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Quando discutimos em torno da viabilização dos direitos sociais na sociedade capitalista,

percebemos que infelizmente tais direitos legalmente garantidos muitas vezes não são efetivados no
cotidiano da população. A violação dos direitos está presente no dia a dia de grande parcela da
população brasileira, principalmente dos públicos vulneráveis.

Devido às especificidades envolvendo a política pública de assistência social, esta possui uma
atuação direta, tanto em relação à criação e iniciativas que possibilitem a prevenção de situações
que podem levar à violação de direitos quanto nas situações nas quais os direitos foram violados.
Assim, a assistência social enquanto política pública é fundamental na composição e organização do
Sistema de Garantia de Direitos.

Por outro lado, o Sistema de Justiça, ao se deparar com situações de vulnerabilidade e risco social,
acaba recorrendo à política pública de assistência social enquanto principal agente no processo de
soluções dos conflitos. Essa articulação necessária é fruto da crescente intervenção do Estado na
vida dos indivíduos, como podemos observar na citação a seguir:

Nos últimos anos, cresceu no Brasil a presença do Estado na vida das pessoas, seja como forma de
intervenção, por meio de estratégias de controle, ou como o propósito da prestação de políticas
públicas para a efetivação de direitos. Nesse quadro, nunca foi tão importante a atuação conjunta
dos órgãos ligados ao Sistema de Justiça, sejam juízes, promotores, funcionários ou defensores
públicos, e os operadores de políticas sociais, notadamente no campo da assistência social (COSTA,
2015, p. 17).

Essa interlocução entre o Sistema de Justiça e as diferentes políticas públicas é essencial para
contribuir na busca da viabilização dos direitos da população que teve os seus direitos violados, ou
até mesmo daquelas que vivenciam situações de vulnerabilidade social.

Alguns números nos mostram o quanto ainda há necessidade de iniciativas oriundas do poder
público, na tentativa de mudar esse cenário preocupante, envolvendo por exemplo, as diferentes
situações de violências. As violações cotidiana dos direitos são inúmeras, sendo que nesse momento
apresentaremos alguns números para visualizarmos o quanto estão presentes na vida da população
brasileira.

Você sabia que pode ter acesso aos números do Disque Direitos Humanos – Disque 100 dos anos de
2011 a 2016? As informações encontram-se disponíveis no seguinte link:
<http://www.sdh.gov.br/disque100/ balanco-2016-completo>.

Fonte: Ministério dos Direitos Hsumanos (2017c).

Waiselfisz (2015a), ao discutir sobre a violência contra a mulher, informa que no ano de 2013
ocorreram no Brasil 4.762 mortes de mulheres, o que apresenta 13 homicídios femininos diários. O
autor afirma ainda que ocorreu um aumento de 21,0% no número de mulheres vítimas de violências
entre os anos de 2003 e 2013.

Em relação à população em geral, “no ano de 2015, mais de 56 mil mortes por homicídios foram
notificadas no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Brasil” (FUNDAÇÃO ABRINQ,
2017, p.17). Em relação aos homicídios envolvendo adolescentes de 16 e 17 anos de idade,
Waiselfisz (2015b) relata que nas últimas décadas o número de homicídios envolvendo essa parcela
da população aumentou consideravelmente.

O autor também nos alerta que, caso não haja a adoção de medidas concretas frente a esse cenário,
as previsões relacionadas à evolução dos homicídios envolvendo essa faixa etária são preocupantes.
No ano de 2013 foram registrados 3.749 homicídios envolvendo essa população, sendo que a
previsão para o ano de 2040 é de aproximadamente 6.153 homicídios.

De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos (2017a), em relação ao trabalho escravo, no ano
de 2011, foram recebidas 118 denúncias pelo Disque 100 – Disque Direitos Humanos, sendo que no
ano seguinte – 2012 – esse número aumentou para 281 denúncias registradas através desse
instrumento.

Em relação à pessoa em situação de rua, o Disque 100 recebeu, no ano de 2016, 937 denúncias com
queixas referentes às mais diversas violações de direitos vivenciadas por essa população
(MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2017b). As pessoas que se encontram em situação de rua
vivenciam cotidianamente diversas violações de direitos, perpassando por situações diversas de
desproteção social que vão desde o não acesso à alimentação adequada até mesmo em relação ao
respeito à sua dignidade enquanto pessoa humana.

