, nos termos do art. 90º, esta acção deixa de estar
organizada como um recurso e passa a ser uma verdadeira acção. O que é que existia antes?
Existia que o juiz do chamado recurso de anulação apreciava apenas os documentos que eram
trazidos pelas partes: apreciava o procedimento administrativo e apreciava os textos
processuais elaborados pelas partes (se a Administração fizesse um texto, senão apreciava
apenas a petição inicial apresentada pelo autor). E não havia prova. No Contencioso
Administrativo não havia produção de prova.

Agora, uma vez que estamos perante uma verdadeira e própria acção, admitem-se,
como se diz no art. 90º, todos os meios de prova que estão regulados no Processo Civil.
Porque o juiz agora não é apenas um juiz de direito, como era o juiz de recurso; o juiz é
primeiro o juiz dos factos e depois do direito. Depois haverá uma segunda instância de
apreciação apenas do Direito; mas estamos na primeira instância – são factos que vão ser
julgados pela primeira vez. E, portanto, todos os meios de prova são admissíveis e, porque
todos os meios de prova são admissíveis, passou a existir, como no art. 91º se diz, passou a
haver prova. Não apenas se entregam os diferentes documentos que determinam o processo,
portanto, as partes entregam uma petição inicial, depois há uma contestação, depois há
alegações de ambas as partes… não só se entregam todas essas realidades, como, depois há
uma audiência final em que se interrogam testemunhas, em que se produz a prova, e só
depois é que o juiz vai decidir da questão de Direito. Isso não existia antes; isso existe agora.

E, portanto, isto significou uma transformação do contencioso administrativo. Agora


temos um verdadeiro processo a funcionar, com uma audiência, como os senhores vão fazer
na simulação de julgamento, um processo igual aos outros, em que se interroga testemunhas,
em que se produz prova. O que é levado pelas partes, sejam os documentos preparados pelas
partes, seja o procedimento administrativo, são apenas meios complementares de prova e que,
como tal, podem ser ilididos através da produção de prova contrária: temos um processo
jurisdicional a funcionar. E antes não era assim.

Mas o meu segundo pressuposto era que o recurso de anulação não era de anulação.
Não é de anulação porque os efeitos das sentenças, no Contencioso Administrativo, iam além
da anulação. Embora a doutrina e a jurisprudência dissessem, "não pode haver senão a
anulação, o contencioso é de mera anulação" – isto era algo que era afirmado como
absolutamente essencial – o que é facto é que das sentenças eram retirados outros efeitos que
não estavam no seu conteúdo e que iam além da anulação.

Em primeiro lugar, usava-se o caso julgado para dizer que, por efeito do caso julgado,
não era possível repetir aquele acto por parte da Administração e, portanto, não era uma
ordem do tribunal a impedir a repetição, isso resultava do caso julgado, que está fora da
sentença: a sentença era só de anulação. Mas por causa do caso julgado a Administração não
pode repetir aquilo que é ilegal que o tribunal determinou que é ilegal. E temos aí um efeito
acrescido da sentença, que já não é anulação. Mas reparem noutra coisa: a sentença de
anulação não precisa de ser executada, pois não? É inerente à ideia da sentença constitutiva
de anulação que ela é auto-exequível e, portanto, a sentença satisfaz imediatamente os
desejos dos particulares. A pessoa que, por exemplo, se quer divorciar, não precisa de fazer
mais nada. Fica divorciada. É algo em que o efeito pretendido pelas partes corresponde
àquela eficácia constitutiva daquela sentença.

Ora, no Contencioso Administrativo falava-se da execução das sentenças… e aquilo


que se incluía na execução das sentenças era aquilo que se retirava do processo declarativo,
ou seja, era o “processo declarativo 2”. Só a partir de um certo momento é que se
transformava no processo executivo; porque, primeiro, o que se ia discutir no processo de
execução era aquilo que a Administração tinha de fazer para cumprir a sentença de anulação.
E aí falava-se do que a Administração tinha de fazer para reconstruir a situação hipotética do
particular, é a expressão do professor Freitas do Amaral, tinha de tomar todas as
consequências do acto, ou seja, os efeitos resultantes não correspondiam à sentença de
anulação. E, portanto, isso transformava o processo dito executivo num “processo declarativo
2” e, portanto, introduzia aqui algo que era um absurdo: a sentença era de “mera anulação”,
mas há outros efeitos, para além da anulação, nomeadamente de natureza condenatória, que
resultam do efeito daquela sentença. Como explicava Nigro no final dos anos 70, havia aqui
um divórcio aqui um divórcio entre o conteúdo da sentença e os efeitos da sentença. Porque
no conteúdo ditava-se que era de simples anulação, mas depois os efeitos alargavam-se a
efeitos condenatórios.

Porque é que isto acontecia? É fácil. No Processo Administrativo, quando juiz vai
apreciar o acto, em regra, o acto foi executado. E se ele foi executado, não basta anular o
acto. Se o acto não foi executado, a anulação satisfaz o pedido do particular…, mas o
problema é que, em regra, o acto já foi executado. E porquê? É muito simples: nem sequer é
preciso pensar naquelas realidades disparatadas como a execução prévia, esses disparates,
que nunca existiram. Mas basta pensar no simples facto de que a Administração goza de um
poder administrativo, que é de natureza potestativa e, portanto, ao actuar, produz
imediatamente efeitos na esfera dos particulares e, portanto, o acto é imediatamente
executado. E depois ainda pode ser executado coactivamente. E, portanto, há aqui duas
realidades: primeiro, o poder da Administração, que é unilateral… e, depois, a autotutela que,
quando existe, permite que o particular se contente com a anulação.

O caso mais comum é o caso da ordem da demolição. O Bar do Gigi – não sei se
conhecem – fica na praia mais famosa deste país, mais badalada deste país. Há aí um
restaurante, do Gigi, um senhor, que não se chama assim, mas adoptou esse nome. O Bar do
Gigi já há muito tempo que devia estar demolido, já houve a demolição de bares e
restaurantes ao lado, mas aquele como tem uma frequência muito especial tem-se mantido. E
não se sabe bem porquê. Até o Sr. Gigi tem feito obras de remodelação e de reconstrução e o
bar continua lá. Ora bem, uma ordem de demolição de uma barraca ou de uma casa, mesmo
que fosse uma casa, significa que a Administração notifica as pessoas que lá vivem e manda
para lá um bulldozer, daquelas máquinas Caterpillar, e destrói a barraquita ou a casa ou o que
estiver. E, portanto, o particular quando vai a tribunal impugnar a ordem de demolição, a casa
já não existe e, portanto, não interessa nada a anulação do acto. Ele só pode anular se juntar
ao pedido de anulação um pedido de condenação de reposição, para a reconstrução da casa
ou, pelo menos, que o compensem pela destruição da casa.

E a compensação aqui não é pelos prejuízos do desaparecimento da causa, é pelos


prejuízos causados pela execução de uma ordem que era ilegal. E, portanto, substituem os
efeitos daquela sentença relativamente ao acto. E por isso é que as sentenças de anulação não
eram apenas de anulação: porque produziam efeitos que iam além da anulação e para afastar
esses efeitos era preciso recorrer à execução e usar a figura do caso julgado.
Ora, o que é que aconteceu depois da Reforma? Em primeiro lugar, o legislador não
fala em anulação: fala em impugnação. E uso da expressão é relevante. Desde logo, porque,
na impugnação, legislador – e isto já vinha de trás – inclui o pedido condenatório e inclui um
pedido de simples apreciação, que é a declaração de nulidade. Mas mais do que isso, porque
agora podem haver pedidos constitutivos, que serão apesar de tudo limitados.

Quando? Quando a Administração não execute o acto ou quando o particular obtenha


a suspensão da eficácia do acto administrativo, como no caso de uma providência cautelar. Se
isso acontecer, a acção será constitutiva. Agora, o que é normal que aconteça é que o
particular cumule o pedido de impugnação com o pedido de condenação à reposição da
situação em que ele se encontrava antes da prática do acto, assim como o pedido de
condenação da Administração a que a Administração não faça aquele acto, que a
Administração o indemnize… tudo aquilo que for necessário para satisfazer integralmente a
relação material controvertida. Agora o objecto do processo já não é a anulação do acto; o
objecto do processo é a integralidade da relação material controvertida. Através do pedido e
da causa de pedir é esta relação integral que vai ser levada a tribunal e aquilo que o particular
vai pedir é numa sentença única essa satisfação integral. Por causa disto, e eu acabo já, hoje
em dia a maior parte dos pedidos de impugnação são de natureza mista. Eu diria – não tenho
estatística – eu diria que 80% dos casos de pedidos feitos de ação de impugnação são pedidos
de natureza mista que juntam pedidos anulatórios com pedidos condenatórios e pedidos de
simples apreciação. A maior parte das sentenças também tem natureza mista e só nuns
escassos 20% – e se calhar nem isso – é que há sentenças constitutivas. Porquê? Porque
nesses casos o ato foi suspenso, ou por vontade da Administração ou por decisão do tribunal
ao abrigo de uma providência cautelar.

Aula 06/11/19

Vamos hoje continuar a falar da ação de impugnação.

Tínhamos visto na última aula a questão do objeto do processo e a questão dos


poderes do juiz.
Aquilo a que se chama ação de impugnação, como vimos na aula passada, dá origem a
pedidos que são naturalmente de natureza mista. Só são de mera impugnação quando haja um
ato que seja suspenso.

A regra é que sentenças de impugnação são no geral mistas e isso é a principal


transformação que resultou desta reforma para a ação de impugnação.

Vamos agora analisar os pressupostos processuais da ação de impugnação

i) O primeiro pressuposto é um pressuposto específico e é um pressuposto daqueles que por


um lado tem marcado a história do contencioso administrativo por outro lado, em Portugal,
tem feito correr muita tinta.

A razão disso é que isto é um tema central. A noção de ato administrativo e a noção
de impugnação são duas realidades centrais do Direito Administrativo e do contencioso
administrativo.

Houve no quadro da lógica clássica uma teorização do ato administrativo e essa


teorização servia para delimitar o âmbito da impugnação, para delimitar o âmbito da
aplicação do chamado recurso direto. As duas coisas estavam intimamente ligadas e isto teve
como consequência que a discussão substantiva de ato administrativo tivesse dependente
também da noção processual.

Como é que as coisas se colocaram e qual a realidade, em primeiro lugar em termos


genéricos e depois em face de uma ordem jurídica especial?

O conceito de ato administrativo nasceu do processo francês e a primeira explicação


do processo correspondia a ter em juízo os atos de autoridade, os atos de poder, os atos que
naquele paradigma a Administração exercia.

E este paradigma, depois, mais ou menos teorizado, foi adotado no quadro do


liberalismo.

O que é que estava aqui em causa? Estava em causa um modelo de Estado limitado
que, no quadro da função administrativa, se limitava ao exercício da força física, que
regulava a segurança, segurança da liberdade e segurança da propriedade e que se ocupava
das forças armadas. Portanto, era um Direito de natureza agressiva, para usar a expressão do
Doutor Mário Aroso de Almeida. Era uma Administração que quando atua é para pôr em
causa, é para agredir, é para limitar os direitos dos particulares.

Isto levou a uma teorização restritiva de ato administrativo. Ato administrativo


caracterizado como um cadinho, uma estrutura que condensava todas as características do ato
administrativo. Olhando para as teorizações deste modelo, que de resto são aquelas clássicas,
que marcaram a história do Direito Administrativo temos, na Alemanha, Ottomayer que
equiparava o ato administrativo à sentença no quadro de uma filosofia positivista e dizia que
o ato administrativo correspondia ao exercício de dois poderes de autoridade, um poder de
definição do Direito e um poder de execução coativa desse Direito contra a vontade dos
particulares. Estas duas características vamos encontrar em todas as construções liberais e
depois pós-liberais de ato administrativo. Maurice Hauriou que, não partindo do mesmo
pressuposto, comparava os atos administrativos com os negócios jurídicos realçava aquilo
que chamava os privilégios exorbitantes da Administração, e os privilégios exorbitantes da
Administração eram o privilégio da definição do Direito e o privilégio de execução.

E esta dualidade, definição do Direito, execução do Direito vai marcar estas


conceções clássicas. Depois vai dar origens às conceções italianas de Santi Romano. Vai, no
final, dar origem à construção de ato definitivo executório do Professor Marcello Caetano e
do Professor Freitas do Amaral. E o que vai acontecer é que esta noção de ato administrativo,
que está primeiro ligada à dualidade, é uma noção que vai perdurar para além do Estado
Novo. Embora o Estado social e depois o Estado pós-social tenham trazido consigo modelos
novos de Estado e modelos novos de ato administrativo, o que é facto é que várias vezes a
cristalização jurídica destas construções doutrinárias em Portugal vão-se transformar em
construções legislativas. O Professor Marcello Caetano é o responsável pela elaboração das
principais leis no quadro do Estado Novo e essas leis consagram uma noção de ato
administrativo definitivo executório no processo administrativo e consagram uma noção de
ato definitivo executório como critério de impugnabilidade. O pressuposto processual da
impugnabilidade de um ato era, de acordo com a lógica tradicional, ele ser definitivo e
executório. Isto vai ocorrer em Portugal até 89 porque o legislador ordinário até 89 usou essa
fórmula administrativa. Na reforma de 85, o artigo 25º da LEFTA falava “para a
impugnabilidade de atos administrativos executórios” e portanto é uma dualidade que vinha
desde os anos 30 e que só vai ser afastada com a reforma em termos legislativos. Só que
entretanto, em 89 houve uma alteração que mudou, para o Professor, a natureza legislativa.
Em 89 o legislador constitucional abandonou a referência à impugnabilidade de atos
definitivos executórios e substituiu-a pela noção de atos nocivos de direitos dos particulares
ou atos suscetíveis de lesar direitos dos particulares.

Para o professor regente, esta alteração constitucional tornou inconstitucional as


previsões que estabeleciam ou que mantinham a antiga regra do ato definitivo e executório e
obrigou a alargar o pressuposto processual da impugnabilidade. Portanto estamos a ver que
estas noções de ato e noções de pressuposto processual do contencioso estão intimamente
ligadas e que o conceito de ato, sendo um conceito substantivo e definido em termos
substantivos tem um efeito processual porque é o mesmo conceito que é utilizado para
delimitar o objeto do processo no âmbito do chamado recurso de anulação. E tal como em
Portugal, também nos outros países, estas noções perduraram mesmo quando eram criticadas
pela realidade do Direito Administrativo. É um fenómeno de vida para além da morte. O
direito às vezes surge para uma determinada realidade e depois continua mesmo quando a
realidade desapareceu.

Há aqui um fenómeno do Direito em que as coisas cristalizam mesmo quando


desaparecem.

O que é está aqui em causa? Estas duas características, por um lado definição do
Direito, por outro lado suscetibilidade de ele ser coativo. O Estado social, com o modelo de
Administração prestadora vai pôr em causa essas duas características e todos os atos da
Administração prestadora não se subsumem a esta categoria porque a Administração vai não
definir o Direito, mas usar o Direito como meio para satisfazer necessidades coletivas. E a
separação entre administração e justiça faz com que a justiça diga o Direito, que seja a função
primária da justiça dizer o Direito aplicável ao caso concreto. Pelo contrário, para a
Administração o Direito é um meio, um meio para satisfazer as necessidades coletivas. A
maior parte dos atos administrativos não são definição de Direito. Eles produzem efeitos
jurídicos, são, nessa perspetiva, atos jurídicos mas a produção de efeitos não é a mesma coisa
que a definição autoritária do Direito. A definição autoritária do Direito decorre de uma
ordem e as ordens existem no domínio da Administração polícia e mesmo aí em termos
limitados. Se não estivermos do domínio da Administração censuradora ou da Administração
polícia a maior parte dos atos (a concessão de uma bolsa de estudo, a concessão de um
auxílio financeiro, a concessão de uma reforma, a concessão de uma licença de construção)
são atos que não têm natureza definitória.
Produzem efeitos jurídicos, mas não são definição do Direito. Por outro lado, os atos
da administração prestadora, por natureza, são insuscetíveis de ser executados coativamente
porque são atos favoráveis aos particulares e portanto o problema que se coloca não é da
execução contra a vontade do particular porque o particular quer que eles se executem, foi ele
que os pediu, ele interveio, satisfazem as suas necessidades e portanto não são suscetíveis de
execução coativa. Isto vai fazer com que a noção de ato definitivo executório entre em crise
logo com o surgimento dos factos subjetivos. Isto vai levar a que, noutros países, mais cedo
do que aconteceu em Portugal, se procure reconstruir a teoria do ato administrativo e no
início do século XX temos exemplos disso na Alemanha, em Itália, mesmo em Espanha, não
tanto em França, que começa as coisas já mais próximo daquilo que se passa em Portugal,
embora em França, o que se mantém durante mais tempo é só a noção do ato executório, que
perde o sentido da tutela contra a vontade do particular e passa a significar apenas a eficácia
dos atos administrativos mas mantém-se essa expressão. O que é facto é que a realidade do
Estado social com os novos atos da Administração prestadora vai pôr em causa esta lógica do
ato definitivo executório, que se transforma a partir determinada altura. Isto é ainda mais
evidente a partir dos anos 70 com o chamado Estado pós-social e a Administração
infraestrutural, em que os atos administrativos existem no quadro de relações jurídicas
multilaterais, tendo eficácia múltipla e não têm nenhuma destas características. Temos o
exemplo de um ato administrativo da Administração infraestrutural, dos anos 70 até aos
nossos dias, que é um ato do controlador aéreo. O controlador aéreo não tem nenhuma
formação jurídica.

O ato que ele faz não tem nada a ver com o Direito, não envolve nenhum juízo
jurídico, não tem nenhuma formação jurídica, mas produz efeitos jurídicos, a ordem é
obrigatória. Por isso, esta ideia de produção de efeitos jurídicos que, já agora, é a primeira
ideia, a produção, não a definição de efeitos jurídicos, a simples produção de efeitos jurídicos
que caracteriza o ato administrativo. A atuação pode ser também de um particular no
exercício da função administrativa que produz efeitos jurídicos no caso individual e concreto.
E isto é uma transformação da noção tradicional de ato. Mas a lógica executória também se
torna mais caricata perante atos que produzem efeitos em relação a terceiros e portanto, se há
terceiros envolvidos nos dois lados da relação jurídica, não faz sentido dizer que ele é
suscetível de execução coativa contra a vontade do particular. Qual particular? Não há uma
característica nestes casos. Por outro lado, também, esta suscetibilidade de execução coativa
só pode existir quando a lei o preveja, é uma exigência do Estado de Direito que determina
esta realidade.

Então se isto é assim temos um conceito que a partir de determinada altura se tornou
um nado morto, mas que continua a ser afirmado por alguma doutrina e continua a ser
afirmado por algumas leis, designadamente aqui em Portugal, mesmo quando a realidade já é
outra. Isto significa que um dos problemas que surge a partir do Estado social é um problema
da incapacidade processual de dar seguimento, permitir regular todos os litígios das relações
jurídicas administrativas. Muitos deles ficavam de fora.

Mas vejamos então como se colocava a discussão.

A lei falava do ato definitivo executório e depois a própria Constituição. O que é que
era o ato definitivo executório? Já sabemos. Definitivo: definição de Direito; executório:
suscetibilidade de execução coativa contra a vontade do particular. Este conceito foi de
alguma maneira desenvolvido e reformulado pelo Professor Freitas do Amaral que pega na
ideia de definitividade e diz que temos de considerar a tripla definitividade. E a tripla
definitividade é: a definitividade material, que no fundo correspondia à definição de Direito,
a definitividade horizontal, que era o ato que tinha de ter uma componente de Direito
administrativo e por último era a definitividade vertical, o ato praticado pelo órgão de topo, o
ato praticado pelo superior hierárquico.

Parece que esta outra vertente da tripla definitividade, no período entre o início dos
anos 40 e 89, há algumas discussões que vão introduzir uma limitação dos conceitos, mesmo
quando eles continuam a ser utilizados. A maior discussão foi acerca da executoriedade. Isto
porque a escola de Coimbra, o professor Rogério Soares, a partir dos anos 60, contesta de
forma veemente a ideia de que a Administração goze do direito de execução prévia e que o
ato administrativo seja executório. Vem dizer que isto é inadmissível num Estado de Direito,
vem utilizar uma série de argumentos modernos e propõe uma interpretação alternativa para a
expressão “executório”. Diz o Professor Rogério Soares que quando a lei fala em ato
executório, deve-se entender isso por ato eficaz, ato produtor de efeitos jurídicos, que é uma
realidade muito próxima da realidade francesa. Mas isso significa deitar para o caixote do
lixo a ideia da suscetibilidade de execução coativa. O que interessa é apenas a produção de
efeitos.
E isto vai ser uma crítica que apesar de não ser considerada muito acérrima na
discussão intelectual, vai fazer algum eco. Na 9º edição do Professor Marcello Caetano,
escritas por ele e revistas e reformuladas pelo Professor Freitas do Amaral, em que o
Professor Freitas do Amaral escrevia, a letra mais pequena e a itálico, às vezes o contrário do
que estava no texto, que tinha sido escrito pelo Professor Marcello Caetano, se lerem as
páginas da executoriedade, o Professor Marcello Caetano explica as executoriedade nos
termos tradicionais , a seguir o professor Freitas Amaral corrobora esse sentido mas diz que
ainda há outro sentido para a executoriedade e se calhar é esse que está em causa quando
falamos de impugnabilidade, que é o sentido da eficácia.

