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LONDRINA
2021
2
1.1. Introdução
O presente trabalho tem como tema a justiça social, mais propriamente a importância
da voz profética do povo de Deus em denunciar as injustiças que ocorrem em seu contexto,
tomando como base o texto de Amós capítulo 5, versículos 10 a 15. Tendo como ponto de
partida oum texto bíblico de Amós, esste trabalho pertence aà área de bBíblia, mas também
dialogará com outras áreas da teologia, ou seja, a teologia bíblica, teologia sistemática e a
história da Igreja.
Ao criar o homem à sua imagem e semelhança, Deus considerou que não era bom que
ele estivesse só. Fez-lhe então uma companheira e ordenou ao casal se multiplicasse e
enchesse a Tterra. A necessidade de viver em sociedade é, pois, uma característica presente no
ser humano desde a criação.
Porém, desde o princípio, a injustiça social é um pecado presente nas diferentes
sociedades e, em todas as épocas. A ambição dos poderosos, o desejo de prosperar a qualquer
custo – mesmo que o preço seja a dignidade e até a vida do semelhante – a ganância que
conduz ao abandono da ética e da moral, transformando o homem em terrível predador doe
seu próximo, são características dos mais diversos sistemas políticos, econômicos e religiosos,
ao longo dos séculos.
Infelizmente o povo de Deus não está imune a estas condições pecaminosas, como
podemos observar no contexto vivido pelo profeta Amós.
A motivação para trabalhar este tema é proveniente da observação da aparente
ausência de preocupação com questões sociais na maioria dos ambientes cristãos evangélicos,
como se a única tarefa da igreja fosse anunciar o evangelho para a salvação das almas, sem
nenhum tipo de contestação aos sistemas injustos em que a comunidade de fé está inserida.
Em outras palavras, a voz profética da igreja somenteó é ouvida denunciando
pecados pessoais e quase nunca, com raríssimas exceções, denunciando pecados da e na
sociedade.
Como a igreja de Jesus Cristo pode compreender e praticar sua tarefa como voz
profética diante das injustiças, sobretudo as injustiças de cunho social, em nossos dias? Como
a igreja pode se tornar um modelo de sociedade justa, humana e fraterna?
3
1.3. Objetivo
Nosso objetivo, partindo do contexto do profeta Amós, é demonstrar como a voz
profética se faz necessária diante da injustiça, da exploração e da opressão. O profeta faloua
4
em nome do Senhor., Se, sendo assim, qual é a tarefa profética diante da sociedade em que ele
está inserido? O que o Senhor tem a dizer sobre a justiça social, no texto em tela?
Na continuidade, procuraremos analisar quais são as propostas de Deus em sua
palavra com relação aà atitude do homem para com o seu próximo. Olhando para a história do
povo de Deus no Aantigo e no Nnovo Ttestamentos, buscaremos os ensinos a respeito das
obras de justiça que, ao serem praticadas, colaborarão para o estabelecimento de uma
sociedade mais justa.
Relacionaremos a busca por justiça social com algumas doutrinas cristãs, aà procura
de princípios que possam orientar a prática correta das boas obras pelos hodiernos seguidores
de Cristo. Entendemos que uma práxis correta é fruto de um entendimento adequado da sã
doutrina. A saudável ortodoxia deve conduzir a uma justa ortopraxia.
Em seguida, pinçaremos alguns momentos históricos na vida da iIgreja cCristã, em
que a prática das boas obras e luta por justiça social foram enfatizadas. É importante
esclarecer que não pretendemos fazer um tratado histórico, mas e, sim, buscar testemunhos
históricos que venham corroborar nossa ideia. Há muitos momentos da história da igrejacristã
que não foram contemplados neste trabalho.
E, finalmente, traçaremos algumas aplicações práticas que entendemos serem
necessárias em nossos dias, para que a iIgreja assuma seu compromisso social, parte
integrante da missão confiada a ela pelo Senhor Jesus. O ministério diaconal, a visão integral
de missão e a voz profética da iIgreja serão discutidos, ainda que saibamos que são assuntos
amplos e que merecem trabalhos específicos, portanto, não temos nenhuma pretensão de os
esgota-losr.
