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Maria do Socorro Barreto *

As relações entre pensamento


EDUCAÇÃO
e linguagem nas abordagens
EM DEBATE
sociohistórica e psicogenética 1

Resumo

Este texto tem como objetivo analisar a importância da linguagem nos processos de formação
superior do pensamento, segundo as concepções de Vygotsky e na construção da inteligência
segundo a epistemologia genética de Piaget; discutir alguns aspectos relevantes em relação à
origem do pensamento e da linguagem, segundo os mesmos autores; abordar algumas contribuições
sobre as raízes genéticas do pensamento e da linguagem e fazer algumas considerações a respeito
da discriminação lingüística e da prática pedagógica.
Palavras-chave: linguagem, pensamento, discriminação lingüística.

Abstract

The relationships between thought and language in the partner-historical


approaches and psychogenetics
The objective of this article is to analyze the importance of the language in the processes of
the formation of the superior thought, according to the Vygotsky's conception and in the construction
of the inteligency, according to Pieqet's genetic epistemology, in order to discuss some important
aspects regarding the origin of the thought and of the language, according to the some authors.
This is done by approaching some genetic roots of the thought and of the language and by doing
some considerations regarding the linguistic discrimation and the pedagogic practice.

Keyword: language, thought, linguistic discrimination .

• Doutoranda em Educação Brasileira Universidade Federal do Ceará. Professora da Umversídade do Estado do RIo Grande do Norte. UERN.
E-mail sccorro tmaçocuot com.br
1 Parte das discussões fomentadas neste artigo encontra-se publica da em BARRETO, Maria do Socorro. Linguagem: importância na formação
dos processos supenores do pensamento. ln VASCONCELOS, José Gerardo (org) Filosofia, Educação e Realidade. Fortaleza. Editora UFC
2 P :90-201

::.:)'_ .çA'J EM DEBATE, Ano ~7 V ) - N°s. 49/50 - 2005


Linguagem: importância na ponde pelo papel de pensamento generalizan e.
Tal fato acontece quando a linguagem mede a
nnação dos processos superiores entre o sujeito e o objeto de conhecimento. Nes-
o pensamento em Vygotsky se caso, assume a função intrapessoal, ou ín-
trapsicológica, que tem por mister organizar e
. As funções da linguagem na teoria de auxiliar o indivíduo em suas tarefas cognitivas.
Vygotsky Nesse sentido, o significado é componente
essencial da palavra, que representa a unidade
As teorias elaboradas por Vygotsky, Luria das duas funções básicas da linguagem: comu-
'= :"eontiev sobre o desenvolvimento das estru- nicação e generalização do pensamento. "As
- as superiores do pensamento são considera- generalizações e os conceitos são inegavel-
cas, hoje, essenciais para entender os mecanis- mente atos de pensamento, podemos conside-
= s implícitos na construção do conhecimento,
sspecialmente ao destacar o papel da lingua-
rar o significado como fenômeno do pensamento"
(OLIVEIRA,1997, p. 48).
;:m na elaboração desses discursos. Como os significados são construídos his-
Com base na exposição das pesquisas de toricamente ao longo do desenvolvimento dos
-'ygotsky e seus colaboradores, esboçaremos grupos humanos nas suas relações com o meio
;: guns aspectos que se referem mais especifi- físico e social, são também objeto de transfor-
camente à importância da linguagem na forma- mações, tanto sobre o prisma filogenético, ao se
cão dos processos superiores do pensamento. referir à evolução da linguagem nas diferentes
?ara tanto, abordaremos alguns pontos rele- épocas históricas de progressão da espécie hu-
. antes em relação à origem do pensamento e mana, como do ponto de vista ontogênico,
aa linguagem, suas raízes genéticas e as rela- quando se reporta a evolução dos meios siste-
cões entre o desenvolvimento da linguagem e máticos de comunicar, nos diferentes estádios
o pensamento. de crescimento do indivíduo.
Vygotsky (1993, 1994) trouxe contribui- À medida que a criança evolui em relação
ões significativas, ao elaborar teorias que ex- a adquirir a linguagem, ocorrem diversas trans-
. icam o modo como o indivíduo aprende, espe- formações nos significados das palavras. Com
cialmente ao postular a interação como fator efeito, ela paulatinamente ajusta suas acep-
::narcante na construção do conhecimento. Nes- ções, de modo a aproximá-Ias cada vez mais
se aspecto, a linguagem assume: em seu postu- dos conceitos predominantes de seu grupo cul-
.ado. papel imprescindível em todas as fases do tural e lingüístico. Essas mudanças se ace -
desenvolvimento cognitivo. tuam quando a criança inicia a aprendizaqe
Atenção voluntária, memorização ativa, escolar formal.
pensamento abstrato, comportamento intencio- Vygotsky destaca dois compo e tes á-

