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CAPÍTULO

Como chegamos aqui

A
gestão é abrangente. “Há, é claro, diferenças na gestão
nas diferentes organizações: a missão define a estraté-
gia, e a estratégia define a estrutura. Mas as diferenças
entre gerenciar uma rede de lojas de varejo e gerenciar uma
diocese da Igreja Católica Romana são surpreendentemente
menores do que os executivos do varejo ou os bispos imaginam”,
observou Peter Drucker. “As diferenças estão mais na forma de
fazer do que nos princípios. Os executivos de todas essas orga-
nizações gastam a mesma quantidade de tempo administrando
problemas de pessoas, – e os problemas de pessoas são quase
sempre os mesmos.”
“Então, esteja você gerenciando uma empresa de software,
um hospital, um banco ou uma organização de escoteiros, as
diferenças se aplicam a apenas 10% do seu trabalho. Esses 10%

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são determinados pela missão específica da organização, por


sua cultura, sua história e seu vocabulário específicos. O resto
é totalmente permutável.”¹
Apesar de a gestão ser global e atemporal, uma definição
clara seria evasiva. “A gestão é...” leva a um silêncio constrange-
dor e a um olhar de estranheza, quer você esteja em um chão de
fábrica no Nebraska, em um seminário em Harvard, quer em
um salão comercial em Hong Kong.
De acordo com a Wikipédia, “A gestão é o ato de unir pes-
soas para que atinjam as metas e os objetivos desejados.” Ver-
dade, mas há muito mais na gestão do que isso. A atração – e o
problema – é que gerenciar é uma tarefa multifacetada. Tentar
especificar demais o assunto é como tentar pregar gelatina na
parede. É marketing. É estratégia. É inspirar pessoas. É fazer
planejamento orçamentário. É organizar projetos e compromis-
sos. É uma profissão complexa, altamente pessoal e, agora, ver-
dadeiramente global.
Com toda essa complexidade, não é de surpreender que os
fios que tecem a história e a teoria da administração contempo-
rânea sejam muitos e variados. Os maiores pensadores da admi-
nistração vêm de uma desconcertante variedade de disciplinas
e profissões. Há economistas, como Michael Porter da Harvard
Business School; psicólogos, como Edgar Schein do Massachu-
setts Institute of Technology; sociólogos, como Rosabeth Moss
Kanter da Harvard Business School; consultores executivos,
como Bruce Henderson e Marvin Bower; muitos engenheiros,
desde Frederick Taylor ao engenheiro civil Tom Peters; e até
um físico nuclear que toca clarinete e que quem sabe um dia se
torne político, Kenichi Ohmae.
Com toda a certeza, o que cada vez mais leva a adminis-
tração a se tornar uma profissão é que ela é movida por ideias.
Em administração, teorias fazem a diferença, ideias são coloca-
das em prática e conseguem mudar a vida de milhões de pes-
soas. O reverso disso é que, se as ideias não funcionam, elas

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são rapidamente relegadas à história. Isso explica a contínua


rotatividade de ideias. Elas vêm e vão com crescente rapidez.

Gestão da mineração
O primeiro a, de fato, codificar a gestão foi Henri Fayol (1841-
1925), que passou toda a sua carreira na companhia de mine-
ração francesa Commentry-Fourchambault-Décazeville. Foi
diretor-executivo entre 1888 e 1918, e salvou a companhia de
uma iminente falência.
Na sua trajetória, ele desenvolveu os 14 “princípios gerais
da administração”. Segundo Fayol, as características universais
da gestão são as seguintes:

1. Divisão do trabalho
2. Autoridade e responsabilidade
3. Disciplina
4. Unidade de comando
5. Unidade de direção
6. Subordinação de interesse individual para interesse
geral
7. Remuneração dos colaboradores
8. Centralização
9. Corrente escalar
10. Ordem
11. Equidade
12. Estabilidade de pessoal
13. Iniciativa
14. Espírito de equipe

Os 14 princípios de Fayol diziam respeito aos gestores, ou


ao menos deveriam dizer respeito a eles. Para assegurar-se de
que os princípios fossem colocados em prática, Fayol disse que