Na atualidade, é possível constatar que:

O Disque Direitos Humanos recebe, em média, 360 denúncias por dia, com demandas relativas a
violações de Direitos Humanos, especialmente de crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoas
com deficiência, população LGBT, em situação de rua, em privação de liberdade, comunidades
tradicionais, entre outras que atingem populações vulneráveis (MINISTÉRIO DOS DIREITOS
HUMANOS, 2017b, p. 1).

Sabemos que o instrumento do Disque 100 é fundamental, pois, a partir das denúncias, é possível
constatar a situação e caso necessário, concretizar as intervenções tanto pelo Sistema de Justiça
quanto pelas políticas públicas.

Outros números são alarmantes e nos mostram o quanto os direitos sociais estão longe de serem
concretizados para toda a parcela da população. Conforme a Fundação Abrinq (2017, p. 13)
“aproximadamente 55 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza no Brasil, sendo que 18
milhões deste total se encontram em situação de extrema pobreza”. Nesse cenário, notamos que,
embora nos últimos anos tenham-se intensificado as ações e as iniciativas em torno da condição de
pobreza, ainda há uma grande parcela da população vivendo em situação de miserabilidade, não
tendo condições financeiras para manter as suas necessidades básicas.

Em relação ao direito à moradia digna, os dados também são alarmantes, “no Brasil há mais de 3,2
milhões de domicílios localizados em favelas, com aproximadamente 11,4 milhões de pessoas
vivendo nessas condições” (FUNDAÇÃO ABRINQ, 2017, p. 15). Em muitos locais inexiste saneamento
básico e infraestrutura adequada, não havendo oferta de equipamentos públicos suficientes para
atender às diversas especificidades que possibilitam a qualidade de vida e o desenvolvimento
humano.

É nessa conjuntura, envolvendo situações de vulnerabilidade social e violações de direitos, que a


política pública de assistência social atua. Através dos seus diversos equipamentos públicos, a
assistência social possibilita intervenções que busquem a superação das problemáticas presentes na
vida dos sujeitos, famílias e grupos. Por outro lado, também encontramos intervenções do Sistema
de Justiça nessas situações de vulnerabilidade e violações de direitos, principalmente naquelas em
que é necessário o apoio de órgãos como, por exemplo, o Ministério Público para que os direitos
sejam garantidos.

Se por um lado há a garantia legal dos direitos sociais, notamos que, por outro lado, há deficiência e
carência do poder público na prestação do atendimento às necessidades da população. Não por
menos, o Poder Judiciário tem recebido cada vez mais queixas relacionadas à não efetivação dos
direitos por parte do poder executivo. “Os recursos orçamentários são escassos e, muitas vezes,
impossibilitam a efetivação de direitos. Em virtude da não ação do Poder Executivo, o Poder
Judiciário tem ampliado sua atuação no que tange à determinação de prestação de direitos sociais
por parte do Estado” (COSTA, 2015, p. 28).

Algo que gostaríamos de destacar nesse momento é que frente às mais diferentes problemáticas,
resultantes da não garantia dos direitos sociais, tanto as políticas públicas quanto o Sistema de
Justiça terão responsabilidades e especificidades nas ações. Assim, existe uma necessidade de
articulação constante entre todos os equipamentos públicos e os diferentes órgãos que podem
contribuir para a viabilização dos direitos sociais.

É inadmissível, por exemplo, uma criança ser retirada de sua família, devido a situação de pobreza,
contrariando o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, sem ao menos a família ser
encaminhada para atendimento na política pública de assistência social. Precisamos tomar cuidado
para não judicializarmos problemáticas que podem ser resolvidas no âmbito das instituições ligadas
ao poder executivo, promovendo o processo de judicialização e criminalização da pobreza.

Por outro lado, notamos que, muitas vezes, os profissionais vinculados à política pública de
assistência social recorrem ao Sistema de Justiça sem ao menos esgotarem as possibilidades de
intervenções e articulações com os profissionais de outras políticas públicas.

