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ICCS – International
Center for Criminal Studies
Gramado/RS
www.iccs.com.br
EVINIS TALON
Professor de cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal
Mestre em Direito pela UNISC/RS
Especialista em Processo Penal pela Universidade de Coimbra (Portugal).
Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UGF/RJ
Especialista em Direito Constitucional pela UGF/RJ
Especialista em Filosofia pela UGF/RJ
Especialista em Sociologia pela UGF/RJ
Ex-Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul.
Advogado, consultor jurídico e parecerista.
Presidente do International Center for Criminal Studies (ICCS)
Fundador do www.cursopenal.com.br
Palestrante
Autor de vários livros
www.evinistalon.com
Instagram: @evinistalon
Para minha querida esposa Jaiane e meus filhos
caninos Piu e Apolo, porque estiveram do meu
lado enquanto eu escrevia cada letra deste
livro. São, praticamente, coautora e cãoautores.
Aos meus pais Denize e José Inacio, por tudo que
sempre fizeram por mim e que eu jamais
conseguiria descrever com meras palavras.
Aos meus irmãos José Edinis (in memoriam), por ter me dado o
meu primeiro livro, e Eusiane, pelas inúmeras horas que
estudou comigo na infância.
Aos melhores sobrinhos
que um tio pode ter: Luana,
José Victor, Lucas, Ketleyn e
Dinis.
A todos que me ajudaram nas pesquisas e
revisões deste livro, especialmente Bianca,
Giovanna e Régis.
A você, que acompanha o meu trabalho e me
honra com a sua confiança.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AgRg - Agravo regimental
Art. - Artigo
CF - Constituição Federal
CNJ - Conselho Nacional de Justiça
CNMP - Conselho Nacional do Ministério Público
CP - Código Penal
CPC - Código de Processo Civil
CPP - Código de Processo Penal
HC - Habeas corpus
LEP - Lei de Execução Penal
Min. - Ministro
MP - Ministério Público
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
PIC - Procedimento investigatório criminal
RE - Recurso extraordinário
RESP - Recurso especial
Rel. - Relator
RHC - Recurso em habeas corpus
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TJ - Tribunal de Justiça
Sumário
Parte I - Teoria geral da investigação criminal defensiva
1. Noções gerais
2. Os problemas do inquérito policial
3. Os problemas da questão probatória
3.1. A busca da “verdade real”
3.2. O "peso" da prova testemunhal e a distribuição do ônus da
prova
3.3. Processar para absolver
4. Os problemas da (falta de) participação da defesa na persecução
penal
5. Em busca da paridade de armas
6. Um novo nicho na Advocacia?
7. Os fundamentos da atuação defensiva e investigativa
7. 1. Fundamentos constitucionais da investigação criminal
defensiva
7.2. O Código de Processo Penal
7.2.1. O art. 156 do CPP: quem deve provar?
7.3. A investigação direta pelo Ministério Público
7.4. A Lei do Detetive Particular
7.5. O Estatuto da OAB
7.6. O Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB
7.7. O projeto do Novo Código de Processo Penal
8. O conceito de investigação criminal defensiva
9. Comparando com o inquérito policial
10. Quais atividades podem ser objeto de investigação criminal
defensiva?
11. A investigação para subsidiar queixa-crime
12. A investigação é privativa da Advocacia
13. Quem participa da investigação criminal defensiva?
14. Momentos da investigação criminal defensiva
14.1. A investigação defensiva durante a investigação oficial
14.2. A investigação durante a instrução processual
14.3. A investigação na fase recursal
14.4. A investigação defensiva na execução penal
14.5. A investigação defensiva para a revisão criminal
15. Finalidades da investigação
15.1. Pedido de instauração de inquérito policial
15.2. Pedido de trancamento de inquérito
15.3. Rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa
15.4. Resposta à acusação
15.5. Pedido de medidas cautelares
15.6. Defesa em ação penal pública ou privada
15.7. Razões de recurso
15.8. Revisão criminal
15.9. Habeas corpus
15.10. Proposta de acordo de colaboração premiada
15.11. Proposta de acordo de leniência
15.12. Outras medidas destinadas a assegurar os direitos individuais
em procedimentos de natureza criminal
16. Diligências possíveis
16.1. Depoimentos
16.2. Pesquisa e obtenção de dados e informações
16.3. Laudos e exames periciais
16.4. Reconstituições
17. Uma investigação imparcial para fins parciais
18. Sigilo das informações
19. É dever do Advogado levar os fatos investigados à autoridade?
20. Comunicação e publicidade do resultado da investigação
Parte II - Questões práticas
21. Limites da investigação defensiva
21.1. Falta de coerção e de fé pública
21.2. A ausência de poder de requisição
21.3. Superando algumas dificuldades
22. Os autos da investigação criminal defensiva
23. Termo de instauração
24. Capa
25. Comunicação à OAB
26. Rit(m)o e andamento
27. A divisão da diligência em partes
28. Ordem de serviço
29. Auto de descrição de local
30. Termo de declarações
31. Auto de reconhecimento de pessoa
32. Auto de reconhecimento de objeto
33. Auto de avaliação de coisa
34. Relatórios
35. Termo de enumeração de pessoas
36. Termo de enumeração de crimes
37. Relatório de conclusão
38. A utilização parcial dos resultados da investigação: cuidados
39. Quando juntar aos autos oficiais?
40. O que fazer se os resultados da investigação criminal defensiva não
forem aceitos?