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os gestores precisavam planejar, organizar, comandar, coorde-


nar e controlar. Servindo de resumo do que é o trabalho geren-
cial, isso permanece como uma verdade em pleno século XXI.
Certamente, com o tempo, a ênfase em cada um desses
aspectos aumenta ou diminui, dependendo das circunstâncias.
Ao olharmos para trás, é possível detectar um padrão. Períodos
de fascínio com o lado humano da empresa (as áreas mais leves
da motivação, do desenvolvimento e da cultura) são intercala-
dos com períodos em que o lado pesado (análise, dados, estraté-
gia, estrutura e processos) prevalece.

Gestão como ciência


No início do século XX, o lado pesado da administração predo-
minou. Apesar de as ideias de Fayol não terem alcançado um
público massivo, a administração científica tornou-se a primei-
ra teoria de gestão internacional. Criada por Frederick Taylor
(1856-1915), foi construída com base na mensuração das ativida-
des. Os gerentes usavam cronômetros e sabiam quanto tempo
determinados trabalhos deveriam levar para serem realizados.
Em termos de gestão, Taylor trouxe vigor analítico ao am-
biente de trabalho. Antes de Taylor, ninguém havia especifi-
camente analisado a natureza do trabalho. Taylor olhou para
o trabalho de uma nova forma. A administração científica foi
a gestão da qualidade total (GQT) dos seus dias. O trabalho de
Taylor era conhecido e consumido no Japão. Na Rússia, Lênin
era seu fã. Na França, seu defensor era o metalúrgico Henri
Le Chatelier. Quando Taylor morreu, duas edições da tradução
para o francês de The Principles of Scientific Management foram
impressas e 4 mil cópias foram vendidas (outras 3 mil foram,
segundo Chatelier, “distribuídas gratuitamente”).
As teorias de Taylor surgiram junto com o desenvolvimen-
to da linha de produção de Henry Ford: a linha de montagem

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de Ford era a administração científica na prática. Peter Drucker


citou o pensamento de Taylor como “a mais duradoura contri-
buição da América para o pensamento ocidental desde O Fede-
ralista.” Henry Ford não foi grande coisa? Não, diz Drucker. A
linha de montagem foi simplesmente uma extensão lógica da
administração científica.²

Pessoas em primeiro lugar


Como a produção em massa criou a primeira geração de geren-
tes da era moderna, as atenções se voltaram para o lado huma-
no das empresas. Destacam-se os experimentos na fábrica de
Hawthorne da Western Electric, em Cicero, Illinois, entre 1927
e 1932, que procuraram entender o comportamento das pessoas
no novo ambiente industrial.
Os estudos de Hawthorne começaram com experimentos
envolvendo a alteração da iluminação na fábrica. A teoria era
de que a luz mais forte melhoraria o estado de espírito e, como
resultado, aumentaria a produtividade. Elton Mayo (1880-1949)
e seus pesquisadores começaram a estabelecer o nível de ilumi-
nação que maximizava a produtividade sem aumentar demais
os custos. Isso parecia até simples, apenas uma questão de en-
contrar o equilíbrio entre custo e efeito.
Os trabalhadores de Hawthorne foram separados em dois
grupos. Em um grupo, a intensidade da iluminação foi aumen-
tada, e a produtividade cresceu. No outro, a iluminação per-
maneceu no seu nível normal, e a produtividade cresceu. Mais
tarde, os níveis de iluminação foram aumentados ainda mais,
mas, os níveis de produtividade nos dois grupos permaneceram
praticamente os mesmos.
Isso parecia surpreendentemente inconclusivo. Como
a produtividade poderia crescer quando a iluminação per-
manecesse exatamente a mesma? Então, os pesquisadores

