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Coleção CONPEDI/UNICURITIBA

Vol. 9

Organizadores

Prof. Dr. Orides Mezzaroba


Prof. Dr. Raymundo Juliano Rego Feitosa
Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira
Profª. Drª. Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr

Coordenadores

Profª. Drª. Grasiele Augusta Ferreira Nascimento


Profª. Drª. Mirta Gladys Lerena Manzo de Misailidis
Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat

DIREITO DO TRABALHO

2014
2014 Curitiba
Curitiba
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

D597
Direito do trabalho
Nossos Contatos Coleção Conpedi/Unicuritiba.
Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano
São Paulo Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira
Rua José Bonifácio, n. 209, / Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.
Coordenadores : Grasiele Augusta Ferreira Nascimento
cj. 603, Centro, São Paulo – SP /Mirta Gladys Lerena Manzo de Misailidi / Eduardo
CEP: 01.003-001 Milléo Baracat.
Título independente - Curitiba - PR . : vol.9 - 1ª ed.
Clássica Editora, 2014.
Acesse: www. editoraclassica.com.br 527p. :
Redes Sociais ISBN 978-85-99651-97-1
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EDITORA CLÁSSICA
Conselho Editorial
Allessandra Neves Ferreira Luiz Eduardo Gunther
Alexandre Walmott Borges Luisa Moura
Daniel Ferreira Mara Darcanchy
Elizabeth Accioly Massako Shirai
Everton Gonçalves Mateus Eduardo Nunes Bertoncini
Fernando Knoerr Nilson Araújo de Souza
Francisco Cardozo de Oliveira Norma Padilha
Francisval Mendes Paulo Ricardo Opuszka
Ilton Garcia da Costa Roberto Genofre
Ivan Motta Salim Reis
Ivo Dantas Valesca Raizer Borges Moschen
Jonathan Barros Vita Vanessa Caporlingua
José Edmilson Lima Viviane Coelho de Séllos-Knoerr
Juliana Cristina Busnardo de Araujo Vladmir Silveira
Lafayete Pozzoli Wagner Ginotti
Leonardo Rabelo Wagner Menezes
Lívia Gaigher Bósio Campello Willians Franklin Lira dos Santos
Lucimeiry Galvão

Equipe Editorial

Editora Responsável: Verônica Gottgtroy


Capa: Editora Clássica
XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBA
Centro Universitário Curitiba / Curitiba – PR

MEMBROS DA DIRETORIA
Vladmir Oliveira da Silveira
Presidente
Cesar Augusto de Castro Fiuza
Vice-Presidente
Aires José Rover
Secretário Executivo
Gina Vidal Marcílio Pompeu
Secretário-Adjunto

Conselho Fiscal
Valesca Borges Raizer Moschen
Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa
João Marcelo Assafim
Antonio Carlos Diniz Murta (suplente)
Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)

Representante Discente
Ilton Norberto Robl Filho (titular)
Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)

Colaboradores
Elisangela Pruencio
Graduanda em Administração - Faculdade Decisão
Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira
Graduada em Administração - UFSC
Rafaela Goulart de Andrade
Graduanda em Ciências da Computação – UFSC

Diagramador
Marcus Souza Rodrigues
Sumário

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................ 14

A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE TRABALHO (MIRIAN KARLA KMITA e LEONARDO SANCHES


FERREIRA) ................................................................................................................................................... 17

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 17

NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE TRABALHO .............................................................................. 18

PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O DIREITO DO TRABALHO ........................................................................ 21

O TRABALHADOR NO CONTEXTO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL E DO MERCADO DE CONSUMO ...... 25

FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO .............................................................................................................. 27

CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 32

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 33

A CRISE ECONÔMICA EUROPEIA E AS TRANSFORMAÇÕES NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO


FRANCÊS (Nara Fernandes Bordignon e Susan Emily Iancoski Soeiro) ..................................................... 35

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 36

A CRISE ECONÔMICA EUROPEIA E AS TRANSFORMAÇÕES NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ........ 37

FLEXIBILIZAÇÃO E FLEXISSEGURANÇA EM TEMPOS DE CRISE ECONÔMICA ....................................... 41

FLEXIBILIZAÇÃO, CRISE ECONÔMICA, NEGOCIAÇÃO COLETIVA E CONVENÇÃO NỌ 154 DA OIT ...... 45

DIREITO DO TRABALHO FRANCÊS DIANTE DA CRISE ............................................................................. 49

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 55

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 56

“LIMITES DO PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR E A DISCRIMINAÇÃO ESTÉTICA NA RELAÇÃO


DE EMPREGO” (Grasiele Augusta Ferreira Nascimento e Maria Aparecida Alkimin)................................. 58

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 58

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ............................................................................................................... 59

ESTÉTICA ................................................................................................................................................... 64

DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO ............................................................................................................. 69

LIMITES DO PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR ............................................................................. 71

CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA DISCRIMINAÇÃO ESTÉTICA NO TRABALHO .................................... 72

COMPETÊNCIA MATERIAL ....................................................................................................................... 78


CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 80

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 81

A ALTERAÇÃO DO POSTO DE TRABALHO COMO CONFIGURAÇÃO DE ASSÉDIO MORAL: UMA ANÁLISE


LUKACSIANA SOBRE A DIGNIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO (Andréa Maria dos Santos Santana Vieira
e Pedro Gallo Vieira) .................................................................................................................................. 84

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 85

A DESMOTIVAÇÃO GERADA PELO ASSÉDIO MORAL, QUAL AFETA A PRODUTIVIDADE E A QUALIDADE


DE VIDA DO EMPREGADO ........................................................................................................................ 88

DA RESPONSABILIDADE DE TODO O GRUPO, INCLUÍDA À VÍTIMA, PERANTE O ASSÉDIO MORAL .... 90

A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE VIDA E DA CARREIRA EM RELAÇÃO AO SUJEITO ........................... 93

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 100

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 101

A CRISE DO ESTADO SOCIAL E A FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS (Valéria Crisóstomo


Lima Verde e Gina Vidal Pompeu) ............................................................................................................... 102

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 103

O ESTADO SOCIAL ..................................................................................................................................... 104

O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO E A FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS .................................. 108

OS SINDICATOS ......................................................................................................................................... 116

CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 119

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 120

EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, CONTRA O TRABALHO DEGRADANTE (Marcus


Mauricius Holanda) .................................................................................................................................... 123

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 124

A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO OBJETIVO DO ESTADO DEMOCRÁTICO ....... 125

A DIGNIDADE DA PESSOA COMO PRECEITO FUNDAMENTAL ............................................................... 129

O TRABALHO EM CONDIÇÕES DIGNAS .................................................................................................... 132

A ATUAÇÃO DE ÓRGÃO JURISDICIONAL NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................. 135

CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 137

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 138

DIGNIDADE NO TRABALHO E COMPETITIVIDADE EMPRESARIAL: NECESSIDADE DE CONSTRUIR UM


SISTEMA DE VALORES COMPARTILHADOS (Paulo Antonio Brizzi Andreotti e Lourival José de Oliveira) ... 140

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 141

A ATIVIDADE EMPRESARIAL E O DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO GLOBALIZADO ...................... 142


ANOTAÇÕES SOBRE A ATIVIDADE EMPRESARIAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ................................ 146

O VALOR SOCIAL DO TRABALHO NA ATIVIDADE EMPRESARIAL .......................................................... 150

O VALOR SOCIAL DO TRABALHO E A FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO ........................... 155

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................ 164

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 165

DESENVOLVIMENTO HUMANO E TUTELA LABORAL DAS MULHERES NO ORDENAMENTO JURÍDICO


BRASILEIRO: NUANCES E PERSPECTIVAS NO CERNE DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988
(Flávia de Paiva Medeiros de Oliveira e Paulla Christianne da Costa Newton) ........................................... 170

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 171

O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O TRABALHO DA MULHER .................................................................... 172

A PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER APÓS A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 ....................... 174

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................ 182

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 183

EMPREGADO DOMÉSTICO: UMA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL EM PROL DE SUA EMANCI-


PAÇÃO (Maria Cecília Máximo Teodoro e Miriam Parreiras de Souza) ..................................................... 185

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 186

EVOLUÇÃO: HISTÓRIA DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS ..................................................................... 187

A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL .................................................................................................... 190

DA AMPLIAÇÃO DE DIREITOS AO EMPREGADO DOMÉSTICO ............................................................... 204

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 210

ESTABILIDADE DA GESTANTE, ABUSO DO PODER DE DIREITO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE


1988. UMA QUESTÃO DE LEGALIDADE OU DIGNIDADE? (Robert Carlon de Carvalho e Daniel Ricardo
Augusto Wood) ........................................................................................................................................... 212

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 213

CONTRATO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE EMPREGO ............................................................................ 214

PRINCÍPIOS EM DESTAQUE ...................................................................................................................... 219

A GARANTIA NO EMPREGO ..................................................................................................................... 224

O ABUSO DO PODER DE DIREITO ............................................................................................................. 229

ABUSO DO PODER DE DIREITO E A GARANTIA DE EMPREGO .............................................................. 231

CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 235

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 237

PROTEÇÃO À INTIMIDADE E PRIVACIDADE DO EMPREGADO NO AMBIENTE DE TRABALHO


(Deilton Ribeiro Brasil) ................................................................................................................................ 239
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 240

PROTEÇÃO À INTIMIDADE DO EMPREGADO NO AMBIENTE DE TRABALHO ....................................... 241

VIOLAÇÃO DO DIREITO À INTIMIDADE E SEUS REFLEXOS .................................................................... 245

O RESPEITO À PRIVACIDADE NO AMBIENTE DE TRABALHO .................................................................. 249

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 252

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 253

SUSTENTABILIDADE NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO: UM NOVO PARADIGMA PARA A VALO-


RIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO (Samia Moda Cirino) ...................................................................... 255

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 256

O ESTADO CONTEMPORÂNEO EM FACE DAS PROPOSTAS NEOLIBERAIS ............................................ 257

O CAPITALISMO E A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ............................................................. 260

A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E O NOVO PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES ......................... 263

SUSTENTABILIDADE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, RESPONSABILIDADE SOCIAL E FUNÇÃO


SOCIAL: NECESSÁRIA COERÊNCIA DISCURSIVA ...................................................................................... 265

AS DIMENSÕES DA SUSTENTABILIDADE ................................................................................................. 268

O MEIO AMBIENTE DE TRABALHO .......................................................................................................... 271

A SUSTENTABILIDADE NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO ................................................................. 273

OS DESAFIOS PARA O IMPLEMENTO DA SUSTENTABILIDADE NO MEIO AMBIENTE LABORAL .......... 276

CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 278

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 279

UMA (RE)LEITURA DO ARTIGO 7º, XXIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – POSSÍVEIS ALTERNA-


TIVAS PARA A MONETIZAÇÃO DO RISCO COM ENFOQUE EM ATIVIDADES INSALUBRES (Adriana de
Fátima Pilatti Ferreira Campagnoli e Silvana Souza Netto Mandalozzo) .................................................... 282

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 283

NOÇÕES SOBRE ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE, PERICULOSIDADE E PENOSIDADE ...................... 284

SAÚDE DO TRABALHADOR E A MONETIZAÇÃO DO RISCO .................................................................... 287

MEDIDAS ALTERNATIVAS PARA A MONETIZAÇÃO DO RISCO ............................................................... 290

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 295

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 296

DIREITOS FUNDAMENTAIS, SINDICAIS, COLETIVOS E SALUBRIDADE DO TRABALHO (Eloy P. Lemos


Junior e Dilson Antônio do Nascimento) .................................................................................................... 299

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 301


NOVOS CONCEITOS PARA O DIREITO COLETIVO DO TRABALHO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ..... 303

A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PARTICULARES ...................................... 309

OS DIREITOS TRABALHISTAS E A NOVA SUMMA DIVISIO DIREITOS INDIVIDUAIS E DIREITOS


COLETIVOS ................................................................................................................................................ 310

A RELAÇÃO ENTRE CAPITAL E TRABALHO: O MOVIMENTO SINDICAL E OS DIREITOS COLETIVOS


DO TRABALHO ........................................................................................................................................... 313

O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO .......................................................................................................... 317

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E A EFETIVAÇÃO DE DIREITOS COLETIVOS POR DANOS


MORAIS COLETIVOS ................................................................................................................................. 324

CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 326

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 327

NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO – VEÍCULO DE CONCRETUDE SUSTENTÁVEL E DEMOCRÁ-


TICA DOS OBJETIVOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL NA EMPRESA ECOLÓGICA (Carlos
Eduardo Koller e Eduardo Biacchi Gomes) .................................................................................................. 329

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 331

A NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO COMO REVELADOR DOS PROBLEMAS INTERNOS DA


CORPORAÇÃO: A DEMOCRACIA PARA DENTRO DA EMPRESA ............................................................. 333

CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO E A RELAÇÃO DIRETA COM


OS OBJETIVOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: O ESTADO DE DIREITO SOCIOAMBIENTAL .. 336

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 347

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 349

O IMPACTO JURÍDICO DA COPA DO MUNDO 2014 E DA COPA DAS CONFEDERAÇÕES 2013 NO


DIREITO COLETIVO DO TRABALHO BRASILEIRO (Marcelo Mauricio da Silva) ...................................... 351

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 352

COPA DO MUNDO 2014 E COPA DAS CONFEDERAÇÕES 2013: MEGAEVENTOS ESPORTIVOS ............ 353

O DIREITO COLETIVO DO TRABALHO ...................................................................................................... 358

O INTERESSE ECONÔMICO VERSUS O INTERESSE LABORAL ................................................................ 365

A ANTIJURIDICIDADE DO PROJETO DE LEI DO SENADO N.° 728/2011 ................................................. 367

O LEGADO SOCIOLABORAL DA COPA DO MUNDO 2014 E DA COPA DAS CONFEDERAÇÕES 2013 ...... 371

CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 374

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 377

O DIREITO FUNDAMENTAL AO LAZER NO CONTEXTO SOCIAL ATUAL E A CULTURA COMO OBJETO


DE CONSUMO (Patrícia Borba de Souza e Prof.ª Drª. Mirta Gladys Lerena Manzo de Misailidis) ............ 379

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 380


GLOBALIZAÇÃO E A CRISE DO MODELO DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ...... 381

A INDÚSTRIA CULTURAL E O CONSUMISMO COMO SINÔNIMO DE LAZER ......................................... 383

A CULTURA E O LAZER .............................................................................................................................. 387

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 390

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 391

CULTURA NEGOCIAL NO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE


BRASIL E ITÁLIA (Adriana Letícia Saraiva Lamounier Rodrigues e Diego Manenti Bueno de Araújo) ........ 393

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 395

CULTURA NEGOCIAL ................................................................................................................................. 397

CONVENÇÃO COLETIVA ........................................................................................................................... 401

SINDICATO ................................................................................................................................................. 407

CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 413

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 414

OS RETROCESSOS TRAZIDOS PELA NOVA LEI DO MOTORISTA SOB O PRISMA DO TRABALHO


DIGNO (Esp. Caren Silva Machado e Dr. Rodrigo Goldschmidt) ................................................................. 415

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 416

CONFIGURANDO A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO PLANO NACIONAL E INTERNACIONAL .... 417

CONFIGURANDO A JORNADA DE TRABALHO E SEUS LIMITES ............................................................. 419

ABORDAGEM SOBRE A NOVA LEI DO MOTORISTA PROFISSIONAL SOB A ÓTICA DO TRABALHO


DIGNO ........................................................................................................................................................ 424

INTERPRETAÇÃO DA LEI 12.619 DE 2012 À LUZ DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS ......................... 436

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 440

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 441

TRABALHO EDUCATIVO: EFETIVAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS OU EXPLORAÇÃO DE MÃO DE OBRA


DE BAIXO CUSTO (Danielle de Jesus Dinali) .............................................................................................. 444

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 445

DIREITOS SOCIAIS AFETOS AOS ADOLESCENTES ................................................................................... 446

TRABALHO EDUCATIVO: PREVISÃO LEGAL ............................................................................................. 449

EXPLORAÇÃO DE MÃO DE OBRA JOVEM: APRENDIZ E ESTÁGIO .......................................................... 451

TRABALHO EDUCATIVO: EXPERIÊNCIAS REAIS ...................................................................................... 453

TRABALHO EDUCATIVO: EFETIVAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS OU EXPLORAÇÃO DE FORÇA DE


TRABALHO DE BAIXO CUSTO ................................................................................................................... 457
CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 459

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 460

DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHADOR TERCEIRIZADO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (Ailsi


Costa de Oliveira e Maria dos Remédios Fontes Silva) ............................................................................... 463

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 464

CONCEITO DE TERCEIRIZAÇÃO ................................................................................................................ 465

A TERCEIRIZAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO .............................................................................................. 467

FATORES QUE POTENCIALIZAM A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO TERCEIRIZADO NA ADMINISTRA-


ÇÃO PÚBLICA ............................................................................................................................................ 476

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................ 479

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 480

O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO COMO EMPECILHO PARA A ADOÇÃO DA PARAS-


SUBORDINAÇÃO NO BRASIL: UMA VISÃO GERAL A PARTIR DA EXPERIÊNCIA ITALIANA (Gláucia
Fernandes da Silva) ..................................................................................................................................... 481

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 483

BREVE ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO CONCEITO DA SUBORDINAÇÃO ................................................... 484

A PARASSUBORDINAÇÃO NA ITÁLIA ...................................................................................................... 488

PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO: CONCEITO, ORIGEM E AS SUAS DIMENSÕES ................ 492

O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO COMO EMPECILHO PARA A ADOÇÃO DA PARASSU-


BORDINAÇÃO ........................................................................................................................................... 496

CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 502

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 502

REGULAMENTAÇÃO E REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE O TRABALHO DO ESTRANGEIRO NO BRASIL


E QUESTÕES SOBRE O TRABALHO DO BRASILEIRO NO EXTERIOR (Flávia de Ávila e Luciana Diniz
Durães Pereira) ........................................................................................................................................... 504

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 505

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CONCEITOS DE ESTRANGEIRO, MIGRANTE E REFUGIADO ................... 506

POLÍTICA VIGENTE NO PAÍS SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DE ESTRANGEIROS NA CONDIÇÃO DE


IMIGRANTES ............................................................................................................................................. 510

POLÍTICA VIGENTE NO PAÍS SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DE ESTRANGEIROS NA CONDIÇÃO DE


REFUGIADOS ............................................................................................................................................. 514

POSSÍVEIS MODIFICAÇÕES PARA A CONDIÇÃO DE ESTRANGEIRO NA LEGISLAÇÃO ATUAL: O NOVO


“ESTATUTO DO ESTRANGEIRO” ............................................................................................................... 516

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE O TRABALHO DO ESTRANGEIRO NO BRASIL ................................... 519

QUESTÕES SOBRE CONTROVÉRSIAS TRABALHISTAS REFERENTES AO TRABALHO ESTRANGEIRO


NO BRASIL E DO CIDADÃO BRASILEIRO NO EXTERIOR ......................................................................... 523

CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 529

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 530


COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Caríssimo(a) Associado(a),

Apresento o livro do Grupo de Trabalho Direito do Trabalho, do XXII Encontro


Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI),
realizado no Centro Universitário Curitiba (UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1º
de junho de 2013.

O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente
de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos
da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma
reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito,
nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela
tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do
processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos
parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN
do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da
Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro
Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas.

Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos,


tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da
produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no
âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a
mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não
apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as
especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos.

Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a
enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2)
aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a
todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiram-
nos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido
mais difícil.

Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada
em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para
seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e
que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto
para eventos.

O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso
comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de
2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão
sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que
inserirem seus dados.

Futuramente, o INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os


programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor
fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço
no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –,
mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da
segunda versão, disponível em 2014.

Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de


programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará
importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05,
além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as
dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do
Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube
conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de
elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será
fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III
Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o
estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores
do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo
livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras
parcerias e editais para a área do Direito.

Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de
Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do
UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.
Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que
agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada
logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais.

Curitiba, inverno de 2013.

Vladmir Oliveira da Silveira


Presidente do CONPEDI

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Apresentação

Trata-se de um livro escrito por professores, mestres e mestrandos em direito dos


Programas de Pós–Graduação para sua apresentação no XXII do Encontro Nacional do
CONPEDI, organizado pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). É indiscutível
que os Congressos do CONPEDI se tem convertido em um acontecimento de particular
transcendência para a comunidade de cientistas e pesquisadores da área do Direito e, cabe-nos
a honra de apresentar uma vez mais, a nova produção de artigos fruto dos Grupos de Estudos e
Pesquisa ligadas aos diferentes programas de âmbito nacional que participaram do encontro.

Encontros dos quais conservamos gratas lembranças e vivências às que assistimos ao


longo desses anos. E que vem cumprindo um papel fundamental de intercâmbio acadêmico, de
difusão das doutrinas em voga, de correntes jurisprudenciais e de conhecimento das
experiências forenses dos diferentes grupos de pesquisadores nacionais e estrangeiros.

Também servem de aprendizagem para as novas gerações que descobrem nesses


encontros a possibilidade de praticar a difícil arte de expor suas ideias e opiniões em um clima
de respeito e tolerância. Entretanto, cabe destacar que uma das características é o rigor
acadêmico dos que participam desses eventos e que ora se projeta nesta coletânea.

Nesse sentido, considerando que boa parte dos artigos publicados são de mestrandos,
devemos levar em conta o apoio à publicação de tais trabalhos, sob a supervisão de
professores, aponta para uma oportunidade de revelação de talentos de jovens pesquisadores,
com trabalhos inéditos e significativos no contexto da difusão da produção científica.

Somos cientes que o Direito do Trabalho não é uma rama da ciência jurídica imune às
questões ideológicas ou políticas, das quais decorrem fortes emoções, especialmente naqueles
temas que são propícios para o debate, suscitando calorosas discussões, porém em um clima
de cordialidade, transformando esse acontecimento o esperado encontro de amigos e colegas
que, o CONPEDI nos proporciona.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O importante número e a excelente qualidade dos artigos que integram esta obra,
representam o compromisso que todos têm assumido para dar aos Grupos de Trabalho do
CONPEDI o brilho que seus organizadores merecem.

É uma obra científica e acadêmica, mas também revelando afetos, valores e princípios
humanos.

Os artigos que compõem a presente coletânea demonstram preocupação dos autores em


relação à função social do contrato e o enfrentamento da crise econômica vivenciada no Brasil
e no mundo, assim como reflexões críticas sobre o trabalho do estrangeiro no Brasil e o
trabalho do brasileiro no exterior.

Outra grande preocupação dos autores é a proteção dos trabalhadores no ambiente de


trabalho, para que possam desenvolver suas atividades em segurança, com acesso à cultura e ao
lazer, e que lhes sejam asseguradas as normas constitucionais de proteção à dignidade humana,
para que possam estar protegidos contra qualquer forma de discriminação no trabalho,
inclusive no diz respeito ao gênero, assédio moral ou discriminação estética. Ressalte-se que a
análise abrange trabalhadores urbanos e também domésticos, que contam, agora, com
significativa ampliação de direitos trabalhistas.

A obra também apresenta importantes estudos sobre trabalho educativo, terceirização


de mão de obra e nova lei do motorista sob o prisma do trabalho digno.

Nota-se, ainda, significativa atenção dos autores em relação à efetividade dos direitos
fundamentais contra o trabalho degradante, a proteção à intimidade e à privacidade no
ambiente de trabalho, assim como à proteção ao trabalho da mulher, em relação à tutela laboral
no ordenamento jurídico brasileiro e também em relação à maternidade.

No que se refere ao Direito Coletivo do Trabalho, a obra apresenta cinco artigos que
abordam temas sobre os direitos fundamentais, sindicais e coletivos, negociação coletiva,
reflexões sobre a inconstitucionalidade do art. 522 da CLT, e o impacto jurídico das atividades
esportivas de 2013 e 2014 no direito coletivo brasileiro.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Para a facilidade do leitor, a coletânea em apreço apresenta quatro grandes eixos


temáticos a saber: “A efetividade dos Direitos Fundamentais como instrumento a vedação da
discriminação do trabalhador”; “Trabalho: avanços e retrocessos a partir de sua
regulamentação e interpretação”; “A proteção à integridade física e mental da saúde do
trabalhador no ambiente laboral”; e, “Direito Coletivo do Trabalho: alternativa para efetividade
de direitos trabalhistas e enfrentamento de crises econômicas”.

Desta forma, é com grande prazer que apresentamos os artigos do GT: Direito do
Trabalho do XXII do Encontro Nacional do CONPEDI realizado no Centro Universitário
Curitiba (UNICURITIBA), na cidade de Curitiba, nos dias 29 de maio a 01 de junho de 2013.
Com a esperança de que os artigos possam contribuir para a reflexão sobre temas atuais e de
extrema relevância para a o Direito do Trabalho, desejamos a todos uma boa leitura.

Coordenadores do Grupo de Trabalho

Professora Doutora Mirta Gladys Lerena Manzo de Misailidis – UNIMEP

Professora Doutora Grasiele Augusta Ferreira Nascimento – UNISAL

Professor Doutor Eduardo Milléo Baracat - UNICURITIBA

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE TRABALHO

THE SOCIAL FUNCTION OF THE WORK CONTRACT

MIRIAN KARLA KMITA1


LEONARDO SANCHES FERREIRA2

RESUMO

O artigo trata da aplicação da cláusula geral da função social dos contratos nas relações de
trabalho e sua operabilidade no sistema jurídico, a partir da análise da natureza jurídica dos
contratos de trabalho e seus princípios norteadores. Destaca a importância do trabalhador no
contexto da atividade empresária e do mercado, ressaltando a vinculação dos contratos aos
princípios da solidariedade social e da dignidade da pessoa humana. E, ao final, apresenta
estudos de casos que revelam como se dá a funcionalização da cláusula geral da função social,
o que evidencia a importância de sua efetivação, tanto para os trabalhadores, como para toda a
sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Função Social dos Contratos; Relações de Trabalho;
Funcionalização.

ABSTRACT

The article deals about the application of the general clause of the social function of the
contracts in employment relationships and their operability in the legal system, from the
analysis of the legal nature of contracts and its guiding principles. Stresses the importance of
the worker in the context of the activity and the entrepreneur market, highlighting the binding
of contracts to the principles of social solidarity and the dignity of the human person. And,
finally, presents case studies that show how is the functionalization of the general clause of
the social function, which highlights the importance of its implementation, both for workers
and for the whole society.
KEYWORDS: Social Function of Contracts, Labor Relations; Functionalization.

1 INTRODUÇÃO

1
Advogada, Professora Universitária (Fundação Municipal Centro Universitário de União da Vitória – UNIUV),
Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera (2010), Mestranda em Direito
Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.
2
Membro do Grupo de Pesquisa “Direito Empresarial e Cidadania no Século XXI”, liderado pela Profª. Dra.
Viviane Coêlho de Séllos Knoerr, registrado no CNPQ.

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O presente estudo acerca da função social do contrato de trabalho visa analisar as


transformações causadas no mundo do trabalho a partir da Constituição Brasileira de 1988,
pela qual a valorização do trabalho humano ganhou dimensão de fundamento da República.
A análise pretendida abrangerá as teorias que buscam explicar a natureza jurídica do
contrato de trabalho, os princípios regedores das relações trabalhistas desde a edição da
Constituição de 1988.
A Constituição Federal de 1988 firmou uma série de garantias de proteção à
liberdade de contratar, implicando, assim, maior amparo aos direitos individuais dos cidadãos.
O constitucionalismo impactou fortemente a teoria contratual, de modo que estruturou-a a
partir de quatro cláusulas gerais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual e função social
do contrato. Sendo que, essa última indica a vinculação do contrato aos objetivos da
coletividade, de modo a assegurar seus direitos fundamentais.
A partir de então, o Código Civil adotou, para suas relações, como um de seus
princípios fundamentais, a solidariedade social, tendo como escopo o princípio da dignidade
da pessoa humana, em que o ser humano possui um importante aspecto social dentro do
ordenamento jurídico.
Assim, tendo como escopo a solidariedade social e a dignidade da pessoa humana, é
imprescindível que o contrato de trabalho também se dê de modo apropriado, ou seja,
observando a sua função social, a fim de assegurar efetivamente os direitos sociais do
trabalhador, bem como o bem-estar da coletividade.
Deste modo, pretende-se demonstrar que às relações de emprego, relações essas de
natureza contratual, aplica-se o princípio da função social do contrato, assim como acontece
com os contratos do direito civil, e analisar os efeitos da não observância deste princípio pelo
empregador. Adotou-se, para a consecução dos objetivos, o método dialético, com revisão
bibliográfica.

2 NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE TRABALHO

A celebração do contrato de trabalho significa que as partes acordaram a prestação de


serviço. Esse acordo pode ser efetivado sem que nenhuma das partes tenha falado ou escrito a
respeito. O trabalhador, sem manifestação do empregador, começa a trabalhar. O empregador,
iniciada a prestação de serviços, vai dando ordens ao trabalhador, e no final de determinado
tempo, paga-lhe salário correspondente. É a forma tácita de contratação, que se subentende no

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próprio ato da prestação de serviços, desacompanhada de palavras escritas ou faladas. É a


vontade sendo exteriorizada pelo comportamento das partes. Por outro lado, esse acordo pode
ser efetivado pro intermédio de palavras ditas verbalmente ou escritas. É a forma expressa.
(GONÇALVES, Odonel Urbano, 2003, p.102)
O legislador definiu o contrato de trabalho como sendo o acordo “correspondente à
relação de emprego”. 3 Imperioso conhecer o que seja “relação de emprego” para bem
entender o conceito de contrato de trabalho. Relação de emprego é liame, vínculo que se
estabelece entre as partes, resultante do acordo de vontades. Desse vínculo nascem para as
partes direitos e obrigações. O acordo de vontades, tácito ou expresso, qualificado com esses
direitos e obrigações, tendente à prestação de trabalho subordinado, dá o contorno do contrato
de emprego. (GONÇALVES, Odonel Urbano, 2003)
Várias são as definições de contrato de trabalho, cada qual variando, muito pouco, de
acordo com o pensamento de seu autor. Da leitura da doutrina pátria o intérprete encontra, a
respeito, entre outras, a seguinte: o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física se obriga,
mediante remuneração, a prestar serviços, não eventuais, a outra pessoa ou entidade, sob a
direção de qualquer das últimas (MAGANO, Octavio Bueno apud MARTINS, Sérgio Pinto,
2006, ps. 81/82). Antônio de lemos Monteiro Fernandes, citado por Sérgio Pinto Martins
(2006, p. 85), afirma que o contrato de trabalho é o fato gerador da relação de trabalho, ou
seja, o contrato faz nascer a relação entre as partes.
No entanto, outros doutrinadores entendem que o contrato não é a fonte que produz a
relação de emprego, pois há relação de emprego mesmo naqueles casos que não tenha havido
o ajuste de vontades.4
As teorias contemporâneas que tentam explicar a natureza jurídica do contrato de
trabalho são a teoria contratualista e a teoria anticontratualista.

2.1 TEORIA ANTICONTRATUALISTA

A teoria anticontratualista defende que não existe relação contratual entre empregado
e empregador, já que o trabalhador entraria na empresa e começaria a prestar serviços,
inexistindo a discussão em torno das cláusulas do contrato de trabalho. (MARTINS, 2006)

3
CLT, art. 442: “Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de
emprego.”
4
MARTINS, Sérgio Pinto. op. cit., p. 85.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Savatier, citado por Martins, afirma que:

a existência de um contrato tornou-se quase indiferente. As relações existentes entre


as partes ligadas por uma relação de trabalho são quase totalmente idênticas às que
surgiriam se tivesse havido contrato. É, nada mais, do que uma relação de fato
paracontratual. (p. 85)

A teoria anticontratualista baseia-se na ideia de que a relação de emprego não tem


apoio em nenhum acordo de vontades, em nenhum contrato. Duas são as subdivisões de tal
teoria: a teoria da relação de trabalho e a do institucionalismo.
A teoria da relação de trabalho sustenta que a empresa é uma comunidade de
trabalho, onde o empregado é incorporado para atingir os fins desejados pela produção
nacional. Existiria nesse tipo de relação um só contrato de trabalho atingindo todos os
empregados. Os empregados não possuem autonomia de vontade. (GONÇALVES, Odonel
Urbano, 2003)
A teoria do institucionalismo sustenta que a empresa é uma instituição, na qual os
empregados são regidos por estatutos e não por uma relação contratual. Há inserção do
empregado na empresa, iniciando-se, desse ponto, o vínculo jurídico. O empregado não
discute com o empregador as cláusulas do contrato de emprego, mas submete-se a seu poder
diretivo e disciplinar. (GONÇALVES, Odonel Urbano, 2003)

2.2 TEORIA CONTRATUALISTA

A teoria contratualista surgiu juntamente com o aparecimento de nova modalidade de


relação jurídica, qual seja, o trabalho assalariado. Deixava-se para trás a forma mais comum
de trabalho: a escravidão. Para os doutrinadores, a base para esse novo tipo de relação jurídica
era o contrato, inspirado no Direito Civil, subdividido em arrendamento, compra e venda,
sociedade e mandato. Assim, inicialmente, a relação entre empregado e empregador era tida
como contrato de arrendamento. O homem ou sua força de trabalho eram vistos como coisa,
podendo, destarte, ser objeto de locação. Igualava-se o tratamento dado ao homem e à coisa.
Tal concepção teve sua origem no trabalho escravo, em que o ser humano era visto como
mercadoria. (GONÇALVES, Odonel Urbano, 2003)
Mais tarde, evoluiu-se para nova natureza do contrato de trabalho: sociedade. Por
esse tipo de relação, empregado e empregador uniam-se tendo por finalidade objetivo comum:

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

o lucro. Tal pensamento não perdurou, eis que evidenciado que empregado e empregador não
buscavam a mesma finalidade. (GONÇALVES, Odonel Urbano, 2003)

Atualmente, a teoria contratualista, teoria predominante, considera a relação entre


empregado e empregador um contrato, pois depende única e exclusivamente da vontade das
partes para sua formação. Os efeitos do contrato não derivam apenas da prestação de serviço,
mas daquilo que foi ajustado entre as partes.
Amauri Mascaro Nascimento, citado por Martins, esclarece que ”ninguém será
empregado de outrem senão por sua própria vontade. Assim, mesmo se uma pessoa começar
a trabalhar para outra sem que expressamente nada tenha sido combinado entre ambas, isso
só será possível pela vontade ou interesse das duas.”(MARTINS, 2006, p. 88)
Logo, não restam dúvidas de porque que a teoria contratualista é a mais aceita, afinal,
a natureza da relação de emprego é contratual, eis que decorrente do acordo de vontade: o
empregado querendo trabalhar e o empregador aceitando essa prestação de mão de obra. O
fato de o empregado não debater, em regra, as cláusulas contratuais não descaracteriza a
contratualidade dessa espécie de relação. Isso porque o trabalhador poderá, sempre, recusar-se
a trabalhar. (GONÇALVES, Odonel Urbano, 2003)
Atualmente, a teoria contratualista é admitida como sustentadora da relação de
emprego, sobretudo porque se amolda ao anseio de liberdade inerente ao ser humano.

3. PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O DIREITO DO TRABALHO

Maurício Godinho Delgado, citado por André Luis Paes de Almeida (2008, p. 26),
ensina que princípios são proposições gerais inferidas na cultura e ordenamento jurídicos que
conformam a criação, revelação, interpretação e aplicação do direito.
A seguir serão apresentados os princípios basilares do direito do trabalho.

3.1 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO

O Direito do Trabalho é ramo do direito que tem função precípua de tornar iguais os
desiguais. Sabe-se que empregado e empregador possuem desigualdades. Geralmente, essa
deficiência é encontrada na área econômica e muitas vezes também na escolaridade. Diante

21
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

disso, o Direito do Trabalho tem como objetivo equilibrar a situação amparando o lado mais
fraco da relação trabalhista: o empregado, na maioria das vezes, hipossuficiente.
Odonel Urbano Gonçalves, destaca que é preciso implantar políticas de proteção
àqueles mais carentes, com normas que estabeleçam mínimos direitos, fazendo emergir o
sentido do princípio da proteção social (2003, p. 28). Sérgio Pinto Martins, citado por André
Luiz Paes de Almeida (2008, p. 27), manifesta-se no sentido de que se deve proporcionar uma
forma de compensar a superioridade econômica do empregador em relação ao empregado,
dando a este último uma superioridade jurídica.
Do princípio da proteção emergem o princípio in dubio pro operário, o princípio da
norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica.
O princípio in dubio pro operario consiste na prevalência da escolha de interpretação
mais favorável ao obreiro.
Esse princípio da proteção se cristaliza com o princípio da norma mais favorável ao
empregado. Assim, quando temos duas normas aplicáveis ao empregado, optamos por aquela
mais benéfica.
O princípio da condição mais benéfica implica na prevalência de condições mais
vantajosas para o obreiro, fixadas no respectivo contrato de trabalho.
Rodriguez, citado por Eduardo de Olivera Campos (2009, p. 04), define o princípio
como:

O princípio da proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do


Trabalho pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao
objetivo de estabelecer um aparato preferencial a uma das partes: o trabalhador.
Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a
igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação
central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa
proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.

Deste modo, o princípio da proteção tem a finalidade de propiciar uma interpretação


da relação de emprego segundo a qual se busca a melhoria de condição de vida para o
empregado, face à sua desproporção econômica em relação ao empregador. (CAMPOS, 2009)

3.2 PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DE DIREITOS

Com o objetivo de proteger o trabalhador, os direitos trabalhistas são irrenunciáveis.


André Luiz Paes de Almeida esclarece que (2008, p. 29):

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Dessa forma, mesmo que um empregado declare expressamente que não pretende
receber, por exemplo, décimo terceiro salário, tal fato não se consubstanciará. Isso
porque, caso venha a propor uma reclamação trabalhista pleiteando o direito
renunciado, deverá adquiri-lo, pois, como mencionado, a regra, que comporta
exceções, [...], é que a renúncia feita pelo empregado não será aceita pelo julgador.
Devemos entender que esse princípio não se aplica em audiência, quando o
empregado poderá, se assim desejar, renunciar direitos. Vale frisar que não devemos
confundir renúncia com transação. Esta última é ato bilateral, enquanto a primeira é
ato unilateral. Destacamos esse fato para deixar claro que um acordo homologado
em juízo não se trata de parcelas renunciáveis, mas si, em transação, conciliação.

3.3 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE TRABALHO

Segundo Amauri Mascaro Nascimento, citado por Gonçalves (2003, 31), o princípio
da continuidade

decorre da natureza do contrato de trabalho, que é de trato sucessivo, importando na


permanência das condições contratadas pela própria razão da existência do contrato.
Também implica a presunção de que todo o contrato de trabalho será por tempo
indeterminado, salvo estipulação em contrário.

Tal princípio visa à proteção e preservação do emprego. Eduardo de Oliveira


Campos aduz que por meio da permanência do vinculo empregatício é que a ordem
justrabalhista pode cumprir seu objetivo de assegurar melhores condições de trabalho ao
empregado. (CAMPOS, 2009, ps. 04/05)

3.4 PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE

Princípio muito utilizado na prática trabalhista, segundo o qual os fatos reais são
muito mais importantes do que os documentos.
Arnaldo Sussekind, citado por André Luiz Paes de Almeida (2008, p. 30), ensina que
este princípio consiste na supremacia dos fatos em razão dos quais a relação objetiva
evidenciada pelos fatos define a verdadeira relação jurídica estipulado pelos contratantes,
ainda que sob capa simulada não correspondente à realidade.
Significa que o cotidiano vivido pelo empregado e pelo empregador deve ser
considerado, quando houver discordância entre o aspecto formal e a realidade. Isto é, deve-se
dar precedência àquilo que ocorre no dia-a-dia, relegada a plano secundário a formalidade. É
a primazia dos fatos sobre as formas.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

3.5 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Constituição Federal de 1988 dedicou um espaço especial à dignidade da pessoa


humana, alocando-a entre os princípios fundamentais, no art. 1º , inc. III, Título I.
Segundo Ingo Wolfgang Sarlet citado por Sidney Guerra e Lilian Márcia Balmant
Emerique (2006, p. 382):

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada


ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do
Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e
deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de
cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação
ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos
demais seres humanos.

No entanto, não há uma delimitação precisa na definição do que seja a dignidade da


pessoa humana. Entretanto, os direitos referentes às condições básicas de vida para o homem
e sua família (moradia, alimentação, educação) os direitos de liberdade e igualdade, bem
como, o direito de soberania popular (voto, possibilidade de disputar a cargos eletivos,
plebiscito e referendo) correspondem diretamente às exigências mais elementares da
dignidade da pessoa humana.(KMITA, 2013)
Fábio Konder citado por Sidney Guerra e Lilian Márcia Balmant Emerique afirma
(2006, p. 382):

Fábio Konder Comparato assinala que a dignidade da pessoa humana não consiste
apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado
como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado
resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa
vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que
ele próprio edita. Daí decorre, como assinalou o filósofo, que todo homem tem
dignidade e não um preço, como as coisas.

José Afonso da Silva citado por Sidney Guerra e Lilian Márcia Balmant Emerique
(2006, p. 385) assevera que a dignidade da pessoa humana encontra-se no epicentro da ordem
jurídica brasileira tendo em vista que concebe a valorização da pessoa humana como sendo
razão fundamental para a estrutura de organização do Estado e para o Direito.
O princípio da dignidade da pessoa humana impõe um dever de abstenção e de
condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a pessoa humana.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

4. O TRABALHADOR NO CONTEXTO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL E DO


MERCADO DE CONSUMO

Capital e trabalho são a base da economia, sendo que um depende do outro. O capital
propicia o trabalho, já o trabalho é a base da sustentabilidade do capital.

Desta interação nasce a produção que tem como alvo consumidor, o Trabalho.Como
sem consumo a produção perde a sua razão de existir, e o consumidor é o Trabalho,
conclui-se que o Trabalho tem de comprar a produção para que o Capital lhe dê
trabalho, constatação esta que leva ainda concluir que o Trabalho produz para ele
mesmo, ficando o valor acrescentado à produção para o Capital, como mais valia do
seu investimento.Valendo-se da sua influência e chantagem econômica, o Capital é
quem dita as regras da interação.

De acordo com Marx, citado por Cabral (2012, p. 01), capital e trabalho apresentam
um movimento constituído de três momentos fundamentais: Primeiro, “a unidade imediata e
mediata de ambos”; significa que num primeiro momento estão unidos, separam-se depois e
tornam-se estranhos um ao outro, mas sustentando-se reciprocamente e promovendo-se um ao
outro como condições positivas; Em segundo lugar, “a oposição de ambos”, já que se excluem
reciprocamente e o operário conhece o capitalista como a negação da sua existência e vice-
versa; Em terceiro e último lugar, “a oposição de cada um contra si mesmo”, já que o capital é
simultaneamente ele próprio e o seu oposto contraditório, sendo trabalho (acumulado); e o
trabalho, por sua vez, é ele próprio e o seu oposto contraditório, sendo mercadoria, isto é,
capital.
O capital, para aumentar seus lucros, faz o pagamento de salários o mais baixo
possível aos trabalhadores e impõe aos consumidores preços que lhe ofereçam maior lucro, o
que leva ao empobrecimento do trabalho e ao enriquecimento do capital.
A competição de mercado faz com que o capital, em busca do lucro e de espaço no
mercado de consumo, reduza os custos da produção. Porém esta redução acontece da forma
mais cruel possível, pois quem paga a conta é o trabalhador, que acaba tendo violado seus
direitos trabalhistas, com a informalidade na contratação (falta de anotação do contrato de
trabalho na Carteira de Trabalho), a não concessão de adicionais, entre outros direitos
assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Assim, o capital se desonera dos
encargos trabalhistas em prejuízo do trabalhador.

A competição empurra o Capital para outros paradigmas da economia, diferentes do


mercantilismo, onde o custo em vez do lucro é quem passa a ditar as leis do
mercado. Para conseguir o custo competitivo subverte as regras da interação com o

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Trabalho, retirando-lhe o conquistado pelas suas reivindicações. O Trabalho, se por


um lado beneficia do resultado desta concorrência entre o Capital, por outro lado vê
cada vez mais reduzido o seu poder de compra. A interação começa a ficar
comprometida com a dificuldade da compra. Acossado pelos seus pares, o Capital
cai na armadilha da automatização, rescindindo a interação, passa a desempregar
para produzir mais barato. Cego e desumano, o Capital, quando se apercebe que a
sua produção, fonte de riqueza, não tem comprador, porque o Trabalho já não
compra por não ter onde trabalhar, sucumbe no meio das suas máquinas que
produzem mas não compram.

A Constituição Federal assegura ao trabalhador uma série de direitos sociais, tais


como, salário mínimo, fundo de garantia do tempo de serviço, previdência social, entre muitos
outros, para que o trabalhador e sua família possam viver com dignidade, já que a Lei Maior
apregoa em seu artigo 1.o, inciso III a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos
da República Federativa do Brasil, como estado democrático de direito.
Para que os direitos sociais sejam efetivados lança-se mão dos direitos trabalhistas,
os quais atuam como instrumento daqueles direitos constitucionais, ou seja, é por meio dos
direitos trabalhistas que os direitos sociais alcançam a eficiência, tornando-se realidade aos
trabalhadores e não lei morta.
Ocorre que, ordinariamente, o instrumento de efetivação dos direitos sociais do
trabalhador, as leis trabalhistas, não são observadas pelos empregadores, detentores do capital,
excluindo, desta forma, na prática, os direitos da classe operária.
O empregador, no anseio e na ganância de aumentar a lucratividade da sua atividade
empresarial, procura meios para reduzir os custos da produção, sendo que o primeiro fator
considerado e analisado é o custo da mão-de-obra utilizada. Assim, o empregador, diante dos
altos encargos trabalhistas, oferta ao trabalhador condições que não são condizentes com os
direitos previstos constitucionalmente, para poder, desta forma, diminuir os custos e aumentar
o ganho.
Logo, o trabalhador se vê diante de oportunidades de emprego que afrontam
praticamente todos os seus direitos, em total precariedade. Entretanto, não possuindo opção,
pois, ou trabalha nas condições ofertadas ou não trabalha, o labutador acaba aceitando o
trabalho informal e precário, o que o coloca em situação de exclusão social.
Assim, nota-se que o empregador não percebe que sem mão-de-obra não há
produção, não há lucro, não há capital. Ora, sem o trabalhador o objeto da atividade
empresarial não se desenvolve.
Consequentemente, se para o empregador produzir e ter o tão esperado lucro é
necessária a mão-de-obra, nada mais justo e correto do que valorizar o trabalho do
proletariado, pagando salários, anotando o contrato de trabalho na carteira de trabalho,

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

recolhendo a contribuição previdenciária, depositando o fundo de garantia, remunerando


adequadamente a hora extra, o trabalho noturno, e todos as outras verbas devidas.
O capital precisa do trabalho para produzir, pois o lucro advém do trabalho humano,
e é o trabalho que também vai gerar o consumo daquilo que foi produzido, desenvolvendo a
economia do país. Logo, o trabalho é o instrumento da economia.
Infelizmente, nem todas as empresas possuem esta consciência, o que leva à
precarização das relações de emprego. Assim sendo, o empregado, para poder sobreviver com
o mínimo de dignidade possível, recorre aos programas assistenciais do governo, visto que a
sua remuneração provinda do trabalho informal - que exclui direitos trabalhistas - não é
suficiente para o seu próprio sustento e de sua família, como deveria ser e como é preconizado
no capítulo dos direitos sociais da Constituição Federal, que prevê que o salário será capaz de
atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.
Assim, se o trabalhador se vê obrigado a recorrer aos programas assistenciais, o
Estado terá que providenciar assistência, pois a Constituição coloca como dever do Estado o
fazer. E para atender a demanda, o governo terá que aumentar a arrecadação tributária, para
poder redistribuir os recursos aos que necessitam.
Por conseguinte, o impacto no desenvolvimento econômico é considerável e afeta a
todos, sem exceção. Afeta as empresas, os cidadãos em geral e o governo. Este, aumentando
as alíquotas tributárias, e aqueles pagando a conta. Além do que, a capacidade de consumo da
população diminui se não possui recursos suficientes, o que também afeta as empresas e a
economia num todo.
Portanto, é uma ilusão o empregador precarizar as condições de trabalho, achando
que reduz os custos da produção e aumenta o lucro, porquanto no final das constas é ele
próprio que arca com o prejuízo, uma vez que a carga tributária acaba ficando maior, com a
instituição de novos tributos e aumento de alíquotas, e, ainda, o consumo diminui. Logo, sem
trabalho não há capital, e sem capital não há economia.

5. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

Com a constitucionalização do Direito Civil adveio a solidariedade social.

Se às Constituições cabe proclamar o princípio da função social [...] é ao Direito


Civil que incumbe transformá-lo em concreto instrumento de ação. Mediante o

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

recurso à função social e também à boa-fé – que tem uma base marcadamente ética e
outra solidarista – instrumentaliza o Código agora aprovado a diretriz constitucional
da solidariedade social, posta como um dos "objetivos fundamentais da República.
(PAES, 2011, p. 01)

A solidariedade social possui base na Constituição Federal5 que estabelece como um


dos objetivos fundamentais da República Federativa Brasileira a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária.

Consagrada a solidariedade social como valor constitucional fundamental, isso


impacta todo o sistema jurídico, inclusive a ordem civil. Isso porque as normas
infraconstitucionais devem ser interpretadas a partir e conforme a Constituição.
Como conseqüência da constitucionalização material do direito civil, resulta que
toda norma ou cláusula contratual sempre deve se coadunar e exprimir a
normatividade constitucional. Nesse contexto, as normas de direito civil devem ser
interpretadas como reflexo de normas constitucionais. Isso porque a regulamentação
de toda e qualquer a atividade deve ser, em todos os seus momentos, expressão da
indubitável opção constitucional de privilegiar a dignidade da pessoa
humana.(PAES, 2006, P. 02)

Nesse diapasão, Arnaldo Boson Paes ressalta que (2006, p. 02)

os valores constitucionais se irradiam sobre toda a ordem privada e no CC/02


manifesta-se de forma mais acentuada ao modificar profundamente seu instituto
mais característico: o contrato. De fato, antes impregnado da concepção da soberania
da autonomia da vontade, o contrato assume na contemporaneidade função operativa
de concretização da solidariedade social. Isso porque o contrato deve refletir a
preocupação com a adequação da ordem jurídica de modo a ajustá-la aos problemas
e desafios de uma sociedade marcadamente complexa. A afirmação da solidariedade
social no âmbito do contrato passa por uma expressiva evolução de seu conceito, de
suas finalidades e de seu conteúdo, determinando a substancial reformulação dos
princípios tradicionais do direito contratual.

O Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná Dr. Francisco Cardozo Oliveira,


citando Fernando Noronha (2012, p. 02), assinala que o princípio de função social contempla
compromisso finalístico do contrato com valores de justiça social o que implica a
contextualização dos interesses dos contratantes (consumidores, trabalhadores, fornecedores,
etc) e seus efeitos na relação contratual.
E ainda, citando Antonio Junqueira de Azevedo (2012, p. 02), faz a distinção entre
contratos empresariais e contratos existenciais: nos contratos empresariais as partes
geralmente são empresários, enquanto que nos contratos existenciais, em que não está em
causa em primeiro plano o objetivo de lucro, as partes podem ser empresários, consumidores,
trabalhadores, etc.

5 o
Constituição Federal. Art. 3. , I.

28
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O Conselho da Justiça Federal, na III Jornada de Direito Civil, realizada em Brasília


em dezembro de 2004, editou o Enunciado 23 (PAES, 2006, p. 02):

"Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil,
não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance
desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual
relativo à dignidade da pessoa humana".

Assim, os interesses individuais dos contratantes devem ser desempenhados de


acordo com os interesses sociais, partindo da hipótese de que o contrato reflete no âmbito
social, daí porque não deve ser concebido como uma relação jurídica que só interessa às
partes contratantes, impermeável às condicionantes sociais que o cercam e que são por ele
próprio afetadas. (PAES, 2006)
Segundo disposição trazida pelo Código Civil, o contrato deve ser compreendido e
pautado no interesse da coletividade.6
Claudio Roberto Fernandes (2012, p. 02) conclui que percebe-se então que a função
social do contrato se fundamenta no interesse coletivo, abstraindo-se do individualismo antes
exacerbado, que visa apenas o apego pessoal.
Ademais, a Lei Maior além de trazer a cláusula geral da função social também fez
menção sobre a dignidade da pessoa humana, o que vem a corroborar para a ampliação do
alcance do princípio da função social, com a finalidade de transformar as relações particulares
mais justas.(FERNANDES, 2012)
Arnaldo Boson Paes (2006, p. 03) destaca que na perspectiva do art. 421, sendo a
liberdade de contratar exercida em razão e nos limites da função social, decorre daí que a
função básica do contrato é a realização da utilidade e da justiça do próprio contrato.
Silvio de Salvo Venosa, citado por Eduardo de Oliveira Campos (2009, p. 07),
assevera que:

É certo de que se trata de um contrato sob novas roupagens, distante daquele modelo
clássico (...). Por conseguinte, neste momento histórico, não podemos afirmar que o
contrato esteja em crise, estritamente, nem que a crise seja do direito privado. A
crise situa-se na própria evolução da sociedade, nas transformações sociais que
exigem do jurista respostas mais rápidas. O sectarismo do direito das obrigações
tradicional é colocado em choque. O novo direito privado exige do jurista e do juiz
soluções prontas e adequadas aos novos desafios da sociedade. Daí por que se torna
importante a referência ao interesse social no contrato. E o direito das obrigações, e
em especial o direito dos contratos, que durante séculos se manteve avesso a
modificações de seus princípios está a exigir reflexões que refogem aos dogmas
clássicos. Nesse cenário, o presente Código procura inserir o contrato como mais um

6
Código Civil. Artigo 2.035, parágrafo único: “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de
ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurara a função social dos contratos.”

29
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

elemento de eficácia social, trazendo a idéia básica de que o contrato deve ser
cumprido não unicamente em prol do credor, mas como benefício da sociedade. De
fato, qualquer obrigação descumprida representa uma moléstia social e não prejudica
unicamente o credor ou o contratante isolado, mas toda uma comunidade.

O Código Civil enuncia em seu art. 421 que a liberdade de contratar será exercida
em razão e nos limites da função social do contrato. Logo, o contrato é visto pelo prisma da
utilidade social e não mais apenas pelo interesse individual.

5.1 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

O contrato de trabalho também merece atenção no tocante à função social já que é


um contrato de interesse social.

O empregador, ao pactuar com seu empregado um contrato individual de trabalho, já


lhe apresenta todas as condições pelas quais se dará a prestação dos serviços: onde
trabalhar, com quem, de que hora a que hora, quantos dias por semana, quanto será o
salário, que função exercerá na empresa, etc.
O empregado, por sua vez, acolhe as determinações do empregador e se sujeita à
subordinação imposta por este, haja vista que necessita do emprego para seu
sustento e de sua família. Até aí, bem parece que o contrato de trabalho teria mesmo
um caráter eminentemente econômico, oneroso para ambas as partes, visando à
melhoria do setor empresarial, buscando-se o progresso da nação.
Ocorre que não é esta a real intenção do Direito do Trabalho, como se quer aqui
defender, quando lança mão do Princípio da Proteção ao empregado, o qual deve ser
observado na contratação, na execução e até mesmo na extinção do contrato
individual do trabalho.
Sabe-se que, por causa da sua inferioridade econômica, o empregado não tem muita
margem de escolha, e por isso se subordina à empresa ou ao seu superior
hierárquico, servindo, à luz do Direito Econômico, como mais uma peça da
engenharia empresarial. (CAMPOS, 2009, p. 07)

Logo, a finalidade essencial do contrato de trabalho não é a obtenção do lucro. A


função social do contrato de trabalho, com fundamento na natureza jurídica e no princípio da
proteção repousa na dignidade da pessoa humana. José Aparecido dos Santos escreve sobre o
assunto (2009, p. 47843):

Por função social do contrato há que se entender os mecanismos positivos e


negativos que limitam a autonomia de contratar em favor da justiça social. Nos
termos do art. 421 do Código Civil de 2002 “A liberdade de contratar será exercida
em razão e nos limites da função social do contrato”. Isso não quer significar que a
finalidade do contrato seja enriquecer o produtor (acumulação) com a finalidade de
que mais riquezas (e conseguintemente, mais trabalho e mais consumo) sejam
produzidas. Quer antes significar que a própria produção e circulação de riquezas
por meio do contrato devem cumprir uma função social, ou seja beneficiar a todos
que dela participam, pois não se admite mais o contrato como mecanismo, ainda que
sutil, de pilhagem de um indivíduo por outro.

30
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Assim a função social do contrato de trabalho é proporcionar ao trabalhador um meio


ambiente de trabalho salubre, jornada de trabalho compatível, salário adequado, entre outros
direitos sociais garantidos constitucionalmente.
Por outro lado, a função social do contrato de trabalho também deve levar em conta
não apenas as relações individuais entre empregado e empregador, mas também todas as
relações que o circundam.

5.2 A FUNCIONALIZAÇÃO

Na jurisprudência encontramos alguns casos que apontam a funcionalização da


cláusula geral da função social do contrato.
O TRT da 2ª. Região tem interessante precedente na aplicação da função social do
contrato envolvendo a suspensão do plano de saúde fundada em suspensão contratual baseada
em afastamento por doença profissional. Nesse caso o Tribunal considerou que:

“os atos em geral devem ser interpretados de acordo com os princípios da eticidade,
socialidade e operabilidade. Funda-se o direito, pois, no valor da pessoa humana
como fonte de todos os demais valores, priorizando a eqüidade, a boa-fé, a justa
causa e demais critérios éticos. Deste princípio decorrem, entre outros, os artigos
113 e 422 do Código Civil, pelos quais "Os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração" e "Os
contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua
execução, os princípios de probidade e boa-fé". Com essas razões de decidir,
concluiu "que a manutenção do plano de saúde e alimentação do empregado, durante
o período de suspensão do contrato de trabalho, por enfermidade, constitui medida
que se coaduna com o ordenamento jurídico vigente, mesmo porque o obreiro
encontra-se em momento que mais necessita de tais benefícios (01567-2006-011-02-
00-0, 12ª Turma, julg. 10/10/2008, Rel. VANIA PARANHOS).” (PAES, 2006, p.
04)

Em outra oportunidade, o mesmo Tribunal decidiu pela reintegração ao emprego,


tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana e a função social do contrato:

"O poder de resilição do pacto laboral encontra limitações nas garantias de


emprego, assim como no respeito aos princípios que informam todo o ordenamento
jurídico, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no
artigo 1º, inciso III, da Carta Magna. Com a adoção do aludido princípio, a
Constituição Federal de 1988 implantou no sistema jurídico brasileiro uma nova
concepção acerca das relações contratuais, pela qual as partes devem pautar suas
condutas dentro da legalidade, da confiança mútua e da boa fé. Tais premissas
refletem o princípio da função social do contrato (artigos 421, Código Civil,e 8º, da
CLT), o qual traduz genuína expressividade do princípio da função social da
propriedade privada, consagrado nos artigos 5°, inciso XXIII, e 170, inciso III, da
Constituição Federal, ou seja, o contorno é constitucional e se sobreleva à

31
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

imediatidade da rescisão contratual decorrentes dos interesses meramente


empresariais". A decisão conclui que "A despeito da inexistência de norma legal
prevendo a estabilidade do portador de câncer, até porque em determinadas fases da
doença o paciente pode desenvolver normalmente suas atividades laborativas,
imperiosa a solução controvérsia sob o prisma dos princípios da dignidade da pessoa
humana do trabalhador e da função social do contrato (00947-2008-381-02-00-4, 9ª.
Turma, julg. 27/11/2009, Rel. JANE GRANZOTO TORRES DA SILVA).” (PAES,
2006, p. 04)

O Tribunal Regional do Trabalho da 4.a Região, com base na cláusula da função


social do contrato, condenou uma empresa, subsidiariamente, pelo pagamento de créditos de
empregados:
"Responsabilidade subsidiária. Encerramento das atividades da empresa fornecedora
ocasionado pelo rompimento de contrato de compra e venda. A relação das
reclamadas de natureza aparentemente comercial ultrapassou os limites impostos
pelo contrato de compra e venda, pois criou a dependência econômica da
empregadora e sua rescisão imotivada e repentina ocasionou um impacto social: o
desemprego. O rompimento contratual da maneira como foi realizado contrariou as
disposições legais dos artigos 421 e 422 do Novo Código Civil. Não se pode admitir
que a empresa compradora resolva adquirir produtos de outra fornecedora
inesperadamente, apenas para atender a seus interesses econômicos, prejudicando os
trabalhadores e sem responder pelas conseqüências sociais de sua atitude. Isso
certamente não pode ser qualificado como um ato de boa-fé (0130700-
76.2008.5.04.0251, Rel. Marcelo Gonçalves de Oliveira, julg. 14/04/2010).” (PAES,
2006, p. 04)

6 CONCLUSÃO

Com a constitucionalização do Direito Civil adotou-se a solidariedade social, tendo


como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana. Deste modo, com o
implemento das cláusulas gerais contratuais, estabelecidos na constituição, e em especial a
“função social do contrato”, no Direito civil, os interesses individuais dos contratantes passam
a ser desempenhados em conformidade com os interesses sociais, já que o contrato reflete no
âmbito social.
No Direito do Trabalho, assim como no Direito Civil, a cláusula geral da função
social do contrato também deve se dar, pois a contratação é de interesse social. Atualmente a
finalidade do contrato de trabalho não é a mera obtenção do lucro.
A função social do contrato de trabalho está embasada na própria natureza jurídica
do contrato, bem como nos princípios da proteção e da dignidade da pessoa humana.
Sendo a relação entre empregado e empregador um contrato, pois depende da
vontade das partes para sua formação, na qual vigora o princípio da proteção, com vista à
proteção do empregado, com escopo na dignidade da pessoa humana, é essencial que a

32
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

cláusula geral da função social do contrato tenha aplicação e operabilidade, a fim de garantir
uma relação equilibrada para as partes envolvidas e para a coletividade de pessoas que
possam, eventualmente, ser atingidas, de algum modo, por àquela contratação.
Ademais, o papel do trabalhador é fundamental para o desenvolvimento da atividade
empresária e do mercado de consumo, pois sem o trabalhador nada acontece, daí a
necessidade de se respeitar a função social advinda do contrato de trabalho.
Por conseguinte, com fundamento na solidariedade social e na dignidade da pessoa
humana, é imprescindível que o empregador, ao celebrar o contrato de trabalho com o
empregado, observe a função social que reflete da pactuação, para que efetivamente os
direitos sociais do trabalhador sejam garantidos, assim como o bem-estar de toda a sociedade.

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34
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A CRISE ECONÔMICA EUROPEIA E AS TRANSFORMAÇÕES NA


ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO FRANCÊS

EUROPEAN ECONOMIC CRISIS AND TRANSFORMATION IN FRENCH


LABOUR ORGANIZATION

NARA FERNANDES BORDIGNON1


SUSAN EMILY IANCOSKI SOEIRO2

RESUMO: O hodierno estudo tem por finalidade abordar os aspectos relacionados à crise
econômica mundial, mais especificamente, europeia e francesa, com os preceitos de
flexibilização do Direito do Trabalho. Considerando toda a conjuntura de globalização da
economia e das relações laborais, bem como suas transformações. Atendo-se, mais
precisamente, à análise da flexibilização e da flexissegurança no direito laboral francês.
Contrapondo com as situações de sobrevivência econômica das organizações em tempos de
crise financeira com o respeito às garantias mínimas imperativas à dignidade humana dos
trabalhadores.
PALAVRAS-CHAVE: Crise econômica europeia. Transformações na organização do
trabalho. Flexibilização. Flexissegurança. Negociação coletiva. Convenção 154 da OIT.
Direito do Trabalho francês.

ABSTRACT: The today's study aims to address aspects of the global economic crisis, more
specifically, European and French, with the precepts of flexibility of labor law. Considering
all the circumstances of economic globalization and industrial relations as well as their
transformations. Sticking more precisely, the analysis of flexibility and flexicurity in French
labor law. Contrasting with situations of economic survival of organizations in times of
financial crisis with respect to the mandatory minimum guarantees human dignity of workers.
KEY-WORDS: European economic crisis. Changes in work organization. Flexibility.

1
Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba. Especialista
em Direito e Processo do Trabalho do Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba. Graduada em Direito pelo
Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba. Graduada em Administração pela Universidade Federal do Paraná -
UFPR. Advogada. Administradora. Curitiba-PR. E-mail: naraferbor@gmail.com.
2
Mestranda em Direito, linha: Estado, Atividade Econômica e Desenvolvimento Sustentável, pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná – PUC/PR. Graduação em Direito pelo Centro Universitário Curitiba –
Unicuritiba. Especialista em Direito Civil pela Escola da Magistratura do Paraná. Advogada concursada da
Caixa Econômica Federal e membro da Comissão de Advogados Empregados na Administração Pública,
Indireta e Regimes Especiais, Gestão 2010/2012.

35
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Flexicurity. Collective bargaining. Convention 154 of the ILO. French labor law.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Crise econômica europeia e as transformações na


organização do trabalho; 3. Flexibilização e flexissegurança e tempos de crise
econômica; 4. Flexibilização, crise econômica, negociação coletiva e Convenção nọ 154 da
OIT; 5. Direito do Trabalho francês diante da crise; 6. Considerações finais; 7.
Referências.

1. INTRODUÇÃO

O mundo contemporâneo passa por uma crise econômica que acarreta uma transição
gerada pela necessidade de adequação das corporações a métodos eficientes de concorrência
envolta em uma situação de revolução tecnológica geradora de mudanças na organização da
produção e do trabalho.
Nessa conjuntura, brota a discussão acerca da necessidade de flexibilização das
relações laborais para o enfrentamento de dificuldades mercadológicas e econômicas.
Isto porque há uma polêmica entre o Estado Social e o Estado Liberal, pois,
enquanto os liberais pregam a omissão do Estado, permitindo a desregulamentação da
legislação trabalhista para que as condições de trabalho sejam ditadas pelas leis do mercado;
os defensores do Estado Social advogam a intervenção do Estado nas relações laborais para a
efetivação dos princípios da justiça social e da preservação da dignidade humana. Impera o
conflito entre estas diferentes formas de atuação estatal na atividade econômica mundial.
A flexibilização das normas trabalhistas visa assegurar um conjunto de regras
mínimas ao trabalhador e, em contrapartida, garantir a sobrevivência da empresa, por meio da
modificação de comandos legais, de modo a outorgar aos trabalhadores certos direitos
mínimos e ao empregador a possibilidade de adaptação de seu negócio, mormente em épocas
de crise econômica.
Toda esta transformação e preocupação se iniciaram com o advento da Revolução
Industrial, tendo em vista que a sociedade vislumbrou a exploração do trabalho por meio de
baixos salários e excessivas jornadas que desencadearam muitos acidentes, alguns inclusive
fatais.
Como resposta aos problemas sociais ocasionados, o Estado passou a intervir na
regulamentação do trabalho mediante normas dotadas de princípios próprios, não encontrados
na legislação civil, tais como o da proteção ao trabalhador e o da irrenunciabilidade, surgindo,

36
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

assim, o Direito do Trabalho.


Partiu-se do pressuposto de que o garantismo aos empregados nas relações de
trabalho deveria ser proporcionado pelo Estado, através da implantação de legislações
benevolentes à classe trabalhadora.
Entretanto, a economia mundial tem sido transformada em razão de muitos fatores e
crises, o que acaba por afetar as relações trabalhistas.
Dentre outras circunstâncias destacam-se a globalização e o consequente
abrandamento das barreiras alfandegárias; o surgimento de grandes pólos de comércio como,
por exemplo, o Mercado Comum do Sul (Mercosul), a Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA) e o Mercado Comum Europeu; a crise do petróleo iniciada entre 1973/74, o
desenvolvimento tecnológico, a crise imobiliária de 2008 nos Estados Unidos e a atual crise
econômica na Europa.
O aumento da concorrência entre os países com a ampliação do mercado de
consumo, a pretensão de maior competitividade no preço final de produtos e serviços, bem
como a necessidade de combater o desemprego em razão de crises econômicas e da
automação, promovem debates acerca da atualização das legislações trabalhistas.
Em contraponto ao modelo clássico de intervenção do Estado por intermédio das
legislações do trabalho, indaga-se a respeito da desregulamentação de determinadas matérias
ou, ao menos, da crescente flexibilização de normas trabalhistas, como forma de adaptação do
sistema legal de cada país à atualidade da economia mundial.
Desse modo, o presente trabalho inicia abordando as causas da crise economica
mundial em decorrência do sistema de hipotecas “subprime”, com seus reflexos à União
Européia. Analisa a flexibilização de direitos trabalhistas, a qual é denominada na Europa de
flexissegurança. Após, é ressaltada a importância da negociação coletiva para possibilitar um
modo alternativo de fixação de condições de trabalho, o que se coaduna com a Convenção nọ
154 da OIT – Organização Internacional do Trabalho. Por fim, destaca as medidas adotadas
na França como resposta à crise no mercado de trabalho, que objetivam contribuir para o
crescimento econômico francês.

2. A CRISE ECONÔMICA EUROPEIA E AS TRANSFORMAÇÕES NA


ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Toda a crise econômica mundial iniciou-se no ano de 2001 com a chamada "bolha

37
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

da Internet".3 Assim, para proteger os investidores, os americanos decidiram orientar os


investimentos para o setor imobiliário.
De modo a estimular tais investimentos, baixaram as taxas de juros e reduziram as
despesas financeiras4, além de induzir os intermediários financeiros e imobiliários a estimular
ao investimento em imóveis, principalmente pelo fato de o governo garantir tais
investimentos.
Frente a tal situação, os bancos de diversos países pelo mundo foram seduzidos e
emprestaram dinheiro a imobiliárias que possuíam autorização para captar empréstimos em
qualquer lugar do mundo.
Este era o chamado sistema das hipotecas “subprimes”, ou seja, de empréstimos
hipotecários que possuíam alto risco e taxa variável, pois eram concedidos a clientes que não
possuíam garantias suficientes para tal investimento.5
Juntamente com tais hipotecas, foram criados derivativos negociáveis no mercado
financeiro de modo a securitizá-las, transformando-as em títulos livremente negociáveis e que
seriam lastreados pelas hipotecas e vendidos a outras instituições financeiras, sejam elas
bancos, ou companhias de seguros ou fundos de pensão.6
Ocorre que, de modo a tentar reduzir a inflação, as taxas de juros foram aumentadas
desregulando o sistema. Assim, o preço dos imóveis desabou, impossibilitando o
refinanciamento para aqueles clientes que não possuíam garantias, tornando-se inadimplentes.
Os títulos derivativos não poderiam mais ser negociados, de modo que se buscava
passá-los para frente a qualquer preço, gerando um efeito dominó que balançou todo o sistema
bancário internacional em 2007.
Isto é, a globalização permitiu aos EUA absorver toda a poupança mundial,
consumindo muito mais do que conseguia produzir, gerando um déficit. Ainda mais pelo fato
de seus mercados financeiros impelirem os consumidores a empréstimos permitindo o

3
“A Grande Recessão tem seu histórico em 2001 quando a ‘bolha da internet’ estourou. A bolha da internet foi
um fenômeno em que empresas abriram o mercado na internet e causaram uma supervalorização de suas cotas na
bolsa de valores NASDAQ. Houve, então, um aumento de investimentos em um mercado especulativo, que
ampliou a curva de valorização destas empresas na NASDAQ. Imediatamente, o mesmo índice que subira a
5000 pontos, despencou a 2000, sofrendo uma desvalorização de 150%, em questão de dias”. AFONSO,
Jaqueline Ganzert. BRICS e o rumo de uma liderança inexistente. Conjuntura Global, Curitiba, Vol. 2, n.1,
jan./mar., 2013, p. 19‐23.
4
“A partir de 2001, com taxas de juros baixas, houve a expansão no setor imobiliário nos EUA. O clima de
euforia era contagiante. O FED (o Banco Central americano), em 2003, fixou os juros em 1% ao ano - menor
taxa desde o fim dos anos 50”. FABIANO, Isabela Márcia de Alcântara; RENAULT, Luiz Otávio Linhares.
Crise financeira mundial: tempo de socializar prejuízos e ganhos. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo
Horizonte, v.48, n.78, p.195-217, jul./dez.2008.
5
KRUGMAN, Paul; WELLS, Robin. Introdução à economia. Trad. de Helga Hoffmann. 2 ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2011, p. 711.
6
Ibidem, p. 712.

38
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

endividamento.
Os instrumentos financeiros ficaram tão complexos que as autoridades
governamentais foram incapazes de avaliar os riscos e passaram a utilizar os sistemas de
administração de riscos dos bancos privados.
As empresas de análise de crédito se fundamentavam nas mesmas informações o que
gerou uma enorme crise, pois a análise foi feita erroneamente.
Assim, diante da globalização e do mercado de ações estrangeiros, verifica-se que a
crise econômica europeia é uma consequência da crise americana que se iniciou em 2008 e se
estende até o presente momento gerada pela quebra de instituições financeiras no processo
chamado de "crise dos subprimes".7
Tal crise é também chamada de Grande Recessão, tendo em vista ser um
desdobramento da crise financeira internacional oriunda da falência do banco de investimento
estadunidense Lehman Brothers seguida pela quebra da maior seguradora americana,
American International Group (AIG).
Desta feita, torna-se claro que a presente crise gira em torno do crédito concedido a
quem não deveria e, desde 2008, levou à falência muitas instituições financeiras não só nos
EUA, mas em diversos países da Europa.
A crise é consequência da confiança na capacidade de auto-regulação dos mercados,
de Adam Smith, e na falta de controle das atividades de agentes financeiros.8 Afetou todos os
países europeus gerando impacto social significativo, com a falência de diversas
organizações, aumento do desemprego e da pobreza.
Em síntese, o início da crise ocorreu com os empréstimos de créditos “subprime” de
bancos americanos, tendo em vista que havia tanto excedente de numerário e pretensão de
maximização de lucro que os bancos passaram a adotar uma política arrojada de oferta de
empréstimo pessoal. Seguindo-se a isto, o consumidor estava empolgado em assumir
empréstimos diante da flexibilização das garantias e fianças, incentivada pelo Estado

7
“As bolhas especulativas no mercado imobiliário e nas bolsas de valores, uma regulamentação financeira quase
inexistente e uma pletora de inovações financeiras conspiraram para criar uma grande bolha que, ao estourar,
preparou o cenário para o quase colapso do sistema financeiro em Wall Street, uma diminuição brutal na
atividade econômica e uma recessão mundial. As muitas e estranhas semelhanças entre a crise atual e a
catástrofe da primeira metade do século XX não são coincidência: as mesmas forças que propiciaram a Grande
Depressão estiveram em ação nos anos que levaram à nossa própria ‘Grande Recessão’.” ROUBINI, Nouriel;
MIHM, Stephen. A economia das crises: um curso-relâmpago sobre o futuro do sistema financeiro
internacional. Trad. de Carlos Araújo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010, p. 22.
8
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A crise financeira global e depois: um novo capitalismo? Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002010000100003> Acesso em: 19 dez.
2012.

39
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Neoliberal.9
Tal situação acarretou uma crise de confiança, tendo em vista que as empresas
deixaram de expandir; os lucros caíram e as dispensas coletivas de empregados tornaram-se a
alternativa para baixar custos.
Assim, o aumento de desempregados gerou uma diminuição do consumo, o que
refletiu negativamente no PIB (Produto Interno Bruto) e despencou os preços das ações.
As causas da crise foram o endividamento público elevado e a falta de coordenação
política da União Europeia para resolver questões de endividamento das nações do bloco.
Dentre as consequências da crise pode-se apontar o escoamento de capitais de investidores; a
insuficiência de crédito; a elevação da taxa de desemprego; a insurgência popular contra as
medidas de redução de gastos adotadas pelos países na tentativa de combater a crise,
decréscimo de “ratings” e, ainda, reflexos negativos no PIB (Produto Interno Bruto). 10
Frente a tal crise, diversas medidas foram tomadas pela União Europeia, como por
exemplo a implementação de um pacote econômico anticrise; a maior participação do FMI e
do Banco Central Europeu; a ajuda financeira aos países com mais dificuldades econômicas e
a definição de um Pacto Fiscal.
Tendo em vista que o Direito do Trabalho tem sua condição de possibilidade
indexada à economia, verifica-se que as conquistas trabalhistas dependem de ambientes
econômicos com excedentes, ou seja, um ambiente econômico favorecido possui maior
possibilidade de ter mais direitos sociais, mas tal assertiva não é uma regra.
Uma exceção pode ser vislumbrada com o crescimento econômico do primeiro
período da Revolução Industrial trouxe poucos benefícios sociais e muita pobreza, situação
que impôs ao Direito do Trabalho uma posição defensiva com rigidez legal para proteção de
direitos mínimos.
Mas diante da crise, importante se fez a tentativa de adaptação à nova realidade, com
a transformação das regras laborais, de modo que as necessidades de natureza econômica
acabam por explicar a postergação de alguns dos direitos dos trabalhadores.

9
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. O Direito do Trabalho em tempos de crise econômica. Disponível
em <http://www.conjur.com.br/2009-jun-03/desafios-direito-trabalho-tempos-crise-economica> Acesso em: 19
dez. 2012.
10
ALEGRÍA, Felipe. A Europa e a crise econômica mundial. Trad. de Cecília Toledo. Marxismo Vivo - Nº
20 – 2009, p. 52-66.

40
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

3. FLEXIBILIZAÇÃO E FLEXISSEGURANÇA EM TEMPOS DE CRISE


ECONÔMICA

Quando se discute a respeito de crise econômica normalmente emergem outros


temas, quais sejam, a desregulamentação e a flexibilização das leis trabalhistas, sob o
argumento da necessidade de manutenção do nível de emprego, sendo este objeto de
preocupação nos períodos de crise econômica.
A flexibilização difere da desregulamentação da norma trabalhista. Enquanto esta é a
ausência ou falta de regulamentação, aquela constitui a adaptação da norma a determinadas
situações, tornando-a maleável. Alice Monteiro de Barros explica que a flexibilização pode
ser interna ou externa.11
A primeira, a flexibilização interna se refere à ordenação do trabalho na empresa, à
mobilidade funcional e geográfica, bem como à modificação substancial das condições de
trabalho, do tempo de trabalho, da suspensão do contrato e da remuneração. Sob essa ótica se
enquadram, por exemplo, o trabalho em regime de tempo parcial (art. 58-A da CLT) e a
suspensão do contrato disciplinada pelo art. 476-A da CLT.
Já a segunda, a flexibilização externa, é atinente ao ingresso do trabalhador na
empresa, às modalidades de contratação, de duração e dissolução do contrato, à
descentralização e formas de gestão de mão de obra, tais como subcontratos, empresa de
trabalho temporário e a terceirização de serviços conforme Súmula 331 do TST. Também se
relaciona à inserção do trabalhador no regime do FGTS, o que afastou a possibilidade de
adquirir estabilidade no emprego e, ainda, à ampliação do rol de contratos determinados (Lei
nọ 9.601/98 e Lei nọ 6.019/74).
Na Europa se utiliza o termo flexissegurança (“flexisecurité” ou “flexisecuridad”)
para a adoção de políticas públicas relativas ao seguro desemprego e diminuição da
estabilidade no emprego. Refere-se a uma tendência de buscar a combinação entre
flexibilidade e segurança.
Vólia Bomfim Cassar entende que a flexissegurança se fundamenta numa relação
triangular, composta por um mercado flexível pela desregulamentação das regras trabalhistas,
por sistemas de indenização benéficos propiciados por um Estado Social e também por
“política estatal de ‘ativação’ do mercado de trabalho, isto é, o Estado oferece cursos de
qualificação e métodos de motivação à procura de novo emprego”.12

11
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 6ª ed., 2010, p. 87.
12
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 5. ed., 2011, p. 33.

41
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Assim, referido modelo que progride na Europa desde 1990, almeja a conciliação de
interesses antagônicos entre Estado, trabalhadores e empresários,

[...] já que estes clamam pela necessidade de redução dos custos da mão de obra e
reclamam do excesso de proteção legal ou coletiva (instrumentos coletivos) aos
trabalhadores, que prejudicou o crescimento econômico de alguns países, garantindo
ao trabalhador, em troca, acolhimento social público, tanto no que diz respeito à
percepção de um seguro-desemprego por longo tempo, como o preparo e
profissionalização para nova colocação no mercado.13

Para exemplificar, a autora expõe situação ocorrida na Espanha:

Na Espanha, um acordo confederal de 1997 ampliou as hipóteses das causas de


dispensa por motivo econômico, reduzindo o custo da despedida e o número de
hipóteses de dispensa imotivada. Meses depois, foi garantido aos trabalhadores
temporários um salário equivalente àquele praticado na empresa cliente. 14

De acordo com Souto Maior, ao analisar as complexidades das relações atuais é


preciso perceber que determinadas mudanças são apenas aparentes, pois diferem de antigas
premissas somente quanto à nomenclatura e encobrem as mesmas pretensões e justificativas.

À onda de redução de direitos trabalhistas apelidou-se, eufemisticamente,


flexibilização, que abalou a efetividade dos princípios da irrenunciabilidade e da
irredutibilidade.
Pela utilização de palavras mais dóceis para uma mesma situação procurou-se
burlar a regra fundamental do Direito do Trabalho de perseguição da melhoria
progressiva da condição econômica e social do trabalhador, e, presentemente,
como a palavra flexibilização caiu em desgraça, visto que sua retórica foi
percebida, já se fala em flexissegurança (flexisecurité, flexisecuridad), que, para os
europeus, significa discutir a possibilidade de trocar o direito de estabilidade no
emprego pelo implemento de uma política pública de seguro-desemprego com
prazos bastante longos (em alguns casos, sem prazo definido, como na Dinamarca),
mas que foi traduzida no Brasil pelos adeptos da desregulamentação, espertamente,
como mera intensificação da flexibilização, já que não temos, sob o ponto de vista
da teoria dominante, a estabilidade no emprego.15

Consoante Marco Antônio César Villatore, “a flexibilização do Direito do Trabalho


é um fenômeno mundial que se intensifica de forma rápida e, principalmente, em razão do
constante aumento do índice de desemprego”.16

13
Ibidem, p. 33.
14
Ibidem, p. 33.
15
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. “A supersubordinação - invertendo a lógica do jogo”. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v.48, n.78, p.157-193, jul./dez.2008, p. 161.
16
VILLATORE, Marco Antônio César. Flexibilização do Direito do Trabalho - Novidades na União Europeia.
Disponível em <http://www.trt9.jus.br/apej/artigos_doutrina_macv_05.asp> Acesso em: 19 dez. 2012.

42
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Há quem sustente que a flexibilização, como tendência irreversível, implica no


abandono da demasiada preocupação com o empregado individualmente considerado em prol
da maior empregabilidade e do desenvolvimento econômico, nos seguintes termos:

A flexibilização é uma tendência irreversível do Direito do Trabalho moderno e não


significa necessariamente uma diminuição do arcabouço protetivo do trabalho, mas,
tão-somente, uma mudança na forma de conduzir a prestação de serviços.
Abandona-se a preocupação exacerbada com o trabalhador, individualmente
considerado, e volta-se, cada vez mais, para a empregabilidade e o desenvolvimento
econômico uniforme. Obviamente, tais medidas não são capazes de equacionar
problemas estruturais graves, como a má distribuição de renda, todavia, possibilitam
o tão decantado desenvolvimento econômico - verdadeiro gerador de empregos.17

Nesse aspecto, existe o entendimento segundo o qual atualmente o empregado detém


um alto custo para o empregador, o que gera aspectos negativos como o alto índice de
desemprego e os baixos salários, conforme segue:

O alto custo que hoje representa um empregado a qualquer empregador acaba por
resultar em aspectos efetivamente negativos ao trabalhador, tais como:
a) alto índice de desemprego, pois as empresas diligentes acabam preferindo manter
reduzido o seu quadro de empregados e buscar outros meios de aumento da
produtividade – automação, por exemplo;
b) baixos salários, pois os empregadores, dentro de seu orçamento, acabam
reservando valores para eventual necessidade de novas contratações e, considerada a
questão do direito à equiparação salarial, não pagam o que poderiam pagar aos seus
empregados, pois sabem que, quando da necessidade de novas contratações, terão
que arcar com o mesmo custo no que tange aos novos empregados.18

Assim, busca-se a diminuição do âmbito de incidência do ordenamento jurídico


trabalhista para aumentar o campo dos conflitos que podem ser solucionados por negociação
coletiva entre as partes.
Para Vólia Bomfim Cassar, flexibilizar implica a manutenção das condições
mínimas de trabalho mediante intervenção do Estado nas relações trabalhistas, como
mecanismo aplicado somente quando houver convergência, no caso concreto, entre os reais
interesses de empregadores e empregados.19
A harmonização de interesses pode ocorrer diante da difícil situação enfrentada pela
empresa – que ameaça a continuidade do negócio, indicando a eliminação de postos de
trabalho – para evitar a drástica perda da renda e repentina diminuição do padrão de vida de

17
MAGALHÃES, Maria Lúcia Cardoso de. Um novo olhar sobre o TTP - trabalho a tempo parcial Disponível
em <http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_76/Maria_Magalhaes.pdf> Acesso em: 19 dez. 2012.
18
MAISTRO JUNIOR, Gilberto Carlos; CASTRO, José Antonio Fernandes. ”A flexibilização dos direitos
trabalhistas como forma de combate ao desemprego”. Revista BONIJURIS, ano XV, nº 474, Maio/2003, p.
10.
19
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 5. ed., 2011, p. 35/36.

43
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

empregados.
Nesse arriscado contexto e pairando a incerteza de retorno ao mercado, o
trabalhador, representado pelo sindicato, conscientemente optaria por sacrificar alguns
direitos com a finalidade de se manter empregado.
A negociação coletiva possibilita as empresas e aos empregados um modo
alternativo de fixação das condições de trabalho, porém, para complementar o ordenamento
jurídico e para adaptar as normas às especificidades da região e do setor econômico
envolvidos, pois necessária a intervenção do Estado, mesmo que seja para instituir direitos
mínimos e normas gerais sem as quais não há trabalho digno.
Desta forma, importante destacar que para evitar afronta ao princípio da dignidade
humana, devem ser estabelecidos limites à flexibilização.
Se a flexibilização for admitida como recurso imprescindível para a continuidade da
empresa, há que se verificar se a crise econômica de fato está causando efetivo prejuízo ao
empreendimento, ao ponto de impossibilitar sua continuidade ou de desencadear sucessivas
dispensas, ou se o caso se trata apenas de aumento da margem do lucro já existente.

[...] a tendência entre os doutrinadores é na direção da flexibilização como solução


para os conflitos sociais gerados pelo desemprego crescente, sempre de forma
responsável, sem abuso e desde que a empresa comprovadamente esteja
atravessando grave crise econômica. A flexibilização não pode servir de fundamento
para aumentar o lucro ou o enriquecimento dos sócios, mas para a manutenção da
saúde da empresa e, consequentemente, do nível de emprego.20

Acaso possibilitada a flexibilização, ressalta-se que devem ser evitadas medidas de


flexibilização adotadas de forma generalizada e independente de prévia análise das
circunstâncias econômicas de cada setor ou atividade empresarial.
Não se pode permitir a redução de direitos trabalhistas duramente conquistados
apenas para privilegiar a competitividade de determinada empresa. Historicamente,
movimentos econômicos e sociais “determinaram a necessidade de surgimento da tutela do
direito do trabalho como instrumento de garantia do bem-estar social”. 21
É cediço que a negociação com o objetivo de reduzir o patamar mínimo de direitos
confere indene precarização e prejuízo à classe trabalhadora, pois contraria as grandes
mobilizações da humanidade vislumbradas na história das conquistas de direitos relativos à

20
Ibidem, p. 34.
21
ERCOLE FILHO, Roggi Attilio. A tutela constitucional dos direitos dos trabalhadores como instrumento do
bem-estar. In HASSON, Roland. Direitos dos trabalhadores & direitos fundamentais, Curitiba: Juruá, 2009,
p. 165.

44
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dignidade, através de greves e árduos enfrentamentos.


Assim, quando se trata de flexibilização ou flexissegurança não se pode deixar de
lado a função essencial do Direito do Trabalho, qual seja, de melhoria da condição social e
econômica do trabalhador.

4. FLEXIBILIZAÇÃO, CRISE ECONÔMICA, NEGOCIAÇÃO


COLETIVA E CONVENÇÃO Nọ 154 DA OIT

O ordenamento jurídico brasileiro, clássico ou tradicional, detém como efeito básico


na sistemática de solução de conflitos trabalhistas suprimir ou reduzir a regulação pela própria
sociedade para enfatizar a regulação pelo Estado.
Consoante Mauricio Godinho Delgado, a negociação coletiva e seus instrumentos
clássicos no modelo jurídico brasileiro não possuem função decisiva. Isto é, enquanto em
outros países prevalece a administração dos conflitos pelas partes envolvidas (auto-
administração), no Brasil prepondera a sistemática de solução dos conflitos sociais pelo
Estado (heteroadministração).

De fato, no modelo jurídico brasileiro tradicional jamais foi decisivo o papel da


negociação coletiva e seus instrumentos clássicos (convenção coletiva do trabalho,
contrato coletivo e acordo coletivo), a par de outros mecanismos de normatização
autônoma – como àqueles ínsitos à representação obreira na empresa. Em termos
comparativos, enquanto no padrão justrabalhista democrático dos países centrais há
uma hegemonia das formas de auto-adminstração dos conflitos sociais, na história
justrabalhista brasileira sempre preponderou uma dominância inconteste da
sistemática de heteroadministração dos conflitos sociais, fundada no Estado.22

Sob esse aspecto, pretende-se através da flexibilização diminuir o âmbito de


aplicação da legislação trabalhista para aumentar o campo das matérias que podem ser
tratadas por negociação entre as partes, atenuando os limites impostos pelo ordenamento
jurídico.
Tal entendimento objetiva a redução de direitos normativamente estabelecidos pelo
Estado, com o deslocamento da solução de conflitos para as negociações diretas pelas partes
por meio de acordos e convenções coletivas.
Uma das formas de combate apresentadas contra a crise econômica é a redução dos
direitos trabalhistas, que pode ser delineada como a regulação das relações laborais pelos

22
GODINHO, Mauricio Delgado. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 122/123.

45
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

sindicatos representantes dos trabalhadores e pelas empresas, estas diretamente ou por


intermédio do sindicato patronal, sem sujeição ao Estado.
A regulação do trabalho pelas partes a fim de atender aos seus interesses mediante
recíprocas concessões pode ser uma medida eficaz para a solução de conflitos e para a
atenuação da crise econômica, possibilitando a continuidade de empresas.
Partindo dessas premissas, a flexibilização atenderia ao disposto na Convenção nọ
154 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, promulgada pelo Decreto nọ 1.256, de
29 de setembro de 1994, a qual trata do incentivo à negociação coletiva e se refere a todos os
setores da atividade econômica.
Quanto ao âmbito de aplicação, a Convenção estabelece que o ordenamento jurídico
ou as práticas nacionais podem determinar a amplitude das garantias previstas na Convenção
em relação às Forças Armadas e à Polícia, bem como podem estipular modalidades
específicas de aplicação à Administração Pública.
Negociação coletiva, nos termos da referida norma internacional, abrange todas as
negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de
empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte,
uma ou várias organizações de trabalhadores, com finalidade de estipular as condições de
trabalho e emprego, regular as relações entre empregadores e trabalhadores ou regular as
relações entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de
trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.
Entretanto, a Convenção expõe que o ordenamento jurídico pátrio ou a prática
nacional poderão determinar o alcance da expressão "negociação coletiva" às negociações
com os representantes dos trabalhadores, devendo ser adotadas, caso necessário, medidas
apropriadas para garantir que a existência destes representantes não seja utilizada em
detrimento da posição das organizações de trabalhadores interessadas.
A Convenção estabelece que as suas disposições devem ser implementadas por meio
da legislação pátria que possibilite a todos os empregadores e a todas as categorias de
trabalhadores a negociação coletiva, a extensão progressiva desta a todas as matérias a que se
referem os anexos “a”, “b” e “c”, do seu artigo 2ọ, bem como a fixação de normas de
procedimento acordadas entre as organizações de empregadores e as organizações de
trabalhadores.
Destaca-se que em seu art. 4ọ, a Convenção dispõe que a negociação coletiva não
deve ser impedida em razão da inexistência ou do caráter impróprio da legislação nacional e,
ainda, que os órgãos e os procedimentos de resolução dos conflitos trabalhistas contribuam

46
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

para o estimulo à negociação coletiva.


Nesse diapasão, a norma internacional determina a adoção de medidas adequadas às
condições nacionais para o estímulo à negociação coletiva, com a provisão pelo Estado
membro de instituições de conciliação e de arbitragem, ou de ambas, para a participação
voluntária das partes na negociação coletiva.
Por fim, ressalta que as medidas previstas para estimular a negociação coletiva não
devem ser concebidas ou utilizadas de modo a obstruir a liberdade de negociação coletiva.
Porém, expõe que as medidas adotadas pelas autoridades públicas para incentivar o
desenvolvimento da negociação coletiva devem ser objeto de consultas prévias e, quando
possível, de acordos entre as autoridades públicas e as organizações patronais e as de
trabalhadores.
Desta forma, considerando que Convenção nọ 154 da OIT dispõe acerca do estímulo
à negociação coletiva e, principalmente, da não obstrução da liberdade de negociação
coletiva, pode-se defender que a flexibilização – como proposta para incentivar a
regulamentação das relações laborais pelas partes e seus representantes – atende ao
cumprimento da norma internacional.
Luiz Eduardo Gunther, ao tratar da importância do estudo das normas da OIT pelo
Magistrado da Justiça do Trabalho, expõe que a Organização Mundial do Trabalho “detecta
os problemas e propõe soluções na área trabalhista para o mundo inteiro”, de modo que
questões trabalhistas “são vistas e resolvidas de forma global”.23
A partir da diversidade de legislações trabalhistas entre países, com variados níveis
de direitos assegurados aos trabalhadores, surge um interesse pelo respeito de direitos e
relações trabalhistas para além das fronteiras de cada país, mormente considerando a
globalização e a multinacionalização de empresas.
Nesse ponto merece destaque a atuação da Organização Internacional do Trabalho –
OIT, para a promoção em alguns países e para a manutenção em outros, de um patamar
mínimo de direitos dos trabalhadores a fim de garantir dignas condições de labor.
O fundamental sentido da OIT é “reunir elementos de convicção, analisá-los e
apresentar estudos consistentes com o objetivo de equilibrar as relações entre o capital e o
trabalho”.24
Assim, a Convenção nọ 154, ao estimular a negociação coletiva, não está orientando
a redução do patamar mínimo de direitos trabalhistas já previstos na legislação do Estado

23
GUNTHER, Luiz Eduardo. A OIT e o direito do trabalho no Brasil. Curitiba: Juruá, 2011, p. 13.
24
Ibidem, p. 26.

47
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Membro, pois inclusive expõe que a adoção de medidas de incentivo à negociação coletiva
devem ser adequadas às condições nacionais.
Ademais, em razão da diversidade de Estados Membros componentes da OIT, sua
linguagem costuma ser diplomática e plástica.25 Sob este aspecto, não é possível afirmar
categoricamente que a mencionada Convenção, para o cumprimento das suas disposições,
pugna pela diminuição das garantias aos trabalhadores.
Defensores da corrente do neoliberalismo sustentam que o ordenamento jurídico
trabalhista dificulta a gestão empresarial e pode obstar o crescimento econômico.

Nota-se que os defensores da corrente neoliberalista, entendem que a causa da


quebra financeira das empresas é devido ao fato destas serem obrigadas aos
pagamentos dos elevados encargos trabalhistas, dificultando a gestão empresarial e o
crescimento econômico. Nesse sentido, muitos empresários e sindicatos, têm
insistido na tese de que a negociação coletiva deve prevalecer, especialmente em
momentos como este, de crise financeira mundial.26

Para estes, a flexibilização fomenta a elaboração de um sistema jurídico direcionado


a valorizar a negociação entres as partes, em oposição a um sistema rígido de solução de
conflitos. Partem do pressuposto da existência de um ordenamento jurídico rígido e da
necessidade de criação de mecanismos para adaptações que confiram uma maleabilidade à
dinâmica da economia.
A função do Estado nas modernas relações de trabalho é trazida à baila, com o
objetivo de atenuar a contemporânea rigidez das normas do Direito do Trabalho para ampliar
a força normativa das disposições originadas por negociações coletivas entre os trabalhadores,
sendo estes representados pelos sindicatos, e o empregador, cuja representação por entidades
sindicais patronais é facultativa.
Todavia, observa-se que a flexibilização não configura meramente a adaptação da
norma jurídica trabalhista e, sim, a diminuição de direitos conquistados da classe proletariada,
pois o discurso surge a partir do pressuposto de que os encargos trabalhistas são elevados e
favorecem a quebra de empresas em tempos de crise econômica.
Deve-se considerar que “a noção de trabalho ultrapassa a dimensão puramente
econômica e torna-se uma categoria antropológica: o homem tem natureza, e o trabalho é

25
Ibidem, p. 13.
26
SILVA, Elisa Maria Nunes da. Flexibilização das normas trabalhistas em meio de crise econômica
mundial. Disponível em <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8458> Acesso em: 20 dez. 2012.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

uma das suas atividades essenciais”.27 Isto porque a ausência de subordinação ao


ordenamento jurídico e ao Estado pode ensejar o desatendimento às garantias mínimas
necessárias para a promoção da dignidade humana.

5. DIREITO DO TRABALHO FRANCÊS DIANTE DA CRISE

Desde 2008 a economia francesa se encontra fortemente atingida pela crise


econômica, a qual desencadeou o declínio da indústria, déficit comercial, mau estado das
finanças públicas, a diminuição do poder de compra e o aumento do desemprego, entre outros
fatores.
O país enfrenta a grande destruição de postos de trabalho e queda de emprego de
considerável amplitude, acompanhada de tenso clima social.
Dados de 2011 demonstraram o crescimento do número de desempregados na
França, maior que o registrado no mesmo período de 2010. Em novembro de 2011 o
quantitativo de desempregados foi o pior dos últimos 12 anos e atingiu, conforme o Ministério
do Trabalho do país, 2,8 milhões de pessoas – o que configura uma elevação de 1,1% em
comparação ao mês anterior (outubro) e representa quase 30 mil pessoas a mais em busca de
emprego.28
Em razão do desemprego ocasionado pelo crescimento econômico insuficiente, o
poder de compra da população diminui cada vez mais, o que causa a estagnação da economia.
Essa queda do consumo reduz as receitas do imposto único (IVA) de forma que agrava o já
grande déficit nacional.29
Além disso, “não podemos esquecer o círculo vicioso que é gerado em uma
sociedade com nível alto de desemprego e de falta de estabilidade, desaquecendo a economia
e sendo um fator agravante de mais desemprego”.30
Nesse difícil contexto, o termo modernização passa a ser muito usado na França.
Consoante Sylvaine Laulom, surge o entendimento de que a legislação trabalhista é
inadequada para uma nova realidade econômica e social, sendo transmitida a ideia de um
direito do trabalho economicamente ineficiente e em parte responsável pelo fraco
27
GASDA, Élio Estanislau. Trabalho e capitalismo global: atualidade da doutrina social da igreja. São Paulo:
Paulinas, 2011, p. 48.
28
Disponível em <http://revistaepoca.globo.com/Negocios-e-carreira/noticia/2011/12/crise-economica-deixa-28-
milhoes-de-desempregados-na-franca.html> Acesso em: 23 ago. 2012.
29
Disponível em <http://www.onip.org.br/noticias/sintese/a-crise-economica-na-franca/> Acesso em: 23 ago.
2012.
30
VILLATORE, Marco Antônio César. Reforma Trabalhista e Duração do Trabalho. Disponível em
<http://www.aatpr.org.br/Artigo_1.pdf> Acesso em: 19 dez. 2012.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

desenvolvimento econômico e por uma redução muito lenta da taxa de desemprego. 31


O mercado de trabalho francês é caracterizado por uma maior mobilidade dos
trabalhadores em razão de períodos alternados de atividade e inatividade. A mobilidade é
acompanhada por dificuldade na integração de determinados grupos (jovens e desempregados
por longo período), enquanto alguns setores da economia detém conhecida dificuldades de
recrutamento.
Segundo exposto por Sylvaine Laulom, esta profunda transformação do mercado de
trabalho, no entanto, não se traduz em uma modernização suficiente de disposições legais e
contratuais francesas.
A solução proposta naquele país é uma modernização profunda do mercado de
trabalho “para assegurar um novo equilíbrio, que pode combinar ao mesmo tempo o
desenvolvimento da empresa, a mobilidade laboral inerente às mudanças econômicas e
segurança dos trabalhadores”, conforme abaixo.

Così secondo il documento d'orientamento il mercato del lavoro francese sarebbe


caratterizzato da una mobilità crescente dei lavoratori, che alternano periodi di
attività e di inattività, mobilità che si accompagna a difficoltà di inserimento di certe
categorie (giovani, disoccupati di lunga durata), mentre alcuni settori dell'economia
conoscono difficoltà di reclutamento. “Questa profonda trasformazione del mercato
del lavoro non si traduce tuttavia in una modernizzazione sufficiente delle nostre
disposizioni che siano legislative o contrattuali". Il rimedio proposto è “a
modernizzazione in profondità del nostro mercato del lavoro per garantire un nuovo
equilibrio suscettibile di conciliare allo stesso tempo lo sviluppo dell'impresa, la
mobilità del lavoro, inerente ai mutamenti economici, e la sicurezza dei
lavoratori".32

As autoridades públicas francesas passam a utilizar o Direito do Trabalho como


ferramenta para limitar os efeitos da crise econômica sobre o emprego. Essas medidas surgem
como resposta à crise no mercado de trabalho e objetivam contribuir para o crescimento
econômico francês, para a implantação da flexissegurança e para promover um diálogo social.
Há uma grande utilização do termo flexissegurança, sendo esta palavra emprestada
da União Europeia e significa a junção da flexibilidade em prol das empresas e da

31
LAULOM, Sylvaine. II diritto del lavoro francese di fronte alla crisi. In: LOY, Gianni (Org.). Diritto del
lavoro e crisi economica - misure contro l’emergenza ed evoluzione legislativa in Italia, Spagna e Francia.
Roma: EDIESSE, 2011, p. 141.
32
“Assim, segundo o documento de orientação, o mercado de trabalho francês seria caracterizado por uma
mobilidade crescente de trabalhadores, que alternam períodos de atividade e inatividade, mobilidade esta que
vem acompanhada de uma dificuldade de inserção de certas categorias (jovens, desempregados há muito tempo),
enquanto alguns setores da economia encontram dificuldade de recrutamento. ‘Esta profunda transformação do
mercado de trabalho não se traduz, todavia em uma grande modernização das nossas disposições tanto
legislativas quanto contratuais’. O remédio proposto é ‘a profunda modernização do nosso mercado de trabalho
para garantir um novo equilíbrio suscetível de conciliar ao mesmo tempo o desenvolvimento da empresa, a
mobilidade do trabalho, inerente às mudanças econômicas, e a segurança dos trabalhadores”. Ibidem, p. 144.

50
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

segurança/estabilidade para os empregados.


Foi editada a Lei sobre a modernização do mercado de trabalho, de 25 de junho de
2008, que na realidade, possui como conteúdo um acordo nacional interprofissional assinado
pelos principais sindicatos franceses em 11 de janeiro de 2008. Esse acordo resultou de um
novo método legislativo chamado diálogo social, consistindo no envolvimento de parceiros
sociais no processo legislativo francês.33
O governo francês convida parceiros sociais para tratar de qualquer projeto de
reforma que se refira a relações de trabalho individuais e coletivas, formação profissional e
ocupações. O governo fornece aos parceiros sociais um documento que contém dados
diagnosticados, objetivos a serem alcançados e as principais opções, denominado de
documento de orientação.

La modernizzazione consiste, in questo caso, nel coinvolgimento esplicito delle parti


sociali nel processo legislativo. In modo molto simbolico è attraverso questa nuova
procedura che si apre oggi lo stesso Code du Travail. Secondo il suo art, il governo
deve invitare le parti sociali a negoziare su ogni progetto di riforma proposto che
verta sui rapporti individuali e collettivi di lavoro, I'occupazione e la formazione
professionale. Ai fini della negoziazione il governo deve presentare alle parti sociali
un documento di orientamento che presenti gli elementi di diagnosi, gli obiettivi da
perseguire e le principali opzioni. La formalizzaziolle del ruolo delle parti sociali,
che le pone, secondo il linguaggio del disegno di Iegge, “nel cuore della
elaborazione delle riforme che riguardano il diritto del lavoro", non è evidentemente
slegato dal ruolo riconosciuto alle parti sociali dal diritto comunitario.34

Entretanto, o governo francês mantém a opção de invocar a urgência e adotar


medidas legislativas ou regulamentares sem passar por esse diálogo social.

Il governo conserva tuttavia un importante margine di manovra. Da una parte può


sempre invocare l’urgenza per poter adottare misure legislative o regolamentari
senza dover passare attraverso questo percorso concertativo e, dall'altra parte, il
Parlamento resta evidentemente libero di adottare le leggi senza essere vincolato da
questa procedura. Attualmente è in corso di discussione in Parlamento un disegno di
legge che estende anche ai testi di origine parlamentare questa procedura di

33
“A lei de 25 de junho de 2008 sobre a modernização do mercado de trabalho, retoma os conteúdos de um
Acordo Nacional Intercategorias (L’ANI) assinado pelas principais organizações sindicais, com exceção da
CGT, em 11 de janeiro de 2008. O Acordo ANI de janeiro de 2008 é fruto de um novo método legislativo
previsto na lei de 31 de janeiro de 2007 sobre a modernização do diálogo social”. Ibidem, p. 142.
34
“A modernização consiste, neste caso, no envolvimento explícito das partes sociais no processo legislativo. De
modo muito simbólico é através deste novo procedimento que se abre hoje o próprio Code du Travail. Segundo
seu artigo, o governo deve convidar as partes sociais para negociar cada projeto de reforma proposto que foque
em relações individuais e coletivas de trabalho, a ocupação e a formação profissional. Para fins de negociação o
governo deve apresentar às partes sociais um documento de orientação que apresente os elementos de
diagnóstico, os objetivos a serem atingidos e as principais opções. A formalização do papel das partes sociais,
que as definem, segundo a linguagem do projeto de lei, ‘no coração da elaboração das reformas que se referem
ao direito do trabalho’, não está evidentemente separado o papel reconhecido das partes sociais do direito
comunitário”. Ibidem, p. 143.

51
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

concertazione.35

Consoante Sylvaine Laulom, são adotadas ainda outras medidas, como a edição da
Lei de 20 de agosto de 2008, que alarga o âmbito da negociação coletiva. Na França apenas os
sindicatos representativos eram investidos do poder de negociar e celebrar instrumentos
coletivos e, com o advento da citada Lei, são redefinidos os atores sociais com direito a
negociar.

La legge, che ancora una volta si presenta come portatrice di uma


“modernizzazione", in questo caso delle relazioni industriali, interviene in un
momento in cui esiste un relativo consenso sulla necessita di riformare le condizioni
della rappresentatività, che in Francia consente l'accesso alla contrattazione
collettiva. In Francia, al di là di qualche eccezione, solo i sindacati rappresentativi
sono investiti del potere di negoziare e concludere contratti e accordi collettivi.(...)
La posizione comune definisce l'obiettivo di queste nuove regole: si tratta di
rafforzare la legittimità degli accordi siglati dalle organizzazioni sindacaIi dei
lavoratori nel quadro dell'ampIiamento del ruolo attribuito alla contrattazione
collettiva. È dunque in effetti iI rapporto contrattazione collettiva/legge che è in
gioco nella ridefinizione degli attori legittimati a negoziare. (…)L'obiettivo
dichiarato è quello di assicurare una maggiore legittimità agli accordi sindacali
conclusi. NeI tempo la Iegge potrebbe influenzare il paesaggio sindacale francese,
essendovi l'obiettivo di arrivare ad un ravvicinamento di alcune organizzazioni
sindacali. La Iegge contribuisce, inoltre, ad un ravvicinamento delle diverse strutture
di rappresentanza dei lavoratori in azienda: i rappresentanti eletti e i rappresentanti
sindacali. Nel tempo sarà addirittura la stessa distinzione tra rappresentanza elettiva
e sindacaIe che potrebbe essere toccata.36

Segundo Antoine Jeammaud, professor da Universidade de Lyon, na França, as


medidas adotadas quanto à negociação coletiva constituem importante ferramenta para o seu
país, expondo que “hoje em dia, é impressionante a importância do campo de negociação

35
“O governo conserva, todavia, uma importante margem de manobra. De um lado pode sempre alegar urgência
para poder adorar medidas legislativas ou regulamentais sem ter de passar por esse percurso de concentração e,
de outro lado, o Parlamento permanece evidentemente livre para adotar as leis sem estar vinculado a esse
procedimento. Atualmente está em discussão no Parlamento um projeto de lei que estende este procedimento de
conciliação aos textos de origem parlamentar”. Ibidem, p. 143.
36
“A lei, que mais uma vez apresenta-se como portadora de uma ‘modernização’, neste caso das relações
industriais, intervém em um momento onde existe um relativo consenso sobre a necessidade de reformar as
condições da representatividade, que na França permite o acesso à contratação coletiva. Na França, além de
algumas exceções, somente os sindicatos representativos têm o poder de negociar e concluir contratos e acordos
coletivos. (...) A posição comum define o objetivo destas novas regras: trata-se de reforçar a legitimidade dos
acordos fechados pelas organizações sindicais dos trabalhadores no quadro da ampliação do papel atribuído à
contratação coletiva. É, portanto realmente a relação contratação coletiva/lei que está em jogo na redefinição dos
atores legitimados a negociar. (...) O objetivo declarado é o de assegurar uma maior legitimidade aos acordos
sindicais conclusivos. Com o tempo a lei poderia influenciar o cenário sindical francês, cujo objetivo seria
aproximar-se de algumas organizações sindicais. A lei contribui, além disso, para uma aproximação com as
diversas estruturas de representação dos trabalhadores na empresa: os representantes eleitos e os representantes
sindicais. Ao longo do tempo haverá inclusive a mesma distinção entre representante eleito e sindical que poderá
ser afetado”. Ibidem, p. 151-153.

52
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

coletiva que facilita as relações de trabalho, como remuneração, normas públicas e acordos
coletivos”.37
Assim, observa-se que a crise econômica desencadeou a reforma trabalhista na
França, destacando a relevância da negociação coletiva para a solução de conflitos, a fim de
possibilitar a manutenção de postos de trabalho em meio à crise.
Nesses casos o trabalhador, de modo consciente e representado pelo sindicato,
optaria por sacrificar alguns direitos trabalhistas com a finalidade de se manter empregado,
em prol da harmonização de interesses tendo em vista a difícil situação enfrentada pela
empresa, concernente a ameaça à continuidade do negócio e consequente eliminação de
postos de trabalho.
Isto porque, a flexibilização, por meio da negociação coletiva, dever ser um
mecanismo aplicado somente a situações em que houver convergência, no caso concreto,
entre os reais interesses de empregadores e empregados, para afastar a drástica perda da renda
e repentina diminuição do padrão de vida de empregados.
Frente as dificuldades econômicas, necessário se fez repensar os métodos de
produção e de organização laboral. As alterações legislativas partiram do pressuposto de que
na França a legislação trabalhista não estava adequada para a realidade econômica e social
envolta pela crise, de modo que se considerou o Direito do Trabalho economicamente
ineficiente e coadjuvante do baixo crescimento econômico, fazendo com que as autoridades
públicas passassem a utilizá-lo como instrumento para limitar os resultados da crise.
Segundo Sylvaine Laulom, as medidas em resposta à explicitada crise no mercado
de trabalho foram várias e objetivaram permitir o crescimento econômico da França baseado
na flexissegurança e no diálogo social, ou seja, a flexibilidade em relação às empresas e a
segurança e estabilidade dos trabalhadores, bem como o envolvimento de todas as entidades
sociais no processo de legislação da França para o enfrentamento da crise. Desse modo, na
França o Direito do Trabalho passa a ser visto como uma ferramenta para combater a crise.
Conforme exposto, surgiram duas leis, a de 25 de junho de 2008 que versava sobre a
atualização do mercado de trabalho e a 20 de agosto do mesmo ano e que possuía duas partes,
a primeira relacionada ao tempo de trabalho e a segunda referente à renovação da democracia
social.
As mudanças foram diversas e baseadas na criação de um novo modo de cessação do

37
In MARTINS, Geiza. Flexibilidade e estabilidades são incompatíveis. Disponível em
<http://www.conjur.com.br/2010-mar-13/flexibilidade-empresa-seguranca-funcionario-sao-incompativeis>
Acesso em: 23 ago. 2012.

53
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

contrato de trabalho, no qual há a resolução consensual do contrato entre o empregador e o


empregado, sem a discussão acerca das parcelas relacionadas aos direitos de prestações de
desemprego.
Outra mudança é a criação de novo contrato a termo, o chamado contrato de projeto,
reservado para engenheiros e gestores, podendo ter uma duração entre 18 e 36 meses.
Houve, ainda, a pretensão de desconstituição da jornada de 35 horas semanais, em
contraposição às leis anteriores de 1998 e de 2000, as quais haviam reduzido o horário de
trabalho na tentativa de aumentar o número de pessoas empregadas, quando foi fixada a
duração semanal em 35 horas.
Nesse sentido, em 2007 a lei de 21 de agosto, estabeleceu mecanismos para
incentivar o labor em horas extras, com incentivos fiscais por meio de benefícios do governo
às empresas que exigissem labor extraordinário de seus empregados.
A Lei de 20 de agosto de 2008 fortaleceu o movimento da negociação coletiva,
reconhecendo a sua prevalência, promovendo formas de organização flexível do trabalho.
Outra inovação é a situação do desemprego parcial que possibilita que os
desempregados além de receberem o subsídio de desemprego possam trabalhar meio período
ou ter atividade por conta própria. Ainda mais pelo fato de que em período de crise, o trabalho
a tempo parcial e a atividade independente assumem crucial importância no momento em que
as empresas procuram mão de obra flexível e com o mínimo de encargos sociais.
O Decreto de 30 de março de 2009 limitou o salário de executivos de empresas que
recebem subsídios do governo e impediu opções de ações e distribuição de ações gratuitas.
Não obstante as modificações legislativas, a França apresentou os seguintes dados
38
em 2012 :
a) 1.700.000 pessoas à procura de trabalho durante um período de pelo menos 12
meses;
b) 2.800.000 desempregados;
c) a pobreza atinge 13,5% da população;
d) o crescimento econômico em 2010 era de 1,6%;
e) o crescimento econômico estimado para 2012 é de 0,5% segundo INSEE e de
0,2% para FMI e OFCE;
f) a taxa de desemprego é de 10%;
g) a dívida pública é de 85% do PIB e

38
INSEE - Instituto Nacional de Estatística francês, FMI, OFCE e Ministério do Trabalho Francês - Publicado
em 7/02/12 - jornal “Le Monde” – PARIS.

54
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

h) em três anos de crise, houveram 750 suicídios a mais na França e dispararam as


tentativas de suicídio.
Desse modo, não é possível afirmar de forma categórica que estas medidas foram
eficientes para combater a crise, pois a maioria das reformas legislativas ocorreu entre 2008 e
2009 e o que se percebeu até agora foi apenas o aumento do desemprego na França.
Em períodos de crise econômica, empresários pugnam pela redução dos custos da
mão de obra em decorrência do sustentado excesso de proteção legal aos trabalhadores.
Todavia, pequenas e pontuais flexibilizações na legislação trabalhista podem ser
admitidas quando utilizadas no estrito sentido da lei. O que não se pode é permitir a ampla
atenuação da proteção ao trabalhador ou a desregulamentação do Direito do Trabalho, pois
configuram garantias impostergáveis, de ordem pública e imperativas, nas quais predomina o
resguardo do trabalhador como um ser humano.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verifica-se que em tempos de crise econômica mundial, uma das maiores


preocupações constitui o aumento do desemprego, não podendo o mercado contratar todos e
absorver esta oferta de trabalhadores.
Em situações nas quais ocorre um excesso de oferta de um bem, a solução, de
acordo com leis básicas da economia, seria a redução de seu preço de modo a gerar o aumento
da procura, eliminando o excesso daquela oferta do início. Ocorre que, ao ter por base o bem
“trabalho”, o preço a ser diminuído seria o salário ou o custo dos direitos assegurados.
Porém, existem fatores que impossibilitam as variações do preço do salário ou do
custo decorrente da relação de trabalho, ou seja, há um salário mínimo e uma legislação
trabalhista que obsta a sua flexibilidade, isto é, em tempos de crise, tanto as empresas como os
governos e os trabalhadores enfrentam um grande dilema.
Frente ao colapso da economia, as empresas não conseguem manter todos os seus
trabalhadores nas mesmas condições de trabalho de um período sem crise. O governo precisa
auxiliar as empresas a manter sua produção para que tenham possibilidade de concorrência e
de barganha em um mundo globalizado, bem como fomentar a existência de postos de
trabalho para os trabalhadores poderem sustentar suas famílias e consumir. Porém, imperam
dificuldades quanto ao estabelecimento de limites mínimos a serem preservados.
Assim, a flexibilização é apontada como uma solução para os conflitos sociais
gerados pelo desemprego crescente, a exemplo do que ocorreu na França. Observa-se que a

55
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

crise econômica promoveu a reforma trabalhista na França, destacando a relevância da


negociação coletiva para a solução de conflitos, com o objetivo de manter postos de trabalho,
o que atenderia ao disposto na Convenção nọ 154 da OIT, a qual trata do incentivo à
negociação coletiva.
Entretanto, existem direitos trabalhistas que se encontram acima da vontade negocial
dos trabalhadores, das empresas e dos sindicatos, de modo que a flexibilização, ou
flexissegurança, não constitui apenas a adaptação da norma jurídica trabalhista, mas sim, a
diminuição de direitos duramente conquistados.
Desta feita, para evitar abusos, a medida deve ser adotada somente como último
recurso e desde que a empresa comprovadamente esteja atravessando uma grave crise
econômica, isto porque a flexibilização não pode ser utilizada como justificativa para
aumentar o lucro ou o enriquecimento dos sócios. Ao contrário, fundamenta-se apenas para a
manutenção da saúde da empresa e, consequentemente, do nível de emprego.

7. REFERÊNCIAS

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57
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

“LIMITES DO PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR E A


DISCRIMINAÇÃO ESTÉTICA NA RELAÇÃO DE EMPREGO”

“LIMITS OF POWER STEERING AND EMPLOYER DISCRIMINATION


AESTHETICS WITH THE EMPLOYMENT”

Grasiele Augusta Ferreira Nascimento


Maria Aparecida Alkimin

Resumo
O presente estudo objetiva analisar os limites do poder de direção do empregador e a
discriminação estética na relação de emprego. Embora a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) estabeleça o “poder de direção” do empregador na relação laboral, os
direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal deverão ser
preservados, os quais encobrem os direitos de personalidade do trabalhador; cujos
direitos constituem extensão da dignidade da pessoa humana, princípio-regra que deve
nortear as relações trabalhistas. Nesse sentido, a discriminação estética viola as normas
internacionais de proteção ao trabalho, bem como a ordem jurídica constitucional e as
normas infraconstitucionais que tutelam os direitos da personalidade, engendrando,
como consequência jurídica, a reparação do dano moral decorrente da conduta
discriminatória.

Palavras-chave: Poder de direção; discriminação; estética.

Abstract:

The present study aims to analyze the limits of power of the employer’s direction and
aesthetic discrimination in the employment relationship. Although the Consolidation of
Labor Laws (CLT) provides the “power steering” of the employer in the employment
relationship, the individual rights and guarantees provided in the Constitution should be
preserved, which conceal the personality rights of the worker; whose rights are
extension of human dignity, rule-principle that should guide labor relations. In this
sense, aesthetic discrimination violates international standards of labor protection, as
well as the legal and constitutional norms that protect infra personality rights,
engendering, as a legal consequence, compensation for moral damage resulting from
discriminatory conduct.

Key-words: Power steering; discrimination; aesthetic.

Introdução

Empregados e empregadores assumem posições diversas na relação laboral:


diante da subordinação jurídica inerente ao contrato de trabalho, o empregado deverá

58
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

seguir as ordens do empregador, já que este detém o chamado “poder de direção”,


previsto no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Sob a alegação do “poder de direção”, muitas empresas determinam regras que
interferem na aparência do trabalhador, como o uso ou não de maquiagem, a proibição
do uso de barba, bigode, cavanhaque ou costeleta, o uso de cabelos afro, longos ou
curtos, a proibição do uso de brincos, tatuagens ou piercings, dentre outras infinidades
de situações que variam de empresa para empresa, considerando as peculiaridades de
cada atividade econômica.
Além disso, não são raros os casos de rescisão do contrato de trabalho por razões
discriminatórias, como a obesidade, doenças, deficiências, entre outras.
O presente estudo tem como objetivo analisar os limites do poder de direção do
empregador e as discriminações ou exigências estéticas presentes na relação laboral,
com base na legislação brasileira e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
igualdade e não-discriminação.

1 Princípios Constitucionais
1.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A dignidade é um atributo inerente à pessoa humana, integrante da natureza


humana, razão pela qual, somente o homem, ser dotado de razão, liberdade e autonomia,
possui em sua essência a dignidade.
Portanto, a dignidade se constitui como elemento que qualifica o homem e
como tal não pode ser destacado dele, trata-se de qualidade irrenunciável e integrante da
própria condição humana (SARLET, 2003, p. 43), torna o homem uma unidade concreta,
ou seja, fim em si mesmo.
Com efeito, Kant afirma expressamente que o Homem constitui um fim em si
mesmo e não pode servir “simplesmente como meio para uso arbitrário desta ou daquela
vontade.” (apud SARLET, 2003, p. 50-51).
Segundo Sarlet (2003, p. 43) a dignidade não existe porque é reconhecida pelo
Direito ou na medida em que este a reconhece, ela é preexistente e anterior a toda
criação do homem político e legislador, podendo-se afirmar que a dignidade da pessoa
humana não se confunde com o direito escrito que visou apenas positivar as garantias
individuais dos homens, na verdade, a dignidade da pessoa humana, como valor
implícito à pessoa humana, transcende todo ordenamento jurídico e escala de valores

59
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

atribuídos à condição humana, como valor e atributo inerente à pessoa não se confunde
com direito, na verdade, como valor absoluto, transcende a escala de Direitos do
Homem.
A dignidade da pessoa humana representa o início e o fim de todo ordenamento
jurídico, é o “alfa e omega” das liberdades constitucionais e dos direitos fundamentais
(SARLET, 2003, p. 77), é o valor fundamental que norteou a positivação dos direitos do
homem, enfim, é fruto do direito natural, aquele que antecede aos direitos ditados e
escritos pelos homens.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a dignidade humana como atributo natural e
individual não é valorável ou substituível, seu valor é intrínseco e absoluto, tem sua
base no direito natural, portanto, eleva a pessoa como valor fonte, razão pela qual possui
direitos inerentes à condição humana, tais como a vida, a liberdade, a igualdade, direitos
esses inseparáveis da condição humana.
Ao tratar da evolução histórica da conquista dos direitos humanos,
Fábio Konder Comparato entendeu que:
[...]o ser humano passa a ser considerado, em sua igualdade essencial,
como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas
diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais. Lançavam-se,
assim, os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa
humana e para a afirmação da existência de direitos universais, porque
a ela inerentes. (COMPARATO, 2003, p.11).

A dignidade da pessoa humana como princípio e valor supremo foi


materializada, ganhou corpo e forma com o reconhecimento dos Direitos Humanos
através da proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão
(1789), quando exaltou o direito natural à liberdade e à igualdade: “Os homens nascem
e permanecem livres e iguais em direitos.”(Art.1º.)
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em
1948 institucionalizou os direitos e garantias fundamentais de todo cidadão, cujos
direitos erradiam-se da dignidade humana e são fundamentais para a existência humana
em sociedade, sendo certo que somente se preservará a dignidade humana numa
sociedade onde se prima pela liberdade, igualdade, fraternidade e solidariedade entre as
pessoas:
Art. 1o. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade
e em direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para
com os outros com espírito de fraternidade. (Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 10/12/1948-ONU)

60
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

De acordo com a ordem jurídica constitucional brasileira, o Estado


Democrático de Direito (art. 1º., caput, da CF/88) tem como um de seus pilares e
fundamentos a dignidade da pessoa humana e, pautando-se nesse fundamento norteador
de toda ordem jurídica, o legislador constituinte instituiu os chamados direitos e
garantias fundamentais dando relevância jurídica ao princípio universal da dignidade
humana, através da proteção à vida, à saúde e integridade física e psíquica, à liberdade,
à igualdade, à intimidade e privacidade, ao trabalho, à educação, à propriedade, enfim,
visou proteger aquilo que é essencial para uma vida digna e decente.
Celso Ribeiro Bastos tratando da dignidade humana afirma que:
[...] embora tenha um conteúdo moral, parece que a preocupação do
legislador constituinte foi mais de ordem material, ou seja, a de
proporcionar às pessoas condições para uma vida digna(... )este foi,
sem dúvida, um acerto do constituinte, pois coloca a pessoa humana
como fim último de nossa sociedade e não como simples meio para
alcançar certos objetivos, como, por exemplo, o econômico.(2007, p.
158)

Portanto, pode-se afirmar que os direitos e garantias fundamentais individuais e


coletivos (art. 5º. da CF) são a extensão da dignidade da pessoa humana, não havendo
sentido de se proceder ao reconhecimento da dignidade humana sem as garantias
fundamentais para materialização e efetivação desse valor supremo.

Partindo-se da premissa que a dignidade da pessoa humana se consubstancia


em valor supremo e fundamento primário de todo ordenamento jurídico brasileiro e das
normas internacionais que regulam as relações humanas, conclui-se que se trata de fator
elementar que deve nortear as relações humanas na sociedade o respeito e a
consideração pelo próximo, sendo rechaçada pelo ordenamento jurídico qualquer
espécie de violência contra a pessoa ou contra seu patrimônio moral ou material, sendo
uma espécie do gênero violência contra a pessoa o tratamento desigual ou
discriminatório.
A dignidade da pessoa humana somente se concretiza a partir da conservação,
promoção e proteção dos direitos e garantias fundamentais, elementares para uma vida
digna em sociedade, cujos direitos fundamentais representam a positivação e inserção
nos ordenamentos jurídicos dos Estados dos Direitos Humanos consagrados pela
DUDH.
Nesse sentido, o direito do trabalho ou ao trabalho ganhou o status de direito
social e de garantia fundamental da pessoa humana, à luz do ordenamento jurídico

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

constitucional vigente, e, nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento, “o trabalho


humano é um valor, e a dignidade do ser humano como trabalhador, um bem jurídico de
importância fundamental.” (2011, p. 279).
Pode-se concluir, dessa feita, que a dignidade da pessoa humana do trabalhador
somente se aperfeiçoa à medida que tem acesso a condições dignas de trabalho a fim de
que lhe garanta condições dignas de vida, tal como justa remuneração, garantia de meio
ambiente do trabalho sadio e equilibrado, imune a riscos à saúde física e psíquica, além
de igualdade de tratamento e de oportunidades, imune a práticas discriminatórias e
atentatórias à sua dignidade enquanto pessoa e trabalhador.

1.2 Princípio da igualdade e da não-discriminação

A igualdade é, essencialmente, uma extensão dos direitos humanos, integrando


a categoria das liberdades públicas, portanto, direito humano de primeira geração, e,
sendo assim, impõe ao Estado um dever, uma prestação de tutela e abstenção de práticas
lesivas. A DUDH em seu artigo 2º. assim proclamou:
todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidas nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja
de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de quelquer
outra natureza,origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou
qualquer outra condição.

A CF/88, art. 5º., caput, ao prescrever que “todos são iguais perante a lei”,
consagrou a igualdade formal, meio de limitação do poder do Estado Liberal, todavia, a
evolução histórica da humanidade e as necessidades emergentes do convívio social
demonstraram que o valor da igualdade deve ser repensado, a fim de que as
especificidades e diferenças dos sujeitos titulares de direitos sejam observadas e
respeitadas, pois há necessidade de “transitar-se da igualdade formal para a igualdade
material ou substantiva.” (PIOVESAN, 2010, p. 241).
Segundo Flávia Piovesan, igualdade material se desdobra e no primeiro plano
“corresponde ao ideal de justiça social e distributiva (igualdade orientada pelo critério
sócio-econômico)”, no segundo plano “corresponde ao ideal de justiça enquanto
reconhecimento de identidades (igualdade orientada pelos critérios de gênero,
orientação sexual, idade, raça, etnia e demais critérios).” (PIOVESAN, 2010, p. 49 ).
A igualdade é posta como princípio, todavia, tanto o ordenamento
jurídico interno como internacional elevou o princípio da igualdade à categoria de
direito fundamental positivado e, uma vez violado, viola, por extensão, a dignidade da

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pessoa humana. Portanto, correto referir-se a direito à igualdade, cujo direito ao lado da
liberdade, intimidade, privacidade etc constitui direito atrelado à personalidade de cada
indivíduo, ou seja, integra e essência existencial de cada pessoa.
Efetivar o direito à igualdade implica aceitar e respeitar as diferenças,
pois os seres humanos são diferentes entre si, ninguém é igual a ninguém, homens
diferem entre si e de mulheres, crianças de adultos, negros de brancos etc. Ser diferente
não implica desigualdade de tratamento.
Nesse sentido, somente se promove a igualdade material a partir do
momento em que as diferenças são respeitadas, ou seja, a partir do momento que se
reconhece o direito de ser diferente. Logo, pode-se afirmar que a igualdade deve
reconhecer a diferença e a diferença não deve produzir desigualdades. “O
reconhecimento de identidades e o direito à diferença é que conduzirão a uma
plataforma emancipatória igualitária.” (SARMENTO; IKAWA; PIOVESAN, 2010, p. 50).
A igualdade e o reconhecimento da diferença impõem como dever de
abstenção a não-discriminação. A não-discriminação é um desdobramento do princípio
da igualdade, sendo certo que somente através da igualdade e da não-discriminação é
que se possibilitará transmudar da igualdade formal, abstrata e geral para a igualdade
material e substancial, permitindo a plena afirmação da dignidade da pessoa humana e
o pleno exercício dos direitos e potencialidades humanas.
Na visão Aristotélica, a igualdade de tratamento significa tratar os iguais de
forma igual e os desiguais de forma desigual. Portanto, o conceito de igualdade implica,
necessariamente, o reconhecimento das diferenças.
Na verdade, o que é vedado pela ordem jurídica é o tratamento desigual a
situações iguais, logo, o princípio constitucional da igualdade não exige que haja uma
equivalência real entre indivíduos, mas que seja atribuída igualdade de tratamento para
situação de fato semelhante.
Nesse sentido, para efetivação do princípio da igualdade, a ordem jurídica
veda discriminações ou desigualdades injustificadas, vedando, dessa forma, a chamada
discriminação negativa. Imperioso destacar a ordem jurídica constitucional inserida no
art. 3º.: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: ... IV –
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.” (Constituição Federal).
Os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade e não-
discriminação são absolutos, sobrepõem-se aos interesses do próprio Estado impondo-

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lhe dever de observância e de abstenção, e, certamente impõe ao empregador limites ao


seu poder de direção.

2 Estética
2.1 Conceito
O conceito de estética está diretamente relacionado com o conceito de beleza.
Entende-se por estética “a ciência que tem por objeto o juízo de apreciação,
determinante do belo nas produções artísticas. Trata-se da ciência do belo ou da
filosofia da arte”. (DINIZ, 2010)
Desta forma, os padrões são definidos com base no que é considerado “belo” ou
“feio”, conceitos absolutamente subjetivos e que variam em virtude da cultura e do
período histórico.
Em relação à beleza feminina, por exemplo, “nos séculos XV a XVII, o padrão
era ventres grandes; no século XIX, o padrão para uma mulher bonita e saudável era
possuir formas arredondadas (ombros e rostos), não podendo ser magra, conforme bem
demonstrou Renoir; no século XX, coxas e quadris ondulantes” (MARQUES, 2002).
Os adornos utilizados pelas mulheres também contribuem para o conceito do que
é belo em algumas culturas. É o caso, por exemplo, do uso de argolas no pescoço
utilizadas como adorno pelas meninas de uma tribo da Birmânia (atual Mianmá). A
cada ano de vida, as meninas, a partir dos 09 (nove) anos de idade, colocam uma argola
no pescoço. Os pescoços alongados refletem a beleza da mulher daquela região.
(MARQUES, 2002).
Os homens, por sua vez, também apresentaram características diversas ao longo
da história em relação à beleza. Corpos musculosos, uso de bigodes, barbas, ternos
bem cortados e chapéus são exemplos de exigências em relação à beleza masculina.
Os conceitos de “belo” e “feio”, portanto, devem ser analisados com base no
período histórico e na cultura de cada sociedade.

2.2 Fatores estéticos


A sociedade brasileira atual adotou um novo conceito de beleza, denominado
por Augusto Jorge Cury como “padrão inatingível de beleza” (2005), que pode ser
contemplado nas campanhas publicitárias, nas produções cinematográficas e na
teledramaturgia. A mulher bela, segundo o padrão atual, deve ser exageradamente
magra, como as modelos e manequins que se destacam no mundo da moda.

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As pessoas que eventualmente não estiverem dentro dos padrões impostos,


estarão excluídas do grupo..
Vários são os fatores estéticos que ocasionam a exclusão e a discriminação do
indivíduo, inclusive no ambiente de trabalho, como, por exemplo o peso, a tatuagem, o
pircing, cicatrizes, cortes de cabelo, uso de barba, altura e fatores decorrentes de
doenças e deficiências.

a) Peso: obesidade, bulimia e anorexia


O excesso de peso é um dos fatores estéticos que ocasionam discriminação no
trabalho.
Em relação ao tema, é importante destacar a distinção entre as expressões
“sobrepeso” e “obesidade”.
Considera-se “sobrepeso” o peso acima do recomendado pela OMS –
Organização Mundial de Saúde (IMC - Índice de Massa Corporal superior a 25%),
enquanto que a “obesidade” é o excesso de peso crônico (IMC – Índice de Massa
Corporal superior a 30%).
A obesidade pode ser ocasionada pela superalimentação (obesidade exógena) ou
decorrente de distúrbios metabólicos ou endócrinos (obesidade endógena) (SÉGUIN,
2002).
De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

“em todas as regiões do país, em todas as faixas etárias e em


todas as faixas de renda aumentou contínua e substancialmente o
percentual de pessoas com excesso de peso e obesas. O
sobrepeso atinge mais de 30% das crianças entre 5 e 9 anos de
idade, cerca de 20% da população entre 10 e 19 anos e nada
menos que 48% das mulheres e 50,1% dos homens acima de 20
anos. Entre os 20% mais ricos, o excesso de peso chega a 61,8%
na população de mais de 20 anos. Também nesse grupo
concentra-se o maior percentual de obesos: 16,9%.
São números que dão ao fenômeno contornos de epidemia.
Mantido o ritmo atual de crescimento do número de pessoas
acima do peso, em dez anos elas serão 30% da população –
padrão idêntico ao encontrado nos Estados Unidos, onde a
obesidade já se constitui em sério problema de saúde pública.

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Ou seja, além de se constituir em problema pelos riscos


decorrentes do sobrepeso em si – como doenças do coração e
diabetes – o sobrepeso é causado por uma alimentação pouco
saudável. Para agravar o quadro, a prática regular de exercícios
físicos está longe de fazer parte dos hábitos do brasileiro.
Pesquisa de 2008 mostrou que apenas 10,2% da população com
14 anos ou mais tem alguma atividade física regular.”
(SOARES; RITTO, 2010).

Em contrapartida ao crescimento assustador de pessoas com sobrepeso ou


obesas no país, nos deparamos com a ditadura da magreza, que atinge, sobretudo, as
mulheres.
“O contraponto da obesidade é a bulimia e a anorexia, ambas traduzindo estados
patológicos e com riscos para a integridade corporal da pessoa. Na bulimia ocorre a
ingestão de grande quantidade de alimentos seguida de vômito, provocando desnutrição.
(...) A anorexia é caracterizada pela perda do apetite” (SÉGUIN, 2002).
A discriminação pelo peso, desta forma, poderá ocorrer tanto pelo excesso, nos
casos de obesidade, por exemplo, como pela ausência de peso que gere aparência
diferente dos padrões estabelecidos pela sociedade.
Como exemplo de discriminação em relação ao peso no trabalho, destacamos:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISCRIMINAÇÃO.


OBESIDADE. A distribuição de tarefas realizada com base na
aparência física dos empregados constitui conduta
discriminatória quando não demonstrado que tal atributo seja
essencial ao desempenho da atividade pelo trabalhador. Recurso
não provido. (Acórdão do Tribunal Regional do Trabalho - 4ª
Região - Porto Alegre/ RS, 10 de Setembro de 2008. Recorrente:
EC Serviços de logística Ltda e recorridos Karen Fernanda
Custódio.

b) Tatuagem e piercing
A tatuagem ou dermopigmentação é um desenho realizado na pele . Pode ser
conceituada como a

arte de introduzir debaixo da epiderme substâncias corantes,


vegetais ou minerais, para produzir desenhos indeléveis, como
se pratica entre os povos selvagens e entre marinheiros, soldados
e criminosos. Esta prática, hoje em dia, é comum entre as
pessoas das mais variadas culturas e camadas sociais”
(Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa).

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É interessante observar que no próprio conceito, denota-se uma visão


preconceituosa da utilização da tatuagem em tempos passados, o que muitas vezes ainda
é refletido em algumas organizações.
O mesmo ocorre com o piercing, peça de metal introduzida em diversas partes
do corpo, como língua, nariz, sobrancelha, lábio, entre outros.
Muitas empresas, por exemplo, deixam de contratar ou promovem a exclusão do
empregado em virtude de apresentar tatuagens aparentes ou piercings em seu corpo.
Discute-se se o empregador, detentor do poder de direção, tem o direito de
impedir a realização dessas modificações no corpo do empregado, ou mesmo de exigir
que sejam retiradas.
A discriminação também é presenciada nos órgão públicos:

“ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO DE


ADMISSÃO AO ESTÁGIO DE ADAPTAÇÃO DE OFICIAIS
TEMPORÁRIOS DA AERONÁUTICA – CANDIDATA
PORTADORA DE TATUAGEM – VIOLAÇÃO AOS
PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA PROPORCIONALIDADE
- COMPROMETIMENTO À ESTÉTICA OU À MORAL NÃO
VERIFICADO - APELAÇÃO E REMESSA DESPROVIDAS”.
(TRF 2ª Região - RR – 0006116-38.2009.4.02.5101, 6ª Turma,
Relator Frederico Gueiros).

c) Cicatrizes
As cicatrizes são as marcas deixadas no corpo de uma pessoa, como
consequência de acidentes, cirurgias ou queimaduras.
Caso a cicatriz esteja em um lugar aparente, como o rosto, por exemplo, muitas
vezes poderá causar uma aparência antiestética, capaz de gerar incômodo entre as
pessoas.

d) Cabelo e barba
O corte de cabelo, o uso de cabelos soltos, a barba, o bigode, o cavanhaque, a
costeleta, cabelos longos ou curtos, lisos ou afro, são outros fatores estéticos que podem
gerar discriminação.

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Exemplo de discriminação em relação ao uso da barba é relatada por Tiago


Décimo (2010):
A 7ª Vara do Trabalho de Salvador condenou o Bradesco a
pagar R$ 100 mil de indenização por dano moral coletivo, por
discriminação estética - o banco proíbe que os funcionários
usem barba. De acordo com a decisão do juiz Guilherme
Ludwig, o valor deve ser encaminhado ao Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT) e o banco ainda deve divulgar, "nos jornais
de maior circulação na Bahia, durante dez dias seguidos, e em
todas as redes de televisão aberta, em âmbito nacional", uma
mensagem reconhecendo a "ilicitude de seu comportamento" e
a alteração de seu "Manual de Pessoal, para incluir
expressamente tal possibilidade" (o uso de barba por parte dos
funcionários). O Bradesco pode recorrer da sentença.

A ação, apresentada pelo procurador Manoel Jorge e Silva


Neto, do Ministério Público do Trabalho da Bahia, em fevereiro
de 2008, foi baseada na denúncia de um dirigente do Sindicato
dos Bancários do Estado, funcionário do banco. Por ter a pele
sensível à lâmina, o barbear diário causava erupções em seu
rosto.

O Bradesco alegou, em sua defesa, que uma pesquisa interna


apontou que barba "piora a aparência" e que seu uso pode
atrapalhar o sucesso profissional. Na sentença, Ludwig alegou
que a pesquisa foi feita apenas com executivos e citou Jesus
Cristo, Charles Darwin e o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, entre outros, para rebater o argumento.

Segundo o documento, a proibição constitui "conduta patronal


que viola inequivocamente o direito fundamental à liberdade de
dispor de e construir a sua própria imagem em sua vida
privada".

Contudo, outro foi o entendimento do Tribunal Regional da 5ª Região/BA, ao


considerar que não houve discriminação nem uma clara determinação para que
funcionários tirassem a barba. A Relatora do processo, Maria das Graças Boness,
afirmou que mesmo uma eventual norma que proibisse o uso de barba não seria abusiva,
pois não estaria fora do "poder diretivo do empregador"(FONSECA, MAGENTA,
2011).

e) Fatores decorrentes de doenças e deficiências

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Também são fatores estéticos que ocasionam discriminação estética as


deficiências, sejam congênitas ou desenvolvidas ao longo da vida, e marcas nas partes
expostas do corpo, como feridas e manchas, muitas vezes associadas a doenças.
Exemplo de discriminação desta ordem é relatada no filme “Filadélfia”,
estrelado por Tom Hanks, em que o personagem é demitido do escritório em que
trabalhava quando seus superiores, percebendo as feridas em seu rosto e corpo,
descobriram ser ele portador do vírus HIV/AIDS.

3 Discriminação no trabalho
No âmbito das relações trabalhistas, ficará caracterizada a prática
discriminatória atentatória à dignidade e personalidade do trabalhador nas hipóteses em
que o empregador tratar de forma diferenciada seus empregados, sem razão justificada e
razoável, impedindo o desenvolvimento das atividades trabalhistas em ambiente sadio e
equilibrado, imune de atentado à dignidade e personalidade do trabalhador ou
estabelecendo desigualdades em matéria de manutenção de emprego ou de acesso ao
emprego.
O contrato de trabalho, tendo-se em conta o aspecto da pessoalidade, envolve
como obrigação pessoal o dever de respeito e consideração à pessoa do empregado, ou
seja, o empregado, à medida que entrega sua força de trabalho, tem direito a um meio
ambiente do trabalho sadio e equilibrado imune a agressões físicas e psíquicas e, dentre
as agressões psíquicas, pode-se destacar a discriminação.
Conforme relatado em linhas anteriores, a discriminação no trabalho, qualquer
que seja sua forma ou tipologia, viola a dignidade da pessoa humana e lesa os direitos e
garantias individuais do cidadão trabalhador, contrariando as normas internacionais e
nacionais de proteção à pessoa e de acesso ao trabalho e em condições dignas.
Referindo-se à discriminação nas relações de trabalho, merece destaque a
Convenção da OIT de n. 111(aprovada pelo Decreto Legislativo n. 104 de 24/11/64 e
promulgada pelo Decreto n. 2.682 de 22-7-98) que em seu artigo 1º. considera
discriminação: “toda distinção, exclusão ou preferência baseada em motivos de raça,
cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha
como efeito anular a igualdade de oportunidades ou de tratamento em emprego ou
profissão.”

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O Brasil cuidou da igualdade e da não-discriminação em matéria de trabalho,


visando cumprir os ditames do Estado democrático de Direito que instituiu como
princípio e fundamento, além da dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho
(art. 1º., III e IV, CF/88), instituindo como direito social e fundamental do trabalhador o
acesso ou manutenção no emprego imune às práticas discriminatórias(art.
7º.,XXX,XXXI, XXXIII; CLT, arts. 6º, 460 e 461).
Visando regulamentar a Convenção n. 111, a Lei n. 9.029/95 veda a prática de
qualquer ato discriminatório para efeito de ingresso na relação de emprego ou para sua
manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou
idade. Forçoso ponderar que o rol contido na referida Lei anti-discriminatória é apenas
exemplificativo, logo, ocorrendo discriminação estética, a Lei em questão deverá ser
invocada para dirimir o litígio.
Oportuno destacar que nosso ordenamento jurídico estabelece a discriminação
positiva em relação ao trabalho da mulher, do menor e do deficiente, justamente com o
intuito de proteger essa categoria de trabalhadores mais vulneráveis, cuja proteção se
perfaz através do sistema legislativo ou de políticas públicas, que conduzem às ações
afirmativas como forma de coibir ou prevenir práticas discriminatórias nas relações de
trabalho.
Portanto, o ordenamento jurídico veda a discriminação negativa por motivo de
sexo, raça, cor, estética etc, sendo reconhecida como legítima e legal a chamada
discriminação positiva, pois para prevalecer o real sentido da igualdade de tratamento
em matéria trabalhista é necessária uma proteção especial a certos grupos de pessoas
(mulher, deficiente, adolescente), cujos mecanismos de tratamento diferenciado são
denominados de ações afirmativas, que certamente visam a inclusão, como é o caso da
Lei de Costas (Lei n. 8213) em relação ao trabalhador portador de deficiência.
Todavia, deve-se ponderar que o dever de não-discriminar não retira do
empregador seu pleno exercício da autonomia de vontade, da livre iniciativa, da
liberdade contratual e, em especial, do exercício do seu também direito e garantia
fundamental que é o direito de propriedade. Deve-se, nesse caso, atentar à técnica da
ponderação, ou seja, é razoável, por exemplo, que o contratante possa preferir
determinada pessoa em relação a outra considerando certos atributos essenciais para os
objetivos econômicos da empresa, como é o caso da contratação de uma modelo, que,
necessariamente, deverá apresentar uma estética de beleza.