10
דֹבר ָּת ִ ֖מים יְ תָ ֵעֽבּו׃ ֥ ֵ ְ֑יח ו ַ מוֹכ
ִ ָׂש נְ א֥ ּו בַ ַּׁש ֖ עַ ר
11
֠לָ כֵ ן יַ ֣עַ ן וֹּבַׁש ְס ֞ ֶכםa עַ ל־ָּד ֗ ל ּומַ ְׂש אַ תb־ַּב ר ֙ ִּת ְקח֣ ּו ִמ ֶּ֔מ ּנּו ָּב ֵּת ֥ י גָזִ ֛ית
ל ֹא ִתְׁש ּת֖ ּו אֶ ת־יֵינָ ֽם׃ ֥ ְי־ח֣מֶ ד נְ טַ ְע ֶּ֔ת ם ו ֶ ֵֹא־תְׁ֣ש בּו ָב֑ם ַּכ ְרמ ֵ יתם וְ ל ֖ ֶ ְִּב נ
12
֙ יכ ֑ם צ ְֹר ֵר֤י צַ ִּד יק ֶ ֵ ַועֲצֻ ִ ֖מים חַ ֹּֽטאתaיכם ֶ ֔ ִֵּכ ֤ י י ַָד ְ֙עִּת י ֙ ַרִּב ֣ים ִּפ ְׁש ע
יוֹנ֖ים ַּב ַּׁש ֥עַ ר ִה ּֽטּו׃ ִ ֹ֣ל ְקחֵ י כֹ֔ פֶ ר וְ אֶ ְב
13
לָ ֗ ֵכן הַ ַּמ ְׂש ִּכ ֛ יל ָּב ֵע֥ת הַ ִ ֖היא יִ ֹּ֑ד ם ִּכ ֛ י ֵע֥ת ָר ָע֖ה ִ ֽהיא׃
a 14
י־צבָ אֹ֛ ות
ְ ֱֹלה ֽ ֵ אa י־כן יְ הוָ ֧ה ֵ ֞ יה ִ ִל־רע ְל ַמ֣עַ ן ִּת ֽ ְחיּ֑ו ו ָ֖ ִַּד ְרׁשּו־טֹ֥ וב וְ א
ִאְּת ֶכ֖ם ַּכ אֲֶׁש ֥ ר אֲמַ ְרֶּת ֽ ם׃
15
אּולי יֶ ֽחֱנַ ֛ן יְ הוָ ֥ה
ַ֗ אּו־רע ֙ וְ ֶא֣הֱבּו ֹ֔טוב וְ הַ ִּצ ֥ יגּו בַ ַּׁש ֖ עַ ר ִמְׁש ָּפ ֑ט ָ ְִׂש נ
יוֹסף׃ ס ֽ ֵ ְׁש אֵ ִ ֥ריתaי־צבָ אֹ֖ ות ְ ֱֹלה ֽ ֵ אa
2.1.3. - Tradução
10 – Odeiam na porta aquele que repreende, e aquele que fala honestamente detestam.
11 – Por isso, visto que pisais sobre o pobre, e dele exigis entrega de cereal, casas de
pedras lavradas edificastes, mas nelas não habitareis; vinhas desejáveis plantastes, mas não
bebereis seu vinho.
12 – Porque sei que são muitas as vossas rebeliões e numerosos os vossos pecados,
oprimindo o inocente, tomando suborno aos necessitados, na porta pervertem.
13 – Por isso, aquele que for prudente guardará silêncio naquele tempo, porque a
época será má.
1
Texto hebraico extraído da Bíblia Hebraica Stuttgartensia., 5ª Edição Revisada, SBB, 1997.
6
14 – Buscai o bem e não o mal, para que vivais. Estará assim Yaweh, Deus dos
Exércitos convosco, como dizeis.
15 – Odiai o mal e amai o bem. Estabelecei na porta a justiça. Talvez Yaweh, Deus dos
Exércitos, tenha misericórdia do restante de José.
“o restante de José” pode ter esperança de gozar verdadeira paz e prosperidade, frutos da
bênção do Senhor.
2
Elencaremos apenas alguns textos das escrituras do Aantigo e do Nnovo Ttestamentos, uma vez que são muitos
os exemplos bíblicos.
3
NASCIMENTO FILHO, Antonio José do. O pPapel da aAção sSocial na eEvangelização e mMissão na
América Latina. Campinas: LPC Comunicações, 1999, p.36.
8
despedaçam os seus ossos e os cortam como se fossem para a panela, um dia clamarão ao
Senhor, mas ele não lhes responderá. Naquele tempo Ele esconderá deles o rosto por causa do
mal que eles têm feito.”
Em Lucas capítulo 10, versículos 25 a 37, Jesus é interpelado por um intérprete da lei,
com relação ao que fazer para herdar a vida eterna. A resposta de Jesus é interessante. Leva o
inquiridor refletir sobre o que diz a lei, perguntando-lhe como a interpretava. O intérprete da
lei resume os mandamentos em dois, ou seja, amar a Deus e amar ao próximo. Jesus o elogia
pela sua resposta, e, então, o desafia: “Faze isto e viverás.” (v.28).