O próprio Professor Marcello Caetano, ainda antes do 25 de abril e das


transformações que viriam a dar não ele diretamente mas no manual dele, por alguém que
ele tinha encarregado de atualizar as lições vai dizer já que se calhar a executoriedade pode
ser apenas a eficácia que é já forma de acabar porque se diz que a característica dos atos atos
é serem definitivos e executórios e só os definitivos e executórios é que ir a processo mas diz
que os executórios podem não ser executórios, podem ser apenas eficazes, isto é destruir a
doutrina. E vai ser na esta lógica de destruição que também começam a surgir, até 89, as
exceções a esta realidade. Vai-se dizer que só é impugnável o ato fim do procedimento. Mas
se o ato exclui o particular esse ato pode ser logo impugnado. Passam assim outros atos para
além do termo do procedimento. Se alguém é excluído do procedimento já não tem que ir até
à decisão final e, se quer impugnar, impugna o ato de exclusão que é o ato às vezes inicial do
procedimento.

A primeira coisa que se faz é ver se os candidatos têm os requisitos, os que não têm,
são afastados. Depois diz-se que se ato resolver um incidente autónomo também pode ser
impugnado”. E se não for um incidente autónomo e for uma realidade distinta que já não é
apreciada sem mais também pode ser impugnado. Ou seja, começa a haver tantas exceções
que a regra geral desaparece. Por outro lado, com a desconcentração surgiram cada vez
competências exclusivas dos subalternos e não há nenhuma diferença entre o ato do
subalterno e o ato do superior. Portanto, cada vez mais se admitiu a impugnabilidade dos
atos. O que começou a acontecer, de uma forma sub-reptícia foi que aqueles conceitos
continuavam a vigorar, mas já ninguém os levava muito a sério.

E quando em 89 a Constituição afasta o conceito de ato definitivo executório e o


substitui por ato lesivo ele entendia que era tempo de alterar não apenas a noção substantiva
de ato administrativo mas também a noção processual e a tese de doutoramento do Professor
regente “Em busca do ato administrativo perdido” dedica-se a ver isso, por isso é que é o ato
administrativo perdido, porque já não havia, porque se reconstruiu o modelo de ato em
função da nova realidade substantiva, da nova realidade administrativa. Ora, o que é agora o
ato? O ato é apenas uma atuação no exercício da função administrativa que produz efeitos
jurídicos no caso concreto. E nos termos da Constituição, este ato que produz efeitos no caso
concreto, se é lesivo de um direito do particular, pode ser impugnado. E portanto, para o
Professor regente, a noção de ato administrativo depois é adotada pelo CPA. O legislador
estabeleceu que o ato administrativo era o ato que produzia efeitos jurídicos. Não era o ato
definitivo, não era o ato de definição do Direito, não era sequer, naquela noção imperialista
da Escola de Coimbra, um ato regulador, uma to que produz efeitos jurídicos novos. Produz
efeitos jurídicos, ponto final. Não têm de ser novos. Coimbra continua a insistir na ideia de
ato regulador, o Professor Vieira de Andrade menciona muito o ato regulador, mesmo em
Lisboa, o próprio Professor Freitas do Amaral, na última versão das lições, tinha passado toda
a vida a lutar contra o ato regulador, como desapareceu o ato definitivo e executório, agarrou-
se ao ato regulador. Mas nem mesmo esse porque qualquer ato administrativo que produza
efeitos é um ato administrativo. E se esta era a realidade administrativa, a realidade
processual devia partir da norma constitucional e devia considerar que o ato lesivo, que
lesasse um direito dos articulares, no quadro de uma dimensão subjetiva é que era o ato a
impugnar. E por causa disso, o Professor defendia a inconstitucionalidade das normas
definitivas, do artigo 25º da Lei do Processo que restringia o conceito de ato impugnável ao
conceito de ato definitivo executório. Da perspetiva do Professor, isto era claro como água e
havia 4 fundamentos da inconstitucionalidade, dois deles a ver com o direito à tutela plena e
efetiva, do artigo 268º/4 e os outros dois com outras normas jurídicas.

- Em primeiro lugar havia uma inconstitucionalidade porque a norma constitucional era uma
norma de direitos fundamentais e se a norma estabelecia que qualquer ato lesivo praticado a
qualquer momento do procedimento era suscetível de impugnação, não podia o legislador
ordinário criar disposições que pusessem em causa o conteúdo do Direito. E se o fizesse, se
se mantivesse a forma de ato definitivo executório, havia uma inconstitucionalidade por uma
restrição inadmissível ao conteúdo de um direito fundamental. Portanto, isto punha em causa
a tutela plena. Também punha em causa a tutela plena o facto de o particular poder ser
obrigado a usar uma garantia administrativa antes de usar a garantia contenciosa. A ideia do
recurso hierárquico necessário. Tinha de obter primeiro uma decisão da Administração e só
depois é que podia ir ao contencioso administrativo. Com a consequência de que se não
tivesse usado da garantia administrativa não podia aceder ao contencioso administrativo

- Havia ainda uma inconstitucionalidade por causa do 268º/4 porque, havendo regras que
estabeleciam pressupostos processuais, como o prazo para a impugnação que era um prazo já
curto, se se exigisse o recurso hierárquico necessário, o prazo reduzia-se a um mês. Isso
significação uma amputação, na prática, do direito à tutela efetiva. Reduzir de dois meses
para um mês significava inutilizar o exercício da tutela. Um mês passa a correr. Com este
aspeto, que tem de ser salientado, o problema estava em que se considerava que não usar a
via administrativa afastava, precludia a via de acesso aos tribunais e, portanto, punha em
causa o direito à tutela efetiva

- Em terceiro lugar, também havia inconstitucionalidade por causa da separação entre


administração e justiça. De novo pensando no recurso hierárquico, havia uma violação da
separação de poderes porque se exigia que para ir tribunal, se utilizasse antes uma via
administrativa, um meio procedimental administrativo.

- Por último, a regra da desconcentração. Era uma regras que em Itália, desde os anos 30
tinha levado à inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário e todas as visões
restritivas do contencioso administrativo. Se há desconcentração, é o ato do subalterno, que
pratica o ato, esse ato vale, esse ato pode ser impugnado.

O professor entendia, de forma muito clara, que não só as restrições ao direito


fundamental eram inconstitucionais, nos termos do artigo 18º/2 da Constituição, como
também violava outras normas constitucionais. Esta posição mantém-se até hoje porque o
Professor entende que qualquer restrição do género, mesmo o recurso hierárquico necessário
é o único que se discute, mesmo em termos limitados tendo os outros já sido afastados. Para o
Professor este é inconstitucional por violação das normas constitucionais. Mas apesar desta
defesa do Professor, até 2002, 2004, não há uma verdadeira discussão e a jurisprudência mata
a discussão. Quer o STA, quer o TC vão dizer que não inconstitucionalidade no recurso
hierárquico necessário. E vão dizê-lo com o argumento de que não há inconstitucionalidade
porque usar o recurso hierárquico necessário não prejudicado porque pode na mesma
impugnar. É verdade, mas o problema não é esse, não quem usou o recurso hierárquico
necessário e depois usou o recurso ao tribunal que é prejudicado. Quem é prejudicado é quem
não usou o recurso hierárquico necessário e não pode ir a tribunal mesmo estando dentro do
prazo de recurso porque não usar o recurso hierárquico precludia a possibilidade de ir ao
tribunal. Portanto vai haver esta discussão.

O tribunal nesta altura, a partir de 89, sem o dizer, deixou-se convencer pelos
argumentos do Professor e portanto admite que a definitividade já não serve para nada e
portanto admite a impugnação em outros momentos do procedimento e admite a impugnação
de atos que não são de definição de Direito.

Mas admite nos termos da prática, a doutrina ainda não muda os seus critérios e a barreira
coloca-se a dois níveis:

- Ao nível do recurso hierárquico necessário

- Ao nível de uma discussão entre as conceções maximalistas e minimalistas de ato


administrativo porque a discussão passa a ser, já não do ato administrativo executório, já não
fala disso, o Professor Freitas do Amaral, nas últimas edições, faz-lhe mesmo um elogio
fúnebre. O último reduto é entre aqueles que, como o Professor, dizem que o ato
administrativo é aquele que produz efeitos jurídicos e aqueles, como a Escola de Coimbra e
agora o Professor Freitas do Amaral, quando perdeu o ato definitivo executório, dizem que
tem de ser regulador, tem de produzir efeitos novos, se não forem novos já não são atos
administrativos, são outra coisa.

Estes passaram a ser os dois únicos pontos da discussão.

Acontece que esta discussão deu fruto e a reforma de 2002/2004 vai afastar
expressamente todas as características tradicionais de ato administrativo.

Nas normas que estão do artigo 50º ao 54º, o legislador afastou todas as características
que tradicionalmente cabiam no conceito de ato administrativo. O legislador diz, no 51º/1 que
qualquer ato, a qualquer momento do procedimento, pode ser impugnado. O legislador
permite que sejam impugnados atos confirmativos ou atos de execução. Atos que não são
inovadores, que não são reguladores. O legislador permite a impugnação de atos eficazes, no
artigo 54º. Em norma nenhuma se prevê o recurso hierárquico necessário ou qualquer
impugnação necessária. O legislador afastou, uma a uma, todas as condições que até aí
tinham sido consideradas relativamente ao ato administrativo. Aquilo que surgiu foi, dei uma
maneira uma vitória daquilo que o Professor entendia ter sido a revisão constitucional. Mas
se isto era assim surge uma discussão porque há quem tire consequências diversas disto. No
caso do Professor, ele diz que nenhuma restrição é possível e que mesmo no recurso
hierárquico, por um lado é inconstitucional, por outro lado era ilegal, não estava previsto no
Código de Processo e era inútil porque na prática nem autor do ato o nem o superior
hierárquico mudam a decisão, confirmam sempre a decisão do subalterno. Portanto não servia
para nada

Mas, logo muito cedo, o Professor Freitas do Amaral e o Professor Mário Aroso de
Almeida vão, por um lado concordar com a perspetiva do Professor regente, mas por outro
lado introduzir uma limitação. Os Professores Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida
vêm dizer que isto significa o afastamento da regra geral do Código de Procedimento e por
isso deixa de ser exigido, em regra, que haja recurso hierárquico necessário (nisto estão todos
de acordo). Vinham dizer que a revogação da regra geral não implicava a revogação das
normas especiais que exigissem no caso concreto o recurso hierárquico necessário.
Afastavam a regra geral mas mantinha-se, para os casos em que a lei expressamente o previa,
a existência do recurso hierárquico necessário. O Professor defendeu que não se pode manter
porque é inconstitucional e que só depois da consideração da revogação da regra geral é que a
repetição da regra geral em normas avulsas se tornava especial, porque antes disso era a
confirmação da regra geral.

A admitir que há revogação, e nisso estão de acordo, essa revogação abrangia não só a
regra geral mas todos os casos de confirmação da regra geral.

Abriu-se esta discussão que ainda hoje marca a posição sobre o que é este último
reduto, que é o recurso hierárquico necessário.

Entre 2002 e 2015 estivemos a discutir e a jurisprudência pendeu para o lado do


Professor Freitas do Amaral e Mário Aroso, a doutrina começou a pender para o lado do
Professor regente, mas havia uma discussão ainda por fechar.

Em 2015 foi feito o Código do Procedimento Administrativo, que consagrou a tese do


Professor Freitas do Amaral e do Professor Mário Aroso. Regula a reclamação e o recurso
necessário, mas apenas em casos limitados dizendo que são uma exceção à regra. O
legislador está com tanto cuidado que põe na nota prévia que foi revogado o regime da
impugnação necessária porque ela só existe a título excecional.

Em 2015 surge o Código do Processo, onde deveria estar regulada a referência ao


pressuposto do recurso hierárquico necessário e ela não está lá. Na sessão de apresentação do
Código, o Professor regente teve oportunidade de se aperceber que o legislador não regulou
esta matéria porque não pensou nela. Ora um legislador que não se lembra e que revoga o que
tinha feito quatro meses antes é um legislador que intencionalmente revogou a opção do
Código de Procedimento Administrativo e portanto isto significa que o recurso hierárquico
necessário, para além de inconstitucional continua a ser revogado.

Aula 11/11/2019

Vamos recomeçar. Antes de mais nada, duas boas notícias. Já estão à venda os casos
clínicos e já os podem utilizar no vosso trabalho. E a segunda é que já fiz a vossa simulação
de julgamento, mas como houve um problema com o Wi-Fi lá de casa não consegui enviá-la.
Mas hoje já a enviarei aos meus colaboradores e a partir de amanhã já poderão utilizar. São as
duas boas notícias de hoje. Bem, trago-vos uma prendinha de Coimbra, onde estive na sexta-
feira. Temos mais um agregado. O Professor Pedro Gonçalves prestou provas de agregação e
brevemente será mais um catedrático da área do Direito Administrativo, em especial as
questões da contratação pública são as suas áreas preferidas. E, portanto, é uma boa notícia
que as coisas correram bem. Como correm sempre estas coisas. Houve a cena do ritual
iniciático de levar uma sova por parte de júri, é algo que faz parte nestas tarefas. Saiu-se bem.
Estamos muito satisfeitos de ter mais um catedrático aprovado por unanimidade.

Estávamos a falar dos pressupostos processuais da ação de impugnação. E vimos na


aula passada a questão da impugnabilidade do ato administrativo. E muito rapidamente para
resumir o que está em causa a propósito desta matéria temos que agora, nas normas dos
artigos 51 e seguintes, o legislador afasta os pressupostos clássicos do Direto português da
definitividade e da executoriedade e sem qualquer dúvida relativamente a todos eles, embora
ainda haja uma discussão que existe em relação à definitividade vertical. Em relação às outras
modalidades de definitividade não há qualquer dúvida que o ato não precisa de ser um ato
inovador, produtor de efeitos novos. O artigo 53º que permite a impugnação de atos
confirmativos estabelece essa regra. O que está em causa é a simples produção de efeitos por
parte de um ato administrativo. Esta ideia da produção de efeitos também afasta qualquer
dualidade da definitividade material. E quanto à definitividade horizontal também se diz que
são impugnáveis os atos em qualquer momento do procedimento. Está no artigo 51º número
1. E prevê-se depois que o particular que não deduziu um pedido em relação ao primeiro
momento pode sempre impugnar o ato final. E, portanto, há uma escolha por parte do
particular do momento em que vai reagir perante a atuação administrativa. Também a ideia
de executoriedade que já há muito tempo não era um pressuposto processual é afastada. Não
há qualquer referência. O artigo 54º ainda por cima permite a impugnação do ato ineficaz.
Era o sentido mínimo da executoriedade na expressão do Professor Rogério Soares.

E, portanto, não há qualquer dúvida que ela foi afastada. A única dúvida que
permanece e a única discussão que ainda permanece, ainda que em termos limitados, resulta
do facto da reforma do CPA ter afastado a regra geral do recurso hierárquico necessário.
Deixou de ser em geral exigido. Mas esta mesma reforma teve consagrado o recurso
hierárquico necessário a título excecional, como se diz no preâmbulo do diploma, para
aqueles casos em que a lei expressamente o exige. Ora da minha perspetiva também não faz
qualquer sentido nos dias de hoje manter esta limitação e a definitividade vertical foi radical e
completamente afastada da nossa ordem jurídica. Foi desde logo por causa do meu primeiro
argumento que é o argumento da inconstitucionalidade.

A exigência de um recurso hierárquico necessário é inconstitucional. É


inconstitucional por violar o direito de acesso ao juiz, de o fazer depender do exercício de
uma garantia administrativa. É inconstitucional porque afeta esse mesmo direito de acesso ao
processo, ao limitar drasticamente os prazos de impugnação de 3 meses para um mês.
Portanto estamos perante uma inconstitucionalidade quer quanto à tutela integral do direto de
acesso, que é um direito fundamental e que não pode ser restringido de forma legal, quer
quanto ao princípio da efetividade da tutela, uma vez que essa redução do prazo de
impugnação seria manifestamente inconstitucional.

Mas é também inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes


porque significaria fazer depender a ida ao tribunal do uso de uma garantia administrativa,
quando a Administração e a Justiça não tem nada a ver com outra. Seria inconstitucional por
violação do princípio de desconcentração. É inconstitucional também por violação das regras
que no quadro da nossa ordem jurídica estabelecem o relacionamento entre o particular e a
Administração. Mas da minha perspetiva essa interpretação também é ilegal. E é ilegal
porque o Código de Processo Administrativo, que é a única sede para as regras processuais,
que é onde devem estar estabelecidos os pressupostos processuais, em nenhuma destas
alíneas dos artigos 51 e seguintes se ocupa se refere sequer à exigência de um recurso
hierárquico necessário. E se o legislador do Processo não estabelece essas regras não faz
sentido que mesmo que a título limitado o legislador do Procedimento crie um pressuposto
processual. Ao regular o Procedimento estaria a criar um pressuposto processual. Não faz
sentido. Mas não só não faz sentido em termos de lógica do ordenamento jurídico como essa
exigência é expressamente afastada pelas regulações que estes artigos estabelecem no quadro
do Contencioso Administrativo.

Em primeiro lugar, o artigo 59º número 4 estabelece um efeito que introduz alguma utilidade
para quem quiser voluntariamente exercer uma garantia administrativa. Uma vez que
estabelece uma suspensão do prazo para a impugnação para quem usar da garantia
administrativa. Mas aquilo que aqui nos interessa é que o número 5 deste artigo 59 estabelece
de forma clara que o particular que impugnou administrativamente não está impedido de
proceder à impugnação contenciosa no outro. Ou seja, não é por ter havido o uso de uma
garantia administrativa que o particular fica impedido de ir a tribunal. E, portanto, o que
legislador estabelece é a possibilidade do particular, quer quando impugna pela via
administrativa quer quando não impugna, poder ir a tribunal para defender os seus direitos. E
como a norma do Código de Processo é posterior à norma do Código do Procedimento, há
aqui uma revogação da norma do Código do Procedimento admitindo que ela era
constitucional, o que na minha perspetiva como já sabem não era. E, portanto, esta renovação
do tratamento da matéria por Código de Processo significa afastar, ainda que em termos
limitados, a exigência do recurso hierárquico necessário.

O que significa que na nossa ordem jurídica o recurso necessário se transformou em


desnecessário mesmo nos casos restritos em que ele se encontra previsto. E com isto, enfim
falta apenas dizer que também na prática, este recurso é totalmente irrelevante. Porque na
melhor parte dos casos o superior hierárquico ou o autor do ato, no caso de haver uma
reclamação necessária, confirma a decisão. Portanto não é apenas inconstitucional, como
ilegal, como inútil. Mas poderia ter uma utilidade se o legislador em vez de ter continuado a
utilizar estas velhas regras que não prestam para nada e que já mostraram ser quase
inadequadas, estas velhas regras do recurso necessário.

O legislador se estivesse preocupado em estabelecer uma qualquer forma de recurso


que pudesse ser designadamente a que atribuísse o poder de decidir a uma autoridade
independente à semelhança do sistema anglo saxónico. E aí era meramente útil. Não era
preciso necessidade para garantir pela via administrativa alguma forma de tutela dos
particulares. Agora esta solução de persistir de uma forma incompreensível num instituto que
não tem nada para além de ser inconstitucional e ilegal é que me parece um grande disparate
que ainda não foi afastado integralmente da nossa ordem jurídica, mas que isso acontecerá
mais cedo ou mais tarde.

Mas o legislador também nestas normas acerca da impugnação regula outros


pressupostos do processo. E regula designadamente no artigo 55º o pressuposto da
legitimidade ativa. E a primeira coisa que cabe perguntar é se esta regulação do artigo 55º diz
alguma coisa de novo em relação à regulamentação genérica que já conhecemos do artigo 9º.

E o que é mais curioso é que apesar do legislador estabelecer aqui uma regulação
como se ela fosse totalmente autónoma, ela em rigor não diz mais nada ou pouco mais diz do
que aquilo que estava no artigo 9º. Recordando o artigo 9º no número 1 estabelece a
legitimidade para a tutela dos direitos, das posições subjetivas de vantagem, ação jurídica ou
subjetiva. No número 2 estabelece a ação pública e a ação popular. Estas 3 modalidades da
ação do ponto de vista da legitimidade estão também consagradas aqui neste artigo 55º. Mas
o legislador ao repetir, este legislador é um legislador que gosta muito de repetir as coisas. Às
vezes faz mesmo lembrar aquela anedota do senhor que tinha 3 amigos, o repete, o repete
repete e o repete repete repete. E depois logo o repete repete quem sobra repete e vai-se outra
vez à anedota. O legislador gosta de repetir muitas coisas. E ao repetir muitas vezes ele causa
confusão porque gera a dúvida se está ou não a dizer coisas diferentes. E já há muitos autores
que foram enganados.

Procuraram descobrir aqui coisas diferentes para depois chegar à conclusão de que
efetivamente não havia diferença nenhuma. Mas vejamos o que aqui está. Primeiro a alínea a)
corresponde ao artigo 9º número 1, quem alegue ser titular do interesse direto e pessoal. O
interesse direto é o que releva, o pessoal está aqui a mais. Mas diz que é por ter sido lesado
dos seus direitos constitucionalmente protegidos. Portanto estamos perante tudo o que está no
artigo 9º número 1. O Ministério Público é a ação pública, também esta no 9º número 2.
Entidades públicas e privadas quanto aos direitos e interesses que lhe cumpra defender. Esta
regra também não diz nada de novo. Mas se calhar esta regra vai um bocadinho mais além em
termos explícitos de algo que já estava no 9º e no 10º. Porque ao referir que entidades
públicas e privadas gozam de legitimidade, esta legitimidade é passiva como ativa. Isto tudo
vem legitimar as relações internas. E, portanto, era uma alínea que estava no artigo 10º e que
agora aparece aqui realçada.
Depois curiosamente vem se dizer que parte legítima são os órgãos administrativos
(risos). E portante vai adotar a solução correta, aqui como se fosse apenas a legitimidade
ativa, mas isto também vale em relação à legitimidade passiva. São os órgãos administrativos
relativamente aos atos praticados por outros órgãos da mesma pessoa coletiva. A ideia de que
os órgãos são sujeitos da relação jurídica administrativa. Depois autonomiza-se isto. Pode-se
dizer que não estava na regra anterior do artigo 9 diretamente. Embora estivesse
implicitamente. É a regra que permite aos Presidentes dos órgãos colegiais poderem ser parte
legítima para suscitar a legitimidade das decisões dos seus próprios órgãos.