41. Continuar a investigação durante todo o processo?
Considerações finais
Referências
Parte I
Teoria geral da investigação criminal
defensiva
1. Noções gerais
O Advogado Criminalista pode fazer uma investigação paralela e
alheia ao inquérito policial? Além de requerimentos na investigação
criminal oficial – quase sempre indeferidos –, o Advogado poderá instaurar
e conduzir sua própria investigação?
Trata-se de um tema atual, de importância prática e intimamente
ligado à Advocacia Criminal artesanal, especializada e detalhista.
Atualmente, não se admite mais uma defesa técnica padronizada e
passiva, que apenas rebata os fatos e as provas que surgem na persecução
penal por meio da atividade policial, da atuação da acusação e do criticável
protagonismo de alguns Juízes na gestão probatória.
É imperativo que os Advogados Criminalistas e Defensores Públicos
ataquem, e não apenas defendam. Devem produzir provas, não se limitando
a contrariar as provas produzidas pela acusação. Exige-se iniciativa,
superando a lógica da mera resposta.
O Advogado tem o dever de tomar todas as medidas
possíveis/cabíveis em favor do investigado/réu. Essas medidas não podem
ser limitadas a reações aos atos da acusação e às decisões dos Juízes,
porque devem abranger também iniciativas da defesa técnica, como a
investigação criminal defensiva.
A utilização efetiva da investigação defensiva pode decidir se um
inocente será condenado ou absolvido, se será ou não aplicada uma
qualificadora, privilegiadora, agravante, atenuante, causa de aumento ou de
diminuição de pena. Pode, ainda, seguir linhas de investigação descartadas
pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, encontrando elementos
que permaneceriam desconhecidos.
A investigação criminal defensiva amplia o cenário de atuação da
defesa técnica, que não mais deve permanecer inerte ou apenas rebater o
que a outra parte apresenta nos autos. Exige-se uma postura ativa,
inovadora e produtora de elementos, quiçá preventiva, dependendo do caso.
Contudo, a abordagem doutrinária dessa forma de atuação pela
defesa técnica ainda é acanhada, não recebendo a atenção que o tema
merece.
Enquanto a investigação direta pelo Ministério Público recebeu
enorme atenção doutrinária, jurisprudencial e midiática, o mesmo não
ocorreu, até o momento, em relação à investigação direta pela defesa.
Apesar dos inúmeros livros e artigos defendendo o poder de investigação do
órgão acusador, ainda é tímida essa iniciativa no âmbito da Advocacia e da
Defensoria Pública, mesmo após a publicação do Provimento n. 188/2018
do Conselho Federal da OAB. Aliás, é possível supor que muitos
Advogados desconheçam a possibilidade de instauração de uma
investigação defensiva paralela ao inquérito ou processo.
Já se observou há muito tempo que a acusação prepondera no
processo penal brasileiro, o que decorre de inúmeros fatores:
excesso de livros de Direito Penal e Direito Processual Penal
escritos por Promotores de Justiça, Procuradores da República
ou Magistrados com um perfil mais punitivista;
escassez de livros escritos por Advogados. Ademais, não é raro
que os Advogados autores de livros sejam membros
aposentados do Ministério Público;
foco midiático na acusação em detrimento da defesa;
confusão popular entre os crimes praticados pelo investigado
ou réu e o Advogado ou Defensor Público que realiza a defesa,
muitas vezes atacado com a frase “quem defende bandido
também é bandido”;
a “busca da verdade real”, que incentiva o protagonismo dos
Juízes;
o crescimento da onda punitivista.
Deve-se inserir na pauta da defesa a busca da redução da
desigualdade entre os poderes das partes, inclusive na fase pré-processual.
Como objetivo onírico ou utópico – que sempre deve ser buscado –,
deveríamos tentar igualar tais poderes.
O Advogado jamais poderá ficar satisfeito com a mera formalidade
da sua admissão em um processo, como se fosse um desimportante adorno
da sala de audiências.
A defesa não garante resultados, mas deve buscá-los com todos os
meios legalmente permitidos. Nas belíssimas palavras de Silva (1991, p.
21), “a defesa é um meio e persegue um fim. Não é preciso defender
‘bonito’, é preciso defender ‘útil’.”
Deve-se ter responsabilidade como Advogado ou Defensor Público
de alguém. Como diz Oliveira (2008, p. 17):
Qualquer relação de aconselhamento jurídico ou de
patrocínio forense importa, para o respectivo advogado,
uma irrenunciável responsabilidade cívica ética e
profissional, mormente pelas consequências mediatas que
possam vir a produzir-se na esfera jurídica do
aconselhado ou representado, na sequência do
desempenho daquele.