O maior mandamento é o amor, segundo o Senhor Jesus. Amar a Deus e ao
próximo. Porém, se alguém diz que ama a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso, como diz
João em sua primeira carta, capítulo 4, versículo 20. O intérprete da lei questionou: “Quem é
o meu próximo?” Para os judeus, o próximo era um amigo, um parente, um compatriota. Jesus
responde o questionamento contando uma história, sobre um homem que é assaltado e
deixado semimorto na margem da estrada.
A seguir Jesus narra a reação de algumas pessoas que por ali passaram. Dois
religiosos, um sacerdote e um levita, simplesmente o ignoraram, passando ao largo. Um
samaritano, um estrangeiro, desprezado pelos judeus, foi aquele que se mostrou
verdadeiramente próximo do homem caído. Foi ele quem demonstrou, na prática, o que
significa amar ao próximo.
A orientação de Jesus de Jesus ao intérprete da lei foi desafiadora: “Vai e procede tu
de igual modo.” (v.37). Nascimento Filho afirma:
Jesus é o maior exemplo a ser seguido, ao pensarmos em uma voz profética, tanto na
prática das boas obras, quanto na luta por justiça. Nas palavras de César:
4
Ibidem.
9
quanto ele, e ninguém desceu de seu pedestal, tanto quanto o Senhor. A pessoa mais
empolgada com o exemplo de Jesus, certamente é o apóstolo Paulo. Aos coríntios, o
ex-fariseu escreve: “”Vocês conhecem a graça de nosso Senhor Jesus Cristo que,
sendo rico, se fez pobre por amor de vocês, para que por meio de sua pobreza vocês
se tornassem ricos” (2 Coríntios 8:.9 -NVI). E aos filipenses, o apóstolo propõe a
imitação do exemplo de Jesus: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus,
que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia
apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante
aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi
obediente até a morte, e morte de cruz!” (Filipenses 2:.5-8).5
O nosso Deus, por ser religioso demais, acaba sendo pequeno demais. Nós o
imaginamos essencialmente preocupado com religião: edifícios religiosos (templos e
capelas), atividades religiosas (cultos e rituais) e livros religiosos (Bíblia e Livros de
Oração). É claro que ele se interessa por estas coisas, mas somente se estiverem
relacionadas com o todo da nossa vida. De acordo com os profetas do Antigo
Testamento e os ensinamentos de Jesus, Deus é muito crítico quanto à “religião” que
se limita a cerimônias religiosas, divorciadas da vida real, do serviço em amor, e da
obediência moral, que brota do coração. “A religião pura e sem mácula, para o com
nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e a si
mesmo guardar-se incontaminado do mundo” (Tiago 1:27). O único valor dos cultos
religiosos, é que eles concentram em cerca de uma hora a atividade pública, vocal e
congregacional, a devoção de toda a nossa vida. Se isto não acontece, e ao invés
disso, dizemos e cantamos na igreja, coisas que nada tem a ver com a vida cotidiana
lá fora, em casa e no trabalho, então ir aos cultos é ainda pior do que fazer nada;
nossa hipocrisia provoca náuseas em Deus.6
5
CÉSAR, Elben M. Lenz, Quem leva a Bíblia a sério obriga-se a levar também a sério a justiça social.
Revista Ultimato, Jul/Ago 2004, p.26.
6
STOTT, John R.W. O cCristão eEm uUma sSociedade nNão cCristã. Tradução: Sileda S. Steuernagel.
Niterói: Ed. Vinde, 1989, p. 34.
10
Deus é amor. E o amor de Deus se estende a todos os homens, não apenas aos cristãos,
ou aos evangélicos. Até mesmo quem não o reconhece, ou duvida de sua existência, é alvo do
seu amor. O amor de Deus é abrangente, alcança a todos. O amor de Deus não é manifestado
em sentimentos ou palavras, mas de maneira muito prática. Ele nos amou e entregou seu
próprio Ffilho, para morrer em nosso lugar. “Deus prova o seu amor por nós, pelo fato de ter
Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores.” (Romanos 5:8).
Deus está interessado em cada ser humano deste planeta, e cabe a nós, sua igreja,
manifestar esta preocupação, não apenas evangelizando, ou seja, falando deste magnífico
amor., mMas demonstrando-o através de nossas obras, de nosso serviço, de nossas ações
concretas, em busca de jJustiça.