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começaram a reduzir a intensidade da luz. Eles reduziram


a intensidade da iluminação drasticamente em um grupo, e
a produtividade aumentou. Por fim, a luz foi reduzida ao ex-
tremo. Esperava-se que os trabalhadores se deprimissem e
ficassem irritados ao trabalharem à luz da lua. Na realidade,
sua produtividade permaneceu em um nível semelhante e,
algumas vezes, até aumentou. Como prova, dois trabalhado-
res foram isolados em um recinto muito pequeno com pou-
quíssima iluminação. Sua produtividade continuou em um
nível saudável.
Os pesquisadores sacudiram a cabeça e tiveram de pon-
derar o significado de tudo isso. Estavam confusos, mas, sendo
pesquisadores, retornaram com um experimento ainda mais
complexo. Na sala de testes da fábrica, na qual representantes
se revezam, um grupo de seis mulheres, que montavam inter-
ruptores de telefone, foram selecionadas e isoladas em uma
sala de testes. Ali, elas foram minuciosamente observadas. As
condições eram modificadas e ajustadas. No entanto, nada pa-
receu reduzir a produtividade.
A equipe de pesquisadores concluiu que algo havia sido
ignorado, o que acabou se revelando ser os relacionamentos, as
atitudes, os sentimentos e as percepções das pessoas envolvidas
no processo. O programa de pesquisa girou em torno de selecio-
nar pequenos grupos de trabalhadores para serem estudados.
Isso, não surpreendentemente, fez os trabalhadores se sentirem
especiais. Pela primeira vez, eles de fato sentiram que a gerên-
cia estava interessada neles. O segundo efeito foi que as pessoas
perceberam que pertenciam a um grupo seleto. Elas se identi-
ficaram com seu grupo. “O desejo de ficar bem com os colegas,
o tão conhecido instinto humano de associação, facilmente se
sobrepõe ao puro interesse individual e à lógica do raciocínio
sob os quais tantos princípios ilegítimos da administração estão
baseados”, comentou Mayo.

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Além dos departamentos


Um gestor japonês fez a importante citação no livro Managing
on the Edge, de Richard Pascale: “Não há nada de errado com as
descobertas. Mas os experimentos de Hawthorne olham para
o comportamento humano de uma perspectiva errada. O seu
pensamento precisa ser construído a partir da ideia de que
se dê poder aos trabalhadores, colocando a responsabilidade
mais próxima do conhecimento, usando valores apreciados de
maneira consistente para unir indivíduos antes separados. Os
experimentos de Hawthorne inferem uma superioridade pre-
sunçosa, suposições passadas de pai para filho. Isso não é uma
compreensão verdadeira”.³
Para refutar tais suposições, havia uma elegante soltei-
rona em Boston chamada Mary Parker Follett (1868-1933),
que discutia temas como trabalho em equipe e responsabi-
lidade (agora ressurgido como empoderamento, ou empower-
ment) nas primeiras décadas do século XX. Follett era uma
mulher humanista e liberal em uma era dominada por ho-
mens reacionários, com a intenção de mecanizar o mundo
dos negócios.
O impulsionador do pensamento de Follett era que as pes-
soas são centrais para qualquer atividade de negócios ou, de
fato, para qualquer outra atividade. “Acredito que não devemos
departamentalizar nosso pensamento no que diz respeito a
qualquer problema que chega até nós”, disse Follett. “Não creio
que tenhamos problemas psicológicos, éticos e econômicos. Te-
mos problemas humanos, com aspectos psicológicos, éticos e
econômicos, e outros tantos quanto você desejar.”4
Durante a Segunda Guerra Mundial, o lado humano nova-
mente ficou em segundo plano. As nações focaram na produção
a qualquer custo. Mas nos anos 1950, o lado mais leve da teo-
ria estava novamente em destaque com a escola de pensadores

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das relações humanas, incluindo Douglas McGregor, Abraham