Eu vou vos contar uma pequena história que eu não tenho a certeza que deveria fazê-
lo. E que se os senhores disserem que eu disse eu vou negar. Esta história nasceu por
sugestão veemente do Professor Freitas do Amaral quando fizemos o Código. Surgiu por
causa da sua experiência como Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa. Porque dizia o Professor Freitas do Amaral que depois de ter sido
eleito praticamente por unanimidade e por toda a gente manifestar-lhe todo o seu apoio, o
órgão insistia em aprovar coisas que ele toda a vida tinha dito que eram ilegais e que ele
nunca aceitaria. E enquanto presidente do órgão ele via-se impedido de reagir contra esta
situação. E, portanto, ele veio dizer, não sei quais eram essas decisões. Nem vou dizer. Se
soubesse não diria. Mas efetivamente, coisa que para quem está nesta faculdade não causará
muita surpresa, em casa de ferreiro, espeto de pau, muitas vezes os juristas são os primeiros a
proporem as soluções que são ilegais, diga-se com toda a clareza.

E os presidentes dos órgãos veem-se obrigados a aceitar essas decisões. Ou seja, o


Presidente Freitas do Amaral dizia que sentia um verme a descer porque apoiavam-no
entusiasticamente em tudo e em simultâneo faziam o contrário daquilo que ele entendia ser
legal. E, portanto, este poder do presidente do órgão, presidente que é eleito e que tem
responsabilidades não apenas na atuação do órgão, mas também em determinar a legalidade
das atuações dos órgãos, é em Portugal garante do cumprimento da legalidade, e enquanto
garante do cumprimento da legalidade o presidente tem a possibilidade de impugnar as
decisões do próprio órgão.

Esta norma não estava no Código de processo. Esta norma resultava do Código do
procedimento. E por aquilo que eu disse há pouco que deve ser o Código de Processo a
regular tudo aquilo que diz respeito aos pressupostos processuais é bom que o legislador
tenha incluído a referência a esta legitimidade para a impugnação dos Presidentes dos órgãos
no âmbito das regras processuais.

Depois a alínea f) fala nas pessoas e entidades mencionadas no 9º número 2, ou seja, a


ação publica e a ação popular. E a seguir aparecem no número 2 e 3 duas normas que seriam
irrelevantes, mas apesar de serem irrelevantes sobretudo o número 2 já levou alguém, estou a
pensar no Professor Luís Fabrica a discutir que havia aqui alguma coisa diferente para depois
de alguma maneira se conformar com ideia de que não há aqui nada de diferente. O que é que
nos diz este número 2? Diz que qualquer eleitor no gozo dos seus direitos civis e políticos
pode impugnar as decisões e deliberações tomadas por órgão de Autarquia Local sediadas na
circunscrição ou no círculo. Ora bem o que é que esta norma estabelece?

Esta norma estabelece uma regra da ação popular. E esta regra da ação popular era a
única que exista em Portugal desde o século XIX. Só havia ação popular em relação às
autarquias locais. O que aconteceu nos anos 90, é que o legislador por influência do Direito
brasileiro criou a ação popular generalizada. E no nosso Código no artigo 9º número 2
aparece esta ação popular generalizada. E, portanto, não era preciso depois de ter regulado a
ação popular em termos gerais estar a reintroduzir a norma processual que permitia a ação
popular em termos restritos. Está aqui repetido. É uma manifestação de natureza
psicanalítica. Igual àquela que se verifica quando a família vai para férias e já estão no
Algarve, na Serra da Estrela ou qualquer coisa do género, e a mãe ou o pai diz, ah não tenho a
certeza de ter fechado a porta, ah não tenho a certeza de ter desligado o ferro, ah não tenho a
certeza se a máquina de lavar ficou ou não a funcionar.

E dá a volta toda a família atrás para verificar efetivamente que não estava nada
ligado e poder então, depois de uma grande viagem, chegar às férias. O legislador aqui teve
medo. Teve medo de ao ter estabelecido a ação geral se tivesse esquecido de alguma coisa
para esta modalidade mais especial e restrita. E, portanto, resolveu incluir aqui. Não era
necessário porque aqui as regras da ação popular estão definidas em geral no artigo 9º, e
portanto nem se pode dizer que haja aqui um alargamento porque a definição geral da ação
popular, as regras estabelecidas no âmbito deste Código mas estabelecidas também no âmbito
da Lei da Ação Popular prevê esta modalidade em relação a bens concretos e a atuações de
natureza concreta.

Por último, a regra do número 3 também não se justifica e está aqui por enfim
homenagem ao passado, enfim. O que aqui está em causa? Anteriormente vigorava em
Portugal a tese monista em continuidade entre procedimento e processo. De acordo com a
tese monista quem participava no procedimento tinha de participar obrigatoriamente no
procedimento.

Por causa da participação no procedimento. Havendo uma lógica dualista, havendo


separação entre processo e procedimento, não faz sentido que quem participou no
procedimento tenha de participar necessariamente no processo. O que acontece é que
normalmente aqueles que já intervieram no procedimento também são partes legítimas do
processo, mas não por terem participado no processo. Porque possuem uma posição
substantiva que está a ser afetada ou que pode ser afetada por aquela decisão num caso
anterior à decisão, no procedimento, depois da decisão tomada no processo. E, portanto, não
era preciso dizer nada. O legislador decidiu criar aqui uma forma estranha. Quer dizer que há
uma mera presunção de legitimidade. Nem sequer há presunção nenhuma. Seria uma
presunção ilidível. Mas para quê a presunção? Ela não é necessária. O particular que possui
um direito que permite intervir no procedimento em regra prosseguirá também no processo se
os seus interesses não forem contemplados. Agora não é por causa de ter participado no
procedimento.

Porque pode haver uma participação no processo que vá muito além da participação
procedimental ou que o particular não participou voluntariamente no procedimento e pode
participar no processo. Ou porque o particular não era parte legítima no procedimento e
passou a ser parte legítima no próprio processo. Não há uma ligação ente uma coisa e outra.
Não se percebe porque é que o legislador consagrou aqui esta norma.

Mas temos agora uma outra norma muito curiosa e acerca da qual também tem havido
alguma discussão no quadro do Direito português. É uma regra que é inspirada no Código de
Processo Civil e que prevê a possibilidade de aceitação do ato funcionar como uma espécie
de pressuposto processual negativo. Ou seja, dir-se-ia e diz se nos termos do Código de
Procedimento que não pode impugnar quem tiver aceite de uma forma tácita ou expressa
aquilo que foi estabelecido naquele ato. Esta norma é muito discutida.

A primeira questão é saber se isto faz algum sentido. A segunda é independentemente


da questão se esta ou não bem enquadrada. Comecemos pela última que é mais fácil. Está ou
não bem enquadrada. Na minha perspetiva não está bem enquadrada, não há aqui nenhuma
questão de legitimidade. Se o particular aceita não pode venire contra factum proprium, mas
isto não lhe retira legitimidade. Era parte legitima, não lhe retiraria legitimidade. Defende o
Professor Viera de Andrade, que defende este pressuposto processual contrariamente a mim,
que é preciso criar aqui um pressuposto processual autónomo.

Uma figura que configure a aceitação do ato como um pressuposto processual de


natureza negativa que retira não a legitimidade, mas que impede o particular que aceitou de ir
a processo. Ora da minha perspetiva mesmo admitindo sem conceder que este mecanismo
existe, como veremos e que funciona, que tem relevância no Contencioso Administrativo e
vamos ver já a seguir que eu entendo que não. Mas mesmo se admitisse que este mecanismo
valeria no Processo Administrativo, ele não corresponderia a um pressuposto processual
autónomo. Porque é um pressuposto processual referido no Código, não é um pressuposto
inominado que resolveria o problema. Porque se o particular tivesse dito, eu não quero
impugnar ou eu não vou impugnar, e se isto pudesse valer alguma coisa, o que haveria aqui
era falta de interesse processual. O particular perderia o interesse processual na demanda. E
como já sabemos o interesse processual agora foi elevado a categoria de pressuposto
processual depois de muito tempo não ter existido porque aparecia escondido por trás da
legitimidade processual.

Ora o artigo 39º que estabelece interesse processual que responderia a esta situação. O
particular porque aceitou, porque está de acordo com o que a Administração fez não tem mais
interesse em agir. E, portanto, eu não concordo com o Professor Viera de Andrade quando ele
diz que é preciso criar aqui um pressuposto inominado, pode-se mesmo chamar aceitação
porque isto é uma coisa que não existia antes no Contencioso Administrativo. Enfim, por um
lado é discutível que não existisse antes. Mas é de facto uma questão de interesse processual.
Mas aqui a minha divergência é mais forte e mais radical. É que eu não vejo aplicabilidade
para esta norma como pressuposto processual no processo administrativo. Vejamos as duas
hipóteses. Alguém que aceita tacitamente.

O que é aceitar tacitamente? É cumprir o que diz o ato administrativo? Isso é uma
aceitação? Então se o particular paga o imposto não pode a seguir impugná-lo? A regra do
processo fiscal é até oposta. O facto de um particular na sua esfera jurídica ver os efeitos do
ato produzidos se a Administração manda o particular fazer alguma coisa a particular faz. Se
a polícia manda o particular parar o particular para. Isto significa aceitar o ato? Isso significa
que o particular que para ao obedecer a ordem do polícia já não pode impugnar o ato? Isso é
um disparate absoluto. Porque os atos administrativos são por natureza atos de natureza
potestativa que correspondem ao exercício de um poder potestativo. Um poder que produz
imediatamente efeitos na esfera jurídica de outrem. E, portanto, um particular que está a
sofrer os efeitos de um ato com o qual não concorda não pode ver-se privado do direito de
impugná-lo.

É algo que não faz sequer sentido no domínio do Processo Administrativo. Poderia
fazer sentido no domínio do Direito Privado. O particular acha que age de forma que não vai
estar de tal maneira de acordo que não vai impugnar. Mas no Direito Público não há nenhuma
hipótese de haver uma aceitação tácita. O particular tem sempre de aceitar. Os poderes
administrativos são poderes que produzem imediatamente efeitos na esfera jurídica do
particular. O particular não pode impedir e não é pelo facto de estar a ser atingido por esses
efeitos que o particular pode ser afastado da impugnação. Não faz qualquer sentido a
impugnação tácita. E a expressa fará algum sentido? A expressa significa que o particular
diga, eu gosto muito deste ato, eu não vou impugná-lo. E o particular não pode mudar de
ideias dentro do prazo de impugnação? Porque não pode mudar de ideias? Ele estava mal
informado. Ele não sabia quais eram os seus direitos.

Estamos perante um Direito Fundamental. Um direito fundamental não é


indisponível? Eu diria que uma das regras dos direitos fundamentais é a sua
indisponibilidade. E, portanto, o particular diz, eu não quero impugnar, mas eu tenho um
direito fundamental. Enfim o facto de ele dizer ou não dizer não impede que ele não possa
impugnar. Eu não admito que esta hipótese da aceitação produza algum efeito jurídico
relevante no quadro do Processo Administrativo. E, portanto, não me parece sequer de
considerar esta possibilidade. Não é apenas considerar que ela está mal qualificada como
legitimidade. É verdade. Também não concordo com a outra alternativa que o Professor
Viera de Andrade propõe. Mas o problema aqui é mais grave. Eu não vejo como esta norma
pode funcionar no Processo Administrativo. Precisamente no Processo Administrativo,
estamos perante atos que produzem imediatamente efeitos. O poder de impugnação é um
poder que qualquer particular tem, e que corresponde a um direito fundamental. E por isso ele
não pode discutir. É irrelevante que ele diga, eu não vou atuar contra, eu não me importo,
proíbo-me a mim próprio de expressar qualquer opinião pública.

E se um dia ele decide mudar de ideias e dizer, eu sou do partido X este senhor deve
ser punido? E por causa disso é venire contra factum proprium? Ou faz sentido haver a
relevância de uma realidade que viole um direito fundamental? Alguém que diz, eu nunca
entrarei num hospital público. Se alguém me vir a entrar num hospital público estão
autorizados a prenderem-me. E depois a seguir tem um ataque de risos e tem de ir a um
hospital público. Isto deve ser afastado? (risos) Perde o seu direito? É um disparate. Não faz
sentido que a ordem jurídica perante atos administrativos praticados por uma Autoridade
Pública relativamente aos particulares não faz sentido dizer que não podem produzir efeitos.
Não faz sentido. O que o particular disser é manifestamente irrelevante.

Por último, a questão dos prazos. Que era um daqueles tabus do Contencioso
Administrativo, um daqueles que fazia perder as noites aos advogados, sobretudo aos
estagiários que quando entravam num escritório a primeira coisa de que ficavam
encarregados era de cumprir os prazos processuais. Este tabu manifesta-se ou manifestava-se
em duas coisas. Uma delas na minha perspetiva é relevante, mas não me parece que é única.
Aquela que para mim é verdadeiramente relevante não sempre é mencionada e não aparece
nos manuais de Processo. O que aqui está? Estamos perante uma situação em que o prazo de
impugnação é um prazo curto. Antigamente o prazo era dois meses.

Havia um prazo máximo para o Ministério Público que podia ser até um ano. Era um
prazo curto. E, portanto, aquilo que o legislador fez de imediato ao olhar para este artigo foi
alargar o prazo. Passou a ser 3 meses. Embora seja isto que toda a gente disse, o legislador
aumentou o prazo de impugnação. Não me parece que isto seja muito relevante. 2 ou 3 meses
continua a ser um prazo curto. Agora o que é preciso ter em conta é que este prazo e o seu
decurso e a sua passagem não determina a inimpugnabilidade do ato. Já vimos que a norma
do artigo , agora mudou de número, suponho que seja o 38 estabelece que apesar do ato se ter
tornado inimpugnável apesar de ato não poder ser mais impugnado isso não é nenhum
milagre das rosas, o ato não se transforma em válido não há nenhum caso decidido que
transforme um ato em ato válido. E, portanto, o particular pode à mesma pedir a um tribunal
para tutelar o seu direito. E, portanto, é isto que se diz neste artigo 38. Uma norma que eu já
vos expliquei num momento anterior. Uma norma que eu acho que tem o meu nariz porque
estabelece do ponto de vista legislativo aquilo que eu tinha defendido anteriormente a sua
existência para os casos da contagem com o tempo da contagem da reforma. Em que 40 anos
depois o particular não queria saber se existia um ato ou não um ato, o que o particular queira
é que uma ilegalidade não o prejudicasse para efeitos de contagem. E, portanto, mesmo
passado este prazo, mesmo tendo o ato tornado inimpugnável, estamos perante uma situação
que não impede a ida a um tribunal para tutelar os direitos dos particulares, seja de forma
indireta através de um incidente processual, seja até como eu já vos disse de uma forma direta
através de um pedido de ato de conteúdo contrário. Mas há outra coisa que é mais importante.
E esta para mim torna enfim este tabu do ato administrativo um tabu que nos dias de hoje não
faz sentido. É que antes apresentar um pedido 1 minuto depois do prazo significava perder
milhares de euros. Porque não se previa algo que agora está previsto, que é a possibilidade do
atraso ser considerado desculpável.

O que acontecia antes é que os estagiários dos escritórios que faziam Direito
Administrativo iam para as filas dos CTT que estavam abertos até à meia noite para
mandarem registado com aviso de receção ao tribunal aqueles dados do processo, elementos
processuais, aquela petição, uma resposta de alegação, e tinham de obter um carimbo até às
23h59. Porque se o carimbo fosse à 00h01 já tinha perdido o prazo de impugnação. E isto
causou imensos problemas. Houve até imensas histórias com escritórios importantes em
Portugal que perderam por culpa do estagiário. É sempre o desgraçado, ainda por cima ficava
com as culpas todas. Que perderam ações de valor fantástico porque não tinham entregue os
papeis. Ora agora diz-se que este atraso dentro do prazo de um ano pode ser sempre
desculpável. Isto acabou com o tabu dos prazos. Porque agora diz-se que se houver justo
impedimento nos termos do Processo Civil não há efeito preclusivo, o particular continua a
poder entregar os elementos processuais. Se houver erro só a partir do momento em que o
particular teve conhecimento do erro é que se completa a contar o prazo. Só se houver um
atraso que se deva a um erro considerado desculpável atendo à ambiguidade do quadro
normativo ou às dificuldades que no caso concreto se colocavam quanto à identificação do
ato impugnável ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma. Enfim, estas
coisas são de tão maneira vagas que existem em todos os casos. É sempre possível justificar
um atraso. E, portanto, o tabu dos prazos no contencioso administrativo desapareceu e em
boa hora porque ele não se justificava mais.

Ficamos por aqui. É a compensação por ter chegado tarde. Terminamos a ação de
impugnação. Começaremos a ação de condenação na próxima semana. Na próxima semana
não, na próxima quarta-feira.

Aula 13/11/19
Muito bem, portanto isso fica resolvido e de resto está tudo a andar e, como é
habitual, vamos então retomar o andamento da nossa matéria e na última aula estávamos a
analisar a questão da impugnabilidade do ato, que é um pressuposto processual específico da
ação de anulação, mesmo que se depois a ação de condenação também remete para as normas
da impugnação, e é um pressuposto relativo à situação em que o ato administrativo se
encerra, se encontra. Vimos que nos passado esta questão foi muito complexa e que foi
transformada numa questão substancial; havia a ideia de que o ato definitivo executório
correspondia à noção de ato administrativo, o ato mais perfeito, o ato dotado de todas as
caraterísticas e essa noção era o centro do Direito Administrativo Português, tal como outras
noções de Otto Mayer e de Maurice Hauriou tinham sido o centro das respetivas doutrinas
jurídicas.

Ora, por um lado, essa ideia não fazia sentido em termos processuais, o conceito de
ato administrativo é um conceito substantivo, que no quadro da nossa ordem jurídica decorre
das disposições do CPA, designadamente o artigo 128º do CPA, e a impugnabilidade é uma
caraterística do ato, ou melhor, não é uma caraterística do ato, é um resultado da situação em
que o ato se encontra e portanto e apenas uma noção processual - qualquer ato em sentido
substantivo é suscetível de impugnação, desde que seja lesivo -, e portanto houve aqui a
transformação que decorre da realidade constitucional que estabelece a regra do ato lesivo
como pressuposto processual na medida em que estabelece que essa é uma condição de
acesso à justiça administrativa, e depois também, o legislador do Processo, para além de ter
consagrado essa posição constitucional, o legislador do Processo, para que não houvessem
dúvidas, resolveu afastar especificamente as caraterísticas do ato definitivo executório.

A ideia de executoriedade nunca aparece e a única referência que aqui se faz é à ideia
de eficácia, e até de eficácia regulada nos termos do artigo 54º que permite a impugnação de
atos ineficazes, e, portanto, mesmo aquele último reduto da executoriedade. Não sei se vos
contei, mas enfim, no meu tempo era uma história muito contada porque o Professor Marcelo
Caetano, que escrevia o Manual de Direito Administrativo, estabelecia como regra a
definitividade, coisa que ele dizia que existia em todas as circunstâncias e implicava a
suscetibilidade de execução coativa contra a vontade dos particulares.

Mas depois apareceu uma nota de rodapé, que parece feita pelo Professor Freitas do
Amaral, que dizia o contrário do que estava no texto. E o que se dizia era que o conceito de
executoriedade, na maior parte dos casos, corresponderá apenas à noção de eficácia, o ato que
produz efeitos no caso concreto. E, portanto, este sentido mínimo que aparecia em nota de
rodapé e que contrariava o que estava no texto, mesmo este sentido mínimo é afastado pelo
artigo 54º porque o artigo 54º permite a impugnação de atos ineficazes e, portanto, a
executoriedade é completamente arrumada e posta fora do Contencioso Administrativo, como
pressuposto processual.

Mas também a definitividade. As três dimensões da definitividade que estávamos a


analisar na aula passada - e hoje continuaremos com a vertical porque em relação a essa
ainda falta ver algumas coisa - , as três dimensões, a dimensão horizontal foi afastada
expressamente porque agora, nos termos do artigo 51º/1 e do 51º/3 se admite ao particular
impugnar qualquer ato que seja lesivo, seja o ato inicial, o ato intermédio ou o ato final do
procedimento, o particular agora tem uma opção acerca do momento perante o qual ele reage
perante a Administração, e portanto há aqui uma opção que resulta desta lógica processual.

Disse-vos já que o artigo 51º, na revisão de 2015, foi ligeiramente limitado, sem pôr
em causa esta regra, mas estabeleceu uma limitação temporal que aparece no número 3, que é
dizer que a impugnação de atos intermédios ou todos os atos que não são finais no âmbito do
procedimento, só pode ser feita até ao termo do procedimento, o que não impede que depois
essa impugnação seja feita a propósito do ato final, e portanto mantém-se a possibilidade de
escolha mas há uma limitação temporal: se se trata de um ato inicial ou de um ato intermédio
do procedimento, essa impugnação só pode acontecer enquanto durar o procedimento.