Aguinsky e Alencastro (2006), ao discutirem o processo de judicialização da questão social, enfatizam


que reconhecem a importância do Poder Judiciário no processo de garantia dos direitos individuais e
coletivos; contudo, afirmam que não pode haver uma privilegiação do Poder Judiciário para resolver
as demandas postas pela questão social em detrimento dos Poderes Executivo e Legislativo. Os
autores também esclarecem que o Sistema de Justiça precisa pensar em ações que vão além do
âmbito individual, mas que provoquem impactos no coletivo, por isso a necessidade de iniciativas
em torno da prevenção das violações de direitos.
Conflitos de Competências: as
Requisições do Sistema de
Justiça para os Profissionais
Vinculados à Política Pública de
Assistência Social
Nessa aula, discutiremos em torno dos conflitos de competências resultantes das requisições do
Sistema de Justiça para os profissionais vinculados à política pública de assistência social. Nesse
primeiro momento, cabe destacar que a intervenção judicial “impacta sobre as pessoas,
possibilitando a produção de projetos de vida ou potencializando a situação de vulnerabilidade”
(COSTA, 2015, p. 17). Infelizmente, nesses conflitos de competências, nem sempre se compreende a
importância do trabalho em rede, para com isso diminuir as consequências de decisões decorrentes
das intervenções judiciais.

Em quais momentos pode ocorrer a articulação entre o Sistema de Justiça e a política pública de
assistência social? Para esse questionamento, encontramos a seguinte resposta:

As ações de assistência social organizam-se nos respectivos territórios sob a perspectiva da


matricialidade sócio familiar, descentralização político-administrativa e territorialidade. A partir das
situações concretas de risco e vulnerabilidade na vida das pessoas que são público alvo de
atendimento, são estabelecidas relações institucionais com outros ramos de políticas públicas e com
o Sistema de Justiça, na perspectiva de estabelecer identidades, referências e efetivar direitos.
Preliminarmente, é possível aferir que a interseção entre os sistemas ocorre em três momentos
centrais: (a) quando há uma violação concreta de direitos, normalmente relacionados aos
atendimentos prestados nos CREAS. Em situações tais como conflitos familiares, violência
doméstica, saúde mental, adolescentes em conflito com a lei, vulnerabilidades resultantes do
encarceramento, uso de drogas, acesso à moradia etc.; (b) quando o Sistema de Justiça exige um
comportamento do Estado visando à efetivação de um direito socioassistencial, que não presume
necessariamente uma violação individualizada, mas uma condição difusa de vulnerabilidade social,
sob a perspectiva coletiva, como melhora na qualidade do atendimento, aumento das ofertas de
serviços, benefício, programas, implantação de estrutura em municípios, alargamento/redução dos
convênios e outros; (c) quando o Sistema de Justiça necessita de um trabalho específico a ser
prestado por profissional que atua junto ao SUAS e passa a demandar tal prestação de serviço ao
município, ou, em alguns casos, diretamente ao profissional (COSTA, 2015, p.19).

Como notamos na citação acima, há três principais momentos em que o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) e o Sistema de Justiça se relacionam entre si: 1) nos casos em que ocorreu
a violação de direitos, 2) quando o Sistema de Justiça exige determinadas atitudes do Estado e 3)
quando há necessidade de atuação de um determinado profissional do SUAS requisitado pelo
Sistema de Justiça.

Frente às relações que são estabelecidas entre o SUAS e o Sistema de Justiça, conforme afirmado
por Costa (2015), os operadores do Sistema de Justiça nem sempre estão preparados para agir e
interagir com a política pública de assistência social, não reconhecendo assim as especificidades de
cada equipamento desta política nem os programas, os serviços e as ações desenvolvidos por cada
instituição.

Em muitas situações, ao chegar uma determinada demanda para um equipamento público de


assistência social, como por exemplo, ao Centro de Referência de Assistência Social, nota-se a não
compreensão de muitos profissionais do Sistema de Justiça sobre o papel da proteção social básica
que busca fortalecer os vínculos familiares e comunitários, visando com isso a superação de
situações de vulnerabilidade social.