A relevância do papel defensivo somente é sentida se, em cada agir,
tivermos ciência das consequências possíveis: pena privativa de liberdade,
estigma de condenado, ofensas a direitos (incluindo a vida) no cárcere etc.
Como disse o conselheiro Acácio, no O primo Basílio, de Eça de Queirós,
as consequências vêm sempre depois.
É missão vital do Advogado refletir sobre as dores que o
investigado/réu sofre e imaginar o sofrimento inimaginável de quem
deposita as últimas esperanças nos seus serviços.
Carnelutti (2009, p. 34-35) descreve com exatidão o papel do
Advogado:
A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta:
situar-se no último degrau da escada, junto ao imputado.
As pessoas não compreendem aquilo que, por outro lado,
sequer os juristas compreendem; e riem, e ridicularizam,
e escarnecem.
Por todos esses motivos, devemos considerar e incentivar a utilização
da investigação criminal defensiva como instrumento de efetivação da
ampla defesa.
16.1. Depoimentos
A colheita de depoimentos é uma das principais possibilidades na
investigação criminal defensiva, porque permite a antecipação de um
testemunho que, se favorável, poderá ser levado aos autos oficiais, por
declaração escrita ou audiovisual, bem como repetida, arrolando a
testemunha para que seja ouvida no processo.
De certa forma, o Ministério Público já faz isso na investigação direta
(PIC) ao ouvir testemunhas sem a presença do Advogado do réu, tendo,
ainda, a liberdade para inquirir sem o controle realizado pelo Magistrado,
que poderia indeferir, por exemplo, perguntas que induzam a resposta (art.
212 do CPP).
Para a defesa, a vantagem de tomar depoimentos consiste em obter
declarações de testemunhas sem a participação da outra parte (Ministério
Público ou querelante), que poderia, por suas perguntas, gerar contradições
ou enfraquecer a versão apresentada.
Inquirindo a testemunha na investigação criminal defensiva, o
Advogado terá a vantagem estratégica de que a inquirição não tenha
perguntas do Delegado, Ministério Público, querelante, assistente da
acusação ou Juiz. Seriam formuladas apenas as perguntas escolhidas
previamente pelo Advogado, que teria o domínio da situação.
Outra vantagem seria a discricionariedade de juntar ou não aos autos
oficiais o termo de declaração ou sua respectiva gravação audiovisual.
Sendo desfavorável ao investigado/réu e considerando que não se pode
exigir a autoincriminação, o depoimento poderia permanecer apenas nos
autos da investigação defensiva, não sendo juntado aos autos oficiais. Por
outro lado, quando uma testemunha é arrolada e inquirida em um inquérito
ou processo, suas palavras não podem ser extraídas dos autos se forem
desfavoráveis à parte que a arrolou.
Feitas as considerações sobre as vantagens da oitiva de uma
testemunha na investigação defensiva, questionamos: como isso deve ser
feito na prática?
O primeiro passo consiste em perguntar ao cliente se há pessoas que
saibam sobre o fato e que podem colaborar para o fortalecimento da sua
versão. Identificando as testemunhas e sabendo o que, em tese, elas podem
declarar, deve-se pesquisar o respectivo endereço. Em alguns casos, o
cliente saberá o endereço. Em outros, o Advogado precisará diligenciar em
busca dessa informação.
Em seguida, deve-se elaborar um convite à testemunha para que
compareça ao escritório com a finalidade de prestar declarações sobre o
fato. Nada impede que o convite seja feito por telefone, e-mail ou aplicativo
de mensagens, mas, para garantir a formalidade do ato, recomenda-se que
seja por escrito, com aviso de recebimento.
Nessa linha, Bulhões (2019, p. 120) afirma:
Nessa toada, é possível que o advogado chame,
formalmente, testemunhas, sejam elas amigáveis, neutras
ou hostis. As ‘amigáveis’ poderão facilmente comparecer
espontaneamente, enquanto talvez as ‘neutras’ reajam
positivamente a uma notificação extrajudicial privada, e
às ‘hostis’ muito provavelmente reste a alternativa da
notificação cartorária (pública). Todas deverão ser
igualmente documentadas.
Se a testemunha não comparecer, não há consequências. Não será
possível sua condução coercitiva ou a aplicação de multa, tampouco a
responsabilização por crime de desobediência (hipótese prevista em
algumas intimações judiciais). A única possibilidade será entrar em contato
novamente, questionando se há alguma dúvida sobre o ato ou se prefere
agendar para uma nova data. Obviamente, também restará a alternativa de
ouvi-la diretamente nos autos oficiais (inquérito ou processo).
Comparecendo a testemunha, recomenda-se que tudo seja gravado
por meio audiovisual, incluindo a qualificação. Não será tomado o
compromisso de dizer a verdade, considerando que não há crime de falso
testemunho se a mentira ou omissão ocorrer em um depoimento na
investigação defensiva. Por outro lado, recomenda-se que se pergunte à
testemunha se ela está comparecendo voluntariamente, a fim de que sua
resposta fique gravada na mídia.