nal são alguns dos processos mentais superio- sicos em relação ao significado das pala as: o
res representados por ações conscientemente significado propriamente dito e o se ndo. O n-
controladas e mediadas por sistemas simbó- meiro diz respeito às ge eraliza -es. c e re-
icos, caracterizadores dos pensamentos tipica- lativamente estave . co . bas camen e
mente humanos. A linguagem, como sistema por todas as pessoas. O se r s a vez,
simbólico básico do ser humano, representa pa- equivale a uma erpretação essoal, depen-
pel essencial na evolução desses processos. dente das expeê eras díviduais ou do con-
Vygotsky destaca duas funções básicas da texto de uso da I gua e dos motivos afetivos e
linguagem. Uma das funções se refere mais espe- pessoais de seus usuários.
cificamente à relação interpessoal, que se carac-
teriza pela comunicação entre o indivíduo e seus o sigruficado de uma palavra representa
pares, ao passo que o outro emprego da lingua- um amalgama tão estreito do pensamento
gem é representado pelo pensamento generali- e da linguagem, que fica difícil dizer se se
zante. Nessa atividade, a linguagem organiza o trata de um fenômeno da fala ou de um fe-
real, conceitua os objetos, eventos e situações. nômeno do pensamento. Uma palavra sem
A linguagem torna-se mais efetivamente significado é um som vazio: o significado,
um instrumento do pensamento quando res- portanto, é critério da "palavra", seu com-

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ponente indispensável. (...) O significado delas, o homem não só domina o meio onde
das palavras é um fenômeno de pen- vive como rege o próprio comportamento ao
samento apenas na medida em que o seu bel-juízo.
pensamento ganha corpo por meio da Vygotsky defende o argumento de que a
fala, e só é um fenômeno da fala na invenção e o uso de signos como meios auxilia-
medida que esta é ligada ao pensa- res para solucionar problemas psicológicos as-
mento (VYGOTSKY,1993, p. 104). semelham-se à invenção e ao emprego de ins-
trumentos no trabalho. No entanto, o signo, di-
Vygotsky postula ainda a idéia de que as ferentemente das ferramentas concretas, age
relações do individuo com o meio sociohistórico como instrumento ou meio de adaptação, na
são construídas historicamente, resultantes ação no campo psicológico.
que são de interações dialéticas. Nesse sentido,
o homem transforma-se, ao tentar modificar seu A função do instrumento é servir como um
meio para atender suas necessidades, o que condutor da influência humana sobre o objeto
implica dizer, também, que a relação do indiví- da atividade; ele é orientado externamente;
duo com o meio sociocultural transita obrigato- deve necessariamente levar a mudanças nos
riamente pelo outro. objetos. Constitui um meio pelo qual a ativi-
dade externa é dirigida para o controle do
As funções psicológicas superiores do ser domínio da natureza. O signo, por outro lado,
humano surgem da interação dos fatores não modifica em nada o objeto da operação
biológicos, que são parte da constituição psicológica. Constitui um meio da atividade
física do Homo sapiens, como os fatores interna dirigida para o controle do próprio
culturais, que evoluíram através de deze- indivíduo; o signo é orientado internamente.
nas de milhares de anos de história huma- Essas atividades são tão diferentes uma da
na (LURIA, 1992, p. 60). outra, que a natureza dos meios por elas uti-
lizadas não pode ser a mesma (VYGOTSKY,
A concepção histórico-cultural do psí- 1994, p. 72, 73).
quismo, formulada por Vygotsky, vincula-se ao
método e aos princípios teóricos do materialismo O trabalho, ao propiciar uma relação de
hístóríco-díalétíco, fundamentado nas proposi- produção de subsistência e riqueza, implica re-
ções de Karl Marx (1818-1883)e Friedrich Engels lações, não apenas com o meio físico, mas es-
(1820-1896),"que propõem uma perspectiva ma- sencialmente com o humano. Com efeito, o in-
terialista-dialética para compreensão do real, para tercâmbio dos indivíduos torna-se fator impres-
construção do conhecimento e para o entendi- cindível. A linguagem, nesse contexto, assume
mento do homem" (REGO,1995, p. 96). a função de veículo de comunicação e apropria-
De acordo com essa perspectiva, o ho- ção do conhecimento edificado no curso histó-
mem, apesar de pertencer à natureza, se dis- rico das ações humanas.
tancia dela, uma vez que está habilitado a Rego salienta ainda que Vygotsky, ao se
transformá-Ia e é capaz de agir de modo cons- inspirar nos princípios do materalismo-dialé-
ciente, com vistas a suprir suas necessidades. tico, considerou.
Ao modificar a natureza, constrói e transforma
a si mesmo, criando melhores condições de O desenvolvimento da complexa estrutura
existência. humana como um processo de apropriação
Vygotsky partiu do princípio de que a pelo homem da experiência histórico-cul-
origem do psiquismo humano se encontra nas tural. Segundo ele, o organismo e o meio
condições sociais historicamente construídas, exercem influências recíprocas, portanto,
relacionadas ao trabalho social, emprego de biológico e social não estão dissociados.
instrumentos e, máxime, ao surgimento da Nesta perspectiva, a premissa é de que o
linguagem. Estas são, segundo ele, as "ferra- homem constitui-se como tal através de
mentas" ordenadas e aperfeiçoadas pela hu- suas interações sociais ... É por essa razão
manidade ao longo de sua história e fazem que seu pensamento costuma ser chamado
mediação entre o homem e o mundo: por meio de Sócio-interacionista (1995, p. 93).