No ano de 2016, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e a Secretaria Nacional


de Assistência Social publicaram a Nota Técnica SNAS/MDS N°02/2016, que aborda a relação
existente entre o SUAS e o Sistema de Justiça. Nesse documento, é concretizada uma apresentação
sobre a política pública de assistência social, destacando a sua função no âmbito da proteção social.
Além disso, é enfatizado que, quando os órgãos do Sistema de Justiça acionam a rede
socioassistencial devido a situações de risco e vulnerabilidade social e pessoal e pela violação de
direitos, é função da política pública de assistência social inserir os usuários no âmbito da proteção
social. Nessas situações, a referida Nota Técnica sugere que o órgão gestor da assistência social seja
o responsável para analisar a situação e concretizar os encaminhamentos adequados de preferência
para as unidades inseridas no território.

Além disso, consta na referida Nota Técnica que tradicionalmente, algumas solicitações vêm sendo
concretizadas pelo Sistema de Justiça e que não estão em consonância com as competências e
atribuições dos profissionais inseridos na política pública de assistência social, sendo essas:

a) Realização de Perícia; b) Inquirição de vítimas e acusados; c) Oitiva para fins judiciais; d) Produção
de provas de acusação; e) Guarda ou tutela de crianças e adolescentes de forma impositiva aos
profissionais do serviço de acolhimento ou ao órgão gestor da assistência social, salvo nas previsões
estabelecidas em lei; f ) Curatela de idosos, de pessoas com deficiência ou com transtorno mental
aos profissionais de serviços de acolhimento ou ao órgão gestor da assistência social, salvo nas
previsões estabelecidas em lei; g) Adoção de crianças e adolescentes; h) Averiguação de denúncia de
maus-tratos contra crianças e adolescentes, idosos ou pessoas com deficiência, de violência
doméstica contra a mulher (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME;
SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2016, p. 12).

Frente a essas requisições, a referida Norma Técnica ainda esclarece que as atribuições dos
profissionais vinculados às instituições de assistência social se diferem das atribuições das equipes
multiprofissionais dos órgãos do Sistema de Justiça, indicando inclusive a necessidade dos referidos
órgãos contarem, em seu quadro profissional, com as suas equipes multiprofissionais, conforme
previsto em diversas orientações legais.

Por outro lado, segundo Costa (2015), os profissionais do SUAS encontram dificuldades de interagir
com o Sistema de Justiça devido a diversas questões que permeiam inclusive as especificidades de
ambos os Sistemas. Inseridos na rede de proteção aos públicos vulneráveis, notamos que muitos
profissionais, ao serem requisitados para concretizarem uma ação que necessita da articulação com
o Sistema de Justiça, apresentam medo sobre como interagir com esse Sistema, como por exemplo,
do que pode ser falado ou não nas audiências ou até que ponto podem revelar o sigilo profissional.

A Nota Técnica SNAS/MDS N°02/2016 apresenta diversos prejuízos causados pelas requisições
judiciais aos trabalhadores do SUAS que são inerentes a outros órgãos e políticas. Para saber mais,
acesse o documento no seguinte link:

<http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/
NotaTecnica_SUAS_Sistema%20de%20Justica_2016.pdf>.

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e Secretaria

Nacional de Assistência Social (2016).

Um dos grandes debates envolvendo o Sistema de Justiça e a política pública de assistência social
relaciona-se às requisições dos órgãos do Sistema de Justiça para os profissionais vinculados às
diferentes instituições da assistência social, sendo tais requisições solicitadas muitas vezes de forma
equivocada. Em muitas situações, não há uma compreensão dos níveis de proteção social desta
política pública e o desenvolvimento das ações vinculadas às instituições de assistência social pelos
níveis de proteção.