Se o procedimento acabar, só é possível impugnar o ato final. E para que o particular


não seja afetado por não ter impugnado no devido tempo, estabelece-se também no número 3
que a impugnação da decisão final permita o conhecimento dos atos anteriores e não há
nenhum efeito de não se ter impugnado os atos anteriores, porque havendo a possibilidade de
impugnar o ato anterior, poder-se-ia dizer que isso precludia a possibilidade de impugnação
do ato final, o legislador não quis que isso acontecesse quis que essa realidade se mantivesse
no quadro do Contencioso Administrativo.

E, portanto, temos que a definitividade horizontal desapareceu da nossa ordem


jurídica. Quanto à definitividade material, aquela que tinha a ver com a ideia da definição de
Direito o legislador também afastou agora de forma definitiva essa exigência. Em primeiro
lugar essa exigência desaparecia em razão do facto do art. 128º do CPA estabelecer uma
noção de ato administrativo que dependia da simples produção de efeitos jurídicos e portanto,
não implicava sequer que se tratasse de efeitos jurídicos novos, o que ponha em causa a tese
do ato regulador, dos professores Sérvulo Correia, Vieira de Andrade...
O ato não precisa de ser regulador, basta que produza efeitos, mesmo que esses efeitos
jurídicos não sejam novos, e o art.53º vem confirmar esta ideia: os atos confirmativos e atos
de execução não são atos inovadores do ponto de vista jurídico, mas na medida em que
produzam efeitos lesivos são suscetíveis de impugnação contenciosa e portanto mudou a
noção substantiva de ato em razão das alterações de procedimento que já vinham de resto
desde os anos 90, não resultam de 2015, vem da noção de ato administrativo que era a do art.
120º que vinha dos anos 90.

Mas para que não houvesse dúvidas, o legislador agora na revisão de 2015, no art.51º
a propósito da noção processual de ato administrativo também reafirma a ideia de que os atos
permitam produzir efeitos jurídicos, isto é resultado de uma evolução (risos) no pensamento
do professor Mário Aroso, o que é uma boa evolução, fico satisfeito. O professor Mário
Aroso quando fez o livro de homenagem ao professor Rogério Soares, escolheu o tema do ato
administrativo e diz que está a defender posição intermédia, fico muito honrado por ter sido
escolhido, pois sou um dos intermediários, em relação aos quais ele faz a posição intermédia.

Ele explica o pensamento do professor Marcello Caetano e explica o meu


pensamento, afirmando que está a meio caminho entre um e outro. E o a meio caminho é
dizer, tal como eu, que o que releva é que o ato produza efeitos jurídicos, não te que ser de
natureza reguladora, mas estabelece algumas exceções nomeadamente para projetos de
arquitetura (risos). Enfim até é estranho o exemplo, não percebo porque é que o projeto de
arquitetura que produz efeitos jurídicos não pode ser impugnado e os outros podem, confesso
que aí não sou capaz de perceber, mas fico satisfeito porque uma vez que agora que a posição
do professor Mário Aroso passa a ser a de produção de feitos jurídicos, está mais próxima da
minha do que do professor Marcello Caetano que de resto é confirmado.

E talvez por isso, tem a ver com o que vos dizia na aula passada, o nosso legislador
era um legislador doutoral, constituído por professores que estavam muito preocupados a
fazer vingar as suas teses na lei – aquela ideia de que agora é que eu vou por aquilo que penso
na lei. Talvez por isso, o art. 51º faça esta referência aos efeitos jurídicos, que não fazia na
versão originária, e o legislador agora preocupou-se em fazer, estou desconfiado que foi o
professor Mário Aroso, depois de ter mudado de posição e ter defendido a tal doutrina
intermedia entre a minha e a dele, talvez na próxima adote a minha (risos). É algo que para
este efeito não releva. E, portanto, também a noção da definitividade material não faz sentido.
Quanto à definitividade vertical, como ainda vos disse na aula passada, a dúvida
acentuou-se, porque depois de em 2004 o legislador do Contencioso Administrativo ter
afastado essa realidade porque nas normas do art.51º e ss não há qualquer referência à
exigência de uma impugnabilidade necessária, seja recurso hierárquico necessário, seja
reclamação necessária. O legislador do Código de Procedimento em 2015, veio estabelecer
ainda que em termos limitados, um recurso e uma reclamação hierárquica necessária, e,
portanto, reacendeu-se uma discussão que já existia e continuará a existir nos tempos mais
próximos sobre o que está aqui em causa.

E o que está em causa foi que até à nossa revisão constitucional de 89, na nossa ordem
jurídica, por um lado assentava na ideia de um ato definitivo executório e a lei de processo
estabelecia como pressuposto processual de impugnabilidade, o ato ser definitivo executório.
Ora bem com a revisão Constitucional de 89, da minha perspetiva, há desde logo um
problema de inconstitucionalidade dessa norma. E essa inconstitucionalidade mantém-se até
hoje em relação a todos aqueles que pretendam estabelecer esse requisito processual. E a
inconstitucionalidade resulta da minha perspetiva de 4 argumentos/ realidades que não
permitem essa solução.

Em primeiro lugar há inconstitucionalidade porque se viola o princípio constitucional


da separação entre a Administração e justiça. Se há esta separação, não faz sentido que se
condicione o exercício de uma ação, o uso de um meio processual, à prévia utilização de uma
garantia administrativa. A garantia administrativa pode existir ou não, é uma realidade
facultativa, mas independentemente da sua existência o particular não pode ser impedido de ir
a Tribunal. Se se estabelece através deste princípio constitucional a separação entre
administração e justiça não faz sentido condicionar o acesso à justiça ao uso de uma prévia
garantia administrativa. Portanto o primeiro argumento é o da separação entre administração
e justiça.

O segundo argumento é o princípio da tutela plena dos direitos dos particulares. O


art.268º/4 e 5 estabelece um principio de tutela plena dos direitos dos particulares nas
relações jurídicas-administrativas e esta tutela é garantida através de um direito fundamental
que é o direito do art.268º/4 e 5. Ora bem, este direito pleno enquanto direito fundamental
não pode ser limitado se não nas condições estabelecidas na Constituição e entre essas
limitações essa limitação não pode por em causa o conteúdo essencial de um direito.
Ora, uma limitação a atos que previamente tenham sido apreciados no âmbito de um
recurso hierárquico ou de uma reclamação necessária, é um excesso, é uma limitação
excessiva a um direito fundamental que não preenche os requisitos do artigo 18º e como tal, é
também inconstitucional; portanto, o segundo argumento é na ordem da lesão, o artigo da
tutela plena.

Mas há também o terceiro argumento que se relaciona com o artigo 268º/4/5, para
além da tutela plena também se garante a tutela efetiva. E o princípio da tutela efetiva é posto
em causa quando o prazo da impugnação administrativa, que é um prazo de 30 dias, é um
prazo que se substitui ao prazo de impugnação. O legislador foi de uma generosidade
excessiva, o prazo são de 3 meses, se os 3 se reduzem a 1 mês, significa que praticamente não
há prazo – o particular é notificado hoje, demora 8 dias para perceber o que aquilo significa,
8 dias para contactar o advogado e quando dá por isso, já passou o prazo.

Transformar um prazo que já é curto em 3 vezes mais curto é pôr em causa o princípio
da tutela efetiva. Há aqui uma inconstitucionalidade.

A Constituição consagra o princípio da desconcentração, quem decide os casos são os


órgãos dotados de competência. Havendo subalternos não faz sentido existir recurso
hierárquico necessário ou reclamação de hierarquia necessária, portanto, na perspetiva do
Professor Regente é uma inconstitucionalidade. De resto lembra que as disposições deste tipo
desapareceram em toda a Europa, em França, por exemplo, não há sombra de recurso
necessário ou reclamação necessária, a única exceção é Portugal.

Agora, o primeiro argumento é o argumento da inconstitucionalidade. Não há dúvida


de que exigir o uso da garantia administrativa no quadro da nossa ordem jurídica é
inconstitucional. Mas com a reforma de 2004, o legislador também afastou essa exigência do
procedimento administrativo, e afastou porque a partir do momento em que não se estabelece
que o pressuposto processual a exigir essa impugnação administrativa prévia, ela deixa de ser
um pressuposto processual. E o único sentido possível para exigência é ela ser um
pressuposto processual, porque o ato administrativo praticado pelo subalterno produz
imediatamente efeitos, ato perfeito, produz efeitos na esfera jurídica dos particulares que são
afetados. . O ato está imediatamente pronto a desencadear efeitos que está em causa. Para que
é que serve a impugnação necessária? Para permitir a impugnação contenciosa. Ora, se o
código do processo deixa de estabelecer essa regra, esse prossuposto, ela deixa de ser
admitida no quarto da ordem jurídica.
O que é que se discutiu então de 2004 até hoje? O facto de a reforma afastar o
princípio geral da exigência de impugnação administrativa necessária, na perspetiva do
Professor Regente, implica que este princípio desapareça porque o legislador está a cumprir o
que a Constituição estabelece.

Mas na perspetiva do Professor Mário Aroso e Freitas do Amaral, o afastamento da


regra geral não impede regras especiais que consagram essa exigência. E o argumento
utilizado por ambos é que a lei especial fasta a regra geral, mesmo considerando que a regra
geral mudou, se houver lei especial a consagrar essa exigência, essa exigência mantém-se.

Na opinião do Professor Regente, em primeiro lugar, o problema não é de revogação,


o problema é de inconstitucionalidade. Estamos perante uma caducidade. Mas admitindo,
sem conceder, que houve revogação, o afastamento da regra geral implica o afastamento das
normas avulsas que confirmam a regra geral. Porque se a regra geral era a impugnação
necessária as normas avulsas que estabeleciam não eram especiais, mas antes a confirmação
da regra geral, e foram afastadas pelo afastamento da regra geral, não eram gerais, mas eram
a confirmação da regra geral numa norma avulsa que repetia o estabelecimento no CPTA.

Admitindo sem conceder, que o argumento do Professor Freitas do Amaral e do


Professor Mário Aroso fazia algum sentido, este argumento não poderia valer em relação a
toda as normas avulsas anteriores à revisão de 2004. O que significa que só de 2004 para a
frente é que a previsão dessa regra se poderia considerar especial. Na perspetiva do Professor
Regente, seria especial e inconstitucional!!! Para os que acham que a regra se pode manter a
título especial, isso só poderia valer para as exigências legais de reclamação e recurso
hierárquico necessário depois de 2004, porque as outras eram a regra geral e o argumento não
valia.

Neste ponto da discussão, que resulta de não haver reforma do CPA nem do
contencioso administrativo senão aquela que afastava de forma implícita a exigência do CPA.

O que é que vai acontecer em 2015?

Em 2015 há duas reformas sucessivas, feitas pela mesma comissão, que vão mexer,
vão reformar, quer o CPA quer o CPTA. Ora bem, o que vai suceder no quadro das duas
reformas?
A reforma do CPA, o Código de Procedimento Administrativo, para os casos em que
houvesse uma lei especial a exigir esse recurso hierárquico necessário, estabeleceu um
regime para reclamação do recurso hierárquico necessário, portanto previu, ainda que em
termos limitados, a existência dessa exigência. Essa exigência deveria ser considerada, em
razão do procedimento, um pressuposto processual, ou implicar a existência de um
pressuposto processual de conteúdo idêntico.

Esta realidade, enfim da minha perspetiva, obrigou-me a ter de repetir os argumentos


da inconstitucionalidade e portanto aquilo que eu dizia era que tinha ficado muito triste pelo
legislador do CPA ter voltado atrás e portanto o que ia fazer era usar dos meios, que são os
únicos que tenho, os meios académicos para mostrar que isto é um disparate, que vai ao
arrepio da tradição de todos os outros países. Até mesmo em França, local onde nasceu estra
tradição, esta já não existe e os franceses são dos mais diligentes a dizer que ela não pode
existir, que é uma manifestação dos traumas da infância difícil – Eles não dizem isto, mas eu
digo – e como tal tem de ser afastado. É algo que não faz sentido existir no procedimento e
não faz sentido em Portugal, nem no ponto de vista do ordenamento jurídico nem no ponto de
vista da prática, mas enfim, o legislador estabeleceu-a e temos de arguir a sua
inconstitucionalidade

Alguns meses depois saiu o CPTA, depois do CPA.

Neste CPTA, que era o único sítio onde deviam estar previstos os pressupostos
processuais, este código de processo não previu a existência de um recurso necessário ou uma
reclamação necessária, mesmo nos casos limitados em que o CPA estabeleceu. Ora, se o
CPTA não estabeleceu esse pressuposto, e fê-lo intencionalmente porque se o legislador, a
mesma comissão, tinha acabado de regular a matéria do recurso necessário e agora o código
de processo não estabelece uma norma com esse conteúdo é porque afastou essa sua intenção,
é porque, graças a Deus, o legislador resolveu ter juízo e ter juízo significa, afastar a
exigência do recurso necessário que já era inconstitucional, mas afastou-a expressamente
através da não consagração da norma no CPTA.

Da minha perspetiva, e eu devo dizer que na altura até me diverti imenso na


apresentação oficial, onde estava a comissão sentada. Na apresentação eu fiz uma intervenção
um bocadinho crítica, como é costume e eles bateram muitas palmas e tal e eu disse que tinha
ficado muito triste, há três meses quando tinha estado na outra apresentação oficial, porque o
legislador do CPA tinha estabelecido esta norma, mas que agora me estava a dar a grande
alegria, uma alegria boa, por terem voltado atrás, por se terem arrependido, e eu nessa altura
vi a cara dos meus colegas, que bichanavam uns para os outros, e portanto deve ter sido no
esquecimento. Esquecimento, ou não, da parte do legislador, pronto ainda bem que
aconteceu.

Portanto, alguns meses depois, quando o legislador regulou o processo, quando tinha
de regular os pressupostos processuais, não incluiu esta norma e como não a inclui, esta
norma deixa de fazer sentido quer pela vida da CRP, quer pela via da lei. Não há, na nossa
ordem jurídica, a previsão da existência de uma relação ou de um recurso hierárquico
necessário, o que da minha perspetiva é uma boa solução.

Acrescentava que, da perspetiva da eficácia desta medida, que ela não servia para
nada porque na maior parte dos casos, eu diria que em 99,9% do casos em que um particular
pede a um superior hierárquico que reconsidere a decisão tomada pelo subalterno, aquilo que
o superior hierárquico faz é confirmar a decisão do subalterno e portanto, ela não confere
uma tutela dos direitos dos particulares. Aquele mecanismo que se dizia que visava prevenir
o excesso de processos, que visava diminuir as situações em que particular via os seus
direitos lesados, porque a Administração podia mudar de opinião, a Administração em termos
fácticos não muda, eu até gostaria que mudasse, na maior parte dos casos a Administração
confirma. Do ponto de vista prático esta não é uma forma de assegurar a tutela dos
particulares.

A forma de assegurar a tutela, e eu propus isso várias vezes, seria a de criar uma outra
garantia, sempre facultativa, mas uma garantia que atribuísse a um órgão diferente do autor
do ato e do superior hierárquico, um órgão diferente daquele que tinha intervindo naquele
processo, uma espécie das agencies, nos EUA ou os tribunals britânicos, que sendo
independente apreciasse aquele pedido, sendo que esta apreciação teria de ser facultativa, não
precludiria a possibilidade de impugnação judicial, mas esta impugnação, sendo facultativa,
poderia ter esse efeito de afastar dos tribunais alguns processos, estabelecendo a tutela dos
direitos dos particulares.

Agora, tal como existe, este mecanismo não tem qualquer utilidade. Há ainda duas
outras normas, a que eu não fiz referência, que ajudam a fundamentar esta minha posição, do
ponto de vista legislativo, do ponto de vista das opções do legislador e são duas normas que
já vinha da versão de 2004 e que o legislador manteve em 2015. Se olharmos para as
situações previstas no que respeita ao prazo de impugnação, o legislador, a propósito do
início do prazo de impugnação, no art. 59.º, estabelece 2 coisas.

Estabelece, em primeiro lugar, que a existência de uma impugnação administrativa


determina a suspensão do prazo de impugnação, i.e., o legislador prevê que se o particular
opta primeiro por reclamar ou recorrer hierarquicamente, que o particular ganha alguma
coisa, em termos processuais, porque não se inicia o prazo de impugnação até que a
Administração decida essa situação, e, portanto, o legislador criou algum efeito útil à
reclamação e ao recurso hierárquico, mesmo sem a ter tornado necessária. Ela é facultativa,
mas a utilidade é que o particular ganha tempo para preparar o processo contencioso e,
portanto, há o sentido útil para usar de uma garantia administrativa. E, mais uma vez, o
legislador não distingue, não fala em necessário ou facultativa (e ainda bem), porque são
todas facultativas. O que estabelece é um efeito útil para esta realidade.

Mas para além disso, e isso é mais importante, no nº5, o legislador diz que mesmo nos
casos em que o particular usou a garantia administrativa, não precisa de esperar pela resposta
e pode, em simultâneo ou posteriormente, impugnar contenciosamente. O que significa que, a
situação em que o particular se encontra depois de ter um ato lesivo, é uma das seguintes: 1)
O particular tem um ato lesivo e vai imediatamente ao juiz (não há nada na lei que impeça —
é um regime que resulta da lógica constitucional —, ele pode impugnar sempre e em todos os
casos aquela actuação administrativa).

Na hipótese 2) É uma situação que há uma lei avulsa, que prevê a tal impugnação
administrativa necessária — esta impugnação é sempre facultativa, mas o particular pode
utilizar e se a utilizar, das duas, uma: ou utiliza e fica à espera que ela produza efeitos e
depois só impugna a decisão depois da confirmação do subalterno, ou nos termos do nº5, ele
pode imediatamente impugnar contenciosamente e, portanto, não há também nesta via
nenhuma necessidade da prévia impugnação administrativa, porque o legislador diz que sem
esperar a resposta o particular pode impugnar e, portanto, isto significa que não há
necessidade de impugnação administrativa.

E, isto significa que, o particular nesta outra hipótese ou na hipótese de pura e


simplesmente, voluntariamente, sem nenhuma previsão legal avulsa, pretenda impugnar, ele
não precisa de esperar o resultado da impugnação administrativa ele pode logo impugnar
contenciosamente. Ou seja, este artigo 59º/5 prevê que não há necessidade, porque o
particular pode ir a tribunal e independentemente de ter havido apreciação por parte do
superior, significa que não há também, nessa perspectiva, necessidade de impugnação
administrativa.

Com todo o respeito, se a impugnação administrativa necessária é inconstitucional, se


não está prevista na lei e se não produz efeito logo, por que razão existe tanta gente a dizer
que “ela continua a poder existir?” Realmente, era preciso recorrer primeiro ao superior
hierárquico antes de ir a tribunal, porque o superior hierárquico e o tribunal pertenciam ao
mesmo poder do Estado — era a lógica do monismo (não havia separação entre
Administração e Justiça). É por isso, só, que este artigo se mantém.

E se pegarmos em qualquer manual francês da atualidade, os franceses dizem com


toda a clareza que essa regra não se pode admitir nos dias de hoje, porque nos dias de hoje há
separação entre Administração e Justiça. É algo clarinho como água, é algo que deveria
implicar a separação entre a lógica processual e a lógica substantiva, a lógica procedimental.
A razão por que não se faz, tem a ver com os traumas da infância difícil, mas, os senhores,
que já têm a psicanálise em dia, a partir de hoje estão em condições de não fazerem esse
disparate e de reacender o debate, porque as intervenções do Tribunal Constitucional datam
dos anos 90.

No quadro dos tribunais, houve alguma dúvida até à revisão do CPA e agora está na
altura, outra vez, de transformar esta dúvida numa realidade processual, porque agora o
CPTA foi, de alguma maneira, posto em causa, porque a revisão do código de processo
afastou essa exigência. Portanto, do ponto de vista da prática, estamos em altura de relançar
esta discussão. Para mim, os argumentos já são um bocadinho cansados, repetidos, mas posso
arranjar novos, para combater esta impugnação administrativa necessária, mas desnecessária,
mas podemos também procurar coisas novas, porque isto não faz sentido.

O que não significa que algumas das razões, que estão por trás dessa exigência não
pudessem fazer sentido, embora, não dessa forma. Ou seja, é razoável dizer que, se o
particular puder obter ganho de causa, antes de ir a tribunal, que é melhor, claro. Enfim, se a
Administração voltar atrás numa ilegalidade que tenha cometido, ganha o particular e
também ganha o tribunal, porque é menos um processo, numa altura em que há uma grande
acumulação de processos. Agora, isso não se consegue através da lógica de mandar confirmar
a decisão ao autor do ato ou superior hierárquico. Porque, esses, como diz a prática, nunca
reconsideram.
E portanto, se se quer criar novas garantias administrativas, sempre facultativas, que
procedam a uma tutela dos particulares e possam, por isso, diminuir o número de processos
judiciais, então é preciso criar uma garantia perante órgãos que sejam independentes, que
ainda não tenham decidido e que não tenham nada a ver com esse processo. Porque, mandar
aos mesmos reapreciar, de novo, eles nunca reconsideram. Porque, já decidiram, acharam que
tomaram uma decisão fantástica e portanto, na maior parte dos casos, eles não reconsideram.

