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CURSO DE NÍVEL III – 2022

APROFUNDAMENTO DE CONCEITOS DO
MARXISMO-LENINISMO

TEMA 01
A Concepção de Mundo do Materialismo Dialético e Histórico
[Núcleo: FILOSOFIA]

TEXTOS PARA ESTUDO PRÉVIO – relativos ao seguinte Tópico de Conteúdo:

IV – Relação entre a dialética materialista e outros métodos:


1. Lógica Formal e Lógica Dialética
2. Positivismo; Pragmatismo; Fenomenologia e Neopositivismo; Estruturalismo e Pós-
Estruturalismo

O PROBLEMA METODOLÓGICO NA
HISTÓRIA DA FILOSOFIA: A LÓGICA DIALÉTICA1
Dermeval Saviani2

Em que consiste a lógica dialética?


De início, é necessário distinguir entre a dialética como expressão do próprio movimento da
realidade e a dialética como lógica, isto é, como forma de pensar e como método de conhecimento.
Como lógica, embora a ideia de dialética já apareça entre os gregos, é somente a partir de Hegel que
ela foi explicitada. É em Hegel que se dá a sistematização da lógica dialética coma incorporação da
contradição como categoria do pensamento. Até aí vigorava exclusivamente a lógica formal baseada no
princípio de identidade que excluía a contradição. Esta era sinônimo de inverdade, sinalizando erro ou uma
falha no modo de pensar; um raciocínio equivocado.
Podemos distinguir duas grandes etapas na história da lógica formal: a primeira é conhecida como
“lógica clássica”, às vezes também chamada de “lógica tradicional”; a segunda é a “lógica simbólica” ou
“lógica matemática” ou “logística”, também chamada de “lógica moderna”. A primeira remonta a
Aristóteles; a segunda se inicia com os trabalhos de Boole, em especial , As leis do pensamento (1854) e
Frege Begriffsschrift (`Notação de conceito') ou “Conceitografia” (1879) tendo continuidade com os
filósofos de orientação neokantiana (positivismo lógico) com representantes na Alemanha, Inglaterra e
EE.UU.
A lógica formal foi construída a partir da linguagem. Aristóteles partiu da linguagem (se nós falamos
assim, então nós pensamos assim; e se pensamos assim é porque a realidade é assim). Tratava-se da
linguagem intuitiva, isto é, da linguagem corrente que usamos para nos comunicar. Eis porque a lógica
formal trata das três operações do pensamento: a simples apreensão, o conceito, expresso pelo termo; o juízo,
expresso na proposição; e o raciocínio, que se exprime pela argumentação. [Ver os três vocabulários: o
comum e corrente que abrange todas as palavras que compõem determinado idioma; os vocabulários
técnicos relativos às diferentes especialidades; e o vocabulário lógico, que se compõe de poucas palavras, a
saber, os quantificadores [todo(s), algum(ns), uns conectivos (e, ou) e a cópula “é” com sua negação (todos
os verbos são redutíveis à cópula “é”, o que indica que a lógica é atemporal). Ver, também, o trivium:

1
Texto referente à aula ministrada no Curso de Nível III, Núcleo de Filosofia, em 15 de julho de 2015.
2
Professor Emérito da UNICAMP, Pesquisador Emérito do CNPq e Coordenador Geral do HISTEDBR.
1
gramática – assegurar expressão clara e precisa; dialética (lógica) – assegurar expressão rica e elegante; e
retórica – garantir uma expressão poderosa e convincente]. Já na lógica simbólica (matemática) trata-se da
linguagem formalizada, artificial, algebrizada que está na base das chamadas máquinas inteligentes, da
robótica, dos computadores e de todo o processo de informatização, em suma, da revolução microeletrônica.
Diferentemente dessa lógica formal, centrada no princípio da identidade e da não- contradição, Hegel
elaborou uma lógica em que a contradição se tornou categoria explicativa de tudo o que existe, permitindo-
nos compreender que as coisas não são estáticas, mas se movimentam, se transformam e o princípio do
movimento, da transformação é exatamente a contradição.
Na visão de Hegel a dialética assume um caráter idealista. A verdadeira realidade, para ele, é a Ideia
(em-si) que entra em contradição consigo mesma e se objetiviza, sai de si, torna- se outro, se aliena gerando
como resultado a natureza (ideia-fora-de-si). Esta, ao tomar consciência de si, assume a forma do espírito
(ideia-para-si). Assim, a ideia (a tese) gera o seu oposto, a natureza (antítese) que, ao se tornar consciente no
espírito humano resolve a contradição (a síntese). O espírito, porém, enquanto uma nova tese se desdobra no
espírito subjetivo (consciência e autoconsciência que se sintetizam na razão) e no espírito objetivo (direito e
moralidade que se sintetizam na eticidade). A eticidade se desdobra na sociedade civil e na família que se
sintetizam no Estado. Finalmente, a contradição entre razão e Estado é superada no espírito absoluto (Deus)
que se manifesta como arte e religião que, por sua vez, se sintetizam na filosofia.
Marx percebeu a riqueza da forma de pensar desenvolvida por Hegel, mas notou, ao mesmo tempo,
sua limitação idealista e efetuou a crítica da forma mistificada em que aparecia a dialética na filosofia
hegeliana, mostrando que em Hegel a dialética estava invertida, estava posta de cabeça para baixo.
Considerou que, para dar todos os seus frutos, a dialética hegeliana precisava ser “libertada de sua carapaça
mística”, precisava ser posta sobre os pés.
Empreendeu, então, n’A ideologia alemã, escrita juntamente com Engels, a crítica a essa concepção
tomando como alvo os filósofos neo-hegelianos, inclusive Feuerbach, que já se propunha, pela crítica da
religião, a elaborar uma interpretação materialista do pensamento hegeliano. Marx observou que o
materialismo de Feuerbach ainda tinha caráter metafísico uma vez que correspondia a uma visão abstrata de
homem não o compreendendo como um ser histórico.
Estabelecendo n’A ideologia alemã o princípio de que não é a consciência dos homens
que determina sua existência mas, ao contrário, é a vida real que determina a consciência,
Marx desenvolveu a dialética em bases materiais tendo, no ponto de partida, indivíduos reais produzindo os
seus meios de vida e desencadeando a história como obra dos próprios homens. Por isso a concepção de
Marx é chamada de materialismo dialético ou materialismo histórico que, às vezes, aparecem unificados na
denominação materialismo histórico-dialético.
A lógica dialética não é outra coisa senão o processo de construção do concreto de pensamento (ela é
uma lógica concreta) ao passo que a lógica formal é o processo de construção da forma do pensamento (ela
é, assim, uma lógica abstrata). Por aí se pode compreender o que significa dizer que a lógica dialética supera
por inclusão/incorporação a lógica formal (incorporação, isto quer dizer que a lógica formal já não é tal e sim
parte integrante da lógica dialética). Com efeito, o acesso ao concreto não se dá sem a mediação do abstrato.
Assim, aquilo que é chamado de lógica formal ganha um significado novo e deixa de ser a lógica para se
converter num momento da lógica dialética. A construção do pensamento ocorre, pois, da seguinte forma:
parte-se do empírico, passa-se pelo abstrato e chega-se ao concreto. Ou seja: a passagem do empírico ao
concreto se dá pela mediação do abstrato. Diferentemente, pois, da crença que caracteriza o empirismo, o
positivismo etc. (que confundem o concreto com o empírico) o concreto não é o ponto de partida, mas o
ponto de chegada do conhecimento. E, no entanto, o concreto é também o ponto de partida. Como entender
isso? Pode-se dizer que o concreto-ponto de partida é o concreto real e o concreto- ponto de chegada é o
concreto pensado, isto é, a apropriação pelo pensamento do real- concreto. Mais precisamente: o pensamento
parte do empírico, mas este tem como suporte o real concreto. Assim, o verdadeiro ponto de partida, bem
como o verdadeiro ponto de chegada é o concreto real. Desse modo, o empírico e o abstrato são momentos
do processo de conhecimento, isto é, do processo de apropriação do concreto no pensamento. Por outro lado,
o processo de conhecimento em seu conjunto é um momento do processo concreto (o real- concreto).
Processo, porque o concreto não é o dado (o empírico), mas uma totalidade articulada, construída e em
construção. O concreto, ao ser apropriado pelo homem sob a forma de conhecimento, é a expressão, no
pensamento, das leis que governam o real. A lógica dialética se caracteriza, pois, pela construção de
categorias saturadas de concreto. Pode, pois, ser denominada a lógica dos conteúdos, por oposição à lógica
formal que é, como o nome indica, a lógica das formas.
O fato da dialética ter surgido, como lógica, apenas no século XIX (a obra de Hegel,