Nascimento Filho observa:
Os cristãos devem reconhecer que não possuem autoridade, nem poder, para fazer
todas as coisas que Deus faz. Entretanto, uma vez que as Escrituras Sagradas
mostram o tipo de Deus que ele é, e uma vez que suas intenções foram expressas nas
exigências de sua lei e dos profetas, é incontestável o tipo de pessoas que os cristãos
devem ser, buscando justiça, libertação e dignidade para todos, especialmente para
os impotentes, que não podem alcançá-los por si mesmos.7
Estas boas obras feitas em obediência aos mandamentos de Deus, são o fruto e as
evidências de uma fé viva e verdadeira; por elas, os crentes manifestam a sua
gratidão, robustecem a sua confiança, edificam os seus irmãos, adornam a profissão
do evangelho, fecham a boca aos adversários e glorificam a Deus, de quem são
feitura, criados em Jesus Cristo, para isso mesmo, a fim de que, tendo o seu fruto em
santidade, tenham no final a vida eterna.8
Ao realizar boas obras de serviço, mostramos que o Deus criador, soberano de todo o
universo, é o nosso Senhor, e, assim, glorificamos o seu nome, através de nossa vida prática.
7
NASCIMENTO FILHO, Antonio José do. O pPapel da aAção sSocial na eEvangelização e mMissão na
América Latina. Campinas: LPC Comunicações, 1999, p.43.
8
MARTINS, Valter Graciano (Ed.), A Confissão de Fé de Westminster, Capítulo XVI, Parágrafo II, 1ª Edição
Especial. São Paulo,: CEP, 1991, p.82.
11
convidar amigos, parentes, vizinhos para virem aos nossos cultos evangelísticos. O maior
objetivo, via de regra, é salvar as “almas perdidas”, de preferência trazendo as pessoas para
nossa igreja local, com a finalidade de fazer nossa igreja crescer numericamente.
Esquecemos – ou ignoramos – que a missão é de Deus, e que para cumpri-la,
precisamos olhar para o nosso modelo maior e aprender com ele.
Mais uma vez citamos Stott:
Se a missão cristã é para ser modelada pela missão de Cristo, ela certamente
implicará – assim como ele o fez – penetrarmos no mundo das pessoas. Em se
tratando de evangelização, isso significa entrar no mundo de seus pensamentos, no
mundo da sua tragédia e solidão, a fim de compartilhar Cristo com eles, lá onde eles
estão. Socialmente falando, significa disposição para renunciar ao conforto e à
segurança de nossa própria formação cultural, a fim de nos doarmos em serviço a
indivíduos de outra cultura, de cujas necessidades quem sabe jamais tenhamos tido
conhecimento ou experiência. Uma missão encarnada, seja ela evangelística ou
social, ou mesmo ambas, exige uma custosa identificação com as pessoas, em sua
real situação. Jesus de Nazaré movia-se de compaixão ao ver as necessidades dos
seres humanos, fossem eles enfermos, enlutados, famintos, atormentados ou
desamparados. Não deveria a compaixão do seu povo nascer das mesmas
motivações? 9
Stott faz uma dicotomia entre evangelização e ação social. Ao nosso ver, ambas estão
de tal maneira entrelaçadas, que não é possível estabelecer uma linha divisória. Apesar dessa
ressalva, a análise que ele faz da missão encarnada, nos moldes de Cristo, é excelente.
9
STOTT, John R. W. O cCristão eEm uUma sSociedade nNão cCristã. Tradução: Sileda S. Steuernagel.
Niterói: Ed. Vinde, 1989, p. 41.
10
MARTINS, Valter Graciano (Ed.), A Confissão de Fé de Westminster., Capítulo XVI, Parágrafo II, 1ª
Edição Especial. São Paulo,: CEP, 1991, p.132.
12
Em toda a parte, havia muita coisa que distinguia um cristão dos vizinhos pagãos.
Eles se tratavam, mutuamente, por irmãos em Cristo e realmente agiam como
irmãos. Cuidavam, desveladamente, dos órfãos, dos doentes, das viúvas, dos
desamparados. As coletas, e a administração dos fundos de caridade, constituíam
uma das partes importantes da vida dessas igrejas primitivas. Dentro da Igreja, todas
as distinções foram abolidas. Escravos e senhores foram nivelados. As mulheres
alcançaram uma posição de honra e de influência, que jamais conseguiram na
sociedade profana.12
11
ARAÚJO FILHO, Caio Fábio d’. Igreja: eEvangelização, sServiço e tTransformação hHistórica. Niterói:,
Ed. Vinde, 1987, pp. 47-48.
12
NICHOLS, Robert Hastings. História da iIgreja cCristã. 5ª Edição Revisada. Adaptação: J. Maurício
Wanderley. São Paulo: CEP, 1981, pp. 20-21.