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4 Limites do poder de direção do empregador


De acordo com o art. 2º da CLT, considera-se empregador “a empresa,
individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite,
assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços”. (grifo nosso)
Desta forma, a prestação dos serviços deve ser realizada pessoalmente pelo
empregado, que estará subordinado às ordens do empregador.
O poder de direção do empregador pode ser caracterizado através de três ações:
poder de organização, poder de fiscalização e poder disciplinar.
Em relação ao poder de organização, poderá o empregador estabelecer as regras
que entender convenientes para o bom desenvolvimento das atividades empresariais, o
que pode ser estruturado através da elaboração do regulamento de empresa, contendo
regras técnicas, disciplinares, entre outras que atendam às exigências do empregador.
Como já afirmamos em outra oportunidade,
o contrato de trabalho, embora seja de natureza privada,
envolve a prestação pessoal de serviços, sendo certo que,
justamente com a entrega da força de trabalho, o trabalhador
transfere, ainda que em parte, os direitos da personalidade, pois
a relação de empregado envolve uma relação de submissão em
relação ao seu empregador, que passa a dirigir e controlar a
prestação dos serviços, invadindo a esfera da pessoalidade ou
personalidade do trabalho.
Não é de se olvidar que o poder diretivo do empregador
encontra limites nos direitos e garantias fundamentais os quais
encobrem os direitos da personalidade do trabalhador, cuja
tutela à personalidade tem mais razão e sentido nas relações
trabalhistas do que nas relações civilistas, pois a relação é
estritamente pessoal, resultando na abstenção e dever legal por
parte do empregador de respeito e consideração aos direitos da
personalidade do trabalhador, indissociáveis da pessoa do
mesmo. (ALKIMIN; NASCIMENTO, 2009).

Desta forma, embora tenha o der de direção na relação empregatícia, o


empregador jamais poderá intervir no pleno exercício dos direitos e garantias
individuais dos respectivos empregados.
A poder diretivo do empregador e sua liberdade de contratação encontra limites
na dignidade da pessoa humana e nos direitos da personalidade do empregado, e, muito
embora seja detentor do direito de propriedade e de livre iniciativa, não está autorizado
a proceder à discriminação injustificada, excluindo, por exemplo, o empregado por
motivo de estética.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O poder de direção do empregador encontra limite na ordem jurídica


constitucional que exaltou a dignidade da pessoa humana, os direitos e garantias
fundamentais e o valor social do trabalho, bem como na ordem jurídica
infraconsitucional que tutela os direitos da personalidade e o dever de lisura e boa-fé nas
relações contratuais.
Ademais a Lei n. 9029/95, que regula a não-discriminação em matéria de
emprego, é a mais absoluta revelação da limitação legal ao poder de direção quando se
trata do exercício do poder de direção sobre a pessoa do empregado.
Importante ressaltar, que a Lei supramencionada veda ao empregador a prática
discriminatória impeditiva de igualdade de acesso ou manutenção no emprego, todavia,
na mesma escala de valor que se situa a igualdade, está a liberdade, dentre ela, a
liberdade de contratação.
Nesse sentido, não se afigura prática discriminatória a liberdade que o
empregador possui de escolher, selecionar empregado que tenha maior aptidão para
determinada função ou até mesmo aparência adequada para o tipo de função que irá
exercer, como é o caso de um artista que desempenhará um papel de galã ou uma
modelo que fará comercial televisivo.
Não contratar candidato por inadequação às funções que teria de
desempenhar não é o mesmo que discriminar, porque não há, nesse
caso, preconceito contra uma pessoa, mas outra razão: o imperativo de
compatibilização entre a pessoa e a atribuição que pretenda exercer.
(NASCIMENTO, 2011, p. 734)

Sustenta, ainda, Amauri Mascaro Nascimento que:


Não se caracteriza como prática discriminatória a opção do
empregador que tenha por base exigência próprias de uma função que
não pode ser exercida por uma pessoa em decorrência de fatores
pessoais ou distinções feitas em função da natureza da relação de
trabalho e do tipo de atividade que a pessoa venha a exercer. (2011,
p.732).

Dessa forma o direito de escolha do empregador não significa abuso ao poder


diretivo e conseqüente prática discriminatória, pois esse direito se amolda ao legítimo
exercício do direito de propriedade e de livre iniciativa (art. 5º., XXII e art. 170 da
CF/88).

5 Conseqüências jurídicas da discriminação estética no trabalho


5.1 Dano e responsabilidade civil

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A discriminação estética, como espécie do gênero discriminação no trabalho,


constitui atentado à dignidade da pessoa humana do trabalhador, grave violação aos
direitos fundamentais e aos direitos da personalidade (liberdade, igualdade, honra,
integridade física e psíquica) do trabalhador, engendrando dano à pessoa, sendo certo
que, de acordo com a ordem jurídica constitucional estabelecida no art. 5º., XLI, da
CF/88: “a lei punirá práticas discriminatórias.”
A prática discriminatória em razão da estética viola o dever moral e jurídico de
respeito e consideração ao próximo, caracterizando violação ao contrato de trabalho e às
normas de tutela à personalidade, gerando na órbita trabalhista a rescisão contratual por
justa causa imputada ao empregador, com as conseqüências trabalhistas rescisórias e
indenizatórias peculiares à hipótese, além de caracterizar, na órbita civil, ato ilícito e,
como tal, causa dano de natureza civil à vítima dessa modalidade de discriminação,
sujeitando-se o autor do ato discriminatório à responsabilização por dano moral e
material (art. 5º.,X,CF/88).
No campo da responsabilização civil pela prática ilícita discriminatória e
consequente dano à pessoa, o Código Civil divide a responsabilidade civil em
responsabilidade por ato próprio e por ato de terceiro.
A responsabilidade por ato próprio significa que o agente praticante do ilícito
(prática discriminatória) responderá pelo dano causado, uma vez praticado o ato lesivo
com dolo ou culpa, e desde que haja nexo de causalidade entre conduta e dano,
tratando-se essa modalidade de responsabilidade subjetiva (arts. 186 e 927 do Código
Civil).
Quanto à responsabilidade por ato de terceiro, é aquela que norteia as relações
de trabalho e está consagrada nos arts. 932, III e 933 do Código Civil, segundo a qual o
empregador responde por eventual ato discriminatório engendrado por seus prepostos,
tratando-se de responsabilidade objetiva ou sem culpa, competindo ao terceiro
responsável, não autor do dano, a ação de regresso em face do autor do dano (art. 934,
CC).
Portanto, a discriminação estética no trabalho, além de caracterizar violação às
regras do contrato de trabalho e possibilitar a rescisão indireta com as conseqüências
trabalhistas pertinentes, caracteriza ato ilícito causador de dano moral, indenizável na
esfera do direito civil.
A discriminação estética, sem dúvida, gera profundo sofrimento e dor psíquica
na vítima, contamina o ambiente de trabalho, a ponto de excluir a vítima da organização

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do trabalho. O sofrimento, a dor, a angústia padecidos pela vítima caracterizam o dano


moral, e, de acordo com o art.927 do Código Civil: “aquele que, por ato ilícito, causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

5.2 Fases da discriminação estética e efeitos jurídicos


Para o apontamento das conseqüências jurídicas da discriminação estética no
contrato trabalho, deve-se, antes, perquirir as fases em que tal discriminação poderá
ocorrer:
5.2.1 Fase contratual
Durante a vigência do contrato de trabalho o empregador em manifesto abuso
do poder de direção e organização poderá incidir na prática ilícita e cometer
discriminação em razão da aparência ou estética do trabalhador ou da trabalhadora;
valendo destacar que, muitas vezes, a discriminação estética poderá partir de um
preposto do empregador.
Todavia, não importa o sujeito ativo da discriminação estética - empregador ou
preposto seu-, configura-se, conforme já discorrido, ato ilícito, violador das normas de
tutela à dignidade e à personalidade do trabalhador, bem como às normas de proteção à
relação de emprego e às condições de trabalho, configurando justa causa para o
empregado rescindir, indiretamente, o contrato de trabalho, e pleitear a respectiva
indenização trabalhista, sem prejuízo, é obvio, da reparação civil por dano moral e
material, se for o caso.
Inclusive, é oportuno ponderar que se a discriminação estética por dirigida
contra a vítima de forma reiterada e sistemática, intensificará o sofrimento psíquico e
caracterizará uma modalidade de assédio moral discriminatório.
O assédio moral pode ser caracterizado como:
conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude etc) que
atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou
integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando o seu
emprego ou degradando o clima de trabalho.( HIRIGOYEN,
Marie-France. Mal-Estar no Trabalho – Redefinindo o
Assédio Moral. Tradução de Rejane Janowitzer, 2002, apud
ALKIMIN, 2008, p. 38).

Caso o empregador camufle a despedida discriminatória, sob o manto da


rescisão sem justa causa, configurará despedida arbitrária e discriminatória (CF, art.
7º.,I,XXX e XXXI), habilitando o ofendido a pleitear o dano moral, em razão da

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

violação à sua dignidade e aos seus direitos da personalidade (CC, arts. 10 e 11 c.c. art.
186 e 927).
A rescisão contratual baseada na discriminação estética é uma despedida
abusiva, nesse sentido, o empregador estará exorbitando o seu poder potestativo de
rescindir o contrato de trabalho, causando ao trabalhador discriminado dano trabalhista
em razão da privação do emprego e, concomitantemente, dano à sua personalidade.
Nem sempre a solução mais justa é a reparação trabalhista e civil, como meio
de compensação pecuniária pela dor psíquica e sofrimento moral padecidos pela vítima
da discriminação estética.
Dessa forma, a despedida por discriminação estética configura abuso de direito,
devendo o ato demissionário ser acoimado pela nulidade e uma vez declarado nulo
deverá possibilitar a reintegração do trabalhador discriminado, caso tenha invocado essa
obrigação de fazer. (art. 9º. CLT), sem prejuízo à reparação civil por dano moral, em
razão do atentado aos seus direitos da personalidade.
Caso opte o obreiro pela manutenção do vínculo laboral, poderá “...ingressar
com ação judicial para a empresa cessar o comportamento ilegal..”(NASIMENTO,
2011, p. 734), pleiteando a cominação de pena de multa (obrigação de não-fazer).
A Lei n. 9.029/95 veda a adoção de qualquer prática discriminatória e
limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou para a sua manutenção, por
motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade; sendo certo
que não há tutela legislativa específica para o caso de discriminação estética, apenas
genérica.
Entretanto, a Lei n. 9.029/95 comporta uma interpretação extensiva, social e
sistemática, haja vista que a sua finalidade é proibir prática discriminatória no que tange
ao acesso ao emprego ou manutenção do emprego, logo, as hipóteses ali elencada não
são numerus clausus, comporta extensão para abranger toda e qualquer forma de
discriminação, inclusive, a estética, haja vista que a rescisão contratual não pode atingir
a dignidade do trabalhador.
Diante de uma dispensa abusiva fundada na discriminação estética, por
analogia, o ofendido poderá invocar a Lei 9.020/95 e reclamar, conforme disposto no
art. 4º. referida Lei, a reintegração com o ressarcimento integral de todo período de
afastamento, ou seja, salários e outros direitos adquiridos quando em curso o contrato
laboral ou optar pelo recebimento em dobro da remuneração do período de afastamento,
devidamente corrigida.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

5.2.2 Fase pré-contratual

Oportuno esclarecer, a princípio, que o empregador tem liberdade e livre


iniciativa de exigir certos atributos e características para o desempenho de determinada
função, sob pena de violação à liberdade contratual, bem como ao seu direito de
propriedade e de livre iniciativa.
Conforme esclarece Amauri Mascaro Nascimento, para a discriminação devem
concorrer o elemento subjetivo, ou seja, a intenção de discriminar e o elemento
objetivo, ou seja, a “preferência efetiva por alguém em detrimento de outro sem causa
justificada...” (2011, p. 732) .
É inerente ao poder diretivo e de organização do empregador proceder à
obtenção de informações e características pessoais acerca do candidato a determinada
vaga de emprego através de testes, entrevistas etc, tendo-se em conta, certamente, a
verificação das aptidões pessoais e profissionais para aquela determinada ocupação que
se está almejando.
Entretanto, esse poder diretivo do empregador utilizado na escolha e seleção do
candidato à vaga no emprego encontra limites nos direitos da personalidade, em
especial, àqueles relacionados à imagem, intimidade, privacidade, honra do candidato,
logo, qualquer tipo de exclusão em razão da estética do candidato ou da candidata
caracterizará abuso do poder diretivo e conseqüente ato ilícito que culminará com a
reparação por dano moral.
Muitas vezes a empresa abre oportunidade de vagas e nas tratativas
preliminares, ou seja, na pré-contratação acaba por cometer a discriminação estética,
impedindo o acesso da vítima ao emprego. Essas tratativas, segundo Míriam Russo
Terayama, “...entabula possível relação futura, inobstante sem compromisso de ânimo
definitivo, podem produzir efeitos jurídicos...omissis...a desistência injustificda de
contratação pelo empregador pode causar. (CAHALI, 1998, p.464).
Como bem adverte José Afonso Dallegrave Neto (2007, p. 105), invocando o
art. 422 do Código Civil que embasa os princípios da probidade e boa-fé nas relações
contratuais, o dano experimentado pelo obreiro na fase pré-contratual ou na fase pós-
contratual “não decorre da violação de obrigação contratual, mas da ofensa a um dever
de conduta imanente à figura dos sujeitos do contrato, pautado no princípio da boa-fé.”
(DALLEGRAVE, 2007, p. 105).

76
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Nessa linha de raciocínio, a violação aos direitos da personalidade através da


discriminação estética ou outra forma de atentando à dignidade humana do trabalhador,
caracterizará violação ao dever de boa-fé que deve nortear as relações contratuais e pré-
contratuais, ensejando responsabilidade civil contratual e consequente dever de
indenizar o dano moral provocado pela conduta discriminatória.

5.2.3 Fase pós-contratual

A discriminação estética também poderá ocorrer no ato da rescisão contratual ou logo


após a terminação do contrato de trabalho, sendo mais comum nessa última hipótese onde o
empregador ou ex-empregador presta informações desabonadoras ou tendenciosas no intuito de
dificultar ou impedir o acesso do trabalhador a nova vaga no emprego.
O efeito da discriminação estética no ato da rescisão ou após a rescisão contratual é o
mesmo, ou seja, violação à dignidade e personalidade da vítima e grave ofensa ao seu
patrimônio moral, no que diz respeito à imagem, privacidade, intimidade etc, sujeitando-se o
autor do ato discriminatório ao pagamento da indenização compensatória da dor e sofrimento
perpetrados na pessoa do ex-empregado.
Conjugando a ordem jurídica trabalhista que inseriu a relação de trabalho dentre os
litígios da competência da Justiça laboral e a ordem jurídica civilista que exaltou os direitos da
personalidade e, consequentemente, o dever de probidade e boa-fé nas relações privadas e
contratuais, pode-se compartilhar do entendimento de José Affonso Dallegrave Neto no sentido
de que:
Todas as conclusões acerca do enquadramento do dano pré-contratual
como conseqüência da inobservância de um direito relativo a
determinados sujeitos – e, portanto, dentro da responsabilidade civil
contratual – aplicam-se ao chamado dano pós-contratual decorrente
das relações de trabalho. (2007, p. 115).

Oportuno ponderar que o dever de boa-fé contratual (art. 422, CC) implica não apenas
a observância às cláusulas contratuais estabelecidas pelas parte ou cumprimento das obrigações
previstas em lei e instrumento normativo da categoria econômico-profissional, traz como dever
correlato o respeito e consideração à pessoa do empregado.
Por outro lado, é certo afirmar que esse dever de boa-fé que traz ínsito o dever de
respeito e consideração à pessoa do empregado é extensivo ao período pós-contratual, pois
ainda que não haja uma vinculação entre as partes através de uma relação contratual e
obrigacional, impera o dever jurídico de manutenção da paz e equilíbrio nas relações sociais, e
isso só se atinge através do respeito, preservação e promoção da dignidade da pessoa humana e

77
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

dos seus direitos e garantias fundamentais, dentre os quais o direito e garantia de não ser
discriminado em qualquer fase ou momento da vida pessoal e profissional.

As obrigações contratuais, em especial, dever de boa-fé que abarca respeito e


consideração à pessoa do contratante ou ex-contratante, projeta seus efeitos mesmo após
a extinção do contrato de trabalho, razão pela qual, qualquer modalidade de prática
discriminatória dirigida contra o ex-empregado caracteriza violação contratual e invade
a seara da responsabilidade civil (art. 927 do CC) que traz como corolário a indenização
por dano moral, sendo certo que “o status jurídico do agente (ex-empregador) e da
vítima (ex-empregado) é fundamental para a conclusão de que trata de um direito
relativo aos contratantes, ainda que já extinto o contrato. (DALLEGRAVE, 2007, p.
116).

6. Competência material

Matéria que sempre causou polêmica na doutrina e na jurisprudência é aquela


atinente à determinação da competência em caso de dano moral na fase pré-contratual e
na fase pós-contratual, sendo certo que na fase contratual não há dúvida de que a
competência para julgar o conflito é da Justiça do Trabalho, haja vista oriundo o
conflito da relação de emprego.
No caso, por exemplo, de discriminação estética no curso da relação laboral, o
empregado vitimado pela prática discriminatória poderá retirar-se do serviço ou manter-
se no emprego e ajuizar a ação trabalhista fundada na rescisão indireta do contrato de
trabalho (art. 483, CLT) cumulada com pedido de dano moral.
Tratando-se de discriminação estética na fase pré-contratual, para Yussef Said
Cahali, “a competência é da justiça comum, pois até não se estabelecera uma vinculação
trabalhista entre as partes envolvidas nos entendimentos preliminares...” (CAHALI,
1998, p.464). No mesmo sentido posicionou-se João de Lima Teixeira Filho ( apud
LOBREGAT, 2001, p. 130).
Sempre foi tormentosa a discussão acerca da competência material no caso de
dano moral ocorrido após a extinção da relação de emprego, antes da vigência da
Emenda Constitucional n. 45 que alterou a competência material da Justiça do Trabalho
(art. 114, CLT).

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Na fase do pré-contrato admitia-se tanto a competência da Justiça do Trabalho


como da Justiça Comum, sendo que o argumento que sustentava a competência da
Justiça do Trabalho era no sentido de que a questão de fundo era a relação de emprego,
ainda que fracassada as negociações preliminares. Entretanto, sobressaiu o
entendimento segundo o qual o pré-contrato é mera expectativa de direito, logo,
eventual dano decorrente das tratativas não são da competência da Justiça do Trabalho,
cuja competência apenas abarca conflitos decorrentes da relação empregatícia
formalizada nos termos da CLT; ademais, tratando-se de verba de natureza civil, como é
o caso do dano moral, a competência está afeta à Justiça Comum.
No sentido de ser a competência afeta à Justiça Comum no caso do dano pós-
contratual pronunciou-se o Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo que a
competência deve ser determinada pela causa de pedir, logo, tratando-se de pedido de
dano moral em razão de fato ocorrido após a extinção da relação empregatícia, a
competência é da Justiça Comum, ainda que haja vinculação remota à extinta relação
empregatícia. (2ª. Seção do STJ, conflito de competência 11.732, Rel. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, 22.02.1995, DJU I 03.04.1995, p. 8,.105, e Rep. IOB Jurisp.
3/10.80-8, apud CAHALI, p. 485-486).
Para se fixar a competência material no caso de prática discriminatória na fase
pré-contratual e na fase pós-contratual, temos que tomar como ponto de partida a análise
do art. 114 da CF antes e após a EC n. 45.
A EC 45 atribui à Justiça Laboral a competência para dirimir e julgar conflitos
decorrentes da relação de trabalho, logo, aplicando-se uma interpretação extensiva,
pode-se afirmar que qualquer conflito onde figure um trabalhador e um empregador será
da competência material da Justiça do Trabalho.
Consequentemente, na fase pré-contratual, ainda que não exista a relação de
emprego nos termos dos arts. 3º. e 2º. da CLT, existe a figura de um trabalhador, um
empregado em potencial, razão pela qual (...) tanto o empregado com vínculo
constituído quanto o trabalhador com relação ainda incipiente encontram-se igualmente
albergados pela competência da Justiça do Trabalho.” (DALLEGRAVE, 2007, p. 113).
Por outro lado, a partir do momento que o legislador constituinte fixou a
competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar “as ações de indenização por
dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”, é forçoso admitir que
não distinguiu em que momento a pessoa do trabalhador estará sofrendo o dano moral,
subentendendo-se que tanto o dano oriundo de uma relação laboral em curso, como o

79
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dano moral decorrente das tratativas e aquele decorrente da extinta relação laboral são
da competência da Justiça do Trabalho.
O que importa é o liame obrigacional estabelecido entre as partes e decorrentes
de uma relação jurídica contratual em curso, na tratativa ou já extinta, cujo liame
obrigação está relacionado, em primeiro plano, ao dever jurídico e legal de respeito e
consideração à pessoa do trabalhador, logo, esse argumento também reforça a assertiva
de que a competência é da Justiça do Trabalho, não importando em qual fase ocorreu o
dano moral.
Ademais, a Lei n. 9.029/95 foi editada no sentido de evitar práticas
discriminatórias não apenas na vigência da relação de trabalho, como também na fase
pré-contratual e na fase pós-contratual, pois o espírito da lei é evitar práticas que
impeçam a manutenção do emprego, o acesso ao emprego ou acesso a outra
oportunidade de emprego.

Conclusão
A discriminação nas relações trabalhistas, qualquer que seja a sua forma,
constitui-se como atentado à ordem jurídica constitucional, posto que viola a dignidade
da pessoa humana, os direitos e garantias fundamentais do cidadão, além de retirar o
valor social do trabalho e a boa-fé contratual, colocando em risco a manutenção ou
acesso ao emprego, além de gerar mazelas psíquicas irreparáveis.
A discriminação estética, como espécie do gênero discriminação nas relações
trabalhistas, é uma das espécies mais freqüentes de discriminação, cujo tipo de
discriminação pode ocorrer num ato único, ou seja, no momento prévio à contratação
(fase pré-contratual), durante a execução do contrato, hipótese na qual a discriminação
poderá ocorrer através de atitudes discriminatórias reiteradas e sistemáticas, que
conduzirão ao assédio moral discriminatório, assim como, a discriminação poderá
ocorrer após a extinção da relação laboral, no intuito de desmotivar a contratação de
determinado empregado ou empregada.
Sem dúvidas, a discriminação estética caracteriza infração ao dever jurídico
preexistente de respeito e consideração ao próximo, invadindo a seara do ato ilícito e,
como tal, afeta o patrimônio moral da pessoa, culminando com o dever de reparação
pelo dano moral perpetrado, cuja indenização é de natureza civil e visa compensar a dor
e sofrimento padecidos pela vítima da discriminação estética.

80
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

No âmbito trabalhista, a discriminação estética não está enquadrada, em


palavras claras, na Lei n. 9029/95, todavia, urge uma interpretação sistemática,
sociológica e extensiva dessa Lei para abarcá-la, razão pela qual, havendo demissão em
razão da discriminação estética, o discriminado poderá pleitear a anulação da rescisão
por abuso patronal e reivindicar a reintegração no emprego ou optar pela indenização
em dobro.
Ademais, ocorrendo a discriminação no curso da relação empregatícia, é mais
provável que torne a manutenção do vínculo laboral insuportável, nascendo para o
trabalhador o direito de rescindir indiretamente a vínculo laboral e pedir a indenização
trabalhista e civil pelo dano moral.
Na verdade, a rescisão contratual e recebimento de indenizações de natureza
civil e trabalhista muitas vezes não correspondem ao caminho adequado para a questão
da discriminação nas relações de trabalho, pois o valor pecuniário não apaga a cicatriz
deixada pela humilhação de ter sido discriminado (a) em razão da estética.
Na verdade, elementar o estabelecimento de políticas públicas por parte do
Estado e políticas privadas por parte das empresas visando o estabelecimento de
medidas preventivas e anti-discriminatórias, exaltando a preservação da dignidade da
pessoa humana, a promoção dos direitos e garantias individuais e de pleno
reconhecimento do valor social do trabalho.

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83
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A ALTERAÇÃO DO POSTO DE TRABALHO COMO CONFIGURAÇÃO DE


ASSÉDIO MORAL: UMA ANÁLISE LUKACSIANA SOBRE A DIGNIDADE DA
RELAÇÃO DE EMPREGO

THE FUNCTION LABOR CHANGE AS A WORKPLACE BULLYING: A


LUKACSION ANALYSIS ABOUT RELATIONSHIP EMPLOYMENT DIGNITY

ANDRÉA MARIA DOS SANTOS SANTANA VIEIRA


Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV – Faculdade de Direito de
Vitória. Advogada da União.

PEDRO GALLO VIEIRA


Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV – Faculdade de Direito de
Vitória. Advogado da União.

RESUMO: O presente estudo busca analisar a relação existente entre assédio moral e
alteração do posto de trabalho, de modo a rechaçar a tese corrente em doutrina e
jurisprudência pela obrigatoriedade da prática de atos reiterados para configuração da conduta
discriminatória em relação ao trabalhador. Neste contexto, bastaria a realização de um único
ato, qual exponha o trabalhador à humilhação, de modo a forçá-lo a deixar o emprego. De se
ver, interessa mais a intensidade do sofrimento causado, porquanto infringe maiores danos ao
trabalhador, atingindo a sua esfera de dignidade e resultando na fixação de indenização em
patamar superior a mera agressão moral. Com isto, sustenta-se que vincular o assédio à
necessidade de repetição configura abordagem em favor do assediador, ao que se questiona
ainda o compromisso social da vítima e dos demais partícipes em um processo velado de
perpetuação do dano em denunciar a conduta ofensiva em prol de um meio ambiente de
trabalho sadio.

PALAVRAS-CHAVE: Assédio moral; alteração de função; dignidade da pessoa humana.

ABSTRACT: This study seeks to analyze the relationship between workplace bullying and
change the functions in job, so to reject the thesis in current doctrine and jurisprudence by

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

mandating the practice setting for repeated acts of discriminatory conduct in relation to the
employee. In this context, it would be sufficient to carry out a single act, which expose the
worker to humiliation in order to force him to leave his job. To see, more interested in the
intensity of the suffering caused, because it infringes further damage to worker, reaching its
sphere of dignity, and resulting in fixing damages in excess of mere moral aggression. With
this, it is argued that the need to link the harassment repeat sets approach in favor of the
harasser, it is still questioned the social commitment of the victim and other participants in a
process of covert perpetuation of damage in denouncing the offensive conduct towards a
healthy work environment.

KEY WORDS: workplace bullying; function change; human dignity.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A desmotivação gerada pelo assédio moral, qual afeta a


produtividade e a qualidade de vida do empregado – 3. Da responsabilidade de todo o grupo,
incluída à vítima perante o assédio moral – 4. A construção do projeto de vida e da carreira
em relação ao sujeito. – 5. Considerações finais – 6. Referências.

INTRODUÇÃO

A Constituição reconhece, já no Título I, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais


do trabalho1 como princípios fundamentais. Embora a Lei Maior preveja tratar-se o direito ao
trabalho de um direito fundamental, quando o assegura dentre as espécies de direitos sociais 2,
a efetiva proteção da relação de trabalho merece reforço de modo a afastar atos do
empregador que coloquem em risco o meio ambiente de trabalho sadio. Pequenas agressões
visando à desestabilização do empregado buscam estimular pedidos de rescisão indireta do
contrato de trabalho, conforme destaca Nascimento (2011, p. 13), quando declara que “todas
as medidas de constrangimento no trabalho possuem uma única finalidade: causar dano à

1
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III -
a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
2
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.

85
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moral e à dignidade ínsita à pessoa do trabalhador e, no limite, forçar que a vítima peça
demissão”.

Essa prática configura o chamado assédio moral, qual sempre existiu, mas que nos últimos
anos tem merecido atenção especial dos tribunais face a necessidade em definir novos
contornos ao vínculo jurídico que une empregados e empregadores. A esse respeito Thome
afirma que

Sua maior exposição, atualmente, dá-se devido ao desemprego, rotatividade da mão


de obra e ocupações precárias. As pessoas, hoje, agarram-se ao trabalho, em
detrimento de sua saúde física ou mental, diminuindo a produtividade, aumentando
o absenteísmo e as doenças do trabalho. Em tal competitividade, até os direitos
previstos na Declaração dos Direitos do Homem são esquecidos dentro da máxima
“não reclame porque, ao menos, você tem trabalho” (THOME, 2009, p. 27)

Configurando o assédio moral hipótese de ameaça à saúde física e mental do empregado, por
se tratar de uma violência contra o indivíduo na forma básica de sua existência expressa na
necessidade da prática laborativa, põe em risco ainda o bom andamento da comunidade de
trabalhadores, por atingir também a dignidade dos demais, quando exige que atuem de
maneira cúmplice com o agressor de modo a assegurar a manutenção do próprio emprego.

Nascimento (2011, p. 14) reporta à exigência da repetição como elemento de configuração do


assédio moral pela doutrina brasileira, que somente pela reiteração seria capaz “de causar
ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica” do trabalhador. De forma
contrária, o presente estudo busca estabelecer a íntima relação existente entre o assédio moral
e a alteração por ato único do posto de trabalho. Tal abordagem se mostra importante uma vez
que doutrina e jurisprudência defendem que para configuração do assédio no trabalho
necessária a reiteração das práticas ofensivas, o que não se dá na presente hipótese, visto que
a ofensa se esgota de uma só vez, muito embora as consequências do ato de alteração do posto
de trabalho se perpetuem enquanto presente o vínculo de emprego. Nascimento (2011, p. 64)
é enfática ao afirmar que a prática de um ato isolado não seria capaz de configurar hipótese de
assédio, porquanto faltaria o elemento constante. Eventual ato singular daria azo tão somente
à indenização por danos morais, não se confundindo com a prática do assédio que exigiria
para sua configuração da presença de conduta de natureza psicológica, ato praticado de forma
prolongada e repetitiva no tempo e existência de dano e nexo causal. O mesmo para Thome

86
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(2009, p. 38), que se reporta ao assédio como processo reiterado, consubstanciado na agressão
psicológica prolongada no tempo, de modo a ferir a dignidade do trabalhador.

Embora inexista alteração do contrato de trabalho, que permanece regido pelas mesmas
cláusulas originárias, dá-se uma alteração de fato através da recolocação do empregado em
novo posto, que pode ser ou não de posição inferior, razão pela qual passa a trabalhar
desmotivado, visto que não se reconhece na nova função. Dentre os objetivos propostos
destaca-se a importância da correta inserção do empregado no posto de trabalho para o qual
fora contratado, sendo que eventual alteração não pode ser fruto de ato de assédio moral, com
fins de humilhar a parte mais fraca da relação de emprego. Qualquer mudança está a depender
de concordância expressa do recolocado, exigindo ainda o devido treinamento para a prática
da nova função.

A premente necessidade de manutenção do indivíduo no mercado de trabalho faz com que em


sua maioria o trabalhador se sujeite a tais situações, com pena de risco a sua saúde. A
construção do projeto de vida e da Carreira perpassa necessariamente pela aceitação de
atividades contraditórias, com vistas à permanência no emprego, posto que, em tese, pior seria
a busca por nova atividade laborativa e o medo do desemprego. Destaca Lukács (2010, p.42)
a importância do trabalho para o processo de humanização do indivíduo. Impossível dissociar
o trabalho dos demais projetos de vida, porquanto intrinsecamente relacionados. Para que se
preveja a autorrealização do sujeito necessário considerar o espaço preenchido pelo trabalho
na dinâmica social, e quanto deste se realiza em uma esfera de autonomia. Segundo a
fundamentação lukacsiana, o atingimento de uma finalidade específica a partir do trabalho
decorre necessariamente da consciência do indivíduo de sua importância, não apenas em
relação a si, mas em contexto com os demais (LUKÁCS, 2010, p. 43-44). Quer-se com isto
estabelecer a relação entre o trabalho e o processo de desenvolvimento humano, e quanto de
sua atividade impulsiona a dinâmica de transformação social, que perpassa necessariamente
pelo reconhecimento do desenvolvimento próprio, ao que importa a cada um estabelecer a
contribuição a ser desempenhada para o processo de constituição da verdadeira cidadania,
para si e em relação ao grupo. A aceitação de práticas abusivas no ambiente de trabalho, por
parte de toda a equipe, bem como da própria vítima, impede seja assegurado o
desenvolvimento sadio do meio ambiente de trabalho.

87
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Neste contexto, a pesquisa se verifica em razão da necessidade em desmistificar a


obrigatoriedade de reiteração da conduta de assédio, bastando, para tanto, que a humilhação e
o sofrimento causados, estes sim, imprimam no sujeito um desconforto em sua atividade
laboral, bem como em sua própria vida, razão pela qual se questiona o compromisso social
também da vítima e dos demais partícipes em um processo velado de perpetuação do dano,
em denunciar a conduta ofensiva.

2. A DESMOTIVAÇÃO GERADA PELO ASSÉDIO MORAL, QUAL AFETA A


PRODUTIVIDADE E A QUALIDADE DE VIDA DO EMPREGADO

Diminuição da produtividade, desmotivação, falta de interesse e medo podem ser resultado de


humilhações e demais condutas abusivas sofridas no ambiente de trabalho. Neste contexto, a
doutrina é unânime em destacar a necessidade do caráter reiterado da conduta para
configuração do assédio moral no trabalho. Segundo Carvalho (2009, p.61), importa em
prática sistemática e prolongada de atos abusivos com caráter humilhante, realizados no
ambiente do trabalho, que provocam agressão psíquica “cujo objetivo é excluir a vítima da
organização empresarial”. De igual forma Nascimento (2009, p.117), ao fazer a distinção
entre assédio moral e simples ato isolado de agressão moral ao trabalhador, entendido aquele
como injúria qualificada pela repetição.

A diferença entre agressão moral e assédio moral está na reiteração da prática que
configura esta última e no ato instantâneo que caracteriza aquela. É uma forma de
violência no trabalho que pode configurar-se de diversos modos (ex. isolamento
intencional para forçar o trabalhador a deixar o emprego, também chamado, no
direito do trabalho, de disponibilidade remunerada, o desprezo do chefe sobre tudo o
que o empregado faz, alardeado perante os demais colegas, deixando-o em uma
posição de constrangimento moral, a atribuição seguida de tarefas cuja realização é
sabidamente impossível exatamente para deixar a vítima em situação desigual à dos
demais colegas) (Nascimento, 2009, p.117).

No mesmo sentido, Lima Filho (2009, p.38-39) define o assédio como atentado reiterado à
dignidade da pessoa, na forma física ou psíquica, constituído por condutas abusivas realizadas
no local de trabalho, que ponham em perigo o emprego ou possam degradar o ambiente de
trabalho. Sobre o tema, Thome (2009, p. 26-28) identifica como um processo sem volta no
momento histórico presente, diante do atual dimensionamento do trabalho, das pressões a este
inerentes e da evidente competição não apenas entre o assediado e seu superior, mas também
e, principalmente, em relação ao grupo.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

No que tange à destruição física e psíquica do trabalhador, Carvalho (2009,p.61) destaca que
“a prática do assédio moral prejudica, degrada, destrói o ambiente de trabalho,
desestabilizando a vítima, provocando nesta um cansaço, um verdadeiro desgaste emocional
que pode evoluir para doenças de ordem psíquicas e físicas”, com sérios danos ao trabalhador.
Tem-se com isto que o assédio viola a dignidade da pessoa porquanto afeta sua integridade,
atingindo de tal sorte seus direitos de personalidade. Se a parte atingida não busca reverter a
situação ou questionar a conduta do agressor na Justiça, permite a perpetuação de malsinada
prática. Ou seja, não é apenas a vítima quem sai perdendo, mas toda a comunidade, qual se vê
a mercê da conduta abusiva.

A configuração do assédio moral na hipótese não exige que a recolocação configure em posto
vexatório, a exemplo de transferência para local insalubre ou atribuição de função inerente a
posição de escolaridade inferior, bastando, para tanto, que a alteração não se mostre
condizente com a formação própria do recolocado, para a qual fora contratado pela empresa.
Eventual mudança embora não seja comum na prática, pode se dar também na via inversa, de
alteração de funcionário, sem qualquer treinamento, para cargo superior, de modo a que a
recolocação configure um mal tão grave que impeça a continuidade na empresa pelo não
acompanhamento das atividades a serem desempenhadas. Tal situação afeta a saúde do
trabalhador, que se vê obrigado a recorrer à despedida indireta, posto encontrar-se
inferiorizado e ridicularizado em relação aos seus pares.

Porquanto infrinja maiores danos ao trabalhador ofendido, atingindo a esfera da sua dignidade
e dos direitos de personalidade, da intensidade do sofrimento psicológico resulta a
necessidade de fixação de indenização em patamar superior a mera agressão moral. Vincular
o assédio à necessidade de repetição configura abordagem em favor do assediador, razão pela
a análise do dano impingindo à vítima deve ser analisada sob a ótica do sofrimento a esta
causado.

Caracteriza-se, portanto, pela degradação deliberada das condições de trabalho em que


prevalecem atitudes e condutas negativas em relação a um indivíduo ou ao grupo,
constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o
trabalhador e a organização. O assédio moral difere de um conflito aberto, posto que impede a
vítima de se defender (CARVALHO, 2009, p. 63). Esta é isolada do convívio sem
explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, e desacreditada diante

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

dos pares. Estes, por medo do desemprego e vergonha de serem também humilhados,
associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços com o ofendido e
frequentemente reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho,
instaurando o pacto da tolerância e do silêncio. Com isto, ao falar em agressor, necessário
fazer a distinção entre aqueles que colaboram com o comportamento agressivo de forma
passiva e os que praticam a agressão de forma direta, visto ser comum colegas de trabalho se
aliarem ao agressor ou se calar diante dos fatos.

Em geral, os assediadores provocam ações humilhantes ao profissional ou o cumprimento de


tarefas absurdas e impossíveis de realizar, para gerar a ridicularização pública no ambiente de
trabalho e a humilhação do assediado, forçando o profissional a desistir do emprego. Face a
necessidade de defesa dos direitos fundamentais do trabalho, as organizações internacionais,
como a Organização Internacional do Trabalho – OIT e a Organização Mundial da Saúde –
OMS, destacam a importância em alertar para a relação existente entre as ofensas perpetradas
contra o trabalhador e o atingimento de sua saúde física e mental. Da prática do assédio moral
decorrem diversas doenças que afetam a qualidade de vida do trabalhador, qual deve escolher
entre sua saúde e a manutenção do emprego, causando intenso sofrimento, daí a necessidade
de sua efetiva proteção.

3. DA RESPONSABILIDADE DE TODO O GRUPO, INCLUÍDA À VÍTIMA,


PERANTE O ASSÉDIO MORAL

No Brasil não há uma lei específica para assédio moral, mas este pode ser extraído das
condutas previstas no artigo 4833 da Consolidação das Leis do Trabalho. Apenas legislações
esparsas tratam do tema, em especial na esfera pública, como a Lei nº 12.250, de 9 de
fevereiro de 2006, do Estado de São Paulo, que veda o assédio moral no âmbito da
administração pública estadual direta, indireta e fundações públicas, bem como a Lei nº

3
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: a)
forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao
contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr
perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o
empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; f) o
empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de
outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a
importância dos salários.

90
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

13.036, de 29 de maio de 2008, do mesmo Estado, que instituiu o dia estadual de luta contra o
assédio moral nas relações de trabalho, a ser comemorado no dia 2 de maio.

De difícil identificação e combate, pois descaracteriza a figura de um único culpado, torna o


problema responsabilidade do grupo e, inclusive, da própria vitima. Muito embora seja
necessário reforçar a importância em proteger a vítima do assédio, cabe a esta também buscar
formas de se proteger, pois muitas vezes a agressão não é exposta com clareza aos demais.

Segundo Alkimin (2008, p.30), o respeito ao meio ambiente do trabalho, local onde o
trabalhador passa boa parte de sua vida, é dever de todos, devendo ser protegido em razão do
interesse da coletividade de trabalhadores. Ainda que não haja de forma direta, o grupo
pratica o assédio com sua conduta omissiva ao compactuar no silêncio com o agressor. O
assediado passa a chegar em casa arrasado, com mágoa do seu agressor que agora se confunde
com o grupo. Sem referencial, e tendo o agressor conseguido retirar todo senso crítico da
vítima, esta perde a real noção se está agindo ou não de forma correta. O fenômeno do assédio
deteriora sensivelmente o meio ambiente do trabalho, com repercussão na produtividade e na
ocorrência de acidentes.

Quanto à natureza jurídica do meio ambiente do trabalho, não se trata de uma


garantia fundamental de interesse individual, mas de uma garantia fundamental de
interesse coletivo, já que consta, expressamente no art. 225 da CF, que o meio
ambiente equilibrado é uma garantia de todos, devendo o Poder Público e a
coletividade preservá-lo; sendo dever de cada trabalhador, do empregador e do
próprio Poder Público, a preservação do meio ambiente laboral para a sadia
qualidade de vida (ALKIMIN, 2008, p. 30).

Depois de isolada, a vítima começa a imaginar se o problema não é realmente com ela,
momento em que o objetivo do agressor se concretiza, quando consegue que o próprio
ofendido desacredite do seu potencial. Acreditando serem responsáveis pela agressão que
sofreram, as vítimas começam a achar que o problema está com elas e isso transpassa para
todos os outros setores de sua vida, afetando seus relacionamentos e sua capacidade de
socializar-se.

O temor ao desemprego favorece o começo da submissão e a impunidade dos agressores, já


que, na maior parte das vezes a vítima desconhece as medidas que podem ser tomadas para
reprimir o assédio ou receia colocar-se em situação que possa prejudicá-lo frente ao
competitivo mercado de trabalho. De acordo com Alkimin (2008, p. 75) “nem sempre o

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

assediador deixará transparecer a intenção discriminatória”, pois a ofensiva aberta admite uma
réplica e torna conhecida sua estratégia. Por isso a primazia pela comunicação não-verbal, por
meio de sinais, boatos, ironias, sarcasmos ou de até mesmo, ignorar a vítima são técnicas
comumente utilizadas, quais não confirmam de forma veemente a prática do assédio. Em
virtude desta tática sutil e pessoal, o assédio moral pode ser caracterizado como uma violência
invisível.

Com medo, na maioria das vezes as vítimas de assédio moral mantêm segredo sobre o caso, o
que acaba favorecendo o aumento dessas situações perante sua impunidade. Trata-se de um
círculo vicioso, que coloca agressor e vítima umbilicalmente ligados, vez que cada qual
depende do outro para perpetuar o assédio. Entretanto, constitui também um seu dever coibir
tais condutas, se não em seu interesse, em favor da coletividade, qual pode vir a ser vítima do
mesmo agressor. Resta claro que a conduta do assediador, após atingido o intento que é de
afastar a vítima da relação de emprego, fará com que busque novo alvo para suas investidas
discriminatórias, seja por insegurança ou autoafirmação. Disso resulta a necessidade de
mudança de comportamento não apenas do opressor, mas também do oprimido e mais, de
todo o grupo.

Em meio à organização burocrática das massas retira-se do indivíduo, com base no terror e na
ideologia, a capacidade de agir, criando-se novas formas de dominação. Alerta Freire (2012,
p. 39-43) para a ameaça sobre os oprimidos, que dificulta a execução do projeto de libertação,
preferindo adaptarem-se ao modelo instaurado que os impede de ser mais. Embora
reconheçam a realidade de opressão, preferem a modificação da realidade objetiva pela
criação de uma realidade imaginária, forjada para atender demais interesses. Desacreditar sua
importância remete ao trágico diagnóstico de desumanização, sendo certo que a negação
resulta da crença na humanidade roubada pela violência dos opressores. Ao dar ênfase à
pedagogia libertadora, o autor discorre sobre a necessidade do oprimido em restaurar sua
humanidade, compreendendo inicialmente que hospeda a visão de vida do opressor, cabendo
àquele inseri-lo no processo de retomada da sua liberdade, porquanto ambos se apresentam
intrinsecamente ligados. Libertar-se pressupõe uma ação transformadora, que não se reduz ao
mero reconhecimento da situação concreta de opressão, mas, ao contrário, em práxis autêntica
de luta, que se pode resumir em reflexão e ação pelo objetivo de libertar-se, razão pela qual
“não haveria ação humana se o homem não fosse um “projeto”, um mais além de si, capaz de
captar a sua realidade, de conhecê-la para transformá-la” (FREIRE, 2012, p. 45). O homem

92
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

tende a ser mais na medida em que reconhece sua real vocação no mundo, o que permite a
retomada do controle sobre sua própria vida.

4. A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE VIDA E DA CARREIRA EM RELAÇÃO AO


SUJEITO

Segundo THOME (2009, p. 67) “o assédio moral atinge os direitos fundamentais da pessoa
humana, na medida em que o assediador atinge a própria identidade da vítima como ser
humano, ao gerar sua “desumanização”. A depender da liberdade que temos para atuar, a
vontade expressa no projeto de vida será ou não plena. A preocupação com as relações sociais
e com o trabalho e sua função na sociedade, se faz presente todo o tempo. Um dos meios de se
completar o projeto de vida decorre necessariamente da inserção da Carreira e sua realização
dentre os seus objetivos. Como suporte que se efetiva pelo ato de cooperação social, o ser que
trabalha responde ao processo de humanização qual remete à integração no foco da
subjetividade. Freire (2012, p.32-36) ao analisar a inquietude do homem frente ao
reconhecimento do pouco saber sobre si mesmo, destaca a humanização como fator central de
preocupação no atual estágio histórico. Muito embora seja apenas uma faceta das múltiplas
ações empreendidas pelo sujeito, a importância do trabalho não pode ser relegada a segundo
plano, fazendo parte do projeto de vida do indivíduo. Trabalho e vida não se distinguem,
sendo impossível dissociar um do outro. Afinal, o trabalho gera sentimento de realização às
pessoas, porquanto desenvolvem novas competências, através da resolução de problemas e
vivência de novas experiências.

Carvalho (2009, p. 99) destaca que “o trabalho não é apenas uma fonte de subsistência do ser
humano, mas também a principal fonte de reconhecimento social e realização pessoal”. Por
meio deste, o homem não apenas se identifica como pessoa, mas também se destaca
socialmente. Quando seus objetivos não se realizam, frustam-se suas expectativas,
acarretando em insatisfação no trabalho e fora dele, o que desestabiliza seu convívio com as
demais pessoas.

Conquanto sua realização seja feita por meio de socialização, ao se atribuir propósito ao
trabalho surge como exigência natural a promoção de suas potencialidades na realidade de
quem o exerce e de quem por este é atingido, consistindo em oportunidade de

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

desenvolvimento e preenchimento da vida do homem. Para que possa contribuir com o


próprio trabalho, o homem deve ser livre para atuar em relação aos demais. Do mesmo modo
que o trabalho integra a vida do indivíduo, as experiências pessoais também fazem parte da
realidade do trabalho.

O ser que trabalha, ao mesmo tempo em que transforma, é transformado pela realidade ao
redor. Lukács (2010, p.42) entende que o trabalho está no centro do processo de humanização,
já que permite o salto ontológico das formas pré-humanas para o ser social. Este deve ser
entendido em sua dinâmica de interação com os demais elementos aos quais se liga
inevitavelmente, ao que rechaça a separação entre natureza e sociedade. Não há que se falar
em separação da vida do trabalho, porquanto este constitui em condição necessária e
fundamental para que aquela subsista, não apenas em seu aspecto remuneratório, mas,
principalmente, por permitir a construção da identidade e autorrealização do sujeito. Tanto
assim que a Constituição, já no seu artigo 1º, inciso IV, 4 estabelece como fundamento da
República o valor social do trabalho. Da fundamentação lukacsiana parte-se de uma realidade
vivenciada a partir do trabalho, qual busca atingir uma finalidade específica, mediada pela
consciência do indivíduo de sua importância na construção do fim humanamente configurado.
Para Lukács, o domínio do homem pela consciência resulta na efetiva representação que faz
de si mesmo.

Segundo o autor, (LUKÁCS, 2010, p. 43-44), a ontologia do ser social resulta do pôr
teleológico, qual define a inserção no processo dinâmico de redefinição de processos causais,
haja vista a inexistência de formas de trabalho desenvolvidas em sua integralidade. Segundo
Lukács, muito embora em outras práxis sociais se verifique necessariamente a relação entre os
seres, a importância definitiva do trabalho resulta da transcendência da individualidade do
homem, como continuidade do processo de desenvolvimento social.

Portanto, o trabalho introduz no ser a unitária inter-relação, dualisticamente fundada,


entre teologia e causalidade; antes de seu surgimento havia na natureza apenas
processos causais. Em termos ontológicos, tais complexos duplos só existem no
trabalho e em suas consequências sociais, na práxis social. O modelo do pôr
teleológico modificador da realidade torna-se, assim, fundamento ontológico de toda
práxis social, isto é, humana (IBIDEM, p. 44-45).

4
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Ao analisar a centralidade do trabalho sob a perspectiva lukacsiana, Antunes (2009, p. 136-


138) resume o pôr teleológico como fenômeno ideado na consciência do ser social, qual visa
reproduzir a vida societal. Ao processo laborativo acrescenta uma finalidade, enquanto
necessidade humana e social, que, no entanto, somente pode ser desenvolvida se atingidos
níveis apropriados para sua realização. Neste contexto, o ato teleológico deve ser entendido
como resposta às necessidades da vida.

A consciência do ser social decorre da possibilidade de se autogovernar em relação ao


processo do trabalho, com vistas a atingir o fim visado. Entretanto, o autor enfatiza que uma
vida cheia de sentido não se resume exclusivamente ao trabalho, sendo este seu primeiro
momento de realização, devendo, no entanto, atribuir liberdade às diversas possibilidades de
escolha, pois a partir das diferentes possibilidades é que resulta o verdadeiro homem livre e
não tolhido em suas determinações. Com efeito, o “ser social salta de sua origem natural
baseada nos instintos para uma produção e reprodução de si, como gênero humano, dotado de
auto-controle consciente” (ANTUNES, 2009, p.143-144).

Enquanto ser social, o homem não se resume apenas a processos biológicos de sua mera
existência, impondo-se o desenvolvimento da ação orientada para o atingimento de
determinado fim. Da práxis social resulta a relação entre causa e efeito, segundo o aspecto
subjetivo, ou seja, do ponto de vista do sujeito. Como ao homem não é possível antever todas
as possibilidades futuras, suas decisões vão depender da relação desenvolvida com o meio em
que se encontra. Tem-se, portanto que, quanto mais é permitido a este homem desenvolver
todas as suas potencialidades, maiores as chances de compreender e agir de acordo com o
melhor fim esperado. Trazendo para o objeto de estudo, eventuais limitações impostas pelo
trabalho decorrente do assédio tende a resultar em prejuízo não apenas do ser individualmente
considerado, mas de toda a coletividade. Tem-se, portanto, a humanização do sujeito a partir
da humanização do objeto de análise, qual deva ser entendido como resultado da atividade
social. Nesta abordagem, o homem deve ser entendido ao mesmo tempo em sua
particularidade e universalidade, como dois lados de uma mesma realidade.

O trabalho ganha importância ao se constituir como a forma primordial do ser, enquanto


síntese das aspirações dos homens. Para tanto, deve ser compreendido segundo uma análise
dialética, e não como uma unidade absoluta e fechada em si mesma. De forma a dotar de
sentido a vida dentro e fora do trabalho, essas duas esferas devem ser compreendidas

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mutuamente, razão pela qual não se deve atrelar simplesmente trabalho a dever, senão
também como espécie de prazer que emancipa quem o exerce de forma útil à sociedade. Nisto
consiste a essência do trabalho humano, não como meio de escravizar o indivíduo, mas como
forma de transformação da práxis social. Com isto, visa orientar o procedimento humano,
cabendo ao trabalho estabelecer o desenvolvimento da sociabilidade, segundo a dinâmica
orientada pela realidade social, porquanto sua essência constitui em um dado não previamente
definido, restando aberta a múltiplas possibilidades.

Desde que o ser humano sentiu necessidade de vender sua mão-de-obra, passou a conviver
com ironias, ofensas, mau humor dos chefes e até mesmo de colegas de trabalho, afetando
todo seu psicológico e transpassando as consequências deste fato para o seu dia-a-dia. Face a
complexidade da vida social, ao longo do processo o próprio caminho inicialmente previsto
pode dar ensejo a objetivos independentes e contrários. Novas situações até então não
ventiladas poderão surgir, razão pela qual não se pode permitir a submissão e estagnação do
processo de desenvolvimento, em meio à ruptura da dinâmica do trabalho. Muito embora os
anseios de satisfação do homem não estejam estabilizados e, portanto, não coincidam com o
inicialmente pensado, sua vontade deve ser livre para redesignar os rumos de suas ações
concretamente. Porquanto não se considere unicamente o trabalho como transformador da
práxis social, este constitui num medium entre os anseios baseados nos valores
predeterminados pelos indivíduos e suas atitudes voltadas para a transformação da dinâmica
social. Com isto impulsiona a atividade, permitindo ao mesmo tempo o desenvolvimento do
homem em sua cooperação com os demais seres.

Pelo trabalho, atividade essencialmente social, é possível ao homem superar a si mesmo,


enquanto consciente da responsabilidade pelo seu destino. Neste aspecto, não se pode
conceituar o indivíduo separado da comunidade, posto que suas aspirações são representadas
pela totalidade social, comprometido que se encontra com as verdadeiras necessidades do
conjunto dos indivíduos. Muito embora em alguns casos possam os desejos individuais se
contrapor às necessidades concretas da vida em sociedade, o desenvolvimento do processo de
trabalho perpassa pelo reconhecimento e consciência das necessidades concretas da vida em
sociedade, enquanto constitua em autonomia a capacidade de refletir quanto à orientação
voltada a determinado fim (LUKÁCS, 2010, p. 338-339).

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Ao homem através do trabalho admite-se romper com o modelo previamente estabelecido e


determinado de existência, de modo a garantir a transformação não apenas social, mas
também o reconhecimento de sua verdadeira essência, porquanto fundada em um processo
temporal qual permite a orientação a partir de múltiplas possibilidades. O homem se torna
verdadeiramente humano quando consegue transcender às formas anteriores de existência,
com vistas a emancipar-se de modo a orientar os rumos de sua própria vida. Por meio de
escolhas conscientes frente ao todo social, a conduta humana tende a ser definida como ato de
liberdade. A modelação deste novo homem consciente do papel social que representa deve
ocorrer em total liberdade, ao que não se apresenta correta a limitação castradora que vise
ditar sua conduta. Para o autor, a liberdade ocorre em meio ao plano social, orientada pelos
valores partilhados, com a atuação voltada ao conhecimento da adequação das necessidades à
generalidade social. Disso decorre que a essência da liberdade é parte do desenvolvimento da
vida, atribuindo-se fator primordial ao trabalho como condutor do processo de interação do
homem em seu aspecto individual, bem como em relação aos demais indivíduos. Cabe ao
homem, enquanto ser consciente de sua responsabilidade social, buscar alternativas à
existência humana, como forma de emancipação do processo de desenvolvimento social. A
despeito das adversidades, estas não podem servir de fundamento à alienação, o que contribui
para o processo de dominação dos indivíduos. Para o desenvolvimento das potencialidades,
deve-se permitir ao trabalhador meios de exercer a liberdade em sua plenitude.

Segundo Dejours (1994, p. 139-142), o trabalho é um mediador privilegiado entre o


inconsciente e o social, e entre a ordem singular e coletiva, ele é espaço de construção do
sentido e, portanto, de conquista da identidade e da continuidade da história do sujeito. Busca-
se afastar a visão exclusivamente capitalista, devendo-se atribuir a ideia de autorrealização do
indivíduo por meio do trabalho. Com isto, verifica-se a possibilidade de satisfação através do
trabalho, porquanto este se apresenta essencial à esfera de vida. Da satisfação gerada no
exercício da profissão e do atendimento às expectativas pessoais decorre sua importância na
vida da pessoa. Segundo a teoria de Dejours, quando o sujeito se depara com situações
diferentes dos anseios à realização do seu projeto de vida, não mais se sente realizado em dar
continuidade, do modo como planejou, ao curso da Carreira (DEJOURS, 1994, p.40-41), daí a
importância em coibir práticas de assédio em prol da comunidade. A subjetivação do trabalho
estabelece-se à medida em que o trabalhador é mais valorizado, podendo atender ao que dele
se espera. Do contrário, tenderá a focar seus desejos em outros projetos, não sem prejuízo de
sua saúde física e mental, ligado ao baixo desempenho profissional. Disso decorre que fatores

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subjetivos, por meio de significação do projeto de vida em relação ao trabalho, permitem a


construção da própria consciência do ser em busca do seu constante aprimoramento,
porquanto projetos pessoais definem importantes ferramentas que interferem na atribuição de
significado à vida do indivíduo, por envolver seu conjunto de atividades diárias e
preocupações com relação à busca da felicidade.

Fundamentalmente, o sujeito pensa sua relação com o trabalho, produz


interpretações de sua situação e de suas condições, socializa essas últimas em atos
intersubjetivos, reage e organiza-se mentalmente, afetiva e fisicamente, em função
de suas interpretações, age, enfim, sobre o próprio processo de trabalho e traz uma
contribuição à construção e evolução das relações sociais de trabalho (DEJOURS,
1994, p. 140).

Como forma de atribuir significado à vida resulta a realização de um projeto pessoal, em meio
a processos dinâmicos dos quais o indivíduo possua controle, de modo a conferir bem-estar
aos seus anseios e idealizações. No mais, permite conectar-se com o mundo, por conferir
sentido e materialização a suas aspirações pessoais, não somente planejando ações para o
alcance de seus objetivos, mas planejando também a pessoa que deseja ser. Ao atribuir
propósito a sua existência, permite estabelecer seu lugar no mundo, estimulando a realização
de seus ideais para transformação da realidade. De se ver, importa a coesão do projeto de vida
com as crenças e valores do indivíduo, como forma a agregar sentido para o fim visado. Neste
contexto, devem-se adequar aptidões do indivíduo com sua ocupação profissional, de modo a
atender à satisfação do projeto e contribuir para o autodesenvolvimento.

Tendo em vista que grande parte do tempo será dedicado ao trabalho, este deve se voltar para
atender às necessidades humanas de realização pessoal. Redunda em importância a comunhão
com outras pessoais com vistas a compatibilizar o bem-estar social com a concretização de
ações voltadas para o projeto pessoal vez que, atrelada à existência de um projeto pessoal,
necessária a conscientização dos indivíduos de que a gestão desse projeto faz parte de sua
responsabilidade.

A inclusão da carreira profissional constitui em claro propósito de vida do qual o indivíduo


deve ter controle na utilização de suas experiências, habilidades e competências, para fins de
melhor desempenho de suas aspirações pessoais. Do desenvolvimento da carreira resulta o
indivíduo que queremos ser, com atitudes voltadas para a consecução dos anseios em torno
deste ideal, bem como estimulando o comprometimento voltado para ações específicas que

98
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possam conduzir ao alcance de tais metas. Com boa parte da vida é gasta no exercício da
profissão, é fundamental que esta possa satisfazer as necessidades básicas, desejos e
aspirações do indivíduo, transformando o trabalho em tarefa significativa, que atribua sentido
à vida. Para que atenda ao cumprimento das necessidades humanas, compete ao homem
compreender a importância do trabalho não apenas como forma de paga pelo seu exercício,
mas principalmente pela utilidade que deste decorre. Ou seja, o trabalho é uma necessidade
existencial que resulta na satisfação das necessidades do ser humano, possuindo um forte
caráter de estruturação, tanto no âmbito pessoal, quanto social.

Ao tratar da psicologia do trabalho e das situações produzidas neste campo que ora conduzem
à sensação de prazer, ora de sofrimento, Dejours (1994, p. 21-32) buscou identificar a
fronteira dinâmica entre a relação saúde e doença, resultante das condições determinadas pelo
meio ambiente do trabalho. Mereceu destaque o estudo sobre o prazer proveniente do
trabalho, qual influencia em várias áreas do comportamento humano. Disso resulta a
importância da subjetividade, para fins de afastar o sofrimento mental proveniente da carga
psíquica imposta pelas relações de trabalho que não atendam aos anseios do trabalhador. O
autor recorre à ideia de liberdade da vontade como forma de aliviar as tensões da prática
laborativa que conduzam a um trabalho saudável, qual respeite os potenciais humanos e
reforce sua qualidade. Destaca o autor a carga psíquica acometida pelo desconforto do sujeito
ao trabalho, qual difere de pessoa para pessoa. Com isto, adverte que

Para transformar um trabalho fatigante em um trabalho equilibrante precisa-se


flexibilizar a organização do trabalho, de modo a deixar maior liberdade ao
trabalhador para rearranjar seu modo operário e para encontrar os gestos que são
capazes de lhe fornecer prazer, isto é, uma expansão ou uma diminuição de sua
carga psíquica de trabalho (DEJOURS, 1999, p. 31-32).

Disso resulta que o ser que trabalha não exerce atos involuntários em busca de satisfação de
sua própria existência, senão visa atingir a universalidade na concretude da importância
humana conferida ao trabalho. Como ao homem não é possível prever de antemão os
resultados de suas ações, apenas possuindo pistas do que pretende, a este deve ser dada a
possibilidade de estabelecer-se no mundo de acordo com suas vontades e convicções. Ao
exercê-las livre de constrangimento, novas abordagens se instauram tanto maiores a permitir o
desenvolvimento da sociedade. Com isto, a busca de sentido à vida passa necessariamente
pela autorrealização individual e coletiva. Disso decorre a necessidade de respeito à dignidade
moral da pessoa do trabalhador e aos direitos relativos a sua personalidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema do assédio, embora não seja novo, remonta a uma série de elementos, segundo a
doutrina e jurisprudência pátrias, quais devam ser obrigatoriamente observados para sua
configuração. Neste contexto, embora prevaleça o entendimento pela necessidade de
reiteração dos atos contrários à prática de um meio ambiente de trabalho saudável, focado que
se encontra o agressor em denegrir e diminuir a autoestima da vítima, outras formas de
assédio devem ser repensadas.

Neste sentido, importa estabelecer novos parâmetros à caracterização do assédio moral, sob
pena de, caso contrário, expor ainda mais o ofendido à perpetuação de tais práticas, visto que,
para doutrina e jurisprudência a realização de um ato isolado não teria o condão de imprimir
na alma da vítima o necessário sofrimento e humilhação suficiente à configuração do assédio.
A se entender desta forma, a aceitação social a tais condutas tenderia a ser tolerada, o que
corroboraria com a manutenção dos casos de assédio ante o resultado menor em resposta ao
gravame.

Com isto, busca-se desmitificar a exigência de parâmetros a serem meticulosamente


observados para o efetivo desgaste da relação laboral. De tal sorte, bastaria a prática de uma
só conduta, desde que suficiente, como dito, para estabelecer o liame subjetivo de causa ao
dano, face a necessidade de respeito aos direitos de personalidade do trabalhador, qual se
verifica pela simples alteração do posto de trabalho, sem qualquer treinamento e concordância
do empregado, pouco importando se para a prática de atividades de maior ou menor
complexidade. Em quaisquer dos casos, o que se objetiva com a alteração é humilhar o
trabalhador perante seus pares, rebaixando-o de função ou elevando à realização de tarefa da
qual se sabe de antemão que não apresenta preparo específico.

Neste pormenor, decorre a importância em se atentar para novas práticas de assédio,


mascaradas em atos de somenos importância, mas qual imprimem dor e sofrimento ao
trabalhador, face a necessidade de preservação dos direitos de personalidade do empregado
ofendido, fruto da importância do trabalho enquanto elemento de perpetuação da qualidade de
vida do trabalhador. Em defesa aos seus interesses, remonta a obrigatoriedade de proteção
contra condutas arbitrárias, que nada agregam à relação de emprego, servindo eventuais
punições de modelo a afastar condutas desmedidas em relação ao trabalhador.

100
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

REFERÊNCIAS

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trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.

CARVALHO, Nordson Gonçalves de. Assédio moral na relação de trabalho. São Paulo:
Rideel, 2009.

DEJOURS, Christophe. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à


análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 1994.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

LIMA FILHO, Francisco das Chagas. O assédio moral nas relações laborais e a tutela da
dignidade humana do trabalhador. São Paulo: LTr, 2009.

LUKÁCS, György. Prolegômenos para uma ontologia do ser social. São Paulo: Boitempo,
2010.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTR,


2009.

NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Assédio moral. São Paulo: Saraiva, 2011.

THOME, Candy Florencio. O assédio moral nas relações de emprego. São Paulo: LTr,
2009.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A CRISE DO ESTADO SOCIAL E A FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS


TRABALHISTAS

THE CRISIS OF THE SOCIAL STATE AND LABOR LAWS


FLEXIBILIZATION

Valéria Crisóstomo Lima Verde1

Gina Vidal Pompeu

RESUMO

O presente artigo discorre sobre o surgimento do Estado Social, em substituição ao


Estado Liberal, sua evolução e dificuldades, analisando as normas de direitos sociais
expressas na Constituição brasileira de 1988 e suas concretizações, com especial
atenção ao fenômeno da globalização que impactou as tradicionais formas de comércio
através das profundas transformações no campo da tecnologia, das telecomunicações e
nos transportes levando a uma intensificação do comércio internacional com
consequente eliminação das barreiras alfandegárias fazendo surgir uma nova condição
de trabalho onde o trabalhador se viu despreparado por não conseguir acompanhar o
desenvolvimento tecnológico em tempo hábil, além de não captar as mudanças de
mentalidade e de comportamento ocasionando, assim, um aumento no número de
desempregados que não conseguem a proteção efetiva dos sindicatos, uma vez que estes
também sofrem os efeitos da globalização. Todo este contexto, enfim, fez surgir a ideia
de que a flexibilização das leis trabalhistas seria a solução ideal para se remediar uma
situação que está chegando ao limite. Ocorre, porém, que várias flexibilizações já foram
efetuadas no ordenamento jurídico brasileiro, mais precisamente, no âmbito do trabalho,
no entanto, tal expediente não surtiu os resultados almejados, deste modo, utilizando
uma pesquisa qualitativa somada ao método bibliográfico e documental tentará expor
com clareza a problemática em questão.

Palavras-chave: Estado social. Globalização. Flexibilização. Leis Trabalhistas.


Desemprego. Sindicato.

ABSTRACT

This article discusses the emergence of the welfare state, replacing the Liberal State, its
development and difficulties, analyzing standards of social rights expressed in the
Constitution of 1988 and its achievements, with special attention to the phenomenon of
globalization which affected traditional forms trade through deep transformations in
technology, telecommunications and transport leading to an intensification of
international trade with the elimination of customs barriers giving rise to a new
condition of employment where the employee found himself unprepared for failing to
follow technological development in timely, and does not capture the changes in
mindset and behavior, thus determining an increase in the number of unemployed who

1
Mestranda em Direito Constitucional (UNIFOR), Especialista em Direito e Processo do Trabalho (UVA)
e graduada em Direito (FFB). E-mail: valeriaclv1606@gmail.com.

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fail the effective protection of unions, since they also suffer the effects of globalization.
All this context, finally raised the idea that the relaxation of labor laws would be the
ideal solution to remedy a situation that is nearing its limit. It happens, however, that
several flexibilities have been made in the Brazilian legal system, more precisely, in the
work, however, has had no such means the desired results, thus using a qualitative
research method added to bibliographic and documentary will try to expose clearly the
issue in question.

Keywords: Welfare state. Globalization. Flexibility. labor laws. Unemployment.


syndicate.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O Estado Social; 2 O impacto da Globalização e a


Flexibilização das leis trabalhistas; 3 Os Sindicatos; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O Estado Social caracterizado pela preocupação com os direitos sociais,


econômicos e culturais relacionados à igualdade, à dignidade da pessoa humana e à
cidadania tomou o lugar do Estado Liberal, individualista. Fatos históricos como a
Revolução Francesa em 1789 que atacou o absolutismo da época e criou o Estado
Liberal, com base no entendimento de Adam Smith que defendia a não ingerência do
Estado nas atividades econômicas, e, ainda a Revolução Industrial, no final do século
XIX e início do século XX, que se caracterizou pela revolta dos trabalhadores por
melhores condições de trabalho, levou a instituição do Estado Social.

No Brasil, observa-se que a implantação do Estado Social ocorreu a partir


da década de 30, no governo Vargas, com o desenvolvimento de políticas econômicas
intervencionistas e de programas sociais baseados em um complexo sistema de gestão e
regulação dos conflitos sociais, tendo os trabalhadores sido beneficiados com estas
melhorias, tais como: a incorporação da aposentadoria, do salário mínimo, jornada de 8
horas, repouso semanal e licença maternidade. Porém, somente com a promulgação da
Constituição Federal de 1988 foi que se conseguiu dar a ênfase merecida aos direitos
sociais de há muito almejados.

Nota-se, contudo, que após a Segunda Guerra Mundial o mundo se tornou


menor diante da forte influência do fenômeno da Globalização ou Mundialização da
Economia e dos Mercados resultantes do avanço das tecnologias no campo da
informática e das telecomunicações homogeneizando costumes, com consequente
abertura das fronteiras entre os países, fazendo com que os métodos de produção

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

sofressem modificações radicais atingindo, em cheio, os trabalhadores levando ao


aumento considerável do desemprego.

É neste cenário em ebulição, ao qual se situa também o Brasil, que surge a


ideia de que a flexibilização das leis trabalhistas seria a solução mais acertada e rápida
para que as relações entre empregados e empregadores, mercado e economia voltassem
a se equilibrar, uma vez que a competitividade passa a ser o parâmetro para o aumento
na lucratividade das empresas, onde estas deixam de ser nacionais e passam a ser
transnacionais no momento em que fragmentam a sua produção, com o fim de reduzir
os custos, localizando-se onde conseguem ter maior proximidade da matéria prima, mão
de obra barata e vantagens fiscais e tributárias.

Com a globalização econômica, financeira e comercial o trabalho humano


passou a ser desqualificado pela eficiência e perfeição da alta tecnologia demonstrando
o despreparo de grande parte da massa trabalhadora acarretando, assim, uma taxa de
desemprego crescente obrigando os Sindicatos a uma transformação a fim de se
adaptarem às novas realidades para, deste modo, poderem auxiliar os trabalhadores
neste período difícil de mudanças na organização do trabalho.

Portanto, o presente trabalho possui o propósito de auxiliar no entendimento


e nas futuras discussões sobre a flexibilização das leis trabalhistas e, ainda, sobre a
qualificação dos sindicatos entendendo desse já que tudo isto requer das pessoas
inseridas neste contexto um enorme grau de cautela, equilíbrio, ponderação e bom senso
para que sejam preservadas as garantias e os direitos trabalhistas assegurando aos
obreiros as conquistas fundamentais por eles alcançadas ao longo da história.

1.O ESTADO SOCIAL

A ideia de Estado Liberal teve como um de seus precursores Adam Smith,


filósofo e economista escocês do século XVIII, que entendia ser objetivo primordial da
sociedade, alcançar o liberalismo econômico e a prosperidade das nações. Em sua
principal obra, A Riqueza das Nações, escrita em 1776, define como pré- requisitos para
o liberalismo econômico: a não intervenção do Estado na economia, sendo este apenas
limitado às funções públicas de manutenção da ordem, da propriedade privada e da
justiça; e, a liberdade de negociação entre patrões e empregados e o livre comércio entre

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

os povos. Desse modo, as ideias de Adam Smith tiveram grande influência na burguesia
europeia do seu tempo, pois atacavam a política econômica promovida pelos reis
absolutistas contestando, também, o regime de direitos feudais, ainda existente, além de
terem sido de fundamental importância para o desenvolvimento do capitalismo nos
séculos seguintes.

A Revolução Francesa, em 1789, veio a expressar os novos tempos que


estavam por vir ao romper com o passado, ao atacar os resquícios feudais e absolutistas
da organização política, submetendo o poder governamental às leis, criando um Estado
de Direito, o Estado Liberal, que se caracterizava pela não ingerência do Estado nas
atividades econômicas ficando estas nas mãos dos particulares. Logo, o Estado Liberal,
se apoiava no entendimento de Adam Smith, de que o mercado regularia as crises
econômicas que por ventura viessem a surgir. Porém, citada revolução, não foi capaz de
combater a tendência à progressiva unificação do poder nos Estados, pois, era fato que o
Estado liberal, materialmente, atendia somente aos interesses da “classe burguesa”
existindo o “absolutismo burguês” que passou a ser combatido pela classe dos
excluídos, os quais passaram a reivindicar sua participação na formação da vontade
estatal.

A Revolução Russa, em 1917, veio corroborar com o entendimento que


estava em ebulição à época e que tinha como inspiração a construção de um Estado
comprometido com as questões da justiça social fazendo eco com as ideias de Hermann
Heller, jurista e teórico político alemão, ativo na ala não marxista do Partido Social-
Democrata Alemão, que defendia a integração da classe operária nas estruturas sociais,
culturais e políticas do Estado-nação, sendo contemporâneo da Constituição de Weimar,
de 1919, que previu em seu texto todas as convenções aprovadas pela recémcriada
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e foi essencial para o movimento
constitucionalista que consagrou os direitos sociais representando o auge da crise do
Estado Liberal do séc. XVIII e a ascensão do Estado Social do séc. XX.

Desse modo, nova ideia de liberdade surge calcada no ideário social,


abrindo rumos para uma nova teoria do Estado (Estado Social) que estabelece o
surgimento de novos direitos, que demandam prestações estatais destinadas à garantia
de condições mínimas de vida para a população e melhores condições de trabalho, tendo

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

este último, levado ao marco histórico da Revolução Industrial do final do século XIX e
início do século XX.

O Estado Social, então, é aquele que tem a obrigação de desenvolver


políticas de promoção do bem-estar social, com o objetivo central de proteger os
hipossuficientes, concretizar a igualdade real entre os cidadãos devendo manter um
sistema de saúde, de educação e de segurança social, com caráter universal disponível a
todos. Del Vecchio (1957, p.100) ensina que “a constante tutela dos direitos naturais da
pessoa é, por conseguinte, o fim imutável do Estado, a missão primária que este é
chamado a cumprir, e à qual não pode subtrair-se”.

No Brasil, a tentativa de implantação do Estado Social ocorreu na década de


30, no governo de Getúlio Vargas, com o desenvolvimento de políticas econômicas
intervencionistas e de programas sociais baseados em um complexo sistema de gestão e
regulação dos conflitos sociais, com a ideia da colaboração entre as classes, sendo
criada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para regular as relações entre patrões
e empregados, subordinando a organização sindical ao aparelho do Estado, na
perspectiva de cooptação e de controle. Nesse período, por meio de propaganda
massiva, grande parte da população foi convencida da “generosidade desinteressada”
das intenções do governo Vargas que, desta forma, teve a classe operária como principal
aliada e base para sua permanência no poder. Entretanto, isso não foi suficiente para que
Getúlio Vargas permanecesse na presidência e, terminou deposto pelos militares, mas
vitorioso, uma vez que elegeu seu sucessor (Dutra) e, em 1951, retornou ao poder
ovacionado pelo povo.

Nos governos seguintes também se percebeu uma forte intervenção do


Estado na economia, porém os programas sociais exigidos para implementação de um
Estado Social não se consolidaram, tendo apenas na década de 60 tentativas que não
frutificaram, em razão da grave crise financeira que o Brasil enfrentava, seguido de
golpe militar, que instaurou a ditadura, sepultando de vez os ideais sociais. Na década
de 80 ocorreu uma profunda recessão econômica, onde o corte nas importações e a
restrição do crédito e da quantidade de moeda circulante, a elevação das taxas de juros,
aliadas às medidas de contenção do déficit público e de arrocho salarial, trouxeram
como resultados, piores condições de vida para a maioria da população. Assim, a
insatisfação e o descontentamento da população em relação às medidas repressivas do

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

governo atingiram o seu nível máximo e os militares se viram obrigados a iniciar o


processo de reabertura política, o qual se concretizou com a promulgação da
Constituição Federal de 1988.

O conteúdo das constituições brasileiras evoluiu paralelamente com o


desenvolvimento da sociedade desde a Constituição de 1891 que buscou inspiração na
constituição americana estabelecendo o Estado Federal, passando pela Constituição de
1934, que implantou a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral, o voto secreto e
constitucionalizou os direitos sociais, sendo seguida da Carta de 1937, que instalou o
Estado Novo, concedendo poderes supremos ao Presidente da República e reduzindo os
direitos e garantias individuais, prosseguindo pela Constituição de 1946, que
restabeleceu o equilíbrio entre os poderes, os direitos fundamentais e condicionou a
propriedade ao bem estar social, sendo substituída pela Carta de 1967, fruto do golpe
militar de 1964 a qual preocupava-se, fundamentalmente, com a segurança nacional, e,
ainda a Constituição de 1969, que reformou, quase totalmente, o texto constitucional
anterior, chegando, finalmente, na Constituição Federal de 1988, fruto de um profundo
estudo que teve início em 1985, através da EC 26/85.

A Constituição brasileira de 1988 é um exemplo claro e pungente de uma


constituição baseada nos direitos sociais, uma vez que, preceitua como fundamentos da
República, entre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e
da livre iniciativa; estabelece como objetivos o desenvolvimento nacional, a erradicação
da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, além
de enunciar genericamente, no capítulo II, os direitos sociais norteadores, que são: os
direitos a educação, a saúde, ao trabalho, a moradia, ao lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

Nos artigos 6º e 7º preceitua direitos sociais específicos dos trabalhadores,


entre outros, o seguro-desemprego, o fundo de garantia do tempo de serviço, o salário
mínimo, o piso salarial, o décimo terceiro salário, a participação nos lucros, a jornada
semanal de 44 horas de trabalho, o repouso semanal remunerado, a licença gestante de
120 dias, a licença paternidade, o reconhecimento das convenções e acordos coletivos
de trabalho.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

E, ainda, no artigo 170 diz que a ordem econômica deve ser fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa indicando como finalidade
assegurar a todos uma existência digna. Os direitos, expressos no texto constitucional,
são fartos, com tamanha abundância que formalmente resolveram, com o voto do
constituinte, todos os problemas básicos de educação, saúde, trabalho, previdência, lazer
e, de último, até mesmo a qualidade de vida, consagrando um capítulo ao meio
ambiente. Assim, constata-se que o texto constitucional de 1988 imprimiu uma
valoração sem precedentes dos direitos sociais básicos em sua substância e,
consequentemente, fez com que o Estado Social tivesse um importante avanço, após
referida constitucionalização dos direitos sociais e trabalhistas.

Portanto, com o Estado Social, o “Estado inimigo” cedeu lugar ao “Estado


amigo”, o “Estado medo” ao “Estado confiança” fazendo com que a Constituição se
transformasse em um pacto de garantia social com o qual o Estado pudesse administrar
a Sociedade. Segundo o professor Paulo Bonavides (2000, p.339), “O Estado social no
Brasil aí está para produzir as condições e os pressupostos reais e fáticos indispensáveis
ao exercício dos direitos fundamentais”. É necessário, entretanto, por em prática tudo o
que está descrito no texto constitucional, porque do contrário, este não passará de letra
morta, ou de um simples pedaço de papel como já profetizou Ferdinand Lassale, autor
de “A Essência da Constituição”, em que diz ser necessário que tal documento deva
descrever rigorosamente a realidade política do país, sob pena de não ter efetividade,
tornando-se uma mera folha de papel.

2. O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO E A FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS


TRABALHISTAS

O grande problema que surge é sem dúvida, o da efetivação, isto é, da


aplicação prática das normas constitucionais na sociedade que, ressalte-se, vem
passando por profundas transformações, principalmente, no campo da tecnologia, das
telecomunicações e nos transportes, tudo isso levando a uma intensificação do comércio
internacional com consequente eliminação das barreiras alfandegárias e fazendo com
que as formas tradicionais de comércio sofram o impacto da globalização.

Mas, o que se entende sobre globalização? Para alguns, a globalização é


apenas um instrumento ideológico de dominação de classe, ao passo que, para outros,

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

trata-se de um fenômeno histórico, de larga presença na trajetória da humanidade, cujo


início ocorreu nas expansões do Império Romano, passando pelas Grandes Navegações
por volta do século XIV, quando Portugal investiu na criação de uma rota independente
para o Oriente, com a finalidade de expandir o comércio, o que possibilitou um
importante desenvolvimento para a Europa com a adesão de outros países como
Espanha e Holanda. Porém, foi no século XX, mais precisamente, a partir da década de
60 que a globalização começou a tomar vulto se intensificando com o advento do
liberalismo que defendia absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção
estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em setores imprescindíveis e, ainda
assim, num grau mínimo passando a significar a doutrina econômica da época. Gina
Pompeu (2012, p.128) em seu artigo sobre crescimento econômico e desenvolvimento
humano esclarece com precisão o assunto, ao dizer

Terminada a primeira metade do século XX, marcada pelas duas


grandes guerras mundiais, pela crise econômica dos anos 30 e ainda
por vários regimes totalitários que impregnaram a Europa, a segunda
metade do século XX tendeu a defender o regime democrático e os
direitos humanos, em tempo de prosperidade econômica. Foi nesse
contexto que se renovou o liberalismo econômico do século XIX e a
formação de um mercado mundial ou global caracterizado pela
desestatização ou pelas privatizações, pelo colapso dos segundos(
União Soviética e satélites) e terceiros (subdesenvolvidos) mundos na
ordem econômica internacional.

Neste diapasão, a globalização passa a se caracterizar pela


internacionalização das relações financeiras e comerciais, ou seja, pela expansão
geopolítica das atividades econômicas para além das fronteiras nacionais, sendo esta
perspectiva compartilhada por Enzo del Búfalo(2002), economista venezuelano, Doutor
em Ciências Sociais, quando este afirma que:

A globalização é um termo que se difundiu na década de oitenta para


indicar a integração mundial do setor financeiro realizada pela
intensificação dos fluxos de capital depois das regulamentações e
aberturas dos sistemas financeiros nacionais. Daí seu uso estendeu-se
para designar fenômenos diversos que compartilham a tendência a
criação de um espaço global. Mais que uma acepção geográfica
extensiva, o conceito de globalização põe em destaque a superação
das diferenças e barreiras nacionais no fenômeno ao qual se refere. Os
estados nacionais, já afetados pelo processo de transnacionalização da
produção, redimensionaram as suas políticas econômicas no quadro da
estratégia genericamente neoliberal que prescreve a redução ou a
eliminação da política fiscal em favor de uma política monetária
ajustada exclusivamente aos critérios moneteristas.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Nos anos 70 e início dos 80, em plena globalização, a economia mundial


sofreu uma dura crise de matriz macroeconômica desencadeada pela escassez de
petróleo e desvalorização cambial atingindo em cheio as bases da economia capitalista
que a esta época já se encontrava internacionalizada somando-se, ainda, neste período,
taxas de crescimento insignificantes, novas demandas por investimentos sociais,
participação nos lucros e no planejamento estratégico das empresas, denúncias de
corrupção e desvios de verbas, tudo isto fez com que os países tentassem uma
reestruturação no sistema através de inovações tecnológicas, demissão em massa de
trabalhadores, com redução de estoques e criação de espaços virtuais, tendo como base
o livre mercado e a valorização da iniciativa privada e como metas existenciais o
consumo e a riqueza.

Os efeitos da globalização, como não poderia deixar de ser, podem ser


vistos sob dois aspectos: negativos e positivos, a depender do referencial adotado. Para
os países desenvolvidos a situação global é extremamente benéfica porque lhes dá
condições de influir nos mais diversos pontos do planeta em tempo real, já para os em
desenvolvimento, estes se beneficiam com a possibilidade de trocas de caráter social,
político, cultural, mas se veem desnudos ao serem tolhidos de esconder suas misérias e
mazelas, como os problemas de corrupção e má gestão do dinheiro público. Para os
países subdesenvolvidos, por sua vez, a globalização é aterradora porque representa
uma ingerência externa que interfere no cultivo das tradições permitindo comparações
que terminam por atrapalhar os planos e metas dos governos.

No Brasil, um dos efeitos negativos advindos da globalização se insere na


questão ligada ao despreparo de grande parte dos trabalhadores, uma vez que a inclusão
de novas tecnologias, com rápida implantação, acarretou a necessidade de uma maior
qualificação por parte dos empregados, os quais não tiveram tempo hábil para isto, pois
não acompanharam o desenvolvimento tecnológico, as mudanças de mentalidade e de
comportamento o que ocasionou um aumento no número de desempregados.

Desse modo, pode-se afirmar que a globalização afeta, diretamente, a


maneira capitalista dos países em sua produção e nos métodos de organização do
trabalho, onde sistemas industriais cada vez mais complexos, sob a influência de
tecnologias cada vez mais sofisticadas causam a desestabilização dos antigos
equilíbrios, ameaçam os mercados cativos e geram desemprego. A necessidade de se

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

manter em um mercado altamente competitivo faz com que as empresas caiam na


tentação de aumentar os lucros através da redução dos custos sociais, ou seja, salários e
encargos. Ocorre, no entanto, que os direitos dos trabalhadores que inexistiam no século
XIX e foram surgindo gradativamente onde situações degradantes foram sendo
substituídas pela proteção aos mesmos, culminando com o ordenamento atual no Brasil,
não comportariam um retrocesso.

A figura da flexibilização das leis trabalhistas passou a ganhar espaço nas


discussões jurídicas, com o intuito de ser “o salvador da pátria” da economia, do
mercado e, consequentemente, do desemprego. Sérgio Pinto Martins (2000, p.25) nos
ensina que a flexibilização do Direito do Trabalho é o conjunto de regras que tem por
objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem
econômica, tecnológica, política ou social existentes na relação entre o capital e o
trabalho.

Há pelo menos três correntes que falam sobre a flexibilização e seus efeitos,
são elas: a flexibilista, a antiflexibilista e a semiflexibilista. A primeira corrente entende
que o Direito do Trabalho assegura os direitos trabalhistas, mas, que este deve adaptar-
se à realidade dos fatos, onde no momento em que a economia estiver normal, aplica-se
à lei, porém, na fase das crises, haveria a flexibilização das regras trabalhistas, inclusive
podendo agravar a situação do trabalhador. A segunda corrente afirma que a
flexibilização do Direito do Trabalho é algo nocivo para os trabalhadores e vem a
eliminar certas conquistas que foram feitas nos anos, a muito custo. Logicamente iria
agravar as condições dos trabalhadores, sem que houvesse qualquer fortalecimento das
relações de trabalho. A terceira e última corrente prega a observância da autonomia
privada coletiva, onde a flexibilização seria feita pela norma coletiva, havendo uma
desregulamentação do Direito Coletivo do Trabalho, porém, não totalmente, pois
existiria uma norma legal mínima, estabelecendo regras básicas, e o restante seria
determinado através de convenções e acordos coletivos. A escolha de qual corrente
seguir, pelos países atingidos, depende muito da cultura, da maneira de administrar de
cada um, assim, não existe uma regra própria para a flexibilização, cada país utiliza os
mecanismos que melhor suportarão as consequências de sua opção.

Na Alemanha, grande parte da indústria e dos sindicatos concordou em


reduzir a jornada de trabalho e os salários, em caráter excepcional e com prazo de

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

validade, a fim de permitir que a economia atravessasse a crise sem falências ou


demissões. Ocorre, porém, que este pacto nacional somente foi possível do ponto de
vista legal porque as leis alemãs são flexíveis.

O governo francês aprovou em 1º de janeiro de 2000 a Lei Aubry que fixou


a semana reduzida de trabalho, de 35 horas, além de prever auxílios financeiros às
empresas que negociassem uma redução do tempo de trabalho. Constatou-se que até
2004 ocorreu um decréscimo no índice de desemprego, mas não foi o esperado. O
governo entendeu que se insistisse na redução da duração semanal do trabalho, poderia
ter um prejuízo maior com o menor crescimento econômico, pois com a redução dos
salários foi reduzido, também, o poder de compra do trabalhador resultando em grave
problema econômico para o país. Desta feita, em 2008, com a Loi du 20 octobre, surgiu
a possibilidade da realização de horas extras por negociação com o sindicato,
permitindo, assim, que as empresas negociassem durações semanais de trabalho em
tempo maior, conseguindo acomodar os negócios econômicos com as necessidades dos
empregados.

No Japão, quando as empresas estão em crise reduzem, em primeiro lugar, a


remuneração dos diretores, em segundo, os dividendos dos acionistas, em terceiro, os
prêmios dos empregados, em quarto são reduzidos os salários, e em quinto, são
remanejados os trabalhadores. A dispensa só ocorre em último caso. No entendimento
deles, quando a empresa vai mal, o culpado não é o empregado e sim o administrador
que não teve competência para conduzir a empresa e manter o nível de emprego.

Em Portugal, segundo Avelãs Nunes (2011, p.126), a solução para


equilibrar o mercado não tem como base a liberalização e nem a flexibilização, mas, sim
o aumento do investimento tanto público como privado, em educação, saúde, na
formação profissional dos indivíduos, na investigação científica e na valorização dos
recursos humanos e naturais.

Na Europa, de uma maneira geral, essa flexibilização tem como objetivo


maior o aumento da produtividade para reduzir os custos dos bens e serviços, na
América Latina, por sua vez, a flexibilização objetiva a diminuição dos custos de mão
de obra mediante redução dos direitos trabalhistas. Conforme dados da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), em 2003, 41,5% dos trabalhadores europeus

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

conservavam o emprego por mais de dez anos e a produtividade individual aumentava,


gradativamente. No Brasil, a alta rotatividade da mão de obra e o abuso da terceirização,
em fraude à lei, dificultam o aumento da produtividade e levam a altas taxas de
acidentes de trabalho e doenças profissionais.

A flexibilização das leis trabalhistas é, então, um subproduto da


globalização da economia, fundada na prevalência das leis do mercado, onde os
empresários invocando o engessamento da gestão empresarial e os elevados encargos
sociais clamam pela desregulamentação das leis protetoras dos trabalhadores. Todavia,
há de se constatar, conforme descrito em seguida, que a legislação brasileira é uma das
mais flexíveis no Direito Comparado:

1) Flexibilização de caráter contratual: Cooperativa profissional ou de prestação


de serviços (Lei 8949/94); Contrato por tempo determinado (Lei 9601/98); Contrato por
jornada parcial (MP 1709/98); Suspensão do contrato de trabalho (MP 1726/98); Denúncia da
Convenção 158 da OIT (Decreto 2100/96); Setor público: demissão (Lei 9801/99) e lei
complementar 96/99; Trabalho temporário ( portaria 2, 29/06/96); Contrato para micro e
pequenas empresas (Lei do Simples 9517/96); Terceirização (Portaria TEM de 1995 e
Enunciado 331 do TST)

2) Flexibilização do Tempo de Trabalho: Banco de Horas (Lei 9061/98 e MP


1709/98); Liberação do trabalho aos domingos ( MP 1878-64/99).

3) Flexibilização Salarial: Participação nos lucros e resultados (MP 1029/94 e Lei


1010/2000); Política Salarial (Plano Real-MP 1053/94); Salário Mínimo (MP 1906/97).

4) Flexibilização da Organização do Trabalho: Fim do Juiz classista (PEC 33-


A/99); Limitação da ação sindical no setor público (Decreto 2066/96); Ultratividade
acordo/convenção (MP 1620/98); Substituição de grevistas no setor público (MP 10/2001).

5) Flexibilização das Demissões: Comissão de conciliação prévia-CCP (Lei


8959/2000); Rito Sumaríssimo (Lei 9957/2000).

Apesar da existência de todas estas flexibilizações ocorridas no nosso


ordenamento ao longo do tempo, segundo os representantes do capital, não foram suficientes
para que a margem de lucros almejada por eles fosse alcançada. Os empresários brasileiros

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

têm por objetivo reduzir o custo da produção através da redução dos direitos trabalhistas e das
condições de trabalho, ao contrário do que ocorre na Europa que visa obter uma boa margem
de lucros, porém, com o aumento da produtividade .

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), em decisão da 3ª Turma, defendeu


a flexibilização, porém, estabeleceu a ressalva de que a mesma não pode desrespeitar as
garantias de trabalho legalmente asseguradas, como se confirma a seguir:

HORAS IN ITINERE. NORMA COLETIVA.ARTIGO 58,§ 2º, DA


CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. A situação dos
autos não encontra amparo no ordenamento jurídico, que não
contempla a supressão mediante acordo ou convenção coletiva de
direitos trabalhistas protegidos por norma legal de caráter cogente.
Assim, a Lei Magna, quando dispõe sobre o reconhecimento dos
instrumentos normativos, não alberga o desrespeito às garantias
mínimas de trabalho legalmente asseguradas, permitindo apenas a
flexibilização de alguns direitos trabalhistas, por meio de acordo ou
convenção coletiva. Flexibilizar, no entanto, não é o mesmo de
suprimir direitos. Não conhecido. RR-21400-63.2005.5.06.0241 Data
de Julgamento: 01/10/2008. Relator: Carlos Alberto Reis de Paula, 3ª
turma. Data de Publicação: DEJT: 31/10/2008.

Uma parte da doutrina apresenta-se a favor da flexibilização, tendo como


exemplo o professor José Pastore, sociólogo e especialista em relações do trabalho e
desenvolvimento institucional, que utilizou por diversas vezes o termo flexibilização em
seus escritos, por entender ser esta via, uma boa solução para as dificuldades vividas
pelos empregados e empregadores brasileiros, escrevendo, inclusive, vários artigos
sobre o assunto onde ensina, que:

O excesso de rigidez da Constituição, Consolidação das Leis do


Trabalho (CLT) e Justiça do Trabalho está provocando uma reação
selvagem por parte do mercado. Mais de 55% da nossa força de
trabalho já está à margem da lei, sem nenhuma proteção lembrando-se
que, nesse caso, o Estado nada arrecada, ficando apenas com ônus de
socorrer essas pessoas na doença e na velhice. A "flexibilização
selvagem" é o resultado da combinação de pouco investimento com
muita rigidez.

No entendimento do professor, a rigidez das normas trabalhistas bate de


frente com o mercado resultando em uma diminuição do trabalho formal e,
consequentemente, com o aumento dos postos de trabalho informal acarretando
prejuízos para todos, inclusive para o Estado que perde em arrecadação e, em

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

decorrência, deixa de investir em ações e serviços sociais aos quais são destinados a
cumprir.

Por outro lado, existe outra vertente que não acredita ser a flexibilização a
melhor saída para todos os problemas trabalhistas existentes, pois, segundo
entendimento do jurista Arnaldo Süssekind (2004),

é falso o argumento de que a redução desses direitos gera empregos.


Está mais do que provado, inclusive em estudos da Organização
Internacional do Trabalho e de organismos das Nações Unidas, que só
o desenvolvimento econômico reduz o desemprego. E esse
desenvolvimento não depende do Direito do Trabalho e sim de
medidas econômico-financeiras e de uma infraestrutura capaz de
estimular e sustentar o crescimento de produção.

Logo, conclui-se que, uma vez relativizado um direito, abre-se caminho


para o não cumprimento do que está previsto em lei, correndo-se o risco de se atingir
uma realidade pior do que se vive atualmente, chegando-se a uma desregulamentação,
isto é, a uma revogação das normas de proteção aos trabalhadores, ficando somente a
cargo dos sindicatos e entidades representativas de classe a negociação dos direitos, os
quais foram adquiridos com tanto sacrifício no decorrer dos anos.

Concorda-se que, ao se usar de radicalismo em qualquer das posições acima,


todos iriam perder e a economia sofreria um abalo significativo e isto não é saudável
para o desenvolvimento dos países. Logo, não se deve acreditar que a flexibilização das
leis é o único caminho disponível, deve-se levar em conta que as partes envolvidas
devem ceder um pouco em prol do desenvolvimento de ambos.

Apesar de todas as flexibilizações realizadas com o fim de equilibrar o


plano social com o econômico, ainda encontram-se situações onde trabalhadores são
tratados como se escravos fossem, retroagindo no tempo, como foi constatado por um
grupo de fiscais do Ministério do Trabalho no final do mês de junho de 2011, em uma
casa na Zona Norte de São Paulo onde 16 pessoas, sendo 15 bolivianos, viviam e
trabalhavam em condições de semiescravidão. Eles produziam peças para a uma
empresa fornecedora da marca de roupas Zara, que faz parte do grupo espanhol Inditex.
Os trabalhadores enfrentavam uma jornada de trabalho de mais de 16 horas por dia, sem
direito a carteira assinada, em ambiente abafado, sem ventilação e pouca iluminação,

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

recebendo cada um R$ 2,00 por peça fabricada, sendo a mesma comercializada na loja,
citada acima, por R$ 139,00.

Assim, o argumento de que a redução dos direitos trabalhistas gera


empregos é totalmente falso, porque somente uma política de desenvolvimento
econômico séria com medidas econômico-financeiras e uma estrutura capaz de
estimular e sustentar o crescimento de produção poderá, ao final, reduzir o desemprego
e garantir uma melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores equilibrando com
sabedoria o social com o econômico, sem menosprezar a força normativa da realidade
evitando situações constrangedoras e degradantes como a citada acima.

3. OS SINDICATOS

No Brasil, assim como na Europa, houve uma luta sindical, que passou por
várias fases, como o pluralismo de sindicatos da Constituição de 1934, que ao não
receber a devida regulamentação tornou-se letra morta, ao sindicato único da
Constituição de 1937, onde era permitida a intervenção estatal nos sindicatos, mas a
greve era proibida e tida como crime. As Constituições de 1946 e 1969 passaram a
reconhecer o direito de greve, porém, com ressalvas. Somente com o advento da
Constituição de 1988, em seu art. 8º, foi consagrada a autonomia das entidades
sindicais, mas, também foram impostos limites a esta autonomia, uma vez que seus
incisos condicionam o exercício do citado direito.

Os efeitos da globalização da economia atingiram de maneira contundente o


movimento sindical, uma vez que, aquela é mais veloz do que a capacidade de
adaptação deste. As transformações ocorridas no mundo capitalista determinaram a
necessidade de mudanças que afetaram a organização do trabalho, obrigando o sindicato
a adaptar-se a novas realidades e efeitos sobre a representatividade dos órgãos de classe.

O desemprego, um dos efeitos mais desastrosos da globalização,


surpreendeu os sindicatos de trabalhadores em toda parte, porque estes só eram
capacitados para a defesa e a promoção dos interesses dos trabalhadores ocupados no
setor formal e entendiam ser sua missão a reivindicação de maiores salários e melhores
condições de trabalho. Assim, diante da ameaça representada pelo desemprego, eles
assumem posição defensiva, tentando exercer controle sobre a produção e pleiteando a

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

preservação dos empregos dos ameaçados de dispensa e vêm, impotentes, o decréscimo


assustador do número de filiados.

Desde sua origem o sindicato reivindicava por todos e em nome de todos,


pois os assalariados compunham um todo homogêneo, cujos membros enfrentavam as
mesmas dificuldades de vida e sofriam a mesma exploração no trabalho. Assim, a
emancipação da classe trabalhadora dependia das reivindicações coletivas, uniformes.
Porém, com a fragmentação resultante da introdução de relações de trabalho atípicas e
precárias faz com que o poder do sindicato fique debilitado. O trabalho passa a ser um
“bem escasso” e o trabalhador que tem o seu emprego cuida, antes de qualquer outra
coisa, de preservá-lo fazendo com que a subjetividade do interesse individual se
sobreponha à consciência de classe e afaste a noção de homogeneidade profissional.
Assim, a negociação coletiva entre sindicato de trabalhadores e as organizações
patronais perdem o sentido e surge a negociação de nível inferior, onde o sindicato não
reúne as qualificações devidas e deve ser substituído por outro tipo de negociação como
as comissões de fábrica.

Ocorre, no entanto, que na necessidade de um acordo de alto nível, que


ultrapasse o patamar das empresas, este poderá ser viabilizado de tal forma que surja
uma flexibilidade emergente do desenvolvimento dos recursos humanos, da adequada
composição dos conflitos, da infraestrutura social e da diversidade econômica das
empresas. Porém, para que um acordo deste nível ocorra, a discussão não pode ficar
restrita a uma atuação isolada das empresas, faz-se necessário que sejam criados
acordos sociais mais amplos, mantidos por uma política ativa de mercado de trabalho
que só pode ser realizada através de sindicatos atuantes.

O sindicato, em sua forma tradicional, representava os trabalhadores


empenhados em relações de trabalho estáveis, mas é incapaz de congregar os
trabalhadores informais, os desempregados, etc. Observa-se, porém, que o movimento
sindical não pode deixar de perseguir sua finalidade que é a defesa dos interesses dos
trabalhadores. A consciência de uma necessária mudança torna-se imperiosa para a
sobrevivência do sindicalismo que deve se iniciar pela adaptação à evolução da
sociedade. As atividades sindicais devem ser reorientadas para dar nova ênfase aos
aspectos qualitativos da vida do trabalhador, ao conteúdo e à organização do trabalho e
ao controle social das novas tecnologias.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

É possível constatar que se encontra em análise na Câmara dos Deputados


Projeto de Lei 4193/2012, do deputado Irajá Abreu (PSD-TO), o qual prevê que
convenções ou acordos coletivos de trabalho devem prevalecer sobre a legislação
trabalhista, tendo como única restrição que não sejam inconstitucionais nem contrariem
normas de higiene, saúde e segurança, admitindo que trabalhadores e empresas poderão
firmar acordos com normas diferentes das atuais, que possuem como base, a CLT.
Segundo Abreu, o objetivo da medida é tornar as relações de trabalho mais flexíveis,
esclarecendo que, “a rigidez e a judicialização dos contratos somados ao custo
excessivo dos encargos trabalhistas tornaram a legislação do trabalho um fardo para o
País”. Constata-se, assim, após afirmação contundente do parlamentar, que o objetivo
do projeto é fazer prevalecer o negociado sobre o legislado nas relações de trabalho.

Na prática, o projeto permite que os salários e a jornada de trabalho sejam


reduzidos de forma temporária em caso de dificuldades econômicas e prioriza a
utilização mais ampla do banco de horas, através do qual os trabalhadores cumprem
horas extras sem receber adicional, e compensam o tempo trabalhado a mais com
folgas. E, ainda, os acordos entre empregados e empresas seriam firmados por meio de
um Comitê Sindical de Empresa (CSE-onde todos os membros seriam sindicalizados),
segundo prevê o projeto de lei e as normas que estivessem à margem da CLT
comporiam um acordo coletivo de trabalho. As empresas que concordarem em
reconhecer no CSE seu interlocutor e os sindicatos que aceitarem transferir ao comitê o
poder sindical teriam de obter uma certificação do governo. Assim, o papel dos
sindicatos, nesse sistema, seria o de atuar nas empresas que optarem por continuar sob o
"modelo CLT" e acordariam com as entidades patronais as convenções coletivas - por
meio das quais empregados e patrões definem, anualmente, aumentos salariais.

A discussão sobre a flexibilização das leis trabalhistas e sobre a qualificação


dos sindicatos para este fim, ainda terá um caminho longo a ser percorrido, pois requer
das pessoas inseridas neste contexto um enorme grau de cautela, equilíbrio, ponderação
e bom senso para que sejam preservadas as garantias e os direitos trabalhistas
assegurando aos obreiros as conquistas fundamentais por eles alcançadas ao longo da
história.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

CONCLUSÃO

A evolução histórica, política e econômica vem demonstrando as


necessidades de uma sociedade que ao evoluir passa a ser mais exigente, onde o
pensamento individualista do Estado Liberal guiado pela não intervenção do Estado na
economia e pela liberdade de negociação entre patrões e empregados e o livre comércio
entre os povos foi substituído pela exigência de um Estado Social, que prima sobre as
políticas de promoção do bem-estar social, com o objetivo central de proteger os
hipossuficientes, concretizar a igualdade real entre os cidadãos devendo manter um
sistema de saúde, de educação e de segurança social, com caráter universal disponível a
todos.

A Constituição brasileira de 1988 ao consagrar os direitos sociais e


trabalhistas como normas constitucionais, não fez nada além do que reconhecer os
direitos há muito devidos aos trabalhadores, como se constata desde a eclosão das
revoluções Francesa, em 1789 e Russa, em 1917. No Brasil, esta tentativa de
implantação do Estado Social ocorreu a partir da década de 30, no governo de Getúlio
Vargas e foi se desenvolvendo tendo progressos e retrocessos, influenciados em grande
parte pela economia, mercado e política.

O fator globalização que possibilitou a quebra de fronteiras entre os países


interligando e facilitando a troca de conhecimentos e, consequentemente, a
intensificação de mercado, modificou de maneira contundente a sociedade onde a busca
de aumento de capital e necessidade de mão de obra barata somada a procura de novos
mercados consumidores levaram a um capitalismo global massacrante tendente a se
concentrar nos locais mais propícios à flexibilização das leis trabalhistas, com o intuito
de aumento nos lucros, causando desemprego aos trabalhadores que passaram a se
aglomerar no mercado informal, sem nenhuma garantia, levando ao enfraquecimento
das organizações sindicais. Desse modo, chama-se atenção para o fortalecimento e
atualização dos sindicatos para que estes possam defender com precisão as novas
situações que surgem com a mundialização do mercado e das organizações de trabalho.

A flexibilização das leis trabalhistas, portanto, passou a ser, para muitos, a


única solução viável, pois segundo seus defensores, as citadas leis engessam o
progresso da economia e do mercado. Ocorre, porém, que várias tentativas de

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

flexibilização foram feitas em muitos países, dentre eles França e Alemanha, mas os
resultados não foram os esperados. No Brasil, as flexibilizações já acontecem desde
1994, com a Lei 8949/94, que criou as Cooperativas profissionais, seguidas de várias
outras, como: banco de horas, liberação do trabalho aos domingos, trabalho temporário, etc.
Mas, o desemprego não diminuiu. Constata-se, sem receio, que é falso o argumento de que
a redução de direitos gera empregos e, somente com políticas públicas somadas ao
desenvolvimento econômico voltado para a capacitação dos trabalhadores conseguirá
reduzir o desemprego, pois trabalhadores empregados são futuros consumidores que, ao
consumir, aquecem o mercado levando ao equilíbrio e desenvolvimento da economia.
Portanto, deve existir um grau enorme de ponderação e bom senso ao se falar em
flexibilização das leis trabalhistas para que não haja retrocesso de direitos e muito
menos estagnação do desenvolvimento.

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ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 2ª ed. São
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Projeto de Lei n 4193/2012. Disponível em: www.camara.gov.br

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Acórdão do TST disponível em: www.tst.jus.br.

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EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, CONTRA O TRABALHO


DEGRADANTE

THE EFFECTIVENESS OF THE DECENT WORK, WORK AGAINST DEGRADING

MARCUS MAURICIUS HOLANDA1

RESUMO: O estudo é uma análise sobre os preceitos fundamentais no direito do trabalho demais
normas sobre a efetividade do trabalho decente e sua interface aos preceitos relativos à dignidade da
pessoa, A pesquisa é documental, cujo campo de investigação dá-se inicialmente em análise da
doutrina e posteriormente em tratados internacionais e no ordenamento jurídico local, à luz de uma
abordagem qualitativa. O referencial teórico dá-se através da inferência de doutrinas especializadas
com fulcro nos fatos sociais pertinentes ao trabalho decente. No que tange à discussão entende-se que
o trabalho decente contemporâneo atinge o seu ápice, na discussão que se faz contemporânea à cadeia
econômica das relações de trabalho, enfatizando-se na pesquisa a grande concentração de renda
somada às desigualdades sociais torna o Brasil propício para o fenômeno do trabalho degradante
assinalado pelos fatores da ilegalidade e baixo custo da mão-de-obra. Faltando ao indivíduo a
aplicabilidade das garantias sociais mínimas na ordem constitucional brasileira, ao Estado deve tomar
medidas para que o problema seja erradicado porque fere as relações da dignidade da pessoa,
principalmente, em face da desigualdade econômica e social. Com efeito, assinala-se um ordenamento
de direitos fundamentais globalizado, cujas interações interferem nas culturas locais que caminham
para o êxito do trabalho decente e o fim do trabalho degradante, cabendo combater essa atividade
exploratória do ser humano, que retira a importância do ser enquanto pessoa.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais; Dignidade da pessoa humana; Trabalho
degradante.
ABSTRACT: The study is an analysis of the fundamental right to work in other standards on the
effectiveness of decent work and its interface to the precepts concerning the dignity of research is
documentary, whose field of research is given initially and later analysis dourine international treaties
and legal place, the light of a qualitative approach. The theoretical occurs through inference with core
doctrines specialized in social facts relevant to decent work. Regarding the discussion means that
decent work contemporary reaches its apex in contemporary discussion that makes the economic chain
of labor relations, emphasizing research in the vast concentration of wealth plus social inequality
makes Brazil friendly to the phenomenon of labor degrading factors noted by the illegality and low
cost of labor-intensive. Missing the individual the applicability of minimum social guarantees in the
Brazilian constitutional order, the state must take steps to ensure that the problem is eradicated
because it hurts the dignity of relations, especially in the face of economic and social inequality.
Indeed, it is noted an ordering of fundamental rights globalized, whose interactions interfere in local
cultures that walk to the success of decent work and end the degrading work, fitting, then, that all
combat exploratory activity of the human being, which removes the importance of being as a person.
KEYWORDS: Fundamental rights; Human dignity; Degrading work

1
Marcus Mauricius Holanda é mestrando em Direito Constitucional pela UNIFOR. É especialista em Direito do
Trabalho e Processual Trabalhista pela Faculdade Christus. Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza -
UNIFOR

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

INTRODUÇÃO

A análise que ora se apresenta, dá-se diante de repetidos flagrantes de ofensa a


preceitos fundamentais e noticiados e de diversas decisões sobre as condições de trabalho
degradante a que se sujeitam diversos trabalhadores no Brasil. A Condição degradante de
trabalho não só priva a pessoa de sua dignidade, como também a coloca em situação de risco
em relação à sua segurança, além de poder caracterizar à tortura, tanto física quanto
psicológica e a maus tratos que deixam marcas profundas no ser humano, acarretando
diversas sequelas na pessoa em situação degradante de trabalho.

As disposições constitucionais que tratam sobre os direitos da pessoa, consolidam o


entendimento da não submissão dos homens a práticas degradantes, que maculem a dignidade
da pessoa, levando ao sofrimento e ao desespero que tornam impraticável a continuidade da
vida e da sua dignidade.

A existência do trabalho degradante é uma realidade em vários Estados brasileiros,


trazendo em seu bojo conseqüências maléficas, principalmente as de caráter social, cultural e
econômica, ferindo a dignidade da pessoa.

Os fatores que contribuem na continuidade do trabalho degradante são complexos e


oscilam em função de diferentes contextos, sendo que a pobreza é a principal entre elas. A
degradação do trabalhador está presente de diversas formas, principalmente no trabalho rural.
Na atualidade, a desigualdade social, a miséria extrema são condições favoráveis, não
necessariamente nesta ordem, a super exploração do trabalho.

Portanto, é indispensável uma análise sobre a temática, pois se trata de interesse da


sociedade, sendo essencial verificar em profundidade como o Estado, através dos organismos
judiciais, está tratando frente a uma atividade inescrupulosa, qual seja a condição degradante
de trabalho.

Cria-se um debate a respeito das funções do Estado na proteção aos direitos


fundamentais relação a sua real concretização. A doutrina tem realizado estudos acerca da
efetivação dos direitos fundamentais, as normas estão postas para a proteção, mas qual a melhor
maneira de provê-los. Dessa forma o presente trabalho analisa se a efetivação dos direitos
fundamentais no Tribunal Superior do Trabalho está coerente com os ditames da lei e da doutrina,
e se essas decisões caminham para prover a efetivação da norma de forma eficaz.

124
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Do exposto, verificamos que a análise em torno do tema é de grande importância


para demonstrar a sociedade essa realidade que ataca frontalmente os direitos fundamentais da
pessoa e os princípios que regem o Estado Democrático de Direito.

1 A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO OBJETIVO DO


ESTADO DEMOCRÁTICO

É necessário que se faça a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais,


dessa maneira Lopes (2001a, p 41) traça a distinção entre as expressões, que são instituições
diferentes, ou seja, direitos humanos são os princípios que resume a concepção de uma
convivência digna, livre e igual aos seres humanos, todavia os direitos fundamentais são
direitos garantidos na constituição com limitação espacial e temporariamente, conforme
afirma Lopes (2001a).

Nesse sentido Perez Luño (2007) em sua obra Los Derechos fundamentales, realiza a
diferença dos termos direitos humanos e direitos fundamentais, onde direitos humanos seriam
entendidos como um conjunto de faculdades e instituições que em cada momento histórico
realizam a concretização das exigências da dignidade, onde os direitos fundamentais seriam
os direitos garantidos pela constituição e legislação, senão vejamos:

En los usos lingüísticos jurídicos, políticos e incluso comunes de nuestro tiempo, el


término “derechos humanos” aparece como um concepto de contornos más amplios
y imprecisos que La noción de “los derechos fundamentales”. Los derechos
humanos, suelen venir entendidos como um conjunto de facultades e instituiciones
que, em cada momento histórico, concretan lãs exigencias de La dignidad, La
liberdad y la igualdad humanas, las cuales deben ser reconecidas positivamente por
los ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional. En tanto que com La
nocion de los direitos fundamentales se tiende a aludir a aquellos derechos humanos
garantizados por El ordenamentos jurídico positivo em la mayor parte de los casos
em su normativa constitucional, y que suelen gozar de uma tutela reforzada. Los
derechos humanos aúnan, a su significación descriptiva de aquellos derechos y
libertades reconocidos em las declaraciones y convenciones internacionales, una
connotación prescriptiva o deontológica, al abarcar también aquellas exigencias más
radicalmente vinculadas al sistema de necesidades humanas, y que debiendo ser
objeto de positivación no lo ha sido. Los derechos fundamentales poseen un
sentindo más preciso y estrecto, ya que tan solo describen en conjunto de decechos y
libertades jurídica y institucionalmente reconocidos y garantizados inste por el
derecho positivo. Se trata, siempre, por tanto, de derechos delimitados espacial y
temporalmente, cuya denominación responde a su caracter basico o fundamentador
del sistema jurídico político del estado de derecho. (PEREZ LUÑO, 2007, p. 46-47)

Por sua vez Lopes (2001a, p. 35) indica que os direitos fundamentais podem ser
definidos como “os princípios jurídica e positivamente vigentes em uma ordem constitucional

125
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

que traduzem a concepção de dignidade humana de uma sociedade e legitimam o sistema


jurídico estatal”.

A Constituição Federal não deixa margem à dúvida de seu plano teórico do pensamento
constitucional brasileiro. Todavia, no plano pragmático, a efetividade dos direitos
Fundamentais carece de melhor aplicação por aqueles que promovem o direito em sociedade.
Não que haja um retrocesso na positivação desses direitos, mas é que, no mecanismo de
democratização constitucional brasileira, a evolução dos direitos sociais trabalhistas pode não
ter merecido a devida proteção de que necessitam (SARLET, 2006).

O Estado é responsável pela proteção do homem e de sua dignidade. Prover a


seguridade da dignidade é uma tarefa importantíssima para a evolução social, porquanto é
inerente ao ser humano, acompanhando-o por toda a existência, não bastando, pois, o
formalismo de seu reconhecimento, mas a verdadeira eficácia para a proteção do ser humano,
como quer Silva (1998, p. 93-94):

[...] Não basta, porém, a liberdade formalmente reconhecida, pois a dignidade da


pessoa humana, como fundamento do Estado Democrático de Direito, reclama
condições mínimas de existência, existência digna conforme os ditames da justiça
social como fim da ordem econômica.

Conforme nos ensina Lopes (2001, p.174), os direitos fundamentais tiveram o seu
surgimento com o Estado Constitucional no Séc. XIX, derivados da própria evolução humana,
como resultado de um complexo de eventos. Ensina, ainda que como normas principiológicas
que legitimam o Estado, os direitos fundamentais devem refletir o sistema de valores do
homem e sua dignidade e não mais transparecer que a dignidade da pessoa está associada a
uma essência pelo simples fato de ser humano, o Estado tem a obrigação de satisfazer as
necessidades de todos os membros, como forma de garantir efetividade dos direitos
constitucionais.

Os direitos fundamentais, como normas principiológicas legitimadoras do Estado –


que traduzem a concepção da dignidade humana de uma sociedade –, devem refletir
o sistema de valores ou necessidades humanas que o homem precisa satisfazer para
ter uma vida condizente com o que ele é. Com efeito, os direitos fundamentais
devem exaurir a idéia de dignidade humana, porém não mais uma idéia de dignidade
associada a uma natureza ou essência humana entendida como um conceito unitário
e abstrato, mas como o conjunto de valores ou necessidades decorrentes da
experiência histórica concreta da vida prática e real. Desse modo, os direitos
fundamentais tornam-se os mais adequados instrumentos legitimadores do Estado, já
que a justificação do domínio e do poder estatal dependerá não só da forma como
esses interesses universalizáveis (cujo conteúdo material são as necessidades
humanas) estejam positivados – direitos fundamentais – mas, sobretudo, do grau de
eficácia que tais direitos tenham. Falar de direitos fundamentais, então, não significa

126
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

apenas fazer menção ao catálogo de direitos constitucionalizados, relativos à


dignidade humana, mas significam verificar a idoneidade do Estado para satisfazer
as necessidades de todos os membros que o compõem. (2001, p. 182)

A Constituição de 1988 coloca o ser humano em evidência, onde assegura direitos e


garantias fundamentais (GRAU, 1997), não só os previstos no art. 5º da Constituição Federal,
mas outros que estão previstos no art. 170, onde o trabalho passa a ter uma previsão
constitucional de direito fundamental econômico, difundindo em seu texto à importância de se
resguardar o trabalho e aquele que o exerce. Priorizando o valor do trabalho humano sobre os
valores da economia:

Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na


livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
VIII – busca do pleno emprego;
[...]
Art. 174 – Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado
exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento
nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e
regionais de desenvolvimento.
§ 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.
(BRASIL, 2012).

Ao Estado não somente deve introduzir direitos, garantias e elementos normativos


aos indivíduos, é necessário que as normas sejam ser exercidas, para que proporcione a
máxima efetivação desses direitos. Dessa forma Facchini Neto (2003, p. 43) assevera:

Na nova concepção de direitos fundamentais, diretamente vinculantes, a


Administração deve pautar suas atividades no sentido de não só não violar tais
direitos, como também de implementá-los praticamente, mediante a adoção de
políticas públicas que permitam o efetivo gozo de tais direitos fundamentais por
parte dos cidadãos. Quanto ao legislador, o reconhecimento da eficácia jurídica dos
direitos fundamentais impõe ao mesmo deveres positivos, no sentido de editar
legislação que regulamente as previsões constitucionais, desenvolvendo os
programas contidos na Carta. Não basta abster-se de editar leis inconstitucionais,
impõe-se o deve de agir positivamente.

Desse modo, observa-se que a efetivação dos direitos fundamentais é objetivo do


Estado Democrático de Direito, em que se constitui a República Federativa do Brasil, criando
um liame entre a sociedade e o Estado.
Silva (2007), afirma que a democracia se fundamenta na garantia de igualdade, por
isso não se pode tolerar a desigualdade entre trabalhadores e a classe patronal de forma
extrema, a Constituição consubstancia a democracia como um regime de garantia geral para a

127
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

realização dos direitos fundamentais do homem em todas as suas dimensões (SILVA, 2007, p.
369-370).

Como princípio fundamental, José Afonso da Silva (2003) mostra que a dignidade da
pessoa é dotada de um valor supremo na Constituição e que rege toda a ordem constitucional,
de forma que todos os outros princípios são atraídos e tomam-no como fundamento de sua
aplicação2. O conteúdo mínimo essencial refere-se a uma correlação imediata ao princípio da
dignidade, porquanto nele se observa um substancial capital de liberdades como o conteúdo
mínimo existencial e por consequência as condições mínimas para o trabalho.

As prestações devem ser vinculadas à noção de mínimo existencial, abrangendo assim


“o conjunto de prestações materiais que asseguram a cada indivíduo uma vida com dignidade
[...] à noção de um mínimo vital ou a uma noção estritamente liberal de um mínimo suficiente
para assegurar o exercício das liberdades fundamentais” (SARLET, 2006, p.40).

Brito Filho (2004, p. 51) assevera que o trabalho tem de comportar o conjunto mínimo
de direitos que permitam ao ser humano viver com dignidade, pois com o reconhecimento do
mínimo essencial é que se pode falar que o trabalho dignifica o homem 3. É importante a
vinculação entre o princípio de proteção ao trabalho e à dignidade da pessoa, lembrando que
proteção ao trabalho implica condições de trabalho, ter um ambiente salutar, ou no mínimo
dentro do estabelecido pelas normas trabalhistas, entre outros princípios que estabeleçam
critérios de igualdade e respeito dos trabalhadores. Não sendo estabelecidas essas condições
mínimas, certamente o princípio da dignidade da pessoa não estará sendo aplicado e o
trabalhador ficará submetido a formas degradantes de trabalho4.

2
Conforme ainda Silva (1998, p. 92): “A dignidade da pessoa humana é tal dotada ao mesmo tempo da natureza
de valor supremo, princípio constitucional e geral que inspiram à ordem jurídica. Mas a verdade é que a
Constituição lhe dá mais do que isso, quando a põe como fundamento (grifo do autor) da República Federativa
do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito. Se é fundamento (grifo do autor) é porque se constitui
num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do direito.
Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e
cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional [...]. A dignidade da
pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida.”
3
Brito Filho (2004, p. 51), observa, outrossim, que o “conjunto mínimo é composto do direito ao trabalho,
principal meio de sobrevivência daqueles que, despossuídos de capital, vendem a sua força de trabalho; da
liberdade de escolha de trabalho e, uma vez obtido o emprego, do direito de nele encontrar condições justas,
tanto no tocante à remuneração como no que diz respeito ao limite de horas trabalhadas e períodos de repouso.
Garante ainda o direito dos trabalhadores de se unirem com objetivos de defender seus interesses”.
4
Brito Filho (2004, p. 69): “De todas as formas de superexploração do trabalho, com certeza, as duas vertentes
do trabalho em condições análogas ao escravo – o trabalho forçado e o trabalho em condições degradantes – são
as mais graves; a primeira mais ainda. Propor a sua análise é, com certeza, enveredar por seara onde a dignidade,
a igualdade, a liberdade e a legalidade são princípios ignorados, esquecidos. Mais: é tratar do mais alto grau de
exploração da miséria e das necessidades do homem”.

128
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Sarlet (2006) enfatiza a importância da figura da proibição do retrocesso na ordem


jurídica constitucional e na segurança jurídica que ela deve assegurar, tendo em vista o Estado
de Direito a que pertence. Barroso (2006, p. 152), referindo-se ao Princípio da Proibição do
Retrocesso, sustenta que, apesar desse princípio não estar expressamente previsto, ele
“decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um
mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio
jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido”.

BONAVIDES (1989) assevera que os preceitos constitucionais que têm relação com os
direitos econômicos culturais e sociais implicam em uma garantia que possa dar estabilidade
às situações jurídicas criados pelo legislador. Assevera, ainda, que essa garantia deva abranger
um mínimo e esse mínimo assegure a dignidade da pessoa. Importa salientar que a proibição
do retrocesso é um mecanismo de defesa e garantia do mínimo existencial ou núcleo essencial
dos direitos fundamentais, abrangendo tudo que esse núcleo assegura para a certeza de uma
vida digna.

2. A DIGNIDADE DA PESSOA COMO PRECEITO FUNDAMENTAL

A preservação da dignidade é dever do Estado, dessa forma observamos que existe


uma tendência nos ordenamentos jurídicos de diversos países em colocar o homem como o
objetivo central e final do Direito, pois muitos deles têm adotado o princípio da dignidade da
pessoa na esfera constitucional, assim como ocorreu com o Brasil na Constituição de 1988,
ficando então com o “status” de Estado Democrático de Direito.

Em análise das características dos direitos fundamentais, podemos dizer que dentre
outras tem uma função dignificadora, Lopes (2001a) afirma que o principal objetivo dos
direitos fundamentais é proteger a dignidade humana, contra possíveis ingerências ao
desenvolvimento humano, vejamos:

Os direitos fundamentais têm como principal objetivo resguardar a dignidade


humana, não apenas defendendo a esfera individual do homem perante possíveis
interferências do poder público, mas, também, exigindo deste a realização de
determinadas atividades que promovam o desenvolvimento integral daquele como
ser social, e exigindo dos terceiros o respeito a todos esses direitos (LOPES, 2001a,
p. 37)

O constituinte de 1988 colocou a dignidade da pessoa como valor supremo do Estado


brasileiro. No constitucionalismo brasileiro contemporâneo, o homem é concebido como

129
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

centro do universo jurídico-constitucional e como prioridade justificante do direito. Tal fato


ocorre não só também por influência externa, mas também pela própria experiência 5.

Israel (2005, p.388), mostra que a dignidade é, por excelência, um princípio


fundador, princípio este com componentes ricos e que são objeto de interesse do direito penal,
direito civil, direito constitucional, direito social e público, com componentes complexos, já
que o princípio fundamenta simultaneamente regras de direito e objetivos juridicamente
sancionados. Israel (2005, p.388), nos mostra ainda que esse princípio é a própria essência do
direito:

Princípio fundador dos direitos do homem, o princípio de proteção da dignidade da


pessoa humana traduz, por sua vez, a própria essência da concepção humanista da
consciência universal originaria de uma exigência ética fundamental. Princípio esse
que está implicitamente contido na Declaração Universal dos Direitos do Homem e
do cidadão de 26 de agosto de 1789.

Sarlet (2004, p. 35), diz que: “o respeito e a proteção à dignidade da pessoa (de cada
uma e de todas as pessoas) constituem-se (ou, ao menos, assim o deveriam) em meta
permanente da humanidade, do Estado e do Direito”. Na mesma linha de entendimento,
assevera Emmanuel Furtado (2004, p. 34), “a dignidade é um princípio absoluto enquanto se
finca no fato de a pessoa ser um minimum invulnerável, o qual todo estatuto deve assegurar”.

A Constituição de 1988, para a ordem jurídica brasileira, representou um marco de


ruptura e superação dos padrões que eram vigentes, principalmente no que se refere à defesa e
ascensão da dignidade da pessoa ao instituir um amplo sistema de direitos e garantias
fundamentais (tanto individuais e coletivos) buscou promover a dignidade da pessoa, mas não
só com a promoção, mas também a sua efetivação, atribuindo um papel ativo ao cidadão e ao
próprio judiciário que neste caso onde foi comprovada a afronta a dignidade agiu com
correção.

A dignidade da pessoa será atingida de forma negativa sempre que a pessoa for
rebaixada a objeto, a um mero instrumento, tratada como uma coisa, que ela venha a ser
destratada e não considerada como sujeito de direitos. Vemos então, que, se não existir
respeito pela vida, pela integridade física e moral do homem, onde as condições mínimas para
que se possa ter uma existência honrada de vida não forem garantidos, certamente abusos e
grande desesperança irão ocorrer, vejamos o que Sarlet (2004, p 59), nos mostra sobre isso:

5
“[...] E assim também a tortura e toda sorte e toda sorte de desrespeito à pessoa humana praticados sob o
regime militar levaram o Constituinte brasileiro a incluir a dignidade da pessoa humana (grifo original) como
um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil,
conforme disposto no inciso III do art. 1º da Constituição de 1988. [...]”. (SILVA, 1998).

130
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Se as condições mínimas de para uma existência digna não forem asseguradas,


onde não houver limitação do poder, enfim onde a liberdade e a autonomia, a
igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem
reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da
pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de
arbítrio e injustiças. Tudo, portanto, converge no sentido de que também para a
ordem jurídico-constitucional a concepção de homem-objeto (ou homem-
instrumento), com todas as suas conseqüências que daí podem e devem ser
extraídas, constitui justamente a antítese da nação de dignidade da pessoa, embora
esta, à evidência, não possa ser, por sua vez exclusivamente formulada no sentido
negativo (de exclusão de atos degradantes e desumanos), já que assim se estaria a
restringir demasiadamente o âmbito de proteção da dignidade.

O entendimento conferido ao princípio da dignidade da pessoa o de norma jurídica


fundamental, a Constituição é radicada nesse princípio, reconhecendo que é o Estado que
existe em função da pessoa e não ao contrário, como Sarlet (2004, p 65), mostra “que o ser
humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade da atividade estatal”.

O princípio da dignidade da pessoa está intimamente ligado nos demais princípios


constitucionais, pois estes encontram o seu fundamento imediato naquele, vemos que os
direitos e garantias fundamentais podem se utilizar, em maior ou menor intensidade da
dignidade da pessoa se vinculando para que esses possam ter sua eficácia alcançada, nessa
linha vemos que o princípio da dignidade atua elemento fundador de outras garantias na
constituição, tais como ocorre com as regras do direito do trabalho quando inserem diversos
direitos trabalhistas e quando proíbem os maus tratos e que não haverá trabalhos forçados
entre muitos outros direitos sociais, isso se refere à dignidade do homem, do trabalhador que
tem essa garantia constitucional, por isso o princípio da dignidade da pessoa tem esse caráter
fundador e informador dos direitos e garantias previstas na Constituição de 1988, vejamos o
que Sarlet (2004 p 85–86), afirma:

A dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo)


fundamental que “atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais”, exige e
pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as
dimensões (ou gerações, se assim preferirmos). Assim, sem que se reconheçam à
pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á
negando-lhe a própria dignidade [...], aliás, é precipuamente com fundamento no
reconhecimento da dignidade da pessoa por nossa Constituição, que se poderá
admitir, também entre nós e apesar do Constituinte neste particular, a consagração –
ainda de modo implícito – de um direito ao livre desenvolvimento da personalidade
[...] situa-se o reconhecimento e proteção da identidade pessoal (no sentido de
autonomia e integridade psíquica e intelectual), concretizando-se – entre outras
dimensões – no respeito pela privacidade, intimidade, honra, imagem, assim como o
direito ao nome, todas as dimensões umbilicalmente vinculadas à dignidade da
pessoa

131
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O respeito à dignidade da pessoa constitui o principal parâmetro de controle de


legitimidade do poder, o Estado deve funcionar de modo que faça a preservação e efetivação
da dignidade da pessoa. Sarlet (2004 p 80-81) refere que o reconhecimento e a proteção da
dignidade da pessoa constituem requisito indispensável para que a ordem jurídico-
constitucional possa ser tida como legítima, visto que ela diz respeito aos fundamentos, aos
objetivos, à própria razão de ser estatal.

Barcellos (2002, p. 253), sobre a questão do princípio da dignidade da pessoa ser


uma cláusula aberta, considera importante, pois seria difícil determinar todo o conteúdo do
princípio:

Não é necessário, portanto, determinar todo o conteúdo do princípio ou todas as suas


pretensões, uma vez que o principio da dignidade humana contém, de fato, um
campo livre para a deliberação política. É possível e fundamental, todavia, apurar
esse núcleo mínimo de efeitos pretendidos, de modo a maximizar a normatividade
do princípio pela identificação do espaço de aplicação da eficácia positiva ou
simétrica.

A dignidade da pessoa é um valor-guia do nosso ordenamento constitucional,


conforme relatado, esse princípio foi expressamente positivado pelo constituinte de 1988, a
dignidade da pessoa, conforme afirma Silva (1998, p. 91), não é criação constitucional, mas
valor que a Constituição decidiu atribuir máxima relevância jurídica mediante formulação
principiológica e expressa incorporação constitucional que tem a pretensão de plena
efetividade.

3. O TRABALHO EM CONDIÇÕES DIGNA

Lopes (2001a), afirma que a positivação dos direitos fundamentais vem a ser o
resultado das lutas e a conquistas, afirma, ainda, a grande importância que os direitos
conquistados sejam elencados como fundamentais como forma e proteger o indivíduo e a
sociedade que o desenvolveu, vejamos:

A importância da incorporação desses direitos no elenco dos direitos fundamentais


é inegável, visto que despertaram a consciência da necessidade de proteger não
apenas o indivíduo, mas a sociedade na qual ele se desenvolve como ser social.
Mencionam-se os direitos ao trabalho, à saúde, à moradia, à educação, à cultura e ao
lazer como alguns pertencentes a esta categoria (LOPES, 2001a, p. 64)

A violação da dignidade dar-se pela ausência do trabalho em condições saudáveis, ou


seja, o direito a um trabalho digno, um trabalho decente, e podemos dizer que consideramos
que a dignidade da pessoa será atingida de forma negativa sempre que a pessoa for rebaixada

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

a objeto, a um mero instrumento, tratada como uma coisa, que ela venha a ser destratada e não
considerada como sujeito de direitos. Vemos então, que se não existir respeito pela vida, pela
integridade física e moral do homem, onde as condições mínimas para que possamos ter uma
existência honrada de vida não forem garantidas, Sarlet (2004, p. 59) nos mostra a respeito:

Se as condições mínimas de para uma existência digna não forem asseguradas, onde
não houver limitação do poder, enfim onde a liberdade e a autonomia, a igualdade
(em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e
minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e
esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e
injustiças. Tudo, portanto, converge no sentido de que também para a ordem
jurídico-constitucional a concepção de homem-objeto (ou homem-instrumento), com
todas as suas conseqüências que daí podem e devem ser extraídas, constitui
justamente a antítese da nação de dignidade da pessoa, embora esta, à evidência,
não possa ser, por sua vez exclusivamente formulada no sentido negativo (de
exclusão de atos degradantes e desumanos), já que assim se estaria a restringir
demasiadamente o âmbito de proteção da dignidade.

Romita (2005, p. 187), observa que a Constituição Federal teve o cuidado de prever a
proteção do meio ambiente do trabalho, constituindo, portanto um direito fundamental do
trabalhador. O Brasil ratificou a Convenção n. 155, da Organização Internacional do
Trabalho, promulgando-a pelo Decreto n. 1.254, de 29 de setembro de 1994. Em virtude dessa
ratificação, por força do disposto no art. 4º, parágrafo 1º, da Convenção, conforme explica
Romita (2005, p. 186), o Brasil é obrigado a formular, colocar em prática e reexaminar
constantemente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos
trabalhadores e o meio ambiente de trabalho. Dessa forma o art. 3º, alínea e, da Convenção,
que o termo saúde, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de
doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam à saúde e estão diretamente
ligados com a segurança e a higiene no trabalho.

Como se verifica que o principal objetivo dos direitos fundamentais é proteger a


dignidade humana, contra possíveis ingerências ao desenvolvimento humano (LOPES,
2001a), entende-se dessa forma que a proteção a dignidade está em consonância ao que
prescreva a doutrina e a legislação no que se refere que a ausência de meio ambiente de
trabalho equilibrado que proteja o trabalhador no local de trabalho em relação a sua segurança
e higiene e privacidade, violando a intimidade e a honra do individuo, culminando com a
indenização pelo dano moral decorrente da violação6, além de caracterizar a submissão do
trabalhador a condições degradantes.

6
Constituição da República Federativa do Brasil, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X - são invioláveis a

133
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A Constituição Federal no Art. 7, XXII, trás a previsão para a redução dos riscos
inerentes ao trabalho como forma de prover direito fundamental e garantir a sua dignidade e
sua segurança por meio de normas7. Destarte, para darmos aos nossos trabalhadores a
dignidade no trabalho, faz-se necessário que cumpramos todas as regras estabelecidas em
nosso ordenamento jurídico, por exemplo, as regras do direito do trabalho, criando condições
a qual o trabalhador possa exercer uma ocupação que lhe permita juntamente com a sua
família subsistir com dignidade. Nesse contexto Dallari (1998, p. 20), expressa:

O trabalho permite à pessoa desenvolver sua capacidade física e intelectual,


conviver de modo positivo com outros seres humanos e realizar-se integralmente
como pessoa. Por isso o trabalho deve ser visto como um direito de todo ser
humano.

Para um trabalho digno e decente, o empregador deve oferecer condições ideais para
o labor. A preservação da saúde do trabalhador, da sua dignidade e de sua vida são fatores
importantes que devem ser observados e aplicados, é uma justa troca. O empregador tem a
execução de suas atividades e o trabalhador a sua dignidade.

Brito Filho (2004, p 61), conceitua o que seja trabalho decente:

Trabalho decente é um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde:


à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho
com condições justas, incluindo a remuneração, e que preservem sua saúde e
segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e a proteção contra
os riscos sociais.

Negar o trabalho nas condições mínimas exigidas pela legislação, é negar os direitos
fundamentais do trabalhador. Não há justificativa para, em face de uma maior lucratividade e
de produção mais eficiente, aceitar a eliminação da qualidade de vidas das pessoas, tornado
mais rígida a fiscalização contra as formas de exploração do ser humano.

No Brasil o número de trabalhadores em situação de trabalho degradante e por muitas


vezes análoga a de escravo pode variar de vinte e cinco mil, conforme levantamento da
Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a quarenta mil, segundo estimativa da Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). A pecuária e desmatamento
respondem, por exemplo, por três quartos da incidência de trabalho degradante (INSTITUTO
OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2005, p. 5).

intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação;
7
Constituição da República Federativa do Brasil, Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além
de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio
de normas de saúde, higiene e segurança;

134
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O Brasil é um país que possui um grande potencial para o desenvolvimento e ampliação


de sua capacidade agropecuária, com muitas terras e solo bastante fértil, tendo condições
ambientais ideais para o desenvolvimento do agro–negócio. Mas também possui grandes
desigualdades sociais, com um desequilíbrio muito intenso entre as classes sociais, tornando
um ambiente ideal para a ocorrência de práticas desumanas que atacam frontalmente a
dignidade da pessoa.

A falta de garantias mínimas, como educação, saúde, saneamento, alimentação, são


excelentes aliados aos que exploram o ser humano como se fosse um animal, como se fosse
um objeto. A população desprovida de assistência do Estado é o alvo principal, cabendo,
então, a toda a Nação combater essa atividade exploratória do ser humano, que sendo
reduzido a uma coisa, retira-lhe o que é mais importante preceito constitucional, a dignidade.

É importante a vinculação entre o princípio de proteção ao trabalho e à dignidade.


Lembrando que proteção ao trabalho implica condições de trabalho, ter um ambiente salutar,
ou no mínimo dentro do estabelecido pelas normas de trabalho, entre outros princípios que
estabeleçam critérios de igualdade e respeito entre as partes. Não sendo estabelecidas essas
condições mínimas, o princípio da dignidade da pessoa não estará sendo aplicado e o
trabalhador ficará submetido a formas degradantes de trabalho8.

Por fim conforme ensinamento de Brito Filho (2004), não há trabalho decente sem
que existam as condições adequadas à preservação da vida e da saúde do trabalhador, não há
trabalho decente sem justas condições para o trabalho, e com não há trabalho decente se o
Estado não tomar todas as medidas de proteção e fiscalização em benefício do trabalhador.
(BRITO FILHO, 2004, p. 61).

4. A ATUAÇÃO DE ÓRGÃO JURISDICIONAL NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS


FUNDAMENTAIS

A atuação dos tribunais cria-se um debate a respeito das funções do Estado na proteção
aos direitos fundamentais em relação a sua real concretização. Será que A atuação de órgão
jurisdicional na proteção dos direitos fundamentais está em sintonia com Estado na busca da
proteção dos direitos fundamentais?

8
De todas as formas de superexploração do trabalho, com certeza, as duas vertentes do trabalho em condições
análogas ao escravo: o trabalho forçado e o trabalho em condições degradantes são as mais graves; a primeira
mais ainda. Propor a sua análise é, com certeza enveredar por seara onde a dignidade, a igualdade, a liberdade e
a legalidade são princípios ignorados, esquecidos. Mais é tratar do mais alto grau de exploração da miséria e das
necessidades do homem [BRITO FILHO, 2004, p 69.]

135
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A doutrina tem realizado estudos acerca da efetivação dos direitos fundamentais, as


normas estão postas para a proteção, mas qual a melhor maneira de provê-los?. Cumpre analisar a
interpretação da efetivação dos direitos fundamentais nos Tribunais, porém cumpre registrar que
o Estado é responsável pela proteção do indivíduo, que não basta a proteção jurídica da
pessoa, é necessário além de políticas públicas na defesa dos direitos que haja o respeito às
normas pelas pessoas a quem é destinada, ou seja, uma consciência geral de que as normas
devem ser cumpridas que o respeito ao próximo deve ser mantido. Atuação do Estado deve
estar pautada também quando do descumprimento por pessoas que não respeitam as normas e
submetem o trabalhador a situações degradantes de trabalho, aproveitando-se por muitas
vezes de sua necessidade econômica.

A função jurisdicional alberga a capacidade de dirimir conflitos, e determinar decisões,


que são apresentados para análise, entendemos que os magistrados pautam pela a adequação as
normas e princípios estabelecidos juridicamente, com base nos valores sociais, sempre
observando a real situação para que a decisão seja a mais justa possível.

A promoção ao respeito aos direitos fundamentais é de fundamental importância, e


que o Estado dentro de seu sistema político e jurídico devendo haver a promoção da pessoa
(LUÑO, 2007), assevera que os direitos fundamentais se constituem na principal garantia com
que contam os cidadãos de um estado de direito de que o sistema jurídico e político se
orientarão para o respeito e promoção da pessoa humana, em sua dimensão individual,
vejamos:

Los derechos fundamentales constituyen La principal garantia com que cuentan los
ciudadanos de um Estado de Derecho de que El sistema jurídico y político em su
conjunto se orientará hacia El respeto y la promocion de La persona humana; em su
estricta dinensión individual, o conjugado esta com La exigência de solidarida,
corolário de La componente social y colectiva de La vida humana(Estado Social de
Derecho) (LUÑO, 2007, p. 20) .

O Estado vem cumprindo o seu dever fiscalizador, seja através da atuação dos auditores
Fiscais do Trabalho9, seja através do Ministério público do Trabalho10 seja através do próprio

9
No Ceará, em 2006, foi verificado violação aos direitos fundamentais do ser humano, com trabalhadores rurais
vivendo em situação análoga ao trabalho escravo, onde eram privados das condições mínimas de existência. O
jornal “O Povo” publicou as condições subumanas em que estavam vivendo os trabalhadores até serem
libertados, de tal sorte que estes passavam várias noites em estábulos sem o mínimo essencial: Na quinta-feira,
fiscais da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e Ministério Público do Trabalho constataram o primeiro caso
de trabalho escravo no Ceará, na localidade de Caioca, município de Sobral. Um total de 24 pessoas estavam
alojadas em condições subumanas, nos estábulos dos animais e tinham de pagar R$ 15,00 por equipamentos
como foice, o que os forçava a se endividarem no chamado sistema de barracão.

136
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

judiciário, mesmo que não consiga afastar todas as situações de desobediência as normas
fundamentais, vem atuando de forma que minimizem os seus danos e quando não conseguem
eliminar por meio da fiscalização surge o poder judiciário como membro do Estado para realizar a
avaliação e proferir a sua reparação se for configurado o dano.

Destarte, entende-se que a atuação do poder judiciário complementa o poder fiscalizador


do Estado, pois verificada a violação, cabe aos órgãos jurisdicionais analisar os fatos para prolator
a sua sentença, que quando for observada a violação de preceitos fundamentais, vem
coerentemente prolatando sentenças a fim de punir o infrator e amenizar o dano sofrido pelo
trabalhador.

Entendemos, portanto que o poder judiciário vem cumprido sim o seu papel e suas
decisões estão em sintonia com as normas fundamentais, mas se observa é que os direitos
fundamentais estão bem delineados em nosso ordenamento, onde princípio da dignidade da
pessoa humana para a sua efetivação pressupõe a efetivação dos direitos fundamentais, a
legislação pátria fornece todo o aparato para garantir, mas para a verdadeira efetividade dos
direitos fundamentais deve partir da consciência da pessoa, o Estado é responsável pela a
observância das normas, mas o limite de controle externo é o próprio respeito aos direitos
fundamentais pelos cidadãos.

5. CONCLUSÃO

O Estado Democrático de Direito tem o dever de proteger e garantir que seja


respeitada e efetivada a proteção do ser humano, contra as diversas formas de aviltamento
deste. Tem a obrigação de proteger e defender contra as ações inescrupulosas que usam de
métodos ilegais e manifestamente desumanos a fim de reduzir a pessoa a um objeto, sem
valor algum, sem dignidade.

A dificuldade econômica que muitos estão vivendo, aliada à falta de instrução, saúde,
entre tantas outras necessidades é um facilitador para os que aliciam utilizando-se de falsas
promessas de empregos bem remunerados em troca do trabalho dessas pessoas.

10
O Ministério Público do Trabalho, através do sistema judiciário, ajuizou uma ação de danos morais coletivo,
que teve acolhida pela Justiça do Trabalho, senão veja o texto do referido acórdão: ACÓRDÃO TRT/1ª T./RO
5309/2002 - DANO MORAL COLETIVO – POSSIBILIDADE – Uma vez configurado que a ré violou direito
transindividual de ordem coletiva, infringindo normas de ordem pública que regem a saúde, segurança, higiene e
meio ambiente do trabalho e do trabalhador, é devida a indenização por dano moral coletivo, pois tal atitude da
ré abala o sentimento de dignidade, falta de apreço e consideração, tendo reflexos na coletividade e causando
grandes prejuízos à sociedade.

137
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

As pessoas que se submetem a esse tipo de trabalho são pessoas com toda a ordem
de necessidades. Pessoas que abandonam seus lares e suas famílias em busca de garantir boas
condições de vida às suas famílias.

O Estado não pode ficar ausente nessa questão, deve agir dentro dos permissivos
legais para fiscalizar e punir os responsáveis pela degradação das condições ideais para o
exercício do trabalho. Deve-se respeitar a condição humana, deve-se proteger o homem e sua
família, deve-se proteger a sociedade, deve-se proteger toda a nação, contra os abusos
cometidos.

Um trabalho decente é um direito de todos. É responsabilidade do Estado, através de


seus diversos órgãos, oferecer ao trabalhador oportunidades de emprego em condições de
urbanidade e dignidade. É responsabilidade preservar a vida do seu cidadão e dar-lhes
condições dignas de vida, de trabalho, de lazer, entre outros tantos direitos previstos na
legislação.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

DIGNIDADE NO TRABALHO E COMPETITIVIDADE EMPRESARIAL:


NECESSIDADE DE CONSTRUIR UM SISTEMA DE VALORES
COMPARTILHADOS
DIGNITY AT WORK AND BUSINESS COMPETITIVENESS: THE NEED TO
BUILD A SYSTEM OF SHARED VALUES

Paulo Antonio Brizzi Andreotti1


Lourival José de Oliveira2

Resumo
O objetivo deste artigo é discutir a interação entre Direito do Trabalho e atividade empresarial
em tempos de globalização, partindo-se do fenômeno da globalização, na forma conhecida no
século XX. Ganhou destaque a abordagem da flexibilização nas relações de trabalho como
forma de introduzir a dinâmica necessária frente às mudanças promovidas pelas novas formas
de gerenciamento empresarial, em consequência, principalmente, do crescimento da
competitividade, que extrapolou o plano regional. Partindo-se de princípios insculpidos na
Constituição Federal, foi realizado um estudo crítico sobre a existência de limites normativos
que precisam ser respeitados para que ocorra a flexibilização das normas trabalhistas à luz do
novo papel que a Empresa possui na sociedade contemporânea. Nesse contexto, foi atendido o
requisito interdisciplinaridade, tomando-se como ponto central para o estudo o Art. 170 da
Constituição Federal de 1988, que possibilitou buscar um ponto de equilíbrio entre os
interesses empresariais e a manutenção da valorização do trabalho humano, compreendendo-
se que a mudança, no sentido de redução dos direitos dos trabalhadores, não se faz compatível
com a própria ordem econômica. Diante desse entrave, o presente estudo ampliou o próprio
conceito de flexibilização, entendendo-o como a criação de um ambiente empresarial que
possa comportar, ao mesmo tempo, a valorização do trabalho humano e a construção de
incentivos para o desenvolvimento industrial. Para tanto, apropriou-se do método dedutivo,
principalmente com pesquisas bibliográficas.