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Ciência da Lógica, data de 1812-1816) não significa que foi apenas a partir daí que ela começou a existir.
Nesse momento ela foi descoberta e formulada como conhecimento, mas, se ela corresponde ao modo como
a realidade se desenvolve, então ela se faz presente na própria estrutura da realidade como uma lei do seu
desenvolvimento e de suas transformações, tendo se originado com o próprio surgimento do universo [10].
Assim como a descoberta, por Newton, da lei da gravitação universal (matéria atrai matéria na razão direta
das massas e inversa do quadrado das distâncias) não significa que foi a partir do século XVII (1685) que ela
começou a existir, o mesmo ocorre com a dialética. Na verdade, com om enunciado de Newton tem início o
nosso conhecimento dessa lei que, no entanto, estava em vigor e produzindo todos os seus efeitos, desde
sempre, ainda que os homens não o soubessem.
O fato de que a dialética corresponda ao processo de desenvolvimento da própria realidade nos
permite, agora que dispomos desse instrumento analítico após a sistematização da lógica dialética inaugurada
por Hegel, reconstituir o movimento de toda a história, desde o surgimento do homem, compreendendo esse
desenvolvimento em suas transformações.
Ilustremos esse entendimento com a controvérsia entre indutivismo e dedutivismo na
filosofia da ciência.
A época moderna foi inaugurada com o “Discurso do método” de Descartes e com o
“Novum Organon” de Francis Bacon. Pelo “Novum Organon” se fez a crítica da lógica aristotélica centrada
no silogismo, portanto, no argumento dedutivo e se advogou a indução como caminho para o
desenvolvimento das ciências tendo por base a experiência. Firmou-se, assim, o esquema indutivo de
desenvolvimento do conhecimento científico configurado em três momentos básicos: a) observação; b)
generalização: c) confirmação. No século XX esse esquema veio a ser contestado, buscando-se substituí-lo
pela via dedutivista cujo esquema foi formulado por Popper (s/d, p. 63-88), também em três momentos
paralelamente contrapostos àqueles do esquema baconiano: a) problema; b) conjectura; c) refutação. Assim,
em lugar de se partir da observação para, a partir das evidências preliminares aí obtidas, formular a hipótese
na forma de uma proposição geral a ser confirmada pelos testes empíricos, propõe-se que o conhecimento
parta do problema. (Ninguém se põe a observar sem que a isso seja motivado por algum problema). Diante
do problema formula- se, independentemente da experiência, uma conjectura na forma de uma proposição
geral da qual se deduzem, segundo as regras lógicas, consequências observáveis sendo que o teste empírico
deverá ser feito visando não a confirmar, mas a refutar a conjectura proposta, pois sempre é possível
confirmar desde que se esteja interessado nisso. Daí decorre o entendimento de que um enunciado só pode
ser considerado científico se for refutável (note- se bem: se puder ser refutado e não o for). Assim, não são
científicos os enunciados irrefutáveis, isto é, que não podem ser refutados; e também não são científicos os
enunciados refutados. Em suma, somente permanecem como aceitáveis cientificamente os enunciados que,
podendo ser refutados, resistem às tentativas de refutação. No momento em que a tentativa obtiver êxito, o
enunciado refutado pelo teste empírico deverá ser abandonado. E uma nova conjectura deverá ser formulada
da qual serão deduzidas consequências empiricamente observáveis que permitirão efetuar testes com o
objetivo de sua refutação.
Evidentemente, o móvel dos dedutivistas contra a indução decorre da percepção da impossibilidade
lógica do argumento indutivo, uma vez que logicamente não se pode chegar a um enunciado universal a
partir de casos particulares. Assim, por mais evidências que se acumulem, se não se chega a esgotar todos os
casos particulares permanece sempre a possibilidade lógica de que apareça um caso que não se comporte da
forma contida no enunciado geral decorrente das evidências particulares anteriores. Em contrapartida, se para
confirmar uma hipótese geral é necessário verificar todos os casos particulares, para refutá-la basta apenas
um caso.
Para evidenciar essa situação os dedutivistas se empenharam em mostrar a fragilidade do argumento
indutivo chegando mesmo a forjar exemplos ridicularizando o procedimento indutivo, o que é ilustrado pela
“indução galinácea” sugerida por Bertrand Russell.
Reproduzo, de forma livre, a “indução galinácea” para visualizar a crítica à inconsistência da argumentação
indutiva:
Uma senhora vai à feira no domingo, compra uma galinha, volta para casa e a coloca no galinheiro.
Na segunda-feira ela abre o portão do galinheiro e joga um punhado de grãos de milho para alimentar a
galinha. Na terça-feira repete-se a mesma cena e a galinha observa o comportamento de sua dona
constatando o resultado positivo representado pela satisfação de sua fome. Na quarta-feira repete-se pela
terceira vez a mesma situação e a galinha já avança uma conclusão: toda vez que essa senhora entra no
galinheiro o resultado é sua alimentação.
Mas, como boa cientista, ela considera essa generalização como uma suposição provável, ainda
dependente de confirmação. Apresenta-se, pois, como uma hipótese. E aguarda o dia seguinte para verificar,
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mais uma vez, o comportamento de sua dona. Na quinta-feira repete-se pela quarta vez idêntica cena. Mas,
cautelosa, a galinha resolve fazer nova observação. Na sexta-feira a repetição da cena soa como a
confirmação da hipótese. É lei: toda vez que sua dona entra no galinheiro a galinha tem assegurada sua
alimentação diária. No sábado, porém, com a galinha tranquila no galinheiro, certa de que, ao entrar sua dona
ela será alimentada, a dita senhora entra, pega a galinha pelo pescoço e a leva para a panela.
A historinha irônica de Bertrand Russell não foi contada exatamente assim. Relatei-a dessa maneira
para reproduzir, de forma simplificada, os três momentos do método indutivo (observação, generalização,
confirmação). A piada de Russell é contada de diferentes maneiras. Numa delas a alimentação ocorre em 99
dias e, no centésimo dia, a galinha vai para a panela. A moral da história é que não importa a quantidade de
ocorrências, se nove, noventa, novecentas... Como a possibilidade se estende ao infinito, jamais se terá a
certeza no caso de uma conclusão obtida por indução. Em outra versão a galinha é substituída pelo “peru
indutivista” que é alimentado todos os dias às 9:00 horas o que o leva, depois de algum tempo, a generalizar
essa experiência que, no entanto, é invalidada na véspera do dia de Natal.
Diante dessas considerações que põem em evidência os limites da indução ao ponto de levá-la ao
ridículo, sobreveio-me a indagação: mas se a indução é tão frágil, tão inconsequente, tão inconsistente
logicamente, como foi possível que Bacon, Galileu, Newton e tantos outros, lançando mão do método
indutivo, puderam chegar a descobertas tão significativas para o desenvolvimento da ciência?
Em resposta a essa indagação faço as seguintes observações: a) Por que, no esquema de Bacon, o
primeiro passo do método é a observação e não o problema como definido no esquema de Popper? Ora, é
óbvio que Bacon, Galileu e todo verdadeiro cientista sabe que toda e qualquer investigação é posta em
marcha tendo em vista responder a algum problema. O problema é, pois, a condição prévia, aquilo a partir do
qual o método é posto em movimento. Portanto, não é um passo do método, pois o precede sendo aquilo que
o justifica e o determina. Isso significa que a investigação começa pela observação daqueles elementos que
motivaram o aparecimento do problema que se quer esclarecer. Assim, por exemplo, se me defronto com o
problema referente ao comportamento dos metais diante da ação de algo como o calor, vou proceder às
observações que me permitam esclarecer o problema que motivou minha investigação. Portanto, fica claro
que nunca se começa a observar sem um problema prévio que orienta a investigação. b) Mas além da
precedência do problema em relação ao processo de investigação, deve-se ter presente que o procedimento
indutivo dos fundadores da ciência moderna estava apoiado num pressuposto relativo à concepção de
natureza. Trata-se da ideia de que a natureza se comporta de modo regular. Note-se bem. Enquanto
concepção de natureza a ideia de que ela se comporta de forma regular desempena o papel de um axioma ou
postulado. Ou seja, não é algo que esteja em questão, mas, ao contrário, impõe-se como válido sem
necessidade de demonstração como, aliás, ocorre com a noção popperiana de conjectura que não se baseia na
experiência, podendo ser um mero lance de imaginação. Isso significa que o procedimento indutivo, de fato,
se apoia num argumento dedutivo deixando evidente que o conhecimento humano não é nem indutivo nem
dedutivo, mas indutivo-dedutivo articulando esses dois momentos numa unidade indissolúvel. Esclareçamos
essa questão retomando o exemplo do comportamento dos metais diante da ação do calor.
Considerando-se o pressuposto de que a natureza se comporta de modo regular os metais, sendo um
fenômeno da natureza, necessariamente vão se comportar de forma regular conforme o seguinte silogismo:
Todos os fenômenos da natureza se comportam de modo regular (premissa maior). Ora, os metais são um
fenômeno da natureza (premissa menor). Logo, os metais se comportam de modo regular (conclusão). Isso
significa que, diante do problema do comportamento dos metais sob a ação do calor eu, de antemão, já sei
que vão se comportar de forma regular, mas não sei que tipo de comportamento ocorrerá. Ou seja, diante da
ação do calor o metal pode se contrair, dilatar ou permanecer indiferente. Como vou descobrir qual desses
comportamentos será o real, o verdadeiro?
Não há outro caminho senão proceder à observação. E, rigorosamente, não será necessário observar
o comportamento de todos os metais como postulam os dedutivistas. Bastará observar apenas um, o que é
assegurado pela argumentação dedutiva fundada na premissa geral da regularidade do funcionamento da
natureza. Mas então poder-se-á perguntar: e por que o método indutivo preconiza que sejam observados
vários metais? A resposta é simples. Trata-se de cautela científica. É necessário assegurar-se que se está, de
fato, diante de metais e que a causa de seu comportamento seja, efetivamente, o calor. Assim, as primeiras
observações podem ocorrer casualmente chamando a atenção para a relação entre a presença do calor e o
comportamento de dilatação dos metais. Captada essa tendência formula-se, então, a hipótese, ou seja, a
suposição de que o comportamento provável dos metais diante da ação do calor seja a dilatação. Formulada a
hipótese ela passa a orientar a observação que se torna, agora, controlada. Assim, isola-se determinado metal
que é colocado sob a ação exclusiva do calor, isolando-se todas as outras possíveis variáveis intervenientes.
Constatado que, nessa situação controlada, confirma-se o comportamento de dilatação chega-se, enfim, à
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conclusão segura expressa na lei da dilatação dos metais, assim enunciada: todo metal se dilata sob a ação do
calor. Ora, essa conclusão não está sujeita a qualquer tipo de contestação como argumentam os dedutivistas
porque ela foi obtida, sim, por via indutiva, mas se encontra apoiada numa argumentação dedutiva.
À luz da análise que acabei de fazer cumpre observar que essa articulação entre indução e dedução
que se dá objetivamente não chegava a ser percebida explicitamente nem mesmo pelos próprios cientistas.
Isso porque eles se guiavam pela lógica formal baseada nos princípios de identidade e de não contradição, o
que conduz ao entendimento de que o que é indutivo não é dedutivo e vice-versa. No entanto, após Hegel,
com a sistematização da lógica dialética regida pelo princípio de contradição nós sabemos que os polos
opostos não se excluem, mas se incluem. E, por expressar o desenvolvimento do processo objetivo, mesmo
quando ainda não conhecida pelos homens, a lógica dialética não deixou de se fazer presente no processo de
desenvolvimento da ciência. Assim, num olhar retrospectivo, agora que a lógica dialética já é conhecida, nós
podemos perceber sua presença agindo de forma implícita nas elaborações metodológicas dos fundadores da
ciência moderna que, por isso, não chegaram a conclusões simplistas e equivocadas como sugerem as críticas
dos dedutivistas.
Na verdade, a limitação da indução, tão salientada pelos dedutivistas, já havia sido notada por
Aristóteles ao afirmar que a vantagem da indução é que ela faz avançar o conhecimento e sua desvantagem é
que não traz a garantia da verdade. Em contrapartida, a vantagem da dedução é que traz a garantia da
verdade, mas sua desvantagem é que não faz avançar o conhecimento. De fato, a dedução é analítica, ou seja,
ela apenas explicita, na conclusão, aquilo que já está contido nas premissas, ao passo que a indução é
sintética, pois acrescenta, na conclusão, algo que não estava presente nas premissas. É sintomático notar que
se os dedutivistas destacaram insistentemente a desvantagem da indução, praticamente silenciaram sobre sua
vantagem. E, inversamente, insistiram na vantagem da dedução, mas nada disseram sobre sua desvantagem.
Examinando essa questão em perspectiva histórica constatamos que, via de regra, as épocas
progressivas – as sociedades em desenvolvimento – tendem a encarar o problema do conhecimento pela via
indutiva enquanto as épocas e sociedades relativamente estabilizadas tendem a se guiar pelo caminho
dedutivo. E isso é compreensível porque as sociedades que se encontram em sua fase inicial de
desenvolvimento estão empenhadas na busca do novo ao passo que as sociedades estabilizadas se empenham
em justificar e manter a ordem existente.
Assim, a sociedade grega da época jônica ou pré-socrática guiava-se pela indução buscando observar
os fenômenos naturais para compreendê-los e melhor os controlar em benefício de seu desenvolvimento. Eis
porque Tales de Mileto, que a narrativa filosófica herdada da fase correspondente ao século de Péricles
descreve como sem senso prático, pois se distraía observando as estrelas e, não vendo o chão onde pisava,
caía num buraco, surpreendeu seus contemporâneos se enriquecendo com o comércio de azeite. À luz do
estudo historiográfico podemos entender por que Tales entendia que o princípio do universo era a água e
também por que ele se dedicava a observar os astros. Ora, a Grécia dos pré-socráticos, uma península
prensada entre montanhas e o Mar, entrecortada por arquipélagos espalhados pelo Mar Egeu, voltada para
sua colônia jônica na Ásia Menor, encontrava-se em intenso processo de desenvolvimento. E o comércio do
azeite tinha de ser feito por barcos singrando os mares, sendo a observação dos astros um recurso importante
para orientar a navegação rumo aos seus vários destinos. Nessa condição, a água, além de ser a fonte da vida,
revesta-se diretamente de grande importância econômica. Já a Grécia de Sócrates, Platão e Aristóteles estava
estabilizada com o domínio da aristocracia fundiária que podia viver na cidade do trabalho de seus escravos
que cultivavam suas terras que circundavam as cidades. Nessas condições interessava a essa aristocracia
dominante manter a situação prevalecendo, assim, a argumentação dedutiva que reitera o já conhecido,
justificando a ordem existente. Assim, entendemos por que Aristóteles, embora reconhecendo a vantagem da
indução na descobertade novos conhecimentos, dedicou-se à elaboração e sistematização da teoria do
silogismo.
Fenômeno semelhante constatamos no final da Idade Média quando a nobreza e o clero, empenhados
em manter a ordem feudal, agarram-se à argumentação dedutiva reeditando a teoria do silogismo de
Aristóteles enquanto a burguesia em ascensão, empenhada na construção da nova ordem social volta-se para
o estudo da natureza. E, sob o lema “conhecer é poder”, Bacon produz o “Novum Organon” (Nova Lógica),
a teoria da indução em contraposição ao “Organon” aristotélico. Considerando-se que essa nova sociedade se
consolida no século XIX resulta compreensível a retomada do dedutivismo pelo pensamento dominante que
se empenha em manter essa forma social contra os anseios e as pressões pela sua superação.
Em suma, com a lógica dialética supera-se a oposição entre indução e dedução incorporando-as
numa síntese superior compreensiva do método do conhecimento científico.
Nessa perspectiva o movimento global do conhecimento compreende dois momentos. Parte- se do
empírico, isto é, do objeto tal como se apresenta à observação imediata, tal como é figurado na intuição.
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Nesse momento inicial, o objeto é captado numa visão sincrética, caótica, isto é, não se tem clareza do modo
como ele está constituído. Aparece, pois, sob a forma de um todo confuso, portanto, como um problema que
precisa ser resolvido. Partindo dessa representação primeira do objeto chega-se, pela mediação da análise,
aos conceitos, às abstrações, às determinações mais simples. Uma vez atingido esse ponto, faz-se necessário
percorrer o caminho inverso (segundo momento) chegando, pela mediação da síntese, de novo ao objeto,
agora entendido não mais como “a representação caótica de um todo”, mas como “uma rica totalidade de
determinações e de relações numerosas” (MARX, 1973, p. 229).
Assim compreendido, o processo de conhecimento é, ao mesmo tempo, indutivo-dedutivo, analítico-
sintético, abstrato-concreto, lógico-histórico. Supera-se, assim, a polêmica
dedutivismo versus indutivismo que deixa de ter sentido.
A pedagogia histórico-crítica, guiada pela lógica dialética, recupera a unidade da atividade educativa
no interior da prática social articulando seus aspectos teóricos e práticos que se sistematizam na pedagogia
concebida ao mesmo tempo como teoria e prática da educação. Supera, assim, o dilema próprio das duas
grandes tendências pedagógicas, a tradicional e a nova com suas variantes na contemporaneidade, que se
guiam pela lógica formal.