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Desse modo, Vygotsky atribui enorme nesse período mais ligadas aos mecarns s
rtância ao papel da interação social no de- sensório-motores. Nesta etapa, o pensamen o
_~ olvimento do ser humano. Em suas pesqui- está associado à utilização de instrumentos,
sas. concluiu que a maturação biológica moti- compreensão das relações mecânicas e criação
adora dos processos elementares supera os de meios maquinais para fins mecânicos.
soe ais apenas no início da vida. Aos poucos, as
~ções psicológicas superiores, de origem so- Embora a inteligência prática e o uso de
ltural, passam a dominar o comportamento signos possam operar independentemente
:= desenvolvimento do pensamento. "Na pers- em crianças pequenas, a unidade dialética
:;:ectiva vygotskyana o desenvolvimento das desses sistemas no adulto humano consti-
:~ ções intelectuais especificamente humanas tui a verdadeira essência no comporta-
:= mediado socialmente pelos signos e pelo ou- mento humano complexo. Nossa análise
-y ~(REGO, 1995, p. 62). atribui à atividade simbólica uma função
Partindo do princípio de que a mediação organizadora específica que invade o pro-
== rã presente em todas as atividades humanas, cesso do uso de instrumento e produz for-
divíduo se apropria de instrumentos, técni- mas fundamentalmente novas de compor-
cas e sistemas de signos construídos historica- tamento (VYGOTSKY, 1994, p. 32, 33).
mente para mediar relações com seus pares e
uma mundo. A linguagem é situada nesse ám- É importante compreender, também, que
to como signo mediador por excelência, pois a fala, além de ajudar a criança a manipular ob-
:mpregnada de conceitos generalizadores e ela- jetos, também favorece o controle do seu com-
borados pela cultura historicamente edificada. portamento. No entanto, a capacidade para uti-
O caminho do objeto até a criança e desta até lizar a linguagem como instrumento para solu-
objeto passa através de outra pessoa. Essa ção de problemas só ocorre mais tarde. Isso vai
estrutura humana complexa é o produto de um suceder quando a fala socializada ou interpes-
processo de desenvolvimento profundamente soal que era utilizada para interagir com os
enraizado nas ligações entre história individual adultos for internalizada, passando a dirigir-se
e história social" (VYGOTSKY,1994, p. 40). à própria criança, assumindo então uma função
intrapessoal ou interna, caracterizada pela fun-
1. 2 A relação entre a origem do pensamento ção de organizar as ações e auxiliar nas solu-
e a linguagem e suas raizes genéticas ções dos problemas.
para Vygotsky A relação entre fala e ação é dinârruca no
decorrer do desenvolvimento da criança. De iru-
O fato mais interessante mostrado pelos cio, a fala acompanha as ações da criança, mas,
estudos genéticos, do pensamento e da fala, é posteriormente, essa fala desloca-se e e-
que a relação entre ambos passa por várias mu- ção ao começo da ação, todavia, por ' , an-
danças. O desenvolvimento do pensamento e tecede-a. A fala funciona nesse caso co o m
da fala tem raízes genéticas diferentes. No en- auxiliar de um plano Já conceb do, mas não rea-
tanto, por volta dos dois anos, as curvas de evo- lizado ainda, em plano co rtame tal: "surge
lução do pensamento e da fala, até então sepa- assim à função p anejadora da fala. além da
radas, encontram-se e unem-se, para iniciar função já exis en e da guage, e refletir o
uma nova forma de comportamento; a fala deixa mundo exterior" GO':'SKY, 1994, p. 38).
de ser afetivo-conativa e passa a ser racional. O
pensamento deixa de ser influenciado pelos A capacidade especificamente humana para
sentidos e as ações, fazendo-se verbal. a lInguagem habilita as crianças a providen-
A linguagem aparece muito cedo no de- cíarem instrumentos auxiliares na solução
senvolvimento infantil. Inicialmente, se carac- de tarefas difíceis, superar a ação impulsiva,
teriza por uma fase conhecida como pré-intelec- a planejar uma solução para um problema
tual, momento em que não existe ainda ne- antes de sua execução e a controlar seu
nhuma relação com a evolução do pensamento. próprio comportamento. Signos e palavras
As reações intelectuais rudimentares são tam- constituem para as crianças, primeiro e
bém independentes da linguagem, estando acima de tudo um meio de contato social