Eu não tenho nada contra as impugnações administrativas, são um meio


procedimental para tutela dos direitos, que eu gostaria que funcionasse mais, mas o problema
é que elas têm que ser sempre facultativas. E seria necessário fazer com que elas, sendo
facultativas, tivessem uma maior utilidade. Já há alguma utilidade nesta regra, que há pouco
vos falei, do 59/4.º, que é a suspensão dos prazos de impugnação.

Podia-se ter ido mais longe. Eu também falo no meu Divã que, na altura em que
fizemos a primeira reforma nos anos 90, ou que queríamos fazer e foi para a gaveta, estava lá
uma norma que nós tínhamos discutido, que acabava com a distinção entre necessários e
facultativos. Agora, o que estabelecia era que, todas as garantias administrativas, todas,
tinham efeito suspensivo. E não só efeito suspensivo do prazo, mas um efeito suspensivo da
aplicação do ato administrativo, da execução do ato administrativo. Isso seria uma medida
extremamente eficaz, devia estar no CPA, tal como devia estar, em relação a impugnações
administrativas que não fossem decididas pelos mesmos órgãos. O legislador do CPA não fez
isso. Pretendeu apenas repetir a mesma coisa. Só que, o “repetir o mesmo” conduz a uma
solução que é inconstitucional, que é ilegal e que não produz qualquer efeito.

E com isto - e esperando que o legislador tenha melhores dias - pomos termos a esta
análise da impugnabilidade enquanto pressuposto processual. Mas, há mais dois pressupostos
processuais que merecem a nossa atenção.

Em primeiro lugar, o legislador resolver tratar da questão da legitimidade. E eu digo


“resolveu tratar”, porque, em bom rigor, aquilo que ele diz nestes artigos 55.º, 56.º e 57.º ou
não tem a ver com legitimidade, e está bem dito, ou tem a ver com legitimidade e não diz
nada de novo. E, portanto, temos aqui esta situação do legislador que é, a propósito da
legitimidade, tratar de outras coisas. Uma delas bem, outra mal. E o legislador, a propósito da
legitimidade, repetir o que estava no artigo 9.º e no artigo 10.º.
O quê que o legislador diz? “Pode impugnar o ato administrativo (…)”, no artigo 55.º,
é a norma específica sobre legitimidade, “(…) quem alegue ser titular do interesse direto e
pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos.”. Enfim, não diz nada de novo. Noto que aqui, a propósito da
legitimidade, é que se dá referência à lesão, a tal que, na minha perspetiva, devia estar no 51.º
e que passou para o 55.º por causa do pensamento do professor Sérvulo Correia (já aqui
falamos sobre isso na aula passada, não vou voltar atrás).

O critério da lesão é um critério que permite a impugnação, quando o ato é suscetível


de lesar. Suscetibilidade de lesar é uma caraterística do ato, não é uma caraterística do sujeito,
e portanto, não devia estar aqui no 55.º. Devia estar no 51.º. Mas pronto, é indiferente. Mas,
isto corresponde à regra do artigo 9.º.

O Ministério Público também está no artigo 9.º.

Entidades públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra
defender, também cabe no âmbito das regras gerais de legitimidade.

Relativamente a atos praticados por outros órgãos da mesma pessoa coletiva, isto é
uma boa norma que devia estar no artigo 9.º, que está aqui, mas que tem uma aplicação geral.
Porque, no âmbito das relações interorgânicas e intraorgânicas, os órgãos têm a faculdade,
têm o ónus de impugnar as decisões e portanto, ainda bem que aqui aparece esta
particularidade.

Os presidentes dos órgãos colegiais, isto corresponde a uma regra que estava e que
está já desde 90 no Código de Procedimento Administrativo. O presidente é o responsável
pela legalidade e, portanto, pode impugnar as decisões tomadas pelos órgãos. Mas, também
isto, devia estar era no artigo 9.º, não devia estar aqui. Mas, pronto, tudo bem. No artigo 9.º e
no artigo 10.º. Mas, estando aqui, vale para todos os casos, não vale apenas para as normas da
realidade que está em causa.

Depois, as pessoas e entidades mencionadas no nº2 do artigo 9.º, é a ação popular,


também não é nada de novo.

Depois aparece aqui uma coisa, que, enfim, pelo facto de estar formulado de forma
diferente fez com que, por exemplo, o professor Luís Fábrica viesse dizer “Há aqui uma
realidade radicalmente diferente”. Com todo o respeito, não é. Mas, vejamos o que aqui está.
Aqui, o que se estabelece é uma regra que vinha do Código Administrativo, que é de qualquer
eleitor de uma autarquia local, no âmbito dos seus direitos, poder também impugnar os atos
da autarquia. Ou seja, isto correspondia à ação popular, que existia em Portugal, nos termos
do Código Administrativo.

Hoje temos, desde os anos 90, desde a lei da ação popular, uma lei da ação popular
que é mais ampla e portanto, não só corresponde estes casos das autarquias, como
corresponde a todos os outros. E portanto, esta norma não acrescenta nada à outra. É uma
realidade que repete o que está na alínea f) do artigo anterior e portanto, com todo o respeito,
não vejo aqui nada de novo. O que eu vejo aqui é uma atitude de natureza psicanalítica. O
legislador, quando chegou à regulação da ação popular, teve medo de se ter esquecido de
alguma coisa. E, como estava com medo de se ter esquecido de alguma coisa, resolveu repetir
a outra norma, que era menos compreensiva que a segunda.

É como aquela história, atual, em todas as famílias, vai-se de férias, mas a meio do
caminho, já à beira de chegar à praia, a mãe diz “não sei se deixei o ferro ligado”, “não sei se
a máquina ficou desligada”. Lá volta a família toda para trás, para ver a máquina que estava
efetivamente desligada e só depois podem ir, em boa ordem, para a praia. O legislador aqui
fez a mesma coisa. É a realidade de natureza psicanalítica. O legislador diz “ai se eu me
esqueci”, e depois a viagem, à medida que se avança, “eu tenho quase a certeza! Ai, ai, ai,
ai!” e lá volta toda a gente para trás.

É esta a única razão que aqui está. Porque isto já está incluído na norma da ação
popular, que é mais ampla. Portanto, não há aqui nada de novo, mesmo que o professor Luís
Fábrica tenha ficado baralhado com esta realidade.

Depois, a referência que a participação no procedimento constitui presunção de


legitimidade. Não é presunção nenhuma, se alguém tem legitimidade procedimental, é normal
que tenha também legitimidade processual. Mas, não é necessário e não há qualquer
presunção. Com todo o respeito, esta ideia da presunção, é um resquício dos traumas da
infância difícil, é um resquício da lógica modista.

Para terminar e bem, o que aqui está correto é o artigo 57.º., porque o artigo 57.º
consagra aquilo que já vimos anteriormente, com o nome patusco de contrainteressados, mas
consagra que os contrainteressados, que os particulares que têm um interesse similar ao da
administração, são sujeitos processuais. Portanto, esta é uma boa regra. O nome é errado,
também não devia estar aqui, mas esta é uma boa regra.

A do 56.º… (risos) falaremos na próxima aula, vai dar pano para mangas.

E terminaremos, na próxima aula, a questão da impugnação, para passarmos para a


ação de condenação.

Aula de 18/11/19
Hoje chamo a atenção para a conferência das novidades do código de processo. A
minha conferência é às 18 horas.

Se não puderem ir e procurarem no e-book sobre novidades do processo, coordenado


por mim, têm lá a minha crítica à reforma.

Na aula passada, estivemos a analisar a ação de condenação. Eu disse-vos que era uma
ação muito importante que consistia em casos de omissão ou atos de conteúdo negativo e esta
recusa podia ser total ou meramente parcial.

Creio que ainda vos disse que não parece fazer muito sentido a norma do artigo 70.º/3
CPTA que parece estabelecer a alternatividade entre uma coisa e outra. Não me parece que
faça sentido haver a alternatividade, porque o particular ao obter a condenação fica
integralmente … e não ganha nada nisso.

O artigo 51.º/4 CPTA estabelece a regra da preferência pela ação de condenação e


preferência não significa alternativa, significa que o pedido adequado é sempre um pedido de
condenação. Por isso, não me parece que faça sentido.

Em 2015, na sequência de uma discussão doutrinária que tive com o Professor Mário
Aroso de Almeida, o legislador esclareceu que não há alternatividade, porque seria absurdo: o
particular pede 500€ e em vez de pedir anulação pede condenação, ele se pedir anulação
perde os 500€.

O particular não é prejudicado por pedir o mais, o mais está garantido se ele (…) o
direito a uma determinada ação.
Umas das regras muito importantes que agora vai ser invocada quando falarmos dos
pressupostos, o legislador no artigo 66.º CPTA estabelece que o objeto do processo na
modalidade da condenação à prática do ato devido não é nunca o ato administrativo, é a
pretensão do interessado. Há uma lógica integralmente (…) e isso condiciona as regras que o
legislador escolhe.

É por isso que tenho algumas dúvidas quanto aos pressupostos que o legislador
escolhe. O primeiro pressuposto do artigo 67.º CPTA é relativo ao comportamento da
Administração Pública. Quer perante omissão, quer perante ato de conteúdo negativo, é
preciso que o particular tenha apresentado pedido à Administração Pública.

Tenho dúvidas quanto ao facto de haver uma regra que dá origem a que se considere
que o Ministério Público tem legitimidade na ação de condenação. Isso não faz sentido
absolutamente nenhum, porque o Ministério Público que atua na defesa da legalidade não
possui nenhum direito, portanto se o objeto do processo é o direito do particular, não é
possível haver ação interposta pelo Ministério Público. Como é óbvio, o que inspirou o
direito português foi o direito alemão, mas neste direito nem há ação popular, nem Ministério
Público. Este ator público e ator popular não possuem direito que lhes permita intervir.

Na minha perspetiva, a lógica do juiz deve ser determinar a absolvição do pedido


nesses casos, porque o pedido nesses casos não corresponde às regras do 66.º CPTA. Se não
há direito, não pode haver ação.

A regra do artigo 68.º CPTA, além deste, não parece causar muitos problemas. A
maioria das disposições daqui são as que estavam nos artigos 9.º e 10.º do CPTA.

O problema está no alargamento ao Ministério Público e ao popular do direito de


propor a ação.

O Ministério Público, eventualmente se houver uma situação de direito fundamental


que é indisponível, ele poderá arrogar o direito fundamental do particular, porque o particular
desistiu. Mas o que o legislador diz, no artigo 68.º/1 b) CPTA é “sem necessidade de
apresentação de requerimento”.

Neste sentido amplo, o Ministério Público não pode agir, porque se agir, está a
apresentar uma ação cujo objeto é juridicamente (…), nos termos do artigo 67.º CPTA.
O único caso que eu antes admitia, e agora ainda se pode admitir a título excecional,
porque o legislador quer muito que o Ministério Público intervenha, o Ministério Público
nesse caso, enquanto substituto da parte, pode continuar o processo alegando o direito
fundamental do particular. Mas se o Ministério Público não tem nenhum direito a alegar, e
não está a substituir o particular, nem está a atuar para defesa da legalidade do interesse
público, o Ministério Público não pode intervir.

O mesmo se diga na alínea que fala das entidades referidas no artigo 9.º/2 CPTA.
Estas entidades só atuam na defesa do interesse público, estas entidades não gozam de
legitimidade, apesar de formalmente o legislador lhes ter atribuído legitimidade, mas não têm
nenhum direito subjetivo a defender na ação de condenação, portanto estamos perante um
processo juridicamente impossível, e que esse direito é física e legalmente impossível, porque
não cabe no âmbito da previsão normativa desta ação.

Já as outras regras parecem-me desnecessárias, porque estão aqui e são a


exemplificação daquilo que está no artigo 9.º e 10.º CPTA. Não precisavam de estar aqui, o
legislador incluiu-as aqui, não tem mal nenhum.

O que está em causa é um acrescento em relação à legitimidade pessoal, que é a regra


do contencioso administrativo, como se diz no 268.º/4 da CRP. É isso que é a regra do
contencioso administrativo.

Também no artigo 69.º CPTA me parece que é (…), porque se o que está em causa
como diz o 66.º/2 CPTA é a tutela dos direitos, a regra deve ser a teoria geral do direito que,
enquanto o direito existe, há o direito de ação, porque o direito de ação não caduca enquanto
existir o direito. E o que aqui se faz é assimilar esta ação de condenação à ação de
impugnação. O artigo 69.º/1 CPTA diz que o direito de ação caduca no prazo de 1 ano,
contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido
e esta solução é equivalente à solução do processo em teoria geral. Só que aqui é diferente,
porque aqui estamos perante um direito do processo e enquanto houver direito, deve haver a
possibilidade do direito de ação.

Em relação ao ato, e à impugnação do ato, lembram-se que eu vos indiquei os prazos e


disse que apesar de haver prazos que determinam a impugnabilidade, isso não impede nos
termos do artigo 28.º o Tribunal de conhecer do pedido. Agora há um prazo de
impugnabilidade que decorre da prática de um ato administrativo e de um ato administrativo
que é, em parte, objeto do processo, não é o objeto do processo, mas é um dos elementos que
geram um direito e que gera a (…) do particular e, portanto enquanto parte do processo –
enfim, eu não concordo muito, mas é admissível a solução de que haja um prazo de 1 ano,
sendo certo que esse prazo não é (…) e que o ato continua a ser legal e pode ser apreciado
mesmo além desse prazo, a titulo incidental. Portanto, isso é possível. Agora aqui não é o ato
que é o objeto do processo. O objeto do processo é o direito do particular, e portanto não há
nenhuma razão para admitir que o prazo de caducidade da ação e, por isso, esta regra é
inconstitucional e viola as regras que estão estabelecidas no quadro do direito administrativo.
E, portanto, temos aqui uma lógica que gera esta situação de amor-ódio. Por um lado, este
mecanismo é extremamente importante, é algo que muda a lógica do processo, é algo que
introduz poderes condenatórios inclusive no domínio dos direitos discricionários (?), mas ao
mm tempo o encher das regras habituais num mecanismo processual que é diferente gera
questões que determinam a insustentabilidade da própria regra e a necessidade de fazer critica
à luz da CRP e à luz da (…).

Mas vejamos, porque é preciso avançar, as normas relativas à impugnação de normas


e a condenação à emissão de normas. A condenação ficará, em princípio, para a próxima
aula.

Vamos ver as regras iniciais da impugnação de normas.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que o tratamento processual autónomo da


impugnação de regulamentos é uma originalidade do legislador administrativo e eu até digo
que é uma boa originalidade, porque, em regra, mesmo quando haja a distorção substantiva,
por exemplo em França o ato administrativo serve para o ato de regulamentos. Não há no
plano substantivo regras diferentes para atos e regulamentos, há uma indiferenciação
substantiva entre atos e regulamentos. Mas mesmo nos países em que a doutrina distingue o
ato administrativo do regulamento em termos substantivos, nem sempre há regras processuais
que permitam a autonomização da impugnação do ato para distingui-los. Aliás, estou a pensar
no caso alemão em que só recentemente é q há uma possibilidade de impugnar regulamentos,
e mesmo assim no domínio do urbanismo, não é possível em geral impugnar regulamentos.
Só no domínio do urbanismo é que é possível impugnar diretamente um regulamento no
direito alemão. Mas se é uma originalidade do legislado português, é uma boa originalidade,
porque faz sentido que os regulamentos possam ser autonomamente impugnados e que haja
um regime processual para tal. E podemos dizer que esta é uma originalidade portuguesa. É
difícil saber quando nasceu. Há quem diga que esta originalidade vem do século XIX, porque
o código administrativo previa que, em relação às autarquias locais, era possível reagir
impugnando, mas na altura o mecanismo processual era o mesmo. No quadro da Constituição
de 1933 começou a surgir a ideia de que era, em termos limitados, possível impugnar alguns
regulamentos, mas o que a lei fazia era pôr de fora da lei os regulamentos do governo.
Portanto mantinha a lógica de limitação.

Quando se fez a reforma de 1985, o legislador estabeleceu, à semelhança do que


existe no direito italiano, a possibilidade de declaração de ilegalidade dos regulamentos, mas
com o condicionalismo de serem imediatamente exequíveis ou então quando tivessem havido
3 casos de não aplicação do regulamento ao caso concreto. Ora bem, o legislador aqui
introduz um regime que acaba com a esquizofrenia anterior. Isto parece-me bem. O que não
me parece bem são outras coisas que o legislador estabelece e assentam em alguma confusão,
confusão essa que o legislador, em parte, corrige em 2015, embora ainda mantenha uma
realidade que faz muito pouco sentido. Qual é a confusão que está aqui? O legislador
confunde 2 coisas diferentes: a declaração de ilegalidade de regulamentos – essa é
originalidade portuguesa (o particular pode reagir diretamente contra o regulamento e afastá-
lo da ordem pública) com uma outra possibilidade que existe sempre, em cumulativo, que é a
possibilidade do particular impugnar o ato de aplicação do regulamento e pedir ao Tribunal
que, incidentalmente, aprecie o regulamento e não o aplique àquele caso concreto para, ao
não o aplicar, poder mais facilmente anular o ano administrativo que se segue.

Mas estamos a pensar em 2 coisas diferentes: uma é a declaração de ilegalidade do


regulamento que tem por objeto a legalidade ou ilegalidade do regulamento e que visa afastá-
lo da ordem jurídica. Outra coisa é a apreciação incidental do regulamento a propósito de um
caso concreto, permitindo que ele não seja aplicado para depois.

Agora a confusão diminuiu, mas o legislador continua a dizer, designadamente no


artigo 73.º CPTA, que é possível ao particular pedir a ilegalidade do regulamento no caso
concreto. O que é que é a ilegalidade do regulamento no caso concreto? É algo que não faz
sentido. O que ali está, se é o caso concreto, ela surge a propósito do ato e aí faz sentido que o
legislador não afaste, porque não tem a certeza, não vai analisar concretamente o
regulamento. Agora se o objeto do processo é a impugnação de normas, que é o que se regula
no 72.º, não faz sentido que o efeito de uma ação que tem por objeto uma norma, conduza a
que o regulamento não seja aplicado. Isto é confundir o processo de declaração de ilegalidade
com o processo de apreciação incidental a propósito de um caso concreto. Isto é um disparate
e o legislador insiste nele e estabelece este disparate.

O legislador agora em 2015 diz que há 2 coisas diferentes e diz no artigo 72.º/2 que
esta impugnação de normas não se deve confundir com a impugnação de regulamentos no
quadro da inconstitucionalidade. Ora, claro que não. O processo de inconstitucionalidade
resulta do facto de o regulamento contrariar a CRP e, portanto, vai dar origem a um processo
em que o tribunal pode afastar o regulamento da ordem jurídica. É claro que isto não se
confunde com uma impugnação de ilegalidade.

Toda a gente criticou isto, toda a gente escreveu que o legislador está a confundir, não
fui só eu (hahaha), embora eu tenha sido bastante assertivo. Toda a gente o disse, inclusive
alguns dos meus colaboradores e até o próprio Professor Vieira de Andrade.

Nas outras ordens jurídicas, não havendo possibilidade de impugnar a legalidade, o


que o particular faz é impugnar o ato e, indiretamente, (…), mas isso é uma má solução,
porque o ato subsiste.

Ora bem, o legislador insiste em manter esta situação, até usa termos que são
incorretos: se lerem o 73.º/3 a), aqui temos a tal confusão. E também me parece que o
legislador, no regime que estabeleceu, ainda não ultrapassou todos os traumas da infância
difícil, porque esta norma sendo necessária e adequada, é uma norma que deve ter uma
aplicação generalizada e, sendo assim, e tendo hoje em conta o direito europeu, é preciso
mesmo entender que a própria sentença de desaplicação é condenada pelo TJUE desde o caso
“Kumer” que diz que as declarações de invalidade têm de valer para todos. Por isso, o regime
aborrecido também é muito discutível também à luz do Direito Europeu, designadamente no
quadro da doutrina que resultou dos estudos processuais.

Agora, tirando estes casos, que apesar de tudo são alguns, mesmo se a formulação das
normas foi melhorada agora em 2015, é extremamente (…).

Eu até insisto, e com isto, ficamos por aqui para acabarmos de forma mais picante, em
contar-vos uma historinha que mostra bem a importância da possibilidade de impugnação
autónoma de uma norma.

Quando eu era novo, já não tenho a certeza se era licenciado ou se estava no 4º ano,
sei que houve uma dessas vaquinhas de juntar dinheiro e fomos à aventura pela Europa,
através do carro que alguém tinha. Nessa altura, estávamos no domínio pré Tratado de Nice,
era preciso passar a fronteira, fazer um seguro em cada fronteira dos países e nós fizemos o
seguro, mas como não tínhamos muito dinheiro, achámos que em Espanha podíamos arriscar
e, portanto, não fizemos o seguro. Foi um ato ilegal pelo qual todos nos penitenciamos, mas a
coisa parecia correr bem e realmente correu bem. Poupámos e pudemos fazer uma
refeiçãozita melhor.

Aquele exemplo de não ter pagado o primeiro seguro resultou em que não pagámos
mais nenhum. O problema foi à volta para cá.

Ficámos uma noite ou duas em Sevilha – já não me lembro, acho que foi só uma-, e,
como sabem, esta cidade tem ruas estreitíssimas e de visibilidade reduzida e no dia que
vínhamos partir para Portugal, no final da aventura, em frente a uma rua mais estreita, na
Praça de Touros, batemos com o carro contra um espanhol.