RELAÇÃO ENTRE A DIALÉTICA MATERIALISTA


E OUTROS MÉTODOS

Nereide Saviani3

Nesta parte do curso, o Núcleo Filosofia se propõe a orientar o diálogo do materialismo histórico
com outras correntes de pensamento e métodos de conhecimento. Nas primeiras turmas de Nível III, esse
tema foi tratado sob a forma de painel, com apresentação de professores (as) do Núcleo, acerca de correntes
selecionadas entre as que têm dominado em debates acadêmicos, às vezes levando a certa confusão quanto a
possíveis proximidades com o marxismo, pelo uso de categorias aparentemente coincidentes com as do
materialismo histórico. São elas: o positivismo; o pragmatismo; a fenomenologia; o neopositivismo; o
estruturalismo e o pós-estruturalismo – tratadas pelos(as) professores(as): Fábio Palácio; Ilka Bichara;
Milton Barbosa – cujos roteiros, disponíveis na plataforma virtual da Escola (www.escolapcdob.org.br), são
transcritos, para leitura e debate por esta turma de 2018, com alguns acréscimos, devidamente referenciados,
em suas fontes.
Nas três turmas mais recentes, as correntes filosóficas foram tratadas pelo Professor Emérito da
Unicamp e Pesquisador emérito do CNPQ, Dermeval Saviani. Um quadro sinóptico por ele elaborado
encontra-se também disponível na nossa plataforma virtual.
Para esta turma, resolvemos voltar ao painel, com a diferença de que as exposições dos(as)
referidos(as) professores(as), aqui transcritas, serão lidas e debatidas pelos grupos, conforme definição a ser
feita no momento oportuno.
O objetivo dessa discussão é distinguir, nas diferentes correntes, os tipos de análise, as fontes, a
proximidade ou distanciamento da realidade concreta a que se propõem estudar. E fazer um exercício de
examinar, criticamente, suas teses e conclusões – com os cuidados inerentes ao trabalho com o conhecimento
científico. A esse respeito, vale transcrever um alerta que fiz no Prefácio à 6ª edição do meu livro4, em que
trato de diferentes concepções de currículo e trabalho pedagógico. Considerando as formas como vinham
sendo citados trechos do livro, achei por bem chamar atenção para o problema de
[...]
“certo ecletismo que ‘mistura’ as abordagens, juntando aspectos considerados interessantes em
cada uma, sem considerar suas diferenças estruturais. [...] A produção teórica exige
necessariamente o diálogo com as várias posições e a prática consciente é a que se baseia na
reflexão crítica, que também requer semelhante diálogo.
Entretanto, nem sempre a junção de várias coisas boas produz um resultado bom. Sempre
que trato dessa questão, gosto de fazer uma analogia com a culinária. Certa vez, uma pessoa não

3
Doutora e História e Filosofia da Educação pela PUC-SP. Coordenadora do Núcleo Filosofia.
4
SAVIANI, Nereide. Saber Escolar, Currículo e Didática: problemas da unidade conteúdo/método no processo
pedagógico. Campinas, Autores Associados, 6ª ed. Revista e ampliada, 2010.
6
muito afeita a essa arte foi solicitada a preparar uma sopa, tendo à sua disposição carnes, legumes e
temperos variados, além de práticos utensílios e o indispensável fogão. Ao anúncio de que o
alimento estava servido, não se havia sentido aquele delicioso aroma típico do refogar. E o que se
apresentava à mesa era uma grande vasilha cheia de água opaca e viscosa; nela nadavam cubos e
rodelas de diversos tamanhos e cores, acima dos quais havia uma camada gordurosa – algo nada
convidativo ao olhar, ao olfato e ao paladar! Como foi possível isso, com tantos ingredientes de boa
qualidade, cada qual, isoladamente, de reconhecido sabor agradável? Na panela cheia de água e sal,
tais ingredientes foram colocados uns após outros e deixados ao fogo, de vez em quando mexidos
com uma colher e, finalmente, servidos!...
Não se trata, portanto, de reunir ideias buscadas numa miríade de textos, de diversos
autores, por mais que, de per si, nos pareçam interessantes. É preciso termos nitidez de objetivos e
critérios na escolha e no uso dos argumentos, para a produção do nosso texto, que responda às
nossas questões, na defesa das nossas teses e explicitação das nossas convicções. Quer dizer,
precisamos nos apropriar das formulações e avançar na sua compreensão. Assim, e somente
assim, podemos contribuir para o avanço do conhecimento. É este o sentido da produção social do
saber humano. E, quando nossa preocupação é enfrentar o clássico desafio de contribuir na difusão
(de parte, sistematizada) desse saber, tal apropriação se torna imprescindível, vital. ” (Saviani,
2010).