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com outras pessoas. As funções cognitivas em voz alta. A fala egocêntrica, dissociada da
e comunicativas da linguagem tornam-se, fala social geral, leva com o tempo à fala inte-
então, a base de uma forma nova e superior rior, que serve tanto ao pensamento autístico
de atividade nas crianças, distinguindo-as quanto à reflexão lógica.
dos animais (Id. Ibid.). Neste decurso de desenvolvimento, as
conversas infantis se dividem em fala egocên-
Seja qual for o problema em relação ao trica e socializada. A diferença entre ambas
pensamento e à fala, é preciso fazer consistente está na função: enquanto na egocêntrica ela
estudo da fala interior, pois sua importância é fala para si, na socializada ela estabelece comu-
tão grande que alguns psicólogos a identifi- nicação com os outros.
caram com o pensamento. Não sabemos como A fala egocêntrica acompanha a atividade
acontece a passagem da fala aberta para a fala da criança e constitui também meio para liberar
interior, nem a idade, o processo, tampouco tensão, instrumento do pensamento e planejadora
porque ocorre. No entanto, temos ciência de de soluções de problemas. A fala egocêntrica é
que a fala egocêntrica constitui o elo interme- uma espécie de estádio transitório entre a evolu-
diário ligado à fala aberta e à interior. Ela assume ção da fala oral para a interior. Por volta da idade
o papel de acompanhar a atividade, libera emo- escolar, tende a desaparecer. No entanto, quando
ção, planeja atividades e posteriormente trans- se esvai, não atrofia, apenas se "esconde", trans-
forma-se em pensamento propriamente dito. formando-se em fala interior propriamente dita.
O desenvolvimento da fala interior passa Deste modo, a fala egocêntrica, como uma
por quatro estádios. O primeiro, considerado forma lingüística separada, é o elo genético de
como natural ou primitivo, corresponde à fala extrema importância na transição da fala oral
pré-intelectual e ao pensamento pré-verbal. Em para a interior. Para Vygotsky, primeiro ocorre a
seguida, vem o que se denomina de psicologia fala social, egocêntrica, depois a interior.
ingênua, quando a criança estabelece relações
com propriedades físicas do seu próprio corpo, A fala egocêntrica é um fenômeno de transi-
dos objetos e aplicação dessas experiências ao ção das funções interpsicológicas para as
uso de instrumentos, constituindo-se nos pri- intrapsicológicas. Da atividade social e cole-
meiros exercícios de inteligência prática. tiva para atividade mais individual. A fala
O terceiro estádio é caracterizado, por sig- egocêntrica a semelhança da fala interior
nos exteriores, operações externas, usadas como está a serviço da orientação mental, da com-
auxiliares na solução de problemas internos; a preensão consciente, ajuda a superar dificul-
linguagem é caracterizada pela fala egocêntrica. dades que está estritamente relacionada ao
No quarto momento, chamado de "crescimento pensamento (1994, p. 114,115).
interior", as operações externas interiorizam-se
e passam por uma profunda mudança. É a fase A relação entre pensamento e palavra
final da fala interiorizada ou silenciosa. não pode ser compreendida em toda sua com-
Vygotsky atesta que a função primordial plexidade, sem um claro entendimento da natu-
da fala, tanto na criança como no adulto, é a reza psicológica da fala interior. Ao passo que a
comunicação, o contato social, portanto, a fala fala interior é a fala para si mesma, a egocên-
mais primitiva da criança é essencialmente so- trica é um estádio de desenvolvimento que pre-
cial; no início, global, multifuncional, poste- cede a fala interior, e ambas preenchem funções
riormente torna-se diferenciada. Numa certa intelectuais. "Suas estruturas são semelhantes,
idade, a fala social divide-se em egocêntrica e a fala egocêntrica desaparece na idade escolar,
comunicativa. enquanto a fala interior começa a se desenvol-
As duas são consideradas sociais, em- ver, tudo indica que uma se transforma na outra"
bora as funções sejam diferentes: a primeira (VYGOTSKY,1994, p. 114).
surge quando a criança transfere formas sociais A fala interior é considerada, em parte,
e cooperativas de comportamento para a esfera um pensamento que expressa algo dinâmico,
das funções psíquicas interiores e pessoais. instável e constante, que flutua entre palavra e
Quando as circunstâncias a obrigam a pensamento, o que costumamos chamar de
ar e pensar, o mais provável é que ela pense pensamento verbal.
A fala interior se desenvolve através de Assim, a linguagem é considerada o puar
lento acúmulo de mudanças estruturais e da concepção sociohistórica, é o instrume -
funcionais; ao mesmo tempo em que estas principal de mediação, com vistas a socialização
mudanças separam a fala exterior da humana. Após refletir sobre a importância da
criança, promove a diferenciação das fun- linguagem na teoria histórico-cultural, discuti-
ções sociais e egocêntricas da fala, trans- remos o papel dado à linguagem na epistemolo-
formando as estruturas da fala da criança gia genética de Piaget, procurando fazer, tam-
em estruturas do seu pensamento bém, algumas contraposições entre as duas
(VYGOTSKY, 1993, p. 44). concepções.