13
Você reveste suas paredes, e deixa os homens à nudez. O nu clama diante de sua
casa, despercebido; seu concidadão está lá, nu e clamando, enquanto você se
deslumbra com a variedade de mármore para assentar em seu piso. Um pobre
homem pede dinheiro em vão; seu concidadão está lá, suplicando o pão, e seu cavalo
mastiga ouro (milho) entre os dentes. Outros homens são tem milho e sua fantasia
está presa por preciosos ornamentos. Que julgamento você chama sobre si! As
pessoas estão famintas, e você fecha o seu celeiro; estão gemendo, e você brinca
com a joia presa em seu dedo. Homem infeliz, com o poder, mas não com a vontade
para socorrer tantas almas da morte, quando o preço de um anel adornado pode
salvar a vida de toda uma população.15
Ambrósio propôs que se vendessem artigos preciosos dos altares de sua igreja, em
Milão, para arrecadar fundos, utilizados no resgate de prisioneiros. Ele declarou: “Há um
incentivo, que nos impele a todos para a caridade: é a misericórdia, em favor de nosso
13
Ibidem, p. 33.
14
Citado por HALL, Christopher A. Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja. Tradução: Rubens Castilho, 2ª
Reimpressão. Viçosa: Ed. Ultimato, 2002, p.160.
15
Ibidem, p. 163.
14
próximo, e o desejo de aliviar suas necessidades, com todos os meios ao nosso alcance, e de
outros mais.”16
A respeito deste período da história da iIgreja, escreve Nascimento Filho:
Tertuliano, outro pai da Igreja, incentivou a prática das boas obras em favor dos
necessitados. De acordo com ele, cada cristão deveria reservar uma pequena quantidade de
dinheiro, em certo dia do mês, de acordo com as suas posses, para ajudar os necessitados. O
dinheiro recolhido, seria utilizado para o sustento e enterro de pobres, para crianças órfãs, que
não tinham meios de subsistência, para os idosos que viviam em abrigos, e por qualquer um
nas prisões.18
Qual a visão de Martinho Lutero sobre as questões sociais? Ele entendia que o cristão
é um cidadão de dois reinos, o reino de Deus e o reino deste mundo. Desta forma, é
responsável diante de ambos. Ele acreditava que Deus pode usar o governo humano, para
16
Citado por NASCIMENTO FILHO, Antonio José do. O pPapel da aAção sSocial na eEvangelização e
mMissão na América Latina. Campinas: LPC Comunicações, 1999, p. 59.
17
Ibidem, p. 59.
18
Ibidem, p. 60
19
NICHOLS, Robert Hastings. História da iIgreja cCristã. 5ª Edição Revisada. Adaptação: J. Maurício
Wanderley. São Paulo: CEP, 1981, p. 123.
15
estabelecer a justiça social, e, portanto, entendia que o cristão deve submeter-se às autoridades
civis, pois estas são estabelecidas por Deus.20
Em 1523, Lutero escreveu o Estatuto para uma caixa comunitária, onde demonstrou
grande preocupação com os pobres, idosos, viúvas, órfãos, cidadãos endividados e forasteiros
interessados em morar em Wittenberg. Os fundos para a caixa comunitária eram provindos de
diversas fontes: doações, coletas, contribuições espontâneas, esmolas, heranças de pessoas
voluntárias, etc. Quem administrava esses recursos eram dez provedores, eleitos pela
assembleia geral da paróquia, com membros da nobreza (dois), do conselho paroquial (dois),
dos habitantes da cidade (três) e da zona rural (três) que exerciam o mandato por um ano, e
deveriam ser fiéis e zelosos com o dinheiro público.21
João Calvino, outro reformador, preocupou-se em buscar na Palavra de Deus, os
parâmetros para a construção de uma sociedade, onde a justiça social fosse estabelecida. Ele
foi, acima de tudo, um teólogo, um pastor e um estudioso das Escrituras Sagradas. Por isso,
seu pensamento a respeito da sociedade, assim como de todas as suas implicações, baseava-se
na sua compreensão teológica.
A raiz de todo problema social está na natureza corrupta do ser humano. Este é, para
Calvino, o ponto de partida para entender a miséria, a pobreza, a opressão econômica e social,
a perversão e corrupção da sociedade humana.
Calvino tinha consciência de que uma reforma perfeita e total na sociedade é algo
impossível, por causa do pecado e seus efeitos, que ainda perduram. Qualquer tentativa
sempre resultará em uma reforma parcial, que não consegue estabelecer a justiça, no mundo
presente. A total restauração das estruturas decadentes, somenteó terá lugar com a volta de
Jesus Cristo e o estabelecimento pleno do reino de Deus.