Recomendações para a discussão dos textos5 correspondentes às correntes selecionadas. Sobre eles,
identificar/destacar:
- Principais características;
- Contexto de surgimento;
- Autores originais e atuais;
- Noções e conceitos;
- Principais críticas;
- Perguntas e questionamentos.

O POSITIVISMO CLÁSSICO
Fábio Palácio6
“Porque as ciências sociais ainda são muito mais atrasadas que as
ciências naturais”
(Resposta de Albert Einstein quando indagado sobre por que o ser humano tinha sido capaz de criar
a bomba atômica, mas não de controlá-la).

Contexto Social: após séculos de luta, burguesia enfim no poder


Na segunda metade do século XVIII, multiplicam-se movimentos e ideologias políticas, bem como
guerras e insurreições. É um período de crise política que marca o declínio final do chamado
Ancien Régime, fundado na aliança entre monarcas, nobreza e Igreja. Marco principal desse
processo: Revolução Francesa (1789).
É também um período de crise social e moral, acentuada com o progresso técnico e a Revolução
Industrial. O êxodo rural corrói as formas tradicionais, feudais, da vida social. Transformados em
operários, os antigos camponeses conhecem a degradação das condições de vida e perdem amparo
comunitário. Era preciso dar respostas aos problemas sociais.

Contexto Cultural
Cresce a percepção de que as sociedades precisam definir a si próprias, traçar seus próprios rumos.
Precisam ser reformadas e reorganizadas com base no conhecimento e na razão, e não em preceitos

5
Os textos referentes a cada corrente consistem em sinopses elaboradas para apresentação no Painel: Bases
epistemológicas e características dos métodos e processos de conhecimento. Relação entre a dialética materialista e
outros métodos. Curso de Nível III, 2013. Transcrição dos roteiros, em ppt. (Os slides, com ilustrações, encontram-se na
plataforma virtual: www.escolapcdob.org.br).
6
Doutor em Ciências da Comunicação. Professor da UFMA (Universidade Federal do Maranhão).

7
teológicos. Essa é a proposta de base do Iluminismo, movimento otimista baseado na crença
ilimitada naspossibilidades doHomeme daRazão.
Das desilusões do Iluminismo surgiria mais tarde o Romantismo.

Contexto Científico: imperialismo das ciências naturais


No século XIX as ciências naturais já estavam razoavelmente consolidadas. Seu prestígio era
crescente e suplantava o da filosofia. Novas classes dirigentes estavam mais interessadas em
fortalecer os vínculos entre as conquistas da ciência e da técnica e a obra de modernização social.
Surgia assim a necessidade de uma ciência da sociedade, capaz de detectar, à semelhança da Física,
as leis invariáveis subjacentes aos fenômenos sociais.
É assim que as ciências da sociedade nascem sob forte influência das ciências naturais (que já
haviam “dado certo”). Física e Biologia exercem seu imperialismo sobre a nascente Sociologia,
exportando para esta última sua visão de mundo subjacente: o materialismo mecânico, uma forma
pobre de encarar a matéria e o movimento com base em relações simples de causa e efeito. Para o
materialismo mecânico o mundo é um conjunto de coisas, e não de relações ou processos.
Não à toa, Comte se apoia na Frenologia (mistura de biologia com psicologia) para desenvolver sua
“teoria positiva da ordem social”, uma espécie de “estática” sociológica.

Antecedentes Históricos
Evidentemente, a reflexão sobre a vida social não é novidade do século XIX. O que tem início no
século XIX é o casamento entre reflexão social e método empírico-experimental.
O nascimento da reflexão sobre o Homem e a vida em sociedade ocorre no período clássico, com
os sofistas e sua célebre máxima “O homem é a medida de todas as coisas”.
Sócrates é considerado o maior dos sofistas. Foi o grande mentor de Platão e Aristóteles, autores,
respectivamente, de A República e A Política. Esta última obra dá notoriedade ao termo que
designa a atividade fim de nosso partido.
Também na Idade Média há muita reflexão sobre a vida social. Destaque para Santo Agostinho,
que, em seu A cidade de Deus, fundamenta uma proposta eclesiástica de organização da vida social
emoral.
Nos tempos modernos, Francis Bacon propõe uma classificação das ciências que já inclui
disciplinas centradas nas sociedades humanas e epistemologicamente em pé de igualdade com as
ciências naturais. Pouco mais tarde, em O Espírito das Leis, Montesquieu propõe uma espécie de
método comparativo para extrair as leis subjacentes aos sistemas políticos. Também não podemos
esquecer os enciclopedistas (Voltaire, Diderot, D’alembert e outros) e sua defesa do pensamento
como base da reforma da sociedade.

Os fundadores
Augusto Comte (1789 – 1857) é considerado o criador da Sociologia como disciplina científica. A
Sociologia fundada por Comte é uma espécie de “física social”, voltada ao estudos das leis
invariáveis da sociedade, ou seja, das “leis do progresso dentro da ordem”. Como totalidade
orgânica, a sociedade deve ser objeto de estudo com a mesma objetividade e “neutralidade”
adotadas por físicos, químicos e biólogos.
Comte propôs um método – o positivismo – que fundamentaria, em seus primórdios, a Sociologia e
suas ciências derivadas – como a história, a antropologia, a política e a psicologia.
Comte possuía estreita ligação com os socialistas utópicos, tendo sido, na juventude, secretário
particular de Saint Simon.
O principal expoente clássico do positivismo, além de Comte, é Émile Durkheim, de
fundamentação analítica. Por se tratar de uma exposição sumária, nos concentraremos no
positivismo elaborado por Augusto Comte, embora boa parte do que será dito se aplique também a
Durkheim.
O que é positivismo?
O termo “positivo” é usado como sinônimo de “científico” – ou melhor, de uma determinada
concepção de ciência, baseada:
a) Numa concepção gnoseológica de subsunção do sujeito ao objeto;
b) Nas regras do método empírico-experimental como parâmetro para definir o que éciência;

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A ideia-chave do positivismo está contida na lei dos três estados, de acordo com a qual o homem –
individual e coletivo – e as disciplinas científicas devem necessariamente passar por trêsestágios ao
longo do desenvolvimento de suas concepções.

A lei dos três estados


Teológico: o ser humano explica a realidade apelando para entidades sobrenaturais (os “deuses”),
buscando responder a questões como “de onde viemos”, “para onde vamos”, “qual o sentido da
vida”. São todas questões voltadas ao absoluto.
Metafísico: é uma espécie de meio-termo entre a teologia e a positividade. No lugar dos deuses há
entidades abstratas para explicar a realidade: “o éter”, “a força vital”, “o povo” etc. Continua-se a
procurar responder a questões como "de onde viemos" e "para onde vamos", buscando ainda,
portanto, o absoluto;
Positivo: etapa final e definitiva, não se busca mais o "porquê" das coisas, mas sim o "como", por
meio de um trabalho de inquirição sobre as leis naturais. Nesse estágio a imaginação subordina-se à
observação e passa-se a buscar apenas o relativo.
Afirma Comte: “Pela própria natureza do espírito humano, cada ramo de nossos conhecimentos
está necessariamente obrigado, em sua marcha, a passar sucessivamente por três estados teóricos
diferentes: o estado teológico ou fictício; o estado metafísico ou abstrato; enfim, o estado científico
ou positivo”.
O estado positivo ou científico refere-se ao momento em que o homem abandona as abstrações e
substitui a investigação das causas pela observação dos fenômenos e de suas leis, do absoluto pelo
relativo.

Contra a imaginação “metafísica”


“A imaginação é mais importante que a ciência, porque a ciência é limitada, ao passo
que a imaginação abrange o mundo inteiro. ” (Albert Einstein)
Em linhas gerais, os positivistas propõem à existência humana valores completamente humanos,
afastando radicalmente a teologia e a metafísica. Advogam a aplicação do dogma geral da
invariabilidade das leis físicas à teoria social, pensando conferir-lhe assim o estatuto de ciência.
Comte critica as teorias de sua época afirmando que se perdem em ilusões transcendentais, na
contemplação ociosa, na dúvida e indecisão, na negação e destruição das verdades e conhecimentos
adquiridos pelo homem.
Para Comte, as filosofias metafísica e teológica dominam o estudo social e é necessário expulsá-
las, pois se perdem em abstrações que em nada contribuem para compreender, explicar e controlar
o real.
Os positivistas pretendem eliminar da ciência a dúvida cartesiana e quaisquer reflexões de caráter
absoluto. “Tudo é relativo, eis o único princípio absoluto”, diz Comte em texto da juventude.

