Você está na página 1de 189

DADOS DE COPYRIGHT

SOBRE A OBRA PRESENTE:


A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e
seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer
conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos
acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da
obra, com o fim exclusivo de compra futura. É
expressamente proibida e totalmente repudiável a venda,
aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo

SOBRE A EQUIPE LE LIVROS:


O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de
dominio publico e propriedade intelectual de forma
totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a
educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer
pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site:
LeLivros.love ou em qualquer um dos sites parceiros
apresentados neste LINK.

"Quando o mundo estiver


unido na busca do
conhecimento, e não mais
lutando por dinheiro e poder,
então nossa sociedade
poderá enfim evoluir a um
novo nível."
 
 
 
 
Evinis Talon
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Investigação criminal defensiva
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2020
 
Copyright © 2020 by ICCS
Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução, total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio
(eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação, distribuição pela internet etc.), sem permissão,
por escrito, do ICCS.
 

ICCS – International
Center for Criminal Studies
Gramado/RS
www.iccs.com.br
EVINIS TALON
Professor de cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal
Mestre em Direito pela UNISC/RS
Especialista em Processo Penal pela Universidade de Coimbra (Portugal).
Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UGF/RJ
Especialista em Direito Constitucional pela UGF/RJ
Especialista em Filosofia pela UGF/RJ
Especialista em Sociologia pela UGF/RJ
Ex-Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul.
Advogado, consultor jurídico e parecerista.
Presidente do International Center for Criminal Studies (ICCS)
Fundador do www.cursopenal.com.br
Palestrante
Autor de vários livros
www.evinistalon.com
Instagram: @evinistalon
 
 
 
 
 
 
 
 
Para minha querida esposa Jaiane e meus filhos
caninos Piu e Apolo, porque estiveram do meu
lado enquanto eu escrevia cada letra deste
livro. São, praticamente, coautora e cãoautores.
 
Aos meus pais Denize e José Inacio, por tudo que
sempre fizeram por mim e que eu jamais
conseguiria descrever com meras palavras.
 
Aos meus irmãos José Edinis (in memoriam), por ter me dado o
meu primeiro livro, e Eusiane, pelas inúmeras horas que
estudou comigo na infância.
 
Aos melhores sobrinhos
que um tio pode ter: Luana,
José Victor, Lucas, Ketleyn e
Dinis.
 
A todos que me ajudaram nas pesquisas e
revisões deste livro, especialmente Bianca,
Giovanna e Régis.
 
A você, que acompanha o meu trabalho e me
honra com a sua confiança.
 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
 
AgRg - Agravo regimental
Art. - Artigo
CF - Constituição Federal
CNJ - Conselho Nacional de Justiça
CNMP - Conselho Nacional do Ministério Público
CP - Código Penal
CPC - Código de Processo Civil
CPP - Código de Processo Penal
HC - Habeas corpus
LEP - Lei de Execução Penal
Min. - Ministro
MP - Ministério Público
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
PIC - Procedimento investigatório criminal
RE - Recurso extraordinário
RESP - Recurso especial
Rel. - Relator
RHC - Recurso em habeas corpus
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TJ - Tribunal de Justiça
 
 
 
Sumário
 
Parte I - Teoria geral da investigação criminal defensiva
1. Noções gerais
2. Os problemas do inquérito policial
3. Os problemas da questão probatória
3.1. A busca da “verdade real”
3.2. O "peso" da prova testemunhal e a distribuição do ônus da
prova
3.3. Processar para absolver
4. Os problemas da (falta de) participação da defesa na persecução
penal
5. Em busca da paridade de armas
6. Um novo nicho na Advocacia?
7. Os fundamentos da atuação defensiva e investigativa
7. 1. Fundamentos constitucionais da investigação criminal
defensiva
7.2. O Código de Processo Penal
7.2.1. O art. 156 do CPP: quem deve provar?
7.3. A investigação direta pelo Ministério Público
7.4. A Lei do Detetive Particular
7.5. O Estatuto da OAB
7.6. O Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB
7.7. O projeto do Novo Código de Processo Penal
8. O conceito de investigação criminal defensiva
9. Comparando com o inquérito policial
10. Quais atividades podem ser objeto de investigação criminal
defensiva?
11. A investigação para subsidiar queixa-crime
12. A investigação é privativa da Advocacia
13. Quem participa da investigação criminal defensiva?
14. Momentos da investigação criminal defensiva
14.1. A investigação defensiva durante a investigação oficial
14.2. A investigação durante a instrução processual
14.3. A investigação na fase recursal
14.4. A investigação defensiva na execução penal
14.5. A investigação defensiva para a revisão criminal
15. Finalidades da investigação
15.1. Pedido de instauração de inquérito policial
15.2. Pedido de trancamento de inquérito
15.3. Rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa
15.4. Resposta à acusação
15.5. Pedido de medidas cautelares
15.6. Defesa em ação penal pública ou privada
15.7. Razões de recurso
15.8. Revisão criminal
15.9. Habeas corpus
15.10. Proposta de acordo de colaboração premiada
15.11. Proposta de acordo de leniência
15.12. Outras medidas destinadas a assegurar os direitos individuais
em procedimentos de natureza criminal
16. Diligências possíveis
16.1. Depoimentos
16.2. Pesquisa e obtenção de dados e informações
16.3. Laudos e exames periciais
16.4. Reconstituições
17. Uma investigação imparcial para fins parciais
18. Sigilo das informações
19. É dever do Advogado levar os fatos investigados à autoridade?
20. Comunicação e publicidade do resultado da investigação
Parte II - Questões práticas
21. Limites da investigação defensiva
21.1. Falta de coerção e de fé pública
21.2. A ausência de poder de requisição
21.3. Superando algumas dificuldades
22. Os autos da investigação criminal defensiva
23. Termo de instauração
24. Capa
25. Comunicação à OAB
26. Rit(m)o e andamento
27. A divisão da diligência em partes
28. Ordem de serviço
29. Auto de descrição de local
30. Termo de declarações
31. Auto de reconhecimento de pessoa
32. Auto de reconhecimento de objeto
33. Auto de avaliação de coisa
34. Relatórios
35. Termo de enumeração de pessoas
36. Termo de enumeração de crimes
37. Relatório de conclusão
38. A utilização parcial dos resultados da investigação: cuidados
39. Quando juntar aos autos oficiais?
40. O que fazer se os resultados da investigação criminal defensiva não
forem aceitos?
41. Continuar a investigação durante todo o processo?
Considerações finais
 
Referências

Parte I
Teoria geral da investigação criminal
defensiva
 

1. Noções gerais
 
 
O Advogado Criminalista pode fazer uma investigação paralela e
alheia ao inquérito policial? Além de requerimentos na investigação
criminal oficial – quase sempre indeferidos –, o Advogado poderá instaurar
e conduzir sua própria investigação?
Trata-se de um tema atual, de importância prática e intimamente
ligado à Advocacia Criminal artesanal, especializada e detalhista.
Atualmente, não se admite mais uma defesa técnica padronizada e
passiva, que apenas rebata os fatos e as provas que surgem na persecução
penal por meio da atividade policial, da atuação da acusação e do criticável
protagonismo de alguns Juízes na gestão probatória.
É imperativo que os Advogados Criminalistas e Defensores Públicos
ataquem, e não apenas defendam. Devem produzir provas, não se limitando
a contrariar as provas produzidas pela acusação. Exige-se iniciativa,
superando a lógica da mera resposta.
O Advogado tem o dever de tomar todas as medidas
possíveis/cabíveis em favor do investigado/réu. Essas medidas não podem
ser limitadas a reações aos atos da acusação e às decisões dos Juízes,
porque devem abranger também iniciativas da defesa técnica, como a
investigação criminal defensiva.
A utilização efetiva da investigação defensiva pode decidir se um
inocente será condenado ou absolvido, se será ou não aplicada uma
qualificadora, privilegiadora, agravante, atenuante, causa de aumento ou de
diminuição de pena. Pode, ainda, seguir linhas de investigação descartadas
pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, encontrando elementos
que permaneceriam desconhecidos.
A investigação criminal defensiva amplia o cenário de atuação da
defesa técnica, que não mais deve permanecer inerte ou apenas rebater o
que a outra parte apresenta nos autos. Exige-se uma postura ativa,
inovadora e produtora de elementos, quiçá preventiva, dependendo do caso.
Contudo, a abordagem doutrinária dessa forma de atuação pela
defesa técnica ainda é acanhada, não recebendo a atenção que o tema
merece.
Enquanto a investigação direta pelo Ministério Público recebeu
enorme atenção doutrinária, jurisprudencial e midiática, o mesmo não
ocorreu, até o momento, em relação à investigação direta pela defesa.
Apesar dos inúmeros livros e artigos defendendo o poder de investigação do
órgão acusador, ainda é tímida essa iniciativa no âmbito da Advocacia e da
Defensoria Pública, mesmo após a publicação do Provimento n. 188/2018
do Conselho Federal da OAB. Aliás, é possível supor que muitos
Advogados desconheçam a possibilidade de instauração de uma
investigação defensiva paralela ao inquérito ou processo.
Já se observou há muito tempo que a acusação prepondera no
processo penal brasileiro, o que decorre de inúmeros fatores:
excesso de livros de Direito Penal e Direito Processual Penal
escritos por Promotores de Justiça, Procuradores da República
ou Magistrados com um perfil mais punitivista;
escassez de livros escritos por Advogados. Ademais, não é raro
que os Advogados autores de livros sejam membros
aposentados do Ministério Público;
foco midiático na acusação em detrimento da defesa;
confusão popular entre os crimes praticados pelo investigado
ou réu e o Advogado ou Defensor Público que realiza a defesa,
muitas vezes atacado com a frase “quem defende bandido
também é bandido”;
a “busca da verdade real”, que incentiva o protagonismo dos
Juízes;
o crescimento da onda punitivista.
Deve-se inserir na pauta da defesa a busca da redução da
desigualdade entre os poderes das partes, inclusive na fase pré-processual.
Como objetivo onírico ou utópico – que sempre deve ser buscado –,
deveríamos tentar igualar tais poderes.
O Advogado jamais poderá ficar satisfeito com a mera formalidade
da sua admissão em um processo, como se fosse um desimportante adorno
da sala de audiências.
A defesa não garante resultados, mas deve buscá-los com todos os
meios legalmente permitidos. Nas belíssimas palavras de Silva (1991, p.
21), “a defesa é um meio e persegue um fim. Não é preciso defender
‘bonito’, é preciso defender ‘útil’.”
Deve-se ter responsabilidade como Advogado ou Defensor Público
de alguém. Como diz Oliveira (2008, p. 17):
Qualquer relação de aconselhamento jurídico ou de
patrocínio forense importa, para o respectivo advogado,
uma irrenunciável responsabilidade cívica ética e
profissional, mormente pelas consequências mediatas que
possam vir a produzir-se na esfera jurídica do
aconselhado ou representado, na sequência do
desempenho daquele.
 
A relevância do papel defensivo somente é sentida se, em cada agir,
tivermos ciência das consequências possíveis: pena privativa de liberdade,
estigma de condenado, ofensas a direitos (incluindo a vida) no cárcere etc.
Como disse o conselheiro Acácio, no O primo Basílio, de Eça de Queirós,
as consequências vêm sempre depois.
É missão vital do Advogado refletir sobre as dores que o
investigado/réu sofre e imaginar o sofrimento inimaginável de quem
deposita as últimas esperanças nos seus serviços.
Carnelutti (2009, p. 34-35) descreve com exatidão o papel do
Advogado:
A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta:
situar-se no último degrau da escada, junto ao imputado.
As pessoas não compreendem aquilo que, por outro lado,
sequer os juristas compreendem; e riem, e ridicularizam,
e escarnecem.
 
Por todos esses motivos, devemos considerar e incentivar a utilização
da investigação criminal defensiva como instrumento de efetivação da
ampla defesa.
 

2. Os problemas do inquérito policial


 
A fase da investigação preliminar tem um impacto considerável no
futuro processo penal, haja vista que seus resultados serão utilizados como
fundamentos do arquivamento do inquérito ou para o oferecimento e o
recebimento da peça acusatória. Não raramente, durante a investigação,
também são aplicadas medidas cautelares pessoais (inclusive a pior delas: a
prisão preventiva) e reais, bem como produzidas provas irrepetíveis.
Conquanto seja dispensável (arts. 12, 27, 39, §5º e 46, §1º, todos do
CPP), o inquérito policial, via de regra, acompanha a denúncia ou queixa,
sendo decisivo para que o julgador receba ou rejeite a exordial acusatória,
mormente para a análise da justa causa.
Dessa forma, devemos entender o papel da defesa durante o inquérito
e as desvantagens que temos em comparação com quem, futuramente, fará a
imputação de uma infração penal contra o investigado.
A primeira observação recai sobre o fato de que o Ministério Público
exerce o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, da
Constituição Federal). Ainda que o Delegado tenha boa-fé na condução do
inquérito, é evidente que essa atribuição do Ministério Público pode
influenciar a forma de investigar, adotando linhas que favoreçam os
interesses do Parquet.
Além disso, nos concursos públicos para o cargo de Delegado, é
comum que os candidatos precisem adotar livros de viés punitivista ou, no
mínimo, que repitam mantras como “não existe contraditório no inquérito
policial”.[1] Esse tipo de estudo poderá ter influência no exercício das
atribuições, inclusive quando for decidir sobre o pedido de alguma
diligência formulado pelo investigado (art. 14 do CPP).
Sem a investigação criminal defensiva, o Advogado dependeria
sempre da concordância da autoridade policial para realizar as diligências
no inquérito policial, o que, conforme a parte final do art. 14 do CPP (“será
realizada, ou não, a juízo da autoridade”), não seria tão fácil. Aliás, na
prática, é comum o indeferimento desses requerimentos. Cita-se, por
exemplo, a seguinte decisão:
(...)
V. A autoridade policial possui discricionariedade na
condução do inquérito, dentro dos limites da lei. As
diligências citadas pela defesa, não realizadas na fase
extrajudicial pelo delegado, não demonstram parcialidade
ou irregularidade. Decorrem da linha de investigação
adotada. Preliminares rejeitadas.
(...)
(TJ-DF - RSE: 20141010053739, Relatora: SANDRA DE
SANTIS, Data de Julgamento: 17/09/2015, 1ª Turma
Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE:
21/09/2015. Pág.: 168)
A defesa é afastada da fase preliminar. Normalmente, seus pedidos
são indeferidos e sua presença é indesejada ou apenas tolerada, mas
raramente oportunizada/invocada.
Nesse viés, “temos uma política estatal de desconsideração das
hipóteses defensivas, sendo tais proposições vistas com maus olhos, e
taxadas quase sempre de irrelevantes, impertinentes e/ou protelatórias”
(BULHÕES, 2019, p. 59).
Por outro lado, o membro do Ministério Público pode simplesmente
requisitar o cumprimento de alguma diligência ou até instaurar uma
investigação direta, procedimento já autorizado pelo Supremo Tribunal
Federal (RE 593.727). Trata-se de uma nítida falta de paridade de armas,
como veremos adiante.
Uma sugestão muito interessante apresentada por Silva (2019, p. 87)
é a seguinte:
(...) quando a defesa encontrasse obstáculo à realização de
diligência requerida no corpo do inquérito policial, com
base no permissivo constante do art. 14 do CPP,
demonstrando a sua pertinência para a apuração do fato,
poderia o defensor propor ao Ministério Público a prática
de ato cooperativo para a tomada de depoimento em
conjunto, realizando-se uma oitiva de testemunha no
gabinete do Ministério Público com a participação da
defesa técnica, sempre que negada a oitiva pelo Delegado
de Polícia.
 
Essa sugestão dependeria de uma cooperação do Ministério Público,
que, muitas vezes, não se mostra disposto a buscar qualquer coisa que não
seja uma confirmação da versão acusatória.
Não apenas é difícil ter êxito nos requerimentos defensivos, mas
também, em alguns casos, o acesso aos autos do inquérito policial é, por si
só, hercúleo, apesar da súmula vinculante n. 14 do STF, que afirma ser
direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos
elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório
realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito
ao exercício do direito de defesa. Da mesma forma, o art. 7º, XIV, do
Estatuto da OAB, prevê como direito do Advogado examinar, em qualquer
instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração,
autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em
andamento. Inclusive, a diuturna violação desse direito ensejou a tipificação
da negativa de acesso aos autos como crime de abuso de autoridade.[2]
No mesmo sentido, também é constantemente violado o direito
previsto no art. 7º, XXI, do Estatuto da OAB, que consiste em assistir aos
clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade
absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento, podendo apresentar
razões e quesitos.
Muitos desses problemas decorrem da equivocada ideia de que há
uma rivalidade entre a autoridade policial e o Advogado Criminalista ou
que este estaria em busca da impunidade. Desconsidera-se, infelizmente, o
fato de que o Advogado é indispensável à administração da justiça (art. 133
da Constituição Federal).
Por derradeiro, como em qualquer outra carreira – pública ou privada
–, há policiais que desonram as instituições em que trabalham, cometendo
ilegalidades absurdas. Basta pesquisar a expressão “kit flagrante” para
encontrar notícias assustadoras. Felizmente, é uma minoria. Infelizmente,
basta que um policial aja assim para destruir a vida de alguém.
Muitas ilegalidades policiais permanecem desconhecidas e invisíveis,
dificultando o controle judicial e ministerial, ao contrário dos abusos
praticados por Magistrados, normalmente gravados e consignados. Por esse
motivo, Lyra (2009, p. 20) afirma que é preferível “a ‘elaboração’ judicial,
que comporta defesa e recurso, às violências e fraudes policiais, aos
expedientes de supostos técnicos arvorados em guias forenses.”
Por todos esses motivos, o inquérito policial não é um cenário
adequado para a defesa exercer plenamente sua atividade. Queremos com
isso sustentar que, como forma de superar os problemas do inquérito
policial – já enraizados na prática forense e de difícil superação –, deve-se
admitir a investigação criminal defensiva.
Conforme Oliveira (2008, p. 19), “o defensor não deve confiar o
destino do arguido ‘à sorte’ das investigações oficiosas e, antes pelo
contrário, deverá nas mesmas procurar intervir”. Em suma, desconsiderar a
importância do inquérito policial, deixando as investigações nas mãos da
autoridade policial, é um grande equívoco estratégico para a defesa.
Se, tentando intervir no inquérito policial, o Advogado não obtiver
êxito, além das medidas de praxe (habeas corpus, mandado de segurança,
reclamação constitucional etc.), a investigação criminal defensiva poderá
ser uma saída.
 

3. Os problemas da questão probatória


 
De acordo com Gomes Filho (2005, p. 307-308), uma das
interpretações da palavra prova é no sentido de que ela serve para indicar:
(...) cada um dos dados objetivos que confirmam ou
negam uma asserção a respeito de um fato que interessa à
decisão da causa. É o que se denomina elemento de prova
(evidence, em inglês). Constituem elementos de prova,
por exemplo, a declaração de uma testemunha sobre
determinado fato, a opinião de um perito sobre a matéria
de sua especialidade, o conteúdo de um documento etc.
(...)
Sob outro aspecto, a palavra prova pode significar a
própria conclusão que se extrai dos diversos elementos de
prova existentes, a propósito de um determinado fato: é o
resultado da prova (proof, em inglês), que é obtido não
apenas pela soma daqueles elementos, mas sobretudo por
meio de um procedimento intelectual feito pelo juiz, que
permite estabelecer se a afirmação ou negação do fato é
verdadeira ou não.
 
Infelizmente, ainda prepondera na prática uma atividade defensiva de
mera contestação da versão apresentada na exordial (denúncia ou queixa) e
das provas produzidas pela acusação. Aqueles que se destacam no exercício
de uma Advocacia efetivamente artesanal e com a pretensão de efetividade
são os que apresentam versões diferentes daquelas da acusação e atuam
proativamente na busca/produção de provas que confirmem a narrativa.
É crucial entender as “regras do jogo” definidas pela jurisprudência
quanto à questão probatória, como:
a supervalorização das palavras dos policiais;
a supervalorização das palavras da vítima nos crimes sexuais
ou praticados no contexto da violência doméstica e familiar
contra a mulher;
o “ônus da prova” atribuído ao réu por alguns julgadores,
sobretudo no caso das excludentes de ilicitude.
Há inúmeros problemas na questão probatória. A utilização da
investigação criminal defensiva não resolverá todos eles, mas será um meio
a mais para a defesa combatê-los.

3.1. A busca da “verdade real”


 
O primeiro e mais conhecido problema em relação às provas diz
respeito à busca da verdade real, como se fosse possível atingir ou
reproduzir a realidade dos fatos.
A busca da verdade real é utilizada como fundamento para que Juízes
defiram requerimentos do Ministério Público – ainda que ilegais ou
intempestivos – e quando, violando o sistema constitucional acusatório,
produzem prova de ofício.
Não sabemos se é por ingenuidade, compadrio com o Ministério
Público ou desconhecimento quanto à compreensão dos fatos –  a
hermenêutica filosófica ajudaria neste caso –, mas a verdade real continua
aparecendo em inúmeras decisões, inclusive dos Tribunais Superiores.
Supõe-se, equivocadamente, que o Juiz deve buscar a verdade real e
que é possível alcançar a realidade dos fatos, reproduzindo o que aconteceu.
No que concerne ao desejo insaciável de perseguir a verdade real, os
Juízes deveriam entender que são pautados pela imparcialidade.
Presumindo-se a inocência dos réus, qualquer conduta ativa dos
Magistrados seria uma tentativa de afastar essa presunção, o que significa,
em outras palavras, uma busca de razões para condenar. Ora, essa postura é
evidentemente incompatível com o sistema acusatório. Se quiser acusar e
produzir provas, que faça concurso para o Ministério Público e abandone a
Magistratura.
Quanto à possibilidade de alcançar a realidade dos fatos, falta-lhes
um pouco de clareza sobre a função que desempenham diariamente.
O Juiz nunca interpretará diretamente os fatos. Aliás, ainda que
presenciasse alguma conduta criminosa na sua frente, permaneceria na
compreensão dos fatos por meio da tradição em que está inserido. Ou
voltamos para a proposta de interpretação sujeito-objeto?
No processo penal – como em qualquer outro –, há uma
metainterpretação dos fatos. Isso significa que o Juiz não interpreta os fatos
diretamente, mas apenas interpreta a interpretação exteriorizada pelas
testemunhas ou pelos peritos.
Quando uma testemunha relata algo ao Juiz durante o seu
depoimento, já está interpretando tudo que viu/ouviu ou acredita ter
visto/ouvido. Nesse ponto, também surge o risco das falsas memórias.
Em um processo por furto, por exemplo, a testemunha interpreta e
narra ao Juiz se viu o réu próximo ao local do fato (e também está
interpretando o conceito de proximidade espacial), se o acusado parecia
suspeito, como agiu, se houve escalada etc.
Por sua vez, em um processo por corrupção ativa, quando o
funcionário público, em seu testemunho, narra que o réu lhe ofereceu uma
vantagem indevida, uma equivocada interpretação dos fatos na hipótese, por
exemplo, de um suposto oferecimento implícito, poderia comprometer a
interpretação a ser realizada pelo Juiz.
Em suma, o Juiz interpreta o conjunto de interpretações feitas pelas
testemunhas. As provas não são o fato em si, mas sim interpretações sobre
ele. Noutros termos, primeiramente, a testemunha presencia algo (talvez
uma parte da conduta criminosa); em seguida, relata ao Juiz durante a
audiência, podendo cometer equívocos (falsas memórias); por fim, o Juiz
interpreta a interpretação das testemunhas. Portanto, um equívoco na
observação do fato ou no seu relato ao Juiz pode contaminar a sua
interpretação.
Ademais, com audiências realizadas a cada 10 ou 15 minutos, seria
pretensioso imaginar a possibilidade de interpretar adequadamente os fatos.
Voltando ao caso do furto, por exemplo, é comum perceber que, quando
uma testemunha diz que o autor do fato “deve ter escalado” para subtrair a
coisa alheia móvel, é raro que algum membro do Ministério Público ou
Magistrado pergunte qual era a altura da parede supostamente escalada, se
seria necessário algum esforço significativo (daí a qualificadora da
escalada) etc. Normalmente, após a fala da testemunha, já estaria
configurada a qualificadora para muitos Magistrados, que acreditam
cegamente na interpretação explanada em audiência. A busca da verdade
real, além de impossível, é casuística, agraciando apenas a acusação.
Sem uma atuação defensiva satisfatória – nos autos oficiais ou por
meio da investigação criminal defensiva –, pode ser reproduzida uma
interpretação equivocada sobre os fatos, apresentando lacunas, contradições
ou “achismos”.
Preocupar-se apenas com o convencimento do Juiz (nas alegações
finais, por exemplo) é desconsiderar que a interpretação judicial é feita com
base nas várias interpretações feitas anteriormente (depoimentos, perícias
etc.) e que os Juízes assumem – indevidamente – um protagonismo na
produção de provas invocando que estão em busca da “verdade real”.[3]
A atuação da defesa deve ter impacto na produção da prova, não
sendo reservada somente para a valoração feita pelo Juiz.
 

3.2. O "peso" da prova testemunhal e a distribuição do


ônus da prova
 
Ainda que não exista, no processo penal brasileiro, uma prova que
dispense a valoração de todas as outras, é inegável que se utiliza
excessivamente a prova testemunhal, a qual, em razão das falsas memórias,
das influências indevidas e da forma de inquirir, pode ser facilmente
manipulada.
A indevida distribuição do ônus da prova – em alguns casos atribuído
diretamente à defesa – também é um problema que precisa ser superado
doutrinária e jurisprudencialmente ou, no mínimo, precisa de contornos que
facilitem o cumprimento dessa incumbência, como a possibilidade de
realizar a investigação criminal defensiva.
Em relação aos crimes patrimoniais, por exemplo, é frequente o
entendimento jurisprudencial de que, sendo o agente encontrado na posse
do objeto, cabe a ele provar sua inocência. Noutros termos, inverte-se o
ônus da prova em prejuízo do réu.
APELAÇÃO-CRIME. ROUBO SIMPLES. TENTATIVA.
1. ÉDITO CONDENATÓRIO. MANUTENÇÃO. (…)
Apreensão da “res furtivae” em poder do agente, logo
após a prática subtrativa, é situação que faz gerar
presunção de autoria, com a inversão do “onus probandi”,
cumprindo ao flagrado o encargo de comprovar a licitude
da posse (art. 156 do CPP), ônus do qual não se
desincumbiu a contento. (…) APELO IMPROVIDO. DE
OFÍCIO, CORRIGIDO ERRO MATERIAL HAVIDO
NO DISPOSITIVO DA SENTENÇA PARA CONSTAR
QUE O ACUSADO RESTOU CONDENADO NOS
LINDES DO ART. 157, CAPUT, C/C ART. 14, II,
AMBOS DO CP. (Apelação Crime Nº 70070553458,
Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relatora: Fabianne Breton Baisch, Julgado em
14/12/2016)
 
Em determinados casos, como crimes sexuais e aqueles relativos à
violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei n. 11.340/2006 - Lei
Maria da Penha), consolidou-se o entendimento de que a palavra da vítima
tem especial valor, caso não existam elementos que demonstrem, por
exemplo, o interesse em prejudicar o réu. Não se trata de uma inversão no
ônus da prova, mas consiste em uma facilidade para a acusação.
(...)
IV - Em crimes cometidos na clandestinidade, sem a
presença de qualquer testemunha, a palavra da vítima
assume especial relevância como meio de prova, nos
termos do entendimento desta eg. Corte.
(...)
(RHC 119.097/MG, Rel. Ministro LEOPOLDO DE
ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado
em 11/02/2020, DJe 19/02/2020)
 
Também devemos considerar que, em muitos casos, as palavras dos
policiais (inclusive aqueles que efetuaram a prisão em flagrante) adquire
grande relevância na formação da convicção do julgador. Inúmeros fatores
contribuem para isso, como o fato de serem servidores públicos, a
autoridade transmitida pelos uniformes, a experiência como testemunhas e,
não raramente, a vontade do julgador de não se indispor em relação a eles.
(...) IV - O depoimento dos policiais prestado em Juízo
constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação
do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida
sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o
ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, o que
não ocorreu no presente caso. Precedentes.
(...)
(HC 471.082/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
QUINTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe
30/10/2018)
 
Para arrematar, a prova testemunhal, se confrontada com o
interrogatório do réu, tem um peso maior na prática. Assim, se a vítima ou
uma testemunha afirmar que o réu praticou o crime, mas este negar em seu
interrogatório, é provável que seja prolatada uma sentença condenatória,
caso não existam outras provas que confirmem a narrativa defensiva.
A supervalorização da prova testemunhal pode ser fruto da ainda
tímida e precária utilização de provas periciais. Apenas recentemente foi
intensificada a preocupação quanto às provas técnicas/periciais,
notadamente por meio da Lei n. 13.964/2019 (Lei Anticrime), que instituiu:
a regulamentação da cadeia de custódia (arts. 158-A, 158-B,
158-C, 158-D, 158-E e 158-F do CPP);
uma disciplina maior dos bancos de perfis genéticos (art. 9º-A
da LEP);
a regulamentação da captação ambiental de sinais
eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (art. 8º-A da Lei n.
9.296/96);
a criação do Banco Nacional de Perfis Balísticos (art. 34-A do
Estatuto do Desarmamento);
a autorização da criação, no Ministério da Justiça e Segurança
Pública, do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões
Digitais (art. 7º-C da Lei n. 12.037/2009).
A utilização da investigação criminal defensiva pode servir como
instrumento de combate às afirmações das testemunhas e, ao mesmo tempo,
como cenário de obtenção de elementos técnicos/periciais que
fundamentem a versão defensiva.
 

3.3. Processar para absolver


 
O processo, onde as provas são produzidas e valoradas, causa
sofrimento até para os inocentes.
Segundo Carnelutti (2009, p. 66):
Infelizmente, a justiça humana está feita de tal maneira
que não somente se faz sofrer os homens porque são
culpados, senão também para saber se são culpados ou
inocentes. Esta é, infelizmente, uma necessidade, à qual o
processo não pode se subtrair, nem sequer se seu
mecanismo fosse humanamente perfeito. Santo Agostinho
escreveu a este respeito uma de suas páginas imortais; a
tortura, nas formas mais cruéis, foi abolida, ao menos no
papel; mas o próprio processo é uma tortura.
 
O Advogado não pode desconsiderar o sofrimento causado pela
tramitação de um processo. Se for cabível, a persecução penal deverá ser
encerrada o mais cedo possível, preferencialmente por meio do trancamento
ou arquivamento do inquérito policial, bem como pela rejeição da denúncia
ou queixa.
O recebimento de uma denúncia perceptivelmente sem justa causa
para avaliar, durante o processo, se existem provas suficientes para a
condenação constitui uma gravíssima atrocidade.
Ademais, utilizando as lições de Carnelutti (2009, p. 94), ressaltamos
que “todas as sentenças de absolvição, excluída a absolvição por
insuficiência de provas, implicam a existência de um erro judicial”. No
processo penal brasileiro, podemos considerar que houve um erro do
Ministério Público ao oferecer a denúncia e do Magistrado ao recebê-la
quando se trata de fato atípico, abrangido por uma excludente de ilicitude
ou sem provas de autoria ou materialidade.
Reiteramos: se possível, a defesa deverá abreviar a persecução penal,
não admitindo que alguém seja processado para, ao final, ser absolvido. O
processo, por si só, também causa sofrimento, ainda que não resulte em
uma pena.
A dificuldade consiste em evitar esse sofrimento quando se sabe que
o inquérito policial tem vários problemas – especialmente o afastamento da
defesa e a escolha de linhas de investigação acusatórias –, o que também
ocorre no processo, que é repleto de falhas na questão probatória.
Por esses motivos, o uso da investigação criminal defensiva deve ser
uma opção real para conduzir a fase inquisitorial a outras linhas diversas
das habitualmente adotadas. Na fase processual, a investigação defensiva
deve ter o desiderato de obter o máximo de elementos com maior
brevidade, buscando, se possível, o trancamento do processo.
Conclui-se que a investigação defensiva não será suficiente para
superar todas as mazelas da persecução penal, especialmente porque os
vícios continuarão sendo reproduzidos. A mudança consiste na
possibilidade de questionamento ou superação parcial desses vícios por
meio de elementos produzidos unilateralmente pela defesa.
 

4. Os problemas da (falta de) participação da defesa na


persecução penal
 
Durante a persecução penal – nas fases policial e judicial –, há um
afastamento da defesa técnica, que é tratada como mera formalidade.
Isso acontece, por exemplo, quando são chamados os Advogados
apenas para a assinatura do auto de prisão em flagrante, sem qualquer
orientação do cliente quanto ao seu interrogatório.
Ainda na fase policial, o Advogado raramente é chamado para
participar da inquirição de testemunhas, mesmo que tenha procuração nos
autos. Às vezes, por ter contato com as pessoas envolvidas, o investigado
(cliente) surpreende/constrange o Advogado perguntando sobre o
depoimento marcado para ouvir alguém.
Na fase judicial, constata-se um confronto desigual, com amplo
favorecimento da acusação, muitas vezes com o fomento de Magistrados
que desconhecem a importância da imparcialidade e, não raramente,
aplicam seus próprios “Códigos”. Nas exatas palavras de Rosa (2017, p. 35-
36):
(...) encontraremos juízes que se declararam imperadores
de suas unidades jurisdicionais, nas quais o Direito se
confunde com suas preferências pessoais, como se
pudessem eles, democraticamente, criar seu autodireito,
sem referenciais externos e normativos. O império do ‘eu
penso assim’ e ‘se não gostou, recorra’.
 
No que tange às medidas cautelares, há uma previsão legal – 
recentemente melhorada pela Lei Anticrime – no art. 282, §3º, do CPP, que
é pouco conhecida e diuturnamente desrespeitada/manipulada. Trata-se da
previsão de que, como regra, existe contraditório prévio em relação à
decretação de medidas cautelares:
Art. 282, § 3º, do CPP: Ressalvados os casos de urgência
ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o
pedido de medida cautelar, determinará a intimação da
parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco)
dias, acompanhada de cópia do requerimento e das peças
necessárias, permanecendo os autos em juízo, e os casos
de urgência ou de perigo deverão ser justificados e
fundamentados em decisão que contenha elementos do
caso concreto que justifiquem essa medida excepcional.
 
Ora, não é raro que, na prática, os Juízes desconsiderem totalmente a
regra e utilizem diretamente a exceção (decretação da medida sem
contraditório), afirmando que se trata de caso urgente ou de perigo de
ineficácia da medida. A exigência de fundamentação com elementos do
caso concreto, apesar de ser um limite, é facilmente manipulável.
Na instrução processual, especificamente nas audiências, os
Magistrados utilizam a parte final do caput do art. 212 do CPP (“não
admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem
relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida”)
quase que exclusivamente contra a defesa. Dificilmente indeferem uma
pergunta feita pelo Ministério Público.
Em relação às diligências, enquanto o Ministério Público pode
simplesmente requisitar informações ou documentos, a defesa não tem o
mesmo poder, precisando “solicitá-los” ao possuidor e, em caso de
negativa, deverá requerer ao Magistrado, que não raramente também
indeferirá o pedido, afirmando que se trata de medida protelatória ou
impertinente. Às vezes, a defesa é intimada para informar o que pretende
provar com tal diligência, algo teratológico que produz a necessidade de
antecipar nos autos a estratégia defensiva.
Para piorar o cenário, é comum observar, nas decisões de correição
parcial ou habeas corpus que tenham como objetivo o pedido de
reconhecimento do cerceamento de defesa, afirmações de que o fato não
gera prejuízo. Essa negativa de prejuízo acontece, inclusive, em casos de
condenação do réu.
Em suma, pode-se afirmar que, no sistema penal, a atuação da defesa
no processo penal não é desejada, mas apenas tolerada (ainda assim, nem
sempre).
 

5. Em busca da paridade de armas


 
No processo penal, por vários fundamentos constitucionais, exige-se
a paridade de armas entre as partes, que tem sua importância reconhecida
pelo STF:
(...) 1. A isonomia é um elemento ínsito ao princípio
constitucional do contraditório (art. 5º, LV, da CRFB), do
qual se extrai a necessidade de assegurar que as partes
gozem das mesmas oportunidades e faculdades
processuais, atuando sempre com paridade de armas, a
fim de garantir que o resultado final jurisdicional espelhe
a justiça do processo em que prolatado. (STF - ARE:
648629 RJ, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de
Julgamento: 24/04/2013, Tribunal Pleno, Data de
Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
 
A paridade de armas exige a possibilidade de atuação ampla da
defesa, com todos os meios possíveis, e não apenas uma participação
passiva, vazia e meramente formal. Nas precisas palavras de Silva (2019, p.
79), “não basta apenas o ‘convite para a festa processual’. A defesa deve ser
capaz de ‘se vestir e chegar nessa festa’ para gozar de tudo que lhe seja
proporcionado durante o evento processual”.
Contudo, atualmente, é impossível afirmar que existe paridade de
armas na persecução penal.
De certa forma, todos estão contra o acu(s)ado: Polícia Militar,
Polícia Civil, Ministério Público, assistente da acusação e, não raramente,
um Juiz que tem perfil acusador. Do outro lado, apenas o investigado/réu e
seu Advogado ou Defensor Público.
Na fase preliminar, admite-se a investigação da Polícia (controlada
externamente pelo MP) e do Ministério Público (futura parte do processo),
não havendo previsão legal ou posicionamento jurisprudencial consolidado
quanto à investigação feita pelos outros participantes da investigação, quais
sejam, o investigado/indiciado e seu Advogado. Trata-se de uma indevida
tentativa de exclusão da defesa, dando-lhe um papel meramente protocolar
e tratando o investigado como objeto da investigação, com poucos
resquícios do seu tratamento como sujeito de direitos, quase sempre
violados (vide tópico anterior).
Ora, uma vez que se admita a investigação feita pela Polícia e pelo
Ministério Público, que é uma parte no processo, deve-se admitir que seja
feita paralelamente uma investigação pelo Advogado, que defende os
interesses da outra parte.
A igualdade de oportunidades entre as partes tem amparo
jurisprudencial, conforme se observa:
(...) O princípio da paridade de armas encontra plena
incidência no processo penal, em prestígio aos direitos
fundamentais da igualdade e do devido processo legal,
que têm sede constitucional. A igualdade não pode ser
apenas formal, devendo ter aplicação efetiva, ou seja, no
curso do processo penal, guardadas particularidades
próprias da acusação e da defesa, bem como do juízo,
impende que às partes sejam outorgadas as mesmas
oportunidades de falar, de contraditar, de reperguntar, de
sustentar, de requerer e de intervir nas provas, com a
adequada simetria. (...) (TJ-DF 07162593320188070000
DF 0716259-33.2018.8.07.0000, Relator: MARIO
MACHADO, Data de Julgamento: 11/10/2018, 1ª Turma
Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE:
18/10/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
 
Não há paridade de armas quando uma parte tem mais poderes que a
outra. Inexiste paridade de armas se a acusação tiver mais informações que
a defesa, sobretudo se puder utilizá-las.
Sobre esse tema, uma interessante decisão do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul analisou a impossibilidade de utilização de informações
extraídas do Sistema de Consultas Integradas, cujo acesso é disponibilizado
a membros do Ministério Público, mas não à defesa:
(...) Nessa conjuntura, informações sobre a vida pregressa
do acusado constituem argumento de autoridade, segundo
interpretação hermenêutica do artigo 478 do Código de
Processo Penal. Há diferença entre a juntada de
Antecedentes Criminais e Informações extraídas do
Sistema de Consultas Integradas. O primeiro, qualquer
parte pode ter acesso, acusação ou defesa. Logo, tratam-
se de documentos de acesso público. O segundo, é de uso
exclusivo somente a magistrados e ao órgão ministerial,
não a defesa, seja Defensoria Pública ou defesa
constituída. Portanto, tratam-se de documentos de acesso
restrito. Daí por que não há paridade de armas em
permitir a juntada de documentos Informações do Sistema
de Consultas Integradas que somente uma das partes tem
acesso e a outra não, mas há paridade quando a juntada se
trata de documentos cujo acesso é comum e... possível a
ambas as partes Certidão de Antecedentes Criminais.
Destarte, evidencia-se o prejuízo à defesa. CORREIÇÃO
IMPROCEDENTE. (TJ-RS - COR: 70081292039 RS,
Relator: Sérgio Miguel Achutti Blattes, Data de
Julgamento: 23/05/2019, Terceira Câmara Criminal, Data
de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/05/2019)
 
Da mesma forma que não se pode admitir que o Ministério Público
utilize um documento de acesso exclusivo a ele, também deveríamos, por
coerência, entender que o Advogado pode conduzir e utilizar a investigação
criminal defensiva, equiparando sua atuação à investigação direta realizada
pelo MP.
A defesa técnica não pode existir apenas para cumprir a formalidade
legal. Exige-se uma defesa efetiva. Enquanto permanecer a desigualdade de
poderes, a defesa, por mais esforçada que seja, sempre estará em
desvantagem.
A investigação defensiva não deve ser considerada a solução para
todos os problemas da violação à paridade de armas, mas um passo
importante em direção a isso.
Nery Junior (2010, p. 252) demonstra, com exatidão, o problema da
defesa meramente protocolar:
A defesa feita de forma burocrática, apenas para atender
formalmente à garantia da ampla defesa, não impede a
caracterização da violação dessa garantia constitucional.
É necessário que se dê à parte o direito efetivo de ampla
defesa.
 