Para Calvino, a Igreja deve refletir os ideais do Reino de Deus, ainda que não o faça
perfeitamente. Mas deve antecipar o reino de justiça, que Jesus trará na sua vinda, servindo
como sinal do reino, no tempo presente.22
20
NASCIMENTO FILHO, Antonio José do. O pPapel da aAção sSocial na eEvangelização e mMissão na
América Latina. Campinas: LPC Comunicações, 1999, pp.64-65.
21
CÉSAR, Elben M. Lenz, Os dDois Martin Luther: O Martin Luther do sSéculo 16. Revista Ultimato,
Julho/Agosto 2004, p.31.
22
LOPES, Augustus Nicodemus. O eEnsino de Calvino sSobre a rResponsabilidade sSocial da iIgreja.
Disponível em: <http://www.seminariojmc.br/index.php/2018/01/04/o-ensino-de-calvino-sobre-a-
responsabilidade-social-da-igreja/> ,. Aacesso em: 27 de aAgo.sto de 2021.
16
Ao lado de Charles Wesley e George Whitefield, John Wesley foi o grande evangelista
do século XVIII, na Inglaterra. Sua evangelização itinerante, e suas pregações ao ar livre, até
hoje são lembrados, como características de seu frutífero ministério.
Em meio à revolução industrial, o reavivamento Wesleyano contribuiu de forma
decisiva, para a transformação da sociedade, através do evangelho. A iIgreja na Inglaterra
atravessava uma tremenda crise religiosa, e, consequentemente, a sociedade experimentava
um momento de injustiça social, e graves pecados morais, conforme escreve Nichols:
Foi neste contexto que surgiu Wesley, pregando ao ar livre, em março de 1739, no
primeiro trabalho que realizou e que o firmou como líder do reavivamento. É interessante que,
esta primeira pregação, já foi dirigida para “um grupo de gente humilde e desprezada.”24
O despertamento espiritual, que ocorreu na Inglaterra nos dias de John Wesley, não
transformou apenas as “almas” das pessoas reavivadas, nem apenas aproximou as pessoas de
Deus, mas causou um impacto na vida cotidiana de cada cristão que procurava viver o amor a
Deus e ao próximo de maneira prática.
Neste período também é digno de nota o surgimento de um homem chamado Robert
Raikes25, em Gloucester, na Inglaterra, que em 1780 criou uma escola aos domingos para
crianças pobres, que cresciam sem oportunidade alguma de serem educadas, não fosse a
iniciativa deste servo de Deus. A iniciativa de Raikes é a origem do que hoje chamamos
“Escola Bíblica Dominical”, e que teve seus objetivos modificados ao longo do tempo, vindo
a se transformar em uma escola voltada apenas para o ensino bíblico, mormente para os
crentes, distanciando-se no tempo e no propósito de suas origens.
Assim, como na história bíblica, os demais períodos históricos do povo de Deus são
repletos de exemplos que nos servem de base para afirmar, com toda a certeza, que lutar pela
23
NICHOLS, Robert Hastings. História da iIgreja cCristã. 5ª Edição Revisada. Adaptação: J. Maurício
Wanderley. São Paulo: CEP, 1981, pp. 189-190.
24
Ibidem, p. 191.
25
Ibidem, p. 195.
17
justiça e dedicar a vida ao serviço do próximo, é parte essencial da Missão de Deus confiada à
sua Igreja.
Estavam nus, e não se envergonhavam” (Gn 2:25), pois viam-se como iguais,
sabiam exatamente quem eram e para que eram. Não havia um padrão a alcançar,
não havia um status a buscar, não havia disputa, hierarquia, nem bem, nem mal.
Eram apenas humanos, que se aceitavam em suas condições e, portanto, aceitavam o
outro em suas condições também.26
Com a queda este estado de coisas é prejudicado, de tal forma que logo os mais fortes
passam a subjugar os mais fracos, os poderosos se tornam opressores, e o resultado,
lamentavelmente, é o prevalecimento da injustiça, desigualdade, iniquidade entre aqueles que
foram criados coiguais.
Em seguida vimos que o tema da busca por justiça, manifestada pela prática de boas
obras, está presente também em diversas doutrinas expostas pela teologia denominada
“sistemática”, e para exemplificar pinçamos alguns conceitos exarados na doutrina de Deus,
na doutrina de Cristo e na doutrina da Igreja.
26
MENEZES, Jonathan. Apostila da dDisciplina tTeologia cContemporânea. Londrina:, FTSA, 2021, p. 50.