Eu, como era o único jurista, já nem tenho a certeza se já era licenciado, e como tenho
a mania que falo todas as línguas e ainda por cima eu ia a guiar, eu tomei a defesa e expliquei
ao Dr. Juiz que a culpa era do Município de Sevilha, porque não era possível naquela rua em
que não visibilidade nenhuma ver, era absolutamente impossível. E expliquei-lhe uma série
de coisas de modo fundamentado e o Juiz olhou para mim, com ar respeitoso, e tratou-me por
“Professor de Direito”, o que era premonitório, porque achou, e acertou, que eu ia ser
professor de Direito. E ele respondeu-me “o professor de direito sabe muito, mas não sabia
que tinha de fazer seguro” (hahaha) – eu sabia, mas queríamos poupar. Mas o Juiz deu-me
razão no sentido de dizer que devia haver visibilidade, porque não se via nada. E, por causa
disso, não tivemos de pagar multa, fomos absolvidos, mas tivemos de pagar os prejuízos ao
outro. E, portanto, gerou-se um final de aventura não muito emocionante, porque tivemos de
telefonar à autoridade paterna para nos salvar, para pagar a despesa do carro do espanhol.

Enfim, o final não foi muito bom, mas há um bom sinal para o direito administrativo,
porque naquela altura não havia sinal e hoje quando vou a Sevilha vou lá ver o meu sinal,
porque ele foi lá colocado na sequência da minha intervenção em Tribunal.

Hoje em dia, a maior parte dos processos de impugnação de normas e


responsabilidade civil tem a ver com a ausência ou má colocação de sinais.

Por isso, a escolha do legislador português é uma boa escolha. O regime é que podia
ser um bocadinho melhor, mas analisaremos isso com mais detalhe na próxima aula.
Aula 20/11/19

Vamos, hoje, continuar o estudo da nossa matéria. Na aula passada começámos a


questão da impugnação de regulamentos. Ora bem, tínhamos visto, em primeiro lugar, que a
ação de impugnação de regulamentos é uma originalidade do direito administrativo
português, que nos outros países não existe, o que há é a impugnação incidental do
regulamento a propósito da impugnação de atos administrativos, e quando há meios
processuais específicos eles não têm a amplitude que tem no direito português, como é o caso
do alemão.

É um regime que apresenta alguma deficiência: a principal deficiência tem a ver com
o facto do legislador confundir a declaração de ilegalidade do regulamento, feita numa ação
que tem como objetivo declarar a invalidade do regulamento, com a apreciação incidental do
regulamento feita a propósito da análise de um ato administrativo. Nesse caso precisamente
porque se trata de uma apreciação incidental o objeto do processo é o ato administrativo, e a
apreciação indireta do regulamento tem apenas a ver com o ato de resultado jurídico, a
anulação ou o que seja, ou a condenação na prática de um ato administrativo.

Esta realidade é muito evidente na versão originaria do código, falava-se mesmo


numa declaração de ilegalidade com efeitos no caso concreto. Para além de ser um absurdo,
não tinha qualquer fundamentação: está em causa uma invalidade, algo que tem a ver com
uma atuação que é geral e abstrata. Essa invalidade, de conteúdo geral a abstrato, não
produziria efeitos além do caso concreto. Não faz sentido chegar à conclusão de que há uma
invalidade e que o resultado da sentença é uma declaração que só vale para aquele caso.
Enfim, porquê aquele, porquê o outro? É algo que restringe o âmbito de aplicação do
princípio da legalidade.

Mas havia também outro problema, problema que ainda mantém: o da violação do
direito europeu. Porque há o Acórdão Kuhner, do qual provavelmente já ouviram falar na
disciplina de Direito Europeu, que estabelece que quando está em causa a aplicação de direito
comunitário, se há alguma apreciação do tribunal acerca da invalidade de norma, por violação
de direito comunitário, aquela tem que produzir efeitos gerais. De acordo com o princípio da
plenitude, tem de valer nos restantes domínios: o direito europeu tem uma eficácia radiante
para todos os ordenamentos jurídicos dos países que integram a União.

Ora bem, como vos dizia, a versão originaria é muito criticada. O responsável pela
redação final das normas, o Professor Mário Aroso, vem dizer, apresentando uma
justificação, dizendo que não foi mandatado para fazer revisão, dizendo que apenas estava
encarregue de fazer a revisão, e que, portanto, não podia alterar aquilo que não tinha sido
discutido. Enfim, é uma justificação que vale o que vale, uma vez que em outras matérias não
discutidas houve alterações.

O legislador ao mesmo tempo que melhorou a versão de 2015 e 2019 do regime


jurídico, também introduziu uma referência que ajuda a explicar o regime jurídico: no fundo
o que influenciou o legislador foi o regime da fiscalização concreta de constitucionalidade e a
passagem da fiscalização concreta para a fiscalização abstrata.

Este regime que assenta numa confusão, que só foi parcialmente assumida. O
legislador sentiu-se na obrigação de explicar a confusão que surge na declaração de
invalidade do 73.º/1 CPTA, e a apreciação incidental da legalidade do regulamento que está
na alínea a) diz outra coisa, que não é declaração de invalidade.

Se o legislador quisesse tratar dessa apreciação incidental, das duas uma: ou a incluía
nas regras gerais ou então fazia um regime autónomo para esta, e ligando-a à declaração de
invalidade. Esta opção, que só foi parcialmente assumida, parece-me mal.

Quanto aos pressupostos estabelece dois tipos de pressupostos, para de alguma


maneira estabelecer 2 regimes jurídicos que são próximos, mas diferentes:

73.º/1 CPTA - está em causa a declaração de invalidade de normas jurídicas


diretamente aplicáveis, que não precisam de um ato administrativo par aa sua aplicação; no
n.º 3 está em causa a apreciação de invalidade de normas de regulamentos que precisam de
um ato, de normas que não são diretamente aplicáveis.

As regras têm de ser forçosamente diferentes quando o regulamento não produz


imediatamente efeitos, faz sentido.
Estabelecem-se regras de legitimidade: quem seja diretamente prejudicado pela
vigência da norma – portanto, a ideia de um interesse direto – permitindo-se ainda que nesses
casos possa haver ainda um interesse indireto, daquele que possa ser previsivelmente afetado
pela norma mas não está naquele momento a ser lesado pela norma, mas previsivelmente está
em condições de vir a ser afetado pela norma, havendo um alargamento da legitimidade em
relação aos titulares de direitos. É um acrescento em relação à regra geral, do artigo 9.º, tendo
também legitimidade quem venha a ser lesado, e não apenas quem é lesado.

Depois prevê-se a possibilidade de intervenção, da legitimidade, do Ministério


Público. Critiquei, no passado, os poucos poderes que eram conferidos ao Ministério Público,
portanto parece-me bem.

Depois estabelece a regra de legitimidade dos presidentes de órgãos, e prevê também


a legitimidade das pessoas do 55.º/2, estando em causa também um alargamento do processo
na legitimidade ativa. São regras de legitimidade ativa que, em rigor, não era preciso haver,
visto que nada se diz de novo em relação ao artigo 9.º.

O n.º 2 procura fazer uma coisa desesperada, naquela confusão entre declaração de
invalidade e impugnação, parece-nos aquela coisa absurda, ou há declaração de invalidade ou
não há (acórdão de Kuhner). Não há razão para esta previsão. Esta disposição é
inconstitucional, por violação da igualdade, visto estar a limitar-se os efeitos a determinados
sujeitos, colocando ainda problemas por força do Direito Europeu.

O n.º 3 que regula a impugnação dos regulamentos que não são imediatamente
eficazes. A solução está no limite da invalidade, há uma discussão sobre isso que não releva
para aqui, agora o que é errado é haver esta confusão entre a declaração de invalidade do ato
e a apreciação incidental do regulamento.

O n.º 4 estabelece um dever do Ministério Público da fiscalização concreta para a


abstrata da personalidade, o MP tem o dever de pedir a declaração de invalidade com força
obrigatória geral, sanando-se assim eventuais problemas decorrentes desta norma. E depois, e
isto é estranho, e também criticável, só o MP é que pode, aparentemente, atuar na alínea b).
Este processo destina-se à tutela dos direitos dos particulares, estabelecendo esse direito. Isto,
na minha perspetiva, é uma confusão de coisas, um trocadilho com as normas jurídicas para
dar satisfações. Com todo o respeito, isto não parece adequado: compreendo humanamente
aquilo que as pessoas possam ter sentido, mas o legislador não tem que pensar nas pessoas
em concreto. Há aqui problemas de constitucionalidade e ilegalidade.

74.º CPTA, temos ainda pressupostos relativo aos prazos.

Aqui o legislador consagrou que é possível pedir a declaração de ilegalidade da norma


geral e abstrata a todo o tempo, enquanto houver um direito, a ação pode ser pedida a torto e
a direito. Estabeleceu uma regra diferente no n.º 2 que termina antes da caducidade do
direito, vai inventar um prazo. A solução do n.º 1 é correta, a do nº 2 não faz sentido, pois
entende que a ilegalidade formal é menos importante que a material, e que, portanto, quanto
àquela tem que haver um prazo. Não faz sentido absolutamente nenhum, a ilegalidade formal
não +e menos importante que a material, sendo, por vezes, até mais. Veja-se o direito
fundamental à audiência, que é uma invalidade formal, e que é fundamental. Põe em causa o
direito de acesso à justiça, sendo inadmissível, mas foi a decisão do legislador.

O legislador aproxima da declaração de ilegalidade com efeitos gerais algumas


questões da fiscalização de constitucionalidade: o efeito da declaração de invalidade com
força obrigatória geral, declaração obrigatória com eficácia geral, que significa o afastamento
da ordem jurídica da norma, de forma retroativa, repristinando-se as normas por ele afastadas
da ordem jurídica: os eventuais regulamentos que existissem antes e tivessem sido revogados
voltam a entrar em vigor (76.º/5 CPTA).

76.º CPTA - Estabelece o n.º 2 que são os juízes a determinar quando é idóneo que se
produzam os efeitos, na sentença, por segurança jurídica e equidade. Pode determinar efeitos
só para o futuro, só para o passado e estabelecer períodos intermédios. Tem de ser o juiz a
determinar os efeitos concretos da sentença, podendo afastar aquele. Está em causa uma
espécie de manipulação de efeitos (não gosto do termo).

Por fim, integrado na mesma ação, temos algo que, de acordo com critério processual,
seria uma ação autónoma. Mas aqui imperou o critério material: trata-se da condenação à
emissão de normas.

77.º CPTA - Aqui valorou-se o critério legislativo, que é a condenação à emissão de


normas: este mecanismo foi sugerido antes da reforma pelo professor João Caupers e Paulo
Otero, como havia na CRP o mecanismo de fiscalização de constitucionalidade por omissão
mas o problema com esta é que ai a Assembleia da República verifica a falta, não pode
obrigar o órgão a legislar, não há nenhuma condenação.
O legislador teve em conta isto e o que estabeleceu foi uma verdadeira ação de
condenação à emissão de normas tendo em conta isso, porque ai o tribunal, como é dito no
n.º 2, não apenas verifica a existência de uma situação de ilegalidade que decorre da omissão
(que é a única coisa que faz a Assembleia), como obriga a entidade competente à emissão e
estabelece um prazo para a emissão da mesma.

A versão originária dizia ação de declaração de ilegalidade por omissão do


regulamento, mas isso é uma condenação, se o regime já era este regime do n.º 2, então já
estávamos perante uma verdadeira ação de condenação. Fico satisfeito que o legislador com o
reconhecimento do legislador da natureza condenatória da ação.

Isto era tanto assim que se entendia, vendo que era possível dar a volta, que era
possível a imposição de sanções pecuniárias compulsórias para o cumprimento do dever, ao
lado do prazo para tal.

Não há nenhum argumento de ordem lógico-jurídica que impeça, nos casos em que o
poder regulamentar seja discricionário a única coisa que o tribunal faz é condenar pela falta, o
que acontece por exemplo na falta dos PDM’S, sempre que falta o Ministério Público pede a
condenação de emissão dos mesmos, não há nenhuma invasão na esfera de poder, há uma
omissão e a autarquia é condenada à emissão. Se o que está em causa é não apenas o direito
a uma norma jurídica, mas a norma jurídica pré-determinada no seu conteúdo pelo meio ou
por outras normas jurídicas, aí o tribunal pode dizer “tens de fazer o regulamento e o
regulamento deve conter isto”. Em nenhum caso o tribunal invade a escolha pela
administração, não se substitui a esta, não havendo nenhuma violação do princípio da
separação de poderes.

Graças a deus que a coisa se chama com o seu nome habitual e real desde 2015.

Posto isto temos outra modalidade de ação. Vou dizer algumas coisas sobre isso, fica
o regime jurídico para a próxima aula: tem que ver com o contencioso pré-contratual.

Há aqui uma questão prévia, que é a de saber o que é que entendemos por contratos?
Quais são os que aqui estão contratos? Na ordem jurídica portuguesa ouve uma discussão
muito forte, que assentava numa distinção esquizofrénica entre os contratos ditos
administrativos e os ditos privados. A distinção assentava ainda noutra esquizofrenia, que era
em conceber os contratos ditos administrativos simultaneamente com modalidade bilateral,
mas que permitia o exercício de poderes de autoridade. Era a mesma coisa que dizer que o
Batman tinha cara de Jokerman.

Aquilo que agora acontece, por causa da União Europeia, é a unificação do regime
jurídico de todos os contratos administrativos, porque todos são regulados pelo Direito
Público, 4.º/1 e) ETAF. Este artigo não devia sequer falar em contratos administrativos, mas
pelo menos engloba todos os contratos públicos. Todos são regulados por Lei Pública, pelo
Código dos Contratos Públicos, e são da competência dos tribunais administrativos, deixando
de fazer sentido aquela distinção, que não tinha lógica.

Quem propôs pela primeira fez isto em Portugal, esta unificação, foi a Professora
Maria João Estorninho, na sua tese de mestrado: Requiem Pelo Contrato Administrativo,
defendendo o diluir da fronteira entre contratos administrativos e privados. Era uma
esquizofrenia. Esta ideia mereceu sempre o meu apoio. E não apenas pelo rolo da massa lá
em casa, que tem muito peso e é importante, mas porque, de facto, não faz sentido esta
esquizofrenia.

Dividiu-se então a doutrina, de um lado aqueles que eram contra a distinção


esquizofrénica, onde estava o Professor João Caupers, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa
e o Professor André Salgado de Matos, que vieram dizer que devia haver uma lógica, mas o
resto da doutrina continuou a defender a distinção esquizofrénica (Viera de Andrade, etc.).

Foi o Direito Europeu que acabou com essa distinção, e quis estabelecer um regime
para todos os contratos públicos, e ao estabelecer o regime não podiam dar essa distinção
esquizofrénica que só era conhecida em França, Espanha, Itália e Portugal, portanto em 4
países, todos os outros desconheciam essa questão, inclusive a Alemanha.

A União Europeia fez duas coisas, primeiro estabeleceu determinados contratos e


depois determinadas áreas, energia, as águas, considerando-se seja qual for a entidade, este
contrato considera-se contrato administrativo. O legislador foi chamar a determinados
contratos como contratos administrativos, devia ter chamado outra coisa porque esses são
uma espécie, de todos contratos, que estão regulados no CCP.

A esquizofrenia desapareceu, todos os contratos têm agora um regime administrativo,


e todos são competência dos tribunais administrativos.

Ficamos por aqui.


Aula 25/11/2019

Estávamos, na aula passada, a analisar a ação em matéria de contratos e vimos que,


houve no quadro da reforma uma mudança (de resto, tinha sido iniciada em 2004), e que tem
a ver com a noção de contrato que é objeto do contencioso administrativo.

Agora, de forma clara, aquilo que está por detrás deste mecanismo processual, são os
chamados contratos públicos. Contratos públicos estes que são uma criação da União
Europeia e, que põe termo à esquizofrenia tradicional do direito português de entre os
contratos ditos administrativos e, os contratos ditos privados da Administração porque a
noção de contratos públicos abrange uns e outros. Abrange tantos esquizofrénicos contratos
administrativos como esquizofrénicos contratos de direito privado. Isto aconteceu em
Portugal, na sequência de uma discussão que ocorreu nos anos 80 em que, por um lado a
Professora Maria João Estorninho veio pôr em causa a esquizofrenia e defender a unificação
de todos os contratos da Administração Pública e esta conceção foi também, depois, abraçada
pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, pelo Professor João Caupers, e por aí fora… E,
portanto, o que aqui está é entender que todos os contratos celebrados no exercício da função
administrativa devem ser tratados da mesma maneira, não se justifica que uns tenham regime
de direito privado e outros de direito público, uns sejam da competência dos tribunais
administrativos, outros não…

Não há nenhuma preferência entre esses contratos, todos eles usam poderes públicos,
correspondem ao exercício da função administrativa, estão submetidos aos mesmos
princípios administrativos; ou seja, há necessidade de construir uma realidade una para o
contencioso dos contratos. Isto passa pela afirmação de que nem os ditos contratos
administrativos eram exorbitantes, eles são simples contratos com cláusulas que resultam da
lei ou do consenso entre as partes; nem os ditos contratos privados eram de natureza privada
porque neles também está em causa a realização de poderes públicos. Houve, portanto, aqui
uma discussão que apesar de tudo, no quadro do direito português, não mudou a realidade
jurídica imediatamente.

Foi preciso esperar pela União Europeia e, foi pela mão da União Europeia que as
diretivas europeias apresentaram essa unificação. E apresentaram essa unificação porque não
fazia sentido, numa lógica de união, usar conceitos que eram conhecidos apenas em quatro
países da União Europeia: Portugal, Espanha, França e, Itália. Nem mesmo os alemães
sabiam o que eram contratos administrativos. No direito alemão, falava-se há já muito tempo
em contrato público e, a noção de contrato público nem tinha a ver com a contratação
pública.

Tinha a ver com contratos sobre entidades públicas, num domínio muito especial que
se tinha desenvolvido no âmbito da administração. E, em todos os outros países (que não
aqueles quatro), ninguém sabia o que era. E o que se entendia, pelo contrário (e bem), é que
aquilo que era preciso era criar um regime que abrangesse todos esses contratos, que
abrangesse os tradicionais como concessões, empreitadas que eram considerados contratos
públicos ou contratos administrativos, mas que também considerasse como públicos os
arrendamentos, as compras e vendas, a prestação de serviços, tudo aquilo que correspondia ao
exercício da função administrativa. E, esta realidade vai dar origem ao artigo 4º do Estatuto
que, na primeira vez, na primeira versão (versão que eu gostava mais), o legislador nem
sequer usava a expressão do contrato público, falava em contratos precedidos de
procedimentos, contratos relativos à função, usava várias expressões, até usava expressões
em termos cumulativos, mas não fazia qualquer referência a contratos públicos.

O legislador de 2015, teve algum medo desta situação. Os Professores que fizeram
parte dessa Comissão de 2015, defendiam aspetos tradicionais em termos de contrato público
e contrato privado e, portanto, aparece até uma norma a dominar o CPTA, que não faz muito
sentido, que parece querer restaurar a distinção anterior. O que é facto é que essa distinção é
contrariada pela atual lei, designadamente o Código dos Contratos Públicos. Portanto, o
legislador de processo, entendeu (e bem) que não obstante os nomes, o que estava em causa
são os contratos regulados pelo código da contratação pública. É uma expressão que ele
utiliza que para mim não é a mais adequada, a alínea e) fala nos contratos administrativos ou
outros contratos regulados nos termos da legislação sobre contratação pública.

O que releva é esta última parte: chamar contratos administrativos a uma categoria de
contratos públicos também contribui para diluir a distinção e fazer com que ela desapareça
porque, já não são os contratos administrativos que correspondem a um regime público;
agora, são apenas uma das várias espécies de contratos públicos. Eu podia preferir que eles se
chamassem contratos Maria Albertina, mas o legislador resolveu manter-lhes o nome de
contratos públicos, mas alterou a regra e alterou o regime jurídico.
O que é que o legislador faz a propósito das normas processuais no código do
processo? Ele estabelece dois tipos de regras, em dois artigos: uma relativa à legitimidade e
outra relativa aos prazos. A legitimidade necessitava de ser mexida, os prazos, como
veremos, tenho as maiores dúvidas que faça sentido alterações.

Relativamente à legitimidade, o artigo 77º-A veio resolver um problema que a


doutrina da Escola de Lisboa sempre tinha dito que era um problema que precisava de ser
resolvido. Esse problema era a escassa legitimidade para intervir no domínio da contratação
pública. Aquilo que se dizia na lei do processo é que apenas as partes numa relação contratual
gozavam de legitimidade processual para impugnar os contratos, para pôr em causa a sua
validade. Ora, desde muito cedo, a Professora Alexandra Leitão, o Professor Miguel
Raimundo, há uma série de juristas ilustres que têm publicado as suas obras sobre contratação
pública, mas cedo o que se dizia é que este conceito era demasiado apertado, porque os
contratos afetavam e todos eles deveriam poder intervir no âmbito da legitimidade para
impugnar. E o legislador, efetivamente, adotou esta perspetiva e alargou o universo da
legitimidade contratual. E o legislador também adotou uma distinção que a doutrina defendia
que era a de introduzir uma diferenciação entre a legitimidade relativa à validade dos
contratos, questões que tinham a ver diretamente com as cláusulas contratuais e, as questões
que diziam respeito à execução dos contratos. A lógica era que a execução dos contratos,
designadamente se se tratasse de um contrato de serviços públicos deveriam determinar uma
legitimidade ainda mais alargada para abranger os utentes do serviço público.