Exercer a defesa não pode ser apenas uma atuação de rebater e
contrariar a versão da poderosa acusação. Deve-se também disponibilizar
um conjunto de instrumentos, medidas e direitos para que a defesa consiga
provar suas alegações, como a investigação defensiva.
Por derradeiro, é curioso que, quanto aos meios utilizados pelas
autoridades públicas (Polícia, Ministério Público e Juiz), normalmente,
defenda-se a busca da “verdade real”, um conceito filosoficamente
perigoso. Entretanto, quando se trata da atividade investigativa da defesa,
esse escopo não recebe os mesmos incentivos.
Veja-se, por exemplo, a utilização do “princípio da busca da verdade
real” em favor da acusação:
(...)
5. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça possui
o entendimento consolidado de que não configura
nulidade a ouvida de testemunha indicada
extemporaneamente pela acusação, como testemunha do
Juízo, conforme estabelece o art. 209 do Código de
Processo Penal, em observância ao princípio da busca da
verdade real.
(...)
(HC 503.241/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS,
QUINTA TURMA, julgado em 20/08/2019, DJe
23/08/2019)
 
Ora, ouvir como testemunha do Juízo uma pessoa indicada pela
acusação – fora do prazo para arrolar testemunhas –, ainda que com
fundamento no art. 209 do CPP, é uma violação à paridade de armas,
especialmente se considerarmos que, quando a defesa requer a oitiva de
uma testemunha após o prazo da resposta à acusação, normalmente o
pedido é indeferido, em que pese fundamentado na ampla defesa.
Infelizmente, a busca da verdade real quase sempre é invocada apenas em
prol da acusação.
É necessário se insurgir contra esse tratamento desigual e propor que
o direito de provar seja visto como um direito subjetivo das partes. Aliás,
seria um dever da defesa técnica, porque sua inércia, quando há
possibilidade de atuação, constitui uma deficiência defensiva passível de
nulidade. O Advogado deve lutar, pois, como já dizia Carnelutti (2009, p.
19), “enquanto o juiz está ali para impor a paz, o Ministério Público e os
advogados estão para fazer a guerra. Precisamente, no processo, é
necessário fazer a guerra para garantir a paz”.
 

6. Um novo nicho na Advocacia?


 
Para a Advocacia, a investigação criminal defensiva é de extrema
importância, haja vista que se trata de uma nova forma de atuação, inclusive
sendo possível imaginar um novo nicho no mercado jurídico.
Afinal, da mesma forma que surgiu uma onda de Advogados
especialistas em delação premiada (“delacionistas”), também seria possível
imaginar um nicho especializado em investigação defensiva, especialmente
em um formato de consultoria voltada para a investigação, com um
Advogado trabalhando para outro Advogado. Aliás, poderia ser um nicho
interessante para ex-Delegados e ex-policiais, que possuem experiência em
investigação e, em regra, têm mais habilidade/facilidade para a condução
desse tipo de procedimento.
O nicho da investigação criminal defensiva exigiria uma postura
diferente dos Advogados, que normalmente rebatem fatos apresentados pela
acusação ou produzem provas em juízo. A nova forma de atuação teria
como ponto nevrálgico a produção de elementos sem a habitual
dependência dos órgãos oficiais.
Destarte, é recomendável que o Advogado tenha um perfil
investigativo, com a habilidade de perseguir rastros, encontrar vestígios,
analisar documentos e inquirir adequadamente.
Ademais, como lembra Bulhões (2019, p. 96):
Conhecimentos os mais diversos acerca de tecnologias,
arquivologia, cadeia de custódia, ciências periciais, entre
muitos outros temas serão exigidos. E não há como pré-
determinar em absoluto quais serão os conhecimentos
necessários à realização desta ou daquela investigação
defensiva. Isto vai depender do contexto concreto posto
em discussão.
 
Evidencia-se, assim, que o Advogado atuante na investigação
criminal defensiva não deve limitar-se a teses jurídicas, mas também
dedicar sua atenção ao estudo amplo e profundo dos fatos.
Para atuar efetivamente na investigação criminal defensiva, deve-se
ter apreço pelo trabalho de campo, exercido no ambiente externo (fora do
escritório), com a realização ou fiscalização de diligências. Por mais que o
Advogado conduza a investigação com auxiliares, seria difícil imaginar
uma atuação plena por meio de uma “Advocacia de gabinete”.
O Advogado que decidir atuar nesse nicho também precisará de uma
rede de profissionais de confiança que sejam especialistas em determinadas
áreas, facilitando a rápida contratação para determinadas diligências.
Dependendo do caso, a demora para encontrar um especialista pode ser
prejudicial ao andamento da investigação.
Será necessária uma aproximação do cliente que extrapole a mera
leitura fria de documentos juntados aos autos do inquérito ou processo.
Deve-se conversar sobre o fato, as possibilidades, os caminhos, as pessoas
envolvidas e os elementos que ainda não são de conhecimento das
autoridades.
Nesse esteio, o Advogado que desenvolver uma investigação
defensiva será um confidente, devendo ser discreto e cauteloso, respeitando,
ainda, o necessário sigilo profissional. Ainda que essa postura também seja
exigida da Advocacia em geral, o profissional que atua nesse nicho, em
muitos casos, precisará ser estratégico e controlar as informações que
poderão ser públicas e aquelas que deverão permanecer em sigilo para a
proteção da intimidade, ou aguardar o melhor momento para levá-las aos
autos.
Para ter uma visão panorâmica de todas as possibilidades defensivas
e as linhas de investigação disponíveis, o Advogado precisará ter a
confiança do cliente, algo muitas vezes ignorado. Lembrando as precisas
lições de Carnelutti (2009, p. 32), “as pessoas não sabem, e nem sequer o
sabem os juristas, que o que se pede ao advogado é a esmola da amizade,
antes de qualquer outra coisa.”
Na mesma esteira, Oliveira (2008, p. 17) afirma que há a necessidade
de uma “sólida relação de confiança com o constituinte que proporcione ter
em conta todas as características e condicionantes do caso concreto –
potenciada, aliás, pelo sigilo profissional a que o advogado está adstrito”.
Talvez o Advogado que atue nesse nicho deva ter uma pitada de
insatisfação quanto aos rumos atuais da persecução penal. Precisa entender
que o uso da investigação criminal defensiva é uma tentativa de superação
dos problemas no inquérito policial, na questão probatória e no tratamento
da defesa no processo penal, não utilizando esse instrumento como mera
formalidade.
Deverá, inclusive, sentir o peso da tarefa que assume. Conduzir a
investigação defensiva pode significar riscos, principalmente em razão de
algumas autoridades da persecução penal que criminalizam a Advocacia. A
realização do seu trabalho enfrentará empecilhos e, não raramente,
intimidações. Inclusive, o profissional poderá ser visto com desconfiança
pela polícia ou pelo Ministério Público.
Para termos ciência da grandeza e dos desafios da investigação
defensiva, ressaltamos as palavras de Oliveira (2008, p. 18):
Quando assume a Defesa Criminal de um determinado
arguido, o advogado assume também o encargo de
proteger os seus interesses num processo extremamente
severo, em termos psicológicos e não só, no qual o seu
representado poderá sentir-se como <<David contra
Golias>>, encarando toda a máquina judicial e os órgãos
de polícia criminal como inimigos que têm de ser
enfrentados.
 
Por todo o exposto, acreditamos que a investigação criminal
defensiva é um novo nicho de atuação, que pode desenvolver-se dentro de
outros nichos da Advocacia Criminal ou como nicho único de um
profissional.
 

7. Os fundamentos da atuação defensiva e investigativa


 
Ainda que, até o momento, o Brasil não tenha um fundamento –
constitucional ou infraconstitucional – que mencione especificamente a
investigação criminal defensiva, há vários motivos para considerarmos a
possibilidade dessa forma de atuação.
Deve-se considerar, inicialmente, a ausência de qualquer proibição ao
intento do Advogado de investigar paralelamente às investigações oficiais
(inquérito policial, sindicância, comissão parlamentar de inquérito etc.).
Admitindo-se a investigação feita pela acusação, também deve ser
admitida a perquirição dirigida pela defesa, sob pena de inquestionável
violação à paridade de armas. Aliás, o Ministério Público tem poder de
requisição e exerce o controle externo da atividade policial, somando
vantagens estratégicas em relação à defesa.
Por derradeiro, há inúmeros fundamentos que, em que pese não
mencionem a investigação criminal defensiva, justificam o exercício do
direito de defesa da forma mais completa possível, como passaremos a
analisar.
 

7. 1. Fundamentos constitucionais da investigação


criminal defensiva
 
O art. 5º, LV, da Constituição Federal, prevê que “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes”. Ainda que não mencione expressamente, trata-se de um
importante fundamento da investigação criminal defensiva.
O exercício da defesa técnica não pode ser limitado à concordância
do Delegado de Polícia quanto ao deferimento de diligências postuladas
pelo Advogado no inquérito policial.
Com precisão, Nery Junior (2010, p. 249) afirma:
Feitas as alegações, os titulares da garantia da ampla
defesa têm o direito à prova dessas mesmas alegações. De
nada adiantaria garantir-se a eles com uma mão o direito
de alegar e subtrair-lhes, com a outra, o direito de fazer
prova das alegações. O direito à prova, pois, está
imbricado com a ampla defesa e dela é indissociável.
 
O art. 5º, LIV, da Constituição Federal, traz um dos trechos mais
importantes para o processo penal: “ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal”.
A melhor forma de consolidar o devido processo legal e evitar que
alguém seja privado da liberdade de forma ilegal é permitir que o maior
interessado – o réu – tenha meios de contribuir ativamente para o processo e
para a futura decisão.
Ainda no art. 5º da Constituição Federal, o inciso LXXV destaca que
“o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que
ficar preso além do tempo fixado na sentença”. Evitar o erro judiciário é
uma das grandes motivações do Advogado que instaura e conduz uma
investigação criminal defensiva, buscando provas e contrariando as
autoridades policiais, ministeriais e judiciais.
Aliás, ninguém tem mais interesse em evitar o erro judiciário do que
o investigado/réu e seu Advogado. Se for prolatada uma condenação que
desconsidere provas que poderiam ter sido produzidas pela defesa, quem
sofrerá as consequências de uma pena privativa de liberdade será o
condenado. Por outro lado, o acusador e o julgador dificilmente serão
punidos e nunca pedirão desculpas àquele que sofreu o erro. É a liberdade
do acusado que permanece em jogo diante da possibilidade de erro
judiciário.
A presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição Federal)
também é um fundamento da atuação defensiva. Ora, existindo a presunção
de inocência, deve-se permitir ao titular desse direito a possibilidade de
participar ativamente para que a presunção seja mantida.
Ademais, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição
Federal), tão invocada genericamente para solucionar todos os problemas,
deveria ser observada no processo penal.
No exercício da ampla defesa, não se pode limitar as manifestações
do Advogado às questões jurídicas. Deve-se humanizar o processo,
demonstrando que o investigado ou réu é uma pessoa concreta. Não se pode
admitir o tratamento do acusado como um objeto em que são despejados
todos os medos e desejos de vingança da sociedade por meio da força do
Estado.
Conforme Carnelutti (2009. p. 9-10):
Considerar o homem como uma coisa: pode haver uma
fórmula mais expressiva de incivilidade? No entanto, é o
que ocorre, infelizmente, em nove de cada dez vezes no
processo penal. Na melhor das hipóteses, os que se vão
ver trancados numa cela como animais no jardim
zoológico parecem homens fictícios ao invés de homens
de verdade. E se alguém se dá conta de que são homens
de verdade, parece a si que se tratam de homens de outra
raça ou, poderíamos dizer, de outro mundo. Este que
pensa dessa maneira não lembra, quando assim sente, a
parábola do publicano e do fariseu, e não suspeita que sua
mentalidade é propriamente a do fariseu: eu não sou
como este.
 
O exercício da ampla defesa é um lembrete ao Juiz: o réu também é
um ser humano, tanto quanto ele, com a diferença de que se encontra
submetido a um processo criminal e com possibilidade concreta de sofrer
uma pena.
Também amparada no direito de defesa, a súmula vinculante n. 14 do
Supremo Tribunal Federal ressalta o papel da defesa técnica, mormente na
investigação policial, ao afirmar que é direito do defensor, no interesse do
representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já
documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de
defesa.
Ora, nada mais óbvio que possibilitar que o Advogado conheça os
elementos contra o seu constituinte. Para defender adequadamente, é
necessário conhecer o que existe contra quem é defendido.
Como visto, há inúmeros fundamentos constitucionais que amparam
o direito de defesa e, portanto, a utilização da investigação criminal
defensiva:
contraditório e a ampla defesa, principalmente por meio de
uma defesa efetiva, e não meramente formal;
o devido processo legal;
permitir que o maior interessado no caso contribua para evitar
o erro judiciário;
a dignidade da pessoa humana, para que, de fato, o acusado
seja visto como um ser humano real, de carne e osso, cuja vida
está em julgamento;
a súmula vinculante n. 14 do STF, que reitera o direito de ter
ciência do teor da investigação, o que, em última análise,
destina-se a possibilitar uma reação adequada.[4]
Se conduzida corretamente, a investigação criminal defensiva
ampliará a compreensão que se tem sobre os direitos mencionados, poderá
evitar o tratamento objetificado do réu e reduzirá as chances de erros
judiciários.
 

7.2. O Código de Processo Penal


 
O Código de Processo Penal contém vários dispositivos importantes
para a atuação da defesa técnica no que concerne à produção de provas,
fundamentando, direta ou indiretamente, uma atuação defensiva mais
ampla.
Para o exercício da ampla defesa e, especialmente, para a juntada dos
resultados da investigação criminal defensiva, o art. 231 do CPP tem grande
relevância ao dispor: “Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão
apresentar documentos em qualquer fase do processo.”
Essa previsão legal de que as partes juntem documentos em qualquer
fase do processo é de suma importância para definir a grande variedade de
opções quanto ao momento de juntada dos resultados da investigação
criminal defensiva. Aliás, o texto legal vai ao encontro do Provimento n.
188/2018 do Conselho Federal da OAB, que prevê a utilização da
investigação criminal defensiva inclusive na fase recursal.
Também devemos considerar que o art. 396-A do CPP prevê que, na
resposta à acusação, podem ser oferecidos documentos. Nada impede que a
defesa, nessa fase, junte os resultados da investigação criminal defensiva.
Destaca-se, ainda, a regulamentação legal da cadeia de custódia, por
meio da Lei n. 13.964/2019 (Lei Anticrime), que incluiu no CPP, entre
outros, os arts. 158-A, 158-B, 158-C, 158-D, 158-E e 158-F.
O conceito de cadeia de custódia está previsto no art. 158-A do CPP:
Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto
de todos os procedimentos utilizados para manter e
documentar a história cronológica do vestígio coletado
em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua
posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o
descarte.
 
Esse conceito legal, anteriormente de origem apenas doutrinária,
demonstra a preocupação atual de incentivar as provas técnicas e questionar
o rastreamento dos vestígios nas etapas da cadeia de custódia, algo
importantíssimo para a defesa.
Segundo Prado (2014, p. 80), a cadeia de custódia representa
justamente o importante “dispositivo que pretende assegurar a integridade
dos elementos probatórios”.
Por sua vez, Bernacchi e Rodrigues (2018, p. 23) analisam:
A cadeia de custódia tem o seu início na preservação do
ambiente do crime, passando pela coleta das evidências e
percorrendo as demais fases, desde o momento do
acontecimento do fato que deixou vestígios até a
apresentação em juízo das provas produzidas com base
nesses vestígios. A principal função da cadeia de custódia
é garantir a integridade da prova material, seja para
preservação das suas características e a sua
rastreabilidade, além da garantia de que os objetos
apreendidos e examinados pela perícia sejam exatamente
os materiais coletados no local do crime, e que o
manuseio tenha sido realizado pelos profissionais
habilitados.
 
A cadeia de custódia adquire especial relevância para a defesa,
sobretudo na investigação criminal defensiva, por se tratar de um caminho
para impugnação dos elementos obtidos na investigação oficial.
Em outros trechos do Código de Processo Penal, observamos que há
várias referências ao direito de defesa, seja pela defesa técnica, seja como
autodefesa.
No art. 187, §2º, VIII, do CPP, por exemplo, há previsão de que, ao
final do interrogatório, o acusado seja indagado se tem algo mais a alegar
em sua defesa. Logo, poderá acrescentar informações que não foram objeto
de perguntas anteriores.
Por sua vez, o art. 240, §1º, “e”, in fine, do CPP, prevê a
possibilidade de busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem,
para descobrir objetos necessários à defesa do réu.
Aliás, como regra, a defesa deve ser ouvida antes da decretação de
uma medida cautelar, como a prisão preventiva. Nos termos do art. 282,
§3º, do CPP, salvo nos casos de urgência ou de perigo de ineficácia da
medida, o Juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a
intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 dias. Para
afirmar que se trata de caso urgente ou que tenha perigo de ineficácia – que
dispensa a intimação da defesa –, o Magistrado deverá fundamentar com
base em elementos do caso concreto.
Os dispositivos anteriormente citados são apenas alguns exemplos da
necessidade de respeitar o direito de defesa, por meio da autodefesa ou da
defesa técnica. Justifica-se, assim, uma atuação ampla e intensa da defesa
técnica, inclusive por meio de um instrumento próprio – que não dependa
da vontade das autoridades – de produção de elementos que fundamentem
suas manifestações, teses e versões: a investigação criminal defensiva.
 

7.2.1. O art. 156 do CPP: quem deve provar?


 
Um dos pontos nevrálgicos da investigação defensiva consiste em
estabelecer o que deve ser provado pela defesa. Para tanto, exige-se indagar
quem deve provar, isto é, a quem incumbe o ônus da prova, de acordo com
uma análise constitucional do art. 156 do CPP.
Na prática forense, observamos, por exemplo, muitas sentenças
condenatórias fundamentadas no fato de que o réu não se desincumbiu do
seu ônus de provar a excludente de ilicitude alegada. Normalmente, essas
decisões deixam em segundo plano o ponto relevante para a condenação: a
presença dos elementos do crime, quais sejam, fato típico, ilicitude e
culpabilidade.
Noutros termos, os julgadores desconsideram a necessidade de
avaliar a presença da ilicitude, ônus da acusação, optando por atribuir um
onírico e equivocado ônus à defesa, consistente na necessidade de provar a
excludente de ilicitude alegada.
Entrementes, no Brasil, vigora o princípio da presunção de inocência
(art. 5º, LVII, da Constituição Federal), razão pela qual essa pretensão de
distribuir o ônus probatório entre as partes deve ser analisada de acordo
com esse relevante princípio constitucional.
A Constituição Federal não possui previsão específica relacionada ao
ônus probatório, limitando-se a prever o devido processo legal (art. 5º,
LIV), o direito ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV) e a
inadmissibilidade de provas ilícitas (art. 5º, LVI). O Código de Processo
Penal, por outro lado, prevê, na parte inicial do art. 156, que a prova da
alegação incumbirá a quem a fizer. Dessa forma, surgem algumas
indagações no que concerne à compreensão do ônus da prova,
especialmente quando se aborda a previsão do Código de Processo Penal
sem antes observar o que dispõe a Constituição Federal.
Apontando esse equívoco da preponderância do Código de Processo
Penal em detrimento da Constituição Federal, Rangel (2011, p. 498)
destaca:
A doutrina, em maioria, ao estudar a divisão do ônus
probatório, sustenta que a divisão do ônus é baseada no
interesse da própria afirmação, ou seja, o ônus compete a
quem alega o fato. Trata-se de uma visão exclusiva e
isolada do art. 156 do CPP, com redação da Lei
11.690/08, em desconformidade com a Carta Política do
País, pois há que se fazer, hodiernamente, uma
interpretação conforme a Constituição.

Em outras palavras, é imprescindível que se observe a norma


processual (art. 156 do CPP) tendo como parâmetro a Constituição Federal
em sua integralidade – e não o contrário –, haja vista a evidente posição de
supremacia do texto constitucional em relação ao ordenamento jurídico
infraconstitucional.
Destarte, entende-se que o princípio da presunção de inocência
produz impacto diretamente no ônus probatório, e não o contrário. Não
deve ser o princípio constitucional afetado por uma previsão
infraconstitucional de distribuição do ônus, mas sim esta deve ser relida de
acordo com aquele princípio constitucional.
Contudo, há uma tentativa de inserir no processo penal a lógica
probatória do Processo Civil (art. 373 do CPC), o que decorre da habitual
adoção de uma teoria geral do processo. Nesse caso, a cada polo da relação
processual caberia o ônus de demonstrar suas alegações, esquecendo-se de
que, no Processo Penal, as partes não são totalmente iguais, porquanto a
liberdade de uma (acusado) está em evidência, enquanto a outra parte
(acusação) não terá nenhuma consequência negativa caso não confirme suas
alegações, nem mesmo um prejuízo de ordem financeira, como
normalmente ocorre no Processo Civil.
Como exemplo da incorreta distribuição do ônus probatório, cita-se a
seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que atribui à defesa
o ônus de provar a tese de excludente de ilicitude:
(...)
3. De igual modo, cabe à defesa a provar sua tese de
excludente de ilicitude e/ou de culpabilidade.
Precedentes.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 871.739/PE, Rel. Ministro Arnaldo
Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 18/11/2008,
DJe 09/12/2008)
 
Como se observa na decisão do STJ – e em muitas outras pelo Brasil
–, os Juízes e Tribunais normalmente consideram que as excludentes de
ilicitude devem ser provadas pela defesa. Em outras palavras, não seria
incumbência do Ministério Público provar que o acusado não agiu
amparado por uma excludente de ilicitude, mas sim da defesa provar que,
no caso concreto, estava presente uma excludente e, por consequência, não
se concretizou a presença de todos os elementos da infração penal.
Esse entendimento merece inúmeras críticas. Não é possível, a partir
do princípio da presunção de inocência, distribuir o ônus probatório, como
se a acusação tivesse a incumbência de provar a ilicitude e à defesa
coubesse provar a excludente. Mais perigoso ainda seria inverter o ônus,
desconsiderando que o MP precisa provar a ilicitude e pressupondo apenas
que a defesa deve provar a excludente, como na sobredita decisão.
No âmbito do processo penal não cabe ao réu a prova de sua
inocência, mas sim ao Ministério Público provar a acusação, em todos os
seus termos, já que é o titular da ação penal pública e possui esta
prerrogativa/atribuição. Nesse prisma, a defesa tem a possibilidade ou
faculdade de se manifestar como forma de fortalecer a presunção já
existente em favor do acusado, mas nunca terá o ônus ou o dever processual
de fazê-lo, ainda que sua alegação diga respeito a eventual excludente.
Nesse ponto, tem razão Guarnieri (1952, p. 305) ao afirmar que
“incumbe a la acusación la prueba positiva, no sólo de los hechos que
constituyan el delito, sino también de la inexistencia de los que le
excluyan.”
A questão é muito simples: não é possível que o Ministério Público
prove a ilicitude sem demonstrar, simultaneamente, que não se aplica ao
caso nenhuma das excludentes de ilicitude. Caso não prove isto, não estará
provado aquilo. Algo não pode ser (ilicitude) se algo o impede de ser
(excludente).
Trata-se de uma questão não apenas jurídica, mas também lógica,
considerando que, para que a acusação prove que o fato é típico, ilícito e
culpável, deve demonstrar que não há uma excludente que afaste algum dos
elementos da infração penal.
Há um equívoco ao se afirmar que a acusação não tem a atribuição de
provar a inocorrência da excludente de ilicitude. Ora, sendo ônus da
acusação provar que estão presentes todos os elementos da infração penal,
deve provar também que não há nada que desconstitua o crime, como uma
excludente de ilicitude.
A única consequência da inércia da defesa é a perda de uma
circunstância favorável, qual seja, o fortalecimento da alegação de uma
excludente de ilicitude e uma maior possibilidade de absolvição. Em
sentido idêntico, Aroca (1997, p. 153) entende que “el acusado no necesita
probar nada, siendo toda la prueba de cuenta de los acusadores, de modo
que si falta la misma ha de dictarse sentencia absolutoria.”
Aliás, nem mesmo o caráter indiciário da ilicitude é suficiente para
atribuir ao acusado o ônus de provar sua inocência. Se a acusação consegue
provar que o fato é típico e, portanto, indiciário de ilicitude, ao réu continua
atribuída uma presunção de inocência, que não é desfeita apenas por
indícios de que a conduta também é ilícita. Com efeito, indícios de ilicitude
não afastam a presunção de inocência, tampouco são sinônimo de prova da
ilicitude em sua integralidade (positiva e negativamente), ou seja, presença
de ilicitude e ausência de excludentes.
Em suma, cabe exclusivamente à acusação provar que o fato é típico,
ilícito e culpável, bem como a ausência de excludentes de ilicitude.
Atribuindo o ônus da prova exclusivamente à acusação, deve-se
concluir que a defesa pode permanecer inerte e deixar de produzir provas?
Não! O debate sobre o ônus da prova não pode legitimar uma defesa fraca e
desinteressada.
Conforme ressalta Oliveira (2008, p. 20-21):
(...) será à Defesa Criminal que incumbe a tarefa de
promover o descondicionamento do processo penal, logo
nas suas fases preliminares. Porquanto, interessa à Defesa
que as entidades judiciárias se debrucem – investigando e
analisando – sobre os factos e as circunstâncias que mais
favorecem o ponto de vista do arguido.
 
Ainda que se entenda, como propomos aqui, que o ônus da prova é
exclusivo da acusação, o Advogado ou Defensor Público deverá atuar como
se precisasse provar a inocência, buscando provas que justifiquem suas
alegações e contrariem a versão acusatória. Afinal, é provável que o Juiz ou
Tribunal adote o entendimento de que a prova da acusação incumbe a quem
a fizer (art. 156 do CPP).
 

7.3. A investigação direta pelo Ministério Público


 
Admitir que a parte acusadora (Ministério Público) investigue os
fatos é um fator determinante para, da mesma forma, aceitar que a defesa
realize a sua própria investigação. Noutros termos, com a aceitação da
investigação direta pelo Ministério Público, deve-se aceitar também a
investigação instaurada e conduzida pela defesa.
Sobre o Ministério Público, o STF, no RE 593.727, decidiu o
seguinte:
(...)
4. Questão constitucional com repercussão geral. Poderes
de investigação do Ministério Público. Os artigos 5º,
incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV,
§ 4º, da Constituição Federal, não tornam a investigação
criminal exclusividade da polícia, nem afastam os
poderes de investigação do Ministério Público. Fixada,
em repercussão geral, tese assim sumulada: “O Ministério
Público dispõe de competência para promover, por
autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de
natureza penal, desde que respeitados os direitos e
garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer
pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre,
por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de
jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de
que se acham investidos, em nosso País, os Advogados
(Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III,
XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade –
sempre presente no Estado democrático de Direito – do
permanente controle jurisdicional dos atos,
necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14),
praticados pelos membros dessa instituição”. Maioria. (...)
(RE 593727, Relator: CEZAR PELUSO, Relator p/
Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado
em 14/05/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-175 DIVULG
04-09-2015  PUBLIC 08-09-2015)
 
Na tese fixada, observamos que:
o Ministério Público pode promover, por autoridade própria,
investigações de natureza penal;
a investigação deve ter duração razoável;
exige-se o respeito aos direitos e garantias que assistem a
qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do
Estado;
devem ser observadas as hipóteses de reserva constitucional de
jurisdição;
exige-se o respeito às prerrogativas profissionais dos
Advogados;
é possível o permanente controle jurisdicional dos atos.
Entendemos pertinente a utilização dessas características e limitações
da investigação direta pelo MP como parâmetro para a investigação
criminal defensiva, ainda que com algumas adequações.
Da mesma forma que o MP pode promover as investigações, o
Advogado e o Defensor Público também devem ter o poder de instaurar e
conduzir uma investigação em favor do constituinte ou assistido.
No que concerne ao prazo, por não se tratar de instrumento para
submissão de alguém a um processo criminal – mas sim para sua defesa –,
devemos entender que a investigação defensiva não deve ter um prazo fixo,
podendo durar enquanto permanecer a sua utilidade/necessidade.
Sobre o respeito aos direitos e garantias, trata-se de uma exigência
imposta a todo e qualquer procedimento. Deve-se ter cuidado,
especialmente, quanto à privacidade, ao patrimônio e ao direito ao silêncio,
sobretudo, neste caso, quando se trata de testemunha que tem o risco de se
autoincriminar.
A reserva constitucional de jurisdição, exigência de ordem judicial
para determinadas medidas, é um limite imposto também ao Advogado, que
não poderá praticar atos que a Constituição determina que dependem de
prévia decisão judicial. Excepcionalmente, caso exista o consentimento do
titular do direito, será possível a prática do ato (ex.: ingresso em residência).
Em relação ao respeito às prerrogativas da Advocacia, deve-se
destacar que a investigação criminal defensiva se trata de um procedimento
instaurado e conduzido por um Advogado, isto é, pelo titular de tais
prerrogativas. Ademais, há uma relação entre o cliente e o Advogado,
exigindo-se o sigilo deste, que somente dará publicidade aos resultados da
investigação quando for expressamente autorizado por aquele.
Por fim, a inafastabilidade da jurisdição também é aplicável aos atos
da investigação criminal defensiva. O art. 5º, XXXV, da Constituição
Federal, prevê que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito”. Se, na condução da investigação, o Advogado
praticar algum ato ilícito, a pessoa prejudicada poderá provocar o Judiciário
na seara cível ou criminal (ação penal privada) ou comunicar o fato à
autoridade policial ou ao Ministério Público para que, se for o caso, seja
oferecida denúncia relativa a eventual crime (ameaça, por exemplo).
A Resolução n. 181, de 7 de agosto de 2017, do Conselho Nacional
do Ministério Público, trata das regras da investigação direta, que é
instrumentalizada no procedimento investigatório criminal (PIC). Trata-se
de mais um parâmetro para a investigação criminal defensiva.
Por meio do amparo jurisprudencial e no CNMP, a investigação
direta pelo Ministério Público se desenvolveu rapidamente. Conforme
Bulhões (2019, p. 78-79):
Proliferaram-se os chamados Procedimentos (ou ‘peças’)
Internas de Investigação Criminal (PIIC’s), bem como se
treinou e qualificou o quadro de membros e servidores
com o uso de técnicas especiais e tecnologias avançadas,
notadamente por meio do incremento dos GAECO’s e
CAOP’s, e da utilização de agentes e recursos de outras
forças de segurança pública.
 
Ao longo deste livro, traremos, sempre que necessário, o tratamento
dispensado ao PIC e como podemos adequá-lo à investigação conduzida
pelo Advogado.
Evidentemente, a atuação do Ministério Público na condução de uma
investigação exige – ou deveria exigir – a observância de rigores ainda
maiores que a investigação conduzida por um Advogado. Afinal, como
explica Lyra (2009, p. 13) ao abordar a atuação dos Juízes, a
“responsabilidade de quem responsabiliza seus semelhantes deve ser a mais
rigorosa, a mais efetiva, a mais constante.”
 

7.4. A Lei do Detetive Particular


 
A Lei n. 13.432, de 11 de abril de 2017, trata do exercício da
profissão de detetive particular, dispondo sobre limites, proibições, deveres,
direitos e outros pontos.
Uma análise aprofundada dessa Lei fugiria dos objetivos da presente
obra, que tem como tema a investigação criminal defensiva. Destarte,
analisaremos apenas alguns pontos que podem contribuir para a
compreensão acerca da investigação realizada pela defesa.
O art. 2º da referida Lei afirma que:
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se detetive
particular o profissional que, habitualmente, por conta
própria ou na forma de sociedade civil ou empresarial,
planeje e execute coleta de dados e informações de
natureza não criminal, com conhecimento técnico e
utilizando recursos e meios tecnológicos permitidos,
visando ao esclarecimento de assuntos de interesse
privado do contratante.
 
No que tange à seara criminal, o art. 5º disciplina o seguinte:
Art. 5º O detetive particular pode colaborar com
investigação policial em curso, desde que expressamente
autorizado pelo contratante.
Parágrafo único. O aceite da colaboração ficará a critério
do delegado de polícia, que poderá admiti-la ou rejeitá-la
a qualquer tempo.
 
De início, observa-se que o detetive particular precisa de expressa
autorização do contratante para colaborar com a investigação policial. A Lei
não aborda a questão sobre a investigação criminal defensiva, mas podemos
pressupor que seria admissível a sua colaboração, especialmente porque o
contratante provavelmente utilizará os serviços do Advogado – presidente
da investigação defensiva – e do detetive.
Da mesma forma que o art. 14 do CPP concede discricionariedade ao
Delegado para realizar ou não as diligências requeridas, a colaboração do
detetive particular também ficará a critério da referida autoridade policial.
Por sua vez, o art. 7º afirma que o detetive particular é obrigado a
registrar em instrumento escrito a prestação de seus serviços. Sugerimos
que a mesma providência seja tomada pelos Advogados, por meio de
contrato de prestação de serviços advocatícios que tenha, na cláusula do
objeto, a menção à investigação criminal defensiva.
É sabido que a atividade do detetive particular não será sempre
segura. Por esse motivo, o art. 8º, parágrafo único, prevê que é facultada às
partes a estipulação de seguro de vida em favor do detetive particular, que
indicará os beneficiários, quando a atividade envolver risco de morte.
O art. 9º afirma que, ao final do prazo para a execução dos serviços
profissionais, o detetive particular entregará ao contratante ou a seu
representante legal, mediante recibo, relatório circunstanciado sobre os
fatos e informações coletados. O relatório deverá conter os procedimentos
técnicos adotados, a conclusão em face do resultado dos trabalhos
executados e, se for o caso, a indicação das providências legais a adotar,
assim como a data, identificação completa do detetive particular e sua
assinatura.
Apesar da ausência de previsão legal sobre a elaboração de relatório
em que o Advogado detalha sua atuação para o cliente, é possível aderir a
essa prática na investigação defensiva, entregando ao constituinte o
relatório de conclusão da investigação ou um relatório específico que tenha
o objetivo único de detalhar, em linguagem simples – porque destinada ao
cliente –, os atos praticados no procedimento.
No art. 10, a Lei prevê algumas vedações ao detetive particular,
como, por exemplo, a proibição de aceitar ou captar serviço que configure
ou contribua para a prática de infração penal ou tenha caráter
discriminatório. Também é vedado, entre outras coisas, participar
diretamente de diligências policiais e de divulgar os meios e os resultados
de coleta de dados e informações a que tiver acesso no exercício da
profissão, salvo em defesa própria. Como veremos, a investigação
defensiva também tem algumas limitações, incluindo o sigilo.
Os deveres do detetive particular estão previstos no art. 11 da referida
Lei, chamando a atenção a preservação do sigilo das fontes de informação,
o respeito aos direitos das pessoas (intimidade, privacidade, honra e
imagem), a necessidade de prestar contas ao cliente e a restituição ao
contratante, findo o contrato ou a pedido, de documento ou objeto que lhe
tenha sido confiado.
No que concerne aos direitos do detetive particular, o art. 12 aborda,
entre outros, a possibilidade de recusar serviço que considere imoral,
discriminatório ou ilícito e renunciar ao serviço contratado, caso gere risco
à sua integridade física ou moral.
Como veremos adiante, inúmeras questões da regulamentação da
atividade do detetive particular são semelhantes à regulamentação presente
no Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB, especialmente
quanto aos deveres.
Na condução da investigação criminal defensiva, o Advogado
também deverá estar atento, da mesma forma que o detetive particular, para
não praticar condutas que configurem ou contribuam para a prática de
infrações penais.
Sobre a participação direta em diligências policiais, antes de se
debater a (im)possibilidade, urge ressaltar uma provável indisposição da
autoridade policial para aceitá-la. Na prática, as chances de aceitação da
participação do Advogado em diligências policiais são mínimas. Em
algumas diligências, como a lavratura de prisão em flagrante, a presença do
Advogado será crucial para a legalidade do ato. Em outras situações, como
busca e apreensão na residência do investigado, o Advogado será, no
máximo, tolerado.
De qualquer sorte, a participação do Advogado nas diligências
policiais consiste em uma aferição da sua legalidade, podendo requerer
diligências e questionar atos, inclusive judicialmente.
Observa-se, por fim, que a atuação do detetive particular não reflete a
totalidade das possibilidades de uma investigação defensiva. Com razão,
Bulhões (2019, p. 55) alerta que “a investigação defensiva deve ser sempre
parte de uma estratégia maior de defesa, não se confundindo com a
atividade desempenhada nos termos da Lei Federal n.º 13.432/2017.”
Destarte, a contratação de um detetive particular pode ser relevante
para determinada diligência, mas a investigação defensiva abrange muitas
outras possibilidades, como a oitiva de testemunhas e a realização de
perícias.
Moraes e Pimentel Júnior (2018, p. 231) trazem uma importante
observação sobre a participação de detetives, especificamente sobre o custo:
De fato, em que pese haver uma impressão inicial de que
a contratação de um detetive privado estará restrita
àquelas pessoas físicas ou jurídicas que possam arcar com
tais serviços, ao menos em um plano teórico, instituições
incumbidas da tutela jurídica a necessitados como a
Defensoria Pública poderão, por intermédio de seus
servidores de apoio como oficiais e agentes de
Defensoria, desempenhar atividades similares às de
detetive quando necessário nos casos concretos em que o
órgão estiver funcionando.
 
Ainda que não se trate exatamente do exercício pleno da atividade de
detetive particular, é inquestionável que alguns atos podem ser praticados
por servidores da Defensoria Pública ou, quanto à defesa privada, pelo
próprio Advogado ou seus colaboradores.
A pesquisa de informações e documentos, inclusive em sites ou
repartições públicas, não exige habilitação especial. Limitar a prática desses
atos a detetives particulares constituiria violação à isonomia e a ampla
defesa, porque possibilitaria a instrução/fundamentação das alegações
apenas para quem tivesse disponibilidade financeira para contratar os
referidos profissionais.

7.5. O Estatuto da OAB


 
O Estatuto da OAB e da Advocacia (Lei n. 8.906, de 4 de julho de
1994) dispõe sobre inúmeras prerrogativas do Advogado que fundamentam
uma atuação artesanal e efetiva na área criminal.
O art. 7º, XIII, dispõe que é direito do Advogado examinar, em
qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração
Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem
procuração, quando não estiverem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça,
assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos.
Na mesma linha, o inciso XIV prevê como direito examinar, em qualquer
instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração,
autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em
andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e
tomar apontamentos, em meio físico ou digital.
O inciso XIV do art. 7º deve ser complementado pelos §§ 11 e 12 do
mesmo dispositivo legal:
§ 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade
competente poderá delimitar o acesso do advogado aos
elementos de prova relacionados a diligências em
andamento e ainda não documentados nos autos, quando
houver risco de comprometimento da eficiência, da
eficácia ou da finalidade das diligências.
§ 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso
XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o
fornecimento de autos em que houve a retirada de peças
já incluídas no caderno investigativo implicará
responsabilização criminal e funcional por abuso de
autoridade do responsável que impedir o acesso do
advogado com o intuito de prejudicar o exercício da
defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de
requerer acesso aos autos ao juiz competente.
 
Observa-se, portanto, uma possibilidade de delimitação do acesso em
caso de diligências em andamento, havendo, no parágrafo seguinte, uma
repressão ao fornecimento incompleto de autos e ao fornecimento de autos
em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo.
Para exercer efetivamente o direito de defesa, o Advogado deverá ter
conhecimento das imputações, dos elementos informativos e das provas que
integram os autos oficiais. É impossível se defender do que é desconhecido.
Por isso, a regra é a possibilidade de amplo acesso aos autos, com a
excepcionalíssima hipótese de restrição em caso de diligências em
andamento e ainda não documentadas.
Pelo mesmo motivo, também é prevista a prerrogativa de ter vista
dos processos e retirá-los do cartório ou da repartição, conforme os incisos
XV ("ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer
natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos
prazos legais") e XVI (“retirar autos de processos findos, mesmo sem
procuração, pelo prazo de dez dias”).
O art. 7º, XIX, do Estatuto da OAB, prevê o direito de o Advogado
recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou
deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi
Advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem
como sobre fato que constitua sigilo profissional.
Conforme analisaremos, o sigilo é inerente à investigação criminal
defensiva, que exige várias cautelas para a condução dos trabalhos, a
obtenção de resultados e a publicidade do seu teor.
As supracitadas prerrogativas da Advocacia, conquanto não
fundamentem direta e especificamente a investigação criminal defensiva,
instituem meios para o seu desenvolvimento efetivo, mormente quanto ao
acesso aos autos oficiais (inquérito e processo) e à possibilidade de o
Advogado se recusar a depor como testemunha.
 

7.6. O Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da


OAB
 
O Provimento n. 188/2018 da OAB foi aprovado pelo Conselho
Federal em 11/12/2018 e publicado no Diário Eletrônico da OAB no dia
31/12/2018. Ele regulamenta a investigação realizada por Advogados.
Atualmente, a única regulamentação sobre a investigação criminal
defensiva no Brasil é o Provimento n. 188/2018 da OAB. No entanto, por
não se tratar de legislação, não vinculará Juízes, Delegados e membros do
Ministério Público, mas apenas os Advogados.
Explico: o Provimento é um ato da OAB, não tendo sido editado por
um Poder da República. Não tem, portanto, a força normativa da
Constituição (ou de suas emendas), das leis (complementares ou
ordinárias), das medidas provisórias ou de qualquer outro ato que integre o
processo legislativo (art. 59 da Constituição Federal).
Portanto, o Provimento vincula somente os Advogados, abordando,
basicamente, a relação destes com os clientes em caso de investigação
criminal defensiva e como o profissional poderá conduzir o procedimento.
Noutros termos, concede um poder – que poderia ser presumido a partir do
princípio da ampla defesa – e disciplina os aspectos jurídicos e éticos, mas
não impõe a sua observância às autoridades públicas.
Por mais elogiável que seja a aprovação do Provimento, há o risco de
que, fora da Advocacia, não se respeite o poder de investigar atribuído aos
Advogados, fazendo com que a regulamentação seja mais utilizada no
aspecto disciplinar pela OAB (para punir o Advogado que a descumprir) do
que como constrangimento das autoridades que atuam na persecução penal.
Cita-se, por exemplo, eventual reclamação formulada pelo cliente à OAB,
argumentando que o seu Advogado juntou aos autos de um processo
documentos de que não tinha conhecimento e que são relativos à questões
íntimas ou privadas.
Por esses motivos, é fundamental que a regulamentação seja feita não
apenas por normas internas da OAB, mas, principalmente, por alterações
legislativas que devem ser observadas e respeitadas pelas autoridades.
Esse também é o entendimento de Bulhões (2019, p. 73), que afirma
que “precisa ser promulgado um marco legal, que traga segurança jurídica
definitiva, bem como possa cogitar do alargamento das prerrogativas da
advocacia, no sentido melhor exercer a sua função investigativa.”
De qualquer forma, o Provimento é um importante parâmetro para a
atuação do Advogado, devendo ser utilizado como base da sua atuação na
investigação criminal defensiva. Afinal, esse poder decorreria diretamente
da Constituição, mormente dos princípios do contraditório e da ampla
defesa, assim como do Código de Processo Penal, sobretudo da permissão
para juntar documentos nos autos, considerando que os resultados da
investigação (depoimentos, perícias, imagens etc.) constituirão documentos
que, se obtidos por meios lícitos, podem e devem ser admitidos no processo
penal.
 