Maslow e Frederick Herzberg. No início dos anos 1960, o lado
pesado da estratégia e da estrutura assumiu a frente. O livro de
Alfred P. Sloan, My Years With General Motors, de 1963, estabele-
ceu uma coda organizacional. A gestão estratégica com foco na
análise e ferramentas como a matriz de Boston foram dominan-
tes entre os líderes gerenciais.
O lado pesado da administração predominou nos anos
1960 e 1970, apenas com ocasionais intervalos, como com o
livro de Henry Mintzberg, The Nature of Managerial Work, de
1973. Nos anos 1980, o lado leve renasceu. Os japoneses fo-
ram os modelos e eles, como Richard Pascale e Anthony Athos
apontaram no livro The Art of Japanese Management, não eram
os estrategistas cruéis como fomos levados a crer, mas eram
conduzidos por coisas imponderáveis, como valores corporati-
vos. A liderança retornou ao foco, o marketing e o atendimen-
to ao cliente foram redescobertos. A qualidade, que teve seu
início de vida como um árido controle estatístico, foi reinter-
pretada como uma disciplina humana.
No início dos anos 1990, houve o ressurgimento da es-
cola científica pesada por meio da reengenharia. Com a re-
engenharia sendo logo utilizada como um eufemismo para
downsizing, a ênfase retornou ao lado leve, da intuição e dos
valores, das pessoas como fontes de conhecimento e não ape-
nas como um quadro de funcionários. Em 1997, McKinsey es-
tabeleceu os trabalhos descrevendo o que chamou de guerra
pelo talento.
Nos últimos 20 anos, os padrões leve e pesado se tornaram
nebulosos. Assuntos difíceis, como o aumento do volume de da-
dos, ficam em paralelo ao aumento das equipes globais e aos
desafios de motivar uma geração mais jovem e cética. O gestor
moderno tem de ser um mestre nos dois aspectos: na arte e na
ciência da administração.

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O sentido
Para que tanto o fluxo quanto o refluxo façam sentido, identifi-
camos nove conceitos que são o foco central do pensamento da
administração atual:

1. O que os gerentes fazem (Capítulo 2). Em seus momentos


de maior sinceridade, a ambiguidade e o isolamento são
os maiores medos que os CEOs enfrentam. A ambigui-
dade vem do fato de que, quanto mais alto você está na
escala executiva, menos planejado será o seu cargo. De
fato, essa nebulosa lacuna de falta de identidade está no
centro da administração. Qualquer entendimento sobre
gestão deve começar com uma avaliação de como os
gerentes investem e devem investir o seu tempo.
2. Envolvimento de pessoas (Capítulo 3). Pesquisas sugerem
que há uma falta de engajamento crônica entre os cola-
boradores do mundo de hoje. Entender isso requer que
entendamos melhor a evolução do pensamento geren-
cial em torno da motivação e que a coloquemos em um
contexto moderno. Sylvia Ann Hewlett e Gary Hamel
estão entre as lideranças intelectuais de acusação.
3. Gestão de processos (Capítulo 4). Da gestão científica de
Frederick Taylor e Henry Ford à produção moderna
dos dias de hoje, os processos por trás da vida orga-
nizacional que exercitaram as melhores mentes. Tra-
çamos a linhagem de ideias desde Henry Ford, via
W. Edwards Deming e toda a sua reengenharia, até os
dias de hoje.
4. Mensuração do desempenho (Capítulo 5). Uma avalia-
ção única do desempenho gerencial é ilusória, talvez
impossível. No meio tempo, organizações por todo o

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mundo incorporaram a metodologia balanced scorecard


como forma de mensuração gerencial.
5. Gestão da mudança (Capítulo 6). Nossa época não de-
tém o monopólio da mudança. A sociedade e o mundo
dos negócios sempre mudaram e melhoraram. O que
é novo, no entanto, é o nosso conhecimento de que o
processo de mudança pode, por bem ou por mal, ser
gerenciado.
6. Gestão de talentos (Capítulo 7). A guerra por talentos foi
anunciada nos anos 1990. O talento venceu. Mas o que
isso significa para aqueles que tentam gerenciar e lide-
rar pessoas de talento? Doug Ready está entre os que
propõem soluções.
7. Gestão global (Capítulo 8). A globalização é um fato da
vida corporativa e não apenas um adendo decorativo.
Como isso muda a natureza da gestão? Como as per-
cepções culturais e a realidade afetam o que os gesto-
res fazem e pensam agora?
8. Gestão emocional (Capítulo 9). Há muito se reconhece
que a administração é uma ciência muito humana.
Desde as inteligências múltiplas de Howard Gardner
até o conceito de inteligência emocional de Daniel Go-
leman e a arte de vender de Dan Pink, examinamos as
emoções por trás do desempenho.
9. Gestão dos nativos digitais (Capítulo 10). Um dos maiores
desafios enfrentados pelos gestores é como gerenciar
as expectativas, as percepções e o comportamento
da nova geração que entra para a força de trabalho.
Tammy Erickson e Lynda Gratton estão entre os que
dão algumas sugestões.

