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Composição – O navio naufragado

Era o nosso primeiro dia de férias do verão. Duas solteiras, de quarenta e três anos e biólogas
marinhas, que graças às suas descobertas tinham provocado grandes avanços nesta área, mas que mesmo assim
800€ era tudo o que recebiam por mês, encontravam-se sentadas num sofá sem qualquer ideia do que estava
para acontecer naquele mesmo dia. Já assinalava no relógio as quatro da tarde, e ainda não nos tínhamos
movimentado, nem sequer para comer. Nesse momento, Margarida não aguentou mais e pôs fim a todo este
comportamento desadequado. Tínhamos de fazer algo. Só não sabíamos o que era esse “algo”. E não é que,
mesmo em frente aos nossos olhos, na televisão onde passáramos horas a fio a olhar, aparece um anúncio com
uma menina toda sorridente a informar a abertura de um centro de mergulho, mesmo localizado na praia a 100
metros de distância do nosso apartamento. Era o destino.

Entreolhámo-nos e fomos rapidamente trocar de roupa e comer qualquer coisa que servisse para
encher um estômago vazio. Saímos de casa e pouco passava das quatro e meia da tarde. Com uma distância tão
curta optámos por ir a pé, e poupar na gasolina. Chegámos ao destino. Não se encontrava ninguém ao redor da
barraca que assinalava “Queres conhecer o fundo do mar? Então vem connosco!” e que, ao lado deste letreiro,
possuía a imagem de um golfinho com um chapéu vermelho. Aproveitámos esta maré de sorte e comprámos
dois bilhetes de uma hora, já que eram os mais baratos.

Fomos numa pequena embarcação, acompanhadas por dois senhores muito simpáticos e por uma
senhora, que não nos dirigira uma única palavra desde que entrara no barco. Equipámo-nos tal como nos
ensinaram e, sem pensar duas vezes, quando nos deram sinal que podíamos avançar, disparámo-nos em direção
ao mar. Nem parecia real. Toda a água que nos circundava e todas as inúmeras espécies marinhas que
estudáramos, em tempos, na faculdade mesmo na nossa frente, maravilhou-nos de uma forma como nunca nos
tínhamos maravilhado. Nadámos por todos os locais que nos eram permitidos, até termos observado, ao de
longe, um grande aglomerado de seres marinhos. Concordámos em subir à embarcação para saber quanto
tempo nos restava. Ainda faltavam vinte minutos. Pareceu-nos mais que suficiente para voltar a mergulhar e ir
descobrir a causa daquela “reunião aquática”. Afastámo-nos mais do que a zona permitida, e os nossos
supervisores, ao ouvirem o sinal de aviso que o fato transmitiu, dirigiram-se a nós para nos recolhermos.
Margarida ficou para trás, mas eu consegui nadar mais depressa e encontrar a razão de tanto alarido. Era uma
embarcação naufragada. Parecia-se com uma nau de madeira já bastante desgastada, como era esperado. Não
possuía nada no seu interior, apenas dois cadáveres e o que restava das velas que um dia teriam servido para
uma grande viagem. Ainda estava a tentar absorver tudo isto, quando alguém me dá um grande puxão e me
leva de volta ao cimo do mar.

Estava ainda em estado de choque, ouvia vagamente Margarida a perguntar se tinha conseguido
descobrir, e ouvia Matias, o senhor que me trouxe de volta, a dizer que deveria ter mais cuidado. Depois de
umas estaladas do outro senhor (não o Matias, mas sim o seu amigo), contei tudo o que vira. A minha amiga
entusiasmou-se tanto como eu, mas por outro lado a senhora que não nos dissera nada ainda, vem em minha
direção e faz-me jurar que eu nunca diria a mais ninguém o que tinha visto. Eu e Margarida, assustadas,
mesmo sem entender a razão, nunca mais mencionámos este dia da nossa vida com ninguém.

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