Algumas categorias profissionais vêm se posicionando em relação às demandas solicitadas pelo


Sistema de Justiça aos profissionais que atuam no processo de execução das políticas públicas, entre
os quais o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). Através do Ofício n. 041 de 2014, destinado ao
Presidente do Conselho Nacional de Justiça, argumentou sobre algumas problemáticas que vêm
permeando as requisições no cotidiano dos assistentes sociais, além disso, destacou que em
algumas situações as requisições

são encaminhadas como intimações, de forma autoritária, sem mediação ao diálogo, estabelecendo
prazos exíguos (considerando-se que a/o profissional atua em outro órgão), havendo, inclusive,
ameaças de voz de prisão, em casos de descumprimento. […] Acresce-se ainda que a diversidade e
complexidade das solicitações [...] exigem o domínio de conhecimentos específicos acerca das
situações com as quais o/a assistente social requisitado/a não trabalha diretamente, o que poderá
comprometer negativamente a sua ação/ intervenção profissional, tanto no aspecto técnico, quanto
ético, acrescentando- se ainda a não observância ao direito do/a profissional de exercer a sua
autonomia técnica, pois, não raras vezes, o/a solicitante (juiz/a, promotor/a, defensor/a, etc.) já
indica a ação profissional a ser realizada e, ainda, as questões a serem respondidas. Isto implica a
negação ao/à profissional do direito de exercer sua autonomia e liberdade para realizar seus estudos
(previstos no Código de Ética Profissional), definindo procedimentos técnicos e instrumentos
indispensáveis, ao seu juízo, na elaboração de estudos, pareceres, laudos, avaliações etc., acionando
também os recursos institucionais necessários. (CFESS, 2014, p. 4).

No Ofício ora mencionado, é relatado que, embora muitos profissionais vinculados ao Poder
Executivo venham buscando estabelecer um diálogo com o Sistema de Justiça, ainda encontram
dificuldades em obter êxitos sobre a compreensão dos operadores do direito em torno de qual seria
o papel dos profissionais dentro das políticas sociais.
O quadro que se observa é que as requisições do Sistema de Justiça, muitas vezes, são estranhas às
competências da política pública de assistência social. A assistência social possui função de proteção
e papel central no processo de articulação em prol das necessidades básicas da população, contudo,
muitas vezes, ocorre de chegarem solicitações equivocadas aos profissionais vinculados a essa
política pública, com intuito de fiscalização e investigação.

Afirmamos que o papel dos diferentes equipamentos públicos da assistência social é de


acompanhamento e proteção da população atendida. Na relação entre o Sistema de Justiça e o
SUAS, não podemos desmerecer o papel construído historicamente e que resulta na atual
configuração e proposta da política pública de assistência social.

Porém, em algumas situações tornam-se necessárias as informações dos profissionais vinculados à


política pública de assistência social para o Sistema de Justiça, principalmente quando essas
informações serão decisivas para o processo de proteção do público-alvo da assistência social, como
por exemplo, nas situações em que uma criança precisa ser afastada da convivência familiar e que já
está sendo acompanhada pela equipe do Centro de Referência Especializado de Assistência Social
(CREAS), inclusive havendo consenso dessa equipe sobre a necessidade do acolhimento.

Além disso, cabe destacar que a atuação dos diferentes equipamentos da assistência social precisa
acontecer em todas as situações envolvendo vulnerabilidade social e violação de direito, porém, o
direcionamento da intervenção deve estar em consonância com os objetivos, princípios e diretrizes
da política pública de assistência social.

Diante dos conflitos instalados na relação entre o SUAS e o Sistema de Justiça, verificamos a
necessidade de mecanismos que superem essas problemáticas, sendo essa discussão que
abordaremos na nossa próxima aula.

Na Busca da Articulação
Necessária
Os conflitos existentes na relação entre o Sistema de Justiça e o SUAS são complexos e envolvem
questões que perpassam desde a natureza e a concepção dos equipamentos do SUAS, até mesmo
em relação à cultura jurídica que permeia os diferentes órgãos do Sistema de Justiça. Não
pretendemos aqui trazer nenhuma fórmula mágica para solucionar as problemáticas encontradas
nessa relação, contudo, refletiremos sobre algumas questões que nos possibilitam pensar em
estratégias para diminuir a tensão e possibilitar que o SUAS esteja articulado com o Sistema de
Justiça, em prol da viabilização dos direitos sociais. Para iniciarmos esse debate, partimos da reflexão
sobre a importância do trabalho intersetorial.