Inicialmente, deve-se fazer a qualificação da testemunha.
Recomenda-se a utilização do art. 203 do CPP como parâmetro, com
exceção da parte inicial, que trata do compromisso de dizer a verdade:
Art. 203. A testemunha fará, sob palavra de honra, a
promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for
perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu
estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce
sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das
partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e
relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua
ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se
de sua credibilidade.
Assim, as perguntas sobre a qualificação podem dizer respeito aos
seguintes dados:
nome;
idade;
residência;
profissão;
lugar onde exerce sua atividade;
se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais
suas relações com qualquer uma delas.
Em seguida, na parte específica sobre o fato, o Advogado deve
explicar rapidamente do que se trata o procedimento e qual é o fato
investigado, perguntando, logo depois, sobre o que a testemunha sabe.
Após o relato inicial da testemunha, o Advogado deve fazer as
perguntas pertinentes, indagando, quando for o caso, como a testemunha
tem ciência das informações prestadas, com base em quais elementos ela
faz tais afirmações e de que forma pode ser confirmada sua credibilidade.
Não se pode desconsiderar essa parte, haja vista que os motivos da ciência
da testemunha podem justificar novas diligências na investigação defensiva.
Cita-se, v. g., o caso em que uma testemunha diz que soube de determinadas
informações por meio de outra pessoa, hipótese em que o Advogado poderá
convidar esse terceiro para prestar declarações.
Por fim, como encerramento, deve perguntar à testemunha se há algo
mais que ela queira falar ou que considere relevante sobre o fato.
Após o encerramento da gravação, o Advogado deverá pedir à
testemunha que assine um termo de declarações que contenha as
informações sobre o depoimento, especificamente que, no dia e horário
mencionados, a testemunha compareceu voluntariamente para declarar o
que consta na mídia.
Vejamos um exemplo:
FULANO, (nacionalidade), (estado civil), (profissão), RG
n. ____, CPF n. ____, residente e domiciliado ____,
declara que compareceu na data de hoje ao escritório
____, com sede na rua ____, VOLUNTARIAMENTE,
para prestar informações relacionadas ao processo ____,
nos autos da investigação criminal defensiva n. ____.
Futuramente, no momento oportuno, o Advogado precisará avaliar se
as declarações são favoráveis ao cliente, hipótese em que poderá juntar uma
cópia aos autos oficiais (inquérito ou processo). Sendo desfavoráveis as
palavras da testemunha, poderá deixar o depoimento apenas na investigação
defensiva, não o levando para o inquérito ou processo.
Para atribuir mais valor ao depoimento, o Advogado poderá, além de
juntar a cópia nos autos oficiais, arrolar a testemunha para que seja
inquirida na audiência de instrução, perante o Juiz, submetendo-a ao
contraditório, porque também será perguntada pela outra parte.
Vale lembrar que, na prática, muitos Advogados e Defensores
Públicos já utilizam declarações de testemunhas abonatórias, obtidas
unilateralmente. Com a utilização do sobredito procedimento, as
declarações deixariam de se limitar a aspectos sobre a conduta social e a
personalidade (circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, presentes na
primeira fase da dosimetria da pena) para abranger também questões sobre
o fato, como autoria, materialidade e excludentes de ilicitude.
Parte II
Questões práticas
21. Limites da investigação defensiva
De início, observamos um limite à realização da investigação
criminal defensiva: a reserva de jurisdição.
Segundo Rangel (1997, p. 27):
(...) com o estabelecimento de uma reserva pretende
justamente garantir-se que o órgão político-
constitucionalmente pensado para se desimcumbir de uma
certa função, o faça efectivamente (e sem interferência de
outro órgão). Trata-se, pois, de uma técnica normativa
destinada a revigorar a idéia de separação dos poderes e
onde, melhor do que em quaisquer outras, se verifica o
fenômeno da contaminação material das normas
organizatórias, por isso que se liga incidivelmente o
domínio de uma matéria determinada à estruturação de
um certo órgão.
No processo penal, a reserva de jurisdição normalmente funciona
como um limite à atuação da autoridade policial e do Ministério Público,
por meio da exigência de autorização judicial para determinados atos.
Há inúmeras hipóteses que necessitam de decisão judicial no Código
de Processo Penal:
art. 13-B. Se necessário à prevenção e à repressão dos crimes
relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério
Público ou o delegado de polícia poderão requisitar, mediante
autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de
telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem
imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais,
informações e outros – que permitam a localização da vítima
ou dos suspeitos do delito em curso;
art. 13-B, § 2o Na hipótese de que trata o caput, o sinal: I - não
permitirá acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer
natureza, que dependerá de autorização judicial, conforme
disposto em lei; (...) III - para períodos superiores àquele de
que trata o inciso II, será necessária a apresentação de ordem
judicial;
a homologação de acordo de não persecução penal (art. 28-A,
§6º, do CPP);
o descarte de vestígios relacionados à cadeia de custódia (art.