18
Busquem o bem, não o mal, para que tenham vida. Então o SenhorENHOR, o Deus
dos Exércitos, estará com vocês, conforme vocês afirmam. Odeiem o mal, amem o
bem; estabeleçam a justiça nos tribunais. Talvez o SenhorENHOR, o Deus dos
Exércitos, tenha misericórdia do remanescente de José.27
27
Ibidem, p. 50.
19
Sabemos, porém, que o ser humano não é constituído apenas de alma ou espírito. Ele
possui necessidades físicas, emocionais, sociais e espirituais. E por isso é vital
compreendermos que a Missão de Deus para a qual a iIgreja é convocada a participar é
integral, visando atingir a pessoa toda, além de todas as pessoas.
Um risco que podemos correr é o de se transformar a missão em aAssistência ou
mesmo aAção sSocial.
Benedito Gomes Bezerra elaborou um esquema28 para demonstrar que é possível cair
em extremos quando se procura cumprir a tarefa missionária, e, via de regra, há dois grupos
que pendem ou para um lado, ou para o outro:
De acordo com Bezerra esta dualidade não é admitida por nenhum dos grupos, porém,
embora não a aceitem, acabam praticando-a, quase que inconscientemente.
Precisamos cuidar para não cometer este mesmo equívoco. “Toda prática social da
iIgreja é, de alguma forma, evangelizadora. Por outro lado, toda ação evangelística da Igreja
é, em maior ou menor grau, parte de sua responsabilidade social”.29
Marcondes Filho faz a seguinte afirmação:
A missão da Igreja não é nem evangelizar, nem realizar a ação social, mas ser serva
de Deus. Quando o contexto clama por algum tipo de interesse, a Igreja, como serva
de Deus, deve responder com total dedicação. Se o caso exige proclamação, a Igreja
irá anunciar a salvação em Cristo. Se a situação implica em atendimento de
necessidades básicas, a Igreja não deve furtar-se a demonstrar o serviço a Deus no
mundo.30
28
BEZERRA, Benedito Gomes. Cidadania e mMissão iIntegral: fFundamentos bBíblico-tTeológicos. InEm:
ANDRADE, Sérgio [et al]. Saúde, vViolência e gGraça: aA mMissão iIntegral e os dDesafios para a iIgreja.
Viçosa: Ed. Ultimato, 2003, p. 77.
29
Idem
20
Jeremias: "Ai daquele que constrói o seu palácio por meios corruptos, seus aposentos, pela
injustiça, fazendo os seus compatriotas trabalharem por nada, sem pagar-lhes o devido
salário.” (Jeremias 22:13 - NVI). Ezequiel: “Em seu meio há homens que aceitam suborno
para derramar sangue; você empresta visando lucro e a juros e obtém ganhos injustos,
extorquindo o próximo [...] Mas você me verá bater as minhas mãos uma na outra contra os
ganhos injustos que você obteve e contra o sangue que você derramou.” (Ezequiel 22:12-,13
-NVI).
São alguns entre tantos exemplos que podemos encontrar nos profetas. Resgatar a
voz profética é uma necessidade, pois a Igreja também é enviada ao mundo para apregoar a
justiça e denunciar a injustiça. Como afirma Ferreira de Melo:
Ao tratar destes sérios problemas sociais, a iIgreja tem optado, inúmeras vezes, pela
omissão, por uma atitude alienada e alienante. Lembra-se de política em épocas de
campanhas eleitorais, ora pelas autoridades, salvo raras exceções, apenas em tempos de
feriados pátrios; o envolvimento político é visto como incompatível com a fé.
Marcelo Smargiasse faz a seguinte afirmação:
A Igreja não pode ficar alheia ao que acontece, bem como não pode continuar com
o infeliz discurso alienado e alienante, que assevera que a Igreja nada pode fazer
para minimizar o problema. Nossos esforços paliativos como comunidade tem sido
um assistencialismo pouco eficaz. Preferimos, muitas vezes, nos calar diante do
que presenciamos [...] Não somos intrépidos e corajosos [...] O perigo é que,
talvez, pensemo-nos como estrangeiros e extraterrestres neste mundo, nesta
sociedade, então vivemos alheios a ela. 33
32
FERREIRA DE MELO, Expedito. Perspectivas de uma iIgreja de aAlto iImpacto: Perspectivas Bíblica,
Teológica e Pós-Moderna. Londrina-Pr: Descoberta:, 2017, pp. 190-,191.
33
SMARGIASSE, Marcelo. O pProfeta e a sSociedade. InEm: Revista Teológica do Seminário Presbiteriano
do Sul. (Vol 64) Campinas-Sp: Jan-Jun de 2004, p. 25.
22
esquece do chão onde pisa, de ouvir o clamor dos oprimidos, acomodando-se ao seu gueto
denominacional.