Vygotsky chega a algumas conclusões 2 A relação da origem do


_; nantes. Ele entende, por exemplo, que a
=- __ ção do pensamento é determinada pela pensamento e a linguagem e suas
- ::uagem, isto é, pelos instrumentos lingüísti- raízes genéticas em Piaget
_ - o pensamento e pela experiência socíocul-
ra, da criança. O desenvolvimento da lógica, Piaget formulou em seus estudos o que
-- ém, é uma função direta de sua fala socía- ele próprio chamou de Epistemologia Genética:
ada. O crescimento intelectual depende, aín- o nascimento do conhecimento, suas relações,
e seu domínio dos meios sociais da refle- organizações e estruturações, sem se esquecer,
- Isto é, da linguagem. Portanto, é preciso no entanto, de que todas essas elaborações são
mpreender que há um plano mais interiori- frutos da maturação biológica e da interação
- do que a fala interior, configurado no pró- que o individuo estabelece com o meio físico e
.•..• pensamento. social. As contribuições de seus achados são
inestimáveis, especialmente para a educação,
o fluxo do pensamento não é acompanhado ao esclarecer as raízes do conhecimento, e de
por uma manifestação simultânea da fala. que modo as crianças se apropriam dele.
Os dois processos não são idênticos e não Nesse primeiro momento, já podemos vi-
há nenhuma correspondência rígida entre sualizar uma particularidade da Psicologia Ge-
as unidades do pensamento e da fala. O nética de Piaget em relação aos postulados
pensamento tem sua próp.ria estrutura e a vygotskyanos. Essa particularidade refere-se
transição dele para a fala não é uma coisa aos seus objetos de estudo.
fácil (VYGOTSKY, 1993, p. 128). Em suas pesquisas, Vygotsky procurou
entender as transformações das funções men-
É importante ressaltar, por fim, que a re- tais superiores, compreender como estas deixa-
acão entre pensamento e linguagem é um pro- vam de ser elementares e transformavam-se
cesso vivo, o que implica dizer que o primeiro em superiores ou sociais; dito de o ro jeí o,
.::asce pelas palavras. como o sujeito tornava-se humano, a partir de
uma abordagem filogenética e on ogené íca,
Uma palavra desprovida de pensamento tendo em vista sua inserção n mundo social
é uma coisa morta, e um pensamento não e cultural.
expresso em palavras permanece uma Enquanto isso, Plage se ded cou especí-
sombra. O pensamento e a linguagem ficamen e à epstemo oqia do conhecimento,
refletem a realidade de uma forma dife- buscou entender como o sujeito constrói seu
rente daquela da percepção, são as chaves conhecimento, os mecanismos de funciona-
para compreensão da natureza da cons- mento da ínteliqência, numa perspectiva onto-
ciência humana. As palavras desempe- genética, com base num sujeito universal, que
nham um papel central não só no desen- estabelece relações com o meio físico e social.
volvimento do pensamento, mas também Piaget, em seus estudos epistemológicos,
na evolução histórica da consciência como também defende a noção de que o aparecimento
um todo. Uma palavra é um microcosmo da linguagem é um dos fatores essenciais na
da consciência humana (VYGOTSKY, modificação das condutas afetivas e intelec-
1993, p. 131, 132). tuais, além de favorecer o melhoramento de to-