Palavras-chave: Atividade empresarial. Flexibilização. Valor social do trabalho.

Abstract
The aim of this article is to discuss the interaction between work right and business activity at
globalization time from the globalization phenomenon on the 20th century known way. The
flexibility on work relations gained emphasis as a manner of introducing the necessary
dynamic on the changings promoted by the new business management ways, mainly as the
increasing on the competitivity that surpassed the regional plan. From the principles inserted
on the Federal Constitution , a study was done about the existence of normative limits that
need to be respected so that the flexibilisation on work rules occur to the new role that the
business has in the contemporaneous society. Within this context the interdisciplinarity

1
Mestrando em direito pela Universidade de Marília - UNIMAR. Pós-graduado em direito do Estado, com
concentração em direito administrativo pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Graduado em Direito
pela Universidade Eurípides de Marília - UNIVEM. Advogado.
2
Doutor em Direito das Relações Sociais (PUC-SP). Docente da Universidade Estadual de Londrina. Docente do
Programa de Mestrado em Direito. Docente e Coordenador de Curso da FACCAR. Advogado.

140
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

requirement was met, becoming as central point for studying the Art.170 of the Federal
Constitution of 1988, that made it possible to search a balance point among the business
interests and the maintenance of human work value getting the changing in the sense of
reducing the worker rights, it is not compatible with the own economical order. Facing that
barrier the present study amplified its own concept of flexibilisation getting it as a creation of
a business environment that can have at the same time the human work value and the
construction of incentives to the industrial development. It appropriated the deductive method
with mainly literature searches.

Key words: Business activity. Flexibilisation. Social Value of Work

Introdução

A sociedade vive em um contexto de crescente complexidade social, que traz


profundas modificações nas estruturas jurídicas tradicionais, ensejando uma construção
permanente do Direito, a fim de se adaptar aos novos valores econômicos e sociais. É essa a
proposta deste trabalho, ao explorar a modificação do direito positivo trabalhista em
contraposição aos novos padrões de exercício da atividade empresarial no mundo globalizado,
tendo em vista que o processo de globalização internacionalizou a atividade empresarial, que
passou a competir em um mercado global.
Porém, em tempos de crise no mercado globalizado, a atividade empresarial
brasileira, para aumentar sua competitividade, prega uma intensa desregulamentação e
flexibilização das relações trabalhistas que, aliadas a uma profunda diminuição dos encargos
tributários, diminuiria o que os Empresários chamam de custo Brasil.
Por outro lado, o Art. 170 da Constituição Federal fixa como fundamento da ordem
econômica a valorização do trabalho humano, pois considera o trabalho um importante
instrumento de inserção do homem na sociedade, ao garantir sua subsistência e sua
participação no processo produtivo, fato que dignifica o homem. É bom frisar que não se trata
da produção de qualquer trabalho, mas sim de um trabalho considerado digno, conceito
embutido no significMdo “traNM
lho humMno”, contido no mesmo dispositivo constitucional.
É dentro desse recorte contemporâneo de baixa competitividade das Empresas
brasileiras no mercado global, em razão do custo Brasil, que o estudo buscará demonstrar a
sua essencialidade, pois, tanto a manutenção de uma atividade empresarial competitiva como
a valorização do trabalho humano são fatores imprescindíveis para o desenvolvimento
nacional, requisito necessário para alcançar os objetivos contidos no artigo 3º da Constituição
Federal.

141
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Nesse cenário, será enfatizada a proposta de flexibilização e desregulamentação da


legislação trabalhista como forma de diminuir o custo Brasil, tornando a atividade empresarial
mais competitiva no mercado global, em razão das transformações que o mercado de trabalho
vem sofrendo com a incorporação dos parâmetros internacionais de mão de obra asiática e
latino-americana, no mercado de trabalho brasileiro.
Com isso, é possível reconhecer que a atividade empresarial no Brasil, embora seja
exercida em um sistema capitalista, não se presta somente a fins lucrativos, em razão das
limitações impostas pelos preceitos jurídicos da ordem econômica e social previstas na
Constituição Federal. A atividade empresarial assume uma nova dimensão no cenário global e
nacional, qual seja: compatibilizar sua permanência em um mercado altamente competitivo,
sem descuidar de sua responsabilidade social, consagrando uma nova dimensão da atividade
empresarial nos estritos termos do Art. 170 da Constituição Federal, inclusive quanto à
valorização do trabalho humano.
No mesmo compasso, o Direito do Trabalho parece funcionar como detentor do
ponto de equilíbrio entre promover a garantia do valor trabalho humano e contribuir para que
as empresas consigam reduzir os entraves na contratação e na permanência dos seus
trabalhadores na organização empresarial, de forma adaptada às novas necessidades do setor
em que atua.

1. A atividade empresarial e o Direito do Trabalho no mundo globalizado

A atividade empresarial é reconhecida como fenômeno econômico-social em


evidência. Trata-se de um importante instrumento capitalista de solução para o fundamento
antagônico da ciência econômica (necessidade humana infinita versus recursos finitos)
(RODRIGUES, 2006, 89).
Logo, a atividade empresarial mostra-se como um importante instrumento de
produção de riquezas, assumindo, no contexto atual, importância ímpar na ordem econômica,
à medida que busca garantir o desenvolvimento econômico através da produção e da
circulação de riquezas. Por isso, a atividade empresarial é conceituada por Fábio Ulhoa
Coelho como a "atividade cuja marca essencial é a obtenção de lucro através do oferecimento
ao mercado de bens ou serviços gerados mediante a organização dos fatores de produção
(força de trabalho, matéria prima, capital e tecnologia)" (COELHO, 2003, p. 18).
Apesar de sua importância, a atividade empresarial, nos últimos tempos, precisou ser
redimensionada, buscando com isso melhorar a produtividade e aumentar a competitividade

142
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

(OLIVEIRA, 2009, p. 80), em decorrência do mercado globalizado em que está inserida, fato
que vem acarretando profundas mudanças no ordenamento jurídico, tendo em vista que
algumas normas representam um custo para a atividade empresarial, conforme sintetizou
Fábio Ulhoa Coelho:

Há normas jurídicas que importam aumento do custo da atividade produtiva.


Quando a lei cria um novo direito trabalhista, por exemplo, os empresários
alcançados refazem seus cálculos para redefinir o aumento dos custos de seu
negócio. Esse aumento de custos implica, quase sempre, aumento dos preços dos
produtos ou serviços que o empresário oferece ao mercado consumidor. Conceitua-
se "direito-custo" como as normas dessa categoria (COELHO, 2003, p. 38).

O aumento de custo decorrente da legislação brasileira, aliado a outros fatores (carga


tributária, taxa de juros, falta de crédito, má qualificação da mão de obra e política cambial),
contribui para a redução da competitividade das empresas brasileiras no mercado
internacional. Esse panorama pode ser verificado em pesquisa realizada pela FIESP -
Federação da Indústria do Estado de São Paulo – na qual foram eleitas as principais barreiras
encontradas para se melhorar a competitividade da indústria brasileira. Veja tabela3 abaixo:

Ranking Barreiras Total Pequena Média Grande


1º Tributação 65% 64% 68% 64%
2º Juros e crédito 11% 15% 10% 10%
3º Mão de obra 9% 11% 9% 9%
4º Câmbio e comércio exterior 4% 1% 4% 6%
5º Política industrial e inovação 3% 3% 4% 4%
6º Energia/telecomunicações 2% 2% 3% 2%
7º Transportes 2% 1% 1% 2%
8º Ambiente legal/regulatório 2% 2% 1% 2%
9º Meio ambiente 1% 1% 1% 2%

Necessitando ganhar competitividade no mercado internacional, parte do


empresariado brasileiro, inclinando-se por normas jurídicas neoliberais, sugere uma intensa
desregulamentação e flexibilização das relações trabalhistas e consumeristas e uma profunda
diminuição da carga tributária para a atividade empresarial.
Em outros termos, a atividade empresarial busca uma valorização maior da economia
de livre mercado, primando pelo respeito aos contratos, à liberalização comercial e à primazia
do setor privado, com ampliação da margem de livre negociação, fato que permitiria uma
flexibilização dos custos com o objetivo de aumentar a competitividade no mercado global

3
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP. barreiras para o crescimento da indústria paulista.
Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/entraves-ao-desenvolvimento-da-
industria-brasileira/>. Acesso em: 25 fev. 2013.

143
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

(COELHO, 2003, p. 7), principalmente através de uma legislação trabalhista que possibilite a
desoneração do empregador e, consequentemente, obtenha uma maior exploração do
empregado, conforme pontuou Lourival José de Oliveira:

Discute-se a moderna relação de trabalho. Tem-se, então, de um lado o mundo


globalizado exigindo redução de custos e aumento de produtividade, fazendo com
que se busquem novas formas de relações laborais (que, em regra, são mais
fragilizadas em termos de direitos para os trabalhadores), de outro, as empresas
menores, que se acham tão fragilizadas quanto se acham os trabalhadores e no meio,
o direito previdenciário, com os sistemas públicos em situação bastante difícil
(OLIVEIRA, 2009, p.85).

"Decorre daí a regulamentação e a relegalização no espaço das organizações


privadas, orientadas apenas para a criação de valores econômicos em vista da competição
mercadológica" (GOMES, 2003, 121). Porém, é importante destacar que as Empresas são
importantes construções sociais e sujeitos da realidade da qual fazem parte, quer pelo seu
poder econômico, quer pelo conjunto de técnicas de que dispõem na organização dos fatores
de produção, mostrando-se atualmente como uma das mais influentes instituições no rumo da
sociedade (VERGARA; BRANCO, 2001, p. 21). Consequentemente, incorpora em seu perfil
uma função social, não tendo em si mesma um fim, pois está inserida em um contexto maior
de desenvolvimento socioeconômico (JUCÁ, 2011, p. 483).
Com isso, é possível pensar em uma teoria jurídica que garanta o desenvolvimento
econômico, pois há uma relação de proximidade entre ele e as instituições jurídicas, em razão
dos custos ou incentivos que o direito pode trazer para as atividades econômicas. Dentro dessa
nova teoria, a atividade empresarial ganha destaque e desempenha um relevante papel, pois
compete a ela garantir o desenvolvimento econômico sem se afastar do desenvolvimento
social, pautado por uma atuação ética e humanizada, conforme pontuou Adyr Garcia Ferreira
Netto:
Harmonizar racionalmente o fluxo destes fatores produtivos a fim de constituírem
um processo permanente e em equilíbrio, sem destruir as reservas naturais,
explorando estrategicamente o capital através da livre iniciativa, respeitando o
homem e o meio em que vive, constituem alguns princípios desta atividade
econômica reconhecidos pela constituição, o que implica em condições para o
exercício da atividade empresarial, dando a ela um novo status, pois passa a cumprir
papel ativo na sociedade ao promover não só progresso econômico, mas também o
desenvolvimento social, pois até então era mero objeto de estudo, descrito pelas
ciências econômicas (FERREIRA NETTO, 2007, p. 77).

Assim sendo, sob o ponto de vista jurídico, não pode ser esquecido que, a partir de
uma teoria jurídica do desenvolvimento econômico, a atividade empresarial não está adstrita
apenas à racionalidade estratégica e peculiar da economia, "pois deixa de ser mero
instrumento lucrativo para assumir a responsabilidade de promover uma sociedade mais justa"

144
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

(FERREIRA NETTO, 2007, p. 77), nos exatos termos do constitucionalismo contemporâneo,


que incorporou a "dignidade humana, a valorização do trabalho humano e a noção de
solidariedade como base para o desenvolvimento e o crescimento econômico" (LEARDINI,
2010, p. 62).
Nesse contexto, a atividade empresarial tem uma nova responsabilidade jurídica,
qual seja: a compatibilização dos interesses econômicos com os interesses sociais,
fomentando um desenvolvimento socioeconômico. Em razão dessa responsabilidade, não há
mais espaço para a absoluta abstenção do Estado na atividade econômica, principalmente no
campo das relações de trabalho, fato que proíbe a garantia da livre negociação entre patrões e
empregados, sob pena de agravamento do "dumping social, com crescente taxa de
desemprego, queda dos valores nominais dos salários e perdas dos direitos sociais,
acarretando um severo quadro de exclusão humana e social" (FONSECA, 2004, p. 129).
Por tudo isso, o princípio da proteção não deve ser afastado da relação entre
empregado e empregador, mas sim, "merece um novo conceito, a fim de que se harmonize
com as realidades da vida empresarial" (ROBORTELLA, 2011, p. 238), como sintetizou
Dinaura Godinho Pimentel Gomes:

O fenômeno da globalização econômica tem impulsionado os governos para uma


revisão daquele modelo estatal que se corporificou a partir do início do século XX,
com intervenções flagrantes na econômia ao lado da extensiva atividade
regulamentadora, mormente no âmbito das relações de direito de emprego.
Propugna-se então pela flexibilização ou até mesmo pela desregulamentação das leis
trabalhistas (GOMES, 2003, 122).

Portanto, a questão que se coloca em tempos de crise no mercado globalizado e


altamente competitivo, de reforma do modelo estatal de intervenção do Estado na econômia,
sintetizada neste trabalho pela flexibilização ou mesmo pela desregulamentação da legislação
trabalhista, com o objetivo de ampliar a margem de livre negociação entre empregado e
empregador, a fim de garantir uma maior rentabilidade e competitividade para as empresas no
mercado global, não pode ser efetivada sem uma análise acurada do papel da atividade
empresarial na Constituição Federal. Em outras palavras, as finalidades constitucionais
empresariais irão estabelecer os limites da própria reforma trabalhista que se pretende fazer no
ordenamento jurídico pátrio.
Fica então delimitado o objeto e fixados os objetivos do presente estudo, o qual
espera servir de reflexão para a elaboração de propostas que possam equilibrar e atender aos
dois pontos principais que se apresentam embutidos na ordem econômica, traduzidos em
desenvolvimento econômico com desenvolvimento social.

145
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Dessa forma, fica evidente que tanto o Direito Empresarial como o Direito do
Trabalho, "em sua concepção moderna, são instrumentos de síntese dos interesses comuns ao
capital e ao trabalho" (ROBORTELLA, 2011, p. 239).

2. Anotações sobre a atividade empresarial na Constituição Federal

Elisabete Guimarães Machado destacou que a racionalidade do sistema econômico


capitalista de maximizar os lucros impede que os Empresários levem em consideração as
necessidades sociais, imputando ao Estado a preocupação com as mesmas (MACHADO,
2011). Em contrapartida, as empresas tornam-se cada vez mais importantes, devido à
relevância que assumem no cenário global e nacional ao ofertarem empregos, arrecadarem
tributos e produzirem bens e serviços, contribuindo para o bem-estar da população
(BERTONCINI; MULLER, 2012, 466).
Justamente por isso, embora a Constituição Federal tenha adotado o sistema
econômico capitalista influenciada por uma ideologia contrária à atuação do Estado na
economia, "ela não se desfez por completo de alguns elementos de cunho social, decorrentes
do Welfare State" (TAVARES, 2011, p. 241), formando um novo paradigma do pensamento
jurídico para a atividade empresarial, fortemente marcado pelos direitos sociais enunciados na
Constituição, conforme ensina Eduardo Goulart Pimenta:

Especificadamente em nosso ordenamento, o interesse social na moderna empresa


privada, dentro de uma ordem econômica fundada na liberdade de iniciativa (Art.
170 da Constituição Federal de 1988, caput), vem se tornando cada vez mais
premente, em especial em contexto onde a presença do Estado como agente
econômico está diminuindo, ao mesmo tempo em que aumenta a preocupação com a
realização dos ditames da justiça social (art. 170 da Constituição Federal de 1988,
caput) (PIMENTA, 2004, p. 30).

Diante dessa realidade, não se concebe mais, no Estado Brasileiro, uma atividade
empresarial juridicamente livre, pois o seu domínio passa a sofrer limitações por meio de um
projeto material vinculativo (PIOVESAN, 2003, p. 40), evidenciando na Constituição Federal
um documento jurídico que estabelece programas e define fins a serem perseguidos pelos
empresários para que se estabeleça uma transformação social (LEARDINI, 2010, p. 74),
surgindo uma visão mais complexa e mais rica de articulação do Estado, da Empresa e da
Sociedade Civil em torno dos objetivos, simultaneamente, sociais, econômicos e ambientais.
Portanto, os poderes econômico, político e jurídico atribuídos à empresa,
indubitavelmente, implicam responsabilidade ética e jurídica (BERTONCINI; MULLER,

146
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2012, 466) ao associá-la aos preceitos do Art. 170 da Constituição Federal, ou seja, há
fundamento jurídico para atribuir à empresa uma função social, nos termos que:

A responsabilidade social da empresa decorre essencialmente desses novos valores


acrescidos aos clássicos princípios da ordem econômica capitalista, dessumindo-se
assim que a responsabilidade social empresarial não é algo gratuito, filantropo, mas
uma obrigação jurídica imposta e informada pelos apontados princípios
constitucionais gerais da atividade econômica (BERTONCINI; MULLER, 2012,
469-470).

Entretanto, essa nova concepção jurídica traçada pela Constituição Federal para as
atividades empresariais contraria a concepção econômica do Empresário, que deseja, por meio
de uma política neoliberal, o exercício de uma atividade econômica totalmente livre, tentando
impor uma alteração na agenda jurídica do Estado para determinar que sua atuação deva ser
pautada apenas para estabelecer a segurança e a ordem para a atividade econômica (OLSSON,
2002, p. 77), em razão da complexidade da sociedade moderna, ensejando, portanto, certa
dose de flexibilização do direito pátrio em razão dos padrões de competição global.
Dentro dessa linha de raciocínio, prevalece no Empresariado brasileiro o paradigma
jurídico do rule of law, no qual as transações privadas, a garantia jurídica e a retração do
estado ensejam, por si só, o desenvolvimento econômico.
Com isso, no sistema econômico pátrio, não competiria à atividade empresarial os
deveres de prestação social, mas apenas de produção de lucro (OLIVEIRA, 2006, 172),
"sendo de competência do mercado a resolução do problema da justiça social via liberdade,
ou seja, dissolver a questão na racionalidade econômica" (RODRIGUEZ, 2010, p. 8),
pugnando pela redução do intervencionismo econômico estatal, a fim de que se eliminem os
custos do processo econômico, devendo o mercado reger naturalmente as relações de justiça
social (FONSECA, 2004, p. 129).
Contudo, é preciso destacar que a liberdade pregada pela atividade empresarial é
movida pela política econômica neoliberal de hegemonia dos valores economistas,
acarretando severo quadro de exclusão humana e social (FONSECA, 2004, p. 127),
perspectiva puramente econômica da empresa, voltada unicamente para a expansão do
capitalismo e para a obtenção de maiores lucros (OLSSON, 2002, p. 75), mostrando-se
totalmente equivocada à luz dos preceitos constitucionais econômicos, conforme ponderou
Adyr Garcia Ferreira Netto:

[...] entende-se por atividade empresarial aquele que se destina a coordenar os


fatores de produção, ou seja, coordenar aqueles elementos indispensáveis ao
processo produtivo de bens materiais, como a terra, o trabalho humano e o capital,

147
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prerrogativa exclusiva, conforme o Código Civil, do empresário profissional


(SANDRONI, 1999, p. 235). Em sua vertente jurídica, este conceito deve satisfazer
ainda os princípios constitucionais da ordem econômica e os ditames da justiça
social, representando não mais uma específica de mercado para a obtenção de lucro,
mas a consciência de um setor vital que tem vontade própria e poder de determinar o
destino e a dignidade de toda uma nação" (FERREIRA NETTO, 2007, p. 78).

Diante desse novo paradigma, a atividade empresarial deverá concretizar o


desenvolvimento econômico do país pautada no conteúdo ético do desenvolvimento social
(OLIVEIRA, 2009, p. 84), conforme se infere no Art. 170 da Constituição Federal, ao
destacar que a ordem econômica deverá ser fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos as existências dignas, conforme os ditames da
justiça social.
Portanto, o âmbito econômico da atividade empresarial está regulamentado pelo
sistema jurídico, ou seja, a liberdade econômica do empresário "só tem existência no contexto
da ordem jurídica, tal como definiu a própria ordem jurídica" (ALESSI apud GRAU, 2010, p.
205) que imputa à atividade empresarial a busca do desenvolvimento econômico e social,
como bem destacou o Nobel de economia, Amartya Sem, ao comentar sobre o Estado de bem-
estar social:

É um erro buscar o crescimento pelo crescimento, sem levar em conta os seus


efeitos mais amplos e a suas consequências. É preciso ponderar, entre outros fatores,
o impacto ambiental. É fundamental também usar os frutos do crescimento para
aprimorar a qualidade de vida da população de maneira abrangente, e não apenas
favorecendo certos grupos. (...) Precisamos prestar atenção em como tirar o melhor
proveito do enriquecimento do país. O crescimento é um meio extraordinário de
alcançar avanços sociais e beneficiar a população em geral, como já apontara Adam
Smith (SEN, 2012).

Dessa forma, embora não seja possível questionar o fim lucrativo da atividade
empresarial, pois se um empresário desviar-se do intuito lucrativo certamente entrará em
bancarrota, desaparecendo do mercado, (FERREIRA NETTO, 2007, p. 80), também não é
possível descuidar da importância que referida atividade econômica enseja para o campo
social, devendo ser exercida dentro do limite jurídico imposto pela Constituição Federal e por
suas pautas axiológicas, fazendo-a legítima e regular (FERREIRA, 2005, p. 70), como
destacou Rosana Maria Fecchio:

Assim, ainda que a atividade lucrativa da empresa faça parte dos seus objetivos,
exige-se que os seus meios de produção sejam destinados a uma finalidade social,
isto é, que tenha por objetivo principal, ao lado da obtenção de lucro, a melhora da
qualidade de vida da população (FECCHIO, 2007, p. 11).

148
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Essa exigência de funcionalização social da atividade empresarial foi desenhada pela


Constituição Federal de 1988, que traçou um paradigma econômico de abrangente conteúdo
social (ORTOLAN; PADILHA, 2009), conectando a ordem econômica com a ordem social,
através dos fundamentos elencados no Art. 1º, tais como, soberania; cidadania; dignidade da
pessoa humana; valor social do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político; assim como
dos objetivos expostos no Art. 3º, que consiste em construir uma sociedade livre, justa e
solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, por fim, promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Com isso, foi se desenhando um sistema de freios e contrapesos ao determinar que o
intuito lucrativo da atividade empresarial somente se mostra lícito quando respeita os
princípios da ordem social, posto que, ao se interpretar a Constituição de forma sistêmica,
ponderando a sua globalidade (GRAU, 2010, p. 195), verifica-se que a atividade empresarial
também tem o dever de respeitar os princípios constitucionais, conforme alinhavou Rosana
Maria Fecchio:

Com efeito, de acordo com a Constituição Federal de 1988, as atividades da empresa


tem que estar em consonância com os princípios da ordem econômica e social por
ela traçados, no sentido de promover a dignidade da pessoa humana e desenvolver a
solidariedade social, nos seus mais diversos aspectos, objetivando, em última
análise, o respeito aos direitos humanos fundamentais (FECCHIO, 2007, p. 75).

Portanto, sendo o texto normativo da Constituição Federal de 1988 um modelo de


Estado Democrático de Direito voltado para a proteção da dignidade da pessoa humana
(LEARDINI, 2010, p. 62), compete ao Estado muito mais do que estabelecer a segurança e a
ordem para o livre exercício da atividade econômica. Também compete ao Estado interferir
na referida atividade quando sua liberdade de atuação implicar absorção do direito e da ética
(RODRIGUEZ, 2010, p. 7), revelando-se contrária aos objetivos, metas e fundamentos
jurídicos consagrados na Constituição Federal (LEARDINI, 2010, p. 62) uma vez que:

O exercício das atividades empresariais tem como diretriz máxima os princípios


constitucionais, informadores da ordem econômica. A livre iniciativa é significante
de estar livre para entrar e permanecer no mercado exercendo livremente suas
atividades, respeitando os limites funcionais. Os maiores limites constitucionais a
livre iniciativa decorrem do controle de abuso do poder econômico, da proteção ao
direito do consumidor e da função social (FERREIRA, 2005, p. 83).

Nessa linha de raciocínio, estando a atividade empresarial inserida em um Estado de


bem-estar social (Welfare State), poderá o Estado intervir em seu domínio quando utilizada

149
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

contra o bem comum da coletividade, tendo em vista que a nova ordem constitucional obriga
os Empresários a assumirem responsabilidade perante os princípios preambulares previstos na
Constituição Federal (FERREIRA NETTO, 2007, p. 86), surgindo assim uma atividade
empresarial "mais humanizada e voltada não somente ao interesse econômico, mas também
aos interesses sociais e éticos" (FERREIRA, 2005, p. 83).

3. O valor social do trabalho na atividade empresarial

A construção de um novo paradigma para a atividade empresarial, pautada nos


princípios constitucionais informadores da ordem econômica, fez surgir uma atividade
empresarial voltada aos interesses sociais e éticos (FERREIRA, 2005, p. 83), verificando que
a Constituição Federal, apesar de oferecer liberdade para a exploração da atividade econômica
empresarial, não permitiu a sua licenciosidade (FERREIRA NETTO, 2007, p. 78), impondo
limites de ordem social.
Com isso, a melhor interpretação que deve ser extraída do texto constitucional é
aquela que compreende o exercício da atividade empresarial, contendo os elementos
qualidade de vida, bem-estar social e alcance efetivo da dignidade da pessoa humana
(OLIVEIRA, 2009, p. 85), conforme estabelece a Constituição Federal no Art. 170, ao expor
que: "ordem econômica deverá ser fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tendo por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça
social".
Tanto é verdade que a preocupação das empresas em pautar sua atuação nos
princípios basilares da sustentabilidade cresce a cada dia, ensejando um comportamento mais
responsável em relação ao meio ambiente, à comunidade, às práticas trabalhistas, dentre
outras (BERTONCINI; MULLER, 2012, p. 467). Essa cobrança por responsabilidade social
fez surgir, em alguns países, o chamado balanço social, com o intuito de demonstrar a atuação
responsável das empresas, enquanto:

O balanço social seria então, essa demonstração da contabilidade social, destinado a


mensurar as mutações quantitativas e qualitativas no meio social, decorrentes da
intervenção de uma empresa na sociedade, movida por sua responsabilidade social,
de natureza ética e jurídica (princípios constitucionais da atividade econômica)
(BERTONCINI; MULLER, 2012, p. 471).

"À empresa, por sua vez, cabe contribuir para o desenvolvimento econômico, gerar
lucros aos seus acionistas, propiciar qualidade de vida aos trabalhadores e promover a

150
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

sustentabilidade ambiental" (ROBORTELLA, 2011, p. 242). Dessa forma, no exercício da


atividade empresarial, o empresário deve pautar-se por duas balizas: de um lado, deve atender
aos interesses egoísticos (lucro) para possibilitar a sua permanência no mercado; de outro,
deve atender à função social (gerar empregos, arrecadar tributos e ajudar a desenvolver o país)
(OLIVEIRA, 2006, p. 171), havendo, em determinadas situações concretas, um choque entre
esses dois valores fundamentais da República Federativa do Brasil (CF, Art. 1º), pautados no
valor social do trabalho e na livre iniciativa, surgindo a necessidade de se realizar a
concordância prática entre ambos (GUERRA, 2012, p. 2), conforme justificou Márcia
Leardini:

Sob a justificativa de impulsionar o crescimento econômico e de responder ao


fenômeno da globalização - que conduz à internacionalização do processo produtivo
e do comércio, e, com isto, ao aumento da competitividade - os ideais liberais foram
reacendidos com a denominação de neoliberalismo. O progresso histórico da
legislação trabalhista na regulamentação das relações de trabalho passou a ser
considerado um óbice ao desejado crescimento da economia, ganhando destaque a
tese do alto custo dos encargos trabalhistas para os empresários. Neste contexto, se
inicia a ideia de afastamento da lei para permitir maior liberdade contratual entre os
trabalhadores e os empresários, admitindo-se, inclusive, a renúncia, por aqueles, a
direitos fundamentais consagrados (LEARDINI, 2010, p. 80).

Por isso, o sistema de proteção ao trabalhador vem, cada vez mais, sendo apontado
como um entrave ao livre desenvolvimento da atividade empresarial (OLIVEIRA et al, 2002,
p. 53), pois implica uma limitação dos ganhos do empresário por representar um custo para
atividade empresarial (SOARES JUNIOR, 2008, p. 20). A partir desse contexto, a atividade
empresarial, fundamentada na política neoliberal de garantir maior rentabilidade e
competitividade no mercado globalizado, busca a ampliação da margem de negociação com o
trabalhador, com a supressão de regras imperativas no contrato de trabalho, flexibilizando e
até certo ponto desregulando o Direito do Trabalho, a fim de atender às necessidades de
adaptação conjuntural da atividade empresarial na economia (PAIVA, 2012).
Portanto, o presente tópico gira em torno do princípio da livre iniciativa versus
princípio do valor social do trabalho, tendo em vista o impasse existente entre redução de
custo e aumento da produtividade, além da garantia e da prevalência dos direitos sociais
alcançados pelos trabalhadores como mecanismo protetivo de uma relação laboral mais digna
(MEDEIROS, 2009, p. 459), pois a legislação trabalhista em bloco consiste, de fato, num
conjunto articulado de restrições à autonomia da vontade, sobretudo àquela contratual
(GUERRA, 2012, p. 4), "surgindo dessa contraposição a seguinte indagação: Como se
valoriza o trabalho humano?" (OLIVEIRA, 2009, p. 85)

151
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Para responder à questão de forma didática e objetiva, é imperioso destacar que será
enfocado o que parece ser essencial no trabalho: a forma de compatibilizar o princípio do
valor social do trabalho com o princípio da livre iniciativa, enquanto:

No quadro da Constituição de 1988, de toda sorte, da interação entre esses dois


princípios e os demais por ela contemplados - particularmente o que define como
fim da ordem econômica (mundo do ser) assegurar a todos existência digna - resulta
que valorizar o trabalho humano e tornar como fundamental o valor social do
trabalho importe em conferir ao trabalho e seus agentes (os trabalhadores)
tratamento peculiar (GRAU, 2010, p. 198).

Nessa perspectiva, a resposta à presente questão gira em torno dos direitos e das
garantias fundamentais do trabalhador na relação de trabalho, e dos critérios para proibir e
coibir a exploração do trabalho humano na atividade empresarial (OLSSON, 2002, p. 78),
tendo em vista que, no contrato de trabalho, "o objeto da venda é uma parcela da existência do
Empregado, que implica utilização dirigida de seu corpo e de sua mente" (RODRIGUEZ,
2010, p. 6), mostrando-se imprescindível à intervenção do estado para a proteção da
dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho (LEARDINI, 2010, p. 69).
Dessa forma, quando se trata de geração de empregos, não mais se compreende como
a ocupação pura e simples de mão de obra, mas envereda-se pelo consagrado postulado do
emprego digno (JUCÁ, 2011, p. 484), "no qual, acima da globalização, do interesse em
aumentar a eficiência produtiva e de reduzir custos, está a dignidade humana" (GOMES,
2003, 127).
Sendo assim, em uma perspectiva puramente jurídica, o princípio do valor social do
trabalho consubstancia-se em compatibilizar a livre iniciativa com os direitos trabalhistas
contidos na Constituição Federal, promovendo ao máximo um ambiente de trabalho
adequado, decente, no qual a dignidade do trabalhador esteja presente, com a plena aplicação
do binômio dignidade e produtividade (SILVA, 2008, p. 216), conforme justificou Lourival
José de Oliveira:

Como se valoriza o trabalho? Em um primeiro momento, através da geração de mais


postos de trabalho; que haja um melhor trabalho com mais satisfação, com menos
risco, com mais criatividade, com a participação de quem trabalha no gerenciamento
empresarial, sem discriminação; que seja melhor retribuído. Com a efetivação dos
direitos sociais consubstanciados nos artigos 6º a 11º da CF; que haja uma efetiva
política pública de qualificação da mão de obra, capacitando criativamente o ser
humano (OLIVEIRA, 2009, p. 85).

Portanto, cabe ressaltar a necessidade de um aprimoramento das propostas lançadas.


Para tanto, é necessário discutir a questão dos direitos que podem ou não ser flexibilizados,

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

pois o Direito do Trabalho foi elaborado para a proteção do trabalhador. "Tal princípio
continua sendo fundamental, mas, dogmaticamente, revisto em face das realidades dos
processos produtivos" (GHERA apud ROBORTELLA, 2011, P. 234). À luz desse fato, é
possível concluir que não se pode flexibilizar a legislação trabalhista em quatro campos
básicos, quais sejam: (i) Direito ao emprego; (ii) Direito à associação sindical. (iii) Direito à
segurança e saúde no trabalho e (iv) direito à justa retribuição, uma vez que:

- Direito ao emprego (CF, 7º, I, entre outros) - uma espécie de metadireito, na


medida em que se trata de direito que permite o exercício de outros direitos, em
torno do qual gravitam os demais, sem o qual nenhum deles faz sentido, como o
direito à vida.
- Direito à associação sindical (CF, 8º, entre outros) - também pode ser visto como
um metadireito, uma vez que permite a criação de novos direitos (CF, 7º, XXVI) e
podem ser equiparados à cidadania na esfera trabalhista.
- Direito à segurança e saúde no trabalho - regras relativas à duração do trabalho
(CF, 7º, XIII, entre outros) a aos adicionais de insalubridade, periculosidade e
penosidade (CF, 7º, XVIII, entre outros), que se dirigem a proteção da vida, em
ultima análise.
- Direito à justa retribuição - o que envolve, entre outras garantias, o repeito ao
salário mínimo (CF, 7º, VI, entre outros), à irredutibilidade salarial (CF, 7º, IV) e a
participação nos lucros e resultados (CF, 7º, XI) e asseguram não apenas a
sobrevivência do trabalhador e de seus familiares, mas também a participação nos
resultados econômicos da atividade laboral que desenvolve. (PAULA, 2011, p. 226).

Dessa forma, embora tais direitos não possam ser flexibilizados, pois caracterizam
uma forma de valorizar o trabalho humano, ensejando uma condição mais digna ao
trabalhador, defende-se que o valor social do trabalho não pode "obstar o processo criativo de
construção de novos modelos de relação jurídico-laborais destinadas a oferecer respostas mais
condizentes com os novos desafios da contemporaneidade" (PAULA, 2011, p. 226), tais
como: (i) Trabalho em tempo parcial, introduzido pela MP 1.709/08, que acrescentou o Art.
58-A na CLT; (ii) Contrato de trabalho provisório, instituído pela Lei 9.608/98; (iii) Programa
empresa cidadã, albergada pela Lei 11.770/2008, e (iv) suspensão de contrato de trabalho para
qualificação profissional, também previsto na MP 1.709/98, com introdução do Art. 476-A na
CLT.
Nesse quadro, o valor social do trabalho não pode representar uma restrição ao
desenvolvimento de novos padrões de proteção, pois o direito do trabalho tem estreita
correlação com a econômia (CAEN apud ROBORTELLA, 2011, p. 238), que "depende de
um espaço de liberdade substantiva" (MELLO, 2006, p. 62). Dessa forma, a ordem social não
pode e nem deve significar a inversão da ideia base da liberdade de iniciativa empresarial,
como consagrada constitucionalmente, sob pena de se anular ou inutilizar o conteúdo mínimo
do princípio da livre iniciativa (TAVARES, 2011, p. 238), já que "o empresário, com seus

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

investimentos, certamente cria empregos, riquezas e tributos que beneficiam toda a


sociedade" (COELHO, 2006, p. 5), conforme pontuou Fabrício de Souza Oliveira:

A função social da empresa identifica a sua funcionalidade no sentido de meio de


criação de riquezas, o que pode resultar em ganho social. Pode-se afirmar que a
função social da empresa não se contrapõe a atividade especulativa, a empresa
exerce a sua função social por meio dos ganhos sociais gerados com base em sua
própria organização, redundante do arranjo contratual e, ou complexo de direitos,
que lhe deve ser própria (OLIVEIRA, 2006, 166).

Assim, pode-se concluir que valorizar o trabalho humano na atividade empresarial


significa uma intervenção do estado na livre iniciativa, através da restrição à liberdade
contratual, a fim de impor condições mínimas para a realização dos contratos que tenham o
trabalho como objeto (GUERRA, 2012, p. 5), assegurando aos trabalhadores o
desenvolvimento humano enquanto participantes do processo de produção, mostrando com
isso uma forma de garantir a essência humana do individuo (GASPARINI, 2004, p. 14), pois:
O trabalho não é apenas um elemento de produção. É mais do que isso. É algo que
valoriza o ser humano e lhe traz dignidade, além, é claro, do sustento. É por isso que
deve ser visto, antes de tudo, como um elemento ligado de forma umbilical à
dignidade da pessoa humana (MARQUES, 2012, p. 1).

Para esse desiderato, prescreve a Constituição Federal os direitos sociais trabalhistas,


previstos especificadamente em seu Art. 7º, com escopo de garantir aos trabalhadores direitos
mínimos quando da elaboração do contrato de trabalho. Enfim, fixa patamares mínimos
inerentes à dignidade humana, cujo valor está fora do comércio, consistindo em "uma
proteção jurídica daqueles que oferecem apenas a sua força de trabalho no processo
produtivo", (FONSECA, 2004, p. 126) como bem destacou José Rodrigo Rodriguez:
O contrato de emprego, ao contrário do modelo clássico de contrato de direito
privado, não é resultado de uma livre negociação sobre o preço e sobre o objeto da
prestação. Há limites sobre a negociação do preço, que não pode ser menor, por
exemplo, do que o salário mínimo ou o piso salarial, fixado em lei ou em contratos e
acordos coletivos de trabalho. Há limites também sobre o objeto da prestação, o
trabalho em si mesmo, sujeito a intervalos obrigatórios (férias, intervalo entre
jornadas e intrajornada) e outras limitações, por exemplo, ligadas a questão de saúde
e risco de vida. Em suma, nem o trabalho pode ser prestado de maneira que as partes
desejarem, nem seu preço pode ser estabelecido livremente (RODRIGUEZ, 2010, p.
6).

Essa limitação contratual, condicionadora do exercício da liberdade de iniciativa,


indica que, embora capitalista, a ordem econômica não pode descurar do valor social do
trabalho humano (TAVARES, 2011, p. 239-240), proibindo as empresas de efetivar um
contrato de trabalho que leve a condições indignas e degradantes, protegendo o trabalhador,
parte economicamente mais fraca, hipossuficiente da relação, através de uma razoável
superioridade jurídica (SILVA, 2008, 205), em termos que:

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O pressuposto que alimenta o modelo é o de que haverá abundância de mão de obra


à disposição dos empregadores, além de indivíduos dispostos a trabalhar em
condições cada vez piores com o objetivo de conquistar sua vaga de empregado.
Deixados à livre negociação, em um ambiente de abundância de mão de obra, o
preço e as condições de trabalho poderiam atingir um padrão muito baixo. O
objetivo de estabelecer um padrão mínimo é evitar que as condições de trabalho
cheguem a níveis inaceitáveis. Claro, o que seja "aceitável" ou não irá depender de
cada sociedade, de cada contexto. No entanto, a idéia é criar um patamar mínimo
inflexível em nome de princípios de justiça (RODRIGUEZ, 2010, p. 6).

Sendo assim, entende-se que o valor social do trabalho tem por principal objetivo
promover a proteção jurídica do trabalhador, minimizando sua fragilidade diante do poder
econômico das Empresas, através da regulamentação dos direitos trabalhistas (SOARES
JUNIOR, 2008, p 21), pois o trabalho humano não é uma mercadoria, mas um meio de
inserção do homem na vida social (COLNAGO, 2007, p. 8), enquanto o emprego, "ocupando
a mão de obra existente, incorpora os indivíduos ao processo produtivo com utilidade social,
inserindo-o na sociedade, valorizando e construindo a cidadania através do trabalho,
atribuindo significado de valorização da pessoa humana" (JUCÁ, 2011, p. 483).
Portanto, o dirigismo contratual e a manutenção de alguns direitos previstos na
Constituição consistem em uma forma de se valorizar o trabalho humano, pois impõe à
atividade empresarial a obrigação de assegurar um patamar mínimo apto a consagrar a
dignidade humana, estabelecendo um modelo de proteção social capaz de tutelar um trabalho
livre e digno.
Como conclusão parcial do presente tópico, é possível afirmar que os limites de
flexibilização das relações de trabalho encontram-se em parte na realização ou não da
finalidade maior da valorização do trabalho humano, que é a produção de um trabalho com
dignidade. Dessa forma, torna-se possível, dentro do plano finalístico, primeiramente buscar
saber que tipo de trabalho será produzido, considerando as mudanças ou propostas
flexibilizadoras que se pretende inserir em determinada unidade produtiva. Em outras
palavras, as mudanças não podem ser vistas isoladamente e genericamente. Devem ser
analisadas levando-se em conta o caso concreto, ou seja, a função desempenhada, as
condições oferecidas no ambiente de trabalho e as particularidades do setor empresarial.

4. O valor social do trabalho e a flexibilização do direito do trabalho

A Constituição Federal de 1988, ao consagrar como fundamento do Estado


Democrático de Direito os princípios do valor social do trabalho e da livre iniciativa em seu

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Art. 1º, inciso IV, reconhece a existência de um verdadeiro mutualismo entre os respectivos
princípios. Sendo assim:

Não cabe qualquer assertiva sobre eventual possibilidade de confronto de princípios


constitucionais, no caso a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano. A
constituição Federal consagra o princípio básico da ordem capitalista, que é a
iniciativa privada, e, ao mesmo tempo, o princípio da prioridade de valores do
trabalho humano sobre os demais valores. Conjugando os dois princípios, a
liberdade econômica só deve existir e ser exercida quando no interesse da justiça
social, o que implica necessariamente na presença do Estado regular e interventor
(OLIVEIRA, 2009, p. 87).

Com isso, houve um aprimoramento do Estado de Direito, que passou a exigir da


atividade empresarial uma atuação amparada no valor social do trabalho, limitando sua
autonomia contratual ao assegurar aos trabalhadores um contrato de trabalho apto a consagrar
a dignidade humana, pois "é através do trabalho que o homem garante a sua subsistência e o
crescimento do país, prevendo a Constituição, em diversas passagens, a liberdade, o respeito e
a dignidade do trabalhador (por exemplo: CF, Arts. 5º, XIII; 6º; 7º; 8º)" (MORAES, 2000, p.
61), sempre "ocorrendo um condicionamento à liberdade de iniciativa (privado-econômico),
exatamente na medida em que se constata a necessidade de garantir a realização da justiça
social e do bem-estar coletivo" (TAVARES, 2011, p. 239), conforme destacou Hely Lopes
Meireles:

Não é o Estado liberal, que se omite ante a conduta individual, nem o Estado
socialista, que suprime a iniciativa particular. É o Estado orientador e incentivador
da conduta individual no sentido do bem estar social. Para atingir esse objetivo, o
Estado do bem estar intervém na propriedade e no domínio econômico, quando
utilizados contra o bem comum da coletividade (MEIRELES, 1984, p. 497).

Portanto, "a grande preocupação das sociedades modernas é com a construção de um


sistema político que tenha eficácia econômica, eficácia social e sustentabilidade"
(ROBORTELLA, 2011, p. 228). Consequentemente, deve haver uma compatibilização entre
os anseios econômicos da atividade empresarial, que preza pela total liberdade contratual para
buscar uma maior lucratividade, baseando-se no pressuposto de que a liberalização do
mercado aperfeiçoa o crescimento e a riqueza do mundo, ao levar uma melhor distribuição de
renda (ALMEIDA, 2012, p. 1) e a preservação dos direitos fundamentais sociais previstos na
constituição, através da imposição de restrições à autonomia da vontade no âmbito das
relações laborais, em um verdadeiro "dirigismo contratual", estabelecendo o conteúdo mínimo
do contrato de trabalho, por meio de garantias indisponíveis (PAULA, 2011, p. 211), tendo o

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

escopo de impedir que a liberdade e o anseio pela lucratividade solapem patamares mínimos
de proteção ao trabalhador, como pontuou Alcídio Soares Junior:

A essência do direito do trabalho é constituída de leis que estabelecem e definem


direitos do trabalhador. Tais direitos podem ser interpretados principalmente sob
dois aspectos: O primeiro está relacionado à melhoria da condição socioeconômica
do trabalhador e o segundo como limitação aos ganhos do empregador, já que os
direitos trabalhistas implicam em custo e quem paga é o empregador (em regra).
Nesse sentido o direito do trabalho impõe limites á voracidade do capital pelo ganho
ilimitado (SOARES JUNIOR, 2008, p. 20).

Diante desse embate, previsto no Art. 1º, inciso IV, e no Art. 170 da Constituição
Federal, que consagrou o valor social do trabalho como forma de impor um conjunto de
condições mínimas para o contrato de trabalho, objetivando a dignidade do trabalhador e o
direito à liberdade e lucratividade da atividade empresarial, constata-se que o Direito do
Trabalho à luz da Constituição Federal encontra-se no "centro de uma colisão de valores e
direitos fundamentais" (GUERRA, 2012, p. 4), pois o contrato de trabalho é parte constitutiva
das relações econômicas empresariais, assumindo no sistema econômico capitalista uma
importância ímpar quanto à forma de criação de direitos subjetivos socialmente conhecidos
(MELLO, 2006, p. 62) na busca de justiça social, ao reconhecermos que:

A economia de mercado não visa à procura de equidade, de justiça social, porém


busca a eficiência da produtividade e do lucro. Neste contexto o direito do trabalho
tem se firmando na história como uma racional intervenção da ideia de justiça
social, por meio da norma jurídica, no quadro genérico de toda a sociedade e
economia capitalista (GODINHO, 2006, p. 122).

Porém, diante da atual crise econômica, a atividade empresarial propõe uma


desregulamentação das normas de proteção ao trabalho (MARQUES, 2012, p. 4), levando-se
em conta que os valores liberais vêm sendo reafirmados em favor da liberdade econômica de
mercado em detrimento do intervencionismo estatal, ou melhor, do Estado de bem-estar social
(FONSECA, 2004, p. 126), ensejando um absenteísmo do Estado nas relações trabalhistas ao
propor a liberdade e a autonomia para os empregados e empregadores decidirem os limites e
as possibilidades do contrato de trabalho (OLSSON, 2002, p. 89), fundamentando tal proposta
na assertiva de que o custo dos encargos trabalhistas inviabilizam a atividade empresarial e as
novas contratações, ao expor que:

O custo dos encargos sociais em nosso país remonta a 103,49% do valor do salário
pago ao trabalhador, o que inviabiliza as contratações. Propõe, então que sejam
flexibilizados e desregulamentados os direitos trabalhistas para que se possam
negociar férias, décimo terceiro salário, aviso prévio, reduzindo, assim, o valor dos
encargos sociais em prol da empregabilidade (FONSECA, 2004, p. 132).

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

"Mas, sem descurar das transformações das realidades política, social e econômica
produzidas pela globalização, e da necessidade de ampla defesa da atividade empresarial"
(LEARDINI, 2010, p. 63), tem-se que a questão da flexibilização da legislação trabalhista
deve ser analisada à luz da função social da Empresa e do princípio do valor social do
trabalho, pois a Constituição Federal apresenta um aspecto econômico e outro social para o
valor trabalho (AMORIM, 2009, p. 83), envolvendo uma questão existencial do homem em
contraposição ao interesse patrimonial da empresa, faltando à questão da flexibilização dos
direitos trabalhistas a localização do homem nesse contexto (OLIVEIRA, 2007, p. 145), pois:

As férias, o descanso semanal remunerado e os repousos em geral são por ele


computados como custo adicional, mas o valor recebido pelos trabalhadores quando
em repouso destina-se a preservação de sua saúde física, mental e à necessidade de
convívio social e político, valores que são insitos à dignidade humana, inestimáveis
sob p ponto de vista econômico e cuja inobservância implica em elevado custo
social que se revela em acidente de trabalho e afastamentos por motivos de saúde
que acarretam elevadíssimos custos à previdência social e, portanto, a toda
sociedade (FONSECA, 2004, p. 133).

Assim, fica claro que o contrato de trabalho diferencia-se dos demais contratos
estabelecidos pelo empresário, pois o trabalhador "não está vendendo, em troca de dinheiro,
uma bicicleta, um sofá, uma torta de palmito ou um sanduíche de presunto, mas sua força
física e inteligência, ou seja, parcela de sua existência em favor da produção e dos serviços"
(RODRIGUEZ, 2010, p. 6), mostrando-se ilegal à luz dos preceitos constitucionais "o
processo de mercantilização e coisificação do trabalho humano, com um preço de venda, de
acordo com as leis de mercado" (OLIVEIRA, 2007, p. 152), pois os Arts. 1º, 5º, XIII; 6º; 7º;
8º e 170 da Constituição Federal projetam o valor dignidade humana no contrato de trabalho
ao regular as relações de trabalho, definindo condições humanitárias aptas a lhes conferir
dignidade, enquanto:

Valorizar o trabalho significa valorizar a pessoa humana, e o exercício de uma


profissão pode e deve conduzir ao alcance de uma vocação do homem. Mesmo o
mercado, para quem o trabalho nada mais é, isso numa concepção liberal, do que
elemento de produção, não pode prescindir de valorizar o trabalho como elemento
crucial ao alcance da dignidade humana (MARQUES, 2012, p. 1).

Portanto, considerando que a Constituição Federal, ao imputar para a atividade


empresarial a obrigação de trazer para as suas relações produtivas valores éticos, acarretando
de forma mais ampla a efetivação dos direitos sociais (BRESSANE, 2011, p. 55), e
instituindo um Estado voltado à proteção da dignidade humana, em especial do trabalhador,
mostra-se evidente que a flexibilização dos direitos trabalhistas previstos na Constituição

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Federal é inconstitucional, pois representa um "contra estímulo à plena concretização das


políticas sociais conquistadas juridicamente e formalmente com o Estado Social, para
promover a liberdade e a igualdade, garantindo o respeito à dignidade humana do trabalhador"
(OLIVEIRA, 2008, p. 95).
Esse modelo de flexibilização e desregulamentação certamente afronta os princípios
e as regras constitucionais, uma vez que consiste na redução da proteção dos direitos
trabalhistas, posto que destrói a principal forma de proteção ao trabalhador, qual seja: o
dirigismo contratual. O dirigismo contratual é medida básica de defesa dos direitos
trabalhistas previstos na Constituição, ao considerá-los irrenunciáveis.
Por isso, a flexibilização do Direito do Trabalho, consubstanciada na
desregulamentação das normas de ordem pública, mostra-se ilegítima à luz dos preceitos
constitucionais, pois desconecta o exercício da atividade empresarial da ordem social,
revelando-se contrária aos objetivos, metas e fundamentos jurídicos consagrados na
Constituição Federal (LEARDINI, 2010, p. 62). Tal fato acarreta severo quadro de exclusão
humana e social em razão da precarização do trabalho, desconsiderando por completo o Art.
170 da Constituição Federal, que exige o exercício de uma atividade empresarial mais
humanizada, voltada não somente aos interesses econômicos, mas também aos interesses
sociais e éticos (FERREIRA, 2005, p. 83).
Assim, o discurso da flexibilização e desregulamentação dos direitos trabalhistas,
que tendem a desconsiderar o Direito ao Trabalho com dignidade (OLIVEIRA, 2008, p. 93),
não é juridicamente adequada à luz dos preceitos constitucionais, pois resgata os valores do
liberalismo clássico, constituindo em verdadeiro retrocesso legislativo (LEARDINI, 2010, p.
84), ao considerar que:

O individualismo exacerbado do liberalismo puro gerou alarmantes desigualdades


sociais, estando, de um lado, uma minoria detentora dos meios de produção, ou seja,
das propriedades agrícolas e industriais, e de outro, uma vasta maioria espoliada pela
excessiva carga horária de trabalho, péssimas condições no exercício deste e
insuficiente remuneração para manter uma vida digna (OLIVEIRA, 2008, p. 92).

"Aceitar tal premissa implica transferência de mecanismo de proteção e


normatização da esfera pública para a esfera privada" (OLSSON, 2002, p. 89), ocasionando a
inferiorizarão do homem, "levando-o à condição de mero instrumento de trabalho,
substituindo-o pela máquina, priorizando o capital sobre o valor dignidade humana" (DEON,
2012), desconstruindo a premissa de que o valor social do trabalho enseja uma proteção à
dignidade do trabalhador, por meio da introdução de normas jurídicas de ordem pública,

159
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

"baseadas na orientação filosófica de que todo trabalho digno deve ser efetivamente protegido
pelo direito do trabalho" (DELGADO, 2006, p. 74), com a fixação de "patamares mínimos à
dignidade humana, cujo valor está fora do comércio" (FONSECA, 2004, p. 126), para que:

Possa-se efetivamente criar um substrato possível de construir uma outra lógica, não
mais a lógica racional do lucro pelo lucro e sim a lógica do bem estar, do convívio
social, da redução da pobreza, da conquista por meio do trabalho, da busca da
dignidade perdida pela racionalidade liberal, que trouxe como consequência mais
devastadora, a coisificação do trabalhador (OLIVEIRA, 2007, p. 170).

Por certo que, ao imputar à atividade empresarial a obrigação de respeitar o valor


social do trabalho, mitigando a sua autonomia privada com a publicização do contrato de
trabalho, a Constituição Federal não se preocupou somente com o trabalhador, mas também
com as ameaças ao próprio sistema capitalista, ao pressupor que a remuneração do trabalho
jamais pode ser considerada como encargo, uma vez que, "sem trabalho, o capital não se
reproduz, logo, trata-se de investimento imprescindível à própria manutenção do sistema"
(FONSECA, 2004, p. 133), já que, logicamente:

Por trás das tentativas de superar os desafios que se apresentam, a busca pela
sobrevivência, por parte das empresas, vem se mostrando uma motivação básica e,
em geral, desarticulada de considerações sobre outros agentes e recursos que devem
continuar existindo para que essa sobrevivência seja possível. Competentes em
responder a ameaças intrínsecas ao seu ambiente operacional, no qual diz respeito à
produção e à comercialização de bens e serviços, as empresas tem-se mostrado
negligentes quanto aos fatores que dão sustentação a esse mesmo ambiente
(VERGARA; BRANCO, 2001, p. 22).

Por esse motivo, a atividade empresarial não pode pensar em um desenvolvimento


econômico que restrinja os direitos sociais, pois, se assim fosse, além de impedir a
concretização da dignidade humana, colocaria em risco o próprio sistema capitalista
(OLIVEIRA, 2008, p. 99), mostrando a flexibilização dos direitos trabalhistas como uma
verdadeira falácia para a recuperação econômica das empresas ou mesmo para o problema do
desemprego (LEARDINI, 2010, p. 81), em termos que:

A crise da empregabilidade não deve ser atribuída aos valores pagos aos
trabalhadores. Como se viu, a capacidade de consumo é imprescindível à reprodução
do capital e o custo social da informalidade é, sem dúvida, muito mais intenso que
qualquer atribuição legal que se possa exigir concernente ao emprego. Trata-se de
atributo inerente à função social da livre iniciativa e da propriedade dos bens de
produção, princípios constitucionais basilares (FONSECA, 2004, p. 133).

Nessa ordem, a Constituição Federal consagra não somente a garantia da livre


iniciativa econômica, mas também a valorização do trabalho humano e da sua dignidade

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(SUGUIMATSU, 2006, p. 143), conectando o sucesso da atividade empresarial ao progresso


social (PORTER; KRAMER, 2012), enquanto "a preservação da empresa, afinada com os
novos valores, exige considerar o direito empresarial indissociavelmente ligado ao Direito do
Trabalho e à proteção do trabalhador" (SUGUIMATSU, 2006, p. 106), pois ambos se
completam, ao considerar:

Num nível muito básico, a competitividade de uma empresa e a saúde das


comunidades a seu redor estão intimamente interligadas. Uma empresa precisa de
uma comunidade vicejante não só para gerar demanda para seus produtos, mas
também para suprir ativos públicos essenciais e um ambiente favorável. Uma
comunidade precisa de empresas prósperas para criar empregos e oportunidades de
geração de riqueza para seus cidadãos. (PORTER; KRAMER, 2012)

Essa interdependência entre a atividade empresarial e o valor social do trabalho


determina a existência de um equilíbrio, proibindo que os encargos trabalhistas solapem a
produtividade e a competitividade das empresas, pois onerá-las excessivamente significaria a
destruição da atividade empresarial, sobretudo em uma economia globalizada (PORTER;
KRAMER, 2012), albergando a Constituição Federal à flexibilização das normas trabalhistas,
sob a tutela sindical, mediante negociação coletiva, para as seguintes hipóteses: redutibilidade
salarial; jornada de trabalho, trabalho em turnos ininterruptos de revezamento (MARTINS
FILHO, 1999, p. 2), desde que movidas pela diretriz constitucional de tutelar o trabalhador
enquanto ser humano (SUGUIMATSU, 2006, p. 144), pois a "Constituição buscou resgatar o
coletivo, que há muito vem sendo destacado, sobrepondo-o ao individual, destoando-se assim
dos ideários pregados pela globalização" (OLIVEIRA et al, 2002, p. 56).
Portanto, a doutrina que propugna a flexibilização do Direito do Trabalho,
fundamentada tão somente na necessidade de uma legislação mais maleável e, dessa forma,
mais adaptável às turbulências do mercado (OLIVEIRA et al, 2002, p. 56), desconsidera que
o desenvolvimento da atividade empresarial está intimamente interligado ao desenvolvimento
social do trabalhador, ignorando a teoria que propugna a necessidade de um capitalismo mais
humanista, que compatibiliza a dignidade da pessoa humana com a livre iniciativa e a
propriedade privada dos meios de produção, prevista no texto constitucional (BRESSANE,
2011, p.56-57), na busca da justiça social, ao verificarmos que:

Pela norma jurídica trabalhista, interventora no contrato de emprego, que a


sociedade capitalista, estruturalmente desigual, consegue realizar certo padrão
genérico de justiça social, distribuindo a um numero significativo de indivíduos (os
empregados), em alguma medida, ganhos do sistema econômico (DELGADO, 2006,
p. 122).

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Dessa forma, a proposta de mudança na legislação trabalhista, baseada apenas na


assertiva de que tais direitos representam um custo para a atividade empresarial (ideário
econômico), mostra-se inválida à luz da Constituição Federal, mesmo porque a baixa
competitividade das empresas brasileiras não está ligada unicamente à legislação trabalhista,
mas ao ambiente de negócios em que está inserida, formado por diferentes indicadores. É o
que demonstra uma pesquisa do Banco Mundial ao considerar como entrave para a atividade
empresarial brasileira os seguintes indicadores: (i) sistema tributário (onerosidade e
complexidade); (ii) novos negócios (complexidade para abrir novas empresas); (iii) execução
de contratos (tempo de demora do judiciário para fazer valer os contratos); (iv) registro de
propriedade (complexidade do procedimento exigido para registrar uma propriedade no Brasil
e (v) obtenção de crédito (facilidade na obtenção de crédito bancário), conforme demonstra a
tabela doing business4 do Banco Mundial, abaixo.

CLASSIFICAÇÕES DAS DB 2013 DB 2012


CATEGORIAS CLASSIFICAÇÃO CLASSIFICAÇÃO
Abertura de empresas 121 122
Obtenção de alvarás de construção 131 130
Obtendo eletricidade 60 61
Registro de propriedades 109 105
Obtenção de crédito 104 97
Proteção aos investidores 82 79
Pagamento de impostos 156 154
Comércio entre fronteiras 123 123
Execução de contratos 116 120
Resolução de insolvência 143 139

Com isso, não é possível taxar a legislação trabalhista como a vilã da baixa
competitividade das empresas brasileiras, mas sim todo o conjunto de entraves burocráticos
que tornam hostil o ambiente de negócios no Brasil e que são necessários para as empresas
prosperarem e se tornarem competitivas no mercado global.
Exposta essa perversidade, de forma inversa ao que é defendido pelo pensamento
liberal, o Direito do Trabalho contribui, na verdade, para sustentar padrões econômicos no
mercado interno brasileiro, estimulando a formação de um mercado consumidor, de forma a
construir novos padrões como, por exemplo, a melhoria da qualidade da Educação, da
prestação de serviços na área de Saúde, da qualificação profissional, promovendo ações
consideradas inovadoras no plano tecnológico e organizacional, concretizando o exercício da

4
Banco Mundial. Facilidade para fazer negócios (entre 185 economias) e a classificação por tópico.
Disponível em: <http://portugues.doingbusiness.org/data/exploreeconomies/brazil>. Acesso em 24 fev. 2013.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

atividade empresarial conectada aos preceitos estabelecidos no Art. 170 da Constituição


Federal, concluindo que a flexibilização ou a desregulamentação possuem limites, enquanto:

A flexibilização ou a modernização do direito do trabalho deve vir através de um


processo de atualização do direito do trabalho, sempre buscando o atendimento dos
princípios constitucionais da valorização do trabalho, da dignidade da pessoa
humana, da produção da justiça social, através da elevação do nível de vida do
trabalhador e não na busca do barateamento da mão de obra, com a consequente
coisificação do homem (OLIVEIRA et al, 2002, p.54).

Nesse sentido, a flexibilização dos direitos trabalhista, movidos por fins


exclusivamente patrimoniais, não atende à função socializante atribuída pela Constituição
Federal, à atividade empresarial nem à diretriz que permeia todo o texto constitucional, de
tutela do trabalhador como ser humano (SUGUIMATSU, 2006, p. 144), mostrando-se
inconstitucional qualquer projeto de flexibilização que seja despojado do atendimento da
função social da empresa, que é a de gerar produção, emprego digno e renda, por violar o
princípio da valorização do trabalho, pois ambos deságuam na concretização da dignidade da
pessoa humana (OLIVEIRA et al, 2002, p. 58), valor máximo da Constituição Federal,
conforme ponderou Luiz Carlos de Amorim Robortella:

Não há mais lugar para a utopia que marcou a dogmática trabalhista. A proteção ao
empregado continua, mas tem ao seu lado outros valores, ou seja: a) aumentar o
nível de emprego ou de ocupações; b) incluir os informais; c) estimular o
investimento; d) propiciar o desenvolvimento econômico; e) favorecer a
governabilidade. (ROBORTELLA, 2011, p. 243).

Por certo, a flexibilização do Direito do Trabalho somente pode ser efetivada de


acordo com o princípio do valor social do trabalho, tendo como ponto fulcral beneficiar o
próprio trabalhador, sob pena de se ter sobreposição do interesse econômico sobre o social
(OLIVEIRA et al, 2002, p. 54), com a comercialização de valores que são insitos à dignidade
humana (FONSECA, 2004, p. 133), tendo em vista que, no contrato de trabalho, o objeto da
venda é uma parcela da existência do empregado (RODRIGUEZ, 2010, p. 6).
Somente dessa maneira será concretizado o projeto constitucional de
compatibilização do exercício da livre iniciativa e da propriedade privada dos meios de
produção, com a justiça econômica, na busca de um capitalismo mais humanista
(BRESSANE, 2011, p. 59), a chave que abrirá a próxima onda de inovação e de crescimento
da economia, qual seja: o reconhecimento do valor compartilhado (PORTER; KRAMER,
2012), afinando o exercício da atividade empresarial com o valor social do trabalho, já que

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

ambos se movem pela diretriz constitucional do desenvolvimento nacional, sem se descuidar


da tutela da dignidade humana.

Conclusões

1. A sociedade brasileira vem enfrentando uma complexa transformação em suas


estruturas jurídicas tradicionais, em razão da necessidade de se adaptar aos novos padrões
econômicos e sociais impostos pelo processo de globalização. Essa transformação tem afetado
com mais contundência dois ramos do direito, devido à interação existente entre eles, quais
sejam: (i) Direito do Trabalho e (ii) Direito Empresarial.
2. Tais transformações impuseram à atividade empresarial a necessidade de
melhorar a competitividade, adaptando-se aos novos processos produtivos existentes no
mercado global, exigindo, para tanto, uma reestruturação dos institutos jurídicos que afetam a
atividade empresarial. Enquanto isso, os empregados buscam uma maior valorização do
trabalho humano, que de fato somente pode ser atingida por meio de uma intervenção estatal
no contrato de trabalho, com a imposição de condições mínimas que sejam aptas a tutelar um
trabalho livre e digno. Nesse cenário, surge uma colisão de interesses assentada na
flexibilização dos direitos trabalhistas como forma de melhorar a competitividade das
Empresas brasileiras, embora existam dados comprovando que a baixa competitividade da
indústria brasileira não está diretamente ligada à legislação trabalhista, mas a todo o ambiente
de negócios no qual se encontra inserida.
3. Este novo paradigma de interdisciplinaridade e entrecruzamento jurídico entre
o Direito do Trabalho e o Direito Empresarial, assentado na flexibilização das relações
laborais, fez surgir a necessidade da utilização de uma solução interdisciplinar, fundamentada
no Art. 170 da Constituição Federal, tendo em vista que o referido artigo é o ponto de
interseção entre os diferentes ramos do Direito.
4. A partir do Art. 170 da Constituição Federal, foi possível concluir que a
flexibilização das normas trabalhistas como forma de melhorar a competitividade das
Empresas brasileiras, através de uma redução de custo, é inconstitucional. Primeiro, por
desconsiderar a responsabilidade social atribuída pelo ordenamento jurídico à Empresa
brasileira; segundo, por violar o princípio da valorização do trabalho humano, que neste
trabalho foi concebido como a imposição de um dirigismo contratual, tendente a garantir
condições dignas de trabalho em quatro campos: (i) Direito ao emprego; (ii) Direito à

164
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associação sindical, (iii) Direito à segurança e à saúde no trabalho e (iv) Direito à justa
retribuição.
5. Dessa forma, é possível afirmar que o Art. 170 da Constituição Federal, ao
albergar o princípio do valor social do trabalho em conjunto com o princípio da livre
iniciativa, mostrou-se um verdadeiro instrumento de conexão entre os interesses comuns ao
capital e ao trabalho. Com isso, albergou a possibilidade de flexibilização dos direitos
trabalhistas apenas quando estiver motivada na diretriz constitucional de proteção do
trabalhador, conectando a atividade empresarial a outros valores, como: (i) aumento do nível
de emprego; (ii) inclusão dos informais; (iii) estímulo ao investimento e desenvolvimento
econômico; (iv) favorecimento da governabilidade. Somente assim será possível amplificar a
unidade do direito, garantindo uma nova forma de compatibilizar o exercício da atividade
empresarial com a valorização do trabalho humano, ao ser consagrado um valor
compartilhado para o atendimento de interesses divergentes, mas que, no fundo, possuem o
mesmo objetivo: garantir o desenvolvimento nacional.

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169
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

DESENVOLVIMENTO HUMANO E TUTELA LABORAL DAS MULHERES NO


ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: NUANCES E PERSPECTIVAS NO CERNE DA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

DESARROLLO HUMANO Y TUTELA LABORAL DE LAS MUJERES EN EL


ORDEN JURÍDICO BRASILEÑO: RETOS Y PERSPECTIVAS EN EL SENO DE LA
CONSTITUCIÓN BRASILEÑA DE 1988

FLÁVIA DE PAIVA MEDEIROS DE OLIVEIRA*


PAULLA CHRISTIANNE DA COSTA NEWTON**

RESUMO

A Constituição Brasileira de 1988 (CF/1988) reconheceu a necessidade de tratamento


igualitário para o homem e a mulher, tanto do ponto de vista da família, quanto do mercado de
trabalho, a fim de romper com o paradigma jurídico fundamentado no patriarcalismo. Para tanto,
consagrou a necessidade de proteção do mercado de trabalho através de lei própria. Na atual
conjuntura de 25 (vinte e cinco) anos de vigência do texto constitucional, temos que nos
questionar se o nosso ordenamento jurídico possui os meios hábeis a promover essa imperiosa
igualdade e, principalmente, se, do ponto de vista legislativo, avançamos na consecução desse
objetivo.
Palavras-chave: mulher; mercado de trabalho; igualdade de oportunidades e de
tratamento; Constituição Federal Brasileira de 1988.

RESUMEN

*Doutora em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de Valencia / Espanha; Professora da
Universidade Estadual da Paraíba – UEPB e do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. E-mail:
flaviadepaiva@hotmail.com
** Doutora em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de Valencia / Espanha; Professora
da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB e do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. E-mail:
paulla.newton@gmail.com

170
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

La Constitución de 1988 (CF/1988) ha reconocido la necesidad de la concesión de la


igualdad de oportunidad y de trato entre hombres y mujeres. Para ello, se hace necesario la tutela
de las mujeres en el ámbito laboral a través de una legislación específica. Hoy por hoy, a los 25
(veinte y cinco) años de la promulgación del texto de la Constitución, se puede cuestionar si
nuestro ordenamiento jurídico posee los mecanismos necesarios para promocionar la igualdad y,
principalmente, si los otros cuerpos normativos han progresado para acompañaren la
concretización de tales objectivos.
Palabras-clave: mujer, mercado de trabajo, igualdad de oportunidad y de trato,
Constitución Brasileña de 1988.

Introdução

A Constituição de 1988 completará, no próximo dia 05 de outubro, 25 (vinte cinco)


anos, sendo a responsável pela inserção, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, de
padrões de igualdade entre os sexos, considerando-se a perspectiva social e os parâmetros para a
incorporação e a continuidade no mercado laboral.
Sob o prisma social, o art. 226, da CF/88 reconheceu a necessidade de igualdade entre
homens e mulheres na sociedade conjugal, retirando da figura masculina a primazia que, até
então, lhe era conferida na condução econômica, moral e social da família. Esse preceito legal,
ademais de introduzir mudanças organizacionais e comportamentais na estruturação interna da
unidade familiar, também implicou em uma grande mudança de paradigma, posto que passou à
mulher, em igualdade de condições, a obrigação de arcar com as responsabilidades econômicas
para a manutenção da família. A título exemplificativo, segundo dados do Censo Demográfico de
2010, o percentual de famílias chefiadas por mulheres no país é de 37,3%1.
O reconhecimento dessa situação deve ser interpretada sob um dupla perspectiva:
1. A mulher passa a ser também responsável economicamente pela família;
2. Em razão disso, passa a, em maior escala, buscar um lugar no mercado de trabalho,
cuja primazia sempre foi atribuída ao homem, porque a função primeira da mulher não era,
anteriormente, de condutora econômica dos destinos familiares, mas de condutora moral.

1 IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em: www.ibge.gov.br

171
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Esse mercado de trabalho, historicamente patriarcal, requer uma ampla e eficaz tutela
legal para que, a mulher possa, igualitariamente, inserir-se e nele desenvolver suas habilidades e
competências. Por essa razão, o art. 7º, XXX, da Carta Magna Brasileira vigente reconheceu
como direito fundamental a necessidade de proteger, por lei específica, o mercado de trabalho da
mulher.
No presente artigo, pretendemos analisar as disposições legais, atinentes ao tema, a fim
de verificar se, depois de 25 (vinte e cinco) anos dessa mudança de paradigma constitucional, a
nossa legislação avançou nessa proteção.

1. O princípio da igualdade e o trabalho da mulher

Sob a perspectiva do Direito do Trabalho, o princípio da igualdade encontra-se previsto


no art. 7°, XXX, da Constituição de 1988, dedicado a enumerar os direitos do trabalhador urbano
e rural. No entanto, essa norma jurídica encontra antecedentes nos princípios constitucionais da
igualdade formal (art. 5°, caput, da CF/88) e material (art. 3°, III, da CF/88) e na cidadania como
fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1°, II, CF/88).
A Carta Constitucional estabeleceu no art. 7°, XXX, a proibição de tratamento
discriminatório por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Essa proibição surge como
decorrência da necessidade de concretizar o princípio, também constitucional, da igualdade
material (substancial ou real), reconhecido no art. 3°, III, da CF/88.
Ambos, remontam a um princípio de igualdade ainda mais geral, que é o princípio de
igualdade perante a lei, que deve ser analisado sob três dimensões. A primeira, a dimensão do
valor segurança jurídica, que compreende a superação dos privilégios outorgados a um grupo
privilegiado de pessoas. A segunda dimensão, a processual, que supõe a existência de um mesmo
procedimento processual para todos os cidadãos. A terceira, a igualdade formal, que comporta a
igualdade como equiparação e como diferenciação. Essa última dimensão se expressa no
princípio de não discriminação e parte do pressuposto de que as condições pessoais não devem
ser levadas em conta para estabelecer tratamento diferenciado, salvo quando relevantes sob um
prisma valorativo (MARTÍNEZ, 1999, p. 283-284).
A igualdade formal está prevista no art. 5°, caput, segundo o qual “todos são iguais
perante a lei”. Esse princípio consagra a regra geral que proíbe o estabelecimento de diferenças

172
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

injustificadas entre os indivíduos, originando um direito subjetivo de igualdade de tratamento em


igualdade de condições.
Quando o art. 5°, caput, é interpretado em conjunto com o art. 3°, III, da CF/88, que
prescreve que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a redução das
desigualdades sociais e econômicas, abre-se a possibilidade de estabelecer-se um tratamento
diferenciado se houver condições desigualadoras justificativas, sem que isso, no entanto, se
caracterize como um tratamento discriminatório.
Assim sendo, o princípio constitucional da igualdade material (real ou substancial)
consiste na possibilidade de tratar desigualmente os desiguais, sempre que isso seja necessário
para alcançar um maior índice de igualdade real entre os indivíduos. Nesse sentido, Martínez
(1999, p. 289) aduz que:

La igualdad material supondría el critério adecuado para que todos pudiesen llegar
em igualdade de condiciones a esse ejercicio de la libertad protectora y de la libertad
de participación, y sería el critério material para realizar la libertad promocional.

O fato de o princípio da igualdade material anteceder constitucionalmente o princípio da


igualdade formal tem uma importante conseqüência prática, qual seja, a de que ao Poder Público,
restará sempre, buscar alcançar a igualdade real entre os indivíduos, podendo, para tanto, se
necessário, adotar medidas desigualadoras, que constituem as denominadas medidas de ação
positiva ou afirmativa. Assim sendo, é preciso considerar que:
(...) se no passado a igualdade meramente formal foi um instrumento ideológico que
serviu para ocultar a exclusão das mulheres da cidadania, na atualidade, a igualdade
material deve concretizar o princípio da igualdade de oportunidades, através das
políticas que passam da mera enunciação de princípio da igualdade perante as leis
para o campo da efetiva igualdade entre mulheres e homens (TREVISO, 2009, p. 8).

As medidas de ação positiva, geralmente adotadas pelo Poder Público, apesar de


desigualadoras, não são discriminatórias, porque não têm como finalidade violar o princípio da
dignidade humana. Ao contrário, buscam implementá-lo por meio do estabelecimento de ações
que, embora conduzam a uma aparente desigualdade formal, perseguem alcançar a igualdade real
entre os indivíduos, inicialmente, menos favorecidos.
Noutros termos, quando a própria Constituição, no art. 3°, III, admite a possibilidade de
tratar de forma desigual determinada categoria de pessoas, o faz com vistas a garantir a realização
de princípios maiores, quais sejam, o princípio da cidadania (art. 1°, II, da CF/88) e o princípio da
dignidade da pessoa humana (art, 1°, III, da CF/88).

173
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Contudo, a realidade demonstra que as mulheres foram socialmente discriminadas, com


relação aos homens, em razão de estereótipos sexistas, que as atribuíram o papel social de mãe e
de dona de casa, o que serviu para fortalecer a visão da mulher como um ser frágil, excluindo-as
do mercado de trabalho e da participação social, cultural e política da sociedade.
Nesse sentido, durante largo período de tempo perdurou sobre a mulher a visão de que:
A mentalidade patriarcal conferia à mulher a qualidade de frágil e inapropriada
para realizar certas atividades comuns aos homens. A revolução industrial foi, como
para toda história humana, um marco para o trabalho feminino. Até então, as
atividades desempemnhadas pelas mulheres eram consideradas de menor relevo
(apesar de essenciais para a comunidade). (MAIOR, 2008, p. 354).

Por essa razão, existe uma necessidade de alcançar a igualdade através das
desigualdades. E, no que concerne às desigualdades em razão de sexo, não se pode buscar um
critério universal e homogêneo para alcançar a igualdade real, mas um fator dinâmico e contínuo
que considere os aspectos sociais que marcam cada um dos grupos coletivos de mulheres, tendo
como norte a maior ou menor intensidade da opressão (TREVISO, 2009, p. 6).

2. A proteção do trabalho da mulher após a Constituição brasileira de 1988

A Constituição brasileira de 1988, ao reconhecer em seu art. 7º, XXX, a proibição de


diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo,
inaugura um novo capítulo no direito do trabalho da mulher, o cognominado direito promocional,
marcado pela necessidade de eliminar toda sorte de discriminação com vistas a incentivar que as
mulheres ingressem no mercado de trabalho em condições de igualdade com os homens (LOPES,
2006, p. 407).
Destarte, após a promulgação da Constituição Brasileira vigente, fez-se imperioso a
promulgação de uma ampla legislação infraconstitucional cuja finalidade é permitir uma
igualdade real no acesso ao mercado de trabalho, ora suprimindo disposições, ora construindo
prescrições legais capazes de efetivar o padrão constitucionalmente instituído.
Este tópico será dividido em quatro itens, nos quais serão analisadas, respectivamente, a
legislação infraconstitucional que revogou dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), tidos como discriminatórios; a legislação infraconstitucional que criou novas disposições
legais destinadas a fomentar o acesso da mulher ao mercado de trabalho; as disposições legais da
CLT que continuam vigorando ou foram introduzidas sob a égide do novo regime constitucional e

174
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

que se destinam a promover, de forma direta ou indireta, o acesso da mulher ao mercado de


trabalho; sugestão de revisão do Título III, do Capítulo III, da CLT, intitulado da “Proteção do
Trabalho da Mulher”.

A. A legislação infraconstitucional que suprimiu os dispositivos discriminatórios da


CLT

A. 1. A Lei nº 7.855, de 24 de outubro de 1989

A Lei nº 7.855/1989, no que atine ao trabalho da mulher, revogou expressamente os arts.


374, 375, 378, 379, 380 e 387, da CLT, que disciplinavam o seguinte:

Art. 374 - A duração normal diária do trabalho da mulher poderá ser no


máximo elevada de 2 (duas) horas, independentemente de acréscimo salarial,
mediante convenção ou acordo coletivo nos termos do Título VI desta
Consolidação, desde que o excesso de horas, em um dia seja compensado pela
diminuição em outro, de medo a ser observado o limite de 43 (quarenta e oito)
horas semanais ou outro inferior legalmente fixado.

Art. 375. Mulher nenhuma poderá ter o seu horário de trabalho prorrogado,
sem que esteja para isso autorizada por atestado médico oficial, constante de
sua carteira profissional.

Parágrafo único. Nas localidades em que não houver serviço médico oficial,
valerá para os efeitos legais o atestado firmado por médicos particulares em
documento em separado.

Art. 378. Na carteira profissional da mulher, serão feitas, em folhas especiais,


as anotações e atestados médicos previstos neste capítulo, de acordo com os
modelos que forem expedidos.

Art. 379 - É permitido o trabalho noturno da mulher maior de 18 (dezoito)


anos, salvo em empresas ou atividade industriais.

§ 1º A proibição quanto ao trabalho em empresas ou atividades industriais


não se aplica:
I - à mulher que ocupe posto de direção ou de qualificação técnica com
acentuada responsabilidade; e
II - à mulher empregada em serviços de higiene e de bem -estar, desde que não
execute tarefas manuais com habitualidade.
§ 2º As empresas que se dedicam à industrialização de bens perecíveis,
durante o período de safra, presumem-se autorizadas a empregar mulheres
em trabalho noturno, quando ocorrer necessidade imperiosa de serviço.
§ 3º A permissão de que trata o 2º deste artigo estende-se às empresas cuja
linha de produção utilize matérias-primas ou matérias em elaboração
suscetíveis de alteração rápida, quando necessário para salvá-las de perda
irreparável.

175
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

§ 4º Com a autorização, poderão ser exigidos da empresa meios especiais de


proteção ao trabalho, inclusive de natureza ambiental, como os referentes a
iluminação e ventilação, bem como o funcionamento de lanchonetes e
refeitórios no período noturno.
§ 5º O trabalho de mulher em horário noturno, de qualquer modo, só será
permitido quando a aptidão para executá-lo houver sido atestada no exame
médico a que alude o artigo 380 desta Consolidação, anotada a circunstância
no livro ou ficha de Registro de Empregados.
§ 6º As autorizações referidas neste artigo poderão ser canceladas, a qualquer
tempo, em relação à empresa que deixar de observar as normas de segurança
e medicina do trabalho de que trata o Capítulo VI do Título IV desta
Consolidação.
§ 7º As empresas comunicarão à autoridade competente, no prazo de 48
(quarenta e oito) horas, a circunstância excepcional que as levou ao emprego
de mulheres em horário noturno.
§ 8º Para atender a interesse nacional relevante e ouvidas as correspondentes
organizações sindicais de empregadores e trabalhadores, a probição do
trabalho noturno da mulher, em empresas ou atividades industriais, poderá
ser suspensa
I - por decreto do Poder Executivo, sem limitação quanto ao período de
serviço noturno;
II - por portaria do Ministro do Trabalho, até às 24 (vinte e quatro) horas.

Art. 380 - Para o trabalho a que se refere a alínea "c" do artigo anterior,
torna-se obrigatória, além da fixação dos salários por parte dos
empregadores, a apresentação à autoridade competente dos documentos
seguintes:

a) atestado de bons antecedentes, fornecido pela autoridade competente,


b) atestado de capacidade física e mental, passado por médico oficial.

Art. 387 - É proibido o trabalho da mulher:

a) nos subterrâneos, nas minerações em sub-solo, nas pedreiras e obras, de


construção pública ou particular.
b) nas atividades perigosas ou insalubres, especificadas nos quadros para este
fim aprovados.

Tais disposições tratavam, prioritariamente, sobre a proibição de trabalho noturno à


mulheres, bem como na vedação da execução de atividades perigosas, insalubres e penosas,
mecanismos que reforçavam uma divisão sexista do trabalho, sem qualquer critério científico,
criando uma área laboral restrita aos homens.
No que atine a essas espécies, cumpre lembrar que a proibição de trabalhar a noite e em
tarefas perigosas, insalubres e penosas, de conformidade com a Convenção nº 171, da
Organização Internacional do Trabalho, persiste para as mulheres durante o ciclo gravídico
puerperal.

A.2. A Lei nº 10.244, de 27 de junho de 2001

176
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A Lei nº 10.244/2001 revogou o art. 376, da CLT, que assim dispunha:

Art. 376 - Somente em casos excepcionais, por motivo de força maior, poderá
a duração do trabalho diurno elevar-se além do limite legal ou convencionado,
até o máximo de 12 (doze) horas, e o salário-hora será, pelo menos, 25% (vinte
e cinco) superior ao da hora normal.

Parágrafo único - A prorrogação extraordinária de que trata este artigo


deverá ser comunicada por escrito à autoridade competente, dentro do prazo
de 48 (quarenta e oito) horas.

Esse dispositivo celetista, apesar de só ter sido revogado em 2001, já se encontrava em


desuso, porque, concretamente, um grande número de mulheres já se submetia à prorrogação da
jornada ordinária de trabalho.

B. Legislação infraconstitucional criadora de novas disposições legais destinadas a


fomentar o acesso da mulher ao mercado de trabalho

Após a CF/88, uma prática discriminatória que ganhou vulto foi a de exigir da mulher,
como critério para sua admissão, atestado negativo de gravidez ou a comprovação de
esterilização, tanto para as empregadas que postulassem o acesso a um posto de trabalho, como
daquelas que já se encontravam empregadas para serem mantidas nos seus respectivos postos de
trabalhos. Essa prática tornou-se corriqueira, porque a Constituição vigente ampliou o prazo de
licença maternidade e concedeu estabilidade à mulher gestante até cinco meses após o parto (art.
10, II, "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).
Nesse sentido, a Lei nº 9.029/1995 criminalizou a conduta do empregador pessoa física ou
pessoa jurídica, de direito público ou privado, que exija teste, exame, perícia, laudo, atestado,
declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez.
A citada Lei também considerou como crime a adoção de qualquer medida indutiva ou
instigadora à esterilização genética ou promoção de controle de natalidade, exceto, nesse último
caso, os serviços de aconselhamento ou planejamento familiar, realizado através de instituições
públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS).
As proibições contidas na Lei comentada são criticadas doutrinariamente, sob a alegação

177
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

de que promovem uma não contratação de mulheres (MARTINS, 2007, p. 596).


No entanto, há que se salientar que a Lei nº 9.029/1995 encontra arrimo na Constituição
de 1988, que, no seu art. 10, II, “b”, do ADCT, veda a dispensa da empregada gestante, desde a
confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto, bem como no seu art. 5º, X, que
assegura a inviolabilidade da intimidade e da honra das pessoas. Essa norma deve, ainda, ser
aplicada às situações em que o trabalhador é portador do vírus da AIDS.
O não atendimento às normas prescritas configura crime de descumprimento, sujeitando o
infrator a pena de detenção de um a dois anos e multa. Além dessa punição, o infrator fica sujeito
também a imputação de multa administrativa de 10 (dez) vezes o valor do maior salário pago
pelo empregador, que poderá ser elevada em 50% (cinquenta por cento) em caso de reincidência,
associado à proibição de obter empréstimos ou financiamento de instituições financeiras oficiais.

C. As disposições da CLT sobre o trabalho da mulher que continuam vigorando ou


foram introduzidas após a CF/88

Com a entrada em vigor da nova ordem constitucional, foram promulgadas algumas leis,
nas quais foram asseguradas às mulheres direitos específicos, resultando na revogação de alguns
dispositivos do Capítulo III da CLT.
No entanto, impende salientar que outras prescrições legais do referido Capítulo
continuam vigorando. Embora o citado Capítulo se divida em 5 (cinco) seções, neste momento,
efetuar-se-á uma análise apenas dos dispositivos celetistas que tratam, ou de maneira direta ou de
forma indireta, do acesso da mulher ao mercado de trabalho.
A primeira disposição celetista que trata do acesso da mulher ao mercado de trabalho,
introduzida pela Lei nº 9.799, de 26 de maio de 1999, é a contida no art. 373-A, que proíbe a
adoção de determinadas práticas, tidas como discriminatórias. Da análise do citado texto legal,
depreende-se que tais práticas vedadas podem ser divididas em 2 (dois) grandes grupos. No
primeiro, estariam incluídas as condutas proibidas no momento da contratação, quais sejam:

1. Publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao


sexo, idade, cor, ou situação familiar da mulher, salvo nas situações em que o
trabalho a ser realizado o exige;
2. Recusar dar emprego em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou
estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

publicamente incompatível;
3. Considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável
determinante para fins de remuneração, formação profissional e
oportunidades de ascensão profissional;
4. Exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de
esterilidade ou gravidez, na admissão do emprego;
5. Impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de
inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de
sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez.

Do segundo grupo, insere-se o preceito que tem por finalidade evitar a discriminação
durante o contrato de trabalho, qual seja, o de proibir que o empregador faça revistas íntimas nas
empregadas.
O artigo comentado, apesar de proibir o trato discriminatório entre homens e mulheres,
tanto no momento da contratação, quanto durante a manutenção do vínculo contratual, admite a
adoção de medidas de ação afirmativa, tomadas no próprio estabelecimento, que se destinem a
corrigir desigualdades na formação profissional e no acesso ao emprego. Nesse sentido,
importante mecanismo para o estabelecimento dessas medidas de ação afirmativa é o acordo
coletivo de trabalho, bem como a convenção coletiva de trabalho, que poderão disciplinar
normas corretivas específicas para cada categoria profissional e, em caráter temporário, como
preceitua o art. 373-A, parágrafo único. O mais importante da disposição comentada é que ela
proíbe a discriminação da mulher, que poderá vir atrelada a outro tipo de fatos discriminatório,
como a raça, a cor da pele ou a idade2.
Importante, ainda, anotar que o art. 377, da CLT reconhece que é matéria de ordem
pública a adoção de medidas que tenham por finalidade proteger o mercado de trabalho da
mulher, de tal maneira que elas não poderão implicar, em nenhuma hipótese, a redução de
salário. Essa norma deve ser interpretada juntamente com o art. 373-A já comentado. Da análise
conjunta desses dispositivos legais, decorre que tais normas funcionam como importantes limites
para a negociação coletiva, com relação as normas protetivas do mercado de trabalho da mulher,
obstaculizando a negociação de pactos coletivos que, sob a alegação de incentivar o ingresso da
empregada no mercado de trabalho, acarretem reduções salariais.
Ainda no que concerne ao acesso da mulher ao mercado de trabalho, e também sob o
influxo da Lei nº 9.799/1999, foi introduzida a disposição contida no art. 390-B, da CLT,
consoante a qual as vagas dos cursos de formação de mão de obra deverão ser oferecidas aos

2 Para uma melhor análise das medidas discriminatórias vide RUBERT, Maria Belén Cardona. Protección de la
trabajadora embarazada: tutela preventiva y tutela antidiscriminatoria. Pamplona:Aranzadi, 2002.

179
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

trabalhadores de ambos os sexos. A intenção do legislador foi a de garantir que tanto o acesso da
mulher ao mercado de trabalho se dará de forma igualitária, quanto a sua manutenção nesse
mercado atenderá ao princípio da igualdade, na medida em que o empregador não deverá utilizar
o fator sexo como critério determinante para escolher os trabalhadores que participarão dos
cursos de formação profissional. Em outras palavras, a legislação busca que a formação
profissional ocorra de forma igualitária.
Omitiu-se o legislador no art. 390-B quando não deixou dito que as vagas destinadas à
formação profissional deverão ser ofertadas, em caráter paritário, aos empregados de ambos os
sexos. Ao não dispor dessa forma, deixa margem para que a diferenciação ocorra no momento
em que o empregador vai distribuir o número de vagas entre os seus empregados, podendo
privilegiar mais homens do que mulheres.
No que concerne à proteção da maternidade, a CLT consagra, em seu art. 391, que nem o
fato de haver contraído matrimônio ou de se encontrar em estado de gravidez constitui motivo
justificador para o término do contrato de trabalho.
É sabido que, em razão da gravidez as condições físicas da mulher se alteram, de sorte
que poderá ficar impossibilitada para a prática de determinadas atribuições inerentes ao pacto de
emprego. No entanto, esse fato, por si só, não justifica a rescisão do vínculo empregatício. Ao
contrário, com vistas a permitir que a gravidez se desenvolva em condições seguras, bem com a
assegurar a manutenção do emprego da gestante, a CLT, no seu art. 392, parágrafo 4º, assegura à
mulher a transferência de função, quando exigido por condições de saúde, como também
considera como motivo de interrupção do contrato de trabalho o afastamento da trabalhadora
grávida para a realização de exames pré-natais por no mínimo 6 (seis) consultas médicas durante
o período de gravidez. Na situação de transferência de função, fica assegurado à mãe o direito de
voltar a ocupar a função anteriormente exercida logo após o seu retorno ao trabalho.
A licença maternidade privilegia não apenas a mãe biológica, como também a mãe
adotiva e a que obtém guarda judicial, nos termos do art. 392-A, da CLT, introduzido pela Lei nº
10.421, de 15 de abril de 2002. Esse benefício é assegurado também à mulher em caso de aborto
não criminoso, atestado por médico oficial. Nessa hipótese, a trabalhadora terá direito a um
repouso remunerado de 2 (duas) semana.
Com respeito ao prazo de licença maternidade, tanto a Constituição, quanto a CLT,
asseguram o prazo de 120 (cento e vinte) dias, que poderá ocorrer entre o 28º(vigésimo oitavo)

180
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

dia antes do parto e a sua ocorrência. Cumpre salientar que, de acordo com a Lei nº 11.770/2008,
esse prazo foi ampliado, em caráter facultativo, para 6 (seis) meses. As empresas que optarem
pela ampliação terão incentivos fiscais consistente na dedução integral do imposto de renda do
valor correspondentes aos 60 (sessentas) dias de remuneração pagos ao empregador.
Cumpre destacar que a dedução de imposto que beneficiará o empregador se limita ao
período de acréscimo, porque, no âmbito do atual ordenamento jurídico brasileiro, o valor pago
pela empresa à trabalhadora durante o seu período de licença maternidade é compensado com os
recolhimentos previdenciários feitos à Previdência Social (arts. 72 e 73, da Lei nº 8.213/91 com a
redação dada pela Lei nº 10.719/2003), de sorte que, em última análise, quem paga a licença
maternidade é o próprio Instituto de Previdência Social (INSS), o que a caracteriza como
benefício previdenciário.
Torna-se relevante a inserção desta licença analisada no rol dos benefícios
previdenciários, posto que, transferir tal encargo para o empregador poderia implicar em uma
discriminação contra a mulher no mercado de trabalho, o que afrontaria o art. 5º, I, da
Constituição e, por conseguinte, poderia restringir a contratação de trabalhadoras (Barros, 2006,
p. 1063).
Há que se salientar que o estado gravídico autoriza a gestante a romper o contrato de
trabalho, mediante atestado médico e comprovação de que seja prejudicial à gravidez (art. 394,
CLT), assegurando, nesse caso, a mulher a dispensa da concessão do aviso prévio ao empregador
(Carrion, 2006, p. 268).

D. Sugestão de revisão do Título III, Capítulo III, da CLT, denominado da “Proteção


do Trabalho da Mulher”

Ante o exposto, vê-se que, apesar da disposição contida no art. 7º, XXX, da Constituição
vigente, segundo o qual a proteção do mercado de trabalho da mulher deve ser feita por meio de
lei própria, não existe uma intenção legislativa de elaboração desse diploma legal.
Por essa razão, desde a entrada em vigor do novo ordenamento constitucional até a
presente data, várias Leis foram promulgadas, ora revogando dispositivos celetistas, ora
introduzindo novos artigos no texto da CLT. Apesar disso, observa-se que persistem algumas
incoerências no corpo do citado capítulo da CLT.

181
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Nesse sentido, são desnecessários o art. 381, parágrafo 1º e 2º (que dispõe acerca do
trabalho noturno), porque as previsões desse dispositivo são as mesmas contidas no art. 73,
parágrafos 1º e 2º. Pode ser suprimido também o art. 389, I a IV, que trata das medidas de
higienização, instalação de bebedouros, vestiários e fornecimento de equipamentos de proteção
individual, ora porque já foram disciplinadas nos art. 166 e 175 a 178 ou por ficarem mais
adequadas no capítulo referente às medidas de higiene e segurança no trabalho, que são
instituídas para ambos os sexos.
Outras normas que podem ser suprimidas são as constantes dos arts. 382 (intervalo entre
duas jornadas), 383 (intervalo para refeição), 385 (descanso semanal) e 386 (escala de
revezamento), porque tais disposições já constam dos arts. 66, 67, 68, 70 e 71, da CLT.
Já que o legislador infraconstitucional optou pela dinâmica de promover a adequação das
normas da CLT que tratam do trabalho da mulher, mister se faz uma última revisão da norma
consolidada, a fim de que haja uma perfeita harmonia entre os preceitos analisados e o contido
no art. 7º, XXX, da atual Constituição Brasileira.

Conclusões

Os mecanismos de tutela ao trabalho da mulher, tradicionalmente, relacionaram-se à sua


condição de mãe, esposa e cuidadora do lar, associada às tarefas domésticas.
No entanto, percebe-se que as transformações laborais, ideológicas e culturais, conduzem
as mulheres à protagonizarem a construção de novos paradigmas na sociedade atual.
Neste sentido, o art. 7º, XXX, da atual Constituição brasileira consubstanciou a
necessidade de proteger o mercado de trabalho da mulher através da promulgação de uma lei
específica, o que não aconteceu até a presente data.
Apesar de não haver uma lei específica estabelecendo medidas protetivas próprias do
trabalho feminino, o legislador infraconstitucional preocupou-se, em um primeiro momento, em
suprimir alguns dos artigos da CLT que eram tidos como discriminatórios.
A ausência de uma lei específica que trate da proteção ao mercado de trabalho feminino
denota a ausência de uma real intenção legislativa nesse sentido. As normas elaboradas sob o
influxo do texto constitucional se limitaram a atualizar as disposições contidas na CLT, sem,

182
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

contudo, promoverem alteração substancial no âmago desse diploma legal.


Como prova disso, pode-se enumerar a necessidade de suprimir alguns dispositivos da
CLT que, mesmo depois de todas as alterações legislativas promovidas recentemente, continuam
em vigor como se se tratassem de normas aplicadas exclusivamente ao trabalho da mulher. A
título exemplificativo, tem-se os arts. 382 (intervalo entre duas jornadas), 383 (intervalo para
refeição), 385 (descanso semanal) e 386 (escala de revezamento), posto que tais disposições já
constam dos arts. 66, 67, 68, 70 e 71, da CLT, que tratam da jornada de trabalho em caráter geral,
tanto para homens, quanto para mulheres.
Não se trata de uma questão meramente formal, mas a não revogação dos retrocitados
preceitos legais, mormente, quando eles trazem a mesma dicção legal da disposição geral
aplicada aos demais trabalhadores, faz persistir, no âmbito do ordenamento jurídico, a ideia de
que o que necessita ser tutelado é a potencialidade biológica da mulher em gerar a vida.
Substancialmente, a proteção do mercado de trabalho da mulher continua a ser tratada,
por nossos legisladores, como uma questão de menor importância, o que se conclui ao analisar-se
o conteúdo das leis vigentes, destinadas à proteção desse mercado, que continuam após quase 25
(vinte e cinco) anos da promulgação da Constituição cidadã a se preocupar simplesmente com os
aspectos relativo à maternidade e a discriminação no momento da contratação e durante a
vigência do contrato.
Cabe salientar, neste ponto, que os Tribunais brasileiros, na análise dos casos concretos,
vêm buscando corrigir incongruências e omissões normativas que possam apresentar caráter
discriminatório, quando da aplicação dos instrumentos normativos na seara fática.

Referências bibliográficas

LOPES, Cristiane Maria Sbalqueiro. Direito do trabalho da mulher: da proteção à promoção.


Cadernos PAGU. N. 26. Jan-Jun/2006.
MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de Direito do Trabalho: a relação de emprego. São Paulo:
LTr, 2008.
MARTINEZ, Gregório Peces-Barba. Curso de Derechos Fundamentales: teoria general.
Madrid: Universidad Carlos III, 1999.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2007.
RUBERT, Maria Belén Cardona. Protección de la trabajadora embarazada: tutela preventiva
y tutela antidiscriminatoria. Pamplona:Aranzadi, 2002.
TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia. A discriminação de gênero e a proteção à mulher.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. V. 47. N. 77, jan-jun 2008, p. 21-30.

184
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Empregado doméstico: Uma interpretação constitucional em prol de sua emancipação.


Domestic worker: A constitucional interpretation in favor of it’s emancipation.

Maria Cecília Máximo Teodoro1


Miriam Parreiras de Souza2

RESUMO:

O presente trabalho abordará o tratamento jurídico conferido ao empregado doméstico


com enfoque em uma nova interpretação, buscando-se justificar a possibilidade de
equiparação jurídica desse trabalhador com os demais empregados. Inicialmente será
analisada a evolução histórica do trabalho doméstico, apontando o caráter discriminatório que
o acompanha desde a sua origem. Em seguida, serão estudados alguns mecanismos e
princípios de interpretação constitucional, que comprovam a possibilidade de interpretar
juridicamente o ordenamento jurídico aplicável à relação empregatícia doméstica de forma
diversa da interpretação restritiva que normalmente é realizada em seu prejuízo. Neste ponto,
será demonstrado que a legislação que rege esse empregado é meramente simbólica,
conforme teoria desenvolvida por Kindermann. Além disso, será apontado que é possível
lançar um novo olhar jurídico sobre esse tipo especial de relação de emprego, através das
novas técnicas de interpretação suscitadas e, ainda, utilizando-se a teoria da sociedade aberta
de Peter Habërle. Ao final será proposto que, através de novas técnicas de interpretação,
mesmo diante do ordenamento jurídico ora vigente, o empregado doméstico pode ser
equiparado aos demais, no que tange aos seus direitos justrabalhistas. Será demonstrado que,
apesar de já existir várias tentativas nesse sentido, não é necessário uma alteração normativa
para que seja assegurado ao doméstico todos direitos trabalhistas, em condições de igualdade
com os demais trabalhadores, garantindo-se, com isso, a igualdade e a dignidade desse
trabalhador.

Palavras-chaves: Trabalhador doméstico; Interpretação Constitucional; Legislação Simbólica;


Equiparação de Direitos.

1
TEODORO, Maria Cecília Máximo. Pós-Doutora em Direito do Trabalho pela Universidad Castilla La-
Mancha, com bolsa de pesquisa da Capes; Doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP;
Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/MG; Professora do Mestrado e da Graduação da PUC/MG.
2
SOUZA, Miriam Parreiras de. Mestranda em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Professora de Direito do
Trabalho e Processo do Trabalho. Advogada.

185
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

ABSTRACT:

This paper will address the legal treatment given to domestic workers focusing on a new
interpretation, seeking to justify the possibility of assimilation of legal work with other
employees. Initially we will analyze the historical evolution of domestic work, pointing out
the discriminatory character that comes from their origin. Then we will study some of the
mechanisms and principles of constitutional interpretation, proving the possibility of legally
interpret the law applicable to the employment relationship differently from domestic
restrictive interpretation which is usually held in your loss. At this point, it will be shown that
the law governing the employee is merely symbolic, as theory developed by Kindermann.
Moreover, it will be shown that it is possible to take a fresh look legal on this particular type
of employment relationship, through new techniques of interpretation raised and also using
the theory of the open society of Peter Haberle. At the end you will be offered through new
techniques of interpretation, even before the law now in force, the domestic employee can be
equated to the other, with respect to their rights justrabalhistas. It will be demonstrated that
although there is already several such attempts, there is no need for a change in rules to be
assured that all domestic workers rights, on an equal footing with other workers, ensuring
thereby the equality and dignity of worker.

Keywords: Domestic worker; Constitutional Interpretation; Symbolic legislation;


Equalization of Rights.

1 INTRODUÇÃO.

O empregado doméstico tem seu histórico intimamente relacionado com a escravidão.


A evolução dos direitos humanos fundamentais nos últimos anos, que repele o trabalho em
condição análoga ao de escravo, não foi capaz de igualar o tratamento jurídico conferido ao
doméstico, de forma expressa na legislação. Diante desse tratamento legislativo diferenciado,
interpretações eivadas de discriminação são realizadas em prejuízo ao doméstico, o que
acarreta a sua desvalorização jurídica e social e acaba por tornar-lhe uma clara demonstração
dos vestígios da escravidão na sociedade contemporânea.

186
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Este artigo pretende demonstrar que através de uma interpretação constitucional


adequada é possível elevar a condição jurídica do empregado doméstico e equipará-lo com os
demais empregados, ainda quando não há expressa previsão legal dessa equiparação. Para
isso, serão demonstrados técnicas e princípios de interpretação constitucional que podem ser
utilizados na análise dos direitos do doméstico e tornam possível o objetivo maior de conferir
a essa classe de trabalhadores a igualdade material no tratamento de seus direitos.
Inicialmente será abordada a evolução histórica do tratamento conferido aos
trabalhadores domésticos, demonstrando que a interpretação de seus direitos, na maioria das
vezes, era – e ainda é – realizada de forma restritiva, tornando-o um trabalhador
discriminado.
Após, serão abordadas as técnicas e os princípios de interpretação constitucional que
podem ser utilizados na análise jurídica da relação de emprego doméstica, com fins a
emancipá-lo do estigma discriminatório que o acompanha desde a sua origem.
Finalmente o artigo irá propor uma solução para que o empregado doméstico se
emancipe desse estigma discriminatório, de forma a ser-lhe assegurada a tutela de todos os
direitos humanos fundamentais.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRIA DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS.

O trabalho doméstico é imemorial na história da humanidade, pois se fez presente em


todas as fases históricas, tanto que a ele são numerosas as referências bíblicas, mitológicas e,
igualmente, na antiguidade clássica são vários os episódios que o retratam.
A título de exemplo, na Bíblia é retratado que, quando Jesus visitava a casa de uma
família, Ele repreendeu uma mulher chamada Marta, em razão de sua ansiedade com os
afazeres domésticos.3 O texto não menciona se ela exercia o trabalho de forma remunerada,
mas é suficiente para demonstrar a existência do trabalho doméstico na cultura daquela
época.
É interessante notar que desde os primórdios da humanidade, o trabalho doméstico
está relacionado a situações degradantes e submissas, como é o caso da posição da mulher

3
BÍBLIA, tradução ecumênica. Lucas, 10:38-42. São Paulo: Paulinas, 2002.

187
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

perante o seu esposo e do escravo perante o seu senhor. Verifica-se, com isso, que
culturalmente o doméstico está relacionado como uma classe inferior da sociedade.
Na Roma antiga, a lógica do trabalho escravo permaneceu incólume, mas nessa fase
histórica, a escravidão não era considerada uma forma de exploração ou um caminho para
melhor acumulação de riqueza, mas um elemento essencial para à sociedade. Contudo,
existia a possibilidade de os escravos se libertarem e começarem a trabalhar de forma livre.
Como agradecimento pela sua libertação, os libertos prestavam serviços para os seus antigos
donos e repassavam-lhes parte do valor recebido pelos serviços prestados a terceiros. Uma
das formas de prestação desses serviços era em âmbito doméstico4.
No âmbito doméstico, apesar de o direito Romano ser uma fonte essencial para o
desenvolvimento de noção de trabalho juridicamente protegido e, ser inegável o avanço da
proteção ao trabalhador dessa época, o trabalho doméstico não foi objeto de qualquer
regulamentação.
Mais uma vez é possível verificar o tratamento degradante e humilhante que sempre
foi conferido ao doméstico. Mesmo tendo início um pensamento protetor dos trabalhadores
por parte do Estado, na Roma antiga, o empregado doméstico sequer foi considerado como
possível destinatário de qualquer norma de proteção.
No século XVII, havia várias pessoas que faziam serviços domésticos, como aias,
despenseiros, amas, amas de leite, amas-secas, cozinheiros, secretários, criados, damas de
companhia5.
Após esse período, o trabalho doméstico continuou presente em todos os tipos de
sociedade, até a contemporânea, sendo sempre caracterizado pelo trabalho prestado em
âmbito doméstico sem finalidade lucrativa por parte do empregador. Contudo, a tutela desse
trabalhador, apesar de ter passado por uma certa evolução, não é plenamente eficaz,
conforme será demonstrado a seguir.
No Brasil, surpreendentemente, as Ordenações Filipinas de 1603 trazem diversas
regulamentações para o trabalho doméstico. No início do século XVII, a atividade em torno
do lar era preponderante, com as pessoas mais abastadas contando com numerosos séquitos
de escudeiros, estribeiros, aias, despenseiros, amas, cozinheiros, e não raros secretários e
contadores6.

4
LIMA, Oliveira. A História da Civilização. São Paulo: Melhoramentos, 1922, p. 22.
5
MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do Trabalho Doméstico. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 1.
6
PRUNES, José Luiz Ferreira. Contrato de trabalho doméstico e trabalho a domicílio. São Paulo: Juruá,
1995, p. 18.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A atividade pastoril e agrícola era de tal forma unida ao consumo das populosas casas
que se tornava difícil avaliar qual era o limite da vida privada e doméstica, e da produção de
frutos da terra para o comércio7.
Contudo, aquela minuciosa legislação lusitana não foi observada no Brasil. A
extensão do país, as imensas áreas de muitas propriedades, o isolamento das fazendas e das
lavouras e, principalmente, a estrutura familiar que traduzia grande dependência e
subordinação dos empregados, não permitiu qualquer atenção à referida passagem legal8.
Antes de 1888, o trabalho doméstico no Brasil era exercido preponderantemente por
escravos de origem africana. Por essa razão afirma-se que no Brasil a origem do trabalho
doméstico é nitidamente escravocrata.
Os portugueses traziam os negros africanos de suas colônias na África para utilizar
como mão de obra nos engenhos de açúcar e em minas de ouro. Junto com os escravos
homens, eram traficadas também escravas mulheres, para serem utilizadas nos trabalhos
domésticos, servindo aos senhores que as compravam.
Somente após a abolição da escravatura em 1888 é que começaram as primeiras
manifestações do Direito do Trabalho, de forma ainda tímida, com contornos típicos do
pensamento hegemônico do liberalismo da época.
Mesmo com a abolição da escravatura, as escravas que exerciam a função doméstica
não saíam da casa dos senhores, pois preferiam permanecer como domésticas e ter em troca
um lugar para comer e dormir, ao invés de enfrentar uma sociedade cheia de preconceitos.
Martins ressalta que “[...] com a abolição da escravatura, muitas pessoas que eram
escravas continuaram nas fazendas, em troca de local para dormir e comida, porém na
condição de empregadas domésticas”9.
No decorrer de toda a história do Direito do Trabalho Brasileiro é fácil perceber que o
doméstico sempre assumiu uma posição inferiorizada, tendo em vista que nunca foi tutelado
pelo legislador e demais operadores do Direito com vistas a sua emancipação.
Prova disso nem mesmo a Constituição da República de 1988, considerada a carta
cidadã, conseguiu romper com o estigma discriminatório que acompanha o doméstico. No
artigo 7º, após um extenso rol de direitos sociais, o legislador constituinte cuidou de restringir

7
PRUNES, José Luiz Ferreira. Contrato de trabalho doméstico e trabalho a domicílio. São Paulo: Juruá,
1995, p. 18.
8
PRUNES, José Luiz Ferreira. Contrato de trabalho doméstico e trabalho a domicílio. São Paulo: Juruá,
1995, p. 18.
9
MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do Trabalho Doméstico. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 2.

189
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a aplicabilidade de tais direitos aos domésticos, através do parágrafo único do referido


dispositivo, onde são relacionados alguns parcos direitos aplicáveis a esse trabalhador.
Diante dessa diferenciação, a maioria dos operadores jurídicos considera que,
enquanto não houver a mudança na legislação, o doméstico será destinatário tão somente das
verbas previstas no parágrafo único, do art. 7º, da Carta Constitucional. Todavia, essa
conclusão não é a que resulta da utilização das técnicas e dos princípios constitucionais de
interpretação do ordenamento jurídico, conforme será demonstrado.

3 A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL.

Marcada pelo capitalismo e no auge do processo de globalização, a sociedade


contemporânea apresenta traços diferenciados das formas de organização social que
predominaram em tempos remotos.
Em razão dessa diversidade de interesses, o Direito apresenta um papel fundamental
para a organização e o bem-estar da sociedade moderna. O conjunto de normas que são
produzidas diariamente visa promover a paz social e possibilitar que os cidadãos tenham uma
convivência agradável.
Todavia, a produção legislativa não é suficiente para a completa regulação social. Não
obstante sua função ímpar na estrutura jurídica, a legislação, por si só, não é capaz de
resolver os mais variados conflitos da sociedade moderna, que a cada dia se tornam maiores e
mais complexos.
Arnaldo Silva Júnior observa com peculiaridade que

A ideia de legislação como solução imediata para regulação e controle social,


constantemente esconde outros propósitos da norma, carregados por processos
ideológicos, que simulam uma atmosfera universalista de situações tratadas, quando
na verdade, direcionam-se para um foco bem definido de interesses particulares e
reducionistas de uma classe específica10.

Daí surge à função do intérprete da lei. Ele é responsável por extrair da norma a
solução para o caso concreto que lhe for apresentado. Para isso, não basta apenas aplicar o
texto positivado diante do caso analisado. É necessário um processo intelectivo que leva à
realização do Direito.

10
SILVA JÚNIOR. Arnaldo. A legislação aparente na construção de uma constitucionalização simbólica.
2011. p. 3. Disponível em: <http://www.ribeirosilva.com.br/content/pdf/1410201171346.pdf>. Acesso em 30
jan. 2013.

190
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Luís Roberto Barroso11 ensina que três conceitos são marcos desse processo. A
hermenêutica jurídica, que é responsável pelo estudo e sistematização dos princípios e regras
de interpretação e aplicação do direito. A interpretação, como uma atividade prática de
revelar o conteúdo, o significado e o alcance de uma norma, tendo por finalidade fazê-la
incidir no caso concreto; e a aplicação da norma, que é o momento final do processo
interpretativo, através do qual se dá a efetiva incidência da norma sobre a realidade do fato.
No caso do empregado doméstico, atualmente a legislação que o rege encontra-se
fundamentada no art. 7º, parágrafo único, da Constituição da República de 1988. Por essa
razão, para dirimir os conflitos que envolvem esse tipo de trabalhador, exige-se, em primeiro
lugar, a realização de uma interpretação desse dispositivo constitucional.

3.1 A legislação simbólica que rege o empregado doméstico

A Constituição da República de 1988 representou a formalização jurídica da transição


democrática pela qual passou a sociedade brasileira. Considerada como cidadã, a Carta
Constitucional em vigor, seguindo os passos do Constitucionalismo do início do século XX,
prevê um rol completo, mas não exaustivo, de direitos fundamentais do trabalho12.
Todo o estudo sobre a relação de emprego doméstico passa pela análise do art. 7º,
parágrafo único, da Constituição, que é o fundamento da legislação infraconstitucional que o
regulamenta. Portanto, a primeira ponderação que deve ser feita a seu respeito, antes de ser
iniciado o estudo das técnicas de interpretação da Constituição, é a respeito do seu caráter
simbólico.
A tipologia, legislação simbólica, é proveniente da doutrina alemã, defendida por
Harald Kindermann, tratada no Brasil por Marcelo Neves.
Marcelo Neves13 ensina que é imprescindível a identificação da legislação simbólica
no processo de interpretação, para que ela não se confunda com atos normativos que possuem
uma função de concretização da norma constitucional.
De acordo com Kindermann, a função simbólica de uma legislação está presente
“quando o legislador se restringe a formular uma pretensão de produzir normas, sem tomar

11
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 103.
12
TEODORO, Maria Cecília Máximo; DOMINGUES, Gustavo Magalhães de Paula Gonçalves. Adicionais de
Insalubridade e periculosidade: base de cálculo, cumulatividade e efeitos preventivos e pedagógicos. In: XX
ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI. 20.2011, Belo Horizonte: Anais do Recurso Eletrônico do XX
Encontro Nacional do Conpedi. Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2011, p. 3.270.
13
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 50.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

qualquer providência no sentido de criar os pressupostos para a eficácia, apesar de estar em


condições de criá-los”, ou quando a “produção de textos cuja referência manifesta à realidade
é normativo-jurídica, mas que serve, primária e hipertroficamente, a finalidades políticas de
caráter não especificamente normativo-jurídico”14.
Kindermann propôs um modelo tricotômico para a identificação da legislação
simbólica. Segundo ele, essa legislação pode ser utilizada para confirmar valores sociais,
demonstrar a capacidade de ação do Estado e adiar a solução de conflitos sociais através de
compromissos dilatórios15.
No caso do parágrafo único do art. 7ª constitucional, é possível identificar a presença
desses requisitos.
Até a promulgação da Constituição da República de 1988, essa relação de emprego
era regulamentada pela Lei n. 5.859/72, que assegurava ao trabalhador somente a assinatura
da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), aposentadoria e férias de 20 dias úteis.
Posteriormente, em 1985, a Lei n. 7.418 estendeu aos domésticos o direito ao recebimento do
vale-transporte.
Com a regulamentação da relação de emprego doméstico pela Constituição, foi
confirmado o valor social desse empregado, que passou a ser destinatário de diversos direitos
que antes não lhe eram aplicáveis. Com isso, o Estado demonstrou a sua capacidade de ação
e, consequentemente, adiou uma solução efetiva quanto ao problema social da discriminação
do empregado doméstico.
Portanto, o dispositivo constitucional ora analisado se adéqua, com perfeição, ao
modelo tricotômico de Kindermann e, sem dúvida, traduz-se em uma legislação simbólica.
Outro filósofo alemão que trabalha a questão da legislação simbólica é Michael
Foucault, ao desenvolver sua teoria sobre a biopolítica.
Segundo Foucault, a legislação simbólica não possui normatividade, ou seja, a
capacidade de se fazer valer, uma vez que ela reflete tão somente uma forma de exercício dos
mecanismos de poder, através da criação de discursos de verdade.

Temos que produzir a verdade como, afinal de contas, temos de produzir riquezas.
E, de outro lado, somos igualmente submetidos à verdade, no sentido de que a

14
KINDERMANN, Harald. apud NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins
Fontes, 2007, p. 32
15
LOPES, Fernanda Ravazzano Azevedo. O conceito não revelado e as funções não declaradas da
ressocialização: a resposta garantista à manipulação da linguagem. 2009. 244fls. (Dissertação de Mestrado em
Direito). Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-Gradução em Direito Público, Bahia, 2009. p. 76.
Disponível em http://www.bibliotecadigital.ufba.br/tde_arquivos/17/TDE-2010-05-24T064553Z-
1652/Publico/FRavazzano%20seg.pdf. Acesso em 14 dez. 2012.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

verdade é a norma; é o discurso verdadeiro que, ao menos em parte, decide; ele


veicula, ele próprio propulsa efeitos de poder16.

Com isso, a produção de discursos de verdade é contínua, e o papel que a norma


desenvolve nesse contexto é significativo nos dias atuais.
A crença na norma, a ideia de que o que a lei diz é uma verdade em si mesma, é um
pensamento de senso comum que permeia cotidianamente a sociedade moderna. Esse
potencial que se traduz em um discurso de verdade contido na norma é a essência da força
indutora que utiliza a legislação simbólica17.
Arcelo e Gontijo18, analisando a teoria de Foucault, afirmam que as normas
simbólicas servem à violação de direitos fundamentais justamente porque produzem o efeito
de declarar que esses direitos existem e devem ser reconhecidos. Contudo, apesar de
declaradas, as normas simbólicas se caracterizam pela baixa normatividade.
Nesse contexto, o parágrafo único, do art. 7º, da Constituição de 1988, foi instituído
para demonstrar a sintonia do governo e dos legisladores com as causas do doméstico.
Entretanto, é uma norma totalmente ineficaz, pois não minimiza os problemas sociais
causados pela discriminação desse trabalhador. Ao contrário, aumenta seu desconforto
perante a sociedade que o discrimina respaldada no próprio ordenamento jurídico.
Em verdade, apesar da Constituição de 1988 ter aumentado o número de direitos
assegurados ao doméstico, o parágrafo único do art. 7º, se analisado especificamente, trata-se
de uma mera legislação simbólica. O discurso de proteção ao empregado doméstico contido
na norma traduz um mecanismo de poder exercido pelo Estado que tenta dar uma resposta à
sociedade, mas, na verdade, assegura muito mais o interesse do empregador doméstico,
prezando pela acumulação de riquezas, em detrimento dos direitos fundamentais do
trabalhador.

3.2 A Nova Interpretação Constitucional como resposta à legislação simbólica

Diante desse simbolismo do texto constitucional que rege o doméstico, é necessário


realizar uma interpretação constitucional que afaste esse caráter da norma e dê efetividade

16
FOUCAULT, Michel. Em defesa da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 29.
17
SILVA JÚNIOR. Arnaldo. A legislação aparente na construção de uma constitucionalização simbólica.
Disponível em <http://www.ribeirosilva.com.br/content/pdf/1410201171346.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2013.
18
ARCELO, Adalberto Antônio Batista; GONTIJO, Lucas de Alvarenga. A Biopolítica nos Estados
Democráticos de Direito: a reprodução da subcidadania sob a égide da constitucionalização simbólica. Belo
Horizonte, 2011, p. 10.

193
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

aos direitos fundamentais desse trabalhador, enquanto não se produz uma alteração no texto
constitucional.
Inicialmente, convém destacar que a Constituição é composta por normas que
possuem várias peculiaridades. Para ser realizada uma interpretação constitucional eficaz,
primeiramente é necessário conhecê-las.
As normas constitucionais possuem superioridade jurídica no ordenamento positivado
de um Estado. É essa superioridade que confere o caráter paradigmático e subordinante de
todo o ordenamento, de sorte que nenhum ato jurídico pode subsistir validamente no âmbito
do Estado se contravier seu sentido19.
Além disso, as normas constitucionais possuem um caráter político. A propósito, a
Constituição materializa a tentativa de conversão do poder político em poder jurídico. Assim,
por mais técnica e apegada ao direito que possa e deva ser, a jurisdição constitucional jamais
se libertará de uma dimensão política. Com isso, não é possível neutralizar inteiramente a
interferência de fatores políticos na interpretação constitucional20.
A Constituição contém, ainda, uma força normativa que estimula e coordena as
relações entre os cidadãos e o Estado, e dentre eles. Ela possui, por si só, eficácia jurídica,
conforme atesta de modo expressivo a moderna doutrina da hermenêutica constitucional,
cujas teses são reiteradamente adotadas pela jurisprudência21.
Contudo, essa eficácia das normas constitucionais não se produz sem a cooperação da
vontade humana. Desse modo, os operadores do Direito devem caminhar de forma a alcançar
cada vez mais a concretização dos direitos fundamentais, conforme proposto por Konrad
Hesse já nos idos de 1959 e destacado, na doutrina pátria, por Paulo Bonavides22.
Hesse leciona que a interpretação constitucional tem significado decisivo para a
consolidação e preservação da força normativa da Constituição. Para ele, a interpretação

19
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 107.
20
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 110.
21
TEODORO, Maria Cecília Máximo; DOMINGUES, Gustavo Magalhães de Paula Gonçalves. Adicionais de
Insalubridade e periculosidade: base de cálculo, cumulatividade e efeitos preventivos e pedagógicos. In: XX
ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI. 20.2011, Belo Horizonte: Anais do Recurso Eletrônico do XX
Encontro Nacional do Conpedi. Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2011, p. 3.270.
22
TEODORO, Maria Cecília Máximo; DOMINGUES, Gustavo Magalhães de Paula Gonçalves. Adicionais de
Insalubridade e periculosidade: base de cálculo, cumulatividade e efeitos preventivos e pedagógicos. In: XX
ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI. 20.2011, Belo Horizonte: Anais do Recurso Eletrônico do XX
Encontro Nacional do Conpedi. Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2011, p. 3.270.

194
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

adequada é aquela que consegue concretizar o sentido da norma em face de um fato


concreto23.
Por tal razão, a interpretação constitucional deve sempre buscar a concretização da
norma, o que não pode ser alcançado tão somente no tradicional método da subsunção lógica
ou na construção conceitual24.
Luís Roberto Barroso25 ensina que além dos três conceitos utilizados no itinerário
intelectivo que leva à realização do direito (hermenêutica jurídica, ou seja, a interpretação e a
aplicação da norma), mencionados acima, a interpretação constitucional exige a especificação
de outro conceito relevante, que é o da construção.
Uma Constituição, por sua natureza, contém predominantemente normas de princípio
ou esquema, com grande caráter de abstração. Assim, a construção da norma constitucional
significa “tirar conclusões a respeito de matérias que estão fora e além das expressões
contidas no texto e dos fatores nele considerados”26.
Realizar a construção de normas constitucionais é chegar a conclusões colhidas no
espírito da norma e não na sua literalidade, recorrendo-se, inclusive, a considerações que
estão fora do texto normativo.
Para se alcançar tal objetivo é necessária a adoção de alguns métodos de interpretação
constitucional, que serão abordadas nos itens a seguir.

3.2.1 Os métodos clássicos de interpretação constitucional

Os métodos clássicos de interpretação remontam ao magistério de Savigny que, em


sua obra Sistema, de 1840, distinguiu, em terminologia moderna, os métodos gramatical,
sistemático e histórico. Posteriormente, uma quarta perspectiva foi acrescentada, que foi a
interpretação teleológica27.

23
SOUZA, Josafá Jorge de. A força normativa da Constituição – Konrad Hesse (resenha). 2005, p. 1.
Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus. php?pagina=artigos&id=350&idAreaSel=
16&seArt=yes>. Acesso em: 14 dez. 2012.
24
TEODORO, Maria Cecília Máximo; DOMINGUES, Gustavo Magalhães de Paula Gonçalves. Adicionais de
Insalubridade e periculosidade: base de cálculo, cumulatividade e efeitos preventivos e pedagógicos. In: XX
ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI. 20.2011, Belo Horizonte: Anais do Recurso Eletrônico do XX
Encontro Nacional do Conpedi. Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2011, p. 3.270.
25
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 103.
26
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 104.
27
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 124.

195
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Existe um consenso doutrinário de que a interpretação é una, muito embora haja a


existência de uma pluralidade de elementos que devem ser tomada em consideração. Nenhum
método deve ser absolutizado: os diferentes meios empregados ajudam-se uns aos outros,
combinando e controlando-se reciprocamente28.
Para o método gramatical, a interpretação jurídica deve partir do texto da norma, da
revelação do conteúdo semântico das palavras. Através desse tipo de interpretação,
compreende-se o sentido possível das palavras, que é o limite da própria interpretação.
Por vezes, não é necessário ir além da letra e do sentido evidente do texto. Contudo, o
intérprete não pode estancar sua linha de raciocínio na interpretação literal.
No caso do doméstico, é muito comum ser realizada apenas a interpretação gramatical
do texto constitucional, o que assegura a esse trabalhador tão somente as verbas que estão
expressamente elencadas no parágrafo único, do art. 7º, da Constituição da República de
1988.
Todavia, conforme já exposto, nenhum dos métodos interpretativos deve ser adotados
de forma individualizada. Além disso, a função do intérprete é sempre encontrar a melhor
solução para o conflito, aplicando o melhor do Direito, razão pela qual a adoção simples do
método gramatical não é suficiente para uma conclusão sobre os direitos dos domésticos.
A interpretação histórica, por sua vez, consiste na busca do sentido da lei através dos
precedentes legislativos e dos trabalhos preparatórios. Esse esforço retrospectivo para revelar
a vontade histórica do legislador pode incluir não só a revelação de suas intenções quando da
edição da norma, mas também a especulação sobre qual seria a sua vontade se ele estivesse
ciente dos fatos e ideias contemporâneos29.
A interpretação sistemática é fruto da ideia de unidade do ordenamento jurídico.
Através dela, o intérprete situa o dispositivo a ser interpretado dentro do contexto normativo
geral e particular, estabelecendo as conexões internas que enlaçam as instituições e normas
jurídicas30.
Por fim, o método teleológico procura revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídico
visado pelo ordenamento jurídico com a edição de dado preceito. A Constituição de 1988, em
seu Título I, dedicado aos princípios fundamentais, abriu um artigo específico, art. 3º 31, para

28
FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis. Coimbra: Arménio Amado, 1987, p. 131.
29
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 124.
30
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 136.
31
Art 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I. Construir uma sociedade livre, justa e solidária.

196
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

as finalidades do Estado brasileiro, cuja consecução deve figurar como vetor interpretativo de
toda a atuação estatal.
Portanto, ao realizar a interpretação de qualquer texto legal ou constitucional, o
intérprete deve ter como ponto de partida o art. 3º, da Constituição.
Não existe, a rigor, nenhuma hierarquia predeterminada entre tais métodos de
interpretação, nem um critério rígido de desempate. A tradição romano-germânica, todavia,
desenvolveu algumas diretrizes32 que são úteis ao intérprete.
Em primeiro lugar, a atuação do intérprete deve conter-se sempre dentro dos limites e
possibilidades do texto legal. A interpretação gramatical não pode ser inteiramente
desprezada. Em segundo lugar, os métodos objetivos, como o sistemático e o teleológico, têm
preferência sobre o método tido como subjetivo, que é o histórico. A análise histórica
desempenha um papel secundário, suplementar na revelação do sentido da norma33.
Dada a diversidade da sociedade contemporânea e dos conflitos sociais, os métodos
clássicos de interpretação nem sempre conseguem extrair o melhor do direito do texto legal.
Com isso, vários estudos são realizados e novos critérios e princípios que orientam o
intérprete são criados a cada dia.
Saliente-se que os métodos clássicos não são desprezados pela doutrina moderna,
todavia, novas técnicas foram criadas para auxiliá-los no momento da interpretação
constitucional.

3.2.2 Os princípios de interpretação constitucional

Para a doutrina moderna, a interpretação constitucional deve iniciar-se pela análise


dos próprios princípios constitucionais, que são “o conjunto de normas que espelham a
ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus afins”34.

II. Garantir o desenvolvimento nacional.


III. Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
IV. Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
32
OLIVEIRA. Fábio Corrêa Souza. Por uma teoria dos princípios: o princípio constitucional da razoabilidade.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 200.
33
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 126.
34
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 151.

197
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A generalidade, abstração e capacidade de expansão dos princípios permite ao


intérprete, muitas vezes, superar o legalismo estrito e buscar no próprio sistema a solução
mais justa para o caso em análise.
Luís Roberto Barroso35 ressalta alguns princípios básicos que estão relacionados com
a prática de interpretação da Constituição, dos quais o intérprete não pode se afastar, e que
serão abordados nos itens a seguir.

3.2.2.1 Princípio da supremacia da Constituição

O primeiro deles é o princípio da supremacia da Constituição, segundo o qual nenhum


ato jurídico e nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente se for
incompatível com a Carta Magna.
A Constituição, como fruto de um poder constituinte, está situada no topo do
ordenamento jurídico, servindo de fundamento de validade para todas as demais normas.
Essa superlegalidade da Constituição pode ser verificada sob o prisma formal e
material. Formalmente, a Carta Fundamental é a fonte primária da produção normativa,
ditando competências e procedimentos para a elaboração dos atos normativos inferiores 36.
Sob o prisma material, a superlegalidade da Constituição subordina o conteúdo de
toda a atividade normativa estatal à conformidade com os princípios e regras da
Constituição37.
A inobservância dessas prescrições formais e materiais deflagra um mecanismo de
proteção da Constituição, denominado de controle de constitucionalidade.
No tocante à relação de emprego doméstico faz-se necessária uma interpretação que
leve em conta a supremacia da Constituição e de seus princípios fundamentais, a fim de se
garantir ao trabalhador uma efetiva tutela dos seus direitos. A análise dessa
constitucionalidade, nesse trabalho, será realizada o estudo de cada um dos direitos aplicáveis
ao doméstico.

35
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 161.
36
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 164.
37
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 164.

198
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

3.2.2.2 Princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder


Público

Um dos fundamentos sobre os quais se assenta o Estado constitucional de direito é a


divisão ou separação de Poderes. Embora seja reservado ao Judiciário o papel de intérprete
qualificado das leis, os Poderes se situam em plano de igualdade e os atos de cada um deles
nascem com presunção de validade.
Contudo, essa presunção é relativa, pois pode ser infirmada pela declaração em
sentido contrário do órgão jurisdicional competente.
Luís Roberto Barroso38 ensina que, em uma visão prática, o princípio se traduz em
duas regras de observância imprescindível pelo intérprete, quais sejam:

a) Não sendo evidente a inconstitucionalidade, havendo dúvida ou a possibilidade de


razoavelmente se considerar a norma como válida, deve o órgão competente
abster-se da declaração de inconstitucionalidade.
b) Havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade
da norma com a Constituição, em meio a outras que carreavam para ela um juízo
de invalidade, deve o intérprete optar pela interpretação legitimadora, mantendo o
preceito em vigor.

Essa segunda regra, na verdade, trata-se de um princípio autônomo denominado


Princípio da Interpretação conforme a Constituição, que será analisado a seguir.
Quanto ao doméstico, será visto nos próximos capítulos, que é possível aplicar-lhes
várias normas infraconstitucionais sem que isso afronte o texto da Carta Maior, pois é
perfeitamente possível uma interpretação que se amolda com a Constituição sem retirar
direitos desse trabalhador.

3.2.2.3 Princípio da Interpretação conforme a Constituição

Um princípio de interpretação da Constituição muito utilizado na análise da relação de


emprego doméstico é o princípio da interpretação conforme a Constituição.

38
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 178.

199
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Por esse princípio prega-se que quando existirem interpretações plausíveis e


alternativas para um texto legal, que permita compatibilizá-lo com a Constituição, tal norma
não deve ser declarada inconstitucional. “Cuida-se da escolha de uma linha de interpretação
de uma norma legal, em meio a outras que o texto comportaria.”39
Contudo, esse princípio possui vários desdobramentos que vão além de seu conceito
originário. Um deles é que é necessário buscar uma interpretação que não seja a que decorra
da leitura mais óbvia do dispositivo e, ainda, é de sua natureza excluir a interpretação que
contravenha à Constituição.
Luís Roberto Barroso40 extrai quatro elementos que decorrem do princípio da
interpretação conforme a Constituição, quais sejam:

a) Trata-se da escolha de uma interpretação da norma legal que a mantenha em


harmonia com a Constituição, em meio a outras possibilidades interpretativas que
o texto admita.
b) Essa interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma, que não é o
que ressalta de forma mais evidente do texto legal.
c) Procede-se a uma exclusão expressa de outras interpretações possíveis, que
conduziriam a resultado contrastante com a Constituição.
d) Consequentemente, a interpretação conforme a Constituição torna-se um meio de
controle de constitucionalidade pelo qual se declara legítima uma determinada
leitura da norma.

Nesse mesmo sentido, Jorge Miranda ressalta que:

A interpretação conforme a Constituição não consiste tanto em escolher entre vários


sentidos possíveis e normais de qualquer preceito, o que seja mais conforme com a
Constituição, quanto em discernir no limite – na fronteira da inconstitucionalidade –
um sentido que, conquanto não aparente ou não decorrente de outros elementos de
interpretação, é o sentido necessário e que se torna possível por virtude da forma
conformadora da Lei Fundamental. 41

No entanto, esse esforço interpretativo para preservar a lei em face da Constituição


encontra limites, pois não é possível ao intérprete torcer o sentido das palavras nem adulterar

39
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 189.
40
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 189.
41
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2. ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 1983, p. 233.

200
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

a clara intenção do legislador, ou seja, para salvar a lei, não é admissível uma interpretação
contra legem.42
No caso do doméstico, esse tipo de interpretação é muito aplicável quando da análise
de seus direitos. Quando o legislador constituinte estende a esse trabalhador alguns direitos
específicos, a maioria deles possui uma lei infraconstitucional que a regula.
Tal legislação infraconstitucional, quando interpretada conforme a Constituição torna-
se completamente aplicável ao doméstico e permite que a ele seja assegurado vários direitos
que não poderiam ser a ele estendidos, caso não fosse usado esse método interpretativo.
Esse tipo de interpretação permite que o doméstico seja destinatário de direitos que
normalmente não lhe são assegurados pela doutrina majoritária e positivista. Tal
interpretação se coaduna com os objetivos do Estado Democrático de Direito Brasileiro
previstos no art. 3º da Carta Constitucional, acima mencionados.

3.2.2.4 Princípio da unidade da Constituição

A Constituição é que confere unidade e um caráter sistemático ao ordenamento


jurídico. Muito embora exista uma pluralidade de domínios que a abrange, a ordem jurídica
constitui uma unidade, que é conferida pela Constituição, como norma fundamental que é.
A ideia de unidade da ordem jurídica se irradia a partir da Constituição e sobre ela
também se projeta.
Contudo, existe uma pluralidade de concepções que emanam da Constituição. Por
essa razão, é imprescindível a unidade na interpretação para se assegurar o caráter sistemático
do ordenamento jurídico.
Nas palavras de Luís Roberto Barroso, “a Constituição não é um conjunto de normas
justapostas, mas um sistema normativo fundado em determinadas ideias que configuram um
núcleo irredutível, condicionante da inteligência de qualquer de suas partes”43.
A decorrência mais importante do princípio da unidade da Constituição, que é
aplicável a este estudo, é que nenhuma disposição constitucional pode ser interpretada a
partir de si mesma, uma vez que ela deve manter uma conexão de sentido com os demais
preceitos da própria Constituição.

42
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 192.
43
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 196.

201
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Tal decorrência é valiosa nos estudos dos direitos do empregado doméstico. A


propósito, o parágrafo único do art. 7º não pode ser interpretado de forma restritiva, para
limitar ao trabalhador doméstico a percepção somente das normas que ali estão previstas. Ao
revés, ele deve ser analisado considerando todos os princípios e objetivos emanados do
próprio texto constitucional.

O princípio da unidade é uma especificação da interpretação sistemática, e impõe


ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas. Deverá
fazê-lo guiado pela grande bússola da interpretação constitucional: os princípios
fundamentais, gerais e setoriais inscritos ou decorrentes da Lei Maior44.

O art. 1º, do texto constitucional estabelece que a dignidade da pessoa humana


constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Dentre os objetivos
fundamentais encontra-se a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme
previsto em seu art. 3º, inciso I.
Nesse sentido, o professor Jorge Luiz Souto Maior salienta que o constituinte
originário utilizou o verbo “construir” para reconhecer que esse objetivo ainda não foi
alcançado, sendo essencial, portanto que se utilize o instrumento jurídico na perspectiva de
ampliação constante de direitos45.
Ainda no texto constitucional, está previsto no art. 5º que todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza. Essa igualdade perante o direito social não pode se
limitar a um sentido meramente formal, servindo tão somente para mascarar um tratamento
privilegiado, ou discriminatório, que se dá a pessoas de níveis sociais diversos46.
Procedendo-se a esse tipo de interpretação é possível extrair o entendimento de que o
rol de direitos previsto no parágrafo único, do art. 7º constitucional é meramente
exemplificativo, pois se assim não for, o doméstico ficará tolhido de perceber direitos
fundamentais dos trabalhadores, o que confronta todo o espírito da Carta Constitucional de
1988 e contradiz o princípio ora analisado.

44
BARROSO. Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 196.
45
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de Direito do Trabalho: A relação de emprego. vol. II. São
Paulo: LTr, 2008, p. 261.
46
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de Direito do Trabalho: A relação de emprego. vol. II. São
Paulo: LTr, 2008, p. 261.

202
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

3.2.2.5 Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade

O princípio da razoabilidade tem sua origem e desenvolvimento ligado à garantia do


devido processo legal. Trata-se de um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para
aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a
justiça.
Essa razoabilidade deve ser aferida, em primeiro lugar, dentro da lei. É a chamada
razoabilidade interna, que prega a existência de uma relação racional e proporcional entre
seus motivos, meios e fins47.
Havendo a razoabilidade interna da lei, é preciso verificar a razoabilidade externa da
lei, isto é: sua adequação aos meios e fins admitidos e pregados pelo texto constitucional.
Consequentemente, se a lei contravier valores expressos ou implícitos na Lei Maior, não será
legítima nem razoável à luz da Constituição, ainda que o seja internamente48.

3.2.3 A teoria da sociedade aberta de Peter Habërle

Além dos princípios que orientam o intérprete da Constituição, várias teorias foram
criadas pelos estudiosos da matéria para auxiliar no processo de interpretação. Nesse sentido
é a doutrina do alemão Peter Habërle, que desenvolveu a teoria da sociedade aberta.
Segundo essa doutrina, no processo de interpretação e aplicação da norma deve ser
levado em conta todos os potenciais atores sociais, participantes materiais do fenômeno
social, para aproximar a norma da realidade. Através dessa ampliação do rol dos participantes
no processo de interpretação é possível uma maior concretização da norma constitucional49.
Habërle busca garantir um acesso maior das classes menos favorecidas ao texto
constitucional, como meio de efetivação de decisões mais justas e soluções mais adequadas
aos problemas.
Condena o jurista, diante da constatação da insuficiência das técnicas tradicionais de
interpretação, uma hierarquização entre os intérpretes da Constituição e a defesa de que a
interpretação é função privativa estatal. Assim, todos aqueles que se submetem à

47
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de Direito do Trabalho: A relação de emprego. vol. II. São Paulo: LTr,
2008, p. 262.
48
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de Direito do Trabalho: A relação de emprego. vol. II. São Paulo: LTr,
2008, p. 261.
49
TEODORO, Maria Cecília Maximo. As cláusulas gerais concretizam a sociedade aberta de Peter Haberle.
Nov. 2009. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/14309/as-clausulas-gerais-concretizam-a-sociedade-
aberta-de-peter-haberle. Acesso em 20 jan. 2013.

203
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Constituição e seus efeitos, são convocados a participar de sua interpretação, de forma


comissiva ou omissiva.
O intérprete consciente de seu pré-julgamento, ao analisar o caso concreto deve levar
em consideração os princípios trazidos na Constituição, e permitir uma maior participação da
sociedade no processo de interpretação, pois somente a partir dessa postura se conseguirá, de
fato, concretizar a norma trabalhista, afastando o simbolismo da legislação que rege o
empregado doméstico50.
O efeito decorrente dessa interpretação constitucional é a equiparação dos direitos do
empregado doméstico com os típicos empregados, ou seja, respeitando as suas verdadeiras
peculiaridades.

4 DA AMPLIAÇÃO DE DIREITOS AO EMPREGADO DOMÉSTICO

Diante do que foi até aqui exposto, é possível perceber que o doméstico é um
trabalhador discriminado e que o tratamento que lhe é conferido pela legislação, pela doutrina
e pela jurisprudência majoritárias não condiz com os objetivos e os princípios de um Estado
Democrático de Direito.
A ampliação dos direitos dos domésticos é uma medida que deve ser adotada com
urgência. Para isso, não é necessária qualquer alteração legal, bastando tão somente uma
interpretação constitucional voltada para a questão social, tão cara ao Direito do Trabalho.
Neste capítulo, será defendida a equiparação de seus direitos com os direitos dos
típicos empregados e serão demonstradas as formas pelas quais ela pode ser alcançada. Nesse
viés, já existem normas internacionais que estabelecem a igualdade de direitos dos
empregados domésticos e, no cenário nacional, projetos estão em andamento no Congresso
Nacional na tentativa de fazer ingressar, no ordenamento jurídico positivado, normas mais
benéficas a esse trabalhador.

4.1 Equiparação com os empregados urbanos e rurais

Considerando tudo o que foi exposto ao longo deste trabalho, não restam dúvidas de
que o doméstico é um trabalhador altamente discriminado. Para romper com essa

50
MENDES, Gilmar; VALE, André Rufino do. A influência do pensamento de Peter Haberle no STF. Abril
2009. Disponível em http://www.conjur.com.br/2009-abr-10/pensamento-peter-haberle-jurisprudencia-
supremo-tribunal-federal. Acesso em 20 jan. 2013.

204
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

discriminação, o operador do Direito deve assumir uma postura mais ativa, que atenda aos
preceitos dos direitos humanos fundamentais, cerne de toda a principiologia e dos objetivos
do Direito do Trabalho.
Para isso, é preciso o uso de novos métodos de interpretação das normas, lastreados
no juízo crítico, na pré-compreensão e no uso da argumentação51.
Com o uso de tais métodos, é possível reinterpretar o art. 7º, parágrafo único, da
Constituição de 1988, a Lei nº 5.859/72 e os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais
atinentes ao direito dos domésticos, conforme já exposto.
Entretanto, não obstante ser possível essa interpretação, infelizmente tal orientação
não é a adotada pela maioria da doutrina e da jurisprudência. Em razão do direito positivado,
o doméstico fica à mercê de um tratamento discriminatório e é relegado a uma condição de
inferioridade, que é refletida na sua vida pessoal e na sociedade.
Atentando-se para tal problemática, atualmente crescem as tentativas de inserir no
ordenamento jurídico normas expressas, que melhorem as condições de trabalho do
empregado doméstico. Em âmbito internacional, foi aprovada a Convenção 189, da OIT
(Organização Internacional do Trabalho), que equipara os direitos do doméstico aos dos
demais empregados.
No Brasil, antes mesmo da aprovação da Convenção Internacional citada, já estava
em andamento, no Congresso Nacional, o Projeto de Emenda Constitucional nº 478/2012 que
possui o mesmo objetivo de equiparar os direitos dos domésticos àqueles assegurados aos
típicos empregados.
De fato, a equiparação dos direitos do empregado doméstico com os dos demais
empregados é uma medida imprescindível, para fins de sedimentar o entendimento protetivo,
tão caro ao Direito do Trabalho, e assegurar a esse trabalhador o patamar mínimo de
dignidade, de forma positivada.

4.2 A Convenção 189 da OIT, sua aplicabilidade no direito brasileiro e a PEC


478/2010

51
LOPES, Fernanda Ravazzano Azevedo. O conceito não revelado e as funções não declaradas da
ressocialização: a resposta garantista à manipulação da linguagem. 2009. 244fls. (Dissertação de Mestrado em
Direito). Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-Gradução em Direito Público, Bahia, 2009.
Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufba.br/tde_arquivos/17/TDE-2010-05-24T064553Z-
1652/Publico/FRavazzano%20seg.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2012.

205
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Inobstante a suficiência das normas constitucionais brasileiras em vigor para a


efetivação da dignidade do empregado doméstico, a Organização Internacional do Trabalho
se preocupou com as condições desse trabalhador no mundo todo.
Com início em 1919, na Conferência de Paz que aprovou o Tratado de Versalhes, a
OIT, que é uma agência especializada da ONU (Organização das Nações Unidas), cuja
finalidade principal reside na atuação legislativa internacional, criando normas que
regulamentam as relações de trabalho em nível mundial.
Em 1º de Junho de 2011, na cidade de Genebra, ocorreu a 100ª sessão da Conferência
Geral da Organização Internacional do Trabalho, que teve como resultado de uma de suas
discussões a Convenção sobre os Trabalhadores Domésticos.
Com o intuito de complementar a referida Convenção, adotou-se, no dia 16 de junho
de 2012, a Recomendação nº 201, que é denominada como a Recomendação sobre os
trabalhadores domésticos.
A Convenção sobre os Trabalhadores Domésticos é a de número 189 e estabelece a
equiparação dos direitos domésticos com os direitos dos demais empregados.
Dentre os direitos estendidos, podem-se mencionar as horas de trabalho razoáveis, o
descanso semanal remunerado de pelo menos 24 horas consecutivas, um limite aos
pagamentos em espécie, a obrigatoriedade de informações claras sobre os termos e condições
de emprego e o respeito aos princípios e aos direitos fundamentais no trabalho, incluindo a
liberdade sindical e o direito de negociação coletiva.
Ao analisar o preâmbulo da Convenção nº 189, percebe-se claramente que a condição
discriminatória vivenciada pelos empregados domésticos foi um dos fatores que levou à sua
elaboração, o que demonstra que tal situação não é uma peculiaridade brasileira, mas sim um
problema enfrentado mundialmente.
De acordo com os procedimentos da OIT, a Convenção nº 189 tem sua vigência
atrelada à ratificação de dois Estados Membros, e só assim produzirá seus efeitos, depois de
decorridos doze meses52.
Em 14 de junho de 2012, a Convenção foi ratificada pelo Uruguai, sendo necessária, a
partir de então, apenas a ratificação de mais um Estado para entrar em vigor.