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CAPÍTULO

O que os gerentes fazem

E
ntre as muitas pesquisas acadêmicas existentes, é inte-
ressante, e até preocupante, como aquilo que os gestores
realmente fazem passa muitas vezes despercebido. É no-
tável, e de certo modo estranho, que as tarefas incumbidas às
pessoas no seu trabalho sejam tão pouco verificadas. Isso ain-
da é mais verdadeiro quando se trata de trabalho gerencial. As
investigações sobre o que os gerentes estão realmente fazendo
são poucas e ainda hoje estão distantes. O mais significativo é
o estudo de Henry Mintzberg no início dos anos 1970, que levou
ao seu livro pioneiro The Nature of Managerial Work. Mintzberg,
da McGill University no Canadá, tem constantemente lamenta-
do a falta de estudos detalhados substanciais acerca dos “geren-
tes e do trabalho essencial que eles fazem nas organizações”.

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As conclusões das pesquisas de Mintzberg teriam cho-


cado e alarmado Frederick Taylor: Mintzberg descobriu que
os gerentes passavam rapidamente de tarefa para tarefa, de
trabalho para trabalho, de maneira aparentemente ineficien-
te. Em vez de ocupar seu tempo contemplando o longo pra-
zo, Mintzberg descobriu que os gestores eram escravos do
momento, movendo-se de tarefa para tarefa com cada mo-
vimento sendo prejudicado por algum desvio de atenção ou
por alguma nova chamada. O tempo médio despendido em
cada problema era de apenas 9 minutos. No livro The Nature
of Managerial Work, Mintzberg identifica as características do
gerente no trabalho:

• Desempenha uma grande quantidade de trabalho em


um ritmo rígido;
• Assume atividades marcadas pela variedade, brevidade
e fragmentação;
• Tem preferência por assuntos atuais, específicos e não
rotineiros;
• Prefere os meios de comunicação verbais aos escritos;
• Atua com uma rede de contatos interna e externa;
• Está sujeito a fortes pressões, mas pode exercer algum
controle sobre o trabalho.

A partir dessas observações, Mintzberg identificou os “pa-


péis do trabalho” dos gerentes como:

Papéis interpessoais

Líder representativo: que representa a organização ou unida-


de para o público externo;
Líder: que motiva os subordinados e unifica os esforços;
Oficial de contato: que mantém contatos laterais.

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Papéis informativos

Monitor: de distribuição da informação;


Disseminador: da informação para os subordinados;
Porta-voz: da transmissão da informação para o público ex-
terno.

Papéis decisórios

Empreendedor: que promove e planeja a mudança;


Gerenciador da desordem: que lida com os eventos que
saem da rotina;
Negociador: que faz as negociações.

Isso, de certo modo, não parece estranho. Mintzberg revi-


sitou o livro na primeira década do século XXI em Managing*.
Perguntamos a ele por que tão poucos livros foram escritos so-
bre o que os gestores de fato fazem.

Como isso pode acontecer com tantos acadêmicos em


administração nas universidades do mundo todo?
Surpreendente, não é mesmo? Só consegui encontrar
uma pessoa, um rapaz na Suécia, que estava devotan-
do grande parte de sua carreira à pesquisa da práti-
ca da gestão. E há Rosemary Stuart no Reino Unido.
Por que não há outros fazendo isso? É uma questão
interessante. Talvez os gerentes sejam considerados
deuses e você não deve ousar se aproximar deles. Per-
guntamos a Stuart sobre isso.