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das as ações reais ou materiais que já era capaz Piaget, diferentemente de Vygotsky, não
de efetuar. Com o advento da linguagem, torna-se relaciona nenhuma função específica à fala ego-
apto a reconstituir suas ações e antecipar ou- cêntrica em relação ao desenvolvimento da lin-
tras. Piaget ainda menciona três conseqüências guagem. Ele entende que esta se encontra inti-
essenciais para o desenvolvimento mental com o mamente ligada ao pensamento egocêntrico da
aparecimento da linguagem: criança, razão por que tende a acompanhá-lo.
Quando o pensamento egocêntrico se transforma
Uma possível troca entre os indivíduos, ou em social, descentralizado do seu próprio ponto
seja, o inicio da socialização da ação, uma de vista, ocorrerá o mesmo com a linguagem:
interiorização da palavra, isto é, o apareci- esta se tornará, também, social. A partir dessa
mento do pensamento propriamente dito, explicação, podemos entender que a lingua-
que tem como base a linguagem interior e gem social em Piaget não é semelhante à lin-
o sistema de signos, e, finalmente, uma in- guagem social em Vygotsky, pois comportam
teriorização da ação como tal, que, pura- significados diferentes.
mente perceptiva e motora que era até Apenas relembrando, para Vygotsky, o
então, pode daí em diante se reconstituir curso do desenvolvimento sempre parte do so-
no plano intuitivo das imagens e das "expe- cial para o individual, o que não é diferente em
riências mentais" (PIAGET, 1995, p. 24). relação à linguagem. A linguagem, inicialmente,
teria cunho essencialmente social ou interpes-
Segundo a teoria piagetiana, o pensa- soal, instrumento de mediação entre o sujeito e
mento infantil, no início de sua evolução, é ori- as outras pessoas, enquanto a linguagem ego-
ginal e naturalmente autístico. Transformando-se cêntrica representaria a interiorização progres-
em pensamento realista sob longa e persistente siva da linguagem interpessoal, em linguagem
pressão social, os objetos e os problemas que interiorizada ou intrapessoal, assumindo, agora,
coloca para si não estão presentes na consciên- além da função social, o papel de organizar e
cia. Daí este pensamento inicial da criança ser estruturar o pensamento.
considerado subconsciente. A respeito do pensamento e sua função
O autismo é considerado por Piaget uma simbólica, Piaget postula a idéia de que a aquisi-
forma original e mais primitiva do pensamento. ção da linguagem não é a única responsável pela
Ele entende, também, que a lógica aparece re- transformação do pensamento prático (sensório-
lativamente mais tarde no desenvolvimento in- motor) em representativo. Segundo ele, os sím-
fantil. Considera o pensamento egocêntrico o bolos, os jogos simbólicos ou de imaginação e
elo genético entre pensamento autístico e ló- imitação que aparecem em média, ao mesmo
gico, concepção que é a pedra angular da sua tempo em que a linguagem, apesar de não de-
teoria. Compreende também que a natureza in- pender dela, desempenha também importante
termediária do pensamento infantil é hipotética papel na evolução do pensamento da criança.
e o instinto social só aparece mais tarde. Entende, portanto, que existe uma fun-
Piaget defende o argumento de que o de- ção simbólica mais ampla do que a linguagem,
senvolvimento do pensamento representa a que esta se explica pela formação das represen-
história da socialização gradual dos estados tações. Assim, a linguagem é apenas uma forma
mentais autísticos, profundamente íntimos e particular da função simbólica, idéia que reitera
pessoais. Compreende, portanto, que a fala so- quando anota:
cial é representada como sendo subseqüente,
não anterior à fala egocêntrica. Como o símbolo individual é, certamente,
Esta compreensão pressupõe que a fala mais simples que o signo coletivo, conclui-
egocêntrica está intimamente relacionada com se que o pensamento precede a linguagem
o pensamento egocêntrico. Somente quando ~ que esta se limita a transformá-Io profun-
seu pensamento descentraliza-se, torna-se re- damente, ajudando-o a atingir suas formas
versível, operacional, isto é, quando for capaz de equilíbrio ... A Linguagem amplia indefi-
de colocar-se na perspectiva do outro, seu pen- nidamente seu poder, conferindo a opera-
samento será considerado social, em conse- ções uma mobilidade e urna generalidade
qüencia, sua linguagem também. que não possuiriam sem ela. Mas ela não é

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a origem de tais coordenações (PIAGET, pauta nesta concepção compreende ~_ _ =
995, p. 80, 81). ação constitui urna mediação entre o s je: - = :
conhecimento e que a linguagem const - ~ -
_"'iSS m, a linguagem, segundo a propo- instrumento primeiro dessa mediação. Is o re-
: iaqetíana, não é suficiente para explicar presenta dizer que a ação docente está impreg-
- - ção do pensamento, pois as estruturas nada de "linguagens" e que estas devem ser o
- :; -5m sua origem nas raízes da ação e me- fio condutor de sua ação.
-=: s sensório-motores. No entanto, não
- - r-a a influência da linguagem nas estrutu- 3 A teoria interacionista e a
- ensamento e nas construções das ope-
-=- ógicas; sem ela não haveria urna ínte-
11 discriminação lingüistica"
=: entre as diferentes estruturas das ope-
É importante salientar que a linguagem
-2-; permaneceriam estas individuais e
am as regulações que resultam das tro- também é fator decisivo no desenvolvimento da
- ..::~erindividuais e de cooperação. memória, atenção e percepção. Mesmo nos está-
Ele reafirma que, ao analisar a importân- dios mais precoces, a percepção e a linguagem
~ -- tinguagem do ponto de vista da conden- estão interligadas. "Os sistemas de signos rees-
: simbólica e da regulamentação social, a truturam a totalidade dos processos psicológicos,
~ aqem é indispensável à elaboração do tornando a criança capaz de dominar seus movi-
b-"=-~'L.ll,ento.Mesmo que não deixe dúvidas mentos. Ela reconstrói o processo de escolha em
=-- ao elo genético que liga pensamento e
bases totalmente novas" (VYGOTSKY, 1994,p. 46).
- ",::agem, propiciando um apoio mútuo, é vee-
As funções elementares têm como caracte-
~.:: e ao assinalar:
rística fundamental o fato de serem total e
diretamente determinadas pela estimulação
Nem a imitação, nem o jogo, nem o desenho
ambiental. No caso das funções superiores,
nem imagem, nem a linguagem, nem
a característica essencial é a estimulação
mesmo a memória se desenvolvem ou or-
autogerada, Isto é, a criação e o uso de es-
ganizam sem o socorro constante da estru-
tímulos artificiais que se tornam a causa
tura própria da inteligência (PIAGET &
imediata do comportamento. O uso de
EINHELDER, 2001, p. 80);
signos conduz os seres humanos a uma
estrutura específica de comportamento que
Assim, Piaget entende que o desenvolvi-
se destaca do desenvolvimento biológico e
_ to evolui do individual para o social. Parte
cria novas formas de processos psicológicos
.:._pensamento autístico, não verbal, à fala so-
emaizados na cultura (VYGOTSKY,p. 53, 54).
ada e ao pensamento lógico, através do
::=_!Samentoe da fala egocêntrica até chegar ao
::-=_ samento e fala socializados. Corno a aquisição da linguagem faz parte
Não há dúvida quanto às contribuições de um processo intrínseco de interação social,
.:.- estudos de Vygotsky e Piaget, para com- histórica e cultural, não podemos esquecer das
:::Qensão da estreita ligação entre o desenvolvi- influências recebidas pelas crianças rumo à
.=ento do pensamento e a aquisição da lingua- edificação da fala. E, como a evolução lingüís-
;=:n, o que favorece, também, o entendimento tica desde os primórdios foi marcada por urna
:.= sua complexa e contínua interação, que per- relação de poder, em que o modo de falar é re-
=-~e, assim, o desenvolvimento pleno do inte- gulamentado pela forma de fala da classe domi-
seio e da linguagem infantis. nante, geralmente na capital ou na região mais
Para o educador, é imprescindível este co- próspera econômica e politicamente. Surge a
- ecimento, urna vez que, de posse dele, pode discriminação com as formas de linguagens
mpreender melhor as situações cognitivas e distanciadas da fala oficial.
_ güísticas por que passa seu aluno, o que pro- No entanto, se considerarmos que toda a
_cia urna intervenção pedagógica mais eficiente. conduta humana, incluindo a linguagem, é uma
Corno a linguagem ocupa papel relevante construção pessoal que tem de ser compreendi-
::0 postulado interacionista, o professor que se da nas relações do homem com seu meio social,