52
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Passos para a ratificação da convenção nº 189
sobre as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos. Notas OIT – O Trabalho Doméstico na América
Latina e Caribe. 2011. Disponível em:< http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic
gender/pub/notas_oit_%208_797.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2012.

206
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Não decorreu muito tempo para que a referida Convenção fosse ratificada por outro
país. Dessa feita, em 05 de setembro de 2012, as Filipinas foram o segundo país a ratificar a
Convenção sobre o trabalho doméstico.
Assim, essa Convenção, a primeira norma mundial dirigida aos trabalhadores
domésticos, entrará em vigor em doze meses, ou seja, em 05 de setembro de 2013, ficando
aberta aos outros Estados Membros para que efetuem a ratificação e, assim, aumente sua
abrangência no cenário internacional, favorecendo o maior número de trabalhadores
domésticos possível.
A referida Convenção foi assinada pelo Brasil em Genebra. Contudo, até a presente
data, não foi ratificada.
O início desse processo de ratificação é realizado por meio do envio de um projeto de
lei ao Congresso Nacional por parte do Poder Executivo. No Brasil, projetos dessa natureza
são conduzidos pelos Ministérios do Trabalho e das Relações Exteriores. Atualmente, o
Ministério do Trabalho e Emprego brasileiro já iniciou os estudos para a ratificação da
Convenção 189 da OIT, mas ainda não enviou o projeto de emenda constitucional ao Poder
Legislativo53.
Antes de ser assinada a Convenção na OIT, o Brasil já estava tomando providências
para estender aos domésticos os direitos trabalhistas assegurados aos demais empregados.
De autoria da Deputada Benedita Barbosa (ex-empregada doméstica), o Projeto de
Emenda Constitucional nº 478/2012 tramita no Congresso Nacional desde 14 de abril de
2010. O referido projeto visa revogar o parágrafo único do art. 7º da Constituição da
República de 1988, para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os empregados
domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais.
Após ser aprovada pelas comissões da Câmara dos Deputados, em 04 de dezembro de
2012, a referida PEC (Projeto de Emenda Constitucional) também foi aprovada no segundo
turno de votação pelo Plenário da casa, sendo remetida ao Senado Federal em 13 de
dezembro de 201254, onde também deveria ser aprovada em dois turnos para, depois, ser
enviado ao chefe do Poder Executivo para sanção ou veto. Só depois de findo todo esse
processo legislativo é que a equiparação dos direitos dos domésticos será introduzida no
53
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Passos para a ratificação da convenção nº 189
sobre as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos. Notas OIT – O Trabalho Doméstico na América
Latina e Caribe. 2011. Disponível em:
<http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topicgender/pub/notas_oit_%208_797.pdf>. Acesso em: 14 dez.
2012.
54
BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Projetos de Lei e outras preposições: PEC 478/2010. Disponível em: <
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposica=47349
6>. Acesso em: 14 dez. 2012.

207
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

ordenamento jurídico brasileiro, de forma positivada.


Muito se tem discutido sobre a aprovação dessa Emenda Constitucional em relação
aos seus efeitos sobre o mercado de trabalho do doméstico. A mídia tem se encarregado de
transmitir à sociedade brasileira a preocupação do empregador doméstico em relação ao
aumento dos custos que ele sofrerá para manter esse trabalhador.
Ocorre que a equiparação dos direitos do doméstico tende a gerar apenas efeitos
positivos. Para o empregado, ocorrerá uma maior valorização de seu trabalho e, o que é
melhor: será rompido o estigma discriminatório que o acompanha desde a sua origem. Com
isso, ele terá benefícios em todas as áreas da sua vida.
Com o seu trabalho devidamente regulamentado, o empregado doméstico terá mais
proteção a sua saúde, uma vez que a sua jornada de trabalho será regulamentada e seus
descansos serão assegurados. Assim, a sua saúde ficará mais protegida. Por outro lado, a
forma como passará a ser encarado pela sociedade mudará, ainda que a longo tempo, pois
não existirá mais suporte jurídico para práticas discriminatórias, como ocorre atualmente.
Além disso, o empregado doméstico terá mais tempo para dedicar-se ao convívio
social e, em razão do alargamento do rol dos seus direitos, eles se tornarão consumidores
mais ativos, o que gerará reflexos na economia nacional.
No tocante ao empregador, com a mudança que está sendo proposta, ele poderá exigir
do trabalhador uma melhor qualificação, uma vez que esse empregado se tornará mais
valorizado no mercado de trabalho. Com isso, a prestação dos serviços será mais bem
realizada pelo empregado e a satisfação do empregador também tenderá a aumentar.
Quanto ao mercado de trabalho, inicialmente o número de informalidades pode até
aumentar. Contudo, os serviços domésticos são cada vez mais necessários na vida dos
brasileiros. A mulher moderna já não mais se dedica exclusivamente às atividades do lar,
sendo imprescindível a presença de uma pessoa que possa, ao menos, auxiliar-lhe nesses
serviços. Assim, a necessidade do trabalho doméstico em confronto com a valorização do
empregado não deixará que o mercado de trabalho fique prejudicado.
Para a sociedade, o benefício será incontável, pois deixará de existir no seio social um
tipo de trabalhador que seja “inferior” aos demais. Tal fato gerará um sentimento social de
proteção e de dignificação do trabalhador. Além disso, esse empregado será menos suscetível
de ser portador de doenças ocupacionais e, com isso, o número de concessão de benefícios
previdenciários também será reduzido.
É certo que inicialmente toda mudança requer adaptações. Não foi diferente quando
houve a equiparação dos direitos dos empregados avulsos e dos rurais. Mas passado esse

208
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

período inicial, os benefícios da igualdade de tratamento dos domésticos com os demais


empregados poderão ser vistos por todos, por vários ângulos de análise, o que irá de encontro
com todos os princípios constitucionais e com os objetivos da República Federativa do
Brasil, expostos neste trabalho.
Ainda que a equiparação dos direitos dos domésticos já seja possível por meio da
adoção de uma nova interpretação constitucional, não se pode negar os benefícios trazidos
pela a positivação dessa igualdade de tratamento.
Contudo, com a inserção dessa regra no ordenamento jurídico, certamente as
discussões sobre os direitos dos domésticos não cessarão, pois sempre haverá o confronto
entre o capital e o trabalho. De um lado, o capital sempre fará uma interpretação restritiva
desses direitos e, por outro lado, aqueles que se preocupam com a efetiva concretização do
Direito lutarão pela igualdade dos direitos desses trabalhadores. Entretanto, o mais
importante é nunca cessar a luta por melhores condições de trabalho e pela dignificação do
trabalhador.

209
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

REFERÊNCIAS

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Estados Democráticos de Direito: a reprodução da subcidadania sob a égide da
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uma dogmática constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva,
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BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Projetos de Lei e outras preposições: PEC 478/2010.
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<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposica=473496>.
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LIMA, Oliveira. A História da Civilização. São Paulo: Melhoramentos, 1922, 148p.

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declaradas da ressocialização: a resposta garantista à manipulação da linguagem. 2009.
244fls. (Dissertação de Mestrado em Direito). Universidade Federal da Bahia. Programa de
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OLIVEIRA. Fábio Corrêa Souza. Por uma teoria dos princípios: o princípio constitucional
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ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Passos para a ratificação da


convenção nº 189 sobre as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos. Notas OIT – O
Trabalho Doméstico na América Latina e Caribe. 2011. Disponível em:<

210
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

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Gonçalves. Adicionais de Insalubridade e periculosidade: base de cálculo, cumulatividade e
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TEODORO, Maria Cecília Maximo. As cláusulas gerais concretizam a sociedade aberta


de Peter Haberle. Nov. 2009. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/14309/as-
clausulas-gerais-concretizam-a-sociedade-aberta-de-peter-haberle. Acesso em 20 jan. 2013.

211
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

ESTABILIDADE DA GESTANTE, ABUSO DO PODER DE DIREITO E A


CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. UMA QUESTÃO DE LEGALIDADE OU
DIGNIDADE?

STABILITY OF PREGNANCY, ABUSE OF POWER OF LAW AND THE FEDERAL


CONSTITUTION OF 1988. A QUESTION OF LEGALITY OR DIGNITY?

ROBERT CARLON DE CARVALHO1


DANIEL RICARDO AUGUSTO WOOD2

RESUMO: Este trabalho trata do estudo da Estabilidade Constitucional da Gestante,


sua forma de aplicação na relação de emprego, bem como do instituto do abuso do
poder de direito trazido pelo código civil de 2002, ambos frente aos princípios
constitucionais da legalidade e a dignidade da pessoa humana. Desde a
confirmação da gravidez, até cinco meses após o parto, a empregada gestante tem
garantia no emprego, devendo ser reintegrada no emprego em caso de despedida
arbitrária, ou ser indenizada, em casos específicos. Buscando meramente a
indenização, e a fim de evitar a reintegração, muitos empregados, escorando-se na
prescrição bienal prevista no artigo 7º, XXIX da Constituição, têm distribuído suas
ações apenas após o término do período estabilitário, quando não mais existe a
possibilidade de reintegração. A garantia de emprego decorre da relação de
emprego que estabelece direitos e obrigações para ambos os envolvidos,
empregado e empregador. Ao agir desta forma, o empregador fica restrito da
possibilidade de ter o trabalho prestado, para, em contraprestação, remunerar o
empregado. Frisa-se que este direito/dever está implícito na relação de emprego. O
presente trabalho, convida o leitor a refletir sobre os conflitos acerca do tema, e à
busca de soluções “justas” frente à prática, ou não, do abuso do direito da gestante
estável que, dispensada, ajuiza reclamação trabalhista somente após o término do
período de estabilidade.
PALAVRAS-CHAVE: gestante; estabilidade; abuso; legalidade; dignidade da
pessoa humana; direito constitucional; direito do trabalho.

ABSTRACT: This work deals with the study of the Constitutional Stability of pregnant
women, its application in the form of employment relationship, as well as the institute
of abuse of power of law, brought by the Civil Code of 2002, both against the
constitutional principles of legality and human dignity. Since the confirmation of
pregnancy, up to five months after birth, the pregnant employee has her employment
guaranteed, and should be reinstated in employment in case of arbitrary dismissal, or
be compensated in specific cases. Seeking merely to indemnification, and to avoid
reintegration, many employees, relying in the two years prescription time limit
provided in Article 7, XXIX of the Constitution, have distributed their shares only after

1
advogado, Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC PR,
Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.
2
advogado, Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba –UNICURITIBA.

212
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

the stability period, when there are no more possibilities of reinstatement. The job
guarantee comes from the employment relationship that establishes rights and
obligations for both parties involved, employee and employer. In so doing, the
employer becomes restricted from the possibility of having the work done, having yet
to remunerate the employee. It is Stressed that this right and/or duty is implicit in the
employment relationship. This work invites the reader to ponder about the conflicts
on the topic and search for "just" solutions regarding the practice, or not, of the abuse
of the right of job stability of pregnant women whom, once dismissed, formalize
grievance only after the end of the stability term.
KEYWORDS: pregnant; stability; abuse; legality; human dignity; constitutional law;
labor law.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 CONTRATO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE


EMPREGO. 2.1 CONTRATO DE TRABALHO. 2.2. AS TEORIAS
CONTRATUALISTAS E A CONTRATUALISTA DO CONTRATO DE TRABALHO. 2.3
CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE TRABALHO. 2.4 O CONTRATO DE
TRABALHO COMO NEGOCIO JURIDICIO. 2.5 DEFEITOS DO NEGÓCIO
JURÍDICO. 3 PRINCIPIOS EM DESTAQUE. 3.1 O PRINCIPIO DA BOA-FE
OBJETIVA. 3.2 O PRINCIPIO DA CONTINUIDADE DOS CONTRATOS. 3.3 O
PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 3.4 O PRINCÍPIO DA
LEGALIDADE. 4. GARANTIA NO EMPREGO. 4.1 CONSIDERAÇÕES
HISTORICAS. 4.2 A GARANTIA DO EMPREGO E A ESTABILIDADE PROVISORIA.
4.3 A ESTABILIDADE DA GESTANTE 4.4 MONTENTO DA CARACTERIZAÇÃO DA
GARANTIA. 4.5 A GARANTIA ASSEGURADA À EMPREGADA GESTANTE. 5. O
ABUSO DO PODER DE DIREITO. 5.1 ABUSO DO DIREITO – APLICABILIDADE
NO DIREITO DO TRABALHO. 6 ABUSO DO PODER DE DIREITO E A GARANTIA
NO EMPREGO. 7 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS

1 INTRODUÇÃO

A fim de preservar e proteger a maternidade, a infância e a família, na


Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o legislador determinou que,
desde a confirmação da gravidez, até cinco meses após o parto, a empregada
gestante tem garantia no emprego, não podendo sofrer despedida arbitrária ou sem
justa causa.
A garantia no emprego só autoriza a sua reintegração se esta se der durante
o período respectivo. Do contrário, a garantia no emprego restringe-se aos salários e
demais direitos correspondentes ao período que lhe diz respeito.
Fato notório, entre os militantes do direito do trabalho, é o crescimento de
ações em que a empregada gestante, dispensada de forma arbitrária ou sem justa

213
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

causa, ajuíza reclamação trabalhista após o término do período de estabilidade,


visando não a sua reintegração, mas os salários que correspondem ao dito período.
Nestas ações é comum se invocar o direito processual comum, bem como a
aplicabilidade de princípios e normas gerais do direito, conforme preceitua o artigo 8º
da CLT.
Tal garantia no emprego decorre de uma relação de emprego. Decorre de um
acordo de vontades pelo qual uma pessoa física, denominado empregado (neste
caso a gestante), compromete-se, mediante o pagamento de uma contraprestação
salarial, a prestar trabalho não-eventual e subordinado em proveito de outra pessoa
física ou jurídica, denominada empregado.
O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 187, integra expressamente a Teoria
do Abuso de Direito, a qual busca impedir que sejam cometidas arbitrariedades, no
exercício de um direito, tendo por fundo o encobrimento ou supressão de direito
alheio. Assim, veda-se a manifestação do “abuso de direito”.
Tal teoria atribuiu ao Estado o dever de coibição do abuso de direito, que
surge do dever de prestar tutela jurisdicional em tempo hábil e de forma digna, para
que, assim, os titulares do direito tenham o menor prejuízo possível e maior garantia
de efetividade.
O presente trabalho busca refletir a existência ou não do abuso do direito da
gestante estável que, dispensada, ajuíza reclamação trabalhista somente após o
termino do período de estabilidade, porém o faz dentro do prazo prescricional
previsto no artigo 7º, XXIX da Constituição da República.
Objetiva avaliar, sem esgotar o tema, o direito à garantia no emprego da
empregada gestante e a teoria do abuso do direito, frente aos princípios
constitucionais da legalidade e da dignidade da pessoa humana. Estuda-se,
também, a relação existente entre a Teoria Civil e o Direito do Trabalho, bem como
as correntes doutrinárias e jurisprudenciais existentes acerca do assunto.

2 CONTRATO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE EMPREGO

214
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

2.1 CONTRATO DE TRABALHO

Existirá contrato de trabalho sempre que uma pessoa física se obrigue a


prestar serviços para outra, e sob sua dependência, durante um certo período,
determinado ou indeterminado, mediante uma contraprestação.
O contrato de trabalho é o instrumento jurídico por meio do qual se estabelece
a relação de emprego, na qual o empregado subordina-se ao empregador,
estabelecendo-se entre eles direitos e deveres recíprocos.
Segundo o artigo 442 da CLT, contrato individual de trabalho “[...] é o acordo
tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. Todavia, este conceito
tem sido muito criticado pela doutrina e pela jurisprudência, em razão de não
corresponder à relação de emprego, mas por criar esta relação.
Como bem define Alice Monteiro de Barros, o contrato de trabalho é

[...] o acordo expresso (escrito ou verbal) ou tácito firmado entre uma


pessoa física (empregado) e outra pessoa física, jurídica ou entidade
(empregador), por meio do qual o primeiro se compromete a executar,
pessoalmente, em favor do segundo um serviço de natureza não
eventual, mediante salário e subordinação jurídica. Sua nota típica é a
subordinação jurídica. É ela que irá distinguir o contrato de trabalho dos
contratos que lhe são afins e, evidentemente, o trabalho subordinado do
trabalho autônomo. (BARROS, p.236/237)

Ressalta Sergio Pinto Martins que “É pacto laboral um contrato típico,


nominado, com regras próprias, distinto do contrato de locação de serviços do
Direito Civil, de onde se desenvolveu e se especializou”. (MARTINS, 97).
Ainda nos dizeres de Sergio Pinto Martins “Mesmo no regime em que a
legislação estabelece cotas para admissão do empregado, como de deficientes, de
aprendizes, o empregado só irá trabalhar na empresa se assim o desejar, indicando
também o ajuste de vontades entre as partes”. (MARTINS, 97).

2.2 AS TEORIAS CONTRATUALISTA E ACONTRATUALISTA DO CONTRATO


DE TRABALHO

215
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Existem teorias que buscam explicar a natureza jurídica do contrato de


trabalho, dentre elas destacam-se as teorias contratualista e anticontratualista.
Segundo a teoria anticontratualista, entendimento minoritário, não há relação
contratual entre empregado e empregador, uma vez que surge da realidade dos
fatos, protegendo, portanto, o trabalhador, com base no princípio da primazia da
realidade. Parte dos que adotam essa teoria entendem ser necessária a aceitação
dos agentes, para que seja estabelecida a relação de trabalho.
Diante disto, essa teoria pode ainda ser dividida em duas. A teoria da
instituição, defendida por autores franceses, como Georges Renard e Maurice
Hauriou, e brasileiros, como Luiz José de Mesquita, e a teoria da relação de trabalho
ou da incorporação, defendida por autores alemães, como Heinz Ptthof, Siebert e
Nikisch, e, Molitor.
Nos dizeres de Martins

[...] difere a teoria da incorporação da teoria institucional. Na teoria da


incorporação, há o desprezo pelo ajuste de vontades para o
estabelecimento da relação de trabalho, importando a incorporação do
trabalhador à empresa a partir da prestação dos serviços. Na teoria
institucional, o elemento vontade não é desprezado. (MARTINS, 93)

Já a teoria contratualista considera que a relação havida entre as partes,


empregado e empregador, é uma relação de natureza contratual, um negócio
jurídico que depende da vontade das partes para se formar. Porém, tal autonomia de
vontade está limitada pelas leis vigentes, tendo o Estado o poder-dever de intervir a
fim de regular tal contrato.
Prevalece no Brasil, de modo geral, a corrente contratualista, com algumas
ressalvas relacionadas à teoria anticontratualista, como se pode observar nos
artigos 2º, 503 e 766 da CLT, motivo pelo qual alguns autores, como Sergio Pinto
Martins, sustentam o perfil misto da legislação trabalhista brasileira.

2.3 CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE TRABALHO

216
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A relação de emprego advém de um contrato de trabalho e possui


características próprias. Deriva, portanto, de um negócio jurídico.
Da combinação dos artigos 2º, e 3º, caput, da CLT, pode-se relacionar, como
requisitos caracterizadores da relação de emprego: o trabalho por pessoa física, a
pessoalidade, a não-eventualidade, a subordinação, a onerosidade, e a assunção
dos riscos pelo empregador.
Das características trazidas pelos artigos 2º e 3º da CLT temos que o
empregado sempre será pessoa física, importando dizer que somente o empregador
poderá ser pessoa jurídica ou física, jamais o empregado.
Além de ser pessoa física, para caracterizar a relação de emprego, esta
relação deverá ser intuitu personae. O empregado não poderá se fazer substituir por
outro durante a prestação de serviços.
Na relação de emprego o trabalho deve ser prestado também de forma
habitual. Não eventual. É, por si, um contrato de trato sucessivo, de duração, que
perdura no tempo.
A não-eventualidade significa dizer que a prestação de serviços será habitual,
em caráter permanente, ainda que por curto espaço de tempo. A permanência do
trabalhador na empresa deverá, portanto, ter ânimo definitivo.
A onerosidade traz que na relação de emprego há prestações e
contraprestações recíprocas entre as partes.
Nesta relação, o empregado exerce suas atividades com dependência
diretiva, está subordinado.
A subordinação jurídica obriga o empregado a acolher o poder diretivo do
empregador quanto ao modo de realização da prestação dos serviços. Fala-se, aqui,
em limitar a autonomia da vontade do empregado, conferindo ao empregador o
poder/dever de decisão e direção sobre o negócio e a função do empregado.
A subordinação jurídica do empregado às ordens do empregador, colocando
à disposição deste sua força de trabalho, de forma não eventual, é a mais evidente
manifestação da existência de um contrato de emprego: o poder disciplinar lhe é
inerente.

217
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

2.4 O CONTRATO DE TRABALHO COMO UM NEGÓCIO JURÍDICO

Negócios Jurídicos são declarações de vontade destinadas a produzir o efeito


jurídico almejado pelos seus agentes. Assentam-se, portanto, na vontade específica
e objetiva dos agentes, que devem atuar em conformidade com os preceitos legais.
O negócio jurídico é a expressão de vontade dirigida a um determinado fim.
Para que produza seus efeitos, é necessário que seja revestido de certos requisitos
quanto à pessoa dos agentes, quanto ao objeto da relação e quanto à forma da
emissão da vontade.
Nos termos do artigo 104 do Código Civil, para que seja válido, o negócio
jurídico precisa ter agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou
determinável, e, forma prescrita ou não defesa em lei.
Por agente capaz entende-se ser aquele emancipado para os atos da vida
civil.
Quanto à ilicitude, tem-se que o objeto do ato deve ser conforme à ordem
jurídica. Seus fins têm que ser legítimos, possíveis, determinados ou determináveis,
pois, quando não o forem, o negócio será ilegítimo ou ilícito.
Cumpre, ainda, observar que todo negócio jurídico tem forma, sendo ela livre,
como regra geral, ou especial. (art. 107 CCB).
A relação de emprego, espécie da relação de trabalho, é um contrato firmado
entre empregado e empregador, na qual aquele presta serviços a este.
O Contrato de trabalho é, portanto, um Negócio Jurídico: “[...] ato no qual uma
ou mais pessoas, em virtude de declaração de vontade, constituem uma relação
jurídica, segundo os limites legais. A vontade instaura o vínculo [...]”.
(NASCIMENTO, p.596).
Jouberto de Quadros Cavalcante e Francisco Ferreira Jorge Neto destacam
que a

[...] relação de emprego é um contrato cujo conteúdo é a lei, possuindo


como sujeitos, de um lado, o empregado (pessoa natural), que presta
serviços, e, de outro o empregador, em função de quem os serviços são
prestados de forma subordinada, habitual e mediante salário. (JORGE
NETO, e, CAVALCANTE, p.249).

218
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

As partes envolvidas na relação de emprego, portanto, firmam entre si um


contrato de trabalho.
Assim, o vínculo de emprego é uma relação jurídica estabelecida pela livre
expressão de vontade das partes. É negocial, na qual, de um lado, o empregado
compromete-se a prestar o serviço, e de outro, o empregador se obriga a remunerá-
lo. A vontade das partes está, obrigatoriamente, presente no momento da formação
do vínculo. “A um dever do empregado corresponde um dever do empregador”
(MARTINS, p.101). “(...) a obrigação principal do contrato de trabalho é: prestar
serviços (empregado), pagar salário (empregador)”. (MARTINS, p.98).
Na relação de emprego, portanto, o empregado tem como obrigação prestar
serviços, enquanto o empregador obriga-se a pagar os salários e garantir as
obrigações impostas pela legislação e pelo contrato.

2.5 DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Defeitos do negócio jurídico “são as imperfeições que nele podem surgir,


decorrentes de anomalias na formação da vontade ou na sua declaração” (AMARAL,
2006, p. 489). Incluem vícios do consentimento, que estabelecem divergência
relativamente à vontade real, não permitindo que esta se firme adequadamente.
O Código Civil de 2002 traz como vícios o erro, o dolo e a coação.
No tema em questão cumpre citar o dolo, em especial o dolus malus, qual
seja, o emprego de um artifício ou expediente astucioso para induzir alguém à
pratica de um ato que o prejudica e aproveita ao autor do dolo ou a terceiro.
O dolus malus é um comportamento ilícito e não tolerado. Consiste no
emprego de manobras astuciosas destinadas a prejudicar alguém, erigindo em
defeituoso o ato jurídico, idôneo, provocando, assim, a sua anulabilidade.

3 PRINCÍPIOS EM DESTAQUE

219
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Os princípios, no direito, exercem as funções informativa, normativa e


interpretativa. Dentre estes cumpre destacar o princípio da boa-fé objetiva, o da
continuidade e o princípio da dignidade da pessoa humana.

3.1 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

Nos dizeres de Eduardo Milléo Baracat, o “princípio da boa-fé atua como


regra em imputar deveres de conduta às partes, sendo que as condutas impostas às
artes decorrem de juízos de valor formulados de acordo com exigências básicas de
justiça e moral, formadas em função de uma consciência jurídica da comunidade”
(BARACAT, 67).
Aplicável ao direito do trabalho, assim como a todos os ramos do direito, Alice
Monteiro de Barros ressalta que “incide no direito obrigacional como regra de
conduta segundo a qual as partes deverão comportar-se com lealdade recíproca nas
relações contratuais”. (BARROS, p.187/188) A boa-fé consiste em opor valores
éticos, com o fim de se evitarem os perigos de uma interpretação excessivamente
positivista do ordenamento jurídico. “Exerce a função flexibilizadora dos institutos
jurídicos, entre os quais se situa o contrato de trabalho”. (BARROS, p.187/188).
A aplicação da boa-fé, nos contratos de trabalho, faz surgir uma relação
estável e continuada entre os seus agentes, empregado e empregador, fazendo com
que a prestação de serviços se prolongue no tempo.
A boa-fé objetiva, também chamada de boa-fé-lealdade, refere-se a um
comportamento, e não a uma simples convicção, não se confundindo, portanto, com
bons-costumes, como bem observa Baracat (BARACAT, p. 71). Ela retrata a ideia
geral de justiça, evidencia condutas adequadas nas situações do dia-a-dia.

3.2 O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS CONTRATOS

Dentre os princípios fundamentais do direito do trabalho, destaca-se o


princípio da continuidade dos contratos.

220
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Os contratos de emprego, são por excelência, continuados, uma vez que os


serviços são contratados para se desenvolver ao longo do tempo.
Corolário do princípio protetivo, este princípio é necessário para se
estabelecer, na relação de emprego, maior segurança e estabilidade as partes.
O princípio da continuidade, segundo Alice Monteiro de Barros “visa a
preservação do emprego, com o objetivo de dar segurança econômica ao
trabalhador e incorporá-lo ao organismo empresarial”. (BARROS, p. 187). Ressalta,
ainda, que o contrato de trabalho tem como característica o trato sucessivo, segundo
o qual a prestação de serviços perdura no tempo, ou seja, não se extingue com a
prática de um ato específico.
Nos dizeres de Amauri Mascaro do Nascimento “justifica-se o princípio da
continuidade não só pela ideia de segurança. Há outro fundamento: o valor da
antiguidade. Deve ser estimulada a antiguidade do empregado, mesmo porque
diversos dos seus direitos são nela baseados.” (NASCIMENTO, p. 443).
Segundo este princípio, o contrato deve ser pactuado por prazo
indeterminado, passando o empregado a integrar a estrutura da empresa de modo
permanente, sendo suas exceções os contratos por prazo determinado ou a termo.
Haverá, assim, a continuidade de relação de emprego, e a situação contrária
necessita ser provada.
Para Delgado, a continuidade da relação de emprego provoca, em geral, três
correntes de proteção ao trabalhador. Vejamos:

A primeira reside na tendencial elevação dos Direitos trabalhistas, seja pelo


avanço da legislação ou da negociação coletiva, seja pelas conquistas
especificamente contratuais alcançadas pelo trabalhador em vista de
promoções recebidas ou vantagens agregadas ao desenvolvimento de seu
tempo de serviço no contrato. A segunda corrente de repercussões
favoráveis reside no investimento educacional e profissional que se inclina o
empregador a realizar nos trabalhadores vinculados a longos contratos.
Quanto mais elevado o montante pago à força de trabalho (e essa elevação
tende a resultar, ao lado de outros aspectos, da duração do contrato e
conquistas trabalhistas dela decorrentes), mais o empresário ver-se-á
estimulado a investir na educação e aperfeiçoamento profissional do
obreiro, como fórmula para elevar sua produtividade e compensar o custo
trabalhista ocorrido. Esse investimento na formação do indivíduo cumpre a
fundamental faceta do papel social da propriedade e da função educativa
dos vínculos de labor, potenciando, individual e socialmente, o ser humano
que trabalha. A terceira corrente de repercussões favoráveis da longa
continuidade da relação de emprego situa-se na afirmação social do
indivíduo favorecido por esse longo contrato. Aquele que vive apenas de
seu trabalho tem neste, e na renda dele decorrente, um decisivo

221
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

instrumento de sua afirmação no plano da sociedade. Se está submetido a


contrato precário, provisório, de curta duração (ou se está desempregado),
fica sem o lastro econômico e jurídico necessário para se impor no plano de
suas demais relações econômicas na comunidade. (DELGADO, p. 110).

A exemplo da aplicação de tal princípio, vale destacar a súmula 212 do TST,


segundo a qual “O ônus de provar o término do contrato do trabalho, quando
negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o
princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao
empregado” (TST, Súmula 212).
O fundamento para a acentuada importância dada a esse princípio encontra-
se na proteção à família, tendo em vista o fator alimentar que o salário proporciona,
bem como a proteção à dignidade humana.

3.3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Conforme ensina Mirta Gladys Lerena Misailidis, “a proteção do trabalhador,


seus direitos fundamentais, as condições do trabalho e a qualidade de vida estão
profundamente arraigados na declaração Universal dos Direitos Humanos das
Nações Unidas – 1948” (MISAILIDIS, p.230).
Princípio íntima e indissociavelmente vinculado aos direitos fundamentais, a
dignidade da pessoa humana constitui um dos postulados nos quais se assenta o
direito constitucional contemporâneo.
Trata-se de princípio inclusivo, no sentido de que a sua aceitação não
significa privilegiar a espécie humana acima de outras espécies, mas sim, aceitar
que, do reconhecimento da dignidade da pessoa humana, resultam obrigações para
com outros seres, e correspondentes deveres mínimos e análogos de proteção.
(SARLET, p.44)
Trata-se de um conceito em permanente processo de construção e
desenvolvimento. Portanto, a noção de dignidade da pessoa humana, na sua
condição de conceito jurídico-normativo, reclama uma constante concretização e
delimitação pela práxis constitucional, tarefa cometida a todos os órgãos estatais.

222
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A Constituição Federal de 1988 deixa clara e inequívoca a outorga, aos


princípios fundamentais, da qualidade de normas embasadoras e informativas de
toda a ordem constitucional, inclusive das normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais, que igualmente integram aquilo que se pode denominar de núcleo
essencial da nossa Constituição, com característica formal e material.
Da mesma forma, sem precedentes em nossa trajetória constitucional, o
reconhecimento, no âmbito do direito constitucional positivo, da dignidade da pessoa
humana como fundamento de nosso Estado democrático de Direito (art. 1°, CF).
Registre-se que a dignidade da pessoa humana foi objeto de expressa
previsão no texto constitucional, mesmo em outros capítulos de nossa Lei
Fundamental, seja quando estabeleceu que a ordem econômica tem por finalidade
assegurar a todos existência digna (art. 170, caput), seja quando, na esfera da
ordem social, fundou o planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsável (art. 226, parágrafo 7o), além de assegurar à
criança e ao adolescente o direito à dignidade (art. 227, caput). Mais adiante, no
artigo 230, ficou consignado que “a família, a sociedade e o Estado tem o dever de
amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade,
defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.
O dispositivo positivo constitucional no qual se encontra a dignidade da
pessoa humana (no caso, o art. 1°, inciso III, da C onstituição de 1988), contém não
apenas mais de uma norma, mas esta(s), para além de seu enquadramento na
condição de princípio e regra (e valor) fundamental, é (são) também fundamento de
posições jurídico-subjetivas, isto é, norma(s) definidora(s) de direitos e garantias, e
também de deveres fundamentais.

3.4 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Reza o artigo 5º, II da Constituição da República, que “ninguém será obrigado


a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Consagra-se aqui o princípio da legalidade, caracterizando o Estado de
Direito que obriga o respeito às leis.

223
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

No campo do Direito Público, a interpretação do presente princípio se dá pela


proibição do Estado de agir, senão em virtude de lei expressa.
Já no campo do Direito Privado, como no assunto em apreço, o princípio
estabelece que todos poderão agir conforme sua vontade, desde que não haja lei
proibitiva em contrário e que não se lesione a terceiros.
Trata-se de princípio de larga aplicação, e está submetido não apenas à
observância da lei, mas de todo o ordenamento jurídico.

4 A GARANTIA NO EMPREGO

4.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

No Brasil, a estabilidade no emprego surgiu com a chamada estabilidade


decenal. No ano de 1923, a então promulgada Lei Elói Chaves tratou da estabilidade
dos ferroviários após completarem 10 (dez) anos de serviço junto ao mesmo
empregador, podendo, a partir de então, ser dispensados apenas em casos de falta
grave ou força maior, e, desde que, devidamente, apurada por sindicância interna da
ferrovia.
Assim dispunha o artigo 42 da Lei Elói chaves:

Depois de 10 anos de serviços efetivos, o empregado das empresas a que


se refere a presente lei só poderá ser demitido no caso de falta grave
constatada em inquérito administrativo, presidido por engenheiro da
Inspetoria e Fiscalização das Estradas de Ferro. (Lei Elói Chaves, Dec.
4682 de 24 de janeiro de 1923).

No mesmo ano, a lei 5.109 estendeu tal benefício aos empregados das
empresas de navegação marítima ou fluvial. Em 1930, com o decreto 20.465, aos
empregados das empresas de transportes urbanos, luz, força, telefone, telégrafos,
portos, água e esgoto e em 1934, decreto 24.615, aos bancários com dois anos de
trabalho para o mesmo empregador.

224
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Em 1935, com a promulgação da lei n. 62, generalizou-se tal estabilidade,


sendo aplicável, outrossim, aos industriários e comerciários, sendo estes
representados pela grande maioria de trabalhadores da época.
No plano constitucional, o assunto foi abordado pela primeira vez em 1937.

Art 137 - A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes


preceitos:
[...]
f) nas empresas de trabalho continuo, a cessação das relações de trabalho, a
que o trabalhador não haja dado motivo, e quando a lei não lhe garanta, a
estabilidade no emprego, cria-lhe o direito a uma indenização proporcional
aos anos de serviço;

Com a CLT, em 1943, foi declarada em seu artigo 492.

Art. 492. O empregado que contar mais de 10 anos de serviço na mesma


empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou
circunstância de força maior, devidamente comprovado.

Na Constituição Federal de 1946 também foi declarada em seu artigo 157,


XII.

Art 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos


seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos
trabalhadores:
[...]
XII - estabilidade, na empresa ou na exploração rural, e indenização ao
trabalhador despedido, nos casos e nas condições que a lei estatuir;

Com a Constituição de 1967 a estabilidade passou a coexistir com o Regime


do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, que veio a tornar-se obrigatório com a
Constituição de 1988, extinguindo, então, a estabilidade no emprego.

225
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

4.2 A GARANTIA DO EMPREGO E A ESTABILIDADE PROVISÓRIA

Estabilidade é o direito garantido ao trabalhador de, mesmo contra a vontade


do empregador, permanecer no emprego. Tal direito vigora enquanto existir uma
causa relevante, e, necessariamente, expressa em lei, a impedir sua dispensa
arbitrária.
É importante frisar que a estabilidade não se confunde com a garantia de
emprego, que por sua vez também não se confunde com garantia no emprego,
embora sejam todas muito próximas.
Para Jorge Neto e Cavalcante a “estabilidade”, no prisma jurídico, “é o direito
do empregado de manter o emprego mesmo contra a vontade do empregador, salvo
causas previstas em lei” (CAVALCANTE e JORGE NETO, 803).
No mesmo sentido a garantia de emprego, porém, trata-se de um instituto
mais amplo do que aquele. Relacionada diretamente com a política de emprego, a
garantia no emprego compreende, além da estabilidade, outros meios de inclusão e
manutenção do emprego, a exemplo da política do aprendiz (lei 10097/2000 e
art.429 da CLT), classificada como garantia híbrida (garantia de emprego), e a
garantia gestacional, tida como garantia provisória (garantia no emprego), esta
abordada no presente tema.
No mesmo sentido reza Amauri Mascaro Nascimento que

Garantia de emprego é um instituto mais amplo que estabilidade.


Compreende além da estabilidade, outras medidas destinadas a fazer com
que o trabalhador obtenha o primeiro emprego, como também a
manutenção do emprego conseguido. Relaciona-se com a política de
emprego. (NASCIMENTO, 902).

A estabilidade possui caráter permanente, enquanto a garantia relaciona-se a


hipóteses de estabilidade transitória ou temporária.
A garantia no emprego inclui todos os atos e normas criados a fim de impedir
ou dificultar a dispensa imotivada ou arbitrária do obreiro.
A estabilidade é espécie do gênero garantia de emprego, que se materializa
quando o empregador está impossibilitado, seja de modo temporário ou definitivo, de
dispensar sem justo motivo o empregado.

226
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Trata-se de institutos que limitam o poder potestativo do empregador de


dispensar o empregado de forma arbitrária ou sem justa causa, somente sujeita à
dispensa por motivos de ordem técnica, econômico-financeira ou disciplinar.

4.3 A ESTABILIDADE DA GESTANTE

Inicialmente garantido por meio de normas e dissídios coletivos, a garantia no


emprego à empregada gestante foi legalmente conferida, pela primeira vez, com a
Constituição Federal de 1988, a qual assegura que, desde a confirmação da
gravidez, até cinco meses após o parto, a empregada gestante tem garantia no
emprego, não podendo sofrer despedida arbitrária ou sem justa causa.
Assim dispõe o ADCT, em seu artigo 10, inciso II, alínea “b” da CF/1988:

Art. 10 - Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o Art.
7º, I, da Constituição:
II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco
meses após o parto.

Assim, a previsão da Constituição da República garante à gestante o


emprego, para com ele garantir e preservar a maternidade e a infância.

4.4 MOMENTO DA CARACTERIZAÇÃO DA GARANTIA

Conforme exposto, a gestante, desde a confirmação da gravidez, até meses


após o parto, tem estabilidade no emprego, não podendo sofrer despedida arbitrária
ou sem justa causa.
Para dirimir tal questão é de fundamental importância que sejam avaliadas
duas teorias.

227
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Segundo a teoria subjetiva tal caracterização se iniciava a partir do momento


em que o empregador tomava ciência da gravidez da obreira. É somente a partir de
então que esta gozava do direito estabilitário.
Atualmente, para configurar a garantia no emprego da gestante, doutrina e
jurisprudência adotam como regra a teoria objetiva, segundo a qual não é
necessário dar conhecimento ao empregador do estado gravídico da obreira,
bastando sua confirmação para a caracterização da garantia.
Sobre esta teoria cabe destacar o inciso I da súmula 244 do Egrégio Tribunal
Superior do Trabalho, com redação pela Res. 129/2005, in verbis:

“Súmula 244 do TST – Gestante. Estabilidade provisória (incorporadas as


Orientações Jurisprudenciais 88 e 196 da SDI-1) – res. 129/2005 – DJ
20.04.2005.
I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não agasta o
direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade. (art. 10, II,
b, do ADCT) ex-OJ n. 88 – DJ 16/04/2004).
[...]”.

Assim, tanto a jurisprudência quanto a doutrina tem perfilhado o entendimento


de ser dispensável a comunicação do estado gestacional da empregada à empresa,
em virtude de tal garantia ser preceito constitucional e a responsabilidade do
empregador ser objetiva.

4.5 A GARANTIA ASSEGURADA À EMPREGADA GESTANTE

Sobre a garantia ao emprego da empregada gestante, importante destacar o


inciso II da súmula 244 do TST, com redação dada pela Res. 129/2005, in verbis:

Súmula 244 do TST – Gestante. Estabilidade provisória (incorporadas as


Orientações Jurisprudenciais 88 e 196 da SDI-1 – Res. 129/2005 – DJ
20.04.2005.
[...]
II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se
der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se
aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade
(ex. Súmula 244 – Res. 121/2003, DJ 21.11.2003).

228
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

[...].

A conversão da obrigação, advinda de uma garantia no emprego, em


pagamento de indenização (referente a salários do período), ocorre somente quando
impossível se mostra o restabelecimento do trabalho.
Cumpre destacar, e aqui começa a indagação e discussão proposta ao tema,
que a Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXIX, confere ao trabalhador o
prazo de dois anos, após a extinção do contrato de trabalho, para reclamar créditos
resultantes da relação de trabalho.
Como visto, a teoria objetiva da garantia ao emprego da gestante, não foi
modificada pela Constituição Federal. O direito está centralizado na teoria do risco
da atividade econômica. Assim, o estado gravídico, quanto ao empregador, não
afasta o direito ao pagamento de indenização decorrente da estabilidade.
Ocorre que salário é contraprestação de trabalho, o que leva a crer que o
constituinte assegurou à empregada gestante o direito ao emprego, já que vetou sua
dispensa.
A Constituição da República, ao estabelecer a garantia contra a despedida
arbitrária ou sem justa causa, em favor da trabalhadora grávida, não cogitou da
hipótese de salário sem trabalho. Garantiu, assim, o emprego, bem da vida que é
tutelado.

5 O ABUSO DO PODER DE DIREITO

Reza o Código Civil, em seu artigo 187, que “também comete ato ilícito o
titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes”.
O Código Civil de 2002 acrescenta elementos valorativos ao direito, a fim de
compreendermos o direito de modo aberto. A avaliação do abuso do direito passou a
observar se, ao exercer o direito, o seu titular excedeu a finalidade econômica e/ou
social do bem, os bons costumes, a boa-fé, dentre outras cláusulas gerais que
demandam valoração.

229
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Trata-se de ato ilícito em sentido amplo.


Segundo Sílvio Venosa, “no abuso de direito, pois, sob a máscara de ato
legítimo, esconde-se uma ilegalidade. Trata-se de ato jurídico aparentemente lícito,
mas que, levando a efeito se a devida regularidade, ocasiona resultado tido como
ilícito”. (VENOSA, p. 604).
O abuso do direito é um ilícito em sentido amplo. Não afronta diretamente a
lei, mas de forma indireta, vez que a pessoa possui o direito subjetivo, e o exerce em
confronto à sua finalidade social, bons costumes e boa-fé.
Ao contrariar a finalidade social ou econômica de um instituto, os bons
costumes ou a boa-fé, o agente de direito comete referido abuso, eis que tais
valores foram violados. Ele age dentro das prerrogativas do seu direito, porém
ultrapassa os valores e as finalidade desse mesmo direito.
Da interpretação do artigo 187 do Código Civil, nota-se que é imprescindível
que o agente esteja no exercício do seu direito, mas que tal uso não atenda à
finalidade econômica e social do direito, à boa-fé, ou aos bons costumes, causando,
assim, dano a um terceiro.
Cumpre observar que o Código Civil não exige, como requisito, que o agente
almeje prejudicar ou lesar o terceiro. Resta claro, portanto, a adoção da Teoria
Objetiva para caracterização do abuso.
A Teoria do abuso de direito veio para cercear o excesso no exercício de um
direito subjetivo, buscando com isso um equilíbrio social, limitando o poder dos
agentes, mesmo investidos de direitos legais, conciliando estes direitos aos da
coletividade.

5.1 ABUSO DO DIREITO – APLICABILIDADE NO DIREITO DO TRABALHO

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 8º, parágrafo único, reza
que “o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que
não for incompatível com os princípios fundamentais deste”.
Entende-se por direito comum qualquer ramo do direito vigente, quando
aplicável ao caso em questão.

230
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Por princípios fundamentais do direito do trabalho entende-se aqueles que


norteiam e propiciam a sua existência. Dentre eles, no presente tema, cumpre
destacar o Princípio da Proteção, o qual tem por pressuposto a constatação e
erradicação da desigualdade das partes, no momento do contrato e durante o seu
desenvolvimento.
O presente princípio não impede a aplicação da teoria do abuso do direito nas
relações trabalhistas; portanto, compatível e aplicável ao Direito do Trabalho.

6 ABUSO DO PODER DE DIREITO E A GARANTIA DE EMPREGO

Sabe-se que a garantia constitucional prevista à empregada gestante no art.


10, inciso II, "b" do ADCT da Constituição, é ainda objeto de controvérsia na esfera
trabalhista.
O tema em questão é delicado e, mesmo passados 25 anos da promulgação
da Constituição da República Federativa do Brasil, ainda gera muita polêmica no
mundo jurídico.
Para os defensores da ideia de que a garantia ao emprego gestacional
sobrepõe-se à natureza civil do abuso do poder de direito, é irrelevante a demora no
ajuizamento quando se busca a reintegração ou a indenização estabilitária. Para
eles, é vedada a dispensa arbitrária, ou sem justa causa, da empregada gestante,
desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Efetivamente, o
único pressuposto para que a empregada tenha assegurado o seu direito é que
esteja grávida, não se cogitando de prazo para o ajuizamento da ação.
A matéria, segundo esta corrente, está pacificada pela Súmula 244, itens I e
II, do TST, que não faz nenhuma alusão ao prazo para o ajuizamento da ação.
Corroboram ainda tal perspectiva, ao expor que entendimento diverso significaria
uma verdadeira contrariedade ao disposto no art. 7º, inciso XXIX da Constituição da
República, que assegura o exercício do direito de ação no prazo prescricional de
dois anos.
Nos termos da Súmula nº 244 do TST, o fato gerador do direito à estabilidade
provisória da empregada gestante, sem prejuízo dos salários, surge com a

231
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

concepção, na vigência do contrato de emprego, e se projeta até 5 meses após o


parto.
Nesse contexto é irrelevante, inclusive, a comunicação ao empregador, no ato
da rescisão contratual do estado gravídico, até mesmo porque a própria empregada
pode desconhecê-lo naquele momento.
O fundamento da presente corrente no escopo da garantia constitucional é
não só a proteção da gestante contra a dispensa arbitrária, por estar grávida, mas,
principalmente, e sobretudo, a tutela do nascituro com fulcro no princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, III, da
Constituição da República Federativa do Brasil.
Nos dizeres de SARLET, trata-se de um direito inerente à pessoa, que além
do direito ao trabalho, à saúde, à vida, também merece uma vida digna. Este
princípio trouxe ao direito brasileiro uma nova concepção ao direito contratual, pela
qual as pessoas (e aqui podemos dizer: em busca de um ideal de justiça coletiva),
devem pautar suas condutas dentro da legalidade, da boa fé e da confiança mútua,
refletindo assim o princípio da função social do pacto de trabalho, previsto no artigo
421 do Código Civil e 8º da CLT.
Portanto, entende-se, por tal corrente, não restar caracterizado o abuso de
direito quando da propositura tardia da ação pela empregada gestante, sendo devida
a indenização decorrente de estabilidade provisória, ainda que exaurido o período
estabilitário, desde que a ação trabalhista haja sido ajuizada dentro do biênio
prescricional. Isso porque, enquanto não esgotado o prazo estabelecido no artigo
7º., inciso XXIX da Constituição Federal de 1988, não se pode legalmente sancionar
a parte que se abstenha de ingressar em juízo.
Já para os seguidores da corrente contrária, para o exercício do direito à
percepção, em caráter indenizatório, dos salários e demais consectários legais do
período do relativo à garantia de emprego gestante, é necessário que o trabalhador
proponha de imediato a ação judicial, quando da sua dispensa, e ainda, dentro do
prazo estabilitário, uma vez que tal direito busca garantir a continuidade no emprego,
garantindo à gestante dispensada sem justa causa sua reintegração imediata, ou,
sucessivamente, indenização pecuniária do período correspondente, porém em
casos excepcionais (art. 496 da CLT).
A presente corrente também fundamenta seu posicionamento em princípios
constitucionais. O da legalidade, exposto no artigo 5º, II, da Constituição Federal de

232
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

1988, nó górdio do ordenamento jurídico social, segundo o qual ninguém será


obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.
O pedido de indenização dos salários e seus reflexos, sem que seja postulada
a reintegração no emprego em tempo hábil, não tem aparo judicial, e caracteriza o
abuso de direito previsto no artigo 187 do Código Civil Brasileiro.
O art. 496 da CLT é expresso ao determinar que a indenização somente é
cabível nos casos em que for desaconselhável a reintegração do empregado
estável:

Art. 496. Quando a reintegração do empregado estável for desaconselhável,


dado o grau de incompatibilidade resultante do dissídio, especialmente
quando for o empregador pessoa física, o tribunal do trabalho poderá
converter aquela obrigação em indenização devida nos termos do artigo
seguinte.

O entendimento da presente corrente é de que a percepção, de maneira


indenizatória, dos salários e demais vantagens do período de estabilidade no
emprego da gestante, está condicionada à ação imediata da empregada quando da
sua dispensa, já que o direito tem como objetivo proteger a relação de emprego,
garantindo a reintegração ao trabalho. Não faz sentido se postular a reintegração,
quando esta já não é mais possível de ser realizada.
Além disso, para que a empregada tenha direito à percepção, em caráter
indenizatório, dos salários e demais consectários legais do período relativo à
estabilidade, faz-se necessário ser viável sua reintegração, como dispõe o art. 496
da CLT. Contudo, a sua inércia, ao não pleitear a tempestiva reintegração ao
emprego, evidencia o desinteresse em retornar à atividade laboral, autorizando a
conclusão de que sua única intenção cinge-se em auferir vantagem pecuniária
relativa à estabilidade a que teria direito, a despeito da finalidade social da norma
garantidora da proteção ao emprego à gestante.
Entendem que o art. 496 da CLT é expresso, ao estabelecer que somente
será possível a aplicação de indenização àquele trabalhador cuja reintegração ao
emprego for desaconselhável, o que não restou demonstrado nos autos.
Para se valer da garantia de emprego (e não garantia de indenização), deve a
empregada gestante ajuizar a ação imediatamente após o conhecimento de seu
estado gravídico, o que ocorreu logo após o seu desligamento, e não deixar

233
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

transcorrer o período relativo à referida garantia de emprego. Não há como


reintegrá-la no período relativo à licença-maternidade (art. 392 da CLT).
Tal conduta, como se disse, demonstra o seu desinteresse em trabalhar, em
ser reintegrada no emprego. Ao contrário, sobressai o único propósito de receber a
indenização pela suposta garantia de emprego.
Cabe, por fim, destacar que a demora em requerer os efeitos da garantia de
emprego implica em prejuízos ao empregador, na medida em que aumenta o valor a
ser pago a título de indenização, sem que este tenha dado causa à mora,
constituindo verdadeiro abuso de direito (art. 187 do Código Civil).
Para Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante:

Outro problema envolvendo a estabilidade temporária ocorre quando a ação


trabalhista é proposta após o término do prazo de estabilidade temporária,
mas ainda no prazo constitucional de dois anos. O objeto da ação é a
indenização pecuniária pela dispensa indevida no período de estabilidade.
Nesses casos, não se poderá reconhecer ao trabalhador o direito
pretendido, isto porque o direito à manutenção do contrato de trabalho por
certo lapso de tempo, o qual ensejaria a reintegração e a sua possível
coversão em indenização, quando exaurida, não existe mais quando da
postulação judicial.
Admitir outra posição seria beneficiar a parte inerte, com desvirtuamento do
instituto e com violação aos princípios da razoabilidade e boa-fé.
(CAVALCANTE e JORGE NETO, p. 839/840).

O direito que a estabilidade da gestante visa é a proteção ao emprego


durante o período gestacional, até o quinto mês após o parto, para com ele proteger
a família.
O empregado tem direito ao trabalho como forma de prestação de serviços e
de receber por sua prestação. O empregador tem direito a ter o serviço prestado.
Com a lesão do direito obrigacional, nasce o direito de ação. O empregado
prejudicado tem o direito de prestar sua força de trabalho, como decorrência natural
do contrato de trabalho.
Observa-se, porém, que o direito do emprego em manter vigente o contrato
de trabalho não lhe garante direito pecuniário, sendo que os direitos trabalhistas
(salários) somente serão devidos como contraprestação do trabalho realizado.
Por essas razões, a presente corrente defende a caracterização do abuso de
direito pela empregada gestante que, após o término do período estabilitário, propõe
ação judicial visando clara e unicamente sua reintegração.

234
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

7 CONCLUSÃO

O direito justo não é um dado, é uma conquista. O fim do direito é a paz e o


seu meio de atingi-lo, a luta. Assim, a espada sem a balança é a força
brutal; a balança sem a espada, a impotência do direito. O verdadeiro
Estado de Direito só se garante quando a justiça sabe brandir a espada com
a mesma habilidade que manipula a balança” (IHERING, p. 1).

A garantia prevista no art. 10, inciso II, letra " b " , do ADCT da Constituição,
tem por objetivo, seja direto ou indireto, a proteção da maternidade e do nascituro,
no sentido de garantir à empregada gestante a manutenção do emprego e com isso
assegurando-lhe o salário e o direito de cuidar do filho nos primeiros meses de vida.
Impedindo a dispensa sem justa causa da empregada gestante, também se
evita a discriminação da mulher em razão da gravidez, evitando-se, assim, que
encontre dificuldades para a sua recolocação no mercado laboral.
O direito constitucional previsto no artigo 10, inciso II, alínea “b” do ADCT
vigente, não pode ter sua finalidade social desviada, ou seja, não deve ser objeto de
abuso.
De um lado, o comportamento da empregada gestante, ao propor demanda
trabalhista em face do empregador apenas após o termino do período estabilitário,
ou após o término do período em que se possa realizar a reintegração, demonstra
evidente e inaceitável má-fé e abuso no exercício do direito de garantia ao emprego.
Tal ato poderia tolher-lhe o direito à indenização, com fulcro no princípio da
legalidade. Porém, sob o viés do princípio da dignidade da pessoa humana, cabe ao
empregador indenizar o empregado a fim de garantir ao nascituro o direito à uma
vida digna. Posicionamento puramente altruísta, ainda que em respeito ao princípio
da boa-fé e à função social do contrato.
É certo que, passados 25 anos da promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil, ainda não há normas prevendo garantias e estabilidades que
se possa entender como corretas.
Conforme aduz Vladimir de Oliveira Silveira, “a Constituição Federal de 1988
estabeleceu logo no início, propriamente no artigo 1°, incisos III e IV, que a

235
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

República tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana e os valores


sociais do trabalho e da livre iniciativa. Portanto, afirma que nosso regime de
produção é o capitalista, porém um capitalismo que deve levar em consideração
também a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Desse
modo, na lógica capitalista que vigora no nosso ordenamento foram introduzidos
novos elementos que a compatibilize com outros valores fundamentais da
Constituição vigente”. (SILVEIRA, p.2586)
No tema em questão, deparamo-nos com um conflito de normas, onde o
empregado e empregador sentem-se justiçados ou injustiçados.
Importante destacar, então, na presente conclusão, os ensinamentos trazidos
pelo economista indiano Amartya Sen em sua obra A ideia de justiça.
Na presente obra, de inquestionável relevância jurídica, filosófica e social, Amartya
SEN, avalia questões acerca da justiça distributiva e sua relação entre liberdade e
desenvolvimento.
Em sua abordagem, SEN avalia os desafios das “razões de justiça plurais e
concorrentes, todas com pretensão de imparcialidade ainda que diferentes - e rivais - umas
das outras”.

“No coração do problema específico de uma solução imparcial única para a


escolha da sociedade perfeitamente justa, está a possível sustentabilidade
de razões de justiça plurais e concorrentes, todas com pretensão de
imparcialidade, ainda que diferentes – e rivais – umas das outras”. [SEN,
43]

Em suas abordagens comparativas, SEN ainda faz duas importantes


observações: a um, que alguns mínimos, independentemente da quantidade,
princípios gerais não são capazes de alcançar os múltiplos fundamentos da solução
justa.
Em caso análogo à discussão ora proposta do “abuso do poder de direito
e a garantia de emprego gestante, SEN aborda o dilema das “três crianças e uma
flauta”, as quais, todas, cada qual com seu fundamento, almejam a posse da flauta.
Uma; em razão de ter sido quem fabricou, a segunda, em razão de ser a única a
saber como tocar o instrumento; e outra, por se tratar de um ser extremamente
pobre e não ter nada com o que brincar.

236
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A avaliação isolada de cada fundamentação daria à flauta um destino


justo, porém, conflitante com os demais. Diante disto, recomenda-se procurar uma
solução baseada na democrática, avaliando-se pontos de convergência entre os
fundamentos múltiplos, como forma de encontrar a solução adequadamente justa
(ou menos injusta).
A dois, que a ampliação da justiça deve ocorrer de modo global, e não
paroquial, ultrapassando limites locais, regionais, ou até mesmo nacionais.
Observa ainda que sentir e argumentar são diferentes em todos os seus
sentidos. Como percebido por Adam Smith, dentre outros iluministas, o sentimento
tem enorme influência nas decisões e julgamentos de cunho moral. Portanto, para
tratativas do tema justiça, uma vez que cada qual dos seres tem suas razões, não
necessariamente injustas ou incompatíveis entre si, faz-se mais do que necessário o
uso público da razão, envolvendo, neste processo, inclusive, pessoas alheias ao
tema.
O presente trabalho não visa discutir ideais de justiça e princípios de
caráter geral aplicáveis ao caso em questão. Apenas convida o leitor a refletir sobre
as injustiças existentes no mundo e no comportamento real, para que questionem,
sempre, as melhores formas de eliminá-las ou reduzi-las.
SEN ensina que o comportamento racional não deve visar a satisfação de
interesses próprios, mas sim em benefício de outrem.
Tal altruísmo não é descrito como um “poder”, mas como um dever, não
necessariamente jurídico, de uns para com os outros, sem que se limitem à
“vizinhança próxima”.
O exercício prático acerca do tema proposto, mesmo passados 25 anos
da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil reside muito na
capacidade de conscientização e sensibilização da sociedade como um todo. Tarefa
árdua. Assim, enquanto esta questão permanecer aberta, a ideia de justiça não terá
sido resolvida.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Francisco. Direito Civil, Introdução. 6ª. Ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2006.

237
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

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BRASIL. Código Civil Brasileiro, Lei 10.406 de 2002.

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CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 35. ed.


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DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr,


2008.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
1994.

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IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Rio de Janeiro: Forense, 1992.

JORGE NETO, Francisco Ferreira, e, CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa.


Direito do Trabalho. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 26. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2010.

MISAILIDIS, Mirta Gladys Lerena. Os direitos Fundamentais da Pessoa do


Trabalhador na Ordem Econômica Global. In Erro! A referência de hiperlink não é
válida.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 25. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos


Fundamentais. 9ª ed. Porto Alegre - RS: Do Advogado editora, 2012

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editora, 2012.

SILVEIRA, Vladimir Oliveira da; CONTILEPI, Ernani. Direitos Humanos


Econômicos na Perspectiva da solidariedade: desenvolvimento integral. In.
http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/ernani_contipelli.pdf

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

238
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

PROTEÇÃO À INTIMIDADE E PRIVACIDADE DO EMPREGADO NO


AMBIENTE DE TRABALHO

PROTECTION OF THE EMPLOYEE’S INTIMACY AND PRIVACY IN THE


LABOUR ENVIRONMENT

Deilton Ribeiro Brasil ∗

Sumário. Introdução. Capítulo I – Proteção à intimidade do empregado no ambiente


de trabalho. 1.1 – Limitações ao direito à intimidade. Capítulo II – Violação do direito à
intimidade e seus reflexos. 2.1 – A reparação da lesão à privacidade. Capítulo III – O respeito
à privacidade no ambiente de trabalho. Considerações finais. Referências.

Resumo
O presente paper tem por escopo o estudo da intimidade e vida privada do empregado em
face do poder diretivo do empregador, especificamente no que concerne às limitações
constitucionais vez que a Constituição Federal de 1988 reconhece expressamente o princípio
da dignidade da pessoa humana. O tema objeto de estudo foi escolhido devido à sua
relevância no mundo hodierno, uma vez que envolve a relação estabelecida entre o
empregado e o empregador, em que cada qual conserva direitos e deveres, devendo-se,
portanto, investigar quais os limites a serem obedecidos em tal relação, para que o
ordenamento jurídico seja devidamente observado e seja alcançada a harmonia no ambiente
de trabalho.
Palavras-Chave: Intimidade e privacidade; Relação laboral; Dignidade; Proporcionalidade;
Ambiente de trabalho.

Abstract
The current article’s scope is to study the intimacy and private life of the employee, taking
into consideration the employer’s directive power, specifically about reviewing the
constitutional limits since the Federal Constitution of 1988 expressly recognizes the principle
of human dignity. The subject studied was chosen due to its importance in the modern world,
once it involves the established relation between the employee and the employer, both having
rights and obligations, therefore it’s necessary to investigate which are the boundaries and
limits needed in that relation in order the legal system will be correctly observed and obtained
the harmony in the labour environment.
Keywords: Intimacy and privacy; Labour relationship; Dignity; Proportionality; Labour
environment.

∗ Pós-Doutorando pela Universidade de Coimbra, Portugal. Doutor em Estado e Direito: internacionalização e


regulação pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro/RJ. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito
Milton Campos de Belo Horizonte/MG. Professor da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete - FDCL. E-
mail: deilton.ribeiro@terra.com.br

239
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Introdução.

Para MOURA (2004, p. 1) o destinatário da norma constitucional brasileira é a


pessoa humana. Nenhuma Constituição Federal, de 1824 até a penúltima, de 1969, iniciou
seus títulos, capítulos ou seções pelos direitos da pessoa humana. A Constituição Federal de
1969 só se referiu aos direitos das pessoas a partir do art. 153, cuidando, na maior parte do
texto, do aparato estatal.
A Constituição Federal de 1988 em seu preâmbulo, diz, in verbis:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional


Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da
República Federativa do Brasil.

Dedica o texto constitucional nos arts. 1º ao 4º aos princípios fundamentais, listando


no art. 1, III, a dignidade da pessoa humana; no art. 3º, I, a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária no inciso IV, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação; no art. 4º, I, a
soberania nacional; II, a prevalência dos direitos humanos, e no inciso IX a cooperação entre
os povos para o progresso da humanidade (MOURA, 2004, p. 2).
Para FIORILLO (2001, p. 53) os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana
foram reservados no Título II, em seu art. 5º, distribuídos em 77 incisos. Nos Direitos
Sociais encontramos no Capítulo II, constituindo o art. 6º o piso vital mínimo da pessoa
humana, que assegura a sua existência digna.
Vivemos num Estado democrático de direito, conforme o art. 1º da Constituição
Federal. Um Estado de direito, pois, subordinado à legalidade constitucional. Mas o sistema
é capitalista. A busca pelo lucro prevalece. O aproveitamento do ser humano, de suas forças
físicas e psíquicas para a produção é o meio para a busca do lucro. E este não pressupõe
emoção ou sentimento. Acontece que se a pessoa humana não for tratada com dignidade, ela
dará prejuízo. Num sistema capitalista há forte pressão sobre a atividade laboral. Havendo o
desequilíbrio age o direito. Para tanto, as leis trabalhistas, que vêm proporcionar o equilíbrio
entre patrões e empregados (MOURA, 2004, p. 3).

240
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O leque de direitos fundamentais nas relações de trabalho é por demais bem amplo,
pois abrange não somente o princípio da dignidade da pessoa humana, mas também outros
tais como: o da proibição do trabalho escravo (ou trabalho forçado); o respeito à honra; o
respeito à imagem; o direito à livre manifestação do pensamento dentre outros.

Capítulo I – Proteção à intimidade do empregado no ambiente de trabalho.

Para RUIZ MIGUEL (1995, p. 44) a intimidade pode ser vista sob três dimensões:
como fenômeno (fator socioeconômico), como ideia (fator cultural) e como direito (fator
político-jurídico).
O direito à intimidade encontra-se previsto em nosso ordenamento no art. 5º, inciso
X, da Constituição Federal estando, por conseguinte no mais alto escalão das normas
constitucionais, sendo em verdade uma das cláusulas pétreas. Pertence aos direitos relativos
a integridade moral que compõe o direito da personalidade (BACELLAR, 2003, p. 60).
A personalidade é direito básico que se estende a todos os homens de forma perpétua
e permanente, conferido não só pelo ordenamento civil mas sobretudo guindado aos direitos
constitucionais, sendo que não se pode conceber a existência de um homem que não tenha
direito à vida, à liberdade física ou intelectual, ao seu nome, ao seu corpo, à sua imagem, à
honra (BACELLAR, 2003, p. 60).
O direito à intimidade consiste no direito que toda pessoa tem de se resguardar dos
sentidos alheios, ou seja, o direito de salvaguardar os aspectos íntimos de sua vida
abrangendo a proteção da vida pessoal e familiar e à intimidade do lar dos indivíduos
(BACELLAR, 2003, p. 60).
A intimidade é um direito da personalidade do indivíduo e, portanto, direito do
trabalhador no âmbito da relação de emprego. Proteger a vida privada significa assegurar
proteção a certos aspectos da vida íntima da pessoa, que tem o direito de resguardá-los da
intromissão de terceiros. Trata-se de um direito negativo, no sentido de excluir do
conhecimento de outrem aquilo que só à própria pessoa diz respeito. Reservar seus assuntos
íntimos só para si: eis, em resumo, a expressão do direito à intimidade, que se revela na
vedação do acesso de estranhos ao domínio do confidencial. Como direito da personalidade,
imiscui-se na integridade da pessoa, que não abrange apenas a dimensão antropológica e
física, mas reveste também conteúdos psíquicos, morais, mentais e éticos (LOBO; LEITE,
1989, p. 36).

241
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Nesse sentido, ROMITA (2005, p. 258) preleciona que a tendência atual revelada
pelo direito do trabalho brasileiro leva a distinguir entre a atividade do trabalhador, enquanto
tal, e o próprio prestador de serviços, enquanto pessoa. Os atributos da personalidade,
relacionados com o segundo tópico, tornam-se credores de proteção que, embora não
mereçam atenção especial do legislador, encontram na doutrina e na jurisprudência
tratamento específico.
Assim, para BARROS (1997, p. 32) embora o Direito do Trabalho não faça menção
aos direitos à intimidade e à privacidade, por constituírem espécies dos direitos da
personalidade consagrados na Constituição Federal são oponíveis contra o empregador,
devendo ser respeitados, independentemente de encontrar-se o titular desses direitos dentro
do estabelecimento empresarial. É que a inserção do obreiro no processo produtivo não lhe
retira os direitos da personalidade, cujo exercício pressupõe liberdades civis.
Acontece que a mesma Constituição assegura o direito de propriedade; logo, no
ambiente de trabalho, o direito à intimidade sofre limitações, as quais não poderão,
entretanto, ferir a dignidade da pessoa humana (BARROS, 1997, pp. 32-33) .
Não é o fato de um empregado encontrar-se subordinado ao empregador ou de deter
este último o poder diretivo que irá justificar a ineficácia da tutela à intimidade no local de
trabalho, do contrário, haveria degeneração da subordinação jurídica em um estado de
sujeição do empregado. O contrato de trabalho não poderá constituir um título legitimador
de recortes no exercício dos direitos fundamentais assegurados ao empregado como
cidadão; essa condição não deverá ser afetada quando o empregado se insere no organismo
empresarial, admitindo-se, apenas, sejam modulados os direitos fundamentais na medida
imprescindível do correto desenvolvimento da atividade produtiva (RUIZ MIGUEL, 1995,
p. 185).
Quanto ao controle da atuação desenvolvida pelo empregado na execução de suas
tarefas, merecem estudo: a) os procedimentos utilizados para controlar o trabalho, como
buscas pessoais, buscas em objetos do empregado, veículos ou em espaços a ele reservados,
instrumentos visuais, instrumentos auditivos; 1 b) controle de objetos, fotos, enfeites que se
colocam no escritório, ao redor do empregado; c) serviços de polícia privada; d) limites
estabelecidos para ir ao toillete ou para chamadas telefônicas; e) imposição de exames

1
De acordo com o disposto no art. 373-A da Consolidação das Leis do Trabalho (acrescentado pela Lei n°
9.799, de 26.5.1999), inciso VI, é vedado ao empregador proceder a buscas pessoais íntimas nos empregados
ou funcionários. São ressalvadas certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas. Portanto,
quando se tratar de trabalhadores do sexo feminino, a busca pessoal só será lícita em casos específicos,
mediante prévio ajuste (convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo ou contrato individual de trabalho).

242
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

médicos e tratamentos; f) exigência de teste de gravidez. Os temas extralaborais abrangem:


a) liberdade de pensamento, indagações sobre crença religiosa, opiniões ideológicas,
políticas e sindicais; b) aspecto familiar, como estado civil, cumprimento de obrigações
familiares como cuidado dos filhos, pagamento de pensões alimentícias, etc., proibição de
matrimônio com pessoas que trabalhem na mesma empresa ou em empresas concorrentes; c)
aspectos pessoais, como uso do álcool, drogas e jogo, cumprimento de obrigações ordinárias
(devedor perseguido por credores, etc.), alusão à conduta sexual, indagação sobre
antecedentes penais, indagações sobre gravidez; d) presença do empregado, como
intervenção no vestuário, na higiene e na apresentação do empregado (ROMITA 2005, p.
259).
A Consolidação das Leis do Trabalho, que é, após a Constituição Federal, a principal
fonte estatal de Direito do Trabalho no Brasil, data de 1943. Embora o texto consolidado
tenha sofrido alterações no decorrer dos anos, demonstra uma preocupação em tutelar a
integridade física do empregado no local de trabalho, permanecendo em um plano
secundário a esfera privada do empregado, no seio da relação de emprego. Não obstante, o
art. 483 da CLT proíbe que o empregador ofenda a honra e a boa fama do empregado. Logo,
não só os crimes contra a honra (calúnia, injúria ou difamação), mas outros comportamentos
capazes de magoar o empregado na sua dignidade pessoal serão tidos como atentatórios à
honra, enquanto a ofensa à boa fama implica expor o trabalhador ao desprezo de outrem. O
mesmo artigo proíbe, ainda, seja tratado o empregado com rigor excessivo, isto é, repele
violação abusiva do poder diretivo. Todos esses comportamentos empresariais são
ensejadores de rescisão indireta, com o pagamento do que seria devido ao empregado na
hipótese de uma despedida injusta, sem prejuízo da indenização por danos morais. Por outro
lado, o art. 482, alínea “c” da CLT, considera justa causa ensejadora da resolução contratual
do obreiro, a negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do
empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o
empregado, ou for prejudicial ao serviço. A falta insere-se no dever de fidelidade e tem sido
acolhida em várias legislações do ocidente (BARROS, 1997, pp. 33-34).

1.1 – Limitações ao direito à intimidade.

Conforme BACELLAR (2003, p. 68) a primeira forma de limitação ao direito à


intimidade se dá nos casos previstos no art. 160 do Código Civil, quais sejam: os praticados

243
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido, ou ainda em estado de


necessidade.
A segunda forma se dá pelo consentimento da parte, nesse caso, como esclarece
PONTES DE MIRANDA (1983, p. 125) não existe direito:

porque todo direito é efeito de fato jurídico; todo fato jurídico supõe suporte
fáctico. No suporte fático está o elemento ‘intimidade’; se A consentiu em que lhe
devassasse a vida privada, a intimidade deixou de existir: o consentimento atuou
como pré-excludente.

Por fim, a intimidade poderá cessar quando em confronto com outro direito mais alto
ou da mesma hierarquia que posto em confronto deva prevalecer, no caso prático, o outro
direito confrontante, pois como já foi dito não existe direito absoluto, ou seja, sempre que
um interesse maior surgir deverá se quedar o interesse de menor proporção, como por
exemplo, um empregado que por ter conhecimento da estratégia da empresa e das atividades
bancárias do empregador viola o dever de sigilo sobre as operações das sociedades por
ações, sobretudo das companhias abertas, aproveitando para auferir vantagens para si ou
para outrem, caracterizando a prática do insider trading; 2 deverá o sócio, com base em seu

2
Em termos puramente doutrinários ignorando-se, portanto a legislação vigente em cada país, insider, em
relação a determinada companhia, é toda a pessoa que, em virtude de fatos circunstanciais, tem acesso a
informações relevantes relativas aos negócios e situação da companhia. Informações relevantes,
doutrinariamente, são aquelas que podem influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de
emissão da companhia, afetando a decisão dos investidores de vender, comprar ou reter esses valores. O
Direito Brasileiro, por ora, ainda não definiu expressamente o que seja insider. No entanto, a Lei nº 6.404/76,
nos arts. 155 e 157, combinados com 145, 160 e 165, ao tratar dos deveres de lealdade e de prestar
informações, por parte dos administradores e pessoas a eles equiparados, implicitamente emitiu o conceito de
insider. Da mesma forma procedeu a Lei nº 6.385/76, quando estabeleceu que a CVM expedirá normas,
aplicáveis à companhia aberta, sobre informações que devem ser prestadas por administradores e acionistas
controladores. Com efeito, do texto de tais dispositivos legais pode-se concluir, sem qualquer dúvida, que o
legislador brasileiro admitiu como insider, nos termos da definição doutrinária de início enunciada, as
seguintes pessoas que, em razão de sua posição, têm acesso a informações capazes de influir de modo
ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia: 1) administradores – conselheiros e
diretores da companhia (art. 145 da Lei nº 6.404/76); 2) membros de quaisquer órgãos, criados pelo estatuto da
companhia, com funções técnicas ou destinadas a aconselhar os administradores (art. 160 da Lei nº 6.404/76);
3) membros do Conselho Fiscal (art. 165 da Lei nº 6404/76); 4) subordinados das pessoas acima referidas (§ 2º
do art. 155 da Lei nº 6.404/76); 5) terceiros de confiança dessas pessoas (§ 2º do art. 155 da Lei nº 6.404/76) e
6) acionistas controladores (art. 22, inciso V, da Lei nº 6.385/76). Informações Relevantes. Relativamente ao
conceito, adotado pelo Direito Brasileiro, do que sejam informações relevantes, acolheu ele idêntico conceito
ao doutrinário, indicado no início deste trabalho (item I.1), ou seja: informações relevantes são aquelas
referentes a fatos, ocorridos nos negócios da companhia, que possam influir, de modo ponderável, na decisão
dos investidores do mercado, de vender ou comprar valores mobiliários de sua emissão (art. 157, § 4º, da Lei
nº 6.404/76, combinado com o art. 155, § 1º). Divulgação de informações relevantes. Relativamente a
divulgação de "informações relevantes", adotou a Lei nº 6.404/76 o critério de obrigar os administradores e as
pessoas a ele equiparadas a divulgá-las prontamente – art. 157, § 4º (salvo expressa autorização em contrário
da CVM – art. 157, § 5º). Assim, o administrador (e pessoas a ele equiparadas: art. 145 – diretores e
conselheiros; art. 160 – membros de quaisquer órgãos com funções técnicas) são obrigados a revelar, além de
qualquer deliberação de Assembleia Geral ou dos órgãos de administração da companhia, qualquer fato
relevante, ocorrido nos negócios da companhia, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos

244
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

direito de propriedade, comunicar a todos os acionistas imediatamente tal atitude sem que tal
ato possa ser impedido com base no direito à intimidade do empregado (BACELLAR, 2003,
p. 69).

Capítulo II – Violação do direito à intimidade e seus reflexos

Para TEIXEIRA FILHO (1999, p. 640) se ocorrer alguma lesão ao direito à


intimidade do empregado provocada por ato patronal enquanto perdura a relação de
emprego, poderá aquele pleitear a rescisão indireta do seu contrato de trabalho e até mesmo
a indenização por dano moral, sendo esta decorrente da ofensa ao bem juridicamente
tutelado, ainda que imaterial, conforme previsto no art. 5º, inciso X, da Constituição
Federal.
A despedida indireta ocorreria face o rigor excessivo (art. 483, alínea “b” da
Consolidação das Leis do Trabalho) em razão de alguma punição disciplinar sem
fundamento, injustificada e desproporcional do empregador, através do exercício exacerbado
do poder diretivo (CASELLA, 1996, p. 487).
COUTINHO (1999, pp. 104-105) propugna ainda que o trabalho pode ser dirigido,
mas não a vida do empregado. Afinal, o empregado não se despe da sua personalidade, não
abre mão da sua vida íntima, ao celebrar com o empregador um contrato de trabalho.
Importante salientar que a reparabilidade do dano moral poder ser requerida in
natura ou in pecunia, isolada ou cumulativamente, sendo certo que a compensação in natura
é mais difícil de se vislumbrar nos casos de lesão ao direito da personalidade, considerando
a quase impossibilidade de reconstituição do patrimônio imaterial danificado (TEIXEIRA
FILHO, 1999, p. 641).
Na reparação do dano moral, em pecúnia, deverá ser levada em conta uma série de
circunstâncias relevantes ao caso tais como, número de pessoas atingidas ou conhecedoras
por efeito de repercussão; permanência temporal; intensidade; reincidência; situação
econômica do ofensor e do ofendido e a razoabilidade do valor pretendido.

investidores do mercado, de vender ou comprar valores mobiliários de sua emissão. Já a Lei nº 6.385/76,
demonstrando igual preocupação com o processo de divulgação da informação relevante, enunciou, em seu art.
22, inciso VI, competir à CVM expedir normas aplicáveis às companhias abertas sobre a divulgação de fatos
relevantes, ocorridos nos seus negócios, que possam influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores
do mercado, de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia. Lembre-se ainda que à CVM
cabe, nos termos do art. 8º, inciso III, da Lei nº 6.385/76, fiscalizar a veiculação de informações relativas ao
mercado, às pessoas que dele participem e aos valores nele negociados.

245
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

2.1 – A reparação da lesão à privacidade.

As consequências da lesão à privacidade no ambiente de trabalho são resumidas pela


doutrina em três vertentes: (I) caso persista a relação de emprego, o trabalhador pode optar
pela chamada despedida indireta do art. 483 da CLT; (II) quando o empregado houver sido
demitido, há a hipótese de pedido de reintegração, caso inexista incompatibilidade entre as
partes capaz de impedir o prosseguimento do vínculo empregatício e sendo o obreiro
portador de algum tipo de estabilidade ou garantia de emprego – ressalvando que,
ultimamente, a jurisprudência começa a se inclinar no sentido de autorizar a reintegração
também quando comprovado o exercício abusivo do direito de despedir; (III) sendo, ainda,
certo que ambos os caminhos não prejudicam uma eventual indenização por danos morais.
O art. 483 da CLT enumera sete hipóteses que, se verificadas, dão ensejo a que o
empregado considere rescindido o contrato e pleiteie a devida indenização. Ele poderá agir
desta forma quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos
bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor
excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoa de sua família, ato
lesivo da honra e da boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de
legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a
afetar sensivelmente a importância dos salários.
A doutrina especializada diverge quanto às hipóteses que manteriam pertinência com
eventuais lesões à privacidade: enquanto alguns autores optam pelas previsões “a” e “e”, há
quem entenda a visão também para as alíneas “b” e “c”, aproveitando para afastar de plano a
hipótese “f” por cuidar tão somente da sua integridade física, reclamando que a legislação
infraconstitucional, além de ser excessivamente específica, restringindo sobremaneira as
hipóteses de tutela dos direitos da personalidade, limita-se a autorizar a rescisão do
contrato de trabalho, por justa causa do empregador.

246
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Para LEWICKI (2003, p. 167) a despedida indireta por violação da privacidade


também poderá ser justificada com base na alínea “b” em face que o rigor usado pelo
empregador se tornará excessivo sempre que menoscabe a dignidade da pessoa humana
inerente ao empregado.
Além da alínea “b”, poderá ainda ser invocada a previsão descrita na alínea “c”,
desde que a violação represente um ato continuado, como no caso da interceptação
permanente das comunicações. Também não deve ser descartada de plano a busca de apoio
na hipótese prevista na alínea “f”, considerando a nova concepção da integridade física
como integridade psicofísica, característica de um ordenamento jurídico que não protege
apenas a saúde do corpo, como se esta pudesse ser dissociada do que lhe vai por dentro
(LEWICKI, 2003, p. 167).
No mesmo sentido, a menção da alínea “e” à honra e à boa fama (o que hoje se
chamaria de imagem) antecipou em muito a previsão constitucional dos direitos da
personalidade; indubitavelmente tida hoje como um destes direitos, pareceria estranho alijar
a privacidade do alcance, atualizado, daquele preceito da CLT. Desta forma,
verdadeiramente estranhas à proteção da privacidade parecem ser apenas as alíneas “d” e
“g”, e também a alínea “a”, apesar das opiniões em sentido contrário, pois o que aquele
dispositivo parece ter em mira não é tanto o modo da prestação dos serviços, mas antes o
objeto da prestação (LEWICKI, 2003, pp. 167-168).
Para MARTINS (1998, p. 37) no que se refere à reintegração, a hipótese que melhor
serve para o estudo é a da demissão discriminatória calcada na soropositividade do vírus
HIV, pela aceitação que tal tese vem recebendo na jurisprudência brasileira. Neste âmbito, a
reintegração é pacífica em alguns casos: é vedada a dispensa do soropositivo que estiver sob
os cuidados do INSS, percebendo auxílio-doença ou outro benefício previdenciário ou se o
empregador impedir o doente de obter o último, hipóteses nas quais o contrato de trabalho
estará suspenso por força do art. 476 da CLT.
Quanto à possibilidade de outra indenização, além da que decorre diretamente da
rescisão do contrato de trabalho, BODIN DE MORAES (2003, p. 182) preleciona que:

Em sede de responsabilidade civil, e, mais especificamente, de dano moral, o


objetivo a ser perseguido é o de oferecer a máxima garantia à pessoa humana, com
prioridade, em toda e qualquer situação da vida social em que algum aspecto de
sua personalidade esteja sob ameaça ou tenha sido lesado.

247
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Ainda BODIN DE MORAES (2003, p. 182) preleciona que o dano moral será
sempre o resultado de uma violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana, da qual a
privacidade, cada vez mais identificada com a essência da personalidade, é expressão direta.
Nas hipóteses, nas quais se atinge a privacidade de pessoa ligada ao agressor por
relação de emprego, a demanda deverá ser ajuizada perante a Justiça do Trabalho. Esta é a
interpretação dominante para o preceito contido no art. 114 da Constituição Federal, que
estabelece a competência especializada para conciliar e julgar os dissídios individuais e
coletivos entre trabalhadores e empregadores [...] e, na forma da lei, outras controvérsias
decorrentes da relação de trabalho.
Para BELMONTE (2001, pp. 130 et seq.) a predominância desta tese não é apenas
doutrinária, já tendo se pronunciado a este respeito o Supremo Tribunal Federal, que
reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para estes casos, não importando deva a
controvérsia ser dirimida à luz do Direito Civil. 3
É, portanto a Justiça do Trabalho competente para julgar uma lide que contraponha
um empregador e um trabalhador que queira ver compensado o dano oriundo da
interceptação de uma comunicação pessoal sua, tal como um e-mail ou um telefonema.
Caso, contudo, uma pessoa estranha à relação empregatícia – no caso, um eventual
interlocutor externo – queira também postular uma indenização pelo desprezo à sua
privacidade, o deverá fazer junto à Justiça Comum (LEWICKI, 2003, p. 172).
O mesmo acontecerá quando o ambiente de trabalho revelar-se hostil à privacidade
daquele que ainda sequer ingressou definitivamente em seu recôndito assevera TEIXEIRA
FILHO (1996, p. 45):

O dano moral verificado durante o processo seletivo de candidato a um posto de


trabalho refoge à competência do Judiciário Trabalhista. É que a apreciação do
ato lesionante situa-se em período pré-contratual, não lastreado por uma relação
jurídica de emprego ou de trabalho, base sobre a qual se erige a competência
dessa Justiça especializada. A reparabilidade do dano moral praticado nessas
circunstâncias insere-se, pois, na competência da Justiça Comum.

Analogamente, quando o dano for causado a um ex-funcionário – cujos dados


pessoais tidos como sensíveis, por exemplo, tenham sido inadvertidamente transmitido a
terceiros -, aquele também poderá optar por esta via, devendo ser observada, em casos deste
tipo, a necessidade da utilização concorrente de meios não-pecuniários de composição do
dano, de modo a evitar o alastramento da lesão (BELMONTE, 2001, pp. 197 et seq.).

3
Recurso Extraordinário 238.737-4, julgado pela 1ª Turma em 17.11.98 e relatado pelo Ministro Sepúlveda
Pertence.

248
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Capítulo III – O respeito à privacidade no ambiente de trabalho.

O dicionário brasileiro informa que a palavra privacidade é um anglicismo de


empréstimo recente na língua portuguesa, talvez década de 1970. COSTA JÚNIOR (1970,
p. 17) fala em privaticidade. Já intimidade e vida privada são de uso mais consagrado, o
que talvez explique a menção constitucional do inciso X do art. 5º, vigente em nosso direito,
que estabelece a inviolabilidade de uma como da outra, assim também procedente com
relação à honra e à imagem.
Para ROMITA (2005, p. 263) o preceito Constituição Federal declara inviolável a
vida privada das pessoas. Tal como a proteção à intimidade, a proteção à vida privada
alcança também a pessoa do trabalhador, quando em foco a relação de trabalho subordinado.
Como empregado, o trabalhador é também titular de direitos fundamentais assegurados
genericamente às pessoas, já que, embora submetido à subordinação jurídica, conserva as
prerrogativas decorrentes da cidadania: cidadão na República, o trabalhador continua a ser
cidadão na empresa e, como tal, tem direito a respeito à sua vida privada por parte do
empregador.
Logo, se a Constituição Federal assinala serem invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, nos parece lógico admitir a autonomia de cada
qual, especialmente se o propósito está voltado à concepção de um catálogo de garantias
fundamentais apto a cumprir a meta desenhada pelo elemento constituinte originário: a
defesa da cidadania e do Estado Democrático de Direito.
A esfera da intimidade é a interior, a de raio menor: envolve os aspectos mais
recônditos da vida do trabalhador, aqueles que deseja guardar só para si, isolando-os da
intromissão do empregador. Já a esfera da vida privada é mais ampla, sobrepõe-se à da
intimidade, tem raio maior do que a primeira: nela se encaixam os aspectos que dizem
respeito à privacidade do trabalhador. Por privacidade, neste contexto, deve entender-se a
faculdade assegurada ao empregado de excluir o empregador do acesso a informações e de
impedir que sejam divulgadas tais informações, capazes de afetar sua sensibilidade.
Dessa forma para SIMÓN (2000, p. 78) a principal diferença entre intimidade e vida
privada reside na comunicação dos fatos de interesse da pessoa: enquanto a primeira exclui
qualquer forma de repercussão, a segunda envolve necessariamente a comunicação com
terceiros. Como é óbvio, segundo ainda ROMITA (2005, pp. 263-264) a vida privada opõe-
se a vida pública, mas desta não se cogita, por prescindir de proteção específica no que se
relaciona com os direitos da personalidade do trabalhador.

249
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

SILVA NETO (2005, p. 92) preceitua ainda que a doutrina tem demonstrado especial
atenção ao estudo da vida privada dos trabalhadores à conta das conseqüências ocasionadas
nas relações privadas dos empregados no uso – cada dia mais intenso – de bip’s, telefones
celulares fornecidos pela empresa, comunicação via Internet à residência do trabalhador e
toda sorte de parafernália eletrônica que lhe subtrai ou limita os momentos de convívio
familiar .
Reconhece-se que algumas profissões, por sua própria natureza, trazem implícito,
desde a inserção do empregado no estabelecimento, o consentimento para que se opere –
digamos assim – uma invasão de privacidade. Profissões ou funções exercidas em atividade
ou serviços considerados essenciais denotam a possibilidade de maior restrição à vida
privada do empregado.
O art. 10 da Lei n° 7.783/89 fornece parâmetro para que se desvende as atividades ou
serviços essenciais que podem admitir o uso de aparelho pelo empregado como possível
limitação à sua vida privada: I – tratamento e abastecimento de água; II – assistência médica
e hospitalar; III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV –
funerários; V – transporte coletivo; VI – captação e tratamento de esgoto e lixo; VII –
telecomunicações; VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e
materiais nucleares; IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais; X – controle
de tráfego aéreo; XI – compensação bancária.
O art. 10 da Lei de Greve confere segurança para disciplinar a questão do uso de
aparelhos eletrônicos vinculativos do empregado à empresa mesmo após o encerramento da
jornada de trabalho, e, à luz do princípio da proporcionalidade (SILVA NETO, 2005, p. 84)
pode-se concluir que não será possível estender o uso de qualquer aparelho para empregados
exercentes de funções outras que não se encontrem relacionadas àquelas atividades
empresariais descritas no dispositivo legal (SILVA NETO, 2005, p. 93).
É certo que até nos serviços ou atividades consideradas essenciais, a análise do caso
concreto pela Justiça do Trabalho se há correlação lógica entre a função do empregado na
empresa e a exigência que se lhe dirige quanto ao uso de bip, por exemplo. Na medida em
que, o mero fato de a atividade empresarial estar enquadrada em algum inciso do art. 10, não
autoriza, ato-contínuo, o empregador, a diminuir o espectro da garantia individual de todos
os trabalhadores do estabelecimento; mas sim apenas e tão-só dos que realizam função
estreitamente conjugada àquela atividade reputada essencial pela norma (SILVA NETO,
2005, p. 93).

250
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A título de exemplo, não parece razoável, ainda que se trate de empresa voltada ao
tratamento e abastecimento de água, obrigar empregado que atue no setor administrativo ao
uso de telefone celular para viabilizar a sua presença em situações de emergência,
principalmente em virtude do fato de que pouco servirá o seu auxílio para combater o
sinistro, à míngua de conhecimentos técnicos necessários (SILVA NETO, 2005, p. 94).
Em face dessa situação, é admissível apresentar alguns critérios que norteadores
diante de alegada transgressão à vida privada do trabalho:

I – Não se tratando de atividade empresarial adequada ao disposto no art. 10, da Lei


n° 7.783/89 é vedado ao empregador exigir do empregado o uso de qualquer aparelho que,
colhendo-o após o término da jornada de trabalho, termine por cercear a sua privacidade;
II – Conquanto reputada essencial a atividade, somente será lícita a exigência do
empregador quando a função exercida pelo empregado guardar pertinência com a atividade-
fim considerada substancial pela lei (SILVA NETO, 2005, p. 94).
Se, em contrapartida, haver desrespeito à garantia individual do empregado pela
empresa a circunstância delimita a ocorrência de ato ilícito, nos moldes do art. 159 do
Código Civil, competindo à Justiça do Trabalho decidir sobre a indenização pleiteada, posto
que tem como causa de pedir fato ocorrido durante o curso da relação contratual individual
de trabalho (SILVA NETO, 2005, p. 94).
Suponha-se, todavia, que a imposição do empregador não se encontre dirigida a um
dado empregado, mas a todos da empresa. Nesse caso, em face da dimensão coletiva da
ofensa, ou melhor, da transgressão a interesse transindividual trabalhista, torna-se
obrigatória a atuação do Ministério Público do Trabalho, não para pleitear, via ação civil
coletiva trabalhista, eventuais indenizações devidas a cada empregado, mas para requer,
mediante medida liminar ou pedido de antecipação de tutela em ação civil pública, a
imediata suspensão da exigência quanto ao uso do aparato eletrônico que fere o direito à
vida privada (SILVA NETO, 2005, p. 94).
A violação do direito do empregado à vida privada pode dar-se por meio de variados
atos do empregador. Por exemplo, ao lançar na carteira de trabalho e previdência social
determinadas anotações, o empregador pode violar esse direito. Por tal motivo, o art. 29, §
4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (acrescentado pela Lei n° 10.270, de 29 de agosto
de 2001) veda ao empregador efetuar anotações desabonadoras à conduta do empregado em
sua carteira de trabalho e previdência social (ROMITA, 2005, p. 264).

251
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Considerações finais

1. O texto constitucional em vigor é a primeira Constituição brasileira a reconhecer


expressamente o princípio da dignidade da pessoa humana. Qualquer ação do Poder Público
e seus órgãos não poderão jamais, sob pena de ser maculada de ilegítima e declarada
inconstitucional, restringir de forma intolerável ou injustificável a dignidade da pessoa
humana. Esta só poderá sofrer constrição para salvaguardar outros valores constitucionais.
1.1 - Dignidade é tudo aquilo que não tem preço, no reino dos fins tudo tem ou um
preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela
qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço e,
portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade.
1.2 - O princípio da dignidade da pessoa humana tornou-se o centro do
ordenamento jurídico. Os direitos à vida, à honra, à integridade física, à integridade
psíquica, à privacidade, à intimidade, etc., pois, sem eles, não se concretiza a dignidade
humana.
2. O direito à intimidade é um dos direitos subjetivos ligados à personalidade.
3. Dentre os direitos da personalidade, a intimidade e a vida privada, protegidas
pelo art. 5o, inciso X, da Constituição Federal, relacionam-se com o direito ao resguardo; a
primeira identifica-se com a esfera que o indivíduo exclui do conhecimento de quaisquer
outras pessoas; a segunda engloba situações próprias dos indivíduos na relação com outros
indivíduos, mas excluídas do domínio público.
4. A Constituição Federal assegura, na parte final do art. 5o, inciso X, o direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de violação do direito à intimidade e à
vida privada. A fixação da indenização deve levar em consideração a condição do agressor e
da vítima. É possível utilizar, como parâmetro, a sistemática do art. 1.547 do Código Civil
no que diz respeito à indenização por injúria ou calúnia.
5. Alguns aspectos processuais da tutela jurisdicional individual merecem destaque:
além de eventual responsabilização criminal do indivíduo que causou lesão à intimidade e à
vida privada (patrão ou preposto), na responsabilização por dano material ou moral, a
empresa deve responder solidariamente, por culpa in eligendo e in vigilando; já que o art.
114 da Constituição Federal preceitua que a Justiça do Trabalho é competente para julgar
conflitos decorrentes da relação de emprego.
6. Embora a legislação trabalhista brasileira não faça menção ao direito à
intimidade do empregado ele é oponível contra o empregador, pois o fato de deter este

252
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

último o poder diretivo não torna ineficaz a tutela desse direito consagrado em preceito
constitucional.
7. Não há entre os autores uma unanimidade no conceito de direito à intimidade e
direito à privacidade. No entanto, sua distinção sobreveio à Constituição Federal de 1988, ao
dar tipificação diversa, em seu inciso X, art. 5º. Direito à intimidade consiste no direito de
não ser ferido em seu íntimo, ou melhor, tudo aquilo que se passa entre quatro paredes,
reservadamente, para a própria pessoa ou para o círculo mais restrito de sua família, e que
compreende tanto o ambiente domiciliar quanto o local de trabalho.
7.1. Os direitos à honra e à intimidade não devem ser confundidos. Com a proteção
da intimidade pretende-se assegurar uma parcela da personalidade que se reserva da
indiscrição alheia para satisfazer exigências de isolamento moral do sujeito.
7.2. Enquanto o direito à intimidade diz respeito a fatos, situações e acontecimentos
que a pessoa deseja ver sob seu domínio exclusivo, sem compartilhar com qualquer outra, o
direito à vida privada diz respeito ao ambiente familiar e cuja lesão resvala nos outros
membros do grupo.
7.3. Esse direito vem reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948 no seu
artigo XII que preconiza que ninguém sofrerá interferências arbitrárias na sua vida
privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e
reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
7.3.1. Quando se fala de intimidade, impõe-se o terceiro como titular desse espaço
de reserva; seria uma qualidade ou situação de que gozaríamos ou em que estaríamos
perante o outro: ser dele próximo, confidente, ter liberdade para expressar-lhe certos
sentimentos, emitir opiniões ou fazer algum tipo de pedido, sem formalidade.

Referências

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Renovar, 2001.

253
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

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constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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trabalho: estudos em homenagem ao Prof. Octavio Bueno Magano/Estevão Mallet e Luiz
Carlos Robortella [Coord.], São Paulo: LTr, 1996.

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LEWICKI, Bruno. A privacidade da pessoa humana no ambiente de trabalho. Rio de


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LOBO, Eugenio Haddock e LEITE, Júlio César do Prado. Comentários à Constituição


Federal. Rio de Janeiro: Ed. Trabalhistas, 1989, vol. I.

MARTINS, Sérgio Pinto. Aids e direito do trabalho. In: Revista do Advogado. n° 54, 1998.

MOURA, Roldão Alves de. Ética no meio ambiente do trabalho. São Paulo: Editora Juarez
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PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 4. ed. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, t. VII.

ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr,
2005.

_____. O princípio da proteção em xeque e outros ensaios. São Paulo: LTr, 2003.

_____. Direito do trabalho: temas em aberto. São Paulo: LTr, 1998.

_____. O poder disciplinar do empregador. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1983.

RUIZ MIGUEL, Carlos. La configuración constitucional del derecho a la intimidad.


Madrid: Editorial Tecnos, 1995.

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direitos fundamentais e o contrato de trabalho. São Paulo:
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SIMÓN, Sandra Lia. A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do


empregado. São Paulo: LTr, 2000.

TEIXEIRA FILHO, João de Lima. In: Instituições de direito do trabalho. Arnaldo


Süssekind, Délio Maranhão [et allii], 18. ed. atual. São Paulo: LTr, 1999, vol. I.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

SUSTENTABILIDADE NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO: UM NOVO


PARADIGMA PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

SUSTAINABILITY IN THE WORK ENVIRONMENT: A NEW PARADIGM FOR


THE APPRECIATION OF HUMAN LABOR.

Samia Moda Cirino1

RESUMO: A pesquisa desenvolvida considera a sustentabilidade como um novo paradigma


a ser implementado no meio ambiente laboral para a valorização do trabalho humano. Para
tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa, exploratória e bibliográfica. Conferiu-se ênfase
na dimensão social da sustentabilidade, representada pelas ações das organizações em relação
ao seu público interno, ou seja, os trabalhadores.Verificou-se que o meio ambiente laboral
sustentável está diretamente relacionado com a qualidade de vida dos trabalhadores. Por
intermédio de uma gestão organizacional sustentável há a concretização do valor jurídico e
social da dignidade do ser humano, com reflexos diretos no progresso da sociedade e no
alcance do objetivo maior do desenvolvimento sustentável. Ao fim do artigo, considerou-se
que propostas de flexibilização dos direitos trabalhistas e a precarização das relações de
trabalho obstam o implemento de práticas sustentáveis no ambiente laboral e acirram os
problemas de saúde, bem-estar e segurança no trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Sustentabilidade. Meio ambiente de trabalho. Desenvolvimento


Sustentável. Dimensão social. Organizações.

ABSTRACT: The research has admitted sustainability as a new paradigm to be implemented


in the work environment for the appreciation of human labor. It has been realized a basic,
qualitative, exploratory and bibliographical research. It was emphasized the social dimension
of sustainability, represented by the actions of company with internal stakeholders, therefore
the employees of the company. It verified that sustainability in the work environment is
related to the quality of life of the employees. A sustainable management allows to realize the
social value of human dignity, with direct impacts in the progress of the society and in the
sustainable development. In the end of the article it is argued that the proposals of labor
flexibility and the casualization of labor hinder the implement of sustainable practices in the
work environment and increases the problems with health, welfare and labor safety.

KEY WORDS: Sustainability. Work environment. Sustainable development. Social


dimension. Organizations.

1
Mestre em Direito Negocial, na linha de pesquisa de Direito Empresarial, pela Universidade Estadual de
Londrina – UEL.

255
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

INTRODUÇÃO

As propostas neoliberais agravaram os problemas sociais, uma vez que conceberam


um Estado mínimo e subsidiário, ou seja, um Estado parco em prestações sociais e no qual a
própria sociedade se responsabiliza pelos riscos de sua existência, só recorrendo ao Poder
Público subsidiariamente, na impossibilidade de auto-satisfação de suas necessidades. O atual
quadro vivenciado pela adoção dessas políticas neoliberais, principalmente em países como
Brasil, que não viveu efetivamente os benefícios do Estado Social, é de miséria,
marginalização, concentração de renda, precarização das relações de trabalho, falta de direitos
básicos como educação, saúde e moradia.
O modelo econômico e de produção capitalista, aperfeiçoado pelos avanços
científicos e tecnológicos que, por sua vez, proporcionaram a reestruturação da produção e a
Terceira Revolução Industrial, retiraram o valor do trabalho, transformando o homem em
simples ‘mercadoria’ inserta no processo de produção. O homem se vê tolhido da principal
manifestação de sua humanidade e dignidade, o trabalho. Assim, a luta dos trabalhadores não
é mais apenas por condições melhores de subsistência, mas pela própria dignidade do ser
humano.
Em face desse cenário, a sociedade passa a questionar o papel do Estado e das
instituições dominantes, no sentido de buscar um consenso sobre as conseqüências da
atividade econômica na sociedade. A opinião pública requer das organizações uma nova
configuração da atividade econômica, pautada na ética e na responsabilidade para com a
sociedade e o meio ambiente.
Esse novo modelo de empresa está pautado no paradigma da sustentabilidade,
visualizado na perspectiva de um agir organizacional com o objetivo de promover o equilíbrio
entre os aspectos social, econômico e ecológico. A sustentabilidade foi o paradigma utilizado
nesta pesquisa pois é a idéia central para o alcance do objetivo maior, que corresponde ao
desenvolvimento sustentável. Destarte, a sustentabilidade visa a assegurar o sucesso do
negócio a longo prazo e, ao mesmo tempo, contribuir para o desenvolvimento econômico e
social da comunidade, um meio ambiente saudável e uma sociedade estável.
Dentre as três dimensões que compõem a sustentabilidade, foi conferida ênfase à
dimensão social, relacionada às ações das organizações voltadas ao seu público interno, ou
seja, os trabalhadores.
Considerados todos os aspectos físicos e psicológicos que compõem o meio ambiente
laboral, a sustentabilidade é visualizada como uma forma de afastar os fatores de risco à saúde

256
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

e à segurança do trabalhador e um meio de aumentar sua qualidade de vida. Os resultados


obtidos com um meio ambiente laboral sustentável são de bem-estar e qualidade de vida do
trabalhador, valorização do trabalho humano e a concretização do valor jurídico-
constitucional e social da dignidade humana.
Não obstante todos os benefícios usufruídos pelas organizações ao implementar
práticas sustentáveis no meio ambiente laboral, como com uma equipe motivada e
comprometida com o alcance dos resultados almejados, na prática, é evidente o descaso com a
saúde, bem-estar e segurança do trabalhador. Com o objetivo de maximizar os lucros e
manter-se em um mercado altamente competitivo, muitas organizações adotam práticas
desumanas, como o trabalho infantil, o trabalho em condições análogas à de escravo, as
jornadas de trabalho extenuantes, entre outros.
Assim, a implementação de práticas sustentáveis no meio ambiente laboral precisa
vencer os desafios de propostas flexibilizadoras dos direitos trabalhistas e a precarização das
relações de trabalho, que beneficiam unicamente os empresários, à custa de repercussões
sociais negativas para os trabalhadores.
Este artigo desenvolveu-se com o problema abordado de maneira qualitativa, com os
objetivos analisados do ponto de vista exploratório e com procedimentos técnicos que
envolveram um extenso levantamento bibliográfico. O contexto desta pesquisa confluiu em
uma análise que possibilita relacionar o paradigma da sustentabilidade e o meio ambiente
laboral como forma de valorização do trabalho humano.

1 O ESTADO CONTEMPORÂNEO EM FACE DAS PROPOSTAS NEOLIBERAIS

A partir dos anos oitenta, com a afirmação dos discursos do neoliberalismo, o papel
do Estado passou a ser vigorosamente questionado. A nova proposta de modelo estatal
apresentava um Estado parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas
(GRAU, 2004, p. 42).
Sob a justificativa de que o Estado era ineficiente para atuar como agente econômico
e que o mercado não tinha condições de suportar a pesada carga dos direitos sociais, surgiu o
discurso no sentido de que o Estado deveria afastar-se da economia e deixar que o próprio
mercado criasse condições para a distribuição das riquezas. No novo modelo proposto,
buscou-se o restabelecimento da aliança entre o setor privado e o setor público. Mas, na
realidade, o objetivo principal dessa aliança consistia na renovação e no fortalecimento do

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capitalismo sem a interferência do Estado. Cuidava-se novamente da defesa de um Estado


mínimo, caracterizado pelo discurso: menos Estado e mais sociedade civil.
Em favor do próprio capitalismo, formalizou-se uma aliança entre o setor privado e o
setor público. Essa aliança estava mais voltada para o mercado do que para concretização dos
direitos sociais. No discurso neoliberal o governo deveria abster-se de dar efetividade aos
direitos sociais consagrados, sob o argumento de que os recursos economizados seriam
aplicados em investimentos produtivos que resultariam, indiretamente, no atendimento das
necessidades sociais (TRAMONTIN, 2002, p. 29). É a prevalência da idéia de que o
crescimento econômico afasta a necessidade de intervenção do Estado com a finalidade de
propiciar o bem-estar a todos.
Acrescenta-se a crítica de Bonavides (2003, p. 571), no sentido de que o
neoliberalismo cria mais problemas do que os que intenta resolver. Sua filosofia do poder é
negativa e se move, de certa maneira, rumo à dissolução do Estado Nacional e, ao mesmo
passo, doutrinando uma falsa despolitização da sociedade. As conseqüências são muito graves
nos países subdesenvolvidos, onde as conquistas do Estado Social não foram, de fato,
implementadas. O quadro vivenciado na recepção do novo modelo é ainda de forte
concentração de renda, exclusão social, falta de direitos básicos como saúde, moradia e
educação.
Nesse contexto neoliberal, Minardi (2010, p. 180) destaca que o Estado brasileiro
figura como mero expectador. As empresa multinacionais impõem esses novos sistemas de
administração e produção sem que o Estado se oponha. Os empregados sofrem com o
ambiente de trabalho muitas vezes hostil, em razão da alta competitividade, e o Estado, em
vez de garantir as condições mínimas para um saúdavel meio ambiente laboral, se mantém
neutro, para não dizer inerte.
Tendo em vista que as propostas neoliberais agravam os problemas sociais, o Estado
não pode mais atuar como mero fomentador de interesses econômicos, antes, deve atuar como
um ente efetivamente público, buscando conciliar a pluralidade de interesses existentes na
sociedade, uma vez que desenvolvimento econômico sem justiça social não é
desenvolvimento, sob pena de voltarmos às falácias do progresso, com irreversíveis custos
ambientais e sociais.
Conforme lecionada Marques Neto (2002, p. 17), deve-se cogitar um Estado
redimensionado para atender às necessidades dos atores sociais excluídos dos grupos de
pressão e de influencia e que, efetivamente, carecem de uma função pública compensatória,
distributiva e niveladora.

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Ressalte-se que a passagem para a iniciativa privada de atividades que antes eram
tipicamente de competência estatal, não implica a demonstração da prescindibilidade do
Estado, mas evidencia a necessidade de um novo tipo de intervenção. Como assinala Pierre
Subrá, “ante tal contexto, o Estado não pode mais seguir cumprindo o mesmo rol de
atividades, o que não quer dizer que não deva cumprir nenhum” (apud MARQUES NETO,
2002, p. 176). Nesse seu novo papel, o Estado deve coadunar sua função de mediador de
conflitos com a tarefa de protetor dos interesses que não logram ser defendidos ou
representados no âmbito social e político.
No Estado Liberal valores fundamentais, como vida, liberdade e propriedade, eram
ameaçados pelo próprio Estado. Hoje, os valores dominantes são outros e a ameaça que
sobres eles paira não procede do Estado, mas da sociedade e de suas estruturas injustas.
Dentro desse contexto, Derani acredita que a Constituição Brasileira de 1988 é
extremamente inovadora porque traz ao direito o prudente equilíbrio. Rechaça o liberalismo
puro e recusa o simplismo de uma centralização no Estado de decisões e programas de ação.
O que há de mais vibrante no texto constitucional é o reconhecimento da indissolubilidade do
Estado e da sociedade civil. “Todo problema de política econômica, social e ambiental só
pode ser trabalhado quando reconhecida esta unidade e garantidos os instrumentos de atuação
conjunta” (2001, p. 230).
A herança deixada pelo neoliberalismo, que se faz hoje sentir no cenário mundial, de
uma profunda crise, não apenas econômica, mas ambiental e social, tem levado a sociedade a
questionar as bases dos modelos econômicos e a examinar as instituições dominantes, no
sentido de buscar um consenso sobre as conseqüências da atividade econômica na sociedade e
impor um novo papel social às organizações.
Mas, a luta não é apenas por melhores condições básicas de subsistência, a busca é
pela revalorização do próprio homem, tornado mercadoria, ou nem isso, na economia
capitalista. O modelo econômico capitalista, fomentador das propostas neoliberais, retirou do
homem o valor de sua principal manifestação como ser humano, o valor do trabalho.
Conforme será abordado na próxima seção, o trabalho externaliza valores que dignificam o
ser humano e está diretamente relacionado com a qualidade de vida, por isso a reivindicação
final da sociedade corresponde ao alcance da própria dignidade humana.

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2 O CAPITALISMO E A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

A adoção do sistema de produção capitalista fez da pobreza e da miséria do


proletariado a condição vital de sua existência. Estabeleceu-se uma correlação fatal entre a
acumulação da riqueza e a acumulação da miséria, “de tal forma que a acumulação da riqueza
em um pólo é igual à acumulação da pobreza, do sofrimento, da ignorância, do
embrutecimento, da degradação moral, da escravidão no pólo oposto, do lado da classe que
produz o próprio capital” (ENGELS, 2010, p. 84).
Se por um lado, a busca pelo acúmulo de capital sempre existiu no espírito humano,
o capitalismo moderno caracteriza-se pela busca do lucro de forma permanente, racional e
estrutural. Segundo Weber (2012, p. 51):
O homem é dominado pela geração de dinheiro, pela aquisição como
propósito final da vida. A aquisição econômica não mais está subordinada ao
homem como um meio para a satisfação de suas necessidades materiais.
Essa inversão daquilo que chamamos de relação natural, tão irracional de um
ponto de vista ingênuo, é evidentemente um princípio-guia do capitalismo.

Conforme a idéia de mais-valia, defendida por Marx e Engels (2010, p. 74), o


capitalismo funda-se na exploração do trabalho, na apropriação do trabalho não pago. “O
capitalista, mesmo pagando a força de trabalho do operário pelo valor real, dela extrai mais
valor do que deu para adquiri-la; e que essa mais-valia constitui, afinal, a soma dos valores de
onde provém a massa do capital sempre crescente”.
Os avanços tecnológicos e, com eles, os procedimentos de automação,
desconsideram o valor do trabalho e prendem-se somente à produção e à redução de custos
com o aumento de lucratividade. A automação é uma lei imperiosa para o capitalismo que
acarreta a eliminação do trabalho e a conseqüente criação de um exército industrial de reserva.
A esse respeito, Engels (2010, p. 83) afirma que “a máquina se torna a mais poderosa arma do
capitalismo em sua luta contra a classe operária. O meio de trabalho arranca ao operário os
seus meios de subsistência; o próprio produto do trabalhador se torna o instrumento de sua
sujeição”.
A globalização e a Terceira Revolução Industrial afetaram sobremaneira o mercado
de trabalho mundial, gerando a precariedade das relações de trabalho. Nesse sentido,
Habermas (apud DINIZ; MACIEL, 2012, p. 474) destaca que as transformações ocasionadas
nos processos de produção, dentre as quais, a microeletrônica, a robótica, os novos materiais
de produção e as novas fontes de energia, deslocaram o trabalho como unidade dominante na
produção de riquezas. Agora é a ciência que é elevada à condição de primeira força produtiva.

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A falsa prosperidade pregada pelo capitalismo, com a doutrina da identidade dos


interesses do capital e do trabalho, foi brutalmente desmentida. Para o seu aperfeiçoamento, o
capitalismo ocasiona uma desenfreada dilapidação das forças de trabalho. O excessivo
trabalho de uns, gera o desemprego de um enorme contingente, reduzindo as massas a
condições mínimas de alimentação, saúde, lazer, educação, etc. Em longo prazo, tem-se a
destruição do próprio mercado interno: os mercados se atravancam, os produtos tornam-se
abundantes e invendáveis, a moeda sai de circulação, o crédito desaparece, as indústrias
fecham, as massas operárias ficam sem meios de subsistência. Um cenário tão comum não
apenas nos últimos anos, diante da crise nos Estados Unidos e na União Européia, mas em
toda a história do capitalismo, pois ele carrega em si as contradições que acarretam a sua
própria crise.
Conforme assevera Machado (2001, p. 25), a atual crise no trabalho não significa a
crise do sistema de produção capitalista. “Não se pode falar em uma crise de capital, pois a
acumulação de capital grassa a todo vapor. O modo de produção capitalista continua, assim, a
concretizar seus objetivos: acumulação e lucro”. O autor ressalta que a crise também não está
localizada nas altas taxas de desemprego ou no denominado desemprego estrutural, “o que
estamos vivendo é uma degradação crescente da mercadoria trabalho e seus reflexos surgem
nas mazelas do desemprego e do subemprego”. Dessa forma, o cerne do problema não reside
no menor número de trabalhadores, mas no maior número de trabalho precário ou do
subemprego, que para o capital recebe o nome de trabalho flexível. “Ou seja, o desemprego é,
antes de tudo, o fenômeno da subproletarização” (2001, p. 26).
O trabalho humano, da forma como está concebido no modelo econômico capitalista
desvaloriza o homo faber, robotiza-se, rotineiriza-se. O trabalho não pode ser visualizado
como uma simples mercadoria de troca pela sobrevivência ou subsistência, pois externaliza
valores que dignificam o ser humano no contexto social, psicológico e cultural. Nesse sentido,
Bonavides (apud CHIARADIA; BARACAT, 2012, p. 236) propõe uma integração entre o
capital e o trabalho:
Com a reconciliação entre o capital e o trabalho, por via democrática, todos
lucram. Lucra o trabalhador, que vê suas reivindicações mais imediatas e
prementes atendidas satisfatoriamente, numa fórmula de contenção de
egoísmo e de avanço para formas moderadas do socialismo fundado sobre o
consentimento. E lucram também os capitalistas, cuja sobrevivência fica
afiançada no ato de sua humanização, embora despojados daqueles
privilégios de exploração impune, que constituíam a índole sombria do
capitalismo, nos primeiros tempos em que se implantou.

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As relações de trabalho devem refletir um ambiente sadio e harmonioso, eis que o


trabalho é o meio fundamental dado ao ser humano para efetivar sua existência com
dignidade. O trabalho, conforme assevera Machado (2001, p. 72), não possui apenas uma
dimensão econômica, objeto do contrato de trabalho, mas também apresenta uma dimensão
social, ou seja, representa um valor, uma expressão da personalidade do trabalhador.
O elo de concretude dos direitos fundamentais, dentre os quais se inserem os direitos
sociais, sem dúvida, é a dignidade da pessoa humana. Destarte, o princípio da dignidade da
pessoa humana é o centro axiológico da concepção de Estado Democrático de Direito e da
ordem mundial pautada pelos direitos humanos. A esse respeito, são ponderosas as
considerações de Maria Celina Bodin de Moraes (apud MINARDI, 2010, p. 96):
No mundo social existem duas categorias de valores: o preço e a dignidade.
Enquanto o preço representa um valor exterior (de mercado) e manifesta
interesses particulares, a dignidade representa um valor interior (moral) e é
de interesse geral. As coisas têm preço; as pessoas dignidade. O valor moral
se encontra infinitamente acima do valor de mercadoria, porque, ao contrário
deste, não admite ser substituído por equivalente. Daí a exigência de jamais
transformar o homem em meio para alcançar quaisquer fins. Em
conseqüência, a legislação elaborada pela razão prática, a vigorar no mundo
social, deve levar em conta, como sua finalidade máxima, a realização de
valor intrínseco da dignidade humana.

A esse respeito, Minardi (2010, p. 77) assevera que a revalorização do ser humano
somente pode ser alcançada com base no solidarismo, na função social da empresa e no
princípio da dignidade da pessoa humana. A necessidade de se valorizar os direitos de
segunda dimensão e a qualidade de vida do trabalhador é um escopo da efetividade das
relações sociais, sendo certo que o ambiente de trabalho tem sua parte de influência.
Dessa forma, a valorização do trabalho possibilita a realização do valor da dignidade
humana. O alcance desse escopo depende da concretização dos direito sociais, deixados em
segundo plano na economia capitalista. Todavia, consoante será visto na seção seguinte, as
prestações positivas requeridas pelos direitos sociais não são mais impostas apenas ao Estado,
mas, igualmente, às organizações que, afinal, são as responsáveis pelas externalidades
negativas (custos sociais e ambientais) advindas da exploração da atividade econômica. Há
um redimensionamento da prática econômica, inserindo-a dentro de uma política mais
abrangente, com escopo de equilíbrio e bem-estar social.

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3 A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E O NOVO PAPEL DAS


ORGANIZAÇÕES

Historicamente, os direitos sociais são chamados de direitos de segunda dimensão,


decorrentes da reação ao desenvolvimento desenfreado do capitalismo industrial no século
XIX. Em nível constitucional, sua regulamentação ocorreu apenas no século XX, com a
Constituição do México (1917) e a da República Alemã (1919). A Constituição da Republica
Brasileira reconhece os direitos sociais, previstos nos artigos 6º a 11. São direitos sociais:
educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à
maternidade e à infância e a assistências aos desamparados.
Embora os direitos sociais tenham alcançado previsão normativa no âmbito nacional
e internacional, ainda carecem de concretização, afinal, não basta proclamar esses direitos, é
necessário desfrutá-los efetivamente. Vive-se em uma era dos direitos, mas com uma massa
de sem-direitos, daqueles que não desfrutam, de fato, dos direitos proclamados nos
ordenamentos jurídicos.
Conforme assevera Bobbio (1992, p. 10), “a maior parte dos direitos sociais, os
chamados direitos de segunda geração, permaneceu no papel. A única coisa que até agora se
pode dizer é que são expressão de aspirações ideais, às quais o nome de direitos serve
unicamente para atribuir um título de nobreza”.
O atual problema não é de reconhecer os direitos sociais, mas de protegê-los,
vivenciá-los, concretizá-los. Dessa forma, “não se trata de saber quais e quantos são esses
direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos
ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-lo, para impedir que, apesar das
solenes declarações, eles sejam continuamente violados” (BOBBIO, 1992, p. 25).
A conjetura da atual economia global, de aceleração da integração das cadeias de
produção, automação, adoção de técnicas de produção enxutas e de terceirizações, acarreta a
precarização das relações de trabalho, gerando um grande contingente de desempregados e de
empregos informais, e, conseqüentemente, fomentando a miséria e a marginalização, em
suma, acirrando os problemas sociais. Contudo, fenômenos como a globalização econômica, a
revolução tecnológica e o desenvolvimento do capitalismo, não devem servir de instrumentos
de retrocesso dos direitos sociais.
Se por um lado, a ordem jurídico-política esculpida na Constituição da República
Brasileira é capitalista, inserta em um sistema economicamente liberal, ao mesmo tempo

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contempla normas sociais, as quais devem ser observadas, para o efetivo desenvolvimento
econômico-financeiro, direcionando a atuação do ramo empresarial e as relações de trabalho.
Os problemas ambientais e sociais da atual sociedade de riscos têm modificado as
bases da atividade econômica. A indústria e o mundo dos negócios se convertem em uma
empresa política, no sentido de que a configuração da atividade econômica – sua estrutura
organizativa, produtos, processo de produção – já não pode desenvolver-se a portas fechadas.
Todas as fases da atividade econômica passaram a ser rodeadas por outras expectativas, isto é,
por outros agentes e considerações. Essa é a nova configuração que se impõe ao mundo dos
negócios: ética e responsabilidade para com a sociedade e o meio ambiente. A sociedade do
risco global está transformando as condições gerais da atividade econômica, exigindo outras
formas organizativas de ação e legitimação dentro do cenário econômico.
Dentro desse contexto mundial, a gestão empresarial não pode ser resumida
exclusivamente ao capital e nem ter como referência apenas os interesses dos acionistas
(shareholders). Um novo modelo de empresa está sendo exigido tanto por grupos sociais de
pressão, quanto pelo próprio consumidor. Trata-se de uma gestão inserida em um ambiente
social e balizada nos interesses e contribuições de um conjunto maior de partes interessadas
(stakeholders). A busca de excelência pelas organizações passa a ter como objetivos a
qualidade nas relações e a sustentabilidade econômica, social e ambiental, haja vista toda
atividade econômica depender intrinsecamente de recursos naturais e pessoas (conhecimento,
mão-de-obra e consumo).
Diante dessas mudanças, cresce o número de empresas que se voltam à
sustentabilidade. As organizações passam a conduzir seus negócios de modo a tornarem-se
parceiras e co-responsáveis pelo desenvolvimento econômico, social e cultural da sociedade.
Justamente em razão de as organizações gerarem externalidades negativas (por
exemplo, a degradação ambiental e os prejuízos sociais), bem como externalidades positivas
(como o processo de desenvolvimento e a geração de riquezas), elas devem assumir o papel
principal em ações que se visam a garantir um futuro sustentável.
Essas alterações na gestão empresarial coadunam com a opção do constituinte
brasileiro que reconhece na propriedade uma dúplice finalidade: individual e social. Por
função individual tem-se que a propriedade é um direito da pessoa, com o fim de servir ao
proprietário e sua família. Por função social entende-se a orientação da propriedade ao bem-
comum, ou seja, denota os deveres que a propriedade privada tem para com os demais
membros da sociedade, sendo que desses deveres derivam seus limites. “A propriedade não é
direito absoluto e ilimitado, como o concebeu a filosofia liberal, mas um direito limitado

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pelos deveres sociais” (NALINI, 2003, p. 170). Hans Küng (1999, p. 397) destaca que a
propriedade, por menor que seja, acarreta obrigações. “O uso da propriedade também deve
servir ao bem de todos. Só assim poderá ser edificada uma ordem econômica justa”.
É nesse sentido que se reclama um redimensionamento da prática econômica,
inserindo-a dentro de uma política mais abrangente, uma política social. Da economia que
privilegia a concorrência para uma economia adequada a finalidades mais abrangentes,
abraçada pelas expressões qualidade de vida e bem-estar. Isso significa unir o princípio da
liberdade no mercado com o equilíbrio social.
Conforme será abordado na próxima seção, esse redirecionamento da atividade
econômica reclama a adoção de uma gestão sustentável nas organizações, pautada não apenas
por escopos econômicos, mas por valores éticos voltados à preservação do meio ambiente e
ao equilíbrio social, buscando, como fim maior, o desenvolvimento sustentável.

4 SUSTENTABILIDADE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL,


RESPONSABILIDADE SOCIAL E FUNÇÃO SOCIAL: NECESSÁRIA COERÊNCIA
DISCURSIVA

Tendo em vista que as expressões função social, responsabilidade social,


sustentabilidade e desenvolvimento sustentável têm sido empregadas como sinônimas ou com
duvidosa generalidade quanto à sua extensão e aplicabilidade, nesta seção, será feita a
diferenciação dos fenômenos com intuito de se manter uma coerência discursiva.
A partir do relatório da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CMMAD) ocorreu a disseminação dos termos sustentabilidade e
desenvolvimento sustentável. Segundo a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento “o desenvolvimento sustentável procura atender às necessidades e
aspirações do presente sem comprometer a possibilidade de atendê-las no futuro”. O conceito
ganhou extensão com a Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada no
Rio de Janeiro, em 1992 (Rio 92), e a partir daí o interesse sobre o tema se globalizou.
Na ecologia, a palavra sustentabilidade descreve como os sistemas biológicos se
mantêm diversos e produtivos ao longo do tempo (JACOBI; RAUFFLET; ARRUDA; 2011,
p. 23). Com o agravamento dos problemas ambientais e sociais, o termo passou a ser aplicado
em diversas áreas do conhecimento e o conceito agregou, além do critério ambiental, questões
econômicas sociais e culturais.

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Para os indivíduos, a sustentabilidade é o potencial de manutenção de bem-estar por


um longo período, o que possui dimensões ambientais, econômicas e sociais (JACOBI;
RAUFFLET; ARRUDA; 2011, p. 23).
A sustentabilidade passa, então, a ter uma conotação que vai além da degradação do
ambiente físico e biológico e incorpora as dimensões sociais, políticas e culturais ao processo,
evocando uma nova postura de relacionamento entre o homem, a sociedade e a natureza.
Sobre a diferença entre desenvolvimento sustentável e sustentabilidade, Munck e
Borim de Souza (2009, p. 193) esclarecem que a sustentabilidade refere-se à capacidade de
manutenção contínua de um meio, enquanto o desenvolvimento sustentável refere-se aos
processos integrativos que visam a manter o equilíbrio dinâmico de um sistema complexo em
longo prazo. Dessa forma, entende-se a sustentabilidade como a idéia motriz do
desenvolvimento sustentável, uma vez que os processos que integram um determinado
sistema se voltam para um processo contínuo de desenvolvimento. A sustentabilidade
compõe, assim, ações objetivas que propiciam o alcance de um desenvolvimento sustentável.
A sustentabilidade busca o equilíbrio de qualquer sistema e o desenvolvimento sustentável
busca a soma destes equilíbrios e o equilíbrio maior entre os sistemas.
Já a responsabilidade social empresarial corresponde a uma parcela muito menor de
todos os processos envolvidos para o alcance do desenvolvimento sustentável. A
responsabilidade social prende-se aos interesses entre pessoas e organizações, ou seja, trata de
questões como a transparência de suas ações e o dialogo com stakeholders. A
sustentabilidade, vai além, discute princípios organizacionais, ou seja prioriza a criação de um
valor, como a gestão ambiental e do capital humano. Munck e Borim de Souza (2009, p. 191)
enfatizam que a sustentabilidade organizacional é uma meta maior, dentro da qual a
responsabilidade social empresarial é compreendida como um estágio intermediário, no qual
as empresas constroem diálogos com todas as partes envolvidas e procuram meios que
viabilizem práticas de gestão que integrem as dimensões da sustentabilidade.
Quando se fala em responsabilidade social é preciso cuidado para não confundi-la
com a função social ou obrigação social imposta pela legislação às empresas. Consoante
expõe Felix (2003, p. 19):
Ser socialmente responsável não significa respeitar e cumprir devidamente
as obrigações legais, mas sim, o fato de empresas irem além de suas
obrigações em relação ao seu capital humano, ao meio ambiente e à
comunidade por perceberem que o bem-estar deles reflete em seu bem-estar.

Nesse sentido, Corrêa e Medeiros (2003, p.156) consideram que uma empresa
somente deve ser considerada socialmente responsável quando vai além da obrigação de

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respeitar as leis, pagar tributos e observar as condições adequadas de segurança e saúde para
os trabalhadores. A obrigação social corresponde, portanto, aquilo que a empresa faz pelo
social em vista de uma previsão legal. Já a responsabilidade social pressupõe que a empresa
considere as metas econômicas e sociais nas suas decisões e vá além dos limites da legislação.
Archie Carrol (apud LOURENÇO; SCHRÖDER, 2003, p. 87- 88) subdividiu a
responsabilidade social da empresa em quatro tipos: econômico, legal, ético e discricionário
ou filantrópico. A primeira delas, a responsabilidade econômica, é o principal tipo de
responsabilidade encontrada nas empresas, na qual o lucro é a maior razão para sua
existência. Ter responsabilidade econômica significa produzir bens e serviços de que a
sociedade necessita e quer, a um preço que garanta a continuação das atividades da empresa.
No patamar da responsabilidade legal, as empresas buscam as metas econômicas dentro da
estrutura e exigências legais. Já no plano da responsabilidade ética, a empresa inclui em suas
atividades comportamentos que a sociedade espera que ela adote, mesmo que não haja
previsão legal e que não atenda aos interesses econômicos diretos da empresa. Por fim, a
responsabilidade discricionária ou filantrópica é puramente voluntária e orientada pelo desejo
da empresa em fazer uma contribuição social não imposta pela economia, pela lei ou pela
ética.
A sustentabilidade é o paradigma utilizado nesta pesquisa, pois se trata da idéia
motriz do desenvolvimento sustentável. Assim, a sustentabilidade deve ser visualizada na
perspectiva de um agir organizacional com o objetivo de promover o equilíbrio entre os
aspectos social, econômico e ecológico. A sustentabilidade requer ações das organizações em
seus relacionamentos internos e externos que, dentro da realidade e contexto do qual
participam, se aproximam de um desenvolvimento sustentável.
A sustentabilidade visa a assegurar o sucesso do negócio em longo prazo e, ao
mesmo tempo, contribuir para o desenvolvimento econômico e social da comunidade, um
meio ambiente saudável e uma sociedade estável.
A aplicação do conceito à realidade requer medidas por parte do poder público e da
iniciativa privada: um sistema político que assegure a efetiva participação dos cidadãos no
processo decisório; um sistema econômico capaz de gerar excedentes e conhecimento técnico
em bases confiáveis e constantes; um sistema social que possa resolver as tensões causadas
por um desenvolvimento não-equilibrado; um sistema de produção que respeite a obrigação
de preservar a base ecológica do desenvolvimento; um sistema tecnológico que busque
constantemente novas soluções; um sistema internacional que estimule padrões sustentáveis

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de comércio e financiamento; e, um sistema administrativo flexível e capaz de autocorrigir-se


(MARTINS et al, 2010, p. 461).
A sustentabilidade organizacional envolve uma série de políticas interligadas às
atividades organizacionais e aos processos de tomadas de decisões a fim de maximizar as
externalidades positivas de suas atividades em relação à sociedade, atendendo às expectativas
éticas, legais, comerciais e públicas que as sociedades possuem em relação às organizações.

5 AS DIMENSÕES DA SUSTENTABILIDADE

As organizações devem desenvolver novos métodos de gestão que permitam


aprimorar as práticas relacionadas aos pilares da sustentabilidade. No Relatório Brundtland,
são destacados três componentes fundamentais para o desenvolvimento sustentável: proteção
ambiental, crescimento econômico e equidade social.
Esses três componentes também representam as dimensões da sustentabilidade.
Dessa forma, a sustentabilidade envolve três aproximações fundamentais, que são inter-
relacionadas e complementares: econômica, social e ambiental.
O primeiro aspecto diz respeito ao uso racional dos recursos naturais e da
maximização dos impactos ambientais positivos em todo o ciclo de produção. Assim, cabe às
organizações preocupar-se com as externalidades negativas de suas atividades produtivas,
tentando minimizar os possíveis impactos sociais e ambientais causados.
Quanto à dimensão econômica, trata-se da sustentabilidade da própria organização
como ente econômico, que prioriza a produção de riqueza.
O terceiro aspecto leva em consideração a relação da atividade econômica com a
sociedade, envolvendo critérios como a distribuição de renda, a qualidade de vida e a
igualdade social.
Desses três componentes fundamentais, surge o que se denominou como triple
bottom line, ou seja, são os três pilares norteadores de decisões e ações relacionadas à gestão
organizacional. Assim, uma organização pode criar valor ou destruí-lo, de acordo com seu
desempenho, fundamentado, simultaneamente, no pilar econômico, social e ambiental. A esse
respeito, Maia e Pires (2011, p. 188-189) destacam que o mais importante é o equilíbrio
dinâmico que deve existir entre as três dimensões dentro da organização, que compreende os
que se chama de 3 “Ps” (em português, PPL): “pessoa” (people), que aborda o capital humano
de uma sociedade ou organização; “planeta” (planet), relacionado com o capital natural da

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sociedade ou da organização; e “lucro” (profit), que trata dos resultados econômicos positivos
da organização.
Os referidos autores (p. 189) descrevem oito dimensões para a sustentabilidade:
I) social: propõe a homogeneidade social, distribuição de renda justa, qualidade de vida e
igualdade social;
II) cultural: sugere o equilíbrio, a tradição, a inovação, a autonomia na elaboração de projetos
nacionais integrados e a combinação entre confiança e abertura para o mundo;
III) ecológica: relacionada com a preservação do capital natural e a limitação no uso desses
recursos;
IV) ambiental: relacionada aos ecossistemas naturais;
V) territorial: trata do equilíbrio entre as configurações urbanas e rurais, da melhoria do
ambiente urbano e das estratégias de desenvolvimento de regiões;
VI) econômica: aborda o equilíbrio econômico entre setores, a segurança alimentar, a
modernização dos meios produtivos, a realização de pesquisas científicas e tecnológicas e a
inserção na economia internacional;
VII) política nacional: envolve a democracia, os direitos humanos e a implantação de projetos
nacionais em parceria com os empreendedores;
VIII) política internacional: trata da promoção da paz e da cooperação internacional, do
controle financeiro internacional, da gestão da diversidade natural e cultural e da cooperação
científica e tecnológica.
O uso das dimensões da sustentabilidade e a identificação das relações existentes
entre os critérios contribuem para a superação de um agir organizacional limitado no que
tange às questões de sustentabilidade. O consenso sobre o que é sustentável ou insustentável
no ambiente organizacional pressupõe um processo interativo continuo entre todos os
envolvidos e afetados no processo produtivo, atentando principalmente para a integração dos
pilares econômico, ambiental e social da sustentabilidade.
Em relação ao tripé proposto para o desenvolvimento sustentável, o aspecto
ambiental, juntamente com o social, tem sido encarado como um desafio, visto que os
objetivos econômicos normalmente prevalecem. Uma sociedade somente pode ser
considerada sustentável se atender, simultaneamente, aos critérios de relevância social,
prudência ecológica e viabilidade econômica, os três pilares do desenvolvimento sustentável.
Para tanto, as empresas devem adotar políticas e práticas de sustentabilidade
empresarial, procurando, a partir de então, incorporar estrategicamente aos negócios as
dimensões – econômica, ambiental e social – do desenvolvimento sustentável.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Verifica-se uma tendência nos debates atinentes à sustentabilidade de conferir maior


ênfase apenas ao pilar ecológico. Contudo, todos os pilares da sustentabilidade são iguais em
termos de relevância, pois o alcance do escopo maior, que é o desenvolvimento sustentável,
depende da integração de todas essas dimensões. A preservação dos recursos naturais não será
eficiente sem um trabalho paralelo de educação e erradicação da pobreza, que representam
justamente o pilar social da sustentabilidade.
O desenvolvimento sustentável não se trata de uma escolha entre a proteção
ambiental e o progresso social, mas de um esforço maior para desenvolvimento econômico e
social que seja compatível com a proteção ambiental.
A esse respeito, Ulrich Beck (2006, p. 54) identifica dois tipos principais de ameaças
globais. Em primeiro lugar estão os conflitos denominados males motivados pela riqueza:
destruição ecológica e perigos técnico-industriais. Em uma segunda categoria estão os riscos
diretamente relacionados com a pobreza. De fato, existe uma estreita relação entre a pobreza e
a destruição ambiental. Uma análise integrada da destruição dos ecossistemas, das fontes
energéticas, da indústria, da distribuição de renda, dentre outros fatores, demonstra que todos
estes fatos estão mutuamente relacionados e não podem ser tratados de forma separada. A
degradação do meio ambiente, da mesma forma que a miséria e a fome, é fruto de estruturas
socioeconômicas que têm em muito pouca consideração a pessoa humana. “Esta é uma das
questões substantivas que se colocam não só para a qualidade de vida como também para a
qualidade ambiental em seu conjunto” (COIMBRA, 2002, p. 286).
Maia e Pires (2011, p.182) destacam que o desenvolvimento sustentável significa
prosperidade globalmente compartilhada e ambientalmente sustentável. Indicam que, para o
desenvolvimento sustentável, são necessárias três mudanças fundamentais: sustentabilidade
ambiental, estabilização populacional e fim da miséria. Essas mudanças só poderão ser
alcançadas com uma mobilização global, fundamentada em um processo de cooperação e
interação entre povos, mas que exigirá negociação e acomodação entre as visões de mundo
criadas pelas pessoas, regiões e nações sobre a sustentabilidade.
A presente pesquisa confere ênfase à dimensão social da sustentabilidade,
especificamente a sustentabilidade no meio ambiente laboral. A análise refere-se à
sustentabilidade organizacional voltada ao seu público interno, ou seja, os empregados, como
forma de valorização do trabalho humano e da concretização do valor jurídico-constitucional
e social da dignidade humana.
Na seção seguinte serão abordados os aspectos do meio ambiente de trabalho que
devem ser considerados pelas organizações para o implemento de ações sustentáveis que

270
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

visem à melhoria das condições de trabalho e de vida de seus empregos, com reflexos diretos
no desenvolvimento de toda a sociedade.

6 O MEIO AMBIENTE DE TRABALHO

A abordagem da questão ambiental deve englobar seus aspectos artificiais, sociais,


culturais, econômicos e políticos, tendo em vista que todos esses fatores contribuem para a
sua formação e modificação. Nesse sentido, José Afonso (2004, p. 20) considera meio
ambiente toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos,
compreendo não apenas a água, o solo, o ar, mas também o patrimônio histórico, turístico,
arqueológicos entre outros. Essa concepção é ampla, pois abrange tudo aquilo que permite a
vida, que a abriga e rege.
Essa também foi a definição adotada pela Política Nacional do Meio Ambiente (Lei
6.938/1981) que, em seu art.3°, I, considera o meio ambiente como toda a interação do
conjunto de elementos naturais artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento
equilibrado da vida em todas as suas formas.
Dentre os vários aspectos que formam o meio ambiente, o denominado meio
ambiente de trabalho constitui o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais,
de forma remunerada ou não, cujo equilíbrio está baseado tanto na salubridade do meio como
na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores,
independente da condição que ostentem (homem, mulher, jovem, servidos público,
autônomos) (FIORILLO, 2004, p.23).
As primeira regulamentações sobre o meio ambiente laboral demonstravam uma
tendência de considerar apenas as condições físicas para a realização do trabalho, relacionadas
à higiene, iluminação, conforto térmico, entre outros fatores. Com as alterações
implementadas nas relações de trabalho, principalmente em decorrência de novas tecnologias
e da reestruturação dos meios de produção, o ambiente laboral passou a ganhar novos fatores
ou condições imateriais. Seu conceito tornou-se mais amplo, abrangendo todos os processos,
leis e influências que regem a vida do trabalhador, com o objetivo de assegurar-lhe a
integridade física e psíquica.
As discussões que envolvem o meio ambiente de trabalho não podem ficar restritas
ao aspecto físico, nas condições dos maquinários e dos equipamentos de trabalho, mas devem,
necessariamente, envolver o bem-estar psicológico do trabalhador. Vera e Lima (2010, p.
146) ressaltam que o trabalhador não pode ser visto apenas como um operador de máquinas,

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

ou cumpridor de tarefas, que, por receber uma contraprestação pelo labor prestado, já tem
recompensado o seu esforço diário. Ele necessita ser visto como parte integrante de um meio,
como ser indispensável ao desenvolvimento de uma sociedade.
Conforme descrito por Diniz e Maciel (2012, fl. 500), o meio ambiente de trabalho
pode assumir os seguintes aspectos: a) fisiológico, que corresponde ao grau de adaptação do
trabalhador ao meio físico; b) moral, decorrente de aptidões humanas, motivação, grau de
satisfação, personalidade, etc; c) social, ou seja, a interdependência entre o trabalho e a
sociedade; d) econômico, relacionado com a produção de riquezas, propriedade, os bens
produzidos, organizações empresariais e outros.
A proteção do meio ambiente de trabalho fundamenta-se no princípio da
solidariedade, previsto no art. 3º, I, da Constituição Federal, pois, sendo difusa a sua natureza,
as conseqüências decorrentes de sua degradação, como os acidentes de trabalho e as doenças
ocupacionais, atingem toda a sociedade.
O art. 6º da Constituição da República estabelece como direitos sociais fundamentais
a saúde e a segurança e o seu art. 7º, XXII, traz como garantia ao trabalhador a redução dos
riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
O Brasil também ratificou o Protocolo Adicional à Convenção Interamericana sobre
Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San
Salvador), o qual garante condições justas, equitativas e satisfatórias de trabalho e questões
relacionadas à segurança e higiene no trabalho (art. 7º).
A OIT, por meio da Declaração sobre Princípios Fundamentais e Direito do
Trabalho, visa à tutela de direitos mínimos do trabalhador, como a liberdade de associação,
eliminação do trabalho escravo e infantil, dispensa discriminatória, fim do dumping social.
São medidas necessárias, pois, com intuito de diminuir os custos de produção e tornar seus
produtos mais competitivos no mercado internacional, algumas empresas adotam artifícios
desleais, como a utilização de empregados submetidos a condições análogas à de escravo.
A tutela do meio ambiente laboral também é objeto da Convenção 155 da OIT, que
trata da segurança e saúde dos trabalhadores, impondo aos signatários uma política nacional
com o intuito de prevenir acidentes e danos à saúde decorrentes do trabalho. Destaca-se
também a Convenção 148 da OIT, denominada Convenção sobre o Meio Ambiente de
Trabalho, que prima pela eliminação dos agentes de risco à saúde do trabalhador, ao invés de
sua neutralização.
O escopo da proteção jurídica ao meio ambiente laboral é o ser humano trabalhador
saudável e seguro nas relações de trabalho, contribuindo diretamente na sua qualidade de

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

vida. Assim, um meio ambiente laboral equilibrado, seja no seu aspecto material como
imaterial, contribui diretamente para a saúde e qualidade de vida do trabalhador e,
consequentemente, para a sustentabilidade da sociedade e da própria organização, conforme
será abordado na próxima seção.

7 A SUSTENTABILIDADE NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO

A Constituição Federal Brasileira estabeleceu, no seu art. 1°, IV, como um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito, a tutela dos valores sociais do trabalho, como
expressão básica da proteção à personalidade humana e como forma de buscar o equilíbrio
social e econômico.
O artigo 170 da Constituição da República preconiza a humanização que deve existir
no ambiente de trabalho, ao fixar que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa. Acrescente-se que o art. 193 da Constituição Federal estabelece
que a ordem social tem por base o primado do trabalho, objetivando o bem-estar e a justiça
social.
Dessa forma, os valores sociais do trabalho, a livre iniciativa, a dignidade da pessoa
humana, o desenvolvimento nacional, e tantos outros fundamentos que norteiam as relações
empresariais, estão respaldados no conteúdo da norma constitucional. Não obstante esses
valores constitucionalmente assegurados, os novos contornos assumidos pela economia
capitalista colocam em risco a sustentabilidade do meio ambiente laboral.
Conforme destaca Minardi (2010, p. 76), a competitividade do atual sistema
capitalista, renovado pela globalização e por uma ideologia que resgata o liberalismo
econômico, tem exigido dos trabalhadores um esforço imensurável para o aumento da
produtividade, aliado à cobrança de aperfeiçoamento e resultados, acarretando euforia,
ansiedade, irritação, angústia e outros graves problemas de saúde ao trabalhador.
A busca incessante pelo aumento da produção e do consumo submete os
trabalhadores a condições laborais desfavoráveis. Ainda que se tenha avançado um longo
caminho desde a época da escravidão e do início da Revolução Industrial, denota-se, ainda,
um padrão de exploração. Esse quadro, consoante destacam Vera e Lima (2010, p. 145), é
evidenciado pelo modo como as organizações estruturam as oportunidades de trabalho para
produzir e reproduzir estruturas de classes da sociedade moderna, no modo pelo qual as
organizações abordam problemas relativos a condições inseguras de trabalho, acidentes de

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

trabalho, doenças ocupacionais, e, finalmente, o modo como as organizações perpetuam


estruturas e práticas que promovem o vício pelo trabalho e formas relacionadas de estresse
mental e social.
A concretização do desenvolvimento sustentável pressupõe, necessariamente, o
atendimento das necessidades básicas da população, articulando a defesa da melhoria da
saúde, condições ambientais e socioeconômicas. Essa relação de saúde com o meio ambiente
refere-se não somente à preservação do meio ambiente geral, mas também dos locais de
trabalho. Para o desenvolvimento sustentável não é possível promover a saúde e o bem-estar
sem desenvolvimento econômico e social (MACHADO, 2001, p. 71).
A sustentabilidade no meio ambiente laboral volta-se à valorização do trabalho
humano, que contribui de maneira decisiva para vivenciar o valor jurídico-constitucional e
social da dignidade.
Não obstante a relutância inicial, algumas organizações começam a aceitar que
práticas voltadas ao trabalho humano decente acarretam ganhos empresariais, bem como para
toda a sociedade.
Com foco na sustentabilidade, Tamiozzo (2012, p. 406) assevera que as organizações
começam a desenvolver ações sociais com o objetivo de melhorar a qualidade de vida no
trabalho e obter ganhos de produtividade com uma equipe motivada, comprometida com o
alcance dos resultados almejados, o que faz surgir uma nova cultura empresarial, centrada na
valorização das ações sociais externas e na prática do voluntariado.
A sustentabilidade no meio ambiente laboral vai além de cumprir os direitos
garantidos pela legislação. É necessário investir no desenvolvimento pessoal e profissional,
assim como oferecer sucessivas melhorias nas condições de trabalho. Entre as medidas que
podem ser empreendidas, destacam-se: contratação de portadores de deficiências e
readaptação de empregados portadores de patologias; treinamentos e reciclagem de
trabalhadores; benefícios e incentivos salariais; moradia e acesso ao trabalho; saúde e lazer do
trabalhador, participação na vida da empresa, entre outros.
Em suma, a atitude da organização em face de seu público interno deve identificar
suas principais demandas, além das previstas na legislação, bem como permitir sua
participação nas decisões estratégicas relacionadas ao aumento de produtividade, substituição
de recursos, melhorias operacionais e outras medidas que corroborem para o desenvolvimento
contínuo da organização na adoção de uma gestão sustentável. A produtividade do trabalho
aumenta como decorrência da maior satisfação, motivação e capacitação dos seus
trabalhadores.