158-B, X, do CPP);
a restituição de coisas apreendidas, quando duvidoso o direito
(art. 120, §1º, do CPP). Não existindo dúvida quanto ao direito
do reclamante, a restituição poderá ser ordenada pela
autoridade policial ou Juiz (art. 120 do CPP);
a inutilização de uma prova declarada inadmissível (art. 157,
§3º, do CPP);
a incomunicabilidade do indiciado, que não excederá de três
dias (art. 21, parágrafo único, do CPP);
a declaração da extinção da punibilidade (art. 61 do CPP);
a decisão sobre a suspeição de membro do Ministério Público
(art. 104 do CPP);
a decisão sobre a suspeição de peritos, intérpretes,
serventuários ou funcionários da justiça (art. 105 do CPP);
o sequestro de bens (art. 127 do CPP);
a determinação de avaliação e venda dos bens em leilão
público cujo perdimento tenha sido decretado (art. 133 do
CPP);
a utilização do bem sequestrado, apreendido ou sujeito a
qualquer medida assecuratória para interesse público (art. 133-
A do CPP);
a determinação da alienação antecipada de bens (art. 144-A do
CPP);
a decisão sobre a falsidade de um documento (arts. 145 e 147
do CPP);
a condução de testemunha que, regularmente intimada, deixou
de comparecer sem motivo justificado (art. 218 do CPP);
a decretação de medidas cautelares, a requerimento das partes
ou, quando no curso da investigação criminal, por
representação da autoridade policial ou mediante requerimento
do Ministério Público (art. 282, §2º, do CPP);
decretar a prisão preventiva, a requerimento do Ministério
Público, do querelante ou do assistente, ou por representação
da autoridade policial (art. 311 do CPP), bem como revogá-la
(art. 316 do CPP).
Em outras leis, também constatamos atos que dependem de
autorização judicial:
a liberação do acesso ao banco de dados de identificação de
perfil genético, em caso de requerimento de autoridade
policial, federal ou estadual (art. 9º-A, §2º, da LEP);
a infiltração por agentes de polícia (art. 53, I, da Lei de Drogas,
e art. 10 da Lei de Organizações Criminosas);
determinar a apreensão e outras medidas assecuratórias nos
casos em que haja suspeita de que os bens, direitos ou valores
sejam produto do crime ou constituam proveito dos crimes
previstos na Lei de Drogas (art. 60);
a interceptação de comunicações telefônicas (art. 1º da Lei de
Interceptações);
a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou
acústicos (art. 8º-A da Lei de Interceptações);
a decretação da prisão temporária (art. 2º da Lei n. 7.960/89).
Por fim, a Constituição Federal, no art. 5º, apresenta três hipóteses de
reserva de jurisdição:
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo
em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal;
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou
por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime propriamente militar, definidos em lei;
Tratando-se de ato abrangido pela reserva de jurisdição, o Advogado
poderá requerer ao Juiz nos autos oficiais (inquérito policial ou processo).
Poderia, por exemplo, requerer ao Juiz a busca e apreensão domiciliar, nos
termos do art. 242 do CPP.
Ademais, também existem limitações de ordem material ou
financeira. Como muito bem destaca Bulhões (2019, p. 97):
Não há como olvidar, nessa ótica, o custo econômico
inerente às medidas e às diligências necessárias a uma
investigação defensiva, sendo certo que existem várias
ferramentas de baixo custo, enquanto que outras são
extremamente custosas (por exemplo a contratação dos
serviços de detetives particulares e a consulta a
determinados bancos de informações).
Recomenda-se que o contrato de prestação de serviços advocatícios
tenha cláusula expressa sobre quem é o responsável (cliente ou Advogado)
pelas despesas inerentes à condução da investigação criminal defensiva, que
podem abranger, por exemplo:
contratação de terceiros, como detetives particulares e
fotógrafos;
contratação de empresas especializadas em pesquisas;
perícias e exames médicos;
atas notariais;
deslocamentos a outras cidades;
obtenção de documentos.
Ainda que a investigação criminal defensiva tenha muitas limitações
constitucionais/legais e materiais, há uma enorme margem de atuação por
meio de atos permitidos ou não proibidos e que geram custos ínfimos ou
inexistentes.
24. Capa
A capa é a primeira parte visível dos autos da investigação criminal
defensiva. Por mais que ela pareça desnecessária, observa-se grande
relevância para a organização da atuação do Advogado.
Quando começa a conduzir investigações defensivas, o Advogado
deve pensar a longo prazo, organizando os autos de modo semelhante ao
cartório de uma vara judicial.
Depois de alguns anos, talvez o Advogado tenha dezenas de autos de
investigações criminais defensivas. Com a organização correta, será
possível revisar e revisitar os autos de uma investigação já encerrada há
alguns meses ou anos. Para tanto, as informações da capa terão muita
importância.