* N. de E.: Publicado em língua portuguesa sob o título Managing-Desvendando o


Dia a Dia da Gestão, Bookman, 2010.

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Mas você afirmou diversas vezes que eles não são deuses.
Sim, eles são pessoas comuns, seres humanos com fa-
lhas como todos nós. Acredito que os pesquisadores
das faculdades de administração de hoje estão sendo
levados a assuntos mais restritos e mais difíceis sobre
os quais eles podem ser mais “rigorosos”. Nada há de
rigoroso a respeito da maioria dessas pesquisas. Mui-
to disso é bobagem, mas no sentido de publicações
acadêmicas, é rigoroso com hipóteses pomposas, tes-
tadas de todas as formas que nunca, ou raramente,
trazem algum insight. Eles não olham para as coisas
holisticamente e não olham para a grande questão.
Ou calam-se sobre liderança sem realmente chegar
ao cerne da questão.

Seria esse o porquê de a liderança ser vista como sexy,


enquanto a gestão é tida como extremamente mundana?
Sim. Doutores e cirurgiões delegam o trabalho tedio-
so. Eles olham para a enfermeira e dizem: “Você os
fecha”; isso é trabalho enfadonho. A visão narcisista
da liderança tem levado as organizações para fora dos
trilhos.

Você quer tornar a gestão sexy ou quer apenas corrigir o


equilíbrio entre a gestão e a liderança?
Nenhum dos dois. Certamente não pretendo tornar
a gestão sexy. Quero que ela seja reconhecida como
uma atividade humana básica e fundamental e não
quero que o foco seja em gestão versus liderança.
Acredito que seja mais uma ação corretiva, para
nos darmos conta de que liderança não é melhor do
que gestão. Quero que as pessoas reconheçam que

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um componente da gestão é a liderança, mas que


há muitos outros: informação, ação, como você se
envolve, como você se conecta e todos os tipos de
coisas.

É justo dizer que a liderança é muitas vezes retrata-


da como preto ou branco, que há o bom e o ruim, e
que, na verdade, a gestão é complexa e contextual:
são tons de cinza?
Um dos meus enigmas favoritos é como se manter
conectado quando o simples fato de ser um gestor o
desconecta do que você está gerenciando. Em outras
palavras, ontem você era um engenheiro e hoje você
está gerenciando engenheiros, então você não está
mais fazendo engenharia. Como você encara isso?

Tendo em vista o tempo que passou desde que você


lançou seu primeiro livro sobre trabalho gerencial,
o que mudou?
O conteúdo da administração muda o tempo todo
– aquilo com que você está lidando, como a indús-
tria está estruturada –, mas o processo não mudou.
Uma grande coisa sobre a qual converso é a Inter-
net, especialmente sobre os emails, mas penso que
essas formas de comunicação só reforçam compor-
tamentos problemáticos. Então acredito que só es-
tão piorando a situação, não mudando fundamen-
talmente a administração. Uma coisa que admito
que mudou é que a gestão tem sido ignorada em
favor da liderança.

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As mudanças na comunicação não afetaram o trabalho


da gestão? Afinal, a Internet e o email tornaram a gestão
um trabalho 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Não estou certo de que mudou. Concordo que a comu-
nicação seja uma enorme parte do trabalho: os geren-
tes passam 50% do seu tempo, em alguns casos, em
redes de comunicação. Mas se você pegar um estudo
dos anos 1940 sobre diretores administrativos sue-
cos, eles eram inundados com relatórios, dos quais
não podiam dar conta, e não existiam computadores.
A comunicação sempre foi e permanece sendo uma
grande parte do trabalho, mas não tenho certeza de
que isso seja novo. Se você checasse com os gerentes
há 40 ou 50 anos, teria encontrado a mesma coisa.
A habilidade de se comunicar por emails sem
dúvida mudou algumas práticas, mas os gestores
que dependem desse meio para se comunicar com
seu pessoal estão com sérios problemas. É uma for-
ma de comunicação limitada, maravilhosa para mo-
vimentar muitos dados com rapidez e para coisas
curtas (por isso o Twitter é mais apropriado), mas
não é a melhor maneira de se comunicar de forma
plena e rica.