7.7. O projeto do Novo Código de Processo Penal


 
Atualmente, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que
instituem e disciplinam – ainda que resumidamente – a investigação
criminal defensiva.
No dia 22 de abril de 2009, o Senador José Sarney (PMDB/AP)
apresentou o Projeto de Lei do Senado n. 156/2009, que dispõe sobre a
reforma do Código de Processo Penal. A sua aprovação em Plenário
ocorreu em dezembro de 2010, sendo posteriormente remetido à Câmara
dos Deputados, tornando-se o PL n. 8.045/2010.
O texto original do PLS n. 156/2009 abordava a investigação
criminal defensiva no art. 14, facultando ao investigado, por meio de seu
Advogado ou de outros mandatários com poderes expressos, tomar a
iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo
inclusive entrevistar pessoas. Também disciplinava que as entrevistas
deveriam ser precedidas de esclarecimento sobre seus objetivos e do
consentimento das pessoas ouvidas.
No dia 7 de dezembro de 2010, o Deputado Federal Miro Teixeira, do
PDT/RJ, apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei que “Institui
o Código de Processo Penal”, o qual recebeu a numeração 7987/2010. Esse
projeto foi apensado ao PL n. 8045/2010, da mesma forma que mais de 300
outros projetos.
No PL n. 8045/2010, a regulamentação da investigação criminal
defensiva é feita nos seguintes termos:
Art. 13. É facultado ao investigado, por meio de seu
advogado, de defensor público ou de outros mandatários
com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificar
fontes de prova em favor de sua defesa, podendo
inclusive entrevistar pessoas.
§ 1º As entrevistas realizadas na forma do caput deste
artigo deverão ser precedidas de esclarecimentos sobre
seus objetivos e do consentimento formal das pessoas
ouvidas.
§ 2º A vítima não poderá ser interpelada para os fins de
investigação defensiva, salvo se houver autorização do
juiz das garantias, sempre resguardado o seu
consentimento.
§ 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o juiz das garantias
poderá, se for o caso, fixar condições para a realização da
entrevista.
§ 4º Os pedidos de entrevista deverão ser feitos com
discrição e reserva necessárias, em dias úteis e com
observância do horário comercial.
§ 5º O material produzido poderá ser juntado aos autos do
inquérito, a critério da autoridade policial.
§ 6º As pessoas mencionadas no caput deste artigo
responderão civil, criminal e disciplinarmente pelos
excessos cometidos.
 
De início, observa-se que foi adicionado o Defensor Público ao lado
do Advogado e de outros mandatários com poderes expressos.
Concordamos com essa alteração, haja vista que deve ser plenamente
admitida – e até incentivada – a instauração e condução de uma
investigação defensiva por membro da Defensoria Pública.
A utilização do referido procedimento pela Defensoria Pública é
crucial para consolidar a ampla defesa, porquanto se trata de instituição
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação
jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus,
judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma
integral e gratuita, aos necessitados (art. 134 da Constituição Federal). Se
não fosse possível que a Defensoria investigasse em favor dos seus
assistidos, haveria desigualdade entre os poderes das defesas realizadas por
Advogado e Defensor Público, prejudicando, portanto, os investigados e
réus. Por esse motivo, defendemos não apenas a permissão, mas também o
incentivo a essa forma de atuação.
O §2º apresenta uma limitação, que consiste na impossibilidade de
interpelar a vítima na investigação criminal defensiva, salvo se tiver
autorização judicial e o seu consentimento. Na autorização, o Juiz poderá
fixar condições para a entrevista (§3º).
De fato, a inserção da vítima na investigação criminal defensiva gera
muitos receios e necessita de alguns cuidados que reduzam os riscos de que
o convite para a sua oitiva pareça ser uma tentativa de intimidação.
Acreditamos, contudo, que é uma limitação que prejudica o principal
objetivo da investigação defensiva: a efetivação da ampla defesa.
Para não prejudicar a defesa, é imperativo que o Advogado participe
do depoimento da vítima no inquérito policial, com possibilidade de
formular as perguntas que entender pertinentes.
O §4º apresenta algumas condições para o pedido de entrevista, quais
sejam, discrição, reserva e apenas em dias úteis, com observância do
horário comercial. Consideramos que esse parágrafo, apesar de integrar um
projeto de lei, deve ser considerado como parâmetro de atuação para os
Advogados desde já. Evidentemente, por não se tratar de legislação em
vigor, trata-se, ainda, de mera recomendação, servindo como um possível
parâmetro que pode evitar riscos desnecessários.
O §5º representa um retrocesso, por considerar que o material
produzido poderá ser juntado, a critério da autoridade. Mantém-se, portanto,
a discricionariedade que já existe quanto aos requerimentos de diligências
(art. 14 do CPP), o que em nada contribui para a efetivação da ampla
defesa.
Entendemos que seria muito importante a previsão da
discricionariedade do Advogado quanto a juntar ou não o material
produzido. Afinal, por respeito ao direito de não se autoincriminar, não
existe o dever de juntar provas contrárias ao investigado ou réu.
Infelizmente, o projeto trata da (perigosa) discricionariedade da autoridade
policial, mas desconsidera a discricionariedade da defesa técnica.
Por fim, o §6º prevê a responsabilização civil, criminal e disciplinar
pelos excessos cometidos na condução da investigação defensiva.
Ainda que o projeto seja tímido e não contemple toda a
complexidade inerente à investigação criminal defensiva, deve-se
reconhecer que sua aprovação seria um avanço para o exercício da ampla
defesa, em que pese a previsão da discricionariedade da autoridade policial
– o que permite ocultar do inquérito policial elementos favoráveis à defesa
– e a falta de regulamentação dos outros meios que podem ser empregados
na investigação.
 

8. O conceito de investigação criminal defensiva


 
O art. 1º do Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB
prevê o conceito de investigação criminal defensiva:
Art. 1° Compreende-se por investigação defensiva o
complexo de atividades de natureza investigatória
desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de
consultor técnico ou outros profissionais legalmente
habilitados, em qualquer fase da persecução penal,
procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção
de elementos de prova destinados à constituição de
acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu
constituinte.
 
Conforme se observa, a investigação criminal defensiva é composta
de várias atividades, de modo similar ao inquérito policial e à investigação
direta realizada pelo Ministério Público.
Trata-se de uma atividade desenvolvida pelo Advogado, com ou sem
a participação de terceiros (funcionários, peritos, contadores etc.). Apesar
de ser possível conduzir a investigação sozinho, há casos em que a
participação de especialistas de outras áreas é essencial, como nas situações
em que são necessários conhecimentos técnicos sobre medicina,
engenharia, balística e outros temas.
Quando o Advogado instaurar uma investigação criminal defensiva
referente a um crime ambiental, por exemplo, é recomendável contratar um
profissional que, tendo o conhecimento especializado, ofereça serviços
técnicos e oriente sobre a realização da perícia nos autos oficiais,
informando quais quesitos devem ser formulados e, após sua realização,
demonstrando as críticas aos métodos e referências.
O conceito previsto no Provimento também demonstra a ampla
possibilidade de utilização da investigação criminal defensiva (“em
qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição”).
Deve-se admitir sua utilização em todos os momentos, incluindo a fase
inquisitorial, a instrução processual e a fase recursal. Ademais, também será
possível conduzir a investigação defensiva antes mesmo de qualquer
investigação oficial ou após o trânsito em julgado, para fundamentar a
revisão criminal ou qualquer pedido ou defesa no âmbito do processo de
execução criminal.
Observa-se, assim, que a investigação defensiva não permanece
“presa” a determinada fase da persecução penal, estando, na verdade,
desvinculada do inquérito ou processo criminal.
O conceito previsto no Provimento também é claro quanto à
finalidade da investigação criminal defensiva: “visando à obtenção de
elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito,
para a tutela de direitos de seu constituinte”.
A investigação defensiva tem o propósito de efetivar a ampla defesa,
sendo um procedimento que o Advogado ou Defensor Público poderá
utilizar para obter elementos que favoreçam o investigado, réu ou apenado,
devendo atuar de acordo com os limites éticos e legais. Também poderá ser
utilizado em favor da vítima, com o objetivo de subsidiar a atuação como
assistente da acusação ou querelante.
 
9. Comparando com o inquérito policial
 
O estudo da investigação criminal defensiva deve partir de
investigações preliminares já existentes e consolidadas, como o inquérito
policial e a investigação direta pelo Ministério Público. Assim, algumas
comparações são inevitáveis.
As investigações preliminares exigem um ato formal de instauração
(portaria), com a delimitação do objeto (fatos apurados) e dos possíveis
suspeitos. No mesmo ato, normalmente se define a sequência das primeiras
diligências.
Os atos não são praticados apenas pela autoridade que preside a
investigação (Delegado, Promotor de Justiça ou Procurador da República,
conforme seja inquérito policial ou investigação direta pelo MP Estadual ou
Federal, respectivamente). Muitas diligências são delegadas a servidores da
mesma instituição ou a especialistas de outras instituições (peritos, por
exemplo). As delegações normalmente são feitas por meio de ordens de
serviço ou ofícios.
Após algumas diligências, é elaborado um relatório descrevendo
pormenorizadamente o método empregado, as condições/circunstâncias e os
resultados obtidos.
O desenvolvimento da investigação deve respeitar os direitos e as
garantias fundamentais constantes da Constituição Federal e da legislação
infraconstitucional. Exige-se a observância, por exemplo, da reserva de
jurisdição, do direito ao silêncio, da preservação da intimidade e de outros
direitos igualmente relevantes.
No final, é elaborado um relatório de conclusão, com uma breve
explanação sobre as diligências realizadas na investigação e a interpretação
dos fatos apurados. Fala-se que a finalidade do inquérito policial é subsidiar
a interpretação feita pelo acusador, que pode ser no sentido de
arquivamento, denúncia ou realização de novas diligências.
No caso da investigação criminal defensiva, os parâmetros são muito
parecidos com o inquérito policial, com algumas exceções.
Salienta-se, inicialmente, que o Advogado atuará por meio de
procuração, após a contratação feita pelo cliente, que normalmente é
investigado em um inquérito ou réu em um processo criminal, mas também
pode tratar-se de vítima, caso tenha o objetivo de subsidiar o oferecimento
de uma queixa-crime ou a atuação como assistente da acusação. Por outro
lado, o inquérito policial terá início mediante provocação ou de ofício, não
tendo o desiderato de tutelar a situação individual da vítima ou do autor do
fato.
O início da investigação defensiva também dependerá de um ato
formal, qual seja, o termo de instauração. Esse ato será semelhante a uma
portaria de instauração de inquérito policial, devendo individualizar os fatos
apurados e as pessoas envolvidas, bem como, se for o caso, definir as
diligências iniciais.
Da mesma forma que uma investigação oficial não é conduzida
apenas pela autoridade que a instaurou (Delegado, Promotor de Justiça ou
Procurador da República), também é possível que o Advogado, após a
instauração da investigação defensiva, conte com os serviços de outros
profissionais, especialmente quando forem necessários conhecimentos
específicos.
Sugere-se que, após as diligências da investigação defensiva, sejam
feitos relatórios descrevendo o que foi feito, os métodos empregados e
quais foram os resultados, nos mesmos moldes das investigações policiais
mais complexas.
O Advogado deverá observar os limites constitucionais, legais e
éticos, não podendo, por exemplo, tomar medidas que exijam decisão
judicial (reserva de jurisdição) ou violar direitos de outras pessoas. Por ser
uma atividade ainda pouco difundida e relativa a alguém que ocupa o papel
de investigado/réu, o cuidado deve ser maior para evitar riscos indesejados,
principalmente eventual responsabilização por prática de crimes (coação no
curso do processo, ameaça, invasão de domicílio etc.).
Da mesma forma que nas investigações policiais, o Advogado poderá
elaborar um relatório de conclusão, o qual não necessariamente será levado
ao conhecimento de terceiros. Em alguns casos, quando o relatório tiver o
escopo de apresentar reflexões sobre as teses e estratégias defensivas, é
aconselhável que não seja juntado aos autos oficiais.
No que concerne à finalidade, pode-se fazer um paralelo entre a
utilização do inquérito policial para subsidiar uma denúncia ou queixa-
crime e a condução de uma investigação defensiva para fundamentar uma
queixa-crime ou a atuação como assistente da acusação. Entretanto, a
investigação defensiva tem muitas outras finalidades, como a defesa em um
processo criminal e a sua utilização para subsidiar habeas corpus, revisão
criminal, manifestações (pedidos ou defesas) na execução penal e muito
mais.
Dependendo da finalidade, a investigação defensiva precisará ser
mais contundente do que normalmente o é um inquérito policial. Explico:
normalmente, argumenta-se que o inquérito precisa apenas ser suficiente
para o oferecimento e recebimento da inicial acusatória. Por outro lado,
uma investigação defensiva que tenha o objetivo de subsidiar uma revisão
criminal precisará ser extremamente contundente para contribuir para a
desconstituição da coisa julgada, quando, segundo a jurisprudência, não se
fala mais em presunção de inocência, por já existir sentença condenatória
transitada em julgado.
Sobre a linha investigativa, entende-se que o inquérito policial
deveria adotar todos os caminhos possíveis para a formação da opinio
delicti, seja para o arquivamento, seja para o oferecimento da denúncia. Na
prática, o inquérito policial normalmente segue uma linha mais acusatória,
principalmente por proporcionar poucas chances de participação da defesa.
A investigação defensiva, por sua vez, tem uma finalidade parcial,
qual seja, favorecer o cliente (investigado ou réu) e fundamentar teses e
estratégias defensivas. No caso de investigação desenvolvida em favor da
vítima (assistente da acusação ou querelante), busca-se a construção ou o
fortalecimento da versão acusatória.
Por derradeiro, o inquérito policial e a investigação criminal
defensiva não são obrigatórios para um processo penal, em que pese o
primeiro quase sempre acompanhe as exordiais acusatórias. A investigação
feita pela defesa não apenas é uma faculdade, como também ainda é pouco
utilizada.
Apesar de ser dispensável, o inquérito policial deve ser instaurado –
inclusive de ofício (art. 5º, I, do CPP) – quando a autoridade policial tiver
conhecimento de algum fato criminoso, devendo realizar as diligências
necessárias, sob pena de responsabilização administrativa e criminal
(prevaricação, por exemplo). A investigação defensiva, como referido, é
dispensável e sua instauração é facultativa.
O inquérito policial tem prazo para ser encerrado (art. 10 do CPP), o
que não ocorre em relação à investigação criminal defensiva, que poderá ter
a duração definida pelo Advogado que a instaurou, de acordo com a
necessidade de obtenção de elementos e os momentos adequados para levar
os resultados aos autos oficiais. Defendemos, ainda, que a investigação
defensiva pode continuar durante todo o processo, não havendo a
obrigatoriedade de que, em algum momento, seja encerrada, salvo quando
não mais for necessária.
A organização dos autos da investigação criminal defensiva pode ser
similar aos autos de um inquérito policial ou de um processo, contendo
folhas numeradas e uma sequência cronológica de documentos. Os autos
terão uma capa e, no seu interior, o ato de instauração, termos de
depoimentos, relatórios, imagens, documentos, perícias e, por fim, relatório
de conclusão. No caso do inquérito policial, tudo deverá ser levado aos
autos oficiais. A investigação defensiva, por outro lado, pressupõe uma
avaliação do que pode ser aproveitado e daquilo que, por irrelevância ou
risco de prejudicar o cliente, deve ser descartado.
Portanto, a condução e a organização da investigação criminal
defensiva seguem a mesma lógica dos inquéritos policiais, termos
circunstanciados, inquéritos civis públicos, investigações diretas pelo
Ministério Público etc. A diferença mais evidente consiste no fato de que
quem preside a investigação defensiva não é uma autoridade pública –
tendo algumas limitações na sua atuação – e, normalmente, sofre o estigma
na persecução penal, como se estivesse buscando a impunidade, e não
exercendo o direito de defesa.
Por essa razão, a investigação defensiva deve ser preparada de modo
a evitar retaliações das autoridades, isto é, precisa ser formalizada e ter a
instauração devidamente comunicada à OAB, conduzindo-a com o respeito
aos direitos de terceiros e aos limites do exercício de uma atividade que não
tem poder de coerção. Recomenda-se, ainda, que, sempre que possível, os
atos sejam gravados, evitando futuras alegações de excessos, intimidações,
ameaças ou coações exercidas pelo Advogado.
 

10. Quais atividades podem ser objeto de investigação


criminal defensiva?
 
Da mesma forma que o inquérito policial e outras investigações
preliminares, há possibilidade de desenvolver muitas atividades na
investigação criminal defensiva, como:
juntada de documentos;
tomada de depoimentos;
acareações;
perícias;
obtenção de fotografias ou gravações;
análise de locais ou coisas para descrição;
reconhecimentos de pessoas;
reconhecimentos de coisas;
reconstituição de crime ou reprodução simulada dos fatos;
auto de avaliação de coisa.
 
O Advogado definirá as atividades que devem ser desenvolvidas de
acordo com o caso concreto, analisando os elementos que integram os autos
oficiais e perquirindo como afastar a versão acusatória e fundamentar a
linha defensiva.
Há crimes, como os patrimoniais, que poderão demandar a
elaboração de um auto de avaliação da coisa subtraída. Outros, como os
crimes de trânsito e de homicídio, poderão exigir perícias complexas no
local, no veículo, na arma utilizada ou em uma pessoa.
Se houver questionamento sobre a autoria, o reconhecimento de
pessoa poderá ser útil. Noutro sentido, em crimes que envolvam contratos
ou imóveis, a obtenção e a juntada de documentos é uma medida possível.
Tomar depoimentos pode ser útil em praticamente todos e quaisquer
tipos de crimes, podendo surgir, a partir dos depoimentos, a necessidade de
fazer acareações entre testemunhas, vítima e testemunha, testemunha e
investigado ou vítima e investigado.
Há crimes que, pelo local em que supostamente foram praticados
(estabelecimento comercial, estacionamento ou condomínio, por exemplo),
podem ser provados ou rechaçados por meio de gravações de câmeras de
segurança. Se for o caso, o Advogado poderá diligenciar nesse sentido.
Durante o trâmite da investigação criminal defensiva, normalmente
surge a necessidade de realizar diligências que, no início, não foram
consideradas. O andamento das investigações pode justificar um novo olhar
sobre o que se pretende produzir e quais resultados são necessários.
 
 

11. A investigação para subsidiar queixa-crime


 
O art. 3º, parágrafo único, do Provimento n. 188/2018 do Conselho
Federal da OAB dispõe:
Parágrafo único. A atividade de investigação defensiva do
advogado inclui a realização de diligências investigatórias
visando à obtenção de elementos destinados à produção
de prova para o oferecimento de queixa, principal ou
subsidiária.
 
Trata-se de uma previsão objetivando a realização de uma
investigação, conduzida por um Advogado, com o desiderato de subsidiar o
oferecimento de uma queixa-crime, principal ou subsidiária.
Antes de abordarmos as diligências possíveis nesses casos, devemos
discorrer sobre questões práticas e elucidar os aspectos classificatórios,
principalmente sobre a nomenclatura “investigação defensiva” para se
referir às diligências em favor das vítimas de crimes.
Bulhões (2019, p. 104) utiliza a seguinte classificação:
Para fins didáticos, portanto, propõe-se a seguinte
taxonomia, sendo encarada a investigação defensiva (lato
senso) como um gênero, do qual fazem parte quatro
espécies: i) investigação defensiva stricto senso; ii)
investigação defensiva dos interesses das vítimas; iii)
investigação defensiva corporativa; e, ainda, iv)
investigação defensiva colaboracional.
 
Dessa forma, o autor chama de investigação defensiva dos interesses
das vítimas o procedimento que tem o desiderato de subsidiar uma queixa-
crime ou qualquer outro ato em favor de quem teria sofrido a prática de
uma infração penal.
Adotando outra classificação, Silva (2019, p. 461) afirma:
A investigação criminal defensiva, ou também, para a
defesa de interesses pode ocorrer por meio de um
inquérito defensivo, instrumento destinado à coleta de
informações em favor de suspeitos, indiciados, acusados e
condenados ou por meio de um inquérito auxiliar, quando
realizado pelo querelante, vítima ou assistente de
acusação.
 
As duas classificações possuem bons fundamentos, mas, no presente
livro, utilizaremos a expressão investigação criminal defensiva como
gênero, explicitando, sempre que necessário, que se trata de procedimento
em favor de um investigado/réu ou de uma vítima.
Na prática, observamos que, quando se trata de investigação de um
crime sujeito à ação penal pública (homicídio, roubo, furto, estupro,
lavagem, tráfico de drogas etc.), ainda que condicionada à representação
(perigo de contágio venéreo, ameaça, furto de coisa comum, estelionato
etc.), são realizadas muitas diligências, definidas de ofício pela autoridade
policial ou requisitadas pelo Ministério Público. Nesses casos, a
investigação – inquérito policial ou termo circunstanciado – será analisada
pelo membro do Ministério Público, que avaliará se é caso de
arquivamento, oferecimento da denúncia ou realização de novas diligências.
Por outro lado, tratando-se de crime de ação penal privada (calúnia,
difamação, injúria, esbulho possessório, fraude à execução etc.), a
investigação normalmente não é muito aprofundada, limitando-se à oitiva
da vítima e, se possível, do autor do fato. Em regra, o Advogado que atua
em favor da vítima não postula diligências – às vezes, a vítima não é
informada sobre a necessidade de constituir um Advogado ou procurar a
Defensoria Pública – ou, quando requer uma diligência, seu requerimento é
indeferido. Em seguida, aguarda-se o oferecimento da queixa-crime com
pouquíssimos elementos – o que pode gerar a rejeição da inicial acusatória
– ou o termo circunstanciado é enviado ao Juizado Especial Criminal para a
realização de audiência preliminar.
Para evitar que a queixa-crime seja instruída apenas com o boletim
de ocorrência e com o objetivo de diminuir o risco de rejeição da exordial
acusatória, a investigação criminal defensiva pode ser um excelente
expediente.
Destarte, a investigação conduzida por um Advogado teria o
desiderato de subsidiar a acusação instrumentalizada por uma queixa-crime,
que pode ser principal ou subsidiária. A classificação doutrinária da ação
penal explica adequadamente a diferença entre as duas espécies e como a
segunda tem um empecilho sobre o qual devemos refletir.
É cediço que, como regra, a ação penal é pública, salvo quando a lei
expressamente a declara privativa do ofendido (art. 100 do CP).
No que concerne à queixa-crime principal, trata-se da ação penal de
iniciativa privada, ou seja, aquela que é promovida mediante queixa do
ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo (art. 100, §2º, do
CP). O cabimento da queixa-crime como exordial acusatória depende da
mera análise da legislação, que contém, no dispositivo que trata da conduta
criminosa ou em outro (normalmente no mesmo capítulo), expressões como
“somente se procede mediante queixa”, “depende de queixa” ou outra
similar (arts. 145, 161, §3º, 167, 179, 186, I, 236, parágrafo único, e 345,
parágrafo único, todos do CP).
Por sua vez, a queixa subsidiária diz respeito à permissão de que seja
oferecida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada
no prazo legal. Significa, basicamente, o cabimento de uma queixa em uma
situação que originariamente dependeria de uma denúncia oferecida pelo
Ministério Público. Trata-se de uma hipótese prevista no art. 5º, LIX, da
Constituição Federal, inserida no título que trata dos direitos e das garantias
fundamentais. No mesmo sentido, o art. 100, §3º, do CP, anuncia que a ação
de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o
Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.
A jurisprudência definiu o entendimento de que não é cabível a ação
penal privada subsidiária da pública em caso de arquivamento do inquérito
policial, conforme o STJ:
(...) 1. A ação penal privada subsidiária da pública
somente é cabível nos casos em que ficar caracterizada a
inércia do Ministério Público, por não oferecer denúncia
no prazo legal, não sendo cabível nas hipóteses de
arquivamento de inquérito policial formulado por esse
órgão e acolhido pelo juiz (...) (AgRg no REsp
1477394/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR,
SEXTA TURMA, julgado em 04/02/2016, DJe
23/02/2016)
 
(...) o pedido de arquivamento do inquérito não
caracteriza inércia do Parquet, razão pela qual não abre a
possibilidade de eventual oferecimento de ação penal
privada subsidiária da pública. Precedentes.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no RMS 27.518/SP, Rel. Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em
20/02/2014, DJe 27/02/2014)
 
Deve-se observar esse entendimento jurisprudencial para evitar a
rejeição da queixa-crime referente a uma ação penal privada subsidiária da
pública, evitando, além disso, que se instaure uma desnecessária
investigação criminal defensiva.
Finalmente, constata-se que a investigação realizada por um
Advogado pode ser utilizada para subsidiar o oferecimento de uma queixa-
crime, seja no caso de ação penal privada, seja na hipótese em que o
Parquet não oferece a denúncia no prazo legal.
Da mesma forma que o inquérito policial é dispensável para o
oferecimento da denúncia, também não é obrigatória a instauração de uma
investigação defensiva para o oferecimento da queixa-crime. Havendo
elementos suficientes no inquérito policial ou no termo circunstanciado, não
haverá necessidade de que o Advogado instaure a investigação. Ademais, se
já tiver os elementos à disposição (documentos, por exemplo),
independentemente de uma investigação defensiva, poderá anexá-los à
queixa-crime.
A investigação defensiva será recomendável, portanto, nos casos em
que:
inexistam elementos suficientes no inquérito policial ou no
termo circunstanciado e a autoridade policial não defere os
requerimentos de diligências formulados pelo ofendido;
o ofendido não tenha os elementos à disposição, necessitando,
assim, de um procedimento para produzir e documentar tudo
que tenha o condão de subsidiar a queixa-crime.
 

12. A investigação é privativa da Advocacia


 
O art. 7º do Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB
traz a previsão de que as atividades são privativas da Advocacia:
Art. 7º As atividades descritas neste Provimento são
privativas da advocacia, compreendendo-se como ato
legítimo de exercício profissional, não podendo receber
qualquer tipo de censura ou impedimento pelas
autoridades.
 
A instauração e a condução de uma investigação criminal defensiva
são atos privativos da Advocacia. Contudo, além da possibilidade de contar
com profissionais externos (especialistas de outras áreas), também se
admite que qualquer pessoa – especialmente o próprio investigado ou réu –
pratique alguns atos que também se inserem na investigação defensiva.
Nesse sentido, Oliveira (2008, p. 31):
Aliás, não existem no nosso ordenamento jurídico
quaisquer limitações à actividade de ‘investigar por conta
própria’ ou por intermédio de terceiros, pelo que podemos
partir da afirmação de um princípio geral da livre
investigação dos factos, coincidente com alguns dos
direitos, liberdades e garantias constitucionalmente
consagrados, tais como o direito à liberdade individual, o
direito de se informar e de ser informado livremente e
sem impedimentos, o direito à livre circulação, entre
outros.
E tal investigação por conta própria sucede com
frequência nos casos em que alguém pretende descobrir o
paradeiro de determinada pessoa, obter informações sobre
bens dos seus devedores, inteirar-se do comportamento
do seu cônjuge, etc.
 
Imaginemos, por exemplo, um investigado por crime ambiental que,
por conta própria, independentemente de qualquer orientação de um
Advogado ou Defensor Público, contrate um profissional para fazer uma
perícia e formular um laudo sobre destruição ou dano a uma floresta
considerada de preservação permanente. Ora, além de não haver
impedimento para essa iniciativa, também não há qualquer prejuízo quanto
à validade e à veracidade do laudo. Apenas seria exigível o filtro da defesa
técnica – Advogado ou Defensor Público – quanto às (des)vantagens da
juntada aos autos oficiais.
No que concerne à impossibilidade de receber qualquer tipo de
censura ou impedimento pelas autoridades, duas observações devem ser
feitas.
A um, é inegável que, como ato relativo ao exercício da Advocacia,
as prerrogativas previstas no Estatuto da OAB são totalmente aplicáveis.
A dois, por se tratar de um Provimento aprovado pelo Conselho
Federal da OAB e sendo desprovido de caráter legislativo, sua observância
não pode ser exigida das autoridades, o que pode gerar, infelizmente, a
recusa quanto ao recebimento dos resultados da investigação defensiva.
Evidentemente, entendemos que a possibilidade de investigar e produzir
elementos que corroborem a versão do investigado/réu emana da
Constituição Federal, especificamente da ampla defesa, mas não podemos
desconsiderar a chance de rejeição desse argumento por parte das
autoridades que atuam na persecução penal.
 

13. Quem participa da investigação criminal defensiva?


 
O primeiro e mais fundamental participante da investigação criminal
defensiva é o Advogado ou Defensor Público que a instaura e conduz os
trabalhos. Aliás, é nesse sentido que o art. 7º do Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB define tais atos como privativos da Advocacia.
Sobre outros profissionais que podem atuar na investigação
defensiva, o parágrafo único do art. 4º do referido Provimento afirma que
“na realização da investigação defensiva, o advogado poderá valer-se de
colaboradores, como detetives particulares, peritos, técnicos e auxiliares de
trabalhos de campo.”
Inicialmente, deve-se observar que os profissionais mencionados
(detetives particulares, peritos, técnicos e auxiliares de trabalhos de campo)
fazem parte de um rol meramente exemplificativo dos colaboradores que
podem prestar serviços na investigação defensiva.
Também é importante destacar que a participação de colaboradores é
uma faculdade do Advogado, ainda que, em alguns casos, seja
extremamente recomendável para a obtenção de resultados satisfatórios.
Em um inquérito ou processo que tenha como objeto um crime de
homicídio, o Advogado poderá contratar um especialista em balística,
acidentes de trânsito, toxicologia, traumatologia ou asfixiologia,
dependendo da forma de execução do crime.
Em caso de crime contra a ordem tributária ou qualquer outro que
envolva tributos, poderá valer-se dos serviços de um contador.
Da mesma forma, caso seja necessário avaliar a escrita (assinatura,
letras de uma declaração etc.) de alguém, poderá contratar um profissional
que tenha experiência em perícia grafotécnica. Inclusive, seria a
oportunidade de definir se é uma boa estratégia a juntada de determinado
documento aos autos oficiais (inquérito ou processo), nos quais poderá ser
realizada a perícia determinada pelo Delegado ou Juiz.
Por meio de profissionais especializados, também será possível
questionar a materialidade do tráfico de drogas, especialmente em relação à
natureza, à forma de apreensão, à cadeia de custódia e suas várias etapas
(art. 158-B do CPP).
Tratando-se de uma imputação de crime ambiental, pode-se contratar
um perito ambiental, preferencialmente com graduação em engenharia
ambiental.
Em todos esses casos, o Advogado contratará os especialistas para
que realizem perícias e elaborem laudos contendo a análise técnica e
verdadeira sobre determinados pontos. Por óbvio, não se deve contratar um
profissional para que ele “encontre um jeito” – ainda que por afirmações
falsas – de dizer algo favorável ao investigado/réu, mas sim para que, com
autonomia, ele avalie o objeto da perícia. Se o resultado da perícia for
desfavorável às alegações defensivas, poderá ser desconsiderado, deixando
de juntá-lo nos autos oficiais.
Também é possível a contratação de um detetive particular,
expediente já utilizado em processos de Direito de Família, mormente
quando se trata de pedido de guarda e/ou alimentos. Nesses casos, utiliza-se
o serviço de um detetive particular para demonstrar que a outra parte não
tem condições (emocionais, sociais etc.) de ficar com a criança, no caso da
guarda, ou que ostenta boas condições financeiras (gastos excessivos,
veículos caros etc.) para a fixação dos alimentos.
No bojo de uma investigação criminal defensiva, nada impede a
utilização de um detetive particular para realizar trabalhos de campo, como
o acompanhamento de testemunhas que estão se encontrando com a vítima
ou seu Advogado e recebendo orientações e/ou dinheiro para que deponham
contra o réu.
Em determinadas situações, a atividade do detetive poderá
desenvolver-se poucos minutos antes da audiência, monitorando as
testemunhas policiais no fórum e demonstrando que os servidores do
cartório lhes forneceram cópias dos depoimentos prestados no inquérito
policial. Essa estratégia poderá contribuir para a diminuição da
credibilidade do depoimento ou como fator que afete a estabilidade da
testemunha que tenha tendência de favorecer à acusação.
Imaginemos que uma testemunha tenha sido gravada conversando
com o Advogado da vítima antes da audiência. O detetive entregou a cópia
da gravação ao Advogado do réu, que o contratara. Na audiência, o
Advogado pergunta para a testemunha se ela recebeu orientações sobre o
que deveria falar em seu depoimento. A testemunha nega que tenha
recebido orientações do Advogado da vítima e, em seguida, é surpreendida
pelo Advogado do réu, que entrega ao Juiz a cópia da gravação, requerendo
que seja juntada aos autos. Possivelmente, o Juiz advertirá a testemunha
sobre o compromisso de dizer a verdade, a possibilidade de responder por
crime de falso testemunho e a chance de se retratar.
Concluímos que, conforme as peculiaridades do caso concreto e as
estratégias defensivas adotadas, o Advogado poderá avaliar a contratação
de inúmeros profissionais que tenham conhecimentos especializados e
dominem os métodos necessários para a obtenção dos resultados
pretendidos.
 

14. Momentos da investigação criminal defensiva


 
De acordo com o art. 1º do Provimento, a investigação defensiva
pode ser realizada “em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou
grau de jurisdição”. Portanto, a investigação defensiva poderia ser utilizada
durante o inquérito policial ou outra investigação conduzida por alguma
autoridade pública, depois do oferecimento da denúncia, durante a
instrução, antes ou depois da audiência e em qualquer outro momento.
Insta salientar que o art. 231 do CPP permite a juntada de
documentos em qualquer fase do processo. Portanto, é possível inclusive a
juntada de elementos obtidos na investigação defensiva no momento de
apresentar os memoriais, hipótese em que, normalmente, para garantir o
contrário, o Juiz determinará a intimação do Ministério Público ou
querelante para ter ciência dos documentos juntados pela defesa.
O art. 1º do Provimento também menciona que é cabível a
investigação defensiva em qualquer procedimento, o que significa que é
possível utilizá-la no procedimento comum ordinário, no sumário, no rito
dos crimes dolosos contra a vida, no Juizado Especial Criminal (Lei n.
9.099/95), no procedimento da Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006), nos
procedimentos relativos à competência originária dos Tribunais e em
qualquer outro procedimento. Afinal, a ampla defesa, com todos os seus
meios e recursos, não tem limitações quanto ao procedimento.
No que concerne à possibilidade de realizar a investigação defensiva
em qualquer grau de jurisdição, devemos ter uma interpretação ampla, no
sentido de que não se trata apenas de sua utilização durante a fase recursal
no Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal, Superior Tribunal de
Justiça ou Supremo Tribunal Federal, mas também nos casos de
competência originária desses Tribunais.
Evidentemente, o fato de ser uma autorização criada por um
Provimento da OAB tem como consequência a possibilidade de que esses
Tribunais, na competência originária ou recursal, não aceitem os elementos
informativos produzidos pelo Advogado na investigação direta.
Ademais, sobre a competência recursal dos Tribunais Superiores,
também é importante considerar que há entendimento jurisprudencial
pacífico de que esses Tribunais não analisam questões fático-probatórias.
Portanto, especificamente na fase recursal dos Tribunais Superiores,
podemos imaginar duas limitações:
possibilidade de que não aceitem os elementos produzidos
direta e isoladamente por um Advogado, considerando que o
Provimento da OAB não tem caráter de lei;
entendimento jurisprudencial contra a análise de fatos e provas
nos recursos que tramitam nos Tribunais Superiores.
 
Com essas limitações, seria recomendável realizar a investigação
defensiva o mais cedo possível, ainda durante a tramitação do inquérito
policial ou durante a instrução do processo no primeiro grau.
Ainda quanto aos momentos da investigação defensiva, de forma
específica, o art. 2º do Provimento afirma:
Art. 2º A investigação defensiva pode ser desenvolvida na
etapa da investigação preliminar, no decorrer da instrução
processual em juízo, na fase recursal em qualquer grau,
durante a execução penal e, ainda, como medida
preparatória para a propositura da revisão criminal ou em
seu decorrer.
 
Trata-se de uma enumeração de várias possibilidades de
desenvolvimento da investigação defensiva, quais sejam:
na etapa da investigação preliminar (durante o inquérito
policial ou a investigação direta pelo Ministério Público, por
exemplo);
no decorrer da instrução processual em juízo;
na fase recursal em qualquer grau;
durante a execução penal;
como medida preparatória para a propositura da revisão
criminal;
no decorrer da revisão criminal.
 
Apesar de não ter sido mencionada no Provimento, podemos
considerar também a possibilidade de realização de uma investigação
defensiva antes de qualquer procedimento extrajudicial ou judicial, isto é,
antes mesmo de ser instaurado um inquérito policial ou outra investigação
preliminar. Cita-se, por exemplo, a investigação para colher elementos de
prova antes de registrar um boletim de ocorrência.
 

14.1. A investigação defensiva durante a investigação


oficial
 
Como é sabido, o inquérito policial é dispensável (arts. 12, 27, 39,
§5º e 46, §1º, todos do CPP), mas, em regra, é amplamente utilizado como
procedimento para investigar e subsidiar a exordial acusatória.
Ademais, prepondera o entendimento de que eventuais vícios
ocorridos no inquérito policial não contaminam o processo, além de ser
considerado um procedimento pré-processual que não tem contraditório ou,
no mínimo, terá um contraditório diferido ou postergado. Nesse sentido, o
STJ:
(...)
I - É cediço que o inquérito policial é peça meramente
informativa, de modo que o exercício do contraditório e
da ampla defesa, garantias que tornam devido o processo
legal, não subsistem no âmbito do procedimento
administrativo inquisitorial. Precedentes.
(...)
(RHC 57.812/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
QUINTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe
22/10/2015)
 
Outrossim, também é relevante asseverar que o Ministério Público
exerce o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, da
Constituição Federal) e, como titular da ação penal pública, tem grande
ingerência na investigação, inclusive com constantes manifestações sobre
diligências.
Ainda, a participação de Advogados no inquérito policial é mínima,
muitas vezes sem qualquer comunicação para que participem da oitiva de
testemunhas. O acesso aos autos do inquérito policial, uma das questões
mais básicas, encontra obstáculos na prática, como a absurda exigência de
procuração, quiçá uma petição requerendo o acesso. Em alguns lugares,
chega-se a um absurdo ainda maior: aguardar a deliberação do Delegado de
Polícia sobre deferir ou não o acesso do Advogado aos autos do inquérito.
Conquanto exista previsão de requerer diligências no inquérito
policial (art. 14 do CPP), é comum que se defenda a discricionariedade do
Delegado para deferir ou não as medidas requeridas. Como regra, as
chances de deferimento dos pedidos de diligências formulados pelo
Advogado do investigado são mínimas.
Por esses motivos, o inquérito policial virou um instrumento de busca
incessante da autoria e da materialidade, muitas vezes sem a consideração
de outras linhas de investigação que poderiam favorecer o investigado e
justificar, v. g., o arquivamento do inquérito.
Assim, a investigação defensiva pode funcionar como um
instrumento para efetivar a paridade de armas na persecução penal,
propiciando-a na fase de investigação, mas posteriormente repercutindo na
fase processual.
Nesse sentido, Oliveira (2008, p. 21) demonstra que a atuação
defensiva no inquérito repercutirá durante toda a persecução penal:
Impulsionar o conhecimento da argumentação contrária
aos pontos de vista da Defesa, logo no momento da
Acusação, se este vier a ter lugar. Pela intervenção da
Defesa nas investigações criminais e pela exploração das
suas teses iniciais por parte das autoridades judiciárias, o
defensor obterá ainda um precioso contributo para a
reavaliação da direcção da Defesa, em toda a sua
actuação subsequente. Isto, porque os resultados das
diligências de investigação requeridas passarão a constar
do Inquérito e, certamente, sobre tais resultados as
entidades judiciárias terão de pronunciar-se.
 
Também é importante observar que aquilo que interessa ao
investigado não necessariamente estará alinhado ao que as autoridades
pretendem obter nas investigações oficiais, motivo pelo qual pode ser difícil
contribuir para o inquérito policial se a contribuição não for bem-vinda.
Logo, não se deve apenas tentar participar ativamente da investigação
oficial, mas também instaurar e presidir a própria investigação, qual seja, a
investigação criminal defensiva.
Além do inquérito policial, também seria admissível realizar a
investigação defensiva durante outras investigações oficiais, como o
inquérito policial militar, as comissões parlamentares de inquérito e as
investigações relativas a autoridades com foro por prerrogativa de função.
Em tese, nada impediria a realização da investigação defensiva
durante o termo circunstanciado. Entrementes, a forma como é lavrado,
muitas vezes sendo concluído no mesmo dia do fato, poderia ser um
empecilho ao desenvolvimento da investigação defensiva.
Da mesma forma, caso exista um procedimento que apure fatos em
outras áreas, mas que tenha o condão de repercutir na seara criminal, como
o inquérito civil público e o procedimento administrativo disciplinar contra
servidor público, a investigação criminal defensiva poderá ser um
instrumento preparatório e uma estratégia de antecipação contra eventual
persecução penal.
Por derradeiro, as investigações oficiais podem ser utilizadas como
parâmetro de avaliação do que ainda precisa ser produzido pela defesa, isto
é, o Advogado ou Defensor Público poderá, ao examinar os autos da
investigação oficial, traçar a estratégia da investigação defensiva quanto às
diligências que ainda precisam ser desenvolvidas. Nas palavras de Oliveira
(2008, p. 25), “pode o arguido partir da avaliação que fez das investigações
judiciárias para a investigação de factos e recolha de meios de prova, por
sua conta, em sentidos que se lhe mostrem convenientes”.
 