E, portanto, a teorização que começou a surgir nos anos 80, sobretudo na escola de
Lisboa, mas depois também em Coimbra, dizia que, por um lado era preciso alargar o
universo dos sujeitos que eram afetados pelo contrato e não ser apenas os sujeitos da cláusula
contratual, a autoridade administrativa e o particular que celebrou o negócio jurídico, no
fundo era isso que se dizia… e que era preciso alargar também aos utentes. Os utentes do
metro, os utentes da carris, são diretamente afetados pela execução de um contrato público, e
se são diretamente afetados têm de ser partes. O legislador fez isto, mas também aqui a
técnica legislativa se calhar não foi a melhor porque se repararmos bem, o nº1 que diz
respeito à validade, total ou parcial, dos contratos aparece com um número muito grande de
alíneas (da alínea A até à alínea H) enquanto que o nº2, diz respeito à execução dos contratos
já podia ser mais alargado (vai só até à alínea E), portanto há, aparentemente, menos
situações que estão preenchidas ou que se encontram previstas neste nº2. No entanto, é mais
um problema de má técnica legislativa do que solução direta porque se repararmos bem no
nº2 as formas, nomeadamente a forma do nº2 é uma forma ampla, tão ampla que abrange
todas as outras hipóteses previstas do nº1. De alguma maneira, aqui o legislador adotou uma
formulação ampla, o legislador foi mais poupado. Isso tem a ver com o facto de o legislador
usar técnicas diferentes, na mesma norma jurídica. Enquanto no nº2, nomeadamente na alínea
g, utiliza um critério que é um critério de síntese, no nº1 o legislador divide várias situações
jurídicas, que muitas vezes são cumulativas, adotando um critério próximo de uma pauta
jurídica. E portanto, apesar dessa aparência, podemos dizer que o que está previsto no nº2 é
pelo menos tão amplo como o que está previsto no nº1, mas se calhar devia ser mais, devia
haver aqui uma diferenciação não apenas formal, mas também material. Vejamos as hipóteses
que aqui estão, e deixemos de fora duas que são na minha perspetiva as mais eficazes:

Em primeiro lugar, a alínea A que faz referência às partes. As partes numa relação
contratual, como é óbvio, são partes legítimas e devem agir para pôr em causa o contrato.
Mas isto é pouco, como dizia a doutrina dos anos 80, onde passou a haver a discussão.
Portanto, é preciso abranger como partes legítimas aqueles particulares que não sendo
intervenientes na relação negocial, ou participaram no procedimento ou podiam ter
participado ou que foram de qualquer maneira afetados por este. E é isso que nos vêm dizer
estas sucessivas alíneas. Na alínea c, vai-se dizer que quem tiver sido prejudicado pelo facto
de não ter sido adotado o procedimento pré contratual legalmente exigido. Ou seja, o código
da contratação pública estabelece procedimentos pré contratuais, quando não se segue o
procedimento devido, alguém que é prejudicado por não ter sido seguido, é parte deste. Quem
impugnou um ato relativo ao procedimento e alegue a invalidade que decorre dessas
ilegalidades pode também impugnar o contrato. Quem participou no procedimento e alegue
que o clausulado não corresponde aos termos da adjudicação, também, não é? São coisas que
acontecem, as partes terem sido excluídas do procedimento negocial e, depois verificarem
que a razão que levou à sua exclusão foi afastada e que as cláusulas contratuais são
diferentes. Depois, uma outra hipótese que é uma hipótese excessivamente cautelosa, mas
que, infelizmente, corresponde à realidade, é aquela em que deve ser parte legítima quem
alegue que o clausulado do contrato não corresponde aos termos inicialmente estabelecidos e
que, justificadamente o tinham levado a não participar no procedimento pré contratual,
embora estes requisitos o sejam.

Ou seja, acontece também com frequência depois de escolher o contrato, negociar


com um contrato que é radicalmente diferente daquilo que estava consentido. É por isso, que
estes domínios da contratação pública têm de ter uma legitimidade alargada porque são
domínios onde impera a corrupção, outras coisas que aparecem nas notícias do jornal e que
vão desde o sangue infetado, como na vossa hipótese por causa do plasma comprado à
Optafarma, a hipótese como um pequeno conluio para a venda dos descontos incendiários da
proteção contra os incêndios… A maior parte dos casos da realidade portuguesa
correspondem a trapaça, para dizer o mínimo, corrupção para dizer o máximo que envolve
marqueses e outros tais em que há corrupção generalizada no âmbito da contratação pública
e, a única forma de lutar contra isso é, precisamente, o alargamento da legitimidade. E,
portanto, estas clausulas correspondem aquilo que a doutrina tinha defendido como
necessário para o domínio contratual. E, por último, tem uma cláusula também, uma cláusula
final que funciona como uma cláusula que preenche as hipóteses que é relativa a pessoas
singulares ou coletivas, titulares ou defensoras de direitos ou interesses legalmente protegidos
e, aqui não se percebe bem o porquê, aos quais a execução do contrato cause, ou possa
causar, prejuízo. Se está em causa a execução, devia estar no nº2… não se percebe porque é
que o legislador também inclui a execução no nº1. O que está em causa é alguém que seja
atingido por uma realidade. E todos estes casos são corretos e, todos eles, deviam cá estar. O
que eu fazia antes da reforma era dizer que quando o legislador falava em partes, se deveria
entender as partes não apenas aqueles que tinham celebrado o contrato, mas todos aqueles
que eram por ele afetados. Isto ajudava, embora sem resolver, algumas das questões.

Já mais duvidosa é a clausula da alínea b), relativa ao Ministério Público e a cláusula


da ação popular, na alínea h). em relação ao Ministério Público está em causa um órgão do
estado que é titular da ação pública e, se se atender não só à importância dos contratos do
interesse público, como também ao facto de poder estar em causa ilegalidades de valor
elevado, justifica-se que o Ministério Público, por razões de interesse público e no âmbito da
defesa da legalidade do interesse público, intervenha. Apesar de estarmos a falar de um
negócio jurídico bilateral e, sendo um negócio jurídico bilateral diz-se, em primeiro lugar,
que imediatamente respeita a interesse público. Mas aqui, digamos que o Ministério Público,
por um lado pode substituir um particular quando o particular desiste de impugnar um
contrato e, portanto aí a continuação por parte do Ministério Público faz com que ele esteja
numa situação de especial ligação aquele contrato em causa e, pode-se dizer, olhando para a
realidade, que a existência de uma corrupção infelizmente generalizada a nível da contratação
pública torna necessário que o Ministério Público intervenha.

Mas não deixa de ser estranho porque estamos perante uma ação pública que diz
respeito a um contrato que é bilateral, que produz os seus efeitos apenas de acordo com a
vontade das partes. Havendo esse contato, pode ser aqui que as partes devem ser alargadas
não só apenas os sujeitos que celebraram o contrato, mas são todos. Mas, permitir aqui uma
ação para defesa da legalidade do interesse público tem de ser limitada. Mas com estes
cuidados, eu não vejo mal que o Ministério Público tenha aqui intervenção.

Já o que não me parece que faça qualquer sentido, é admitir a legitimidade do autor
popular. O autor popular atua para defesa da legalidade e do interesse público, o autor
popular a menos que seja afetado (se for afetado, ele goza de legitimidade por isso mesmo,
por ser afetado pelo contrato) mas se não goza, se ele não tem nada a ver com aquela relação
jurídica bilateral, não faz sentido que o autor popular possa intervir e que seja parte porque,
isso equivale a dizer que criámos uma nova categoria jurídica, não é? E não sei se é, enfim
seria o resultado lógico desta intervenção do autor popular, mas do ponto de vista jurídico é
algo um pouco contraditório… era uma espécie de negócio jurídico bilateral, mas com efeito
erga omnes, não é? Era bilateral, mas depois produzia efeitos mesmo a quem não fosse
sujeito daquela relação. Ora, com todo o respeito, isso parece-me errado.

E, portanto, se eu estou de acordo com o alargamento que está na alínea c) à alínea g),
tenho algumas dúvidas em relação à alínea b) mas essa, até acho que parece justificada, tenho
dúvidas completas e, acho que não deveria estar aqui, o autor popular no quadro desta alínea
h) do nº1. Houve aqui a ideia de tornar isto similar à dos outros processos, se fosse similar
não era preciso haver novas regras de legitimidade. A existência de regras específicas de
legitimidade poderia ter levado o legislador a adequar estas regras. Em relação ao nº2, depois
temos os tais dois problemas da alínea formal, a execução já estava na alínea g) do nº1 e
repete-se depois na alínea b) do nº2 e o que o nº2 faz é definir os interessados em termos mais
amplos, na prática não os distingue porque qualquer particular que seja afetado no direito ou
interesse abrange os utentes dos serviços públicos por causa da legitimidade, mas não faz
muito sentido esta lógica de tratamento. E também se diga o mesmo em relação, sobretudo,
ao ato popular. Vê-se aqui a intervenção do Ministério Público, como vos disse, esta eu
consigo admitir no quadro da lógica que o sistema que não é inteiramente subjetivo e que
também tem alguma dimensão administrativa, mas se consigo admitir a intervenção do
Ministério Público, não consigo perceber o que é que faz aqui o autor popular, que aqui
intervém sem interesse directo na demanda para defesa da legalidade.

Depois, aparece-nos o artigo 77º-B relativo a prazos. E aqui também esta norma
merece a minha crítica, porque a regra na teoria geral do direito civil é que o direito tenha
sempre um prazo. Os direitos caducam desaparecem, do quadro da ordem jurídica, deixa de
haver a possibilidade de tutelá-lo jurisdicionalmente, aliás aqui a regra é, enquanto há direito,
que o particular pode exercê-lo. Já ainda no âmbito dos atos administrativos, muito devido à
infância difícil do Direito Administrativo, mas atendendo a que o ato administrativo é um ato
unilateral, ainda se pode entender, a impugnabilidade, não se verifica que o juiz não possa,
nos termos do artigo 38º conhecer da invalidade, proíbe o uso daquele meio processual, mas
não impede o conhecimento da nulidade. Já em relação aos contratos que é um negócio
jurídico bilateral, que de acordo com a vontade das partes cria direitos e deveres, não vejo
necessidade de haver esta limitação e parece-me que ela viola as regras do processo, em
última analise, viola o 288º n4 da CRP na medida em que estabelece um direito sem
restrições que sejam atentatórias (…).

O legislador arranjou aqui com um subterfugio, este não devia servir isso, a invalidade
dos contratos com objecto passível de ato administrativo, esta é uma expressão do Prof. José
Pinto Correia, um dos autores do processo da farma. Mas com todo o respeito, estes contratos
com objecto passível de ato administrativo são contratos que podiam ser atos, ou seja, com
alguma alternatividade. Mas se o legislador decidiu fazer um contrato, é porque o achou que
o contrato era a forma adequada para criar aqueles direitos e deveres. Se ele gozava de
alternatividade e podia escolher o contrato ou o ato, este contrato de objecto passível de ato,
ou seja, podia ter sido um ato em vez de um contrato, algo que não diz nada do ponto de vista
da natureza jurídica do ato, este contrato é como os outros. E portanto, se há um direito,
enquanto esse direito não é extinto ou enquanto esse direito não caduca, devia haver a
possibilidade de impugnação a todo o tempo. Bem, é um contrato, mas como podia ser um
ato aplica-se o regime do ato administrativo. Não faz sentido. Precisamente porque estamos
perante um contrato. Se a AP quisesse aplicar o regime do ato administrativo, praticava um
ato e não um contrato. Faz-me lembrar, com alguma ironia, o que se chama do Direito
Internacional Privado o Forum Shopping.

Mas o melhor é criar também regras para o ato, para isto não estar sempre a ser
invocado. Não faz sentido andar aqui no Forum Shopping do Direito Administrativo. Depois
também surge aqui 6 meses, a anulabilidade, total ou parcial, dos demais contratos, pode
ser… Bem, essa tem a haver aqui com o momento em que se determina, portanto é, 6 meses
desde que se possa ter conhecimento da invalidade. Já o nº3 diz que quando haja falta ou
vicio da vontade, ela pode ser requerida com um prazo de 6 meses. Mas porquê? É um
contrato como os outros, qual é a diferença das clausulas relativas à falta ou vício da
vontade? Nenhuma. O legislador agiu aqui de uma forma completamente aleatória. Nº1 ainda
se pode dizer que é o, estes 6 meses o legislador decidiu criar só para dizer coisas, mas não
aqui razão para dizer coisas. Havendo um direito deve ser tutelado de um ponto de vista
jurisdicional.

Portanto eu diria que era melhor ficar-se pelo 77º-A, o 77º-B não se justifica, a regra a
adoptar devia ser a regra que o legislador adoptou para os regulamentos. A legitimidade
deveria ser exercida a todo o tempo. Não há prazos para a impugnação. A existência de prazo
é algo que contraria o princípio da tutela efectiva do direito, não faz sentido que seja diferente
para o contrato. E com isto o legislador esgotou as acções nominadas, mas se repararmos
bem, o artigo 37º quando se delimita o âmbito de aplicação desta acção declarativa, o
legislador estabeleceu um conjunto de regras que não esgotam todo estas situações. Portanto,
para além destes casos tem de haver pelo menos uma outra hipótese, portanto de uma outra
acção, em que basicamente se discutem, nomeadamente a responsabilidade civil, que não
estão incluídas em nenhuma destas e as questões relativas a formas de atuação administrativa,
que não sejam atos, contractos, e regulamentos, sejam operações materiais, operações
técnicas, atuações de direito privado no exercício da função administrativa. Ou seja, várias
hipóteses que o legislador aqui estabeleceu e de facto omissas.

Por exemplo temos os pontos enumerados no artigo 37º nº1 é exemplificativo destas
realidades, nomeadamente, a alínea f) o reconhecimento de situações jurídicas subjectivas
decorrentes de normas ou de atos jurídicos que não sejam atos administrativos. Na alínea g) o
reconhecimento de qualidades ou de preenchimento de condições, na alínea h) condenação à
adopção/abstenção de comportamentos pela AP ou por particulares, não são mais senão
estaríamos dentro da alínea b), são operações materiais ou de caracter técnico que não têm
natureza de atos jurídicos, condenação à adopção de conduta necessárias ao restabelecimento
de direito no nº3 … Claro que não têm necessariamente de corresponder a um ato
administrativo, a um regulamento ou a um contrato administrativo, pode dar origem a uma
acção inominada, no âmbito das acções administrativas quando a AP incorre em violações de
deveres de prestar decorrentes directamente de normas jurídicas, sem que haja ato
impugnável, atos jurídicos praticado ao abrigo de disposições de regulamento administrativo
relativo ao pagamento de quantias, entrega de coisas, de facto.

E a questão de responsabilidade civil. Ou seja, há uma série de hipóteses avulsas, que


o legislador regulou (…) uma vez que ele criou esta preferência de acções, se quiserem,
diferentes (incompreensível) obriga a criar aqui uma nova acção que corresponderá a estas
últimas hipóteses. Curiosamente aqui não surgem regras especiais aplicáveis a esta realidade,
o legislador nos artigos iniciais apenas refere o interesse pessoal, já fizemos referência a este
artigo. É uma figura genérica, aplica se a todos os casos, mas efectivamente ele tem uma
especial aplicação às sentenças (..) de prestação, designadamente, o reconhecimento de
direitos e situações jurídicas subjectivas, da alínea f) e da alínea g) e que, portanto, o
legislador regulou-o aqui. Portanto uma pessoa, não pode ir a tribunal tratar de uma bagatela
jurídica, algo que se tem a obrigação de saber conversando com os amigos ou, em última
análise, recorrendo a um advogado. Não há um problema de interpretação das normas se não
houver aqui qualquer litígio. Portanto este interesse processual interessa em especial para
estes mecanismos, mas não interessa apenas para estes.

O interesse processual é nos dias de hoje, algo que qualquer acção pode apresentar.
Também o artigo 38º merece uma referência, mas faz sentido fazer aqui uma referência ao 9º
a propósito disto, diz que quer a responsabilidade civil, que cabe nesta acção inominada, quer
outras medidas que se podem pedir ao juiz, elas podem ser feitas mesmo quando existe antes
um ato administrativo (…). Portanto o legislador separa a acção de condenação em termos de
responsabilidade das outras formas de atuacao administrativa e afasta o princípio que havia
antes da previa impugnação do ato administrativo antes de pedir a acção da responsabilidade.
Neste momento o particular pode não impugnar, o ato tornou se inimpugnável, e ele pode
mesmo assim ir a tribunal pedir a responsabilidade.

Portanto esta norma é uma norma importante e vale para este caso, mas vale também
para todos os outros … o tribunal pode sempre reconhecer, este referencia de reconhecer a
título incidental, em rigor pode mais do que isso. Se se pedir a práctica de uma conduta
contrária à que foi realizada é uma acção a título principal. Mas o legislador apesar de tudo
resolveu usar aquele (..) embora tenha dito e bem, que é possível conhecer e levar a tribunal
actuações da administração que estão legais, que já correspondem a uma atuacao
administrativa inimpugnável por ter passado o prazo, mas não obstante pode se na mesma
julgá-la como ilegal. Significa isto na prática como já tinha dito, que não há nenhum ato, que
por simples decurso do prazo não produz tal caso civil que corresponderia ao milagre das
rosas transformando em legais, o ato é ilegal, continua a ser ilegal, o que há apenas é a
necessidade de escolher o meio processual adequado. Com isto acabamos a matéria relativa à
acção administrativa, ou seja, aos meios processuais do nosso código.

Temos agora que abordar duas outras realidades muito importantes e que durante
algum tempo eram praticamente inexistentes que o legislador dividiu em dois capítulos, por
um lado os processos urgentes e as providências cautelares. O que é que assemelha e
diferencia estas realidades que aparecem com esta dupla denominação? Por um lado os
processos urgentes, o que os assemelha em primeiro lugar, é o faco de lidarem com questões
de urgência, o que obriga a prazos curtos para ser pedido, prazo curto para o juiz se
pronunciar, porque são situações urgentes, são situações que necessitam de uma resposta
rápida por parte do julgador, portanto queras providencias como os processos urgentes são
caracterizados dessa ideia de necessidade de uma medida judicial tomada em tempo útil. O
que é que os diferencia? É que os processos urgentes decidem da causa, portanto dão
cabimento à pretensão do particular e as providências cautelares não, destinam se apenas a
salvaguardar os efeitos da sentença. Portanto os processos urgentes põem termo ao processo,
decidem a causa, as providencias cautelares apenas se destinam a salvaguardar a produção de
efeitos por parte da sentença. Portanto são similares que tem a ver com a urgência e são
diferentes quanto aos efeitos.

Diga-se também, que os processos urgentes são uma relativa originalidade do


legislador administrativo, porque o legislador juntou uma série de mecanismos, que no
quadro de outras ordens jurídicas (a francesa, a italiana, a alemã) são consideradas
providências cautelares, só que especiais, implicam momentos parcialmente de tal solução da
causa e o legislador introduziu esta diferença. Eu julgo que faz sentido esta diferenciação e
ela é de louvar no quadro da produção do legislador. Uma critica, no entanto, tem de ser feita
a esta enumeração dos processos urgentes é que esta poderá ter ido longe demais. Há quem
até, numa citação da Professora Carla Amado Gomes, diga que quando tudo é urgente, nada é
urgente. Eu diria que esta realidade levada na sua acepção, mas também não me aprece que o
conjunto de processos urgentes que estão regulados neste código corresponda a algo que seja
excessivo ou que responda a tudo não me parece que esse eufemismo possa ser utilizado. O
que é que o legislador tratou no quadro dos processos urgentes? Em primeiro lugar o
contencioso eleitoral, é uma realidade tradicional do direito administrativo, o haver regras
especiais para o contencioso eleitoral, são mais rápidas, mais urgentes, não se pode estar
sempre a discutir a validade de eleições.

Há uma altura em que isto pode ter litígios, deve ser rápido para que os órgãos possam
funcionar. É algo que já existe no quadro da tradição do contencioso administrativo
tradicional, desde o Séc. XIX, já se distinguia o contencioso objectivo, que era o contencioso
da legalidade dos atos e do recurso de anulação, do contencioso subjectivo, do contencioso
designadamente da matéria do contencioso eleitoral. Depois o legislador criou a gora o
contencioso dos procedimentos de massa, não sei porque lhe chamou procedimentos, criou
um processo.

O procedimento já existia antes do litígio, não percebo porque é o legislador decidiu


dar-lhe este nome, fez mal. Depois temos o contencioso pré-contratual, que tem origem
europeia, foi a EU que criou o contencioso pré-contratual, e foi uma excelente criação da
União Europeia, mesmo que em Portugal tenha sido desvirtuado. Em 2015, tinha sido
reavaliado e ressuscitado, mas em 2019 o legislador veio alterar de novo essa realidade e criar
(incompreensível). O problema está relacionado com a clausula do stand still. Do ponto de
vista da UE a única forma d resolver litígios em matéria de contratos, é enquanto não se
contrata, portanto há um prazo em que não se pode fazer nada, é que depois é que possível
resolver o litigio.

E um prazo curto, porque se se puder contratar, depois torna-se (incompreensível) da


administração e depois nunca mais se resolvem os casos. O legislador que tinha corrigido o
erro, e tinha instaurado a clausula do stand still, e agora em 2019 (incompreensível, alguém
tossiu) viola o Direito Europeu (incompreensível, avião) veio introduzir a (…) ao stand still,
que abordaremos na próxima aula, porque estamos em cima da hora. E depois surgem dois
tipos de intimações, a intimação para a correcção de informações, consulta de processos ou
passagem de certidões, e a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Mas
tudo isto ficará para a aula de quarta-feira.

Aula 27/11/2019

Cumpre agora falar dos processos urgentes. Os processos urgentes caracterizam-se, tal
como as providências cautelares, pela urgência. O primeiro desses processos urgentes é o
contencioso eleitoral.