A capa deve ser elaborada após a instauração da investigação
defensiva, no momento de fazer a autuação. Deverá conter as informações
necessárias, evitando omissões e, principalmente, excesso de informações.
Afinal, a capa deve ser didática e facilitar a organização.
O melhor parâmetro para a capa dos autos de uma investigação
criminal defensiva é a capa de um processo judicial físico, que apresenta
informações simples e objetivas sobre a natureza da ação, o crime, a
competência, os nomes das partes e uma numeração identificadora.
Sugere-se, inicialmente, a aquisição de capas padronizadas ou
personalizadas, inclusive com o logotipo do escritório. Urge destacar que a
capa não será levada aos autos oficiais, mas apenas algumas partes do
conteúdo dos autos. Por esse motivo, a “formalidade” da capa deve
considerar apenas a didática das informações, evitando pontos burocráticos
irrelevantes.
As informações que a capa pode conter não são impositivas. Apenas
é recomendável que apresente determinadas informações, como:
área de atuação referente à investigação. Aqui, estamos
abordando a área criminal, mas não podemos desconsiderar
que é possível conduzir investigações em outras searas, como
muitos Advogados fazem no Direito de Família. No Poder
Judiciário, observamos que, quanto aos autos físicos, as cores
das capas são diferentes (rosa ou azul, por exemplo)
dependendo da área, havendo, ainda, uma etiqueta que diz
“Criminal”, “Cível” ou outra área;
a cidade que sedia o escritório condutor da investigação
criminal defensiva. Como regra, a investigação tramitará em
um escritório que fica localizado na mesma cidade em que o
fato é investigado em um inquérito policial ou processo penal.
Entretanto, há casos em que o escritório é contratado para atuar
em um inquérito ou processo de outra cidade. Nessa situação,
sugere-se a inclusão de um trecho como “investigação
defensiva instaurada na cidade de Porto Alegre, sobre inquérito
que tramita na cidade de Canoas” ou “investigação defensiva
instaurada na cidade de Porto Alegre, sobre fato ocorrido na
cidade de Canoas”. Assim, havendo algo a ser feito na cidade
do fato (uma audiência em outro processo, por exemplo), o
Advogado poderá olhar as capas das investigações defensivas e
conferir se há alguma diligência a ser feita naquele local
(tomar o depoimento de uma testemunha, pesquisar um
endereço etc.), aproveitando a viagem para levar tudo que for
necessário (gravador, câmera, pen drive, documentos etc.);
a numeração da investigação defensiva. Da mesma forma que
inquéritos policiais e processos são individualizados por uma
numeração única, também se deve identificar a investigação
criminal defensiva. Sugere-se, por exemplo, a utilização das
expressões AID (autos de investigação defensiva) ou ICD
(investigação criminal defensiva) e a inclusão do número e do
ano de instauração, de modo que, a cada ano, o número
recomece a contagem a partir de 1. Ex.: AID n. 1/2019, AID n.
2/2019 e ICD n. 1/2020;
a identificação do Advogado que instaurou a investigação
defensiva. Nos processos criminais, observamos nas capas a
informação “1ª Vara Criminal da Comarca de ____”. Não há
referência ao nome do Juiz, que pode mudar por vários fatores
(férias, licença, remoção e promoção). Por outro lado, na
investigação criminal defensiva, sugere-se a inserção do nome
do Advogado, do seu número de inscrição na OAB, do nome
do escritório e o número da inscrição da sociedade de
Advogados na OAB. Ex.: Advogado, OAB/RS n. ____,
atuante no escritório ____, OAB/RS n. ____;
a data da instauração da investigação defensiva. Essa
informação poderia ser considerada desnecessária, haja vista
que a identificação dos autos (AID) já menciona o ano de
instauração. Entrementes, em casos considerados urgentes, é
importante saber, por uma mera análise na capa, qual foi o dia
exato da instauração da investigação. Por isso, poderia inserir,
por exemplo, “data da instauração: 5 de julho de 2020”;
a infração penal imputada. Essa informação aparece nas capas
de inquéritos e processos, fazendo com que, por mais curta que
seja, transmita um conjunto de conceitos prévios sobre o fato
(complexidade, principais teses etc.) e a forma de condução
(diligências mais utilizadas, forma de provar as alegações,
linhas investigativas etc.). Na capa da investigação criminal
defensiva, pode-se adicionar apenas o tipo penal e, entre
parênteses, o nomen juris. Ex.: art. 157 do CP (roubo);
a identificação de que se trata de investigado ou réu preso
cautelarmente (prisão temporária ou preventiva). Essa
informação, também utilizada nos autos físicos de processos
criminais, tem o escopo de chamar a atenção quanto à
celeridade do feito e da constante necessidade de reavaliar a
manutenção da prisão cautelar.
Esses seriam os principais dados da capa. Havendo alguma
peculiaridade do caso concreto, pode-se inserir outra informação, desde que
não se desconsidere que o objetivo da capa é organizar os dados principais e
ser didática para facilitar uma rápida compreensão sobre a investigação.