Na concepção de Mioto e Schutz (2011), é notório que na dinâmica existente nas instituições que
executam as políticas públicas ocorrem diversas dificuldades e obstáculos, entre os quais a
fragmentação das políticas sociais que são organizadas em setores, agindo muitas vezes como se as
problemáticas sociais pudessem ser resolvidas de forma focalizada e pontual. A intersetorialidade se
opõe à lógica da fragmentação e do isolamento dos setores, e busca a articulação necessária para a
construção coletiva frente às demandas e às necessidades da vida em sociedade. Assim,

A intersetorialidade tem que ser construída coletivamente. Para tanto, requer ser projetada de
forma compartilhada, envolve decisão política e engajamento. Como um processo socialmente
construído, requer o conhecimento da realidade, no sentido de ir além das demandas explicitadas
em direção às reais necessidades da população, exigindo disposição para partilhar e trocar saberes,
dúvidas e poderes (COSTA, 2010, p. 218-219).

Um dos princípios da intersetorialidade é a adoção de posturas que possibilitem o


compartilhamento e a troca do saber, sendo um processo construído coletivamente. Assim, na
relação existente entre o Sistema de Justiça e o SUAS, esse diálogo constante entre as diferentes
instituições e órgãos torna-se uma ferramenta fundamental no processo de construção de ações e
iniciativas que possibilitem a viabilização dos direitos sociais. Nessa perspectiva, cabe mencionar que

A garantia de direitos, no âmbito de nossa sociedade, é de responsabilidade de diferentes


instituições que atuam de acordo com suas competências: as instituições legislativas nos diferentes
níveis governamentais; as instituições ligadas ao sistema de justiça — a promotoria, o Judiciário, a
defensoria pública, o conselho tutelar — aquelas responsáveis pelas políticas e pelo conjunto de
serviços e programas de atendimento direto (organizações governamentais e não governamentais)
nas áreas de educação, saúde, trabalho, esportes, lazer, cultura, assistência social; aquelas que,
representando a sociedade, são responsáveis pela formulação de políticas e pelo controle das ações
do poder público; e, ainda, aquelas que têm a possibilidade de disseminar direitos fazendo chegar a
diferentes espaços da sociedade o conhecimento e a discussão sobre os mesmos: a mídia (escrita,
falada e televisiva), o cinema e os diversificados espaços de apreensão e de discussão de saberes,
como as unidades de ensino (infantil, fundamental, médio, superior, pós-graduado) e de
conhecimento e crítica (seminários, congressos, encontros, grupos de trabalho) (BAPTISTA, 2012, p.
187).

No cotidiano de trabalho nas instituições vinculadas ao SUAS é constante haver queixas em torno
das requisições equivocadas, por outro lado, no dia a dia de trabalho no Sistema de Justiça, algumas
reclamações também se fazem presentes nessa relação, questionamentos quanto à postura dos
profissionais da execução das políticas públicas e da qualidade dos documentos produzidos por tais
são frequentes. Tais questionamentos são decorrentes, muitas vezes, de um conhecimento
equivocado sobre qual seria o papel dos profissionais nas políticas públicas. Um assistente social que
atua em uma Unidade Básica de Saúde possui uma dinâmica de trabalho diferente de um assistente
social que atua no CRAS. Um psicólogo que atua no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) tem um
direcionamento do seu processo de trabalho diferente de um psicólogo que se encontra inserido no
CREAS. Mesmo sendo o profissional formado para ser assistente social ou ser psicólogo, isso não
significa que desenvolverá as mesmas atividades em qualquer lugar, existem especificidades da
instituição em que esses profissionais estão inseridos e que determinarão os seus processos de
trabalho.

A compreensão da dinâmica do trabalho de cada profissional em cada local muitas vezes não é
visualizada pelos operadores do direito. Existe uma diferença gritante, por exemplo, entre o
desenvolvimento de uma perícia técnica que precisa ser feita para subsidiar decisões do que
chamamos de relatório de acompanhamento. A perícia técnica é utilizada inclusive como meio de
prova e precisa ser desenvolvida por um profissional que possua amplo conhecimento sobre o
assunto, já o relatório de acompanhamento requer informações básicas que estão diretamente
ligadas à dinâmica do trabalho na instituição em um determinando caso envolvendo indivíduos,
grupos e famílias.