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e que esta é reflexo da sociedade e da cultura uma série de conceitos, representações e
que o envolve, passaremos a respeitar qualquer conhecimentos adquiridos no decorrer de
forma de expressão, mesmo que diferente da suas experiências anteriores e interpreta-
nossa. Porém, cada situação solicita um tipo de ções, que determinam em boa parte as in-
fala. Na comunicação acadêmica, por exemplo, formações que selecionará, como organizará
não nos podemos afastar da língua culta. Isto, e que tipo de relação estabelecerá entre elas
todavia, não é desdobramento temático cabível (COLL, et alii, 1998, p. 61).
nestas reflexões.
Embora não dominando a língua escrita,
A discriminação lingüística é um dos mais as crianças são detentoras de uma cultura e de
severos atentados aos princípios democráticos um saber, cuja maneira de expressá-Ios está im-
porque, na escola ou na sociedade, a maioria pregnada pela oralidade. O legado oral se cons-
das nossas crianças é obrigada a competir em titui não só um ponto de partida, mas também
condições desiguais, nas quais, suas classes um referencial importante na aprendizagem da
e os seus caminhos já estão preestabelecidos: criança.
a desescolarização, o analfabetismo e o su- Assim, além de compreender a relevân-
bemprego (COLLELO, 1995, p. 61). cia da linguagem para o desenvolvimento dos
processos superiores do pensamento propicia-
A história das línguas nos sugere que o dos pelas pesquisas de Vygotsky e seus colabo-
"certo" e o "errado" lingüístico não passam de radores, como também os estudos psicogenéti-
preconceitos sociais eventualmente temporá- cos de Piaget, torna-se também imprescindível
rios. Enfim, recentes estudos lingüísticos dei- para o professor, em sua tarefa de mediador e
xam claro que todo falante nativo é legítimo, articulador de conhecimentos, o entendimento
porque, além de dominar o vocabulário conven- do sentido ético de sua prática, ao respeitar as
cional, compreende a natureza sintática e suas diversidades de linguagens representadas pe-
regras. Uma criança já aos três anos consegue las diferenças socioculturais das crianças, es-
dominar sua língua materna e interioriza a gra- pecialmente das que freqüentam as escolas pú-
mática natural, tornando-se um legítimo conhe- blicas brasileiras.
cedor de sua língua. Não se admite mais, diante das novas con-
Ao considerar a criança como legítimo fa- cepções que norte iam o ensino e a aprendizagem,
lante nativo da sua língua e compreendendo a que as crianças continuem sendo discriminadas
relevância da linguagem para seu desenvolvi- ou censuradas ao apresentarem variedades lin-
mento intelectual e afetivo, não há como negar güísticas, diferentes da norma-padrão. Não há
a importância que os profissionais que traba- dúvidas quanto aos prejuízos para sua formação,
lham diretamente com crianças na fase de aqui- ao ser submetida a esse tipo de violência.
sição da língua escrita tenham plena consciên- Além de limitar sua variedade lingüística,
cia da necessidade de se respeitar a diversida- o que leva ao empobrecimento da inteligente
de oral da criança. expressão, ou corrente, quando a oralidade e
Quando a escola despreza o conhecimento outras formas de exprimir ocupam segundo
lingüístico que a criança possui e passa a ensinar plano na aprendizagem - especialmente da lei-
a escrita como uma nova modalidade de comu- tura e escrita - é também uma negação da legi-
nicação, desvinculada das outras formas de in- timidade do seu grupo social; isto porque este
teração social que a criança já domina, falha, não se torna desprivilegiado diante de outros gru-
apenas por desrespeitar o repertório lingüístico pos que detêm o poder e, conseqüentemente, a
que a criança construiu em suas relações com o forma" correta de falar".
meio sociocultural, como também ao não encarar Tal não significa, no entanto, deixar a
a aprendizagem da língua escrita como uma nova criança alienada de outras formas de lingua-
modalidade de comunicação que deveria enri- gens, pois a escola deve assumir nessa pers-
quecer a língua oral, gestual e corporal. pectiva uma função compensatória, ensejando
ao aluno experiências variadas e ricas com a
Quando o aluno enfrenta um novo conteúdo linguagem oral e escrita, o que ensejará contato
a ser aprendido, sempre o faz armado com com a linguagem mais elaborada.