34. Relatórios
Antes de refletirmos sobre a utilização e a importância dos relatórios
na investigação criminal defensiva, devemos ter uma visão panorâmica do
processo penal brasileiro e de como os relatórios são utilizados no
inquérito, nos exames periciais, no júri, nas diligências e em muitos meios
de prova.
Sobre o inquérito policial, o art. 10, § 1o, do CPP, diz que “a
autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará
autos ao juiz competente”. Trata-se do relatório final ou de conclusão, que
não é o único relatório possível no inquérito policial.
No art. 169, parágrafo único, do CPP, consta que, em relação ao
exame do local onde houver sido praticada a infração, os peritos registrarão,
no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as
consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.
Ao preparar o processo para ser levado ao plenário do júri, o Juiz
presidente fará “relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão
em pauta da reunião do Tribunal do Júri” (art. 423, II, do CPP). Aliás, na
sessão do júri, o jurado receberá a cópia do referido relatório (art. 472,
parágrafo único, do CPP).
Na Lei de Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/2013), há
previsão de que, findo o prazo da infiltração de agentes, será apresentado
um relatório circunstanciado ao Juiz competente, que imediatamente
cientificará o Ministério Público (art. 10, §4º), Além disso, no curso do
inquérito policial, o Delegado de Polícia poderá determinar aos seus
agentes, e o Ministério Público poderá requisitar, a qualquer tempo,
relatório da atividade de infiltração (art. 10, §5º).
A Lei de Organizações Criminosas também prevê, em relação à
figura dos agentes de polícia infiltrados virtuais, que, após o prazo, o
relatório circunstanciado, juntamente com todos os atos eletrônicos
praticados durante a operação, deverão ser registrados, gravados,
armazenados e apresentados ao Juiz competente, que imediatamente
cientificará o Ministério Público (art. 10-A, §5º). Igualmente, prevê que, no
curso do inquérito policial, o Delegado de Polícia poderá determinar aos
seus agentes, e o Ministério Público e o Juiz competente poderão requisitar,
a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração (art. 10-A, §6º).
Em sentido semelhante, a Lei de Interceptações Telefônicas (Lei n.
9.296/96), no seu art. 6º, §2º, prevê que, cumpridas as diligências, a
autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao Juiz,
acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das
operações realizadas.
Nos inquéritos policiais mais simples, como aqueles que apuram
furtos ou outros crimes sem complexidade, observamos depoimentos,
documentos, perícias (às vezes) e, ao final, o relatório de conclusão
elaborado pelo Delegado de Polícia, que contém um resumo de todas as
diligências e sua opinião jurídica sobre ser caso de arquivamento ou de
imputação de alguma infração penal. Normalmente, quando o caso não é
complexo, o único relatório é o final.
Por outro lado, nos inquéritos que investigam crimes mais
complexos, especialmente aqueles conduzidos pela Polícia Federal ou que
abordem crimes relativos ao Direito Penal Econômico, é comum
encontrarmos mais relatórios, como aqueles mencionados anteriormente
(agentes infiltrados, interceptações telefônicas etc.) ou que se refiram a
alguma diligência, mencionando informações sobre o local, as pessoas com
quem os agentes tiveram contato, o que observaram e outros dados
relevantes. Trata-se, portanto, de uma explicação das diligências realizadas.
Assim, de modo geral, um relatório deve:
detalhar o que foi feito;
possibilitar uma visão geral;
analisar os atos, fatos, circunstâncias, locais e pessoas;
apresentar conclusões.
Nesse esteio, a documentação dos resultados da investigação
defensiva por meio de relatórios é de extrema importância. Pode ser
produtivo elaborar relatórios referentes a cada diligência, não se limitando
ao relatório final.
Após o cumprimento de uma ordem de serviço, por exemplo, pode-se
elaborar um relatório narrando os detalhes da diligência. Caso o Advogado
ou algum de seus auxiliares diligencie para obter documentos, tirar fotos ou
entrar em contato com pessoas envolvidas, será útil documentar, por meio
de um relatório, as circunstâncias da diligência, as informações recebidas e
quaisquer outras questões relevantes.
Em uma persecução penal que apure um crime de trânsito, por
exemplo, o Advogado poderá instaurar a investigação criminal defensiva e,
como diligência, deslocar-se até o local do acidente para tirar fotos, solicitar
filmagens, anotar características importantes do local (buracos, curvas,
condições do asfalto etc.) e, ao final, elaborar um relatório com tudo que foi
realizado durante a diligência, bem como suas conclusões ao interpretar as
informações obtidas.
Destaca-se, por oportuno, que o Advogado não precisará juntar aos
autos do inquérito policial ou do processo todas as peças da investigação
defensiva, razão pela qual o relatório não necessariamente será juntado aos
autos oficiais. Em alguns casos, é recomendável que esse documento não
seja juntado, sobretudo para permitir ao Advogado utilizar o relatório como
local para realizar algumas reflexões/conclusões que poderiam prejudicar o
cliente. Nessa linha, utilizaria o relatório para fazer reflexões imparciais e
comparar a versão apresentada pelo cliente (investigado ou réu) com os
elementos obtidos na investigação defensiva.