É necessário, no diálogo estabelecido entre o SUAS e o Sistema de Justiça, deixar claro que as
requisições dos operadores do direito interferem, de forma direta, na dinâmica do trabalho que
precisa ser desenvolvida dentro das mais diversas instituições. Assim, a quantidade de requisições
encaminhadas de forma equivocada poderá resultar, inclusive, no não atendimento da instituição ao
que está disposto nas orientações legais, deixando de executar determinadas atividades por conta
do acúmulo de serviço. Por outro lado, os profissionais que atuam na política pública de assistência
social precisam ter clareza do seu papel no sistema de proteção aos públicos vulneráveis, vendo no
Sistema de Justiça um importante aliado para a garantia da viabilização dos direitos sociais.

No cotidiano profissional, notamos que em muitas situações as informações que os operadores dos
direitos necessitam e solicitam por meio de ofícios nem sempre é relacionada, por exemplo, a uma
perícia técnica, porém, a forma como a solicitação chega até os profissionais acaba causando
questionamentos, principalmente em relação às terminologias adotadas nas solicitações, como por
exemplo, solicitação de avaliação biopsicossocial; relatório psicossocial; estudo social, estudo
psicológico, etc. Por isso, o diálogo é um caminho fundamental para buscar compreender de que
forma o profissional e a instituição podem contribuir no processo de proteção social da população
usuária.

Buscando contribuir no fortalecimento da relação SUAS e Sistema de Justiça, conforme destacado na


pesquisa realizada por Costa (2015), vêm sendo propostas algumas iniciativas em âmbito locais,
como a elaboração de cartilhas que abordam a atuação, por exemplo do Ministério Público em
relação à fiscalização da política pública de assistência social, sendo tais iniciativas “essenciais à
promoção de diálogo e integração entre o SUAS e o Sistema de Justiça” (COSTA, 2015, p. 61).

Outra questão que pode facilitar a relação entre o SUAS e o Sistema de Justiça é a concretização de
protocolos e fluxos de atendimentos construídos coletivamente entre os diversos autores da rede,
inclusive aqueles ligados à assistência social e ao Sistema de Justiça. Através da elaboração de fluxos
e protocolos, é possível compreender o papel de cada instituição e quais as atividades que poderão
desenvolver frente às demandas apresentadas.

Sistema de Justiça, enquanto estrutura que engloba o Poder Judiciário e demais instituições
vinculadas, é um sistema que possui atuação ampla e conectada à efetivação de direitos de toda
natureza e peculiaridade. O SUAS, por sua vez, é extensão do Poder Executivo com atribuição de
prestação de serviços e atendimentos cujo fim específico é a execução do Direito à Assistência
Social. Dessa forma, ambos os sistemas possuem funções que excedem os pontos de conectividade
entre eles existentes. A capacidade de integração transversal dos aspectos que se relacionam, bem
como o fortalecimento de iniciativas conjuntas é a essência do estabelecimento de uma rede, nesse
âmbito movida pela efetivação dos direitos socioassistenciais (COSTA, 2015, p. 206).

A busca pela articulação necessária se dará através do diálogo, fortalecendo o trabalho em rede,
levando em consideração as especificidades locais, por isso, afirmamos que a construção de
protocolos, fluxos, materiais informativos, propostas de capacitações, estudos de casos com a
presença de diversos autores da rede (inclusive do Sistema Judiciário) e a criação de comitês são
essenciais para facilitar o diálogo que nem sempre é fácil de se estabelecer. Alinhada a essas
propostas, a luta em torno do aumento do número de profissionais tanto nas instituições vinculadas
ao SUAS quanto nos órgãos de justiça é fundamental.

Quando falamos nos conflitos envolvendo a relação entre o SUAS e o Sistema de Justiça, notamos
que esses são visíveis ainda mais no processo de estabelecimento de relações entre as instituições
da assistência social em nível Municipal com os órgãos do Sistema de Justiça de nível Estadual
(Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Justiça). Como tentar diminuir e amenizar os
conflitos existentes nos territórios? Para o Ministério da Justiça (2015), a proposta para essa questão
é a criação de fluxos a partir das relações concretas já existentes. Que tal pensarmos sobre essa
possibilidade em seu município?

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