 

14.2. A investigação durante a instrução processual


 
A investigação realizada pela defesa também pode ser utilizada no
decorrer da instrução processual em juízo, do momento do oferecimento da
denúncia até o momento imediatamente anterior à prolação da sentença.
O cenário ideal seria encerrar a investigação defensiva até o
momento da citação, apresentando seus resultados anexos à resposta à
acusação, considerando que é possível oferecer documentos nessa peça,
com fulcro no art. 396-A do CPP.
Contudo, nada impede que a defesa junte os documentos
posteriormente, antes ou depois da audiência. Também poderia cogitar a
apresentação dos documentos relativos à investigação defensiva na peça de
memoriais, o que provavelmente faria o Magistrado determinar a intimação
do Ministério Público, quando não indeferisse a juntada.
Juntar os resultados da investigação defensiva no momento da
audiência terá como vantagem estratégica para a defesa a surpresa do
Ministério Público, que não terá conhecimento prévio de todo o contexto
probatório.
Se o Juiz negar a juntada, será cabível habeas corpus ou correição
parcial, com fundamento no cerceamento da defesa e no prejuízo causado
ao réu, que consiste na impossibilidade de apresentar documentos que
fundamentem sua versão.
 

14.3. A investigação na fase recursal


 
A investigação defensiva também pode ocorrer durante a fase
recursal, nos Tribunais de segundo grau ou nos Tribunais Superiores.
Consideramos ter mais utilidade a investigação defensiva realizada
antes da fase recursal (no inquérito policial ou durante a instrução) ou, no
máximo, para instruir eventual recurso. A investigação defensiva realizada
durante a fase recursal, que não admite produção de provas, pode ser
inócua.
De qualquer forma, poderíamos imaginar a realização da
investigação defensiva para instruir recurso em sentido estrito (contra a
decisão de pronúncia, por exemplo), apelação, embargos infringentes e de
nulidade, correição parcial, recurso extraordinário, recurso especial ou
qualquer outro recurso.
Destaca-se, contudo, que a juntada de documentos na fase recursal
nem sempre é aceita pelos Desembargadores e Ministros, mormente nos
casos em que se pretenda uma inovação fático-probatória. O art. 231 do
CPP (“Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar
documentos em qualquer fase do processo”), em muitos casos, é ignorado
ou superado com base no argumento de que se trata de prova protelatória ou
irrelevante.
Há, contudo, jurisprudência no sentido de que é possível a juntada de
documentos na fase recursal, desde que seja oportunizado o contraditório.
Em determinado caso apreciado pelo Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, a defesa juntou documentos nas razões recursais,
oportunidade em que o Ministério Público requereu – sem sucesso – o
desentranhamento:
(...) Nos termos da lei processual penal, salvo nos casos
expressos em lei, as partes, em qualquer fase do processo,
poderão juntar documentos (art. 231 do CPP). Defesa
que, com as razões recursais, juntou documentos que
apenas retratam situação exposta pela ré L.C.N. no
interrogatório. Documentação à que teve acesso o
Ministério Público, não havendo falar em prejuízo.
Desentranhamento indeferido. Preliminar desacolhida.
(...) (Apelação Criminal, Nº 70080810625, Oitava
Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relatora:
Fabianne Breton Baisch, Julgado em: 24-06-2020)
 
O Superior Tribunal de Justiça também admite a juntada de
documentos em qualquer fase, nos termos do art. 231 do CPP, desde que
seja oportunizado o contraditório:
(...)
2. De acordo com a jurisprudência deste Superior
Tribunal de Justiça, salvo nos casos expressos em lei, no
processo penal admite-se a juntada de documentos
posteriormente à instrução processual, em atenção ao que
estabelece o artigo 231 do Código de Processo Penal,
desde que assegurado o devido contraditório.
(...)
(AgRg no REsp 1543200/RS, Rel. Ministra MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA,
julgado em 27/10/2015, DJe 13/11/2015)
 
Entretanto, há entendimento no sentido que a regra prevista no art.
231 do CPP não é absoluta. Cita-se, por exemplo, o seguinte julgado:
(...)
3. A regra insculpida no art. 231 do CPP, no qual se
estabelece que as partes poderão apresentar documentos
em qualquer fase do processo não é absoluta, sendo que
nas hipóteses em que forem manifestamente protelatórias
ou tumultuárias podem ser indeferidas pelo magistrado.
(...)
(HC 250.202/SP, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD
(DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE),
Rel. p/ Acórdão Ministra LAURITA VAZ, QUINTA
TURMA, julgado em 10/09/2013, DJe 28/11/2013)
 
O supracitado entendimento já foi reiterado em casos mais recentes,
como no AgRg no HC 504589/MG, julgado pela Sexta Turma do STJ em
2019.
Isso significa uma ampla e subjetiva possibilidade de que o julgador,
entendendo que se trata de prova “protelatória ou tumultuária”, indefira a
juntada do documento.
Diante dos entendimentos jurisprudenciais supracitados, entendemos
que, apesar da possibilidade de juntada dos resultados da investigação
criminal defensiva na fase recursal, trata-se de uma estratégia arriscada,
sobretudo se houver chance de que o julgador interprete o documento como
prova protelatória. Tendo a possibilidade de juntar os resultados da
investigação durante o inquérito policial ou a instrução criminal, é
preferível que assim seja feito, reduzindo os riscos de indeferimento da
juntada.
 

14.4. A investigação defensiva na execução penal


 
O Provimento da OAB menciona a possibilidade de investigação
defensiva durante a execução penal, fase em que muitos imaginam, de
forma equivocada, inexistir produção probatória.
A primeira hipótese de realização da investigação defensiva na
execução penal seria em caso de apuração de falta grave praticada durante o
cumprimento da pena, como a fuga ou o porte de aparelho telefônico (art.
50 da LEP).
Na prática, a passividade defensiva é amplamente adotada no
procedimento administrativo disciplinar (PAD) que tramita no
estabelecimento prisional e na audiência de justificação perante o Juiz da
Execução Penal. Imagina-se que essas etapas são constituídas apenas pelo
interrogatório do apenado e pelas manifestações jurídicas (Ministério
Público e Advogado ou Defensor Público), o que não é verdade.
Em ambas as fases (administrativa e judicial), a defesa poderá
produzir provas, juntar documentos, postular diligências e requerer a oitiva
de testemunhas, ainda que, na prática, poucos tenham essa postura.
Dessa forma, se é possível produzir provas “dentro do sistema” (no
PAD ou na fase judicial), também é possível produzir um acervo probatório
por meio de uma investigação defensiva conduzida pelo Advogado.
A investigação defensiva seria útil, v. g., para tentar justificar a fuga
do apenado, comprovando que ele sofreu graves ameaças no interior do
cárcere e que sua vida estava em risco.
Uma dificuldade para a realização da investigação defensiva seria o
fato de que, como regra, eventuais testemunhas que poderiam depor sobre o
fato que ensejou a apuração da falta grave seriam policiais penais (agentes
penitenciários) ou outros presos, o que, especialmente quanto ao segundo
grupo, tornaria inviável a tomada de depoimentos no escritório do
Advogado. Ainda que se pretenda inquirir os outros presos no
estabelecimento prisional, outros obstáculos poderiam surgir, como a
discordância dos agentes de segurança e a irritação dos Advogados que
representam esses presos.
Se a oitiva de testemunhas se tornar inviável na investigação criminal
defensiva, será possível requerer a oitiva no procedimento administrativo
disciplinar ou na fase judicial. De qualquer forma, existiriam outras opções,
como a juntada de documentos, mídias etc.
A investigação defensiva também seria cabível para realizar
diligências prévias ao pedido de detração penal, sobretudo na identificação
do tempo de prisão cautelar. Em alguns casos, essa informação é facilmente
encontrada por meio de pesquisa nos autos ou na movimentação processual.
Em outros, o Advogado precisará perscrutar e diligenciar para obter a
informação.
Além disso, em caso de divergência na declaração dos dias
trabalhados para fins de remição, a investigação defensiva poderá ser útil
para comprovar que o apenado cumpriu determinada carga horária
trabalhando em determinados dias da semana no interior do estabelecimento
prisional ou no trabalho externo. Dependendo da simplicidade probatória,
não será necessário instaurar uma investigação defensiva, mas apenas
realizar uma diligência isolada.
Por fim, após a chamada Lei Anticrime (Lei n. 13.964/2019), foi
incluído o §9º do art. 2º da Lei n. 12.850/2013, que diz:
§9º O condenado expressamente em sentença por integrar
organização criminosa ou por crime praticado por meio
de organização criminosa não poderá progredir de regime
de cumprimento de pena ou obter livramento condicional
ou outros benefícios prisionais se houver elementos
probatórios que indiquem a manutenção do vínculo
associativo.
 
Sem entrar no mérito sobre a (in)constitucionalidade do referido
dispositivo, deve-se notar que a investigação criminal defensiva poderá ser
útil para demonstrar que não se mantém o vínculo associativo. Também será
cabível sua utilização para contrariar os elementos probatórios que integram
o processo de execução criminal.
Esses são apenas alguns exemplos de utilização da investigação
criminal defensiva, não excluindo outras possibilidades que, diante de um
caso concreto, podem justificar o uso do referido procedimento.
 

14.5. A investigação defensiva para a revisão criminal


 
Conforme Lopes Jr. (2020, p. 1178), a revisão criminal é:
(...) um meio extraordinário de impugnação, não
submetida a prazos, que se destina a rescindir uma
sentença transitada em julgado, exercendo por vezes
papel similar ao de uma ação de anulação, ou constitutiva
negativa no léxico ponteano, sem se ver obstacularizada
pela coisa julgada.
 
Para o ajuizamento da revisão criminal, especialmente quando há
necessidade de produção de prova testemunhal, entende-se que há
necessidade de justificação criminal, que consiste em um procedimento no
juízo de primeiro grau para realizar a inquirição da testemunha. Em
seguida, os autos da justificação seriam anexados à petição de ajuizamento
da revisão criminal.
Esse entendimento decorre do fato de que a revisão criminal, que
tramita no Tribunal, não tem uma fase de produção de provas. Logo,
eventuais provas deverão ser constituídas no juízo de primeiro grau.
Nesse diapasão, poder-se-ia cogitar a investigação defensiva como
um substituto da justificação criminal, utilizando-a para produzir os
elementos que serão anexados à petição de ajuizamento da revisão criminal.
Seria uma forma de evitar a dependência da pauta do Juiz de primeiro grau
e qualquer filtro arbitrário pelo Magistrado, que, para omitir erros próprios
ou de seus colegas, poderia conduzir a justificação com certa indisposição.
Ocorre que a utilização da investigação defensiva para instruir a
revisão criminal – sem a realização da justificação – dependeria da
aceitação, pelos Tribunais, das provas produzidas pelos Advogados.
Portanto, em busca de resultados, a recomendação seria instaurar a
investigação defensiva e, em seguida, com a sua conclusão, utilizar seus
resultados para instruir a justificação, inclusive para a repetição de
depoimentos já colhidos no procedimento conduzido pelo Advogado. Em
seguida, utilizaria os resultados da justificação para instruir a revisão
criminal.
Nessa sequência, em primeiro lugar, utilizaria a investigação
defensiva para instruir a justificação. Posteriormente, utilizaria a
justificação para instruir a revisão criminal.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por exemplo, entendeu que
seria incabível a justificação criminal, porque a defesa a utilizou como se
fosse uma investigação criminal defensiva:
(...)
No caso, a Defesa técnica do Paciente busca, em verdade,
se valer do Poder Judiciário para inaugurar verdadeira
investigação criminal defensiva, com o intuito de
contraditar a linha investigativa encampada pela
autoridade policial no inquérito policial que lastreou a
denúncia oferecida contra o Paciente e demais corréus,
não sendo essa a função da Justificação Criminal. 5.
Ordem denegada.
(TJ-DF 07084202020198070000 DF 0708420-
20.2019.8.07.0000, Relator: WALDIR LEÔNCIO
LOPES JÚNIOR, Data de Julgamento: 06/06/2019, 3ª
Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no PJe:
10/06/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
 
Para instruir a justificação e/ou a revisão criminal, a investigação
defensiva pode ter inúmeros atos, como:
inquirição de testemunhas que pretendem alterar seus
depoimentos ou que não foram ouvidas no processo;
obtenção de ata notarial para certificar determinados fatos;
diligências para obtenção de documentos ou mídias.
Considerando que a revisão criminal tem o desiderato de
desconstituir uma decisão com trânsito em julgado e que suas hipóteses de
cabimento estão previstas taxativamente no art. 621 do CPP, deve-se
conduzir a investigação criminal defensiva de modo a subsidiar o
fundamento selecionado. Ademais, é necessário ter ciência de que a prova –
quando exigida – precisará ter força suficiente para superar a coisa julgada,
haja vista que na revisão criminal, conforme a jurisprudência, não mais
vigora a presunção de inocência.
Nas hipóteses do inciso I do art. 621 do CPP (“quando a sentença
condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos
autos”), não se fala em avaliação de provas novas. Aliás, a hipótese prevista
no final do inciso (“contrária à evidência dos autos”) demanda uma
observação do conjunto probatório originário (aquele que integra os autos
da decisão condenatória), e não a produção ou avaliação de novas provas,
razão pela qual a investigação defensiva não teria muita
relevância/utilidade.
Diferentemente, para a hipótese prevista no inciso II do art. 621 do
CPP (“quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames
ou documentos comprovadamente falsos”), é justificável e útil a instauração
e condução de uma investigação criminal defensiva. Afinal, não é possível
provar a falsidade da prova apenas no bojo da revisão criminal. Exige-se
que tal demonstração ocorra previamente, tendo como base, por exemplo,
uma condenação por falso testemunho ou falsa perícia. Também seria
possível, por exemplo, por meio da confissão de uma testemunha no sentido
de que mentiu no processo originário, com a devida apresentação de provas
da versão verdadeira.
O Advogado ou Defensor Público poderia utilizar a investigação
defensiva para subsidiar – como assistente da acusação – a versão de que a
testemunha cometeu o crime de falso testemunho. Da mesma forma,
poderia ouvir a testemunha do processo originário no bojo da investigação
criminal defensiva, obtendo uma base suficiente para a justificação criminal
e, posteriormente, para a revisão criminal. Mais do que apenas obter uma
retratação da testemunha, o ideal seria obter outras provas que demonstrem
a falsidade do depoimento anterior e a veracidade do depoimento atual (ex.:
documentos que contrariem a versão falsa e provem a nova versão,
comprovantes de pagamento de vantagem indevida para mentir no
depoimento anterior, vídeos, imagens etc.).
Por fim, a hipótese prevista no inciso III do art. 621 do CPP
(“quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do
condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição
especial da pena”) é, por excelência, uma situação clara de utilização da
investigação criminal defensiva, utilizando este procedimento como meio
de obtenção das provas de inocência ou de circunstância que diminua a
pena.
 

15. Finalidades da investigação


 
Em relação ao objetivo da investigação defensiva, o art. 1º do
Provimento afirma que o procedimento se destina à “obtenção de elementos
de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela
de direitos de seu constituinte”.
De modo geral, a finalidade da investigação defensiva é produzir
elementos que poderão ser utilizados em inquéritos ou processos, buscando
favorecer o cliente.
O acervo probatório construído por meio da investigação defensiva
poderá ter várias finalidades específicas, como:
absolvição (negativa de autoria, inexistência de materialidade
etc.);
nulidade (demonstração de alguma situação que gere uma
ilegalidade, por exemplo);
extinção da punibilidade (demonstrar especificamente qual foi
a data do fato ou do conhecimento da autoria do fato, para
alegar, respectivamente, prescrição ou decadência);
provar fatos que afastem qualificadoras, agravantes ou causas
de aumento;
provar fatos que possibilitem o acolhimento de privilegiadoras,
atenuantes ou causas de aumento de pena;
provar fatos que beneficiem o réu quanto à análise das
circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal (ex.:
conduta social).
 
Quanto à expressão “acervo probatório lícito”, destaca-se que a
investigação defensiva deve respeitar as restrições constitucionais e legais.
Destarte, não se trata de um procedimento que permite toda e
qualquer ilegalidade em busca de provas. Deve-se trabalhar dentro da
legalidade, respeitando, por exemplo, a inviolabilidade de domicílio e de
comunicações, assim como a proibição à tortura. Em outras palavras, a
finalidade é conseguir elementos probatórios, mas sem a prática de crimes
ou outras ilegalidades.
Quanto à destinação específica do acervo probatório produzido por
meio da investigação defensiva, o art.  3º do Provimento prevê:
Art. 3° A investigação defensiva, sem prejuízo de outras
finalidades, orienta-se, especialmente, para a produção de
prova para emprego em:
I – pedido de instauração ou trancamento de inquérito;
II – rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa;
III – resposta a acusação;
IV – pedido de medidas cautelares;
V – defesa em ação penal pública ou privada;
VI – razões de recurso;
VII – revisão criminal;
VIII – habeas corpus;
IX – proposta de acordo de colaboração premiada;
X – proposta de acordo de leniência;
XI – outras medidas destinadas a assegurar os direitos
individuais em procedimentos de natureza criminal.
Parágrafo único. A atividade de investigação defensiva do
advogado inclui a realização de diligências investigatórias
visando à obtenção de elementos destinados à produção
de prova para o oferecimento de queixa, principal ou
subsidiária.
 
Não se trata de um rol taxativo, razão pela qual deve ser admitida a
investigação defensiva em outras hipóteses não previstas no texto acima,
especialmente em virtude da abertura proporcionada pelo inciso XI.
Utilizando o supracitado rol como parâmetro, analisaremos as
principais finalidades específicas da investigação defensiva.
 

15.1. Pedido de instauração de inquérito policial


 
Representando o interesse da vítima de uma infração penal, o
Advogado poderá conduzir uma investigação defensiva que tenha o escopo
de subsidiar o pedido de instauração de um inquérito policial.
Trata-se, portanto, de um caso de investigação “defensiva” (seria uma
defesa de direitos da vítima, mas não para uma defesa no sentido
processual, de ampla defesa de um acusado) voltada para a acusação,
possivelmente com o objetivo de, futuramente, no processo, atuar como
assistente da acusação ou, se for crime de ação penal privada, promover a
queixa-crime como querelante.
Com base em elementos produzidos pelo Advogado na investigação
defensiva e juntados ao pedido de instauração do inquérito policial dirigido
ao Delegado de Polícia, este poderá instaurar a investigação tendo, “ab
initio”, uma linha de raciocínio já estabelecida.
Para a vítima, a realização da investigação defensiva com o escopo
de instruir o pedido de instauração de inquérito policial poderá reduzir
significativamente os riscos de eventual responsabilização criminal por
denunciação caluniosa (art. 339 do CP). Ao oferecer elementos razoáveis e
verdadeiros, pautados, v. g., por depoimentos de testemunhas e documentos
públicos, poder-se-ia supor que o pedido de instauração do inquérito foi
feito de boa-fé, acreditando que o fato realmente ocorreu.
De qualquer forma, sempre é recomendável que o Advogado anexe
ao pedido de instauração de inquérito policial uma declaração assinada pela
vítima contendo a narrativa sobre o fato. O mesmo cuidado também é
válido para instruir a queixa-crime.
Salienta-se que, a princípio, a instauração de um inquérito policial
não exige um conjunto probatório robusto, o qual somente é exigido para
eventual condenação e, em menor intensidade, para o recebimento da
denúncia ou queixa. Na prática, apenas a palavra da vítima ou de uma
testemunha seria suficiente para a instauração do inquérito.
Portanto, deve-se ter cautela, haja vista que a antecipação
desnecessária de elementos que fundamentam a acusação significaria
conceder mais tempo para que a parte contrária (in casu, o autor do fato)
prepare a reação.
Urge destacar que o requerimento de instauração de inquérito policial
formulado por ofendido tem como fundamento o art. 5º, II, in fine, do CPP.
No §1º do art. 5º do CPP, observamos o que o requerimento deverá conter
(se possível): a narração do fato, com todas as circunstâncias; a
individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de
convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de
impossibilidade de o fazer; a nomeação das testemunhas, com indicação de
sua profissão e residência.
Assim, para subsidiar o pedido de instauração de inquérito policial, a
investigação criminal defensiva poderá ter como objetivo, entre outras
coisas:
a compreensão do fato que deverá ser narrado;
provar a narrativa fática, isto é, a materialidade do fato narrado
no pedido de instauração de inquérito;
descobrir quem é o autor do fato;
provar a autoria do fato;
obter testemunhas e a respectiva qualificação.
 
Nada impede que a investigação criminal defensiva utilizada para
subsidiar a instauração de um inquérito policial continue tramitando durante
toda a persecução penal (inquérito e instrução processual). Caso se pretenda
atuar como assistente da acusação ou querelante, seria recomendável esse
prolongamento da investigação defensiva.
 

15.2. Pedido de trancamento de inquérito


 
De acordo com Lopes Jr. (2020, p. 138), a investigação preliminar
“serve como filtro processual para evitar acusações infundadas, seja porque
despidas de lastro probatório suficiente, seja porque a conduta não é
aparentemente criminosa”. Nesse diapasão, o Advogado deve ressaltar esse
filtro, buscando, quando cabível, o trancamento do inquérito policial,
evitando que tenha início um processo penal teratológico.
Assim, é possível instaurar e conduzir uma investigação defensiva
em prol de um investigado/indiciado, com o objetivo de evitar a tramitação
de um inquérito policial ilegal, sem justa causa ou que tenha como objeto
um fato que não é crime, seja qual for o fundamento (atipicidade ou
excludentes de ilicitude e culpabilidade, por exemplo), ou que não seja
punível (prescrição, por exemplo).
Vale lembrar que, na prática, os requerimentos do investigado feitos
ao Delegado de Polícia, no bojo de um inquérito policial, são diuturnamente
indeferidos. Prepondera a lógica de que se deve investigar a autoria e a
materialidade, praticamente inadmitindo qualquer linha de investigação que
possa desconstruir eventual versão acusatória. Em outras palavras, na
prática, há casos em que o inquérito policial é feito para formar a versão
acusatória, somente encontrando elementos que justifiquem o arquivamento
por acaso ou “sorte/azar”.
Há casos de trancamento de inquérito policial que não dependem de
elementos informativos, como a atipicidade formal e a prescrição. Por outro
lado, há hipóteses de trancamento de inquérito que precisam da
demonstração fática de determinada situação.
Para essa finalidade, a investigação defensiva poderá ter como foco a
produção de provas de que, por exemplo, a conduta do investigado foi
praticada em legítima defesa. Também poderá ser utilizada para consolidar
a falta de justa causa ou a negativa de autoria. Além disso, poderá ser útil
em caso de alegação do princípio da insignificância, para provar o valor do
objeto subtraído, quando o auto de avaliação produzido no inquérito policial
for incorreto.
Em todos esses casos, a investigação poderá ser utilizada, parcial ou
totalmente, para instruir o habeas corpus que tenha como objetivo o
trancamento do inquérito policial.
Salienta-se que também é cabível o arquivamento do termo
circunstanciado e, por conseguinte, o seu trancamento.
Deve-se, sempre que possível, evitar o prolongamento do sofrimento
do investigado/réu na persecução penal, o que pode demorar muitos anos de
incontáveis reflexões sobre a possibilidade de ser condenado – e qual será a
pena – ou absolvido. Assim, o trancamento do inquérito policial é uma
redução desse sofrimento.
Entretanto, às vezes, a tentativa de trancamento não redunda em
êxito, frustrando as expectativas do Advogado momentaneamente. Se isso
acontecer, não se deve descartar a tese imediatamente, mas sim reconsiderar
sua utilização e, se for o caso, buscar novas provas que reforcem a
alegação.
 

15.3. Rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa


 
Essa hipótese prevê duas situações distintas quanto aos interessados
na condução da investigação defensiva:
rejeição da denúncia ou queixa: consiste em objetivo do
denunciado ou querelado, isto é, o suposto autor ou partícipe
da infração penal;
recebimento da denúncia ou queixa: trata-se de objetivo da
vítima, que poderá contribuir, preferencialmente durante o
inquérito, para que a denúncia seja oferecida pelo Ministério
Público e recebida pelo Juiz, da mesma forma que poderá
utilizar a investigação defensiva para subsidiar a queixa que
pretende oferecer, nos crimes de ação penal de iniciativa
privada ou quando cabível a ação penal privada subsidiária da
pública.
Insta recordar que o art. 395 do Código de Processo Penal prevê as
hipóteses de rejeição da denúncia ou queixa:
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - for manifestamente inepta;
II - faltar pressuposto processual ou condição para o
exercício da ação penal; ou
III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.
Assim, para a rejeição da exordial acusatória, a investigação
defensiva pode ter a finalidade de apresentar questionamentos
(contradições, omissões etc.) sobre os elementos informativos produzidos
no inquérito, tentando evidenciar a falta de justa causa.
Noutra senda, a investigação defensiva dificilmente será utilizada
para os incisos I e II do art. 395 do CPP, haja vista que são matérias que
prescindem de aprofundamento fático. A inépcia da denúncia, por exemplo,
pode ser percebida com a mera leitura da peça acusatória, constatando que o
Parquet não narrou os fatos corretamente ou deixou de individualizar as
condutas, em caso de pluralidade de denunciados.
A contrario sensu, a denúncia ou queixa será recebida quando não
incidir em alguma das hipóteses do art. 395 do CPP. Nesse caso, o
Advogado da vítima poderá conduzir uma investigação criminal defensiva
para oferecer elementos à autoridade policial ou ao Ministério Público,
objetivando o oferecimento e o recebimento da exordial acusatória.
Quanto ao recebimento da queixa, o Advogado da vítima – in casu,
querelante – atua amparado também pelo art. 3º, parágrafo único, do
Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB, que prevê que a
investigação defensiva conduzida pelo Advogado abrange a realização de
diligências investigatórias com o objetivo de obter elementos destinados à
produção de prova para o oferecimento de queixa, principal ou subsidiária.
Ora, uma consequência normal do oferecimento da queixa é a pretensão de
que ela seja recebida.
 

15.4. Resposta à acusação


 
A resposta à acusação pode ter várias finalidades, como o
reconhecimento de uma preliminar (v. g., a inépcia da denúncia), a
declaração da extinção da punibilidade (por exemplo, a decadência ou a
prescrição), a absolvição sumária (art. 397 do CPP) ou os pedidos de
produção de provas durante a instrução, incluindo a apresentação do rol de
testemunhas.
Especificamente quanto ao pedido de absolvição sumária, que
dependeria, em muitos casos, da análise fático-probatória, a investigação
defensiva pode ter enorme utilidade, especialmente quando o inquérito
policial tiver seguido apenas a linha investigativa da acusação.
Para tanto, deve-se observar o art. 397 do CPP:
Art. 397.  Após o cumprimento do disposto no art. 396-A,
e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver
sumariamente o acusado quando verificar:
I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude
do fato;
II - a existência manifesta de causa excludente da
culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;
III - que o fato narrado evidentemente não constitui
crime; ou
IV - extinta a punibilidade do agente.
 
Logo, uma investigação defensiva destinada a instruir a resposta à
acusação e o respectivo pedido de absolvição sumária deveria ter como
desiderato a demonstração fática de alguma das hipóteses do art. 397 do
CPP.
Quanto às excludentes de ilicitude, o art. 23 do Código Penal prevê a
legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento de um
dever legal e o exercício regular de um direito. Também existem outras
excludentes específicas de determinados crimes, na Parte Especial do
Código Penal ou na legislação penal especial.
Se o objetivo for reconhecer a legítima defesa, por exemplo, a
investigação defensiva poderá ser útil para provar um ou mais elementos do
art. 25 do Código Penal, como o uso moderado dos meios necessários ou a
prévia agressão injusta da pretensa vítima.
No inciso II do art. 397 do CPP, a absolvição sumária decorrente de
excludente de culpabilidade (salvo inimputabilidade) pode abranger o erro
de proibição ou a inexigibilidade de conduta diversa, sobretudo em caso de
fato cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não
manifestamente ilegal, de superior hierárquico (art. 22 do CP).
Nesse prisma, poder-se-ia utilizar a investigação defensiva para
demonstrar que não havia a potencial consciência da ilicitude do fato.
Ademais, também seria cabível a investigação defensiva para provar a
existência de uma coação moral que era insuperável (irresistível), assim
como o fato de ter agido seguindo estritamente a ordem (provada, v. g., por
documentos ou depoimentos) de um superior hierárquico (provando por
meio de documentos funcionais/oficiais), quando tal ordem não era
manifestamente ilegal.
O inciso III do art. 397 do CPP consiste na absolvição sumária
proveniente do reconhecimento de que o fato é atípico. Qual fato? Aquele
narrado na denúncia ou queixa. A princípio, essa hipótese prescinde de
análise fático-probatória, porquanto bastaria fazer um cotejo entre a
narrativa exposta na exordial acusatória e os tipos penais previstos na
legislação (principalmente aquele descrito na peça da acusação), caso se
trate de atipicidade formal. No caso de pedido de aplicação do princípio da
insignificância (atipicidade material), é cabível a produção de elementos
que demonstrem o ínfimo valor da coisa, por meio, por exemplo, de
orçamentos e autos de avaliação.
Sobre o inciso IV do art. 397 do CPP, temos uma hipótese que causa
divergência, porque seria um caso em que a extinção da punibilidade
produziria uma absolvição, algo não previsto no art. 386 do CPP, que trata
dos casos de absolvição após a instrução processual (na sentença).
Sem entrar no exame acerca de eventual falta de técnica do legislador
ao prever a extinção da punibilidade como hipótese de absolvição sumária
nessa etapa do processo, devemos lembrar que as principais causas de
extinção da punibilidade estão no art. 107 do CP, destacando-se, nesse
momento, a prescrição e a decadência.
Poder-se-ia cogitar a utilização da investigação defensiva para
esclarecer o marco inicial da decadência, considerando que o art. 103 do CP
prevê que a decadência do direito de queixa ou de representação ocorre se o
direito não for exercido “dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia
em que veio a saber quem é o autor do crime”. Portanto, a investigação
defensiva poderia ter a finalidade de provar que a suposta vítima tinha
ciência de quem é o autor do crime desde determinada data (anterior àquela
que consta na investigação oficial), tendo sido superado o prazo
decadencial.
Em qualquer caso, ainda que não se obtenha êxito imediatamente
após a resposta à acusação – quando o Juiz salienta que não é caso de
absolvição sumária e designa a data da audiência de instrução –, será
possível utilizar os resultados da investigação defensiva também para a
instrução do habeas corpus direcionado ao respectivo Tribunal, objetivando
o trancamento do processo pelo mesmo fundamento que poderia ter sido
acolhido para a absolvição sumária.
 

15.5. Pedido de medidas cautelares


 
A investigação defensiva para instruir pedido de medidas cautelares
se destina preponderantemente à atuação da vítima, mormente como
querelante ou assistente da acusação.
Nessa hipótese, a vítima poderá, v. g., requerer o sequestro de bens
do investigado/réu, considerando que o art. 127 do CPP prevê que o Juiz, de
ofício, a requerimento do Ministério Público ou do ofendido, ou mediante
representação da autoridade policial, poderá determinar o sequestro, medida
cabível em qualquer fase do processo, bem como antes de oferecida a
denúncia ou queixa.
A investigação defensiva poderá ter o propósito de demonstrar que os
bens imóveis foram adquiridos com os proventos da infração (art. 125 do
CPP), apresentando “indícios veementes da proveniência ilícita dos bens”
(art. 126 do CPP).
Também é importante destacar os arts. 134 e 135, §1º, ambos do
CPP:
Art. 134. A hipoteca legal sobre os imóveis do indiciado
poderá ser requerida pelo ofendido em qualquer fase do
processo, desde que haja certeza da infração e indícios
suficientes da autoria.
Art. 135. Pedida a especialização mediante requerimento,
em que a parte estimará o valor da responsabilidade civil,
e designará e estimará o imóvel ou imóveis que terão de
ficar especialmente hipotecados, o juiz mandará logo
proceder ao arbitramento do valor da responsabilidade e à
avaliação do imóvel ou imóveis.
§ 1o A petição será instruída com as provas ou indicação
das provas em que se fundar a estimação da
responsabilidade, com a relação dos imóveis que o
responsável possuir, se outros tiver, além dos indicados
no requerimento, e com os documentos comprobatórios
do domínio.
 
Nesse sentido, a investigação defensiva poderá ter como finalidade a
demonstração do prejuízo para a vítima – e o respectivo valor – ou a
existência de bens do investigado/réu, de acordo com o art. 135, §1º, do
CPP.
Para especificar o valor do prejuízo, o Advogado pode valer-se de
perícias e testemunhas, não desconsiderando que o arbitramento do valor da
responsabilidade e a avaliação dos imóveis designados serão feitos por
perito nomeado pelo Juiz, onde não houver avaliador judicial, sendo-lhe
facultada a consulta dos autos do processo respectivo (art. 135, §2º, do
CPP). Destarte, o resultado da investigação defensiva poderá ser utilizado
como parâmetro para o arbitramento do valor da responsabilidade e a
avaliação dos imóveis, servindo como um instrumento que tem o objetivo
de influenciar o perito e o Juiz.
Quanto à existência de bens do acusado, a realização de diligências
para obter prova documental seria de enorme importância, sobretudo
realizando pesquisas nos Cartórios de Registros de Imóveis.
Além das medidas cautelares reais, a investigação defensiva também
poderá subsidiar as medidas de natureza pessoal (prisão cautelar e medidas
cautelares diversas da prisão).
O art. 282, §2º, do CPP, afirma que as medidas cautelares serão
decretadas pelo Juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da
investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante
requerimento do Ministério Público. Em seguida, no §4º do mesmo
dispositivo legal, prevê que, em caso de descumprimento de qualquer das
obrigações impostas, o Juiz, mediante requerimento do Ministério Público,
de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra
em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva. Observa-
se, assim, a legitimidade do querelante ou assistente para requerer a
aplicação de medidas cautelares, inclusive a substituição das medidas
aplicadas.
No art. 311 do CPP, há previsão de que, em qualquer fase da
investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva
decretada pelo Juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou
do assistente, ou por representação da autoridade policial. Logo, a vítima,
como querelante ou assistente da acusação, também pode requerer a
decretação da prisão preventiva, a mais gravosa medida cautelar pessoal.
Em relação ao requerimento de decretação da prisão preventiva, a
investigação criminal defensiva poderá ter como finalidade a demonstração
do periculum libertatis e do fumus commissi delicti.
É recomendável seguir o disposto no art. 312 do CPP na condução da
investigação defensiva que tenha esse desiderato, sobretudo quanto à
necessidade de que a prisão seja decretada para a garantia da ordem pública,
da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para
assegurar a aplicação da lei penal. Também deve ter como escopo a
obtenção de prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de
perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Se o fundamento da prisão preventiva for o descumprimento das
obrigações impostas por meio das outras medidas cautelares (art. 312, §1º,
do CPP), pode-se utilizar a investigação defensiva para convencer o
Magistrado quanto ao referido descumprimento, como o fato de o
investigado ou réu ter frequentado um lugar proibido, mantido contato com
determinada pessoa ou violado o recolhimento domiciliar no período
noturno, medidas previstas no art. 319 do CPP.
Conclui-se que a investigação defensiva pode ser utilizada para o
querelante ou assistente da acusação demonstrar faticamente o
preenchimento dos requisitos ou fundamentos das medidas cautelares reais
e pessoais, incluindo a prisão preventiva. Em sentido oposto, também será
possível a utilização da investigação defensiva pelo investigado ou réu, com
o desiderato de provar a ausência de fundamento para a aplicação das
medidas cautelares reais e pessoais.
 

15.6. Defesa em ação penal pública ou privada


 
Essa hipótese de utilização da investigação defensiva é a mais
comum e pode produzir resultados significativos, como a absolvição ou a
desclassificação para uma infração penal menos grave.
Basicamente, a investigação defensiva significaria uma instrução
paralela àquela do processo, que tem a participação do Ministério Público,
querelante ou, eventualmente, do assistente da acusação, com o filtro do
Juiz para deferir ou não os requerimentos defensivos.
Conduzindo a investigação defensiva, o Advogado terá a
possibilidade de excluir a ingerência da parte acusadora, ao mesmo tempo
em que deixa de depender do deferimento do Juiz, que nem sempre
respeitará a ampla defesa. Afinal, não são raros os casos de cerceamento de
defesa por indeferimento de perguntas ou pedidos de diligências.
Enquanto as testemunhas são ouvidas na instrução processual, com a
inquirição feita também pela parte contrária e pelo Juiz, a investigação
defensiva será realizada de forma unilateral, com a discricionariedade do
Advogado para adotar as melhores linhas de investigação e utilizar ou não
os resultados do procedimento.
Evidentemente, a condução da investigação defensiva pelo Advogado
não excluirá a realização da instrução processual, que é sempre necessária,
tampouco afastará a exigência de que a defesa técnica participe do
processo. Noutros termos, a investigação defensiva não substitui a instrução
processual, mas sim funciona como um complemento que, se utilizado
corretamente, terá o condão de favorecer o réu.
Os resultados pretendidos com a investigação defensiva podem ser
vários, citando, entre os principais:
absolvição (art. 386 do CPP);
desclassificação para infração penal menos grave que aquela
imputada na denúncia ou queixa;
afastamento de qualificadora, agravante ou causa de aumento
de pena;
reconhecimento de privilegiadora, atenuante ou causa de
diminuição de pena;
afastamento do dever de indenizar, demonstrando que não há
prejuízo para a vítima.
 
Ademais, a finalidade da investigação pode ser sustentar a versão já
apresentada nos autos oficiais ou buscar uma nova versão, ainda não
alegada, mas que seja mais plausível.
 

15.7. Razões de recurso


 
Essa finalidade da investigação defensiva é consideravelmente ampla
e, ao mesmo tempo, enfrenta dificuldades para sua implementação.
Há inúmeros recursos que podem ser interpostos pela defesa, como
apelação, recurso em sentido estrito, correição parcial, recursos
extraordinário e especial, agravo regimental etc.
Ocorre que, na prática, a juntada de documentos na fase recursal
enfrenta grande resistência dos Desembargadores e Ministros. Outrossim,
os Tribunais Superiores consolidaram a tese de que não se admite reexame
fático e probatório nos recursos extraordinário e especial.
A princípio, poderia ser utilizada a investigação defensiva para
provar um fato ou um fundamento já alegado. Se pretendesse sustentar um
fato novo em grau recursal, haveria o risco de o Tribunal entender que se
trata de supressão de instância.
De qualquer forma, tratando-se de um caso excepcionalmente
instigante e que envolva algum equívoco absurdo, é possível que o Tribunal
ao menos considere os documentos juntados.
 
 

15.8. Revisão criminal


 
Nas palavras de Badaró (2020, p. 509):
No processo penal, uma condenação errônea que tenha
transitado em julgado significa a perpetuação de uma
gravíssima injustiça, que indevidamente priva o indivíduo
de um de seus direitos mais relevantes: a liberdade. É
necessário, portanto, que, mesmo após o trânsito em
julgado, haja algum mecanismo para fazer aflorar a
justiça, corrigindo erros cuja perpetuação seria
inaceitável.
 
O mecanismo para evitar a perpetuação da injustiça ou do erro nesses
casos é a revisão criminal, que tem natureza de ação autônoma de
impugnação, servindo para atacar decisões judiciais transitadas em julgado.
Nos termos do art. 621 do CPP, a revisão será admitida:
quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso
da lei penal ou à evidência dos autos;
quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos,
exames ou documentos comprovadamente falsos;
quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de
inocência do condenado ou de circunstância que determine ou
autorize diminuição especial da pena.
Ademais, a revisão é cabível a qualquer tempo, inclusive após a
extinção da pena (art. 622 do CPP).
Em um plano ideal, a investigação defensiva poderia subsidiar
diretamente o ajuizamento da revisão criminal, evitando a necessidade de
justificação criminal no primeiro grau e, consequentemente, o
prolongamento de um erro judiciário. Contudo, precisamos entender os
limites jurisprudenciais.
O STJ já decidiu o seguinte sobre a exigência de justificação criminal
antes da revisão:
(...) 1. De acordo com a jurisprudência há muito
consolidada deste Superior Tribunal de Justiça, o pedido
de revisão criminal, calcado na existência de prova oral
nova, pressupõe a necessidade de sujeição dos novéis
elementos probatórios ao eficiente e democrático filtro do
contraditório. 2. Referido entendimento foi mantido não
obstante a supressão, pelo Novo Código de Processo
Civil, do procedimento cautelar de justificação, sendo
necessária a produção antecipada de provas (arts. 381 e
382 do referido Estatuto Processual) para ajuizamento de
ação revisional fundada na existência de novas provas
decorrentes de fonte pessoal. 3. Recurso especial provido.
(STJ - REsp: 1720683 MS 2018/0019317-4, Relator:
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data
de Julgamento: 02/08/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data
de Publicação: DJe 13/08/2018)
 
Por outro lado, sobre a desnecessidade da justificação, já decidiu:
(...) 3. A exigência de justificação judicial diz respeito
tão-somente à prova oral, não sendo necessária quando se
cuida de prova pericial, cuja realização foi determinada
durante o inquérito, mas que veio a ser juntada aos autos
da ação penal apenas quando já proferida a condenação.
(...) (STJ - AREsp: 1026149 SP 2016/0321845-1, Relator:
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de
Publicação: DJ 26/10/2017)
 
Em suma, havendo necessidade de produção de prova oral, ela deverá
ser feita em uma justificação criminal. A contrario sensu, outras provas de
natureza não oral poderão ser levadas diretamente à revisão criminal.
O primeiro ponto consiste em entender que, pela jurisprudência do
STJ, a produção de uma prova oral não poder ser feita isoladamente pela
defesa, tampouco produzida na revisão criminal, que exige prova pré-
constituída e não admite dilação probatória. É necessário que a prova oral
seja produzida na justificação criminal.
A principal prova oral é a testemunhal, disciplinada entre os arts. 202
e 225 do CPP. Assim, caso a revisão criminal seja fundamentada em uma
prova testemunhal, exige-se a justificação criminal. No mesmo sentido, a
oitiva do ofendido (art. 201 do CPP), que também é uma prova de natureza
oral.
Da mesma forma, mas com uma utilização muito menor, podemos
imaginar os esclarecimentos de peritos e as acareações (art. 400 do CPP).
Na prática, não se observa a utilização dessas provas como fundamento
para uma revisão criminal.
Nesses casos, é recomendável utilizar a investigação criminal
defensiva como forma de antecipação do depoimento para avaliar se seu
resultado é suficiente como fundamento de uma futura revisão criminal.
Defendemos a posição de que, como regra, os resultados da
investigação criminal devem ser aceitos para o ajuizamento da revisão
criminal, independentemente de justificação no primeiro grau. Somente não
poderão ser considerados quando houver fundada suspeita de erros,
falsidades ou quaisquer outros vícios que comprometam a veracidade do
seu conteúdo.
De qualquer forma, sabe-se que, na prática, nosso entendimento
dificilmente será aceito pelos Tribunais de forma pacífica, sobretudo em
razão da crescente desconfiança em relação à Advocacia.
Assim, como dica prática, sugerimos que os resultados da
investigação criminal sejam utilizados como fundamento da justificação
criminal, sendo esta, em seguida, utilizada como fundamento da revisão
criminal. Esse seria o caminho menos arriscado, ainda que mais demorado.
Considerando os entendimentos do STJ anteriormente citados, pode-
se adotar como estratégia a utilização da investigação criminal defensiva
para obter os documentos ou realizar as perícias e, em seguida, ajuizar a
revisão criminal, pulando a etapa da justificação.
Por outro lado, caso o fundamento da revisão criminal seja uma
prova oral, recomenda-se conduzir uma investigação criminal defensiva
para ouvir a testemunha ou vítima, utilizando uma estratégia de antecipação
do depoimento – ouvi-la antes de levá-la às autoridades – para que, em
seguida, o Advogado avalie se é plausível ouvir a testemunha novamente
em uma justificação criminal ou se o seu depoimento não é bom o
suficiente, devendo ser descartado.
Explico: no caso de necessidade de produção de prova oral, a
investigação criminal defensiva serviria como um filtro. Faz-se a inquirição
da testemunha nos autos da investigação para saber qual é o conteúdo do
seu depoimento atualmente. Se for desfavorável à defesa, desconsidera-se o
depoimento, não levando os resultados da investigação à justificação ou à
revisão criminal, tampouco requerendo a oitiva da testemunha na
justificação. Por outro lado, se o depoimento tomado na investigação
defensiva for favorável, deve-se utilizar a justificação criminal para que ele
seja novamente produzido, desta feita perante o Juízo, com o exercício do
contraditório pelo Ministério Público. Em seguida, repetindo o êxito do
depoimento, pode-se ajuizar a revisão criminal.
 