O método positivista
O método positivista propõe uma ciência baseada na investigação dos fatos e voltada à produção de
conhecimento empírico utilizável, que leve à organização e à certeza.
O método geral do positivismo de Auguste Comte consiste na observação dos fenômenos,
subordinando a imaginação à observação e à experimentação – únicas fontes para a produção de
evidências.
Os conceitos científicos estão subordinados aos fatos, seu papel é o de estabelecer as conexões
entre fatos observados. A razão tem um papel receptivo – ela não determina em nada a realidade,
só a desvenda. A fonte da evidência é deslocada do sujeito pensante para o sujeito da percepção.
Afirma Comte:
“Só o sensível é objeto de conhecimento, só o sensível é real. De sua natureza o homem está
condenado a ignorar tudo o que ultrapassa a ordem empírica. Qualquer investigação que pretenda
elevar-se acima dos fatos, indagando-lhes a origem, o fim e as causas, está de antemão condenada
à irremediável esterilidade. O homem só tem um modo de conhecer: o positivo, isto é, o sensível.
No estudo dos fenômenos e no descobrimento das relações invariáveis de semelhança e sucessão,
que os ligam, deve cifrar-se toda a nossa atividade intelectual. A Metafísica é impossível. Possível
é só a ciência positiva”.

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Visão de sociedade: é natural ser desigual
Para os positivistas, a sociedade é um complexo de fatos governados por leis racionais, colocadas
desde sempre pela natureza e independentes de qualquer vontade. Transgredir essas leis “eternas” é
perturbar a harmonia natural da sociedade e criar desordem.
Gerada pela obediência às leis, a ordem é condição necessária para o progresso. As leis subjacentes
à ordem devem ser descobertas por meio de observação e experimentação, que exigem o progresso
da técnica científica. O desenvolvimento histórico ocorre pela evolução harmoniosa da ordem
social sob leis naturais perenes.
Comte admite a necessidade de melhorar a situação das classes baixas, mas sem que se destruam as
barreiras de classes e sem que se perturbe a ordem econômica.
Rejeita-se que o homem possa alterar e reorganizar suas instituições sociais de acordo com sua
vontade racional. O que deveria mudar seriam as opiniões e costumes, e não as instituições. O
conhecimento das leis invariáveis da sociedade prepararia os homens para a disciplina e para a
obediência à ordem existente e promoveria a resignação diante dela.
Em sua juventude, Comte foi influenciado pelo livro Esboço para um quadro histórico dos
progressos do espírito humano, do marquês de Condorcet (1743-1794), um crítico da desigualdade.
Mas, na fase madura, Comte afirma ser necessário abandonar as teses revolucionárias de Condorcet
sobre o desaparecimento da desigualdade “por meio de novas revoluções, como a francesa”, pois os
seres humanos seriam naturalmente desiguais.
A desigualdade seria mais a manifestação de um dado fisiológico que social. Comte baseou sua
visão sobre a desigualdade na Frenologia, ciência para a qual conceitos como “eu”, “alma”,
“consciência” e “subjetividade” não passariam de entidades metafísicas. O que existiria, na
verdade, seriam impulsos fisiológicos. As desigualdades sociais proviriam assim, em última
instância, do cérebro. Os crimes, por exemplo, seriam aberrações causadas por deficiências
anatômicas do cérebro.

O positivismo e as ciências
O positivismo fundamentou epistemologicamente todo um conjunto de disciplinas científicas,
unificando procedimentos metodológicos – observação, experimentação, indução, raciocínio
hipotético-dedutivo, replicabilidade, previsão e controle.
De seu início, com Augusto Comte (1798-1857) na primeira metade do século XIX, até seu apogeu
e crise no século XX, o positivismo espalhou-se por várias disciplinas da ciência. Há assim, entre
outros, o positivismo jurídico de Hans Kelsen, o positivismo lógico de Rudolph Carnap e Karl
Popper, a psicologia behaviorista e as abordagens empírico-experimentais na área de comunicação,
envolvendo nomes como Laswell, Lazarsfeld, Parsons e outros.

Críticas ao positivismo clássico: a vingança da filosofia


No século XX o positivismo clássico foi bombardeado por críticas relacionadas às novas
descobertas da física e das ciências humanas. Problemas lógicos decorrentes da linguagem e
questões filosóficas relacionadas ao papel do sujeito – a exemplo das interferências do cientista em
seu objeto de estudo – acusaram a ingenuidade da visão positivista e levaram a reformulações das
quais resultaram uma miríade de correntes neopositivistas, todas com algo em comum.

O positivismo no Brasil
O positivismo teve influência fundamental nos eventos que levaram à Proclamação da República
no Brasil, destacando-se o Coronel Benjamim Constant (que, depois, foi homenageado com o
epíteto de “Fundador da República Brasileira”).
A conformação atual da bandeira do Brasil é um reflexo dessa influência na política nacional.
Elaborada por Raimundo Teixeira Mendes, ela procura indicar ao mesmo tempo a continuidade
social do Brasil (o retângulo verde e o losango amarelo) e a mudança (ou seja, o avanço) de regime
político que então se operava no país (a esfera). Na bandeira lê-se a máxima política positivista
Ordem e Progresso, surgida da divisa O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por
fim, representando as aspirações a uma sociedade justa, fraterna e progressista.
Outros positivistas de importância para o Brasil foram Nísia Floresta Augusta (a primeira feminista
brasileira, discípula direta de Augusto Comte), Euclides da Cunha, Marechal Cândido Rondon,
entre muitos outros.

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Nota de Nereide Saviani, em janeiro/2018:

No Prefácio ao volume 01 do livro Classificación de las Ciencias, Kedrov (1974), para situar a diferença
entre a classificação positivista das ciências, elaborada por Comte, e a classificação dialética, por Engels,
assim se expressa:
Há uma fábula russa, sobre a ressurreição de um herói, que tem profundo sentido filosófico:
ele foi executado, seu corpo esquartejado e as partes espalhadas por vários locais. Um corvo,
amigo do herói, trouxe água de duas fontes mágicas: de uma – água morta, e de outra – água
viva. Primeiramente, o corvo borrifou água morta nos membros dispersos do corpo de seu
amigo e, no ato, eles se uniram devidamente. Mas o corpo continuou inanimado. Então, o
corvo espargiu nele a água viva, e o resultado não se fez por esperar: o herói reviveu, começou
a respirar e a mover-se. (p.5)
Assim acontece com os princípios da classificação das ciências. Justapostas, apenas ligadas entre si, as
ciências não expressam a transformação de uma em outra: não se movem, não vivem. Está ausente o
princípio do desenvolvimento. É como se elas, antes separadas, somente se juntaram como se tivessem sido
borrifadas com água morta. Ao contrário, quando se consideram as concatenações e as transições reais entre
as ciências, ou seja, suas transformações e seu desenvolvimento, a forma como se imbricam mutuamente, –
ainda que preservando, cada qual, características e método próprios, isto é, seu movimento peculiar – é
como se elas tivessem sido espargidas com água viva. (Cf. ibidem, p. 5)

KEDROV, B. M., Classificación de las Ciencias, Moscou, Ed. Progresso, 1974, vol. 1.

A FILOSOFIA PRAGMÁTICA
Fábio Palácio

Introdução
Etimologicamente falando, “pragmatismo” remete ao termo grego pragma, que significa “ação”. Essa
filosofia milita em torno do primado da razão prática sobre a razão teórica. O pragmatismo pretende negar
todas as formas de intelectualismo.
Sempre foi possível identificar, na história da filosofia, posturas mais voltadas para a ação em contraponto
com outras, mais idealistas e intelectualistas.
Para os pragmáticos, que se encontram no primeiro grupo, o conhecer é um gênero do fazer. A presença
humana no mundo se expressa antes pelo “praticar” que pelo “descobrir”. Trata-se de uma espécie de
filosofia da ação prática, que despreza as abstrações escolásticas e aquilo que vê como “diletantismo
metafísico europeu”.
O pragmatismo valoriza, ao contrário disso, o agir mais que o contemplar, os resultados verificáveis
experimentalmente, a idéia de verdade como “construção” e não como “descoberta”.
O pragmatismo oferece uma concepção de razão que é prática em vez de intelectual (...) É a razão de
Ulisses, não a de Platão (Robert Brandom. Iluminismo pragmatista).

O pragmatismo e a questão da verdade


Os pragmatistas construíram sua filosofia como uma espécie de releitura das teorias clássicas (tradicionais)
da verdade, tentando fugir dos impasses e dilemas que resultaram dessas teorias.
Segundo Paulo Ghiraldelli Jr, há basicamente dois grandes grupos de teorias sobre a verdade:
Teorias tradicionais: são as que pretendem responder de forma direta à questão “o que é a verdade?”.
Teorias não-tradicionais (ou não-substantivas, ou não-metafísicas, ou metafisicamente fracas): não
pretendem responder à questão “o que é a verdade?”, mas apenas cuidar de descrições de como ocorre na
linguagem a participação do termo “verdade” e/ou “verdadeiro”.
As teorias tradicionais da verdade – também conhecidas como teorias substantivas ou metafisicamente
fortes – são basicamente duas:
 Teoria da correspondência (Aristóteles): X é verdadeiro se, e somente se X corresponde a um fato.