Uma característica de nossa era é o individualismo, em que cada um cuida de si, é
egoísta, busca apenas seus próprios interesses e não os da sociedade. Assim pensando,
buscam a Deus esperando ser atendidos em suas necessidades e desejos individuais apenas.
Pensam que os problemas da sociedade não lhes dizem respeito, sendo problemas do estado.
Olham para a igreja como um refúgio, um lugar onde as pessoas podem se esconder
do mundo e dos seus problemas. Mesmo entre membros da comunidade não há interação,
quase ninguém se conhece a um nível mais profundo de intimidade.
Com relação aos problemas sociais, tomam a atitude de Pilatos – lavam as mãos.
Dentro dessa perspectiva, uma vez que “o mundo inteiro jaz no maligno” , de nada adianta
lutar por mudanças estruturais. O mundo está condenado.
O resgate da voz profética da iIgreja é, diante de tudo isso, uma necessidade urgente,
e um desafio para aqueles que são chamados para proclamar o eEvangelho do reino de
Deus. Despertar a consciência dos cristãos é o primeiro passo nesse processo. Motivá-los a
clamar contra as injustiças é outro, bem mais trabalhoso. Convencê-los da importância do
envolvimento cristão com a sociedade, com o propósito de transformá-la, é o objetivo a ser
buscado, contando, evidentemente, com a graça de Deus e a ação do Espírito Santo.
O ministério diaconal não é exclusividade da junta diaconal, embora seja esta, em tese,
que tem o condão de coordenar e administrar o trabalho diaconal. Todo cristão deve exercer a
função diaconal, pois não devemos esquecer que “diácono” significa “servo”, e, neste sentido,
todos somos diáconos.
O resgate do ministério diaconal deve começar, portanto, pela conscientização dos
diáconos e de toda igreja sobre o valor, o significado e as possibilidades que se abrem diante
da igreja se esta colocar em prática sua função diaconal.
Cremios que podemos começar com a escolha de pessoas que demonstrem ser
possuidoras de dons como misericórdia, socorro, contribuição. Pessoas que reconhecidamente
sejam interessadas no bem do próximo e em lutar por uma comunidade mais humana e justa.
Pessoas que tenham facilidade em arrecadar fundos e habilidade com logística, e que saibam
como distribuí-los com eficiência, para quem realmente precisa.
E que este ministério seja composto de pessoas influenciadoras, motivadoras, que
possam movimentar os demais membros da iIgreja para ações que possam abençoar famílias
necessitadas.
Cada igreja local pode olhar o seu contexto, o bairro ou vila em que está inserida, e
fazer um diagnóstico das principais demandas. E aí oferecer seu serviço diaconal aà
comunidade. Pode ceder seus espaços, na maioria das vezes ociosos durante a semana, para
que se realizem atividades que sirvam a todos. Entre tantas possibilidades, podem ser
disponibilizados oficinas de artes, cursos profissionalizantes, exercícios físicos leves para
idosos (com acompanhamento de profissionais de educação física).
Além disso, sob a liderança dos diáconos, os irmãos podem visitar as casas mais
carentes do bairro, e observar algumas necessidades específicas. Telhas e vidros quebrados,
por exemplo, podem ser trocados sem muito custo. Muitas pessoas vivem em cômodos
precários, e há algumas demandas que não são tão difíceis de suprir, mas que podem
representar um salto de qualidade para muitas famílias.
Uma última sugestão de um serviço simples, mas importante, que a igreja pode
oferecer: todo bairro possui um ou mais postos de saúde, que atendem a população e
geralmente é preciso chegar muito cedo para conseguir uma consulta. O ministério diaconal
da igreja pode oferecer um lanche simples, composto de chá com biscoitos ou um pãozinho
com manteiga, por exemplo.
Com criatividade é possível idealizar e realizar muitos projetos. Mas é necessário que
a igreja compreenda e pratique a sua verdadeira função diaconal.
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BÍBLIA SAGRADA, Nova Versão Internacional, NVI, Traduzida pela comissão de tradução
da Sociedade Bíblica Internacional. São Paulo-SP:, SBI, 2000.
CÉSAR, Elben M. Lenz. Os dDois Marthin Luther: O Marthin Luther do sSéculo 16.
InEm: Revista Ultimato, Jul/Ago 2004.
____________________ Quem lLeva a bBíblia a sSério oObriga-se a lLevar tTambém a
sSério a jJustiça sSocial. InEm: Revista Ultimato, Jul/Ago 2004.
STOTT, John R.W. O cCristão em uUma sSociedade nNão cCristã. Tradução: Sileda S.
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