15.9. Habeas corpus


 
A importância do habeas corpus é inquestionável em um sistema
punitivo como o brasileiro, que produz muitas ilegalidades e, normalmente,
deixa-se levar pelo clamor público e por ondas punitivistas.
No art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, consta que “conceder-se-
á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou
abuso de poder”.
Por sua vez, o art. 647 do CPP afirma: “Dar-se-á habeas corpus
sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou
coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição
disciplinar”. Em seguida, o art. 648, também do CPP, apresenta um rol de
hipóteses de coações ilegais, destacando-se, por exemplo, a ausência de
justa causa, o processo manifestamente nulo e o cessamento do motivo que
autorizou a coação.
Nos últimos anos, o habeas corpus foi fundamental para combater
ilegalidades que se tornaram cotidianas, como muito bem destaca Toron
(2020, p. 29):
(...) foi por meio do habeas corpus que se conseguiu
quebrar a espinha dorsal de uma maneira policialesca de
se investigar: prender e não permitir que os advogados
tivessem acesso aos autos; prender temporariamente
como forma de facilitar a obtenção de confissões e a
generalização de escutas, muitas vezes abusivas.
 
Reconhecida a importância do referido remédio constitucional, deve-
se destacar que a investigação criminal defensiva também pode ser utilizada
para conseguir elementos que fundamentem o habeas corpus.
Como é sabido, o habeas corpus depende de prova pré-constituída,
sob pena de que o remédio constitucional não seja conhecido. Assim, a
investigação criminal defensiva poderá ser utilizada especificamente para
reunir as provas que serão utilizadas na instrução do habeas corpus.
Em alguns casos, por exemplo, o habeas corpus terá o desiderato de
trancar o processo por legítima defesa (excludente de ilicitude) ou
inexistência de provas de autoria e/ou materialidade (falta de justa causa).
Nessas situações, a investigação terá utilidade para instruir adequadamente
o remédio constitucional, tentando provar a reação a uma agressão injusta
(e os outros requisitos da legítima defesa) ou para desconstruir os elementos
presentes nos autos oficiais.
Caso o habeas corpus seja utilizado contra uma prisão cautelar, a
investigação defensiva poder ter o escopo de reunir elementos que afastem
os fundamentos da segregação, demonstrando, por exemplo:
a inexistência de algum fundamento previsto no art. 312 do
CPP, isto é, garantia da ordem pública, da ordem econômica,
conveniência da instrução criminal ou necessidade de
assegurar a aplicação da lei penal;
também com base no art. 312 do CPP, a inexistência de prova
da materialidade ou de indício suficiente de autoria, bem como
a ausência de perigo gerado pelo estado de liberdade do
imputado;
que não foi descumprida a medida cautelar anteriormente
aplicada (art. 312, §1º, do CPP);
que não são verdadeiros os fatos novos ou contemporâneos
utilizados na decisão para justificar a aplicação da prisão
preventiva (art 312, §2º, do CPP).
 

15.10. Proposta de acordo de colaboração premiada


 
A investigação criminal defensiva pode ser utilizada para subsidiar a
proposta de acordo de colaboração premiada.
Salienta-se que o art. 3º-C, §4º, da Lei n. 12.850/2013 (Lei das
Organizações Criminosas), dispõe que incumbe à defesa instruir a proposta
de colaboração e os anexos com os fatos adequadamente descritos, com
todas as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de
corroboração.
Logo, não basta apresentar uma proposta de acordo de colaboração
premiada sem qualquer descrição dos fatos ou desprovida da indicação de
provas e elementos de corroboração. Exige-se uma justa causa inicial para
que a proposta não seja sumariamente indeferida (art. 3º-B, §1º, da Lei das
Organizações Criminosas).
Ainda que exista a possibilidade de que o acordo de colaboração
premiada seja precedido de instrução, quando houver necessidade de
identificação ou complementação de seu objeto, dos fatos narrados, sua
definição jurídica, relevância, utilidade e interesse público (art. 3º-B, §2º, da
Lei das Organizações Criminosas), deve-se oferecer, com a proposta, uma
base suficiente para que o celebrante confie no potencial colaborador e
inicie as tratativas.
Urge destacar que a antecipação desses elementos na proposta de
acordo não pode, em tese, causar prejuízo ao potencial colaborador,
considerando que o recebimento da proposta para formação de acordo de
colaboração constitui marco de confidencialidade, configurando violação de
sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais tratativas
iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por
decisão judicial (art. 3º-B, caput, da Lei das Organizações Criminosas).
Ademais, na hipótese de não ser celebrado o acordo por iniciativa do
celebrante, este não poderá se valer de nenhuma das informações ou provas
apresentadas pelo colaborador, de boa-fé, para qualquer outra finalidade
(art. 3º-B, §6º, da Lei das Organizações Criminosas). Dessa forma, há uma
garantia para evitar que o potencial colaborador apresente todas as
informações e indique as provas, com posterior negativa do acordo pelo
celebrante, valendo-se este de tudo que foi objeto da proposta.
Assim, ciente da necessidade de subsidiar a proposta e tendo a
garantia de que esses elementos não serão utilizados se o acordo não for
celebrado por iniciativa do celebrante, deve-se ter uma postura ativa para a
formação do que será objeto da proposta de colaboração premiada.
Em alguns casos, o potencial colaborador terá a narrativa completa à
disposição, bastando consultar algumas anotações. Entretanto, na maioria
dos casos, será necessário realizar um conjunto de diligências para obter
endereços, registros, dados etc. Além disso, também precisará documentar
todos os elementos, relacionando cada parte da narrativa com aquilo que
prova o respectivo fato. Para isso, a investigação criminal defensiva terá
enorme utilidade.
 

15.11. Proposta de acordo de leniência


 
De modo similar à proposta de acordo de colaboração premiada, a
tentativa de formalização de um acordo de leniência também pode ter como
fase preparatória a investigação criminal defensiva.
A Lei n. 12.846/2013 trata da responsabilização administrativa e civil
de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública
nacional ou estrangeira. Nos arts. 16 e 17, prevê a possibilidade de celebrar
acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos
atos previstos na sobredita lei que colaborarem efetivamente com as
investigações.
Conforme Antonik (2016, p. 53):
Leniência é a característica daquilo que é marcado pela
suavidade. É uma qualidade do que é agradável, suave ou
doce, ou no sentido de mansidão ou lenidade. Também
pode ser traduzido como excessiva tolerância. Já o
Acordo de Leniência é um tipo de ajuste que possibilita
ao infrator fazer parte da investigação, com o intuito de
prevenir ou restaurar um dano por ele cometido, e, por
fazer isso, receberá determinados benefícios.
 
De acordo com Meira e Valim (2019):
Os acordos de leniência são ferramentas fundamentais de
enfrentamento da corrupção que promovem, a um só
tempo, a ampliação das investigações, a implantação e
monitoramento do controle interno das empresas e a
preservação da atividade econômica.
 
Observa-se que o acordo de leniência gera, a princípio, vantagens
para todos que dele participam, especialmente para a pessoa jurídica, que,
conforme o art. 16, §2º, da Lei n. 12.846/2013, ficará isenta das sanções
previstas no inciso II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até
2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável. Contudo, o acordo não afastará
a obrigação de reparar integralmente o dano causado (art. 16, §3º).
Como proteção, o art. 16, §7º, da Lei n. 12.846/2013, institui que não
importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a
proposta de acordo de leniência rejeitada.
Os requisitos do acordo de leniência estão previstos no art. 16, §1º,
da Lei n. 12.846/2013, quais sejam:
a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu
interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;
a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na
infração investigada a partir da data de propositura do acordo;
a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere
plena e permanentemente com as investigações e o processo
administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que
solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
O acordo de leniência também deverá gerar os resultados
mencionados no art. 16, incisos I e II, que são:
a identificação dos demais envolvidos na infração, quando
couber;
a obtenção célere de informações e documentos que
comprovem o ilícito sob apuração.
Quanto aos dois resultados exigidos e ao requisito da cooperação
plena e permanente com as investigações e o processo administrativo, a
investigação criminal defensiva pode ter utilidade para consolidar a justa
causa que possibilite a celebração do acordo.
Por meio da investigação criminal defensiva, será possível cooperar
com as investigações oficiais, justificando a formalização do acordo de
leniência. Busca-se, assim, um conjunto mínimo de elementos que seja
suficiente para demonstrar o potencial de gerar os resultados previstos na
Lei n. 12.846/2013.
 
15.12. Outras medidas destinadas a assegurar os direitos
individuais em procedimentos de natureza criminal
 
Trata-se de hipótese consideravelmente ampla e subsidiária em
relação às possibilidades anteriores.
A investigação criminal defensiva pode ser utilizada para obter
elementos que serão utilizados em qualquer procedimento de natureza
criminal, abrangendo todas as fases (inquérito policial, instrução, recursos
ou execução penal, assim como a revisão criminal).
Destarte, não há limitação sobre a destinação específica da
investigação criminal defensiva, que poderá ter qualquer uma das
finalidades previstas no rol não taxativo do Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB.
Aqui, estaria abrangida, por exemplo, a investigação criminal
defensiva que tenha a finalidade de surtir efeito na execução penal, em caso
de fundamentação do pedido de algum direito (indulto, detração, prisão
domiciliar etc.) ou para realizar a defesa em procedimento de apuração de
falta grave.
Limitar a investigação defensiva seria reduzir suas possibilidades, o
que significa, basicamente, limitar a ampla defesa, impondo uma
impossibilidade de produzir provas que influenciem o julgador.
 

16. Diligências possíveis


 
O art. 4º do Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB
dispõe:
Art. 4º Poderá o advogado, na condução da investigação
defensiva, promover diretamente todas as diligências
investigatórias necessárias ao esclarecimento do fato, em
especial a colheita de depoimentos, pesquisa e obtenção
de dados e informações disponíveis em órgãos públicos
ou privados, determinar a elaboração de laudos e exames
periciais, e realizar reconstituições, ressalvadas as
hipóteses de reserva de jurisdição.
 
O sobredito artigo apresenta um rol exemplificativo de possíveis
diligências, admitindo que o Advogado pratique todas as diligências
investigatórias necessárias ao esclarecimento do fato, listando, em seguida,
alguns atos específicos:
colheita de depoimentos;
pesquisa e obtenção de dados e informações disponíveis em
órgãos públicos ou privados;
determinar a elaboração de laudos e exames periciais;
realizar reconstituições.
Além desses atos, também devem ser admitidos quaisquer outros que
não estejam sujeitos à reserva de jurisdição, como:
obtenção de documentos;
realização de acareações;
realização de reconhecimento de pessoa;
realização de reconhecimento de coisa;
avaliação de objeto.
A seguir, analisaremos as principais diligências e como elas podem
ser conduzidas pelo Advogado ou Defensor Público.
 

16.1. Depoimentos
 
A colheita de depoimentos é uma das principais possibilidades na
investigação criminal defensiva, porque permite a antecipação de um
testemunho que, se favorável, poderá ser levado aos autos oficiais, por
declaração escrita ou audiovisual, bem como repetida, arrolando a
testemunha para que seja ouvida no processo.
De certa forma, o Ministério Público já faz isso na investigação direta
(PIC) ao ouvir testemunhas sem a presença do Advogado do réu, tendo,
ainda, a liberdade para inquirir sem o controle realizado pelo Magistrado,
que poderia indeferir, por exemplo, perguntas que induzam a resposta (art.
212 do CPP).
Para a defesa, a vantagem de tomar depoimentos consiste em obter
declarações de testemunhas sem a participação da outra parte (Ministério
Público ou querelante), que poderia, por suas perguntas, gerar contradições
ou enfraquecer a versão apresentada.
Inquirindo a testemunha na investigação criminal defensiva, o
Advogado terá a vantagem estratégica de que a inquirição não tenha
perguntas do Delegado, Ministério Público, querelante, assistente da
acusação ou Juiz. Seriam formuladas apenas as perguntas escolhidas
previamente pelo Advogado, que teria o domínio da situação.
Outra vantagem seria a discricionariedade de juntar ou não aos autos
oficiais o termo de declaração ou sua respectiva gravação audiovisual.
Sendo desfavorável ao investigado/réu e considerando que não se pode
exigir a autoincriminação, o depoimento poderia permanecer apenas nos
autos da investigação defensiva, não sendo juntado aos autos oficiais. Por
outro lado, quando uma testemunha é arrolada e inquirida em um inquérito
ou processo, suas palavras não podem ser extraídas dos autos se forem
desfavoráveis à parte que a arrolou.
Feitas as considerações sobre as vantagens da oitiva de uma
testemunha na investigação defensiva, questionamos: como isso deve ser
feito na prática?
O primeiro passo consiste em perguntar ao cliente se há pessoas que
saibam sobre o fato e que podem colaborar para o fortalecimento da sua
versão. Identificando as testemunhas e sabendo o que, em tese, elas podem
declarar, deve-se pesquisar o respectivo endereço. Em alguns casos, o
cliente saberá o endereço. Em outros, o Advogado precisará diligenciar em
busca dessa informação.
Em seguida, deve-se elaborar um convite à testemunha para que
compareça ao escritório com a finalidade de prestar declarações sobre o
fato. Nada impede que o convite seja feito por telefone, e-mail ou aplicativo
de mensagens, mas, para garantir a formalidade do ato, recomenda-se que
seja por escrito, com aviso de recebimento.
Nessa linha, Bulhões (2019, p. 120) afirma:
Nessa toada, é possível que o advogado chame,
formalmente, testemunhas, sejam elas amigáveis, neutras
ou hostis. As ‘amigáveis’ poderão facilmente comparecer
espontaneamente, enquanto talvez as ‘neutras’ reajam
positivamente a uma notificação extrajudicial privada, e
às ‘hostis’ muito provavelmente reste a alternativa da
notificação cartorária (pública). Todas deverão ser
igualmente documentadas.
 
Se a testemunha não comparecer, não há consequências. Não será
possível sua condução coercitiva ou a aplicação de multa, tampouco a
responsabilização por crime de desobediência (hipótese prevista em
algumas intimações judiciais). A única possibilidade será entrar em contato
novamente, questionando se há alguma dúvida sobre o ato ou se prefere
agendar para uma nova data. Obviamente, também restará a alternativa de
ouvi-la diretamente nos autos oficiais (inquérito ou processo).
Comparecendo a testemunha, recomenda-se que tudo seja gravado
por meio audiovisual, incluindo a qualificação. Não será tomado o
compromisso de dizer a verdade, considerando que não há crime de falso
testemunho se a mentira ou omissão ocorrer em um depoimento na
investigação defensiva. Por outro lado, recomenda-se que se pergunte à
testemunha se ela está comparecendo voluntariamente, a fim de que sua
resposta fique gravada na mídia.
Inicialmente, deve-se fazer a qualificação da testemunha.
Recomenda-se a utilização do art. 203 do CPP como parâmetro, com
exceção da parte inicial, que trata do compromisso de dizer a verdade:
Art. 203.  A testemunha fará, sob palavra de honra, a
promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for
perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu
estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce
sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das
partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e
relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua
ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se
de sua credibilidade.
 
Assim, as perguntas sobre a qualificação podem dizer respeito aos
seguintes dados:
nome;
idade;
residência;
profissão;
lugar onde exerce sua atividade;
se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais
suas relações com qualquer uma delas.
Em seguida, na parte específica sobre o fato, o Advogado deve
explicar rapidamente do que se trata o procedimento e qual é o fato
investigado, perguntando, logo depois, sobre o que a testemunha sabe.
Após o relato inicial da testemunha, o Advogado deve fazer as
perguntas pertinentes, indagando, quando for o caso, como a testemunha
tem ciência das informações prestadas, com base em quais elementos ela
faz tais afirmações e de que forma pode ser confirmada sua credibilidade.
Não se pode desconsiderar essa parte, haja vista que os motivos da ciência
da testemunha podem justificar novas diligências na investigação defensiva.
Cita-se, v. g., o caso em que uma testemunha diz que soube de determinadas
informações por meio de outra pessoa, hipótese em que o Advogado poderá
convidar esse terceiro para prestar declarações.
Por fim, como encerramento, deve perguntar à testemunha se há algo
mais que ela queira falar ou que considere relevante sobre o fato.
Após o encerramento da gravação, o Advogado deverá pedir à
testemunha que assine um termo de declarações que contenha as
informações sobre o depoimento, especificamente que, no dia e horário
mencionados, a testemunha compareceu voluntariamente para declarar o
que consta na mídia.
Vejamos um exemplo:
FULANO, (nacionalidade), (estado civil), (profissão), RG
n. ____, CPF n. ____, residente e domiciliado ____,
declara que compareceu na data de hoje ao escritório
____, com sede na rua ____, VOLUNTARIAMENTE,
para prestar informações relacionadas ao processo ____,
nos autos da investigação criminal defensiva n. ____.
 
Futuramente, no momento oportuno, o Advogado precisará avaliar se
as declarações são favoráveis ao cliente, hipótese em que poderá juntar uma
cópia aos autos oficiais (inquérito ou processo). Sendo desfavoráveis as
palavras da testemunha, poderá deixar o depoimento apenas na investigação
defensiva, não o levando para o inquérito ou processo.
Para atribuir mais valor ao depoimento, o Advogado poderá, além de
juntar a cópia nos autos oficiais, arrolar a testemunha para que seja
inquirida na audiência de instrução, perante o Juiz, submetendo-a ao
contraditório, porque também será perguntada pela outra parte.
Vale lembrar que, na prática, muitos Advogados e Defensores
Públicos já utilizam declarações de testemunhas abonatórias, obtidas
unilateralmente. Com a utilização do sobredito procedimento, as
declarações deixariam de se limitar a aspectos sobre a conduta social e a
personalidade (circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, presentes na
primeira fase da dosimetria da pena) para abranger também questões sobre
o fato, como autoria, materialidade e excludentes de ilicitude.
 

16.2. Pesquisa e obtenção de dados e informações


 
A pesquisa e obtenção de dados e informações disponíveis em órgãos
públicos ou privados é uma atividade corriqueira, já utilizada por muitos
Advogados, independentemente de investigação defensiva. Aliás, para obter
alguns dados, nem mesmo é necessário ser Advogado, porque bastaria uma
pesquisa rápida em alguns sites.
Se pretende encontrar informações sobre alguém que integra algum
conselho de classe, pode-se pesquisar no respectivo site. Como exemplo,
para encontrar algumas informações sobre Advogados, é recomendável
utilizar o site https://cna.oab.org.br/.
A pesquisa no Google também encontra informações importantes,
principalmente os links das redes sociais, do currículo Lattes e de outros
sites que agregam informações, como o Escavador. Para ser frutífera, a
pesquisa deve ser feita com o uso correto das aspas e, quando necessário,
algum tipo de identificação quanto à profissão e/ou ao local. Ex.: médico
“Fulano de Tal” Goiânia.
Nas redes sociais, recomenda-se que a pesquisa não se limite ao
nome completo da pessoa. Quando nada for encontrado, é recomendável
pesquisar apenas o sobrenome, sobretudo se for incomum.
Se o objetivo for obter meios para entrar em contato com alguém,
alguns sites podem fornecer o número de telefone, como
https://www.telelistas.net/ e
http://www.brasilpaginasamarelas.com.br/busca/.
Para obter informações sobre uma pessoa jurídica, recomenda-se a
página 
https://servicos.receita.fazenda.gov.br/Servicos/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitac
ao.asp, que, para ser utilizada, necessita da inserção do CNPJ. Por outro
lado, se o objetivo for pesquisar uma pessoa física, o link a ser utilizado é o
https://servicos.receita.fazenda.gov.br/Servicos/CPF/ConsultaSituacao/Cons
ultaPublica.asp, que exige a inserção da data de nascimento.
Se o objetivo for encontrar informações sobre um funcionário
público, pode-se consultar no Portal da Transparência do respectivo
Órgão/Poder.
Pesquisando o nome da pessoa física ou jurídica no Jusbrasil
(https://www.jusbrasil.com.br), é possível encontrar processos dos quais ela
seja parte. Em seguida, pode-se consultar o número do processo no site do
respectivo Tribunal e verificar a parte de mandados de intimação, com o fim
de saber se aquela pessoa foi encontrada nos outros processos e em qual
endereço.
Também devemos considerar a possibilidade de diligenciar em
órgãos públicos, cartórios e tabelionatos em busca de informações e, se for
o caso, certidões. Deve-se destacar que o art. 5º, XXXIV, “b”, da
Constituição Federal, prevê a obtenção de certidões em repartições
públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse
pessoal.
Por fim, há empresas que realizam essas pesquisas mediante o
pagamento de um valor, normalmente definido de acordo com a
complexidade da pesquisa e a quantidade de pessoas, coisas ou informações
que serão pesquisadas.
A obtenção de imagens, especialmente aquelas gravadas por câmeras
de vigilância, também é uma opção. Contudo, o Advogado não poderá
requisitá-las ou “determinar” sua entrega, mas apenas solicitar ao
proprietário.
Conforme Bulhões (2019, p. 125):
Nesse ponto, contudo, é importante lembrar que a
atividade advocatícia não detém poder de polícia e nem
cogência, sendo qualquer colaboração obtida mediante
voluntariedade da pessoa física ou jurídica solicitada.
 
Enfim, há uma variedade de fontes de informações e bancos de
dados, devendo o Advogado escolher quais são adequadas ao caso concreto.
 

16.3. Laudos e exames periciais


 
A produção de laudos e exames periciais é uma prática já aceita e
utilizada, especialmente em alguns casos de homicídio, independentemente
de investigação criminal defensiva.
A atuação defensiva por meio da produção ou do questionamento de
provas periciais não é uma novidade. Afinal, há alguns dispositivos legais
que permitem essa atuação.
Conforme Bulhões (2019, p. 127):
Vislumbrando uma classificação para a atuação do perito
dentro da investigação defensiva, pode-se dividi-la em: (i)
atuação enquanto assistente técnico após a conclusão das
perícias oficiais (artigo 159, §3º, CPP); (ii) atuação em
contra-perícia, para realização de uma perícia em paralelo
à perícia oficial; (iii) atuação em uma perícia autônoma,
totalmente independente até mesmo da existência de
qualquer perícia oficial.
 
Observa-se que a atuação defensiva em relação à perícia é muito
ampla. Não se deve admitir que a prova pericial seja produzida sem a
participação da defesa. Ademais, quando produzida, ainda se deve tentar
questioná-la. Por fim, também deve ser considerada a produção de uma
perícia fora dos autos oficiais, de modo independente.
Cita-se, de início, o art. 159 do CPP, que disciplina a atuação do
assistente técnico em vários pontos:
Art. 159 (...)
§ 3o Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente
de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a
formulação de quesitos e indicação de assistente
técnico.
§ 4o O assistente técnico atuará a partir de sua
admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e
elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as
partes intimadas desta decisão.
§ 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às
partes, quanto à perícia:
I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a
prova ou para responderem a quesitos, desde que o
mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem
esclarecidas sejam encaminhados com antecedência
mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas
em laudo complementar;
II – indicar assistentes técnicos que poderão
apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz
ou ser inquiridos em audiência.
§ 6o Havendo requerimento das partes, o material
probatório que serviu de base à perícia será
disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que
manterá sempre sua guarda, e na presença de perito
oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for
impossível a sua conservação.
§ 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de
uma área de conhecimento especializado, poder-se-á
designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte
indicar mais de um assistente técnico. (grifo nosso)
 
A atuação de um perito particular, contratado pelo investigado ou
réu, pode ser relevante para apresentar conclusões diversas daquelas dos
peritos oficiais ou não oficiais (duas pessoas idôneas que prestaram o
compromisso), isto é, aqueles que atuam na persecução penal.
Também poderá apresentar pareceres demonstrando os equívocos das
perícias que estiverem nos autos oficiais.
Por fim, o perito particular poderá questionar a cadeia de custódia
(art. 158-A do CPP), apresentando erros no rastreamento ou manuseio dos
vestígios em alguma de suas etapas (art. 158-B do CPP).
Também é possível produzir uma perícia no bojo da investigação
criminal defensiva para que, se o resultado for favorável, ela seja juntada
aos autos oficiais. A vantagem dessa estratégia consiste no conhecimento
do resultado da perícia antes que ela integre os autos do inquérito ou
processo.
 
 
16.4. Reconstituições
 
No bojo da investigação criminal defensiva, poderá ser necessário
realizar a reconstituição dos fatos. Trata-se de medida permitida pelo art. 4º
do Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB.
O art. 7º do CPP afirma que “para verificar a possibilidade de haver a
infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá
proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a
moralidade ou a ordem pública.”
Por mais que se esforce nos detalhes e pormenores, a reprodução
jamais será como o fato original. Os sentimentos, as emoções, a velocidade
dos fatos e até a implantação de falsas memórias podem alterar
significativamente o resultado.
De qualquer forma, recomenda-se que o Advogado documente tudo
que for possível, inclusive as condições e circunstâncias da reconstituição.
É sabido que a reconstituição não será possível em alguns casos,
ainda que seja requerida nos autos oficiais. Cita-se um caso em que o STJ
entendeu como correto o indeferimento da reconstituição de um crime
sexual:
(...)
Na hipótese, a reconstituição do crime, conforme
pleiteado pela defesa, não se revela possível, por se tratar
de crime sexual, a denotar que seu deferimento, por certo,
poderia contrariar a moralidade e a ordem pública,
conforme dispõe o art. 7º do Código de Processo Penal.
(...)
(AgRg nos EDcl no HC 463.089/PR, Rel. Ministro
REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 31/10/2018)
 
Na mesma linha, há de se ter cautela quanto à realização da
reconstituição na investigação criminal defensiva. Ainda que ela seja feita
apenas com o investigado/réu, sem a participação de terceiros (vítima e
testemunhas), deve-se ter cuidado quanto ao lugar, evitando que pareça
haver algum objetivo de destruição de vestígios.
 
17. Uma investigação imparcial para fins parciais
 
A investigação criminal defensiva, apesar de ser instaurada e
conduzida pelo Advogado, pode/deve ter um caráter imparcial, objetivando
uma finalidade parcial.
Explico: diferentemente do inquérito policial, que normalmente
investiga de acordo com os interesses da acusação, a investigação defensiva
deve abranger todos os caminhos possíveis, ainda que aparentemente sejam
prejudiciais ao cliente.
Parece contraditório, mas a postura de investigar todas as versões
possíveis pode evitar surpresas no inquérito policial ou no processo penal.
Alguns clientes, por vergonha, medo ou qualquer outro motivo,
omitem ou alteram informações de seus Advogados. Além da vergonha por
eventual fato constrangedor, o medo de que o Advogado vaze a informação
também contribui para essas omissões/alterações fáticas, de forma
deliberada ou não.
Nesse diapasão, não é raro que o Advogado, seguindo a versão
apresentada pelo cliente, seja surpreendido com algum depoimento ou
documento que prove exatamente o contrário. Eventual sentimento de
traição e quebra de confiança é irrelevante se comparado com o prejuízo
que isso poderá gerar para o investigado/réu.
Portanto, embasar uma estratégia/tese apenas na versão apresentada
pelo cliente é um risco que não devemos correr. Deve-se perguntar a ele,
por exemplo:
o que pode surgir na investigação?
alguém viu ou sabe o que aconteceu?
existe alguma prova que tem o condão de desconstituir a
versão defensiva apresentada?
Ademais, não se deve confiar totalmente nas respostas do cliente.
Após a instauração da investigação defensiva, não se pode desconsiderar a
existência de elementos que prejudiquem a versão do réu e eventualmente
possam ser juntados ao processo pela parte contrária, ainda que a defesa não
tenha o dever de levar tais elementos aos autos oficiais (não é exigida a
autoincriminação).
Destarte, a investigação defensiva deve ser imparcial para seguir
todas as linhas possíveis e considerar tudo que poderá ser objeto de
investigação ou instrução pela autoridade policial ou pela acusação.
Por outro lado, a imparcialidade é limitada à investigação. Após a
obtenção dos elementos possíveis, o Advogado deverá retornar ao seu papel
de procurador do réu e avaliar qual é a melhor estratégia possível,
considerando o arcabouço probatório de que tem conhecimento e que
integra a investigação oficial e a presidida pela defesa.
Carnelutti (2009, p. 54) pontua que:
(...) o defensor não é um raciocinador imparcial. E é isto o
que escandaliza a gente. Apesar do escândalo, o defensor
não é imparcial porque não deve sê-lo. E porque não é
imparcial o defensor, tampouco pode ser nem deve ser
imparcial seu adversário. A parcialidade deles é o preço
que se deve pagar para obter a imparcialidade do juiz, que
é, pois, o milagre do homem, uma vez que, conseguindo
não ser parte, supera-se a si mesmo. O defensor e o
acusador devem buscar as premissas para chegar a uma
conclusão forçada.
 
Logo, conclui-se que a investigação defensiva deve ser conduzida de
forma imparcial, considerando tudo que eventualmente poderá ser
encontrado pela polícia ou pela acusação, mas sem perder de vista a
finalidade parcial, que é levar aos autos oficiais apenas o que beneficie o
acusado e montar argumentos que eventualmente consigam rebater aquilo
que o prejudique.
 

18. Sigilo das informações


 
O art. 5º do Provimento n. 188/2018 assevera:
Art. 5º Durante a realização da investigação, o advogado
deve preservar o sigilo das informações colhidas, a
dignidade, privacidade, intimidade e demais direitos e
garantias individuais das pessoas envolvidas.
 
Trata-se de uma proteção do cliente e um limite da atuação do
Advogado. Diferentemente do inquérito policial, que, como regra, é
público, a investigação defensiva é um procedimento particular decorrente
da contratação de um Advogado por um investigado/réu ou ofendido
(querelante ou assistente da acusação). A divulgação precipitada de
informações poderia, inclusive, inviabilizar a continuidade da investigação
defensiva.
Aliás, o sigilo da relação entre Advogado e constituinte também
encontra respaldo no art. 7º, XIX, do Estatuto da OAB, que concede o
direito ao Advogado de se recusar a depor como testemunha em processo
no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa
de quem seja ou foi Advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado
pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional. O
Estatuto da OAB também prevê como infração disciplinar a violação, sem
justa causa, de sigilo profissional (art. 34, VII).
O sigilo inerente à investigação defensiva abrange também a
possibilidade de não informar às autoridades os resultados do
procedimento, conforme o art. 6º do Provimento n. 188/2018:
Art. 6º O advogado e outros profissionais que prestarem
assistência na investigação não têm o dever de informar à
autoridade competente os fatos investigados.
 
Insta observar que o Advogado não tem função de garantidor,
tampouco precisa contribuir para as investigações oficiais em prejuízo do
cliente. É, portanto, uma condição diferente daquela do funcionário público,
que pode ser responsabilizado criminalmente por sua omissão, por meio de
figuras típicas como a prevaricação (art. 319 do CP) e a condescendência
criminosa (art. 320 do CP), além da responsabilização administrativa.
O Advogado não tem o dever de levar os fatos às autoridades, mas,
evidentemente, não significa que não poderá ser responsabilizado em caso
de coautoria ou participação em algum crime, como favorecimento pessoal,
favorecimento real, lavagem de capitais ou organização criminosa.
Entretanto, nunca – jamais mesmo! – poderemos admitir a criminalização
do exercício regular da Advocacia ou do recebimento de honorários.
Portanto, a ausência do dever de informar às autoridades e a
prerrogativa do exercício da Advocacia evitam a responsabilização criminal
e disciplinar do Advogado que atue nos limites legais e éticos. Se, por ação
ou omissão, incidir em algum tipo penal, extrapolando os limites do
exercício da Advocacia, poderá ser responsabilizado.
Nesse diapasão, devemos lembrar que a inviolabilidade do
escritório também tem limites, conforme o art. 7º, II, §§6º e 7º, do Estatuto
da OAB:
Art. 7º: São direitos do advogado:
(...)
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de
trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de
sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e
telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;
(...)
§ 6o Presentes indícios de autoria e materialidade da
prática de crime por parte de advogado, a autoridade
judiciária competente poderá decretar a quebra da
inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste
artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de
busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser
cumprido na presença de representante da OAB, sendo,
em qualquer hipótese, vedada a utilização dos
documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a
clientes do advogado averiguado, bem como dos demais
instrumentos de trabalho que contenham informações
sobre clientes.
§ 7o A ressalva constante do § 6o deste artigo não se
estende a clientes do advogado averiguado que estejam
sendo formalmente investigados como seus partícipes ou
co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à
quebra da inviolabilidade.
 
Assim, o Advogado deve manter uma conduta lícita e ética, pois,
como bem destaca Branco (1989, p. 3), “quando um advogado, mal
avisado, comete uma infração ao seu dever ético, não somente prejudica o
seu próprio nome, como também a todos os seus colegas”.

19. É dever do Advogado levar os fatos investigados à


autoridade?
 
Na condução de uma investigação criminal defensiva, não há garantia
de que todos os elementos obtidos serão favoráveis ao cliente. Realizando
inúmeras diligências, é possível que algumas sejam contrárias à versão
defensiva e fortaleçam a narrativa acusatória.
Nessa situação, tem relevância o debate sobre (não) ser um dever do
Advogado levar ao processo todos os fatos de que tiver conhecimento sobre
o caso, ainda que contrários ao interesse do cliente.
Em que pese possa surgir alguma fundamentação de caráter ético,
entendemos que não há suporte jurídico para impor ao Advogado o dever
de prejudicar o cliente, levando aos autos oficiais todos os resultados
obtidos na investigação criminal defensiva. Essa também foi a linha seguida
pelo art. 6º do Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB, que
diz: “O advogado e outros profissionais que prestarem assistência na
investigação não têm o dever de informar à autoridade competente os fatos
investigados”.
Na doutrina, esse também é o entendimento de Oliveira (2008, p. 65),
ao afirmar que “não podemos perder de vista que o arguido não está
obrigado a oferecer às autoridades judiciárias quaisquer meios de prova que
tenha obtido”.
Por meio da procuração, o Advogado assume o compromisso de não
prejudicar o cliente e fazer tudo que for legalmente permitido para melhorar
sua situação em um processo. Violaria a confiança inerente à relação entre
Advogado e cliente exigir daquele uma postura de "fiscal" dos fatos de que
tiver conhecimento.
É papel do Advogado orientar o investigado/réu e atuar de modo a
evitar a autoincriminação, salvo nos casos em que o cliente quiser adotar
uma postura que pressuponha a confissão, que poderá viabilizar um acordo
de não persecução penal, a formalização de uma colaboração premiada ou a
aplicação da atenuante da confissão espontânea.
Seria uma deficiência defensiva – quiçá uma falta de defesa – a
conduta do causídico que, querendo colaborar com as autoridades, levasse
aos autos, sem o consentimento do cliente, declarações que obteve durante a
tramitação da investigação criminal defensiva.
Ademais, não sendo possível exigir do investigado ou réu a
autoincriminação, também não seria cabível impor ao seu Advogado que
apresente às autoridades os elementos prejudiciais ao seu cliente.
Nesse diapasão, o Advogado deverá fazer um filtro de tudo que
integra a investigação defensiva antes de requerer a juntada aos autos
oficiais, utilizando apenas os elementos que tenham reais vantagens para o
cliente e que não o prejudiquem, ainda que indiretamente.
Considerando que é possível que o Advogado descarte integralmente
os resultados da investigação defensiva, não os utilizando nos autos oficiais,
também é possível que utilize apenas uma parte da investigação particular.
Assim, em uma investigação criminal defensiva com perícias, vários
depoimentos, fotografias e documentos, pode-se utilizar apenas um
depoimento, desconsiderando todo o resto.
Destarte, de acordo com a aferição da possibilidade de contribuir
para a estratégia defensiva adotada, o Advogado poderá levar para os autos
oficiais um, alguns ou todos os elementos obtidos na investigação criminal
defensiva.
Observa-se que a vantagem estratégica da instauração e condução de
uma investigação defensiva é a possibilidade de antecipar os resultados que
somente seriam produzidos diretamente na persecução penal, quando o
desentranhamento não seria mais possível. Produzindo os elementos na
investigação defensiva, será possível deliberar sobre levar aos autos oficiais
os resultados favoráveis e descartar os desfavoráveis.
 

20. Comunicação e publicidade do resultado da


investigação
 
Uma vez definidos os resultados que são favoráveis ao cliente, o
próximo passo será comunicá-los às autoridades (Delegado,
Promotor/Procurador e Juiz), requerendo a juntada aos autos oficiais. É o
momento em que os resultados saem da esfera privada de um procedimento
particular e passam a compor um inquérito policial ou processo penal, que,
como regra, será público.
Sobre esse tema, o parágrafo único do art. 6º do Provimento n.
188/2018 do Conselho Federal da OAB institui:
Parágrafo único. Eventual comunicação e publicidade do
resultado da investigação exigirão expressa autorização
do constituinte.
 
Portanto, o Advogado não poderá utilizar os resultados da
investigação defensiva sem autorização do cliente, que, como é sabido, é a
pessoa mais interessada no caso, por ter contra si uma investigação criminal
ou um processo, com o risco real de sofrer a aplicação de uma pena.
Ademais, em determinados casos, a investigação defensiva
encontrará informações que abordam a intimidade do cliente ou de pessoas
próximas a ele. Nessas hipóteses, com mais razão, será imprescindível a
autorização expressa do constituinte antes de utilizar e dar publicidade aos
resultados da investigação.
 
 
 
 
 

Parte II
Questões práticas
 
 
 
21. Limites da investigação defensiva
 
De início, observamos um limite à realização da investigação
criminal defensiva: a reserva de jurisdição.
Segundo Rangel (1997, p. 27):
(...) com o estabelecimento de uma reserva pretende
justamente garantir-se que o órgão político-
constitucionalmente pensado para se desimcumbir de uma
certa função, o faça efectivamente (e sem interferência de
outro órgão). Trata-se, pois, de uma técnica normativa
destinada a revigorar a idéia de separação dos poderes e
onde, melhor do que em quaisquer outras, se verifica o
fenômeno da contaminação material das normas
organizatórias, por isso que se liga incidivelmente o
domínio de uma matéria determinada à estruturação de
um certo órgão.
 
No processo penal, a reserva de jurisdição normalmente funciona
como um limite à atuação da autoridade policial e do Ministério Público,
por meio da exigência de autorização judicial para determinados atos.
Há inúmeras hipóteses que necessitam de decisão judicial no Código
de Processo Penal:
art. 13-B.  Se necessário à prevenção e à repressão dos crimes
relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério
Público ou o delegado de polícia poderão requisitar, mediante
autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de
telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem
imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais,
informações e outros – que permitam a localização da vítima
ou dos suspeitos do delito em curso;
art. 13-B, § 2o Na hipótese de que trata o caput, o sinal: I - não
permitirá acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer
natureza, que dependerá de autorização judicial, conforme
disposto em lei; (...) III - para períodos superiores àquele de
que trata o inciso II, será necessária a apresentação de ordem
judicial;
a homologação de acordo de não persecução penal (art. 28-A,
§6º, do CPP);
o descarte de vestígios relacionados à cadeia de custódia (art.
158-B, X, do CPP);
a restituição de coisas apreendidas, quando duvidoso o direito
(art. 120, §1º, do CPP). Não existindo dúvida quanto ao direito
do reclamante, a restituição poderá ser ordenada pela
autoridade policial ou Juiz (art. 120 do CPP);
a inutilização de uma prova declarada inadmissível (art. 157,
§3º, do CPP);
a incomunicabilidade do indiciado, que não excederá de três
dias (art. 21, parágrafo único, do CPP);
a declaração da extinção da punibilidade (art. 61 do CPP);
a decisão sobre a suspeição de membro do Ministério Público
(art. 104 do CPP);
a decisão sobre a suspeição de peritos, intérpretes,
serventuários ou funcionários da justiça (art. 105 do CPP);
o sequestro de bens (art. 127 do CPP);
a determinação de avaliação e venda dos bens em leilão
público cujo perdimento tenha sido decretado (art. 133 do
CPP);
a utilização do bem sequestrado, apreendido ou sujeito a
qualquer medida assecuratória para interesse público (art. 133-
A do CPP);
a determinação da alienação antecipada de bens (art. 144-A do
CPP);
a decisão sobre a falsidade de um documento (arts. 145 e 147
do CPP);
a condução de testemunha que, regularmente intimada, deixou
de comparecer sem motivo justificado (art. 218 do CPP);
a decretação de medidas cautelares, a requerimento das partes
ou, quando no curso da investigação criminal, por
representação da autoridade policial ou mediante requerimento
do Ministério Público (art. 282, §2º, do CPP);
decretar a prisão preventiva, a requerimento do Ministério
Público, do querelante ou do assistente, ou por representação
da autoridade policial (art. 311 do CPP), bem como revogá-la
(art. 316 do CPP).
 