274
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Assegurar condições dignas de trabalho, além de corresponder a padrões éticos


essenciais, contribui decisivamente para a conquista de novos mercados e consumidores,
fatores cruciais para o sucesso em um mercado cada vez mais competitivo e globalizado.
Quando se promovem ações organizacionais para que o trabalhador se sinta
participante de um processo, a atividade por ele desenvolvida proporciona uma consciência
mais ampla de si mesmo e do seu trabalho, fomentando a cidadania e o equilíbrio social.
Nesse contexto, Diniz e Maciel (2012, p. 501) ressaltam que “o trabalho passa a ser um
elemento ativo, gerando condições para que o homem exponha-se de forma criativa, que se
traduz na apresentação das suas potencialidades, gerando novas capacidades, colocando-o no
seu verdadeiro posto, que é ser sujeito de ações”.
Mas, para o sucesso no implemento de práticas sustentáveis no meio ambiente
laboral, é necessário acabar com a tentativa de traduzir todos os benefícios da sustentabilidade
em mensurações financeiras. Não é sempre fácil ou possível quantificar diretamente os
benefícios financeiros da sustentabilidade organizacional, uma vez que requererem um tempo
de retorno maior do que os usuais.
O descrédito nas ações sociais da empresa é devido ao fato de que, nos moldes em
que são realizadas, tratam-se apenas de uma questão de marketing beneficente, ou seja, uma
estratégia de mercado eficiente a fim de construir uma imagem pública positiva. Embora o
marketing beneficente seja um importante instrumento na inserção e promoção de uma
empresa ou produto em um mercado, a sustentabilidade não deve ser reduzida a uma mera
estratégia mercadológica. Mesmo se em curto prazo há perspectiva de ganhos e expansão de
mercado, a sustentabilidade deve ser vista como uma estratégia de sustentação da sociedade a
longo prazo.
Contudo, a ética, antes de ser um tema inerente ao negócio, ainda é entendida como
mais um recurso a ser utilizado para atingir os objetivos empresariais. É pensada mais como
um produto do que como um valor inerente ao negócio. A economia necessita introduzir em
sua base pressupostos éticos; não pode ser vista como uma esfera onde a moral não tem vez.
A racionalidade econômica tem sua razão de ser, porém não pode ser absolutizada. Uma
atividade econômica responsável consiste em unir estratégias econômicas com o julgamento
ético. Este novo paradigma de ethos econômico passa a ser concreto quando, não obstante a
legitimidade do lucro, analisa o agir econômico para ver se não ofende bens e valores mais
elevados, se é social e ecologicamente aceitável (KÜNG, 1999, p. 405 e 408).
Para a valorização do trabalho humano, a sensibilização do empresário da
necessidade de desenvolver a sustentabilidade no meio ambiente de trabalho é de vital

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

importância. Destarte, a sustentabilidade oferece um ambiente laboral moralmente gratificante


para os empregados, no qual eles tenham prazer de conviver e possam desenvolver suas
potencialidades, suas virtudes e conhecimentos.
Não obstante as vantagens para as organizações do implemento de ações sustentáveis
no meio ambiente laboral, a realidade vivenciada ainda é de descaso com o bem-estar, a saúde
e a segurança do trabalhador. Consoante será abordado na seção seguinte, o alcance da
sustentabilidade no meio ambiente de trabalho encontra óbices em propostas que tendem a
flexibilizar os direitos trabalhistas e a precarizar as relações de trabalho.

8 OS DESAFIOS PARA O IMPLEMENTO DA SUSTENTABILIDADE NO MEIO


AMBIENTE LABORAL

A concretização do desenvolvimento sustentável pressupõe, necessariamente, o


atendimento das necessidades básicas da população, articulando a defesa da melhoria da
saúde, condições ambientais e socioeconômicas. Essa relação de saúde com o meio ambiente
refere-se não somente à preservação do meio ambiente geral, mas também dos locais de
trabalho, afinal, não é possível promover a saúde e o bem-estar sem desenvolvimento
econômico e social.
As mudanças implementadas no trabalho, principalmente após a Terceira Revolução
Industrial, acentuaram a miséria, a desigualdade e a exclusão social. A busca desenfreada pelo
progresso, com redução dos custos de produção, fez com que a grande maioria dos
trabalhadores passasse por uma situação de reducionismo de seus direitos e de suas condições
de vida.
Fenômenos como a globalização econômica e a reestruturação produtiva das
empresas têm introduzido novos fatores de risco no ambiente de trabalho. A reestruturação
produtiva, por exemplo, tem proporcionado a transferência de várias parcelas do processo de
produção das grandes para as pequenas empresas (terceirização), o que faz com que a maior
parte dos empregos sejam indiretos. Como conseqüência, tem aumentado o número de
acidentes de trabalho nas pequenas empresas, haja vista o menor capital para investimentos
em segurança no trabalho, bem como o abrandamento que existe na legislação em relação a
essas organizações.
Consoante destaca Machado (2001, p. 54), a modernização tecnológica e científica,
ao invés de reduzir os riscos laborais, introduziu nova degradação nas condições de trabalho,

276
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

em um contexto de flexibilização e informatização, agregando-se aos riscos clássicos do


trabalho e alimentando os já insuportáveis índices de acidentes e doenças profissionais.
As práticas sustentáveis nas empresas precisam vencer desafios de flexibilizações. O
discurso da necessidade da flexibilidade do mercado de trabalho tornou-se recorrente para
justificar mudanças nos mecanismos de proteção legal. A flexibilidade reclamada nada mais é
do que uma reação contra o modelo estrutural do mercado de trabalho, de forte regulação
estatal e que, ora, com a globalização econômica, teria se tornado incompatível com a
necessidade de maior competitividade das empresas. “É inegável a falsa inexorabilidade desse
processo, pois a proposta se associa diretamente aos interesses do programa neoliberal e à
racionalidade econômica da economia capitalista” (MACHADO, 2001, p. 42).
A flexibilização da legislação trabalhista tende a precarizar as relações de trabalho e
se caracteriza como um retrocesso dos direitos trabalhistas, beneficiando unicamente os
empresários, que conferem uma elevação lucrativa à custa de repercussões sociais negativas
para os trabalhadores.
Novas formas de contratação, como a subcontratação, a terceirização, os contratos
temporários, o trabalho em tempo parcial, o trabalho intermitente, o teletrabalho, a
informalidade, precarizam as relações de trabalho, geram desemprego e enfraquecem os
sindicatos. A precarização das relações de trabalho afeta os trabalhadores de modo geral,
retira a segurança de continuidade da relação de emprego, bem como gera incerteza e perda
da capacidade de inserção dos indivíduos na sociedade.
Habermas (apud MACHADO, 2001, p. 43) destaca que “a flexibilidade significa,
trocando em miúdos, que a mercadoria ‘força de trabalho’ deve ser purificada de suas
qualidades pessoais e se tornar, no sentido pleno da palavra, uma mercadoria”.
A redução da renda também faz parte do processo provocado pela precarização do
trabalho. A tendência do processo de flexibilização do trabalho é uma redução dos níveis
salariais. Embora essa política de baixos salários permita o desenvolvimento quantitativo da
organização, ela trava o desenvolvimento qualitativo, pois a eficiência do trabalho diminui
uma vez que a contraprestação do serviço não seja atrativa para a sua especialização. Nesse
sentido, são pertinentes as ponderações de Weber (2012, p. 56-57):
Desde seu início, o capitalismo trilhou repetidas vezes esse caminho.
Durante séculos foi artigo de fé que baixos salários eram produtivos, isto é,
que aumentavam os resultados materiais do trabalho. A política de baixos
salários falha, mesmo de um ponto de vista puramente comercial, sempre
que a questão for produzir bens que exijam qualquer tipo de trabalho
especializado, ou o uso de maquinaria cara e facilmente danificável, ou, em
geral, sempre que se requeira grande dose de atenção aguda ou de iniciativa.

277
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

E isso não apenas porque é absolutamente indispensável um senso de


responsabilidade, mas em geral também o é uma atitude, ao menos durante
as horas de trabalho livre de contínuos cálculos de como poder ganhar o
salário habitual com maior conforto e o menor esforço possível. Ao
contrário, o trabalho deve ser executado como se fosse um fim absoluto em
si mesmo, como uma vocação. Contudo, tal atitude não é produto da
natureza. Não pode ser estimulada apenas por baixos ou altos salários, mas
só pode ser produzida por um longo e árduo processo educativo.

Apesar de todas as vantagens proporcionadas às organizações que prezam pelos


valores de seus trabalhadores e que interagem com seu público interno, ainda é extremamente
comum na realidade brasileira observar casos de abuso nas relações de trabalho. Nesse
sentido, são recorrentes as notícias de grandes empresas, inclusive multinacionais, que, com a
finalidade de diminuírem os custos de produção e maximizarem os lucros, violam os direitos
de seus trabalhadores e denigrem sua condição humana, ao adotarem condições de trabalho
análogas à de escravo. A escravidão contemporânea multirracial impede a livre
movimentação dos trabalhadores, cerceando-lhes a liberdade por meio da vigilância ostensiva
ou por intermédio da coação psicológica. A escravidão contemporânea nasce da ameaça
associada à miséria e à ignorância do trabalhador.
Não obstante as previsões normativas, bem como uma teoria muito bem elaborada
sobre a sustentabilidade organizacional, é preocupante a falta de atitudes efetivas para a
humanização das relações de trabalho. O implemento de práticas sustentáveis no meio
ambiente laboral precisa, primeiro, vencer a ética utilitarista que vê o trabalhador como mera
mercadoria. Destarte, propostas de flexibilização de direitos trabalhistas e a precarização da
relação de trabalho não se coadunam com o paradigma da sustentabilidade, que busca, em um
dos seus pilares, o progresso social.

CONCLUSÃO

Por meio da presente pesquisa é possível concluir que o paradigma da


sustentabilidade implementado no meio ambiente laboral contribui para a eliminação dos
riscos à integridade física e psicológica do trabalhador, bem como aumenta o seu bem-estar e
qualidade de vida. Consequentemente, são reafirmados os valores do trabalho, como
expressão da existência social, psicológica e cultural do homem, e da dignidade da pessoa
humana, como núcleo axiológico no ordenamento jurídico pátrio.
Foi demonstrada a importância de humanizar as relações laborais, diante do atual
cenário econômico capitalista que transformou o homem em ‘mercadoria’. Conforme os

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

preceitos do pensamento clássico marxista, o trabalho cria o homem. Esta afirmativa continua
valendo, pois através do trabalho não se alcança apenas a subsistência, mas se imprime valor e
sentido à vida humana, pois é a expressão material e psicológica do homem.
Verificou-se que uma das cruéis heranças deixadas por fenômenos como a
globalização, a reestruturação dos meios de produção, a automação, a flexibilização de
direitos trabalhistas e a precarização das relações de trabalho, é a desconsideração da
abordagem humana do trabalho. Nesse cenário, perde-se o conceito da unidade do trabalho,
de integração, de responsabilidade e da dignificação do homem por meio do trabalho. Tal
circunstância é um empecilho ao progresso da sociedade que, sem dúvida, depende do sentido
que se atribui ao trabalho humano.
Observou-se que os ganhos advindos da adoção de práticas sustentáveis no meio
ambiente laboral não envolvem apenas as organizações, que terão uma equipe mais motiva e
produtiva, e os trabalhadores, valorizados como seres humanos, mas também abrangem toda a
sociedade, uma vez que o trabalho reflete diretamente no progresso social, uma das dimensões
do escopo maior, que é o desenvolvimento sustentável.
Assim, a sustentabilidade no meio ambiente laboral, com base na valorização do
trabalho humano, propicia ganhos positivos para as empresas que, além de contar com
trabalhadores mais empenhados e qualificados, passam a ser valorizadas pela sociedade,
garantindo a sustentabilidade econômica da própria organização.
Por fim, constatou-se que, não obstante as vantagens econômicas advindas da
sustentabilidade no meio ambiente de trabalho, na prática, ainda impera o descaso com a
saúde, bem-estar e segurança dos trabalhadores. Destarte, o implemento de práticas
sustentáveis no meio ambiente laboral precisa vencer obstáculos como a flexibilidade de
direitos trabalhistas, a informalidade, a terceirização, o trabalho infantil, e outras práticas
desleais que trazem lucro aos empresários à custa do retrocesso social.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

UMA (RE)LEITURA DO ARTIGO 7º, XXIII, DA CONSTITUIÇÃO DA


REPÚBLICA – POSSÍVEIS ALTERNATIVAS PARA A MONETIZAÇÃO DO
RISCO COM ENFOQUE EM ATIVIDADES INSALUBRES

A (RE) READING OF THE ARTICLE 7, XXIII, THE CONSTITUTION OF


THE REPUBLIC - POSSIBLE ALTERNATIVES TO THE MONETIZATION
RISK ACTIVITIES IN FOCUS WITH UNHEALTHY

Adriana de Fátima Pilatti Ferreira Campagnoli


Silvana Souza Netto Mandalozzo

RESUMO:
O presente trabalho tem por objetivo uma análise acerca da problemática envolvendo o
trabalho sob condições adversas, atribuindo-se especial ênfase a insalubridade e ao sistema de
monetização do risco, adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Este sistema concerne ao
pagamento de um adicional sobre o salário do empregado enquadrado em tais condições,
como forma de compensação pelos potenciais e efetivos danos a sua saúde e, como uma
maneira de fazer com que as empresas promovam melhorias no meio ambiente de trabalho.
Far-se-á uma análise dos adicionais previstos no inciso XXIII do artigo 7º da Constituição da
República, do sistema de monetização do risco, apresentando alternativas à problemática da
sujeição dos trabalhadores a agentes nocivos, visando à máxima proteção à higidez destes.
PALAVRAS-CHAVE: Segurança e saúde do trabalho; Monetização do risco; Adicional de
insalubridade.

ABSTRACT:
The aim of this study is to analyze the issues involving the work under adverse conditions,
giving special emphasis to the unhealthiness and monetization system risk, adopted by
Brazilian law. This system concerns the payment of a surcharge on the employee's salary
framed in such conditions, as a form of compensation for actual and potential damage to your
health and as a way to make companies promote improvements in the working environment.
Far will be analyzed the additional included in the article 7th, XXIII of the Constitution, the
monetization system from scratch, presenting alternatives to the problem of subjecting.
KEY-WORDS: Safety and health at work; Monetization of risk; Additional unsanitary.

282
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

INTRODUÇÃO
Mais vale prevenir do que remediar.
Bernardino Ramazzini, 1633
(NASCIMENTO, 2009, p. 201)
Na sociedade contemporânea existe uma preocupação com o bem estar dos
trabalhadores, o que tem contribuído para a ampliação de direitos trabalhistas e a
implementação de medidas destinadas à proteção da higidez no ambiente laboral, estando
presente no ordenamento jurídico pátrio um extenso arcabouço legal no que tange à tutela da
saúde e segurança do trabalhador.
Dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito brasileiro
pode-se destacar a dignidade da pessoa humana, como diretriz de todo o ordenamento jurídico
vigente (PIOVESAN, 2012, p. 54), sendo essa inalienável, imprescritível e irrenunciável
(SILVA, 2012, p. 181). Além disso, a valorização do trabalho humano é um dos sustentáculos
da República Federativa do Brasil, conforme dispõe o art. 1º, inciso IV, da Constituição da
República (CR) e na mesma esteira, o inciso III, do artigo 5º deste diploma legal, prevê a
impossibilidade de submissão de qualquer pessoa a tratamento desumano ou degradante.
Também, a CR estabelece, em seu artigo 196, que a saúde é direito de todos e dever do
Estado, de acesso universal e igualitário, sendo que as normas relativas à saúde são de ordem
pública, ou seja, regulam um serviço público essencial (OLIVEIRA, 2011, p. 127). Neste
sentido o artigo 7º, inciso XXII, prevê que consiste em direito dos trabalhadores urbanos e
rurais a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança”.
Nos capítulos Constitucionais que tratam da ordem econômica e do meio ambiente,
em especial da análise do caput dos artigos 170 e 225 da CR, tem-se que aquela está fundada
na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, a fim de assegurar a todos uma
existência digna, com observância da defesa do meio ambiente, pois “desenvolvimento
econômico é a garantia de um melhor nível de vida coordenada com equilíbrio na distribuição
de renda e de condições de vida mais saudáveis” (DERANI, 2009, p. 226).
Cotejando os dispositivos mencionados com o previsto no artigo 189 da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), pode-se verificar que, ao definir atividade insalubre, este
dispositivo legal a trata como condição ou método de trabalho que exponham os empregados
a agentes nocivos à saúde acima dos limites de tolerância, ou seja, além daquilo que pode ser
suportado pela pessoa humana.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Desta forma, vislumbra-se num mesmo ordenamento jurídico a proteção à dignidade


da pessoa humana como valor guia, princípio fundamental estruturante (FERREIRA, 2011, p.
209); a vedação de tratamento desumano e degradante como direito; a saúde como
prerrogativa de todos e, a redução de riscos inerente ao trabalho, como direito dos
trabalhadores; a valorização do trabalho humano; a garantia de um meio ambiente
equilibrado. A par disto, visualiza-se a existência de normas que prevêem a possibilidade de
ressarcimento financeiro, àqueles que realizam atividades tendentes a degradação de sua
saúde e integridade física e mental, o que significa a disponibilização pelo trabalhador de bens
considerados indisponíveis, como a saúde e a proteção à vida.
Nesse ponto, destaca-se a problemática envolvendo as classes de trabalhadores cujas
atividades os sujeitam à exposição a agentes nocivos à saúde, tais como as exercidas por
bombeiros civis, catadores de lixo, enfermeiros, eletricistas, entre outras etc. Ante a
inviabilidade de se proibir o trabalho sob tais condições, haja vista serem estas, muitas vezes,
intrínsecas a determinadas atividades, os ordenamentos jurídicos das nações adotaram
medidas diversas para a proteção da higidez do trabalhador. No Brasil, o legislador optou pelo
sistema de monetização do risco, ou seja, a compensação monetária, em favor do trabalhador,
através do pagamento de adicionais salariais.
Assim, a proposta do estudo a ser desenvolvido consiste na análise crítica da prestação
laboral sob condições adversas e a monetização do risco, que se traduz na possibilidade do
pagamento de adicionais remuneratórios, como direito dos trabalhadores sujeitos a tais
condições no ambiente de trabalho e, a apresentação de alternativas ao modelo adotado no
Brasil, a fim de que se possa efetivamente cumprir os preceitos legais de proteção a dignidade
do trabalhador, através da valorização do trabalho e a garantia de um meio ambiente laboral
equilibrado.

NOÇÕES SOBRE ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE, PERICULOSIDADE E


PENOSIDADE
O empregador tem, na pessoa do trabalhador, satisfeita sua necessidade de mão-de-
obra para a execução de seu empreendimento, ao passo que o trabalhador obtém, através da
atividade exercida, a remuneração necessária a sua própria subsistência. Porém, nem todas
essas atividades podem ser realizadas em ambientes saudáveis e, uma vez que não há como
promover a separação entre a força de trabalho e a própria pessoa do trabalhador, este acaba
tendo sua integridade exposta aos efeitos dos agentes agressivos intrínsecos à atividade

284
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

exercida (OLIVEIRA 2011, p. 173). Dentre tais condições, destacam-se aquelas elencadas no
artigo 7º, XXIII, CR, quais sejam, a insalubridade, periculosidade e penosidade.
O trabalho insalubre é uma modalidade de agressão a integridade física e psicológica
do trabalhador, consistindo na sua exposição a agentes que podem afetar ou causar danos à
sua saúde, provocar doenças, muitas destas diretamente relacionadas à sua atividade e outras
desencadeadas, antecipadas ou agravas pelo trabalho realizado ou pelas condições em que é
prestado (OLIVEIRA, 2011, p. 194).
Os agentes insalubres estão listados na Norma Regulamentadora nº 15 (NR-15),
aprovada pela Portaria nº 3.214 de 8 de junho de 1.978 do Ministério do Trabalho e Emprego,
a qual é alterada periodicamente, sendo divididos em três conjuntos diferenciados: agentes
físicos – ruído, calor, radiações, frio, pressões hiperbáricas, vibrações e umidade; agentes
químicos – poeiras, gases e vapores, névoas e fumos; agentes biológicos – micro-organismos,
vírus e bactérias (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2011, p. 261).
Ao trabalhador que exerce atividades sob condições insalubres acima dos limites de
tolerâncias legais, é assegurado o adicional de insalubridade, fixado pelo artigo 192 da CLT
no percentual de 40%, 20% ou 10% sobre o salário mínimo a depender do grau de
insalubridade. Ressalte-se, que muito embora a previsão do texto consolidado mencione o
salário mínimo como base de cálculo do adicional em discussão, o entendimento sumulado
pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), era de que o adicional de insalubridade seria
calculado sobre o salário básico percebido pelo trabalhador, ou por outro critério mais
vantajoso estabelecido em instrumento normativo (Súmula 228). Porém, a eficácia deste
entendimento sumular está suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF),
segundo Resolução 185/2012 do TST. Esta decisão foi adotada em razão da Súmula
Vinculante 4 do STF, que trata da impossibilidade de utilização do salário mínimo como
indexador, porém, a base de cálculo do referido adicional não é objeto deste estudo.
Com relação ao trabalho periculoso, refere-se aquele prestado no ambiente de trabalho
onde se encontram presentes agentes que podem atuar instantaneamente, com efeitos danosos
imediatos, uma vez que podem levar a incapacidade ou morte repentinamente (OLIVEIRA, p.
202). No trabalho perigoso há exposição a risco mais acentuado que em um trabalho comum,
sendo que risco está se referindo a “probabilidade da ocorrência de um evento que cause ou
possa causar dano” (LOPES NETTO, 2005, p. 100).
O artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) considera como atividades
ou operações perigosas aquelas prestadas em virtude de exposição permanente do trabalhador

285
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

a inflamáveis, explosivos ou energia elétrica, roubos ou outras espécies de violência física nas
atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial, sendo que esta última hipótese
foi acrescentada pela Lei nº 12.740 de 10 de dezembro de 2012 e se refere ao ambiente que se
desenvolve a atividade profissional, devendo este implicar em risco acentuado em razão de
roubos ou outras espécies de violência física.
Desta forma, são consideradas perigosas as atividades ou operações em que a natureza
ou os métodos de trabalho desenvolvidos impliquem em contato ou exposição permanente do
trabalhador a inflamáveis, explosivos, substâncias radioativas ou radiação ionizantes, energia
elétrica, bem como a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais
de segurança pessoal ou patrimonial, sendo que as atividades encontram-se descritas na
Norma Regulamentadora nº 16 (NR-16), aprovada pela Portaria nº 3.214 de 8 de junho de
1.978 do Ministério do Trabalho e Emprego, sofrendo alterações periódicas.
O trabalhador que exerce suas atividades sob condições perigosas, receberá um
adicional de 30%, computado sobre o salário básico, nos termos do § 1º do artigo 193
consolidado, à exceção dos eletricitários, cuja base de cálculo será a totalidade das parcelas de
natureza salarial, com fundamento na Súmula 191 do TST.
Destaque-se, como ponto de divergência entre as condições insalubre e perigosa
expostas, que a agressão à saúde provocada por aquela se dá lentamente, sendo os efeitos
percebidos a longo prazo, enquanto os agentes perigosos não têm atuação paulatina, podendo
causar efeitos súbitos, perceptíveis de imediato, e inclusive levar a morte.
Com relação ao trabalho penoso, muito embora tenha sido expressamente previsto o
referido adicional no artigo 7º, XXIII da CR, há que se esclarecer que não existe, até os dias
atuais, determinação legal sobre que atividades seriam consideradas penosas, bem como
referência ao critério a ser utilizado para a concessão do referido adicional, restando à
doutrina a elucidação do tema.
Assim, consideram-se como penosas as atividades que geram desconforto físico ou
psicológico, em nível superior aquele que decorre de um trabalho em condições normais. Diz
respeito aos contextos de trabalho geradores de incômodo, esforço físico e mental, sentido
como demasiados, sobre os quais o trabalhador não tem controle (SATO, 1994, p. 41).
Ressalte-se que, no trabalho penoso, o agente agressivo é o próprio serviço que se
executa, expondo o trabalhador a um grau elevando de fadiga ou stress, mostrando-se
inadequado e provocando um incômodo, um desgaste ao trabalhador dentro do ambiente de
trabalho, bem como podendo apresentar reflexo em sua vida pessoal.

286
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Martins exemplifica atividades que podem ser consideradas como penosas, tais como
aquelas realizadas nas minas de carvão; em matadouros; limpeza de chaminés, caldeiras,
tanques de petróleo; em contato com recipientes de azeite; trabalhos em que há manuseio de
grafite e cola; preparação de farinha de peixe e fertilizantes; atividades exercidas pelos
motoristas de ônibus, táxi; atividades de turnos ininterruptos de revezamento, dentre outras
(2011, p. 673-674).
A despeito da inércia legislativa no que tange à regulamentação do adicional de
penosidade, vê-se que o mesmo vem sendo caracterizado e estabelecido por meio de Acordos
Coletivos de Trabalho (ACT) ou Convenções Coletivas de Trabalho (CCT), hipótese prevista
no artigo 611 da CLT.
Diante do exposto tem-se que os trabalhos em condições insalubres, perigosas e
penosas representam modalidades de agressões à saúde do trabalhador, importando num
grande desafio aos empregadores, aos próprios empregados, ao Estado e a sociedade, tornar o
ambiente de trabalho um local físico e psicologicamente saudável, para que o trabalhador
possa continuar sadio e tenha na sua atividade laboral, não a representação de uma degradação
compulsória, um desprazer inevitável, mas ao contrário, uma fonte de plena realização
profissional e pessoal.
Assim, far-se-á uma análise da saúde do trabalhador e da política adotada no Brasil,
da monetização do risco, atendo-se ao trabalho em condições insalubres, uma vez que quando
de trata de labor perigoso, na maioria das vezes há impossibilidade de dissociação do risco da
própria atividade, bem como pelo adicional de penosidade ainda se tratar de zona nebulosa no
direito brasileiro, carente de regulamentação legal.

SAÚDE DO TRABALHADOR E A MONETIZAÇÃO DO RISCO


A CR, que tem a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos,
estabeleceu a saúde como direito social e dever do Estado, aliada a necessidade de redução
dos riscos inerentes ao trabalho e a sua valorização. Nesta seara, destaca-se a problemática
envolvendo as classes de trabalhadores cujas atividades os sujeitam à exposição a agentes
insalubres, nocivos à saúde humana, acima dos limites de tolerância e cujo impacto está
previsto como possível de ser ressarcido financeiramente, pelo mesmo ordenamento jurídico
mencionado.
Analisando-se o Direito do Trabalho comparado, pode-se verificar a adoção de três
estratégias ante a agentes insalubres, sendo elas: o aumento da remuneração, como

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

compensação do desgaste; a proibição do trabalho em tais condições e a redução da duração


do trabalho (OLIVEIRA, 2011, p. 154).
Partindo de tais asserções e ao analisar o disposto no artigo 7º, XXIII da CR,
combinado com o artigo 192 da CLT, denota-se que o legislador brasileiro adotou a hipótese
de monetização do risco, ou seja, a possibilidade de aumento da remuneração para
compensação do desgaste, não havendo qualquer previsão de impossibilidade de realização de
trabalho em condições nocivas à saúde e integridade física do trabalhador, a não ser no que
diz respeito à prestação de serviços pelo menor, elencada no inciso I do artigo 405 da CLT
(OLIVEIRA, 2011, p. 157).
A monetização do risco é um sistema de compensação pecuniária pelos riscos à saúde
a que estão sujeitos determinados trabalhadores. Assim, uma vez autorizado o trabalho sob
condições insalubres, é devido ao trabalhador adicional salarial, a fim de, por um lado,
estimular as empresas a melhorarem as condições de trabalho e, por outro, compensar, de
certa forma, o trabalhador, pelos possíveis danos à sua saúde (NOGUEIRA, 1984, p. 42).
Ressalte-se que a primeira previsão legal da monetização do risco no ordenamento
jurídico brasileiro se deu em 1.940, com o Decreto-Lei 2.162, que instituiu o adicional de
insalubridade sobre o salário mínimo1. Vê-se que a tendência de priorização da monetização
do risco em detrimento da proteção da saúde do trabalhador teve início na década de 40,
considerada como o começo da compra da saúde do trabalhador. Neste período as empresas
passaram a levar em conta que se mostrava mais compensatório efetuar o pagamento dos
devidos adicionais, a promover melhorias nos ambientes de trabalho para neutralização ou
eliminação da insalubridade. O discurso dos empregadores, órgãos representantes das
categorias e do Estado era no sentido incentivar o trabalhador a procurar atividades que
tivessem seu ganho incrementado, servindo como verdadeira armadilha aos mesmos, que
teriam sua saúde debilitada. A grande justificativa para tais campanhas repousava no temor
que os empregadores tinham do custo que resultaria a modificação nos seus processos de
trabalho (SATO, 1994, p. 40).
Acompanhando os acontecimentos narrados, veio a Aposentadoria Especial, instituída
pela Lei 3.807/60, considerada como um incentivo à monetização do risco, pois o trabalhador

1
O Decreto-Lei n. 399, de 30 de abril de 1938, muito embora tratasse da fixação de salário mínimo a
trabalhadores ocupados em serviços insalubres (art. 4º), não definiu percentual ou forma de incremento salarial
pela atividade, permitindo (e não impondo) as Comissões de Salário Mínimo, o seu aumento até de metade do
salário mínimo normal da região, zona ou sub-zona.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

aliava o estímulo propiciado pelo acréscimo salarial em função do trabalho sob condições
adversas, a possibilidade de aposentadoria precoce (OLIVEIRA, 2011, p. 155-156).
E esta foi a ótica que perdurou, inclusive com a Lei n. 6.514/77, que alterou a redação
de dispositivos celetários, dentre eles os artigos 191 e 192, que dispõem sobre a eliminação e
neutralização da insalubridade e pagamento de adicional em caso de exercício de trabalho em
condições insalubres acima dos limites de tolerância, respectivamente, bem como pelo inciso
XXIII do artigo 7º da CR, uma vez que referidos dispositivos legais, em momento algum
proíbem o trabalho sob condições adversas.
A interpretação das normas em cotejo deveria ser, por óbvio, restritiva, ou seja, ser
norteada pela ideia de primar pela eliminação ou redução da insalubridade e, apenas quando
isso for inviável e de forma excepcional, recompensar o trabalhador em pecúnia, o que não foi
observado na prática, pois ao invés de ser o adicional de insalubridade uma exceção, a
realidade o mostrou como regra. Ressalte-se que o pagamento do acréscimo salarial não se
dava em caráter transitório, como haveria de se esperar ao se imaginar que, com o progresso
da empresa, haveria maiores investimentos nas condições de trabalho e, por conseguinte, a
redução significativa ou eliminação da insalubridade, acabando por ser inevitavelmente
incorporado ao salário dos trabalhadores, haja vista a inexistência de mudanças na situação
fática das empresas ao longo dos anos (OLIVEIRA, 2011, p. 422).
Portanto, uma vez que o trabalho sob condições insalubres está autorizado por lei, é
devido ao trabalhador adicional salarial, a fim de, por um lado, estimular as empresas a
melhorarem as condições de trabalho e, por outro, compensar, de certa forma, o trabalhador,
pelos possíveis danos à sua saúde e integridade física e psíquica. Contudo, este pretendido
caráter pedagógico da medida ao empregador é meramente ilusório, uma vez que não raras
vezes estes preferem arcar com o pagamento do adicional de insalubridade, ante a efetivação
de medidas que atenuem ou eliminem o risco, pelo alto custo que isto pode representar aos
seus cofres, muitas vezes se sobrepondo àquele despendido com o pagamento do acréscimo
legal. Também, sob o ponto de vista do trabalhador, o pagamento do adicional pelo trabalho
em condições insalubres pode, falaciosamente representar um incremento na renda
(SIQUEIRA, 2012, p. 46).
E essa concepção foi adotada durante décadas e até o final do século XX, quando as
discussões no Direito do Trabalho pautavam-se apenas no direito ao pagamento dos
adicionais previstos em lei para o trabalho nocivo ao trabalhador, estando ausente a
preocupação quanto à preservação da saúde e integridade física do obreiro.

289
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Contudo, no início deste século, as questões envolvendo saúde do trabalhador e meio


ambiente do trabalho alçaram um patamar de importância nas discussões doutrinárias, na
legislação e em decisões judiciais. A opção da recompensa monetária pela exposição aos
riscos, que se consubstancia no pagamento dos adicionais previstos em lei, revela-se como um
desvio a preocupação com o problema central, que é a saúde de quem trabalha (OLIVEIRA,
2011, p. 197).
Desta forma, vêm à tona inúmeros questionamentos, tais como a possibilidade ou não
de degradação da vida, da saúde e por consequência, da dignidade do trabalhador quando do
exercício de atividades insalubres; a compatibilidade do disposto no artigo 189 da CLT com
os preceitos constitucionais elencados nos artigos 1º, IV; 5º, III; 7º, XXII; 170 e 225 da CR; a
existência de alternativas para preservar o meio ambiente de trabalho e as condições de
trabalho propriamente ditas.
Trazendo essa ideia para o âmbito do Direito do Trabalho, tem-se que a proteção à
vida, a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho são princípios fundamentais
que devem nortear a interpretação e aplicação de todas as normas jurídicas constitucionais e
infraconstitucionais trabalhistas. Assim, não se pode admitir que a saúde seja concebida como
um direito disponível a ser vendida pelo trabalhador, já que isso viola flagrantemente os
princípios supracitados.
Neste contexto, a problemática que desafia o Direito na atualidade deve ser
recomposta a partir da realização de uma aproximação do ambiente de trabalho como meio
ambiente e a necessidade de estancar a separação entre desenvolvimento humano e condições
de trabalho, o que já foi contemplado pela CR, ao contextualizar a dignidade da pessoa
humana como fundamento do Estado, além de prever normas de proteção ao trabalhador e à
saúde, como direitos fundamentais (MACHADO, 2001, p. 108).

MEDIDAS ALTERNATIVAS PARA A MONETIZAÇÃO DO RISCO


A análise do labor em condições nocivas a saúde e integridade física do trabalhador
deve ser feita sob a ótica da eliminação ou neutralização dos agentes agressores, como
respeito à dignidade do trabalhador e a garantia de um meio ambiente de trabalho livre de
riscos , conforme preceitos constantes dos artigos 191 da CLT; 1º, IV; 5º, III; 7º, XXII; 170 e
225 da CR, e somente na inviabilidade da tomada de tais medidas e de forma excepcional,
recompensar o trabalhador em pecúnia, posto que a venda da saúde é injustificável.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Neste sentido, Camille Simonin ao comentar sobre o adicional de insalubridade o


define como adicional do suicídio, pois encoraja o trabalhador a arriscar a saúde em troca de
um salário, mostrando-se contrário aos Princípios da Medicina e à Declaração dos Direitos do
Homem, concluindo que nenhuma consideração de ordem econômica deverá compelir a um
trabalho que implique o risco de comprometer a saúde de quem o realiza (NOGUEIRA, 1984,
p. 42).
Desta forma, tem-se como equivocada e inviável a opção de monetização do risco,
adotada pelo legislador brasileiro.
Contudo, a solução do problema não se apresenta de forma tão simplificada, pois
devem ser analisadas situações em que há incompatibilidade da adoção da opção de proibir o
trabalho insalubre, ou seja, aquelas em que há impossibilidade de dissociar a própria prestação
de serviços de tais condições, como por exemplo, em ambientes hospitalares, onde há o risco
de exposição a doenças infectocontagiosas, aliada a real necessidade do exercício de tais
atribuições, dentre outras hipóteses.
Sendo assim, o que se apresentaria como a opção mais ajustada, seria a adoção de uma
alternativa em que o empregador fosse compelido a adotar, continuamente, melhorias no meio
ambiente laboral, com atenção prioritária a eliminação do agente agressor, naqueles trabalhos
onde o risco fosse passível de eliminação; aliada a redução da jornada para os trabalhadores
em que o labor exposto a agentes insalubres se mostrasse como condição indissociável da
atividade, bem como a proibição de labor extraordinário em atividades nocivas a integridade
física e psicológica do obreiro. Atualmente, podem ser realizadas horas extras pelos
empregados em atividades insalubres, desde que observada a formalidade do artigo 60 da
CLT, que dispõe sobre a necessidade de licença prévia das autoridades competentes em
matéria de higiene do trabalho e após os devidos exames locais.
Ressalte-se que a imposição de eliminação do risco, aliada a redução da jornada de
trabalho se mostra como uma alternativa ética para o enfrentamento da questão, posto que o
empregador, ao invés de reparar com dinheiro a perda da saúde do trabalhador, compensaria
tal desgaste com período de descanso, convertendo o adicional monetário em repouso
adicional. Sob a ótica do obreiro, ter-se-ia uma menor exposição diária, combinada com um
período de repouso mais dilatado, o que poderia permitir ao seu organismo recompor-se da
agressão e manter a higidez (OLIVEIRA, 2011, p. 157).
Do ponto de vista do empregador, a medida atenderia ao seu caráter pedagógico, uma
vez que o empregador estaria estimulado a investir no incremento da qualidade do ambiente

291
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

de trabalho, porque certamente o pagamento de salário integral ao empregado que trabalharia


em jornada reduzida teria um peso considerável no custo operacional da empresa, o que faria
com que o empregador tomasse efetivamente medidas para afastar o agente agressivo, sob
pena de prejuízos financeiros a seu estabelecimento.
E a alternativa apresentada estaria em consonância com o disposto nos artigos 1º, IV;
5º, III; 7º, XXII; 170 e 225 da CR, pois estar-se-ia cumprindo a função social do trabalho, a
partir da preocupação e tomada de medidas com relação a preservação da qualidade do meio
ambiente de trabalho, aliadas as condições dignas de prestação laboral, mesmo porque é
imperioso que a reflexão sobre a problemática do trabalho sob condições adversas seja feita
sob a luz dos princípios constitucionais, que devem preceder e servir como alicerce para a
interpretação dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, não havendo como se
admitir que o processo ocorra de forma inversa.
Mas para a concretização da proposta de garantir a higidez do trabalho, é necessário
que haja a intervenção estatal por intermédio dos agentes fiscais do trabalho, que realizam a
inspeção do trabalho2, assegurando-se o cumprimento de disposições legais e regulamentares
relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das relações de trabalho e
emprego, conforme previsto no artigo 11 da Lei nº 10.593/2002.
Demais, caberia a adoção de estratégias de prevenção como norteadores de processo
de eliminação da agressão a saúde do trabalhador, sendo que neste aspecto, merece análise o
posicionamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da existência de quatro
formas relevantes de prevenção, quais sejam: a eliminação do risco; a eliminação da
exposição ao risco; o isolamento do risco; e enfim, a proteção do trabalhador sujeito a tal risco
(OLIVEIRA, 2011, p. 243).
A primeira modalidade se apresenta como ideal, pois neste caso, haveria eliminação
dos agentes agressores. Ocorre que, conforme já exposto, a hipótese nem sempre é possível de
aplicação concreta, ante a existência de atividades impossíveis de serem dissociadas do risco.
Com relação à segunda alternativa, esta merece ser buscada, quando da inviabilidade de
aplicação da primeira, o que resultaria numa redução de trabalhadores expostos a risco.
Relativamente à terceira opção, qual seja, o isolamento do risco, esta se apresenta
como uma complementação da segunda alternativa, visando a impedir que o agente se
propague e, com isso, privando inúmeros obreiros dos efeitos dos agentes nocivos. Já a

2
A estrutura, organização e o funcionamento do Sistema Federal da Inspeção do Trabalho é disciplinada pelo
Regulamento da Inspeção do Trabalho, aprovado pelo Decreto nº 4552/02.

292
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

proteção do trabalhador sujeito a risco, última modalidade apresentada, somente deve ser
utilizada em caso de impossibilidade da adoção das medidas anteriores e como último
recurso, pois não se trata de uma medida de prevenção ideal, já que se refere à utilização de
mecanismos e medidas visando administrar os efeitos dos agentes nocivos, reduzindo sua
intensidade para níveis considerados toleráveis.
Em verdade, a adoção de estratégias de prevenção, que encontra apoio na tendência
moderna do Direito, é essencial para que se vislumbre a efetiva eliminação e mitigação dos
efeitos nocivos causados pelos agentes insalubres, devendo ocupar posição prioritária sobre a
mera neutralização de tais efeitos, de modo que a aplicação desta medida seja subsidiária
àquela.
Nesse sentido, destacando-a a superioridade de medidas preventivas em relação às
medidas de neutralização, vale mencionar os equipamentos de proteção individual (EPIs), os
quais, muito embora auxiliem na proteção à saúde do trabalhador, não cumprem sua função
de forma ideal, haja vista que, muitos deles, além de prejudicar a percepção do ambiente,
causam incômodo ao trabalhador, que acaba oferecendo resistência em utilizá-los
devidamente.
Por outro lado, pode-se citar um conjunto de acontecimentos e eventos que sinalizam
uma rara oportunidade para a revisão da prática de monetização do risco, em especial o
Programa Nacional de Prevenção a Acidentes lançado pelo TST em 03 de maio de 20113,
criado em virtude do crescimento de ações judiciais indenizatórias por acidentes ocupacionais
e a 14ª Conferência Nacional de Saúde, que aprovou, entre outras diretrizes, a de “Integrar e
ampliar políticas e estratégias para assegurar atenção e vigilância à saúde ao trabalhador”
(DARONCHO, 2012, p. 80-82).
Ainda, podem-se citar como preventivas, medidas de esclarecimento e educação aos
empregadores e empregados, a fim de se demonstrar para aqueles que, muito embora o custo
previsto em lei para a manutenção de obreiros sob condições nocivas a integridade física e
psicológica se mostre muitas vezes irrisório no momento da sua quitação, mormente se
comparado aos altos investimentos que seriam necessários para a eliminação do risco, o
montante a ser despendido numa eventual ação indenizatória promovida pelo trabalhador
poderá superar, e muito, os investimentos mencionados, principalmente se o desgaste a saúde
do empregado o tiver levado a perda da capacidade laboral ou a morte.

3
Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/prevencao/noticia1.html>. Acesso em: 10 mar. 2013.

293
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Há que se considerar que a prevenção de riscos profissionais proporciona um ambiente


de trabalho mais seguro e agradável aos trabalhadores, além de representar a promoção de sua
dignidade e o valor social do trabalho. Os efeitos da prevenção representam a diminuição de
custos para a empresa, em especial, aqueles decorrentes de condenações judiciais, bem como
sob a seara obreira, um aumento na produtividade do trabalhador, que exerce suas atividades
de maneira saudável e com tranquilidade (MOREIRA; MAGALHÃES, 2012, p. 1446).
Como forma de ilustrar o custo que pode ser suportado pelo empregador, quando da
ausência de medidas de proteção quando do labor de seus empregados em atividades nocivas
à saúde e a integridade física, cita-se a decisão do TST, que condenou a empresa a ressarcir ao
obreiro a importância de trinta mil reais, a título de indenização danos morais pela perda
auditiva em razão de seu contato com hidrocarbonetos e exposição a níveis sonoros acima do
limite tolerado4.
Com relação aos empregados, faz-se necessária também a adoção desta medida
pedagógica, a fim de se demonstrar que o pensamento imediatista adotado pelos mesmos,
muitas vezes de forma inconsciente, da obtenção de vantagem financeira e possibilidade de
aposentadoria precoce, nada mais significa que a venda da sua saúde e até mesmo de parte da
própria vida (OLIVEIRA, 2001, p. 157).
Ressalte-se que, com relação à Aposentadoria Especial instituída pela Lei 3.807/60,
prevista nos artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91 e artigos 64 a 80 do Decreto 3.048/99, esta se
trata de um verdadeiro estímulo ao trabalho em condições nocivas a saúde e a integridade
física, fazendo que trabalhadores visualizem vantagens no labor sob tais condições, além de
receberem o plus remuneratório (adicionais legais). Contudo, é mister que se esclareça a
classe obreira que os benefícios de aposentadoria precoce e incremento salarial são falaciosos
e somente encontram-se em pauta porque a sua saúde está em risco, ou já seriamente
prejudicada, contrariando a medida lógica, que seria a prevenção da exposição a agentes
nocivos, e jamais um ressarcimento pela exposição de perigo à vida.
Assim, claro é que o sistema de monetização de risco é falho, porquanto não cumpre
as funções propostas por seus defensores, bem como viola os direitos fundamentais do

4
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n. 249000-
97.2001.5.01.0421. Agravante Schweitzer-Mauduit do Brasil S.A. e Agravado Almir da Silva.
Relator: Ministro Aloysio Corrêa da Veiga. Publ. 29 jun. 2012. Disponível em:
<http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&highlight=true
&numeroFormatado=AIRR - 249000-
97.2001.5.01.0421&base=acordao&numProcInt=14142&anoProcInt=2012&dataPublicacao=29/06/20
12 07:00:00&query>. Acesso em: 14 mar. 2013.

294
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

trabalhador, consistindo o adicional de insalubridade em medida paliativa que, em verdade,


apenas promove uma recompensa insignificante ao trabalhador, sem, contudo, resolver o
ponto nevrálgico da questão, qual seja, os danos – muitas vezes irreparáveis – à saúde do
trabalhador.
Desta forma, a proibição da monetização do risco, através da adoção de critérios de
eliminação do risco e redução da jornada de trabalho dos empregados expostos a agentes
agressores a sua saúde e integridade física, certamente resultaria em maiores possibilidade de
luta pelo trabalho em condições dignas, sem o fascínio enganoso dos adicionais e das
aposentadorias precoces.
A monetização do risco é medida perfeita que se insere no âmago do sistema
capitalista, sob a visão do empregado. A tarefa do operador jurídico é encontrar um novo
paradigma para esta questão, pois, caso o empregado adoeça em virtude do risco a que está
exposto em sua atividade, trará consequências pessoais negativas não só ao trabalhador, mas a
toda sociedade, que eventualmente, ainda que de forma indireta, arca com os custos de
benefícios previdenciários ocasionados pela situação de doença.
Enquanto novas medidas não existem para a minoração da aplicação da monetização
do risco, atitudes adotadas no interior das empresas, como programas de prevenção e
esclarecimentos aos trabalhadores em relação às atividades insalubres, com participação de
especialistas podem ser aplicadas independentemente de qualquer formalidade. Talvez haja
uma mudança de mentalidade dos envolvidos na relação de emprego, e possa surgir uma nova
concepção a respeito dos riscos que envolvem agressão à saúde. E, finalmente o Estado
poderia incentivar estes programas específicos, concedendo algum benefício aos
empregadores que investissem na prevenção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A problemática que envolve os trabalhos sob condições nocivas a saúde e integridade
física do trabalhador, em especial a insalubridade, tem origem precípua na escolha, por parte
do legislador, em adotar o sistema de monetização de risco, compensando financeiramente os
danos à saúde do obreiro através de acréscimos salariais.
Constata-se, conforme exposto ao longo do presente estudo, que a monetização do
risco não encontra amparo junto ao princípio da dignidade humana, consagrado pela Lei
Maior de 1988 como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, junto à
valorização do trabalho e a garantia de um meio ambiente laboral livre de riscos. Logo, não há

295
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

como se admitir que se dê continuidade sólida a aplicação de um critério que, além de violar
um fundamento da CR, mostra-se ultrapassado e manifestamente ineficaz no que diz respeito
à proteção da saúde do trabalhador.
Assim, para alterar essa realidade, é imperioso que haja uma ação reflexiva,
consertada e efetiva sobre a questão, entre sociedade, Poderes Executivo, Judiciário e
Legislativo, uma reflexão sobre a questão, o que se mostra urgente ao se considerar o cenário
atual brasileiro, em que se visualiza uma crescente oferta de empregos, inclusive em
condições nocivas a saúde e integridade física do trabalhador.
É forçoso chegar-se a conclusão de que a estratégia utilizada pelo ordenamento
jurídico pátrio merece ser reformulada, considerando a implementação de medidas
alternativas, priorizando sempre a prevenção, como a melhor alternativa para a proteção do
obreiro em seu ambiente de trabalho, não podendo mais ser tolerado o simples ressarcimento
financeiro, através do pagamento de adicional ao salário, que causa efeitos deletérios na
sociedade.
A manutenção de um ambiente de trabalho seguro e saudável gera ganhos aos
trabalhadores e aos empregadores, implicando em melhora quantitativa e quantitativa da
prestação do labor, além de aprimoramento das relações humanas e da promoção dos
princípios da dignidade da pessoa humana e da função social do trabalho.
Por óbvio que nos casos em que há indissociabilidade da condição nociva com o
trabalho prestado, demonstrou-se a possibilidade de adoção de medidas alternativas, como a
redução da jornada, sem perda salarial. Contudo, é importante reforçar que, a tomada de tais
condutas para com trabalhadores que laboram sob condições adversas, devem ser apenas em
caráter complementar, jamais como forma principal e, muito menos única de solução do
problema.
Portanto, somente através da mudança de paradigmas e implementação de medidas de
proteção à integridade física e psíquica do trabalhador, à luz dos princípios constitucionais é
que será possível a efetiva preservação da sua saúde e segurança, com a verdadeira
concretização do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7 ed, São Paulo: LTr, 2011.

296
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

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BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n.
249000-97.2001.5.01.0421. Agravante Schweitzer-Mauduit do Brasil S.A. e Agravado Almir
da Silva. Relator: Ministro Aloysio Corrêa da Veiga. Publ. 29 jun. 2012. Disponível em:
<http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&highli
ght=true&numeroFormatado=AIRR - 249000-
97.2001.5.01.0421&base=acordao&numProcInt=14142&anoProcInt=2012&dataPublicacao=
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

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298
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

DIREITOS FUNDAMENTAIS, SINDICAIS, COLETIVOS E SALUBRIDADE DO TRABALHO

Eloy P. Lemos Junior1


Dilson Antônio do Nascimento2
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo fazer uma abordagem dos direitos coletivos do trabalho,
sob a ótica dos direitos fundamentais, adotando-se novos conceitos ao Direito do Trabalho, desenvolvendo
e demonstrando as novas concepções deste ramo do direito a partir da summa divisio direitos individuais e
coletivos consagrados na C. R. F. do Brasil. Este tem sua redação feita através da historicidade dos
direitos trabalhistas e dos princípios constitucionais estabelecidos nos primeiros artigos da referida Carta
Constitucional, em especial o quinto, sétimo e oitavo. Pretende-se demonstrar as razões de se conceber os
direitos trabalhistas, outrora, de ordem particular, como, hodiernamente, inclusos no rol dos direitos
constitucionais fundamentais para garantia da ordem pública, como normas cogentes e a sua instituição no
Estado Democrático de Direito e requerer sua real efetividade. A supremacia da C. F. no ordenamento
jurídico é o eixo primordial, e seus princípios regem as relações jurídicas fundamentais em igualdade de
condições às demais normas, principalmente, após os direitos trabalhistas serem elevados a status de
direitos constitucionais fundamentais. Faz-se, ainda, uma abordagem das relações capital e trabalho a
partir do estudo das relações sindicais, não efetividade ao direito de amplo acesso ao Poder Judiciário, em
especial, a efetividade do direito coletivo sindical e a real participação do Estado, através do MTE,
suprindo sua omissão constitucional e/ou do M. P. do Trabalho, para sua concretude. É realizada,
também, uma análise sobre o ambiente do trabalho, sua salubridade, sem assédios e danos morais, a
proteção do trabalhador em face destes males e sua pacífica reparação perante a J. T. E, verifica-se,
também a atuação do M. P. do Trabalho para a efetivação de indenizações por danos morais coletivos em
pecúnia, pela violação de direitos coletivos trabalhistas. Por fim, conclui-se pela importância do direito
laboral nas relações políticas, econômicas e socioculturais para a EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS, HUMANOS, SINDICAIS E PELA LUTA DE CLASSES TENDO EM VISTA
UM BOM AMBIENTE DO TRABALHO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
Palavras-Chave: Direito Coletivo do Trabalho. Direitos Fundamentais. Garantias
Constitucionais. Direitos Humanos. Direito Sindical. Meio Ambiente do Trabalho.

1
Professor Universitário do Mestrado e da Graduação em Direito da Universidade de Itaúna (UIT), FACED
(Divinópolis-MG), FADIPA (Ipatinga –MG) e da UNA –BH/MG; ex-bolsita CAPES e atual do FUNDEP/UFMG;
Coordenador do Projeto Cidade Alteridade em Itaúna; Doutor em Direito Empresarial pela UFMG, Mestre e
Especialista em Direito; e Advogado.
2
Advogado, Especialista em Direito do Trabalho e Mestrando em Direito da Universidade de Itaúna (UIT) – Área de
Concentração – Proteção dos Direitos Fundamentais.

299
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

FUNDAMENTAL, SYNDICAL AND COLLECTIVE RIGHTS AND WORK SALUBRITY


ABSTRACT
This paper aims to present an approach of collective rights of labor, from the perspective
of fundamental rights, adopting new concepts to the Labour Law, developing and demonstrating
new concepts in this area of law from the clear distinction and individual rights collective
embodied in Title II, Chapter I of the Constitution of the Federative Republic of Brazil. This is
done by writing his historicity of labor rights and the constitutional principles established in the
first articles of the mentioned Constitutional Charter, particularly the fifth, seventh and eighth.
We intend to demonstrate the reasons for conceiving labor rights, formerly of particular order, as
modernly, included in the list of fundamental constitutional rights to guarantee public order rules
as cogent and his institution in a democratic state and require their real effectiveness. The
supremacy of the Federal Constitution in the legal system is the primary axis, and its principles
governing the fundamental legal relations on equal terms to other standards, especially labor
rights after being elevated to the status of fundamental constitutional rights. It is also an approach
to capital and labor relations from the study of union relations, not effectiveness the right to full
access to the judiciary, in particular, the effectiveness of the right of association and collective
real participation of the State, through the Ministry of Labour and Employment, supplying its
constitutional omission and / or the Ministry of Labour, for its concreteness. It also performs an
analysis about the work environment, its health and sustainability, without harassment and
punitive damages, the worker protection in the face of these evils and their peaceful repair against
the Labour Court. It can be seen the Public Ministry of Labour work for the enforcement of
collective reparations for moral damages in pecunia, for violation of collective labor rights.
Finally, we conclude the importance of labor law in the political, economic and socio-cultural for
EFFECTIVE FUNDAMENTAL AND HUMAN RIGHTS, THE UNION FIGHT FOR
FURTHER ADJUSTMENT STATE, HAVING IN VIEW A GOOD WORK ENVIRONMENT
AND THE DIGNITY OF THE HUMAN BEING.

Keywords: Collective Labour Law. Fundamental Rights. Constitutional Guarantees. Human


Rights. Effectiveness. Syndical Rights. Work Environment.

300
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

SUMÁRIO
Introdução
1.Novos conceitos para o direito coletivo do trabalho e os direitos fundamentais
2. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações particulares
3. Os Direitos Trabalhistas e a nova summa divisio direitos individuais e direitos coletivos
4. A relação entre capital e trabalho: O movimento sindical e os direitos coletivos
do trabalho
4.1. O Dissídio Coletivo e a Emenda Constitucional 045/2004
5. O meio ambiente do trabalho
5.1. A salubridade do ambiente do trabalho
5.2. Dos assédios no ambiente do trabalho – seus danos e a proteção do trabalhador em face
deste mal e sua pacífica reparação perante a Justiça do Trabalho
6. O Ministério Público do Trabalho e a efetivação de direitos coletivos por danos morais
coletivos
Conclusão
Referências bibliográficas

Introdução
O presente artigo fará uma abordagem do Direito Coletivo do Trabalho, sob o ponto de
vista dos Direitos Fundamentais e sob a visão pós-positivista, sem se olvidar da historicidade
deste ramo jurídico, salientando-se tratar de área jurídica eminentemente regulamentada, seja
através da normatização estatal, seja pela normatização sindical. A regulação laboral ocorreu em
resposta a conflitos históricos envolvendo capital e trabalho, cujos enfoques de maior relevância
surgiram com os ideários da revolução francesa, revolução industrial e o avanço do socialismo,
partindo-se das idéias de Karl Marx.
Por outro lado, deve-se ressaltar que a regulação normativa não é sinônimo de
efetividade dos respectivos direitos, haja visto que por diversos momentos este ramo jurídico foi
objeto de manipulação político-econômica, como se verificou no Estado Novo getulista, onde o
governo central, para não perder o controle das massas trabalhadoras, cujos movimentos se
aglutinavam, editou a Consolidação das Leis do Trabalho, como instrumento de co-opção em
resposta ás manifestações operárias.

301
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Os direitos trabalhistas sempre estiveram ligados a movimentos coletivos, mas a sua


doutrina jurídica esteve limitada aos direitos individuais. Por isso, em meio a uma considerada
pressão, direitos coletivos foram sendo conquistados, como o direito de greve, à proposição de
dissídios coletivos, dentre outros.
Portanto, o Direito do Trabalho foi um dos primeiros ramos a dedicar espaço aos
Direitos Coletivos, ainda que de forma limitada, devido aos aparelhos repressores do Estado, o
qual não permitia a emancipação da sociedade e muito menos dos trabalhadores. Outrossim, até
mesmo porque historicamente, estes nasceram primeiros que o Direito Individual do Trabalho.
No Brasil, especialmente, na era Vargas e durante o regime militar, ambos com vocação
ditatorial,a autonomia dos trabalhadores estava limitada ao julgo do Estado e a repressão política,
o que impedia os avanços almejados pelas categorias laborais. Todo o arcabouço legislativo,
incluindo a Constituição Federal e a CLT, era ignorado, porquanto o governo estabelecia algo
que o regime não permitiu ser efetivado.
Somente com a Constituição Federal de 1988, com a democratização do país, é que se
pode falar em direitos voltados para a emancipação dos trabalhadores e suas representações,
lembrando que na era pós-moderna e pós-positivista, o direito passa a emergir da sociedade, com
a garantia do Estado, surgindo, por conseguinte, o Estado Democrático de Direito.
A nova Carta Constitucional concede autonomia aos sindicatos e concebe aos
trabalhadores status de portadores de direitos fundamentais. Assim, os arts. 1º, 5º, 7º, 8º e 114 da
Carta Magna estabeleceram as condições para o Direito do Trabalho fazer parte da summa
divisio direitos individuais e direitos coletivos, habilitando os sindicatos no rol de legítimos
postulantes de direitos e interesses laborais.
A história do Direito do Trabalho no contexto mundial é marcada por conflitos, por
vezes sangrentos, podendo-se delimitar como marco maior a Revolução Industrial no século XIX,
embora se tenha notícia de incipiência jurídica nesta área mesmo em períodos remotos na Europa.

A formação de uma consciência de classe se dá em razão de vários fenômenos, dentre


eles enumera-se: a) a concentração do proletariado nos centros industriais; b) exploração de um
capitalismo desmedido; c) os ideais, ainda que individualistas, da Revolução Francesa; d) a
implementação do princípio do laisser faire, laisser passer, relativamente à liberdade de
contratar; e) Trabalho essencialmente pela força bruta; f) o surgimento da fadiga laboral,

302
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

acidentes e más condições de saúde e higiene; g) a falta de saneamento básico em decorrência do


êxodo camponês para o entorno das indústrias; h) a não intervenção estatal e o surgimento da
miséria; g) a coalizão e os movimentos grevistas. Neste contexto surgem as ideologias de protesto
e de contestação, com destaque para o marxismo e o manifesto comunista em 1848.

Estas premissas ideológicas chegaram também ao Brasil, superaram barreiras e


estenderam-se até os dias atuais, para serem declarados como Direitos Individuais e Coletivos do
Trabalho na Constituição Federal de 1988, o marco das conquistas sociais e a sua consagração.

1. Novos conceitos para o direito coletivo do trabalho e os direitos fundamentais


Na concepção liberal clássica, os direitos fundamentais estavam ligados à ideia de
liberdade, defesa, segurança e prosperidade, num pseudo imaginário de que a racionalidade se
incumbia de harmonizar o meio. No entanto, isso era fruto de uma ideologia dominante na qual
poucos se beneficiavam do sistema de regalias políticas, econômicas e jurídicas em detrimento da
maioria marginalizada. As constituições cuidavam da segurança do Estado e, num segundo plano,
do indivíduo. Era necessário romper com o chamado estado de natureza e do contrato social de
Hobbes e Rousseau os quais estabeleciam como função explicar a situação pré-social na qual os
indivíduos existem isoladamente. Justificavam os direitos laborais como se estes fossem
mercadorias. O degradante modo de vida laboral dos trabalhadores brasileiros perdurou desde a
década de 1910 até 1987, como reflexo da revolução industrial e de um Estado opressor, que não
permitia a emancipação dos trabalhadores e a interação destes com a sociedade e com os entes
estatais.
O direito a um ambiente sustentável e salubre do trabalho, livre das várias e recentes
espécies de assédios é uma conquista dos trabalhadores. O Direito Sindical é garantido nos
artigos 7º e 8º da Constituição Federal e o Dano Moral Individual e Coletivo consagrados no
artigo 5º da mesma Carta Constitucional, em jurisprudência pacífica quanto ao Direito Individual
do Trabalho e recente quanto ao Direito Coletivo do Trabalho.
A Constituição Federal de 1988 é o berço dos direitos dos trabalhadores, porque
reconhece neles o caráter revolucionário e libertador, conferindo-lhes a condição de sujeitos de
direitos e garantias fundamentais, com destaque para o direito à dignidade da pessoa humana (art.
1º, III), direitos de igualdade, direito à vida, à liberdade e a segurança (art. 5º, caput). O artigo 6º
da CF/88 confere ao Direito do Trabalho a condição de direito social fundamental.

303
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Neste contexto, conceituam-se, pois, os direitos fundamentais trabalhistas, como sendo


posições jurídicas individuais ou coletivas, reconhecidas constitucionalmente, cujos destinatários
são o empregador privado ou tomador de serviços e o Estado.
Na concepção material, Direito do Trabalho é direito de natureza mista e complexa, que
regula as relações de trabalho, especialmente as relações entre trabalhadores, empregadores e
suas entidades, envolvendo, ainda, as relações destes com os entes estatais.
Para Maurício Godinho Delgado:
O Direito Material do Trabalho, compreendendo o Direito Individual e o Direito
Coletivo – e que tende a ser chamado, simplesmente, de Direito do Trabalho, no sentido
lato - pode, finalmente, ser definido como: Complexo de princípios, regras e institutos
jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações
normativamente especificadas, englobando, também, os institutos, regras e princípios
jurídicos concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviços,
em especial através de suas associações coletivas.3

Delgado define direito individual do trabalho como um “complexo de princípios, regras


e institutos jurídicos que regulam, no tocante às pessoas e matérias envolvidas, a relação
empregatícia de trabalho, além de outras relações laborais normativamente especificadas.” Já o
direito coletivo do trabalho é um “complexo de princípios e regras e institutos jurídicos que
regulam as relações laborais de empregados e empregadores, além de outros grupos jurídicos
normativamente especificados, considerada sua ação coletiva, realizada automaticamente ou
através das respectivas associações.” 4
Considerando a evolução histórica do Direito do Trabalho no Brasil, que ascendeu-se ao
plano constitucional, e levando-se em consideração a teoria da nova summa divisio
constitucionalizada e relativizada, estabelecida pelo Titulo II, Capítulo I da Carta Magna, de
modo a criar novos conceitos dos direitos trabalhistas a partir da nova dicotomia direitos
individuais e direitos coletivos, com enfoque nas relações entre capital e trabalho, afirma-se que a
distinção clássica entre público e privado foi superada para dar lugar a novos paradigmas do
direito e melhor responder aos fenômenos jurídico-sociais e especialmente os trabalhistas stricto
sensu.

3
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 8. edição. São Paulo: LTr, 2009, p. 49.
4
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 8 ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 49.

304
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Assim, a doutrina liberal clássica limitava o alcance dos direitos fundamentais à regência
das relações públicas, que tinham o Estado em um dos polos, de forma que tais direitos eram
vistos como limites ao exercício do poder estatal. Os direitos fundamentais eram concebidos,
originariamente, como direitos subjetivos públicos, ou seja, como direitos do cidadão em face do
Estado.
Gregório Assagra de Almeida assegura que:
[...] a melhor orientação, presente tanto em doutrina, quanto em jurisprudência, é no
sentido de que os direitos e garantias constitucionais fundamentais têm eficácia
vinculativa tanto às entidades públicas em geral, quanto aos indivíduos ou entidades
privadas.5
Ipojucan Demétrius Vechi6 afirma que os direitos fundamentais específicos dos
trabalhadores são aqueles expressamente destinados aos trabalhadores e que têm, no polo
passivo, os empregadores, que podem ser públicos ou privados.
Para José Felipe Ledur 7o reconhecimento de direitos fundamentais do trabalho, de
caráter individual e coletivo, que integram o rol dos direitos fundamentais da Constituição de
1988, constitui alteração inovadora porque posiciona particulares (empregadores/tomadores de
trabalho) no polo passivo de direitos fundamentais aos trabalhadores e, por isso, objeto de
análise. A atribuição da titularidade de direitos fundamentais aos trabalhadores, concreção do
próprio valor social do trabalho erigido, fundamento da República Federativa do Brasil, é o ponto
culminante da evolução jurídico-constitucional de aproximadamente um século no País. Por isso,
as consequências desse trânsito do núcleo dos direitos do trabalho da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) e da legislação infraconstitucional, para a Constituição, mais especificamente
para o sistema especial de direitos fundamentais do trabalho nela consolidado, determinam a
necessidade de uma dogmática jurídica que responda a essa nova normatividade jus laboral.
Usando o conceito de sistema, Ledur 8 assinala que os direitos fundamentais do trabalho
são um sistema especial, onde o Estado não é, pelo menos diretamente, o sujeito do poder, mas
sim o particular.

5
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo.1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 333.
6
VECHI, Ipojucan Demétrius. A Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas: O caso da Relação de
Emprego. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo: Lex Editora, vol.77, nº 3, jul/set 2011, pp 111-135.
7
LEDUR, José Felipe.A Constituição de 1988 e seu sistema especial de direitos fundamentais do trabalho. Revista
do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo: Lex Editora, vol.77, nº 3, jul/set 2011, pp 154-181.
8
LEDUR, José Felipe.A Constituição de 1988 e seu sistema especial de direitos fundamentais do trabalho. Revista
do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo: Lex Editora, vol.77, nº 3, jul/set 2011, pp 154-155.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A ideia dominante era aquela extraída da hermenêutica do Estado burguês, pautada na


revolução francesa, no sentido de manter o privilégio da categoria hegemônica sobre a população,
sustentada na igualdade natural dos direitos. O significado de direitos fundamentais chegou tardio
ao poder constituinte brasileiro, posto que os efeitos da evolução social estiveram centrados na
antiga metrópole (Portugal). Os direitos fundamentais estiveram adormecidos no Brasil até a
promulgação da Constituição de 1988, embora eles já fossem reconhecidos pelos países
europeus, de onde o Brasil era colônia. Numa sociedade provinciana, mesmo após a declaração
da Independência, com poucas indústrias e urbanização incipiente, não se podia vislumbrar a
existência de direitos fundamentais, pelo menos na dimensão hodiernamente concebida. Embora
alguns direitos sociais tenham sido editados pelas Cartas Constitucionais brasileiras a partir de
1934, eles não tinham as dimensões fundamentais necessárias para a implementação de uma
sociedade justa.
Com a Promulgação da Constituição Federal de 1988, vieram os direitos fundamentais, e
com eles, emergiram-se os direitos fundamentais particulares, o que justifica a denominada
fundamentação horizontal. É quando se percebe que o particular (empregador) pode ser mais
opressor que o Estado, diante da globalização e do capitalismo desmedido e sem fronteiras.
A partir do art. 1º da C.F. de 88, o Brasil passa a um Estado Democrático de Direito no
plano constitucional formal, e o que se quer é sua concretude para com os trabalhadores
brasileiros. Seguindo esta nova ordem, os direitos fundamentais são exibidos no título II, ou seja,
na abertura da Carta Constitucional e dessa forma evidencia que os direitos fundamentais são
princípios constitutivos e não meros princípios organizativos do Estado. Do ponto de vista de seu
conteúdo, a alteração de maior relevo da Constituição de 1988 foi o reconhecimento de direitos
fundamentais sociais, dentre eles os direitos do trabalho 9, dos quais destacam-se os relacionados
neste artigo.
A Constituição Federal aboliu a concepção de direitos fundamentais clássicos, onde
havia a interferência do Estado, para incorporar os direitos dos trabalhadores na categoria dos
direitos fundamentais, tendo como destinatários principais o empregador ou tomador de serviços,
obrigados a fornecerem prestações materiais em contraprestação pelo trabalho realizado. O artigo
7º obriga empregador, tomador de serviços e o próprio Estado, os primeiros de ordem

9
LEDUR, José Felipe. A Constituição de 1988 e seu sistema especial de direitos fundamentais do trabalho. Revista
do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo: Lex Editora, vol.77, nº 3, jul/set 2011, p. 160

306
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

propriamente laboral e o segundo, os de natureza previdenciária, além daqueles relativos às


normas de proteção ao mercado de trabalho da mulher, proteção à saúde, higiene e segurança no
trabalho (salubridade física e mental), sem danos morais (em suas várias formas de assédios) e
em destaque, garante os direitos coletivos à greve e especialmente o direito sindical, no artigo 8º
do referido diploma legal.
Os direitos fundamentais trabalhistas estatuídos na Constituição Federal resultam de
intensa participação e mobilização social e política no Brasil, envolvendo representações de
trabalhadores, da igreja, advocacia, dentre outros organismos, movimentos estes dos quais o
intérprete ou aplicador da norma não pode olvidar, eis que está no espírito da constituição
normativa, cuja origem remonta à Assembleia Constituinte de 1987/88. Por outro ângulo, o
estatuto jurídico estabelecido pela Constituição aos direitos fundamentais tem sentido integrador,
quando os reconhece e integra aos demais direitos fundamentais como essenciais à vida e ao
desenvolvimento, consolidação da personalidade do sujeito em sociedade livre, justa e solidária. 10
As dimensões dos princípios possuem sentido integrador e são componentes essenciais
na formação do caráter fundamental do direito, tudo isso associado à interpretação, à limitação e
direção.
A estrutura da Constituição brasileira supera o formato clássico para ingressar no Estado
Democrático de Direito, desviando o eixo gravitacional da Constituição do circuito estatal para a
primazia da sociedade, fazendo que os direitos fundamentais assumam a anterioridade aos órgãos
estatais. 11
A ciência do direito, como se sabe, não é uma ciência exata, devendo romper as
barreiras axiológicas para uma compreensão ampla e aberta. Se hoje até mesmo a física quântica
submete-se ao fim das certezas,12com maior probabilidade deve esmerar o estudo jurídico. Daí a
justificativa no sentido de relativizar a aplicação dos direitos fundamentais nos limites da real
ponderação sem que esta categoria jurídica perca seu status. É nessa perspectiva a lição de José

10
LEDUR, José Felipe. A Constituição de 1988 e seu sistema especial de direitos fundamentais do trabalho. Revista
do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo: Lex Editora, vol.77, nº 3, jul/set 2011, p. 161
11
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27 edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 293
12
O fim das certezas é uma obra de Ylma Prigogine, na qual a autora faz excelente enunciado cientifico no sentido
de relativizar até mesmo as leis da física. O livro intitulado Tempo, Caos e as Leis, foi traduzido no Brasil por
Roberto Leal Ferreira. Nesta obra a autora relativiza as leis de Newton, numa axiológica compreensão do tempo,
representada por uma flecha, a chamada fecha do tempo. A referência a autoria é para justificar a relativização das
normas jurídicas em contraponto à clássica teoria Kelseniana. Se Einstein afirmou que o tempo é ilusão, como
poderia a flecha do tempo emergir de um mundo que a física atribui uma simetria temporal? Ed. UNESP-2011

307
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Felipe Ledur 13 ao dispor que a norma contida no art. 7º da Constituição estende a proteção jus
laboral ao prestador de serviços, à relação de trabalho no plano dos direitos fundamentais. É
possível fixar a diretriz isonômica no sentido de que a norma ensejará tratamento diferenciado na
medida das diferenças específicas, ou seja: para quem trabalha mediante subordinação,
onerosidade, dependência econômica, não eventualidade e percebendo salário (empregado) e do
trabalhador em sentido lato.
Importante ressaltar que os destinatários de direitos fundamentais particulares não são
absolutos, havendo teorias no sentido de enquadrar estes destinatários (particulares) na condição
de pessoas naturais em situação de sujeitos de direitos fundamentais.
Esse entendimento engloba os chamados direitos sociais fundamentais previstos no
artigo 7º da Constituição no sentido de postá-los na categoria dos direitos de aplicabilidade
imediata e não com caráter de eficácia contida, programática ou pior, na teoria da reserva do
possível.
As violações aos direitos fundamentais podem partir tanto do Estado soberano como,
também dos agentes privados. Essa tendência atual de aplicação horizontal dos direitos
fundamentais não visa sobrepor-se à relação anterior, uma vez que o primordial nessa questão é a
aplicação dos direitos fundamentais, no caso concreto.14
Os direitos coletivos trabalhistas estão inseridos no texto Constitucional como direitos e
garantias fundamentais, conforme estabelecido no título II, capítulos I e título II da Constituição
Federal/1988. Portanto, de aplicação imediata, especialmente na proteção e manutenção dos
pressupostos essenciais relacionados à vida, à liberdade e à dignidade humana.
As normas e princípios daí imanentes caminham no sentido de proporcionar uma
“autonomia privada coletiva” justa. Mas é necessária a presença de políticas públicas no sentido
de resguardar direitos fundamentais do hipossuficiente, pois nem toda a categoria profissional
está devidamente aparelhada para enfrentar a organização econômica capitalista, que imprime
situações ideológicas em prol do lucro sem que o trabalhador perceba. Segundo Marcio Túlio
Viana:
[...] Um bom exemplo é a negociação coletiva. Velha bandeira dos trabalhadores, agora
é defendida com ardor crescente pela classe empresarial. Aliás, tornou-se tão importante

13
LEDUR, José Felipe.A Constituição de 1988 e seu sistema especial de direitos fundamentais do trabalho. Revista
do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo: Lex Editora, vol.77, nº 3, jul/set 2011, pp 166-167.
14
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 27, Malheiros Editores, 2012

308
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

que já não é vista como simples complemento da lei, mas virtualmente como a sua
sucessora. O problema é a outra metade do discurso, que permanece oculta.15

Dentre os diversos princípios que informam o direito laboral, destacam-se: o princípio


da primazia da realidade, o princípio da proteção, da norma mais favorável, princípio da
indisponibilidade dos direitos trabalhistas, do in dubio pro operário e, atualmente, os princípios
da proporcionalidade, da conformação e da dignidade da pessoa humana. Neste último fundam-se
os termos eleitos para o cerne deste trabalho, quais sejam, os direitos fundamentais sociais
previstos nos artigos 7º e 8º da C.F.
2. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações particulares
Os direitos fundamentais estão intimamente ligados ao sentido de justiça. A
transformação da realidade social passa pela eliminação das desigualdades e injustiças sociais
com a proteção integral e efetiva dos direitos coletivos em sentido amplo. A teoria dos direitos e
garantias constitucionais fundamentais no contexto do Estado Democrático de Direito é de
primeira importância para a dogmática jurídica crítica rumo à transformação social16.
Os direitos fundamentais nas relações entre particulares têm justificativa plena, na
medida em que se adota a concepção neoconstitucionalista no âmbito do Estado Democrático de
Direito. Inobstante os desígnios deste novo Estado engendrado na sociedade, a globalização
impõe novos padrões, os quais podem abalar as estruturas existentes. Nesse sentido, Juan Ramón
Capela17 cria o chamado “[...] soberano privado supra estatal difuso”, atribuindo-se a um titular
privado um poder supra estatal que produz efeitos de natureza pública ou política. Trata-se de um
novo poder que impõe ao Estado determinadas políticas de cunho econômico. Com a adesão dos
Estados ao capital internacionalizado, numa adesão ao neoliberalismo, a desregulamentação, o
livre câmbio comercial e privatização massiva, e a transferência de financiamento público para a
iniciativa particular, pode ceder a entes privados uma poderosa capacidade de decisão sob o
impulso do capital. Neste contexto, o agente Estado é substituído pelo particular (soberano
privado), justificando a proteção dos direitos sociais, especialmente os trabalhistas, em face do
ente particular.

15
VIANA, Marcio Túlio. A Proteção Social do Trabalhador no Mundo Globalizado - O Direito do Trabalho No
Limiar do Século XXI. Revista Genesis, Curitiba, n.79, p. 49-69, 1999.
16
ALMEIDA, Gregório Assagra de.Direito Material Coletivo.1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 291.
17
CAPELA, Juan Ramón. Fruto proibido – Uma aproximação histórico-teórica ao estudo do direito e do
estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

309
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A eficácia dos direitos e garantias constitucionais fundamentais aos particulares (eficácia


horizontal) se classifica em direta e indireta. Na teoria da eficácia direta ou imediata, alguns
direitos fundamentais podem ser aplicados às relações privadas sem que haja a necessidade de
intermediação do legislador para a sua concretização. Já na teoria da eficácia indireta ou mediata,
os direitos fundamentais são aplicados de maneira reflexa, seja dentro de uma dimensão
proibitiva e voltada para o legislador, que não poderá editar lei que viole direitos fundamentais
ou, ainda, positiva, no sentido de que o legislador implemente os direitos fundamentais,
ponderando quais devam se aplicar às relações privadas.
Algumas controvérsias ainda se instauram sobre a eficácia dos direitos fundamentais aos
particulares. Entretanto, o suporte seguro para justificar esta garantia surgiu com a interpretação
do Tribunal Federal do Trabalho da Alemanha em observância ao art. 9º da Lei Fundamental de
1949. No entendimento daquela corte, no contexto do debate acerca da liberdade de coalizão dos
trabalhadores, a liberdade não tinha como destinatário, ou obrigado exclusivo, o Estado, mas
também a força de poder contraposta ao pólo laboral, qual seja, a organização empresarial. No
Brasil, a vinculação direta, imediata dos empregadores e tomadores de trabalho é a regra e não
exceção, como previsão dos artigos 7º e 11 da Constituição Federal da República do Brasil. 18
Assim, a classificação em teoria da eficácia horizontal imediata é prevalente. Falta dar-se maior
efetividade quanto ao ambiente de trabalho e que estes sejam defendidos pelos sindicatos.
3. Os Direitos Trabalhistas e a nova summa divisio direitos individuais e direitos coletivos
Mesmo antes da promulgação da CF/88 o direito do trabalho já utilizava-se dos
Dissídios Coletivos de natureza econômica ou de natureza jurídica, mediante legitimação
anômala dos sindicatos profissionais e econômicos. Outras ações coletivas, também já podiam ser
postuladas pelas entidades sindicais, tais como: ação de cumprimento, ações coletivas requerendo
adicionais de insalubridade e periculosidade com base no § 2º, do art. 195 da CLT, mas sempre
em caráter de representação ou substituição processual, com exibição da lista de substituídos,
com calorosa discussão se a entidade poderia representar toda a categoria ou somente a lista de
sócios.

18
LEDUR, José Felipe.A Constituição de 1988 e seu sistema especial de direitos fundamentais do trabalho. Revista
do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo: Lex Editora, vol.77, nº 3, jul/set 2011, pp 170-171.

310
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Após a promulgação da Constituição Federal em 05 de outubro de 1988, tais direitos


foram ampliados para alargar a representação ou substituição processual dos trabalhadores da
categoria, mas com debates quanto à apresentação da lista de substituídos processualmente.
A doutrina majoritária afirma que a Constituição Federal legitima o sindicato em duas
oportunidades para agir como substituto processual. A primeira hipótese na alínea b, do inciso
LXX, de seu art. 5º, quando assegura que o Mandado de Segurança Coletivo pode ser impetrado
por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.
A segunda se refere ao artigo 8º, que trata dos direitos sociais, facultando a associação e
conferindo ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria,
inclusive em questões judiciais ou administrativas.
Os direitos trabalhistas não foram excluídos da dicotomia liberal no que diz respeito à
divisão do direito em público e privado. A maioria o considerava um ramo especializado de
direito particular; outros entendiam que se tratava de direito público. No entanto, há de se
ressaltar que se trata de ramo do direito onde público e privado sempre se entrelaçaram, não se
podendo olvidar que alguns autores, ainda de linha positivista liberal, o classificam no ramo do
direito misto. Portanto, embora este debate ainda não esteja totalmente superado, é momento
próprio de se romper com o positivismo e ingressar na summa divisio direitos individuais e
direitos coletivos, com firme base no Título II, Capítulo I da Constituição Federal. 19
Trata-se de prudência metodológica, conceber a nova summa divisio constitucionalizada
e relativizada no sentido de incorporar uma situação já pré-existente, mas ainda carente de
regulação do ordenamento jurídico laboral. Este sistema ou procedimento deve impulsionar a
atuação, de forma individual e coletiva dos sindicatos e das entidades especialmente concebidas
para a proteção deste ramo do direito, incluindo aí, as políticas públicas do Poder Executivo, com
destaque para as atribuições do MTE e atuação efetiva do M.P. do Trabalho, para tutela e
efetivação dos direitos coletivos do trabalho.
Com a edição do Enunciado de Súmula 310 do Tribunal Superior do Trabalho os
sindicatos tiveram sua atuação restrita relativamente à Substituição Processual, haja vista que
passou-se a exigir a identificação dos substituídos. Com a superação da Súmula 310 do TST e
com a nova jurisprudência, as cortes superiores, voltaram aos comandos do inciso III do artigo 8º

19
ALMEIDA, Gregório Assagra de.Direito Material Coletivo.1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, pp. 429-435.

311
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

da Constituição da República para, segundo abalizada doutrina jus-laboral, contemplar-se


autêntica hipótese de substituição processual. O TST volta a dispensar a relação de substituídos e
a outorga de mandato, na medida em que é o substituto que detém legitimação anômala para a
demanda, e o alcance subjetivo dela não se restringe mais aos associados da entidade sindical,
alcançando a todos os integrantes da categoria profissional, bem como a reservar-lhe honorários
advocatícios sindicais, como meio objetivo de desestimular as demandas individuais.
Sem dúvida, a edição do Enunciado 310 do TST estabeleceu um atraso nas relações
capital/trabalho e um óbice significativo à implementação dos direitos fundamentais trabalhistas
por mais de dez anos.20
O direito do trabalho é expansionista sendo considerado por alguns doutrinadores como
um ramo do direito em transição. Caracteriza-se por ser intervencionista e protetivo em relação
ao trabalhador. Seus institutos típicos são em essência coletivos ou socializantes. É considerado
direito de ordem mista e complexa. Mista, porque ora concebe direitos individuais, ora direitos
coletivos e, ainda, direitos difusos. Complexa, porque inserido no meio social, tem amplo
impacto na economia mundial, não se podendo falar em um sistema fechado.
É necessário ressaltar a existência de duas categorias de normas e suas respectivas
sanções: Primeiro, o conjunto de normas que rege as relações entre trabalhador e empregador,
com inegável característica de direito privado. Segundo, o grupo de normas que disciplina a
relação entre o Estado e o empregador, essa de natureza administrativa, que revela seu caráter de
direito público. Assim, numa concepção liberal, conclui-se que o Direito do Trabalho é um ramo
do direito misto, o qual deve ser amoldado aos comandos da nova summa divisio
constitucionalizada conforme já tratado anteriormente.
A aplicação da nova summa divisio direitos individuais e direitos coletivos no direito do
trabalho se justifica pelo disposto no título II, capítulo I, relativamente aos direitos fundamentais,
atuação sindical nos termos do artigo 5º, incisos de XIII a XXI da Constituição Federal e da
Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)21.

20
O Enunciado nº 310 do TST foi editado pela Resolução 1/1993, conforme DJ 06.05.1993 e cancelado somente
em 01.10.2003 através da Resolução nº. 119/2003, DJ 01.10.2003.
21
O art. 5º, XIII da CF – “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer”; XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm
ligitimidade para representar seus filiados judicial e extrajudicialmente”; o art. 2º da Convenção 87 diz que “Os
trabalhadores e os empreagadores, sem distinção de qulquer espécie, têm o direito, sem autorização prévia, de

312
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

4. A relação entre capital e trabalho: O movimento sindical e os direitos coletivos do


trabalho
A relação capital e trabalho recebeu essa denominação a partir da revolução industrial e
das ideias de Karl Marx. Trata-se de princípios ideológicos de características coletivas, mas suas
origens têm caráter individual em função dos reflexos liberais. Quem melhor tratou essa
dicotomia individual/coletiva ao longo do século passado foram os sindicatos, os quais vieram ao
reconhecimento amplo por meio da Carta Constitucional de 1988(art. 8º, III).
O direito do trabalho surgiu dentro das condições materiais implantadas pelo modelo
econômico liberal e do Estado Liberal de Direito, o qual ao mesmo tempo em que favoreceu a
construção de um ordenamento jurídico tipicamente positivista, também fez nascer novas forças
sociais, novos problemas e novas necessidades, as quais emergiram do novo modo de
relacionamento entre Estado e Sociedade nos moldes da CF/88. 22
Os conflitos interindividuais e sociais trabalhistas no Brasil podem ser solucionados de
três formas: pela auto tutela, auto composição e pela heterocomposição.
Na auto tutela o sujeito busca sua afirmação unilateralmente com o objetivo de impor
seus interesses a outro sujeito ou à própria comunidade que o cerca. Nesta modalidade há o
exercício de coerção de um particular na defesa de seus interesses, tratando-se de mecanismo de
pressão. Pode-se citar como exemplo a greve deflagrada em face de uma empresa, um grupo ou
mesmo em relação a um ente estatal.
Dá-se a auto composição quando o conflito é solucionado pelas partes, sem a
interferência de quaisquer agentes no processo controvertido, tendo as partes, por iniciativa
unilateral ou por concessão, transigido no objeto pretendido, sem o exercício de coerção, sendo
que tal processo se verifica pela renúncia, aceitação e a transação.
Na última, a heterocomposição, o conflito é solucionado por meio da indispensável
intervenção de um agente fora da relação de conflito. É quando o sujeito procura um terceiro para
busca da solução do objeto controvertido, normalmente um agente do Estado (Poder Judiciário e
Ministério do Trabalho e Emprego) ou privado (arbitragem e Comissões de Conciliação Prévia),
onde há solicitação de uma ou de ambas as partes.23

constituir organizações de sua escolha, assim como o de se filiar a estas organizações, à conidição única de se
conformarem com os estatutos destas últimas.”
22
PIMENTA, José Roberto Freire. Tutela Metaindividual Trabalhista. 1ª edição. São Paulo:LTr, 2009, p.13.
23
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 8. edição. São Paulo: LTr, 2009, pp.1334-36.

313
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Estas modalidades de solução de conflitos não são únicas, especialmente no momento de


transição que passa o direito, levando em conta a dinâmica do processo do trabalho, sendo esta a
base de referência para os conflitos mais comuns. A estes agentes deve ser somada a interferência
do Ministério Público do Trabalho, especialmente onde há conflito envolvendo o meio ambiente
laboral, trabalho do menor e trabalho da mulher.
É através da auto tutela que trabalhadores e empregadores, entabulam negociações, as
quais podem se resolver diretamente. Em não havendo solução, busca-se a intermediação
arbitrada ou do Poder Judiciário, quando ocorre o ajuizamento do Dissídio Coletivo. Esta solução
poderá vir com ou sem greve. Esse tipo de negociação funciona pelo chamado processo de
correlação de forças. Assim, se os trabalhadores possuem organização forte, poderão obter bons
resultados para a categoria; se não tem sindicatos fortes, não obterão bons resultados.
A conclusão de uma negociação coletiva resulta em instrumento que regerá as normas
entre partes, numa aplicação de instrumentos privados com reconhecimento público, sendo os
principais: a) Convenção Coletiva - instrumento de caráter normativo, entre um ou mais
sindicatos de empregados e de empregadores, de modo a definir as condições de trabalho que
serão observadas em relação a todos os trabalhadores dessas empresas (art.611 CLT); b) Acordo
Coletivo - pacto entre uma ou mais empresas com o sindicato da categoria profissional, em que
são estabelecidas condições de trabalho, aplicáveis a essas empresas. (§ 1º art.611 CLT).
As normas destes instrumentos são dispostas em forma de cláusulas. Assim, têm-se
cláusulas obrigacionais, que são as que fixam direitos e obrigações a serem cumpridas pelas
partes e cláusulas normativas estabelecendo as condições de trabalho, aplicáveis aos convenentes.
As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, acordo ou convenção
coletiva, vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos (En.277
TST).
A convenção coletiva e o acordo coletivo devem ser feitos por escrito com prazo
máximo de validade por dois anos (§ 3º art.614 CLT) e entram em vigor três dias após a data do
depósito na Gerência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego.
Aqui reside um problema: e se não houver sindicato na base territorial? E se o sindicato
não tem compromisso com os trabalhadores ou com seus representados? Há que se observar que
os sindicatos aqui se referem às categorias econômicas e profissionais.

314
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Embora pareça simples não o é, posto que, se o sindicato não for comprometido com a
categoria, seus representados sofrerão graves consequências de sua má gestão e isso é a grande
realidade vivida no movimento sindical. Não raras vezes maus diretores sindicais se envolvem
em fraudes e causam prejuízos econômicos e políticos à categoria, revelando-se verdadeira força
de opressão em face de seus próprios pares.
Por outro lado, a categoria, especialmente dos trabalhadores - porque a econômica, em
regra, é melhor estruturada, pode não ter representação, em função de estar localizada em lugar
de pouca densidade laboral. Neste caso, os trabalhadores não terão vida digna, porque contarão
apenas com políticas mínimas do governo central. Não terão como exigir qualidade na saúde,
melhores salários, boas condições de trabalho, podendo-se encontrar grupos em áreas territoriais
distantes, submetidos a condições de escravidão ou semi-escravidão.
Há, também, os chamados trabalhadores inorganizados os quais, em diversas áreas de
trabalho e regiões do país, não têm representação sindical e vivem à margem do sistema,à mercê
de suas limitações. Nestas condições, em geral, vigora soberba vantagem patronal em detrimento
das dificuldades obreiras e violação sistemática dos direitos constitucionais fundamentais.
Existe, ainda, um grande número de trabalhadores informais, os quais estão na condição
do chamado não direito, ou seja, não recebem a tutela do direito em nenhuma situação e, por isso,
vivem abaixo da linha da pobreza.
Um dos problemas mais críticos na relação de trabalho, que merece um artigo, mas aqui
será tratado em síntese, é a flexibilização de direitos, incluindo a terceirização. São fenômenos
ligados às inovações tecnológicas, a reestruturação produtiva e aos novos métodos de gestão da
mão-de-obra, cujo objetivo é o lucro desmedido do empregador, em detrimento à vulnerabilidade
do empregado, no que diz respeito à redução remuneratória, à proteção e aos cuidados com a
saúde dos trabalhadores.
Segundo Sebastião Geraldo de Oliveira24, a terceirização, a globalização e a
flexibilização das leis trabalhistas levam ao desemprego, à precarização do trabalho, enfraquece o
movimento sindical, aumenta a pobreza e a violência, provoca a queda do solidarismo e aumenta
o individualismo.
4.1 – O Dissídio Coletivo e a Emenda Constitucional 045/2004

24
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Declinio do Emprego – Relação de Trabalho:Diagnóstico e Prognóstico. Revista
do Direito Trabalhista, n. 1, p. 30-34, jan. 1997.

315
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Sérgio Pinto Martins conceitua o Dissídio Coletivo como sendo “o processo coletivo
julgado pelos tribunais para estabelecer condições de trabalho aplicáveis às pessoas envolvidas
ou para interpretar determinadas normas jurídicas.”25
Existem dois tipos de Dissídios Coletivos: um de natureza jurídica e outro, de natureza
econômica. O primeiro é aquele em que há divergência na aplicação ou interpretação de
determinada norma jurídica. Sua finalidade é apenas declarar o sentido de uma norma jurídica já
existente ou interpretá-la. O segundo é aquele em que os trabalhadores reivindicam melhores
condições de trabalho, visando a criação, modificação ou extinção de determinadas condições de
labor. Sua sentença é de natureza constitutiva, ao passo que no dissídio jurídico ela é declaratória.
As partes, denominadas suscitante e suscitada, após a promulgação da Emenda
Constitucional 045/2004, passaram a exercer função incomum no processo como normalmente se
concebe. É que para a instauração do dissídio coletivo há necessidade de negociação prévia com
a comprovação do impasse caracterizado. Neste caso, impossibilitada a continuidade negocial, o
legislador passou a exigir que as partes só instaurem a instância se estiverem “de comum
acordo”. Isso motivou grande controvérsia, pois se o que impede as partes do fechamento das
negociações com êxito é exatamente a discórdia, como farão acordo para instaurar o dissídio?
A doutrina dominante entende que o livre acesso à justiça foi obstaculizado e que a
norma do art. 5º, XXXV da CF/88 foi violada. A razão principal do dissídio coletivo é provocar o
poder normativo da Justiça do Trabalho e, sem essa faculdade, as normas relacionadas ao tema
perderam a sua efetividade. Normalmente quem postula em dissídio é a categoria profissional e a
expressão “de comum acordo” estaria violando o direito de ação e aos direitos fundamentais dos
trabalhadores, principalmente levando-se em consideração que a maioria dos sindicatos é de
pequeno porte e de pouca representatividade.
A exigência de anuência da parte contrária para ajuizamento do dissídio coletivo esvazia
o sentido do referido postulado, retirando a eficácia deste importante instituto do direito coletivo
trabalhista e viola o princípio constitucional do livre acesso do trabalhador ao Judiciário
Trabalhista.
Dessa forma, a problematização se aloja na expressão “de comum acordo”. Daí a se
indagar: Há, realmente, violação ao disposto no artigo 5º, XXXV da CF/88? É constitucional
referida expressão? Existe impropriedade semântica na expressão? Qual a dimensão do poder

25
MATINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 14 ED São Paulo: Ed. Atlas 2011, p. 121

316
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

normativo da Justiça do Trabalho após a edição da ED-45? Existe pertinência na derrogação da


norma constitucional anterior via emenda constitucional?
A introdução da norma insculpida na EC 45/04 no artigo 114, § 2º mudou o contexto das
relações entre capital e trabalho, que na opinião balizar de muitos autores, trouxe o óbice ao livre
acesso a justiça, conforme estatuído no artigo 5º, XXXV da Carta Magna. Estabelece o art. 114, §
2º da CF., “verbis”:
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado
às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo
a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de
proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
Amauri Mascaro Nascimento26, um dos maiores críticos da referida norma, entende que
há óbice ao direito de ação previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição da República e que a
norma padece de inconstitucionalidade. O dispositivo ora em destaque estaria violando o livre
acesso à justiça, impedindo o direito de ação, princípio básico de sustentação do Estado
Democrático de Direito, estabelecido pela própria Constituição Brasileira.
5. O meio ambiente do trabalho
O meio ambiente do trabalho tem potencializada sua condição de direito fundamental,
porque, em sua própria existência, relaciona-se com a duplicidade vital dos seres, de um lado o
trabalhador e de outro, o meio ambiente, ambos de forma integrada. Ou seja: O meio ambiente do
trabalho passou a ter maior relevância depois que foi alçado ao status de direito fundamental. Isso
se justifica por sua condição dualística, ou seja: o trabalhador, enquanto sujeito de direito; o meio
ambiente natural, ora figurando como sujeito, ora como objeto.
Mas para falar da proteção à saúde do trabalhador como direito fundamental é necessário
remontar-se ao período anterior ao surgimento das normas, estas aos poucos construídas. Para
tanto, imprescindível voltar à metade do século XVIII e início do século XIX quando as ideias
liberais afloradas na França, Inglaterra e Estados Unidos, estimulavam a livre iniciativa e a
concorrência para impulsionar o desenvolvimento do capitalismo, submetendo a classe
trabalhadora à condição de mercadoria, sujeita às regras da oferta e procura, impondo verdadeiro
abandono aos trabalhadores, submetidos a condições subumanas. Estes não contavam com a
proteção do Estado, o qual se preocupava com a garantia social e política da burguesia. Os

26
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 22 ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

317
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

tribunais, voltados para os comandos do código civil, decidiam em obediência a autonomia da


vontade, sempre direcionados à garantia do direito de propriedade, sem preocupação com as
condições de trabalho dos operários nas fábricas.
Segundo Cláudio Brandão 27, a partir da Constituição mexicana de 1917, com a inclusão
dos direitos sociais, inaugura-se a terceira geração do constitucionalismo, esta como resultado da
conscientização acerca da qualidade de vida e à solidariedade entre os seres humanos de todas as
raças ou nações com reflexos na qualificação de direitos de solidariedade ou fraternidade,
completando o lema da Revolução Francesa.
Ainda, segundo Brandão, somente em 1919, com a criação da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), surge a proteção aos direitos dos trabalhadores, o que foi reproduzido na
Declaração de Filadélfia de 1944. Mas o marco dos direitos fundamentais dos trabalhadores veio
com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU)
em 10 de dezembro de 1948. Daí em diante os princípios e normas de direitos humanos
trabalhistas, com destaque para as Constituições alemã, francesa e portuguesa foram sendo
incorporados ao ordenamento jurídico fundamental do ocidente.
Inicia-se a consciência das nações quanto à ideia de justiça social e à preocupação com o
trabalho e o trabalhador. Num primeiro momento, toda a preocupação era com o custo que este
cuidado podia representar para o Estado, mas depois sinalizou-se para a necessidade de se
cumprir o compromisso social e humanístico do Estado, no seu papel, voltado para a sociedade.
Vislumbra-se a noção integrativa dos direitos sociais e a indivisibilidade dos mesmos. Daí, a
proteção ao trabalho passa a ser concebida como uma variável dos direitos humanos.
A Convenção nº 155 da OIT de 1981 trouxe mudança no tratamento da proteção à saúde
nos tratados até então firmados. Rompeu definitivamente com o paradigma individualista do
direito e passou a compreendê-lo (o direito) como elemento integrante do conceito de meio
ambiente, mais especificamente do meio ambiente do trabalho, cada vez mais preocupado com
esse tema, sobretudo em virtude dos grandes acidentes ocorridos naquela época, que ocasionaram
danos ambientais de proporções inimagináveis. O novo conceito da indivisibilidade, o qual
estabelece igual tratamento aos direitos sociais, civis e políticos, consolida a garantia e proteção à
dignidade da pessoa humana.

27
BRANDÃO,Cláudio.Disponívelemhttp://portal2.trtrio.gov.br:7777/pls/portal/docs/PAGE/GRPPORTALTRT/PAGINAPRI
NCIPAL/JURISPRUDENCIA_NOVA/REVISTAS%20TRT-RJ/049/11_REVTRT49_WEB_CLAUDIO.PDF.

318
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A dignidade da pessoa humana é indivisível e os direitos sociais, especialmente no


tópico ora tratado, que tem relação com a saúde do trabalhador, não perde para os direitos de
primeira geração. Nesse sentido, expressa Flavia Piovesan:
Em face da indivisibilidade dos direitos humanos, há de ser definitivamente afastada a
equivocada noção de que uma classe de direitos (a dos direitos civis e políticos) merece
inteiro reconhecimento e respeito, enquanto outra classe de direitos (a dos direitos
sociais, econômicos e culturais), ao revés, não merece qualquer observância. Sob a ótica
normativa internacional, está definitivamente superada a concepção de que os direitos
sociais, econômicos e culturais não são direitos legais. A idéia da não-acionabilidade dos
direitos sociais é meramente ideológica e não científica. São eles autênticos e
verdadeiros direitos fundamentais, acionáveis, exigíveis e que demandam séria e
responsável observância. Por isso, devem ser reivindicados como direitos e não como
caridade ou generosidade.28

Para Sebastião Geraldo de Oliveira29, a tutela à saúde do trabalhador se processa em


quatro etapas. A primeira, por ele chamada de etapa da medicina do trabalho, tem a ver com sua
expansão até a metade do século XX, numa efetiva participação da Organização Internacional do
Trabalho (OIT). Essa etapa foi marcada pelos atendimentos médicos aos trabalhadores doentes,
sem resolução das causas principais. As Recomendações da OIT nº. 97 e 112, de 1953 e 1959, e
Portaria do Ministério do Trabalho brasileiro, nº 3.237/72 instituíram o dever da implantação de
serviços médicos nas empresas.
Na segunda etapa, houve significativo avanço qualitativo na proteção do trabalhador, com a
implementação de serviços médicos ocupacionais nas empresas. Ocorreu logo após a Segunda
Guerra Mundial, quando se viu na necessidade de tomar medidas preventivas para evitar doenças
e acidentes ocupacionais. Em sequência, depois de largo espaço de tempo, editou-se a Portaria nº
3.214/78, que estabeleceu a obrigatoriedade da participação nos Serviços Especializados em
engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho – SESMT, dos médicos, enfermeiros e
auxiliares, engenheiros e técnicos em segurança no trabalho.
Em seguida, no terceiro momento, surge a etapa da saúde do trabalhador, a qual não logrou
êxito nos seus propósitos, que eram combater a doença e causa das doenças, com a participação

28
Piovesan, Flavia. O princípio da Dignidade Humana e a Constituição Brasileira de 1988: Revista dos Tribunais,
vol. 833, p. 41, março de 2005. Doutrinas Essenciais de Direitos Humanos | vol. 1 | p. 305 | Ago/2011DTR\2005\203.
29
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. . Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 4. ed. São Paulo: LTr, 2002.1, p.
30-34, jan. 1997.

319
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

de vários profissionais e enfoque multidisciplinar. Nesta etapa já se pode aplicar os princípios e


normas da Constituição Federal de 1988, mas ainda com restrições, devido aos limites do
dispositivo ministerial, porque trazia os reflexos do regime militar ditatorial ainda remanescente.
A última etapa encontra um ambiente constitucional consolidado para estabelecer as
condições de higiene a partir do local de trabalho.
As medidas de proteção à saúde do trabalhador merecem atenção quanto ao seu caráter
coletivo, necessitando de instrumentos os quais prevejam as condições de risco no local de
trabalho. Neste sentido é a exigência de levantamento ambiental e elaboração de Programa de
Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) e Programa de Prevenção de Risco Ambiental
(PPRA). Para acompanhamento e inspeção é indispensável a atuação do Ministério Público do
Trabalho, Sindicatos e Ministério do Trabalho e Emprego.
Após ratificar inúmeras convenções e tratados internacionais destinados à proteção da
saúde do trabalhador, o Brasil se tornou signatário dos instrumentos oriundos do Direito
Internacional, tendo incorporado os dispositivos externos às normas constitucionais e se inseriu
no conceito de país que preserva e resguarda os direitos ao meio ambiente de trabalho e daí se
estabeleceu na linha da prevenção dos acidentes e dos danos à saúde do trabalhador, minimizando
os riscos inerentes ao meio-ambiente de trabalho, proporcionando ao Estado e à sociedade
redução de gastos com a previdência social e melhorando a condição de vida do trabalhador.
5.1 A salubridade do ambiente do trabalho
O ambiente do trabalho deve ser salubre, este é o entendimento doutrinário e
jurisprudencial pacífico, outrossim, com o objetivo de promover a cultura da prevenção de
acidentes do trabalho, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)
lançou no dia11-03-13, uma Cartilha do Trabalho Seguro e Saudável, em audiência pública
realizada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, Como
o objetivo de promover a cultura da prevenção de acidentes do trabalho. Lá discutiu-se como
deve ser o trabalho seguro e saudável para todos trabalhadores brasileiros, reunindo-se diversos
Magistrados do Trabalho, representantes dos três poderes, de entidades e da sociedade civil, além
de estudantes participantes do Programa Trabalho Justiça e Cidadania (TJC), projeto coordenado
em âmbito nacional pela entidade.
A efetividade dos direitos referidos na citada cartilha, se cobrada por quem de direito e
realizada faticamente é um bom instrumento para a concretude do bom ambiente de trabalho e

320
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

garantirá a proteção e valorização do trabalhador. A discussão de como deve se dar o trabalho


seguro e saudável em e para diversos setores da sociedade deve ser feita através de audiências
públicas que devem contar com a participação de todos os setores da sociedade civil e em
especial com representantes de trabalhadores das diversas categorias a serem regulamentadas.
São oferecidas na referida cartilha (http://ww1.anamatra.org.br/uploads/cartilha-
acidentes.pdf) noções básicas de prevenção de acidentes e doenças do trabalho, além de
orientações sobre o uso dos equipamentos de proteção individual e coletiva, entre outros
assuntos. A relevância da atuação a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), dos
órgãos de fiscalização, do Ministério Público do Trabalho, da Previdência Social e da Justiça do
Trabalho também é abordada.
O objetivo deste trabalho neste tópico, assim como o da cartilha é despertar para a
realidade dos acidentes do trabalho. Segundo dados de 2010, são mais de 700 mil acidentes e
quase três mil mortes anuais. Morrem, no Brasil, em média nove trabalhadores por dia útil, uma
pessoa em cada hora de trabalho, colando o país na quarta colocação mundial no número de
acidentes do trabalho fatais, sendo ocorrências que não afetam apenas os trabalhadores, mas seus
familiares, empregados e a própria coletividade e as empresas devem zelar por esta dívida social
que têm com seus trabalhadores e cumprir sua função social para com toda a sociedade e como
requer o art. 170 de nossa C.F. Sendo que outro fator positivo, que pesaria em face desta praga
laborista tão comum, infelizmente, em todo nosso Brasil, seria a aprovação do PLS 208/2012,
que dá a competência à Justiça do Trabalho para o julgamento das ações regressivas acidentárias.
Enfim, necessita-se mudar a mentalidade de toda sociedade, pois o problema do elevado
número de acidentes do trabalho é fruto, em especial, da falta de uma cultura de prevenção
efetiva, pois o mesmo não é parte da cadeia de produção, não é obra do acaso, mas sim e,
principalmente, do descaso, da falta da cultura de prevenção, da ausência de uma política de
segurança e saúde do trabalho, pois este é cada vez denso, tenso e intenso, sugando toda energia
de nossos trabalhadores.
5.2 Dos assédios no ambiente do trabalho – seus danos e a proteção do trabalhador em face
deste mal e sua pacífica reparação perante a Justiça do Trabalho
Outra abordagem que deve ser feita no presente artigo e que muito afeta a salubridade do
bom ambiente do trabalho são as diversas formas de assédios que atingem em fundo a saúde
ocupacional dos trabalhadores da modernidade e que causam, cada vez mais, as verdadeiras

321
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

doenças da alma, muito mais grave e que atingem, um número, cada vez maior de trabalhadores,
ou seja, as depressões mentais. Em conseqüência, estas, afastam aqueles de seus postos de
trabalho, assim como são uma carga negativa e reflexiva em suas vidas sociais e familiares,
causando enormes prejuízos ao País. Aqueles assédios tëm suas causas e efeitos encontrados em
vários setores da sociedade, mas, na maioria das vezes, são conseqüência de um ambiente
empresarial capitalista agressivo e desmedido e por isto mesmo, são estudados multi e inter
disciplinarmente, pois afetam e são verificados em vários ramos das ciências ( por ex. a saúde),
do Governo ( por ex. a previdência) e do direito - como o empresarial, o previdenciário e porque
não, o trabalhista.
Os danos materiais ou morais conseqüentes daqueles assédios, em suas diversas formas
– moral lato sensu, horizontal (causados por chefes), vertical ( por colegas de trabalho), moral
stricto sensu ( mentais, causados por calúnias, difamações ou injúrias), e sexuais, quando
ocorrem no ambiente de trabalho em face do trabalhador, merecem especial proteção e rápida e
justa reparação do Estado, e é o que tem sido efetivamente resgatado pela Justiça do Trabalho em
dissídios individuais, em entendimentos pacificados por nossos TRT’s e, até mesmo, no TST.
Nesse sentido, o renomado doutrinador Yussef Said Cahali, versa sobre o assunto:
[...] é possível distinguir, no âmbito dos danos, a categoria dos danos patrimoniais, de
um lado, dos danos extra patrimoniais, ou morais, de outro; respectivamente, o
verdadeiro e próprio prejuízo econômico, o sofrimento psíquico ou moral, as dores, as
angústias e as frustrações infligidas ao ofendido. (CAHALI, 2011, p.18).
Já nos dissídios coletivos, com uma atuação pro – ativa do M.P. do Trabalho, começam
a despontar decisões educadoras e modelares no País, cada vez, menos isoladas, para
confirmarem a posição de apoio a sua efetividade, como requerida e descrita neste artigo, citando
– se exemplos de casos concretos a posteriori.
Diversos doutrinadores e juristas trabalhistas de peso no cenário nacional, lecionam a
respeito do instituto do assédio moral e a incidência deste fenômeno nas relações trabalhistas,
construindo-se um vasto número de estudos das causas, consequências, bem como, das formas de
sua reparação às vítimas trabalhista como já relatado neste. Verifica-se a ocorrência do dano
moral nas diversas fases do contrato de trabalho, desde a fase pré ( por ex. discriminações e
exigências desmedidas de exames de saúde ocupacionais e absurdas ) até a pós ( por ex.
referências do empregador antigo sobre seu funcionário para outros empregadores ) – contratual,

322
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

assim como a responsabilização do empregador, bem como o tema de mais difícil entendimento,
tão diversificado, quanto não pacificado neste ponto, ou seja, o quantum indenizatório.
A respeito do tema Paulo Eduardo V. Oliveira afirma que:
O dano à pessoa pode ocorrer em todos os momentos da relação de trabalho, quais
sejam: na fase pré-contratual, na celebração do contrato de trabalho, na execução do
contrato de trabalho, na extinção do contrato de trabalho e, até mesmo, na fase pós-
contratual. (OLIVEIRA, 2002, p.121).
Isto posto, o presente estudo, neste item, tem por objetivo principal demonstrar que,
através de estudos e fundamentos fáticos e jurídicos provados, os trabalhadores submetidos e
expostos a qualquer situação que caracterize o assédio e o dano moral laboral, poderão contar
com a justa proteção do Judiciário, mostrando que por meio da responsabilização do agressor,
podem buscar a devida reparação daquele dano, através de pacífico entendimento da Justiça do
Trabalho, mas reitera-se a opção pela conservação de um bom ambiente do trabalho, salubre,
sustentável e livre das diversas formas de assédios trabalhistas, para reafirmar o
comprometimento material da República Federativa do Brasil para com o PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE HUMANA.
Nesse sentido, ensina o professor Cavalieri Filho que:
O dano moral ocorre sempre que há violação do princípio da dignidade da pessoa
humana ou de um dos direitos da personalidade, podendo ou não este fato causar dor ou
sofrimento na vítima, como nos casos, por exemplo, de ocorrência de dano moral a
vítimas incapazes de percepção da agressão ao seu patrimônio imaterial (e, portanto, não
vulneráveis ao sofrimento que esse conhecimento provoca), como no caso de crianças
em tenra idade, portadores de doenças mentais ou doentes em estado vegetativo ou
comatoso. O dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica
da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame,
sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da
dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser consequências, e não
causas. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, a reação psíquica da
vítima só pode ser considerada dano moral quando tiver por causa uma agressão à sua
dignidade. (CAVALIERI FILHO, 2009, p.80).
Por fim, exige-se ainda, que a sociedade organize-se e atue hodiernamente no
aprimoramento para se efetivar o que fora preceituado nas políticas públicas de um Estado
Democrático de Direito e no princípio constitucional da dignidade humana. Sem esse
envolvimento social e a mudança de postura no sentido de aceitar as pessoas trabalhadoras com

323
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

seus defeitos e qualidades, ou seja, como seres humanos dotados de direitos e necessidades, a
sociedade caminhará na contramão dos ditames constitucionais do repúdio a qualquer tipo de
discriminação ou preconceito. É dever da sociedade democrática de extirpar qualquer espécie de
preconceito conforme determina o art. 3º, inc. IV da CF/88, assim como o exemplo a ser seguido
do PROJETO CIDADE ALTERIDADE: Convivência Multicultural e Justiça Urbana (
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=03337026GS18IC ) , do Diretório
dos Grupos de Pesquisa do Brasil , no sítio do CNPQ, de autoria dos nobres Professores Miracy
Barbosa de Sousa Gustin e Boaventura de Sousa Santos.
6. O Ministério Público do Trabalho e a efetivação de direitos coletivos por danos morais
coletivos
Todo o arcabouço normativo e organizacional, destinado ao meio ambiente do trabalho
não tem sentido se não se cuidar da efetivação dos direitos, sob pena destes cuidados ficarem
apenas na aparência. É preciso uma conscientização empresária no sentido de extirpar a
maquiagem nos instrumentos assecuratórios do meio ambiente do trabalho (PCMSO, PPRA e
CIPAS) para, minimizar e, porque não dizer, eliminar a burlar à legislação para dar cumprimento
às normas relativas ao tema.
O empregado ou prestador de serviços deve se conscientizar melhor de seus direitos; o
empregador ou tomador de trabalho deve ter em mente a função social da empresa, que nas
palavras de Eloy Pereira Lemos Júnior 30 precisa estar revestida da boa-fé objetiva.
Para LEMOS JÚNIOR:
[...] A legislação nacional em vigor reconhece que, no exercício da atividade
empresarial, há interesses internos e externos que devem ser respeitados: não só os das
pessoas que contribuem diretamente para o funcionamento da empresa, como os
capitalistas e trabalhadores, mas também os interesses da comunidade em que ela atua. 31
O Estado, também, deve ter sua participação, não no sentido de interferir nas relações
entre empregado e empregador diretamente, mas na regulação dessas relações quando direitos
fundamentais estiverem sendo violados, com aplicação de políticas públicas na proteção dos
direitos fundamentais32 relacionados ao meio ambiente de trabalho.

30
LEMOS JÚNIOR, Eloy Pereira. Empresa & Função Social. Curitiba, Juruá Editora, 2009, p. 154.
31
LEMOS JÚNIOR, Eloy Pereira. Empresa & Função Social. Curitiba, Juruá Editora, 2009, p. 154.
32
GRINOVER, Ada Pelegrine e WATANABE, Kazuo. O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas, São Paulo,
Ed. Forense, 2011, p. 158-9.

324
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Os Sindicatos, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego


precisam estar atentos à inspeção, conscientização e efetivação dos direitos ambientais
trabalhistas. Instrumentos legais existem, necessitando-se, porém, de contingente pessoal
adequado e políticas de controle desse grave fenômeno que é a degradação da vida e saúde do
trabalhador e da própria sociedade humana.
Os principais institutos normativos à tutela laboral estão ligados às ações coletivas
autorizadas pelos arts. 8º, III da CF/88 e 82, da Lei 8078/90, a Ação Civil Pública instituída pela
Lei 7347, de 24 de julho de 1985 e pela própria Portaria 4214 do MTE, de 08 de junho de 1978.
A legitimidade para a defesa dos danos morais difuso e coletivo na esfera trabalhista é autônoma
e concorrente dos entes mencionados no aludido artigo 82, da Lei 8078/90, com relevância para
a legitimidade tanto do Ministério Público do Trabalho (artigos 129, III, da CF, 82, da Lei
8078/90 e LC 75/93), quanto dos Sindicatos (artigo 8º III, da CF e do artigo 82, IV da Lei
8078/90).
Parte da doutrina entende que esta é típica ação de interesse individual homogêneo, cuja
legitimidade é dos entes mencionados no referido artigo 82, efetivada através da substituição
processual (artigo 6º, do CPC), porquanto se trata de direitos dos substituídos e que a via
processual é a Ação Coletiva (artigos 91 e seguintes da Lei 8078/90). Embora haja dissidência
quanto à legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a defesa de direitos individuais
homogêneos na esfera trabalhista, o entendimento hodierno é no sentido da ampla atuação do
órgão ministerial, por sua inquestionável autonomia, estando legitimado pelo artigo 129, III, da
Constituição Federal, o qual atribui legitimidade ao Ministério Público para a promoção do
inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do
meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Para Xisto Tiago de Medeiros, as principais hipóteses do gênero na esfera trabalhista são:
[...] exploração de crianças e adolescentes no trabalho; submissão de grupos de
trabalhadores a condições degradantes, a serviço forçado, em condições análogas à de
escravo, ou mediante regime de servidão por dívidas; descumprimento de normas
trabalhistas básicas de segurança e saúde e prática de fraudes contra grupos ou categorias
de trabalhadores.33

33
25 MEDEIROS, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo, São Paulo, LTR, 2004, pág. 155.

325
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Portanto, ao Ministério Público do Trabalho cabe a efetivação dos direitos coletivos


ambientais do trabalho através da Ação Civil Pública ou de outras espécies de ações coletivas,
para a busca de uma justa indenização por danos morais coletivos. Cita-se como exemplos, o
processo trabalhista coletivo, originário de Paulínia – S.P. – R.R. n. 22200-28.2007.5.15.0126,
onde a BASF e SHELL, duas empresas multinacionais e de renome internacional, fizeram um
acordo de indenização por danos morais coletivos, com aproximadamente 900 trabalhadores, no
valor aproximado de 50 milhões de reais, danos aqueles, estimados em 1 bilhão de reais. Já as
CASAS PERNAMBUCANAS, empresa também conhecida nacionalmente, deverá pagar de
indenização coletiva por fraudes no programa de formação de jovens aprendizes, o valor de 6
milhões de reais, nesta ação, ainda cabe recurso ao TRT de Campinas - S.P. – processo n.
22889-10.2011.5.10.0010. Por fim, a QUARTA TURMA DO TST, condenou a EMPRESA DE
TRANSPORTES TRANSBEL RIO LTDA., de Belém-PA, a pagar uma indenizção de 100 mil
reais, a título de DANOS MORAIS COLETIVOS – R.R. -200-20.2006.5.08.0011, por exigir
de seus empregados, ao serem demitidos, tivessem que recorrer a J.T., para fazerem seus acertos
rescisórios, prática fraudulenta já bastante conhecida nos meios e Fóruns Trabalhistas, mas de
difícil coleta de provas, mas que desta vez, fez-se provas e brilhou o senso de Justiça.
Conclusão
Os novos conceitos de direitos trabalhistas coletivos estão ligados à ideia de direitos e
garantias fundamentais, inseridos na nova concepção constitucional prevista no Título II,
Capítulo I da Carta Constitucional brasileira. Trata-se de direitos sociais, cuja aplicação material
deve ter a eficácia imediata dos direitos fundamentais. Dentre os novos conceitos de direito
coletivo, a CRFB estabeleceu ampla substituição processual aos sindicatos na defesa e proteção
dos trabalhadores para efetivação de seus direitos individuais, mas principalmente, hoje, dos
direitos coletivos trabalhistas e este deve ser o seu papel social concreto, na eterna luta de classes
desiguais, buscando-se, sempre, a dignidade humana do trabalhador.
As diversas formas de tutela dos direitos fundamentais trabalhistas, sob os diversos
ângulos, incluem os trabalhadores organizados por entidade sindical, ou inorganizados; aqueles
que possuem sindicatos, mas que não têm a real proteção da entidade; os empregados
terceirizados, classificados como sub grupos de trabalhadores; e, finalmente, aqueles que vivem
do subemprego, portadores do chamado não direito, porque a tutela jurídica não chegou até eles.
Embora estejam inseridos, estatisticamente, nos organismos estatais, estão vivendo às margens da

326
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

sociedade. Os novos paradigmas estabelecidos pelo neoconstitucionalismo estão amparados pelo


o Estado Democrático de Direito no sentido de amparar toda a sociedade e os direitos
fundamentais dos trabalhadores.
O meio ambiente do trabalho recebe tratamento especial porque possui dimensão
dicotômica de direito social particular laboral e dos direitos fundamentais ligados ao espírito das
relações ambientais. O empregador ou tomador de serviço ou trabalho tem o dever de propiciar
condições adequadas de trabalho ou emprego, tomando consciência da função social da empresa
e sua importância na construção de um meio ambiente laboral salubre e sustentável.
A efetivação dos direitos laborais relativos ao meio ambiente laboral carece de atuação
profícua dos sindicatos, do Ministério Público do Trabalho e da atuação percuciente do Judiciário
Trabalhista
O Direito do Trabalho e, especialmente o Direito Coletivo do Trabalho, considerando
seus âmbitos material e processual, vive momentos de desafios e transformações, assim como
toda a ciência do direito. Embora seja um dos ramos do direito com melhor técnica administrativa
e maior eficiência no Judiciário, no meio social não funciona como propulsor da real evolução da
sociedade, eis que não se tomou consciência da necessidade de um direito autônomo do ponto de
vista político e econômico.
Trata-se de ramo do direito intimamente ligado às questões de sobrevivência econômico-
financeira, vida, saúde, liberdade e dignidade da pessoa humana, onde o salário se revela como
verba de natureza alimentar. Daí, a velada resistência ao sistema político neoliberal, no sentido de
combater a baixa remuneração, a desigualdade social e a exploração desmedida do capitalismo
internacional. A consciência e a combatividade da classe trabalhadora vêm garantindo a
implementação de direitos fundamentais, conforme estabelecidos na Constituição Federal, mas
estes não prescindem da participação de toda a sociedade civil para o aperfeiçoamento das
instituições no sentido de garantir o pleno estabelecimento do Estado Democrático de Direito.

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328
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Grupo de Trabalho – 7. Direito do Trabalho


NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO – VEÍCULO DE
CONCRETUDE SUSTENTÁVEL E DEMOCRÁTICA DOS OBJETIVOS
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL NA EMPRESA
ECOLÓGICA.

COLLECTIVE BARGAINING LABOR – VEHICLE CONCRETENESS


SUSTAINABLE AND DEMOCRATIC GOALS OF THE FEDERAL
REPUBLIC OF BRAZIL IN GREEN BUSINESS.

1
Carlos Eduardo Koller
2
Eduardo Biacchi Gomes

1 Introdução. 2 A negociação coletiva de trabalho como revelador dos


problemas internos da corporação: a democracia para dentro da
empresa. 3. Constitucionalização da negociação coletiva de trabalho e
a relação direta com os objetivos da República Federativa do Brasil: o
Estado de direito socioambiental. 3.1 Os atores sociais da negociação
coletiva de trabalho concretizando os objetivos da República
Federativa do Brasil de 1988. 3.2 A conformação ecológica da
negociação coletiva de trabalho no contexto da sustentabilidade: a
Teoria da falha metabólica de Karl Marx e a relação com a ecologia
sustentável. 4. Considerações Finais.

RESUMO

Sempre que se destina parcela de esforços para o discurso que envolve a democracia no
Brasil, salienta-se o papel dos indivíduos enquanto atores sociais e protagonistas do processo
de desenvolvimento. A expansão da liberdade do trabalhador, por sua vez, compadece diante
da negociação coletiva de trabalho que, não raras às vezes, impede o aprimoramento
democrático das instituições políticas. Acontece que a realidade da empresa tende a
internalizar os problemas e as necessidades de certo modo que se assemelha à burocracia de

1
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, 2006, (UNICURITIBA). Especialista em Direito
Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, 2008, (ABDCONST). Mestrando em Direito Econômico
e Socioambiental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor Colaborador I das Faculdades Integradas do
Brasil (UNIBRASIL) e membro do Grupo de Pesquisa NEATES – Núcleo de Estudos Avançados de Direito do Trabalho e
Socioeconômico da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Advogado.
2
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 1993, possui Mestrado em Direito pela
Universidade Federal do Paraná (2000), Especialista em Direito Internacional pela Universidade Federal de Santa
Catarina, 2001 e Doutorado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2003). É Pós-Doutor em Estudos Culturais
junto à Universidade Federal do Rio de Janeiro, com estudos realizados na Universidade de Barcelona. Atualmente é
professor-adjunto integrante do quadro da UniBrasil, Graduação e Mestrado em Direito, da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (professor titular) e da Facinter. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito
Internacional e Direito da Integração, atuando principalmente nos seguintes temas: blocos econômicos, direito comunitário,
direito internacional público, direito da integração, Mercosul e direito constitucional, foi consultor jurídico do MERCOSUL
em 2005 e 2006. É Editor gerente da Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, vinculado ao Programa de Mestrado
em Direto das Faculdades Integradas do Brasil, Qualis B1, desde a sua fundação. Atualmente é coordenador adjunto do
Programa de Mestrado em Direito da UniBrasil.

329
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

um Estado, juridicamente constituído enquanto um ente de direito público. O trabalhador


neste contexto não pode ser considerado plenamente livre a ponto de se autodeterminar na
escolha de seus interesses. Muitas vezes o que se tem em mente é o discurso apócrifo das
normas jurídicas que engendram o interesse obscuro da corporação: o desenvolvimento das
suas potencialidades econômicas e o lucro com a máxima redução das despesas. Todavia, o
Estado brasileiro protegeu os direitos individuais, notadamente aqueles relativos à
propriedade privada, garantindo-lhes “status” de direitos fundamentais, o que implica em
reconhecer sua prevalência sobre as demais espécies normativas. Claro que isso não significa
dizer que o empregador tudo pode na gerência da sua atividade empresarial, bem como na
determinação das regras que irão compor o cenário laboral. Há limites que conformam essa
prática que remonta desde os primórdios da humanidade. Platão já entendeu a Justiça como
sendo a composição de interesses conflitantes, o que garante um passado interessante na
construção da história da negociação coletiva de trabalho. Por fim, Karl Marx evidenciou
postura ecológica acerca da relação do homem com a natureza e atribuiu uma “falha
metabólica” nessa construção que, em contemporaneidade, vem estancando o processo de
desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: Negociação Coletiva de Trabalho. Crise ambiental e democrática. Direitos


fundamentais. Ecologia em Karl Marx.

ABSTRACT

Where part of efforts intended for speech involving democracy in Brazil, emphasizes the role
of individuals as social actors and protagonists of the development process. The expansion of
the freedom of the worker, in turn, have mercy on collective bargaining of work, not
infrequently sometimes prevents the enhancement of democratic political institutions. It turns
out that the reality of the company tends to internalize the problems and needs in a way that
resembles a state bureaucracy, legally constituted as a public law entity. The worker in this
context can not be considered entirely free to the point of self-determination in choosing their
interests. Often what we have in mind is the speech apocryphal legal standards that engender
the interest of the corporation obscure: the development of their economic potential and profit
with maximum reduction of expenses. However, the Brazilian state protected individual
rights, especially those relating to private property, assuring them "status" of fundamental
rights, which implies recognizing its prevalence over the other species regulations. Of course
this does not mean that the employer can in everything run its business activity as well as in
determining the rules that will make the scene work. There are limits that make this practice
dating from the dawn of humanity. Plato already understand justice as the composition of
conflicting interests, ensuring an interesting past in constructing the history of collective
bargaining work. Finally, Karl Marx showed ecologic attitude about man's relationship with
nature and assigned a "metabolic rift" in this construction that, in contemporary times, is
halting the process of sustainable development.

Key-words: Collective Bargaining Labour. Environmental crisis and democratic.


Fundamental rights. Ecology of Karl Marx.

330
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1. INTRODUÇÃO

Platão tentando volver a discussão com Gláucon acerca da natureza da Justiça propôs
a falar de sua origem primordial. Empreendeu-se a considerar que cometer a injustiça seria,
por natureza, cometer o bem, ao passo que sofrer com ela, indubitavelmente seria um mal.
Entretanto, grosso modo, teriam descoberto os homens que cometer injustiças é da natureza
humana, porquanto pactuarem-se para a sua extinção, talvez, a forma mais branda de
recuperar os efeitos deletérios daquele processo degenerativo.
Em “A República” de Platão, longo, complexo e extenso ensaio sobre a Justiça
encara a noção de poder, de composição de interesses e da relação do homem no exame das
proposições que podem convergi-los à solução dos interesses em conflito. É claro que não é
este o foco do presente trabalho, qual seja, empreender-se em profunda discussão filosófica
acerca da natureza da justiça. Todavia, o mais surpreendente é imaginar que a humanidade
caminhou longos séculos desenvolvendo a ideia da composição de interesses como causa do
progresso. Isso mesmo, o progresso vem somado com a ideia de superação dos problemas da
sociedade que, na atualidade, envolvem, indubitavelmente, questões ambientais, ecológicas e
de sustentabilidade.
Ainda, criou-se um Estado regido por uma Constituição que, além de outras coisas,
previu a separação daqueles poderes, os mesmos poderes discutidos pelos filósofos da
antiguidade, perpassando pela proteção dos direitos individuais e modernamente, na eterna e
constante busca, quiçá incessante, pelo desenvolvimento nacional, a redução das
desigualdades e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Seguramente a Negociação Coletiva de Trabalho é um meio eficaz de se alcançar, no
âmbito privado, a já conhecida composição de interesses que superam as injustiças que, por
natureza, decorrem da própria vida humana. É do homem, senão do empresário, a busca pelo
lucro e pelo aumento do seu capital. O cerne da questão é a que preço se busca esse
progresso? Estariam os homens a cometer as mesmas injustiças em busca do crescimento de
suas atividades empresariais? A atuação do empresário é justa para com o meio ambiente?
Aqueles trabalhadores que, sem escolha, submeteriam-se aos desmandos do poder diretivo do
empregador (injustiça consagrada a partir do momento que surgem os excessos já colimados
pela Consolidação das Leis do Trabalho quando esta prevê a possibilidade de rescindir o
contrato de trabalho quando o trabalhador receber ordens com rigor excessivo, por exemplo)
podem viver em um ambiente de trabalho mais sadio?
O respeito à liberdade e a igualdade permite que o trabalhador externalize as suas

331
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

diferenças e as suas posições no cenário social que, sob nenhuma hipótese – pelo simples
fato dele estar inserido dentro do ambiente empresarial – poderá perder-se, vindo a matar a
democracia que acontece viva, mas fora dos portões da empresa. Muitas vezes, dentro do
local de trabalho o empregado se submete a uma similar ditadura de interesses positivados em
assembleias gerais ou, noutra ponta, em regimentos internos rígidos e completamente
obsoletos, alheios ao regime democrático e ao respeito dos direitos individuais. É como se a
democracia morresse, juntamente com todos os direitos individuais adquiridos, no momento
em que se fecham os portões da empresa, retendo os trabalhadores lá dentro como meros
escravos do progresso da corporação.
Em nenhuma hipótese, todavia, se pretende sustentar o fim da segurança jurídica e da
livre iniciativa que caracterizam a atuação empresarial, bem como não se pretende extinguir a
propriedade individualmente considerada, mas limita-la, seguramente. É dever do Estado
enquanto ente abstrato dirigir esforços neste sentido. Já se tem os meios, a democracia é o
caminho, mas os novos problemas que já tem causas antigas conhecidas – notadamente
aqueles de ordem ambiental – não podem ficar derrogados da discussão. Aparentemente a
tendência que se observa na negociação coletiva é de que o modelo sindical brasileiro é frágil,
tanto é que se chega ao ponto de se afirmar que no Brasil não existe liberdade sindical plena,
porquanto a liberdade de associação fica comprometida no momento em que o trabalhador
não pode, livremente, escolher associar-se ou não ao seu sindicato.
As causas conhecidas, entretanto, podem ter livremente respostas antagônicas, sendo
que a ruptura de velhos paradigmas pode estar próxima de encontrar a verdadeira solução.
Não há liberdade em que não haja democracia.
No mundo contemporâneo somadas empresas exercem um poder de fato
surpreendentemente semelhante àquele formulado pelos Estados autoritários em suas
constituições. Estas mesmas empresas criam situações tão ameaçadoras dos direitos e
garantias individuais, até mesmo dos direitos humanos, que se pode afirmar que, muitas delas,
não todas, evidentemente, superam a própria proteção que o Estado concede a estes direitos
com posturas hostis e marginais, deixando no acostamento da vida social as conquistas sociais
e os resultados da eterna luta de classes. Muitas destas empresas trancam dentro de seus pátios
trabalhadores e seus direitos para, ao fim do expediente, libertá-los com suas garantias
simbolicamente protegidas. Somente a negociação coletiva de trabalho é capaz de dar palavra
e voto aos empregados no âmbito da empresa, bem como revelar os problemas vividos e
prospectar soluções possíveis.

332
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

2. A NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO COMO REVELADOR DOS


PROBLEMAS INTERNOS DA CORPORAÇÃO: A DEMOCRACIA PARA
DENTRO DA EMPRESA

A discussão do conceito de Justiça empreendida por diversos filósofos da


humanidade sempre envolveu a relação do homem com o poder. Aquele que, por excelência,
detinha mais poder tendia a deste abusar.
Dizem que cometer injustiça é, por natureza, um bem; e sofrê-la, um mal.
Mas, como é maior o mal recebido pelo que sofre do que o bem advindo ao
que a comete, depois que os homens começaram a cometer e a sofrer
injustiças e a experimentar as consequências desses atos, descobriram os que
não tinham poder para evitar os danos nem para lograr as vantagens que o
melhor seria pactuarem-se a fim de não cometer nem padecer injustiças. Daí
surgiram as leis e os convênios mútuos, e chamou-se legal e justo àquilo que
a lei prescreve. Essa afirmam ser a origem e essência da justiça: um meio
termo entre o maior bem, que é cometer injustiça sem sofrer castigo, e o
maior mal, que é sofrer injustiça sem poder castiga-la. E a justiça, situada
entre esses dois extremos, é aceita não como um bem, mas como algo que se
respeita devido à incapacidade do homem para cometer injustiça. Pois
ninguém que mereça o nome de homem se submeteria jamais a tais
convênios se pudesse resistir. Louco seria quem tal fizesse! Aí tens, ó
Sócrates, a teoria geralmente aceita sobre a natureza e origem da justiça.
(PLATÃO, 2011, p. 55).

A filosofia moral grega sempre esteve vinculada à Razão Humana, ainda que a
cultura helênica sempre estivesse vinculada em questões e fatos religiosos, narrados por
Homero, por exemplo. Neste sentido, afirma RAWLS (2005, p. 6-7), que “ a filosofia moral
grega se inicia dentro do contexto histórico e cultural da religião cívica de uma pólis em que
as epopeias homéricas, com seus deuses e heróis desempenham um papel central.”
Com o desenrolar a história, os filósofos modernos e contemporâneos, como Kant
(1724/1804) por exemplo, passaram a considerar a razão como um dos elementos centrais da
filosofia e, assim, elevar a importância do homem como elemento central da filosofia. Os
valores da filosofia e a ética, como qualquer ciência social, devem ser considerados como
elementos centrais em qualquer relação entre os homens, especialmente no que diz respeito ao
trabalho.
Os homens com reduzido poder são por certo os trabalhadores. Eles se submetem às
regras ditadas pela corporação e vivem cada vez mais oprimidos e isolados da verdadeira
democracia. Como anteriormente afirmado, a democracia não penetra no isolamento da
empresa, ao passo que os portões desta vem a despir os trabalhadores de suas garantias
individuais. O único direito que surge, neste momento, é o direito de trabalhar. Parece que a
empresa despe o empregado e lhe devolve a roupagem das garantias individuais no exato

333
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

momento em que este regressa para sua casa, sua família, portanto, para fora dos muros que
lhe separam da sociedade.
A finalidade da atividade empresarial, em sua essência, é o lucro e, muitas vezes, tais
objetivos se sobrepõe aos direitos sociais, reconhecidos tanto pelo Direito Internacional do
Trabalho, como pelo próprio Direito Constitucional. Referida lógica utilitária do capitalismo
perverso deve ser rompida, no sentido de se valorizar a mão de obra, que é o sustentáculo
principal das relações de trabalho.
O utilitarismo, enquanto filosofia, no campo social e laboral é extremamente danoso,
visto que a ideia central desta corrente filosófica, que teve como um de seus Jeremy Benthan
(1748/1832) é no sentido de que “o mais elevado objetivo da moral é maximizar a felicidade,
assegurando a hegemonia do prazer sobre a dor. (...) a coisa certa a fazer é aquela que
maximizará a utilidade.” (SANDEL, 2012, p. 48).
Concretamente, a visão utilitarista da atividade empresaria, gera uma divergência de
interesses entre os empresários e a classe obreira que se oprime no cenário de lutas. A reunião
de pensamentos e ideologias semelhantes faz chegar ao conselho administrativo, por exemplo,
as reivindicações da classe dos trabalhadores. Da mesma forma, ao serem ouvidos em suas
necessidades revelam, por si só, todas as situações que, não raras, sequer chegariam ao
conhecimento do empregador. Portanto, está ai um dos papéis mais significativos da
negociação coletiva, pois além de compor os interesses antagônicos, é, também, capaz de
revelar a realidade interior da empresa, com seus problemas, seus aspectos positivos e
negativos. Veja-se em Patrícia Springborg (1980, p. 205):
Dado que Rousseau ao tratar da natureza humana mostrou a necessidade
associativa como pré-condição de perfectibilidade do homem, somos
forçados a concluir que não é a sociedade como tal que ele condena, mas
uma forma específica de sociedade: aquela orientada para a busca do luxo e
dos bens efêmeros, caracterizada pela desigualdade, o consumo imoderado, a
corrupção, etc. – que Marx subsequentemente iria condenar como os males
específicos da sociedade burguesa.

Seguramente aquela forma especifica de sociedade não era a empresa moderna,


porém algo que se aperfeiçoaria nesta. A reunião de objetivos comuns em adquirir lucro e
fomentar o consumo advém da antiga classe burguesa historicamente considerada. Com o
advento do processo de globalização e a acelerada tecnologia informática e robótica permitiu
a assunção do modelo de massa. Tudo hoje decorre da produção em larga escala voltada para
o grande público consumidor, sendo que o trabalhador precisa produzir o suficiente para
atender a demanda gigantesca, sufocando-se dentro do ambiente empresarial.
A necessidade de associar-se para compor interesses ou solidarizar-se nas frustrações

334
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

fez com que nascesse a propriedade individualmente considerada. Tem-se aí a perfectibilidade


do homem, pois ele adquire a propriedade privada que é aquela parcela de direito seu que se
destaca do coletivo.
E nesta constante relação do homem com seu semelhante fez com que houvesse por
necessidade estabelecer uma distinção entre aquilo que era comum para com aquilo que
comporia o patrimônio individual do sujeito. Claro que a noção de coisa comum é marcante
no sistema capitalista de mercado, porquanto há necessidade de se dividir aquilo que John
Locke (1994, p. 103-104) dimensionou como sendo a propriedade natural.
A medida da propriedade natural foi bem estabelecida pela extensão do
trabalho do homem e pela conveniência da vida. Nenhum trabalho humano
podia subjugar ou se apropriar de tudo; seu prazer só podia consumir uma
pequena parte; dessa maneira, era impossível para qualquer homem usurpar
o direito do outro, ou adquirir para uso próprio uma propriedade em
prejuízo de seus vizinhos, que ainda podiam se apropriar de um domínio tão
vasto e produtivo (depois do outro ter tomado o seu) quanto antes de ter
sido apropriado. Essa medida restringia a posse de todo homem a uma
proporção bastante moderada, pois no início do mundo ele só podia tomar
para si o que não prejudicasse ninguém, e nesses primórdios do mundo os
homens se arriscavam mais a se perder vagando sozinhos pelos imensos
espaços virgens da terra do que restritos por vontade própria em uma terra a
ser cultivada.

Essa distinção, aparentemente, teria o condão de impedir que os homens abusassem


do seu direito àquela propriedade, fazendo com que o seu semelhante mantivesse para si e sua
família a exata medida daquilo que lhe era necessário. Locke assimilou a relação do homem
com a natureza como a forma primordial deste adquirir a propriedade que, possivelmente,
num primeiro momento fora dada por Deus, como feito em Adão e Eva.
Entretanto, o prazer do homem que só poderia consumir essa pequena parte jamais
recalcaria o direito do próximo, porquanto ele mesmo utilizaria o que precisava na sua exata
medida.
Novamente SPRING (1980, p. 207):
... do momento que um homem precisa da ajuda de outro homem, do
momento que parece vantajoso a qualquer um possuir viveres bastante para
dois, a igualdade desapareceu, surgiu a propriedade, o trabalho tornou-se
indispensável, e vastas florestas tornaram-se campos risonhos, que o homem
precisa irrigar com o suor de seu rosto, e onde cedo germinarão escravidão e
a miséria que crescerão juntamente com as colheitas.

A beleza da reunião de interesses reside, justamente, na compreensão de que os


conflitos guardam em si, ainda que disposições antagônicas, mas de certa forma previsíveis, o
desejo humano de compô-los e superar a injustiça. Mas essa realidade jamais será conhecida

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

se não for possível atribuir voz aos sujeitos envolvidos neste processo que, no ambiente
laboral, proclamam poder de voto. Eleger os seus interesses pelas suas necessidades é a única
forma de trazer, concretamente, a democracia para dentro da empresa.
Paralelamente à intervenção estatal, deve ser reservado amplo espaço para
que os atores sociais, de modo mais dinâmico do que o próprio Estado,
possam acompanhar as mudanças sociais. Um bom exemplo desta
concepção tem sido a atuação das chamadas câmaras setoriais, onde
efetivamente houve um avanço, pois trabalhadores e empregadores
perceberam a necessidade de sentarem-se à mesa e estipularem normas
comuns. Tal experiência constitui um embrião de pacto social, pois se
apresenta como negociação trilateral, contando também com a participação
de representantes governamentais. (HELOANI, SILVA, p. 75).

É justamente a dinâmica humana que permite à negociação coletiva de trabalho ser


um instrumento eficaz para a revelação da realidade. O legislador, por mais astuto ou
precavido que possa ser jamais poderá domiciliar no ambiente laboral a fim de conhecer e
compreender as necessidades dos empregados. O avanço dos fatores de produção coloca em
cheque a velha noção de segurança jurídica, abrindo espaço para a efetividade normativa –
eficácia do ponto de vista material – permitindo a atuação de indivíduos enquanto sujeitos
especialmente livres.
Não por acaso que “o uso da negociação entre os atores sociais ou entre estes e o
Estado, como método de regulação social, exige um contexto democrático”. (HELOANI,
SILVA, p. 75).

3. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO


E A RELAÇÃO DIRETA COM OS OBJETIVOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA
DO BRASIL: O ESTADO DE DIREITO SOCIOAMBIENTAL

Caso se restringisse à concepção liberal de Estado de direito, o risco que se incorreria


reside no retrocesso da “invisible hand” de Adam Smith, ocasionando uma cegueira pelo não
reconhecimento constitucional de direitos fundamentais e na omissão pela adoção de
mecanismos que impeçam o exercício arbitrário do poder.
Todavia, a liberdade precisa existir, pois se trata de um ingrediente fundamental no
processo de desenvolvimento. A ampliação das liberdades possibilita o manejo de ações
estatais menos incisivas, voltadas tão somente para controlar os abusos do poder, bem como
garantir direitos individuais. Certo que o Estado teria, da mesma forma, um papel cada vez
mais rarefeito. Mas o aumento da liberdade de um modo geral, entenda-se, do empresariado

336
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

brasileiro, sem a correta contrapartida que seria justamente permitir o aumento da liberdade
do trabalhador, poder-nos-ia inclinar para a formação de um poder paralelo, retendo nas mãos
de poucos empresários o poder que antes era somente do Estado. É a velha lógica da
dominação do mais forte e é tudo aquilo que se vive na modernidade, infelizmente.
Isso não se dá com a ampliação da liberdade do trabalhador, por mais paradoxal que
seja, devendo se analisar os limites existentes que conformam uma análise dualista: de um
lado a preservação dos direitos individuais e, de outro, a possibilidade de criação de um
Estado de direito socioambiental.
Antes mesmo de iniciar a análise destas concepções deve-se lembrar de antemão que
o risco é inerente a toda e qualquer hipótese de previsão, podendo se manifestar na
hipossuficiência humana em prever todos os eventos possíveis. A negociação coletiva de
trabalho não tem o condão de esgotar as possibilidades de fato, tampouco de direito, mas tem
a aptidão de resguardar o máximo de garantias, especialmente estende-las ante a complexa
tarefa do Estado em prever o imprevisível.
O Estado, na atualidade, não é mais o único sujeito capaz de condicionar,
restringir ou eliminar a liberdade das pessoas (indivíduos ou grupos). Nas
relações horizontais entre os particulares verifica-se, amplamente, a
capacidade de alguns sujeitos exercerem essas práticas. No mundo
contemporâneo, gigantescos grupos privados exercem um poder de fato não
menos ameaçador do que o Estado. Estratégias políticas nacionais e
transnacionais afetam toda uma coletividade (de trabalhadores e cidadãos)
dependendo da fruição econômica desses conglomerados. (AGUIAR, p.
102).

A ameaça, por óbvio, aos direitos e garantias individuais não decorre de um poder
politicamente constituído enquanto Estado, mas de uma estrutura economicamente organizada
e complexa, voltada para a exploração da atividade econômica e a busca de lucro. Por sua
vez, os fatores de produção que concorrem para o sucesso da proposta são os principais
atingidos, porquanto a mão de obra acaba sendo barateada e o diálogo entre as diversas
estruturas da corporação comprometendo-se com a hígida burocracia empresarial.
A estrutura da empresa demonstra uma saúde tão inabalável ao ponto de não permitir
a invasão de nenhum oportunista que, ironicamente, incluem-se a própria democracia e os
objetivos republicanos, pelo que não é do interesse do megaempresário por em discussão o
seu poder.
Interessante passagem é registada na obra do sociólogo Alain Touriane (1988, p.
209), quando levanta a possibilidade de se equiparar a estrutura jurídica das grandes
corporações aos Estados politicamente constituídos, burocráticos e com o poder

337
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

absolutamente preso nas mãos de uma única pessoa que, no caso da empresa, rende-se ao
conselho de administração.
Hoje, ao contrário, os movimentos sociais que surgem em diferentes
domínios não mais são formas de defesa dos trabalhadores contra padrões da
indústria, mas de defesa do público contra os organismos de administração
que têm o poder de modelar a procura em função de seus interesses.

A negociação coletiva de trabalho é o instrumento capaz de levar, para dentro da


empresa, os direitos e garantias individuais, notadamente aqueles que envolvem a liberdade e
a democracia, pois permite que o trabalhador discuta e participe ativamente na tomada de
decisões atinentes ao seu trabalho, escolhendo e descartando as regras que irão compor o seu
patrimônio jurídico. Em síntese, a negociação coletiva de trabalho vai materializar os direitos
fundamentais e corporifica-los na empresa, pois o trabalhador não deixa de ser cidadão
quando adentra para as dependências da empresa.
Acontece que, como anteriormente afirmado, os problemas podem e tem,
hodiernamente, assumido uma conotação preocupante. Imagine-se que grandes empresas têm
sua estrutura voltada para a exploração da atividade econômica que recairá, notadamente,
sobre a natureza, vindo posteriormente a destruí-la e a esgotar os recursos naturais. Dessa
forma, têm-se que, obrigatoriamente, no mesmo sentido, produzir regras que vinculem a
atividade empresarial para com a preservação do meio ambiente e dos direitos coletivos.
Como anteriormente afirmado é característica da modernidade saber conviver com o
risco. Neste sentido tem-se vários exemplos, mas o mais notável é o manejo que as grandes
indústrias fazem com materiais radioativos. O descuido com os dejetos nucleares aliados com
as catástrofes que tem ocorrido ao longo do território terrestre faz uma inflexão nos direitos
individuais e, sobretudo ambientais, colocando em risco a estabilidade da vida no planeta.
Sin duda, no está despuntando ninguna era de esperanza o paradisíaca. La
modernización reflexiva es una era de incertidumbre y ambivalencia, que
combina la amenaza constante de desastres de una magnitud enteramente
nueva con la posibilidad y necessidade de reinventar nuestras instituiciones
políticas y de inventar nuevas formas de ejercer la política en lugares
sociales que antes se consideraban apolíticos (BECK, p. 146).