No sistema francês distinguia-se entre um contencioso do poder e um contencioso de


plena jurisdição. O contencioso, por natureza, era um contencioso do poder diferente do
contencioso por atribuição, neste último podia haver partes e dedução de pedidos. O
contencioso eleitoral sempre foi um contencioso de plena jurisdição: assim, permitia-se aos
particulares que apresentassem outros pedidos, para além do pedido de anulação e permitia
aos tribunais não apenas anular decisões, mas também condenar e apreciar direito.
No entanto, há uma contradição: o legislador consagra este contencioso como
contencioso de impugnação, uma ação de impugnação relativa a atos que tenham a ver com a
inclusão, exclusão ou omissão de eleitores dos cadernos eleitorais e aos demais atos com
eficácia externa anteriores ao ato eleitoral. O legislador, num processo que aparentemente
seria de plena jurisdição, parece limitar a impugnação, os pedidos e os efeitos. É um absurdo
porque se deveria admitir todos os pedidos e não faz sentido que um processo urgente nos
termos das normas deste código que se regula segundo as normas dos processos principais –
havendo nos processos principais um princípio de plena jurisdição - não faz sentido limitar
este processo à anulação. Para além disso, não faz sentido falar de uma impugnação contra
uma omissão pois o ato tácito de indeferimento desapareceu. Logo, quando se fala em
impugnação de uma omissão num caderno eleitoral, deverá entender-se que se trata de um
pedido de condenação.

O legislador “informal” avançou, publicamente, que não tinha propositadamente


tratado o tema porque entendeu que não era relevante pois ninguém se iria preocupar com
isso. O legislador consagra a plena jurisdição, mas não corrige o artigo 98.º CPTA – pelo
menos relativamente à omissão não faz sentido falar de impugnação relativamente a uma
omissão pois é uma verdadeira condenação. Em 2015, o legislador corrigiu em parte a sua
primeira orientação demasiado limitativa e passou a admitir-se todos os pedidos. Mas
vejamos esta alteração do artigo 4.º, da cumulação de pedidos urgentes: cria uma regra
especial para o contencioso administrativo que é diferente da regra que vale para o processo
civil. No processo civil é possível haver cumulação de pedidos nos processos urgentes, mas
se isso acontecer o processo transforma-se num processo normal, deixa de ser urgente. No
contencioso administrativo continua a ser urgente.

Isto corresponde à verdade e à lógica do processo administrativo e, por uma razão


simples: no contencioso administrativo havia historicamente aquela ideia de que tudo o que
estivesse para além da anulação era cumulação de pedidos e no processo civil isso não
acontece. No processo civil para que haja cumulação de pedidos é necessário que os pedidos
correspondam a uma nova realidade do ponto de vista económico e substantivo. Ora bem, não
é isto que se passa no contencioso administrativo. Ainda assim, apesar de se louvar a
alteração de 2015, teria sido importante que o legislador tivesse alterado também o artigo 98.º
CPT porque tal contraria a nova regra da cumulação de pedidos.
O legislador foi demasiado escasso neste único artigo – o 98.º CPTA - que trata do
contencioso eleitoral. Estabeleceu-se, no seu número 3, que ele só abrange a impugnação e a
atos administrativos e tal é demasiado limitativo. Não faz sentido no quadro da lógica da
plena jurisdição introduzir esta limitação. Pelo contrário, este contencioso deve ser ainda
mais amplo do que os demais.

Os prazos no contencioso eleitoral são muito curtos. Não faz sentido que se espere,
por exemplo, 2 meses para que se homologue um resultado eleitoral. Não é possível esperar
tanto. É necessário que haja decisões expeditas. O prazo de propositura de ação é de 7 dias a
contar da data em que seja possível o conhecimento dos factos. Os outros prazos são também
limitados: 5 dias para a contestação, 5 dias para a decisão do juiz e 3 dias para os restantes
casos.

E embora olhando para a prática, podemos dizer que há algum desvio relativamente
ao cumprimento dos prazos, mas não muito. É possível obter uma sentença ou no prazo
estabelecido ou um pouco depois, mas não muito. É possível obter uma sentença a tempo de
resolver o problema que aqui se coloca.

Apesar destas limitações de cumulação, a afirmação da plena jurisdição e a existência


de outras regras nos termos do processo e agora a admissibilidade da cumulação de pedidos
permite que este processo seja utilizado em todas as situações que se possam colocar num
qualquer processo eleitoral e que permite todos os pedidos possam punir todas as sentenças.
A última coisa a dizer, também claros problemas de maior, no fundo as mais regras por regra
nos processos principais é dizer que eu tenho que dar tudo em Portugal no âmbito militar
porque não se aplica às decisões para jurisdições de entidades políticas e órgãos de poder
político e poder legislativo. E se podemos dizer que há uma tradução dos meios … para a
Assembleia da República, serem, terem um processo diferente de competência dos tribunais
judiciais e prevenção do Tribunal Constitucional eu diria que não há nenhuma uma razão para
que não fosse o tribunal de escopo legislativo, isso tem a ver ainda com os traumas da
infância difícil, quando o contencioso administrativo era um verdadeiro tribunal.

Mas em relação às autarquias locais, que se trata de órgãos de reserva legislativa, aqui
eu julgo que é uma realidade que distorce a cláusula constitucional de considerar que as
relações administrativas são da competência do contencioso administrativo, não atribuir aos
tribunais administrativos a competência para as regular. Se são capazes de admitir que em
relação à Presidência da República e outras realidades de alta, e a Assembleia da República
existam regras no Governo, mesmo, não é necessário, mas posso dizer que é uma tradição. Já
em relação ao órgão da função administrativa, como são as Autarquias Locais não faz
sentido, deveria ser esse contencioso eleitoral a aplicar-se. O que significa que este
contencioso eleitoral se aplica apenas às eleições internas, às eleições dentro dos órgãos da
administração, na maior parte dos casos são eleições na faculdade e eleições em escola,
eleições em institutos públicos, todos os órgãos que tenham no seu seio algum órgão de
natureza eletiva, algum órgão legislativo, pois se houver algum litigio cabe ao contencioso
eleitoral, julgo que poderia haver um alargamento de um membro às eleições de um órgão
eleitoral.

Passamos a outro processo urgente, o dos processos massa, enfim, o legislador aqui,
posso falar em procedimentos massa, é preciso explicar ao legislador que o procedimento é o
que se passa antes do litigio e depois a partir daí há um processo, processo da função judicial
que se chama procedimento. Mas tirando o nome, eu julgo que o surgimento deste processo
urgente, com a reforma de 2020 corresponde a um desiderato correto daquilo que se pretende
resolver com um processo urgente, virando-me para a prática eu diria que estes processos
urgentes têm...

E, portanto, acolhem aqui críticas, nomeadamente as críticas da Doutora Carla Amado


Gomes, que diz que quando tudo se torna urgente nada é urgente. Isto é um eufemismo
verdadeiro, ao qual toda a gente está de acordo, mas ele não se aplica a este caso, que por um
lado tem por objeto, temos um número limitado de processos urgentes e estes casos que aqui
estão destes processos massa precisamente pela sua natureza limitada e a sua aplicabilidade
limitada, não fazem com que tudo se torne urgente, e há razões especificadas para este
processo ser urgente.

O que é que está aqui em causa? Está aqui em causa aquelas nomeações, através de
um ato plural, que se sucedem todos os anos no Governo por exemplo na contratação dos
professores, na nomeação dos professores. Há milhares, há milhões de atos legislativos a
cautelar no único momento que gere a regra do processo judicial, e este processo judicial tem
de ser decidido rapidamente, por que está em causa o coletivo e está em causa a situação dos
professores, e o que acontece é que os pedidos já quase estão sobrepostos, e o que aqui está é
a ideia, reúnem-se estes pedidos todos num processo e decide-se de uma forma reta, só nos
casos relativos à contratação do pessoal do quadro dos professores.
E, portanto, há razões justificadas para isso, há razões do instituto público que têm a
ver com o número de candidatos, com o número de professores que estão no âmbito do
concurso. Enfim, para vos dar só alguns exemplos de coisas que li no jornal recentemente,
agora há um tema que está na ordem do dia que tem a ver com a falta de contínuos na escola,
e, portanto, quase dia sim dia sim há alguma instituição da escola a dizer que há falta de
contínuos. Eu ouvi o senhor Ministro da Educação dizer que nos últimos três meses foram
admitidos 3000, ora admitidas 3000 pessoas é um número muito elevado e, portanto, este
processo de recrutamento que está na ordem do dia cabe moderá-lo nestes processos
deliberais…. Porque o pressuposto processual que aqui está em causa, por um lado tem que
ver com a matéria, matéria de pessoal realização de prova e recrutamento, que está no nº1 das
alíneas a), b) e c), que são os únicos casos aqui a aplicar e, por outro lado, tem a ver com a
necessidade urgente de arranjar uma solução para aqueles casos, há uma inevitabilidade de
litigio, porque nestes casos normalmente ao lado dos processos intentados por os particulares
o que é que acontece? Acontece que a maior parte dos processos são apresentados nas
centrais sindicais e nos sindicatos.

Os sindicatos são pessoas coletivas que atuam para o exercício dos direitos, e há
direitos que tem que ver com a proteção de uma determinada classe que está inscrita no
sindicato, e portanto faz parte função do sindicato apresentar, já se sabe que há pedidos destes
todos os anos, todos anos no mês de agosto, quando é feita a nomeação dos professores há
processos contra essa nomeação, os sindicatos convém analisar, o departamento jurídico, sai
o direito administrativo, o político, ele tem reparado que a qualidade tem limitado e todos os
anos apresentam um processo, vários processos contra aquele ato plural de nomeação de
milhares e milhões de professores tal como acontece a propósito do ….

Portanto é inevitável criar um processo urgente, e é inevitável também que estes


processos precisem de uma resposta e quem diz essa resposta introduz a necessidade de
modificar coisas que não acordam devidamente consagradas na ação judicial, e também é
preciso que as aulas comecem no tempo certo. Há aqui várias coisas que cumprem para a
necessidade de processo judicial.

E portanto acho que a Doutora Carla Amado Gomes não tem razão nenhuma, é uma
frase certa, bonita mas não se aplica à realidade que aqui está, este processo também tem
razão de ser urgente, há fenómenos que têm essa urgência e este processo é um desses casos,
admitiu que na realidade dos nossos dias sejam corrigidas as ilegalidades que por vezes
acontecem, normalmente são de carácter procedimental ou de carácter orgânico, mas às vezes
também há realidades materiais e há engano que tem que ser corrigido, naqueles momentos
em que o ministério enganou-se, acontece não é, e portanto as coisas têm permitido no
sentido de acautelar os interesses de todos e portanto faz sentido os processos urgentes e,
portanto, eu não, aqui curiosamente há um corpo crítico de … processual, na minha
perspetiva há uma razão, pelo contrário é justificável esta natureza urgente, em razão da
matéria e em razão da urgência que estas decisões têm.

Já quanto à colocação de um funcionário, de um professor, de um só professor, de um


juiz, não faz sentido, aí obviamente não há … agora neste caso há razões de prova. E o que é
que acontece? Acontece que havê-lo pressupostos, verificando-se os pressupostos que aqui
estão em causa, num processo com mais de 50 participantes, decide-se tudo num só caso, em
que os pedidos e a causa de pedir vão ser acautelados, os pedidos individuais juntamente com
os coletivos, com aqueles que resultam da indignação dos sindicatos e o juiz vai decidir
integralmente acerca daquela realidade urgente decidindo de uma maneira.

Portanto, é algo que corresponde a uma exigência da massificação dos processos, da


massificação do procedimento da administração, e que obriga a criação de mecanismos que
deem uma resposta adequada a este processo. E, portanto, é obvio que devem então dizer, não
só para criticar como …. Todo o serviço que existe.

E lembro, como já referi estou a falar dos sujeitos processuais há um regime médio do
nosso ordenamento, que é aquele que utilizei parafraseando o meu querido colega e amigo
Dr. João Raposo, aquilo que ele chama processos de massinha. Porque há os processos
normais, e pode haver comunicação das outras partes, mas o legislador estabeleceu regras
sociais para os processos com mais de 20 intervenientes, ou seja, aqueles que têm entre 20 e
50, esses são os processos de massinha, como é que as coisas funcionam então nos processos
de massinha? É que aí só vai até ao fim o primeiro processo, os outros ficam à espera, ficam
em standby, o juiz não tem de decidir do conflito que está em causa. E, os outros ficam à
espera para saber a decisão do processo que foi intentado em primeiro lugar, os shreds desse
processo podem extensão dos efeitos da sentença. Estão satisfeitos com a solução encontrada
naquele primeiro momento.

Se pelo contrário, disseram “ah” ou que há razões específicas para o seu caso, ou
tenham um pedido e uma causa de pedir diferente, então eles podem continuar com o
processo que, entretanto, esteve interrompido. Mas, se não o fizerem, o que é normal, podem
pedir a extensão dos efeitos da sentença, normalmente o que o tribunal decidir está decidido,
não é.

Portanto temos três regimes, o regime normal, que deve rever a situação correta, a
apensação correta. Temos os processos de massinha, para aqueles processos com mais juízos
e temos o regime dos processos de massa, que é os processos que afetam mais o cidadão
comum. Só nestes, nos processos de massa é que é o legislador …. Concentra-se tudo num
processo e é decidido com breve urgência.

Ora bem, determinam-se aqui as mesmas regras que já vimos, apaga os outros casos
não é, e portanto aquilo que se diz é que para impugnar destes processos urgentes há um
prazo máximo de um mês, depois há 20 dias para a contestação e 30 dias para a decisão do
juiz ou 10 dias nos restantes casos em relação à decisão. Portanto temos o processo
organizado em termos urgentes.

Eu diria aqui talvez que, à semelhança do que se passa no contencioso eleitoral, talvez
ainda fosse possível tornar mais urgente, mas o que é facto é que este mecanismo tem
funcionado em termos relativamente regulados, sem pôr em causa o funcionamento de juízos,
sem pôr em causa o início do ano letivo e tem funcionado no quadro da realidade portuguesa.

Também aqui aplicam-se outras regras, podem ser feitos todos os pedidos, pode haver
cumulação de pedidos, e a ideia é fazer deste processo um processo-quadro, em eu se juntam
todos os pedidos e todas as causas de pedir e todas elas são canalizadas conjuntamente.
Podemos dizer que aqui em termos de realidade sociológica, estes processos são, em regra,
intentados através de sindicatos, que defendem os interesses das pessoas coletivas associadas,
pelos quais por vezes também se associam particulares nos atos especialmente com esta
realidade.

Depois temos obvio dos processos urgentes, que nasceu com a União Europeia, que
regula o chamado contencioso … e que tem sido alvo de tratos. Em primeiro lugar, a
transposição das diretivas comunitárias ainda antes da reforma, aquela que resulta dos anos
90, não transpõe o que se estabelecia nos termos da liberdade comunitária, só em 2015 é que
o processo, tal como está conhecido em Portugal se aproxima do processo da União Europeia,
designadamente só em 2015 é que se estabeleceu a cláusula Standstill, mas para nossa
vergonha, agora em 2019, que portanto entrou em vigor há meia dúzia de dias, voltou-se
outra vez a criar exceções à clausula do Standstill e portanto, na minha perspetiva, estamos
perante uma violação do direito europeu.

O que é que aqui está em causa? A União está desde os anos 80 preocupada em
estabelecer um regime comum para todos os contratos públicos que acontecem no seio da
União, são essenciais para a organização da comunidade, a existência de liberdade de
circulação permite que qualquer pessoa se possa candidatar a ser parte nestes contratos. A
união está preocupada em estabelecer regimes especiais para estes contratos e, por causa
disso houve todas as reformas que obrigaram Portugal por exemplo ao desaparecimento da
distinção esquizofrénica entre contratos administrativos e contratos ditos privados, a União
criou o regime comum para todos os contratos celebrados pela função pública. Os montantes
elevados destes contratos obrigam a que haja meios de tutela adequados e é preciso que este
contencioso funcione e seja eficaz.

O contencioso pré-contratual destina-se a que depois de negociar um contrato haja um


período de nojo curto, a diretiva fala em 15 dias, em que os sujeitos pensam no que fizeram e
se verifica se há alguma ilegalidade. Este mecanismo destina-se a nesse prazo verificar se há
ilegalidade, e para que não se perca tempo a discutir questões de natureza cautelar, há uma
suspensão automática e depois o que se pretende é que não se perca tempo a discutir
providencias ou decisão provisória. Se não houver standstill o contencioso dos contratos
torna-se contencioso da responsabilidade civil, pois das duas uma, se o Particular celebra
contrato com a administração e a administração tem de pôr termo ao contrato tem de haver
indemnização. Para além do dinheiro gasto com o novo concurso. Por outro lado, se foi
celebrado contrato e a administração entende que há ilegalidades mas tem de se safar de
problemas então responsabiliza-se os sujeitos e o que acontece é que estes casos de
responsabilidade contratual do ponto de vista da despesa são sugadores de dinheiros públicos.
Transformam-se em contenciosos de responsabilidade quer se mantenha o contrato quer seja
anulado, os sujeitos diferentes, mas é contencioso da responsabilidade que leva a um aumento
das despesas incontrolável no quadro da administração e é algo que torna ineficaz o controlo
da validade material dos contratos.

A única forma de funcionarem é com a regra do standstill. No momento de aflição os


pais fazem isto, ou estas quieto ou caladinho e levas no focinho. É a ideia de que não se faz
nada, depois então celebra-se o contrato.
A União também sabe de outra realidade, que este contencioso é o domínio onde se
verifica mais a corrupção, em que se viciam as peças contratuais, e depois há indemnizações
absurdas para além da legalidade. Por isto é que em Portugal já por quatro vezes se abriu a
construção de uma linha de alta velocidade de ligação à Espanha e por quatro vezes se voltou
a trás. O dinheiro gasto na abertura do concurso foi um absurdo. E as indemnizações dava
para pagar tudo, já se gastou quatro vezes mais o dinheiro. Já não é questão de saber se é bom
ou mão, é só uma estupidez. Isto é a realidade do contencioso pré-contratual. É uma fonte de
proventos. Introduz uma realidade que a união quer.

A norma dos anos 90 e de 2004 não tinha tal norma, em 2015 Mário Aroso mudou de
opinião e foi responsável pela redação de 103ºA, o texto sobre isso está publicado no E-Book
do ICJP. Apesar de tudo o legislador dizia que podia ser suspenso, o que também não fazia
sentido na lógica europeia. Agora em 2019 o efeito suspensivo só existe em casos muito
limitados e com exigências de prazo muito curtos. Permite-se até a suspensão deste efeito por
medidas provisórias, não se vai discutir a validade. É suposto que isto seja rápido, mas o que
acontece em Portugal é que a administração pública, pode continuar com a sua atuação.
Durante o ano entre o momento do pedido e a decisão, o juiz tem de verificar se a decisão da
administração está dentro da lei. Repete-se aqui qual a medida provisória mais adequada.

Dois problemas desta realidade: não se aplica a todos os contratos públicos, se


olharem para o 100º1, estão os tradicionais contratos administrativos e tradicionais contratos
ditos privados. Fala em empreitadas de obras públicas e concessões de obras e serviços
públicos. O legislador deixou de atender à realidade esquizofrénica, em relação ao artigo 4º.
Curiosamente não diz o que devia dizer de que se aplica a todos os contratos públicos, há
contratos públicos aos quais não se aplica esta norma. Eu acho que há razoes para fazer
interpretação alargada, já vem de 1998 e podia ser alterada e interpretada, mas a maior parte
da jurisprudência não faz isso. O segundo aspeto é que o legislador acabou com a ideia de
atos definitivos. É possível impugnar qualquer coisa, o 103º, nº1 fala do programa de
concurso, que é um regulamento e qualquer outro. Esta é a orientação atual. É suscetível de
impugnação. A forma não é a melhor, o documento é apenas a forma do ato, o legislador
confunde as más notícias com o carteiro.

Depois há duas intimações e digo só a primeira: a uma intimação para quando a


administração informa o direito de acesso a informação e de documentos. Foi criado em 85 e
juízes seguindo a doutrina, como a professora Raquel Carvalho, que através dos estudos
entenderam que deviam alargar isto à informação e os tribunais fizeram-no. Em 2004
consagrou tal regra para consulta de processos e obter informações no quadro da
Administrativa. Funciona muito bem, a palavra intimação significa ação de condenação
urgente e o que aqui está é que se demanda a administração a fornecer informação e o
tribunal faz isto com rapidez e eficácia, funciona muito bem e com decisões muito rápidas.
Nem calculam as vezes em que surgem tais intimações.

Ficamos por aqui, e vemos a outra forma de intimação na próxima semana.


Transcrições realizadas por:
Subturma 1:

• Jorge Santos Teles


• Daniel Lourenço
• Carolina Strungari
Subturma 2:

• João Lucena
• Maria Leitão
Subturma 3:

• Daniela Silvestre
• Carolina Isabel Meleças
Subturma 4:

• Irina Simões
Subturma 5:

• Rafael Almeida
• Olena Verush
Subturma 6:

• Joana Ochsemberg
Subturma 7:

• Maria Roque
Subturma 8:

• Catarina Candeias
• Rita Dornellas
Subturma 10:

• Maria Julieta Neves


• Constança Carvalho
Subturma 11:

• Inês Falcão Fernandes


• Margarida Pedro
Subturma 12:

• Catarina Cruz
• Gustavo Neves
• Teresa Barreiros

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