Em outras leis, também constatamos atos que dependem de
autorização judicial:
a liberação do acesso ao banco de dados de identificação de
perfil genético, em caso de requerimento de autoridade
policial, federal ou estadual (art. 9º-A, §2º, da LEP);
a infiltração por agentes de polícia (art. 53, I, da Lei de Drogas,
e art. 10 da Lei de Organizações Criminosas);
determinar a apreensão e outras medidas assecuratórias nos
casos em que haja suspeita de que os bens, direitos ou valores
sejam produto do crime ou constituam proveito dos crimes
previstos na Lei de Drogas (art. 60);
a interceptação de comunicações telefônicas (art. 1º da Lei de
Interceptações);
a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou
acústicos (art. 8º-A da Lei de Interceptações);
a decretação da prisão temporária (art. 2º da Lei n. 7.960/89).
 
Por fim, a Constituição Federal, no art. 5º, apresenta três hipóteses de
reserva de jurisdição:
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo
em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal;
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou
por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime propriamente militar, definidos em lei;
 
Tratando-se de ato abrangido pela reserva de jurisdição, o Advogado
poderá requerer ao Juiz nos autos oficiais (inquérito policial ou processo).
Poderia, por exemplo, requerer ao Juiz a busca e apreensão domiciliar, nos
termos do art. 242 do CPP.
Ademais, também existem limitações de ordem material ou
financeira. Como muito bem destaca Bulhões (2019, p. 97):
Não há como olvidar, nessa ótica, o custo econômico
inerente às medidas e às diligências necessárias a uma
investigação defensiva, sendo certo que existem várias
ferramentas de baixo custo, enquanto que outras são
extremamente custosas (por exemplo a contratação dos
serviços de detetives particulares e a consulta a
determinados bancos de informações).
 
Recomenda-se que o contrato de prestação de serviços advocatícios
tenha cláusula expressa sobre quem é o responsável (cliente ou Advogado)
pelas despesas inerentes à condução da investigação criminal defensiva, que
podem abranger, por exemplo:
contratação de terceiros, como detetives particulares e
fotógrafos;
contratação de empresas especializadas em pesquisas;
perícias e exames médicos;
atas notariais;
deslocamentos a outras cidades;
obtenção de documentos.
Ainda que a investigação criminal defensiva tenha muitas limitações
constitucionais/legais e materiais, há uma enorme margem de atuação por
meio de atos permitidos ou não proibidos e que geram custos ínfimos ou
inexistentes.
 

21.1. Falta de coerção e de fé pública


 
Por ser um procedimento particular, a investigação criminal
defensiva não contempla algumas características das investigações oficiais,
conduzidas por Delegados de Polícia ou membros do Ministério Público.
Como é sabido, a prática de atos pelo Estado tem um regime jurídico
diverso dos atos particulares, a saber:
os atos administrativos possuem alguns atributos, como a
presunção de legitimidade, a imperatividade, a exigibilidade e
a autoexecutoriedade;
a legislação prevê poder de requisição para várias autoridades;
normalmente, há previsão de sanções para o descumprimento
de determinadas medidas, como a aplicação de multa e a
condução coercitiva de testemunhas faltantes;
o crime de desobediência tem como objeto apenas a ordem
legal de funcionário público (art. 330 do CP);
os agentes públicos têm poderes, mas também precisam evitar
o seu abuso, que, em alguns casos, pode constituir crime de
abuso de autoridade (Lei n. 13.869/2019).
Nas investigações oficiais, é muito comum observar certidões feitas
pelos servidores públicos que gozam de fé pública no exercício da função.
Portanto, é mais fácil demonstrar fatos, inclusive corriqueiros, com
expressões como “certifico que, em contato telefônico com fulano nesta
data, ele me relatou que  ____”.
Por outro lado, considerando que os atos do Advogado não gozam de
fé pública, o idêntico “certifico que (...)” não teria a mesma presunção de
legitimidade.
Sobre a ausência de coerção, urge salientar que o Advogado não tem
o uso legitimado da violência, que é possível apenas ao Estado, em
situações como a condução coercitiva de testemunhas e a prisão preventiva.
Há atos que somente podem ser praticados pela Polícia, em alguns casos
com a necessidade de prévia decisão judicial.
Ao convidar uma testemunha para prestar depoimento, o Advogado
não poderá, por exemplo, empregar trechos que apresentem consequências
que somente se aplicam na persecução penal, como “sob pena de condução
coercitiva” ou “sob pena de multa”. Também não poderá utilizar a
expressão “sob pena de responsabilização por crime de desobediência”,
haja vista que esse crime não abrange a “ordem” de particular, mas apenas a
de funcionário público.
Compilando esses problemas, Oliveira (2008, p. 56-57):
(...) o principal obstáculo com que poderá deparar-se o
arguido nas suas próprias investigações será o da escassez
de meios de averiguação e obtenção de prova que
envolvam terceiras pessoas ou poderes de autoridade.
Porquanto, nem todos os terceiros estarão dispostos a
colaborar com o arguido, nem este pode alcançar todos os
meios de prova que consiga identificar como úteis ou
necessários à sua Defesa.
A defesa deve ter ciência de todas essas limitações e buscar
alternativas (lícitas, evidentemente) para superar as dificuldades.
 

21.2. A ausência de poder de requisição


 
Uma das principais diferenças entre a condução de uma investigação
por Delegado ou membro do Ministério Público e aquela presidida por um
Advogado diz respeito ao poder de requisição das referidas autoridades
públicas, o que facilita consideravelmente a obtenção de documentos,
informações e outros elementos.
No art. 129, VI, da Constituição Federal, existe a previsão, como
função institucional do Ministério Público, da possibilidade de expedir
notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,
requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei
complementar respectiva.
Por sua vez, a LC n. 75/93 apresenta várias hipóteses de poder de
requisição. O art. 7º, II e III, prevê que incumbe ao Ministério Público da
União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais,
requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e
de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas,
assim como requisitar à autoridade competente a instauração de
procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar,
podendo acompanhá-los e produzir provas.
Em seguida, no art. 8º, II, III e IV, da referida Lei Complementar,
observa-se que o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de
sua competência:
requisitar informações, exames, perícias e documentos de
autoridades da Administração Pública direta ou indireta;
requisitar da Administração Pública serviços temporários de
seus servidores e meios materiais necessários para a realização
de atividades específicas;
requisitar informações e documentos a entidades privadas.
 
O art. 26, I, “b”, e II, da Lei n. 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público), apresenta poderes semelhantes, como a possibilidade
de instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos
administrativos pertinentes e, para instruí-los, requisitar informações,
exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e
municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta,
indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, assim como requisitar informações e
documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo
em que oficie.
Fora da legislação institucional do Ministério Público, o poder
requisitório também está presente.
No Código de Processo Penal, o art. 47 prevê que, se o Ministério
Público julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos
complementares ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-los,
diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários que devam ou
possam fornecê-los.
Ainda no Código de Processo Penal, o art. 13-A prevê que, nos
crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no § 3º do art. 158 e no art. 159
do Código Penal, e no art. 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o
membro do Ministério Público ou o Delegado de Polícia poderá requisitar,
de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada,
dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos.
Em linha semelhante, o art. 13-B do CPP prevê, quanto aos crimes
relacionados ao tráfico de pessoas, que o membro do Ministério Público ou
o Delegado de Polícia poderão requisitar, mediante autorização, às
empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que
disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais,
informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos
suspeitos do delito em curso. Em seguida, no §4º, prevê que, não havendo
manifestação judicial no prazo de 12 horas, a autoridade competente
requisitará às empresas que disponibilizem imediatamente os meios
técnicos adequados, com imediata comunicação ao Juiz. Noutros termos, há
previsão da necessidade de decisão judicial para a requisição prevista nesse
dispositivo, mas, não havendo decisão no prazo de 12 horas, será possível a
requisição diretamente.
Como se o poder de requisição não fosse suficiente, também há
previsão de acesso a determinados dados, especialmente na Lei n.
12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), que prevê, no art. 15, que
o Delegado de Polícia e o Ministério Público terão acesso,
independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais que
informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço
mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições
financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.
Há previsão idêntica no art. 17-B da Lei n. 9.613/98.
Em seguida, no art. 16, prevê que as empresas de transporte
possibilitarão, pelo prazo de 5 anos, acesso direto e permanente do juiz, do
Ministério Público ou do Delegado de Polícia aos bancos de dados de
reservas e registro de viagens.
Por fim, o art. 17 determina que as concessionárias de telefonia fixa
ou móvel mantenham, pelo prazo de 5 anos, à disposição das autoridades
mencionadas no art. 15 (Delegado de Polícia e Ministério Público),
registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino
das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais.
O poder de requisição também se encontra previsto no art. 80 do
Código de Processo Penal Militar, no sentido de que, sempre que, no curso
do processo, o Ministério Público necessitar de maiores esclarecimentos, de
documentos complementares ou de novos elementos de convicção, poderá
requisitá-los, diretamente, de qualquer autoridade militar ou civil, em
condições de os fornecer, ou requerer ao Juiz que os requisite.
No processo penal militar, o Superior Tribunal Militar já decidiu:
(...) O MPM dispõe de poder legal para, em qualquer fase
da ação penal, requisitar informações diretamente às
autoridades civis ou militares, independente de crivo
judicial (art. 80 do CPPM). (...) (STM - Cparcfo: 1972 PE
2007.01.001972-6, Relator: MARIA ELIZABETH
GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA, Data de Julgamento:
09/04/2008, Data de Publicação: 30/04/2008 Vol:
Veículo:)
 
Em relação à autoridade policial, há previsão específica no art. 2º,
§2º, da Lei n. 12.830/2013, o qual prevê que, durante a investigação
criminal, cabe ao Delegado de Polícia a requisição de perícia, informações,
documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.
Nessa linha, o enunciado n. 14 do II Encontro Nacional de Delegados
de Polícia sobre Aperfeiçoamento da Democracia e Direitos Humanos
afirma o seguinte:
O poder requisitório do delegado de polícia, que abrange
informações, documentos e dados que interessem à
investigação policial, não esbarra em cláusula de reserva
de jurisdição, sendo dever do destinatário atender à ordem
no prazo fixado, sob pena de responsabilização criminal.
 
Por fim, apenas a título de complementação, o art. 218 do CPP prevê
que o Juiz poderá requisitar à autoridade policial ou determinar que seja
conduzida por oficial de justiça a testemunha que, regularmente intimada,
deixar de comparecer sem motivo justificado.
Observa-se que o Delegado de Polícia e o Ministério Público
possuem um amplo e significativo poder de requisição, o qual fortalece e
facilita suas investigações. A extrema facilidade para obter informações,
documentos, gravações e perícias constitui enorme vantagem na condução
de uma investigação criminal.
Não raramente, para garantir o cumprimento da requisição, as
autoridades inserem a informação de que o seu descumprimento constitui
crime de desobediência (art. 330 do CP), na tentativa de provocar
sentimento de desespero no destinatário, ocasionando pressão psicológica.
Aliás, já foi decidido pelo STJ que o poder de requisição do
Promotor de Justiça pode ser exercido em relação a Delegado de Polícia,
que, se não cumprir, poderá ser responsabilizado por crime de
desobediência:
PROCESSUAL PENAL. DELEGADO DE POLÍCIA.
DESCUMPRIMENTO DE REQUISIÇÃO DE
PROMOTOR DE JUSTIÇA. SONEGAÇÃO DE
DOCUMENTOS E DESOBEDIÊNCIA. AÇÃO PENAL.
FALTA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE DOLO.
TRANCAMENTO. REVOLVIMENTO FÁTICO.
IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. (...) 2. Segundo
doutrina de escol, o funcionário público pode ser sujeito
ativo do crime de desobediência, desde que, como na
espécie, não seja hierarquicamente subordinado ao
emitente da ordem legal e tenha atribuições para cumpri-
la. 3. O fato de o delito de desobediência estar inserido no
capítulo dos ilícitos penais praticados por particular
contra a administração pública não impede a sua
consumação, porquanto haverá, em tal caso, violação ao
princípio da autoridade que é objeto da tutela jurídica. (...)
(STJ - RHC: 85031 DF 2017/0126784-4, Relator:
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data
de Julgamento: 19/10/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data
de Publicação: DJe 27/10/2017)
 
Na comparação com a investigação criminal defensiva conduzida por
Advogado, as investigações presididas por Delegados ou membros do
Ministério Público têm uma força coercitiva muito maior, mormente pelo
poder de requisição e pela ideia de que o seu descumprimento configura o
crime de desobediência.
Para equilibrar o jogo e produzir uma investigação frutífera, o
Advogado precisará superar as dificuldades inerentes ao desenvolvimento
de uma atividade privada desprovida de poder de requisição, fé pública e
coerção, com o adicional de que a Advocacia é diuturnamente criminalizada
por algumas autoridades.
 

21.3. Superando algumas dificuldades


 
Conforme analisado, os atos da investigação criminal defensiva não
possuem fé pública, não tendo, por conseguinte, presunção de veracidade.
Ademais, o Advogado também tem como limites a reserva de jurisdição e a
ausência de coerção e de poder de requisição.
No inquérito policial, os atos dos policiais têm fé pública e, na
prática, seus depoimentos possuem um peso maior na instrução processual,
ainda que, frequentemente, sejam interessados no êxito da acusação, o que
ocorre, v. g., quando efetuaram a prisão em flagrante e há questionamentos
defensivos sobre a ilegalidade do ato e eventual abuso de autoridade.
Observa-se, assim, uma contradição: os atos do Advogado não
possuem fé pública, mas os dos policiais, mesmo quando interessados em
determinada versão acusatória para que não sofram responsabilização
criminal por alguma ilegalidade, possuem fé pública e seus depoimentos
adquirem especial relevância para os Juízes. Essa contradição somente é
superada pelo fato de que o Advogado é um particular, ao passo que os
policiais são agentes públicos.
Em alguns casos, para tentar superar esse prejuízo na investigação
defensiva, é recomendável utilizar a ata notarial, que, como é sabido, tem
um custo elevado. Essa prática já é utilizada para atribuir a presunção de
veracidade a conversas em aplicativos e postagens em redes sociais.
Nas lições de Bulhões (2019, p. 116):
Uma hipótese muito útil é a ata notarial de verificação de
fatos em diligência, quando se poderá registrar situações
as mais diversas. Um exemplo pode ser a escuta de uma
ligação telefônica feita em “modo viva-voz”, onde o teor
do diálogo será registrado, além dos números telefônicos
da chamada discada e recebida, a hora e o dia de
realização do telefonema, etc.
 
Ademais, Bulhões (2019, p. 116) também fala sobre transformar em
ata notarial a declaração feita por uma pessoa na presença do tabelião, o que
poderia atribuir credibilidade aos atos praticados no contexto da
investigação criminal defensiva.
Urge destacar que o art. 384, parágrafo único, do Código de Processo
Civil, disciplina a utilização e o objeto da ata notarial:
Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato
podem ser atestados ou documentados, a requerimento do
interessado, mediante ata lavrada por tabelião.
Parágrafo único. Dados representados por imagem ou
som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da
ata notarial.
No caso específico de prints, a utilização de uma ata notarial pode ser
complementada pela realização de uma perícia que tenha o escopo de
afirmar que a conversa ou postagem não foi adulterada.
Insta destacar, ainda, o teor do art. 425, IV e VI, do Código de
Processo Civil:
Art. 425. Fazem a mesma prova que os originais:
(...)
IV - as cópias reprográficas de peças do próprio processo
judicial declaradas autênticas pelo advogado, sob sua
responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a
autenticidade;
(...)
VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento
público ou particular, quando juntadas aos autos pelos
órgãos da justiça e seus auxiliares, pelo Ministério
Público e seus auxiliares, pela Defensoria Pública e seus
auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas
em geral e por advogados, ressalvada a alegação
motivada e fundamentada de adulteração.
 
A validade das sobreditas cópias e reproduções digitalizadas como
provas originais, quando declaradas ou juntadas por Advogado, constitui
uma facilidade para a utilização dos resultados das investigações criminais
defensivas.
Outra solução para as dificuldades inerentes à investigação criminal
defensiva consiste em requerer ao Juiz, nos autos oficiais, que expeça
ofícios, no exercício do poder de requisição, para obter documentos ou
informações.
Ressalta-se que há decisões reconhecendo essa possibilidade,
inclusive com expressa menção de que se trata de medida que tem o
desiderato de garantir a paridade de armas, haja vista que o réu e seu
Advogado não possuem os mesmos poderes de requisição do Parquet.
Nesse sentido:
(...) A expedição de ofícios às repartições públicas, como
a Receita Federal e o Detran, e também às empresas
privadas, a exemplo das companhias telefônicas, pelo
Poder Judiciário, com o intuito de obter informações
acerca do endereço de testemunha arrolada pelo réu no
processo penal, é medida imprescindível que consagra os
mais nobres princípios processuais penais, como o da
ampla defesa, do contraditório e da busca da verdade real,
além de garantir a simétrica paridade de armas com o
órgão acusador, pois o acusado não possui os mesmos
poderes requisitórios do Ministério Público (...) (TJ-MG -
COR: 10000180963357000 MG, Relator: Otávio Portes,
Data de Julgamento: 04/11/2019, Data de Publicação:
08/11/2019)
 
(...) 2 A despeito disso, uma vez instaurada a ação penal,
o juiz continua sendo o responsável pela direção dos
trabalhos, competindo-lhe, dentre outras atribuições, a de
requisitar documentos a partir do requerimento das partes.
Trata-se de uma consequência do princípio da paridade de
armas, considerando que o réu, por seu defensor, não
dispõe do mesmo poder de requisição. (...) (TJ-PA - MS:
201330146453 PA, Relator: PAULO GOMES JUSSARA
JUNIOR - JUIZ CONVOCADO, Data de Julgamento:
08/11/2014, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, Data
de Publicação: 11/11/2014)
 
Também nos autos oficiais, é possível utilizar o art. 242 do CPP, que
prevê: “a busca poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de
qualquer das partes.”
Havendo necessidade de realizar uma busca domiciliar e eventual
apreensão, o Advogado poderá requerer ao Juiz, utilizando como
fundamento específico o art. 240, §1º, “e”, in fine, do CPP. Noutras
palavras, será cabível a busca domiciliar quando fundadas razões a
autorizarem, para descobrir objetos necessários à prova de infração ou à
defesa do réu.
No requerimento, o Advogado deverá utilizar como parâmetro para
detalhamento e fundamentação o art. 243 do CPP, mormente quanto à
indicação, da forma mais precisa possível, da casa em que será realizada a
diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador, mencionando,
ainda, o motivo e os fins da diligência.
 

22. Os autos da investigação criminal defensiva


 
A formação dos autos da investigação defensiva deve ser feita de
modo semelhante à formalização do inquérito policial e do processo, por
meio da reunião e organização de folhas e mídias nos autos, seguindo uma
ordem cronológica.
Recomenda-se que nada seja deixado de fora dos autos. Todos os
documentos, favoráveis ou não, devem integrá-los, evitando a
descentralização das informações e o risco de que elementos importantes
sejam perdidos ou permaneçam desorganizados.
O objetivo da formação dos autos da investigação defensiva é reunir,
em apenas um lugar, tudo que o Advogado encontrar ou produzir sobre o
fato objeto da apuração.
Uma observação importante consiste no fato de que não há
documentação obrigatória na investigação defensiva. Diante da inexistência
de previsão legal e da falta de exigência específica no Provimento n.
188/2018 do Conselho Federal da OAB, os documentos são facultativos,
razão pela qual todas as indicações a seguir serão recomendações.
Contudo, o Advogado não deve desconsiderar que há uma
necessidade de observância máxima da formalização dos atos para:
evitar ou reduzir riscos, como eventual interpretação de que,
por exemplo, o contato com as testemunhas constitui uma
forma de intimidação (ameaça, coação no curso do processo
etc.);
garantir a produção efetiva de elementos, com todos os
cuidados e seguindo as diretrizes recomendadas;
facilitar a organização dos autos e, principalmente, a futura
utilização dos resultados da investigação defensiva.
Nada impede que o Advogado forme os autos da investigação
criminal defensiva em meio eletrônico, digitalizando os documentos e
armazenando os arquivos.
Também é possível formar os autos físicos e, como cópia de
segurança, armazenar os documentos digitalizados.
A utilização dos autos físicos ou eletrônicos para a documentação da
investigação criminal defensiva também pode considerar qual é o formato
dos autos oficiais e de que maneira, do ponto de vista operacional, será
melhor o armazenamento para futura juntada dos resultados.
 

23. Termo de instauração


 
O início da investigação criminal defensiva ocorre com sua
instauração, mediante termo. Trata-se de um documento inicial importante,
porquanto qualquer procedimento – público ou particular – não poderá
começar diretamente por relatórios, juntadas de documentos ou diligências.
Deve-se ter um ato formal de instauração, com a delimitação do objeto e
dos sujeitos envolvidos.
Para uma melhor compreensão, recomenda-se utilizar como base o
art. 4º da Resolução n. 181, de 7 de agosto de 2017, do Conselho Nacional
do Ministério Público (CNMP), que aborda a forma de instauração do
procedimento investigatório criminal (PIC):
Art. 4º O procedimento investigatório criminal será
instaurado por portaria fundamentada, devidamente
registrada e autuada, com a indicação dos fatos a serem
investigados e deverá conter, sempre que possível, o
nome e a qualificação do autor da representação e a
determinação das diligências iniciais.
 
Por esse dispositivo, a portaria deve ser:
fundamentada;
registrada;
autuada.
Também precisa indicar os fatos a serem investigados. Se possível,
deve conter o nome e a qualificação do autor da representação e a
determinação das diligências iniciais.
Trazendo esses critérios para a Advocacia, recomenda-se que o
documento de instauração da investigação defensiva seja fundamentado,
especialmente no princípio da ampla defesa. Após a instauração, deve ser
autuado, inserindo-o na pasta que servirá de capa. Para formalizar o
procedimento, também é recomendável comunicar a instauração da
investigação à Ordem dos Advogados do Brasil, minorando os riscos de que
os atos do Advogado pareçam uma tentativa de interferir ilicitamente na
investigação oficial.
De modo geral, o documento de instauração mencionará os fatos
investigados (aqueles apurados no inquérito policial ou no processo),
contendo também os dados do cliente e de outras pessoas envolvidas
(outros suspeitos, investigados ou réus). No ato da instauração, também é
recomendável inserir os próximos passos, isto é, as diligências que serão
realizadas inicialmente.
Quanto a quem deve elaborar/assinar o termo de instauração, é
inegável que, como a investigação criminal defensiva é ato privativo da
Advocacia, deve ser o Advogado que preside e conduz o procedimento.
Também é aconselhável que seja juntada, com o termo de
instauração, a procuração assinada pelo cliente (investigado ou réu),
demonstrando que não se trata de investigação defensiva instaurada “de
ofício”, mas sim no exercício da atividade advocatícia, após a devida
concessão de poderes.
Em que pese não exista, até o momento, consenso sobre qual deve
ser o conteúdo da procuração ao Advogado que instaurará a investigação,
entendemos que não há necessidade de poderes especiais (ao contrário da
procuração para oferecer queixa-crime), por se tratar de atividade inerente à
defesa. Contudo, para evitar inconvenientes, recomenda-se a previsão da
atribuição do poder de instaurar investigação criminal defensiva. Portanto,
não seria obrigatório, mas apenas recomendável.
Dessa forma, na procuração, recomenda-se o acréscimo de um trecho
com os seguintes termos:
O cliente outorga poderes, inclusive, para a instauração e
condução de uma investigação criminal defensiva,
conforme autorizado pelo Provimento n. 188/2018 do
Conselho Federal da OAB e, com essa finalidade, tomar
depoimento de testemunhas, produzir perícias e realizar
outras diligências necessárias.
 
Quanto ao termo de instauração, sugere-se a seguinte estrutura:
uma numeração única e renovada anualmente;
os fundamentos (“considerando que…”);
a qualificação do cliente e, se possível, a da vítima, que pode
ser encontrada nos autos da investigação oficial;
as informações relativas ao crime investigado/imputado, como
a tipificação legal, a data, o horário e o local de sua suposta
prática;
as informações relativas à instauração da investigação
defensiva, como a data, o horário e o local do seu início;
as diligências iniciais.
 
Uma observação pertinente quanto à fundamentação do ato de
instauração é feita por Bulhões (2019, p. 134-135):
Quanto à Portaria ou Termo de Instauração, há como
estruturar o documento em vários ‘CONSIDERANDOS’,
narrando os fundamentos que legitimam a atuação do
profissional e ainda as circunstâncias que ensejaram a
investigação defensiva, seguido da justificativa pela qual
se ‘RESOLVE’ instaurar o Autos de Investigação
Defensiva (AID).
 
A inserção da fundamentação inicial com inúmeros “considerando
que…” é muito frequente na instauração dos inquéritos civis públicos e dos
procedimentos investigatórios criminais.
Vejamos um exemplo desse trecho inicial do termo de instauração de
uma investigação criminal defensiva:
Considerando que a Constituição Federal garante a ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º,
LV, da Constituição Federal);
Considerando que o Provimento n. 188/2018 do Conselho
Federal da OAB autoriza e regulamenta a investigação
criminal defensiva;
Considerando que a autoridade policial trata como
discricionariedade os requerimentos da defesa (art. 14 do
CPP);
Considerando que o Ministério Público, parte interessada
em promover a denúncia, exerce o controle externo da
autoridade policial (art. 129, VII, da Constituição
Federal), o que viola a paridade de armas;
Considerando que está em andamento o inquérito policial
número ____, em ____, tendo o constituinte como
investigado;
Considerando que, conforme o sobredito inquérito
policial, há uma produção de elementos informativos
unicamente em favor da versão acusatória,
desconsiderando a linha defensiva;
Considerando que é função do Advogado tutelar os
direitos e interesses de seu cliente;
Considerando a necessidade de desconstituir a narrativa
acusatória.
 
Salienta-se, por oportuno, que esses fundamentos podem ser
utilizados, com as devidas adequações, na petição de juntada dos resultados
da investigação defensiva aos autos oficiais (inquérito policial ou processo
penal).
Após os “considerandos”, adiciona-se o trecho relativo ao ato de
instauração da investigação defensiva, com algumas informações
importantes, além do trecho “resolve instaurar a presente investigação
criminal defensiva”.
Como exemplo do trecho completo, temos o seguinte:
No dia ____, às ____ horas, na cidade de ____, o
Advogado ____, regularmente inscrito na OAB/____ sob
o n. ____, (qualificação do Advogado), resolve instaurar a
presente investigação criminal defensiva em favor de
____, (qualificação do cliente), em razão da tramitação do
inquérito policial n. ____, em andamento na cidade de
____, por suposta prática do crime de ____ (art. ____ do
Código Penal), no dia ____, às ____ horas, em ____,
contra ____, (qualificação da vítima).
 
Também deve inserir no termo de instauração da investigação
defensiva as diligências ou medidas iniciais. Normalmente, instaura-se o
procedimento tendo um panorama das primeiras atividades que serão
desenvolvidas (oitivas, perícias, atividades de campo etc.). Instaurar uma
investigação sem saber quais serão os primeiros atos pode demonstrar que o
Advogado está perdido quanto às estratégias ou que deu início à
investigação apenas como forma de transmitir a aparência de uma atuação
artesanal.
Sugere-se a inserção de um trecho nos seguintes moldes:
“De início, devem ser tomadas as seguintes providências”;
“De início, resolve apurar os seguintes fatos”;
“De início, resolve diligenciar no seguinte sentido”.
É imperativo perceber que esse primeiro momento tem relevância
para reunir o máximo possível de elementos que contribuam para a
definição da estratégia e dos próximos passos. Conforme Oliveira (2008, p.
60), deve-se adquirir e reunir as informações que ainda estejam dispersas.
Em seguida, deve-se apresentar um rol das diligências, como:
a) fazer contato telefônico com ____, a fim de obter
informações sobre ____;
b) diligenciar na busca por gravações audiovisuais no
local do fato;
c) obter o endereço da testemunha ____ para, em seguida,
tomar o seu depoimento;
d) entrar em contato com as pessoas que moram no
quarteirão do local em que teria acontecido o crime.
 
A escolha das diligências iniciais dependerá do crime investigado, do
panorama apresentado até o momento da instauração e das informações
obtidas por meio da análise dos autos oficiais e do atendimento ao cliente.
Após a elaboração do termo de instauração, o Advogado deverá
inseri-lo nos autos, comunicar à OAB e ter como foco a realização das
diligências já definidas e a avaliação sobre o cabimento de novas
diligências.
 
 

24. Capa
 
A capa é a primeira parte visível dos autos da investigação criminal
defensiva. Por mais que ela pareça desnecessária, observa-se grande
relevância para a organização da atuação do Advogado.
Quando começa a conduzir investigações defensivas, o Advogado
deve pensar a longo prazo, organizando os autos de modo semelhante ao
cartório de uma vara judicial.
Depois de alguns anos, talvez o Advogado tenha dezenas de autos de
investigações criminais defensivas. Com a organização correta, será
possível revisar e revisitar os autos de uma investigação já encerrada há
alguns meses ou anos. Para tanto, as informações da capa terão muita
importância.
A capa deve ser elaborada após a instauração da investigação
defensiva, no momento de fazer a autuação. Deverá conter as informações
necessárias, evitando omissões e, principalmente, excesso de informações.
Afinal, a capa deve ser didática e facilitar a organização.
O melhor parâmetro para a capa dos autos de uma investigação
criminal defensiva é a capa de um processo judicial físico, que apresenta
informações simples e objetivas sobre a natureza da ação, o crime, a
competência, os nomes das partes e uma numeração identificadora.
Sugere-se, inicialmente, a aquisição de capas padronizadas ou
personalizadas, inclusive com o logotipo do escritório. Urge destacar que a
capa não será levada aos autos oficiais, mas apenas algumas partes do
conteúdo dos autos. Por esse motivo, a “formalidade” da capa deve
considerar apenas a didática das informações, evitando pontos burocráticos
irrelevantes.
As informações que a capa pode conter não são impositivas. Apenas
é recomendável que apresente determinadas informações, como:
área de atuação referente à investigação. Aqui, estamos
abordando a área criminal, mas não podemos desconsiderar
que é possível conduzir investigações em outras searas, como
muitos Advogados fazem no Direito de Família. No Poder
Judiciário, observamos que, quanto aos autos físicos, as cores
das capas são diferentes (rosa ou azul, por exemplo)
dependendo da área, havendo, ainda, uma etiqueta que diz
“Criminal”, “Cível” ou outra área;
a cidade que sedia o escritório condutor da investigação
criminal defensiva. Como regra, a investigação tramitará em
um escritório que fica localizado na mesma cidade em que o
fato é investigado em um inquérito policial ou processo penal.
Entretanto, há casos em que o escritório é contratado para atuar
em um inquérito ou processo de outra cidade. Nessa situação,
sugere-se a inclusão de um trecho como “investigação
defensiva instaurada na cidade de Porto Alegre, sobre inquérito
que tramita na cidade de Canoas” ou “investigação defensiva
instaurada na cidade de Porto Alegre, sobre fato ocorrido na
cidade de Canoas”. Assim, havendo algo a ser feito na cidade
do fato (uma audiência em outro processo, por exemplo), o
Advogado poderá olhar as capas das investigações defensivas e
conferir se há alguma diligência a ser feita naquele local
(tomar o depoimento de uma testemunha, pesquisar um
endereço etc.), aproveitando a viagem para levar tudo que for
necessário (gravador, câmera, pen drive, documentos etc.);
a numeração da investigação defensiva. Da mesma forma que
inquéritos policiais e processos são individualizados por uma
numeração única, também se deve identificar a investigação
criminal defensiva. Sugere-se, por exemplo, a utilização das
expressões AID (autos de investigação defensiva) ou ICD
(investigação criminal defensiva) e a inclusão do número e do
ano de instauração, de modo que, a cada ano, o número
recomece a contagem a partir de 1. Ex.: AID n. 1/2019, AID n.
2/2019 e ICD n. 1/2020;
a identificação do Advogado que instaurou a investigação
defensiva. Nos processos criminais, observamos nas capas a
informação “1ª Vara Criminal da Comarca de ____”. Não há
referência ao nome do Juiz, que pode mudar por vários fatores
(férias, licença, remoção e promoção). Por outro lado, na
investigação criminal defensiva, sugere-se a inserção do nome
do Advogado, do seu número de inscrição na OAB, do nome
do escritório e o número da inscrição da sociedade de
Advogados na OAB. Ex.: Advogado, OAB/RS n. ____,
atuante no escritório ____, OAB/RS n. ____;
a data da instauração da investigação defensiva. Essa
informação poderia ser considerada desnecessária, haja vista
que a identificação dos autos (AID) já menciona o ano de
instauração. Entrementes, em casos considerados urgentes, é
importante saber, por uma mera análise na capa, qual foi o dia
exato da instauração da investigação. Por isso, poderia inserir,
por exemplo, “data da instauração: 5 de julho de 2020”;
a infração penal imputada. Essa informação aparece nas capas
de inquéritos e processos, fazendo com que, por mais curta que
seja, transmita um conjunto de conceitos prévios sobre o fato
(complexidade, principais teses etc.) e a forma de condução
(diligências mais utilizadas, forma de provar as alegações,
linhas investigativas etc.). Na capa da investigação criminal
defensiva, pode-se adicionar apenas o tipo penal e, entre
parênteses, o nomen juris. Ex.: art. 157 do CP (roubo);
a identificação de que se trata de investigado ou réu preso
cautelarmente (prisão temporária ou preventiva). Essa
informação, também utilizada nos autos físicos de processos
criminais, tem o escopo de chamar a atenção quanto à
celeridade do feito e da constante necessidade de reavaliar a
manutenção da prisão cautelar.
 
Esses seriam os principais dados da capa. Havendo alguma
peculiaridade do caso concreto, pode-se inserir outra informação, desde que
não se desconsidere que o objetivo da capa é organizar os dados principais e
ser didática para facilitar uma rápida compreensão sobre a investigação.
 

25. Comunicação à OAB


 
Em razão da falta de regulamentação legislativa e considerando a
insuficiência do Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB –
que apenas autoriza a investigação e regulamenta a responsabilidade do
Advogado –, precisamos ter cuidado na condução da investigação criminal
defensiva, sobretudo porque, como sabemos, a Advocacia Criminal é
diariamente criminalizada.
Nos noticiários, já observamos casos em que Advogados foram
presos por instruírem o cliente a não fechar a colaboração premiada. Há
casos em que o Advogado, mesmo exercendo a função dentro dos limites
legais, foi investigado por supostamente integrar organização criminosa.
Portanto, exige-se uma atuação cuidadosa.
No âmbito da investigação criminal defensiva, o Advogado exerce
uma postura ativa, pouco usual, na busca de provas que favoreçam o seu
cliente. Como ainda não é uma prática muito comum, devemos estar
preparados para eventuais represálias pelas autoridades que atuam na
persecução penal.
Alguns atos da investigação defensiva, como a inquirição de uma
testemunha, podem ser vistos como uma forma de ameaçar/coagir as
pessoas envolvidas ou criar obstáculos para a investigação oficial. Se esses
atos forem desenvolvidos de modo informal, sem meios de comprovar que
se trata de um procedimento que poderá ser levado para os autos oficiais, o
Advogado correrá graves riscos.
Para evitar/reduzir os riscos, não basta criar uma pasta no escritório,
com capa e autuação. Deve-se demonstrar, por meios formais, que houve a
instauração da investigação defensiva e que todas as diligências realizadas
no seu bojo têm o escopo de subsidiar o inquérito policial ou processo.
Para tanto, após definir qual será o foco da investigação defensiva,
recomenda-se a comunicação de sua instauração à OAB, inclusive juntando
cópia do protocolo e de eventual resposta da instituição nos autos da
investigação.
Nesse caso, o Advogado terá a possibilidade de, após ser intimado
por alguma autoridade, apresentar as cópias dos documentos que
comprovam a comunicação à OAB sobre a instauração da investigação
defensiva.
É possível que, após o Advogado convidar determinada pessoa para
prestar um depoimento, ela procure a Polícia ou o Ministério Público,
acreditando que se trata de uma tentativa de intimidação.
Caso o Advogado precise se manifestar para a OAB, o Ministério
Público ou a Polícia, poderá informar que o convite à testemunha teve a
finalidade de tomar seu depoimento, conforme permite o Provimento n.
188/2018 do Conselho Federal da OAB, nos autos da investigação
defensiva n. ____, do ano ____, que teve a instauração devidamente
comunicada à OAB.
Em que pese não exista previsão da obrigatoriedade de comunicação
à OAB, esse ato poderá gerar mais segurança para o Advogado, que
conduzirá um procedimento formal.
Não há previsão sobre qual deve ser o endereçamento, ou seja, se
seria para a Subseção ou a Seccional da OAB, tampouco se deveria ser
encaminhada ao presidente ou a outro membro da diretoria.
Acreditamos que, salvo disposição em sentido contrário, a
comunicação deve ser feita à Seccional da OAB, que é quem se manifesta
sobre aspectos burocráticos (constituição de sociedades, alterações
contratuais etc.) e onde está inserido o Tribunal de Ética e Disciplina
(TED), que avaliará eventuais excessos ou infrações disciplinares.
De qualquer forma, para evitar erros, recomenda-se o contato prévio
com a OAB, indagando para quem encaminhar a referida comunicação,
que, como é sabido, não demandará atos posteriores da instituição, mas
apenas a confirmação da cientificação do seu teor. Esperamos que,
futuramente, com a adesão da investigação defensiva na prática forense,
seja feita uma regulamentação nacional específica sobre a comunicação.
Como já referido, após a comunicação, guarde a cópia com o
protocolo, bem como eventual despacho do responsável da OAB dando
ciência sobre a instauração. Se preferir, junte aos autos da investigação
defensiva. Trata-se de uma garantia contra eventuais alegações –
principalmente pelas autoridades – de que o Advogado entrou em contato
com as testemunhas de forma indevida e/ou criminosa.
Sobre o teor da comunicação à OAB, vejamos um exemplo:
Ilustríssimo senhor Presidente da Seccional da OAB do
Estado do ____
NOME, Advogado inscrito na OAB sob o n. ____, com
endereço profissional na Rua ____, na cidade de ____,
vem, à presença de Vossa Senhoria, comunicar que
instaurou investigação criminal defensiva sob o n.
____/____, para fundamentar sua atuação em prol de
NOME, no processo n. ____, que tramita na ____ª Vara
Criminal da Comarca de ____.
Assim, comunica à OAB para a devida formalização da
tramitação da investigação defensiva, conforme permite o
Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB,
que regulamenta essa forma de atuação, valendo o
presente como garantia de que, de fato, tramita um
procedimento instaurado por este Advogado, com o
desiderato de realizar todas as diligências necessárias ao
exercício da ampla defesa, dentro dos limites éticos e
legais, incluindo a tomada de declarações de testemunhas
e a realização de perícias.
 
Trata-se de um exemplo simples, sem fundamentação exaustiva,
considerando que inexiste regulamentação sobre a forma e o teor dessa
comunicação. Se preferir, o Advogado poderá acrescentar outras
informações que entender importantes e anexar a cópia da procuração
assinada pelo seu cliente.
Conquanto a comunicação não seja obrigatória – por falta de previsão
–, a medida é recomendável para formalizar a investigação, atribuir um
caráter de seriedade e resguardar o Advogado durante sua atuação.
Preencher determinadas formalidades pode ser crucial para evitar
preocupações desnecessárias.
Sempre que possível, converse com outros membros da OAB que já
tenham instaurado/conduzido investigação criminal defensiva ou que
participem de grupos de debates sobre o tema para que você conheça as
formalidades que estão cumprindo. Da mesma forma que os inquéritos
policiais são conduzidos de formas distintas em locais diferentes, é possível
que, por falta de uma regulamentação exaustiva, cada Estado tenha certas
peculiaridades quanto à investigação criminal defensiva. Pode ser, por
exemplo, que se adote como prática a comunicação à OAB sobre a
conclusão da referida investigação.
 