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Parece auto evidente e livre de inconsistências, mas sofreu ao longo dos séculos inúmeras objeções, as quais
denunciam a ingenuidade dessa teoria.
Se dizemos que verdade é aquilo que corresponde a um fato, então devemos automaticamente perguntar: o
que é um fato? Aí temos a seguinte definição: fato é aquilo que realmente acontece; ou fato é o que é
verdadeiro. Ou seja: verdade é aquilo que corresponde a um fato; fato, por sua vez, é aquilo que corresponde
à verdade. Trata-se de um raciocínio circular, que parece óbvio mas na verdade não explica nada.
 Teoria da coerência: X é verdadeiro se, e somente se X é membro de um conjunto de crenças
coerente internamente.
A teoria da coerência afirma que o erro do correspondentismo está em querer comparar elementos
heterogêneos, isto é, elementos lingüísticos com elementos não-lingüísticos. A afirmação X é de ordem
lingüística; já o fato a que se refere é de ordem não-lingüística. Na visão do coerentismo, seria adequado
apenas comparar o que é da ordem de enunciados com o que é da ordem de enunciados. Não se trata, porém,
de fazer isso caso a caso, mas de molde a levar em conta sistemas de enunciados, “campos” de crenças.
Como a teoria da correspondência, também a da coerência tem muita força intuitiva. A principal crítica
lançada contra ela é a de que conduz fortemente ao relativismo. Afinal de contas, cada um de nós certamente
conhecerá vários conjuntos de crenças bem estruturados e internamente harmoniosos. Mas tanto bastará para
que nos convençamos da verdade de todos e de cada um desses sistemas?

A verdade segundo o pragmatismo


O pragmatismo valoriza um conceito de verdade ativista e utilitário. Para os pragmáticos, a verdade é o que é
eficiente e proveitoso, o que resiste ao tempo e produz frutos. As possibilidades de verdade de uma teoria
vinculam-se, portanto, às suas possibilidades de sucesso.
A tese dos pragmatistas é a de que devemos estar aptos a fazer a fim de que se nos reconheçam como
detentores de crenças conceptualmente substanciais. (Robert Brandom. Iluminismo Pragmatista).

Um pouco da história do movimento pragmático


O movimento pragmatista desenvolveu-se nos EUA tendo como pioneiros Charles Peirce, William James e
John Dewey, e se estendeu pelo século XX afora, abarcando vários outros nomes da filosofia norte-
americana, como G.H. Mead, C.I. Lewis, Willard Quine, Hillary Putnam, Donald Davidson, F.C.S. Schiller e
Richard Rorty.
 Charles Sanders Peirce (1839-1914).
Introduziu o pragmatismo em 1978, com o texto Como tornar claras as nossas idéias. Nesse trabalho, Peirce
defende que a função do pensamento é a de criar hábitos de ação, e que o significado das idéias só pode ser
encontrado nos hábitos que essas idéias produzem. Para ele, o conceito é a forma de um “propósito geral”.
As crenças são realmente regras de ação e toda a função do pensar não é nada mais do que um passo na
produção dos hábitos de ação. (Peirce apud Dewey. O desenvolvimento do pragmatismo americano).
Peirce afirmava ainda que toda idéia que formamos de um objeto nada mais é que uma idéia dos possíveis
efeitos de sentido prático daquele objeto. Esses efeitos equivalem, em última instância, ao conjunto de nossa
concepção sobre o objeto.
 William James (1842-1910).
Desenvolve o princípio de que as idéias lógicas mais significativas podem até ter surgido como fruto de
alguma experiência particular, mas só se fixaram na mente de forma relativamente autônoma pelo caráter
excepcional de sua eficácia quando aplicadas a experiências concretas.
Número, espaço, tempo, semelhança e outras ‘categorias’ importantes poderiam ter sido trazidas à
existência, diz ele, como uma conseqüência de alguma instabilidade cerebral particular, mas de maneira
nenhuma poderiam estar registradas na mente por uma influência externa (...) As categorias fundamentais
têm sido cumulativamente estendidas e reforçadas por causa de seu valor quando aplicadas a instâncias
concretas e coisas da experiência. (James apud Dewey. O desenvolvimento do pragmatismo americano).
Na visão de James, a teleologia (pensamento finalístico, que explica fatos ou sistemas em termos de suas
conseqüências futuras) é o traço distintivo da mente. Em Principles of Psychology, ele desenvolve o
raciocínio de que as crenças e concepções nada mais são que “armas teleológicas da mente”.
A busca por fins futuros e a escolha de meios para alcançá-los são (...) a marca e o critério da presença de
mentalidade em um fenômeno. (James apud Dewey. O desenvolvimento do pragmatismo americano).
 John Dewey (1859-1952).
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Considerado o maior intelectual americano de todos os tempos. Alcunhado de “filósofo do new deal”, foi o
líder dos intelectuais americanos do campo democrático.
Defende que a verdade não é uma idéia pairando sobre todos, à espera de ser descoberta, mas algo que só na
prática pode ser concretizado.
A atitude pragmática face a verdade consiste, segundo Dewey, em olhar para além das primeiras coisas, dos
princípios, das categorias, das necessidades supostas; consiste em olhar para as últimas coisas, para os
frutos, consequências e fatos. (Dewey. O desenvolvimento do pragmatismo americano).
O aspecto mais premente da nova teoria era o reconhecimento de uma conexão indissolúvel entre cognição
racional e propósito racional (...) Peirce desenvolveu a teoria de que ‘o propósito racional de uma palavra
ou de outra expressão repousa exclusivamente em relações concebíveis com a conduta de vida. (Dewey. O
desenvolvimento do pragmatismo americano).
As concepções de razão têm somente um interesse secundário em comparação com a realidade dos fatos,
dado que devem ser confrontadas com observações concretas. (Dewey. O desenvolvimento do pragmatismo
americano).

Neopragmatismo
Ao lado de Peirce e James, Dewey compõe o chamado “pragmatismo clássico” – o pragmatismo em seu
esboço original, elaborado no período da ascensão norte-americana ainda no século XIX. As elaborações
desses pensadores seriam retomadas no século XX pelo chamado neopragmatismo, corrente que tem na obra
de Richard Rorty sua versão mais completa e elaborada.
Rorty: espécie de “pragmatismo pós-moderno”.
A filosofia empregará bem melhor seus parcos tempo e recursos se deixar de se preocupar com a questão da
verdade (que “jamais” saberemos como definir) para cuidar da questão da liberdade (que sabemos bem o que
é quando a perdemos).
Ciência e filosofia devem estar voltadas para a “vida” e para a solução de problemas concretos, e não para a
busca da “verdade” vista como representação de uma suposta “essência” da natureza, que “não existe”.
Nessa perspectiva, a linguagem e o conhecimento representam mais instrumentos para fazer frente aos
desafios do mundo do que propriamente representações da natureza intrínseca desse mesmo mundo.
Rorty questiona se haveria sentido em ficarmos procurando supostas “verdades” entendidas no sentido
platônico e iluminista, como uma espécie de “essência” da realidade. Poderíamos realmente – pergunta Rorty
– afirmar que a busca de uma verdade transcendente é algo mais relevante que nossos objetivos mundanos?
O objetivo do debate filosófico deve ser encontrado na “conversação” e na solução criativa de novos
problemas, não na busca da “verdade”. Aqui o pragmatismo revela com toda clareza o relativismo que dele
exala. A filosofia deixa de ser ciência para se transformar em literatura.
Se vivemos em um mundo cuja tecitura é feita de palavras e elementos acidentais, há portanto um elemento
contingencial irrecusável na ciência e na filosofia que anula as pretensões de universalidade de qualquer
paradigma.

Críticas ao pragmatismo
São principalmente duas: ao utilitarismo pragmático; ao relativismo pragmático.
Para muitos autores, o impulso ao utilitarismo e ao relativismo são facilitados por um simples “truque”
ideológico do pensamento pragmático: a confusão deliberada entre verdade e interesse.
 Críticas ao utilitarismo:
Para muitos intelectuais, o pragmatismo teria subordinado de modo muito estreito o pensamento à ação
prática, reduzindo o Homem a um conjunto de impulsos instintivos e desvalorizando o papel da razão.
Jürgen Habermas: pragmatismo erra ao não fazer as devidas distinções entre “justificação” e “verdade”. Para
Habermas, ainda haveria espaço para o trabalho de inquirição sobre as condições de possibilidade da
verdade.
Antônio Gramsci: apesar de não negar sua simpatia pelo materialismo subjacente à visão pragmática,
Gramsci é crítico ferrenho do pragmatismo. Para ele, o problema do materialismo pragmático é que ele
encontra-se muito marcado pelo “imediatismo”. De modo jocoso afirma:
Enquanto Hegel pode ser considerado como o precursor teórico das revoluções liberais do séc. XIX, os
pragmatistas, no máximo, têm ajudado a criar o movimento do Rotary Club ou a justificar todos os
movimentos conservadores e reativos. (Gramsci apud Semeraro. Filosofia da práxis e (neo) pragmatismo).
Escola de Frankfurt: criticou a concepção de uma “razão instrumental”. A visão dos frankfurtianos
abominava não apenas a instrumentalização da razão e da técnica, mas, para além disso, a da própria
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existência humana. Esse processo, na visão dos frankfurtianos (que têm hoje em Habermas seu mais
importante herdeiro), tomou conta da cultura e da ciência com a expansão do positivismo de Comte. Na
prática, isso se deu a partir da ação de uma elite política, comercial, industrial e financeira que passou a
organizar as relações sociais com base em uma visão instrumentalista da razão, da ciência, da técnica e do
próprio ser humano, visão esta que, como forma de se justificar, organizou-se como filosofia – tendo no
centro desse esforço a produção acadêmica dos EUA e, em especial, da Universidade de Harvard (histórico
centro formador de quadros do Partido Democrata).
Réplica de Dewey:
“Usualmente se diz que o pragmatismo faz da ação a finalidade da vida. Também se diz que o pragmatismo
subordina o pensamento e a atividade racional a fins de interesse e ganho particulares. É verdade que a
teoria (...) implica essencialmente em certa relação com a ação, com a conduta humana. Mas o papel da
ação é aquele de um intermediário. Para estar apto a atribuir significado aos conceitos deve-se poder
aplicá-los à existência. Ora, é por meio da ação que essa aplicação se torna possível. E a modificação da
existência que resulta dessa aplicação constitui o verdadeiro significado dos conceitos. O pragmatismo está,
por conseguinte, muito distante daquela glorificação da ação pela ação, que é considerada como a
característica peculiar da vida americana.” (Dewey. O desenvolvimento do pragmatismo americano).
 Críticas ao relativismo
Temos no pensamento pragmático uma filosofia relativista, que abre mão, na prática, de refletir sobre a
noção de verdade, impossibilitando com isso um pensamento realmente crítico.
Rorty: com o rompimento das visões “metafísicas” de “busca da verdade” restaria-nos a tarefa de nos
“recriarmos” pela linguagem, aprendendo a nos “reinventar” e nos “redescrever” constantemente por meio
da busca de novos “vocabulários”.
Giovanni Semeraro: Ao afastar seus olhos das contradições sociopolítico-econômicas existentes no mundo, o
neopragmatismo de Rorty quer nos fazer crer que hoje não há mais problemas filosóficos ‘fundamentais’ a
serem resolvidos e que a filosofia não passa de uma ‘crítica literária’, de uma ‘prática discursiva’ entre
outras (...) A filosofia deve abandonar sua pretensão de elaborar visões globais de mundo, de fundamentar o
conhecimento e de dar sustentação a práticas éticas e políticas, para transformar-se em uma espécie de
narrativa, sem nenhuma tentativa de chegar a uma teoria abrangente ou a um projeto de sociedade. Pois,
agora, trata-se não de elaborar conceitos, mas de transitar entre vocabulários; não de construir uma
epistemologia, mas de dedicar-se aos jogos de linguagem; não de argumentar, mas de justificar para
‘audiências’; não de auscultar a realidade, mas de ‘conversar’ sobre ela. (Filosofia da Práxis e
(neo)pragmatismo).
Jürgen Habermas: ao adotar um relativismo que abandona a convicção nas possibilidades emancipatórias da
razão humana, o pragmatismo acaba por provocar o relaxamento da atitude de reflexão e o rebaixamento do
sentido crítico.