Aqui, precisamos explicar o sentido de fazer essas reflexões
imparciais nos relatórios. Não se trata de uma conduta que tenha o condão
de prejudicar o cliente, mas, pelo contrário, de evitar uma participação
despreparada no processo, sem o conhecimento do máximo possível de
informações. Deve-se tentar descobrir tudo que poderá ser utilizado pela
acusação nos autos oficiais, evitando que a versão do investigado ou réu
seja superada, de forma surpreendente, por informações obtidas por peritos
ou declaradas por testemunhas.
Voltando ao exemplo do crime de trânsito, após a diligência realizada
no bojo da investigação criminal defensiva, pode ser necessário inserir no
relatório, por exemplo, que o réu havia informado que o local era uma reta e
que era permitida a ultrapassagem, mas foi constatado que se tratava de
uma curva com sinalização proibindo a ultrapassagem. Essa comparação
entre a versão do cliente e a realidade constatada na diligência evitará uma
surpresa desagradável durante a instrução processual.
Percebe-se que, na investigação defensiva, não se pode seguir
irrefletidamente a versão do réu, investigando apenas o que lhe é favorável
e distorcendo a realidade observada durante as diligências. A investigação
precisa ser fiel às apurações, o que equivale a dizer que precisa ser, de certa
forma, imparcial. Apenas depois, ao selecionar o que será levado aos autos
oficiais, é que se exige uma atuação parcial (em favor do cliente).
Por esse motivo, o relatório deve ser um resumo das diligências
realizadas, com as interpretações, apreciações e conclusões do Advogado,
ainda que essa deliberação seja inicialmente contra a narrativa do
investigado. O relatório é um “debate em forma de monólogo”, apreciando
as informações e comparando dados e fatos.
Sugere-se, preferencialmente, a elaboração de um relatório ao final
de cada diligência realizada na investigação defensiva, seguindo o mesmo
parâmetro já mencionado acerca das perícias e dos meios de obtenção de
provas.
Nesse esteio, Bulhões (2019, p. 136-137):
Se possível, cada diligência, seja de mão própria ou por
terceiros profissionais, deve gerar um relatório acerca do
método empregado, as condições de tempo, lugar e outras
informações que possam ser pertinentes e relevantes ao
contexto de determinação, desenvolvimento e
apresentação das provas obtidas/produzidas em cada
atividade investigativa.
No que concerne ao método empregado, essa informação tem
especial relevância quando se trata de diligência que envolva algum
conhecimento especializado, como uma perícia.
Ainda que não se fale em método propriamente dito, é fundamental
narrar as circunstâncias da diligência, como o deslocamento até
determinado lugar, a comunicação a algum órgão público, o protocolo de
uma petição, um requerimento formulado, as condições de transporte de
algum objeto ou qualquer outro dado sobre a origem ou a forma de
obtenção de uma informação.
Também é recomendável inserir no relatório informações sobre o
tempo, lugar e outras condições relevantes, possibilitando uma revisão
sobre o objeto da diligência, bem como uma reflexão sobre circunstâncias
não pensadas durante o ato.
Imaginemos, por exemplo, uma investigação criminal defensiva
sobre um crime de trânsito que causou uma morte, havendo dúvidas sobre o
crime ter ocorrido de forma culposa ou dolosa. Durante a investigação, o
Advogado se desloca até o local do acidente com o perito, tira fotos,
documenta e faz anotações sobre o local.
Nesse caso, se o acidente/crime tiver ocorrido em um dia muito
movimentado e com chuva, mas a diligência tiver sido feita em um
dia/horário ensolarado e pouco movimentado (talvez em um feriado), há
condições distintas que podem atrapalhar as conclusões do Advogado.
Tendo a anotação dessas condições no relatório, o Advogado poderá
perceber a necessidade de ir ao local novamente em outro dia da semana ou
horário para observar as circunstâncias e condições semelhantes àquelas do
dia do fato, o que permitirá uma comparação entre o que investigou e o que
consta no inquérito ou processo.
Ademais, é relevante inserir no relatório qualquer outra informação
que possa ajudar na elucidação do fato, na contextualização e na formação
da tese defensiva: nomes de pessoas com quem teve contato,
estabelecimentos comerciais no local, endereços, fotografias, mapas e até
desenhos. Na diligência, recomenda-se que o Advogado (a)note como é a
rua, quais são as características da calçada, o que existe do lado do local
(uma casa, um terreno baldio…) e outras informações relevantes.
Conclui-se, portanto, que o relatório não deve apresentar apenas o
método empregado na pesquisa e na diligência, mas também as condições
de tempo e lugar, fotos, mapas, desenhos, características, adjacências e tudo
mais que se entenda necessário, acrescentando, ainda, as conclusões do
profissional que cumpriu a diligência.