26. Rit(m)o e andamento


 
Para que a investigação criminal defensiva seja produtiva, é crucial
definir adequadamente o seu ritmo.
Deve-se adotar um ritmo semelhante ao proposto pela duração
razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal), ou seja:
não pode ter um ritmo lento que atrase a utilização dos seus
resultados nos autos oficiais;
não pode ter um ritmo afobado que atrapalhe as diligências.
Logo, o ritmo deve ser aquele que produza os resultados necessários
no momento adequado.
Se a condução da investigação criminal defensiva for muito lenta, o
Advogado perderá a oportunidade de juntar os seus resultados ao inquérito
policial, quando seria possível tentar o arquivamento ou o trancamento do
procedimento inquisitorial. Se descuidar, o prazo da resposta à acusação –
um dos momentos para a juntada dos resultados da investigação defensiva –
será ultrapassado.
Nos processos de réus presos, a celeridade imposta pelas autoridades
pode fazer com que o Advogado precise acelerar o ritmo da investigação
defensiva para aproveitar seus resultados antes do fim da instrução. O
mesmo acontece nos inquéritos policiais com investigados presos, quando,
para evitar o excesso de prazo e o consequente relaxamento da prisão
preventiva, normalmente o prazo legal para a conclusão é observado.
A defesa também deverá ser célere na investigação defensiva caso o
objetivo seja fundamentar a manifestação contra uma prisão cautelar
(relaxamento, revogação ou substituição por medida cautelar diversa da
prisão). Combater uma prisão ilegal, absurda ou desnecessária é a
prioridade defensiva. Afinal, o sofrimento no cárcere é terrificante. Em
sábias palavras, Carnelutti (2009, p. 24) explicou que “há os que concebem
o pobre com a figura do faminto, outros com a do vagabundo, outros com a
do enfermo; para mim, o mais pobre de todos os pobres é o preso, o
encarcerado.”
Entendemos que o mais importante, dependendo da necessidade de
rapidez, é que a investigação defensiva seja feita, ainda que não perfeita.
Preferimos que os resultados da investigação sejam utilizados nos
momentos adequados – ainda que sem a pretensão de perfeição – a aguardar
que ela seja perfeita, mas nunca utilizada.
Vale o mesmo raciocínio de Carnelutti (2009, p. 97) quanto ao fim do
processo:
Entretanto, ao chegar a um certo ponto, é necessário
terminar. O processo não pode durar eternamente. É um
final por esgotamento, não por obtenção do objeto. Um
final que se assemelha mais à morte que ao cumprimento.
É necessário contentar-se. É necessário resignar-se.
 
Para atribuir a celeridade necessária – a duração razoável da
investigação criminal defensiva –, alguns pequenos atos podem contribuir,
ainda que como fatores de autoconstrangimento. Cita-se, por exemplo, a
inserção da data de instauração na capa da investigação e a definição, no
termo de instauração, de diligências que devem ser realizadas logo no
início.
Também pode funcionar como fator de impulsionamento da
investigação defensiva a inserção de informações sobre a movimentação do
inquérito policial ou do processo penal. Se a denúncia tiver sido oferecida
recentemente, é provável que o Juiz a receba e determine a citação em
pouco tempo, abrindo o prazo para a resposta à acusação, momento em que
é possível – e talvez recomendável – juntar os resultados da investigação.
Se a última movimentação do processo tiver sido a designação da audiência
de instrução e julgamento para a próxima semana (algo frequente em caso
de réu preso), há muitas chances de que a instrução termine rapidamente, de
modo que seria encerrada a oportunidade de juntar os resultados da
investigação defensiva com o desiderato de influenciar a sentença. Portanto,
deve-se conciliar o momento da persecução penal e o ritmo da investigação
defensiva. Para sempre se lembrar disso, recomenda-se a inserção da última
movimentação processual nos autos da investigação defensiva.
Com base em Bulhões (2019, p. 76):
Portanto, a investigação defensiva pode ser realizada a
qualquer tempo, desde que solicitada pelo constituinte ou
seja uma sugestão do advogado acatada pelo cliente. Por
essa lógica, pode-se falar ainda que não há duração
máxima fixada para a investigação defensiva, devendo ela
perdurar enquanto houver necessidade de resguardo dos
interesses processuais e/ou legais para o qual foi o
advogado contratado.
 
É sabido que o Advogado não precisa concluir a investigação
defensiva no mesmo momento da conclusão do inquérito policial, mas sim
no momento definido como estratégico para a juntada dos resultados nos
autos oficiais. Também poderá, como falaremos adiante, utilizar os
resultados da investigação parcialmente, conforme eles sejam obtidos,
independentemente da conclusão do procedimento instaurado pelo
Advogado.
A fim de evitar o indeferimento da juntada dos resultados da
investigação, é aconselhável adotar como estratégia a juntada durante o
inquérito ou a instrução, evitando que se entre na divergência sobre ser ou
não possível a juntada em grau recursal.
Por derradeiro, devemos conciliar a duração razoável da investigação
defensiva com a ideia de que esse procedimento não deve ser estanque e
estagnado após a utilização dos resultados. É possível – e até recomendável
– que a investigação seja contínua, permanecendo à disposição do
Advogado enquanto for necessária. Noutros termos, a utilização de alguns
resultados da investigação defensiva não a encerra, porque é plenamente
possível que se prolonge durante todo o processo judicial, inclusive se
estendendo à execução da pena ou ao ajuizamento da revisão criminal.
 
 

27. A divisão da diligência em partes


 
Havendo a chance de utilização parcial dos autos da investigação
defensiva, com a desconsideração de alguns/muitos trechos e páginas, deve-
se ter enorme cuidado na condução da investigação e na produção dos
documentos que serão juntados.
Imaginemos a seguinte situação: para provar determinado fato, o
Advogado contrata um especialista em determinada área, que terá a função
de realizar uma perícia. Em termos práticos, o Advogado apresentará os
quesitos que deverão ser respondidos pelo perito ou que serão utilizados
como parâmetro para que o profissional dirija o seu trabalho e forneça
conclusões acerca do fato.
A perícia constituirá um único documento, com numeração de cada
página e, normalmente, com uma sequência de quesitos e conclusões. Ao
contratar a perícia, o Advogado não terá a garantia de que as conclusões
serão integralmente favoráveis à defesa. É possível que a resposta a algum
quesito prejudique a versão defensiva.
Nesse diapasão, é cediço que o Advogado não poderá juntar aos
autos oficiais apenas uma parte da perícia. Também não poderá juntar
trechos, selecionar folhas (apenas as folhas 1 a 4 e 7 a 9 do laudo pericial,
por exemplo) ou rasurar o laudo para omitir as partes que prejudiquem a
defesa.
Ademais, também é evidente que o Advogado, na condução de uma
investigação defensiva, deverá ter ciência do direito que o investigado/réu
tem de não se autoincriminar, o que deve ser observado pela defesa técnica
quanto à juntada de documentos e manifestações.
Assim, surge um problema: se um documento – v. g., o laudo pericial
– tiver partes favoráveis e contrárias aos objetivos da defesa, o que o
Advogado deve fazer? Juntar o laudo em sua integralidade, prejudicando o
acusado? Deixar de juntar o documento, abrindo mão das partes favoráveis?
Entendemos que a solução deve ser buscada antes da realização da
perícia ou de qualquer outra diligência. A recomendação é realizar a cisão
das diligências desde o início, dividindo-as em várias partes.
Desse modo, caso o Advogado preveja a possibilidade de uma parte
das diligências ser prejudicial ao cliente, deve-se realizar uma cisão em
vários atos. Se uma perícia puder gerar respostas prejudiciais à defesa, é
recomendável solicitar mais de um laudo pericial. Dependendo do caso,
seria possível solicitar que cada laudo abordasse poucos quesitos ou pontos,
possibilitando que a defesa utilize apenas aqueles que lhe forem favoráveis,
deixando de juntar aos autos oficiais os outros laudos.
Se possível, o ideal seria debater com o perito contratado sobre as
várias questões que serão abordadas na perícia, inclusive mencionando o
objetivo de juntar aos autos apenas pontos favoráveis. Dessa forma, o perito
poderá sugerir a inclusão ou o descarte de quesitos.
Evidentemente, o Advogado jamais deverá solicitar ou determinar
que o perito apresente informações inverídicas no seu laudo, tampouco que
forneça conclusões com as quais não concorde. Trata-se apenas de realizar
uma cisão da perícia em quantos laudos forem necessários e, se for o caso,
incluir ou excluir quesitos e matérias que serão objeto da perícia.
A cisão das diligências também pode ser útil quanto à tomada de
depoimentos de testemunhas. Existindo a possibilidade de que uma
testemunha fale alguns pontos favoráveis e outros desfavoráveis à defesa, o
ideal seria fazer mais de uma inquirição.
Dessa forma, em um primeiro depoimento, o Advogado realizaria a
inquirição com perguntas que, de acordo com a previsão do Advogado,
produzirão respostas favoráveis, como aquelas sobre conduta social do
cliente, como se fosse apenas uma testemunha abonatória.
Havendo a possibilidade de que essa testemunha fale sobre autoria ou
materialidade, mas havendo o risco de obter respostas desfavoráveis, o
Advogado poderia ouvi-la em outra oportunidade, com outro registro em
meio audiovisual ou por termo.
Assim, se o segundo depoimento for contrário aos interesses do
cliente, o Advogado poderá utilizar apenas o primeiro depoimento, como se
a testemunha fosse apenas abonatória.
Portanto, para evitar a juntada aos autos oficiais de documentos que
sejam desfavoráveis ao cliente e para não descartar documentos que tenham
partes favoráveis, sugere-se a realização das diligências em várias partes.
Por outro lado, teria pouca credibilidade a juntada de apenas algumas
folhas de algum documento (apenas duas ou três folhas de um laudo que
tem oito páginas, por exemplo). Logo, recomenda-se a cisão no momento
de realização das diligências, e não quando os documentos forem juntados.
Não precisaria ser dito, mas, apenas para reforçar, salientamos que
seria antiética e, dependendo do caso, criminosa a conduta consistente em
rasurar ou falsificar documentos, assim como a inserção de informações que
não reflitam a realidade (v. g., inserir palavras que não foram ditas pela
testemunha).
 

28. Ordem de serviço


 
As ordens de serviço são muito comuns em investigações policiais.
Frequentemente, na portaria de instauração do inquérito, os Delegados
inserem diligências a serem realizadas pelos policiais. Também é frequente
a determinação de ordens de serviço em fases mais avançadas da
investigação, a partir de alguma necessidade que tenha surgido, como, por
exemplo, para subsidiar uma representação que tenha como objetivo uma
busca e apreensão.
Em alguns casos, antes de representar ao Juiz pela busca e apreensão,
o Delegado de Polícia, por uma ordem de serviço, determina que os agentes
policiais se desloquem até o local e monitorem se o investigado utiliza o
imóvel, quanto tempo normalmente fica lá e outras informações que
facilitem a futura busca. A partir de uma diligência mais simples,
fundamenta-se o pedido de uma diligência mais complexa.
Assim, o cumprimento de uma diligência pode:
por si só, trazer informações;
auxiliar na decisão sobre quais devem ser as próximas
diligências;
fundamentar o pedido de alguma diligência no inquérito ou no
processo.
No desenvolvimento da investigação criminal defensiva, o Advogado
poderá atuar pessoalmente ou por meio de colaboradores, como outros
Advogados, peritos, contadores, estagiários, funcionários administrativos
do escritório  ou qualquer outra pessoa que execute as tarefas relacionadas à
investigação.
Considerando que a investigação defensiva poderá demandar uma
delegação de tarefas aos colaboradores, a ordem de serviço terá a finalidade
de organizar essa distribuição.
Na ordem de serviço, o Advogado que instaura e preside a
investigação criminal defensiva formaliza e define as diligências que devem
ser realizadas, especificando quem cumprirá a ordem e qual será o prazo
para essa finalidade.
Conforme sugere a nomenclatura, a ordem de serviço é uma
determinação para que alguém faça algo. Deve-se ter coerência para que,
havendo necessidade, a ordem seja dada a quem tenha o conhecimento ou
as habilidades para o serviço delegado. Caso não exija conhecimentos
específicos (tirar fotografias de um local, sem finalidade pericial), a
delegação pode ser feita a qualquer pessoa, como outro Advogado do
escritório, um estagiário, um fotógrafo ou um prestador de serviço externo.
Aliás, caso precise encontrar o profissional com o conhecimento
especializado para determinada diligência, pode-se formalizar uma ordem
de serviço direcionada a alguém do escritório para que pesquise
profissionais que tenham a habilidade exigida. Teria, por exemplo, um
trecho afirmando: “determino a realização de perícia contábil para analisar
se houve supressão de tributos e, para tanto, determino ao Advogado X que
pesquise contadores com experiência em ____”.
Nessa situação, será necessário pesquisar profissionais na área
exigida, fazer orçamentos e decidir quem será o profissional contratado.
No exemplo acima, havendo necessidade de revisar determinados
registros contábeis, deve-se delimitar o período, quais são os tributos (de
acordo com a persecução penal) e o que se pretende provar por meio dessa
diligência. Essa delimitação do objeto é importante para procurar o
profissional adequado ao serviço e para obter um orçamento, assim como
para a própria revisão dos registros. Aliás, para demonstrar a seriedade da
diligência, recomenda-se informar ao profissional contratado que aquilo que
será elaborado por ele poderá ser juntado em um processo criminal e que,
havendo necessidade, ele será arrolado como testemunha.
Em que pese a ordem de serviço não seja uma imposição ou um
documento imprescindível, recomenda-se a sua utilização.
Por mais que pareça dispensável – e talvez tolo – inserir na
investigação defensiva uma ordem de serviço para que um funcionário do
escritório obtenha orçamentos e contrate um profissional externo ou para
que o estagiário pesquise determinadas certidões na internet, trata-se de
uma formalidade que pode ser relevante para a delegação das atividades.
Portanto, não se trata de mera burocracia despropositada e irrefletida.
A documentação das delegações de atos por meio da ordem de
serviço faz com que a atividade seja levada a sério, atribuindo um caráter de
importância. Uma ordem oral, de modo informal, parece ter pouca urgência,
especialmente em um escritório com uma grande estrutura e inúmeras
demandas. Todavia, a mesma ordem, entregue por escrito, com a assinatura
de quem delegou o ato e a confirmação – também por assinatura – de quem
a recebeu, contendo um prazo para seu cumprimento, tem maior
respeitabilidade e até sisudez.
Outrossim, a documentação por escrito, com a assinatura de quem
recebeu a delegação, de modo símil a uma intimação, passa a ter o atributo
da exigibilidade.
Com o devido reconhecimento da importância e das vantagens da
ordem de serviço, o próximo passo é entender sua estrutura, isto é, quais
informações devem compor esse documento.
A primeira informação consiste na individualização do ato, por meio
de uma numeração única (OS n. 1/2020, por exemplo), assim como a
numeração dos autos da investigação criminal defensiva (AID n. 2/2020,
por exemplo). Se for o caso, a numeração da ordem de serviço pode conter
a numeração da investigação defensiva, ficando, por exemplo, assim: OS n.
1/2/2020. Nesse caso, seria a ordem de serviço 1 da investigação defensiva
2 do ano de 2020.
Em seguida, deve-se inserir a descrição da diligência a ser realizada.
Por razões óbvias, essa é a parte mais importante, exigindo detalhamento
sobre o que deve ser feito, como e com qual finalidade.
As finalidades podem ser procurar o endereço de alguém, tirar fotos
de um local, vigiar a movimentação de uma pessoa, analisar documentos
etc.
Na ordem de serviço, também deve constar o nome do profissional
que deverá cumprir a tarefa, assim como a sua qualificação e, se for o caso,
o endereço profissional, além do número de registro no órgão de classe
competente. Tratando-se de um funcionário do escritório, a qualificação
poderá ser resumida, como “será cumprida por Fulano, estagiário deste
escritório”. Quando a tarefa incumbir a um profissional especializado, a
qualificação poderá mencionar títulos acadêmicos e cursos frequentados.
Outro ponto de enorme importância – sobretudo prática – é a
previsão de um prazo para a conclusão da diligência e, se for o caso, a
apresentação de relatório pormenorizado dos meios utilizados e resultados
obtidos. A definição de prazos evita o acúmulo de diligências pendentes e
demonstra a formalidade do ato. O prazo pode variar de 24 horas (tarefas
simples) a algumas semanas (elaboração de laudos, pesquisas complexas
etc.).
Na estrutura da ordem de serviço, Bulhões (2019, p. 140) também
sugere “as recomendações expressas no sentido de assegurar a legalidade e
constitucionalidade da diligência, em especial nos direitos e garantias de
terceiros”.
Sugere-se, portanto, a especificação de algumas proibições,
principalmente aquelas que podem caracterizar crimes, o que pode ser
fundamental quando a diligência for praticada por alguém sem
conhecimento jurídico.
Após o cumprimento da ordem de serviço e a juntada da diligência
realizada nos autos da investigação criminal defensiva, recomenda-se a
elaboração de um relatório que aborde a utilidade dos respectivos
resultados.
 

29. Auto de descrição de local


 
Em algumas situações, a descrição de um local pode ser muito
relevante para a construção de uma tese defensiva ou, no mínimo, para
contextualizar o fato.
Nas lições de Oliveira (2008, p. 76-77):
Sem embargo, para uma completa averiguação
circunstancial do crime, sobretudo naqueles onde a
actuação humana não se resuma a meios documentais, a
observação e o conhecimento das características dos
locais onde aquela actuação se desenrolou é fundamental
quer à compreensão do que se terá passado quer à solução
do crime.
 
Há casos em que a descrição do local será parte integrante da perícia
e do respectivo laudo. Em outros, a descrição terá utilidade por si só,
servindo, por exemplo, como parâmetro para a análise das teses, da forma
de execução do crime, da autoria e de outros aspectos.
A realização de um auto de descrição de local pode ter como ponto
inicial a sua determinação por meio de uma ordem de serviço, que deverá
apontar a pessoa responsável pela diligência, o local (indicando endereço,
pontos de referência e outras informações relevantes) e a finalidade da
descrição.
O responsável pela descrição deverá dirigir-se ao local com os
instrumentos e dispositivos necessários (notebook, celular, câmera etc.) e,
após uma observação inicial, proceder à descrição do local. Caso a
descrição tenha o objetivo de instruir ou compor uma perícia, a diligência
deverá ser feita pelo perito, que é quem tem o conhecimento especializado
acerca dos pontos relevantes.
Pode-se utilizar como parâmetro o art. 158-B, III, do Código de
Processo Penal, que trata da fixação, uma das etapas do rastreamento de
vestígios na cadeia de custódia. O referido dispositivo legal informa que a
fixação é a descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local
de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo
ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua
descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo
atendimento.
A descrição do local deve ter o máximo de detalhamento, inclusive
anexando imagens do local. Além de mencionar as informações nitidamente
relevantes para o caso, também deve incluir aquelas que, no momento, não
pareçam importantes.
Também é recomendável detalhar as condições – especialmente
climáticas – do dia da realização da diligência, o que permitirá uma
comparação com o dia do suposto fato criminoso. Exemplificando, se o fato
referente ao crime de trânsito imputado ao réu tiver ocorrido em um dia de
chuva, recomenda-se que a descrição seja feita em iguais condições
climáticas ou, se não for possível, que conste no auto de descrição do local
quais eram as condições no dia da diligência.
 

30. Termo de declarações


 
Uma das possibilidades na condução de uma investigação criminal
defensiva é tomar declarações de pessoas, de modo semelhante à produção
de uma prova testemunhal em um processo judicial.
Para entendermos os limites legais e as formalidades recomendadas,
nossa análise deve partir das regras previstas para a inquirição de
testemunhas por um Juiz.
Sabe-se, por exemplo, que a testemunha fará, sob palavra de honra, a
promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado (art. 203 do
CPP). Ademais, o Juiz deve advertir as testemunhas das penas cominadas
ao falso testemunho (art. 210 do CPP).
Há previsão de crime de falso testemunho (art. 342 do CP) para a
testemunha que fizer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em processo
judicial ou administrativo, inquérito policial ou em juízo arbitral. Esse
crime tem pena de reclusão, de 2 a 4 anos, e multa, com aumento de um
sexto a um terço, se o crime for praticado mediante suborno ou se cometido
com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou
em processo civil em que seja parte entidade da administração pública ou
indireta.
Contudo, em relação à investigação criminal defensiva, não há
possibilidade de que, em caso de omissão ou declarações inverídicas, a
testemunha seja responsabilizada criminalmente por falso testemunho.
Observando o art. 342 do CP, nota-se que é elementar do tipo penal
que a declaração seja feita em processo judicial ou administrativo, inquérito
policial ou em juízo arbitral, o que não abrange a investigação criminal
defensiva, que permanece fora desses conceitos.
Assim, por inexistir crime de falso testemunho no que tange às
declarações feitas em uma investigação defensiva, seria incorreto e atécnico
exigir o compromisso da testemunha ou adverti-la sobre o “dever” de falar
a verdade, que, como dito, não existe na investigação conduzida por
Advogado.
Quanto à testemunha de um processo judicial, também existe
previsão legal de que, sendo regularmente intimada e deixando de
comparecer sem motivo justificado, o Juiz poderá requisitar à autoridade
policial a sua apresentação ou determinar que seja conduzida por oficial de
justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública (art. 218 do CPP). Na
mesma linha, o art. 219 do CPP afirma que o Juiz poderá aplicar à
testemunha faltosa uma multa, sem prejuízo do processo penal por crime de
desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da diligência.
No âmbito da investigação criminal defensiva, caso a testemunha,
após o convite, não compareça para ser ouvida, não será cabível a sua
condução ou qualquer outra coerção/sanção. A saída possível seria arrolar
essa pessoa como testemunha no processo criminal, para que sejam
aplicadas as consequências previstas nos arts. 218 e 219 do CPP, se, após
ser regularmente intimada, ela deixar de comparecer sem motivo
justificado.
Se quiser, a testemunha poderá ser acompanhada de um Advogado,
especialmente se houver chance de autoincriminação. Neste caso, o correto
é informá-la sobre o direito de permanecer em silêncio quanto a eventuais
condutas criminosas.
Também é importante formalizar todos os atos e evitar que pareça ser
uma coação no curso do processo (art. 344 do CP). Para tanto, deve-se ter
cuidado em tudo, do convite até o final do depoimento.
O primeiro passo é convidar a potencial testemunha para, querendo,
comparecer em determinado lugar – preferencialmente no escritório do
Advogado – para prestar depoimento. A utilização de termos como
“convite” tem a finalidade de evitar que pareça uma tentativa de
intimidação.
Comparecendo a testemunha, deve-se gravar o que for possível,
inclusive o momento imediatamente anterior ao depoimento, isto é, a
explicação sobre o que será feito no ato.
O depoimento começará com a qualificação, passando, em seguida,
para a cientificação do direito de ficar em silêncio em relação a eventuais
condutas criminosas que a testemunha tenha praticado.
A inquirição propriamente dita tem início com a primeira pergunta
sobre o fato, normalmente mais genérica (“o que o senhor sabe sobre tal
coisa?”), que servirá de base para as perguntas seguintes, de acordo com as
respostas obtidas. Ao final, pode-se encerrar o ato com uma pergunta aberta
que oportunize à testemunha falar sobre pontos ainda não perguntados
(“tem algo mais a falar sobre o caso?”).
Por fim, assina-se um termo de declaração que tenha algumas
informações resumidas, como o fato de que a testemunha foi convidada e
compareceu voluntariamente, além da possibilidade de que o seu
depoimento seja utilizado em um inquérito ou processo, bem como a
informação de que suas declarações constam na mídia anexa (normalmente,
um DVD).
 

31. Auto de reconhecimento de pessoa


 
O art. 6º, VI, do CPP, prevê que, logo que tiver conhecimento da
prática da infração penal, a autoridade policial deverá proceder a
reconhecimento de pessoas.
Por sua vez, o art. 226 do CPP apresenta a sequências de atos
inerentes ao reconhecimento de pessoa:
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o
reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte
forma:
I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será
convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será
colocada, se possível, ao lado de outras que com ela
tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver
de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III - se houver razão para recear que a pessoa chamada
para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra
influência, não diga a verdade em face da pessoa que
deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que
esta não veja aquela;
IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto
pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa
chamada para proceder ao reconhecimento e por duas
testemunhas presenciais.
 
O dispositivo legal supra pode ser utilizado como parâmetro para o
reconhecimento de pessoa na investigação criminal defensiva, mas devemos
observar que há algumas limitações e dificuldades.
Inicialmente, uma dificuldade facilmente perceptível consiste na
colocação da pessoa a ser reconhecida ao lado de outras pessoas. Quanto ao
réu (contratante do Advogado que conduz a investigação), não há
dificuldade, mas, em relação aos outros (quem fará o reconhecimento,
especialmente se for a vítima ou alguma testemunha que tenha relação com
ela, bem como as pessoas que ficarão ao lado do réu), a medida pode ser tão
difícil quanto a obtenção de suas declarações.
Assim, a etapa que está no inciso II do art. 226 do CPP será realizada
somente se for possível, conforme o próprio texto legal.
Sugere-se a observância das etapas previstas no dispositivo
processual, começando sempre com a descrição, passando em seguida para
o apontamento da pessoa reconhecida, que preferencialmente estará ao lado
de outras pessoas semelhantes. A providência prevista no inciso III
dificilmente será necessária, haja vista que, diferentemente da persecução
penal, o comparecimento para o reconhecimento na investigação defensiva
será facultativo, com base em prévio convite, e não intimação com
possibilidade de condução coercitiva.
Em último caso, não sendo possível fazer o reconhecimento pessoal
ou havendo temor da vítima ou testemunha quanto à presença do réu, pode-
se fazer o reconhecimento por fotografia, hipótese já aceita pela
jurisprudência em inúmeras oportunidades contra o réu. Ora, se a
jurisprudência aceita a indevida violação da forma legal para validar o
reconhecimento contra o réu, com mais razão, por uma questão de
proporcionalidade, deve aceitar o reconhecimento por fotografia em favor
do acusado. Nessa hipótese, a fotografia utilizada para o reconhecimento
deve permanecer anexa ao respectivo auto.
Por derradeiro, o reconhecimento deve ser formalizado por meio de
auto que mencione a sequência de atos, a pessoa chamada a fazer o
reconhecimento, a descrição feita, as pessoas que ficaram à disposição para
o reconhecimento, quem foi apontado (reconhecido) e, por fim, as
assinaturas de todos os envolvidos e das testemunhas.
Para evitar influências indevidas, o art. 228 do CPP assevera que, se
várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento, cada uma
fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas.
Esse cuidado deve ser observado também na investigação criminal
defensiva. Aliás, recomenda-se que, havendo necessidade de que mais de
uma pessoa faça o reconhecimento, cada ato seja feito em um turno do dia,
mencionando no auto o respectivo horário. Essa informação demonstrará
que houve respeito ao art. 228 do CPP, porquanto as pessoas chamadas para
o reconhecimento não o fizeram no mesmo horário.
 
32. Auto de reconhecimento de objeto
 
Na prática forense, o reconhecimento de objeto é muito mais
incomum que o de pessoa. Contudo, não pode ser ignorado.
Da mesma forma que o reconhecimento de pessoas, o de objetos
também está previsto no art. 6º, VI, do CPP, como atribuição da autoridade
policial, devendo ser feito logo que tiver conhecimento da prática da
infração penal.
O art. 227 do CPP afirma que, no reconhecimento de objeto,
proceder-se-á com as cautelas estabelecidas no art. 226, no que for
aplicável. Portanto, segue-se o procedimento previsto para o
reconhecimento de pessoas.
Trazer esse procedimento para a investigação criminal defensiva
pode ter alguns obstáculos. O principal deles: o Advogado terá à disposição
o objeto que será reconhecido? Evidentemente, sem o objeto, sofre-se um
enorme prejuízo no reconhecimento, que ainda pode ser feito por meio de
fotografia, mas sem a mesma credibilidade. Desde já, salienta-se que a
regra deve ser o reconhecimento perante o objeto, apenas admitindo o ato
por fotografia como última opção, hipótese em que será recomendável a
juntada da fotografia nos autos da investigação, anexo ao termo de
reconhecimento.
De início, a pessoa que fará o reconhecimento deverá descrever
detalhadamente o objeto, mencionando, se for o caso, marca, modelo, cor,
tamanho, peso, formato etc.
Em seguida, se possível, o objeto será colocado ao lado de outros
objetos semelhantes para que a pessoa aponte o reconhecido.
Por fim, será elaborado o auto de reconhecimento de objeto, com
todas as informações necessárias, isto é, a sequência de atos, quem fez o
reconhecimento, a descrição do objeto e se houve ou não o reconhecimento.
 

33. Auto de avaliação de coisa


 
Em muitos casos, especialmente nos referentes a crimes patrimoniais,
pode ser necessário investigar o valor do objeto subtraído ou do
prejuízo/dano. Para essa finalidade, o auto de avaliação é o documento
adequado.
No inquérito policial, o auto de avaliação é elaborado, via de regra,
sem muito aprofundamento, baseando-se no senso comum ou, no máximo,
em uma ligação para algum comércio ou uma rápida pesquisa na internet.
Desconsidera-se, por exemplo, que o valor em determinados sites é
muito inferior ao preço cobrado por lojas presenciais no local em que
ocorreu o crime.
Também é desconsiderado o fato de que, dependendo do caso, o
objeto a ser avaliado (por ter sido subtraído, por exemplo) não era novo,
mas sim usado, razão pela qual deveria ser considerada a desvalorização
decorrente do desgaste natural ou de danos existentes na coisa (arranhões,
partes quebradas etc.). Caso se considere o valor da coisa em uma loja,
possivelmente será utilizado o preço da coisa nova.
A situação se agrava quando sabemos que, na prática, o auto de
avaliação raramente é desconsiderado pelos Juízes. Caso especifique um
valor ínfimo e estando preenchidos os outros requisitos, os Juízes aplicam o
princípio da insignificância, não exigindo outras provas acerca do valor da
coisa. Por outro lado, se mencionar um valor alto, fora do patamar
normalmente considerado para se entender como crime de bagatela,
também não há questionamentos.
Ademais, o auto de avaliação também pode ser utilizado para avaliar
as consequências do crime, circunstância judicial prevista no art. 59 do
Código Penal e que incide na primeira fase da dosimetria da pena. Sobre
esse aspecto, cita-se, por exemplo, um julgado do STJ referente ao crime de
furto:
(...)
2. O desvalor das consequências do delito decorreram da
análise do auto de avaliação que indicou prejuízo
patrimonial de R$154.000,00. A revisão desse ponto
esbarra no óbice trazido pelo enunciado 7 da Súmula
desta Corte.
(...)
(AgRg no REsp 1803273/SP, Rel. Ministro ANTONIO
SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em
25/06/2019, DJe 02/08/2019)
 
O STJ também já consignou que o questionamento sobre o método
de avaliação de uma coisa deveria ter sido submetido ao Tribunal a quo.
Sem esse questionamento e inexistindo elementos que justifiquem a
contestação ao auto de avaliação, seria incabível a análise pelo Tribunal
Superior, pois consistiria em supressão de instância:
(...)
3. A insurgência da defesa quanto ao método de avaliação
do botijão de gás não foi submetida ou analisada pelo
Tribunal a quo, não havendo elementos para contestar o
valor mencionado, sob pena de se incidir em indevida
supressão de instância. Ademais, o relatório do acórdão
impugnado faz menção ao auto de avaliação que instruiu
a inicial acusatória.
(...)
(HC 361.019/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN
PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em
27/09/2016, DJe 10/10/2016)
 
Por esses motivos, a defesa técnica precisará refletir se é caso de
elaboração de um auto de avaliação – isoladamente ou no bojo de uma
investigação criminal defensiva –, inclusive para questionar o documento
oficial e apresentar ao julgador fundamentos idôneos para desconsiderar o
valor atribuído.
Na produção de um auto de avaliação, o primeiro ponto será a
descrição detalhada do objeto a ser avaliado, mencionando,
pormenorizadamente, a marca, o modelo, suas características, estado (novo
ou usado) e outras informações que individualizem o objeto. O Advogado
deverá lembrar-se de que a avaliação não é referente a todo e qualquer
objeto semelhante, mas sim àquele que supostamente sofreu a ação
criminosa. Noutros termos, o objetivo não é dizer que “uma panela
normalmente custa ___”, mas sim que “a panela supostamente subtraída,
que é usada, da marca ____ e tem o tamanho ____, custa, com tais
características, o valor ____”.
Recomenda-se a instrução do auto de avaliação da coisa com
declarações do valor, orçamentos ou imagens da internet, preferencialmente
três, para atribuir um valor médio. Se a coisa for usada, é recomendável
obter os orçamentos ou as declarações em lojas de coisas usadas, tentando
fazer com que o parâmetro utilizado seja o mais próximo possível da coisa
avaliada.
Se, na elaboração do auto de avaliação, apenas forem encontrados
valores de objetos novos, deve-se mencionar qual seria a depreciação
decorrente do desgaste, utilizando como parâmetros a experiência comum e
comparações entre produtos novos e usados similares.

34. Relatórios
 
Antes de refletirmos sobre a utilização e a importância dos relatórios
na investigação criminal defensiva, devemos ter uma visão panorâmica do
processo penal brasileiro e de como os relatórios são utilizados no
inquérito, nos exames periciais, no júri, nas diligências e em muitos meios
de prova.
Sobre o inquérito policial, o art. 10, § 1o, do CPP, diz que “a
autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará
autos ao juiz competente”. Trata-se do relatório final ou de conclusão, que
não é o único relatório possível no inquérito policial.
No art. 169, parágrafo único, do CPP, consta que, em relação ao
exame do local onde houver sido praticada a infração, os peritos registrarão,
no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as
consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.
Ao preparar o processo para ser levado ao plenário do júri, o Juiz
presidente fará “relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão
em pauta da reunião do Tribunal do Júri” (art. 423, II, do CPP). Aliás, na
sessão do júri, o jurado receberá a cópia do referido relatório (art. 472,
parágrafo único, do CPP).
Na Lei de Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/2013), há
previsão de que, findo o prazo da infiltração de agentes, será apresentado
um relatório circunstanciado ao Juiz competente, que imediatamente
cientificará o Ministério Público (art. 10, §4º), Além disso, no curso do
inquérito policial, o Delegado de Polícia poderá determinar aos seus
agentes, e o Ministério Público poderá requisitar, a qualquer tempo,
relatório da atividade de infiltração (art. 10, §5º).
A Lei de Organizações Criminosas também prevê, em relação à
figura dos agentes de polícia infiltrados virtuais, que, após o prazo, o
relatório circunstanciado, juntamente com todos os atos eletrônicos
praticados durante a operação, deverão ser registrados, gravados,
armazenados e apresentados ao Juiz competente, que imediatamente
cientificará o Ministério Público (art. 10-A, §5º). Igualmente, prevê que, no
curso do inquérito policial, o Delegado de Polícia poderá determinar aos
seus agentes, e o Ministério Público e o Juiz competente poderão requisitar,
a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração (art. 10-A, §6º).
Em sentido semelhante, a Lei de Interceptações Telefônicas (Lei n.
9.296/96), no seu art. 6º, §2º, prevê que, cumpridas as diligências, a
autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao Juiz,
acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das
operações realizadas.
Nos inquéritos policiais mais simples, como aqueles que apuram
furtos ou outros crimes sem complexidade, observamos depoimentos,
documentos, perícias (às vezes) e, ao final, o relatório de conclusão
elaborado pelo Delegado de Polícia, que contém um resumo de todas as
diligências e sua opinião jurídica sobre ser caso de arquivamento ou de
imputação de alguma infração penal. Normalmente, quando o caso não é
complexo, o único relatório é o final.
Por outro lado, nos inquéritos que investigam crimes mais
complexos, especialmente aqueles conduzidos pela Polícia Federal ou que
abordem crimes relativos ao Direito Penal Econômico, é comum
encontrarmos mais relatórios, como aqueles mencionados anteriormente
(agentes infiltrados, interceptações telefônicas etc.) ou que se refiram a
alguma diligência, mencionando informações sobre o local, as pessoas com
quem os agentes tiveram contato, o que observaram e outros dados
relevantes. Trata-se, portanto, de uma explicação das diligências realizadas.
Assim, de modo geral, um relatório deve:
detalhar o que foi feito;
possibilitar uma visão geral;
analisar os atos, fatos, circunstâncias, locais e pessoas;
apresentar conclusões.
Nesse esteio, a documentação dos resultados da investigação
defensiva por meio de relatórios é de extrema importância. Pode ser
produtivo elaborar relatórios referentes a cada diligência, não se limitando
ao relatório final.
Após o cumprimento de uma ordem de serviço, por exemplo, pode-se
elaborar um relatório narrando os detalhes da diligência. Caso o Advogado
ou algum de seus auxiliares diligencie para obter documentos, tirar fotos ou
entrar em contato com pessoas envolvidas, será útil documentar, por meio
de um relatório, as circunstâncias da diligência, as informações recebidas e
quaisquer outras questões relevantes.
Em uma persecução penal que apure um crime de trânsito, por
exemplo, o Advogado poderá instaurar a investigação criminal defensiva e,
como diligência, deslocar-se até o local do acidente para tirar fotos, solicitar
filmagens, anotar características importantes do local (buracos, curvas,
condições do asfalto etc.) e, ao final, elaborar um relatório com tudo que foi
realizado durante a diligência, bem como suas conclusões ao interpretar as
informações obtidas.
Destaca-se, por oportuno, que o Advogado não precisará juntar aos
autos do inquérito policial ou do processo todas as peças da investigação
defensiva, razão pela qual o relatório não necessariamente será juntado aos
autos oficiais. Em alguns casos, é recomendável que esse documento não
seja juntado, sobretudo para permitir ao Advogado utilizar o relatório como
local para realizar algumas reflexões/conclusões que poderiam prejudicar o
cliente. Nessa linha, utilizaria o relatório para fazer reflexões imparciais e
comparar a versão apresentada pelo cliente (investigado ou réu) com os
elementos obtidos na investigação defensiva.
Aqui, precisamos explicar o sentido de fazer essas reflexões
imparciais nos relatórios. Não se trata de uma conduta que tenha o condão
de prejudicar o cliente, mas, pelo contrário, de evitar uma participação
despreparada no processo, sem o conhecimento do máximo possível de
informações. Deve-se tentar descobrir tudo que poderá ser utilizado pela
acusação nos autos oficiais, evitando que a versão do investigado ou réu
seja superada, de forma surpreendente, por informações obtidas por peritos
ou declaradas por testemunhas.
Voltando ao exemplo do crime de trânsito, após a diligência realizada
no bojo da investigação criminal defensiva, pode ser necessário inserir no
relatório, por exemplo, que o réu havia informado que o local era uma reta e
que era permitida a ultrapassagem, mas foi constatado que se tratava de
uma curva com sinalização proibindo a ultrapassagem. Essa comparação
entre a versão do cliente e a realidade constatada na diligência evitará uma
surpresa desagradável durante a instrução processual.
Percebe-se que, na investigação defensiva, não se pode seguir
irrefletidamente a versão do réu, investigando apenas o que lhe é favorável
e distorcendo a realidade observada durante as diligências. A investigação
precisa ser fiel às apurações, o que equivale a dizer que precisa ser, de certa
forma, imparcial. Apenas depois, ao selecionar o que será levado aos autos
oficiais, é que se exige uma atuação parcial (em favor do cliente).
Por esse motivo, o relatório deve ser um resumo das diligências
realizadas, com as interpretações, apreciações e conclusões do Advogado,
ainda que essa deliberação seja inicialmente contra a narrativa do
investigado. O relatório é um “debate em forma de monólogo”, apreciando
as informações e comparando dados e fatos.
Sugere-se, preferencialmente, a elaboração de um relatório ao final
de cada diligência realizada na investigação defensiva, seguindo o mesmo
parâmetro já mencionado acerca das perícias e dos meios de obtenção de
provas.
Nesse esteio, Bulhões (2019, p. 136-137):
Se possível, cada diligência, seja de mão própria ou por
terceiros profissionais, deve gerar um relatório acerca do
método empregado, as condições de tempo, lugar e outras
informações que possam ser pertinentes e relevantes ao
contexto de determinação, desenvolvimento e
apresentação das provas obtidas/produzidas em cada
atividade investigativa.
 
No que concerne ao método empregado, essa informação tem
especial relevância quando se trata de diligência que envolva algum
conhecimento especializado, como uma perícia.
Ainda que não se fale em método propriamente dito, é fundamental
narrar as circunstâncias da diligência, como o deslocamento até
determinado lugar, a comunicação a algum órgão público, o protocolo de
uma petição, um requerimento formulado, as condições de transporte de
algum objeto ou qualquer outro dado sobre a origem ou a forma de
obtenção de uma informação.
Também é recomendável inserir no relatório informações sobre o
tempo, lugar e outras condições relevantes, possibilitando uma revisão
sobre o objeto da diligência, bem como uma reflexão sobre circunstâncias
não pensadas durante o ato.
Imaginemos, por exemplo, uma investigação criminal defensiva
sobre um crime de trânsito que causou uma morte, havendo dúvidas sobre o
crime ter ocorrido de forma culposa ou dolosa. Durante a investigação, o
Advogado se desloca até o local do acidente com o perito, tira fotos,
documenta e faz anotações sobre o local.
Nesse caso, se o acidente/crime tiver ocorrido em um dia muito
movimentado e com chuva, mas a diligência tiver sido feita em um
dia/horário ensolarado e pouco movimentado (talvez em um feriado), há
condições distintas que podem atrapalhar as conclusões do Advogado.
Tendo a anotação dessas condições no relatório, o Advogado poderá
perceber a necessidade de ir ao local novamente em outro dia da semana ou
horário para observar as circunstâncias e condições semelhantes àquelas do
dia do fato, o que permitirá uma comparação entre o que investigou e o que
consta no inquérito ou processo.
Ademais, é relevante inserir no relatório qualquer outra informação
que possa ajudar na elucidação do fato, na contextualização e na formação
da tese defensiva: nomes de pessoas com quem teve contato,
estabelecimentos comerciais no local, endereços, fotografias, mapas e até
desenhos. Na diligência, recomenda-se que o Advogado (a)note como é a
rua, quais são as características da calçada, o que existe do lado do local
(uma casa, um terreno baldio…) e outras informações relevantes.
Conclui-se, portanto, que o relatório não deve apresentar apenas o
método empregado na pesquisa e na diligência, mas também as condições
de tempo e lugar, fotos, mapas, desenhos, características, adjacências e tudo
mais que se entenda necessário, acrescentando, ainda, as conclusões do
profissional que cumpriu a diligência.
 

35. Termo de enumeração de pessoas


 
O termo de enumeração de pessoas não é um documento obrigatório,
apesar de ter grande utilidade para a organização da investigação criminal
defensiva.
Trata-se de um documento que individualizará e qualificará as
pessoas envolvidas, mormente os investigados, indiciados, réus ou meros
suspeitos (que não sejam formalmente investigados ou réus). Também será
útil inserir, em tópico separado desse termo, os nomes e as qualificações de
outras pessoas, como possíveis testemunhas.
Como bem descreve Bulhões (2019, p. 138):
(...) a partir da instauração é importante que exista uma
delimitação subjetiva acerca do objeto da investigação
defensiva, isto é, sobre quais pessoas, físicas e/ou
jurídicas, recaem as suspeitas acerca do fato delituoso em
testilha.
 