Pragmatismo e Materialismo Histórico


Dado que no pragmatismo, como no pensamento de Marx e Engels, o conhecimento funde-se à ação no
conceito de práxis, muitos poderiam perguntar: não se trata de um pensamento próximo sob muitos aspectos
das crenças do materialismo histórico?
A resposta é: sim e não. Há de fato inúmeras semelhanças entre pragmatismo e marxismo, para além do fato
de se tratarem de filosofias materialistas: ambas realçam os nexos filosofia-política-moral e filosofia-senso
comum; ambas propugnam o fim da filosofia entendida no sentido tradicional (metafísico, essencialista,
inatista e transcendentalista); ambas se opõem ao racionalismo e ao idealismo, ao mesmo tempo em que
advogam a superação dos dualismos que separam a matéria do espírito, o corpo da mente, o pensamento do
Ser; ambas menosprezam abstrações escolásticas e problematizações parcas de sentido prático; ambas
enfatizam ações, práticas concretas e experimentações.
Já Gramsci afirmava que a filosofia, separada da política e da história, torna-se metafísica; daí porque “a
filosofia deve tornar-se política para ser verdadeira”. No mesmo sentido, quando o marxismo fala de “fim da
filosofia” o que está reivindicando é a ligação do pensamento abstrato com a realidade concreta e histórica.
Uma lição que o pragmatismo parece ter compreendido.
Há, contudo, diferenças profundas – não só de cunho gnoseológico, mas também ideológico – entre o
conceito marxista de “práxis” e o conceito instrumental e imediatista de ação dos pragmáticos. Enquanto o
marxismo não abre mão da noção de verdade e tende a sublinhar a objetividade dos processos sociais, o
pragmatismo flexibiliza noção de verdade chegando a, no caso de neopragmáticos como Rorty, defender a

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hipótese da construção discursiva do mundo. Nessa visão, o mundo real depende de nosso discurso sobre ele
e se modifica segundo nossos interesses, também passíveis de transformação.
O caso do pragmatismo atesta que nem toda filosofia voltada para a práxis está ilesa de idealismo. Uma visão
de mundo voltada à ação prática também pode degenerar em metafísica.
A filosofia pragmática nunca fez questão de esconder seu forte pendor materialista, que neste caso existe
para justificar concepções de força vinculadas às necessidades expansionistas do povo e do Estado norte-
americano. Mas esse materialismo é pobre e metafísico.
Trata-se de um empirismo extremo, uma variedade vulgar de materialismo, associada ao individualismo
metodológico e profundamente impregnada de metafísica. Como todo materialismo metafísico, vê no
pensamento algo capaz de modificar os fatos e eventos futuros, fazendo-os mais razoáveis e mais adequados
às metas dos indivíduos.

FENOMENOLOGIA E NEOPOSITIVISMO
Milton Barbosa7
FENOMENOLOGIA

Contexto Histórico:
Crise geral do sistema capitalista iniciada com o advento do imperialismo:
Crise econômica e social;
Crise da filosofia e da ciência:
Período de grandes dúvidas a respeito da natureza da realidade e das possibilidades do conhecimento.
Empirismo – O conhecimento deriva da experiência (sensorial), isto é, dos efeitos dos objetos sobre os
órgãos dos sentidos – sensações, imagens. O pensamento não tem contato direto com o mundo, ele é o
resultado de algum tipo de associação das sensações ou imagens. Consequentemente, o conhecimento sobre
o mundo é sempre incerto e duvidoso – Ceticismo
Racionalismo – O conhecimento resulta do uso correto da razão, ou seja, da capacidade inata do sujeito
desenvolver um modo de pensar que neutralize as influencias negativas das sensações e dos sentimentos. O
modo (método) de pensar mais adequado é o reducionismo e o tipo de pensamento mais avançado é o
matemático. Consequentemente, o conhecimento sobre o mundo pode ser certo e preciso – Positivismo.
Kant – A essência do Ser é incognoscível. Pelo uso combinado da razão e da experiência (prática e
sensorial) é possível conhecer o fenômeno, a aparência do Ser.

EDMUND HUSSERL (1859-1938)


Na raiz do pensamento de Husserl encontram-se as influências de: Franz Brentano e, por seu intermédio, a
tradição grega e escolástica; Descartes, Leibniz, o empirismo inglês e o kantismo.
Husserl influenciou fortemente os filósofos Martin Heidegger, Jean-Paul-Sartre, Maurice Merleau-Ponty, e
Jacques Derrida.
Objetivo mais geral da Fenomenologia:
“O esforço filosófico de Husserl é resolver simultaneamente uma crise da filosofia, uma crise das ciências do
homem e uma crise das ciências puras, da qual ainda não saímos”. (Merleau-Ponty)
Se concentra no combate ao ceticismo.
A experiência sensorial e prática do sujeito e as propriedades dos objetos, só existem em unidade. A vida
mental do sujeito é formada por Atos (representação, julgamentos, sentimentos) que doam sentido aos
objetos. As propriedades dos objetos são o resultado desta doação de sentido. As propriedades fenomenais
(aparência) são as doações fornecidas pelas ciências particulares e dependem da razão e da experiência
sensorial-prática. Para as propriedades essenciais exige-se a suspensão de todo conhecimento prévio e de
toda experiência sensorial anterior.
Como identificar e descrever as Essências?
Redução Fenomenológica (Epoché) – colocação da realidade entre parênteses. Retirar do fenômeno o que
não é essencial.
Ultrapassar a atitude natural que pensa o sujeito como algo que está contido no mundo ou como uma coisa
entre outras coisas.

7
Psicólogo, Neurocientista. Membro do Núcleo Filosofia da Escola Nacional do PCdoB e da seção estadual da Bahia.
15
A realidade não existe em si mesma, como um ente independente dos atos de consciência. O mundo não é
uma existência, mas um simples fenômeno.
A consciência não pode alcançar a essência se não se colocar numa posição transcendental, na condição de
doadora de sentido ao mundo.
Voltar às Coisas Mesmas – voltar às coisas enquanto percebidas, antes de qualquer reflexão ou significação,
onde só resta a intuição como forma de conhecimento.
As ciências empíricas confundem a essência do Objeto com suas propriedades ou aspectos factuais. O
propósito da Fenomenologia é identificar e descrever a essência de um objeto, aquilo que caracteriza o Ser
do objeto, a sua individualidade, O LOGOS do Fenômeno.

HEIDEGGER (1889-1976)
Formação inicial em teologia católica. Trabalhou com Husserl. Contudo, Heidegger decidiu seguir um
caminho alternativo ao de Husserl. A forma como a a experiência vivida é realizada nas coisas diferencia o
trabalho de Husserl e Heidegger.
Ênfase na Ontologia – O SER NO MUNDO
Heidegger rejeitava a ideia de que nós somos seres observadores separados do mundo dos objetos que
queremos conhecer.
Por isso, as pressuposições não podem ser suspensas, pois, sendo existência, elas possibilitam a construção
do significado das experiências, a doação de sentido.
A existência doa significado para a essência das coisas.
A filosofia deve desvendar a existência, determinar a essência do “estar-no-mundo”.
A mente (consciência) é um existente no mundo, está encarnada, corporificada no mundo.
Linguagem e compreensão são aspectos estruturais inseparáveis do humano “sendo-no-mundo”.
As experiências humanas só podem ser entendidas em termos do seu background e do seu contexto social,
ou seja, do seu estar-no-mundo.