Abrir as portas da empresa para que além de entrar trabalhadores, permitir, também,
a entrada de novas formas de se exercer a própria política. Não rara são as empresas que,
advindas de um país do exterior, carregam a ideologia política e econômica do local de onde
são originárias, o que implica em dizer que o conflito, em casos tais, será inerente da própria
atividade empresarial.
Como ficaria a situação dos trabalhadores que foram submetidos a uma catástrofe

338
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

nuclear ou a um atentado contra os direitos individuais? A negociação coletiva, neste aspecto


permite uma modernização da própria atividade normativa, pois além de reveladora dos dados
da realidade, na medida em que dá escuta as reais necessidades dos trabalhadores, ainda serve
de substrato para a criação da própria lei, portanto, agindo como fonte de Direito.
Exemplificando, Carlos Frederico Marés de Souza Filho (2000, p. 312), relembra o
caso do líder dos índios do Altiplano peruano – “Garabombo” – que era acometido por uma
estranha doença de se tornar invisível:
Garabombo foi acometido de estranha doença, ficava invisível cada vez que,
pacificamente, reivindicava direitos da comunidade, e, por mais que entrasse
nas repartições públicas e tentasse falar com as autoridades, não era jamais
visto ou ouvido. Vários comunheiros haviam testemunhado essa rara
enfermidade conhecida por todos e propagada pelas autoridades. Os papéis
que portava, conseguidos com muita dificuldade, não podiam ser
reconhecidos pelas autoridades, já que o portador era invisível.
Aproveitando-se dessa condição de invisibilidade, Garabombo passava sem
ser percebido pelas barreiras policiais e pode ir organizando o povo. Bastou
reivindicar com dureza e praticar atos concretos de rebeldia, e
imediatamente ficou curado, passou a ser visível, e então foi perseguido
como agitador e violador das leis, acabando preso e morto.

Por fim, parafraseando o autor, a negociação coletiva de trabalho revela a


invisibilidade que alguns direitos fundamentais adquiriram quando “contraíram a doença de
Garabombo” no momento em que o trabalhador adentrou na empresa burocraticamente
solidificada. A negociação coletiva de trabalho é o apelo que faltava para revelar a
invisibilidade da lesão de alguns direitos fundamentais cristalizados com a burocracia
empresarial, notadamente a liberdade e a democracia, ligados, por óbvio, a todo e qualquer
ideal republicano.
Quanto a segunda via da dualidade acima apresentada é voltada para a construção de
um Estado de Direito Socioambiental, porquanto a dificuldade do ordenamento jurídico no
reconhecimento dos direitos sem titularidade definida ainda é muito grande. Mais que isso, a
sociedade moderna precisa desenvolver uma cultura de incertezas, notadamente normativas,
capazes de sustentar o risco na modernidade e, especialmente dentro da empresa.
Tem-se muitos problemas ecológicos vivenciados na modernidade. Ameaças
nucleares, riscos de catástrofes ambientais, inundações, aquecimento global, poluição do ar,
desmatamento e extinção das espécies da fauna e da flora, etc. Nesse contexto, não basta um
Estado social e politicamente organizado, voltado exclusivamente para a defesa da ordem
política e dos direitos individuais. O Estado precisa ir além. Há imperiosa necessidade de
criação de um Estado de Direito Socioambiental.

339
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A empresa moderna e a vida dos trabalhadores está em jogo. Seguramente a primeira


com muito mais condições de se manter estável e livre de ataques de todo o gênero, ao passo
que a vida humana clama por salvação. A negociação coletiva de trabalho viabiliza o Estado
de Direito Socioambiental quando permite a discussão de temas ecológicos e agora, porque
não, dentro do ambiente laboral?
O exercício da cidadania não pode ser barrado por uma linha divisória de âmbito
particular (universo empresarial) daquele público (sociedade civilmente organizada).
O constante agravamento da crise ambiental e a complexidade dos
problemas ecológicos emergentes apontam para a necessidade de
reformulação dos pilares de sustentação do Estado de Direito. Nesse
contexto, insere-se a discussão sobre a edificação do Estado de Direito
Ambiental, um enunciado cujos fundamentos desdobram-se
simultaneamente sobre preceitos constitucionais, democráticos, sociais e
ambientais. (FERREIRA; LEITE; 2012, p. 41).

Desta forma, como a dialética que envolve a negociação coletiva de trabalho é


fundada no discurso democrático, imperioso destacar que a participação ativa dos
trabalhadores em questões de ordem ambiental atinentes ao cenário laboral é de suma
importância para se garantir os valores de uma República, pois a coisa pública penetra no seio
da empresa e de lá, por sua vez, volta para a sociedade com a inquestionável e indelegável
participação do empregado. Só aquele que vive a realidade tem maiores condições de nela
refletir.
O Estado de Direito Socioambiental, por sua vez, preocupado constantemente com as
questões ecológicas vê, da mesma forma, a necessidade de focar a própria ideia de
sustentabilidade sob a vida humana que, não obstante pareça óbvio, por muitas vezes carece
de proteção, especialmente quando submetida a uma jornada de trabalho excessiva ou
degradante, em todos os sentidos imagináveis.

3.1 OS ATORES SOCIAIS DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO


CONCRETIZANDO OS OBJETIVOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
DE 1988

A pronúncia República como se dá nos dia de hoje é bastante diferente da mesma


linguagem que se aplicou em um contexto histórico no passado. Atente-se para o fato de que a
crise de 1930 proporcionou uma releitura do Direito, especialmente das relações de trabalho.
O Brasil, durante a República Velha (1889-1930) era uma sociedade rural
dominada pelas elites políticas dos três mais poderosos Estados da
Federação: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Estados

340
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

basicamente agrícolas, com o café como sustento econômico dos dois


primeiros e a pecuária do terceiro. As atividades de manufatura brasileira
expandiram-se na segunda metade do Século XIX, graças a proteção tarifária
e outras formas de intervenção governamental, contudo, a indústria tinha
uma importância menor na economia brasileira antes da queda do Império
em 1889. (SIQUEIRA NETO, p. 191).

Como o trabalho demandava um contexto completamente distinto do atual, regidos


por uma Constituição Imperial que previa somente a estrutura do poder e assegurava a
perpetuidade das dinastias, ficava no acostamento do ordenamento jurídico qualquer
pretensão de tutela de direitos fundamentais. Eles sequer existiam. Talvez fosse um sonho na
mente dos intelectuais prodigiosos da época.
Acontece que, grosso modo, com o surgimento das indústrias e da enorme
instabilidade que aquele antigo sistema jurídico – o da República Velha – estava sendo
submetido, sobreveio a sua posterior ruína. Não era mais possível assimilar uma Constituição
naquele formato, o que fez com que sua vinculabilidade jurídica fosse perdendo
reconhecimento social, notadamente com o auxílio degenerativo das corporações da época.
Esse mesmo risco não se pode assimilar na contemporaneidade. A grande corporação
não pode surrupiar os direitos fundamentais sob um discurso velado que sobrepuja a livre
iniciativa. É dever do Estado e responsabilidade de todos prestarem atenção para com esses
“jovens monstros” que se criam ao nosso redor. As grandes corporações agem com a mesma
autoridade dos Estados totalitários e há, para tanto, uma razão histórica.
Em 24 de outubro uma Junta Governativa destitui Washington Luiz. No dia
30 de outubro Getúlio Vargas chega à capital federal; em 4 de novembro é
empossado no governo provisoriamente. A nova coalizão dominante
significa a acomodação entre elites tradicionais e emergentes e portanto,
abriu-se efetivamente, com a Revolução de 30, um novo espaço político para
as elites industriais. O pensamento autoritário, ideologia dominante nessa
etapa histórica, influenciou positivamente o processo de industrialização ao
legitimar a ação planificadora e intervencionista do Estado. (SIQUEIRA
NETO, p. 192).

É claro que não se pode deixar de considerar que na Europa o que se vivia era um
regime nazifascista que, não obstante fosse voltado para a preservação de ideais nacionais,
procurou, da mesma forma, se estabilizar a indústria, especialmente a bélica com o aumento
da produção de armas de destruição em massa. Mas o que se tem na atualidade é um contexto
semelhante, porquanto as grandes empresas têm impedido os seus trabalhadores de exercerem
aqueles direitos fundamentais conquistados mediante um processo de violenta repercussão
social.
É preciso levar a proteção constitucional para dentro da empresa, especialmente

341
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

demonstrando ao conselho de administração que estes estão igualmente submetidos às regras


sobre meio ambiente sustentável. Afinal de contas, um conselho de administração pode
mudar, regenerando-se com a instalação de uma nova assembleia de sócios, por exemplo, ou,
noutra ponta, a empresa pode sofrer alteração na sua estrutura jurídica e titularidade, todavia,
o mesmo não acontece com o Planeta em que vivemos. Todos somos conhecedores da
escassez de recursos naturais que prescinde adequada administração, pois a curto prazo,
poder-se-á ficar sem nada. O sinal vermelho de alerta já está ligado há muito tempo.
Michael Lowy (2005, p. 41) elenca oito razões para se refletir acerca do tema,
convém destacar:
O crescimento exponencial da poluição do ar nas grandes cidades, da água
potável e do meio ambiente em geral; o aquecimento do Planeta, começo da
fusão das geleiras polares e multiplicação das catástrofes naturais3;
destruição da camada de ozônio; destruição das florestas tropicais e rápida
redução da biodiversidade pela extinção de milhares de espécies;
esgotamento dos solos e desertificação; acumulação de resíduos,
notadamente nucleares e impossíveis de controlar; multiplicação dos
acidentes nucleares e ameaça de um novo Chernobyl; poluição alimentar,
manipulações genéticas, etc.

Como entre as forças produtivas e as condições de produção existem os


trabalhadores, o espaço urbano e a natureza jamais podem deixar de ser objeto de discussão
democrática no seio empresarial, tendo em vista que muitas vezes o desempenho das
atividades da corporação irão recair sob a própria vida humana, e sobre sua condição, pelo
que “o antropocentrismo é aqui sinônimo de humanismo”. (LOWY, 2005, p. 77).
Amartya Sen (2000, p. 18) acredita que a expansão da liberdade das pessoas, aqui
consideremos os trabalhadores, ensejará no aumento das suas participações sociais, pois o
sujeito se torna mais ativo e passa a integrar a discussão de modo mais participativo e
democrático. O desenvolvimento se dá de modo mais responsável, notadamente com aquilo
que pertine ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Em outros casos, a violação da liberdade resulta diretamente de uma negação
de liberdades políticas e civis por regimes autoritários e de restrições
impostas à liberdade de participar da vida social, política e econômica da
comunidade. (SEN, 2000, p. 18).

O que resta dessa análise e que interessa ao presente trabalho foi justamente a ideia

3
No texto o autor destaca entre aspas a expressão “catástrofes naturais”, pois subentende-se que a exata medida
em que o homem vem destruindo o Planeta Terra com sua postura hostil em busca do maior lucro pelo menor
esforço, vem também ocasionando desastres naturais como se deu recentemente no Japão com um Tsunami que
rompeu grandes reservatórios de energia nuclear, colocando em risco toda uma comunidade local, quiçá, a
humanidade como um todo.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

de que algumas políticas tiranas retiram do trabalhador a possibilidade de participar do seio da


negociação social – aqui incluindo a negociação coletiva de trabalho – pois, não raras as
vezes, o poder e a forma de sua atuação não se discute. Não há como conceber o
desenvolvimento sem a participação do empregado dentro da empresa, bem como poderá este
exigir e contemplar série de direitos, especialmente os da ordem ambiental que tutela a sua
própria vida.
Constituem-se objetivos da República Federativa do Brasil nos termos da
Constituição de 1988: construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o
desenvolvimento nacional – entenda-se na modernidade o desenvolvimento como um
processo que precisa ser sustentável, a erradicação da pobreza e a marginalização, bem como
reduzir as desigualdades sociais e regionais e, por fim, promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação.
Modernamente, o risco que se convive e espera é de se permitir comercializar
direitos que foram adquiridos ao longo de duras batalhas, tais como os direitos individuais,
colocando em cheque a vida como um todo, inserida dentro de um processo doentio e
degenerativo.
Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os homens haviam considerado
inalienável se tornou objeto de troca, de tráfico e podia alienar-se. O tempo
em que as próprias coisas que até então eram comunicadas, mas jamais
trocadas; dadas, mas jamais vendidas; adquiridas, mas jamais compradas –
virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc. – em que tudo passou para
o comércio. O tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para
falar em termos de economia política, o tempo em que qualquer coisa, moral
ou física, uma vez tornada valor venal, é levada ao mercado para ser
apreciada no seu mais justo valor. (MARX, 1947, p. 33).

A vida humana merece esse respeito. O trabalhador precisa desta voz dentro do
ambiente empresarial, pelo que sua participação neste fenômeno irá impedir que se destine
sua vida para um precipício chamado desenvolvimento econômico. A busca incessante pelo
aumento do lucro não pode consistir em depreciação de valores humanos, especialmente
aqueles que decorrem do exercício das liberdades constitucionais.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

3.2 A CONFORMAÇÃO ECOLÓGICA DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO


NO CONTEXTO DA SUSTENTABILIDADE: A TEORIA DA FALHA
METABÓLICA DE KARL MARX E A RELAÇÃO COM A ECOLOGIA
SUSTENTÁVEL

A relação de trabalho do homem para com a sociedade utiliza como elemento


intermediador a empresa que, indubitavelmente, se valerá da natureza para a extração de sua
matéria prima. Acontece que a relação do homem com a natureza informa John Locke (1994,
p. 98) se dá pois,
Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e
deixou, mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe
pertence, por isso o tornando sua propriedade. Ao remover este objeto do
estado comum em que a natureza o colocou, através do seu trabalho
adiciona-lhe algo que excluiu o direito comum dos outros homens. Sendo
este trabalho uma propriedade inquestionável do trabalhador, nenhum
homem, exceto ele, pode ter o direito ao que o trabalho lhe acrescentou, pelo
menos quando o que resta é suficiente aos outros, em quantidade e em
qualidade.

A modernização do conceito envolve a relação do homem com a natureza através da


empresa, que, não obstante apresente uma estrutura organizada, voltada para a exploração da
atividade econômica, adquire, por sua vez, a propriedade através da exploração da natureza,
exatamente mesma forma.
Mas esta exploração precisa assumir contornos de sustentabilidade, pois não seremos
únicos na história, tampouco haverá outra forma de se extrair riqueza a não ser pelo consumo
dos bens da natureza.
Este, em resumo, é o grande desafio do nosso tempo: criar comunidades
sustentáveis – isto é, ambientes sociais e culturais onde podemos satisfazer
as nossas necessidades e aspirações sem diminuir as chances das gerações
futuras. (CAPRA, 2004, p. 30).

Todavia, não se pode imaginar que a natureza deva permanecer intacta, pois isso
implicaria em impedir toda e qualquer manifestação humana, o que impediria o progresso a
tal ponto que teríamos poucas chances de manter a própria espécie humana, por mais
paradoxal que seja precisamos modificar a natureza.
A preservação do meio ambiente, natural e cultural, não pode ser global,
porque isto implicaria impedir qualquer intervenção antrópica modificativa
do meio ambiente e manteria estático o processo cultural. Preservar toda a
intervenção cultural humana na natureza ou toda manifestação cultural é um
absurdo e uma contradição, porque a guisa de proteger as manifestações
passadas, se estaria impedindo que a cultura continuasse a se manifestar.
Implicaria não admitir qualquer possibilidade de mudança, processo ou

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

desenvolvimento. Assim como preservar intocado o meio ambiente natural,


seria matar a vida. Se fossem preservadas intocadas todas as intervenções
humanas, não haveria possibilidade de evolução ou desenvolvimento social.
(MARÉS, 2006, p. 21).

A essa altura a negociação coletiva de trabalho vem se tonificando no cenário da


empresa democrática. Permitir a discussão de valores éticos, ambientais, morais, ou a
modernização das normas laborais pela via democrática garante aos trabalhadores a promoção
dos objetivos da República Federativa do Brasil. Afinal de contas, desenvolver-se e reduzir as
desigualdades é acima de tudo garantir participação direta na formação do contexto laboral.
Entretanto, necessário distinguir o que Fritjot Capra (2004, p. 17) denomina de
“ecologia rasa” e “ecologia profunda”:
A ecologia rasa é antropocêntrica, ou centralizada no ser humano. Ela vê os
seres humanos como situados acima ou fora da natureza, como a fonte de
todos os valores, e atribui apenas um valor instrumental, ou de uso à
natureza. A ecologia profunda não separa seres humanos – ou qualquer outra
coisa – do meio ambiente natural, não como uma coleção de objetos
isolados, mas como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente
interconectados e são interdependentes. A ecologia profunda reconhece o
valor intrínseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas
como um fio particular na teia da vida.

Não se pode incorrer neste equivoco. Estamos certos que a vida humana não é a
única que merece cuidados, porquanto a tutela dos direitos das demais espécies vivas jamais
pode ficar no acostamento ou não se dar a contento. Acontece que a forma que o homem vem
desempenhando a atividade empresarial destoa da proteção da própria vida humana. Permitir
que os trabalhadores sejam ouvidos e fornecer a estes educação ambiental plena, complexa e
satisfatória, aliadas a promoção de um novo modelo de Estado – o Estado de Direito
Socioambiental – , retira do homem a sua máxima importância e maximiza seus interesses
pela preservação de toda e qualquer forma de vida. Mais que isso, revela a crueldade que se
dispõe a atividade empresarial, em alguns setores, notadamente industriais, e dá ao
trabalhador o especial direito de se insurgir contra a atividade nociva ao meio ambiente.
Resguarda-se a vida humana com a proteção de todas as formas de vida. Sempre que
se formularam questões mais profundas acerca dos conceitos pré-existentes obteve-se mais
sucesso. A empreitada humana no Planeta depende da própria noção que o homem formula da
sua realidade. Há pouco tempo para reparos e menos ainda para cometer erros.
John Bellamy Foster (2011, p. 224) traz verticalizada análise acerca da relação do
homem com a natureza, de modo que concebe sua teoria dentro do conceito de metabolismo,
pelo qual os seres vivos estariam a extrair da natureza sua própria fonte de vida, e a essa troca,

345
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

modernamente, atribui-se uma falha metabólica que compromete a segurança da vida, em


todas as suas formas.
Dada a centralidade que ele atribui ao conceito de metabolismo –
constituindo o processo complexo, interdependente, que vincula os seres
humanos à natureza através do trabalho – não deveria nos surpreender que
este conceito também desempenhe um papel central da visão de Marx de
uma sociedade futura de produtores associados.

Incrivelmente surpreendente é a análise da ecologia sob essa ótica. Se os seres vivos


interagem com a natureza produzindo uma reação metabólica, a falha é notória com o
progresso e o desenvolvimento da sociedade. A democracia é a única válvula capaz de
permitir a discussão de interesses singulares, porquanto isso se opera dentro da empresa com
a negociação coletiva de trabalho. Como a relação do homem com a natureza se dá através do
trabalho, caso haja um desgaste considerável nesta interação – falha metabólica – o que
poderá restar são resíduos que já não mais darão conta da vida no Planeta Terra.
A vida é o modo de existência dos corpos proteicos, cujo elemento essencial
consiste na troca metabólica contínua com o meio ambiente natural que lhe é
externo, e que se extingue com a cessação deste metabolismo, provocando a
decomposição proteica. (FOSTER, 2011, p. 227)

Neste sentido o conceito de metabolismo passou a ser ligado a todas as ciências que
explicaram a relação dos organismos com o meio ambiente. Mas essa discussão é demasiada
antiga para alguns economistas e moderna para juristas que encaram a sustentabilidade como
discurso politicamente correto. A negociação coletiva de trabalho tira da empresa a realidade
e traz a tona a discussão que envolve o contexto laboral – metabolicamente doente – com a
quebra de paradigma diante da sociedade moderna.
A tutela de todas as formas de vida para as próximas gerações advém do pensamento
sistêmico. Todos os homens, especialmente os trabalhadores, estão inseridos dentro de um
contexto que compõe um todo organizado, agora voltado para a preservação de todas as
formas de vida, incluindo neste discurso a vida humana.
À medida que a concepção de rede tornou-se mais e mais proeminente na
ecologia, os pensadores sistêmicos começaram a utilizar modelos de rede em
todos os níveis dos sistemas, considerando os organismos como redes de
células, órgãos e sistemas de órgãos, assim como os ecossistemas são
entendidos como redes de organismos individuais. De maneira
correspondente, os fluxos de matéria e de energia através dos ecossistemas
eram percebidos como o prolongamento das vias metabólicas através dos
organismos. (CAPRA, 2004, p. 45).

O pensamento sistêmico inserido dentro do conceito de falha metabólica imbrica na

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negociação coletiva de trabalho como reveladora do próprio pensamento laboral. A moderna


técnica de análise do contexto do meio ambiente de trabalho pela via da negociação permite
ao trabalhador o seu aprimoramento enquanto ator social ativo (cidadão participativo) no
processo de desenvolvimento sustentável.
Ademais, não é à toa a proeminente necessidade de se modernizar o contexto
normativo que se coloca o Direito do Trabalho, afastando o anacronismo característico das
regras rígidas que em nada contribuem com a melhora do meio ambiente, tampouco com a
preservação de todas as formas de vida.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste momento a apreciação do desenvolvimento como um processo que depende da


tutela da vida humana parece assumir maior sentido. A possibilidade de se conferir voz aos
trabalhadores, bem como de lhes dar escuta às suas aspirações torna a forma ainda mais
precisa e atraente.
Há muito tempo na história ficou comprovada que a composição de interesses
mediante a escuta de todos os envolvidos no processo permite a perfeita dialética das
ideologias, bem como a exata medida das reivindicações, o que implica em dizer que a
negociação coletiva de trabalho é ordenada a proteger os direitos e garantias individuais,
todavia, no âmbito empresarial. O sistema capitalista tem esgotado todas as formas de relação
do homem com a natureza, fazendo com que esta dinâmica venha cada vez mais agressiva,
opondo-se aos objetivos da República, pois o desenvolvimento nacional nunca visou a
extinção da vida humana, mas sim a sua manutenção a padrões aceitáveis de tolerância.
Por mais paradoxal que se possa parecer, o homem seduz-se com a hipótese de
sistemas estáveis e de controle de poder garantido, eis que o ambiente empresarial garante o
exercício de um poder de fato semelhante aos Estados politicamente organizados, todavia,
voltados exclusivamente para a exploração econômica. Acontece que neste meio campo tem-
se a vida humana e a necessária relação desta com a natureza que, pelo advento da empresa
moderna, se dá de modo conjunto, ou seja, pela reunião de várias pessoas buscando a
produção e o lucro com a extração de recursos naturais.
A consequência tem sido danosa e a forma de revelação dos principais problemas
têm encontrado na negociação coletiva de trabalho um bom fio condutor, capaz de estabelecer
uma ligação entre os anseios do proletariado – quase sempre reprimido por conta de uma

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estrutura burocrática – e a escuta pelos administradores de questões quase sempre subjacentes


ao processo de expansão econômica: a estabilidade da vida humana.
Em que pese os conflitos humanos sejam marcados pela contrariedade de ideologias
há certa vascularização com os problemas que costumam ser comuns, por exemplo, a
preocupação do empreendimento de ações voltadas para a tutela do meio ambiente. Todos
precisam estar protegidos de possíveis ameaças à vida ou a instabilidade das instituições.
A negociação coletiva de trabalho fará com que, por outro lado, direitos e garantias
mínimas sejam mantidas no seio da empresa, pelo que a reivindicação dos trabalhadores
ganha voz e representatividade, permitindo-se o discurso democrático na tomada de
importantes decisões.
Por fim, a ruptura necessária de modelo ultrapassado de Estado de direito é
imprescindível para o aperfeiçoamento das instituições democráticas, notadamente o é para a
negociação coletiva de trabalho. Como a relação do homem com a natureza sobrevive em
falha – especialmente metabólica – a troca de energia e o uso indistinto dos recursos naturais
fez com que a tutela de direitos individuais e a organização do Estado pela Constituição sejam
medidas insuficientes ao fim proposto. É necessário idealizar um Estado de Direito
Socioambiental, pois o desenvolvimento salutar da cultura humana prescinde da própria
sobrevivência humana, porquanto a educação ambiental e as medidas voltadas à tutela dos
interesses ecológicos deve ser de responsabilidade de todos, incluindo os trabalhadores.
Nada é certo, tampouco nada mais pode ser absolutamente previsto. As instituições
políticas adquirem maior estabilidade quando garantem o exercício pleno da democracia, ao
passo que o Direito precisa reconhecer que a união de interesses é de maior utilidade do que a
determinação legal. Por maior que pareça o contrassenso, a previsibilidade do legislador em
esgotar todos os eventos de fato está a cada dia menos perfeita, o que tonifica a negociação
coletiva de trabalho.
O risco na modernidade, por sua vez, gera uma era de incertezas, notadamente
ambientais, entretanto, sem excluir aquelas de ordem econômica que não foram objeto do
presente trabalho, mas também são servíveis ao presente estudo.
A aceleração do sonho capitalista exige um mecanismo que contextualize a norma
jurídica no tempo e que atenda ao fim proposto de maneira adequada, tão somente.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

REFERÊNCIAS

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18. VARGAS, Luiz Alberto [Org.]; HELOANI, J. Roberto; SILVA, Walkure Lopes Ribeiro.
Democracia e Direito do Trabalho. Estado democrático, tecnologia e relações de
trabalho. São Paulo: Editora LTr, 1995.

350
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O IMPACTO JURÍDICO DA COPA DO MUNDO 2014 E DA COPA DAS


CONFEDERAÇÕES 2013 NO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO BRASILEIRO

EL IMPACTO JURIDICO DE LA COPA MUNDIAL 2014 Y DE LA COPA DE LAS


CONFEDERACIONES 2013 EN EL DERECHO COLECTIVO DEL TRABAJO
BRASILEÑO

Marcelo Mauricio da Silva

RESUMO
Hodiernamente o ordenamento jurídico brasileiro vem passando por uma série de
transformações em decorrência da realização da Copa do Mundo FIFA 2014 e da Copa das
Confederações FIFA 2013 em solo nacional, incluindo questões de alçada do direito coletivo
do trabalho. No formato de um artigo científico original esta obra busca verificar o impacto
jurídico causado pelos megaeventos nas relações coletivas de trabalho, bem como estabelecer
conclusões acerca da compatibilidade constitucional do projeto de lei do senado n. 728 de
2011 no que pertine ao tema do exercício de greve. O desenho investigativo selecionado é o
explicativo com emprego do método de abordagem dialético, a pesquisa foi qualitativa e
prospectiva com dados coletados referentes ao período de 2010 até o ano de 2013 alicerçada
em levantamento bibliográfico e em apanhado legislativo. Como resultado desta empreitada
científica se constata a prevalência dos interesses econômicos em detrimento dos interesses
sociolaborais no que se refere ao tema coletivo trabalhista e os eventos FIFA; este fato
desencadeia a incompatibilidade patente entre o vigente ordenamento jurídico e as propostas
de transformações legislativas, quanto ao tema laboral, planificadas para a realização das
competições futebolísticas. Mesmo sendo incontestes os ganhos econômicos alavancados
pelos acontecimentos esportivos mais significativos do planeta no Brasil, cumpre à presente
obra emitir um aviso de prevenção contra a grave ameaça de retrocesso no que concerne aos
direitos sociais do trabalho.
Palavras-chave: Copa do Mundo 2014; Direito coletivo do trabalho; Exercício de greve;
Princípio da proibição do retrocesso dos direitos sociais.

RESUMEN
Actualmente el sistema jurídico brasileño ha experimentado una sucesión de transformaciones
en consecuencia de la realización de la Copa Mundial FIFA 2014 y de la Copa de las
Confederaciones FIFA 2013 en suelo nacional, incluyendo cuestiones relacionadas al derecho
colectivo del trabajo. En el formato de un artículo científico original esta obra objetiva
verificar el impacto jurídico causado por los mega eventos en las relaciones colectivas de
trabajo, igualmente establecer conclusiones acerca de la compatibilidad constitucional del
proyecto de ley del senado n. 728 de 2011 en respecto al tema del ejercicio de huelgas. El
diseño investigativo seleccionado es el explicativo con empleo del método de abordaje
dialéctico, la pesquisa fue cualitativa y prospectiva con datos reunidos referentes al año de
2010 hasta el año de 2013 basada en investigaciones bibliográficas y en compilación

351
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

legislativa. Como resultado de este esfuerzo científico observase el predominio de los


intereses económicos en detrimento de los intereses socio-laborales no que se refiere al tema
colectivo del trabajo y los eventos FIFA; este hecho provoca una incompatibilidad patente
entre el vigente ordenamiento jurídico y las propuestas de transformaciones legislativas
cuanto al tema trabajo, idealizadas para la realización de las competiciones futbolísticas.
Mismo siendo incontestables las ganancias económicas apalancadas por los acontecimientos
deportivos mas significativos del planeta en el Brasil, cumple a la presente obra emitir un
aviso de prevención contra la grave amenaza de regresión no que se refiere a los derechos
sociales del trabajo.
Palabras-claves: Copa Mundial 2014; Derecho colectivo del trabajo; Ejercicio de huelgas;
Principio de la prohibición del retroceso de los derechos sociales.

1 INTRODUÇÃO

Com a realização da Copa do Mundo FIFA em solo nacional no ano de 2014 e da


Copa das Confederações FIFA em 2013, os olhos do mundo se voltarão para o Brasil e a
responsabilidade pelo sucesso dos megaeventos recairá sobre os ombros do povo brasileiro.
Os preparativos para as competições tornaram-se um assunto jurídico haja vista as
consideráveis transformações legislativas implementadas no sistema legal nacional por
motivo das obrigações assumidas pelo Estado brasileiro perante a organização internacional
Fédération Internationale de Football Association (FIFA), associação suíça de direito
privado, entidade mundial que regula o futebol e detentora dos direitos de propriedade dos
eventos.
Fato inconteste é que a Copa do Mundo de futebol pertence à FIFA, sendo esta quem
resolve em qual local temporário, pois muda a cada quatro anos, o evento irá ocorrer e o
hospedeiro da vez é o Brasil. Em troca da certeza de sediar o evento, a organização
internacional impôs ao governo brasileiro a assunção de múltiplos compromissos e encargos
de forma inegociável reforçando a percepção de que a mutação no ordenamento jurídico
nacional advém da necessidade de garantir-se o êxito dos interesses econômicos da FIFA.
O levante político causado pelo imperativo de se proteger os assuntos comerciais no
deslinde dos eventos FIFA respingou no direito coletivo do trabalho no ano de 2011. No
esteio das reformas legislativas estruturantes para as competições de futebol, várias alterações
quanto ao exercício da greve nas cidades-sedes para os trabalhadores que desempenhem
atividades vinculadas à realização dos eventos esportivos passaram à ser discutidas. Assim, o
fato de estar sendo cogitado uma nova regulamentação acerca da greve, igualmente afetaria

352
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

outros assuntos trabalhistas essenciais, ou seja, as alterações conversadas pelo Estado


brasileiro acerca do tema repercutiria necessariamente nas negociações coletivas, nos
conflitos coletivos de trabalho e, principalmente, na dinâmica peculiar da relação coletiva de
trabalho.
A obra aqui em desenvolvimento consiste em uma pesquisa científica acerca das
transformações jurídicas oriundas do impacto causado em solo nacional pela mais importante
competição esportiva da indústria mundial do entretenimento, desta vez, sob o prisma do
direito coletivo de trabalho. O objetivo é de estabelecer conclusões jurídicas acerca das
propostas contidas no projeto de lei do senado n.º 728/ (SENADO FEDERAL, 2011) quanto
aos assuntos pertinentes à ciência jurídica trabalhista, bem como verificar o impacto jurídico
causado pelos megaeventos nas relações coletivas de trabalho.
Basicamente habitam neste artigo o enfretamento de duas questões: a um, qual o
impacto jurídico causado pela preparação para a Copa do Mundo FIFA 2014 e para a Copa
das Confederações FIFA 2013 nas relações laborais coletivas? A dois, o projeto de lei acima
mencionado é compatível com o ordenamento jurídico nacional, tanto no âmbito
constitucional quanto no âmbito infraconstitucional; ainda, se este é adequado ao espírito
principiológico manifestado no direito coletivo do trabalho?
O desenho investigativo aqui implementado é o explicativo com emprego do método
dialético de abordagem, a pesquisa foi qualitativa e prospectiva observando uma dimensão
temporal de coleta de dados recente, compreendida entre o ano de 2010 e o ano de 2013. Os
dados foram coletados através de levantamento bibliográfico e de apanhado legislativo,
especificamente fontes documentais como a constituição federal brasileira (BRASIL, 1988), a
consolidação das leis do trabalho (BRASIL, 1943), a lei de greve n.º 7.783 (BRASIL, 1989), a
lei geral da copa de n.º 12.663 (BRASIL, 2012) e o projeto de lei do senado n.º 728
(SENADO FEDERAL, 2011).

2 COPA DO MUNDO 2014 E COPA DAS CONFEDERAÇÕES 2013:


MEGAEVENTOS ESPORTIVOS

A curiosidade é o combustível que serve de propulsão ao conhecimento científico. A


presente obra é oriunda da forte inquietação acerca dos eventos Copa do Mundo FIFA 2014 e
Copa das Confederações FIFA 2013, é fruto do desassossego quanto aos bastidores políticos,
econômicos e sociais da competição, origina-se em fatores que não são alvos dos boletins da

353
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

imprensa, salvo raras exceções; refere-se ao que está além das seleções nacionais e da paixão
das massas pelo futebol. Na realidade este escrito nasce do exercício do pensar científico
voltado para as incertezas na preparação brasileira para sediar o maior entretenimento
esportivo do planeta.
Procurou-se aqui pensar se realmente há um “lucro” na realização dos megaeventos
em solo nacional no ano de 2014 e 2013, respectivamente. Não estamos falando aqui
meramente de um superávit financeiro e sim de um ganho abrangente, estamos falando aqui
de um “lucro social” que beneficie a sociedade brasileira em suas camadas mais profundas.
Buscou-se aqui a inspiração em questões que realmente são relevantes para os verdadeiros
patriotas, como: O que é a Copa do Mundo de Futebol do ponto de vista socioeconômico?
Qual o legado social que o campeonato mundial de futebol deixará para o povo brasileiro?
Como a Copa do Mundo ajudará à proporcionar uma distribuição de renda equitativa e o
combate à pobreza?
Mister se faz esclarecer que a corrente obra é norteada pelos questionamentos acima
levantados, todavia sempre partindo da ótica do direito coletivo do trabalho e dos institutos
jurídicos pertinentes ao tema “trabalho”. Desta feita, não haverá risco de fuga ao problema
científico proposto e dos objetivos idealizados.
Pois bem, voltando às inquietações, é difícil dimensionar o gigante em que os
eventos em comento se tornaram, transcendendo em muito ao patamar de meros campeonatos
esportivos. Para um simples vislumbre, seguem as esclarecedoras palavras de Bernasconi:

Para a FIFA, a Copa do Mundo é um grande evento quadrienal. A cada


quatro anos, ela faz a grande promoção do futebol e reúne os seus agentes
promotores, tanto é que, na cidade escolhida para sede do jogo de abertura, é
realizado, durante uma semana, o congresso dos agentes da FIFA. São cinco
mil agentes promotores da FIFA promovendo o futebol no mundo inteiro.
Ela congrega todos e os estimula a trabalhar em favor do desenvolvimento
do futebol no planeta. E os protagonistas são os patrocinadores, os
profissionais da mídia e as seleções nacionais de futebol. Mas a Copa do
Mundo é mais, na medida em que proporciona uma série de movimentações
com relação àqueles que são os seus protagonistas fundamentais. Os
primeiros são os patrocinadores, aqueles que bancam as grandes cotas. Há
também os profissionais da mídia, pois a Copa é o maior evento midiático do
planeta, e quem faz a transmissão para o planeta são os profissionais da
mídia... Esses profissionais são tão importantes que a FIFA faz exigências de
espaços. Há os Very Important People – VIP, que são os patrocinadores e
convidados especiais, há os Very Very Important People – VVIP,
classificados na proporção do quanto contribuem para o futebol e para a
FIFA. Para eles, há corredores de acesso, estacionamento e lugares privados
no estádio... (Apud CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2010, p. 73)

354
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Muito acima de simples torneios para fazerem competirem as melhores seleções de


futebol do planeta e, ao fim, determinar-se os campeões internacionais, a Copa do Mundo e a
Copa das Confederações são empreendimentos econômicos; business, da língua inglesa. E o
proprietário deste negócio é a FIFA, que tem como preocupação primária alcançar um
volumoso lucro para si e para seus parceiros comerciais, pautando-se objetivamente em uma
visão capitalista.
Os argumentos da FIFA são sustentados pelas cifras e rendimentos envolvidos nos
megaeventos. Vejamos abaixo:

Essa convicção exsurge dos números verificados nas edições anteriores dos
Jogos da Copa do Mundo: em 1994, os EUA receberam 400.000 turistas; a
França, em 1998, 500.000; o Japão, em 2002, 400.000; e a Alemanha, em
2000, por conta da sua localização geográfica privilegiada, bem no centro da
Europa, recebeu 2 milhões de turistas; a África do Sul, em 2010 recebeu
cerca de 500.000.
Levantamentos dão conta de que em 1994 os EUA aumentaram em 1,4% o
PIB; em 1998, na França, ele cresceu 1,3% à mais; em 2002, a Coréia o
elevou em 3,1%; e a Alemanha, em 2006, teve crescimento de 1,7%.
(SENADO FEDERAL, 2011, pp. 20-21)

Neste afã de lucratividade a entidade internacional desenvolveu uma personalidade


forte e unitária, tão autônoma e soberana capaz de resistir a qualquer forma de controle ou
pressão nacional, pois é patente que os direitos de exploração dos eventos pertencem à
organização e esta determina os rumos dos empreendimentos. Resta transparente que o país
hospedeiro, qualquer que seja este, para sediar os campeonatos futebolísticos deverá aderir às
condições impostas pela FIFA, tal fato é materializado com a assinatura do conhecido
“Caderno de Encargos”.
Inconteste é que o governo brasileiro acatou os haveres estabelecidos para a
realização dos eventos esportivos, assim ficando compromissado a proporcionar uma série de
condições especiais à FIFA e aos seus convidados, gerando transformações em vários
cenários. Ato contínuo, formando um terreno fecundo para reformas legislativas com a
finalidade de viabilizar os anseios dos interesses econômicos, especialmente os estrangeiros.
A autonomia da entidade internacional futebolística é tanta, que as suas exigências
forçaram mudanças expressivas no ordenamento jurídico brasileiro, ao ponto de ser
necessário a feitura de um diploma legal próprio, um verdadeiro estatuto de proteção aos
investimentos econômicos realizados no universo da Copa do Mundo FIFA 2014 e da Copa
das Confederações FIFA 2013. A lei geral da copa foi sancionada em junho de 2012 e é alvo
de análise no próximo tópico deste artigo científico.

355
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

2.1 A LEI GERAL DA COPA E O PROJETO DE LEI DO SENADO N.° 728/2011

A lei federal n.º 12.663 (BRASIL, 2012), apelidada de Lei Geral da Copa, dispõe
sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA
2014 e à Jornada Mundial da Juventude - 2013, que serão realizadas no Brasil; altera as leis
nos 6.815, de 19 de agosto de 1980, e 10.671, de 15 de maio de 2003; e estabelece concessão
de prêmio e de auxílio especial mensal aos jogadores das seleções campeãs do mundo em
1958, 1962 e 1970.
Através desta normativa foram consolidadas condições especiais à FIFA, conforme
havia sido prometido pelo governo brasileiro ainda em fase de concorrência, na época em que
o Brasil ainda era um postulante ao cargo de hospedeiro dos megaeventos. São temas ligados
à permissão de entrada e saída, permissões de trabalho temporário, direitos alfandegários de
impostos, isenção geral de impostos para a FIFA e para seus parceiros, segurança e proteção
dos visitantes e das equipes, facilitação de bancos e câmbio, procedimentos de imigração,
alfândega e check-in, proteção de exploração de direitos comerciais, hinos e bandeiras
nacionais, indenização, infraestrutura de telecomunicação e tecnologia da informação
Insta ressaltar que várias garantias e benefícios concedidos são estendidos aos
consortes comerciais da entidade máxima do futebol, fato este que só reforça a autonomia
emanada pela FIFA, pois não só impôs ao governo brasileiro um completo regime de exceção
quanto aos assuntos mencionados acima, tudo isso para amparo próprio, como também
estende vários destes benefícios aos patrocinadores e protagonistas dos empreendimentos.
No que tange ao tema trabalhista a lei geral da copa (BRASIL, 2012) realiza duas
intervenções e, por consequência, abrindo caminho para outras modificações através de
projetos legislativos específicos. Os dois pontos tratados pela LGC são: a concessão especial
de autorização para trabalho de estrangeiro em solo nacional em caráter temporário; e o
trabalho voluntário para finalidades ligadas aos eventos futebolísticos sem a vinculação
empregatícia dos contratados.
Nesta janela surge o projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011),
que projeta reformas legislativas no âmbito trabalhista ao pretender uma regulamentação mais
particular quanto ao exercício da greve nas atividades relacionadas à Copa do Mundo FIFA
2014 e à Copa das Confederações FIFA 2013. Em verdade, o PLS tenta valer-se da onda de
transformações engendrada para atender os compromissos assumidos pelo governo brasileiro

356
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

perante o órgão máximo do futebol mundial para ser o hospedeiro dos megaeventos em 2014
e em 2013, respectivamente.
No que tange ao objeto de investigação do presente artigo científico interessa o
capítulo VI do projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011), denominado de
“das limitações ao exercício do direito de greve”. De pronto, o artigo 411 do PLS (SENADO
FEDERAL, 2011) inaugura o assunto acerca da greve; neste fica delimitado que os
destinatários da proposta são as categorias profissionais que desempenham atividades
relativas à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Copa das Confederações FIFA 2013, inclusive
restringindo-se aos trabalhadores posicionados nas cidades-sedes dos eventos.
Mister se faz ressaltar que o PLS cria uma figura jurídica completamente inédita,
haja vista que emprega a expressão “serviços ou atividades de especial interesse social” ao se
referir aos trabalhadores envolvidos em ocupações laborais conectadas à realização das
competições futebolísticas.
Outro conteúdo do mesmo artigo acima citado é o marco inicial para que as
condições especiais projetadas para a greve passem a ser exigíveis; sendo este, do período que
antecede cada evento (três meses antes do início das competições, conforme explica as
disposições iniciais da proposta) e durante a realização dos próprios. Finalizando quanto a
este artigo do PLS, quanto aos destinatários deste, resta claro que a normativa proposta teria
preponderância em comparação à lei de greve, n.º 7.783 (BRASIL, 1989), em respeito ao
princípio da especificidade da norma passando a lei geral possuir atuação subsidiária e
aplicação apenas no que for compatível com a nova regulamentação.
O artigo 422 do projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011) é
crucial, pois prevê um rol exemplificativo referente aos serviços ou atividades de especial
interesse social, citamos algumas hipóteses: a hotelaria, hospitalidade e serviços similares; a
construção civil, no que se refere a obras destinadas aos eventos ou de mobilidade urbana; a
distribuição e comercialização de alimentos; e etc.

1
No período que antecede ou durante a realização dos eventos, o exercício do direito de greve nas cidades-sede
pelas categorias que desempenham serviços ou atividades de especial interesse social fica condicionado ao
disposto nesta Lei, sem prejuízo da aplicação, no que não contrariá-la, do disposto na Lei n.° 7.783, de 28 de
junho de 1989.
2
Para os efeitos desta Lei, consideram-se serviços ou atividades de especial interesse social: I – tratamento e
abastecimento de água; II – produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; III – assistência
médica e hospitalar; IV – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; V – operação,
manutenção e vigilância de atividades de transporte coletivo; VI – coleta, captação e tratamento de esgoto e
lixo; VII – telecomunicações; VIII – controle de tráfego aéreo; IX – operação, manutenção e vigilância de portos
e aeroportos; X – serviços bancários; XI – hotelaria, hospitalidade e serviços similares; XII – construção civil, no
que se refere a obras destinadas aos eventos de que trata esta Lei ou de mobilidade urbana; XIII – judicial e de
segurança pública, observada a vedação constante do art. 142, § 3o, inciso IV, da Constituição Federal.

357
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

No artigo 433 do projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011) se
fixa a obrigação de pré-aviso, com antecedência mínima de quinze dias, para o acontecimento
da greve nos serviços ou atividades de especial interesse social, este deverá ser destinado à
classe patronal respectiva, aos empregados individualmente interessados e aos usuários dos
serviços paralisados. No mesmo sentido o artigo 444 do projeto de lei do senado n.° 728
(SENADO FEDERAL, 2011) exige que seja mantida uma cota mínima de funcionamento em
se tratando de ocupações de especial interesse social, assim tornaria-se obrigação do
movimento paredista garantir que, no mínimo, setenta por cento da força de trabalho estivesse
ativa para a satisfação das necessidades inadiáveis da organização dos eventos.
O próximo artigo em comento, este de número 455 (SENADO FEDERAL, 2011),
autoriza a contratação de mão de obra substituta em caso de movimento grevista deflagrado
em ocupações de especial interesse social. Já o artigo 486 do projeto de lei do senado n.° 728
(SENADO FEDERAL, 2011) confere às ações de dissídios coletivos referentes às categorias
envolvidas em atividades ou serviços de especial interesse social, ajuizados perante o Poder
Judiciário trabalhista, máxima urgência para julgamento inclusive quanto à publicação
imediata da respectiva sentença normativa.
No que toca aos demais artigos do projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO
FEDERAL, 2011), estes são concordantes com a lei de greve (BRASIL, 1989) e não
representam nenhuma novidade quanto ao que já consta no atual ordenamento trabalhista. São
estes os artigos 46, 47, 49 50 e 51, todos inseridos no capítulo VI.

3 O DIREITO COLETIVO DO TRABALHO

3
Havendo deliberação favorável de categoria que desempenha serviço ou atividade de especial interesse social,
conforme definido no art. 42, no sentido da paralisação coletiva da prestação do correspondente serviço ou
atividade, deverão ser notificados a entidade patronal respectiva, os empregados diretamente interessados e os
usuários, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias.
4
Nos serviços ou atividades de especial interesse social, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam
obrigados a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços de, no mínimo, 70 % (setenta por cento) da força
de trabalho, garantindo o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade e da organização dos eventos.
5
Ao Poder Público é permitida, em caso de greve, a contratação de servidores substitutos, em número suficiente
para o atendimento das necessidades inadiáveis da população e dos serviços cuja paralisação resulte em prejuízo
irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles
essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.
6
A Justiça do Trabalho conferirá máxima prioridade de processamento e julgamento aos dissídios referentes às
categorias ou atividades arroladas no art. 42, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente
acórdão.

358
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Desde o início desta obra resta claro que a abordagem aqui desenvolvida parte do
ponto de vista do direito coletivo do trabalho, logo se faz necessário uma compreensão acerca
da teoria jurídica referente às relações coletivas de trabalho, uma vez que o setor do direito do
trabalho aqui pensado possui como objeto de estudo as normas e as relações jurídicas que dão
forma ao modelo sindical pátrio.
O estudo da ciência juscoletiva do trabalho abarca um conteúdo amplo e complexo,
por exemplo temas como: a organização das entidades sindicais e a liberdade sindical; os
conflitos coletivos de trabalho e as suas formas de soluções; a negociação coletiva e os
instrumentos normativos negociados (acordos e convenções coletivas de trabalho); a
regulamentação do exercício da greve; e etc. Todos estes temas exemplificados, além de
outros, estão sempre contextualizados no seio das relações coletivas de trabalho.
Conforme Nascimento (2010, p. 1.253) “relações coletivas de trabalho são relações
que têm como sujeitos os sindicatos de trabalhadores e os sindicatos de empregadores ou
grupos e como causa a defesa dos interesses coletivos dos membros desses grupos”. Assim, a
defesa dos interesses coletivos é assunto à ser desenvolvido aqui, haja vista sua acepção social
e a sua vasta importância jurídica, pois contribui diretamente através da geração de normas
jurídicas com a pacificação de conflitos de natureza trabalhista, bem como manifesta uma
relevante função social.
Os interesses envolvidos nas relações coletivas serão sempre de alçada do grupo,
referem-se à coletividade e possuem causa abstrata e geral. Observe-se que, em sede de
agrupamento, tais relações irão procurar não só melhorar as condições de trabalho como
também regular a estrutura das entidades sindicais, igualmente buscarão a autocomposição
dos conflitos de trabalho podendo gerar, ou não, o que se conhece como instrumentos
normativos negociados.
Para terminar de caracterizar as relações coletivas de trabalho resta apenas ressaltar
que os sujeitos vinculados serão os grupos de trabalhadores e de empregadores, que poderão
estar representados por sindicatos, ou não. Logo não há qualquer monopólio das entidades
sindicais para atuar, entretanto o normal é que estes participem uma vez que a defesa dos
interesses da categoria é uma das prerrogativas inerentes ao munus sindical.
Uma vez compreendido o objeto de estudo do direito coletivo do trabalho cabe
asseverar que a ciência juscoletiva do trabalho é una. Apesar do estudo do direito ser
enciclopédico no sentido de delimitar compartimentos dentro do mesmo ramo da ciência
jurídica consoante conteúdos segmentados, este fato ocorre meramente por motivos didáticos
e acadêmicos. O direito coletivo do trabalho é um organismo complexo e que deve ser mirado

359
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

conforme sua completude, fato inconteste é que os temas e institutos jurídicos desenvolvidos
na seara juscoletiva são simbióticos e não atuam isoladamente, muito pelo contrário, são
componentes de uma única teoria acerca de um sistema de direito laboral.
A unidade do direito coletivo do trabalho é explorada neste trabalho científico, se
não vejamos. O projeto de lei do senado federal n.º 728/2011, retratado no tópico anterior
(2.1), propõe uma nova ordem regulamentadora acerca do exercício da greve durante a
realização da Copa do Mundo FIFA 2014 e da Copa das Confederações FIFA 2013 quanto
aos serviços e atividades consideradas essenciais para ambos os eventos, pois bem, mesmo o
projeto tratando tão somente da greve, a alteração legislativa proposta poderá repercutir muito
além deste assunto haja vista o caráter simbiótico aqui comentado, esta refletirá no
aparecimento de conflitos coletivos e na forma de solução destes, bem como poderá respingar
nos mecanismos de negociação coletiva de trabalho. Por esta razão que a presente obra não se
restringe somente ao exercício da greve, mas trata de uma visão jurídica macro acerca do
problema investigado.
Consoante o melhor entendimento, a paralisação temporária dos serviços ou
atividades laborais por parte dos trabalhadores com o intuito de pressionar o empregador à
ceder ao ponto de vista obreiro, a famigerada greve, deve ser encarada como componente
importante do embate travado entre os atores da relação coletiva de trabalho. Neste sentido
Ruprecht (1967, p. 100) afirma que a finalidade de tal paralisação é “exercer pressão sobre o
patrão, com o fim de obter o reconhecimento de uma prestação de caráter profissional ou
econômico”.
A greve não é um fim em si mesmo, configura uma ferramenta de autodefesa e de
pressão para que a classe obreira consiga atingir um maior grau de sucesso em seus anseios
por um liame laboral mais equitativo socialmente. Percebe-se que a proposta de mudança é
bem mais ampla do que aparenta, pois afetaria a completude do direito coletivo do trabalho;
que, por sua vez, sempre serviu à comunidade cuidando de viabilizar condições de pactuação
da força laboral conforme a ordem socioeconômica, bem como garantindo a manutenção de
um patamar civilizatório mínimo, o qual a sociedade não conceberia ver reduzida por atentar
contra os direitos fundamentais trabalhistas.

3.1 A LIBERDADE SINDICAL E A DEMOCRATIZAÇÃO NAS RELAÇÕES


COLETIVAS DO TRABALHO

360
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A expressão “liberdade sindical” é um termo que possui mais de um sentido.


Todavia, para a finalidade elegida neste artigo científico, miraremos a liberdade como a forma
comportamental do Estado perante as relações coletivas de trabalho, a deferência que este
presta acerca do livre exercício dos direito coletivos trabalhistas, o respeito ao livre-arbítrio
manifestado pelo atores sociais em defesa dos interesses grupais.
A presente obra concorda com o pensamento manifestado por Avilés (1984) ao
classificar as relações coletivas de trabalho quanto às suas fases em: proibição, tolerância e
em reconhecimento; sendo esta última fase subclassificada em: reconhecimento sob o controle
estatal (ex: corporativismo) e reconhecimento com libertação das entidades e assuntos
sindicais do Estado.
Com o advento da consolidação das leis do trabalho em 1943 (BRASIL, 1943) o
Brasil adotou um rumo inspirado pelo sistema jurídico italiano, quer dizer que acolheu
concepções corporativistas de regulamentação sindical e que o Estado nacional tinha
permissão legislativa para intervir fortemente nos assuntos de direito coletivo do trabalho,
inclusive ordenando a organização e atuação dos sindicatos. Tal situação era compatível com
a forma de governo antidemocrático existente na época, ou seja, o autoritarismo e a ditadura
do então presidente Getúlio Vargas.
Com a democratização do país no final dos anos oitenta e a consequente abertura
política, especialmente após a promulgação da atual constituição federal em 1988, o Estado
brasileiro rompeu com o sistema intervencionista puro e passou a tomar diversas iniciativas
no sentido de efetivar uma paulatina autonomia das entidades sindicais. A mentalidade da
liberdade e da diminuição da intromissão governamental nos assuntos coletivos do trabalho
passaram a nortear o ordenamento jurídico mais recente acerca da matéria.
No pensamento de Uriarte (1995) cada país pode ser melhor entendido conforme sua
postura perante à liberdade sindical, tal fato é possível desde uma aferição quanto ao grau de
participação estatal nos assuntos sindicais, variando de uma maior intervenção até uma
completa abstenção. Posteriormente, o sistema jurídico nacional pode ser classificado como
abstencionista ou intervencionista, conforme a postura verificada.
Um parâmetro confiável para se perceber a real tendência sindical de um
determinado país é a constituição federal do mesmo. Passamos a perceber a realidade
brasileira desde sua carta constitucional de 1988.
A vigente constituição federal (BRASIL, 1988) segue um espírito prescritivo, quer
dizer que não é omissa quanto ao tema juscoletivo do trabalho, pois desenvolve a preocupação
com a realidade e com os valores sociais, trilhando o caminho do constitucionalismo social.

361
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Conforme o pensamento de Hesse (2009), tal tendência alinha-se com o reconhecimento da


normatividade constitucional, com o “Estado Providência”, com a compatibilização entre o
regime capitalista de produção e a busca pelo bem-estar social.
Fato inconteste é o padrão intervencionista adotado pelo Estado brasileiro quanto ao
direito do trabalho, seja individual ou coletivo, especialmente com cancha constitucional. A
prova disto é que os artigos 8°7 e 9°8 da CF (BRASIL, 1988) materializam alguns princípios
de direito coletivo do trabalho, seguem exemplos: a organização sindical e a respectiva
liberdade; a unicidade sindical; a livre criação dos sindicatos sem autorização prévia do
Estado; a liberdade individual de filiação e desfiliação do trabalhador ao sindicato; a garantia
de se negociar coletivamente; o direito à greve e a livre decisão dos obreiros quanto ao
momento de deflagração e aos interesses que devem ser defendidos por via do movimento; e
etc.
Hodiernamente o sistema brasileiro sindical vive, nas palavras de Nascimento (2010,
p. 1239), “a fase do sindicalismo autônomo, caracterizado pela abertura política, que
proporcionou um diferente tipo de relacionamento entre o Estado e os sindicatos (...)”. Assim,
o Estado brasileiro ainda rege as relações coletivas de trabalho através da norma heterônoma,
legislada, entretanto busca cada vez mais a sintonia com a valorização da liberdade sindical
lato sensu (aqui, em todas as acepções), pois a atual ordem constitucional divorciou-se em
vários pontos do anterior sistema intervencionista puro, corporativista, diminuindo fortemente
a atuação administrativa nos assuntos sindicais, promovendo o livre-arbítrio coletivo e o
diálogo tripartite (empregados, empregadores e o Estado).
Nesta vereda é possível afirmar que, em tempos atuais, o sistema sindical brasileiro
tenta se alinhar ao máximo com a ordem constitucional vigente, na tentativa de consolidar o

7
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I - a lei não poderá exigir autorização
do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a
interferência e a intervenção na organização sindical; II - é vedada a criação de mais de uma organização
sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que
será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um
Município; III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria,
inclusive em questões judiciais ou administrativas; IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se
tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da
representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; V - ninguém será obrigado
a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato; VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações
coletivas de trabalho; VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais; VIII
- é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou
representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta
grave nos termos da lei.
8
Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo
e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais
e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. § 2º - Os abusos cometidos sujeitam
os responsáveis às penas da lei.

362
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Estado Democrático de Direito conforme declarado no caput do artigo 1°9 da CF (BRASIL,


1988). Na lição de Romita (2007) o modelo de regulação das relações de trabalho adotado por
um país reflete-se naturalmente nos processos de solução dos conflitos sociais.
A visão de Romita é no sentido de que, verbis:

O Estado autoritário repele a negociação coletiva porque esta pressupõe


sindicato livre e entendimento direto dos interessados com possibilidade de
greve. Nesta linha de raciocínio, o Estado autoritário proíbe a greve e cria
uma justiça especializada dotada de poder normativo, pois os interessados
não devem aproximar-se para solucionar diretamente suas controvérsias;
devem, antes, acostumar- se a ver no Estado o regulador supremo da vida em
sociedade, pois ele não só dispensa benefícios como supervisiona o
cumprimento das normas e dá solução aos dissídios surgidos no dia-a-dia,
assim individuais como coletivos. Já o Estado democrático de direito
reconhece que os conflitos coletivos de trabalho fazem parte da realidade
econômica e social e privilegia o modelo da autonomia coletiva porque, ao
invés de desconfiar dos grupos interessados e reprimir a sua ação
espontânea, neles deposita confiança e estimula as soluções derivadas da
negociação coletiva. (ROMITA, 2007, pp. 44-45)

Verdadeiramente o Estado é democrático quando persegue o ideal de liberdade


sindical, sempre orientado pelos valores da pluralidade jurídica e da democracia participativa.
No que tange ao primeiro princípio, no ver de Nascimento (2010), este refere-se à
multiplicidade de processos de formação do direito, consiste na coexistência de várias
ordenações jurídicas na mesma sociedade política. Seria um regimento criado pelos grupos
sociais e reconhecido pelo Estado. A pluralidade jurídica está materializada no artigo 7°10,
inciso XXVI, da CF (BRASIL, 1988) quando há o reconhecimento expresso das convenções e
dos acordos coletivos de trabalho.
No que tange ao segundo princípio, até mais pertinente ao pressente trabalho
científico, um direito coletivo do trabalho forte e consolidado passa a repercutir na própria
democratização do Estado, serve de ferramenta revitalizante das instituições e dos institutos
populares, significa uma maturidade da sociedade e do poder político, pois gera um senso de
confiança entre os protagonistas da relação coletiva de trabalho (empregados e empregadores,
coletivamente organizados) privilegiando a autonomia privada coletiva, bem como
desenvolvendo soluções mais democráticas aos conflitos de trabalho.

9
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a
cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o
pluralismo político.
10
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

363
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

3.2 A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO DOS DIREITOS SOCIAIS

Rememorando a tendência brasileira pelo Estado social, consequentemente pelo


constitucionalismo social, igualmente pela normatividade constitucional, conforme
asseverado em momento retro, é que continuamos no desenvolvimento da corrente obra.
Mister se faz apontar que em decorrência destas tendências é que surge a figura
principiológica da proibição ou vedação do retrocesso de direitos sociais.
Pois bem, nas palavras de Derbli:

O conteúdo material do denominado princípio da proibição de retrocesso


social reside na possibilidade de reconhecimento de um elevado grau de
vinculação do legislador aos ditames constitucionais e que, uma vez
concretizado determinado preceito constitucional, seria vedado a esse
mesmo legislador suprimir ou reduzir essa concretização sem que crie
mecanismos equivalentes ou substitutivos. (DERBLI, 2007, p. 223.)

Na mesma linha segue Canotilho:

É inconstitucional qualquer medida tendente a revogar os direitos


fundamentais já regulamentados, sem a criação de outros meios alternativos
capazes de compensar a anulação desses benefícios. Assim, em tese, somente
seria possível cogitar na revogação de direitos fundamentais se fossem
criados mecanismos jurídicos capazes de mitigar os prejuízos decorrentes da
sua supressão.(CANOTILHO, 2002, p. 336)

A idéia por detrás do princípio da proibição de retrocesso é fazer com que o Estado
sempre atue no sentido de melhorar progressivamente as condições de vida da população.
Qualquer medida estatal que tenha por finalidade suprimir garantias essenciais já
implementadas para a plena realização da dignidade da pessoa humana deve ser vista com
desconfiança e, somente, pode ser aceita se outros mecanismos mais eficazes para alcançar o
mesmo desiderato forem adotados. Esse mandamento está implícito na constituição federal
brasileira (BRASIL, 1988) e decorre, dentre outros, do artigo 3º11 que incluiu a redução das
desigualdades sociais e a construção de uma sociedade mais justa e solidária entre os
objetivos nacionais, sendo inconstitucional qualquer comportamento estatal que vá em direção
contrária a este comando.

11
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade
livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

364
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Ato contínuo, fato é que quando o Estado cumpre, total ou parcialmente, o encargo
constitucional fundamental efetivando as medidas necessárias para a realização de um direito
social, o comportamento da administração pública deixa de consistir meramente em uma
obrigação positiva e passa a ser também uma obrigação negativa, ou seja, antes era necessário
o agir para implementar um direito fundamental, agora é igualmente necessária a abstenção
estatal para não atentar contra a satisfação do mesmo right.
Concernente aos institutos de direito coletivo do trabalho, verdadeiros direitos sociais
fundamentais, a observância deste imperativo principiológico é importante para que a ordem
constitucional vigente não passe a ser afrontada por quem quer que seja, especialmente o
próprio governo nacional.
Quanto ao tema juscoletivo do trabalho mister se faz colocar em relevo o artigo 7º da
CF (BRASIL, 1988) uma vez que este ajuda a materializar a proibição do retrocesso dos
direitos sociais do trabalho, pois o rol protetivo laboral encontrado nos incisos que compõem
o mencionado artigo sempre serão mirados como condições mínimas para o contrato de
trabalho, verdadeiras garantias constitucionais básicas, já que a própria cabeça do artigo
impõe a adoção de outras medidas, além das já listadas no aludido artigo, tendentes à
melhorar os patamares de trabalho.
Para finalizar este momento, apontamos a situação dos instrumentos normativos
negociados, as famigeradas convenções coletivas de trabalho e os acordos coletivos; estes
observam a mesma limitação apontada no parágrafo anterior. Tal restrição decorre
diretamente e validamente da proibição do retrocesso de direitos sociais, para tanto, basta
verificar que as entidades sindicais não podem pactuar a redução ou a retirada de eficácia de
determinado benefício trabalhista que já foi consolidado através da norma heterônoma,
legislada. Resta claro que o instrumento normativo negociado não foi idealizado para
viabilizar a eliminação, imediata ou paulatina, dos direitos sociais do trabalho.

4 O INTERESSE ECONÔMICO VERSUS O INTERESSE LABORAL

Nas palavras de Kennedy (2012, pág. 9) “el derecho es política”12. Conforme já


assinalado em momento anterior, interessante perceber que os eventos FIFA transcendem ao

12
“O direito é política”. Tradução livre.

365
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

âmbito meramente esportivo, que o universo que envolve os megaeventos abarca contextos
econômicos e políticos. Logo, o direito se vê afetado por tal conjuntura.
Os fatos sociais Copa do Mundo e Copa das Confederações respingam no direito
coletivo do trabalho brasileiro uma vez que as conveniências econômicas envolvidas, através
da coalisão política, resolveram afetar o exercício do instituto trabalhista da greve nos exatos
moldes propostos no projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011). Da
análise meticulosa da proposta de regulamentação da greve para atividades e serviços
considerados essenciais para a execução dos megaeventos, percebe-se a forte preocupação em
assegurar a tutela dos interesses econômicos da própria FIFA e dos investidores nacionais e
estrangeiros abrangidos na preparação e realização da Copa do Mundo FIFA 2014 e da Copa
das Confederações FIFA 2013.
Em sustentação ao resultado aqui encontrado, o de que os interesses econômicos
tentam suplantar a ordem jurídica trabalhista para concretizar o lucro de seus investimentos na
promoção dos megaeventos em solo brasileiro, é que passamos a revirar a justificativa do
projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011) de autoria dos senadores da
república Marcelo Crivella, Ana Amélia e Walter Pinheiro.
Os senadores autores do projeto de lei afirmam que:

Finalmente, o Capítulo VI é destinado a tema de extrema relevância: o


direito de greve. Com efeito, uma greve de trabalhadores do setor de
transportes, da saúde ou de servidores dos órgãos de segurança pública, terá
efeitos catastróficos na realização dos Jogos de 2013 e de 2014. Ademais,
não se pode descurar do fato de que o momento em que ocorre esse
grandioso evento esportivo pode ser considerado como oportuno para o êxito
de um movimento grevista. (SENADO FEDERAL, 2011, pp. 32-33)

Consideramos que as razões expostas pelos senadores para o surgimento da lei nova
são atentatórias ao espírito da relação coletiva laboral, não possuem qualquer respeito pelos
princípios norteadores do direito coletivo do trabalho, além de ofensivas à classe obreira
brasileira, pois implicitamente a chama de oportunista.
Restou entendido diante do deslinde desta jornada que as relações coletivas de
trabalho visam regular as condições laborais dos atores sociais participantes do vínculo
empregatício: sendo estes, empregados e empregadores coletivamente organizados. Desta
feita, seria normal perceber que não se trata de “oportunismo”, como quer fazer parecer o
projeto de lei, que faz parte da própria natureza comportamental dos grupos obreiros e
patronais a eterna busca por uma melhor condição sociolaboral.

366
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011) expressa uma visão
facista e antidemocrática, pois considera um atentado ao interesse público o regular exercício
da greve por parte dos grupos de empregados envolvidos nas atividades relativas à preparação
e realização dos eventos da FIFA em 2013 e 2014. A postura expressada na proposta de lei
lembra muito o pensamento do liberalismo e da Revolução Francesa de 1789 onde era
dominante a vedação da associação dos trabalhadores, este período ficou conhecido como a
fase da proibição, pois a agregação de indivíduos era vista como incompatível com a
liberdade do ser humano já que a pessoa natural se tornava refém da vontade grupal. Qualquer
limitação ao livre arbítrio econômico e qualquer iniciativa de se obter melhores salários ou
condições de trabalho seria encarada como conspiração criminosa.
A tentativa de reforma legislativa acerca do instituto da greve, ora em análise, em
verdade propõe um retrocesso ideológico e de direitos sociais fundamentais já efetivados, haja
vista que dificulta em demasia, torna quase que inviável a deflagração de movimento
paredista nas atividades envolvidas nas competições futebolísticas. Ainda, a aprovação da
proposta representaria uma intervenção descabida do governo brasileiro nas relações coletivas
de trabalho, motivada exclusivamente pela coalisão política dos interesses econômico que
promovem os megaeventos esportivos.

5 A ANTIJURIDICIDADE DO PROJETO DE LEI DO SENADO N.° 728/2011

Observando-se o encaixe entre o projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO


FEDERAL, 2011) e os princípios constitucionais norteadores do direito coletivo do trabalho,
mais especificamente o princípio da liberdade sindical e a proibição do retrocesso de direitos
sociais, verifica-se a incompatibilidade dos mesmos.
Tendo compreendido as explicações principiológica realizadas em momento anterior
desta obra, itens 3.1 e 3.2, é que se assevera que a coalisão política responsável pela proposta
de modificação legislativa tenta inviabilizar o instituto da greve dentro das relações coletivas
de trabalho desenvolvidas no seio da Copa do Mundo FIFA 2014 e da Copa das
Confederações FIFA 2013, pois entende que a paralisação temporária do trabalho
representaria um prejuízo econômico para os investidores dos eventos. Assim, por via da
alteração legislativa, pretende o PLS reviver os tempos do corporativismo brasileiro onde o
Estado autoritário agia com desconfiança quanto aos grupos de trabalhadores, repelindo o

367
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

livre-arbítrio sindical e intervindo nos conflitos coletivos de trabalho com a finalidade de


restringir a autonomia grupal.
O projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011) é inconstitucional
uma vez que ofende frontalmente a liberdade sindical e ao Estado democrático, preceitos
insculpidos respectivamente nos artigos 8° e 1° da vigente carta magna (BRASIL, 1988). A
proposta de alteração legislativa não compreende que as relações coletivas de trabalho, bem
como seus possíveis conflitos, são elementos do contexto econômico e social do país e que a
repressão da ação espontânea dos grupos envolvidos no liame trabalhista configuraria uma
negativa à autonomia grupal e um desestímulo às soluções derivadas do diálogo tripartite.
Igualmente, o projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011) é
inconstitucional uma vez que ofende frontalmente a proibição do retrocesso de direitos
sociais, também um preceito fundamental entalhado no artigo 3° da atual constituição federal
(BRASIL, 1988). É sabido que o instituto da greve é um direito fundamental social
pertencente ao trabalhador brasileiro, conforme o artigo 9° da CF (BRASIL, 1988);
outrossim, é sabido que o exercício deste right materializa-se através da prática de um ato
jurídico para a deflagração do movimento paredista e, como tal, este ato deve obedecer a
forma regulamentada na lei de greve de n.° 7.783 (BRASIL, 1989).
A iniciativa legislativa para regular os eventos FIFA em solo nacional, ao repercutir
acerca do tema coletivo trabalhista, desfigura a forma prevista em lei do ato jurídico para a
deflagração da paralisação temporária do labor ao ponto de inviabilizar qualquer iniciativa
dos trabalhadores envolvidos em atividades de especial interesse às competições
futebolísticas.
Da análise do capítulo VI do projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL,
2011) que, uma vez aprovado e sancionado, dará nova forma ao ato jurídico para a
deflagração da greve no que tange à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Copa das Confederações
FIFA 2013, patente é a afronta ao caput do artigo 9° da CF (BRASIL, 1988) que garante aos
grupos de trabalhadores o poder de decidir sobre a conveniência e a melhor oportunidade para
a realização da paralisação laboral, bem como decidir sobre as reinvindicações e a amplitude
do movimento.
Esta é a ampla autorização constitucional dada os trabalhadores brasileiros acerca do
instituto da greve e que o projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011), mais
especificamente a partir do seu artigo 41, tenta inviabilizar. Uma vez aprovada a proposta, a
vontade autônoma coletiva dos grupos de obreiros restará cerceada, para tanto basta perceber

368
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

que nas cidades-sedes (limitação espacial), antes e durante a realização dos eventos FIFA
(limitação temporal), os trabalhadores coletivamente organizados estariam amordaçados pelas
formalidades aprisionantes contidas no PLS para o exercício da paralisação temporária de
labor. Nos termos da proposta a conveniência dos grupos de obreiros para o exercício do right
não sobrevive, apenas impera a proteção aos interesses dos empregadores envolvidos nos
megaeventos, dos investidores nacionais e estrangeiros, além da própria FIFA.
As formalidades sugeridas pelo projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO
FEDERAL, 2011) que esta obras considera desproporcionais e, também tendenciosas aos
interesses econômicos, são redigidas nos artigos 43, 44, 45 e 47. São elas, respectivamente:
em caso de greve em atividades de especial interesse social, a entidade patronal envolvida
deverá ser notificada da paralisação com no mínimo quinze dias de antecedência, idem para
os interessados e usuários dos serviços paralisados; nos serviços ou atividades de especial
interesse social, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados a garantir,
durante a greve, a prestação dos serviços de no mínimo setenta por cento da força de trabalho;
e, por fim, a permissão legislativa para se contratar mão de obra substituta em caso de
movimento grevista nas atividades de especial interesse social.
Este conjunto de medidas descaracteriza a própria essência da greve, pois retira a
pressão dos ombros do empregador que não se sentirá afetado quanto ao seu meio de
produção e, consequentemente, quanto ao seu lucro; inclusive facultando ao patrão o poder
para contratar mão de obra substituta durante a realização do movimento paredista.
Ratificando este ponto de vista, exemplifica-se citando o alargamento do prazo de
comunicação prévia da entidade patronal para deflagração do movimento grevista, requisito
formal para a juridicidade do ato. Tal prazo, inexplicavelmente, salta de setenta e duas horas
nas atividades essenciais conforme a lei n.° 7.783 (BRASIL, 1989) para quinze dias nas
atividades ou serviços ligados à realização dos eventos FIFA. Ou seja, caso a classe obreira
pretenda promover uma ação sindical de paralisação do trabalho durante a realização das
competições esportivas, terá que se planejar com antecedência mínima de quinze dias, pois do
contrário a manifestação poderá ser tida como irregular.
Outro ponto crítico do PLS é a criação da terminologia inédita “serviços ou
atividades de especial interesse social”, de imediato se conclui que apesar da nomenclatura
adotada pelo artigo 42 do projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011) não
há qualquer interesse social envolvido, apenas uma camuflagem para assegurar a viabilidade
econômica dos eventos FIFA realizados em solo nacional no ano de 2013 e no ano de 2014.

369
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Percebe-se que “os serviços e atividades de especial interesse social”, assim


nominados pelo artigo 42 do projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011),
quase que totalmente, são os mesmos constantes no artigo 1013 da lei n.° 7.783 (BRASIL,
1989) que elenca quais as atividades consideradas como essenciais do ponto de vista da greve.
As quatro inclusões feitas pelo PLS são sempre atinentes aos serviços ou atividades conexos
aos eventos FIFA, são elas: a operação, manutenção e vigilância de portos e aeroportos; a
hotelaria, hospitalidade e serviços similares; a construção civil, no que se refere a obras
destinadas à Copa do Mundo FIFA 2014 e a Copa das Confederações FIFA 2013, igualmente
à mobilidade urbana das cidades-sedes dos eventos; e, por fim, a judicial e de segurança
pública.
Logo, não há como não perceber que o rol criado pelo artigo 42 do projeto de lei do
senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011) serve, tão somente, para incluir indevidamente
as atividades de especial interesse do capital empregado nos megaeventos como essenciais ao
contexto sociolaboral. Em caso de sucesso do PLS atividades como a construção civil, por
exemplo, pelo fato de estar envolvida com a execução das obras de preparação para os jogos
esportivos de 2013 e de 2014, ganhará uma blindagem legal contra a pressão exercida pelos
movimentos grevistas dos trabalhadores da categoria que buscam legitimamente melhorar
suas condições sociolaborais.
Ainda, há de ser mencionar que a coalisão política idealizadora do PLS em momento
algum respeitou a forma desejável de se determinar quais os serviços que merecem ser
considerados como essenciais, haja vista que, num universo ideal, tal processo deveria
envolver todos os participantes da relação laboral em um ato de democracia participativa e
não deveria ser resultante de uma escolha unilateral do Estado.
Já no artigo 48 do projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011)
prevê a tramitação prioritária perante o Poder Judiciário trabalhista de processos que
envolvam as atividades de especial interesse para a realização dos eventos, permitindo que
estes cadernos processuais desrespeitem a ordem cronológica para despachos e,
simplesmente, “voem” pelos gabinetes dos tribunais. Tal fato só reforça a idéia de que está em
curso uma coalisão política para proteger os interesses econômicos atuantes na preparação e

13
Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais: I - tratamento e abastecimento de água; produção
e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II - assistência médica e hospitalar; III - distribuição e
comercialização de medicamentos e alimentos; IV - funerários; V - transporte coletivo; VI - captação e
tratamento de esgoto e lixo; VII - telecomunicações; VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas,
equipamentos e materiais nucleares; IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - controle de
tráfego aéreo; XI compensação bancária.

370
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

na realização das competições futebolísticas no Brasil, pois em um país em que o sistema


judicial encontra-se assoberbado de demandas, em um país que ainda busca mecanismos para
desenvolver uma melhor celeridade e eficácia processual, soa até como chacota a proposta
contida no PLS. Do ponto de vista da proposta legislativa basta que haja interesse da FIFA
e/ou de seus parceiros comerciais para que os autos trabalhistas possam ser acelerados rumo a
uma rápida prestação de tutela jurisdicional.
Em desfecho ao corrente tópico fica comprovada a incompatibilidade do projeto de
lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011) com o ordenamento jurídico pátrio, tanto
do ponto de vista constitucional quanto do ponto de vista infraconstitucional, também sob a
ótica da principiologia do direito coletivo do trabalho.

6 O LEGADO SOCIOLABORAL DA COPA DO MUNDO 2014 E DA COPA DAS


CONFEDERAÇÕES 2013

A realização da Copa do Mundo FIFA 2014 em solo nacional, bem como da Copa
das Confederações FIFA 2013, representa uma oportunidade ímpar para consolidar a posição
brasileira de protagonismo no cenário mundial. Igualmente, pode representar uma janela para
o desenvolvimento e para a modernidade não só do ponto de vista econômico mas também do
prisma infraestrutural do país. Cifras enormes estão sendo investidas em equipamentos
públicos como aeroportos, rodovias, telecomunicações, hospitais, redes elétricas, saneamento
básico e etc.
É inconteste o impulso dado pelos eventos FIFA à segmentos importantes da
economia brasileira. Apenas para citar um exemplo, a indústria do turismo prevê um
incremento de aproximadamente quinhentos mil consumidores, todos turistas estrangeiros, só
durante o acontecimento da Copa do Mundo FIFA 2014 (CÂMARA DOS DEPUTADOS,
2010). Este tipo de publicidade mundial certamente ajudará o Brasil a consolidar-se como
renomado destino internacional de viagens.
Pois bem, a pretensão da corrente obra neste tópico é buscar transcender as
volumosas cifras investidas na preparação para os eventos FIFA em 2013 e em 2014 tentando
perceber a existência de um “lucro social” com a realização das competições esportivas,
especificamente quanto às relações trabalhistas nacionais.
Exatamente por existir uma grande perspectiva de desenvolvimento econômico para
o Brasil devido aos efeitos promovidos pelos eventos FIFA, necessário se faz o rateio das

371
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

benfeitorias oriundas desta propulsão financeira de modo a alcançar as camadas menos


privilegiadas da sociedade brasileira, especialmente à classe operária. Somente neste viés o
ideal de redução das desigualdades sociais estaria sendo concretamente efetivado, conforme o
preconizado no artigo 3º da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Em diagnóstico ao assunto tratado neste tópico, a presente obra entende que para se
efetuar uma divisão equitativa de renda e para proporcionar uma justiça social ampla a
solução seria o fortalecimento dos processos de negociações coletivas de trabalho, pois estes
são os veículos mais pertinentes para se converter partes dos acréscimos econômicos
auferidos pelos grandes empregadores em melhores salários e em melhores condições de
trabalho para as classes operárias brasileiras.
A Copa do Mundo FIFA 2014 e a Copa das Confederações FIFA 2013 movimentará
quantias absurdas de dinheiro, sendo inconcebível que não haja a repartição social destes
montantes em condições minimamente equitativas, até porque boa parcela dos investimentos
feitos são provenientes de verbas públicas nacionais. Fato é que grande parte do capital
arremetido nos eventos está concentrado nas mãos de corporações contratadas para executar
as obras de infraestrutura e para construir as arenas esportivas.
É ultra recomendável que também seja considerado como legado da Copa do Mundo
no Brasil pactos sociais mais justos, que sejam capazes de fazer escoar parte do fluxo
financeiro rumo às parcelas menos favorecidas da sociedade culminando em melhoramentos
nas relações coletivas laborais e, consequentemente, nos contratos individuais de trabalho.
Os eventos FIFA são aptos para gerar um efeito de alavanca nos processos de
negociações coletivas, pois configura uma oportunidade rara de desenvolvimento econômico
e, ato contínuo, social. O verdadeiro legado que as competições esportivas trariam para as
classes obreiras seria o fato de impingir uma máxima urgência à resolução das questões
trabalhistas, quando estas pertencessem ao âmbito das atividades atinentes à preparação das
cidades-sedes para a realização dos campeonatos de futebol.
Fato inconteste é que as classes obreiras envolvidas com a execução de serviços da
Copa do Mundo e da Copa das Confederações ganharam uma ferramenta de pressão
formidável. Para se chegar a tal conclusão basta perceber os efeitos que uma paralisação
temporária de trabalho poderia representar ao cronograma de execução de uma determinada
obra, tal fato forçaria o empregador a rapidamente negociar uma solução para o conflito
trabalhista, pois o atraso na entrega da construção seria um prejuízo insuportável para a
empresa construtora. Não há dúvidas de que o momento vivido atualmente corresponde a uma
condição preciosa, haja vista que através dos eventos FIFA é possível viabilizar melhorias

372
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

amplas quanto às condições socioeconômicas de uma parcela significativa da população


brasileira.
Como resultado dos esforços científicos desenvolvidos nesta pesquisa, em verdade se
afirma que a alavancagem prospectada acima não aconteceu, pelo contrário, o que se enxerga
é a prevalência da manutenção dos interesses econômicos em detrimento dos interesses
sociolaborais abarcados na preparação para as competições esportivas. A proteção dos
investimentos realizados e a concentração de renda nas mãos da própria FIFA, dos
patrocinadores dos eventos e das empresas nacionais ou estrangeiras executoras da Copa,
continuam norteando as preocupações políticas predominantes no governo brasileiro.
Mister se faz destacar a existência de uma verdadeira coalisão política no sentido de
proteger os direitos de propriedade da FIFA e dos demais investidores dos megaeventos.
Neste contexto é que se explica o aparecimento de estatutos legislativos que não favorecem a
população brasileira, apenas servem para tutelar interesses patrimoniais privados. Exemplo é a
promulgação da lei geral da copa de n.º 12.663 (BRASIL, 2012) e também a proposta de lei
do senado n.º 728 (SENADO FEDERAL, 2011).
Neste sentido, igualmente é resultado desta jornada científica o diagnóstico de que se
o projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011) for aprovado causará efeito
preocupante nos processos de negociações coletivas de trabalho, pois ao engessar o exercício
da greve pelos trabalhadores antes e durante o acontecimento da Copa do Mundo FIFA 2014 e
da Copa das Confederações FIFA 2013, esta proposta legislativa também irá inviabilizar a
eficácia do sistema negocial coletivo e, consequentemente, a pacificação dos conflitos
laborais através do diálogo social entre os participantes da relação grupal.
Resta claro que o regular exercício da greve é serviente aos processos de negociações
coletivas de trabalho, pois a paralisação temporária de labor é forma de autodefesa do
trabalhador. Em sendo assim, no calor dos conflitos laborais, o simples fato de saber que a
parte adversa possui a alternativa de utilizar uma ferramenta firme de pressão social orienta as
tratativas a um fim exitoso, no sentido de haver um compromisso de consenso, um pacto
sociolaboral.
Em outras palavras, somente em um sistema jurídico trabalhista onde os processos de
negociações coletivas de trabalho sejam eficazes, aberto ao diálogo, com liberdade e
autonomia sindical, é que se dará a pacificação dos conflito laborais de forma satisfatória.
Não é papel do Estado causar o desequilíbrio entre os atores da relação trabalhista, muito
menos causar o desestímulo destes na busca pela solução pacífica através da negociação
coletiva.

373
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

No caso em estudo, ao invés de inviabilizar o instituto da greve e de tratar os atores


sociais com desconfiança, a coalisão política responsável pelo projeto de lei do senado n.°
728 (SENADO FEDERAL, 2011) deveria investir seus esforços em medidas para tornar os
processos de negociações coletivas em um mecanismo inclusivo e bem estruturado para a
solução dos conflitos coletivos de trabalho, sedimentados em métodos eficazes que ressaltem
a pactuação coletiva como meio ideal de se garantir a resolução dos impasses laborais e que o
instituto de greve é uma ferramenta de pressão máxima, somente cabível quando o diálogo é
infrutífero.

7 CONCLUSÃO

Finalisticamente concluindo acerca do problema jurídico encarado, entendemos que


a presente obra científica construiu um pensamento teórico embasado capaz de cumprir os
objetivos traçados nos primórdios desta jornada. Outrossim, mesmo que de forma singela,
esperamos ter contribuído com a comunidade científica, mais especificamente com a ciência
jurídica, no sentido de ter diagnosticado e respondido questões trabalhistas relevantes sobre a
preparação brasileira para sediar os megaeventos da Copa do Mundo FIFA 2014 e da Copa
das Confederações FIFA 2013.
No caminho aqui percorrido restou entendido que os campeonatos de futebol FIFA
transcendem ao mero aspecto esportivo, que as proporções alcançadas os elevaram ao patamar
de megaeventos da indústria do entretenimento esportivo. Assim, certo é que a Copa do
Mundo e a Copa das Confederações são empreendimentos econômicos e, como tal, pertencem
à FIFA. Ao Brasil cumpre a função de hospedeiro, entretanto para assumir este papel o
governo brasileiro admitiu, de maneira inegociável, os termos e condições arbitrados pela
entidade máxima do futebol, inclusive a obrigação de alterar seu ordenamento jurídico para
tutelar os interesses econômicos e garantir os altos rendimentos dos investimentos realizados
em solo nacional.
Portanto a Copa do Mundo FIFA 2014 e a Copa das Confederações FIFA 2013
passaram a ser consideradas como um fato jurídico, alvo de investigação desta pesquisa, ao
repercutiu no direito coletivo do trabalho brasileiro no momento em que as conveniências
econômicas envolvidas, através de coalisão política, resolveram afetar o exercício do instituto
da greve nos exatos moldes propostos no projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO
FEDERAL, 2011).

374
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Consoante restou comprovado no deslinde deste artigo científico, o projeto de lei do


senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011) expressa uma visão completamente equivocada
quanto à realidade sociolaboral do país, uma vez que tenta reavivar uma postura de repressão
à participação dos atores sociais para fins de solução dos conflitos coletivos trabalhistas. O
pensamento que impregna a proposta de alteração legislativa em comento não é tolerado pelo
Estado democrático, pois afronta o princípio da democracia participativa, bem como o diálogo
social entre os sujeitos da relação coletiva de trabalho.
O projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO FEDERAL, 2011) é inconstitucional,
haja vista ofender frontalmente à liberdade sindical e representa um retrocesso de direitos
sociais fundamentais. Ainda, o mesmo projeto de lei é incompatível com a lei de greve n.º
7.783 (BRASIL, 1989) já que desfigura a forma prevista em lei para o regular exercício da
greve, pois engessa o ato jurídico para a deflagração do movimento paredista.
Acerca do impacto jurídico causado pelo fator Copa do Mundo FIFA 2014 e Copa
das Confederações FIFA 2013 nas relações coletivas de trabalho, entende-se como resultado
desta jornada científica a conclusão de que se o projeto de lei do senado n.° 728 (SENADO
FEDERAL, 2011) for aprovado causará efeito preocupante nos processos de negociações
coletivas de trabalho, uma vez que ao engessar o exercício da greve pelos trabalhadores antes
e durante a realização dos eventos FIFA, a proposta legislativa também irá inviabilizar a
eficácia do sistema negocial coletivo e, consequentemente, a pacificação dos conflitos
laborais através do diálogo social entre os participantes da relação grupal.
Restou compreendido que o instituto de greve é serviente aos processos de
negociações coletivas de trabalho e que não é papel do Estado, nem da vontade política,
causar a inviabilidade deste mecanismo de pressão laboral, outrossim não cumpre ao poder
público tratar os atores sociais com desconfiança, mas sim investir seus esforços em medidas
para tornar os processos de negociações coletivas em mecanismos inclusivos e bem
estruturados para a solução dos conflitos coletivos de trabalho, sedimentados em métodos
eficazes que ressaltem a pactuação coletiva como meio ideal de se garantir a resolução dos
impasses laborais e que o instituto de greve é uma ferramenta de pressão máxima, somente
cabível quando o diálogo é infrutífero.
Por derradeiro, há a conclusão de que o fortalecimento dos processos de negociações
coletivas de trabalho é medida imperativa para se efetuar uma divisão equitativa de renda e
para proporcionar uma justiça social ampla, haja vista que se faz necessário ratear as
benfeitorias oriundas da propulsão financeira motivada pela realização dos eventos FIFA em

375
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

solo nacional em 2013 e em 2104, de modo a alcançar as camadas menos privilegiadas da


sociedade brasileira, especialmente às classes operárias brasileiras.
As negociações coletivas de trabalho são os veículos mais pertinentes para se
converter partes dos acréscimos econômicos auferidos pelos grandes empregadores em
melhores salários e em melhores condições de trabalho para os obreiros. Em verdade afirma-
se que o legado deixado para as relações coletivas de trabalho pela Copa do Mundo FIFA
2014, também pela Copa das Confederações FIFA 2013, seria o fato de que os eventos
impingiriam uma maior urgência à resolução das questões trabalhistas, quando estas
pertencessem ao âmbito das atividades atinentes à preparação das cidades-sedes para a
realização dos campeonatos de futebol, uma vez que a pressão social exercida contra o
empregador seria maior e conduziria mais rapidamente à um consenso acerca do conflito de
trabalho.
Desafortunadamente, quanto ao impacto causado pela realização dos eventos FIFA
em solo nacional, o que se enxerga é a prevalência da proteção dos interesses econômicos em
detrimento dos interesses sociolaborais. Fato é que, por via da coalisão política, muitos são os
esforços no sentido de intervir no regular deslinde das relações coletivas de trabalho para
fazer com que as pretensões das classes trabalhadoras sejam amordaçadas, para que estas não
representem um empecilho à efetivação máxima dos ganhos financeiros das corporações
envolvidas na execução dos megaeventos. Mesmo considerando as competições FIFA como
fatores positivos para a nação brasileira, uma oportunidade para o crescimento econômico e
social do país, estas não podem servir de pano de fundo para a retirada de direitos sociais já
efetivados no atual contexto jurídico nacional. Assim, fica consignado no presente artigo
científico o aviso de prevenção.

376
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

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378
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O DIREITO FUNDAMENTAL AO LAZER NO CONTEXTO SOCIAL ATUAL E


A CULTURA COMO OBJETO DE CONSUMO

THE FUNDAMENTAL RIGHT TO THE LEISURE IN THE CURRENT


SOCIAL CONTEXT AND THE CULTURE AS CONSUMPTION OBJECT

Patrícia Borba de Souza


Prof.ª Drª. Mirta Gladys Lerena Manzo de Misailidis

Resumo
Este artigo analisa como o tempo livre do trabalhador realmente se efetiva como lazer
na vida deste indivíduo. Consideramos a concepção do direito ao lazer ser um direito
fundamental do trabalhador, bem como, ser de forma direta um dos objetivos da
República. Aproveitamos também para estudar outras concepções de lazer sob o
enfoque psicológico e filosófico a fim de nos auxiliar na elaboração de uma proposta
viável para a efetividade do lazer, como um direito social de segunda dimensão dos
trabalhadores no atual contexto sócio cultural brasileiro. Os direitos fundamentais
exprimem valores superiores, dentre os quais se encontram os direitos sociais, com
eficácia imediata conforme sua densidade normativa. Com o desenvolvimento do
estudo, nota-se a importância em se verificar a efetiva proteção aos direitos
fundamentais sociais dentro de uma sociedade globalizada. Ademais, notamos de
maneira acentuada como o lazer pode negativamente se expressar como um produto de
consumo cultural, quando deveria ser identificado como a busca pela cultura no sentido
de enriquecimento do espírito.

Palavras-chave: direitos fundamentais, direitos sociais, lazer, direito do trabalho

Abstract
This article analyzes as the time free from the worker is executed really as leisure in this
individual's life. We considered the conception of the right to the leisure to be a
fundamental right of the worker, as well as, to be in a direct way one of the objectives
of the Republic. We also took advantage to study other leisure conceptions under the
psychological and philosophical focus in order to in the auxiliary in the elaboration of a
viable proposal for the effectiveness of the leisure, as a social right of the workers'
second dimension in the current social context. The fundamental rights express superior
values, among which are the social rights, with immediate effectiveness according to
his/her normative density. With the development of the study, it is noticed the
importance in verifying the effective protection inside to the social fundamental rights
of a society globalized and highly consumerist and as the leisure expressed her
mistakenly as a consumption product when it should be identified as the search for the
culture in the sense of enrichment of the spirit.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Keyword: fundamental rights, social rigths, leisure, right of the work

1. Introdução

A globalização econômica no início dos anos 90 fez com que o mercado


mundial passasse a produzir em escala estratosférica e tal produção foi conduzida pelas
mãos, mentes e emoções humanas. Diante desse quadro de superprodução industrial, o
homem passou a competir de forma intensa entre si que o levou a pensar sempre de
forma negativa sobre si mesmo, sobre o seru trabalho e com isso, vem sofrendo
demasiadamente de angustia e cansaços físico e mental sob a forma de stress e
depressão em índices elevados.

O direito ao lazer, portanto, é um tema de suma importância para o


desenvolvimento de nossa sociedade e que nos leva a fazer importantes reflexões sobre
a necessidade do lazer ou do ócio nos dias atuais, tendo em vista a onda crescente de
supervalorização do trabalho e de desrespeito à dignidade do ser humano no mercado de
trabalho.

Destacamos a importância histórica do modelo de sociedade iniciado no século


XX que podemos definir a nossa cultura e, a partir deste período, a forma como o
trabalhador utiliza seu tempo livre, além de fazermos o entendimento de entretenimento
sobre o real conceito de lazer e os pseudoconceitos de lazer diante de uma organização
social e econômica globalizada..

O direito ao lazer está contido no rol dos direitos fundamentais nos arts. 6°, 7°,
inciso IV, 217, § 3°, e 227, caput, da Constituição da República de 1988.

A importância desta pesquisa é, principalmente, no sentido de encontrar


contribuições capazes de solucionar os problemas inerentes à eficácia e aplicabilidade
do direito fundamental ao lazer e estudar as razões que, eventualmente, não permitem a
sua efetividade.

Por fim, a importância do tema se vale também para demonstrar que a tutela do
direito ao lazer pode ser um instrumento de acesso à dignidade humana, através do
desenvolvimento pessoal e social do trabalhador. Pensando-se que a prática e a

380
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

valorização do lazer consente também a efetivação dos objetivos da república, tendo em


vista que os direitos fundamentais efetivam o desenvolvimento das relações familiares e
sociais, da igualdade e da cidadania, e de maneira mais específica, do desenvolvimento
da criatividade, da liberdade e da personalidade humanas, ou seja, de uma vida cultural
plena.

Pretende-se com este trabalho buscar nas fontes filosóficas o conceito de lazer,
no sentido de descanso da alma e estudar as obras de filósofos influentes que trataram
do tema de forma a solidificar a teoria da necessidade humana ao descanso e, mais
especificamente, da diminuição da jornada de trabalho e a necessidade de utilização
desse tempo livro para a busca de conhecimento cultural como enriquecimento d alma e
desenvolvimento intelectuais dos trabalhadores.

Buscar-se-á também demonstrar como o processo de globalização econômica


desencadeou a competitividade entre os indivíduos e ao aumento da coação psicológica,
principalmente sobre a trabalhadora, levando-a a trabalhar por períodos mais longos e,
por consequência, a desvalorizar os períodos de ócio necessários à sua saúde mental.

Estudaremos também a ausência de normatização com maior efetividade sobre


o direito fundamental ao lazer no Direito Brasileiro. Apesar dos direitos fundamentais
possuírem eficácia imediata, o direito ao lazer possui baixa normatividade em nossa
legislação, muitas vezes sendo necessário buscar conceitos em outras áreas das ciências
para a sua aplicação.

2. Globalização e a Crise do Modelo de Proteção aos direitos fundamentais sociais

No ano em que comemoramos os 25 anos de promulgação da nossa


constituição cidadã é bastante oportuno analisarmos a condição em que se encontra o
direito fundamental ao lazer dentro dos objetivos da Constituição da República.

Preconiza o artigo 3º da Constituição da República:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.

381
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Vale examinar, inicialmente, o que se diz genericamente sobre o fenômeno da


globalização. Estamos, assim, diante de um conceito vago, polissêmico e carregado de
ideologia. Seja como for, torna-se essencial a sua decifração. Uma primeira
aproximação nos remete a observações preliminares sugeridas por Angela Mora ao
conceito de globalização. Antes de qualquer coisa, globalização designa a ausência de
limites e fronteiras, diz ela. Seu significado evoca uma realidade abarcativa,
homogeneizante e conectiva, acrescenta601. Mas, sem dúvida, globalização deve ser
encarada como um processo. Não é algo que se instale ou se repila de uma só vez.

Constitui uma marcha complexa e dificilmente abordável. No alicerce da


globalização, situada historicamente no final do século XX e início do século XXI, está,
indiscutivelmente, o capitalismo, em mais de um de seus ciclos de expansão602. Por essa
razão, Mílton Santos a considera “o ápice do processo de internacionalização do
mundo capitalista”603. A dinâmica desse movimento global, decerto, preserva e veicula
os aspectos essenciais que marcam a feição do capitalismo, desde o seu surgimento.

Acompanhamos, portanto, a vertente que vislumbra o elemento econômico como


a chave da globalização. É bem verdade que o aspecto ideológico também se faz
presente, mas num sentido acessório ou complementar, como veremos adiante. Para
nós, a direção do processo está sob a tutela do capital financeiro, cuja pretensão
regulatória busca impor-se como um “fático universal em ação”, na crítica abordagem
de Tarso Genro. Embora se origine nas relações econômicas, a globalização não
restringe os seus efeitos à esfera econômica. Repercute intensamente nos domínios
social, cultural e político.

De fato, a generalização das forças produtivas e das relações capitalistas assume


o comando dos desenvolvimentos da realidade social, como assinala Ianni605. E o
mundo do direito não fica isento dessa influência. Muito ao contrário, os dramas sociais
causados pelo trauma econômico da globalização afetam os marcos normativos,
desafiando paradigmas de implementação da justiça, e lançando a perspectiva de
afirmação progressiva dos direitos fundamentais numa séria crise.

Pela vantagem de contemplar os diversos matizes da complexa teia de injunções


existente em torno da globalização, adotamos a rica definição de José Eduardo Faria
para o fenômeno:

382
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

“Por globalização se entende basicamente essa integração sistêmica da


economia em nível supranacional, deflagrada pela crescente diferenciação
estrutural e funcional dos sistemas produtivos e pela subsequente ampliação
das redes empresariais, comerciais e financeiras em escala mundial,
atuando de modo cada vez mais independente dos controles políticos e
jurídicos ao nível nacional”.

Nos parece, em particular, que esta síntese expressa de maneira combinada dois
aspectos paralelos essenciais da globalização: sua força atrativa para um sistema
próprio, baseado na abertura para uma proliferação dos laços de comunicação e
comércio; e seu potencial desagregador das estruturas institucionais tradicionais,
sobretudo as de caráter nacional.

Em apoio a tal construção conceitual e de conteúdo, temos o magistério de


Mantero de San Vicente, que alinha como notáveis características do processo de
globalização: a) a forte aceleração da transnacionalização do capital; b) o predomínio do
capital financeiro, e; c) a liberalização do comércio exterior. Tudo isso conjugou-se para
constituir a base da propalada integração sistêmica sob a globalização, não como um
paradigma de sucesso, mas de sobrevivência.

3. A indústria cultural e o consumismo como sinônimo de lazer

Com a modernidade se observou uma massificação da cultura tendo sido esta


transformada em um mero produto, sujeita às regras de mercado, e não mais aos costumes
populares. Do mesmo modo, o lazer das pessoas também é regulado pelo mercado, uma vez
que a indústria do entretenimento apenas busca o produto exato a ser vendido para atender
as necessidades de lazer. Isso tudo nos leva ao estudo do consumismo, e a forma pela qual
ele está presente na sociedade, agindo como a ramificação mais forte do capitalismo e da
atual modernidade. (BAUMAN, 2001, p.72-74)

Nesse momento, em que a cultura se transforma em um produto a ser consumido,


ela é colocada em linha de produção, como qualquer outro produto industrializado, bem
como, é produzida de forma igual, direcionada aos consumidores, que também são
manipulados para consumir mais. (LUNARDI, 2010, p. 72).

Theodor W. Adorno e Max Horkheimer acusam a modernidade de ter levado a


sociedade a um “caos cultural”, dizendo que a cultura contemporânea confere a tudo um ar
de semelhança, criando assim uma "cultura de unidade", ou seja, “a falsa identidade do
universal e do particular”, uma unidade de costumes criada artificialmente por um terceiro

383
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

interessado, no caso as indústrias de entretenimento e as pessoas físicas e jurídicas que as


controlam. Para embasar esse entendimento, os autores atacam principalmente, e,
diretamente, o cinema e o rádio, dizendo que, estes, não precisam mais se apresentar como
arte e são, declaradamente, um negócio.

Ainda que se admita, que esse fenômeno é uma decorrência do impacto do


aprimoramento tecnológico nas artes, ou seja, que a tecnologia evoluiu e a arte também, o
que não se admite é que por meio do domínio da técnica, a arte seja utilizada como
instrumento de poder reservado aos economicamente mais fortes, isto é, a transformação em
um poder que prejudica a democracia, a soberania popular. (LUNARDI, 2010, p. 75)

No mesmo sentido, afirmam ADORNO E HORKHEIMER, que “A


racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação”. (ADORNO. e
HORKHEIMER, 2006, p. 114) A humanidade, durante o século XX, notadamente no
período próximo à Segunda Guerra Mundial, passava por uma mudança marcante, o
individual deu lugar ao coletivo, o que, sob determinados aspectos foi um avanço e sob
outros abriu as portas para a dominação de mais pessoas a um só tempo. Assim, a ideia
de que os seres humanos precisam ser protegidos e tratados como uma família humana,
e não mais de acordo com suas características individuais, desenvolveu-se em diversos
aspectos, e, sob a ótica de Adorno e Horkheimer, essa nova noção pode ser demonstrada
por diversos exemplos, um deles é a predominância do rádio sobre o telefone.
(ADORNO. e HORKHEIMER, 2006, p. 154)

Para estes autores a passagem do telefone ao rádio separou claramente os papéis.


"Liberal, o telefone permitia que os participantes ainda desempenhassem o papel do
sujeito. Democrático, o rádio transforma-se a todos igualmente em ouvintes, para
entregálos autoritariamente aos programas, iguais uns aos outros, das diferentes
estações." (ADORNO. e HORKHEIMER, 2006, p. 114)

Esse movimento levaria, pois, a um modelo de cultura no qual perde-se a


identidade, a personalidade do indivíduo, abrindo espaço para um só grupo que pensa e
age igual. Atualmente se vê a perda da individualidade até mesmo através do desprezo
pelo nome, sobrenome, uma vez que a atual cultura privilegia a utilização de apelidos,
muitos deles, automáticos, pré-estabelecidos, baseados em modelos, estereótipos.
(LUNARDI, 2010, p. 82)

As tendências sociais variam conforme as obscuras intenções subjetivas da


indústria, do mercado. As palavras faladas nos rádios são repetidas por todos ainda que

384
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

seu significado seja desconhecido. A unidade cultural faz com que cada categoria social
tenha acesso a um tipo específico de cultura para sua categoria, conformando-se com
isso. (ADORNO. e HORKHEIMER, 2006, p. 128).

A consequência disso, é que os valores da indústria cultural acabam por corromper


os valores objetivos, corrompe o sentido dos produtos. Então, muitas vezes paga-se um
valor econômico, que o produto não possui, em termos de valor cultural e artístico. No
momento de lazer, a sociedade age conforme essa unidade imposta pela produção em
massa. Ou seja, o(a) trabalhador(a), em seu momento de lazer, acaba por reproduzir de
maneira fiel a valoração aos produtos culturais como o ambiente social globalizado dá
trabalho e ao próprio elemento humano deste trabalho, como sendo meros produtos de
consumo barato.

Com isso, as novelas, os atores, os filmes, os vídeos reproduzidos na internet, os


livros populares, são produzidos de uma forma cíclica, como invariavelmente fixos, tendo
seu conteúdo específico, popularesco, com pouca ênfase crítica por parte do receptor e,
quase sempre, com o mesmo conteúdo, só variando na aparência; buscando sempre uma
forma fácil de memorizar. Neste modelo de produção cultural unificada, desde o começo do
filme já se sabe como ele se desenvolve e termina l, os tempos de drama, piadas e romance
são calculados.

A grande vitória da indústria cultural é a segurança que passa aos indivíduos de que
nada irá mudar, e que nada surgirá que não se possa adaptar. O espectador do cinema sai às
ruas e as vê como um prolongamento do filme, agindo como se nele estivesse. Nisso reside
o problema da indústria cultural, o problema se encontra justamente no fato de que a
imaginação e a espontaneidade do consumidor fica atrofiada. (LUNARDI, 2010, p. 211)

A atividade intelectual do espectador do cinema é proibida, pois os fatos e as


cenas são apresentados da forma mais rápida possível, para que o espectador fique
obrigado a prestar a máxima atenção e não questionar o que está vendo, o que lhe é
imposto. As pessoas, seus problemas, vivências, conclusões e interpretações ficam
esquecidas. O espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o
produto prescreve toda reação. (Adorno e Horkheimer, 2006, p. 118-119)

O pensamento autônomo é massacrado e despedaçado. Segundo os autores citados,


a nossa sociedade é acostumada com o complexo, tão complexo e rápido que temos a
impossibilidade do indivíduo pensar. O sistema da indústria cultural provém dos países
liberais, pois é neles que triunfam todos os seus meios característicos, sobretudo o cinema,

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

as músicas, as revistas e, hoje, a internet. O grande produto da indústria cultural é a


diversão. Afirmam os autores que, após a Primeira Guerra Mundial, a diversão consistiu
exatamente na necessidade que o povo, arrasado pela guerra, precisava suprir.

Hoje, a diversão, o lazer, é procurada, não por aqueles que tentam escapar da guerra,
mas por quem precisa escapar do processo de trabalho mecanizado, da sociedade
automatizada:

“A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é


procurada por quem quer escapar ao processo do trabalho mecanizado,
para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a
mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e sobre a
sua felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação das
mercadorias destinadas à diversão, que esta pessoa não pode mais perceber
outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho.
O pretenso conteúdo não passa de uma fachada desbotada; o que fica
gravado é a sequencia automatizada de operações padronizadas."

A liberdade não pode ser reduzida a uma questão de consumo, sob pena de
desvalorizar a dignidade humana. Talvez, seja este ponto hoje que no Brasil nos chame
mais a atenção. O país vive um momento econômico de desenvolvimento, impulsionado,
principalmente, por pacotes econômicos destinados a população mais carente.
Inevitavelmente, depois de suprir a fome física, o cidadão brasileiro mais carente tem se
enveredado pelo “consumo de cultura”. Nesse sentido, constata Valquíria Padilha, o
impacto do consumismo no lazer:

“Indubitavelmente, o lazer como tal se apresenta hoje, é uma atividade de


consumo. Essa afirmação compreende alguns pontos que poderiam ser assim
resumidos: 1º. se as atividades de lazer são transformadas em mercadorias a
serem consumidas, o lazer está perfeitamente integrado ao sistema
econômico do qual ele faz parte; 2º. se esse sistema econômico tem o
consumo de mercadorias como pilar de sustentação, e momento de
realização do lucro, não só as atividades de lazer se tornam mercadorias,
como o próprio tempo de lazer se configura em tempo para consumir
mercadorias e, 3º. se é real a tendência de aumento do tempo livre em
função das transformações tecnológicas, parece provável que aumentará
consideravelmente o número de serviços especializados em entretenimentos
(viagens, recreação, lazer)."

Essas considerações são de grande importância para pensarmos a cultura em


nosso país. O brasileiro, trabalhador, necessita de cultura assim, como inicialmente
necessitava, minimamente, de alimentos para sobreviver fisicamente. Porém, é razoável

386
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

questionarmos a qualidade e forma como a cultura se introduz na população


trabalhadora do país. Essa questão

4. A cultura e o lazer

Dentre outras funções sociais, o direito ao lazer é responsável por proporcionar o


desenvolvimento da cultura, seja na criação como no usufruto da cultura. As relações
intersubjetivas proporcionam a criação e a manutenção daquilo que o direito denomina
como patrimônio cultural. É essencial, portanto, a análise de alguns institutos do direito
ambiental, haja vista que o patrimônio cultural encontra grande parte da sua tutela jurídica
dentro da esfera do direito ambiental, tanto em relação ao aspecto normativo como
principiológico.

O conteúdo do meio ambiente não se resume ao meio ambiente natural, entendido


como "solo, água, ar atmosférico, flora e fauna", ou seja, a biota. O homem se relaciona
com todo um ecossistema, a vida se desenvolve em diversas dimensões, sendo certo que,
uma vez que a vida.

O meio ambiente cultural se relaciona com a própria existência da vida em


sociedade. É possível definir cultura como o conjunto de relações estabelecidas entre as
pessoas de um grupo, isto é, a cultura corresponde ao modo de fazer, de agir, de pensar, de
existir. (LUNARDI, 2010, p. 213)

Observa-se na cultura de um povo o reflexo do desenvolvimento da personalidade


inserido em um contexto intersubjetivo. Nicola Abbagnano define o termo cultura, em seu
Dicionário de Filosofia da seguinte forma:

“Essa palavra hoje é especialmente usada por sociólogos e antropólogos


para indicar o conjunto de modos de vida criados, adquiridos e transmitidos
de uma geração à outra, entre os membros de determinada sociedade (...) é
a formação coletiva e anônima de um grupo social nas instituições que o
definem. Nesse sentido o termo foi usado pela primeira vez por Spengler, que
entendeu por ela 'a consciência pessoal de uma nação inteira'; consciência
que, na sua totalidade , ele entendeu um organismo vivo, que como todos os
organismos, nasce, cresce e perece.” (ABBAGNANO, 1982, p.212 )

387
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Disto, conclui-se que não adianta apenas proteger a fauna, a flora, a atmosfera, o
solo, pois não pode se dizer que uma pessoa vive em um meio ambiente equilibrado se o
seu modo de viver, de se relacionar com a natureza, com os animais, com seus próprios
semelhantes não for garantido, respeitado e acima de tudo, protegido. Se o conceito de
cultura for aplicado de forma ampla, todas as criações humanas se encontram dentro do
meio ambiente cultural. (LUNARDI, 2010, p. 221)

As obras de arte, as obras literárias, as construções, as línguas, a ciência, os saberes,


a filosofia, são bens que devem ter uma proteção tão forte quanto o meio ambiente natural,
pois sem estes elementos, o ser humano não tem reconhecido o seu valor intrínseco, perde o
reconhecimento daquilo que se denomina como dignidade da pessoa humana.

Dentre diversos fatores, o homem possui um valor único dentre os demais seres pois
detém potências únicas que lhe concedem a capacidade criativa. Quando se retira a
capacidade criativa do ser humano, não está se reconhecendo o seu valor, a sua dignidade.

A Constituição Federal em seu artigo 225 é clara em atribuir ao conceito de meio


ambiente a tutela de qualquer bem que seja essencial à sadia qualidade de vida, o que inclui,
sem qualquer discussão, o patrimônio cultural. Entende-se dessa forma que cabe ao direito
ambiental a proteção, a preservação, a recuperação do meio ambiente, em todas as suas
formas, materiais, imateriais, naturais, artificiais, ou seja, tudo aquilo que é importante para
a vida. A importância dos bens culturais não se encerra na mera proteção da produção
cultural propriamente dita, isto é, dos quadros em si, das construções, dos livros.
(LUNARDI, 2010, p. 187)

O meio ambiente cultural diz muito mais respeito à proteção da expressão cultural
humana do que os objetos materiais. Sem dúvida, estes objetos possuem um valor
inestimável, até mesmo por serem insubstituíveis, mas, uma vez que direito ambiental optou
por uma postura antropocêntrica, a tutela dos objetos criados pelo homem consistem em
uma decorrência da proteção da manifestação cultural humana.

Isso leva à necessidade de compreender melhor o conceito de patrimônio cultural


imaterial, a esfera mais relevante do meio ambiente cultural, dentro da lógica criada pela
Constituição Federal. Patrimônio cultural imaterial corresponde ao conjunto de bens
intangíveis relacionados à produção cultural. Apesar de ser aparentemente redundante esta
definição, ela é a que mais se encaixa em uma visão abrangente, pois o conceito de cultura
abarca tudo aquilo que é produzido pela raça humana, uma vez que nessa produção estão
impressas características únicas dos seus autores, ou seja, as manifestações artísticas,

388
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

festivas, folclóricas e as tradições, compõem aquilo que se denomina patrimônio cultural.


(LUNARDI, 2010, p. 173)

Em 2003, a Unesco aprovou a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio


Cultural Imaterial. Nesse documento, é trazida uma definição para o termo, que possui
reconhecimento internacional:

"Artigo 2: Definições Para os fins da presente Convenção, 1. Entende-se por


“patrimônio cultural imaterial” as práticas, representações, expressões,
conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e
lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e,
em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu
patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de
geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos
em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua
história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo
assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade
humana. Para os fins da presente Convenção, será levado em conta apenas o
patrimônio cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos
internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos de
respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do
desenvolvimento sustentável."

Destaca-se o ponto em que a Convenção explica que a cultura é aquilo que traz o
sentimento de identidade de um povo. Esse é o ponto em que a cultura se mostra como um
elemento primordial para a sociedade, pois identificação com o seu semelhante significa
cidadania, significa democracia, significa respeito, significa a realização de uma sociedade
que é orientada pela dignidade humana. (LUNARDI, 2010, p.223)

A contribuição da Unesco para a área é de extrema importância, pois questões


culturais somente são pacificadas com a criação de instrumentos de proteção criados por
todos aqueles que serão tutelados, pois, uma parte não fica prejudicada em relação à outra,
já que previamente são realizadas discussões pacíficas sobre o tema.

A Unesco consolidou uma série de entendimentos em um plano universal, um fator


essencial para a diversidade cultural, além de fortalecer organizações não-governamentais e
pequenas comunidades que não possuíam representatividade. Isso tudo contribui para que
exista uma moderação no avanço da globalização, uma vez que o modo capitalista de
produção atualmente desenvolvido, ao lado dos seus benefícios, possui a desvantagem de
exterminar culturas através da substituição por uma cultura economicamente dominante,
através dos mecanismos de divulgação de cultura de massa como a televisão, o rádio, ou
mesmo pela comercialização despersonalizada de um produto em relação a um grupo.

389
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Com instrumentos internacionais de proteção cultural, pretende-se que a expansão


da globalização fique reservada à sua função primária, seja ela o comércio, a comunicação,
entre outras utilidades, sem que ocorra a deterioração de culturas, técnicas e manifestações
locais. Destaca-se que estes movimentos não pretendem um retrocesso nas relações
internacionais.

Hoje não é possível imaginar a retirada dos benefícios trazidos pela globalização,
entretanto, a perda de culturas de minorias, a mudança de hábitos e tradições locais seria um
efeito colateral muito prejudicial para a raça humana, uma vez que temos como exemplo as
antigas civilizações que foram dizimadas culturalmente por outros povos, trazendo a
inestimável perda de conhecimentos e costumes que poderiam solucionar os problemas que
vivemos atualmente.

5. Considerações finais

É-nos claro que além de comida, o trabalhador necessita de diversão e arte,


parafraseando a música dos Titãs de 1988. Porém, é sempre intrigante para todo
pesquisador, como será o acesso à cultura e a qualidade desta pelo trabalhador.

Considerando que os consumidores da indústria cultural são aqueles dominados pela


produção capitalista, como é a maioria da classe de empregados no Brasil, é preciso
repensar o que é realizado no tempo de lazer dessas pessoas. Os consumidores são os
trabalhadores e os empregados, os lavradores e os pequenos burgueses. A produção
capitalista os mantém tão bem presos em corpo e alma que eles sucumbem sem resistir
ao que lhes é oferecido.

A dita “liberdade” do liberalismo econômico, tão almejado anteriormente pela


modernidade, foi dada e, ao meso tempo, tirada dos trabalhadores. Progrediu-se muito, sem
dúvida, porém é urgente uma reconfiguração das estruturas sociais, a fim de que se possa
formar cidadãos que consigam se realizar em plenitude com todos benefícios que foram
trazidos pela modernidade.

O excesso de trabalho através de prestação de horas extras habituais, ou mesmo a


falta de liberdade em relação aos horários de trabalho, impedem o convívio social e
familiar, que são os campos onde a cultura é mais bem elaborada.

390
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A visão unificadora de mundo, a imposição de uma só cultura, traz muitos prejuízos


à humanidade. Considerando que a última tentativa de imposição de uma cultura exclusiva,
de uma raça única, resultou no extermínio de milhões de vidas humanas durante a Segunda
Guerra Mundial. É importante o aprendizado da valorização a dignidade da pessoa humana,
e, por consequência do trabalhador, o reconhecimento da singularidade de cada ser humano,
do prestígio por ser algo único e insubstituível no mundo, portador de uma cultura única, de
um modo próprio de pensar, e de sentir.

Nisto, talvez, resida a maior urgência em cuidar dos meios e forma de “aquisição de
cultura por parte do trabalhador brasileiro. São necessários mecanismos sociais de apoio ao
acesso a cultura e formas educativas de informá-los o que pode ser mais atrativo
culturalmente, tendo em vista a alta concorrência da cultura de baixa qualidade do universo
capitalista. Neste aspecto atores sociais, como os sindicatos, são grandes consolidadores do
bem estar cultural do trabalhador pelos mecanismos que tais entes já podem fazer uso.

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392
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

CULTURA NEGOCIAL NO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO:


UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE BRASIL E ITÁLIA

Adriana Letícia Saraiva Lamounier Rodrigues

Diego Manenti Bueno de Araújo

Resumo: O presente artigo pretende realizar um estudo ítalo-brasileiro dos desdobramentos


da cultura negocial no Direito Coletivo do Trabalho. O principal objetivo é realizar uma
comparação entre os dois Ordenamentos Jurídicos para que se possa observar as vantagens e
desvantagens, buscando se possível a aplicação das primeiras. Para tanto, vale-se da história
da criação dos sindicatos em ambos os países, suas correntes ideológicas e lutas por direitos.
O artigo analisa, também, a influência que as ideologias sindicais europeias exerceram no
Brasil, em especial, com a vinda de imigrantes italianos no início do século XX. O que se
pretende demonstrar é que a cultura de tratativas, de negociação, mais marcante na cultura
italiana, exerceu papel fundamental em seu ordenamento jurídico, dando maior liberdade aos
sindicatos, num sistema plúrimo e não compulsório. Já no Brasil, a Constituição primou pela
unicidade sindical e pela contribuição sindical, espécie de taxa paga ao governo e repassada às
entidades sindicais, dando ao governo um maior controle sobre as decisões dos trabalhadores.
Será feita também uma análise panorâmica do sindicato e das convenções coletivas em ambos
os países.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura negocial; Convenção Coletiva; Sindicato.

CULTURA DI TRATTATIVA NEL DIRITTO COLLETTIVO DEL LAVORO:


UNO STUDIO COMPARATIVO TRA BRASILE E ITALIA

Riassunto: Il presente articolo oggetiva realizzare uno studio italo-brasiliano delle


spiegazioni della cultura di trattativa nel diritto colletivo del lavoro. Il principale fine è fare
una comparazione tra i due ordenamenti giuridici, per riguardare i vantaggi e i problemi, nella
busca di applicare le prime. Pertanto, ci vuole un’analisi storica della creazione dei sindacati
in entrambi i paesi, le loro correnti ideologiche e le lotte per i diritti. L'articolo dimostra anche
l'ideologia dei sindacati europee è stata influente in Brasile, in particolare con l'arrivo di
immigrati italiani nel primo Novecento. L'obiettivo è quello di dimostrare che la cultura dei
negoziati, la contrattazione, più pronunciate nella cultura italiana, ha condizionato tantissimo
il sistema giuridico, dando maggiore libertà ai sindacati (con sistema plurimo e non
obbligatorio). In Brasile, la Costituzione ha stabilito il sindacato unico e quote sindacali, una
sorta di tassa che il governo ripassa ai sindacati, dando al governo un maggiore controllo sulle

393
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

decisioni dei lavoratori. Sarà fatta anche un’analisi panoramica del sindacato e dei contratti
colletivi nei due paesi.

PAROLE-CHIAVI: Cultura di trattativa; Contratto Colletivo; Sindacato.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Cultura Negocial. 2.1 Histórico. 3 Convenção Coletiva. 3.1 Na


Itália. 3.2 No Brasil. 4 Sindicato. 4.1 Na Itália. 4.2 No Brasil. 5 Conclusão. Referências
bibliográficas.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

1 Introdução

Capital e trabalho são intrinsecamente opostos: haverá sempre entre eles um objeto
de disputa. Mas, como bons opostos, eles também se atraem. O modo de produção capitalista
necessita de que os dois trabalhem em conjunto, mesmo que cada qual para o seu interesse. Se
um romper por completo com o outro, o sistema implode, deixa de existir da maneira com a
qual se manifesta hoje. É como se capital e trabalho fossem dois trilhos de um trem, sempre
paralelos, mantidos sempre a certa distância. Eles nunca se tocam, porém, caso se afastem
demais, o trem descarrilha, quebra, deixa de seguir seu curso.

Trabalhadores desejam melhores salários, patrões querem pagar menos para lucrar
mais. Trabalhadores desejam menor jornada de trabalho, patrões querem que se trabalhe mais,
para produzir mais. Trabalhadores desejam melhores condições de trabalho, patrões desejam
que tudo permaneça como está, pois afinal, um melhor ambiente de trabalho quase sempre
significa maior gasto de dinheiro. Em meio a uma infinidade de divergências, um conflito se
torna iminente. E numa guerra, todos saem perdendo, até mesmo a parte vencedora. Haveria
alguma solução para que a controvérsia não desencadeie conflito?

Após a traumática Segunda Guerra Mundial, as duas superpotências não partiram


para batalha direta, por medo uma da outra. O Período ficou conhecido como Guerra Fria, um
conflito silencioso, de interesses sempre divergentes que não se refletiram em campos de
batalha. Tudo porque havia um temor da destruição total do mundo, tendo em vista o poderio
bélico de ambas as partes. Havia equilíbrio de forças. Foi aí que entrou em cena a negociação.
Do mesmo modo, capital e trabalho necessitam de uma forma de dialogarem, afinal, os
trabalhadores necessitam do salário para sobreviverem e os patrões, sem os trabalhadores
nada produzem. Neste cenário, é preciso também que haja equilíbrio de forças, pois que
senão, o mais forte aniquilaria seu rival. Por esta razão, é fundamental que os trabalhadores se
reúnam em sindicatos fortes, equilibrando, assim, um jogo que o operário individualmente
seria incapaz de prosseguir.

A negociação coletiva, então, é uma forma de diálogo entre capital e trabalho, com
objetivo de evitar que as controvérsias se desdobrem em campos de batalha. A negociação
deve ser coletiva, pois, nesta relação, o trabalho é a parte naturalmente mais fraca. Estamos
diante de uma realidade bem próxima da luta entre Davi e Golias, imortalizada nas páginas
das Sagradas Escrituras. Davi não podia enfrentar Golias sozinho, foi necessário que Deus

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

interviesse na batalha para que os israelitas fossem vencedores. Bom, também é necessário
que haja a reunião dos trabalhadores em sindicatos fortes, para que a guerra não seja vã, quiçá
insanidade. Por óbvio que a história bíblica conta com o elemento sobrenatural de Deus. Mas
a comparação é bastante útil quando pensamos na luta contra gigantes. Sem algo a mais é
impossível derrotá-los.

Ademais, a negociação coletiva nunca pode ser um jogo de perde-perde ou de perde-


ganha. Um jogo de perde-perde seria uma hipótese parecida com a de União Soviética e
Estados Unidos entrarem em efetivo conflito. Todos sairiam destruídos. Um jogo de perde-
ganha traria para parte derrotada desconforto e revolta, o que pode ser bastante perigoso.

A negociação coletiva deve ser, sobretudo, um jogo de ganha-ganha, isto é, ambas as


partes devem se sentir vitoriosas. Isto porque seu produto final será uma Convenção Coletiva,
ou seja, um acordo que estabelecerá as regras e condições do jogo, com a anuência de ambos.
Já foi dito que um consenso efetivo entre capital e trabalho é impossível eis que a natureza de
ambos os fazem buscar objetivos diversos. Contudo, é essencial que sob a lógica de cada um,
ambas as partes se sintam vencedoras.

Em um possível acordo, é necessário que os trabalhadores pensem que, tudo bem se


a convenção não é retroativa e os ganhos de salário não refletirão nas férias. Afinal, abrimos
mão desta parte para ganhar mais e reduzir nossa jornada. Já os empregadores, digam que o
salário está maior e a jornada menor, mas pelo menos o acordo não retroagirá e o aumento
não refletirá nas férias.

Desta maneira, ambos venceram. A fábula dos Irmãos Grimm, “João e o pé de


feijão”, nos deixa valioso ensinamento a respeito. Na estória, João, menino muito astuto,
negocia com a mulher do gigante, que habita acima de um pé de feijão mágico, para que ela o
esconda, a fim de que seu marido não o comesse. O faminto gigante, por três vezes, devora o
banquete preparado por sua esposa enquanto o menino fica escondido. Após a refeição, o
gigante adormece, e João consegue subtrair-lhe parte de seu tesouro.

Assim devem funcionar os acordos entre sindicatos: um deve esperar pelo sono do
gigante, o outro sindicato, para tomar para si parte do tesouro que possui o adormecido. A
refeição que leva os gigantes a adormecerem, aqui, é a sensação de vitória. Se ambos dela se
alimentarem, o outro poderá, no papel de João, tomar para si parte do que não possuía. Com
isto, ficará estabelecido o jogo de ganha-ganha. O que importa, sobremaneira, é que o ajuste

396
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

tende a ser cumprido, ganha eficácia pela vontade das partes, e gera transformações positivas
no cotidiano da vida dos operários e das empresas.

Feitas estas considerações iniciais, discutir-se-á aspectos da cultura negocial, o


histórico das Convenções Coletivas e como ocorrem no Brasil e na Itália e uma breve análise
acerca dos sindicatos.

2 Cultura Negocial

A palavra cultura deriva do vocábulo latino colere, que significa cultivar. Os seres
humanos, devido à razão, cultivam coletivamente hábitos, repetindo-os no tempo, em um
determinado espaço. Assim, os homens criam cultura, uma maneira de viver de um povo.
Englobam conhecimentos, práticas, formas de alimentação, de higiene, de manifestação
artística, de religião, a história, e também a comunicação.

Todo ser humano negocia no seu dia a dia. Uns são mais preparados para o ato
negocial. Uns mais autoritários, querem impor suas vontades. Outros dependem do
direcionamento de algo que consideram mais fortes que eles mesmos. Mas fato é que o
negócio é inerente ao ser humano, assim como a comunicação. Isto porque o homem é, por
essência, um ser relacional. Assim diz Ciro Pereira da Silva: “Todos possuem qualidades
para negociar; Essas qualidades precisam ser trabalhadas, desenvolvidas, para que qualquer
um esteja apto a sentar-se a uma mesa de reunião negocial, mesmo que de improviso”1.

Aí está a chave da questão. As características do bom negociador devem ser


desenvolvidas, cultivadas. Neste momento, a cultura exerce enorme influência sobre a
capacidade negocial da sociedade como um todo. Nascendo em um local tradicionalmente
autoritário, tende-se a criar cidadãos dependentes da autoridade ou ditadores de suas vontades.
A negociação ficará relegada a segundo plano. Do contrário, se houver no local tradição
democrática, a tendência é que se criem melhores negociadores.

É fato, e já dissemos isto, que capital e trabalho sempre terão conflitos em suas
relações. O modo de resolvê-los é que deve ser pensado. A tradição do Ocidente está no
sentido da judicialização das demandas. Isto porque se herdou as tradições do Estado forte,

1
SILVA, Ciro Pereira da. A milenar arte de negociar e a negociação sindical. São Paulo: LTr,
1999, p. 40

397
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

inconscientemente visto como um braço de Deus na Terra. Os Ocidentais, culturalmente,


tendem a resolver seus conflitos recorrendo ao ente superior, na dependência de que este
interfira e solucione o problema. No oriente, ao inverso, as demandas judicializadas têm
maiores dificuldades de serem cumpridas.

As negociações sindicais têm estreita relação com o grau de democracia vivido no


local. Quanto mais o Estado abre mão do monopólio da pacificação de conflitos mais efetiva é
a democracia existente. Contudo, o simples acesso multiportas ás soluções de controvérsias
não resolve o problema. É necessária uma cultura negocial para que se veja o funcionamento
da atividade na prática.

A democracia deve advir de baixo para cima, não de cima para baixo. É mister que
se eduque as pessoas a conviver com as diferenças e se rompa com a cultura beligerante que
vige até então no Ocidente. O espaço democrático deve ser, por meio do diálogo social,
ampliado para as famílias, para as salas de aula, para as igrejas, e também para as fábricas.

Hannah Arendt, em sua obra “A dignidade da política”, questiona o sentido da


política. Eis a resposta:

Para a questão sobre o sentido da política há uma resposta tão simples e conclusiva
em si mesma que se poderia pensar que as outras respostas são totalmente
desnecessárias. A resposta é a seguinte: o sentido da política é a liberdade.2

Arremata a pensadora, ao definir a liberdade:

[...] na linha de nossa tradição do pensamento conceitual e de suas categorias


encontram-se a identificação da liberdade com o livre arbítrio e o livre arbítrio como
a liberdade de escolher entre as coisas dadas de antemão (entre o bem e o mal,
falando grosso modo), mas não a liberdade de querer simplesmente que isso ou
aquilo seja assim ou assado.3

Infelizmente é o que se presencia ainda hoje na cultura da negociação sindical. Não


se pode escolher o que se pretende, mas sim entre o que é dado previamente. A imposição é
muito maior que a liberdade de negociar. Conta ainda a falta da cultura negocial, em que os
Sindicatos pretendem romper com o Estado por completo ou, na maioria dos casos, aguardam
suas diretrizes para poder negociar, naquilo que lhe é permitido. Definitivamente este não é o
espaço ideal da democracia.

Na maioria das vezes, os sindicatos das categorias econômicas e profissionais


somente discutem seus problemas uma vez por ano, na data-base. E geralmente, esse
2
ARENDT, Hannah. A Dignidade da Política. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1993, p. 117.
3
ARENDT, Hannah. A Dignidade ..., op. cit., p. 121.

398
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

momento não se apresenta como o ideal para uma verdadeira negociação, visto que todos os
vários problemas do ano devem ser resolvidos num pequeno intervalo de tempo.

De acordo com Elaine D’Ávila Coelho, “O primeiro grande problema existente em


relação à data-base das categorias é que não existe uma cultura negocial, ou seja, uma
tradição de entendimento e diálogo permanente entre sindicatos e empresas”4 (grifos
nossos).

2.1 Histórico

A História ganha destaque na explicação da falta de cultura negocial. Isto porque a


cultura leva tempo para se solidificar, demora mais ainda para ruir e seu processo de mudança
é lento.

Como já dito, de maneira geral o ocidente tem a cultura da judicialização de


conflitos. Vejamos especificamente no Brasil e Itália o que ocorreu.

O caso italiano conta com uma Unificação tardia, concluída apenas em 1929. Além
disso, o país passou por longo período de ditadura fortíssima com Benito Mussolini, o
fascismo, no interstício das duas grandes guerras. O “Duce” instaurou a doutrina
corporativista, trazendo o trabalho como um dever do cidadão, para servir à pátria. Em
contrapartida, a experiência italiana conta com uma formação sindical pré- fascista fortemente
ideológica, inspirada, sobretudo, nas doutrinas comunistas e anarquistas. Não à toa, Mikhail
Bakunin já percebia o papel da burocracia no controle estatal sobre os movimentos sociais,
dentre eles o sindicato. Raul Seixas, de modo bem humorado, parafraseia trecho do livro
“Deus é o Estado”, do doutrinador anarquista: “tem que ser selado/ Registrado, carimbado/
Avaliado, rotulado/ Se quiser voar”.

Hoje em dia, graças à liberdade sindical, as negociações possuem maior autonomia


no país. Além disso, a tradição ideológica da esquerda italiana faz com que os movimentos
sindicais e sociais estejam mais engajados. Como se verá mais adiante, a própria estrutura da

4
COELHO, Elaine D’Ávila. “O Contexto Atual das Negociações Coletivas em Saúde e Ambiente do Trabalho”.
In: BONCIANI, Mário (org). Saúde, Ambiente e Contrato Coletivo de Trabalho: Experiências em Negociações
Coletiva. São Paulo: LTr, 1996.

399
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

justiça do trabalho, sem uma consolidação de normas como a CLT, ajudam a centralizar o
papel da negociação coletiva. Tudo isso, torna a Itália mais avançada que o Brasil no assunto.

A falta de cultura negocial no Brasil tem raízes históricas. Tem-se que a forma
vigente de relações de trabalho foi implantada há cinquenta anos e foi embasada no modelo de
sindicalismo vigiado pelo Estado, dotado de mecanismos legais de controle e de
mascaramento dos conflitos entre capital e trabalho. Por isso, era chamado de sindicato
pelego.

Esse sistema de controle marcou a organização dos representantes de trabalhadores e


empregadores e consequentemente consolidou raízes na cultura das relações de trabalho no
Estado Brasileiro.

Para piorar a situação, a democracia no país está longe de se ver efetivamente


consolidada. A tradição brasileira, desde os primórdios da república, é a de grandes
oligarquias no poder. Para elas, serve que o direito do trabalho seja mínimo, não atrapalhe o
seu enriquecimento cada vez maior. As doutrinas de oposição chegaram com os imigrantes,
sobretudo os italianos. O engajamento político, aqui, dá lugar á alienação e ao conformismo
na maioria dos casos.

Ademais, o Brasil viveu dois grandes períodos ditatoriais, como se verá adiante. Isto
calou os movimentos sociais em grande parte, restando uma resistência quase sempre
aniquilada. É bem verdade que os movimentos sindicais tiveram importante papel na
derrocada da ditadura militar. Mas falta ainda aprender a negociar, criar a cultura
democrática. O estado, por outro lado, deve dar às entidades maior autonomia e liberdade para
que o traço negocial se torne efetivo.

De acordo com Elaine D’Ávila Coelho, “O primeiro grande problema existente em


relação à data-base das categorias é que não existe uma cultura negocial, ou seja, uma
tradição de entendimento e diálogo permanente entre sindicatos e empresas”5 (grifos
nossos).

5
COELHO, Elaine D’Ávila. “O Contexto Atual ...”, op. cit.

400
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

3 Convenção Coletiva

Délio Maranhão define convenção coletiva como sendo a solução por via de acordo
dos conflitos de interesses coletivos de grupos ou categorias, através do estabelecimento de
normas e condições de trabalho reguladoras, durante o prazo da respectiva vigência das
relações individuais entre os integrantes das categorias ou grupos.6

A Convenção Coletiva é, portanto, o resultado das negociações feitas entre


sindicatos. Como instrumento apto a regulamentar o trabalho de determinada categoria,
representa a vontade comum a que se chegou, é o objetivo maior do diálogo entre as partes
divergentes.

Convenções Coletivas têm, nos dizeres de Carnelutti, “corpo de contrato e alma de


lei”. Isto porque são frutos da vontade das partes, como os contratos, obviamente dentro do
âmbito de sua autonomia. Alma de lei, pois, em verdade, substituem o legislador nas
especificas necessidades de cada categoria profissional ou econômica. Isto significa dizer que
as pessoas que vivenciam os problemas e necessidades de dado tipo de trabalho, têm por meio
deste instrumento, que pressupõe acordo, a possibilidade de criar leis que eles próprios
seguirão.

Percebe-se, portanto, ao menos dois traços, tão marcantes quanto fundamentais, nas
Convenções Coletivas. Toda norma é um “dever-ser”, abstrato, geral, que deverá incidir nos
casos reais, da vida, o que se chama de “ser”. Os estudiosos das normas colocam como uma
dos grandes problemas da justiça no Direito, o distanciamento entre aqueles que criam as
normas e seus dizeres da realidade a qual esta irá se aplicar. Isto significa que a norma que
intenta mudar algo na realidade social, acaba por ser inócua, perde seu sentido, não realiza
justiça. O “status quo antem” permanece, a norma perde total ou parcialmente sua capacidade
transformadora.

No Direito comum, o direito civil, as normas tendem a serem respeitadas, eis que a
própria vontade das partes acaba por fazer cumpri-las. Se, por exemplo, uma loja vende ao
seu cliente uma máquina de lavar, é de seu interesse que corra tudo bem com a mercadoria,
para que o freguês se mantenha fiel. Já o consumidor, na maior parte das vezes, paga o que
deve, para manter o “nome limpo”, além de não correr riscos de ficar sem o bem que
desejava. É, pois, na reciprocidade de interesses que se encontra a eficácia do Direito.
6
MARANHÃO, Délio. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1977, p. 318.

401
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

No mundo do trabalho, ao contrário, ser e dever-ser têm uma abissal distância.


Capital e trabalho têm objetivos opostos. Cada vez que um conquista um direito, reconhecido
pelo Estado, o outro tem uma perda. Claro que farão o que for possível para não cumprir a
condição mais favorável ao outro, imposta pela legislação estatal. É por esta razão que as
Convenções Coletivas aproximam ser e dever-ser. Os legisladores, neste caso, são os próprios
destinatários das normas. As negociações feitas alcançam resultado comum, em que as partes
se dispõe, por motivos racionais, a abrirem mão de certas coisas para ganhar outras. Desta
forma, o cumprimento das normas torna-se mais espontâneo. Aquela vontade comum do
Direito Civil se manifesta com mais força no campo trabalhista, para que capital e trabalho
não abram mão de seus ganhos traduzidos em normas, via Convenção Coletiva.

O resultado final da negociação entre patrões e empregados, portanto, é um corpo de


normas que regulamentarão a categoria. A isto, se dá o nome de Convenção Coletiva,
trocando em miúdos. Tanto a legislação brasileira quanto a italiana trazem consigo
características peculiares de normatização das Convenções Coletivas. Vejamos, então, os dois
sistemas jurídicos.

3.1 Na Itália

Quando se iniciou a prática de contratação coletiva, várias denominações lhe foram


atribuídas como convenção, contrato coletivo, laudo arbitral. Porém, consagrou-se a
denominação contrato coletivo de trabalho. Os contratos coletivos, instrumentos de
normatização coletiva, abarcam todo e qualquer tipo de negociação que envolva as
organizações de trabalhadores e de empregadores.
É importante destacar que no ordenamento jurídico italiano não há uma compilação
legislativa do trabalho, como há no Brasil a CLT, e tampouco a justiça do trabalho italiana é
autônoma. Os conflitos justrabalhistas são resolvidos em um braço da justiça comum, civil.
Esta é uma das causas da atribuição de papel central aos contratos coletivos na Itália, a ponto
de se afirmar, como ressalta Carlos Moreira de Luca que: “O ordenamento jurídico italiano
reserva papel central ao Contrato Coletivo de trabalho, sendo a principal fonte da disciplina
do trabalho subordinado”7. Arremata o referido autor:

7
LUCA, Carlos Moreira de. Convenção Coletiva do Trabalho: um estudo comparativo. São Paulo: LTr, 1991, p.
31.

402
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

[...] a atuação legislativa no campo do direito do trabalho varia conforme as


circunstâncias históricas, encontrando via de regra a resistência dos sindicatos, que
procuram preservar o papel hegemônico da auto-composição na disciplina das
condições de trabalho.8

Nota-se que, entre os italianos, a negociação é central ao Direito do Trabalho,


cumprindo função de estabelecer condições mínimas ao trabalho subordinado. Segundo
Giugni, sua função social é a “composição dos conflitos de interesse e de direitos entre
grupos profissionais”9. Da afirmação do autor italiano extrai-se que o Contrato Coletivo é
uma tentativa de fazer encontrar interesses umbilicalmente opostos, que se traduzem em
direitos para ambas as partes.

Mas, qual é a natureza jurídica dos Contratos Coletivos? O artigo 1322, parágrafo 2°
do Código Civil italiano diz assim:

Le parti possono anche concludere contratti che non appartengono ai tipi aventi una
disciplina particolare, purché siano diretti a realizzare interessi meritevoli di tutela
secondo l'ordinamento giuridico.10

Pois bem, o diploma legislativo citado reconhece à autonomia privada a


possibilidade de contratarem livremente, desde que não haja lei regulamentando ao contrário e
que a matéria tratada seja digna de tutela, segundo diz o ordenamento jurídico italiano. Já se
comentou a respeito da esparsa legislação do trabalho italiana, que deixa buracos a serem
preenchidos pelos Contratos Coletivos. É, então, digno de proteção o trabalho subordinado? O
artigo 1° da Constituição Italiana nos dá mais que uma resposta: “L’Italia è una Repubblica
democratica, fondata sul lavoro”11. O trabalho, segundo o texto constitucional, é mais que
digno de proteção, é um valor protegido. A palavra fundamento, proveniente do latim fundare
(construir, estabelecer, manter), significa a base, aquilo o que dá sustentação, sobre o qual o
restante é construído. Portanto, o ordenamento jurídico Italiano tem como pedra angular o
valor do trabalho. Protegê-lo, em última análise, é defender a própria República, sem deixá-la
ruir. Então, o trabalho sustenta o Estado italiano e deve ser protegido com fervor, para que
não desmorone o sistema político adotado. Daí, conclui-se que o Contrato Coletivo é uma
figura negocial de direito privado, com eficácia obrigatória entre as partes que o firmaram.
Contudo, sua natureza ainda é pouco sombria, já que se trata de criação de normas coletivas,
que regem contratos individuais de trabalho, funcionando na essência como lei.

8
LUCA, Carlos Moreira de. Convenção Coletiva do Trabalho: um estudo comparativo. São Paulo: LTr, 1991, p.
31.
9
LUCA, Carlos Moreira de. Convenção Coletiva..., op. cit, p. 33.
10
Tradução livre: “As partes podem também realizar contratos que não pertencem aos tipos de uma disciplina
particular, se tiverem por escopo satisfazer interesses merecedores de tutela segundo o ordenamento jurídico.”
11
Tradução livre: “A Itália é uma República democrática fundada no trabalho.”

403
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Independentemente de se pacificar um entendimento mais claro sobre a natureza


jurídica dos contratos coletivos, importante é, mais uma vez, destacar sua importância central
na ordem justrabalhista italiana. Este fato denota a cultura negocial do país, numa relação
triangular, que tem como sujeitos os sindicatos de trabalhadores, os patronais e O Estado (por
óbvio, as relações ocorrem entre os sindicatos e entre sindicatos de trabalhadores e Estado,
principalmente, dada a ampla liberdade sindical do país). Ensina-nos Lauralba Bellardi, em
sua obra “Concertazione e Contrattazione”:

[...] del confronto negoziale che tradizionalmente si svolgeva tra le organizzazioni


dei datori di lavoro e dei lavoratori, o separatamente tra queste ed i pubblici poteri.12

Então, os contratos coletivos são considerados fontes extra ordinem, ou seja, são atos
da economia privada, com a liberdade inerente aos atos desta natureza, mas com força de lei,
pleno de normas gerais, abstratas, obrigatórias e inovadoras aplicáveis aos contratos
individuais de trabalho.

Resta somente tratarmos da interpretação destes contratos. As regras


hermenêuticas subjetivas devem ser valorizadas, privilegiando-se a vontade das partes
contratantes, da mesma forma que ocorre nos contratos puramente civis. Caso haja lacunas,
ou seja, espaços em branco, o parágrafo primeiro do artigo 2078 do Código Civil Italiano diz
que deve-se preenche-los conforme a lei ou os usos. Quando os usos forem mais favoráveis ao
trabalhador que a lei, este prevalecerá. Art. 2078 “In mancanza di disposizioni di legge e di
contratto collettivo si applicano gli usi. Tuttavia gli usi più favorevoli ai prestatori di lavoro
prevalgono sulle norme dispositive di legge”13.

3.2 No Brasil

Convenção Coletiva em sentido estrito é o acordo realizado entre um sindicato dos


empregados e um sindicato dos empregadores.

Em primeiro lugar é necessário que se fale um pouco da estrutura do Direito do


Trabalho. No Brasil, há uma Consolidação ampla de normas trabalhistas, feita em 1937, a

12
BELLARDI, Lauralba. Concertazione e contratazione. Bari: Cacucci Editore, 1999, p. 12.
Tradução livre: “O confronto negocial que, tradicionalmente, se desenrolava entre as organizações de
empregadores e empregados, ou separadamente entre estes e o poder público.”
13
Tradução livre: “Quando não houver disposição de lei e contrato coletivo se aplicam os usos. Todavia, os usos
mais favoráveis aos trabalhadores prevalecem sobre as normas dispositivas da lei.”

404
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

CLT, ainda no governo de Getúlio Vargas. Reside neste ponto uma das primeiras diferenças
em relação ao regime italiano do Contratto Colletivo. Por haver uma intensa normatização
estatal, a negociação acaba relegada a segundo plano.

O Direito do Trabalho brasileiro conviveu com dois grandes períodos ditatoriais.


Um, com Vargas, entre 1937 e 1945, no chamado Estado Novo. Não havia muito o que
negociar. Com inspiração nas doutrinas do corporativismo italiano, o governo pretendia que a
sociedade brasileira funcionasse como um corpo harmônico e saudável. O que era direito dos
trabalhadores já residia na compilação de normas trabalhistas. A CLT era alardeada como um
presente do “pai dos pobres” (como era conhecido o presidente Getúlio Vargas- discordamos
desta posição. Acreditamos que o Direito do Trabalho no Brasil também é fruto de lutas e
conquistas sócias, sem adentramos mais no tema). Aqueles que tentassem negociar algo a
mais eram tidos como subversivos, comunistas, e duramente reprimidos pelo regime...