De qualquer forma, há uma questão de gerações em


tudo isso também, não? Para a geração de jovens gesto-
res, o superficial e o imediato parecem resolver bem os
problemas. Há algo de ruim nesta atitude?
A questão é se isso vai se comprovar como boa gestão,
ou se talvez seja outro fator por trás da atual crise:
as pessoas têm gerenciado muito superficialmente. O
perigo ocupacional da gestão é a superficialidade, e
essas coisas podem piorá-la.

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O que os gerentes fazem 17

Gerentes profissionais
Tendo em vista a natureza itinerante da gestão identificada por
Mintzberg, há talvez uma ironia no fato de que nos últimos anos
tenha existido uma pressão para que a gestão seja considerada
e reconhecida como profissão. Na vanguarda desse debate, está
o reitor da Harvard Business School, Nitin Nohria, e o professor
de Harvard, Rakesh Khurana.
A gestão é uma profissão? E caso não seja, deveria ser? O
MBA deveria ser considerado um pré-requisito para a prática
da gestão, da mesma forma que os diplomas são pré-requisitos
para que uma pessoa se torne médico ou advogado? No seu
livro de 2007, From Higher Aims to Hired Hands, Khurana argu-
mentou que as faculdades de administração iniciaram com a
grande ideia de profissionalizar a gestão, mas que esse projeto
permanece inacabado.
“Meu argumento é de que, além das questões sobre a efi-
cácia do diploma acadêmico, a maioria dos MBAs quer que seus
trabalhos tenham sentido: eles querem ser profissionais. Mas as
faculdades de administração não estão promovendo uma ma-
neira de ligar seus valores pessoais com o trabalho que farão”,
diz Khurana.
Khurana não é o primeiro erudito de uma faculdade de
administração a criticar seu empregador. Os professores Hen-
ry Mintzberg, da McGill, e Jeffrey Pfeffer, da Stanford, também
têm sido muito persistentes nas críticas a essas faculdades.
A crítica de Khurana, embora moderada, é a mais desfa-
vorável às faculdades. Seu livro faz uma impressionante re-
trospectiva sobre a história social e intelectual das faculdades
de administração das universidades americanas. Ele revela
como o desejo de primeiro elevar a gestão a uma profissão e
depois a uma ciência direcionou o ensino de administração
nos Estados Unidos e modelou a gestão norte-americana por
mais de um século.

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18 Gestão

As origens das faculdades de administração nos Estados


Unidos têm início no final do século XIX, ele argumenta, quan-
do os membros de uma elite gerencial emergente, buscando
status social para se equiparar com a riqueza e com o poder
que conquistaram, começaram a trabalhar com as maiores uni-
versidades. Os novos barões comerciais então estabeleceram
programas de graduação educacionais de negócios semelhantes
àqueles de medicina e direito.
Mas para fazer da gestão uma profissão, eles encararam
sérios obstáculos: precisaram codificar o pensamento relevante
para os que atuavam na área de gestão e desenvolver padrões
exequíveis de conduta. Isso não foi fácil.
Inspirado em um rico conjunto de materiais arquivados
de faculdades de administração, fundações e associações aca-
dêmicas, Khurana traça como as pomposas faculdades de admi-
nistração nos Estados Unidos confrontaram esses desafios com
diferentes estratégias durante a era progressista e a depressão,
os anos de prosperidade do pós-guerra e as recentes décadas
do livre capitalismo. Mas o trabalho de Khurana é mais do que
uma odisseia histórica: é um pedido sincero para que as facul-
dades de administração redescubram seu propósito maior.
As faculdades de administração com base em universi-
dades, incluindo a de Harvard onde Khurana trabalha, foram
fundadas para treinar uma classe profissional de gerentes se-
melhantes a médicos e advogados. Porém, ele argumenta vi-
gorosamente, elas se afastaram desse objetivo. Isso deixou um
vácuo moral no centro da educação de negócios e, talvez, da
gestão propriamente dita. Esse vácuo moral ficou evidente du-
rante a crise financeira dos últimos anos. De fato, muitos di-
riam que ele foi a causa da crise bancária.
A gestão como profissão estabelecida poderia ter evitado
os casos da Enron e do Lehman Brothers e outros recentes (e
contínuos) escândalos corporativos? A resposta é provavelmen-
te negativa, assim como um código profissional não elimina