Essa delimitação formalizada no termo de enumeração de pessoas
servirá para facilitar a busca da qualificação (nome completo, profissão,
endereço etc.) das pessoas que tenham relação com a investigação e que,
por conseguinte, poderão ser ouvidas nos autos oficiais.
Com o termo de enumeração de pessoas, será possível, por exemplo:
encontrar o endereço das testemunhas que serão arroladas;
verificar as profissões das pessoas que serão ouvidas
(testemunhas e corréus), decidindo, a partir disso, quais
perguntas serão formuladas (ex.: perguntas específicas para
médicos ou policiais);
analisar se o endereço da pessoa pode ter relevância para o
debate sobre o fato investigado (ex.: a testemunha é vizinha da
vítima).
 
O termo de enumeração de pessoas também facilita o atendimento do
cliente realizado pelo Advogado. É comum que, em algum momento, o
cliente pergunte ao Advogado sobre o depoimento de alguma testemunha
ou quem seria tal pessoa. Com o referido termo, a busca da resposta será
muito mais rápida e evitará a aparência de desconhecimento em relação ao
caso.
Inclusive, recomenda-se a leitura atenta do termo de enumeração de
pessoas antes de realizar o atendimento do cliente, guardando,
principalmente, os nomes e as profissões dos envolvidos. Para o cliente, o
inquérito ou processo é o caso de sua vida. Ele tem conhecimento de
praticamente todos os nomes envolvidos e provavelmente reflete
diariamente sobre o fato investigado. Por outro lado, o Advogado tem
muitos outros processos, com dezenas, centenas ou milhares de nomes
envolvidos, o que pode fazer com que se esqueça de informações cruciais
durante o atendimento. Assim, a leitura do sobredito termo possibilitará
uma revisão rápida do caso.
Não há uma regra sobre quais informações devem integrar o termo de
enumeração de pessoas, mas é recomendável que adicione o máximo
possível de dados, como:
nome completo;
estado civil;
data de nascimento ou idade aproximada;
profissão;
RG ou CPF (se possível);
endereço residencial;
endereço profissional;
telefone e e-mail.
Tratando-se de pessoa jurídica, recomenda-se a inserção dos
seguintes dados:
razão social e nome fantasia;
data de abertura;
ramo de atuação;
CNPJ;
quadro societário;
situação cadastral;
endereço;
telefone e e-mail;
nome do administrador e/ou do contato na empresa.
Muitas dessas informações sobre as pessoas físicas ou jurídicas
podem ser obtidas pela internet, inclusive nas redes sociais.
Dependendo do momento de elaboração do termo de enumeração de
pessoas, o Advogado poderá consultar os atos do inquérito policial (boletim
de ocorrência, termo de declarações ou indiciamento) e do processo
(denúncia ou queixa-crime, mandado de intimação ou qualificação no
depoimento ou interrogatório) para ter conhecimento dos dados necessários.
  Ao analisar o inquérito, reflita sobre todos os nomes que foram
mencionados no auto de prisão em flagrante, no boletim de ocorrência, na
portaria de instauração, nos relatórios, nas ordens de serviço e em quaisquer
outros atos. Como se percebe, a elaboração do termo de enumeração de
pessoas já é, de certa forma, um exame detalhado dos autos oficiais.
Insistimos, mais uma vez, na necessidade de não se fazer apenas um
termo de enumeração de pessoas suspeitas, investigadas ou denunciadas,
mas sim algo mais amplo, indicando todos os envolvidos, o que pode
incluir até mesmo as autoridades da persecução penal, com informações
sobre serem titulares ou substitutos, tempo de carreira, perfil (punitivista ou
garantista) etc. Essas informações servirão para entender quem são os
jogadores e quais estratégias podem funcionar.
Para subsidiar o referido termo, recomenda-se que, em qualquer
contato com outras pessoas durante as diligências, solicite-se algum meio
de contato e sempre pergunte sobre o endereço atualizado.
Em termos práticos, podemos imaginar uma situação em que uma
testemunha arrolada pela acusação não tenha sido encontrada, ocorrendo a
desistência pelo Ministério Público. O Juiz determina a intimação da defesa
para que, tendo interesse na oitiva da testemunha, informe o endereço.
Normalmente, o prazo concedido pelo Juiz é curto (em regra, 5 dias).
Nessa situação, observando o termo de enumeração de pessoas, o
Advogado poderá consultar o endereço da testemunha ou, caso não o tenha,
talvez consiga com alguma das pessoas listadas (outras testemunhas,
pessoas com quem teve contato nas diligências etc.), utilizando os meios de
contato disponíveis no termo.
 

36. Termo de enumeração de crimes


 
O termo de enumeração de crimes consiste em uma lista ou um rol de
infrações penais (crimes e contravenções) que serão apuradas por meio das
diligências e dos atos da investigação criminal defensiva.
A formulação desse termo deve considerar as informações presentes
na portaria de instauração do inquérito policial, o indiciamento, eventual
auto de prisão em flagrante, o relatório de conclusão do inquérito e a
denúncia, conforme esses documentos sejam apresentados e de acordo com
a fase da persecução penal.
Além de considerar as informações oficiais, também devem constar
no termo de enumeração de crimes eventuais condutas típicas que poderão
ser objeto da persecução penal ou da investigação criminal defensiva,
segundo as informações repassadas ao Advogado pelo investigado/réu ou
que se tornem conhecidas a partir das diligências realizadas (tomada de
depoimentos, análise de documentos etc.).
Portanto, o termo de enumeração de crimes deve incluir todas as
infrações penais que estiverem sendo apuradas no inquérito policial ou no
processo criminal, além de eventuais condutas que, conquanto não constem
na persecução penal, sejam de conhecimento do Advogado que conduz a
investigação defensiva e, dependendo do caso, devam ser objeto de
diligências.
A amplitude da investigação defensiva é uma medida de garantia
contra eventuais surpresas.
Explico: tendo conhecimento de outras infrações penais que não
integrem a persecução penal, recomenda-se a realização de diligências no
âmbito da investigação defensiva, considerando a possibilidade de que,
futuramente, o Ministério Público faça o aditamento da denúncia ou ofereça
uma nova denúncia para iniciar outro processo. Se isso acontecer, o
Advogado já estará preparado com os elementos de provas obtidos por meio
da investigação defensiva durante o período em que tais infrações ainda não
integravam a persecução penal.
Adotando uma linha de acordo com o exercício da defesa, o ideal
seria utilizar uma nomenclatura diferente de "termo de enumeração de
crimes", que, aparentemente, pode refletir o sentido de que as condutas
criminosas realmente foram praticadas.
Assim, algumas possibilidades são:
termo de enumeração de supostas condutas criminosas;
termo de enumeração de imputações;
termo de enumeração de condutas investigadas.
Como se trata de ato que não objetiva provar fatos, mas sim
organizar as condutas apuradas na investigação criminal defensiva,
recomenda-se que o referido termo não seja juntado aos autos oficiais.
Servirá, portanto, apenas para que a defesa se organize e tenha uma visão
panorâmica do que deve investigar.
Uma dúvida que pode surgir é se teria algo de errado na conduta do
Advogado que, descobrindo crimes ainda não investigados nos autos
oficiais, não os levasse às autoridades. Noutros termos, o Advogado deve
comunicar às autoridades os crimes que foram praticados por seu cliente ou
por terceiros?
Em relação ao cliente, há uma proteção pelo sigilo, inclusive como
decorrência da relação de confiança estabelecida com o Advogado (arts. 5º
e 6º do Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB).
Quanto aos crimes praticados por terceiros, nada impede que o
Advogado, com a concordância do cliente, comunique às autoridades.
Aliás, essa conduta pode constituir uma estratégia defensiva para proteger o
cliente, ganhar a confiança das autoridades que atuam na persecução penal
e, se for o caso, demonstrar eventual interesse dos outros investigados ou
réus em prejudicar o seu cliente. Também é uma conduta que pode
fundamentar uma proposta de acordo de colaboração premiada.
Entrementes, o Advogado não tem o dever jurídico de evitar crimes
praticados por terceiros ou comunicá-los às autoridades, considerando que
não ocupa o papel de garantidor e sua omissão não é, em tese, penalmente
relevante (art. 13, §2º, do Código Penal).
Somente não se admite que, durante ou após a investigação
defensiva, o Advogado pratique crimes ao lado do réu ou para protegê-lo
(intimidação de testemunhas, falsificação de documentos, alteração de lugar
etc.). Essa é a linha que jamais deve ser atravessada. Por outro lado, não
existe dever jurídico de que o Advogado comunique às autoridades
eventuais crimes que venha a descobrir na investigação.
O termo de enumeração de crimes não é imutável. Poderá ser
alterado futuramente, caso se perceba que novas condutas criminosas
devem ser adicionadas ou alguma já mencionada nele deve ser removida,
como em casos de percepção da atipicidade da conduta.
Após o título do documento (termo de enumeração de crimes ou
outra expressão, conforme análise anterior), recomenda-se inserir um
parágrafo com um desses inícios:
“Supostamente, há elementos de que foram praticados os
seguintes crimes (...)”;
“Há análise relativa a eventual prática dos seguintes crimes
(...)”;
“De acordo com a denúncia, fulano teria praticado os crimes
de (...)”;
“Os autos oficiais apresentam as seguintes imputações de
crimes (...)”.
Também é possível fazer uma análise conjunta entre o termo de
enumeração de crimes e o termo de enumeração de pessoas
investigadas/suspeitas, de modo semelhante às denúncias elaboradas pelo
Ministério Público em casos de pluralidade de denunciados e crimes.
Nesse caso, o termo teria os nomes e as qualificações do cliente e de
todos os investigados ou suspeitos. Em seguida, um trecho especificando
que “A, B e C teriam praticado o crime de (...)”. Inclusive, poderia
mencionar as provas que sustentam ou afastam essa afirmação.
Com a utilização correta desses termos, o Advogado terá uma visão
geral das pessoas envolvidas e das possíveis imputações de infrações
penais. Em casos complexos, com vários investigados/réus e muitos crimes,
essa organização tem enorme importância para que seja mantida a clareza
da investigação.
 

37. Relatório de conclusão


 
Da mesma forma que o Delegado de Polícia elabora um relatório
final ou de conclusão no encerramento do inquérito policial (art. 10, §1º, do
CPP), também é recomendável que o Advogado o faça no término da
investigação criminal defensiva.
O objetivo do relatório de conclusão é possibilitar uma visão geral
dos atos desenvolvidos na investigação defensiva, permitindo, inclusive,
reflexões sobre os elementos obtidos, os resultados e, se for o caso, a
especificação do que deverá ser levado aos autos oficiais.
Deve-se começar o relatório com uma descrição dos atos mais
importantes, da instauração até o ato imediatamente anterior ao relatório,
seguindo, basicamente, a ordem cronológica da autuação.
Na descrição dos atos, recomenda-se uma especificação quanto aos
depoimentos, às perícias e às diligências realizadas, mencionando o número
da página e, se quiser, a data da realização do ato.
Após o relato da sequência de atos da investigação, pode-se abrir um
espaço para reflexões sobre o fato e os resultados obtidos, por meio de
conclusões sobre o arcabouço probatório reunido, inclusive comparando
elementos, confrontando declarações e interpretando documentos que
constam nos autos.
O relatório pode ser utilizado como um espaço para que o Advogado
desenvolva o raciocínio sobre os fatos investigados e defina os próximos
passos, sobretudo quais páginas da investigação defensiva serão juntadas
aos autos oficiais.
Por esse motivo, não é recomendável juntar o relatório final da
investigação defensiva aos autos oficiais. Afinal, isso poderia significar a
explanação aberta sobre as estratégias defensivas, o que não é aconselhável.
Verdadeiramente, deve-se tratar o relatório de conclusão como um
documento íntimo da defesa, que não deve se tornar público, mormente
para que as conclusões não sejam de conhecimento da autoridade policial,
do membro do Ministério Público e do Juiz.
 

38. A utilização parcial dos resultados da investigação:


cuidados
 
Conforme já referido, a preparação dos autos da investigação
criminal defensiva é similar à organização de um inquérito policial, isto é,
consiste em reunir as folhas em uma pasta, com a numeração das páginas
em sequência única, passando pela peça de instauração e pelas diligências
(depoimentos, perícias etc.), chegando ao relatório final ou de conclusão.
Como regra, enquanto a investigação criminal defensiva é conduzida,
não se tem conhecimento de quais partes serão posteriormente juntadas ao
inquérito policial ou processo penal, tampouco se serão juntados os
documentos originais ou cópias. Não é sabido, por exemplo, se serão
juntados todos os depoimentos ou apenas alguns deles (os favoráveis).
Aliás, há documentos ou diligências que serão apenas parcialmente
favoráveis.
Portanto, em algum momento, enquanto tramita a investigação
criminal defensiva ou após o seu encerramento, o Advogado precisará
refletir sobre quais documentos, perícias e depoimentos serão juntados aos
autos oficiais, bem como se, em relação a cada documento, a juntada será
total ou apenas parcial.
Nesse ponto, combinando a dica referente à numeração das folhas
dos autos da investigação e a possibilidade de juntada parcial dos
resultados, surge um problema: caso o Advogado decida juntar somente
uma parte dos autos da investigação e estando as folhas devidamente
numeradas, poderá gerar dúvidas nas autoridades (Delegado, Membro do
Ministério Público e Juiz) sobre o que foi deixado de fora pela defesa. Em
outras palavras, como as autoridades tratarão a omissão de algumas folhas
dos autos da investigação defensiva?
Para exemplificar, imaginemos os autos de uma investigação
defensiva que tenha 100 folhas devidamente numeradas. Refletindo sobre a
melhor estratégia defensiva e descartando os elementos desfavoráveis, o
Advogado junta aos autos oficiais apenas 20 folhas.
Após a juntada, o Delegado ou o membro do Ministério Público
percebe que as folhas estão numeradas, apresentando sequências como:
folhas 9 a 15, 43 a 47, 61 a 64 e 92 a 95. Assim, surge a indagação: o que a
defesa deixou de juntar? Seriam elementos desfavoráveis? Como seria
possível descobrir quais são esses elementos? Quem prestou um
depoimento desfavorável nos autos da investigação defensiva?
Esses questionamentos também podem surgir na sessão do tribunal
do júri, tentando convencer os jurados de que a numeração das folhas
demonstra que a defesa não levou ao processo todas as informações que
investigou e descobriu.
Portanto, a juntada parcial de folhas numeradas pode ocasionar uma
preocupação da autoridade policial ou do membro do Ministério Público e
acender um alerta quanto a possíveis linhas investigativas que ainda não
foram exploradas nos autos oficiais.
O risco de gerar essa consequência e a possibilidade de que o Juiz
leve em consideração a omissão de algumas folhas dos autos da
investigação defensiva não podem levar o Advogado a juntar tudo que se
encontra na sua investigação, incluindo eventuais provas desfavoráveis ao
investigado/réu. Afinal, se levar aos autos oficiais os elementos
desfavoráveis, o prejuízo será garantido. Por outro lado, se deixar de juntá-
los, existe apenas um potencial de que isso seja considerado pela acusação
na definição de sua estratégia ou pelo Juiz no momento de decidir. Dessa
forma, não se deve trocar uma possibilidade de prejuízo por um prejuízo
garantido.
Ademais, é evidente que o Advogado deverá respeitar o direito do
seu cliente de não se autoincriminar (nemo tenetur se detegere), não
podendo juntar provas que o prejudiquem.
Por outro lado, como reduzir ou exterminar o risco de que a omissão
de algumas folhas dos autos da investigação defensiva conduza a acusação
a buscar novas provas?
Uma opção válida seria deixar de numerar as folhas dos autos da
investigação defensiva, evitando que, ao fazer a juntada parcial nos autos
oficiais, sejam constatadas sequências na numeração que demonstrem uma
omissão de algumas ou várias folhas.
Além disso, mesmo que não se faça a numeração nos autos da
investigação defensiva, permanece o risco de que, por exemplo, um
relatório, uma notificação ou uma ordem de serviço mencione o nome de
duas testemunhas, quando, na verdade, foi juntado apenas um depoimento
aos autos oficiais. Se isso ocorrer, qualquer Delegado ou membro do
Ministério Público minimamente atento tentará descobrir quem é aquela
testemunha que, a princípio, foi chamada para depor, mas teve seu
depoimento descartado pela defesa. O que ela disse?
Essa “lacuna” no conjunto probatório produzido pela defesa pode ser
descoberta de várias formas, como pela análise dos números das páginas (e
a percepção de que algumas páginas da investigação defensiva não foram
juntadas) ou por meio de documentos juntados pela defesa, especialmente
notificações e relatórios que mencionem a testemunha cujo depoimento não
foi juntado aos autos oficiais.
Se, por exemplo, o relatório final da investigação defensiva menciona
que foram ouvidas 8 testemunhas, mas, nos autos oficiais, a defesa anexa
apenas os depoimentos de 5 testemunhas, surgirá uma indagação quanto ao
que foi omitido. Nessa situação, o ideal seria não juntar aos autos oficiais o
relatório final da investigação criminal defensiva.
Uma dica prática para evitar esse erro na estratégia defensiva seria
elaborar um relatório para cada depoimento. Nesse relatório, o Advogado
abordaria como o respectivo depoimento poderia ser interpretado,
destacando os pontos mais relevantes para a defesa.
Por fim, é possível que o leitor imagine que bastaria à defesa juntar
os depoimentos selecionados no momento da apresentação da resposta à
acusação, de modo que, mesmo que o acusador perceba que alguns
depoimentos não foram juntados, não seria mais cabível a ele a indicação de
novas testemunhas, porquanto o último momento para isso seria o
oferecimento da denúncia. Em que pese o raciocínio esteja correto, há
alguns fatores que nos levam a discordar dessa estratégia.
A questão é simples: o Ministério Público poderia descobrir as
testemunhas que foram ouvidas na investigação defensiva e levá-las ao
processo penal por outros meios.
Em um caso de crime doloso contra a vida, por exemplo, essas
testemunhas poderiam ser arroladas para inquirição na sessão do tribunal do
júri.
Também não é raro que o Ministério Público ouça testemunhas na
sua sede, registre tudo por escrito ou por gravação audiovisual e leve os
registros aos autos como documento. Ainda que discordemos dessa prática
– que impede a participação da defesa e do Juiz –, observa-se esse
comportamento em alguns casos, inclusive para o plenário do júri, quando o
acusador toma conhecimento de alguma testemunha após o prazo para
arrolá-la.
Destarte, é imprescindível que a defesa tenha cuidado na juntada
parcial dos resultados da investigação defensiva, evitando que o Delegado,
o Ministério Público, o querelante e até mesmo o Juiz percebam que a
defesa não juntou tudo que produziu. Ainda que seja legalmente possível
deixar de juntar provas desfavoráveis, essa conduta, caso conhecida pelo
julgador, poderá gerar uma indisposição no momento de julgar. Quanto à
acusação, poderá buscar essas provas desfavoráveis e juntá-las aos autos.
 
39. Quando juntar aos autos oficiais?
 
Ao iniciar uma investigação defensiva, devemos pensar no momento
decisivo: quando juntar os resultados da investigação aos autos oficiais?
A investigação defensiva, como regra, não tem relevância de forma
isolada. Sua relevância consiste em preparar os elementos que serão
futuramente levados ao inquérito policial ou ao processo penal. Noutros
termos, a investigação defensiva será conduzida para municiar a versão
defensiva nos autos oficiais.
Portanto, é imperativo refletir, de modo estratégico, sobre o momento
de juntada aos autos oficiais e quais são as consequências dessa juntada em
cada fase da persecução penal.
Qual será o comportamento dos outros jogadores diante da juntada
dos resultados da investigação defensiva? Quem são esses jogadores?
Basicamente, devemos imaginar a reação de três jogadores:
Delegado, acusador (membro do Ministério Público ou querelante) e Juiz.
No inquérito policial, a preocupação deve ser com a reação do
Delegado, principalmente quanto a eventual indeferimento da juntada dos
resultados da investigação defensiva.
Há Delegados que tratam o inquérito policial como procedimento
voltado exclusivamente para moldar a versão acusatória, desconsiderando a
relevância de outras linhas de investigação favoráveis ao investigado.
Muitos foram condicionados pelos estudos para concursos que pregam, na
linha do entendimento jurisprudencial preponderante, que não existe
contraditório no inquérito policial ou, se existe, ele seria diferido ou
postergado, devendo acontecer apenas no processo.
Assim, caso o Advogado tente juntar os resultados da investigação
defensiva ao inquérito, poderá encontrar resistência por parte da autoridade
policial, da mesma forma (ou até mais) que encontra dificuldades para
acessar o inquérito ou requerer diligências, que são diuturnamente
indeferidas.
Se for indeferido o pedido de juntada dos resultados da investigação
defensiva ao inquérito policial, o Advogado precisará judicializar a questão,
impetrando habeas corpus ou mandado de segurança, conforme o
entendimento a ser adotado. Enquanto isso, a autoridade policial terá
ciência dos documentos que não foram juntados e poderá seguir outras
linhas de investigação que “contestem” tudo que o Advogado conseguiu em
sua investigação.
Portanto, apesar de ter força para convencer o Ministério Público a
não oferecer a denúncia ou o Juiz a rejeitá-la, a juntada dos resultados da
investigação defensiva durante o inquérito policial pode ser uma estratégia
ruim.
Para compreender o processo penal de forma estratégica, precisamos
de um afastamento que nos dê uma visão panorâmica, abrangendo o início
do inquérito policial até o momento do trânsito em julgado. Com esse
afastamento, podemos compreender as vantagens e desvantagens da juntada
em cada fase.
Nesse prisma, a juntada da investigação defensiva durante a fase
policial teria a vantagem de contribuir para eventual arquivamento do
inquérito, mas teria a grande desvantagem de possivelmente ser indeferida e
possibilitar que a autoridade policial e o Ministério Público compreendam a
tese defensiva.
Na fase judicial, seria possível juntar os resultados da investigação
defensiva com a resposta à acusação. Há possibilidade de que o Juiz
considere prova “ilícita” (produzida sem o contraditório) e determine o
desentranhamento, mas, além de ser uma possibilidade remota, poderia ser
facilmente combatida por meio de habeas corpus ou correição parcial,
destacando que se trata de cerceamento de defesa e que o Código de
Processo Penal permite a juntada de documentos.
Ademais, o contraditório seria feito pela acusação em relação ao que
foi juntado, não havendo necessidade de que ele exista na produção dos
elementos na investigação defensiva, isto é, a acusação não precisaria
participar da coleta de depoimentos ou de qualquer outra diligência
empreendida pela defesa.
Por outro lado, um ponto negativo da juntada dos resultados da
investigação defensiva na fase judicial consiste na possível manifestação
contrária do Ministério Público.
No inquérito, o Ministério Público está distante, manifestando-se
apenas sobre dilação de prazo e realização de diligências (prisão preventiva,
busca e apreensão etc.), avaliando, ao final, se é caso de arquivamento do
inquérito ou oferecimento da denúncia. Se a defesa tiver êxito na juntada da
investigação defensiva, a tendência é que o Delegado não comunique ao
Ministério Público, ao contrário do que ocorre no processo penal.
Em sentido diferente, se o Advogado optar por juntar a investigação
defensiva apenas durante a instrução processual, há uma chance enorme de
que o Juiz determine a intimação do Ministério Público acerca dos
documentos juntados. Não seria absurdo imaginar que a acusação
discordaria da juntada da investigação defensiva, argumentando,
possivelmente, que se trata de prova inadmissível.
Há mais um fator para considerarmos sobre o momento de juntada:
tratando-se de inquérito policial com investigado que se encontra preso
cautelarmente, o procedimento tramitará rapidamente, provavelmente
dentro do prazo legal. Assim, caso se pretenda realizar uma investigação
defensiva para juntar em um inquérito policial que tenha investigado preso
cautelarmente, o Advogado precisará empregar um ritmo acelerado de
realização das diligências.
Além disso, se o Advogado deixar para juntar a investigação
defensiva, total ou parcialmente, durante o processo penal, terá a vantagem
de surpreender o Ministério Público, que elaborará a denúncia considerando
apenas aquilo que estava no inquérito oficial e com total ignorância dos
elementos obtidos pela defesa.
Contudo, juntar os resultados da investigação defensiva durante o
processo também significa perder a chance de utilizá-los para tentar o
arquivamento do inquérito policial, algo que evitaria todos os transtornos de
um processo contra o réu.
A consideração sobre o perfil dos jogadores/julgadores também é de
enorme importância para a escolha do momento de juntada da investigação
defensiva.
Se o membro do Ministério Público tiver um perfil menos combativo
(mais inerte), tolerando passivamente a atuação proativa da defesa, o
Advogado poderá considerar esse fator para optar pela juntada da
investigação durante o processo. Nesse caso, a chance de impugnação pelo
acusador seria menor, de modo que o êxito defensivo dependeria do perfil
do julgador (garantista ou punitivista).
Em suma, a definição do melhor momento para juntar os resultados
da investigação defensiva não pode ser feita abstratamente, sem considerar
as peculiaridades do caso concreto e os jogadores envolvidos. A escolha do
momento adequado dependerá de uma avaliação profunda das vantagens e
desvantagens, assim como do perfil das autoridades envolvidas (Delegado,
membro do Ministério Público e Juiz) e da chance de impugnação ou
indeferimento da juntada.
 

40. O que fazer se os resultados da investigação criminal


defensiva não forem aceitos?
 
Considerando que ainda inexiste previsão legal sobre a investigação
defensiva e que não será raro que as autoridades desconsiderem o
Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB, é imperativo avaliar
quais devem ser as medidas adotadas em caso de recusa do Delegado ou do
Juiz quanto ao pedido de juntada dos resultados da investigação conduzida
pela defesa.
Primeiramente, insta recordar que os resultados da investigação
defensiva são levados ao inquérito policial ou processo como documentos.
As perícias, declarações (escritas ou gravadas) e outras provas constituirão
prova documental, o que não impede que, nos autos oficiais, seja
novamente produzida a prova em outro formato. Imaginemos, por exemplo,
um caso em que uma pessoa é ouvida em uma investigação criminal
defensiva e, posteriormente, seu depoimento (escrito ou gravado) é juntado
ao inquérito policial. Nada impede que depois, no início do processo, ela
seja arrolada como testemunha pelo Ministério Público (na denúncia), pelo
réu que contratou o Advogado que a ouviu na investigação defensiva ou por
algum corréu (na resposta à acusação). Nesse caso, o depoimento levado
por escrito ou gravado será repetido em audiência, oralmente, com a
participação de todos os atores (Juiz, Promotor, Advogados dos corréus e
assistente da acusação), que poderão formular perguntas.
A interpretação sobre os momentos da juntada de documentos e a
admissibilidade de uma prova gera várias controvérsias, não raramente
tendo resquícios de casuísmo. No HC 265.329/RJ, por exemplo, o STJ
aceitou que o Ministério Público, no momento das alegações finais, juntasse
mídia contendo depoimento de testemunha, inclusive com a reabertura da
instrução para ouvi-la:
(...)
1. É legal a juntada de nova prova aos autos mesmo após
o término da instrução criminal, quando o Ministério
Público, no momento da intimação para o oferecimento
de alegações finais, requer juntada de mídia com
depoimento de testemunha, bem como a oitiva desta,
tendo sido aberta a oportunidade para defesa manifestar-
se a respeito, uma vez que o Juiz entendeu ser necessária
a realização da diligência para formação do seu livre
convencimento, dependente, como atividade ínsita ao
processo penal, do encontro da verdade por meio da
reconstrução histórica dos fatos, observados os princípios
da busca da verdade, da ampla defesa, do contraditório e
do devido processo legal.
(...)
(HC 265.329/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI
CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe
27/08/2019)
 
Contudo, quando se trata da defesa, dificilmente existe a mesma
tolerância. Não será raro se a juntada dos resultados da investigação
defensiva for indeferida e, após levar a matéria ao Tribunal, for prolatada
decisão afirmando que não há cerceamento de defesa e que seria hipótese
de nulidade relativa, exigindo prejuízo, o que não se constata no caso
concreto. De qualquer forma, incumbe ao Advogado insistir para que seja
respeitado o direito de defesa.
Caso o indeferimento da juntada dos resultados da investigação
defensiva ocorra no inquérito policial, será cabível a judicialização da
questão por de meio mandado de segurança – enfrentando o debate sobre a
existência de direito líquido e certo de participação efetiva da defesa no
inquérito policial – ou habeas corpus.
Se o indeferimento ocorrer na instrução processual, será cabível a
correição parcial ou a impetração de habeas corpus ou mandado de
segurança, fundamentando a medida no cerceamento de defesa.
Deve-se sempre demonstrar o prejuízo causado pelo indeferimento da
juntada dos resultados da investigação criminal defensiva, haja vista que a
jurisprudência, a cada dia, amplia essa exigência.
 
41. Continuar a investigação durante todo o processo?
 
Ao contrário do inquérito policial, que cessa a realização de
diligências após o membro do Ministério Público avaliar se é caso de
oferecer a denúncia ou promover o arquivamento, a investigação defensiva
poderá continuar tramitando sem um termo final, mesmo que algumas
partes já tenham sido extraídas e juntadas ao inquérito ou ao processo.
Dessa forma, o Advogado poderá continuar a investigação defensiva
durante todo o processo, inclusive durante a fase recursal ou após o trânsito
em julgado, sobretudo para a utilização dos seus resultados em eventual
revisão criminal ou na execução penal.
Urge destacar que a investigação defensiva terá o ritmo definido pelo
Advogado que a preside/conduz, inclusive com a possibilidade de
flexibilizar etapas e prolongar ou renovar diligências. Também será
possível, de acordo com a necessidade, instaurar uma nova investigação
defensiva, caso se entenda que o objeto da investigação atual é
significativamente diferente do objeto da investigação que deve ser
iniciada.
Logo, nada impede a prorrogação da investigação defensiva após a
juntada de uma parte dos seus resultados nos autos oficiais ou, se assim
preferir, a instauração de uma nova investigação defensiva para tratar do
mesmo fato e cliente.
Caso a investigação defensiva tenha esse caráter contínuo,
recomenda-se um controle, nos autos da investigação, das páginas que já
foram juntadas aos autos oficiais (inquérito policial ou processo penal),
evitando a juntada de documentos repetidos. Uma breve certidão que
informe que “foram remetidos aos autos do processo n. ____ os
documentos das fls. ____” seria suficiente.
Para facilitar a compreensão, vamos exemplificar:
Imaginemos um caso em que o Advogado foi procurado pela família
de alguém que fora preso em flagrante. Nesse momento, a maior urgência
defensiva é buscar fundamentos para o relaxamento ou a revogação da
prisão, dependendo do caso.
O Advogado pode instaurar uma investigação defensiva com o
objetivo de conseguir subsídios para que o seu cliente seja solto. Para tanto,
avalia se há uma hipótese de álibi ou de afastamento da situação de
flagrante. Também busca elementos que coloquem em dúvida o periculum
libertatis e/ou o fumus commissi delicti. Trata-se de uma questão urgente,
razão pela qual a investigação defensiva precisará desenvolver-se em
poucos dias para que seus resultados sejam utilizados na audiência de
custódia, em uma petição ao Juiz ou em um habeas corpus.
Na investigação defensiva, serão delegadas as tarefas para outros
Advogados ou profissionais que auxiliem o escritório, como a coleta de
declarações, a realização de diligências para conseguir documentos que
comprovem residência fixa e trabalho, a busca de comprovantes que
indiquem que o cliente estava em outro lugar no momento do crime etc.
Também serão realizadas diligências que abordem a ausência de risco de
fuga (v. g., a falta de condições financeiras) e a necessidade de afastamento
de possíveis fundamentos para a decretação ou a manutenção da prisão
cautelar.
Ainda poderia diligenciar para conseguir informações sobre a
alteração da cadeia de custódia quanto aos vestígios ou outras formas de
atacar a materialidade da infração penal, de acordo com as etapas do
rastreamento do vestígio (art. 158-B do Código de Processo Penal), quais
sejam, reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento,
transporte, recebimento, processamento, armazenamento e, por fim,
descarte.
Em determinado momento, após a reunião de elementos suficientes,
o Advogado levaria os resultados da investigação defensiva ao Judiciário
(audiência de custódia, petição ou habeas corpus, por exemplo), ainda que
não realize o encerramento do procedimento. Nos autos da investigação
defensiva, certificaria a extração de cópias, para juntada aos autos oficiais,
das folhas X a Y.
Em seguida, a investigação defensiva poderia continuar com o
mesmo objetivo (obtenção da liberdade) ou com finalidades diversas, como
a produção de elementos que contribuam para o arquivamento ou
trancamento do inquérito policial ou para outro resultado favorável no
processo (absolvição, desclassificação, aspectos sobre a pena etc.).
Observa-se, assim, a flexibilidade da investigação defensiva.
A um, é possível extrair partes da investigação defensiva e juntá-las
ao inquérito ou processo, ainda que a investigação não tenha sido concluída.
A dois, a extração de parte da investigação defensiva não impede que
ela continue com o mesmo foco ou com novos objetivos. O Advogado que
preside a investigação poderá elaborar um relatório informando os
principais atos realizados até aquele momento e, em seguida, concluir que
tal investigação passará a ter outra finalidade, como a obtenção de
documentos que instruirão a resposta à acusação. Seria, basicamente, a
instauração de uma nova investigação dentro dos autos da investigação
anterior ou o aditamento do termo de instauração.
Com habitual lucidez, Oliveira (2008, p. 26) apresenta a vantagem
estratégica de uma atuação defensiva ao longo de todas as fases da
persecução penal:
Além disso, na verdade, o defensor pode manter a sua
intervenção ao longo de todo o processo – desde as suas
fases preliminares até ao Julgamento – ao passo que as
autoridades judiciárias mudam ao longo daquele e o
próprio Tribunal de Julgamento terá forçosamente de ser
constituído por magistrados que ainda não tenham
intervindo no processo, só podendo ainda levar em conta
a prova produzida ou sujeita a análise na Audiência, por
força do princípio da imediação da prova – o que pode
traduzir-se em mais uma inestimável vantagem da Defesa
Criminal.
 
Destarte, é possível e recomendável continuar a investigação
defensiva enquanto ela tiver utilidade, inclusive em razão da possibilidade
de juntar documentos a qualquer momento, em qualquer fase do processo,
conforme dispõe o art. 231 do CPP (“Salvo os casos expressos em lei, as
partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo”).
Considerações finais
 
A investigação criminal defensiva é um importante instrumento de
concretização da ampla defesa e de busca da implementação real da
paridade de armas entre as partes do processo penal.
Ainda que sua regulamentação específica esteja apenas no
Provimento n. 188/2018 do Conselho Federal da OAB, sua utilização é
inerente a diversos direitos e princípios constitucionais, como o devido
processo legal, o contraditório, a ampla defesa, a presunção de inocência e a
previsão de indenização por erro judiciário. Também encontra amparo na
legislação infraconstitucional, mormente na permissão de juntada de
documentos em qualquer fase do processo (art. 231 do CPP).
Com a investigação criminal defensiva, pretende-se superar ou
mitigar vários problemas que, infelizmente, integram a prática forense,
sobretudo na fase inquisitorial e na produção de provas. Aliás, tais
problemas são incentivados por uma jurisprudência que nega a participação
ativa da defesa no inquérito policial e, ao mesmo tempo, fomenta a “busca
da verdade real” por Magistrados que deveriam ser imparciais.
A utilização da investigação criminal defensiva tem especial
relevância nos casos em que a investigação oficial é falha, segue apenas
linhas favoráveis à acusação ou nega a participação da defesa
(indeferimento de pedido de diligências, por exemplo).
Aliás, como destacada França (2015, p. 105), sendo possível a ação
penal privada subsidiária da pública no caso de inércia do Ministério
Público, também teria sentido admitir a investigação criminal defensiva
quando a investigação oficial fosse falha ou omissa. Em uma hipótese,
observa-se a pretensão acusatória, permitindo que o particular ofereça
queixa-crime quando o Parquet não agir tempestivamente; na outra,
respeita-se a pretensão defensiva de ser ouvida durante toda a persecução
penal, inclusive na fase inquisitorial.
Evidentemente, a investigação criminal defensiva não seria cabível
somente em caráter subsidiário – quando a investigação oficial não fosse
realizada ou tivesse falhas –, mas sim complementar. Não se tem o escopo
de substituir a investigação oficial, haja vista que o interesse defensivo é
parcial (a favor do investigado), razão pela qual inexiste dever de colaborar
ou compartilhar informações com as autoridades.
Como vantagem estratégica, a investigação criminal defensiva
proporciona a obtenção de informações e a possibilidade de prévia
avaliação dos resultados antes que eles integrem os autos oficiais.
No seu bojo, a defesa poderá tomar depoimentos, realizar perícias,
fazer reconhecimentos, pesquisar dados e informações, utilizar os serviços
de terceiros (inclusive detetives), elaborar relatórios e muito mais. As
diligências somente são limitadas pela legalidade, pela ética e pelos custos
de realização, devendo ser respeitada, ainda, a cláusula de reserva de
jurisdição. Em relação a esta, a defesa poderá provocar o Judiciário para
que seja deferida a realização da diligência, como no caso de busca e
apreensão (arts. 240, §1º, “e”, e 242, ambos do CPP).
Dessa forma, esperamos ter demonstrado, no presente livro, a
fundamentação, a possibilidade, os momentos, as finalidades, as vantagens
estratégicas, os atos, as diligências e a formalização da investigação
criminal defensiva, bem como sua utilização nos autos oficiais e os meios
de superar as dificuldades e a ausência de poderes – como o de requisição –
disponíveis apenas para as autoridades públicas.
Referências
 
ANTONIK, Luis Roberto. Compliance, ética, responsabilidade social e
empresarial: uma visão prática. Rio de Janeiro, RJ: Alta Books, 2016
 
AROCA, Juan Montero. Principios del proceso penal. Valencia: Tirant lo
Blanch, 1997.
 
BADARÓ, Gustavo Henrique. Manual dos recursos penais. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020.
 
BERNACCHI, Paulo Eduardo Elias; RODRIGUES, Anderson Rocha. As
garantias constitucionais e a cadeia de custódia das provas no processo
penal. Revista do Curso de Direito da Uniabeu, v. 10, n. 1, p. 13-31, 2018.
 
BRANCO, Vitorino Prata Castelo. Como se faz uma defesa criminal. 11. ed.
São Paulo: Saraiva, 1989.
 
BULHÕES, Gabriel. Manual prático de investigação defensiva: um novo
paradigma na advocacia criminal brasileira. Florianópolis, SC: EMAIS,
2019.
 
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad. Carlos
Eduardo Trevelin Millan. São Paulo: Editora Pilares, 2009.
 
FRANÇA, Rafael Francisco. Participação privada na investigação
criminal no Brasil: possibilidades e limites. Porto Alegre: Núria Fabris Ed.,
2015.
 
GUARNIERI, Jose. Las partes en el Proceso Penal. Trad. Constancio
Bernaldo de Quirós. México: Jose M. Cajica, 1952.
 
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova:
reflexos no processo penal brasileiro. In: YARSHELL, Flávio Luiz;
MORAES, Maurício Zanoide de (Org.). Estudos em homenagem à
professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DSJ Ed., 2005.
 
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2020.
 
LYRA, Roberto. Como julgar, como defender, como acusar. Belo
Horizonte: Editora Líder, 2009.
 
MEIRA, Marcos; VALIM, Rafael. A segurança jurídica nos acordos de
leniência. Revista Eletrônica Consultor Jurídico, São Paulo, 4 set 2019.
Disponível em <https://www.conjur.com.br/2019-set-04/marcos-meira-
rafael-valim-seguranca-juridica-acordos-leniencia>. Acesso em 22 maio
2020.
 
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; PIMENTEL JÚNIOR, Jaime.
Polícia judiciária e a atuação da defesa na investigação criminal. 2 ed.
Salvador: Editora Juspodivm, 2018.
 
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal:
processo civil, penal e administrativo. 10. ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2010.
 
OLIVEIRA, Francisco da Costa. A defesa e a investigação do crime. 2. ed.
Coimbra: Almedina, 2008.
 
PRADO, Geraldo. Prova Penal e Sistema de Controles Epistêmicos: a
quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por meios ocultos. São
Paulo: Marcial Pons, 2014.
 
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2011.
 
RANGEL, Paulo Castro. Reserva de Jurisdição, sentido dogmático e
sentido jurisprudencial. Porto: Universidade Católica Editora, 1997.
 
ROSA, Alexandre Morais da. Guia do processo penal conforme a teoria
dos jogos. 4. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.
 
SILVA, Evandro Lins e. A defesa tem a palavra. 3. ed. Rio de Janeiro: Aide
Ed., 1991.
 
SILVA, Franklyn Roger Alves. Investigação criminal direta pela defesa.
Salvador: Editora Juspodivm, 2019.
 
TORON, Alberto Zacharias. Habeas corpus: controle do devido processo
legal: questões controvertidas e de processamento do writ. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2020.

[1] Como justificativa para a inexistência de contraditório e ampla defesa no inquérito


policial, há quem sustente que o respeito a esses direitos poderia atrasar o inquérito ou
prejudicar a eficácia das investigações.
[2] O art. 32 da Lei n. 13.869/2019 dispõe: Art. 32.  Negar ao interessado, seu defensor ou
advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao
inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou
administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças
relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo
sigilo seja imprescindível:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
[3] Insta salientar que a Lei n. 13.964/2019 adicionou ao Código de Processo Penal o art.
3º-A, que diz: “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na
fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”.
Entretanto, em decisão cautelar proferida nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs)
6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, o Min. Fux suspendeu a eficácia, por tempo indeterminado, do
referido dispositivo legal, assim como de outros artigos que foram incluídos no CPP pela
Lei Anticrime.
[4] Apesar de não ser um fundamento constitucional, a súmula vinculante é editada em
virtude de autorização constitucional (art. 103-A da Constituição Federal) pelo guardião da
Constituição (art. 102 da CF), qual seja, o Supremo Tribunal Federal.

Você também pode gostar