O outro interstício autoritário ocorreu entre 1964 e 1988, na ditadura militar. Da


mesma maneira a negociação coletiva era sufocada. O aparelho repressor do estado estava
pronto a aniquilar qualquer forma de manifestação que subvertesse a ordem, inclusive as
trabalhistas. O milagre econômico (período compreendido entre 1968 e 1974) mantinha seu
sustentáculo no trabalho explorado e mal pago (ressalte-se que em 1974 o Brasil foi campeão
mundial de acidentes de trabalho, ocorridos sobretudo, na construção civil). Quem tentasse
denunciar parava nos porões da ditadura...

Na década de 80 o regime já estava débil, claudicante. Era questão de tempo para que
chegasse ao seu fim. A sociedade civil organizada lutava pela liberdade nos setores da
música, da literatura, da imprensa, da política e do trabalho. Os sindicatos tiveram importante
papel na queda do sistema autoritário, sobretudo com a criação da CUT (Central Única dos
Trabalhadores). E a negociação coletiva ganhou força. Como nos ensina o mestre Márcio
Túlio Viana:

A negociação coletiva só ganhou expressão a partir da década de 80, quando o


“novo sindicalismo” rompeu com a cultura anterior e liderou grandes greves. O
número de contratos coletivos saltou de cerca de 1000, nos anos 70, para quase 40
mil ao fim dos anos 80. Embora o foco principal fossem os reajustes salariais-num
contexto de alta inflação- passou-se a incluir temas não salariais, como a garantia de
emprego, saúde do trabalhador, proteção contra discriminações e organização no
local de trabalho. 14

14
VIANA, Márcio Túlio. La Consolidação das Leis do Trabalho brasiliana, tra avventure, sventure e sogni.
Associazione per gli Studi internazionali e comparati sul Diritto del lavoro e sulle Relazioni industriali, 2001, p.
23.

405
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

As normas trabalhistas foram constitucionalizadas. A nova ordem estatal que surgia


erigiu os direito trabalhistas a fundamentais, dando grande passo ao seu reconhecimento e
respeito. Feitas estas observações, falemos um pouco sobre a estrutura das negociações
coletivas brasileiras.

Convenção Coletiva em sentido estrito é o acordo normativo realizado entre


sindicatos de empregados e empregadores. É o fruto da negociação coletiva intersindical. Se
mudarmos os atores, muda-se também o nome. É que quando o sindicato operário negocia
com uma empresa específica, não com sindicato patronal, seu resultado é um Acordo
Coletivo. Daí se extrai a primeira informação importante sobre o sistema do direito coletivo
laboral brasileiro: é necessário que em um dos pólos esteja um sindicato de trabalhadores. Isto
se deve à hipossuficiência dos empregados, que sozinhos não conseguiriam nada negociar,
dando efetividade ao princípio da proteção.

As negociações ocorrem nas chamadas data-base, período do ano em que


trabalhadores e empregadores se reúnem para rediscutir o contrato coletivo da categoria. O
sistema brasileiro é unissindical e o dissídio coletivo só pode ser proposto perante a Justiça do
Trabalho caso haja acordo entre os possíveis litigantes e a negociação tenha sido fracassada.

Ocorre que, nos últimos anos, as políticas neoliberais vêm flexibilizando o direito do
trabalho. A pressão por diminuir direitos dos operários em nome de resultados econômicos
mudou a relação de forças no jogo da negociação coletiva. Isto porque não há estabilidade no
emprego (salvo em casos específicos) e o desemprego é sempre um fantasma à espreita,
pronto para atacar. Piora o quadro o sindicalismo pragmático, fraco, que sobrevive
principalmente da contribuição sindical (imposto repassado pelo Estado aos entes sindicais
art. X).

Neste contexto, foram constitucionalizadas também as normas flexibilizadoras.


Explica-se, assim, a norma constitucional que permite a redução de salários, desde que via
negociação coletiva. O lado patronal, que já possuía as armas do desemprego, da propriedade
dos meios de produção e da dependência dos trabalhadores, ganha mais uma para seu arsenal.
Recorramos novamente ao pensamento de Márcio Túlio Viana: “Com isso, pouco a pouco, os
papéis dos atores sociais se invertem: é a classe empresarial que reivindica, é a profissional
que tenta resistir. E nesse quadro tornam-se ainda mais difíceis as conquistas in mellius”15.

15
VIANA, Márcio Túlio. La Consolidação..., op. cit.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Conclui-se que a negociação sindical acaba por perder força mais uma vez. Está bom
se as coisas forem mantidas como estão. Pelo ou menos não pioraram. E os empregados se
vêem cada vez mais sufocados pela impossibilidade de enfrentar o gigante...

As Convenções Coletivas devem ser registradas no Ministério do Trabalho e


Emprego, segundo o artigo 614 da CLT. É possível que as partes, durante sua vigência,
incluam, alterem ou suprimam cláusulas, por instrumento chamado aditamento. Sua validade
máxima é de dois anos.

4 Sindicato

O Sindicato é um ente social de representação (de empregados e empregadores). Os


sindicatos perseguem objetivos de caráter social e têm, por isso, uma dupla função:
negociadores de contratos e sujeitos políticos. Os sindicatos atuam como compensadores de
forças na democracia; na sua falta o processo decisório ficaria desequilibrado. Vejamos como
funcionam na Itália e no Brasil.

4.1 Na Itália

A Itália teve, dentre os países europeus centrais, a industrialização mais tardia. Na


fase que vai do começo da era industrial, que em parte coincide com o começo da própria
unificação até o Corporativismo vigorava ampla liberdade de associação até porque
vigoravam o Anarcossindicalismo e o Nacionalssindicalismo. Um dos embriões dos contratos
coletivos foi o denominado “acordo de tarifa” que fixava o preço do trabalho. Neste
momento, ebuliam na Europa as doutrinas do comunismo e do anarquismo, além da
impactante Revolução Russa.

Contudo, em 1926 foi fundado o Sistema Corporativo por Benito Mussolini. Assim,
o Estado Corporativo Fascista, como a maioria dos governos autoritários, atrelava os
sindicatos a sua estrutura, fazendo-os pensar que faziam parte do um corpo, de um ser vivo
estatal (e consequentemente que detinham enormes responsabilidades na vida pública).
Extinguia-se, portanto, os conflitos de classe.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Após o intenso período do Corporativismo, o Direito Sindical italiano desenvolveu-


se com liberdade plena, fundamentando-se na autonomia privada coletiva. Em 1948 foi
promulgada a Constituição Italiana. Nascia uma Itália Republicana fundada no trabalho.
Retomava-se a preciosa democracia...

De acordo com Giuliano Cazzola “Al sindacato è riconosciuto un posto d’onore


nella Carta costituzionale del 1948.”16

O artigo 39 da referida Constituição estabelece que a organização sindical é livre:


“L’organizzazione sindacale è libera”. Sobre esse princípio de liberdade, foi estruturado todo
o sistema sindical italiano. Assim, se numa manhã duas pessoas resolvem fundar um
sindicato, são livres para procurarem seus adeptos e instituída está uma nova associação
sindical.

Segundo o notável professor Giancarlo Perone:

O Direito Sindical, ressurgido das cinzas do direito corporativo, cresceu sob o


impulso prevalente da doutrina e da jurisprudência, ao invés do legislador no centro
do direito comum e de contratos coletivos de direito comum [...].17

Os outros parágrafos do referido artigo dispõem que:

Ai sindacati non può essere imposto altro obbligo se non la loro registrazione presso
uffici locali o centrali, secondo le norme di legge.
È condizione per la registrazione che gli statute dei sindacati sanciscano un
ordinamento interno a base democratica.
I sindacati registrati hanno personalità giuridica. Possono, rappresentati
unitariamente in proporzione dei loro iscritti, stipulare contratti collettivi di lavoro
con efficacia obbligatoria per tutti gli appartenenti alle categorie alle quali il
contratto si riferisce.18

Os sindicatos italianos são bastante resistentes ao registro. Embora seja obrigação


constitucional, na prática, eles não ocorrem. Isto se deve ao fato de que o registro permitiria
maior controle estatal sobre as entidades sindicais, o que afrontaria diretamente o princípio da
liberdade sindical, sobre o qual o direito coletivo do trabalho italiano se funda.

Com relação ao sindicato livre, Perone afirma que “a categoria profissional não é
um prius, mas sim um posterius.”
16
Tradução livre: “Ao sindicato é reconhecido um lugar de honra na Carta Constitucional de 1948.”
17
PERONE, Giancarlo. “A liberdade sindical na Itália”. In: FREDIANI, Yone; ZAINAGHI, Domingos Sávio
(Coords.). Relações de Direito Coletivo Brasil-Itália. São Paulo: LTr, 2004, p. 39.
18
Tradução livre: “Aos sindicatos não pode ser imposta outra obrigação senão o registro junto aos órgãos locais
ou centrais, segundo as normas legais. É condição para o registro que os estatutos dos sindicatos decretem um
ordenamento interno de base democrática. Os sindicatos registrados possuem personalidade jurídica. Podem
representar unicamente em proporção dos inscritos, estipular contratos coletivos de trabalho com eficácia
obrigatória para todos que pertencem às categorias às quais o contrato se refere.”

408
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Pode-se dizer que, na Itália, os sindicatos não se deixam influenciar pelo Estado. Não
são registrados, nem sobrevivem de contribuição compulsória, repassada pelo governo. O
pluralismo e a liberdade dão maior força às entidades que dependem somente de seus
associados, verdadeiramente livres, tanto para escolher o ente ao qual se filiarão quanto para,
inclusive, fundar um novo.

Como não poderia deixar de ser, resulta disso tudo sindicatos mais fortes, como a
CGIL, a CISL e a UIL. Há entre os trabalhadores uma consciência política maior, o que
confere credibilidade às lutas coletivas. Elas têm um fundamento, uma finalidade clara.
Ademais, a cultura negocial é desenvolvida, sendo que sem ela o direito do trabalho italiano
estaria fadado ao desaparecimento.

4.2 No Brasil

O Sindicalismo no Brasil teve uma origem esparsa e multifocal...

Pode-se observar que o Estado Brasileiro passou por três fases no âmbito do Direito
Sindical quais sejam: o anarcossindicalismo, o corporativismo sindical e o sindicalismo
autônomo.

Passemos à análise da primeira fase. De acordo com Amauri Mascaro Nascimento:

O anarcossindicalismo fundou-se nas ideias do sindicalismo revolucionário


contestativo do Estado, da autoridade e das leis, segundo os princípios do
anarquismo voltados para o movimento sindical, trazidos para o Brasil pelos
imigrantes, especialmente os italianos. 19

Pode-se dizer que, na Itália, os sindicatos não se deixam influenciar pelo Estado. Não
são registrados, nem sobrevivem de contribuição compulsória, repassada pelo governo. O
pluralismo e a liberdade dão maior força às entidades que dependem somente de seus
associados, verdadeiramente livres, tanto para escolher o ente ao qual se filiarão quanto para,
inclusive, fundar um novo.

O Anarcossindicalismo negava a importância da luta política, pois priorizava a luta


dentro da fábrica.

19
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. “A liberdade sindical na perspectiva do direito legislado brasileiro”. In:
FREDIANI, Yone; ZAINAGHI, Domingos Sávio (Coords.). Relações de Direito Coletivo Brasil-Itália. São
Paulo: LTr, 2004, p. 25.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O ápice desse movimento se deu na Greve Geral de 1917 em São Paulo. Ocorreu um
efeito em cadeia, pois a greve se iniciou numa fábrica de tecidos, espalhando-se não só a todo
o setor têxtil, mas também a várias outras categorias. O motivo da greve era, dentre outros, a
vertiginosa queda dos salários causada principalmente pela primeira guerra Mundial.

Porém, o anarcossindicalismo tinha muitas limitações, pois negavam a luta política,


não exigiam uma legislação trabalhista e ainda suas reivindicações eram somente econômicas.
Assim, a conseqüência foi o isolamento do movimento, tornando-se um alvo fácil da força
repressora estatal. O declínio se aproximava em progressão geométrica...

A derrocada do período culminou com a expulsão dos imigrantes.

Em 1930, após a “Revolução” liderada por Getúlio Vargas, inicia-se a segunda fase
do Direito Sindical. Atrela-se a estrutura sindical ao Estado, destruindo as bases sociais e
políticas em que o movimento anterior tinha se desenvolvido.

O Corporativismo Sindical tinha como objetivo a superação da luta de classes,


chamando o sindicato para junto do Estado. O trabalho era visto como forma de servir à
pátria.

Segundo o professor Márcio Túlio Viana:

O modelo previa: unicidade sindical; a outorga de personalidade pelo Ministério do


Trabalho; uma forte restrição à greve, uma forte intervenção legal sobre a vida do
sindicato e a sua virtual transformação em longa manus do Estado, com perfil mais
assistencialista; a cobrança de uma contribuição obrigatória a todos os empregados e
empregadores; o efeito erga omnes dos contratos coletivos; a composição tripartite
da Justiça do Trabalho; e uma legislação detalhada e completa, representada pela
CLT.20

O Corporativismo Sindical tinha como objetivo a superação da luta de classes,


chamando o sindicato para junto do Estado. O trabalho era visto como forma de servir à
pátria.

Alguns dizem que Vargas se inspirou no fascismo italiano, já outros defendem a


inspiração na ideologia comunista. Porém, independentemente da inspiração, o que marca o
sindicalismo de Vargas é a aproximação da classe trabalhadora ao poder, a inserção das
organizações sindicais nas responsabilidades da vida pública.

20
VIANA, Márcio Túlio. VIANA, Márcio Túlio. La Consolidação..., op. cit., p. 6.

410
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A terceira fase é o sindicalismo autônomo, fase que ainda está em desenvolvimento.


Caracteriza-se pela abertura política e tem como marco a criação das várias centrais sindicais
mesmo sem haver pluralismo.

Centrais Sindicais são associações sindicais de cúpula para representação sindical e


escapa ao conceito de categoria. As Centrais inauguram um campo de negociação.

A primeira central sindical foi criada em São Bernardo do Campo por trabalhadores
que contestavam o dirigismo estatal. Nascia a Central Única dos Trabalhadores – CUT.

Pode-se dizer que hoje o Brasil possui uma liberdade sindical relativa. Amauri
Mascaro de Nascimento diferencia a liberdade sindical plena da relativa:

[...] liberdade sindical se desdobra em liberdade como direito de organização e


liberdade como direito de atuação, ambos complementando-se, indivisíveis, caso se
pretenda qualificar um sistema como de plena liberdade sindical, sendo, portanto, a
ação o meio de implementação da liberdade de organização e condição para a sua
efetividade, como o que um sistema restritivo da ampla autonomia coletiva dos
particulares não pode ser enquadrado entre os modelos de plena liberdade sindical
[...]21

A liberdade sindical refere-se à liberdade de organização, de ingresso e saída e do


distanciamento das intervenções e interferências do Estado. Refrata-se em três principais
elementos, quais sejam a autonomia sindical, a livre sindicalização e a pluralidade sindical.

A autonomia sindical consiste numa liberdade coletiva refletida no direito do


sindicato organizar-se e guiar-se por si, sendo livre a executar as suas determinações.

A livre sindicalização se configura no direito de escolha individual do trabalhador de


poder filar-se ou não a um sindicato, ou ainda, se for associado, manter ou não sua filiação.

Por último, tem-se a pluralidade sindical que se refere à oferta da opção de se filiar a
uma entidade de sua preferência ou, ainda, uma vez filiado o trabalhador, facultar o
rompimento deste vínculo em conjunto com a criação de uma nova entidade, agora baseada
em ideologias que mais bem correspondem aos seus desejos.

21
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. “A liberdade sindical...”, op. cit., p. 28.

411
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Cabe aqui refletir sobre a atuação política do sindicato. Segundo o professor Antônio
Álvares da Silva “atuação do sindicato é ainda um fenômeno inacabado na sociedade
contemporânea e é a demonstração evidente de força dos grupos no mundo moderno”22.

A Constituição Federal em seu artigo 8º, caput, estabelece que é livre a associação
profissional ou sindical. Porém, o inciso II do referido artigo veda a criação de mais de uma
organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou
econômica, na mesma base territorial, não podendo ser inferior à área de um Município.
Percebe-se, portanto que não se trata de liberdade plena, uma vez que o elemento pluralidade
sindical não se aplica ao ordenamento brasileiro.

Após se fazer a leitura de todo o artigo 8º da Carta Magna Brasileira, percebe-se que
dois erros fundamentais23 foram incorporados do corporativismo: sindicato único e
contribuição sindical.

A unicidade sindical prejudica o próprio sistema do sindicalismo. As entidades já


existentes ganham poder enorme, podendo fazer aquilo que convenha aos seus líderes. Afinal,
não há concorrência. Além disso, retira o componente ideológico da filiação sindical, já que o
trabalhador que quiser se filiar tem apenas uma opção. O controle estatal também é deveras
facilitado.

Por sua vez, a contribuição sindical vincula a sobrevivência dos entes coletivos ao
Estado. Na realidade, constitui a maior parte dos recursos que eles possuem. Deveriam ser os
trabalhadores, de maneira direta, os mantenedores da instituição que os representa. Ninguém
gosta de pagar tributo. O desconto obrigatório pode ainda gerar certa antipatia dos
contribuintes. O sindicato deveria ser um espaço dos trabalhadores e para os trabalhadores.
Mas com este formato, não é bem o que ocorre...

Márcio Túlio Viana, de maneira precisa, manifesta:

Que continue a defender o fim da contribuição sindical, [...], mas articule fortemente
essa luta com outra – tão ou mais importante – que é da criação de mecanismos de
apoio à ação de seus líderes. Que empunhe, com vigor, a bandeira da liberdade, mas
sem se esquecer de que o seu maior problema, hoje, seja a igualdade [...].24

22
SILVA, Antônio Álvares. Direito Coletivo do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 24.
23
Exposição inspirada no artigo do Professor Antônio Álvares da Silva publicado pela Revista do TRT 3ª Reg.
24
VIANA, Márcio Túlio. “O Direito, a Química e a Realidade Social”. Revista do Tribunal Regional do
Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte. Jan/Jun 1999, p. 3.

412
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

5 Conclusão

O reconhecimento dos sindicatos aos fins da negociação coletiva é um conceito


estritamente ligado à obrigação de negociar. O reconhecimento dessa importante entidade
social supõe a obrigação de com ela dialogar25.

Os italianos têm muito o que nos ensinar sobre negociação coletiva e liberdade
sindical. Aliás, os temas encontram-se visceralmente entrelaçados, visto que para uma efetiva
negociação é necessário que à mesa se sentem negociantes igualmente fortes. E sindicato de
empregados fortes (eliminando-se a hipossuficiência) só se faz com liberdade.

Decerto que a experiência italiana sofre, também, com as pressões flexibilizadoras do


Direito do Trabalho. Contudo, a maior consciência política da classe operária dificulta que
mudanças prejudiciais sejam impostas.

Enquanto isso, no Brasil, o atraso se apresenta grande. Os sindicatos são fracos,


ainda permitem forte interferência do Estado em sua estrutura, dependem da contribuição
sindical obrigatória para sobreviver e não possuem arraigada cultura negocial. Neste caso, a
briga é contra gigantes e assim, não tendo força para defender os pequenos, cede-se às
pressões dos grandes.

Os direitos dos trabalhadores foram inseridos na Constituição brasileira, como


direitos fundamentais. Para lhes dar máxima efetividade, o caminho é a negociação coletiva.
Primeiro porque aproxima a norma trabalhista da realidade social daqueles que vivenciam o
dia a dia do labor. Além disso, é um dos direitos dos operários participarem da elaboração das
normas que comandarão a sua prestação de serviços. Desta maneira, está-se diante de um
espaço mais democrático e de maior acesso a todos. O sistema ainda está muito longe disso...

Tendo-se em vista que a obrigação de negociar é uma das derivações da liberdade


sindical, necessário se faz que o sistema sindical brasileiro lute pela liberdade plena. E, além
disso, que continue firmemente na batalha pela igualdade e pelo fortalecimento e
credibilidade das associações sindicais. E que se inverta o jogo, e os sindicatos dos
empregados possam “dar as cartas”.

25
Esse trecho foi inspirado na leitura do artigo Obligación de negociar, de Hugo Fernandez Brignoni.

413
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

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414
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

OS RETROCESSOS TRAZIDOS PELA NOVA LEI DO MOTORISTA SOB O


PRISMA DO TRABALHO DIGNO

KICKERS BROUGHT BY THE NEW LAW DRIVER UNDER THE PRISM OF


DECENT WORK

Esp. Caren Silva Machado1


Dr. Rodrigo Goldschmidt2

RESUMO

O presente artigo visa investigar novas regras que implicam mudanças nos direitos
trabalhistas relacionados aos motoristas de cargas e passageiros a partir do conceito de
trabalho digno. O princípio da dignidade da pessoa humana é aplicável ao Direito do Trabalho
e está localizado ao lado do valor social do trabalho compondo os fundamentos da República
Federativa do Brasil. As alterações, quanto à jornada de trabalho do motorista foram
introduzidas pela Lei 12.619 de 2012, que deu redação a dispositivos legais da Consolidação
das Leis Trabalhistas, bem como do Código de Trânsito Brasileiro. Em especial, este artigo
objetiva verificar o novo regramento sobre a jornada de trabalho do motorista, que até a
edição da Lei não era submetido a controle. De plano é possível afirmar que um dos grandes
avanços da Lei foi justamente o controle e limitação da jornada de trabalho dos motoristas.
Todavia, apesar dos avanços legais, existem pontos na legislação em estudo que
possivelmente configuram afronta à Constituição Federal, o que poderia significar um
retrocesso social. Esses pontos se referem a jornada de 12 (doze) horas por 36 (trinta e seis), a
remuneração do “tempo de espera”, e ainda, o fracionamento dos intervalos intrajornada.
Assim, é mister analisar o ordenamento jurídico brasileiro para realizar a desejável
interpretação sistemática sobre o assunto impedindo esse retrocesso.

Palavras-chave: Trabalho digno; nova lei dos motoristas; jornada de trabalho; Constituição;
retrocesso social.

ABSTRACT

This paper aims to investigate new rules entailing changes in labor laws related to drivers of
cargo and passengers from the concept of decent work. The principle of human dignity is
applicable to the Labour Law and is located next to the social value of work composing the
fundamentals of the Federative Republic of Brazil. The changes, as the workload of the driver
were introduced by Law 12,619 of 2012, which gave legal writing devices Consolidation of
Labor Laws, as well as the Brazilian Traffic Code. In particular, this article aims to verify the
new regramento on the workload of the driver, who until the enactment of Law was not
subject to control. Plan is possible to say that one of the great advances of Law was just the

1
Mestranda em Direito pela UNOESC. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho. Professora,
pesquisadora e Coordenadora Adjunta do grupo de pesquisa de Direitos Fundamentais Sociais da Unoesc.
Advogada; carenmac20@yahoo.com.br
2
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor e pesquisador do programa de
Mestrado em Direito da Unoesc. Coordenador da Linha de Pesquisa em Direitos Fundamentais Sociais da
Unoesc. Juiz do Trabalho do TRT 12/SC; rmgold@desbrava.com.br

415
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

control and limitation of working hours of drivers. However, despite legal advances, there are
points in upcoming legislation that possibly constitute an affront to the Constitution, which
could mean a social backlash. These points relate the journey of twelve (12) hours per 36
(thirty six), the remuneration of the "waiting time", and yet, the fractions of intrajornada
intervals. Thus, it is necessary to analyze the Brazilian legal system to accomplish the
desirable systematic interpretation on the issue preventing this setback.

Keywords: Decent work; new law for drivers; workday; Constitution; social regression.

1 INTRODUÇÃO

A existência de trabalho digno é pressuposto de um Estado Democrático de Direito.


A dignidade da pessoa humana constitui fundamento da República Federativa do Brasil e,
também por isso, é valor supremo da sociedade brasileira. Disso, denota-se que tal princípio
informa todos os ramos da dogmática jurídica, devendo influenciar todas as relações jurídicas
que se estabeleçam a partir do ordenamento jurídico brasileiro.
Do princípio da Dignidade da Pessoa Humana decorrem os Direitos Humanos e,
portanto, os Direitos Fundamentais. Assim, infere-se que jornada de trabalho consiste em um
dos pressupostos para a efetivação do trabalho digno, uma vez que se localiza no Título II da
Constituição Federal, intitulado Direitos e Garantias Fundamentais. Não bastasse isso, é
norma que diz respeito à saúde do trabalhador e, portanto, decorrente do direito à Vida, bem
maior que o ordenamento pode tutelar.
A jornada de trabalho consiste no período em que o trabalhador está à disposição do
empregador, seja executando ordens ou a espera delas. Este artigo tem o escopo de estudar a
jornada de trabalho do motorista profissional a partir da introdução no ordenamento jurídico
pátrio da Lei 12.619 de 2012 sob um viés constitucional.
O objetivo central do presente estudo é configurar o princípio da Dignidade da
Pessoa Humana para investigar sua observância na jornada de trabalho do motorista. Como
objetivos específicos serão desenvolvidos os conceitos relativos à jornada de trabalho e serão
examinadas as alterações inseridas pela Lei 12.619 de 2012, que trata da jornada de trabalho
do motorista. Para isso, a metodologia aplicada será pesquisa bibliográfica.
Em um primeiro momento será desenvolvido um conceito da Dignidade da Pessoa
Humana sob um viés internacional e nacional. Posteriormente, passa-se a conceituar jornada
de trabalho. Ao final serão examinadas as alterações introduzidas ao ordenamento jurídico
brasileiro pela nova Lei do Motorista.
Não se pretende esgotar o assunto, mas eminentemente levantar o debate sobre a
questão, uma vez que é de extremo relevo para a efetivação dos direitos fundamentais dos

416
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

trabalhadores, e acima de tudo, para garantia de um Estado Democrático de Direito averiguar


em que consiste o trabalho digno e aquilatar se a jornada de trabalho do motorista
profissional, tal como preconizada pela Lei 12.619 de 2012, coaduna-se com as normas
constitucionais vigentes.

2 CONFIGURANDO A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO PLANO


NACIONAL E INTERNACIONAL

O conceito inicial de dignidade da pessoa humana é desenvolvido no campo da


filosofia e sofre grande influência cristã. Na antiguidade clássica a dignidade da pessoa estava
relacionada ao seu status social. O pensamento estóico, particularmente, introduziu a ideia de
que os seres humanos são iguais em dignidade, fundamentando tal pensamento na natureza
humana que confere posição superior do ser humano no cosmos. (COMPARATO, 1999).
Com Kant (2009), constrói-se uma concepção da dignidade a partir da capacidade
que o ser humano tem de raciocinar, fato que lhe confere autodeterminação sobre a sua
vontade e a possibilidade de agir conforme as leis. O referido autor preconiza que “todo o ser
racional existe como um fim em si mesmo”, não podendo ser um meio para uso da vontade
alheia. E, ainda, articula que “no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade”. Assim,
a dignidade possui um valor que não pode ser medido economicamente, enquanto que as
coisas são passíveis dessa valoração.
Silva (1998) assevera que a dignidade é um valor presente em todas as pessoas,
mesmo daquelas que, eventualmente, venham a cometer atitudes indignas, pois é atributo
intrínseco do ser humano. O fundamento dessa concepção está na Declaração Universal da
ONU, quando o art. 1º prescreve que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em
espírito de fraternidade”.
No que tange à jornada de trabalho, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948 assevera que todo trabalhador tem direito à limitação da jornada de trabalho. Veja-se,
nesse sentido, o disposto no art. 24 do texto em questão: “Toda a pessoa tem direito ao
repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e as
férias periódicas pagas.”
No direito comparado a Declaração dos Direitos Humanos do Islã refere-se
literalmente à expressão dignidade dos trabalhadores, basta ver o texto do ser art. XVII:
“Condição e Dignidade dos Trabalhadores - O Islã dignifica o trabalho e o trabalhador e

417
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

ordena que os muçulmanos tratem o trabalhador justa e generosamente. Não só deve receber
seus salários imediatamente como também tem direito ao repouso adequado e ao lazer.”
Admite-se que o ser humano seja contratado para prestar serviços a outro ser
humano, desde que o faça livremente e sem que isso signifique a degradação de sua condição
humana. Isso encontra fundamento no fato de que o exercício das funções sociais encontra-se
vinculado a uma mútua sujeição. O que não pode ocorrer é a utilização da força de trabalho
do outro como mero meio de atingir determinado fim, de forma a “coisificar” o trabalhador.
(SARLET, 2012).
No plano internacional, destaca-se a Constituição Mexicana de 1917 que teve suas
linhas mestras influenciadas por um manifesto com propostas editadas por um grupo de
jovens intelectuais contrários à ditadura de Porfirio Diaz e liderados por Ricardo Flores
Magón.
A Constituição Mexicana foi a primeira constituição que atribuiu status de direitos
fundamentais aos direitos trabalhistas. Sendo que na Europa essa consciência, de que os
direitos sociais são também direitos humanos fundamentais, só se afirmou após a primeira
grande guerra, com o Tratado de Versalhes (1919). Dentre as previsões desse diploma legal
salienta-se a estipulação da duração máxima da jornada de trabalho de 8 horas.
(COMPARATO, 2003).
A constituição alemã de Weimar de 1919, também produto da primeira grande
guerra, trilhou o mesmo caminho elevando normas relativas ao Direito do Trabalho, em
especial à jornada de trabalho, ao status constitucional. Foi decisiva no que tange a sua
influência sobre a evolução das instituições políticas em todo o Ocidente de forma que
organizou as bases da democracia social. Os direitos trabalhistas foram elevados ao nível
constitucional de direitos fundamentais. (COMPARATO, 2003).
No âmbito internacional a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem o
trabalho digno como o seu principal objetivo, consistindo em fomentar oportunidades para
que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho digno e produtivo. O Organismo
Internacional em tela conceitua trabalho digno como aspirações do ser humano no domínio
profissional abrangendo elementos como oportunidade para desempenhar um trabalho
produtivo com a devida remuneração, segurança no local de trabalho e proteção social para o
trabalhador e sua família e, ainda, perspectivas de desenvolvimento pessoal e integração
social, liberdade para expressar suas preocupações e para participar nas decisões que afetem
sua vida. (OIT LISBOA, 2013).

418
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Veja que a OIT elenca elementos mínimos para a garantia de um trabalho digno. Da
mesma forma Maurício Godinho Delgado preleciona sobre a existência de um “patamar
civilizatório mínimo” composto por três grupos de normas: tratados e convenções
internacionais, normas constitucionais e normas infraconstitucionais. O autor destaca as
previsões legais sobre saúde e segurança do trabalhador, onde estão incluídas as normas sobre
a jornada de trabalho, tema do presente estudo. (DELGADO, 2012).
A Constituição Federal de 1988 é um marco na história político-jurídica do Brasil,
considerada como grande símbolo da democracia brasileira. Conforme Delgado (1992) foi a
mais substantiva Constituição de Direitos produzida pelo Poder Constituinte do País. Elencou
a prevalência da pessoa humana como sua bandeira primordial tanto no âmbito individual
como social.
No que tange à matéria trabalhista, a Carta em questão, já no artigo 1º, cita a
dignidade da pessoa humana, bem como o valor social do trabalho e da livre iniciativa como
fundamentos da República Federativa do Brasil. O art. 7º, por seu turno, é verdadeiro cerne
dos direitos trabalhistas, o qual se encontra no Título II da Constituição, sendo parte
integrante dos Direitos e Garantias Fundamentais. (BRASIL, 2012).
Também é importante destacar o art. 170, que determina que a ordem econômica
garanta a todos uma existência digna e o art. 193 que exige que a ordem social tenha como
objetivos o bem-estar e a justiça social, que são os próprios fins do Estado. (BRASIL, 2012).
Pode-se auferir do texto Constitucional que, em decorrência do princípio da
dignidade da pessoa humana, epicentro do ordenamento jurídico, a ideia de valor central da
sociedade está na pessoa, que consiste no centro convergente dos direitos fundamentais.
(DELGADO, 2006).
Ao analisar o texto constitucional é possível concluir que não é possível a existência
de um Estado Democrático de Direito sem que haja trabalho digno. Dessa forma, há
necessidade de que o trabalhador seja um fim em si mesmo e não mero instrumento para
obtenção de lucro.
Após analisar o conceito do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bem como
sua evolução histórica no plano nacional e internacional, passa-se a conceituar a jornada de
trabalho pelo plano legal e doutrinário.

3. CONFIGURANDO A JORNADA DE TRABALHO E SEUS LIMITES

419
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3.1 Conceito sobre jornada, duração e horário de trabalho e composição da jornada de


trabalho

Quando se fala em jornada de trabalho, está-se referindo ao tempo diário despendido


com o labor. O vocábulo deriva das línguas italiana e francesa onde giornata, no italiano, e
Jour, no francês, ambas as palavras estrangeiras são traduzidas para o português como “dia”.
Por outro lado, duração de trabalho refere-se ao tempo dedicado ao trabalho durante a
semana. Outra denominação pertinente é sobre o horário de trabalho, que significa o momento
de entrada e saída do trabalho. (GARCIA, 2012).
Delgado (2012) considera o tempo efetivamente trabalhado, bem como o tempo à
disposição e o tempo de deslocamento, como fatores que compõem a jornada de trabalho. No
bloco de tempo à disposição, o ordenamento pátrio contém dois períodos de tempo
específicos: a) tempo despendido para deslocamento interno: entre a portaria e o local
propriamente dito de trabalho, assim versa a Súmula 429 do Tribunal Superior do Trabalho3
e, b) o tempo residual que consta no cartão ponto.
Dentre critérios especiais de fixação da jornada tem-se o tempo de prontidão e o
tempo de sobreaviso, onde o primeiro compreende o tempo em que o ferroviário fica nas
dependências da empresa aguardando ordens, essa é a interpretação do art. 244, § 3º, CLT.
Destaca-se que as horas de prontidão serão contadas à razão de 2/3 do salário-hora normal,
assim, o adicional ultrapassa 60% da hora normal.
Por outro lado, o tempo de sobreaviso é o lapso temporal em que o trabalhador
permanece em sua residência aguardando ser chamado. Importante dizer que, segundo o texto
consolidado, art. 244, § 2º, não é possível que a escala dure mais de vinte e quatro horas. O
adicional da referida atividade será de 1/3 do salário normal.
Sobre a utilização dos BIPs, pagers e telefones celulares, a recente Súmula 428 do
TST, preconiza o empregado que está sob controle do empregador por instrumentos
telemáticos ou informatizados é considerado em sobreaviso, todavia a Súmula diz que apenas
o uso do aparelho eletrônico não caracteriza o sobreaviso, deve haver outras incidências
atinentes.
Desse modo foi realizada a diferença sobre as terminologias jornada, duração e
horário de trabalho. Passa-se, agora, a verificar as modalidades de jornada de trabalho e sua
limitação. Ênfase à previsão legal, bem como o entendimento doutrinário e jurisprudencial.

Considera-se à disposição do empregador, na forma do art. 4º da CLT, o tempo necessário ao deslocamento do


3

trabalhador entre a portaria da empresa e o local de trabalho, desde que supere o limite de 10 (dez) minutos
diários.

420
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

3.2 O controle da jornada e os fundamentos para sua limitação


Conforme Delgado (2007), existem três modalidades de jornada: a jornada
controlada, a jornada não controlada e a jornada não legalmente tipificada. A primeira se trata
da prestação de serviço que sofre efetivo controle e fiscalização pelo empregador, podendo
gerar horas extras se essas forem laboradas além dos limites legais de jornada e de duração
semanal de trabalho. A última trata-se da jornada não legalmente tipificada, sobre a qual não
pode incidir o adicional de horas-extras, no Brasil, refere-se pontualmente a categoria dos
empregados domésticos.
No presente estudo será dada ênfase à segunda modalidade, qual seja: jornada não
controlada, a qual até a edição da Lei 12.619 de 2012 regulava a situação dos motoristas. A
jornada não controlada exclui a incidência das horas-extras ao empregado, dado que não se
pode aferir a duração do trabalho no caso concreto. No dizer de Delgado, dois tipos de
empregados estão inseridos em tal situação: “Trata-se, de um lado, dos trabalhadores que
exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, de outro lado,
os gerentes, estes desde que exercentes de cargos de gestão e recebedores de acréscimo
salarial igual ou superior a 40% do salário do cargo efetivo”. (DELEGADO, 2007, p. 877).
Tal entendimento é extraído do bojo do art. 62 da Consolidação das Leis
Trabalhistas: “[...] I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a
fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e
Previdência Social e no registro de empregados; [...]”
Da leitura do dispositivo legal, percebe-se que além da atividade externa, a condição
de trabalho deve estar registrada na CTPS no que diz respeito a impossibilidade de controle de
horário de trabalho. Faltando um dos requisitos incide o direito a horas extras.
Porém, o autor destaca que se trata apenas de presunção jurídica que admite prova
em contrário. Assim, caso o empregado venha a comprovar que havia controle e fiscalização
de sua jornada, passa a incidir o conjunto das regras clássicas sobre a duração do trabalho.
Para interpretar o inciso I do art. 62 em comento, é mister analisar a Lei 8.966/94,
que alterou as espécies de trabalhadores que ficavam excluídos do controle de jornada, e
portanto, sem receber horas-extras. Esse diploma legal permite ampla interpretação de cada
caso em concreto. Até então, a doutrina trazia incluídos nesse conceito os motoristas em geral,
como os de caminhões, de carretas de ônibus, entre outros. (MARTINS, 2012).

421
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Entretanto, com a edição da lei 12.619/2012 foi acrescentada a Seção IV-A ao Título
III do texto consolidado, tratando do serviço do motorista profissional. Desse modo, a jornada
do motorista passou a ter o entendimento de que necessita ser controlada.
Destaca-se que, mesmo antes da Lei supra mencionada entrar em vigor, na hipótese
de o empregado desempenhar atividade externa e ter suas condições registradas, se houvesse
fiscalização indireta através do estabelecimento de roteiros com fixação da duração das
viagens, que indicasse horário a cumprir, poderia gerar o direito ao recebimento das horas
extras. Nesse sentido, recente julgado do Tribunal Superior do Trabalho em sede de Recurso
de Revista- 250600-66.2009.5.04.0203, publicado no dia 25/12/2012.
Por outro lado, o disco registrado pelo cronotacógrafo4, por si só, não é instrumento
hábil a realizar o controle de jornada, pois não identifica o condutor, tão pouco o trajeto
cumprido, assim é o entendimento da OJ 332 da SBDI-1 do TST5. Como já asseverado
jornada de trabalho é o período de tempo diário em que o trabalhador presta serviço ou se
coloca à disposição de seu empregador. Estão incluídos nesse período os intervalos
remunerados (DELGADO, 2007).
Importante dizer que, além das horas de efetivo trabalho, o tempo à disposição do
empregador também é considerado na jornada de trabalho. No que diz respeito à natureza
jurídica, a jornada de trabalho consiste em norma de ordem pública, uma vez que o interesse
na limitação do trabalho não é apenas subjetivo, mas de toda a sociedade. Dessa forma, a
limitação é um imperativo da manutenção da saúde, segurança, dignidade e, sobretudo, da
vida do trabalhador (CAMINO, 2003).
Jornada de trabalho, juntamente com o salário, ocupa posição de destaque na história
do Direito do Trabalho. Sempre foram temas centrais nas lutas trabalhistas. Conforme
Maranhão (1987), o salário é o preço atribuído à força de trabalho, já a jornada seria a medida
dessa força.
Ocorre que modernamente a jornada de trabalho ocupa posição de mais destaque,
pois está atrelada à saúde do trabalhador. Conforme Delgado (2007), estudos têm revelado

Os veículos de carga com peso bruto acima de 4.536 quilogramas e os veículos de passageiros com mais de 10
4

lugares são obrigados pelo Código de Trânsito Brasileiro a possuir cronotacógrafo. Através dele, é possível
monitorar o deslocamento do veículo. O disco diagrama, de papel especial, colocado no cronotacógrafo, registra
dados importantes, como as velocidades desenvolvidas pelo veículo, intervalos de tempo parado e em
deslocamento e distâncias percorridas. São informações aceitas legalmente como prova em caso de acidentes ou
denúncias de má condução do veículo.
5
TST- OJ-SDI1-332 MOTORISTA. HORAS EXTRAS. ATIVIDADE EXTERNA. CON-TROLE DE
JORNADA POR TACÓGRAFO. RESOLUÇÃO Nº 816/1986 DO CONTRAN (DJ 09.12.2003)
O tacógrafo, por si só, sem a existência de outros elementos, não serve para controlar a jornada de trabalho de
empregado que exerce atividade externa.

422
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

que a extensão do contato do indivíduo com certas atividades ou ambientes é elemento


decisivo à configuração de efeito insalubre à saúde do trabalhador. Assim, o controle e
redução da jornada de trabalho consistem em medidas profiláticas.
Como se pode ver, as normas relativas à limitação da jornada de trabalho deixam de
aquilatar aspectos meramente econômicos e passam a ser consideradas como determinantes
para a saúde e segurança laboral, sendo, portanto, normas de saúde pública.
De acordo com a Constituição Federal, consiste em direito fundamental dos
trabalhadores a redução dos riscos que envolvam as atividades laborais, nesse sentido o art.
7º, XXII, da Lei Maior: “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança”.
A Norma Suprema também prevê nos artigos 196 e 197 direitos relativos à saúde,
que devem ser promovidos pelo Estado, devendo as políticas públicas versarem com este fim:
promover a redução dos riscos de doenças e agravos, bem como afirmando que o Poder
Público deve dispor por meio de lei sobre a regulamentação, fiscalização e controle as ações e
serviços de saúde, pois são de relevância pública.
Também se extrai do Texto Maior que a execução das ações acima mencionadas
deve ser realizada pela administração pública de forma direta ou mesmo por meio de
terceiros, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. Assim, verifica-se que os
responsáveis pela saúde são diversos atores sociais, não ficando adstrita às autoridades
públicas.
Infere-se da análise do texto do art. 200, incisos II e VIII, no que tange aos
trabalhadores e meio ambiente, que o Sistema Único de Saúde – SUS, deve realizar ações que
envolvam a saúde do trabalhador, como também, colaborar na proteção do meio ambiente
laboral.
No que tange aos motoristas, cabe enfatizar que a modulação da duração do trabalho
consiste na elaboração de política de saúde pública, pois influencia a eficácia das medidas de
medicina e segurança do trabalho. A ampliação da jornada pode acarretar ocorrência de
doenças profissionais, ou mesmo, acidentes do trabalho.
Garcia (2012) também elenca como fundamentos para a limitação da jornada de
trabalho fatores psicológicos, físicos, sociais, econômicos e humanos. Os fatores psicológicos,
são prejudiciais, segundo o autor, a medida em que o trabalho intenso pode ocasionar o
esgotamento mental do trabalhador afetando sua capacidade de concentração, gerando

423
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

doenças ocupacionais como burnout6. De outra banda, a jornada de trabalho com duração
elevada acarreta fadiga, resultando no cansaço do trabalhador e aumento do risco de
acidentes. Socialmente falando, é mister lembrar que o indivíduo, além de trabalhar, deve
integrar-se à sociedade na qual está inserido, inclusive sua própria família, o que não é viável
se submetido a extensa carga horária de trabalho.
Sob o aspecto econômico, deve-se dizer que a jornada de trabalho elevada induz o
empregador a deixar de contratar novos empregados, aumentando o nível de desemprego.
Outro fator de extremo relevo é o fundamento de natureza humana, preconizando que o
indivíduo não pode ser submetido à jornada de trabalho extenuante, pois isso colocaria em
risco a sua vida, bem como dos demais colegas.
Feito esse apanhado sobre os limites da duração do trabalho, cumpre agora abordar a
nova lei do motorista profissional sob a égide do trabalho digno.

4. ABORDAGEM SOBRE A NOVA LEI DO MOTORISTA PROFISSIONAL SOB A


ÓTICA DO TRABALHO DIGNO
Para que o trabalhador não seja um mero instrumento do empregador na busca do
lucro, é necessário que sua dignidade humana seja respeitada. Efetivamente, coloca-se essa
diretriz em voga ao se observar os ditames dos Tratados Internacionais, da Constituição
Federal, bem como da legislação infraconstitucional.

4.1 Aspectos históricos da Lei 12.619 de 2012


Até a edição da Lei 12.619 de 2012, Lei do Motorista Profissional, não havia
nenhum controle sobre a jornada de trabalho dos motoristas de carga e passageiros. Assim, a
regulamentação era uma grande necessidade, tendo em vista que a limitação da jornada de
trabalho consiste em um direito fundamental social, previsto como tal no inciso XIII, do art.
7º, da CF7.
Conforme Ribeiro (2012) mais de vinte e cinco projetos de lei tratando sobre a
jornada de trabalho do motorista já tramitaram pelo Congresso Nacional, porém, muitos sem
êxito. O Projeto de Lei 2.660 de 1996, por exemplo, após ser aprovado nas duas casas, já no
final da segunda fase do processo legislativo, a constitutiva, foi vetada por José de Alencar,

6
Exaustão emocional humana decorrente da condição de trabalho que o indivíduo está exposto. Situação de
estresse crônico que gera a falta de energia, esgotamento físico e mental. (FERRARI, 2013).
7
“Duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”

424
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

que respondia pela presidência devido à ausência do então Presidente da República, Luiz
Inácio Lula da Silva.
Assim, nota-se que a matéria vem sendo debatida há anos por meio de inúmeros
projetos de lei, os quais, todavia, restaram infrutíferos devido aos anseios antagônicos por
parte dos motoristas e seus empregadores. Aponta-se o Projeto de Lei 99 de 2007, bem como
ajuizamento da Ação Civil Pública 1372.2007.021.23.00-3 em Rondonópolis – MT, como
dois marcos na iniciativa do Projeto de Lei que deu surgimento à lei 12.619/2012, objeto
deste estudo.
A partir da propositura da ACP acima referida, houve uma preocupação em nível
nacional com a limitação da jornada de trabalho e do tempo de direção dos motoristas, bem
como da adaptação e estrutura ambiental para que os motoristas pudessem exercer suas
atividades. O Ministério Público mediou as negociações entre empresários e motoristas,
dando corpo ao PL 99 de 2007.
Assim, nasceu a Lei 12.619 de 2012, que regulou a jornada de trabalho dos
motoristas profissionais empregados e autônomos que transportam cargas e passageiros,
trazendo diversos avanços. Porém não se pode negar que alguns pontos da Lei se demonstram
um verdadeiro retrocesso social ou mesmo questionáveis diante do texto Constitucional.
Canotilho (2001) diz que, tendo em vista o princípio da vedação ao retrocesso social
não é possível que a legislação já efetivada e realizada protegendo direitos sociais seja
revogada. Pois são consideradas constitucionalmente garantidas sendo vedada a sua
revogação, salvo se provier outra medida compensatória. Ou seja, o legislador encontra limite
no núcleo essencial já realizado.
Na mesma linha Piovesan (2000) entende que esfacelar os direitos sociais consiste
em afrontamento direto ao texto Constitucional. A autora diz que os direitos sociais são parte
dos Direitos e Garantias Individuais e, portanto, revestem-se da roupagem de Cláusula Pétrea,
não podendo ser suprimidos pelo legislador.
Adiante passa-se ao conceito de motorista profissional e põe-se em relevo os
aspectos mais polêmicos da Lei 12.619/2012, atinentes à duração do trabalho.

4.2 Definição de motorista profissional


O alcance subjetivo da Lei 12.619/2012 diz respeito tanto ao motorista profissional
empregado, quanto aos motoristas autônomos, seja ele agregado ou independente. Esses
últimos com previsão legal na Lei 11.442/2007, que dispõe sobre o transporte rodoviário de

425
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

cargas por conta de terceiros mediante remuneração e revoga a Lei no 6.813, de 10 de julho de
1980.
Numa primeira análise pode parecer que a lei alcança somente os motoristas
profissionais empregados, ficando os motoristas profissionais autônomos excluídos. Contudo,
em que pese opiniões contrárias, ao analisar sistematicamente o diploma legal verifica-se sua
pertinência aos motoristas profissionais autônomos. Isso porque o art. 5º introduz uma série
de dispositivos no Código de Trânsito Brasileiro (art. 67-A e art. 67-C; art. 230, XXIII), os
quais, são aplicáveis tanto aos motoristas empregados, quanto aos autônomos. Esse é o
entendimento, inclusive da NTC & Logística, empresa de transportes em diversos estados da
Federação8.
É necessário distinguir a figura do motorista de carga empregado e o motorista de
carga autônomo. Esse último também pode ser chamado de Transportador Autônomo de
Cargas (TAC). A lei 11.442 de 2007 regula as funções do TAC. Dentro desta espécie tem-se o
TAC agregado e o TAC independente. Veja o art. 4o da lei acima referida: “O contrato a ser
celebrado entre a ETC e o TAC ou entre o dono ou embarcador da carga e o TAC definirá a
forma de prestação de serviço desse último, como agregado ou independente”.
O transporte rodoviário de cargas deve ser realizado por pessoa física regido pela lei
11.442/2007. Para se configurar um fidedigno TAC deve obedecer ao previsto no art. 2º da lei
citada, veja:
A atividade econômica de que trata o art. 1o desta Lei é de natureza comercial,
exercida por pessoa física ou jurídica em regime de livre concorrência, e depende de
prévia inscrição do interessado em sua exploração no Registro Nacional de
Transportadores Rodoviários de Cargas - RNTR-C da Agência Nacional de
Transportes Terrestres - ANTT, nas seguintes categorias:
I - Transportador Autônomo de Cargas - TAC, pessoa física que tenha no transporte
rodoviário de cargas a sua atividade profissional;
II - Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas - ETC, pessoa jurídica constituída
por qualquer forma prevista em lei que tenha no transporte rodoviário de cargas a
sua atividade principal.

Porém o TAC agregado pode causar dificuldade em diferenciá-lo do motorista


empregado. Isso ocorre devido à previsão do art. 4º, § 1o da lei 11.442 de 2007, veja:
Denomina-se TAC-agregado aquele que coloca veículo de sua propriedade ou de sua posse, a
ser dirigido por ele próprio ou por preposto seu, a serviço do contratante, com exclusividade,
mediante remuneração certa. Assim, nota-se que o TAC agregado presta serviço com
exclusividade, dificultando, portanto, a identificação da relação de emprego.

NTC debate principais pontos da Lei da Profissão de Motorista. Disponível em


88

http://www.viclogistica.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=113:ntc-debate-principais-
pontos-da-lei-da-profissao-de-motorista&catid=2:noticias

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Inicialmente procede-se a verificação de registro na ANTT (Agência nacional de


Transportes Terrestres). Em caso positivo, passa-se a verificar a subordinação como requisito
do liame empregatício. Ser proprietário ou possuidor não impede que haja relação de
emprego, o que realmente vai distingui-los é a subordinação jurídica. Toda vez que ele
trabalhar com roteiros de visita, turno certo, sem liberdade para escolher o bairro, a zona, a
época melhor, haverá subordinação.
Também se faz necessário observar os dispositivos introduzidos na CLT, bem como
no CTB, que se aplicam aos motoristas empregados. Já, no que toca aos autônomos aplicam-
se apenas os dispositivos inseridos no CTB.
Extrai-se do texto da lei objeto deste estudo que as Normas Regulamentadoras
expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego também são aplicadas tanto aos motoristas
empregados, quanto aos autônomos, uma vez que se trata de “locais de espera dos motoristas
de cargas”, veja o referido dispositivo legal:
As condições sanitárias e de conforto nos locais de espera dos motoristas de
transporte de cargas em pátios do transportador de carga, embarcador, consignatário
de cargas, operador de terminais de carga, operador intermodal de cargas ou agente
de cargas, aduanas, portos marítimos, fluviais e secos e locais para repouso e
descanso, para os motoristas de transporte de passageiros em rodoviárias, pontos de
parada, de apoio, alojamentos, refeitórios das empresas ou de terceiros terão que
obedecer ao disposto nas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e
Emprego, dentre outras.

Todavia, cumpre esclarecer o tipo de motorista profissional autônomo que está


abrangido pela lei: são aqueles que realizam transporte de passageiros com mais de 10 (dez)
lugares, e ainda, motoristas profissionais de carga autônomos, cuja carga tenha peso bruto
total superior a 4.536 (quatro mil e quinhentos e trinta e seis). Tal conclusão advém da
interpretação dos arts. 67-A ao 105, II do CTB.

4.3 O fracionamento dos intervalos intrajornada


No que pertine ao motorista de transporte coletivo urbano, parece que este não foi
alvo da lei 12.619 de 2012, ao passo que o texto que deu redação ao § 5º, do art. 71 da CLT,
refere-se à fração dos intervalos, entre o término da primeira hora e o início da última hora
trabalhada, o que não se aplica ao motorista de transporte coletivo urbano, que devem realizar
pequenas pausas ao chegar ao fim da linha ou rota. Veja-se o disposto no art. 71, § 5º, CLT:
Os intervalos expressos no caput e no § 1o poderão ser fracionados quando
compreendidos entre o término da primeira hora trabalhada e o início da última hora
trabalhada, desde que previsto em convenção ou acordo coletivo de trabalho, ante a
natureza do serviço e em virtude das condições especiais do trabalho a que são
submetidos estritamente os motoristas, cobradores, fiscalização de campo e afins nos
serviços de operação de veículos rodoviários, empregados no setor de transporte
coletivo de passageiros, mantida a mesma remuneração e concedidos intervalos para

427
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

descanso menores e fracionados ao final de cada viagem, não descontados da


jornada.

Conclui-se, portanto, que a Lei 12.619 de 2012 aplica-se aos motoristas profissionais
empregados e autônomos que desenvolvem suas atividades no meio urbano ou mesmo rural e,
ainda, nas vias urbanas ou interurbanas. Porém, devem ser respeitadas as peculiaridades, pois
aos motoristas autônomos aplica-se os dispositivos que alteraram o CTB, bem como as
Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, já aos motoristas
empregados a aplicação é mais ampla, correspondendo além das alterações do CTB, as
inovações advindas à CLT.

4.4 Jornada de trabalho do motorista


O motorista é um trabalhador externo, pois suas atividades são desempenhadas fora
do estabelecimento onde está fisicamente instalada a empresa, com a qual mantém vínculo
empregatício. Mas isso não quer dizer que sua jornada não pode ser controlada. Assim, é
preciso diferenciar os trabalhadores externos que não podem ter sua jornada controlada
daqueles que, apesar de exercerem suas atividades de forma externa, podem ter sua jornada
controlada. Porém, em relação ao motorista profissional, não é necessário fazer essa
diferenciação, tendo em vista que a Lei 12.619/2012 veio a impor limite a sua jornada de
trabalho.
Parece que a Lei 12.619/2012 procurou preservar os ditames constitucionais ao
asseverar que “A jornada diária de trabalho do motorista profissional será a estabelecida na
Constituição Federal ou mediante instrumentos de acordos ou convenção coletiva de
trabalho”.
Nesse ínterim, a Constituição Federal estabelece que jornada dos trabalhadores
urbanos e rurais será de 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais, redação do
art. 7º, XIII, já citado nas linhas pretéritas.
Tamanha a importância desse assunto que o legislador constitucional tratou do
mesmo no Título II da Constituição Federal, compreendido nos Direitos e Garantias
Fundamentais. A localização topográfica dentro da Constituição no que concerne à jornada de
trabalho demonstra o grande relevo do tema. Isso fica ainda mais evidente ao verificar a
classificação da matéria, segundo Moraes (2003), como direito fundamental de segunda
dimensão9. Dito pelo autor como as liberdades positivas, onde o Estado deve fazer.

Alexandre de Moraes classifica os Direitos Humanos em dimensões. Sendo de primeira dimensão aqueles
9

referentes a liberdade do ser humano, ou seja, um “não-fazer” do Estado. Direitos Humanos de segunda

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Se antes os motoristas profissionais eram excluídos do controle de jornada, hoje a lei


muda esta realidade. Isso porque para os motoristas que transportam passageiros já vivem
outra realidade há algum tempo. Esses já possuem jornada controlada e seus reflexos. A
passagem de ônibus, o revezamento de motoristas já eram formas de controlar e garantir
condições saudáveis de prestação de serviços desse tipo de empregado.
Nesse viés a nova lei faz a diferença na vida daqueles trabalhadores que transportam
cargas, pois vem a estabelecer que a cada quatro horas o trabalhador faça um intervalo 30
(trinta) minutos. Isso assegura condições de higiene e segurança ao trabalhador, e ainda, mais
segurança aos demais usuários das rodovias.
O Grande avanço trazido pela Lei 12.619 de 2012 consiste no controle da jornada de
trabalho do motorista. Uma vez que a sua falta faz incidir consequências desastrosas não só
para a saúde do próprio trabalhador, como também para a sociedade, que fica exposta a
condições de risco.
Conforme Moraes (2012) em cada três motoristas rodoviários de carga, um utiliza
substâncias químicas ou entorpecentes para suportar as longas jornadas de trabalho, que
muitas vezes extrapolam as dezesseis horas de trabalho por dia. Isso compromete a saúde dos
motoristas, e também resulta em milhares de acidentes, configurando, segundo o Ministério
da Saúde, um grave caso de saúde pública. Portanto denota a grande importância em
estabelecer limite à jornada de trabalho do motorista.
Desse modo, ganha notoriedade a prescrição do art. 2º da nova Lei do Motorista ao
passo que elenca como direito do motorista profissional o controle da jornada de trabalho, que
deve ser feito pelo empregador.
O aludido dispositivo faz referência ao controle da jornada, bem como do tempo de
direção. Jornada de trabalho como já devidamente descrito e conceituado anteriormente,
consiste no tempo em que o trabalhador presta serviço para empregador e, ainda, o tempo a
sua disposição. Deve ser feito esclarecimento então, acerca do tempo de direção, introduzido
pela lei em comento que deu redação ao art. 67-A do CTB. Tempo de direção é o lapso
temporal em que o condutor permanece no volante entre a origem e o destino.
Quanto ao motorista empregado, tem-se que o empregador deverá controlar a jornada
de trabalho e o tempo de direção. Já quanto ao motorista autônomo, ele mesmo deverá realizar
tal controle. Essa interpretação decorre da análise sistemática do dispositivo acima transcrito e
do art. 67-C do CTB.

dimensão consistem no direito a igualdade, estando inseridos os direitos sociais, seria o “fazer” do Estado. Já os
direitos humanos de terceira dimensão são aqueles relativos ao meio ambiente sadio.

429
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

4.5 Exclusão da jornada de trabalho


A Lei do Motorista exclui da jornada de trabalho os intervalos para refeição, repouso,
espera e descanso. Porém, ressalta-se que não é possível excluir da jornada de trabalho as
paradas com finalidade de realizar reparo ou abastecimento do veículo. (MORAES, 2012).
Segundo o art. 235-C, § 2º da CLT, é considerado trabalho efetivo o tempo em que o
motorista estiver à disposição do empregador. Todavia, esse entendimento entra em conflito
com a prescrição do art. 4º da CLT, que diz: “Considera-se como de serviço efetivo o período
em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens,
salvo disposição especial expressamente consignada”. Percebe-se que está compreendido na
jornada de trabalho o tempo em que o trabalhador fica aguardando ou executando ordens.
Segundo Alemão (2012) a intenção da Lei foi distinguir trabalho efetivo de trabalho
de espera para gerar consequências jurídicas. Nesse ponto, importante dizer que os intervalos
obrigatórios previstos na CLT, art. 71, não são considerados como jornada de trabalho. São
excluídos da jornada do motorista o “tempo de espera” e o “tempo de reserva” analisado a
frente. A seguir serão abordados os meios de realizar o controle da jornada, bem como quem
são os responsáveis.

4.6 Meios de controle preferencialmente por disco ou fita de diagrama


O intervalo intrajornada destina-se à alimentação e repouso do trabalhador. Dessa
forma, o intervalo visa a preservar a saúde física e mental do empregado, consiste, portanto,
em desdobramento do direito à vida e à saúde.
A regra geral sobre intervalo intrajornada está prevista no art. 71 da CLT, que prevê
intervalo de, no mínimo, uma hora. E segue no § 1º do mesmo artigo a previsão de que
jornada inferior a quatro horas não dá ensejo a intervalo. Já a jornada superior a quatro horas e
inferior a seis requer que seja feito intervalo de quinze minutos.
A limitação da jornada de trabalho do motorista era um imperativo para a garantia da
manutenção da sadia qualidade de vida do trabalhador bem como da sociedade. Nesse sentido
a lei em comento foi de grande relevância ao passo em que fixou formas de controlar a
jornada de trabalho do motorista.
Moraes (2012) esclarece que quando a Lei alude à expressão “jornada de trabalho”
está querendo se referir aos motoristas empregados e quando trata sobre o “tempo de direção”
está se referindo tanto aos empregados quanto aos autônomos.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Quando se trata de motorista empregado a lei aponta o empregador a obrigação de


controlar a jornada dos trabalhadores, isso é o que se infere da leitura do artigo 2º, V da Lei.
Quanto aos autônomos, eles próprios que devem realizar o controle do seu tempo de direção
de acordo com o artigo 67-C da Lei.
Sobre os meios de controle, a Lei 12.619/2012 listou para realizar o controle da
jornada o diário de bordo, a papeleta ou ficha de trabalho externo. Conforme Moraes (2012) é
alvo de crítica o fato de a norma deixar o meio de controle ao livre arbítrio do empregador. É
cediço que, por exemplo, o uso de papeleta é prática que pode facilmente sofrer fraude.
Porém, não se pode olvidar que a prática de fraude pode ser motivo de incidência da
legislação penal, que prevê como crime frustrar mediante fraude ou violência a legislação
trabalhista. A pena é detenção de um a dois anos e multa (CP, art. 203).
Sobre a fiscalização do tempo de direção e intervalo para descanso a Resolução 405
do CONTRAN, preconiza que a análise será feita, preferencialmente sobre disco ou fita
diagrama do registrador instantâneo e inalterável de velocidade ou outros meios eletrônicos
idôneos. Deixando a verificação do diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo em
segundo plano.
A Resolução 405 de origem do Poder Executivo, demonstra coerência ao estabelecer
que prioritariamente a fiscalização deve ocorrer através do disco ou fita diagrama do
registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo e outros meios eletrônicos
idôneos.
Neste ponto do estudo é importante trazer à baila o fato de que os beneficiários dos
serviços prestados pelo motorista profissional também são corresponsáveis pelo controle do
tempo de direção. Isso ocorre em decorrência da má estrutura de fiscalização nas rodovias
brasileiras, o que dificulta o controle e atribuir esta função ao motorista autônomo é
verdadeira facécia.
Atento a isso o legislador visando à garantia da eficácia normativa, atribuiu ao
beneficiário do serviço a corresponsabilidade civil e penal pelo controle do tempo de direção.
Entretanto, no que toca a responsabilidade penal houve veto presidencial. Por outro lado a
responsabilidade civil foi mantida através da redação do parágrafo 7º do artigo 67-A do CTB
dada pela Lei do Motorista. Veja a redação do dispositivo legal:
§ 7o Nenhum transportador de cargas ou de passageiros, embarcador, consignatário
de cargas, operador de terminais de carga, operador de transporte multimodal de
cargas ou agente de cargas permitirá ou ordenará a qualquer motorista a seu serviço,
ainda que subcontratado, que conduza veículo referido no caput sem a observância
do disposto no § 5o.

431
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Do mesmo modo regulou a Resolução 405 do CONTRAN em seu artigo 4º,


demonstrando a preocupação por parte do Poder Executivo e responsabilizando também na
esfera administrativa o usuário do serviço prestado pelo motorista.
Desse modo, o destinatário do serviço prestado pelo motorista deverá, em caso de
viagem com duração maior que um dia, verificar se o trabalhador realizou um intervalo
mínimo de onze horas de descanso na sua totalidade.

4.7 Duração da viagem de longa distância


É considerada de longa distância a viagem que dure mais de 24 (vinte e quatro)
horas, inteligência do art. 235-D da CLT, redação dada pela Lei 12.619/12: “Nas viagens de
longa distância, assim consideradas aquelas em que o motorista profissional permanece fora
da base da empresa, matriz ou filial e de sua residência por mais de 24 (vinte e quatro) horas,
serão observados:”. Nesse caso o empregado a cada 4 (quatro) horas deve parar e descansar
30 (trinta) minutos. O tempo de descanso e direção pode ser fracionado de outra forma,
diferente da prevista, porém de nenhuma forma pode ultrapassar as 4 (quatro) horas no
volante.
A Lei do Motorista deu redação ao art. 235-E da CLT, § 1º, instituindo o Descanso
Semanal Remunerado ao motorista em viagens de longa distância. Assim, o descanso referido
será de 36 (trinta e seis horas) semanais.
De acordo com Moraes (2012) essas 36 horas estão acrescidas das 11 (onze) horas de
intervalo interjornada. Assim, na verdade o intervalo semanal para as viagens de longa
distância é de 25 (vinte e cinco) horas semanais, já nas viagens de curta duração, o DSR será
de 24 (vinte e quatro) horas semanais acrescidas também das 11 (onze) horas de intervalo
interjornada.
Por fim, a norma estipulou a possibilidade de acumular os DSRs, devido caso não
haja condições adequadas para seu gozo ao longo da viagem. O § 1º, do artigo 235-E da CLT
permitiu a acumulação sem qualquer limite. Para Moraes (2012) esse entendimento pode
configurar absurdos, sendo indispensável empregar o critério da razoabilidade.
Ainda, o trabalhador exposto a viagem de longa distância tem direito a realizar
intervalo de 1 hora para realizar refeição e repouso diário com veículo parado. Nesse ponto
cabe frisar que a lei considera descanso aquele realizado em alojamento, em hotel e também
na cabine do veículo.

432
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Passa-se a analisar outra modalidade da Lei 12.619 de 2012, o “tempo de reserva”,


que trata, em síntese, do tempo em que o motorista fica repousando no veículo em decorrência
de revezamento entre motoristas.

4.8 Tempo de reserva do motorista e jornada extraordinária


A Lei do Motorista prevê como tempo de reserva aquele em que há revezamento
entre dois motoristas, por exemplo. Nesse caso o trabalhador permanece em repouso no
veículo em movimento, previsão do art. 235-E, § 6º da CLT. Moraes (2012) afirma que
quando o tempo de reserva somente será configurado se ultrapassar o horário da jornada
normal de trabalho.
A remuneração do “tempo de reserva” será correspondente a 30% do valor da hora
normal, diferente do “tempo de espera” que é remunerado integralmente com adicional de
30%.
Jornada extraordinária é o período de tempo que ultrapassa a jornada de trabalho
normal e o empregado permanece prestando serviço ou fica disponível ao empregador.
Importante dizer que pode haver a prorrogação da jornada sem a incidência do adicional
remuneratório é o que ocorre na compensação da jornada, por exemplo.
Assim o período que ultrapassar as 8 (oito) horas diárias de trabalho irá configurar a
prorrogação da jornada. A seguir serão analisadas duas formas de jornada extraordinária: a
compensação de horas e a prorrogação da jornada que dá ensejo ao recebimento do adicional
de, no mínimo, 50% sobre a hora normal.

4.8.1 Compensação de horas


A compensação de horas consiste na prorrogação da jornada realizada mediante
acordo de compensação, conhecido como “banco de horas”. Esta espécie deve ser
disciplinada por convenção ou acordo coletivo de trabalho, onde o as horas trabalhadas a
maior em um dia serão diminuídas em um outro dia. Todavia, a compensação deve ser
realizada, no máximo, em um ano, e ainda, o limite de duas horas diárias deve ser respeitado.
(SARAIVA, 2009).
A presente modalidade de prorrogação de jornada tem fundamento na CLT, art. 59, §
2º. Importante dizer que o trabalhador não fará jus ao adicional de 50% previsto na
Constituição Federal. Porém, incidirá o referido adicional na hipóteses de haver rescisão do
contrato de trabalho sem a devida compensação.
Sobre este assunto versa a Súmula 85 do Tribunal Superior do Trabalho:

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Regime de Compensação de Horário Semanal - Pagamento das Horas


Excedentes
I - A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual
escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva.
II - O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma
coletiva em sentido contrário.
III - O mero não-atendimento das exigências legais para a compensação de jornada,
inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do
pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada
máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional.
IV - A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação
de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal
deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à
compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário.

Em que pese o texto da Súmula transcrita, Saraiva (2009), entende que a


compensação de jornada admitida por acordo individual escrito seria possível somente para
compensação dentro da semana. Seria o exemplo do trabalhador que presta serviço uma hora
a mais por dia da semana e folga no sábado. Na visão do autor não seria possível o acordo
individual para compensação de horas na incidência do “banco de horas”, pois nesse caso
deve haver intervenção sindical e negociação coletiva.
No que tange ao motorista, a Lei 12.619/12 deu redação ao Art. 235-C, § 6o da CLT:
“O excesso de horas de trabalho realizado em um dia poderá ser compensado, pela
correspondente diminuição em outro dia, se houver previsão em instrumentos de natureza
coletiva, observadas as disposições previstas nesta Consolidação”.
Assim, é possível a prorrogação de jornada de trabalho sob a forma de compensação
ao motorista, sendo que a Lei do Motorista de forma positiva, estabeleceu o requisito da
negociação coletiva para tanto.

4.8.2 Incidência de horas extras


A Constituição Federal, art. 7º, XVI prevê a possibilidade de o trabalhador realizar
horas extraordinárias e receber adicional de, no mínimo, 50% sobre a hora normal em razão
disso. Frise-se que o trabalhador poderá estar efetivamente trabalhando ou simplesmente à
disposição das ordens do empregador para fazer jus à remuneração, desde que, extrapole a
jornada normal de trabalho.
O acordo poderá ser individual ou coletivo de acordo com a CLT, art. 59, entretanto
não pode ultrapassar a duas horas diárias. Ultrapassando as duas horas o empregador deverá

434
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

pagar todas as horas trabalhadas, inteligência da Súmula 376 do Tribunal Superior do


Trabalho10.
Assim como na Constituição, a Lei 12.619/2012, art. 3º, que deu redação ao art. 235-
C “Admite-se a prorrogação da jornada de trabalho por até 2 (duas) horas extraordinárias”. O
pagamento dessas horas serão feitas conforme prescreve a Constituição Federal, ou seja, a
hora extra será remunerada com acréscimo de 50% da hora normal, assim é a previsão do art.
7º, XVI: “remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% por cento à do
normal”
Isso se dá em decorrência do próprio texto legal que assevera: “As horas
consideradas extraordinárias serão pagas com acréscimo estabelecido na Constituição Federal
ou mediante instrumentos de acordos ou convenção coletiva de trabalho”.
A grande mudança é a possibilidade de incidirem as horas extras para o trabalho de
motoristas, que antes eram excluídos. Assim, o controle da jornada representa em grande
avanço, pois antes de sua edição, a jurisprudência trabalhista vinha entendendo que o
motorista enquadrava-se no inciso I, do art. 62 do texto consolidado, deixando-o excluído do
sistema de horas-extras. Veja jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região:
HORAS EXTRAORDINÁRIAS. TRABALHO EXTERNO. MOTORISTA.
TACÓGRAFO. A exclusão de certos empregados do regime de jornada previsto no
art. 62, inciso I, da CLT, decorre de presunção relativa, no sentido de que os
trabalhadores que exercem atividades externas não estão sujeitos à fiscalização e
controle de jornada. Todavia, tal presunção pode ser elidida, ante o Princípio da
Primazia da Realidade, norteador do Direito do Trabalho. No caso em apreço, o
Reclamante não conseguiu comprovar que sua jornada era controlada, mesmo
porque o tacógrafo, por si só, sem a existência de outros elementos probatórios, não
demonstra a fiscalização da jornada, nos termos consagrados na Orientação
Jurisprudencial nº 332 da SDI-I do c. TST. Portanto, estando o motorista enquadrado
dentre as exceções do art. 62, I, da CLT, por exercer trabalho externo e não tendo
comprovado haver o controle de sua jornada, indevidas as horas extras pleiteadas.
Nego provimento. (TRT 23a região. Processo 00556.2007.041.23.00-0.
Desembargadora Leila Calvo. Data da publicação: 25/07/2008).

Conclui-se que anteriormente à edição da Lei 12.619 de 2012, o motorista ficava, em


regra, excluído da incidência de horas extraordinárias. Podendo haver a incidência em caso de
pleito judicial, acaso provado, em juízo, que a jornada sofria controle por parte do
empregador. Assim, é evidente que este ponto da Lei trouxe avanços aos direitos trabalhistas
dos motoristas.

10
Horas Extras - Limitação Legal - Cálculo dos Haveres Trabalhistas I - A limitação legal da jornada
suplementar a duas horas diárias não exime o empregador de pagar todas as horas trabalhadas.
II - O valor das horas extras habitualmente prestadas integra o cálculo dos haveres trabalhistas,
independentemente da limitação prevista no "caput" do art. 59 da CLT.

435
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

No próximo tópico serão abordadas algumas mudanças introduzidas pela nova Lei do
Motorista Profissional, à luz da Constituição Federal de 1988.

5. INTERPRETAÇÃO DA LEI 12.619 DE 2012 À LUZ DOS PRECEITOS


CONSTITUCIONAIS
A edição da Lei 12.619 trouxe avanços para a categoria dos motoristas profissionais,
nomeadamente o direito à limitação da jornada de trabalho, medida de grande relevo no que
pertine à medicina e segurança do trabalhador. Todavia é necessário realizar uma análise
sobre pontos específicos trazidos pela Lei para refletir sobre sua constitucionalidade ou não.
Salienta-se que a análise sobre a constitucionalidade ou não de alguns dos
dispositivos sobre o diploma em debate insere-se na temática atinente ao Trabalho Digno,
positivado na Constituição da República Federativa do Brasil como direito fundamental
social.
Desse modo, sendo a jornada de trabalho conteúdo material dos Direitos
Fundamentais brasileiros, sua observação é obrigatória para a efetivação dos Direitos
Humanos do trabalhador.
Importante dizer que, devido à novidade da matéria relativa à jornada do motorista,
ainda não há um arcabouço bibliográfico consistente sobre o tema. Assim a intenção é trazer a
tona o debate e consequentemente a melhor interpretação e o exercício da influência da
pesquisa nas transformações sociais.

5.1 A inconstitucionalidade do “tempo de espera” por não configurar em horas-extras


O tempo de espera contempla novidade legal, sua previsão no § 8º do art. 235-C da
CLT, corresponde ao tempo excedente à jornada normal de trabalho no qual o motorista
aguarda o carregamento ou descarga da mercadoria. Também adentra nesse conceito o tempo
despendido para sofrer fiscalização da mercadoria em barreiras fiscais ou alfandegárias.
Barreiras fiscais são aquelas realizadas pelas Receitas Estaduais nos postos de fiscalização
entre um estado e outros, já barreiras alfandegárias são realizadas pela Receita Federal nas
zonas de fronteira do País e servem para fiscalizar a entrada e saída de produtos no território
nacional.
Conforme a nova legislação, esse tempo despendido pelo empregado não configura
horas-extras. O legislador através de dois comandos legais tentou revestir tal previsão de
constitucionalidade, o que, entende-se, de forma totalmente distorcida ao espírito da
Constituição Federal de 1988. O primeiro comando está previsto no art. 235-C, § 8º, onde

436
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

prescreve que o tempo de espera não será computado como horas extraordinárias. O segundo
comando vem logo a seguir no § 9o , da mesma Lei onde assevera que o valor a ser pago pelo
tempo de espera do motorista consiste em verba indenizatória e não salarial.
Também consiste em tempo de espera o período em que o trabalhador, extrapola a
sua jornada para permanecer junto ao veículo por exigência do empregador nas viagens de
longa distância, interpretação dada através, do art. 235-E, § 4º da CLT: “O motorista fora da
base da empresa que ficar com o veículo parado por tempo superior à jornada normal de
trabalho fica dispensado do serviço, exceto se for exigida permanência junto ao veículo,
hipótese em que o tempo excedente à jornada será considerado de espera”.
Moraes (2012) entende que isso ocorre devido a falta de disponibilização, por parte
do empregador, de custeio para as despesas de hospedagem ou local apropriado para repouso.
Conforme o autor faltam as condições mínimas de descanso para que o trabalhador possa
gozar de seu tempo livre. Deve-se lembrar que o período de embarque e desembarque pode
significar muitos dias seguidos em algumas hipóteses. Situação que figura o exercício de
trabalho indigno. Isso pode decorrer, não da omissão do empregador, mas sim de atitudes do
embarcador, que atualmente também responsabiliza-se por garantir as condições sanitárias de
conforto mínimas previstas pelas Normas Regulamentadoras do MTE.
Já na hipótese de o empregado preferir permanecer na “boleia” após a jornada de
trabalho, entende-se que o preceito é inconstitucional, porque, à luz do art. 4º da CLT,
constitui-se jornada o tempo que o empregado fica à disposição do empregador. Logo, sendo
jornada e extrapolando a 8ª hora diária, isso irá configurar hora extra fazendo uma
interpretação à luz da CF.

5.1.1 A inconstitucionalidade da remuneração do tempo de espera e jornada de 12 X 36


Sobre a remuneração do tempo de espera o art. 235-C, § 9º da CLT determina que o
tempo de espera, que extrapole a jornada de oito horas, seja indenizado com adicional de 30%
sobre o salário-hora. As exclusões do tempo de espera da configuração da jornada de trabalho
bem como a forma de remuneração incidem em lesão frontal ao texto da Constituição Federal.
O lapso temporal em que o trabalhador se coloca à disposição do empregador deve
ser considerado em cumprimento de jornada de trabalho e, portanto, extrapolando da jornada
normal, deveria incidir o adicional de horas extras e por consequência o adicional de 50%
sobre a hora normal e não 30%.
A jurisprudência, até a edição da Lei do Motorista, vinha entendendo que cabia o
recebimento de horas extras, caso o trabalhador extrapolasse as oito horas diárias. Nesse

437
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

sentido a jurisprudência para conferir ao trabalhador o adicional de 50% de horas extras,


conforme previsão na CF, art. 7º, XVI. Assim decidiu a segunda turma do TST no dia 30 de
junho de 2004, publicação DJ 20/08/2004, em sede do Recurso de Revista número
6886647120005035555 688664-71.2000.5.03.5555.
A CLT, art. 457, § 1º estabelece que “Integram o salário não só a importância fixa
estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para
viagens e abonos pagos pelo empregador”, assim, da redação infere-se que o adicional de hora
extra tem natureza jurídica salarial e não indenizatória. Por consequência, o adicional de 30%
é inconstitucional por ferir o princípio da irredutibilidade (CF, art. 7º, VI) e o próprio
adicional de horas extra, que é salarial (CF, art. 7º, XVI).
Além disso, através de um entendimento analógico da Súmula 101 do TST, com a
seguinte redação: “Integram o salário, pelo seu valor total e para efeitos indenizatórios, as
diárias de viagem que excedam a 50% (cinqüenta por cento) do salário do empregado,
enquanto perdurarem as viagens”, percebe-se que o montante pago a este título deverá
integrar a remuneração do trabalhador para todos seus efeitos, caso a remuneração pelo temo
de espera ultrapasse a 50% do salário do motorista. (MORAES, 2012).
No que tange a jornada de 12 X 36 horas, a Lei 12.619/12 prevê que através de acordo
coletivo é possível que o trabalhador realize jornada de 12 horas por 36 horas de descanso. O
artigo terceiro da Lei deu redação ao artigo 235-F da CLT: “Convenção e acordo coletivo
poderão prever jornada especial de 12 (doze) horas de trabalho por 36 (trinta e seis) horas de
descanso para o trabalho do motorista, em razão da especificidade do transporte, de
sazonalidade ou de característica que o justifique”.
Entende-se que tal previsão apresenta frontal lesão à previsão literal da Constituição,
bem como ao espírito que a Constituição Federal pretende dar aos Direitos Fundamentais, em
especial, dos trabalhadores, que limita a jornada diária em 8h (inciso XIII do art. 7 da CF).
Contudo, podem insurgir opiniões opostas com fundamento na jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, é o que se extrai do ARE 673732, publicado no dia 5 de março de 2012,
tendo como relator o Ministro Gilmar Mendes11.
Percebe-se que o Guardião da Constituição admite a jornada de 12 X 36 por meio de
previsão em norma coletiva. Contudo, é uma decisão diante do caso concreto, diferente do
que ocorre quando há previsão abstrata em lei nesse sentido.

TRABALHISTA. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. JORNADA DE


11

TRABALHO DE 12X36 HORAS. COMPENSAÇÃO. PREVISÃO EM ACORDO COLETIVO. VALIDADE.


HORAS EXTRAS. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. ALEGAÇÃO DE
AFRONTA AOS ARTIGOS 5º, XXXV,LIV E LV, E 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (...).

438
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Assim, entende-se a previsão em comento inconstitucional e passível de sofrer


controle de constitucionalidade abstrato, uma vez que, a lei em tese, não pode contrariar os
ditames constitucionais sob pena de ser expurgada do ordenamento jurídico brasileiro. Nesse
sentido, o artigo 7º, XIII da Carta Magna é clara ao determinar jornada de trabalho de oito
horas.
Entretanto, não é possível deixar de referir a Súmula 444 do Tribunal Superior do
Trabalho também admitindo a validade da escala 12 X 36, veja in verbis:
JORNADA DE TRABALHO. NORMA COLETIVA. LEI. ESCALA DE 12
POR 36. VALIDADE. - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
É valida, em caráter excepcional, a jornada de doze horas de trabalho por trinta e
seis de descanso, prevista em lei ou ajustada exclusivamente mediante acordo
coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, assegurada a remuneração
em dobro dos feriados trabalhados. O empregado não tem direito ao pagamento de
adicional referente ao labor prestado na décima primeira e décima segunda horas.

Não obstante o exposto, é mister dizer que as súmulas do TST não são vinculantes e
que muitas vezes necessitam inúmeros debates judiciais para que os direitos trabalhistas não
sejam preteridos. E ainda, atividade do motorista é extremamente desgastante e perigosa,
sendo as pausas e limitações de jornada um imperativo à saúde, não só do motorista, mas de
toda a sociedade.
Moraes (2012) assevera que a previsão legal da jornada 12 X 36 significa um
verdadeiro retrocesso social. Conforme o entendimento de Alemão (2012), além da
negociação coletiva deve ser justificado em razão da especificidade do transporte, de
sazonalidade ou característica. Pode também ser justificada a escala para realizar reparos, ou
ainda, a lei diz em outros casos, deixando uma margem extensa de subjetividade. Assim, a
norma coletiva deve ser analisada com bastante acuidade sob pena de ser considerada nula.
Visto que o pagamento das horas extraordinárias possui natureza alimentar, pois
integra o salário e que jornada superior a oito horas diárias lesa a saúde do trabalhador,
percebe-se nesse ponto à ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois os direitos
referidos são tutelados pela Constituição Federal, portanto são direitos fundamentais.

5.3 Inconstitucionalidade do fracionamento do intervalo da jornada


Verifica-se que o artigo 4º da Lei 12.619 de 2012 que deu redação ao § 5º do artigo
71 da CLT viola os direitos tutelados pela Constituição ao combinar o fracionamento do
intervalo e a possibilidade de prorrogar as 8 (oito) horas diárias.
Deve-se lembrar que a negociação coletiva encontra limites ao passo que forem
prejudiciais à saúde e segurança do trabalhador. O Tribunal Superior do Trabalho editou a
Orientação Jurisprudencial 342 em 2004 considerando “inválida cláusula de acordo ou

439
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução de intervalo


intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido
por norma de ordem pública, infenso à negociação coletiva”.
Note que a regra geral é o não fracionamento. Entretanto, em 2009 a OJ em comento
foi alterada criando uma exceção para motoristas e cobradores de transporte público coletivo
urbano permitindo fracionar intervalos intrajornada por negociação coletiva, desde que,
garantida a redução da jornada de trabalho para 7 (sete) horas diárias ou 42 (quarenta e duas)
semanais não prorrogadas.
Parece que a Lei debatida, desejou trazer, para o seu texto, a diretriz da OJ 342 da
SDI-I, mas de forma lesiva. Isso porque a OJ exigia que para fracionar não poderia haver
prorrogação de horas, já a Lei 12.619 não condiciona o fracionamento ou redução do intervalo
ao cumprimento de jornada reduzida e não prorrogável. É presumível que a Justiça Laboral
mantenha o entendimento da condição de não prorrogação de horas para que haja concessão
do fracionamento dos intervalos (ALEMÃO, 2012).
Percebe-se a partir do exposto que o fracionamento da jornada de trabalho do
motorista profissional fere a dignidade do trabalhador devido a não observância das regras de
medicina e segurança que buscam a integridade do direito à saúde derivado do próprio direito
à vida.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo analisou a Lei 12.619 de 2012 - Nova Lei do Motorista - sob um
viés constitucional, nomeadamente à luz do princípio da Dignidade da Pessoa Humana. A
dignidade é o ponto em comum que os Direitos Humanos Fundamentais. São direitos
intrínsecos ao ser humano, que estabelecem condições mínimas para a existência da pessoa.
Os Direitos Humanos que constam na Constituição Federal de 1988 consistem em
Direitos Fundamentais e neles estão abrangidos os direitos sociais, e, portanto, o Direito do
Trabalho. O Trabalho Digno, em especial, refere-se à observância do patamar civilizatório
mínimo e é consagrado como um direito humano fundamental em tratados internacionais, na
Constituição Federal e em normas infraconstitucionais.
Foram analisados também aspectos gerais no que tange à jornada de trabalho. E,
ainda, examinado, especificamente, a jornada de trabalho do motorista profissional a partir do
novo diploma legal que lhe foi outorgado. E, por fim, foram abordadas questões
controvertidas em relação a sua constitucionalidade.

440
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Até o nascimento da Lei em comento, o controle da jornada de trabalho consistia em


necessidade imperiosa, visto que os motoristas muitas vezes ficavam expostos a jornadas
extenuantes, propiciando severos riscos, não só a sua própria saúde, como também de toda a
coletividade.
A Lei do Motorista trouxe avanços no sentido de proporcionar melhoria na qualidade
de vida desse segmento, e ainda diminuir os riscos de acidentes envolvendo caminhoneiros
exaustos e muitas vezes sob efeito de medicamentos e entorpecentes.
O trabalhador objeto da Lei em análise é o motorista de carga ou passageiro
empregado ou autônomo. Ao motorista empregado aplicam-se as mudanças que atingiram
tanto a Consolidação das Leis Trabalhistas, quanto o Código de Trânsito Brasileiro. Já os
motoristas autônomos serão atingidos somente pelas mudanças em âmbito do Código de
Trânsito Brasileiro.
Em que pese os avanços trazidos pela nova legislação, alguns de seus dispositivos
ferem preceitos positivados na Constituição Federal de 1988, e, por conseguinte, o Princípio
da Vedação ao Retrocesso Social (esse princípio mereceria, acima onde foi citado - Canotilho
- maior desenvolvimento, com citação de outros autores), ao passo que estabelecem, em
algumas passagens, redação contrária ao texto Constitucional. Disso, deflagra-se, também,
lesão ao direito fundamental ao Trabalho Digno. Exemplificativamente, cita-se a
possibilidade de realização de jornada de doze horas, a indenização e não remuneração do
“tempo de espera” em 30%, o fracionamento dos intervalos para descanso.
Assim, cabe ao aplicador do direito, diante de um caso concreto, realizar uma
interpretação sistemática, sopesando as normas Constitucionais, os Princípios Trabalhistas e a
Lei 12.619 de 2012, para fazer prevalecer a norma mais favorável ao trabalhador, dando
densidade ao que preconiza o "caput" do art. 7º da CF.
Quanto às questões neste estudo consideradas inconstitucionais, entende-se que as
mesmas devem ser submetidas ao controle de constitucionalidade concentrado. Para tanto, um
dos legitimados pela Constituição Federal elencados no rol do art. 103 deve propor uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade frente ao Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela
guarda da Constituição, sob pena de lesão frontal ao princípio da Dignidade da Pessoa
Humana.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

441
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

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________. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
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________. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, Súmula n. 376, acrescentada pela


resolução Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.

________. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, Orientação Jurisprudencial 342,


cancelada. Convertida para item da Súmula 437 TST. Resolução 186/2012, DEJT divulgado
em 25, 26 e 27/09/2012.

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SANTOS e CORREIA, Élisson Miessa dos; Henrique. Súmulas e Orientações


Jurisprudenciais do TST: comentadas e organizadas por assunto. 2ª ed. Salvador:
JusPodivm, 2012.

TRT 23a região. Processo 00556.2007.041.23.00-0. Desembargadora Leila Calvo. Data da


publicação: 25/07/2008.

443
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

TRABALHO EDUCATIVO: EFETIVAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS OU


EXPLORAÇÃO DE MÃO DE OBRA DE BAIXO CUSTO

WORK EDUCATION: EFFECTIVE SOCIAL RIGHTS OR EXPLORATION OF


LABOUR OF LOW COST

Danielle de Jesus Dinali1

Resumo: O Trabalho Educativo é um instituto encetado pelo Estatuto da Criança e do


Adolescente o qual possui pouca publicidade e aplicabilidade no cenário produtivo brasileiro.
Esta forma de inserção de jovens no mercado de trabalho visa primordialmente o
desenvolvimento pessoal e humano destes educandos, acoplado a sua profissionalização.
Nestes termos, frente aos inúmeros exemplos favoráveis e contrários ao trabalho educativo
discute-se se este instituto poderia realmente alcançar os fins desejados como posto nos
dispositivos legais. Controvertidas são as opiniões, todavia, não se negando as dificuldades na
implementação de um programa que verdadeiramente consiga alcançar os fins descritos na
legislação, demonstrar-se-á que alguns exemplos do trabalho educativo estão nos liames
desejados pelas Convenções Internacionais, Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo art.
227 da Constituição Federal de 1988, o que pode representar uma efetivação de direitos
sociais.

Palavras-Chave: Trabalho Educativo; Direitos Sociais; Estatuto da Criança e do


Adolescente; Efetividade

Abstract
Work Education is one institute initiated by the Child and Adolescent which has very little
publicity and applicability in the Brasil productive scenario. This form of integration of young
people in the labor market aimed primarily the personal and human development of students
coupled with his professionalism. Accordingly, faced with numerous examples for and
against the educational work discusses whether the institute could actually achieve the desired
ends and put in the regulations. The opinions are controversial, however, is not denying the
difficulties in implementing a program that truly achieves the purposes described in the
legislation, it will show some examples of work in educational bonds are desired by the
international conventions, status of children and adolescents and by art. 227 of the
Constitution of 1988, which may represent a realization of social rights.

1
Aluna da Disciplina Isolada Direito Processual do Trabalho lecionada no programa de Pós-Graduação, stricto
sensu , da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito do Trabalho pelo IEC –
Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada.

444
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Keywords: Work Education; Social Rights; Status of Children and Adolescents;


Effectiveness

1 INTRODUÇÃO

A Carta Magna de 1988 inovou ao trazer para o Brasil a doutrina internacional de


proteção integral às crianças e aos adolescentes. Teoria a qual está alicerçada, jurídica e
socialmente, na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada pela
Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. (OLIVEIRA, 2009, p.
156)
Baseada na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento as quais necessitam que
lhes seja garantido proteção integral, esta doutrina defende os direitos próprios e essências dos
menores.
Assim, elenca o art. 227 da CF/88, como prioritária a ação conjunta da família, do
Estado e da Sociedade, a fim de garantir às crianças e adolescentes cidadania plena.
Nestes termos, elucida o art. 7, inciso XXXIII do texto constitucional, a proibição do
trabalho noturno, perigoso e insalubre à menores de 18 anos de idade e qualquer trabalho a
menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos de idade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe também qualquer trabalho pelos
menores que prejudique a sua formação e o seu desenvolvimento físico, psíquico e social,
bem como aqueles realizados em condições impeditivas de frequência a escola (art.67, ECA).
Seguindo tal orientação e nos termos da Convenção n.182, foi aprovado no Brasil o
Decreto n. 6.481, de 12 de junho de 2008, o qual listou as Piores Formas de Trabalho Infantil
(Lista TIP) indicando os prováveis riscos ocupacionais e possíveis danos à saúde em diversos
ramos de atividade. (BRASIL, Decreto Lei 6.481, 2008)
Por outro lado, regula também o Estatuto da Criança e do Adolescente as
possibilidades de inserção dos menores no mercado de trabalho.
Uma destas formas é a descrita pelo artigo 68 do referido diploma, o qual é intitulado
“Trabalho Educativo”.
Este é caracterizado pela associação entre trabalho e educação, na qual prevalece à
última.
Assim, trabalho educativo, segundo Oris de Oliveira é

445
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A inter-relação entre educação (esta tomada em todas as suas dimensões como


progresso que visa a promover o desenvolvimento da pessoa com todas as suas
potencialidades e o trabalho (este visto não somente como a realização do indivíduo,
mas também em sua dimensão social em dado momento histórico dentro do
processo produtivo em que está concretamente inserido). (OLIVEIRA, 2009, p.224)

Nestes termos, depreende-se que o trabalho educativo visa à concretização da proteção


integral aos jovens de baixa renda os quais não teriam outra forma mais adequada de se
profissionalizar que não seja pela integração entre a educação social, moral e a
profissionalização, via programas sociais.

2 DIREITOS SOCIAIS AFETOS AOS ADOLESCENTES

A Constituição Federal determina, nos termos do artigo 227, que a responsabilidade


por assegurar a criança e ao adolescente seus direitos é da Família, da Sociedade e do Estado.
Assim, lhes são garantidos os direitos á vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária.
Da mesma forma, estabelece o texto constitucional à proteção contra qualquer forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Há ainda especial preocupação com o adolescente portador de deficiência, em relação
ao qual tanto o Estado quanto à iniciativa privada deverão criar programas de prevenção e
atendimento especializado, mediante treinamento para o trabalho e a convivência, bem como
facilitação do acesso a bens e serviços, com eliminação de preconceitos e obstáculos (art. 227,
§3, I, CF/88).
Com destaque ao adolescente trabalhador continua o texto Constitucional Federal
garantindo-lhes:
a) acesso à escola;
b) direitos previdenciários e trabalhistas;
c) idade mínima de 16 anos para admissão ao trabalho, salvo como aprendiz (14
anos).
Nestes termos, vale ainda lembrar que a Carta Magna, em seu art. 7, XXXIII veda a
realização de trabalho noturno, insalubre ou perigoso, bem como o Estatuto da Criança e do
Adolescente em seu art.68, II, proíbe o trabalho penoso e pernicioso à saúde do adolescente.
Quanto ao instituto da idade mínima para o trabalho recordam-se as lições de Oris de
Oliveira que esclarece:

446
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O texto constitucional na redação primitiva do inc. XXXIII do art. 7 permitia a


aprendizagem abaixo dos 14 anos deixando para o legislador discipliná-la. O art. 62,
do ECA pretendeu preencher a lacuna criando a figura da bolsa de aprendizagem
entre 12 e 14 anos ficando a cargo de um Decreto regulamentar explicitar seu
conteúdo. Muito se escreveu sobre a bolsa de aprendizagem que não correspondia à
aprendizagem empresária a partir dos 14 anos; indagava-se sobre possibilidade da
parte prática ser exercida em empresas. Não paira dúvida que o artigo 64 em sua
redação original não foi recebido pelo texto constitucional atual. Ex abundantia é
oportuno lembrar que o art. 6 da ratificada Convenção n. 138 proíbe aprendizagem
com idade inferior a 14 anos em empresas – Lei de Aplicação das Normas Jurídicas
(impropriamente denominada Lei de Introdução ao Código Civil) (OLIVEIRA,
2009, p.156).

Nestes temos, é proibido qualquer trabalho ao menor de 16 anos, salvo na condição de


aprendiz, a partir dos 14 anos.
Segundo o doutrinador Amauri Mascaro do Nascimento, a utilização da expressão
“qualquer trabalho” previsto no texto Constitucional é de grande relevância e significado,
pois:

Ao proibir qualquer trabalho para o menor de 14 anos de idade e admitir uma


exceção, a de aprendiz, a Constituição veda não só relação de emprego como ainda
outras relações de trabalho. Logo, também, o trabalho eventual temporário, a
pequena empreitada, o trabalho avulso e, se for o caso, o trabalho autônomo – são
proibidos para o menor de 14 anos de idade, bem como, não só as atividades
urbanas, mas também as rurais. (NASCIMENTO, 2009, P. 223)

Assim, notável se faz a teoria da proteção integral, adotada pela Constituição Federal,
baseando-se em direitos próprios e especiais das crianças e adolescentes que, na condição
peculiar de pessoas em desenvolvimento, precisam de proteção integral, especializada e
diferenciada. (FERNANDES, 2001)
Nestes termos, dentro do sistema de proteção completa e geral à criança e ao
adolescente, além da proibição a certas e determinadas formas de trabalho, temos em
contrapartida, o direito destes jovens ao ingresso no mercado de trabalho.
Segundo o já citado artigo 227 da Constituição Federal de 1988 a “profissionalização
de adolescente” é também um direito que dever ser garantido com absoluta prioridade.
(OLIVEIRA, 2009, p. 156)
Assim, o texto constitucional sinaliza tal importância, possibilitando que a partir dos
14 anos o adolescente possa iniciar sua profissionalização, via aprendizagem.
Isto porque, com um mercado de trabalho cada vez mais competitivo a
profissionalização do adolescente vai ao encontro das exigências de tal realidade, a qual

447
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

revela um contingente de jovens que não conseguem uma oportunidade de emprego, por pura
falta de qualificação.
Portanto, a exclusão do mercado de trabalho revela-se como uma ofensa a cidadania e
aos direitos e garantias fundamentais, haja vista que o art. 5, XIII, resguarda a todos o
trabalho livre.
Outrossim, elucida Pedro Demo que “por sermos cidadãos, temos direito ao trabalho”,
nos seguintes:

A visão política do trabalho é uma exigência da cidadania. Por isto dizemos que é
derivado dela. Por sermos cidadãos, temos o direito ao trabalho. Por ser direito, está
definitivamente ligado à realização da dignidade e da decência social. Não quer
dizer secundarização porque o cidadão que não trabalha é parasita, ou seja, não é
cidadão. No entanto, é muito diferente enfocar o trabalho como componente da
cidadania, ou como exclusiva realização profissional. A educação tem a ver
essencialmente com a primeira visão. Engloba a segunda, como decorrência, e será
sempre um dos frutos da dignidade profissional. É função, pois, do processo
produtivo, mesmo quando chamado a profissionalizar, não relegar a cidadania a
segundo plano. (DEMO, 1985, p. 67)

No mesmo sentido, esclarece Costa (1988) que:

A essência do homem é, efetivamente, o trabalho desalienado, isto é, o trabalho do


qual o homem seja sujeito e não objeto, um executor cego, separado da consciência
dos fins, da organização dos meios e do produto de seu esforço, como ocorre com o
trabalho encerrado no círculo de ferro da alienação. (COSTA, 1998, p.5)

Direcionado por tal orientação o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei


8.690/ 1990, em seu art. 68, disciplina o instituto do Trabalho Educativo, o qual tem os fins
sociais abaixo elucidados.

O trabalho para ser educativo é aquele em que a dimensão produtiva será


subordinada à dimensão formativa. Isto quer dizer que, neste tipo de trabalho o
produto mais importante é o trabalhador consciente de seu papel de agente da sua
história e da história da classe social e do povo-nação a que pertence. Neste sentido,
o trabalhado para ser educativo tem, necessariamente, de ser um trabalho
desalienado. Acreditamos que, pela vivencia concreta de formas desaliendas de
trabalho o educando poderá ascender à condição de membro consciente da classe
trabalhadora, empenhado na luta pela sua emancipação e comprometido com a sua
superior destinação histórica. (COSTA, 1988, p.5)

Assim, o instituto do trabalho educativo disposto no ECA tem como uma de suas
finalidades a efetivação de direitos fundamentais.
Escopo este que será analisado no tocante ao alcance da sua finalidade pelas singelas
elucidações do presente estudo.

448
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

3 TRABALHO EDUCATIVO: PREVISÃO LEGAL

O Trabalho Educativo é definido pelo art. 68 da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que
dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. (BRASIL, 1990)
Segundo o parágrafo primeiro do mencionado artigo, trabalho educativo é a atividade
laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do
educando prevalecem sobre os aspectos econômicos e de mercado.
Dispõe ainda o art. 68 do referido diploma que o programa social que tem por base
este tipo de trabalho deve assegurar ao adolescente que dele participa condições de
capacitação para a realização de exercício de atividade regular remunerada.
Nestes termos, é educativo o trabalho:
1. que possibilite condições de capacitação para o exercício de atividade
remunerada;
2. que há exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social
do educando, que prevaleçam sobre o aspecto produtivo;
3. que resulte produção;
4. que ocorra a remuneração pelo trabalho efetuado por “unidade de obra” ou por
participação na venda dos produtos sem desfigurar o caráter produtivo.
Assim, define Oris de Oliveira (2009) que o trabalho educativo nos moldes abaixo
declinados:

Não uma atividade laborativa qualquer, mas a que se insere em projeto pedagógico
que vise ao desenvolvimento pessoal e social do educando. Portanto o ritmo,
desenrolar das atividades deverá ser ditado, sob pena de inversão de meios e fins,
por um programa preestabelecido.
Não uma produção qualquer, mas aquela cujo produto possa ser vendido dentro das
exigências de qualidade e competitividade. Uma produção, pois, que implique custo
e benefícios, capaz de remunerar quem a executa.
(OLIVEIRA, 2009, p. 222)

Ressalta, todavia, referido autor que o termo trabalho educativo possui múltiplos
significados, haja vista que no mundo grego, por exemplo, os termos “trabalho” e “educação”,
podiam ser tidos como dicotômicos. Assim, segundo Oris de Oliveira (2009):

O termo “trabalho educativo” é polissêmico, pois, “os múltiplos significados que um


determinado termo possa ter enquanto categoria de análise do trabalho educativo e
também enquanto categoria orientadora desse trabalho pode ser tantas quantas forem

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

as concepções teóricas adotadas. Isso quer dizer que não há somente um único
significado que possa ser válido ou verdadeiro”.
A multiplicidade de significados não implica um relativismo estéril porque “a
utilização coerente do termo dentro de cada concepção teórica, é indispensável que
aquele que o adote tenha claro não só referencial teórico, que embasa, mais
diretamente os procedimentos metodológicos que utiliza, mas também é
indispensavelmente tenha muito bem claro os valores para os quais tais princípios
servem, sem o que não terá condições de prever as implicações das soluções
propostas.
Entre seus múltiplos significados “trabalho educativo” pode referir-se às ações
consistentes em educar, quando a educação concebida como a atividade mediadora
no seio da prática social global serve ao objetivo de promover o homem (...); a
educação é sempre uma mediação valorativa, isto é, dirigida por valores, uma
mediação que indica um determinado posicionamento. Não é, portanto, neutra.
Trabalho educativo significa, também, uma inter-relação entre educação (este
tomada em todas as suas dimensões como processo que visa a promover o
desenvolvimento da pessoa com todas as suas potencialidades) e o trabalho (este
visto não somente como realização do indivíduo, mas também, em que está
concretamente inserido). (OLIVEIRA, 2009, p.223-224):

Portanto, frise-se que apesar da prevalência do aspecto de desenvolvimento pessoal e


social do educando em relação ao âmbito produtivo, este, todavia, não deixa de ser
importante, porque é na sua realização que o jovem irá praticar parte das lições e orientações
auferidas da entidade responsável, no tocante á sua preparação para a inserção no mercado de
trabalho.
Instituição esta que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pode ser
uma organização não governamental ou até uma empresa.
Isto porque, o ECA apenas definiu que o “trabalho educativo” deverá ser
desempenhado “sob a responsabilidade de entidades assistenciais ao adolescente”, não
delimitando a possibilidade da prestação do tal modalidade de trabalho a outras instituições ou
empresas tomadora de serviços do adolescente. (BRASIL, Lei nº 8.069, 1990)
Observa-se, todavia, que as empresas que recebem o Menor para a execução deste tipo
de “trabalho” não tem autonomia para dar-lhe qualquer atividade, ou exercer completamente
seu poder diretivo sobre a força de trabalho do jovem. Outrossim, devem cumprir o programa
de formação do mesmo elaborado pela entidade educacional.
Assim, exemplifica Oris de Oliveira (2009) algumas modalidades de trabalho
educativo:

a) um contrato de aprendizagem, que se executa numa relação de emprego;


b) o estágio curricular ou profissionalizante;
c) o inserido programa de pré-aprendizagem;
d) o realizado em cooperativa-escola;
e) o efetuado em escola-produção;
f) o inserido em processo de reciclagem ou requalificação profissional. (OLIVEIRA,
2009, p.227)

450
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Com efeito, as modalidades apontadas se descaracterizam se os trabalhos nelas


realizados não forem educativos, o que passa a representar apenas a exploração de mão de
obra jovem sem qualquer finalidade social ou moral.

4 EXPLORAÇÃO DE MÃO DE OBRA JOVEM: APRENDIZ E ESTÁGIO

O trabalho educativo nos termos acima descrito é aquele que promove a junção entre
escola e labor na medida certa, porém, prevalecendo o aspecto educativo a fim de que não
apenas o crescimento profissional seja completo, mas também que promova no educando o
desenvolvimento dos aspectos morais e sociais.
Nestes termos, o trabalho educativo não esta adstrito a uma única e exclusiva
modalidade de labor, mas pode ser encontrada em algumas formas de contratação de
adolescente, como por exemplo, o aprendiz e o estágio.
Assim, bem explicita Oris de Oliveira que:

É uma interpretação restritiva e injustificável deduzir que o art. 68 do ECA tenha


explícita ou implicitamente criado uma, apenas uma modalidade de trabalho
educativo que se contraporia a outros modalidades de trabalho.
Há, com efeito, outras modalidades de trabalho que se enquadram perfeitamente na
“compreensão” ou definição dos mencionados parágrafos primeiro e segundo no art.
68 do ECA. Podem, por exemplo, ser apontadas duas modalidades de trabalho que,
em conformidade com as normas legais que as regem, só atingem seus objetivos se
foram programadas e executadas como trabalho educativo: a aprendizagem
empresarial e o estágio profissionalizante. Ambas implicam que, em conformidade
com a letra e espírito da lei que as regem, as exigências pedagógicas, sob pena de
inversão de meios e fins, devem prevalecer sobre o aspecto produtivo. (OLIVEIRA,
2009, p. 223)

Portanto, “as modalidades de estágio e aprendizagem estão visceralmente vinculadas a


um processo educacional”, nos termos do trabalho educativo. (OLIVEIRA, 2009, p. 223)
O Estatuto da Criança e do Adolescente define a aprendizagem em seu art. 62,
colocando-a como um processo educacional, realizado sob a orientação de um coordenador
responsável, em ambiente adequado a formação profissional inicial.
O aprendiz, nestes moldes, tem a possibilidade de adquirir conhecimentos a partir de
uma mesclagem entre a teoria e a prática laborativa, de forma que o jovem possa ter um
crescimento profissional e pessoal mais completo.
Neste sentido, a aprendizagem é definida por Oris de Oliveira (2009) nos seguintes
modos:

451
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A aprendizagem, visando ao exercício de atividades específicas ditadas pela divisão


do trabalho na vida social – é processo educacional, alternado (ensino teórico e
prático), metódico (operações ordenadas dentro de um programa em que se passa do
menos para o mais complexo) efetuado sob orientação de um responsável (pessoa
física ou jurídica) em ambiente adequado (condições objetivas: pessoal docente,
equipamentos).
A aprendizagem se insere na educação permanente, que engloba a formação
profissional inicial (conjunto de formação organizadas pelo sistema escolar e
universitário, de ensino geral e tecnológico visando a alunos e estudantes ainda não
engajados na vida ativa) e formações posteriores que perduram por toda a vida. A
aprendizagem implica transmissão e aquisição de conhecimento com alternância, ou
seja, teóricos e práticos. (OLIVEIRA, 2009, p. 246)

O Estágio, por sua vez, é definido em lei própria, qual seja, a Lei 11.788 publicada em
25 de setembro de 2008. Este pode ser conceituado como um tempo de efetivo exercício de
uma profissão a qual tem suas bases teóricas explanadas por uma instituição de ensino técnico
ou superior diversa do local de exercício da prática. (BRASIL, 2008)
A Lei brasileira delimita precisamente os contornos e finalidades do contrato estágio
nos seguintes termos:

Art. 1 Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de


trabalho, que visa a preparação de trabalho produtivo de educandos que estejam
frequentando o ensino regular, em instituição de educação superior, de educação
profissional, de ensino médio, de educação especial e dos anos finais de ensino
fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.
§1º O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário
formativo do educando.
§2º O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade
profissional a contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do
educando para a vida cidadã e para o trabalho. (BRASIL, Lei. 11.788/ 2008, 2012)

Assim, o estágio deve, cumulativamente, preencher os seguintes requisitos descritos


no art. 3º:

I – matrícula e frequência regular do educando em curso de educação superior de


educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais do
ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos e
atestados pela instituição de ensino;
II – celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do
estágio e a instituição de ensino;
III - compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas
no termo de compromisso. (BRASIL, Lei 11.788/2008, 2012)

Importa enfatizar, para a compreensão da lei, que o estágio situa-se no campo da


educação em diversos níveis, assim explica Oliveira ser o estágio “uma fase ou
complementação da aprendizagem escolar desenvolvendo-se no ambiente do trabalho”. Ele

452
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

“constrói uma “ponte” que liga um todo constituído por estudo e trabalho, devendo, porém, o
aspecto educativo prevalecer sobre o produtivo”. (OLIVEIRA, 2009, p. 254)
Nestes termos, percebe-se que tanto o estágio como a aprendizagem são modalidades
de trabalho educativo, desde que desenvolvidos nos estritos limiares legislativos.
Todavia, assim como qualquer trabalho que se define por educativo a não observância
das finalidades legais desconstitui o contrato de estágio e faz surgir, espontaneamente, uma
relação de emprego com todos os encargos dela decorrentes, nos termos do §2º do art. 3º da
Lei 11.788/2008. (BRASIL, 2008)
Igualmente, a aprendizagem e qualquer outra forma de trabalho educativo somente
podem ser classificados como tal desde que atendam as finalidades educativas, de formação
pessoal, moral e profissional dos adolescentes.
Caso contrário, estas formas de labor passar a revelar simples relação de prestação de
serviço, sem fins pedagógicos e/ou pretensões educativas, mas apenas produtivas.

5 TRABALHO EDUCATIVO: EXPERIÊNCIAS REAIS

Na esteira do acima declinado fácil é a percepção de que não é qualquer forma de


trabalho que pode ser considerada trabalho educativo, mesmo que tenham aplicação teórica
profissionalizante.
Há milhares de pessoas, inclusive adolescentes, que trabalham e estudam sem que
possa afirmar que esta concomitância transforme seu trabalho em educativo.
Nestes casos, o que ocorre, inúmeras vezes é um conflito entre a educação e o labor,
de forma que o trabalho acaba por sufocar ou tornar precária não somente a educação escolar,
mas toda a educação. (OLIVEIRA, 2009, p. 226)
Assim, ao completar os 16 anos o jovem pode realizar um trabalho comum,
respeitadas as restrições já elucidadas. Porém, o ideal seria que todo o labor prestado por estes
adolescentes fosse educativo, o que representaria, uma qualificação para o ingresso no
mercado de trabalho, de forma satisfatória e bem remunerada.
Entretanto, enquanto este ideal não é alcançado, reforça Oliveira que:

As linhas divisórias entre o trabalho comum e as diversas modalidades de educativo


devem ser muito bem nítidas nas normas jurídicas que o regulam. É deturpação
etiquetar velhas práticas como trabalhos educativos só porque, por exemplo, se
exigem do adolescente trabalho e escolaridade, como se a exigência de ensino
fundamental não fosse um direito e um dever de cidadania. Se, por um lado, é
equívoco depreciar um trabalho comum o adolescente pode dignamente realizar, não

453
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

é menos desastroso deturpar o trabalho educativo, via um nominalismo tão em


moda, equiparando trabalho comum e educativo, fazendo um nivelamento
inaceitável. (OLIVEIRA, 2009, p.229)

No Brasil, não é difícil visualizarmos exemplos de programas sociais governamentais


e não governamentais que promovem a inserção do adolescente no mercado de trabalho pelas
vias de um “treinamento” simples e sem muita qualificação.
Alguns destes programas até acompanham os jovens por algum período, os auxiliando
em alguns percalços no início de sua vida profissional, mas logo os abandonam, sem lhes
fornecer uma verdadeira qualificação para o futuro.
Como exemplo pode-se citar alguns programas que treinam os jovens para atividades
repetitivas, tais como Office-boy, mensageiros, empurrador de carrinho ou ensacador em
supermercados, estafetas, vigia de estacionamento etc. (OLIVEIRA, 2009, p.229)
Nesta esteira, cumpre citar o depoimento de um adolescente que participou do Projeto
Guarda Mirim, desenvolvido por algumas prefeituras em quase todo o Estado de São Paulo:

Não teve utilidade e nem influencia no que faço hoje. Não que seja negativo ter
pertencido a guarda mirim. Naquela época era necessário para ajudar em casa (...) Se
tivesse um filho, não deixaria frequentar a guardinha. A formação que recebi não me
ajudou em nada. Preferiria deixá-lo estudando e me esforçaria mais para que ele só
estudasse. (PEREIRA, 1994, p.25)

Em contrapartida exemplifica Bernardo Leôncio Moura Coelho (2003) algumas


atividades que podem ser desenvolvidas em trabalhos educativos, tais como, “a) iniciação
musical; b) formação de banda; c) teatro; d) artesanato; e) dança; f) integração com idosos; g)
escolas de futebol etc.” (COELHO, 2003, p.4)
Ressalta ainda referido autor a possibilidade da entidade que promove o trabalho
educativo efetuar a venda dos produtos artesanais ou, por exemplo, receber pagamento pela
apresentação da dança em evento, e efetuar distribuição deste dinheiro entre os adolescentes,
sem que seja desfigurado o trabalho educativo.
No mesmo sentido, cita o Juiz Antônio Gonçalves de Vasconcelos (1998) duas
experiência mineiras de trabalho educativo que vem se desenvolvendo nos termos das
expectativas legais:

Experiência concreta interessante vem do PROMAM (Patos de Minas\ MG) e


COBEM (Patrocínio\MG), ambas entidades assistenciais destinadas ao amparo do
adolescente carente. Há casos em que, segundo narram alguns dos responsáveis, o
menor chega à entidade sem qualquer hábito social e até mesmo de higiene pessoal
etc. E, nesse caso, o menor recebe orientação no sentido de cuidar da aparência e
higiene pessoal, de relacionar-se com os outros, transmitir mensagens etc,

454
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

praticando tais orientações através da execução de trabalho educativo (compatível


com suas possibilidades e realidade), mediante acompanhamento da entidade
assistencial e, sendo o caso, da empresa partícipe do programa. (VASCONSELOS,
1998, p.211)

Entretanto, segundo Oris de Oliveira um dos exemplos mais notáveis do trabalho


educativo é o “Projeto Escola de Fábrica”, criado pela Lei n. 11.180/2005, a qual foi instituída
com referencia explicita ao §1 do art. 68 do ECA, delimitando uma modalidade de trabalho
educativo no âmbito de estabelecimentos produtivos urbanos e rurais, destinados ao auxílio de
jovens entre 16 e 24 anos de idade. (OLIVEIRA, 2009, p.229)
A Lei 11.180/05, foi promulgada para dar amparo jurídico explícito a várias
experiências bem-sucedidas já implantadas nas diversas cidades brasileiras, tais como o
Projeto Pescar, Integrar, Formare e da União Nacional das Famílias Agrícolas de Braile.
Todos estes projetos visam o mesmo fim – formação profissional e educacional dos
jovens - e se desenvolvem de maneira semelhante. Nestes termos a título exemplificativo
pode-se citar o FORMARE, que apresenta as seguintes características:

O Formare é um ambiente de aprendizagem profissional que desenvolve, por meio


da ação voluntária, a potencialidade de jovens de populações de baixa renda para
integrá-los à sociedade como cidadãos e profissionais.
O Formare possui quatro focos:
• Atenção ao educando, de forma a promover seu desenvolvimento como
profissional e cidadão integrado ao meio em que vive;
• Atenção ao educador, identificado junto ao corpo funcional da empresa
mantenedora, que, ao trabalhar como voluntário, assume a sua função como cidadão.
•Atenção ao espaço físico, que deve ser preparado de modo a possibilitar a
integração do fazer e do pensar nas atividades previstas no planejamento curricular
•Atenção com a inserção dos alunos formados no mercado de trabalho, com
acompanhamento e orientação no período inicial.
Objetivos
•Desenvolver a potencialidade de jovens de famílias de baixa renda, possibilitando
sua inserção no mercado de trabalho
•Possibilitar que a empresa desenvolva um trabalho social de qualidade junto a sua
comunidade.
•Gerar o interesse entre os funcionários da empresa em participar dos processos de
cidadania
•Evitar desperdício de recursos materiais e humanos com ações sociais que não
geram resultados efetivos de longo prazo, alguns dos principais objetivos da escola
são:
•Garantir a permanência de seus egressos no mercado de trabalho e,
conseqüentemente, crescimento profissional e social.
•Institucionalizar na empresa as práticas de responsabilidade social, por meio da
capacitação de educadores voluntários
•Melhorar o ambiente interno e externo à empresa, gerando valor para a
comunidade.
Procedimentos
O Formare está planejado e construído para ser desenvolvido dentro de uma
empresa, entendendo-a como um grande ambiente de aprendizagem profissional.
A proposta Formare não se propõe como uma escola comum, mas como ambiente de
aprendizagem onde as potencialidades da empresa são meios disponíveis para a

455
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

transmissão de valores e conhecimento.


Entendemos a cultura empresarial como um conjunto de padrões de comportamento,
crenças e valores próprios de um ambiente econômico e profissional transmitidos
coletivamente. Dessa forma, desvelamos todo seu potencial como local de
aprendizagem. Neste cenário, ao assumirem o papel de educadores voluntários, os
funcionários tornam-se facilitadores do processo de ensino e aprendizagem.
Formada por professores universitários com títulos de mestres e doutores,
capacitadoras, tutoras, pedagogas e psicólogas, a equipe da Fundação fornece apoio
pedagógico para o gerenciamento de todas as Escolas Formare e acompanha cada
etapa do ano letivo por meio de ferramentas de gestão on-line. O apoio pedagógico é
conduzido de forma presencial e virtual.
Cada Escola Formare recebe uma coleção de cadernos desenvolvidos especialmente
para apoiar as disciplinas dos cursos. O material oferece conteúdos descritos e
organizados aula a aula para apoiar e facilitar o trabalho dos educadores voluntários.
Grade curricular
Os cursos oferecidos pelo Projeto Formare têm um eixo de disciplinas comuns às
empresas parceiras da rede, tais como fundamentação numérica, informática,
comunicação e relacionamento e higiene, saúde e segurança. São disciplinas de
conteúdo e interesse universal, cuja transmissão independe do perfil e das
necessidades da empresa.
Há ainda aqueles assuntos direcionados às áreas de atuação das empresas, que
compreendem temas técnicos e que são definidos após visita de diagnóstico e
melhor entendimento de sua atuação, bem como atividades de integração, como
teatro, idiomas e educação física. (PROJETO FORMARE, 2012)

Não menos interessante apresenta-se o Projeto Pescar que apesar da nomenclatura, não
se relaciona com as atividades de apicultura:

A história do Projeto Pescar iniciou em 1976, quando o empresário Geraldo Linck


(1927-1998) presenciou um menino assaltando um idoso e, chocado ao ver a
agilidade e o vigor do jovem contra a fragilidade da vitima, resolveu fazer algo para
mudar aquela situação de violência.
Inspirado pelo provérbio chinês “Se quiseres matar a fome de alguém dá-lhe um
peixe. Mas, se quiseres que ele nunca mais passe fome, ensina-o a pescar”, Linck
abriu as portas da sua empresa para que 15 jovens em vulnerabilidade social,
aprendessem uma profissão.
Ele montou uma sala e ensinou o curso de Mecânica Automotiva, para jovens
selecionados nas comunidades do entorno da Linck S. A. Assim, estava criada a
primeira Unidade Projeto Pescar, na época “Escola Técnica Linck”.
Os resultados alcançados com as primeiras turmas chamaram a atenção de
organizações socialmente responsáveis e, em 1988 foi implantado o Projeto Pescar
em outras empresas.
A semente da multiplicação de uma experiência local em escala nacional é lançada.
Com a adesão de diversas empresas e instituições, em 1995 o Projeto Pescar passou
a ser administrado pela Fundação Projeto Pescar e evolui para uma Rede, que já foi
responsável pela formação de mais de 19.511 jovens. Com sede em Porto
Alegre(RS), e cinco escritórios regionais (nos estados de SP, RJ, PR, SC, NO), a
entidade disponibiliza cursos de Iniciação Profissional. A capacitação, com a
aprendizagem básica para o exercício de uma profissão, tem foco no
desenvolvimento pessoal e profissional de adolescentes, com idades entre 16 e 19
anos, e reverte o quadro da baixa qualificação da mão de obra para as vagas
existentes e da dificuldade de ingresso desta importante parcela da população no
mercado de trabalho. (PROJETO PESCAR, 2012)

Oliveira (2009) cita ainda as principais características destes tipos de projetos, que,
segundo sua opinião deu uma “interpretação autêntica” ao art. 68 e seus parágrafos, no

456
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

tocante a possibilidade do trabalho educativo realizar-se não só no interior dos


estabelecimentos não governamentais, ou seja, sem fins lucrativos, mas também em empresas:

1- promover formação profissional inicial e continuada a jovens de baixa renda;


2- ter como público alvo jovens de idade entre dezesseis e vinte e quatro anos,
beneficiando, portanto, também, adolescentes entre 16 e 18 anos;
3- jovens com renda familiar “per capita” de até um salário mínimo e meio;
4- cursos ministrados em espaços educativos específicos, instalados no âmbito de
estabelecimentos produtivos urbanos e rurais;
5- Os cursos serão orientados por projetos pedagógicos e planos de trabalho focados
na articulação entre as necessidades educativas e produtivas da educação
profissional, definidas a partir da identificação de necessidades locais e regionais de
trabalho, de acordo com a legislação vigente para a educação profissional;
6- atividades teóricas e práticas em módulos que contemplem a formação inicial
com apoio à educação básica;
7- As horas-aulas de atividade teóricas e práticas de módulos de formação
profissional inicial poderão ser computadas no itinerário formativo pertinente, nos
termos da legislação aplicável à educação profissional, de forma a incentivar e
favorecer a obtenção de diploma de técnico de nível médio; (OLIVEIRA, 2009, p.
231)

Nestes termos, verifica-se que a efetivação do trabalho educativo é possível a partir de


instituições corretas e engajadas nos verdadeiros escopos descritos pelo art. 227 da
Constituição Federal de 1988 e art. 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente, como os
acima citados.
Todavia, diante de todas as experiências citadas, duvidosa pode-se fazer a capacidade
de efetivação do trabalho educativo como meio de promoção da cidadania, haja vista que a
desvirtuação dos seus fins, apenas no sentido de percepção de renda, se mostra uma
alternativa mais fácil as instituições que não visam com a promoção social.

6 TRABALHO EDUCATIVO: EFETIVAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS OU


EXPLORAÇÃO DE FORÇA DE TRABALHO DE BAIXO CUSTO

Conforme já explorado, nos limites legislativos, o trabalho educativo caracteriza-se


como “uma atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento
pessoal e social do educando prevaleçam sobre o aspecto produtivo”. (Art. 68, § 1 da Lei
8.069/ 1990).
É notável que a compreensão vem dividindo os estudiosos quanto ao seu conteúdo e
alcance, alguns entendendo o trabalho educativo como uma possibilidade real, outros como
mera forma de ocupar os jovens ou simples intermediação de mão de obra, geradora de renda
com a finalidade de minorar a situação financeira da família. (OLIVEIRA, 2009)

457
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Não se nega as dificuldades de implantação do trabalho educativo nos moldes como


prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, pois como lembra Oliveira (2009):

Há de reconhecer que o trabalho educativo, quando realizado por um adolescente,


merece especial cuidado porque se trata de uma personalidade em desenvolvimento,
que exige proteção especial e prioridade absoluta. Na elaboração jurídica do trabalho
educativo do adolescente, sejam quais forem as suas modalidades, seja qual for a
natureza jurídica da relação, devem ser respeitadas as denominadas “normas
genéricas de proteção” apontados no capítulo anterior, dando-se especial atenção à
compatibilidade escola-trabalho porque com uma jornada de oito horas, precedida e
seguida de deslocamentos casa-local de trabalho e vice-versa, interrompida pelo
intervalo da refeição, dificilmente se consegue esta compatibilidade com a
escolaridade diurna (os efeitos precários do aproveitamento do estudo noturno são
notórios), com uma escolaridade que permita acesso, (ou regresso), permanência e
sucesso na escola. (OLIVEIRA, 2009, p. 229)

Questão esta também bem colocada por Antônio Carlos Gomes da Costa (1992) ao
comentar o art. 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

A dificuldade, ou, melhor dizendo, os aspectos mais desafiadores desta questão, se


encontra na definição prática do limite entre o trabalho simplesmente produtivo e o
trabalho educativo. Entendo que, nesse ponto, dois aspectos fundamentais devem ser
tomados em conta: o primeiro diz respeito ao número de horas de atividade
orientada voltadas para a produção e aquelas voltadas para a formação do educando;
o segundo, à natureza, ou seja, o caráter das atividades laborais realizadas em termos
de ritmo e de estruturação de modo a permitir uma real aprendizagem por parte do
trabalhador educando, ou seja, as atividades laborais devem ajudar e não prejudicar
o processo de aprendizagem/ensino. (COSTA, 1992, p. 203)

Da mesma forma, não se oculta que o ideal seria todos os jovens brasileiros terem todo
o tempo livre para se dedicar a educação, sem ter a mínima preocupação com as despesas de
alimentação, vestuário e outros, assim como ressalta Maurício Godinho Delgado (2009):

Trabalho versus escola parece ser dilema proposto, inevitavelmente, neste debate.
Os padrões internacionais vigorantes indicam que o trabalho precoce consolida e
reproduz a miséria, inviabilizando que a criança e o adolescente suplantem suas
deficiências estruturais através do estudo. Por isso é que a Organização Internacional
do Trabalho recomenda a proibição de qualquer trabalho anterior à idade de quinze
anos (Convenção 138 da OIT). Embora o texto original da Constituição de 1988 não
tenha avançado, satisfatoriamente, nesse tema (uma vez que coloca 14 anos como a
idade mínima para o trabalho, admitindo o trabalho de aprendiz desde os doze anos
– art. 7, XXXIII), pelo menos inviabilizou a utilização do trabalho do menor de
forma economicamente perversa, ao lhe garantir todos os direitos trabalhistas (salvo
no caso de aprendizagem). (DELGADO, 2009, p.731)

Porém, frente à realidade enfrentada pelo Brasil, que possui no ano de 2012
aproximadamente dois milhões de crianças e adolescentes que podem ser consideradas vítima

458
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

do trabalho desregulado sem qualquer qualificação, o trabalho educativo pode sim ser uma
alternativa viável. (BRASIL, 2012)
Isto porque, esta forma de trabalho do jovem não visa apenas de aprendizagem de uma
profissão, mas também o crescimento pessoal e moral, pois um projeto de “trabalho
educativo” elaborado e desenvolvido nos estritos termos legais pretende o avançar da
consciência de cidadania dos adolescentes que deles participam.
Ora, o simples fato de ser um adolescente pertencente ao grupo dos sociais excluídos
não autoriza sua inserção no mercado de trabalho pela via de uma nova exclusão, mesmo que
velada por boas pretensões. (DELGADO, 2009, p.730)
Nestes termos, a desfiguração do instituto enseja a ocorrência de fraude trabalhista
(art. 9/CLT) e o consequente reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com o
tomador de serviços do adolescente educando, com todas as suas obrigações daí decorrentes.
(VASCONCELIS, 1998, p. 214)
Portanto, diante das garantias constitucionais e da verdadeira realidade enfrentada por
milhares de jovens no Brasil a aprendizagem de uma profissão via um programa que
desenvolva a consciência de cidadania e dignidade da pessoal humana representa um grande
avanço para aquela e as futuras gerações.
Um adolescente que aprende a importância do trabalho e do estudo como fator de
promoção social dificilmente permitirá que seus descendentes abandonem os estudos para
laborar em tarefas simples e sem qualquer fator de crescimento social.
Nestes termos, não se defende o trabalho do adolescente de caráter nitidamente
assistencialista, até mesmo porque tais projetos não foram recepcionados pela nova ordem
constitucional implantada em 1988 - que dispõe sobre a proteção integral a criança e ao
adolescente – mas aquele trabalho verdadeiramente educativo. Este que promova a efetivação
de direitos sociais, com o desenvolvimento moral, profissional e intelectual dos adolescentes,
conforme os que já estão sendo desenvolvidos nas cidades de Patos de Minas e Patrocínio,
nos termos acima citados.

7 CONCLUSÃO

Pelo acima exposto notável se faz a importância da implementação do trabalho


educativo no cenário brasileiro.

459
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Ora, não se pode afirmar que a melhor alternativa para os jovens de baixa renda seja a
iniciação profissional precoce. Todavia, também não é adequado olvidar a real situação de
abandono que se encontram diversos adolescentes.
Não é difícil verificarmos, principalmente nos grandes centros urbanos, a exploração
do trabalho de menores sem as mínimas condições de saúde e higiene.
São milhares de crianças e adolescentes vendendo balas nos sinais de trânsito, lavando
carros nas ruas, vigiando automóveis em estacionamentos públicos ou até mesmo pedindo
dinheiros para todos que com eles se defrontam.
Nestes termos, o trabalho educativo como forma de desenvolvimento pessoal, moral e
profissional é um caminho que se pode seguir a fim de que futuramente atinjamos o ideal, ou
seja, a educação das crianças e adolescentes em período e forma integral.
Educação esta que lhe possibilite o desenvolvimento intelectual, moral e cultural, e
que, segundo Oris de Oliveira, através do trabalho:

a) associe à educação do cidadão contribuindo para o desenvolvimento do


educando com vistas a realizar suas potencialidades intrínsecas e à formação e
desenvolvimento de sua personalidade;
b) que no aspecto biopsicológico “extraia” (educere) do adolescente o que ele
tem de “próprio” e “original”. Deve, pois, o trabalho contribuir para suprir as
necessidades individuais: respeito pelo desenvolvimento harmônico do corpo e do
espírito; promover desenvolvimento emocional; incentivar a formação de um
espírito crítico; promover o desenvolvimento de valores morais e culturais de todo
tipo;
c) no aspecto social promova o desenvolvimento do senso de responsabilidade
social; instrumentalização para participação nas transformações e no progresso
sociais; desenvolver formação política para exercício da cidadania. (OLIVEIRA,
2009, p. 226)

Portanto, nos termos das experiências já elucidadas patente é a possibilidade de


efetivação do escopo legal no tocante a realização de trabalhos verdadeiramente educativos,
não se negando, todavia, as dificuldades daí decorrentes.
Assim, frente ao Estado Democrático de Direito pretendido pela Constituição de 1988,
não pode mais a sociedade aceitar a implementação de políticas que visem apenas à ocupação
dos jovens e auferimento de alguma renda, pois estes somente promovem a perpetuação da
condição de miserabilidade já existente.

REFERÊNCIAS

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especial. São Paulo: Rdieel, 2006.

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462
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHADOR TERCEIRIZADO PELA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

DEVALUATION OF THE OUTSOURCED WORKER

BY THE PUBLIC ADMINISTRATION

Ailsi Costa de Oliveira

Maria dos Remédios Fontes Silva

RESUMO

O objetivo deste trabalho é demonstrar que a terceirização na Administração Pública,


proveniente da contratação de empresas terceirizantes destinadas a apoiar a execução de
serviços públicos, resulta num mecanismo de precarização e desvalorização do trabalhador
terceirizado. Com o julgamento da constitucionalidade do art. 71, § 1º da Lei nº 8666/93,
percebe-se que a dificuldade no acionamento subsidiário da Administração Pública em face
do inadimplemento das obrigações laborais se amplia. Destarte, as aventuras de empresas sem
lastro financeiro para adimplir suas obrigações laborais, assim como a própria Administração
Pública quando incorre em culpa in eligendo e in vigilando, podem resultar em prejuízo ao
trabalhador cuja hipossuficiencia é bastante clara nesta relação trilateral. Traça-se também
uma análise acerca das diferenças jurídicas entre terceirizados e diretamente contratados.
Nesse ponto, as diferenças protetivas entre estatutários e celetistas que trabalham em um
mesmo ambiente laboral, resulta numa desigualação de perspectivas, fato que se comprova
por meio dos diferentes critérios de estabilidade. Outro ponto crucial, reside na baixa
representatividade dos trabalhadores terceirizados quando comparados aos diretamente
contratados, fato que minimiza o poder de barganha e mantém o status de precarização
daqueles que sobrevivem do trabalho terceirizado.

PALAVRAS-CHAVES: Administração Pública; Terceirização; Responsabilidade


subsidiária.

ABSTRACT

The goal of this work is to show that the outsourcing in the Public Administration, which is
the result of the outsourcing companies being hired to support the execution of public
services, implies a mechanism of precarization and devaluation of the outsourced worker.


Advogado, Especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito pela UFRN – Universidade Federal do
Rio Grande do Norte.

Doutora em Direitos Humanos pela Université Catholíque de LYON – França – França. Pós-Doutorado pela
Université Lumière LYON II – France. Professora Associada IV do Programa de Pós-Graduação em Direito da
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Through the judgement of constitutionality of the art. 71, § 1º of the Law nº 8666/93, it is
noticed that the difficulty in calling the subsidiary of the Public Administration for a legal
process due to the lack of payment for the labor rights becomes higher. Consequently, the
adventures of companies without financial conditions to accomplish what must be paid as
well as the Public Administration when they are under guilt “in eligendo” and “in vigilando”
may result damage for the worker whose hyposuffciency is very clear in this three-side
relation. Also, it is made an analysis about the judicial differences between the outsourced
workers and the ones directly hired. On this issue, the protective differences between state
workers and private ones who work in the same environment result in inequality of
perspectives – a fact that is evident, for example, in the criteria of stability. Another crucial
aspect lies in the low representativity of the outsourced workers when compared to the ones
directly hired – fact that lessens the power of bargain and keeps the status of precarization of
those who depend on the outsourced work.

KEYWORDS: Public Administration; Outsourcing; Subsidiary responsibility.

1 INTRODUÇÃO

O foco deste artigo está em analisar alguns aspectos potencialmente precarizadores


do trabalhado terceirizado pela Administração Pública. Nesse sentido, destaca-se a
dificuldade cada vez maior de se acionar subsidiariamente a Administração Pública em face
do inadimplemento das obrigações laborais, a desigualdade verificada no ambiente de
trabalho entre terceirizados e diretamente contratados, bem como a pulverização dos
terceirizados em sindicatos de interesses diversos, resultando numa representatividade
ineficiente.

Destarte, quando a Administração Pública resolve contratar empresas terceirizadas


visando à concretização de seus objetivos, deve também ter a responsabilidade de fiscalizar
adequadamente o contratado.

Esses procedimentos fiscalizatórios não se resumem a constatar apenas o andamento


das obras ou serviços contratados, liberando o pagamento de faturas apenas pela verificação
do cumprimento destes critérios.

Além de fiscalizar a qualidade e o andamento dos serviços, também é dever da


Administração Pública verificar se os direitos sociotrabalhistas dos trabalhadores das
empresas terceirizadas contratadas estão sendo corretamente adimplidos.

Desse modo, caso a Administração Pública escolha empresas com um histórico


inidôneo ou sem lastro financeiro capaz de executar as obrigações contratuais para terceirizar

464
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

suas atividades, estará incorrendo em culpa in eligendo. No caso da Administração não


monitorar adequadamente o adimplemento das obrigações trabalhistas, por parte de empresa
contratada, incidirá em culpa in vigilando.

Ocorrendo inadimplemento das obrigações laborais por parte da empresa


terceirizada, caberia a Administração Pública responder subsidiariamente por estes créditos.
Ocorre que o art. 71, § 1º da Lei nº 8666/93 foi alvo de uma Ação Direita de
Constitucionalidade cujo resultado foi favorável à constitucionalidade do referido dispositivo,
cabendo a parte prejudicada provar que a Administração falhou no que tange a fiscalização
dos contratos.

A referida decisão pode resultar na esdrúxula conseqüência de restar ao trabalhador,


sujeito hipossuficiente em todo este contexto, o ônus de suportar por meio dos mais diversos
direitos laborais a ineficiência da Administração Pública e a irresponsabilidade, por vezes
dolosa, das empresas contratadas.

Por fim, além da insegurança jurídica provocada por esta recente decisão, o presente
artigo aborda em linhas finais, dois fatores que potencializam a precarização do trabalho
terceirizado no âmbito da Administração Pública: O primeiro refere-se à desigualdade
provocada no ambiente de trabalho em face da convivência de celetistas e estatutários; o
segundo aspecto versa sobre os reflexos da terceirização pública na representação sindical.

2 CONCEITO DE TERCEIRIZAÇÃO

Antes de analisar os aspectos que tornam a terceirização no serviço público danosa


ao trabalhador, fato que se tornará ainda mais evidente, caso a subsidiariedade da
administração pública não seja reconhecida em caso de inadimplemento das obrigações
laborais por parte da empresa contratada, faz-se necessário conceituar a terceirização, bem
como em que casos tal recurso pode ser utilizado sem afronta ao ordenamento jurídico pátrio.

Para estabelecer um conceito de terceirização é preciso recorrer à doutrina


trabalhista. Ab initio, uma relação clássica de emprego é formada por duas partes
denominadas de empregado e empregador. Esta relação bilateral possui como características a
presença de uma relação de trabalho não-eventual, a pessoalidade nas atividades que o

465
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

empregado contratado deve executar e, finalmente, a onerosidade como requisito que também
deve se fazer presente.

Com o advento da terceirização, houve um rompimento deste modelo bilateral, uma


vez que é inserida uma terceira parte na relação de emprego. A empresa terceirizada conduz o
antigo modelo bilateral em um modelo trilateral. Destarte, ficam então estabelecidas na
contratação terceirizada três partes: O obreiro, responsável pela prestação da atividade
laboral; a empresa terceirizante, cuja responsabilidade é contratar o obreiro; a tomadora de
serviços, principal beneficiada pelo trabalho desenvolvido. Numa definição mais precisa,
Mauríco Godinho Delgado estabelece o seguinte conceito de terceirização para o Direito do
Trabalho:

É o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da


relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno
insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem
que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados
com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação
trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista:
o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e
intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante,
que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas
pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de
labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador
envolvido (grifo do autor).1

Alice Monteiro de Barros segue a mesma linha conceitual, acrescentando o conceito


de atividade-fim e atividade-meio. De acordo com a autora a terceirização:

Consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou


seja, de suporte, atendo-se a empresa à sua atividade principal. Assim, a
empresa se concentra na sua atividade-fim, transferindo as atividade-meio.
Por atividade-fim, entenda-se aquela cujo objetivo a registra na classificação
socioeconômica, destinado ao atendimento das necessidades socialmente
sentidas.2

Observa-se então que a Administração Pública passa a tomar o lugar de tomadora de


serviços quando deixa de contratar diretamente servidores. Desta forma, na terceirização do

1
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 407.
2
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. rev. e ampl.. São Paulo: Ltr, 2010, p. 452.

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serviço público, a Administração Pública contrata empresas para a prestação de serviços que,
em tese, não devem ter ligação direta com os fins da Administração Pública.

3 A TERCEIRIZAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO

Apesar das inúmeras críticas favoráveis e contrárias a terceirização do serviço


público, é preciso reconhecer que tal fenômeno ganhou um fôlego substancial com o advento
das ideias neoliberais.

Constatado este fato, é cabível estabelecer uma conceituação adequada para a


matéria e determinar os mecanismos de contratação e fiscalização. Desse modo, é possível
traçar uma análise adequada de como o afastamento da responsabilidade subsidiária pode
acarretar numa tragédia para o trabalhador, visto que em caso de inadimplemento das
obrigações laborais, ficará o mesmo com o maior ônus da relação trilateral, mesmo tendo o
ente contratante se beneficiado da prestação do labor.

3.1 ASPECTOS CONCEITUAIS

Analisando-se o art. 175 da Constituição de 1988, pode-se extrair o conceito de


serviço público. O caput do artigo traz o seguinte conteúdo legal, in verbis: “incumbe ao
Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Sob o ponto de vista doutrinário,
Celso Antônio Bandeira de Mello formulou o seguinte conceito de serviço público:

Serviço Público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou


comodidade material detinada à satisfação da coletividade em geral, mas
fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como
pertinente a seus deveres e presta pos si mesmo ou por quem lhe faça as
vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de
prerrogativas de supremacia e restrições especiais –, instituído em favor dos
interesses definidos como públicos no sistema normativo.3

3
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 24 ed. rev. e atual.. São Paulo:
Malheiros Editores Ltda, 2007, p. 656.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Dinorá Adelaide Musetti Grotti pondera que atribuir determinado serviço como
sendo de natureza pública, depende das peculiaridades e escolhas de cada povo, sobretudo em
virtude de tais escolhas estarem inseridas no sistema jurídico. Nas palavras da autora:

A qualificação de uma dada atividade como serviço público remete ao plano


da concepção sobre o Estado e seu papel. É o plano da escolha política, que
pode estar fixada na Constituição do país, na lei, na jurisprudência e nos
costumes vigentes em um dado momento histórico.4

Uma vez estabelecida à conceituação para serviço público, é de bom alvitre buscar
neste momento uma definição de terceirização no serviço público. Helder Santos Amorim
estabelece tal definição. Eis as palavras do autor:

A terceirização consiste numa técnica de organização administrativa por


meio da qual os órgãos e entes públicos, a fim de obterem auxílio no
exercício eficiente de suas competências institucionais, contratam da
iniciativa privada aquelas tarefas de apoio administrativo legalmente
autorizadas, sob o regime contratual especial de Direito Administrativo.5

Conforme anteriormente exposto, para que exista o fenômeno da terceirização é


preciso que exista a figura da empresa terceirizante. Quando por meio do regime de Direito
Administrativo, algum ente estatal contrata uma empresa para a realização de serviços ou
atividades de apoio, estabelece-se o fenômeno da terceirização no serviço público.

Em suma, a terceirização no serviço público ocorre quando uma das esferas da


administração contrata uma empresa para realizar atividades-meio. Desse modo, as
atividades-fim da administração pública devem ser realizadas por pessoal concursado.

3.2 FORMAS DE CONTRATAÇÃO E FISCALIZAÇÃO

O acesso aos cargos e empregos públicos é um direito que pode exercido por
qualquer brasileiro, desde que atenda as exigências legais. O meio adequado para a escolha

4
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo:
Malheiros Editores Ltda, 2003, p. 87
5
AMORIM, Helder Santos. A Terceirização no Serviço Público: à Luz da Nova Hermenêutica
Constitucional. São Paulo: LTr, 2009, p. 197.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

destes profissionais é através do concurso público, por força do art. 37, II, da Constituição de
1988.

No entanto, a própria Constituição admite formas alternativas de contratação. A


primeira encontra-se albergada no art. 37, IX, que trata da possibilidade de contratação
temporária para atendimento de serviços temporários de excepcional interesse público. Nesse
caso, constatado o excepcional interesse público, é realizado um contrato temporário
diretamente com o prestador de serviço. Com isso, caso a administração perceba que o serviço
deixe de ser excepcional e passe a ser definitivo, deverá organizar um certame para a
contratação de servidores, conforme regra constitucional. Como este tipo de contratação é
pessoal, não havendo intervenção de sociedade empresária, não pode ser considerada
terceirização.

A Administração Pública tem o dever de fiscalizar as empresas contratadas. Para isto,


o ordenamento jurídico dispõe mecanismos constitucionais e infraconstitucionais. No plano
constitucional, a Administração Pública deve respeitar primeiramente os fundamentos
republicanos, in casu, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa devidamente albergados no art. 1°, III e IV da Lei Maior, deve também
respeitar aos direitos mínimos trabalhistas consagrados no art. 7° e, por fim, deve valorizar o
trabalho humano, conforme disposto no caput do art. 170. Adentrando no campo
infraconstitucional, a Lei nº 8.666/1993 e a Instrução Normativa (IN) n° 02/08, alteradas pela
Instrução Normativa n° 03/09, constituem instrumentos legais que obrigam a administração a
exercer o dever de administrar eficientemente seus contratos.6

Uma Administração Pública eficiente passa necessariamente pela boa gestão e


fiscalização dos contratos das empresas terceirizadas. Tal fato não se limita a apenas
acompanhar a execução dos serviços, pois, conforme é cediço, se a administração não
acompanhar como a terceirizada se comporta com relação ao pagamento dos direitos dos seus
trabalhadores, pode amargar um prejuízo maior por meio de ações de empregados que tenham
direitos vilipendiados, resultando em ações que busquem a justa reparação por parte da
Administração Pública por meio da responsabilidade subsidiária. Como bem leciona Juarez
Freitas:

6
VIANA, Márcio Túlio; DELGADO, Gabriela Neves; AMORIN, Helder Santos. Terceirização – Aspectos
Gerais. A Última Decisão do STF e a Súmula 331 do TST. Novos Enfoques. In: Revista do Tribunal Superior
do Trabalho. Ano 77 - n. 1, jan. a mar, 2011, p.77

469
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Compreende-se o direito administrativo como rede de princípios, de regras e


de valores jurídicos, cuja função é a de dar cumprimento aos objetivos
superiores do Estado Democrático, assim como se encontram
consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição, tendo como
meta máxima tutelar o direito fundamental à boa administração pública.7

O dever de fiscalização dos contratos se espraia para todos os entes federativos em


face do princípio federativo. Ou seja:

Este padrão fiscalizatório federal vincula a Administração Pública em todos


os âmbitos federativos, por força do princípio da predominância do
interesse, tendo em conta que, sendo privativa da União a competência para
legislar sobre normas de licitações e contratos, aos estados e municípios
incumbe complementar esta legislação com respeito às diretrizes nacionais.
Nessa linha de princípio federativo, embora as regras de fiscalização
previstas na IN n° 02/08 do MPOG tenham incidência estrita à órbita da
Administração Pública Federal, suas diretrizes para uma fiscalização eficaz
sobre os contratos de terceirização, em matéria trabalhista acabem por
orientar os demais entes federativos na implementação de suas normas
internas acerca da matéria, em face da legítima expectativa constitucional de
uma Administração Pública comprometida com a higidez legal e com a
eficiência dos mecanismos de controle da atividade administrativa
(Constituição, art. 37).8

Convém ressaltar que a inclusão dos itens V e VI na Súmula n° 331 do TST atendem
perfeitamente a decisão do STF no julgamento da ADC 16, reforçando a idéia lógica de que a
Administração Pública não pode se furtar de fiscalizar seus contratos de mão-de-obra
terceirizada, sob pena de responder subsidiariamente, porém, é sempre bom lembrar o
cabimento da ação regressiva em caso de condenação do ente público.