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O que os gerentes fazem 19

completamente a má prática médica ou legal. Mas um código


de conduta amplamente aceito, ensinado por faculdades de ad-
ministração, pelo menos elevaria à ética no mercado. É bem
verdade que o fato de os envolvidos nos escândalos dos últimos
anos, entre eles Jeffrey Skilling, ex-CEO da Enron, terem MBA
não ajudou muito.
Khurana argumenta que as faculdades de administração
têm se rendido à batalha para o profissionalismo, tornando-se
meras fornecedoras de um produto, o MBA. Os ideais morais e
profissionais que uma vez inspiraram seus ensinamentos foram
eclipsados por uma visão de que a única mensuração significati-
va dos gestores é sua capacidade de criar valor para os acionistas.
No final das contas, entretanto, essa é uma renúncia à res-
ponsabilidade. Khurana acredita que chegou a hora de atualizar
o treinamento de nossos futuros líderes de negócios e de com-
pletar o projeto de profissionalização.
“Ao negar aos estudantes a oportunidade de ver suas car-
reiras como uma profissão, de ver sentido em seus trabalhos,
de ver seus trabalhos como um chamado, estamos na verdade
negando a eles a possibilidade de ver como podem conectar o
que fazem com um propósito maior”, diz ele.
Ao defender a aceitação da gestão como uma profissão,
Khurana e Nitin Nohria propuseram o equivalente ao Juramen-
to de Hipócrates para os gerentes. “Se a gestão fosse vista como
uma profissão verdadeira, guiada por um código de conduta
de negócios global, compartilhado e amplamente consentido,
nossas expectativas da conduta moral dos gerentes e suas ex-
pectativas sobre si mesmos se elevariam. O que pode ser um
importante passo para que se restaure a confiança perdida nos
negócios e no capitalismo”, dizem Khurana e Nohria.¹
Isso estimulou um grupo de estudantes do segundo ano
do programa de MBA da Harvard Business School a criar um
Juramento do MBA, a fim de estabelecer padrões profissionais
claros e inequívocos.

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20 Gestão

O juramento combina o tom da constituição americana


com o de um relatório anual: “Como gerente, meu propósito
é servir ao bem comum, unindo pessoas e recursos para criar
valor que nenhum indivíduo consegue criar sozinho. Portanto,
perseguirei um caminho que aumente o valor que meu empre-
endimento pode gerar para a sociedade a longo prazo. Reconhe-
ço que minhas decisões podem ter consequências abrangentes
que afetem o bem-estar de pessoas dentro e fora de meu empre-
endimento, hoje e no futuro. Como busco conciliar interesses
de diferentes públicos, enfrentarei escolhas que não serão fá-
ceis para mim e para os outros.”
Seguem-se a isso oito promessas, entre as quais: “Agirei
com a máxima integridade e realizarei meu trabalho de forma
ética”; e “ Buscarei criar uma prosperidade sustentável, tanto
econômica quanto social e ambiental no mundo inteiro.”
Alguns são céticos, incluindo Henry Mintzberg: “Se Jeff
Skilling, o ex-presidente da Enron que agora está na cadeia, ti-
vesse encarado isso quando esteve na Harvard Business School,
teria assinado rapidamente. Tudo o que isso indica é o quanto
as faculdades de administração estão desconectadas da reali-
dade. Ética não é um estudo de caso a ser debatido com fúria
por pessoas absolutamente alheias aos problemas. Infelizmen-
te, acaba tornando-se isso quando pessoas tão treinadas são
responsabilizadas por corporações. Como aponto no livro Ma-
naging, gestão é uma prática enraizada no contexto, não uma
profissão baseada em pronunciamentos”.
Apesar da profusão de pronunciamentos e do seu cresci-
mento, para os gestores, o contexto é o mais importante.

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