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REALISMO

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uma lógica individual, embora aberta
à interação social, na escola ou fora de-
Quem tem BIOGRAFIA
la. No processo, a criança passa por eta-
pas, com avanços e recuos, até se apos-
muito pouco, ou Emilia Ferreiro nasceu na Argentina
em 1936. Doutorou-se
na Universidade de Genebra, sob
sar do código lingüístico e dominá-lo. quase nada, merece orientação do biólogo Jean Piaget,
O tempo necessário para o aluno trans- cujo trabalho de epistemologia
por cada uma das etapas é muito variá- que a escola lhe genética (uma teoria
EMILIA FERREIRO vel. Duas das conseqüências mais im- do conhecimento centrada
abra horizontes

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no desenvolvimento natural
portantes do construtivismo para a prá- da criança) ela continuou, estudando

A PESQUISADORA tica de sala de aula são respeitar a evo-


lução de cada criança e compreender mente repetir o que ouvem, que as crian-
um campo que o mestre não havia
explorado: a escrita. A partir de 1974,

QUE REVOLUCIONOU que um desempenho mais vagaroso não ças interpretam o ensino recebido. No Emilia desenvolveu na Universidade
de Buenos Aires uma série
significa que ela seja menos inteligen- caso da alfabetização isso implica uma
de experimentos com crianças que
tes ou dedicada do que as demais. Ou- transformação da escrita convencional

A ALFABETIZACAO
deu origem às conclusões
tra noção que se torna importante pa- dos adultos. Para o construtivismo, na- apresentadas em Psicogênese
ra o professor é que o aprendizado não da mais revelador do funcionamento da da Língua Escrita, assinado em
A psicolingüista argentina é provocado pela escola, mas pela pró- mente de um aluno do que seus supos- parceria com a pedagoga espanhola
Ana Teberosky e publicado em 1979.
desvendou os
mecanismos pelos N enhum nome teve mais influên-
cia sobre a educação brasileira nos
últimos 20 anos do que o da psicolin-
na investigação dos processos de aqui-
sição e elaboração de conhecimento pe-
la criança – ou seja, de que modo ela
pria mente das crianças e portanto elas
já chegam a seu primeiro dia de aula
com uma bagagem de conhecimentos.
tos erros, porque evidenciam como ele
“releu” o conteúdo aprendido. O que as
crianças aprendem não coincide com
Emilia é hoje professora titular
do Centro de Investigação e Estudos
Avançados do Instituto Politécnico
quais as crianças güista argentina Emilia Ferreiro. A di- aprende. As pesquisas de Emilia Ferrei- “Emilia mostrou que a construção do aquilo que lhes foi ensinado. Nacional, da Cidade do México,
onde mora. Além da atividade
aprendem a ler vulgação de seus livros no Brasil, a par- ro, que estudou e trabalhou com Piaget, conhecimento se dá por seqüências de
de professora – que exerce também
e escrever, o que tir de meados dos anos 1980, causou concentram o foco nos mecanismos cog- hipóteses”, diz Telma Weisz. Compreensão do conteúdo viajando pelo mundo, incluindo
um grande impacto sobre a concepção nitivos relacionados à leitura e à escri- De acordo com a teoria exposta em Com base nesses pressupostos, Emilia freqüentes visitas ao Brasil –,
levou os educadores que se tinha do processo de alfabetiza- ta. De maneira equivocada, muitos con- Psicogênese da Língua Escrita, toda crian- Ferreiro critica a alfabetização tradicio- a psicolingüista está à frente do site
www.chicosyescritores.org, em que
a rever radicalmente ção, influenciando as próprias normas sideram o construtivismo um método. ça passa por quatro fases até que este- nal, porque julga a prontidão das crian-
estudantes escrevem em parceria
seus métodos do governo para a área, expressas nos Tanto as descobertas de Piaget como ja alfabetizada: ças para o aprendizado da leitura e da com autores consagrados e publicam
Parâmetros Curriculares Nacionais. As as de Emilia levam à conclusão de que pré-silábica: não consegue relacionar escrita por meio de avaliações de per- os próprios textos.
obras de Emilia – Psicogênese da Língua as crianças têm um papel ativo no apren- as letras com os sons da língua falada;
Escrita é a mais importante – não apre- dizado. Elas constroem o próprio co- silábica: interpreta a letra a sua manei-
sentam nenhum método pedagógico, nhecimento – daí a palavra construtivis- ra, atribuindo valor de sílaba a cada uma; SALA DE AULA VIRA AMBIENTE ALFABETIZADOR
mas revelam os processos de aprendi- mo. A principal implicação dessa con- silábico-alfabética: mistura a lógica
zado das crianças, levando a conclusões clusão para a prática escolar é transferir da fase anterior com a identificação de Uma das principais conseqüências da absorção da obra de Emilia
Ferreiro na alfabetização é a recusa ao uso das cartilhas, uma espécie
que puseram em questão os métodos o foco da escola – e da alfabetização em algumas sílabas; e
de bandeira que a psicolingüista argentina ergue. Segundo ela,
tradicionais de ensino da leitura e da es- particular – do conteúdo ensinado pa- alfabética: domina, enfim, o valor das a compreensão da função social da escrita deve ser estimulada
crita. “A história da alfabetização pode ra o sujeito que aprende, ou seja, o alu- letras e sílabas. com o uso de textos de atualidade, livros, histórias, jornais, revistas.
ser dividida em antes e depois de Emi- no. “Até então, os educadores só se preo- O princípio de que o processo de co- Para a psicolingüista, as cartilhas, ao contrário, oferecem um universo
lia Ferreiro”, diz a educadora Telma cupavam com a aprendizagem quando nhecimento por parte da criança deve artificial e desinteressante. Em compensação, numa proposta
Weisz, que foi aluna da psicolingüista. a criança parecia não aprender”, diz Tel- ser gradual corresponde aos mecanis- construtivista de ensino, a sala de aula se transforma totalmente,
criando-se o que se chama de ambiente alfabetizador. O ritmo da aula
Emilia Ferreiro se tornou uma espé- ma Weisz. “Emilia Ferreiro inverteu es- mos deduzidos por Piaget, segundo os
é dado pelos alunos, embora o professor deva ter a última palavra
cie de referência para o ensino brasilei- sa ótica com resultados surpreendentes.” quais cada salto cognitivo depende de e manter a disciplina. Trabalha-se para não inibir as crianças e deixar
ro e seu nome passou a ser ligado ao uma assimilação e de uma reacomoda- que explorem a própria concepção de escrita. As noções de certo e
Etapas de aprendizado
ANTÔNIO VARGAS