3.3 PROTEÇÃO DOS CRÉDITOS TRABALHISTAS ATRAVÉS DA


RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA

Inegavelmente, a terceirização tem sido empregada como uma alternativa de repasse


de determinadas funções, visando aumento nos lucros da tomadora, com um conseqüente
prejuízo para o obreiro. Ocorre que, em determinadas situações o prejuízo do trabalhador

7
FREITAS, Juares. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração
Pública. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 48.
8
VIANA, Márcio Túlio; DELGADO, Gabriela Neves; AMORIN, Helder Santos. Op. cit., p. 78.

470
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

passa a ser dobrado, pois algumas destas empresas possuem uma grande fragilidade
financeira, encerrando suas atividades sem pagar o crédito devido aos funcionários.

Para tecer considerações sobre a terceirização no serviço público, in casu, sobre os


reflexos negativos que a decisão de não responsabilizar a Administração Pública em caso de
inadimplemento das obrigações laborais pela empresa contratada causam ao trabalhador, é
preciso estudar o instituto da subsidiariedade

A subsidiariedade é um importante instituto introduzido no ordenamento jurídico


através da Súmula 3319 do TST, cujo objetivo é evitar uma situação onde o trabalhador sinta-
se desamparado, caso a empresa de trabalho terceirizado encerre suas atividades, da maneira
descrita acima, sem quitar os direitos trabalhistas de seus empregados.

A empresa tomadora assume o ônus de todos os créditos trabalhistas, bastando para


isto, que a mesma seja incluída no pólo passivo da demanda. Diante deste fato, caberá a
tomadora buscar empresas idôneas como parceiros terceirizados, empresas estas que devem
honrar com seus compromissos trabalhistas, única maneira da tomadora livrar-se do
problema.

Incidirá em culpa in eligendo, a empresa que escolher erradamente a empresa


terceirizada contratada, geralmente ocorre a “quebra” desta empresa terceirizada, com a
conseqüente assunção dos débitos trabalhistas pela tomadora. Por tal motivo, é de bom alvitre
que o tomador de serviços verifique a saúde financeira da empresa terceirizada que pretende
contratar, sob pena de ter que arcar com futuros encargos trabalhistas.

9
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o
tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os
órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de
20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do
tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade
subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual
e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas
condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666,
de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora
de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações
trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação
referentes ao período da prestação laboral.
Disponível em: <http://www.tst.gov.br/jurisprudencia/Livro_Jurisprud/livro_html_atual.html>. Acesso em 2 de
agosto de 2011.

471
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Cabe também a tomadora, cuidar para que a empresa terceirizada mantenha uma
política correta de pagamento dos direitos trabalhistas, quando isto não acontece, incorre a
tomadora em culpa in vigilando. Existem ferramentas contratuais que podem ser utilizadas
para a garantia da tomadora, evitando problemas futuros. Um exemplo é a vinculação do
pagamento das faturas, desde de que a terceirizada comprove estar quite com os encargos
trabalhistas.

Diante do exposto convém citar os três pressupostos da responsabilidade subsidiária:

a) licitude da terceirização: a responsabilização subsidiária da empresa


tomadora dos serviços se dará apenas no caso de a terceirização ser lícita. Em se
tratando de terceirização ilícita, a relação de emprego forma-se diretamente
entre trabalhador e a empresa tomadora, respondendo a empresa prestadora de
serviços solidariamente. Esse pressuposto não consta expressamente como os
dois últimos, mas provém da interpretação sistemática da Súmula 331 do TST.
b) inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do prestador de
serviços: a responsabilidade originária pelo pagamento dos débitos
trabalhistas é, sem dúvida, do prestador dos serviços, pois ele é o
empregador, nos moldes do art. 2° da CLT. Entretanto, a teor do disposto no
item IV da Súmula 331 do TST, basta o inadimplemento das obrigações
trabalhistas por parte do devedor principal (empregador,-prestador dos servi-
ços) para que o devedor subsidiário (cliente-tomador de serviços) seja
responsabilizado subsidiariamente pelos créditos trabalhistas deferidos em
sentença judicial.
c) participação da tomadora no processo trabalhista: é necessário que o(s)
tomador(es) haja(m) participado da relação processual e conste(m) também
do título executivo judicial para que o trabalhador possa cobrar do tomador
de serviços os direitos trabalhistas que lhe são devidos.10

Desse modo, a existência destes três pressupostos deveria acarretar na possibilidade


de incidência de responsabilidade subsidiária, não importando se a empresa tomadora de
serviços possui natureza de pessoa jurídica de direito privado ou de direito público.

3.4 A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. O


JULGAMENTO DA ADC 16 E A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 71, § 1° DA LEI
N° 8666/93.

Nos casos de terceirização de serviços pela administração, observa-se que muitas


empresas contratadas não honram com os encargos trabalhistas por diversos motivos. Diante
10
COIMBRA SANTOS, Rodrigo. Relações Terceirizadas de Trabalho. Curitiba: Juruá, 2006, p. 186 a 188.

472
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

deste fato, é preciso definir se caberia ou não a administração pública responsabilizar-se pelo
adimplemento de tais verbas, pois com a falência das empresas ou mesmo pelo
descumprimento da legislação laboral vigente por parte destas, restaria ao trabalhador,
hipossuficiente nestas relações, arcar com o prejuízo, principalmente no primeiro caso, ou
seja, em caso de falência, visto que não é difícil concluir que o trabalhador encontra enormes
dificuldades, mesmo através dos meios judiciais, na restauração dos direitos violados.

Conforme disposto na Súmula n. 331, IV do TST, em caso de inadimplemento das


obrigações trabalhistas, por parte do empregador, caberia a responsabilidade subsidiária
também aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das
empresas públicas e sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação
processual e constem do título extrajudicial. Em outro giro, o artigo 71, § 1° da Lei 8666/9311,
trata do tema de maneira diversa, no sentido de não admitir a transferência para a
Administração Pública das responsabilidades de natureza trabalhista, dentre outras.

O advento da ADC n.16 ocorreu em face da divergência jurisprudencial, uma vez


que o TST, utilizando-se dos princípios protetores, passou a julgar com base na Súmula n.
331, responsabilizando a Administração Pública em caso de inadimplemento das obrigações
trabalhistas pela contratada. Inconformado com a linha protetiva do TST, o Governador do
Distrito Federal, ingressou com esta ADC cujo fito principal a decretação da
constitucionalidade do art. 71, § 1° da Lei 8.666/93.

Em julgamento realizado dia 24/11/2010 a ação foi julgada procedente, tendo voto
contrário do Ministro Ayres Brito. O julgamento declarou a constitucionalidade do art. 71, §
1º da Lei 8.666/93, mas não declarou a inconstitucionalidade do Enunciado n. 331, de
maneira que o TST terá de trabalhar com estas duas normas jurídicas. Coube, diga-se de
passagem, ao Ministro Ayres Brito, mesmo vencido, sustentar argumentos voltados a uma
maior proteção dos trabalhadores terceirizados. Nesse sentido, é cabível a transcrição de parte
do informativo n. 610 do STF, naquilo que concerne ao pensamento do referido Ministro:

Vencido, parcialmente, o Min. Ayres Britto, que dava pela


inconstitucionalidade apenas no que respeita à terceirização de mão-de-obra.
Ressaltava que a Constituição teria esgotado as formas de recrutamento de

11
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais
resultantes da execução do contrato.
§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere
à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou
restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

473
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

mão-de-obra permanente para a Administração Pública (concurso público,


nomeação para cargo em comissão e contratação por prazo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público), não
tendo falado em terceirização. Salientou que esta significaria um
recrutamento de mão-de-obra que serviria ao tomador do serviço,
Administração Pública, e não à empresa contratada, terceirizada. Assentava
que, em virtude de se aceitar a validade jurídica da terceirização, dever-se-ia,
pelo menos, admitir a responsabilidade subsidiária da Administração
Pública, beneficiária do serviço, ou seja, da mão-de-obra recrutada por
interposta pessoa.12

No voto do Ministro Ayres Brito percebe-se a interpretação conforme disposto no


art. 37, II, IX da Constituição Federal. Desta forma, os funcionários terceirizados, além de
serem recrutados de forma precária, diversa dos mandamentos constitucionais, tornam-se
duplamente fragilizados pela dificuldade imposta por este julgado, numa eventual tentativa de
responsabilização dos entes públicos, nos recorrentes casos de inadimplemento da reclamação
trabalhista.

No julgamento da ADC n. 16, a responsabilização subsidiária da Administração


Pública só será admitida em caso de omissão. A aplicação direta da Súmula n. 331 não será
mais possível. O informativo n. 610 do STF pormenoriza a questão. Neste ponto, torna-se
oportuno transcrever o ponto concernente à caracterização da omissão e a possível aplicação
da Súmula n. 331:

Quanto ao mérito, entendeu-se que a mera inadimplência do contratado não


poderia transferir à Administração Pública a responsabilidade pelo
pagamento dos encargos, mas reconheceu-se que isso não significaria que
eventual omissão da Administração Pública, na obrigação de fiscalizar as
obrigações do contratado, não viesse a gerar essa responsabilidade.
Registrou-se que, entretanto, a tendência da Justiça do Trabalho não seria de
analisar a omissão, mas aplicar, irrestritamente, o Enunciado 331 do TST.

É fácil concluir que, conforme entendimento do STF, só é admissível a


responsabilidade subsidiária da Administração Pública, quando restar comprovado que o ente
público incorreu em omissão no que tange a fiscalização do adimplemento das obrigações
laborais.

Porém, é preciso considerar que a falta dos limites temporais e a abrangência destas
fiscalizações durante a execução do contrato, implicam na extremamente árdua tarefa de

12
Informativo n. 610 do STF. Disponível em: www.stf.jus.br.

474
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

descobrir com precisão se a Administração Pública agiu ou não com omissão, incorrendo em
culpa in vigilando.

No entanto, levando-se em consideração todo o caráter protetivo do Direito do


Trabalho, torna-se inadmissível que o trabalhador seja prejudicado nesse tipo de situação. Na
relação entre Estado, empresa e trabalhador, este último é, por óbvio, o mais fraco. É muito
claro, portanto, que o trabalhador, sujeito potencialmente hipossuficiente, deve receber o mais
rápido possível as verbas a que faz jus. Se por acaso o Estado arcar com ônus, será por conta
da sua própria incompetência de gestão. Em outras palavras:

O nexo causal justificador da responsabilidade é a conduta omissiva e


negligente do ente público, que se beneficia da força de trabalho de alguém e
remunera seu empregador sem fiscalizar se este cumpriu com suas
obrigações trabalhistas. Destarte, a construção jurisprudencial contida no
inciso IV da Súmula n° 331 foi explicitada secundum legem, escorada no art.
186 do Código Civil, aplicável por compatível com o Direito Trabalhista,
restando plenamente observado o princípio da legalidade, tendo o Tribunal
Superior do Trabalho assim atuado no desempenho de sua função
constitucional, com o escopo de proceder à necessária uniformização de
jurisprudência.13

Quando a Administração Pública contrata empresas que possuem um histórico de


pendências judiciais na ceara trabalhista, não a como desconsiderar a comprovada culpa in
eligendo. Nesses casos, o fato de ter escolhido errado uma sociedade empresaria, torna
praticamente inafastável a responsabilidade subsidiária da Administração Pública.

De toda forma, a responsabilidade subsidiária não pode ser entendida como um


instrumento para transferir de maneira automática débitos decorrentes do inadimplemento de
obrigações de empresas contratadas, uma vez que existe a ação regressiva, como um
instrumento que deve ser utilizado pela administração pública nestes casos. Este é o
posicionamento de Tereza Aparecida Asta Gamignani:

A responsabilidade subsidiária não transfere à Administração Pública a


responsabilidade que é própria do empregador, tendo em vista que em seu
conceito está implícita a observância do benefício de ordem e a possibilidade
de ação regressiva.14

13
GEMIGNANI, Tereza Aparecida Asta. Artigo 71 da Lei N° 8.666/93 e Súmula 331 do TST: Poderia Ser
Diferente? In: Revista do tribunal Superior do Trabalho. Ano 77 - n. 1, jan. a mar, 2011, p. 44.
14
Ibidem, p. 41.

475
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Infere-se que se a Administração Pública assumir as responsabilidades fiscalizatórias


estabelecidas no ordenamento jurídico, dificilmente será alvo de ações provenientes de
trabalhadores lesados por empresas descompromissadas com valorização do trabalho, fato que
implicará numa complexa litigiosidade que envolverá, num segundo momento, ações
regressivas contra tais empresas.

4 FATORES QUE POTENCIALIZAM A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO


TERCEIRIZADO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A ameaça ao direito de recorrer subsidiariamente contra a Administração Pública é


apenas o fato mais recente de uma série situações discriminatórias verificadas cotidianamente,
cuja acumulação conduz o trabalhador terceirizado que presta serviço por meio das mais
diversas empresas, a situações de caráter discriminatório no que tange a igualdade de direitos.
Em outras palavras, sem discutir se a terceirização no serviço público é benéfica ou
maléfica para fazer valer em sua plenitude o princípio constitucional da eficiência, o que se
verifica é que, analisando-se sob o prisma sociotrabalhista, tal ferramenta criou duas classes
distintas de trabalhadores no serviço público.
No presente artigo, optou-se pela análise de duas situações cuja natureza
discriminatória mostra-se bastante evidente: A primeira resulta da diferença jurídica nos
contratos de trabalho de servidores terceirizados e daqueles diretamente contratados; a
segunda situação ocorre no campo da representatividade. Nesse caso, um sindicato representa
interesses do funcionário público diretamente contratado e outro sindicato representa os
trabalhadores que formam a mão de obra terceirizada.

4.1 A DESIGUAL CONVIVÊNCIA DE ESTATUTÁRIOS E CELETISTAS EM UM


MESMO AMBIENTE LABORAL

Com o avanço da terceirização na Administração Pública, é cada vez mais


perceptível à convivência de servidores concursados e estáveis ao lado de trabalhadores
terceirizados. Não é difícil perceber que as diferenças das garantias legais presentes na CLT e
nos mais diversos estatutos que regem os servidores públicos são desproporcionais,
provocando um inevitável desequilíbrio nas relações laborais.
O estudo neste ponto especifico, centra-se dentro de uma situação fática
freqüentemente constatada, ou seja, existem funcionários laborando em um mesmo ambiente,

476
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

por vezes exercendo funções iguais, porém tutelados por diplomas legais que oferecem
dispositivos protetivos factualmente desiguais.
Para demonstrar que a convivência de trabalhadores regidos por regimes jurídicos tão
diversos importa em condições de extrema desigualdade, é preciso conhecer os critérios
necessários para identificação do desrespeito à isonomia. Celso Antônio Bandeira de Mello
enfrentou o tema e estabeleceu três critérios basilares que, uma vez preenchidos, resultam na
quebra da isonomia. Em seguida arremata afirmando que a agressão a apenas um destes
critérios importa em ofensa ao princípio da isonomia. Eis as palavras do autor:

Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser


feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões:
a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;
b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator
erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento
jurídico diversificado;
c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses
absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados. [...]
Não basta, pois, reconhecer-se que uma regra de direito é ajustada ao
princípio da igualdade no que pertine ao primeiro aspecto. Cumpre que o
seja, também, com relação ao segundo e ao terceiro. É claro que a ofensa a
requisitos do primeiro é suficiente para desqualificá-la. O mesmo,
eventualmente, sucederá por desatenção a exigências dos demais, porém
quer-se deixar bem explícita a necessidade de que a norma jurídica observe
cumulativamente aos reclamos provenientes de todos os aspectos
mencionados para ser inobjetável em face do princípio isonômico.15

Desse modo, pode-se eleger a questão da estabilidade como um exemplo capaz de


demonstrar a diferença de tratamento como forma de ilustrar a precisa doutrina de Celso
Antônio Bandeira de Mello neste caso concreto.
Enquanto o servidor público aprovado para um cargo de provimento efetivo em
virtude concurso público possui, por força do art. 41 da Constituição Federal estabilidade
após três anos de efetivo exercício, o servidor contratado por uma empresa terceirizada e
regido pela CLT tem as mesmas garantias legais que qualquer empregado da iniciativa
privada. Não existe qualquer dispositivo infraconstitucional capaz de igualar ou, pelo menos,
minimizar os transtornos causados por esse aspecto tomado como exemplo.

4.2 OS REFLEXOS DA TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA


REPRESENTAÇÃO SINDICAL

15
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed., 18ª tir..
São Paulo: Malheiros, 2010, p. 21.

477
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Os prejuízos dos trabalhadores terceirizados no que tange a sua representatividade


são bastante explícitos. A representação sindical dos servidores públicos ocorre por meio de
sindicatos historicamente fortes, fato que torna o gozo de certos direitos mais fáceis de serem
exercidos.
Em sentido contrario, os trabalhadores terceirizados são representados por sindicatos
de menos expressividade, com fraco poder de negociação. Tal fato é perfeitamente constatado
em movimentos grevistas, ou seja, enquanto os servidores efetivos exercem em sua plenitude
o direito constitucional de greve, constata-se que os trabalhadores terceirizados não se sentem
encorajados em realizar movimentos paredistas por razões diversas.
Essa desigualdade jurídica entre contratados e terceirizados leva, por exemplo, a uma
completa dissonância na pauta de reivindicações e a uma fragilidade potencial que inibe a
busca por melhores condições salariais e trabalhistas. Maurício Godinho Delgado adverte que
essa pulverização da força de trabalho e, conseqüentemente, a perda da força agregadora do
sindicato, provoca graves prejuízos e contribui para a precarização do trabalho terceirizados.
No entender do autor:

Somente pode ser organização sindical efetivamente representativa da


categoria profissional do trabalhador terceirizado aquela entidade sindical
que represente, também hegemonicamente, os trabalhadores da empresa
tomadora de serviços do obreiro! Toda a formação profissional, seus
interesses profissionais, materiais e culturais, toda a vinculação laborativa
essencial do trabalhador terceirizado, tudo se encontra direcionado à
empresa tomadora de serviços, e não à mera intermediária de mão-de-obra.
A real categoria profissional desse obreiro é aquela em que ele efetivamente
se integra em seu cotidiano de labor.16

Portanto, mesmo fazendo parte da Administração Pública e auxiliando os mais


diversos serviços públicos por meio das empresas terceirizadas, os trabalhadores terceirizados
sequer gozam da possibilidade de serem representados em igualdade de forças.
Por tudo o que foi exposto, não seria errôneo afirmar que a terceirização, qualquer
que seja ela, nos moldes atualmente praticados, é responsável pela criação de uma categoria
de trabalhadores de segunda linha. Visto por esse ângulo, mais uma vez a terceirização atenta
contra o princípio da igualdade. Esta é a opinião de Guilherme Machado Dray quando afirma
que:

16
DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 443.

478
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Ao interditar o tratamento de pessoas ou grupos de pessoas posicionadas em


situações essencialmente idênticas de forma arbitrariamente desigual, ou o
tratamento de pessoas ou grupos de pessoas essencialmente desiguais de
forma arbitrariamente idêntica, o princípio da igualdade impõe
inequivocamente uma obrigação aos poderes do Estado em favor do
indivíduo.17

Ante ao exposto, fica a certeza de que para atender aos fundamentos que regem o
Estado Democrático de Direito, sobretudo a dignidade da pessoa humana e os valores sociais
do trabalho, é necessário que ajustes legislativos sejam feitos, buscando eliminar o abismo
que separa o servidor público diretamente contratado e o trabalhador contratado por meio de
contratos de terceirização com os diversos entes públicos.

5 CONCLUSÕES

A terceirização ocorre quando uma empresa terceirizante é contratada por outra


tomadora de serviços visando o fornecimento de mão de obra destinada a atividades-meio. No
caso da terceirização no serviço público, quem assume o papel de tomador de serviços é o
ente da Administração Pública que contrata, por meio das normas previstas no Direito
Administrativo, empresas de mão de obra terceirizadas objetivando apoiar a prestação de
serviços públicos.
A Administração Pública não pode dolosamente se aproveitar da decisão que
decretou a constitucionalidade do art. 71, § 1º da Lei nº 8666/93, omitindo-se ou
negligenciando seu dever de fiscalizar a execução dos mais diversos contratos, sob pena de ter
de responder subsidiariamente por culpa in eligendo e in vigilando.
Nesse sentido, cabe a Administração Pública zelar pele correto cumprimento dos
contratos, obedecendo a risca os princípios e regras positivadas nas normas de Direito
Administrativo, dentre elas a própria Lei de Licitações e as Instruções Normativas que
detalham os procedimentos fiscalizatórios.
A tarefa de fiscalização deve passar, necessariamente, pela verificação e análise do
correto cumprimento das obrigações laborais dos trabalhadores terceirizados, isso inclui o
depósito regular do FGTS, o recolhimento dos tributos relativos à seguridade do trabalhador,
o pagamento de adicionais, dentre outros direitos sociotrabalhistas.

17
DRAY, Guilherme Machado. O Princípio da Igualdade no Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 1999,
p. 125.

479
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Diante do ingresso cada vez maior de trabalhadores terceirizados na Administração


Pública vinculados a empresas com atividades cada vez mais complexas, é preciso que sejam
tomadas medidas visando à redução da condição de desigualdade que ora se apresenta.
Infere-se que a discrepância entre a proteção legal oferecida ao empregado celetista e
o estatutário é muito grande, basta tomar a garantia da estabilidade como comparação, sem
falar em outros aspectos observados na prática cotidiana, como a enorme diferença de
remuneração e o acumulo de trabalho.

6 REFERÊNCIAS

AMORIM, Helder Santos. A Terceirização no Serviço Público: à Luz da Nova


Hermenêutica Constitucional. São Paulo: LTr, 2009.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. rev. e ampl.. São Paulo:
Ltr, 2010.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade.
3. ed., 18ª tir.. São Paulo: Malheiros, 2010.
_____. Curso de Direito Administrativo. 24 ed. rev. e atual.. São Paulo: Malheiros Editores
Ltda, 2007.
COIMBRA SANTOS, Rodrigo. Relações Terceirizadas de Trabalho. Curitiba: Juruá, 2006.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009.
DRAY, Guilherme Machado. O Princípio da Igualdade no Direito do Trabalho. Coimbra:
Almedina, 1999.
FREITAS, Juares. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa
Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2007.
GEMIGNANI, Tereza Aparecida Asta. Artigo 71 da Lei N° 8.666/93 e Súmula 331 do
TST: Poderia Ser Diferente? In: Revista do tribunal Superior do Trabalho. Ano 77 - n. 1,
jan. a mar, 2011.
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988.
São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003.
VIANA, Márcio Túlio; DELGADO, Gabriela Neves; AMORIN, Helder Santos.
Terceirização – Aspectos Gerais. A Última Decisão do STF e a Súmula 331 do TST.
Novos Enfoques. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Ano 77 - n. 1, jan. a mar,
2011.

480
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

GLÁUCIA FERNANDES DA SILVA

O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO COMO EMPECILHO


PARA A ADOÇÃO DA PARASSUBORDINAÇÃO NO BRASIL:
uma visão geral a partir da experiência italiana

THE PRINCIPLE OF SEAL KICK HOW TO HANDICAP THE


ADOPTION OF PARASSUBORDINAÇÃO IN BRAZIL: an overview from
the Italian experience

Belo Horizonte
2013

481
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

RESUMO: a subordinação clássica satisfez durante algum tempo os anseios dos


trabalhadores, dos juristas e dos movimentos sociais. A forma típica de trabalho subordinado
compreendia grande parte dos trabalhadores que precisavam de proteção legal. Contudo, a
realidade social passou a ser bem diferente da contemplada na sociedade contemporânea.
Diante disto, a subordinação jurídica não mais se apresenta como um critério suficiente a
persecução dos verdadeiros fins do Direito do Trabalho, levando-se em conta a gama de
trabalhadores que deixam de ser tutelados, por não contemplarem, direta ou indiretamente, em
sua relação de trabalho, tal critério. É, nesse contexto, que a Parassubordinação traz à baila
discussões importantes e de grande relevância para o futuro do Direito do Trabalho, haja vista
as novas modalidades de trabalho surgidas no final do século XX que, de um lado, foram
adequadas às exigências do capitalismo e, do outro, inadequadas ao ordenamento jurídico
trabalhista por não se encaixarem em seus princípios, institutos e regras.

PALAVRAS-CHAVE: subordinação, parassubordinação; princípio da vedação do


retrocesso.

ABSTRACT: classical tying satisfy the desires for some time workers, lawyers and social
movements. The typical form of subordinate work consisted largely of workers who needed
legal protection. However, social reality is now very different from that contemplated in
contemporary society. Given this, the legal subordination no longer presents itself as a
sufficient criterion for pursuing the true purposes of Labor Law, taking into account the range
of workers who are no longer protected by not contemplate, directly or indirectly, in relation
work, such a criterion. It is in this context that the Parassubordinação brings up important
discussions and of great relevance for the future of labor law, given the new working
arrangements that emerged in the late twentieth century that, on one side, were adequate to the
demands of capitalism and on the other, inadequate to the labor law by not fit their principles,
institutions and rules.

KEY-WORDS: subordination; parassubordinação; sealing principle of the reverse.

482
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

INTRODUÇÃO
Trazendo o charme das coisas novas e o peso da cultura europeia, a
parassubordinação seduz e encanta – tal como acontecia, nos tempos do Brasil-
Colônia, com as cartolas de feltro que os navios traziam. Apesar disso, ou por isso
mesmo, ele esconde por entre as abas uma estratégia de exploração – o que não
significa, necessariamente, que de seu interior não seja possível extrair um coelho.
(VIANA, 2011, p. 23)

As mudanças ocorridas nas ultimas décadas, dentre elas a crise do Estado do Bem
Estar Social, o advento da robótica, a ascensão das ideias liberais, a mundialização da
economia e do mercado e a reestruturação do modo de produção fizeram com que a
subordinação perdesse a sua vitalidade e com isso colocasse à prova o protecionismo do
Direito do Trabalho.

É no cenário de total desregulação e flexibilização do Direito do Trabalho em que a


dicotomia trabalho subordinado x trabalho autônomo é colocado em xeque é que surge na
Itália, o instituto da parassubordinação, que em linhas gerais, significa não ser o trabalhador
nem empregado e nem autônomo, mas com certeza significa ter menos direitos trabalhistas e
previdenciários.

Em que pese à ideia originária dos defensores terem sido estender aos trabalhadores
autônomos alguns direitos trabalhistas, já que são desamparados de todos, o que ocorreu, na
realidade, foi o esvaziamento do direito do trabalho, pois os que deveriam ser considerados
empregados foram enquadrados como parassubordinados.

É através da experiência italiana e da análise dos princípios constitucionais,


principalmente, o princípio da vedação do retrocesso, que se pretendente, nesse artigo,
justificar a não inserção da parassubordinação no Brasil, em respeito à própria Constituição,
além de demonstrar ser esse instituto, na verdade, mais uma das formas do capital de tentar
embaçar o Direito do Trabalho.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

1. BREVE ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO CONCEITO DA SUBORDINAÇÃO

A relação empregatícia, que garante aos empregados os direitos sociais e trabalhistas,


resulta da composição de diversificado conjunto de fatores reunidos em um determinado
contexto social, sem o quais não se configura a referida relação.1

Contudo, é a subordinação o cerne para o Direito do Trabalho, pois é ela que define a
relação de emprego, na medida em que os demais elementos – não eventualidade,
pessoalidade e onerosidade- podem estar presentes em outras espécies do gênero relação de
trabalho que não caracteriza relação de emprego.

Nesse sentido, Maurício Godinho Delgado afirma que

[d]e fato, a subordinação é que marcou a diferença específica da relação de emprego


perante as tradicionais modalidades de relação de produção que já foram
hegemônicas na história dos sistemas socioeconômicos ocidentais (servidão e
escravidão). Será também a subordinação o elemento principal de diferenciação
entre a relação de emprego e o segundo grupo mais relevante de fórmulas de
contratação de prestação de trabalho no mundo contemporâneo (as diversas
modalidades de trabalho autônomo). (DELGADO, 2009, p. 280)

Assim, é a caracterização da subordinação que garante aos empregados e, tão


somente, a eles, a plenitude dos direitos trabalhistas.

Quando do surgimento do Direito do Trabalho2, a partir da segunda metade do século


XIX, o modelo econômico centrado na superexploração da mão de obra nas grandes
indústrias concebeu de forma uniformizada e homogênea as relações de trabalho.

1
Os elementos fático-jurídicos componentes da relação de emprego são: trabalho não eventual, prestado com
pessoalidade, por pessoa física, em situação de subordinação, com onerosidade. Esses elementos são extraídos
no ordenamento jurídico brasileiro dos artigos 2º e 3º da CLT.
2
“O Direito do Trabalho surgiu em momento histórico de crise, como resposta política aos problemas sociais
acarretados pelos dogmas do capitalismo liberal. Seu marco mundial é o século XIX. A disciplina em estudo
surgiu quando se tentou solucionar a crise social posterior a Revolução Industrial. Nasceu sob o império da
máquina, que, ao reduzir o esforço físico e simplificar a atenção mental, facilitou a exploração do trabalho das
mulheres e dos menores, considerados “meias forças”, relegando os trabalhos do homem adulo ao plano
secundário. O desgaste prematuro do material humano nos acidentes mecânicos do trabalho, os baixos salários e
as excessivas jornadas foram, então, inevitáveis. O Direito Civil já não se encontrava apto à solução desses
problemas, os quais exigiam uma legislação mais de acordo com o momento histórico-social. Isso porque a
celebração e o cumprimento do contrato de trabalho disciplinados pela liberdade asseguradas às partes no direito
clássico, intensificavam a flagrante desigualdade dos interlocutores sociais.
Diante as agitações dos trabalhadores e das lutas sociais no continente europeu, o Estado resolveu intervir na
regulamentação do direito do trabalho, inspirando-se em normas que lhe atribuem critérios próprios, não
encontrados em outro ramo do Direito. Essas normas são os princípios peculiares do Direito do Trabalho, entre
os quais está o da proteção, centralizado numa garantia de condições mínimas de trabalho, sustentados por outro
princípio, o da irrenuciabilidade.” (BARROS, 2012, p.67)

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Naquela época os operários trabalhavam nos limites físicos da fábrica sendo


ordenados e vigiados durante todo o tempo pelo seu empregador. Era essa relação de trabalho
que dominava a época que constituiu o escopo da proteção dispensada pelo novo e nascente
Direito do Trabalho.

Foi com base nessa relação nascida nos chãos das fabricas que se construiu o
conceito de relação de trabalho e o principal e tão debatido pressuposto, a subordinação.

Cediço que a subordinação clássica, nos termos acima identificados, é fruto de um


período histórico cujo centro e produção é o posto de trabalho nos moldes fordistas,
em que o empregador tem o total controle sobre o desenvolvimento da prestação
laboral, visto reunir, em um mesmo espaço físico e sob o controle de chefias, grande
número de trabalhadores. (ALVES, 2004, p. 78)

Conforme leciona Lorena Porto a matriz clássica da subordinação está na total


submissão e heterodireção do empregado às ordens precisas e vinculantes do empregador, nos
diversos aspectos da prestação do trabalho.

A subordinação foi identificada, assim, com a presença constante de ordens


intrínsecas e específicas, com a predeterminação e específicas, com a
predeterminação de um horário rígido e fixo de trabalho, com o exercício da
prestação laborativa nos próprios locais da empresa, sob a vigilância e controle
assíduos do empregador e de seus prepostos. A subordinação em sua matriz clássica,
corresponde à submissão do trabalhador a ordens patronais precisas, vinculantes,
“capilares”, penetrantes, sob o modo de desenvolver sua prestação e a controles
contínuos sobre o seu respeito, além de aplicações de sanções disciplinares em caso
de descumprimento. (PORTO, 2009, p. 43)

Ao se ter, contudo, esse conceito de subordinação para fins de enquadrar uma


relação de emprego, inúmeros trabalhadores que não se subsumiam aos contornos até então
definidos ficavam à margem da proteção do Direito do Trabalho.

A jurisprudência e a doutrina, diante da exclusão de inúmeros empregados que


necessitavam do amparo das tutelas trabalhistas, expandiram o conceito de subordinação que
teve como efeito inexorável a ampliação do manto protetivo do Direito do Trabalho, no
decorrer do século XX até a década de 1970. (PORTO, 2012, p 606)

Essa ampliação ao conceito de subordinação se deu na denominada “era do ouro” do


capitalismo onde os países ocidentais consolidaram o modelo de Estado de Bem Estar Social
que tinha uma concepção mais solidária de proteção ao ser humano como ao empregado.

Sobre esse alargamento do conceito de subordinação Márcio Túlio Viana assim


leciona.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Como já notamos em outras paragens, até algumas décadas atrás, quando o sistema
ainda seguia uma tendência includente, o conceito de subordinação foi-se ampliando
– pelo menos na leitura da grande maioria dos juízes e doutrinadores. Era um modo
inteligente embora nem sempre consciente – de transformar trabalhadores em
empregados e empregados em consumidores, realimentando o processo produtivo e
gerando o que alguns chamam de circulo virtuoso. (VIANA, 2011, p.30)

Não diferente é o entendimento de Lorena Porto.

Podemos observar, ao longo do século XX e até meados da década de 1970, uma


tendência no sentido da expansão do conceito de subordinação – em comparação
com a sua acepção tradicional ou clássica – com a consequente ampliação do campo
de incidência das normas trabalhistas.

Como nota Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, ocorreu progressivamente, um


desdobramento das fronteiras iniciais, com a amplificação do Direito do Trabalho, o
qual passou a abranger categorias de prestadores de serviços não enquadrados nos
rígidos termos do passado, como os trabalhadores em domicilio e, inclusive os
autônomos. Essa ampliação quantitativa – ocorrida por imposição da própria
realidade social e dos desígnios da Justiça – por sua vez, influi no fenômeno
qualitativo da subordinação, alterando o conceito jurídico, alargando-o, conferindo-
lhe nova fisionomia. (PORTO, 2009, p. 47)

Entretanto, com as mudanças ocorridas nas ultimas décadas, dentre elas a crise do
Estado de Bem Estar Social, o advento da robótica, a ascensão das ideias liberais, a
mundialização da economia e do mercado, a reestruturação do modo de produção e a
revolução tecnológica fizeram com que as relações de trabalho afastassem a noção antes tida
da subordinação.

Com essa evolução, o “novo” trabalho se perfaz menos subordinado, com ordens
menos agudas, ou melhor, com características de trabalho autônomo o que consequentemente
gera o afastamento do amparo trabalhista, na medida em que os trabalhadores passam a ser
qualificados como tal, sem que na realidade, os sejam de fato.

Pedro Proscurcin sobre a mudança na subordinação, assim dispõe.

Na base da reestruturação produtiva estão necessariamente presentes tecnologias,


uma grande transferência de responsabilidade ao pessoal e um sistema de detecção
de defeitos.
O trabalho em grupo libera a chefia. Esta vai ocupar-se da parte estratégica. Isso
decorre do fato do grupo ter metas fixadas a cumprir. Na estrutura existe um porta
voz que substitui com vantagens a figura da chefia tradicional. Essas constatações
implicam na perda da vitalidade da subordinação. (PROSCURCIN, 2001, p.44 e 52)

No entanto, no momento em que mais se precisava do alargamento do conceito de


subordinação houve uma retração tanto por parte da doutrina quanto da jurisprudência, o que
acarretou no desamparo aos empregados que não estavam enquadrados no conceito clássico
da subordinação. (PORTO, 2012, p. 606)

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Juntamente com essa tendência que ganhou maior relevo no final da década de 70 e
que a doutrina ultraliberal estava em alta, iniciou-se o fenômeno da flexibilização e
desregulamentação3 do Direito do Trabalho.

Essa transição do conceito de subordinação que ocorreu juntamente com a


flexibilização, ou melhor, em decorrência desse fenômeno, resta bem definida nas seguintes
palavras de Lorena Porto.

Todavia, paradoxalmente, no momento em que a expansão as subordinação se


tornou mais imprescindível, ela passou a ser restringida, reduzida, por obra da
jurisprudência, do legislador e da doutrina. Essa tendência observada, sobretudo, a
partir do final da década de 1970, insere-se um fenômeno ainda maior – a tentativa
de desregulamentação do Direito do Trabalho – que encontra fundamento na
ascensão e hegemonia da doutrina ultraliberal, ocorrida na mesma época. (PORTO,
2012, p 606)

Nesse mesmo sentido, Daniela Muradas assim afirma.

Nesse contexto, as propostas ultraberalizantes são incorporadas no Direito do


trabalho pela corrente de pensamento flexibilizatoria, propondo a adequação do
regime protetivo típico a formulas mais apropriadas às necessidades patronais e aos
influxos de mercado. Inverte-se, portanto, a logica originária do Direito do trabalho .
postula-se a substituição da imperatividade das normas justrabalhistas pelas
disposições negociais coletivas ou mesmo pela proteção contratual.

Concretamente foram adotadas medidas desregulamentatórias, com o desarrimo de


clássicas garantias trabalhistas e consequente redução de níveis sociais assegurados
pela ordem jurídica. (REIS, 2012, p.30)

Por sua vez, Alice Monteiro de Barrros dispõe que

[a] década de 1990 reflete uma política neolibaral, com o abandono do conceito de
Estado do Bem-Estar Social. Enquanto se privilegiam os grandes grupos
econômicos as pequenas e medias empresas quebram em decorrência do dano
causado pelas políticas econômicas. A saúde, a educação, a segurança e a
previdência são relegadas a um plano secundário. (BARROS, 2012, p.67)

É nesse cenário de total desregulamentação e flexibilização do Direito do Trabalho


que surge, na Itália, o instituto da parassubordinação, que em linhas gerais, significa não ser o
trabalhador nem empregado e nem autônomo, mas com certeza significa ter menos direitos
trabalhistas e previdenciários.

[...] embora muitas vezes sejam tomadas como sinônimos, a flexibilização não se confunde com a
3

desregulamentação do direito do trabalho. Enquanto esta consiste na completa substituição das normas
trabalhistas estatais pela regulamentação autônoma, aquela encerra apenas uma adaptação das leis laborais às
novas realidades das relações de trabalho. laborais às novas realidades das relações de trabalho. (BONNA, 2008,
p.11)

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2. A PARASSUBORDINAÇÃO NA ITÁLIA

Ainda que uma lei anterior já se referisse à parassubordinação4, foi a partir de uma
reforma, no Código de Processo Civil Italiano, efetuada pela Lei n. 533 de 1973, que esse
instituto ganhou relevo e se tornou alvo de discussão pela doutrina e jurisprudência, não só da
Itália, mas mundialmente.

Uma das maiores inovações trazidas por essa lei foi a extensão operada pelo
surgimento do parágrafo 3º do artigo 409, que estendeu o processo do trabalho às “relações de
agência, de representação comercial e outras relações de colaboração que se concretizem em
uma prestação de obra continuada e coordenada, prevalentemente pessoal, ainda que
subordinado”.

Foi nessa alteração do mencionado artigo que a doutrina, tendo como maior
referência Guiseppe Santoro Passarelli, vislumbrou a definição de um novo ou terceiro tipo de
relação de trabalhado denominado parassubordinação. (PORTO, 2009, P.119)

Foi Guiseppe Santoro Passarelli, em sua obra “Il lavoro parassubordinado”, de 1979,
quem individualizou de forma mais completa essa categoria conceitual. O autor
identificou uma ratio substancial nessa norma processual: a existência de um
desequilíbrio contratual entre as partes. Defendia assim, que a figura, embora
prevista no diploma processual, tinha ampla relevância e gerava consequências
também no plano do Direito material. (PORTO, 2009, p.119)

Os criadores e defensores da parassubordinação justificam a sua concepção no fato


de que a partir do século XX com as transformações sociais e econômicas ocorridas, surgiram
trabalhadores que não eram autônomos, mas dependentes socioeconomicamente dos
tomadores de serviços. Por isso, necessitavam do amparo dos direitos trabalhistas, ou ao
menos, alguns deles. Daí, a razão para o surgimento da parassubordinação.

No Brasil, ainda que de forma principiante, a doutrina, abaixo representada por


Amauri Mascaro, assim, conceitua essa modalidade de trabalho.

4
Conforme leciona Lorena Porto “a figura da parassubordinação foi definida pela primeira vez pelo artigo 2º, da
Lei n. 741 de 1959. Essa lei delegava ao governo ao Governo a emanação de Decretos Legislativos específicos
para assegurar uma disciplina econômica e normativa mínima e inderrogável a todos os trabalhadores
pertencentes a uma mesma categoria.” (...) O artigo 2º da Lei determinava que essa disciplina deveria ser
emanada pelo Governo para todas as categorias abrangidas por contratos coletivos que regulamentavam as
relações de emprego, as relações de associação agrária , de locação a cultivador direto e as “relações de
colaboração que se concretizem em prestação de obra continuada e coordenada” (PORTO, 2009, p.118/119)

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O trabalho parassubordinado é uma categoria intermediária entre autônomo e o


subordinado, abrangendo tipos de trabalho que não se enquadram exatamente em
uma das modalidades tradicionais, entre as quais se situa, como a representação
comercial, o trabalho dos profissionais liberais e outras atividades atípicas, nas quais
o trabalho é prestado com pessoalidade, continuidade e coordenação. Seria a
hipótese, se cabível, do trabalho autônomo com características assimiláveis ao
trabalho subordinado. (MASCARO, 1997, p.319)

Para Pedro Proscurcin, por sua vez, assim dispõe.

A doutrina italiana refere-se ao trabalho parassubordinado como uma espécie


intermediária entre o trabalho autônomo e o subordinado. Algo que não estaria em
nenhuma das duas modalidades. Pode ser uma prestação continuada e
prevalentemente pessoal, mas sem subordinação convencional. Poderiam estar nesse
âmbito a representação comercial. As atividades, as atividades dos segurados
liberais, os sócios das cooperativas de trabalho e trabalhadores autônomos
eventualmente assimiláveis à subordinação. (PROSCURCIN, 2001, p.92)

Assim, com a alteração do artigo 409, parágrafo 3º, do CPC Italiano e a consequente
positivação da parassubordinação incumbiu a doutrina o dever de identificar as características
dessa nova modalidade de trabalho.

Essa tarefa se mostrou de difícil realização, na medida em que se buscava, na


verdade, era identificar os pontos próximos e ao mesmo tempo distantes do trabalho
autônomo e subordinado.

A esse respeito, importante mencionar o estudo realizado por Otávio Pinto e Silva
que reunindo o entendimento de diversos autores italianos e explanando o âmago do artigo
409, parágrafo 3º, do CPC italiano, aponta como elementos essenciais do trabalho
parassubordinado a continuidade da relação, a natureza preponderantemente
pessoal da prestação e, especialmente, a existência de uma colaboração ou ligação funcional
entre a atividade do prestador de serviços e aquela de seu tomador. (SILVA, 2004, p.105)

Em síntese, a parassubordinação ficou conhecida como colaboração continuada e


coordenada e ganhou como abreviatura a expressão “co.co.co”.

Passando-se para análise de cada um dos requisitos essenciais para a configuração da


parassubordinação o da continuidade é entendido como atividade desenvolvida de forma não
meramente ocasional, não sendo compreendida em sentido cronológico, podendo, inclusive,
ser prestação de curta duração. (ALVES, 2005, p. 88). Em outras palavras é entendida como
não eventualidade e reiteração no tempo.

489
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Por seu turno, o requisito da prevalência pessoal está associado à exigência de


prestar, por meio de pessoa física, o trabalho pessoalmente, embora haja registro na
jurisprudência italiana a validade desse requisito ainda que no contrato se revele pequeno
empreendedor valendo-se de auxilio de colaboradores. (ALVES, 2004, p. 90)

Dentre esses elementos caracterizadores para o trabalho parasubordinado o que traz


maior dificuldade de ser compreendido e identificado é a coordenação, “a qual constitui o
cerne, a pedra de toque da parassubordinação, diferenciando-a da subordinação,
caracterizando pela heterodeterminação da prestação laborativa.” (PORTO, 2009, p.121)

A coordenação é a sujeição do trabalhador sem que haja a subordinação em seu


sentido clássico. É a atividade de coordenar sem subordinar. É o meio entre a autonomia e a
subordinação e, portanto, a distinção entre o trabalho subordinado e parassubordinado.5

Assim, o que distingue o trabalhador parassubordinado do subordinado é o grau do


poder diretivo, como bem explicado por Porto.

[...] a distinção entre as duas hipóteses – subordinação e parassubordinação – se


baseia na intensidade do poder diretivo do tomador. Quando este é mais intenso e
constante, determinando em detalhes o conteúdo da prestação (além de aspectos
relativos ao tempo e lugar em que esta ocorre) está-se diante da subordinação;
quando o poder diretivo é menos intenso, expressando-se por meio de instruções
mais genéricas, configura-se a parassubordinação. Assim, a plena diferenciação
entre os dois conceitos somente é possível caso se adote uma concepção mais
restrita de subordinação, que a identifique com a heterodireção patronal forte e
constante da prestação laborativa em seus diversos aspectos, o que corresponde à
noção clássica ou tradicional do conceito. De fato, caso se adote uma acepção mais
ampla e extensiva de subordinação, as duas figuras acabam se confundindo
(PORTO, 2012, p. 608).

Não se pode deixar de mencionar como requisito para a configuração da


parassubordinação, ainda, que não haja dispositivo expresso nesse sentido, a fraqueza do
trabalhador parassubordinado em relação ao tomador dos seus serviços, que como visto foi
essa uma das razões para criação desse instituto.

5
Porto, em seu livro de A Subordinação No contrato de Trabalho, menciona exemplos de trabalhadores
parassubordinados como sendo aqueles contratados pelas empresas para transportar os seus produtos, os que
exercem profissões intelectuais (médico, paramédicos, professores, jornalistas, advogados, biólogos) os
motociclistas, os telefonistas, operadores de telemarketing, dentre outros. (PORTO, 2009, p. 121).

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Conclui-se, dessa forma, que para ser o trabalhador enquadrado como


parassubordinado deve cumular na prestação de serviços os requisitos estabelecidos, até
então, pela inovação trazida na reforma do código civil italiano em 1973.

Posteriormente, em 2003, o Decreto Legislativo, n. 276, conhecido como Decreto de


Biagi, mencionando o artigo 409, n.3, do CPC normatizou, através do artigo 61, abaixo
transcrito, o contrato de trabalho a projeto.

Mantida a disciplina para os agentes e representantes comerciais, as relações de


colaboração coordenada e continuativa, prevalentemente pessoal, sem vínculo de
subordinação, de que trata o art. 409, n. 3, do código de processo civil, devem ser
reconduzidas a um ou mais projetos específicos ou programas de trabalho ou fase
destes determinados pelo comitente e geridos autonomamente pelos colaboradores
em função do resultado, respeitada a coordenação com a organização do comitente e
independentemente do tempo empregado para a execução da atividade laboral.
(tradução livre)

Com a criação desse novo contrato, que ficou conhecido como “co.co.pro”
(colaboração, coordenada, continuada a projeto), o trabalho parassubordinado para assim ser
entendido e enquadrado deve necessariamente vincular a um “projeto”.

Entretanto, ficaram excluídos, por força do artigo 1º, parágrafo 2º e artigo 61 do DL


n;º 276/03, da nova disciplina - “co.co.pro” - uma série de hipóteses em que não se exige para
contratação de um trabalhador parassubordinado a vinculação a um projeto.6

Constata-se que não há no referido decreto uma definição ou limitação precisa do


que se entende por projeto, o que possibilita o enquadramento das inúmeras atividades a ser
desenvolvidas.

Além disso, não há vedação para que o contrato a projeto seja renovado por diversas
vezes o que torna possível a o prolongamento da fraude.

A esse respeito, Lorena Porto registra a diferença do “co.co.co” e “co.co.pro” .

Na essência, a diferença entre a “co.co.co” e “co.co.pro” é que nessa ultima o


tomador de serviços deve especificar “o projeto” em que o trabalhador ira atuar.

6
São eles, os agentes de comércio, os profissionais intelectuais que exigem para o seu exercício registro prévio
nas entidades profissionais, os componentes dos órgãos de administração e controle das sociedades, dos
participantes do colegiado e comissões, dos colaborados no âmbito do Comitê Olímpico, os trabalhadores
aposentados por velhice e os colaboradores da Administração Pública.

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Todavia, a noção de projeto é extremamente ampla, vaga e imprecisa, permitindo o


enquadramento das mais diversas atividades e modalidades de execução. Além
disso, não há no DL n. 276/2003 uma norma que proíba a renovação continuada do
“co.co.pro”, o que possibilita a perpetuação dessa forma contratual precária, por
meio de uma serie de renovações encadeadas uma à outra, indefinidamente,
inclusive em relação a projetos ou programas análogos. (Porto, 2012, p. 607)

Constata-se que a criação da parassubordinação contribuiu para o retrocesso do


conceito de subordinação. Ou seja, como forma de diferenciar a subordinação da
parassubordinação foi necessário restringir o conceito daquela nos mesmos moldes em que se
deu criação, qual seja, no trabalho desenvolvido dentro das fábricas com o controle total e
direto do empregador, para que fosse possível diferenciá-la.

Assim, a restrição do conceito de subordinação resultou no fato de que os


trabalhadores tradicionalmente enquadrados como empregados passaram a ser considerados
parassubordinados, sendo assim, privados de alguns direitos e garantias.

3. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO: conceito, origem e as suas


dimensões.

Não se pretende esboçar, nesse artigo, estudo aprofundado da origem do princípio da


vedação do retrocesso, mas, tão somente, dar o contorno superficial de seu nascimento,
mesmo correndo o risco de abreviar por demais questão de tamanha complexidade,
profundidade e importância.7

O princípio em questão tem sua origem no Direito Internacional dos Direitos


Humanos, na formulação do princípio da progressividade e não retrocesso dos direitos
humanos (REIS, 2012, p.35).

O primeiro documento internacional de Direitos Humanos, a Declaração de Direitos


do Homem de 1948, estabeleceu que nenhuma de suas disposições poderia ser “[...]
interpretada como reconhecimento a qualquer estado, grupo ou pessoa do direito de exercer
qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e
liberdades nela estabelecidas.”

Para um exame mais aprofundado e detalhado do tema, cf. o livro de REIS, Daniela Muradas.O princípio da
7

vedação do retrocesso no direito do trabalho, São Paulo: Ltr, 2010

492
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Assim, houve nessa Declaração obstáculos para interpretação restritiva de preceitos e


práticas de abolição dos direitos da pessoa humana. (REIS, 2012, p.35).

Contudo, foi com a aprovação em 1966 dos Pactos de Direitos Humanos que o
princípio do não retrocesso ganhou novas adjacências, mormente no plano dos direitos
econômicos, sociais e culturais.

Daniela Muradas com grande propriedade descreve o acolhimento do princípio do


não retrocesso de forma expressiva no Pacto de 1966.8

Preceitua o art.2º, §1º, do pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que os


Estados-partes no pacto comprometem-se a adotar medidas, tanto por esforço
próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos
planos econômico e técnico, até o máximo de seu recursos disponíveis, que visem a
assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, pleno exercício dos
direitos reconhecidos no presente pacto, incluindo em particular, a adoção de
medidas legislativas.

Na mesma trilha proibiu a “restrição ou suspensão dos direitos humanos


fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer país em virtude de leis,
convenções, regulamentos ou costumes, sob o pretexto de que o presente Pacto mão
os reconheça ou os reconheça em menor grau”, sendo o documento internacional
complementar as práticas e normativas nacionais de promoção da pessoa humana.

Além disso, o Pacto expressamente acolheu o princípio do não regresso no campo


interpretativo, à medida que estabelecu, pelo seu art. 5º, a inviabilidade de as suas
disposições serem interpretadas no sentido de reconhecer a prática de atos atentarios
aos direitos ou liberdades eles reconhecidos ou ainda de se lhes impor limitações
mais amplas do que aquelas nelas previstas.” (REIS, 2012, p.36)

Não diferente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) que tem por objetivos,
dentre outros, a promoção dos princípios fundamentais e direitos, o aumento da abrangência e
da eficácia da proteção social, assim como na fixação de condições mínimas de trabalho
aplicáveis a todos os trabalhadores, também positivou, através de sua Constituição o princípio
da vedação do retrocesso.

8
Assim como no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais a vedação ao retrocesso foi
ainda reiterado nos diplomas internacionais de proteção aos direitos humanos do Teerã de 1968, Viena de 1993,
na Convenção contra tortura, assim como na Convenção Americana de Direitos Humanos. (REIS, 2012, p.38).

Destaque-se que tanto pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, quanto
pelo apelidado Protocolo de São Salvador, em vigor desde 1999 (Decreto n. 3.321/99), o Brasil se comprometeu
a implementar, progressivamente e com o máximo de seus recursos disponíveis, os direitos ligados à igualdade.

493
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Com efeito, assim dispõe o artigo 19, VIII, da Constituição da OIT, que veda
expressamente a adoção de uma convenção ou recomendação em retrocesso à proteção do
trabalhador no plano nacional.

Em caso algum, a doção, pela Conferência, de uma convenção ou recomendação, ou


a ratificação, por um Estado-Membro, de uma convenção, deverão ser consideradas
como afetando qualquer lei, sentença, costumes ou acordos que assegurem aos
trabalhadores interessados condições mais favoráveis que as previstas pela
convenção ou recomendação.

Contornada a origem, ainda que de forma superficial, passa-se para o entendimento


dado pela doutrina, aqui representado pela especialista no assunto Daniela Muradas.
O princípio da vedação do retrocesso social enuncia serem insusceptíveis de
rebaixamento os níveis sócias já alcançados e protegidos pela ordem jurídica, seja
por meio de norma supervenientes, seja por intermédio de interpretação restritiva.
(REIS, 2012, p.35)

Não conceituando de forma distinta, Ana Paula Barcellos afirma que

[a] vedação do retrocesso social é a possibilidade de invalidação da revogação de


normas que, regulamentando o princípio, concedam ou ampliem direitos
fundamentais, sem que a revogação em questão seja acompanhada de uma política
substitutiva equivalente. (BARCELLOS, 2002, p. 69)

No mesmo diapasão, J.J Canotilho, ao mencionar sobre o princípio da vedação do


retrocesso, assim o faz.

O núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas


legislativas deve considera-se constitucionalmente garantido, sendo
inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros
esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na pratica numa anulação
“revogação” ou “aniquilação pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do
legislador tem como limite o núcleo já realizado. (CANOTILHO, 1983, p.539)

Destarte, o princípio da vedação do retrocesso, em linhas gerais, consiste na


impossibilidade de reduzir os direitos sociais sem que haja medidas compensatórias,
assegurando, dessa forma, a dignidade não só do trabalhador como de toda e qualquer pessoa.

A vedação do retrocesso é delineada pela soma do princípio da norma mais favorável


com o princípio da progressividade dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Embora diretamente relacionados ambos os princípios não se confundem e possuem


funções distintas na produção legislativa, na medida em que o princípio da norma mais
favorável atua “na preservação dos padrões sociais já assegurados pelo andamento jurídico
estatal”. (REIS, 2010, p.21)

494
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

O princípio em comento, de origem trabalhista, dispõe, em ultima análise, na criação,


interpretação e aplicação de normas que aumentam o patamar mínimo civilizatório
justrabalhista. Com isso, esse princípio cumpre ou deveria cumprir o processo de estimulação
na produção de normas que elevam as condições sócias dos trabalhadores.

Em contrapartida, o princípio da progressividade dos direitos sociais, oriundo do


Direito Internacional dos Direitos Humanos, “enuncia o compromisso internacional dos
Estados promoverem, no máximo de seus recursos disponíveis, a proteção da pessoa humana
em sua dimensão econômica, social e cultural”. (REIS, 2010, p.21)

É dessa noção de progressividade, que se extrai a vedação do retrocesso, como um


vetor dinâmico e unidirecional positivo, que impede a redução do patamar de tutela já
conferido à pessoa humana.(BONNA, 2008, p.60)

Com grande propriedade, Daniela Murada Reis, em seu livro “O Princípio da


Vedação do Retrocesso no Direto do Trabalho” conclui que os princípios em comento
vinculam o Poder Legislativo e estabelecem obstáculo ao retrocesso sócio jurídico da classe
trabalhadora.

Portanto, os princípios da norma mais favorável e da progressividade dos direitos


humanos sociais vinculam o Poder Legislativo e estabelecem obstáculo
intransponível ao retrocesso sociojurídico do trabalhador. Por aplicação desses
princípios se reconhece que “no Estado Democrático de Direito a lei passa a ser,
privilegiadamente, um instrumento de ação concreta do Estado, tendo como método
assecuratório de sua efetividade a promoção de determinadas ações pretendidas pela
ordem jurídica”. (REIS, 2010, p.21)

Assim, observa-se que o princípio do non retrocesso, aplicável ao Direito do


Trabalho, apresenta dimensões distintas podendo ser estático, na medida em que garante, ou
ao menos supõe, a efetividade dos direitos sociais já normatizados pelo ordenamento, e
dinâmico quando se refere à impossibilidade de modificação do direito social já garantido.
(REIS, 2012 fls.35)

Nesse sentido, o ministro Washington Peluso, mencionando sobre a dinamicidade do


princípio da vedação do retrocesso assim leciona.

495
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Para melhor situarmos o seu tratamento como tal, recorremos à sua conceituação
cientifica, quando as teorias a respeito o apresentam fundamentado no sentido
dinâmico de modificação do status quo, na direção de configurações diferentes das
atuais. A partir desse ponto, faz-se necessária a diferença entre o seu conceito e o de
‘crescimento’, podendo ambos incluir-se, sem, qualquer confusão, na ideia de
‘progresso’. O dado referencial, ‘diferenciador’, pode ser tomado, portanto, como
ideia de ‘equilíbrio’, a ele prendendo-se a de ‘desequilíbrio’. No ‘crescimento’, tem-
se o ‘equilíbrio’ das relações entre os componentes do todo, podendo haver o seu
aumento quantitativo qualitativo, porém mantidas as proporções dessas relações. No
‘desenvolvimento’, rompe-se tal ‘equilíbrio’, dá-se o ‘desequilíbrio’, modificam-se
as proporções no sentido positivo. Se tal verificasse no sentido negativo, teríamos o
retrocesso, a recessão, embora também como forma de ‘desequilíbrio’, pois
igualmente rompida com status quo ante. (SOUZA, 1999, p.404)

Por fim, imperioso mencionar, ainda, que o não retrocesso e o progresso estão
associados de maneira indissolúvel ao princípio da proteção do trabalhador, a base do Direito
do Trabalho.

De igual sentido, leciona Daniela Muradas Reis.

O progresso e não retrocesso social ainda relaciona-se ao princípio da proteção ao


trabalhador, pedra angular do Direito do Trabalho. O princípio da proteção ao
trabalhador, como se sabe, grava a originalidade do justrabalhismo enunciando o seu
sentido teleológico. Com lastro na dignidade da pessoa humana e no valor ínsito ao
trabalho do homem, o princípio tutelar enuncia ser a missão deste ramo jurídico a
proteção do trabalhador, com a retificação jurídica da desigualdade socioeconômica
inerente à relação entre capital e trabalho.

O sentido tuitivo, em uma perspectiva dinâmica, se relaciona à idéia de ampliação e


aperfeiçoamento de institutos e normas trabalhistas. Assim, afiança-se o
compromisso da ordem jurídica promover, quantitativamente e qualitativamente, o
avanço das condições de pactuação da força de trabalho, bem como a garantia de
que não serão estabelecidos recuos na situação sociojurídica dos trabalhadores.
(REIS, 2012, p.20)

Assim, é por meio do princípio da vedação ao retrocesso que se preserva os direitos


sociais, dentre eles o direito do trabalho, de medidas de caráter retrocessivo.

4 - O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO COMO EMPECILHO PARA A


ADOÇÃO DA PARASSUBORDINAÇÃO

No Brasil a relação de emprego, espécie do gênero relação de trabalho, se caracteriza


pela concomitância dos requistos extraídos dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do

496
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Trabalho (CLT): trabalho prestado com pessoalidade, por pessoa física, onerosidade, não
eventualidade e sob subordinação jurídica do empregador.

Outras relações de trabalho podem apresentar um ou mais desses elementos, mas,


somente, a reunião de todos eles é que configura a relação empregatícia e garante ao
empregado à proteção da tutela trabalhista.

O Direito do Trabalho no Brasil se edificou com base na relação de emprego, por


meio da criação de normas protetoras de ordem pública que regem a relação jurídica
estabelecida entre o empregado e o empregador.

Nesse sentido, a Constituição da República, a Consolidação das Leis do Trabalho, e


outras diversas leis específicas foram criadas visando ao trabalho do empregado, inclusive,
criando patamares mínimos, enquanto o trabalho autônomo é gerido pelas modalidades
contratuais existente no Código Civil.

Assim, a relação do trabalhador é dividida basicamente na relação de emprego,


marcada especialmente pela subordinação jurídica e na relação de trabalho autônomo em
que o trabalhador assume os riscos de sua atividade que a direciona sem interferência por
parte do tomador.

O divisor de águas entre essas duas modalidades e que garante o acesso a todos os
direitos assegurados ao empregado é a subordinação.

Como visto a subordinação, nas ultimas décadas, evoluiu assim como a relação de
trabalho. As mudanças na organização produtiva e o avanço tecnológico tornou a prestação
de trabalho muito mais autônoma, na media em que o controle tornou-se menos rígido em
razão da maior autonomia concedia ao empregado. Em suma “[o] controle do empregado
não desaparece, mas o seu objeto se modifica”. (PORTO, 2009, p.92)

Diante dessa evolução do conceito de subordinação em que a heterodireção patronal


forte e constante (subordinação clássica) torna-se estrategicamente mais leve e camuflada é

497
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

que surge a dificuldade de identificar e definir os elementos caracterizadores da relação de


emprego. É a chamada “zona grise”, zona cinzenta.

Exatamente nesse ponto em que há dificuldade de identificar, por manobra do


capitalismo, os requisitos da relação de emprego e que se encontra um vazio entre essa
relação e o trabalho autônomo é que se deve expandir o conceito de subordinação para que
assim o Direito do Trabalho cumpra suas finalidades e objetivos.

É no sentido contrário ao da lógica da inclusão progressiva do Direito do Trabalho


que surge a parassubordinação. Ou melhor, “para considerar parassubordinado um certo
tipo de trabalhador, o Direito teve de dar marcha ré na tendência ampliativa do conceito de
subordinação, que lhe permitira, pouco a pouco, aumentar o leque dos protegidos.”
(VIANA, 2011, p.31)

A parassubordinação, apesar de a sua ideia originária ter sido “proteger pelo menos
um pouco os de que outro modo nada teriam”, (VIANA, 2011, p.25) o que ocorreu e ocorre
na prática é a contratação de verdadeiros empregados como trabalhadores parassubordinados
o que significa dizer trabalhadores com menos direitos, trabalhadores desamparados.

O entendimento majoritário quanto aos direitos aplicáveis a essa nova forma de


contratação,9 sendo consagrado pela jurisprudência italiana, inclusive pela Corte
Constitucional, é de que “a esses trabalhadores aplicam-se apenas os direitos expressamente
previstos na lei e em eventuais contratos coletivos”, sendo os demais aspectos disciplinados
pelas normas previstas para o trabalho autônomo. (PORTO, 2009, p.127)

A citada autora em seu artigo “A Parassubordinação: Proteção ou Discriminação” ao


elencar de maneira detalhada os direitos aplicáveis e não aplicáveis aos trabalhadores
parassubordinados, conclui, não de forma surpreendente, ser um conjunto bastante modesto,

9
A corrente minoritária defende, através da analogia a aplicação de outros direitos, além dos previstos nas
normas jurídicas, como o princípio da suficiência da remuneração. Contudo, para a própria vertente que defende
a extensão aos parassubordinados dos direitos aplicáveis aos empregados há a impossibilidade de se estender
analogicamente todas as normas criadas para o trabalho subordinado. Assim, por mais que a corrente minoritária
viesse a ganhar maior relevo e o seu entendimento fosse aplicado ao caso concreto, jamais os parassubordinados
estariam abrangidos por todos os direitos garantidos aos empregados.

498
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

sendo muito inferior quantitativa e qualitativamente, àquele previsto para os empregados.


(Porto, 2012, p. 609)

Não se pode deixar, nesse ponto, de listar as tutelas que alcançam e as que não
alcançam os trabalhadores parassubordiandos, no intuito de se demonstrar o esvaziamento do
direito ocorrido com o nascimento dessa nova forma de contratação.

Aos parassubordiandos se aplicam os seguintes direitos: as normas do processo do


trabalho; a disciplina especial sobre os juros e correção monetária dos créditos trabalhistas; a
disciplina das renuncias e transações; do regime fiscal do trabalho subordinado; cobertura
previdenciária trabalhista e da maternidade e os auxílios familiares; o seguro obrigatório
contra os acidentes do trabalho e as doenças profissionais; o reconhecimento da liberdade
sindical e o direito de greve. (Porto, 2012, p. 609)

Em contrapartida, esses trabalhadores não são contemplados com inúmeros direitos,


sendo alguns deles, o direito a uma remuneração suficiente; a correção monetária e juros, após
a abertura do procedimento da execução concursal; a teoria trabalhista das nulidades que
assegura ao trabalhador a percepção de todos os direitos relativos ao período que prestou
serviços, anteriormente a invalidação do contrato; o impedimento do curso do prazo
prescricional durante a vigência da relação do trabalho; os privilégios previstos aos creditos
do empregado sobre os bens do empregador; o seguro desemprego; a tutela da atividade
sindical nos locais de trabalho; proteção contra dispensa imotivada; não contabilização do
número mínimo de trabalhadores de uma empresa para a aplicação da tutela real, que prevê a
reintegração do obreiro dispensado imotivadamente. (Porto, 2012, p. 610)

Assim, é inconteste ser o conjunto de direitos aplicáveis aos parassubordinados, pelo


ordenamento jurídico italiano, muito inferior aos direitos garantidos aos empregados daquele
país.

Na prática o custo de um trabalhador parassubordinado é bem inferior ao custo de


um empregado, o que por isso torna essa modalidade de contratação muito mais atraente aos
olhos do capitalismo e em contrapartida distante ao Direito do Trabalho.

499
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

No Brasil, assim como na Itália, a parassubordinação seria “esconder mais uma


tentativa de precarização das relações de trabalho, atirando milhares de pessoas física para
fora do círculo protetivo clássico do Direito do Trabalho.” (RENAULT, 2011, p.49)

A introdução no ordenamento jurídico brasileiro da parassubordinação violaria, sem


dúvida, o princípio da vedação do retrocesso e consequentemente a Constituição da
República.

O princípio da proibição do retrocesso, consagrado em nossa Constituição, ainda que


de forma não expressa, encontra-se diretamente conectado ao próprio Estado Social e
Democrático de Direito que tem como pilares a dignidade da pessoa humana e o valor social
do trabalho (incisos III e IV do art. 1º da CR/88), bem como objetiva a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária e a erradicação da pobreza e da marginalização (incisos I e III
do art. 3º da CR/88).(BONNA, 2008, p.60)

O princípio da progressividade, que como visto, delineia o princípio do não


retrocesso está respaldado nos artigos 4º, II e 5º, II, ambos da Constituição, na medida em que
o primeiro artigo estabelece a prevalência dos direitos humanos como princípio fundamental
da República Federativa nas suas relações internacionais e o segundo estabelece que “os
direitos e garantias expresso nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa
do Brasil seja parte.” (REIS, 2012, p.39)

Resta, ainda, mais evidente a princípio da progressividade quando a Constituição em


seu artigo 7º profere os direitos fundamentais dos trabalhadores, “sem prejuízo de outros que
visem à melhoria de sua condição social.”

Assim, como bem concluiu Daniela Muras Reis “a Constituição de 1988 assegurou
a expansão das garantias originais deferidas à pessoa humana, na linha enunciada pelo
princípio da progressividade dos direitos humanos” (REIS, 2012, p.39)

500
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

A par disso, o princípio da vedação ao retrocesso10, também, resulta “diretamente do


princípio da maximização da eficácia de (todas) as normas de direitos fundamentais, contido
no artigo 5º, parágrafo 1º, e que abrange também a maximização da proteção dos direitos
fundamentai.” (SARLET, 2005), além da inviabilidade de se proceder emenda constitucional
que venha abolir direitos e garantias fundamentais individuais, conforme previsão do artigo
60, parágrafo 4º, da Constituição.

Aludindo essa questão, SARLET assim enuncia.

Por via de conseqüência, o artigo 5º, parágrafo 1º, da nossa Constituição, impõe a
proteção efetiva dos direitos fundamentais não apenas contra a atuação do poder de
reforma constitucional (em combinação com o artigo 60, que dispõe a respeito dos
limites formais e materiais às emendas constitucionais), mas também contra o
legislador ordinário e os demais órgãos estatais (já que medidas administrativas e
decisões jurisdicionais também podem atentar contra a segurança jurídica e a
proteção de confiança), que, portanto, além de estarem incumbidos de um dever
permanente de desenvolvimento e concretização eficiente dos direitos fundamentais
(inclusive e, no âmbito da temática versada, de modo particular os direitos sociais)
não pode – em qualquer hipótese – suprimir pura e simplesmente ou restringir de
modo a invadir o núcleo essencial do direito fundamental ou atentar, de outro modo,
contra as exigências da proporcionalidade. (SARLET, 2005),

Conclui-se, assim, que sob todos os prismas que se analise o princípio da vedação ao
retrocesso, os direitos sociais, dentre eles o direito do trabalho, estão preservados de medidas
de caráter retrocessivo.

Em outras palavras, a adoção da parassubordinação no ordenamento jurídico


brasileiro configuraria violação o princípio da vedação do retrocesso à própria Constituição da
República que tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana e o valor social do
trabalho.
10
“O STF lançou o primeiro pronunciamento sobre a matéria por meio do acórdão prolatado na ADI nº 2.065-0-
DF, na qual se debatia a extinção do Conselho Nacional de Seguridade Social e dos Conselhos Estaduais e
Municipais de Previdência Social. Não obstante o STF não tenha conhecido da ação, por maioria, por entender
ter havido apenas ofensa reflexa à Constituição, destaca-se o voto do relator originário, Ministro Sepúlveda
Pertence, que admitia a inconstitucionalidade de lei que simplesmente revogava lei anterior necessária à eficácia
plena de norma constitucional e reconhecia uma vedação genérica ao retrocesso social.
Outras decisões do STF trataram do tema da proibição de retrocesso social, como as ADIs nºs 3.105-8-DF e
3.128-7-DF, o MS nº 24.875-1-DF e, mais recentemente, a ADI nº 3.104-DF. O Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul também já analisou o tema na Apelação Cível nº 70004480182, que foi objeto do RE nº 617757
para o STJ. A matéria mereceu análise também pela 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção
Judiciária do Mato Grosso do Sul – Processo nº 2003.60.84.002458-7.” (FILETI, 2008)

501
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

CONCLUSÃO

Apesar do objetivo da parassubordinação ter sido incluir trabalhadores que estavam


desamparados de qualquer tutela trabalhista, o resultado foi a restrição do conceito da
subordinação o que desencadeou na caracterização de verdadeiros empregados como
trabalhadores parassubordinados que possuem rol de direitos consideravelmente inferior aos
direitos tutelados pelo empregado. Assim, a experiência italiana nos fornece fortes elementos
para justificar a não inserção da parassubordinação no Brasil, com respeito à própria
Constituição que consagra o princípio da vedação do retrocesso e valorizar o trabalho, como
meio essencial à realização da dignidade da pessoa humana e à busca de maior justiça social.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

REGULAMENTAÇÃO E REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE O TRABALHO DO


ESTRANGEIRO NO BRASIL E QUESTÕES SOBRE O TRABALHO DO
BRASILEIRO NO EXTERIOR

REGULATORY AND CRITICAL REFLECTION ABOUT THE FOREIGN WORK IN


BRAZIL AND QUESTIONS ABOUT THE BRAZILIAN WORK ABROAD

Flávia de Ávila1 e Luciana Diniz Durães Pereira2

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apresentar, de acordo com as diferenças entre os
principais conceitos que envolvem o trabalho do estrangeiro no Brasil e no exterior, tanto na
condição de imigrante quanto na de refugiado, discussão crítica sobre as políticas públicas e a
legislação atual sobre essa importante área. Também se propõe a analisar, com base na
vertente metodológica jurídico-teórica, dispositivos do Projeto de Lei 5.655, que pode se
tornar o novo “Estatuto do Estrangeiro” brasileiro, e casos concretos advindos de
controvérsias trabalhistas envolvendo o trabalho de estrangeiros no Brasil e o de brasileiros no
exterior, apresentando-os e debatendo as teses por ora aceitas pela Justiça do Trabalho que
fundamentam suas respectivas decisões e enunciados.
PALAVRAS-CHAVE: Regulamentação do Trabalho de Estrangeiros no Brasil; Estatuto do
Estrangeiro; Migrantes e Refugiados.

ABSTRACT
This paper aims to present, according to the differences between the main concepts that
involve foreigner workers the in Brazil, both as an immigrant and as in the refugee statue,
critical discussion about public policy and current legislation on this important area. It also
intends to analyze, based on the legal-theoretical methodological aspect, procedures of the
Bill 5655, which may become the new Brazilian "Foreigner‟s Statute", and also cases arising

1
Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), especialista em Direito e
Processo do Trabalho pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos (IBEJ), mestre em Direito e Relações
Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutora em Direito Público, pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/Minas), na área de concentração “Direitos Humanos, processo de
integração e constitucionalização do Direito Internacional”. Professora de Direito Internacional Público e de
Direito da Integração e das Organizações Internacionais no curso de Direito da Universidade FUMEC. Autora do
livro publicado pela LTr Brasil e trabalhadores estrangeiros nos séculos XIX e XX: evolução normativo-
legislativa nos contextos histórico, político e socioeconômico. Email: flaviadeavila@gmail.com.
2
Graduada em Direito e em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especializada em
Direito Internacional pelas Faculdades Milton Campos, mestre em Direito Público, pela PUC/Minas, na área de
concentração Direitos Humanos, processo de integração e constitucionalização do Direito Internacional, e
doutoranda da UFMG na linha de pesquisa “A reconstrução discursiva dos Direitos Humanos”. Pesquisadora e
professora do programa de pós-graduação do Centro de Direito Internacional (CEDIN), membro e consultora da
organização não-governamental Instituto de Reintegração do Refugiado no Brasil (ADUS), professora e
coordenadora do Curso de Direito do Centro Universitário UNA, professora de História do Direito do Curso de
Direito da Universidade FUMEC. Autora do livro publicado pela Del Rey Para Entender o Direito
Internacional dos Refugiados: análise crítica do conceito "Refugiado Ambiental". Email: ludiniz11@fumec.br.

504
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

from labor disputes involving the employment of foreigners workers in Brazil and Brazilians
abroad, presenting and discussing the theses accepted at present by the Labor Justice that
underlie their decisions and statements.
KEYWORDS: Regulation of Foreign Labor in Brazil; Foreigner‟s Statute; Migrants and
Refugees.

1. Introdução

Na história da humanidade, obviamente abrangendo a experiência brasileira, sempre


houve clara distinção entre o indivíduo comum ao grupo social e o forasteiro. No caso do
Brasil, a estreita relação entre a formação da cultura política, social e jurídica do país e as
influências trazidas pelos elementos estrangeiros se fizeram muito evidentes. Salienta-se,
porém, que a própria noção de estrangeiro abrangeu várias e diferentes acepções para o
sistema normativo vigente no território brasileiro. Somente a partir do século XIX, com a
facilitação das comunicações e do transporte geradas pela Revolução Industrial, a relevância
da imigração passou a ser considerada determinante, a ponto de sofrer influências reais de
iniciativas públicas regulamentadoras. Por conseguinte, o conceito de estrangeiro se tornou
juridicamente mais simples (ÁVILA, 2011, p. 22-29). Durosselle (2000, p. 55) destaca,
portanto, que esse fenômeno foi capaz de tornar semelhantes as regras sobre polícias de
fronteira, aduana e exigência de passaportes para a maior parte dos Estados do mundo. Assim,
o estrangeiro passou a ser considerado genericamente como o sujeito não-nacional de um
determinado Estado, o qual pode se interessar por viver e trabalhar em um espaço diferente do
da sua nacionalidade.
Neste sentido, o presente artigo, que enfoca como tema as regulamentações atuais do
trabalho estrangeiro no Brasil e seus desdobramentos no âmbito das controvérsias trabalhistas,
bem como questões sobre o trabalho do brasileiro no exterior, justifica-se, sobretudo, pelas
temáticas recentes que aprecia, algumas ainda não pacíficas junto aos foros competentes, bem
como frente à análise do Direito Internacional. Além disso, sua discussão é temporalmente
importante, pois, a tendência é a de que, em um futuro próximo, tanto o trabalho do
estrangeiro no país como do brasileiro no estrangeiro, se acentuará. Isto porque, a importância
do Brasil como ator global na sociedade internacional tem crescido tanto no âmbito político
quanto no econômico. Desse modo, torna-se interessante aos cidadãos brasileiros a
perspectiva do trabalho no exterior, bem como, em perspectiva interna, o trabalho de
estrangeiros no Brasil. Isso em razão da importância estratégica e econômica do país na

505
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

atualidade e, mais especificamente, em virtude dos diversos eventos internacionais de grande


porte que sediará, tanto esportivos como culturais e tecnológicos. O país, portanto, está se
tornado polo de atração de mão de obra estrangeira, especializada ou não.
Assim, esse texto objetiva esclarecer os principais conceitos e as perspectivas
hodiernas do trabalho do estrangeiro no país e algumas questões sobre o do brasileiro no
exterior, oferecendo discussão crítica sobre as políticas públicas e as legislações vigentes
nesse campo. Em desdobramento desse objetivo, também se propõe a analisar controvérsias
trabalhistas oriundas dos casos concretos destas áreas já analisados pela Justiça do Trabalho,
apresentando-os e debatendo as teses por ora aceitas que fundamentaram suas respectivas
decisões e enunciados.
Destaca-se, por fim, que, metodologicamente, esse artigo inclui-se na vertente
intitulada jurídico-dogmática ou jurídico-teórica, uma vez que se baseia na análise de normas
jurídicas específicas, trabalhando com elementos internos ao ordenamento jurídico (GUSTIN;
DIAS, 2013, p. 20-25). Todavia, como se verá a diante, não se limita a trabalhar com as
relações normativas pura e simplesmente, mas sim sob a visão de que estas devem “ser
pensadas de forma externa, vital, no mundo dos valores e relações da vida” (GUSTIN; DIAS,
2013, p. 21), como é adequado a todo e qualquer debate no seio do Direito do Trabalho.

2. Considerações sobre os conceitos de estrangeiro, migrante e refugiado

A questão da figura do estrangeiro tem despertado, ao longo da história, diversidade


de pensamentos e opiniões. De acordo com Russomano (1979, p. 75), enquanto os povos
viviam isolados entre si, sem maiores contatos com costumes diferentes dos conhecidos em
sua comunidade, a não ser quando envolviam questões belicosas, desenvolveu-se declarada
xenofobia. Contudo, segundo Duroselle (2000, p. 50), o estrangeiro não é necessariamente o
inimigo, podendo, inclusive, ser o aliado de ocasião. Contudo, sua associação é com o
diferente, que pode assumir comportamentos considerados estranhos ou mesmo imprevisíveis
pelo observador.
Assim, esse ente singular importa tanto na diferença em relação à sua concepção de
sociedade quanto no aleatório, ou seja, no que diz respeito a comportamentos individuais e
sociais em comparação a quem observa. A diversidade pode ser constituída entre as
populações por fatores como raça, língua, religião professada pelos grupos sociais ou por
contingências ocasionadas no curso da longa sequência histórica a que são submetidas. O

506
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aleatório é entendido de acordo com comportamento concebido como original, próprio de


determinados povos ou grupos sociais, que, por se desconhecido, pode ser considerado
imprevisível por aqueles que não o compartilham (DUROSELLE, 1979, p. 50; ÁVILA, 2011,
p. 24).
Porém, “[...] apesar de o estrangeiro não se configurar nem inimigo por excelência e
nem amigo de ocasião” (ÁVILA, 2011, p. 24), essa figura comumente é submetida a situações
difíceis e embaraçosas simplesmente por ser considerada desconhecida, anormal, misteriosa,
exótica e, por consequência, incompreendida (CAVARZERE, 2001, p. 7; ÁVILA, p. 24).
Grande parte das justificativas para a colonização americana e africana por países europeus,
por exemplo, se baseou em teorias racistas, que pregavam a superioridade europeia, assim
como decisões políticas e discriminações individuais e sociais foram conduzidas com base em
racismo e xenofobia (DUROSELLE, 1979, p. 51-52; ÁVILA, 2011, p. 24-25).
Atualmente, contudo, a concepção de estrangeiro e o relacionamento entre os povos
mudou singularmente. Segundo Nazo (1989, p. 334), o estrangeiro, de acordo com a
concepção jurídica do conceito, é o não-nacional, o indivíduo estranho a um determinado
ordenamento jurídico, sendo equiparado ao não-domiciliado ou, mais restritivamente, ao não-
residente, embora se condenem, hodiernamente e de modo geral, leis discriminatórias em
relação a estrangeiros que não manifestem risco à segurança nacional3 dos países. Destaca-se,
contudo, que o estrangeiro está sujeito, na maioria dos casos, à legislação e à jurisdição do
Estado em que se encontra e, por consequência, deve se submeter aos deveres que lhe são
impostos por aquela respectiva legislação.
Conforme Seitenfus e Ventura (2001, p. 114), a capacidade do Estado em dispor plena
e exclusivamente sobre os critérios de aquisição e perda da nacionalidade é princípio
costumeiro inconteste do Direito Internacional. A própria Corte Internacional de Justiça (CIJ)
afirmou, no caso envolvendo Friedrich Nottebohm, a obrigatoriedade da observância desse
costume internacional, desde que os critérios de aferição da nacionalidade se baseiem em
vínculo substancial entre o indivíduo e o Estado4. No decorrer do desenvolvimento do Direito
Internacional sobre a matéria, convenções internacionais têm buscado traçar parâmetros

3
A expressão segurança nacional é bastante controversa, em razão das práticas adotadas pela Ditadura Militar
no Brasil, que, em nome de um discurso patriótico, impôs, segundo Cerqueira (CERQUEIRA, 1981, p. 19),
surto de xenofobia por meio da edição do Estatuto do Estrangeiro de 1980. Este diploma ainda se encontra em
vigor, mas que tem sido paulatinamente alterado e interpretado segundo parâmetros da atual Constituição de
1988. Conforme adiante descrito em item específico, tramita atualmente no Congresso Nacional um anteprojeto
para substituição do atual Estatuto do Estrangeiro, que promete algumas alterações em relação à política de
segurança nacional, mas que, na verdade, pouco inova sobre essa questão.
4
No caso Nottebohm (1955), a Corte Internacional de Justiça determinou que, apesar da dupla nacionalidade
envolvida, deveria haver uma prevalecente, identificada por meio de efetivos laços entre o indivíduo e o Estado.

507
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

determinadores para a resolução de controvérsias advindas da grande liberdade dos Estados


em aferir a nacionalidade dos indivíduos, como na situação dos apátridas e dos polipátridas.
Este é o caso da Convenção de Haia de 1930 sobre „Conflitos de Lei em Matéria de
Nacionalidade‟, incorporada ao direito brasileiro pelo Dec. nº 21.798, de 06 de setembro de
1932, que dispõe sobre critérios de nacionalidade da criança adotada por nacionais de pessoas
de países estrangeiros. Menciona-se, ainda, como exemplo a „Convenção das Nações Unidas
de 1957 sobre a Nacionalidade da Mulher Casada‟, promulgada pelo Brasil por meio do
Decreto nº 64.216, de 18 de março de 1969. Esse documento proíbe a incidência automática
das mudanças na nacionalidade do marido no estado de nacionalidade da mulher. Também se
pode citar a „Convenção sobre o Estado de Apátrida de Nova York‟, de 1961, pelo qual o
Estado atribuirá nacionalidade às pessoas que nascerem num território se aquelas pessoas não
tiverem direito a nenhuma outra. O Decreto Legislativo nº 274, de 04 de outubro de 2007,
aprovou esse tratado internacional. O direito à nacionalidade é expresso no artigo 15 da
„Declaração Universal dos Direitos Humanos‟ e, segundo a „Convenção Americana de
Direitos Humanos‟, não é possível a um nacional de uma Parte Contratante perder sua
nacionalidade.
Desse modo, é necessário saber quais são os critérios de reconhecimento e atribuição
de nacionalidade de um determinado Estado para se conhecer mais profundamente o conteúdo
material contido na noção de estrangeiro. O Brasil, assim como vários países que se tornaram
independentes da colonização europeia, adotou o jus solis como causa para a aquisição da
nacionalidade primária, isto é, aquela derivada do nascimento do indivíduo dentro do
território brasileiro. Contudo, conforme o artigo 12 da Constituição da República Federativa
do Brasil (CRFB) de 1988, esse não é um critério absoluto, podendo ser flexibilizado em
função da consanguinidade dos pais. Assim, será brasileiro nato o filho nascido fora do Brasil
de pai e/ou mãe que estejam no exterior a serviço do país, bem como a criança que,
independente do trabalho exercido pelos pais fora do território nacional, tenha sido registrada
em repartição brasileira competente ou que venha a residir no país posteriormente e opte pela
nacionalidade brasileira após a maioridade civil (BRASIL, 1988).
A nacionalidade brasileira ainda pode ser conseguida por meio da naturalização, de
forma ordinária ou extraordinária, conforme artigo 12, II, da CRFB. A ordinária prevê o
atendimento várias condições estipuladas no Estatuto do Estrangeiro de 1980 (Lei nº 6.815, de
19 de agosto de 1980, regulamentada pelo Decreto 86.715, de 10 de dezembro de 1981). A
extraordinária aplica-se aos estrangeiros residentes no Brasil há mais de 15 anos ininterruptos
e que não tenham sido condenados penalmente (artigo 12, II, b) (BRASIL, 1988).

508
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Portanto, no Brasil, os estrangeiros são todos os indivíduos que não adquiriram a


nacionalidade brasileira. Aquele que reside no Brasil exerce o direito de liberdade de
locomoção, assim como todo o nacional, desde que tenha ingressado regularmente no país.
Contudo, é importante frisar que estrangeiro e imigrado não são conceitos sinônimos.
Estrangeiro refere-se a uma conceituação basicamente jurídica, enquanto a categoria de
imigrado é relacionada à condição social do indivíduo. Assim, conforme Vainer (1995, p. 49)
“[...] para esta condição social é que o estatuto jurídico de estrangeiro ganha novos
significados e passa a funcionar como discriminante político, econômico e cultural”. Neste
contexto, é importante enfatizar que o migrante exerce seu direito de ir e vir como fator de
autodeterminação pessoal, mas, por outro lado, também é direito do Estado controlar as
migrações, seja para impedir seu despovoamento, seja para impedir a entrada de elementos
perigosos e desestabilizadores da ordem interna (CAVARZERE, 2001, p. 11).
Esse assunto é polêmico, pois ao mesmo tempo em que gera consequências jurídicas
importantes, também desperta indagações do ponto de vista social e econômico, sobretudo.
Segundo Vainer (1995, p. 49), duas são as principais correntes sociológicas que estudam as
migrações. A primeira, de inspiração liberal, é aquela que considera o migrante como força de
trabalho do mercado, isto é, tendo o mercado de trabalho como um de seus segmentos, o
capital humano é livre para se deslocar e procurar a situação ideal para se exercitar. Já a
corrente de inspiração estruturalista entende que a liberdade de trabalho possui dupla face:
uma positiva, pela qual o trabalhador é livre para vender sua força e trabalho, e uma negativa,
pois o trabalhador é sempre obrigado a vendê-lo. O trabalhador torna-se, então, pela segunda
face, escravo de sua necessidade, ou seja, parte da estrutura, tendo sua suposta liberdade
derivada de ficção que esconde os condicionamentos impostos pelo capital.
Todavia, Vainer (2001, p. 177-182) defende que a violência é o fator preponderante no
deslocamento das pessoas. Essa teoria expressa que a violência, seja psíquica ou física, age
sobre os fluxos migratórios, incentivando-os ou impedindo sua ocorrência. No caso brasileiro,
conforme estudado por Ávila (2011), a violência se configurou em praticamente todas as
providências para atração, seleção ou controle da entrada de mão de obra estrangeira no
Brasil, desde a colônia até o fim do século XX. Assim, reconhece-se a dimensão política do
fato migratório que extrapola o nível econômico e se enquadra em processos de dominação,
desnudando uma das principais promessas da modernidade: a liberdade de ir e vir em um
mundo sem fronteiras, globalizado. Desse modo, sendo o ato imigratório derivado, muitas
vezes, de violência, seja esta econômica, política e/ou social, controvérsias poderão surgir em
relação ao estrangeiro nesta condição, inclusive ao exercer funções relacionadas ao trabalho.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Neste mesmo sentido, a questão da violência, materializada na perseguição e/ou no


fundando temor de perseguição por motivações como nacionalidade, raça, religião, opinião
política e vinculação a um determinado grupo social, enseja a possibilidade de pedido de
reconhecimento do status de refugiado por indivíduos que, em decorrência de serem
perseguidos no país no qual habitualmente vivem, são forçados a cruzar uma fronteira
internacionalmente reconhecida e ingressarem em um Estado que não o seu de origem, no
qual irão solicitar tal reconhecimento e respectiva proteção. O Brasil, por ser um país que faz
parte da „Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados‟ (CRER), de 1951, bem como de
seu „Protocolo Adicional‟ (PA), de 19675, possui lei específica interna, a Lei 9.474 de 22 de
julho de 1997, que dispõe sobre a forma de acolhida destes estrangeiros em território nacional
e informa o processo de regularização dos mesmos a partir da atuação do „Comitê Nacional
para os Refugiados‟ (CONARE) vinculado ao Ministério da Justiça (MJ). Ainda, por se
vincular o país à Organização dos Estados Americanos (OEA), o Brasil adota a concepção
ampliada do conceito de refugiado (PEREIRA, 2009, p. 97), considerando, também, para
efeito da possibilidade de reconhecimento do status de refugiado, o deslocamento forçado em
decorrência de “grave violação de direitos humanos”6.
A definição alargada do conceito de refugiado foi, em 1985, aprovada pela Assembleia
Geral da OEA. A Organização resolveu solicitar a seus Estados membros que estendessem
seus respectivos apoios ao texto da Declaração de Cartagena das Índias (DCI), adotado em 22
de novembro de 1984, e, dentro do possível, que tentassem implementar as resoluções e
recomendações da Declaração em suas legislações domésticas. Apesar de não possuir caráter
formal, a DCI tornou-se uma base política sólida para o entendimento e conceituação dos
refugiados nas Américas e tem sido, de certa forma e de acordo com os interesses e com a
discricionariedade de cada Estado americano, efetivamente incorporada em seus respectivos
ordenamentos jurídicos internos.

3. Política vigente no país sobre a regulamentação de estrangeiros na condição de


imigrantes

No tocante à regulamentação da entrada e permanência de trabalhadores estrangeiros


no Brasil, a CRFB de 1988 confere competência privativa à União para legislar sobre
emigração, imigração, entrada, extradição, deportação e expulsão de estrangeiros (artigo 22,

5
O Brasil ratificou e incorporou a CRER e seu PA ao ordenamento pátrio em, respectivamente, 1961 e 1972.
6
Artigo 1º, inciso III, da Lei 9.474 de 22 de julho de 1997.

510
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

XV). A Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, que dispõe sobre a organização da Presidência
da República e dos Ministérios, remete a política de imigração ao campo de atuação do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) (artigo 14, XIX, “g”) (BRASIL, 1988).
O Conselho Nacional de Imigração (CNIg), órgão colegiado criado pelo Estatuto do
Estrangeiro, é presidido pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e tem sua organização atual
definida pelos Decretos n° 840, de 22 de junho de 1993, e nº 3.574, de 23 de agosto de 2000.
É responsável por, dentre outras atribuições, formular as políticas e coordenar e orientar as
atividades de imigração; efetuar o levantamento periódico das necessidades de mão de obra
estrangeira qualificada, para admissão, em caráter permanente ou temporário, de
trabalhadores; estabelecer normas de seleção de imigrantes, visando proporcionar mão de
obra especializada aos vários setores da economia nacional, captando recursos para setores
específicos; dirimir as dúvidas e solucionar os casos omissos, no que diz respeito a
imigrantes; e, por fim, opinar sobre alteração da legislação relativa à imigração, quando
proposta por qualquer órgão do Poder Executivo.
A atual política do CNIg sobre a imigração de trabalhadores para o Brasil reflete a
preocupação em restringir a entrada de estrangeiros. Segundo as regras da Resolução nº 99, de
12 de dezembro de 2012, a concessão de visto temporário dependerá de requisitos como
diplomas e comprovada experiência profissional. Indivíduos sul-americanos, todavia, estão
livres destas exigências, que também são flexibilizadas para outras nacionalidades quando
diplomas e atestados de experiência profissional não forem a única forma de demonstração da
compatibilidade do perfil profissional do estrangeiro com a função a ser desempenhada no
país7. A prorrogação do visto temporário ou sua transformação em permanente levará em
conta tanto a continuidade da necessidade do trabalho, quanto a evolução do quadro de
empregados da empresa requerente, bem como a justificativa apresentada pelo estrangeiro
para sua fixação no Brasil, quando for o caso.
O MTE também participa da Coordenação-Geral de Imigração (CGIg), a qual é
encarregada de coordenar, orientar e supervisionar as atividades referentes à autorização de
trabalho a estrangeiros e à contratação ou transferência para o trabalho no exterior. Essa
autorização é ato administrativo de competência do MTE e é exigida pelas autoridades
7
De acordo com o parágrafo único do artigo 2º da Resolução Normativa nº 99, a comprovação da qualificação e
experiência profissional do estrangeiro deverá ser feita pela demonstração de escolaridade mínima de nove anos
e experiência de dois anos em ocupação que não exija nível superior; ou experiência de um ano no exercício de
profissão de nível superior, contado este prazo da conclusão do curso de graduação que o habilitou a este
exercício; ou conclusão de curso de pós-graduação com, no mínimo, 360 horas, ou de mestrado ou outro grau
superior compatível com a atividade que irá desempenhar; ou experiência de três anos no exercício de profissão
cuja atividade artística ou cultural independa de formação escolar (MINISTÉRIO DO TRABALHO E
EMPREGO, 2012b).

511
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

consulares brasileiras, por ser necessária para a concessão de vistos permanentes e/ou
temporários aos estrangeiros que desejem trabalhar no país. Tal órgão é subdividido em
diferentes setores, sendo estes: Divisão de Cadastro e Apoio; Divisão de Temporário e
Permanente; Divisão de Prorrogação e Transformação; e Atendimento Especializado.
A CGIg agrega, além da representação governamental, uma bancada de trabalhadores
e outra de empregadores, juntamente com representantes da comunidade científica. De acordo
com o artigo 49 da Lei 9.784, de 1999, o prazo para a decisão do pedido é de trinta dias, desde
que o processo esteja devidamente instruído. Da decisão que denegar a „Autorização de
Trabalho‟ caberá, no prazo de dez dias contados da data de publicação da referida decisão no
Diário Oficial da União (DOU), recurso administrativo. O recurso deverá ser dirigido à
autoridade que proferiu a decisão que, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, a
encaminhará à autoridade superior, na forma do artigo 56 da Lei 9.784/99 (BRASIL, 1999).
Para tanto, o MTE atua em parceria com o Ministério das Relações Exteriores (MRE),
responsável pela concessão de vistos no exterior, e com o Ministério da Justiça (MJ). A
Divisão de Cooperação Jurídica Internacional (DCJI), subordinada ao Departamento de
Imigração e Assuntos Jurídicos (DIJ), possui competência para atuar em assuntos de
cooperação jurídica internacional.
No caso do MJ, o Departamento de Estrangeiros é responsável pelos processos de
naturalização e expulsão, bem como por aprovar a permanência do estrangeiro no Brasil. Já o
Departamento de Polícia Federal, por intermédio das Delegacias de Polícia de Imigração
(DELEMIGs), tem como atribuições controlar as entradas e saídas de pessoas nos pontos de
fronteiras; realizar os registros de estrangeiros; realizar as deportações; bem como as demais
atividades próprias da polícia de imigração. Portanto, e por uma lógica jurídica ligada a tais
atividades, esse fornece a Carteira de Identidade ao Estrangeiro (CIE).
Para a obtenção da CIE e consequente início do processo de legalização, todo
estrangeiro precisa se inscrever no Sistema Nacional de Cadastramento de Registro de
Estrangeiros (SINCRE) junto à Polícia Federal (PF). O SINCRE foi criado, em 1987, para
unificar o cadastramento e o registro dos estrangeiros, antes efetuados pelas respectivas
Secretarias de Estado de Segurança Pública (SSP) de cada Estado da Federação. São
cadastrados os imigrantes permanentes, temporários, provisórios, fronteiriços, asilados e
refugiados. Consequentemente, o controle migratório das fronteiras brasileiras é executado
pela PF, órgão vinculado ao MJ, pois compete à União executar o serviço de polícia marítima,
aérea e de fronteiras, conforme o inciso XXII do artigo 21 da CRFB de 1988, e à PF exercer
as funções de polícia marítima, aérea e de fronteira, pelo que dispõe o artigo 144, parágrafo

512
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

único do mesmo texto constitucional. Por sua vez, o Estatuto do Estrangeiro rege os
procedimentos desse controle através do disposto em seu artigo 22, cujo conteúdo determina
que a entrada, no território nacional, deve ocorrer somente nos locais onde houver fiscalização
dos órgãos competentes dos Ministérios da Justiça, da Saúde e da Fazenda.
Apesar da profusão de órgãos responsáveis pela regulamentação da entrada e da
permanência de estrangeiros no Brasil, existem poucas entidades governamentais capazes de
proteger os estrangeiros que se encontram em solo nacional. Neste vácuo da atuação
governamental, se situam algumas Organizações Não-Governamentais (ONGs) que agem
representando os migrantes e os refugiados, ainda que com limitações8.
Uma importante iniciativa é a „Política Nacional de Imigração e Proteção ao
Trabalhador (a) Migrante‟, aprovada, em 2010, pelo CNIg, mas ainda pendente de aprovação
pela Presidência da República. Essas diretrizes foram resultado do estudo feito pelo „Grupo de
Trabalho‟ formado, em dezembro de 2008, pelo CNIg, que reflete demandas sociais
importantes. A proposta prevê que seja adotada, no Brasil, legislação que melhor reflita os
compromissos internacionais sobre migração dos quais o Brasil faz parte, principalmente
aqueles firmados no seio da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Apresenta,
portanto, como objetivos, a garantia aos imigrantes do acesso a serviços como saúde e
educação, bem como a desburocratização de processos de regularização e naturalização
(MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2010).
Salienta-se que as Convenções da OIT que tratam da migração são consideradas
promocionais, pois têm a finalidade de fixar objetivos e estabelecer programas para sua
execução no âmbito dos Estados, os quais devem tomar providências para implementá-las.
Contudo, nem todas as Convenções vigentes e que tratam da matéria na OIT foram ratificadas
pelo Brasil, como, por exemplo, a Convenção nº 157 que dispõe sobre a preservação de
direitos em matéria de seguridade social, e a Convenção nº 143, que cuida das migrações em
condições abusivas e da promoção de igualdade de oportunidade no tratamento dos
trabalhadores migrantes (ÁVILA, 2011, p. 64-65).
Entre as que constam na ordem jurídica brasileira, destacam-se: a Convenção nº 19,
que estipula a igualdade de tratamento entre estrangeiros e nacionais em questões referentes a
acidentes de trabalho; a Convenção nº 21, que garante a proteção de direitos de emigrantes
que estejam a bordo de navios sob inspeção; a Convenção nº 97, que trata especificadamente

8
No tocante à atuação das ONGs e demais entidades representantes da sociedade civil organizada em relação à
proteção e auxílio aos refugiados no Brasil, têm-se, como exemplo, a Cáritas Arquidiocesana e ADUS – Instituto
de Reintegração do Refugiado, os quais serão tratados mais a frente, no item 3 do presente artigo.

513
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

de trabalhadores migrantes; a Convenção nº 111, que não permite a existência de


discriminação entre nacionais e estrangeiros no que concerne a empregos e ocupações; a
Convenção nº 117, que traça objetivos e normas básicas para políticas sociais, inclusive no
que concerne a presença de imigrantes nos Estados; e a Convenção nº 118, que prevê
igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros em matéria de previdência social
(ÁVILA, 2011, p. 65-66).
Ainda, outros tratados internacionais multilaterais trabalham com o tema. No âmbito
geral da ONU, por exemplo, a „Convenção Internacional sobre a Proteção do Direito de
Todos os Trabalhadores Migrantes e seus Familiares‟, aprovada pela Resolução 158 (XLV),
de 18 de dezembro de 1990, estabeleceu normas fundamentais para que seja evitada a
discriminação a que usualmente são submetidos os migrantes. Define, em seu artigo 2º, o
trabalhador migrante como sendo toda pessoa que realiza atividade remunerada em um Estado
do qual não seja nacional. Também estipula, pelo artigo 4º, que seus familiares são
caracterizados por todos os indivíduos que estejam sob sua guarda na condição de cônjuge ou
assemelhado, filho ou outro dependente. Esse diploma ainda não está vigente no Brasil.
Também existem diversos tratados dos quais o Brasil faz parte sobre migração no âmbito do
Mercosul, bem como com vários outros países (ÁVILA, 2011, p. 67-69).

4. Política vigente no país sobre a regulamentação de estrangeiros na condição de


refugiados

No Brasil, a previsão do trabalho do refugiado está especificamente tutelada pelo


artigo 6º da Lei 9.474 de 1997, o qual, ao dispor sobre a condição jurídica do refugiado antes
e após o reconhecimento de seu status protetivo pelo CONARE – órgão administrativo de
natureza coletiva existente dentro do organograma do MJ e que delibera sobre a concessão ou
não do reconhecimento do refúgio9 –, expressamente ressalva, entre outros direitos como, por
exemplo, o de obtenção de cédula de identidade, o direito do refugiado à emissão da CTPS.
Vez que a legislação brasileira seguiu, em relação ao princípio da unidade familiar10, a
tendência internacional prevista no artigo XVI, parágrafo 3º, da „Declaração Universal dos
Direito do Homem‟ (DUDH) das Nações Unidas, o artigo 2º da Lei 9.474 de 1997 estendeu
os efeitos da condição de refugiado ao cônjuge, aos ascendentes, aos descendentes e aos

9
Sobre o CONARE, consultar os artigos 11 a 16 da Lei 9.474 de 1997.
10
Artigo XVI, parágrafo 3º, da DUDH: “A família é a unidade de grupo natural e fundamental da sociedade e
tem direito a ser protegida pela sociedade e pelo Estado”.

514
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

demais membros de sua família e que dele dependam economicamente, desde que todos se
encontrem também em território nacional. Sendo assim, após a finalização positiva de seu
processo administrativo no CONARE, não somente o refugiado terá direito a trabalhar
legalmente no país, mas, igualmente, todos os membros de sua família que, uma vez
comprovado o parentesco e a dependência financeira, estejam no Brasil.
Todavia, a possibilidade de emissão da CTPS não se inicia apenas após o término do
processo de reconhecimento da condição de refugiado. Ao contrário, e visando o bem estar e a
própria sobrevivência do solicitante e de sua família enquanto aguardam o deferimento ou não
de seu pedido de refúgio, bem como considerando a natureza alimentar de alguns direitos
trabalhistas, pode este trabalhar com carteira assinada antes da finalização do processo
administrativo de pedido de refúgio. Para tanto, segundo o artigo 21 da Lei 9.474 de 1997,
basta que o solicitante de refúgio e seus familiares levem, ao Ministério do Trabalho,
protocolo emitido pela Polícia Federal que os autorize a residir provisoriamente no país até o
término da análise de seus respectivos pedidos de refúgio. Nestes casos, a CTPS a ser emitida
será provisória e, enquanto aqui estiverem nestas condições, lhes será aplicável a legislação
pátria relativa aos estrangeiros em geral, isto é, o Estatuto do Estrangeiro11.
O governo brasileiro, até o presente momento, e segundo dados oficiais do Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) divulgados até janeiro de 2012
(UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES, 2013), reconheceu a
condição de refugiado a 4.477 pessoas, de 76 diferentes nacionalidades. Apesar do número
não ser muito elevado e de, entre esses, 418 estarem ligados aos programas de reassentamento
(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2009)12, a grande preocupação do Poder Público em relação
aos refugiados está ligada a dois fatores, sobretudo: i) à efetiva integração local dos mesmos à
realidade brasileira em sentido cultural, linguístico, gastronômico, econômico e social e; ii) à
proteção dos refugiados contra discriminações de qualquer gênero, direito este previsto no
artigo 3º da CRER e, logo, dever do Estado de acolhida. Para tal vigília, o Brasil conta com a
fundamental ajuda do escritório do ACNUR, localizado em Brasília/DF, bem como com a

11
Artigo 22 da Lei 9.474 de 1997.
12
Desde 2001, e buscando dar vigência aos artigos 45 e 46 da Lei 9.474 de 1997, o Brasil tem acolhido
reassentados em cidades como Mogi das Cruzes (SP), Santa Maria Madalena (RJ), Natal (RN) e Porto Alegre
(RS). A nacionalidade de origem destes é variada, mas se pode citar, sobretudo, colombianos, afegãos e
angolanos (JUBILUT, 2007, p. 200-201). Atualmente, em virtude dos conflitos que ocorrem na região da cidade
de Goma, verifica-se o grande número de congoleses que chegam ao Brasil e requerem a condição de refugiados.
Muitos deles estão submetidos a condições penosas, vivendo em favelas das grandes cidades, como Rio de
Janeiro, enfrentando problemas como moradias precárias, falta de trabalho e assistência, além de preconceito e
discriminação. Essa discriminação, inclusive, tem ocorrido em virtude da própria palavra refugiado, que soa para
alguns desconhecedores de seu real significado como sendo alguém que fugiu de um país por ter cometido um
crime (QUERO, 2013).

515
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atuação de diversas entidades da sociedade civil organizada que, a exemplo da Cáritas


Arquidiocesana e da ADUS – Instituto de Reintegração do Refugiado13, promovem inúmeras
medidas e ações para que, no país, o refugiado possa viver com o mínimo de dignidade.
Na maioria das vezes, são estas entidades de cunho privado que auxiliam o solicitante
de refúgio e o refugiado a conseguirem a CTPS e, mais ainda, a se inserirem no mercado de
trabalho. Além da posse desse documento, a legislação brasileira, ao primar pela integração,
expressamente facilitou, através no disposto no artigo 44 da Lei 9.474 de 1997, o
reconhecimento de diplomas e certificados profissionais que atestem a capacitação do
refugiado e/ou do solicitante de refúgio para, i) o exercício, no Brasil, de ofícios e profissões
que possuíam em seu país de origem ou residência habitual; ii) bem como na tentativa de
fazê-los, se desejarem, ingressar em instituições de ensino, públicas ou privadas. Desse modo,
é garantido acesso não somente a um trabalho digno, mas, também, à possibilidade de
ingresso em instituições que promovam educação contínua e de qualidade.
Em 2011, justamente com o intuito de solicitar ao governo brasileiro maior apoio e
verba à causa dos refugiados, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados,
representante máximo do ACNUR, o português e antigo Primeiro Ministro de Portugal,
António Manuel de Oliveira Guterres, esteve, pela segunda vez, em visita oficial no Brasil.
Para tanto, encontrou-se com membros do MRE, inclusive com o Chanceler Antônio Patriota,
e com a Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDHPR),
Maria do Rosário. A visita surtiu algum efeito, vez que, demonstrando sua intenção de
efetivamente constituir-se como um país de destaque regional e, quiçá, internacional de
auxílio às causas humanitárias, o Brasil aumentou, de 2010 para 2011, em dois milhões de
dólares americanos suas doações aos programas do ACNUR (TSF, 2011). Neste mesmo
sentido de estreitamento de laços políticos às causas humanitárias, mais recentemente, em
março de 2013, o país recebeu, no Palácio do Itamaraty, em Brasília, a Subsecretária-Geral da
ONU para Assuntos Humanitários, Valerie Amos. A Subsecretária-Geral também esteve no
Brasil para tentar conseguir para os organismos humanitários doações financeiras para ajudar
cinquenta e sete milhões de pessoas ao redor do mundo (ONUBR, 2013).

5. Possíveis modificações para a condição de estrangeiro na legislação atual: o novo


“Estatuto do Estrangeiro”

13
Para maiores informações sobre as entidades citadas, acessar as seguintes páginas da web:
http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/acnur/, http://caritas.org.br/novo/ e http://www.adus.org.br/refugiados/.

516
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 5.655, de 2009, que dispõe sobre o
ingresso, permanência e saída de estrangeiros no território nacional, o instituto da
naturalização, as medidas compulsórias, além de transformar o Conselho Nacional de
Imigração em Conselho Nacional de Migração, e outras providências. Depois de aprovado,
deverá substituir o atual Estatuto do Estrangeiro com dispositivos que estejam em
consonância maior em relação ao Estado Democrático de Direito. Como exemplo, no Projeto
de Lei são definidos os princípios que deverão nortear a sua aplicação, como a garantia dos
direitos humanos. Seguindo esse entendimento, a política nacional de migração deverá adotar
medidas para regular fluxos migratórios de forma a proteger os direitos humanos dos
migrantes contra práticas abusivas (BRASIL, 2009).
Está contido em seus dispositivos a previsão de entrada primordialmente no Brasil de
mão de obra especializada. Apesar de essa providência proteger em certo modo os
trabalhadores estrangeiros, não deixa de ser medida paliativa se não houver a contraprestação
do Estado brasileiro para o desenvolvimento educacional e do aperfeiçoamento dos
trabalhadores do país (BRASIL, 2009; ÁVILA, 2011, p. 320).
O Projeto de Lei também estatui a necessidade de autorização prévia para os
estrangeiros atuarem em áreas estratégicas como as de comunidades tradicionais ou de
floresta densa, como a Amazônia. Proíbe-se, contudo, que possuam terras em regiões de
fronteira, bem como outras barreiras trabalhistas já aplicadas, com algumas modificações.
Assim, estrangeiros ainda seriam impedidos de serem armadores, comandantes ou chefes de
máquinas de embarcações de bandeira nacional (a não ser no caso da finalidade ser para
esporte, turismo, recreio, pesca e pesquisa); proprietários de empresa jornalística e de
radiodifusão sonora e de sons e imagens; responsáveis pelo conteúdo editorial e atividades de
seleção e direção da programação veiculada em qualquer meio de comunicação social;
autorizados ou concessionários da exploração e aproveitamento de jazidas, minas e demais
recursos minerais e dos potenciais de energia hidráulica; proprietários ou exploradores de
aeronave brasileira; corretores de navios, de fundos públicos, leiloeiro e despachante
aduaneiro; práticos de barras, portos, rios, lagos e canais; proprietários, sócios ou empregados
de empresa de segurança privada e de formação de vigilantes. Segundo o art. 8º, também seria
vedado ao estrangeiro o exercício de atividade político-partidária, salvo o português com o
gozo dos direitos políticos no Brasil, conforme previsto no Tratado de Amizade, Cooperação
e Consulta (BRASIL, 2009; ÁVILA, 2011, p. 321-322).

517
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Todavia, são garantidos aos estrangeiros situações ligadas ao trabalho que hoje não
estão regulamentadas no âmbito legislativo como a livre associação para fins lícitos, nos
termos da lei, bem como todos os direitos civis e sociais reconhecidos aos brasileiros, o que
englobaria a administração de sindicatos, de associações profissionais e de entidades
fiscalizadoras do exercício de profissões regulamentadas. Em outro dispositivo, o Projeto de
Lei extingue a exigência de boa saúde para entrada e permanência no País e cria a categoria
de visto para tratamento de saúde, exclusivamente para tratamento em rede privada, sem que
sejam utilizados os recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2009; ÁVILA,
2011, p. 322).
O Projeto extingue a modalidade de visto de trânsito e une os vistos de turismo e
negócios, que passa a ter duração de cinco anos contatos da primeira entrada no Brasil. Como
já é previsto na legislação atual, esses vistos permitem aos estrangeiros múltiplas entradas no
País, com estada de 90 dias prorrogáveis por igual período, com limite de 180 dias por ano. O
portador de visto de estudo poderá exercer atividade remunerada em regime de tempo parcial,
mediante autorização do Ministério do Trabalho e Emprego. Os vistos de trabalho regem,
dentre outros dispositivos, a concessão de visto temporário para estrangeiros com ou sem
vínculo empregatício no Brasil. Professores, técnicos ou cientistas aprovados em concurso
público em instituição pública de ensino ou de pesquisa científica e tecnológica no Brasil,
terão visto temporário até findo o prazo para aquisição da estabilidade, quando poderá ser
transformado em permanente (BRASIL, 2009; ÁVILA, 2011, p. 322).
O Conselho Nacional da Imigração, por sua vez, se transformaria em Conselho
Nacional da Migração, abrangendo assim ações relativas a emigrantes, medida que pode
consolidar a adoção de políticas mais sólidas e menos casuísticas sobre a chamada e a
proteção os trabalhadores estrangeiros no Brasil e a garantia de diretos a brasileiros no
exterior (BRASIL, 2009; ÁVILA, 2011, p. 322). Vítimas de tráfico de pessoas tiveram
tratamento especial no projeto do Executivo, pois o Ministério da Justiça poderá conceder
residência temporária ao estrangeiro traficado para o Brasil por até um ano. Caso a vítima
colabore com a investigação, esse período poderá ser prorrogado por igual período ou
enquanto durar o processo, sendo que há a previsão dessa autorização poder se tornar
permanente.
O texto do projeto de lei, uma vez aprovado, introduziria um novo tipo penal ao
ordenamento jurídico brasileiro ao inserir o art. 149-A ao Código Penal. “Art. 149-A.
Promover, intermediar ou facilitar a entrada irregular de estrangeiro ou viabilizar sua estada
no território nacional, com a finalidade de auferir, direta ou indiretamente, vantagem

518
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

indevida. Pena: reclusão de dois a cinco anos, e multa.” Essa providência configura a
preocupação com a repressão a esse tipo de prática, cada vez mais comum no Brasil, mas não
há mecanismos tão especializados quanto esse no documento para prevenir tais ações e evitar
essas violações tão graves aos direitos humanos. Caberá então aos órgãos que tratam da
política nacional referente aos migrantes a atuação mais vigorosa nesse sentido (BRASIL,
2009; ÁVILA, 2011, p. 323).

6. Legislação brasileira sobre o trabalho do estrangeiro no Brasil

A CRFB de 1988 assegura, dentre outros direitos e garantias, a igualdade de direitos


entre brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil (artigo 5º, I), ressalvadas as limitações
existentes em vários dispositivos do próprio texto constitucional, os quais descrevem as
atividades a serem exercidas somente por brasileiros natos ou naturalizados14. A despeito da
literalidade da Constituição em relação ao estrangeiro residente no país, o STF assegurou
também aos não-residentes a isonomia de direitos, com base no princípio da dignidade da
pessoa humana expressamente mencionado no artigo 1º, III, da CRFB de 198815. É
importante destacar que o inciso XIII do artigo 5º preconiza o livre exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações legais. Deste modo, cabem tanto aos
brasileiros quanto aos estrangeiros os mesmos direitos trabalhistas.
O diploma constitucional atribui, por meio do parágrafo 1º do artigo 12, condição
diferenciada aos cidadãos portugueses. De acordo com a redação desse dispositivo,
modificada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 2004, se houver reciprocidade em
favor de brasileiros em Portugal, os direitos próprios dos brasileiros devem ser atribuídos aos
portugueses com residência permanente no Brasil, excetuando-se os casos previstos na CRFB
de 1988 (BRASIL, 1988). Assim, o português que se encontre nesta situação deve requerer a
condição de quase-nacional, desde que preencha os requisitos contidos no „Tratado de
Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do

14
Como exemplo, o parágrafo 3º do artigo 12 da CRFB de 1988, que estabelece, em seus sete incisos, cargos
privativos aos brasileiros natos, a saber, os de Presidente e Vice-Presidente da República, o de Presidente da
Câmara dos Deputados, o de Presidente do Senado Federal, o de Ministro do Supremo Tribunal Federal, os
cargos da carreira diplomática, os de oficial das Forças Armadas e o de Ministro de Estado da Defesa.
15
No Habeas Corpus (HC) 94016 MC/SP relatado pelo Ministro Celso de Mello, de 07 de abril de 2008,
reconheceu-se ao estrangeiro não-residente no país o direito de impetrar HC (BRASIL, 2008).

519
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Brasil‟, assinado, em Porto Seguro, em 22 de abril de 2000. Esse diploma internacional


instituiu, sob o princípio da reciprocidade, o acesso a profissões e seu exercício16.
O Título III, Capítulo II, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), intitulado
Nacionalização dos Trabalhos, dispõe sobre regras que visam à proteção do trabalhador
brasileiro. Entre suas disposições mais relevantes, destaca-se a exigência do artigo 352 de que
dois terços dos empregados das empresas brasileiras sejam nacionais, excetuando-se as
indústrias rurais localizadas em zona agrícola. Essa disposição não se aplica, no entanto, a
estrangeiros que estejam há mais de dez anos no Brasil e que tenham cônjuge ou filhos
brasileiros, ou aos portugueses. Também não são compreendidos nesta proporcionalidade
empregados que exerçam funções técnicas especializadas que, segundo o artigo 357, não
possam ser preenchidas por trabalhadores brasileiros.
Os critérios de equiparação salarial para empregados estrangeiros se diferenciam dos
descritos no artigo 461, por não se exigir identidade de funções, apenas similitude, em razão
de o artigo 358 trazer a expressão função análoga. O critério temporal também foi alterado
para a identificação do paradigma se a empresa não tiver quadro de carreira dos empregados.
Diferente da previsão do artigo 461 da CLT, que prevê que, quando a diferença de tempo de
serviço não pode superar dois anos entre os trabalhadores, não haverá equiparação se, na
comparação entre brasileiro e estrangeiro, o nacional contar com menos de dois anos de
serviço e o estrangeiro com mais de dois. O parágrafo único do artigo 358 estipula, ainda,
que, nos casos de falta ou cessação de serviço, a dispensa do empregado estrangeiro deve
preceder à de brasileiro que exerça função análoga.
Nenhum empregado estrangeiro, inclusive o refugiado17, poderá ser admitido sem
apresentar sua Cédula de Identidade de Estrangeiro (CIE), devidamente anotada,
comprovando que sua permanência no país é legal. Enquanto não for emitida a CIE, o
estrangeiro e o refugiado poderão apresentar, como documento hábil de sua condição legal,

16
De acordo com esse diploma legal, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 3.927, de 2001, “os nacionais de
uma das Partes Contratantes poderão aceder a uma profissão e exercê-la, no território da outra Parte Contratante,
em condições idênticas às exigidas aos nacionais desta última” (art. 46). O art. 47 estende ao beneficiário do
direito as mesmas condições prescritas a outros nacionais de Estados que participem de processo integração
regional com a Parte Contratante. Desta maneira, direitos da União Europeia e do Mercosul, se houver
requerimento do interessado, serão observados. Sobre este ponto é importante frisar que o reconhecimento das
condições de igualdade entre os nacionais de Brasil e Portugal não é automático. Cabe requerimento formal ao
Ministério da Justiça, no Brasil, ao Ministério da Administração Interna, em Portugal. Conforme julgado do STF
(BRASIL, 2004), os pretendentes devem ser civilmente capazes e possuir residência habitual no país em que tais
direitos são pleiteados. Por fim, observados esses requisitos, a aquisição do benefício deve ser comunicada ao
Estado da nacionalidade do beneficiário.
17
Artigos 26, 27 e 28 da Lei 9.474 de 22 de julho de 1997.

520
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

uma certidão emitida pelo Sistema Nacional de Cadastramento de Registro de Estrangeiros


(SINCRE) e o passaporte com seu respectivo visto e anotações.
De acordo com o Estatuto do Estrangeiro, serão considerados, para admissão, os
estrangeiros que possuírem visto temporário ou permanente, ou que estejam em situações
particularizadas, como no caso dos refugiados. Para esses casos, haverá a emissão de Carteira
de Trabalho e Previdência Social (CTPS) que, via de regra, será fornecida pelas sedes das
Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego18. Na ocasião da primeira expedição da
CTPS do estrangeiro, o MTE procede ao cadastramento do trabalhador no PIS/PASEP. A
documentação exigida para a expedição da CTPS varia de caso para caso, mas, normalmente,
a apresentação da CIE faz-se necessária19.
No caso do refugiado, a documentação exigida para que a CTPS possa ser pedida
depende da fase em que se encontra o processo de reconhecimento da condição de refúgio ao
indivíduo. É importante salientar que a CTPS expedida não terá o uso da denominação
refugiado, mas sim a de „Estrangeiro com base na Lei nº 9.474 de 22/07/1997‟.
Ao domiciliado em cidade contígua ao território nacional é facultada o estudo e o
trabalho em municípios fronteiriços, desde que autorizado pela Polícia Federal. Nesses casos,
a entrada no país e a requisição da CTPS ocorrerá mediante a prova da identidade. Todavia, é
vedado a esses trabalhadores o estabelecimento como firma individual e o exercício de cargos
de gestão de sociedade comercial ou civil. A CTPS concedida ao estrangeiro fronteiriço será
emitida somente nos postos situados no município limítrofe ao país de nacionalidade do
solicitante, a não ser que naquela localidade não haja Gerência Regional do Trabalho
autorizada a emitir esse documento. Neste caso, o mesmo deverá ser procurado no município
mais próximo que possua atendimento desta natureza.
Também terão direito à emissão da CTPS os estrangeiros beneficiados pelos acordos
do Mercosul que envolvam os países membros e associados (Bolívia, Chile, Peru e
Equador)20, e, também, os dependentes de pessoal diplomático e consular. Nesse último caso,

18
Só se expedirá a CTPS quando houver autorização expressa às Gerências pelo Superintendente Regional do
Trabalho e Emprego do respectivo Estado, conforme artigo 9º, parágrafo 1º, da Portaria n.º 1, de 28 de janeiro de
1997, da Secretaria de Políticas de Emprego e Salário (BRASIL, 1997).
19
As regras para tais procedimentos seguem as disposições de diferentes regras como, entre outras, as presentes
no Estatuto do Estrangeiro e na Portaria nº1 do Ministério do Trabalho e Emprego (1997).
20
A entrada da Venezuela no Mercosul foi oficializada internacionalmente em 31 de julho de 2012 e
internalizada no direito brasileiro pelo Decreto nº 7.859, publicado no DOU em 7 de dezembro de 2012.
Todavia, como tal incorporação ainda está em curso no bloco, inclusive em decorrência do prazo de quatro anos
para adoção da „Tarifa Externa Comum‟ e da „Nomenclatura Comum do Mercosul‟, as normas trabalhistas em
tela ainda não se aplicam a nacionais venezuelanos. No entanto, para todos os efeitos, vige em relação aos
nacionais daquele país que se encontrem em solo brasileiro a normativa que tutela todo e qualquer estrangeiro no
Brasil, inclusive as de natureza trabalhista.

521
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

a possibilidade de exercício de trabalho regular no país existe em virtude de acordos bilaterais


estabelecidos com alguns Estados que possuem representação diplomática no país, como,
dentre outros, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, Argentina, Chile, Colômbia, Equador e
Uruguai, os quais preveem a reciprocidade de tratamento. Os portugueses que requerem os
benefícios do „Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre Brasil e Portugal‟
igualmente podem solicitar a emissão da CTPS.
No âmbito da relação de emprego, cessada a verificação da condição do estrangeiro no
Brasil, o empregador poderá solicitar os documentos para efetivação de seu contrato de
trabalho. O período do contrato do empregado com visto temporário fica limitado à duração
do referido visto. Para os estrangeiros com visto permanente, além do contrato determinado, o
empregador poderá firmar contrato por tempo indeterminado, haja visto a natureza de sua
autorização de permanência no país.
Recentemente, houve importante alteração dos procedimentos adotados pelo
Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça em relação à prorrogação do visto
temporário e sua transformação em permanente, adequando as normas referentes ao trabalho
estrangeiro, no Brasil, à previsão contratual constante da CLT. Segundo „Nota Técnica‟ do
Ministério da Justiça, que interpretou o artigo 37 do Estatuto do Estrangeiro e o artigo 69 do
seu Decreto Regulamentar, após a análise constante da nota 63 de 2012, da Advocacia Geral
da União (AGU) é possível ao estrangeiro que possui contrato temporário de dois anos
(classificados como „Temporário V‟) requerer ao Ministério da Justiça a transformação do
visto em „Visto Permanente‟ se seu contrato de trabalho não sofrer ruptura no prazo previsto
para seu término. Essa situação também se aplica para aqueles trabalhadores que já tenham
prorrogado o contrato por prazo determinado uma vez, desde que essa prorrogação tenha
ocorrido antes de dois anos. Isto porque, os contratos de trabalho temporários, quando
ultrapassam dois anos, não podem ser prorrogados. Na continuidade do vínculo empregatício,
os contratos passam a ser regidos pelas normas próprias do contrato por tempo indeterminado.
Antes da modificação dos procedimentos, se aplicavam os prazos previstos no artigo
5-A da Resolução Normativa nº 80/2008, acrescentado pela Resolução Normativa nº 96/2011
do CNIg. A transformação do visto de temporário para permanente só poderia ocorrer depois
que tivessem sido transcorridos quatro anos de trabalho em território nacional, com a vigência
de contratos por tempo determinado, o que causava uma anomalia em relação aos dispositivos
da CLT (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2011).
Sobre o contrato de trabalho firmado com estrangeiro, empresa alguma poderá admitir
em seu quadro de funcionários empregado estrangeiro sem que este exiba a CIE devidamente

522
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

anotada. A empresa é obrigada a assentar, no registro de empregados, os dados referentes à


nacionalidade de qualquer empregado estrangeiro e o número da respectiva carteira de
identidade. Enquanto não for expedida a carteira, valerá, a título precário, como documento
hábil ao registro junto ao empregador, uma certidão passada pelo serviço competente da
Polícia Federal que prove que o empregado requereu sua permanência no país.
Em relação aos recentes eventos dos quais o Brasil será anfitrião, importantes medidas
foram tomadas para acelerar o processo de concessão de visto de trabalho para estrangeiros no
Brasil, o que demonstra a falta de agilidade dos procedimentos atuais em relação ao tema. O
Conselho Nacional de Imigração (CNIg) aprovou, por meio de resolução normativa 98, de 14
de novembro de 2012, a permissão de trabalho dos que desenvolverão atividades relacionadas
exclusivamente ao trabalho na preparação, organização, planejamento e execução da Copa das
Confederações FIFA 2013, da Copa do Mundo FIFA 2014 e dos Jogos Olímpicos e
Paralímpicos Rio 2016. Para tanto, tais trabalhadores portarão visto específico para esta
finalidade, emitidos em processo mais ágil do que o usual, em razão da necessidade e
urgência para a organização desses eventos internacionais (MINISTÉRIO DO TRABALHO E
EMPREGO, 2012a).
O MTE decidirá sobre as autorizações de trabalho, quando devidamente instruídas, no
prazo de cinco dias úteis, encaminhando-as ao Ministério das Relações Exteriores (MRE) para
concessão de visto nas Repartições consulares e Missões diplomáticas brasileiras no exterior.
É importante ressaltar que o MTE examinará o vínculo do profissional estrangeiro com as
atividades relacionadas aos eventos supracitados e que será concedida autorização de trabalho
pelo prazo de até dois anos, prorrogável nos termos da legislação em vigor, observando, em
quaisquer hipóteses, os limites dos eventos. Desse modo, o visto durará ou até 31 de
dezembro de 2014, prazo final relacionado à Copa do Mundo FIFA 2014, ou até 31 de
dezembro de 2016, referente aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Para o caso de
estrangeiro que venha ao Brasil para assistência técnica, o prazo da autorização de trabalho
será de até um ano, também com possibilidade de prorrogação (MINISTÉRIO DO
TRABALHO E EMPREGO, 2012a).

7. Questões sobre controvérsias trabalhistas referentes ao trabalho estrangeiro no


Brasil e do cidadão brasileiro no exterior

Com o cancelamento Súmula 207 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em abril


de 2012, houve significativa alteração do entendimento seguido até então pela Justiça do

523
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

Trabalho no tocante às leis que vigoram em relação ao contrato de trabalho do estrangeiro no


Brasil. Com base nesta súmula, a relação jurídica contratual deveria ser regida pelas leis
vigentes no país em que o serviço fosse prestado, independente do local de contratação. Desde
a promulgação da „Convenção de Havana de Direito Internacional Privado‟, em 1928,
conhecida hodiernamente também como „Código de Bustamante‟, adota-se, para definição
das leis que regularão determinada relação de emprego, o princípio da lex loci executionis,
conforme disposição de seu artigo 198.
Todavia, após decisões e debates do próprio TST sobre o tema21, este foi novamente
avaliado no Recurso de Revista RR-219000-93.2000.5.01.0019, relatado pela Ministra Maria
Cristina Irigoyen Peduzzi, na Subseção I da Seção Especializada em Dissídios Individuais
(SBDI-1), o qual envolvia a Braspetro Oil Service Company, subsidiária da Petrobrás, e um
prestador de serviços em águas territoriais de Angola (BRASIL, 2011).
Em 22 de setembro de 2011, depois de manter a decisão da 4ª Turma do TST, que
considerou a norma brasileira aplicável ao caso concreto por ser mais favorável ao
trabalhador, os Ministros decidiram encaminhar a súmula à Comissão Permanente de
Jurisprudência e Precedentes Normativos do TST, para a possível revisão de seu texto. Deste
modo, com a súmula cancelada, o princípio da lex loci executioni deixou de ser aplicado.
É importante salientar, contudo, que o TST vinha estendendo a todas as categorias
profissionais os efeitos da Lei nº 7.064/1982, criada com o intuito inicial de garantir somente
aos empregados de empresas de Engenharia que prestam serviços no exterior a aplicação da
norma mais favorável ao empregado. Em razão disso, o Poder Legislativo já havia editado a
Lei nº 11.962/2009, que alterou a redação do artigo 1º da Lei nº 7.064/82, ampliando o direito
a todos os trabalhadores contratados no Brasil e posteriormente transferidos por seus
empregadores para prestar serviços no exterior. Com a alteração, o trabalhador de qualquer
atividade econômica transferido para o exterior, ou seja, não somente os das Engenharias, tem
assegurado o pagamento da Previdência Social para a manutenção de benefícios, bem como o
recolhimento mensal do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Recentes julgados indispuseram-se com o conteúdo da antiga Súmula 207 para aplicar
o princípio da norma mais favorável. Este é o caso de um empregado da Companhia de
Bebidas das Américas (AMBEV), que havia sido contratado no Brasil como gerente nacional

21
São exemplos: RR-129933/2004-900-01-00.2, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, data
de julgamento 20/05/2009, 3ª Turma, data de publicação 12/6/2009; ROAR-55560/1999-000-01-00.0, Relatora
Ministra Kátia Magalhães Arruda, data de julgamento 02/10/2007, Subseção II Especializada em Dissídios
Individuais, data de publicação 26/10/2007 e; RR-376707/1997.1, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen
Peduzzi, data de julgamento 12/12/2001, 3ª Turma, data de publicação 5/4/2002.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

de vendas no ramo de bebidas e, posteriormente, foi transferido para prestar serviços em


outros países da América do Sul. O Juízo de Primeiro Grau e o TRT da 5ª Região (Bahia)
entenderam pela aplicação do artigo 3º da Lei nº 7.064/82, o que foi confirmado pela 8ª
Turma do TST, em abril de 2012 (BRASIL, 2012d).
Em outro caso, julgado em maio de 2012, portanto após o cancelamento da Súmula
207, foi rejeitado o Agravo de Instrumento da Mercedes Benz do Brasil Ltda. contra decisão
do TRT da 3ª Região (Minas Gerais). A empresa havia contratado um empregado no Brasil e
o transferido, após seis anos, para os Estados Unidos, onde o mesmo permaneceu por dez
meses, recebendo remuneração a menor do que o pactuado inicialmente. A decisão do
Primeiro Grau foi pela procedência dos pedidos do autor, recebimento da diferença salarial e
reflexos. O Tribunal Regional do Trabalho a 3ª Região (MG) manteve a sentença e negou
provimento ao Recurso de Revista da empresa. Entendeu o relator, Ministro Maurício
Godinho Delgado, que o critério do Código de Bustamante não prevaleceria em razão de a
relação de emprego ter sido inicialmente realizada no Brasil, e assim, ter se incorporado ao
patrimônio jurídico a proteção normativa da ordem jurídica trabalhista brasileira (BRASIL,
2012c).
No que diz respeito ao estrangeiro que trabalha no Brasil, este possui, reconhecidos
pela Justiça do Trabalho, os mesmos direitos trabalhistas de um brasileiro. Um caso
paradigmático foi impetrado por um engenheiro argentino contra um dos grupos econômicos
mais importantes da Argentina, o Grupo Macri, que controla empresas como a Rodovia das
Cataratas, Civilia Engenharia Ltda., dentre outras. Após a primeira e a segunda instâncias
terem declarado a incompetência da Justiça do Trabalho para o caso, em virtude de
considerarem o Poder Judiciário argentino o mais apto para avaliar o contrato empregatício, a
decisão do Recurso de Revista do autor, numerado RR-3859/2003-009-09-00, conduziu o
caso a uma solução diferente.
A Terceira Turma do TST determinou, por unanimidade, o retorno do processo à Vara
do Trabalho de origem, em Curitiba, Paraná, para a continuidade da instrução e julgamento da
reclamação trabalhista. Essa decisão foi tomada pelo TST sob o fundamento de ter ficado o
impetrante subordinado, como encarregado, em cinco empresas do grupo até sua dispensa,
além de ter trabalhado de maneira não-eventual em filiais brasileiras várias vezes por semana,
visto que nas segundas e sextas-feiras ficava na Argentina e nos demais dias da semana, no
Brasil. O Ministro Alberto Bresciani, relator do processo, determinou a aplicação do artigo
651 da CLT ao caso, o qual dispõe sobre a competência das Varas do Trabalho com base no

525
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

local de prestação de serviço do empregado ao empregador, mesmo que este tenha sido
contratado fora do Brasil.
Em outra demanda envolvendo um imigrante paraguaio que se encontrava em situação
empregatícia irregular no Brasil, a Sexta Turma do TST, em importante precedente, assegurou
ao trabalhador estrangeiro da cidade fronteiriça de Pedro Juan Cavallero, no Paraguai, o
direito de acionar a Justiça do Trabalho de Ponta Porã, Mato Grosso do Sul. O voto do relator,
Ministro Horácio Senna Pires, no Recurso de Revista RR-750094/2001.2, teve como base os
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e
da livre iniciativa, da promoção do bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor e idade e, finalmente, no princípio da isonomia jurídica conferido a brasileiros e
estrangeiros residentes no Brasil. A decisão também se fundamentou no „Protocolo de
Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e
Administrativa‟, conhecido como „Protocolo de Las Leñas‟. Esse tratado, assinado em 1992 e
em vigor no país desde 1996, assegura o livre acesso dos estrangeiros beneficiados à
jurisdição do Estado Parte nas mesmas condições de seus nacionais (BRASIL, 1996).
Nesse caso, a decisão do TST reformou o acórdão do TRT da 24ª Região, Mato
Grosso do Sul, a qual havia declarado a nulidade e deixado de examinar os direitos
trabalhistas do estrangeiro com base na ausência da CTPS e da documentação que este
deveria portar como fronteiriço. Do contrário, direitos oriundos da relação de emprego de
cerca de dezessete anos entre um eletricista paraguaio e a Comercial Eletromotores Radar
Ltda., não seriam considerados.
É importante mencionar, neste sentido, que muitos imigrantes chegam ao Brasil em
condições irregulares, com baixa escolaridade e pouca qualificação, e, por isso, se sujeitam a
trabalhos mal remunerados para terem chances de sobreviver. Vários são submetidos a meio
ambientes insalubres e a precárias condições de trabalho que, em razão do receio de serem
deportados, não são denunciadas às autoridades competentes. Estrangeiros vindos da Bolívia e
do Peru, por exemplo, têm sido frequentemente encontrados pela fiscalização do MTE e do
Ministério Público do Trabalho (MPT) em condições análogas à escravidão, como, a saber, na
cidade de São Paulo, trabalhando em oficinas de costura de grifes conhecidas. O mesmo tem
ocorrido em frigoríficos com empregados mulçumanos especializados no abate de frangos
pelo método halal, exigido por países islâmicos para o consumo de carne. O MPT tem
proposto Ações Civis Públicas perante a Justiça do Trabalho, na tentativa de reprimir essa
prática deletéria aos direitos dos trabalhadores. A ação ajuizada pelo MPT de São Paulo

526
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

contra as Casas Pernambucanas pela exploração de trabalhadores como escravos urbanos, a


maioria deles boliviana, ilustra bem esta prática.
Outra mudança ocorrida no âmbito jurisdicional em relação ao trabalho de
estrangeiros no Brasil resulta da edição da Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 416, da Seção
de Dissídios Individuais II (SDI-II) do TST, que se refere ao trabalho prestado por
funcionários internacionais em Organizações Internacionais, tais como a Organização das
Nações Unidas (ONU), o MERCOSUL e a OIT.
De acordo com a redação da OJ (BRASIL, 2012b):

As organizações ou organismos internacionais gozam de imunidade absoluta


de jurisdição quando amparados por norma internacional incorporada ao
ordenamento jurídico brasileiro, não lhes sendo aplicada a regra do Direito
Consuetudinário relativa à natureza dos atos praticados. Excepcionalmente,
prevalecerá a jurisdição brasileira na hipótese de renúncia expressa à
cláusula de imunidade jurisdicional.

As Organizações Internacionais (OIs), como sujeitos de Direito Internacional Público,


não estão submetidas à jurisdição interna dos Estados em que sua sede esteja localizada,
justamente por estarem protegidas por acordos que lhes garantam inviolabilidade e
imunidade. Diferentemente do que se aplica em relação ao empregado nacional de uma
Embaixada, para o qual se permite o acesso à Justiça do Trabalho, a OJ nº416 garante às OIs
imunidade absoluta da jurisdição trabalhista, a não ser que haja renúncia expressa no âmbito
da reclamatória trabalhista.
Resta aos funcionários internacionais, então, recorrer aos Tribunais Administrativos
das OIs das quais façam parte, como o Tribunal Administrativo das Nações Unidas (TANU),
o Tribunal Administrativo do MERCOSUL (TAM) e o Tribunal Administrativo da OIT
(TAOIT). É comum às OIs que possuam maior número de funcionários a existência, em seus
respectivos organogramas, de um órgão interno com função jurisdicional, como os acima
mencionados. São frequentes, também, os convênios do TAOIT com as OIs que não têm tal
órgão. Atualmente, cerca de sessenta entidades são membros do TAOIT, o qual possui
competência para julgá-las em razão dos contratos de trabalho de seus funcionários.
No caso de trabalhadores brasileiros de Embaixadas estrangeiras, cabe o acesso à
Justiça do Trabalho em razão de costumes internacionais e da ausência de tratados
internacionais sobre o assunto22, o que relativiza a imunidade dos Estados e permite que os

22
A „Convenção das Nações Unidas sobre Relações Diplomáticas‟, de 1961, e a „Convenção das Nações Unidas
sobre Relações Consulares‟, conferem, em certos casos, imunidades pessoais de jurisdição e de execução aos

527
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

mesmos sejam processados no direito interno de outros, como exceção à máxima par in
parem non habet judicium23. Este entendimento, relacionado à imunidade relativa dos Estados
em relação às questões trabalhistas, passou a ser adotado, pelo STF, a partir do julgado Genny
de Oliveira versus Embaixada da República Democrática Alemã, de 1989. No voto do
Ministro Francisco Rezek foram explanadas as mudanças ocorridas no âmbito do direito
consuetudinário internacional em relação à imunidade absoluta dos Estados, que não se
aplicava mais às questões trabalhistas desde os anos setenta do século passado (BRASIL,
1989). Contudo, comumente, apesar de terem seus direitos reconhecidos por sentenças
trabalhistas, os trabalhadores brasileiros de Embaixadas estrangeiras não conseguem receber o
crédito em decorrência da impenhorabilidade dos bens dos Estados estrangeiros em solo
brasileiro.
Procura-se resolver essa situação de duas maneiras: ou por meio da via judicial, em
razão da expedição de cartas rogatórias; ou pela via diplomática, mediante intervenção e
trabalho do MRE. Conforme aponta Bresciani (2012), apesar de a segunda via ser uma
solução informal, ela traz benefícios em relação ao caminho judicial, muito mais dispendioso
e demorado. Em razão do artigo 41 da „Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas‟,
de 18 de abril de 1961, que permite aos Estados realizarem acordos para modificarem em
parte tratados multilaterais (BRASIL, 1965), a Divisão de Cooperação Jurídica Internacional
do MRE trata do encaminhamento de ações trabalhistas movidas na Justiça brasileira contra
Missões Diplomáticas, Consulados estrangeiros e OIs no Brasil24.
Todavia, uma alteração na CLT que está em tramitação no Congresso Nacional pode
mudar o entendimento do TST sobre o assunto e, assim, tornar a posição brasileira ante o
Direito Internacional diferenciada em relação aos demais Estados. O Projeto de Lei do Senado

diplomatas e aos cônsules, mas não há dispositivo que preveja expressamente a imunidade de jurisdição do
Estado estrangeiro. Essa regra é derivada do direito costumeiro internacional.
23
Brocardo jurídico que significa que, de igual para igual, não há jurisdição, ou seja, uma máxima que exprime o
poder soberano do Estado e seu reconhecimento por seus pares no âmbito de suas jurisdições internas. Contudo,
a soberania, dantes considerada absoluta, tem sido relativizada ao longo do tempo, o que causo mudanças na
concepção de imunidade de jurisdição. O exemplo mais contundente das modificações sobre a teoria da
imunidade de jurisdição estatal partiu das Nações Unidas. Em 2 de dezembro de 2004, foi aprovada pela
Assembleia Geral da ONU a “Convenção sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e seus Bens” diante de
um Tribunal de outro Estado, do qual o Brasil não faz parte, e que ainda não entrou em vigor internacionalmente.
Esse documento, resultante de décadas de estudos aprofundados sobre o tema, reconhece a tese da imunidade
relativa. Desse modo, das negociações entre os Estados resultou um documento que uniformizou
internacionalmente o instituto da imunidade de jurisdição, tanto no que diz respeito a fases de conhecimento e
execução. Desse modo, nos termos da convenção, não há imunidade de jurisdição nas controvérsias relacionadas
a transações mercantis; contratos de trabalho; lesões a pessoas e danos a bens; propriedade, posse e uso de bens;
propriedade intelectual e industrial; participação societária; navios de propriedade de um Estado ou por ele; e
convenção arbitral firmada pelo Estado (NAÇÕES UNIDAS, 2004).
24
A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, em seu art. 22, § 3º, excepciona da jurisdição
doméstica bens afetados ao serviço diplomático de uma missão diplomática.

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

nº 423, de 2012, de autoria do Senador Paulo Paim, prevê a alteração do artigo 7º A da CLT,
para dispor sobre a aplicação da legislação trabalhista brasileira aos empregados de
Embaixadas e Consulados de Estados acreditados no Brasil e em OIs, ressalvados o disposto
em tratados internacionais. O parágrafo único prevê, ainda, a exclusão deste dispositivo em
relação aos agentes diplomáticos, no tocante aos serviços prestados no Estado acreditante, e
aos empregados em serviço exclusivo de Embaixadas e Consulados que não sejam brasileiros
e nem possuam residência permanente no Brasil. Também estão excluídos os trabalhadores
definidos na „Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas‟, de 1961. Atualmente, tal
Projeto de Lei encontra-se em análise pela Comissão de Constituição e Justiça (BRASIL,
2012a).
Apesar de a redação parecer, ao primeiro momento, apenas a legalização do que está
sendo aplicado no âmbito jurisprudencial em relação à aplicação das leis trabalhistas a
empregados brasileiros de Consulados e Embaixadas, uma questão no que diz respeito às OIs
coloca-se em discussão. Interpretações diferenciadas podem surgir, tornando, por vezes,
difícil a instalação de representações internacionais, regionais ou nacionais de OIs no Brasil,
ainda que os acordos de sede feitos com os Estados onde fixam seus aparatos estruturais e
funcionais lhes garantam ampla imunidade.

8. Conclusão

O trabalho de estrangeiros no Brasil, sejam esses imigrantes, refugiados ou


estrangeiros com visto permanente e/ou temporário, é uma realidade permitida e tutelada não
só pela dimensão humanística da CRFB, de 1988, mas, sobretudo e igualmente, pelas diversas
legislações específicas de caráter protetivo e inclusivo supracitadas.
Tendo em vista a crescente inserção do país em algumas frentes de crescimento
econômico, de infraestrutura, de criação de novas tecnologias e, em um futuro muito próximo,
em decorrência dos grandes eventos que sediará, tais como a Copa das Confederações, em
junho e julho de 2013, a Copa do Mundo, em 2014, e os Jogos Olímpicos, em 2016, a entrada
e tolerância destes indivíduos autorizados a trabalhar no território nacional demonstra-se não
só necessária, mas também parte integrante de políticas públicas de desenvolvimento,
cooperação e, até mesmo, de boa vizinhança em âmbito regional e internacional.
Uma vez que o trabalho dos estrangeiros, por suas particularidades em relação ao
trabalho do nacional, pode suscitar dúvidas e conflitos jurídicos em relação a sua legalidade e
demais nuances, assim como questionamentos burocráticos e administrativos, a temática atrai

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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 9 - Direito do Trabalho

a atenção do Poder Judiciário, especialmente da Justiça do Trabalho, do Poder Executivo,


como do Ministério da Justiça, do Ministério do Trabalho e do Ministério das Relações
Exteriores e, em se tratando da esfera da vigilância e investigação, da Polícia Federal.

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de maio de 1943, para dispor sobre a aplicação da legislação trabalhista brasileira aos
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