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Não temos a intenção de defender a idéia que a criança entenda que a linguagem escnta
z, •.• e a criança de situação socioeconomica privilegia uma variedade lingüística em detri-
=o::avorável restrinja suas experiências so- mento de outra, e que esta linguagem difere da
:: ,culturais e comunicativas ao seu grupo e linguagem oral em relação à sua estrutura, lógi-
-- eqüentemente ao seu modo de falar, não ca de organização e função. Portanto, concorda-
"'".::doacesso às diversas linguagens e expres- mos com Abud, quando demarca: o preparo de
-:~Sculturais que circulam socialmente. uma criança para a leitura e a escrita depende
Pelo contrário, entendemos que, partindo muito mais das ocasiões sociais de estar em
:: guagem do seu grupo de origem, o aluno contato com a língua escrita do que qualquer
"'"~capaz de se apropriar de qualquer forma outro fator (1987, p. 26).
= expressão, desde que a escola e por aproxí- Assim, não podemos negar a atualidade e
ação, o professor, sejam eficientes na tarefa importância da concepção interacionista para
~= ar oportunidade ao aluno de vivenciar es- responder a muitas das demandas em educa-
-::- experiências. ção, especialmente quando aborda o assunto
Acreditamos que a linguagem é uma in- sobre a linguagem, uma vez que esse tema ul-
snção essencialmente humana, construída trapassa a importância para construção dos
::~ relações sociais e culturais, representada processos superiores do pensamento e da epis-
s- c: sistemas de convenções e negociações his- temologia genética e contempla outras ques-
tcncas. Nessa perspectiva, pois, não podemos tões não menos importantes para a aprendiza-
.•..
_. sar em termos de "melhor" ou "pior" em re- gem. Referimo-nos à recuperação procedida
= - o a qualquer forma ou estrutura lingüística. pela teoria em relação ao papel da mediação do
professor, uma vez que esta é especialmente
Entendemos ser mais apropriado pensar a efetivada por via da linguagem, constituindo-se,
linguagem em termos de adequação no que pois, o principal instrumento de interação do
respeita as suas funções dentro de situa- professor com os alunos, com vistas à elabo-
ções específicas. "Usar a língua tanto na ração de conhecimentos.
modalidade oral como escrita, é encontrar Infelizmente, muitas das nossas crianças
o ponto de equilíbrio entre dois eixos: o da não têm acesso à escola, e, quando conseguem,
adequalidade e o da aceitabilidade" se deparam com uma realidade não propicia-
(BAGNO, 2000, p. 130). dora de um mínimo de condições para aprendi-
zagem, apesar dos grandes avanços no que diz
Parece que a discussão está voltada para respeito ao entendimento sobre a construção
- ecessidade do professor trabalhar a compe- do conhecimento, o que, em tese, favoreceria
-'? cia comunicativa em função do reconheci- uma atuação mais eficiente dos professores e,
=ento das diversas variedades de linguagens e conseqüentemente, melhores resultados em re-
__emprego adequado destas em virtude da situ- lação à aprendizagem. Observa-se, a igual do
ação e dos fins do ato de falar. Para Abud, que sucede com a distribuição de renda no Bra-
sil, que o saber também não chega para a
o problema está em levar as crianças a do- grande maioria dos brasileiros, quer sejam alu-
minar essa variedade lingüística padrão nos ou professores.
sem necessariamente a tomarem como ne-
gação da sua própria forma de expressão; Referências Bibliográficas
sem que assumam contra si próprias, os
preconceitos sociais que a privilegiam
ABUD, Maria José MIlharezi. O ensino da lei-
(1987, p. 24).
tura e da escrita na fase inicial de escolarização.
São Paulo: EPU, 1987.
É imprescindível propiciar à criança, desde
início do processo de alfabetização, experiên- BAGNO.Marcos. Preconceitolingüístico: o que é,
eras com a língua escrita em suas diversas for- como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
mas e modalidades, para que entenda como a COLELLO. Sílvia M. Gasparian. Linguagem e
fala está representada na escrita e compreenda discriminação social. In: Alfabetização em
sua lógica e como se estrutura. É importante Questão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

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PIAGET, Jean. Seis estudos de Psicologia. Rio __ ,Pensamento e Linguagem. São Paulo:
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