construtivismo, campo de estudo inau- ção dos esquemas internos, que neces- errado desaparecem do vocabulário e aposentam-se as avaliações
gurado pelas descobertas a que chegou Segundo Emilia, a construção do co- sariamente levam tempo. É por utilizar tradicionais para medir o desenvolvimento do aluno.
o biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) nhecimento da leitura e da escrita tem esses esquemas internos, e não simples-

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cepção (capacidade de discriminar sons nada. Segundo o mesmo raciocínio
e sinais, por exemplo) e de motricidade equivocado, o contato da criança com
PARA PENSAR
(coordenação, orientação espacial etc.). a organização da escrita é adiado para Segundo os construtivistas,
Dessa forma, dá-se peso excessivo para quando ela já for capaz de ler as pala- não se aprende por pedacinhos,
mas por mergulhos em conjuntos
um aspecto exterior da escrita (saber de- vras isoladas, embora as relações que
de problemas que envolvem vários
senhar as letras) e deixa-se de lado suas ela estabelece com os textos inteiros conceitos simultaneamente.
características conceituais, ou seja, a sejam enriquecedoras desde o início. No caso da alfabetização, utilizar
compreensão da natureza da escrita e Compreender a escrita interiormen- textos do cotidiano é muito mais
sua organização. Para os construtivistas, te significa compreender um código so- produtivo do que seguir uma
o aprendizado da alfabetização não ocor- cial. Por isso, segundo Emilia Ferreiro, cartilha. Isso não quer dizer que
o ensino não deva ser objeto
re desligado do conteúdo da escrita. a alfabetização também é uma forma
de planejamento e sistematização.
É por não levar em conta o ponto de se apropriar das funções sociais da Você, professor, costuma ficar
mais importante da alfabetização que escrita. De acordo com suas conclu- atento ao que cada aluno já sabe
os métodos tradicionais insistem em sões, desempenhos díspares apresen- para fazer com que avance,
introduzir os alunos à leitura com pa- tados por crianças de classes sociais di- em ritmo próprio?
lavras aparentemente simples e sono- ferentes na alfabetização não revelam
ras (como babá, bebê, papa), mas que, capacidades desiguais, mas o acesso
do ponto de vista da assimilação das maior ou menor a textos lidos e escri-
crianças, simplesmente não se ligam a tos desde os primeiros anos de vida.

IDÉIAS QUE O BRASIL ADOTOU


As pesquisas de Emilia Ferreiro e o de vários estados brasileiros.
termo construtivismo começaram a Uma das experiências mais
ser divulgados no Brasil no início abrangentes se deu no Rio Grande
da década de 1980. As informações do Sul, onde a Secretaria Estadual
chegaram primeiro ao ambiente de Educação criou um Laboratório
de congressos e simpósios de Alfabetização inspirado nas
de educadores. O livro-chave descobertas de Emilia Ferreiro.
de Emilia, Psicogênese da Língua Hoje o construtivismo é a fonte
Escrita, saiu em edição brasileira da qual derivam várias das
em 1984. As descobertas que ele diretrizes oficiais do Ministério
apresenta tornaram-se assunto da Educação. Segundo afirma
obrigatório nos meios pedagógicos a educadora Telma Weisz na
e se espalharam pelo Brasil com apresentação de uma das reedições
rapidez, a ponto de a própria autora de Psicogênese da Língua Escrita,
manifestar sua preocupação quanto "a mudança da compreensão
à forma como o construtivismo do processo pelo qual se aprende Ambiente alfabetizador em escola
gaúcha nos anos 80: Emilia
estava sendo encarado e transposto a ler e a escrever afetou todo Ferreiro inspira políticas oficiais
para a sala de aula. o ensino da língua", produzindo
Mas o construtivismo mostrou "experimentação pedagógica

PAULO FRANKEN
sua influência duradoura ao ser suficiente para construir, a partir QUER SABER MAIS?
adotado pelas políticas oficiais dela, uma didática". Construtivismo, Maria da Graça Azenha,
112 págs., Ed. Ática, tel. (11) 3346-3000,

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14,90 reais Cultura Escrita e Educação,
Um dos maiores danos que se pode causar Emilia Ferreiro, 179 págs., Ed. Artmed, tel.
(51) 3330-3444, 33 reaisPsicogênese da
a uma criança é levá-la a perder a confiança Língua Escrita, Emilia Ferreiro e Ana
Teberosky, 300 págs., Ed. Artmed, tel. (51)

na sua própria capacidade de pensar

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78 ESCOLA ● GRANDES PENSADORES

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