Contribuições da Fenomenologia para a Ciência Contemporânea


Psiquiatria – para diferenciar normal e patológico ATRAVES DOS SINTOMAS.
Antropologia e Sociologia – A cultura é uma essência, algo que está ai no mundo, e determina quem
somos e aquilo que fazemos ou somos capazes de fazer.
Técnicas de Pesquisa Qualitativa – História de Vida, História Oral, Narrativas Autobiográficas, etc.
A noção de mente corporificada inspirada na fenomenologia do Ser-no-Mundo influencia o campo
tecnológico da produção de inteligência artificial em robôs.
http://www.ai.mit.edu/projects/humanoid-robotics-group/cog/

NEOPOSITIVISMO
(Ou Empirismo Lógico)

O empirismo lógico representa uma escola filosófica, formada em torno do Círculo de Viena, que aglutina
as tradições do empirismo e da análise lógica da linguagem.
Em essência, simboliza uma crítica à maioria das teses filosóficas tradicionais, e de manera especial as
proposições de carácter metafísico ou ontológico.
Principais representantes: Moritz Schlick, Rudolf Carnap, Otto Neurath, Herbert Feigl, Philipp Frank,
Friedrich Waissman, Hans Hahn.
 São proposições de caráter ontológico – aquelas que procuram definir um objeto pela sua essência
(matéria, vida, pensamento, sociedade, massa de um corpo). A ciência, ao contrário, define os
objetos do mundo ao esclarecer com precisão as relações que existem entre eles.
As Definições são funcionais (f de A):
I - O objeto An é uma relação empiricamente observada entre os objetos Bn, Cn ....
II - O objeto An é uma relação logicamente demonstrada entre os objetos Bn, Cn ....
Todas as Leis da Física satisfazem I e II (descrevem, explicam, preveem e prescrevem).
Entretanto, a Lei da Seleção Natural satisfaz apenas II (descreve e explica o passado)

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 São proposições de caráter metafísico – aquelas cujos termos não podem ser verificados ou sua
verdade decidida pela experiência\sensação ou pela lógica\matemática. Os problemas metafísicos
são pseudoproblemas:
O problema da realidade ou idealidade do mundo exterior.
O problema do conhecimento da essência do Mundo
Relação espaço-temporal infinita
Mach e Einstein. Ambos fizeram afirmações empiricamente verificáveis e matematicamente demonstráveis
sobre a relação entre espaço e tempo cosmológico.
O primeiro considerava que todo o conhecimento consiste de sensações. O segundo que as leis da física
representam uma realidade objetiva.
As teses filosóficas do materialismo e do idealismo não possuem significado racional.
Existem enunciados que não são metafísicos ou ontológicos, mas não são científicos, porque seus termos não
são verificáveis. Ex:
Fulano tem pavor de baratas
A autoestima é fundamental no combate à depressão
A exploração do trabalho é uma injustiça
Estes enunciados podem se tornar científicos desde que sejam formulados de forma operacional, isto é,
especificando propriedades verificáveis. Ex:
Fulano foge quando uma barata se aproxima.
A manutenção da saúde corporal e da aprendizagem constante podem aumentar a
produtividade no trabalho.
O salário mínimo atual não permite que o trabalhador compre para si e sua família os alimentos
considerados imprescindíveis pela OMS para obter-se uma nutrição adequada.
Crença exagerada no indutivismo e subestimação do papel da Teoria na produção do conhecimento em geral
e da ciência em particular

CRÍTICA À FENOMENOLOGIA E AO EMPIRISMO LÓGICO


Os fundamentos do conhecimento humano não são apenas os sentidos-experiência e a razão.
A atividade social de transformação do Mundo: o Trabalho \ o Fazer \ a Ação.
A atividade social de representação do mundo e da interação com ele: O SIGNO - A LINGUAGEM
SIMBÓLICA.
As ideias não são formadas por uma associação de sensações e imagens e sim pela atividade de abstração
que o signo permite ao substituir as coisas por uma representação, um reflexo psíquico.

 Consciência e Experiência
De acordo com os empiriocriticistas a consciência e a experiência psíquica direta são conceitos idênticos. A
experiência é o fundamento da existência do EU, do Sujeito. “... o homem não tem nada fora da
experiência” ... (Lênin, Materialismo e Empiriocriticismo)
Um segundo sentido de experiência que o empirismo admite é o de experimento como técnica para produzir
uma asserção útil. Mas, ainda assim, a experiência não fundamenta a existência objetiva do mundo e sim os
estados e os conteúdos da consciência. (Idem)
A consciência representa uma forma nova, mais elevada do reflexo psíquico da realidade. Ela é uma
representação, uma cópia, uma imagem particular e histórica da realidade, e, como qualquer outro fenômeno
psíquico, ela possui uma natureza ideal. (Idem).
A Idealidade da consciência exprime-se no fato de que suas imagens constitutivas não possuem nem as
propriedades dos objetos da realidade refletidos nela, nem as propriedades dos processos nervosos a partir
dos quais essas imagens nasceram. Elas não encerram nem um grão de substância (...) ela é um produto da
interação do homem com a realidade ambiente, por um lado, e dos homens com os outros homens por outro.
” (Cheptulin, 93-94).
A Filosofia pode ser também uma forma segura de conhecimento.

 Proposições inferidas de generalizações empíricas:


O Movimento é inerente a todas as coisas – não existe ausência de movimento
O tempo é infinito.
17
 Proposições logicamente necessárias coerentes com as leis cientificas.
A vida é continuidade e ruptura com a matéria não-viva
As leis biológicas são coerentes com as leis físicas mas pertencem um outro nível de existência da matéria
Os fenômenos biológicos são irredutíveis aos fenômenos físicos.

Bibliografia:
ABAGANANO N. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes, 2000
ARAUJO, I. Introdução à Filosofia da Ciência. Editora UFPR, 2003.
BRANQUINHO, J., MURCHO, D., GOMES, N. Enciclopédia de termos lógico-filosóficos. Martins Fontes,
2006.
CHEPTULIN, A. A Dialética Materialista. Editora Alfa Omega, 1982.
CARRILHO, M. Epistemologia: Posições e Críticas. Fundação Gulbenkian, 1991.
HEIDEGGER, M. O Ser e o Tempo. Os Pensadores. Abril Cultural.
HUSSERL, E. Investigações Filosóficas. Os Pensadores. Abril Cultural.
HUISMAN, D. Dicionário dos Filósofos. Martins Fontes, 2001
LENIN, W. I. Materialismo e Empiriocriticismo. Editora Progresso.
MOREIRA, D. O Método Fenomenológico na Pesquisa. Ed. Thomson, 2002.
NEURATH, O. CARNAP, R. Manifesto: A Concepção Científica do Mundo. http\www.marxist.org
PASQUINELLI, A. Carnap e o Positivismo Lógico. Edições 70, 1983.

ESTRUTURALISMO E PÓS-ESTRUTURALISMO

Ilka Bichara8

Origem
O termo estruturalismo tem origem no Cours de linguistique générale de Ferdinand de Saussure (1916), que
se propunha a abordar qualquer língua como um sistema no qual cada um dos elementos só pode ser definido
pelas relações de equivalência ou de oposição que mantém com os demais elementos. Esse conjunto de
relações forma a estrutura.
Uma das suas primeiras fontes foi a escola psicológica inaugurada por Wilhelm Wund (1832-1920) que
procurou determinar a estrutura da mente na tentativa de compreender os fenômenos mentais pela
decomposição dos estados de consciência produzidos pelos estímulos ambientais.

Contexto de surgimento
Nas origens da matriz estruturalista encontramos movimentos intelectuais, que no final do sec. XIX e início
do sec. XX, transformaram a psicologia (Titchener, 1867–1927) , teoria da literatura e linguística.
Saussure estava interessado na infraestrutura da língua, aquilo que é comum a todos os falantes e que
funciona em um nível inconsciente. Seu inquérito concentrou-se nas estruturas mais profundas da língua,
mais que nos fenômenos de superfície, não fazendo nenhuma referência à evolução histórica dos idiomas.
Esta atitude cientifica, a de analisar o objeto do estudo em si, relacionado apenas com o que era-lhe
pertinente, quase que imóvel no tempo, ele chamou de sincrônico, contrapondo-o ao estudo histórico do
mesmo, ao que ele chamou de diacrônico, onde a mudança está sempre presente.
Fiel ao ideário positivista, ele opôs-se ao evolucionismo, ao hegelianismo e ao marxismo que entendiam
qualquer objeto ou fenômeno como resultante da história. Para ele o que interessava era quais eram os
resultados extraídos da observação direta e o que podia apreender-se delas.
Essa ideia se espalha, fazendo surgir:
 gestalt (psicologia) – na Alemanha;
 teoria formalista da literatura – na Rússia;

8
Doutora em Psicologia. Professora da UFBA (Universidade Federal da Bahia). Membro do Núcleo Filosofia da Escola
Nacional João Amazonas – PCdoB e da seção estadual/BA.
18
 linguística estrutural de Saussure – na França.
E toma outros rumos:
 Jakobson (linguística);
 Roland Barthes (semiologia);
 Lévi-Strauss (antropologia);
 Althusser, Foucault e Deleuze (filosofia);
 Piaget (psicologia);
 Lacan (psicanálise);
 Chomsky (linguística).
Características
O solo comum é a linguística
Só há estrutura na medida em que há linguagem, oposição, símbolo, diferenciação, capacidade de topolizar9.
Existem visões diferentes do que seja estrutura e da relação entre estrutura e realidade:
 Estrutura de modelo (Lévi-Strauss, Lacan, Barthes, Althusser, Foucault (obras iniciais));
 Estruturalismo genético de Piaget.

O estruturalismo virou "moda" intelectual nos anos 60 e 70


Principalmente através dos trabalhos de Lévi-Strauss
O estruturalismo rejeitava a noção existencialista de liberdade humana radical. Travou intensa oposição ao
existencialismo de Sartre.
O comportamento humano é determinado por estruturas culturais, sociais e psicológicas. O mais importante
trabalho nesse sentido foi o volume de 1949 de 'As Estruturas Elementares do Parentesco' de Claude Lévi-
Strauss.

Hoje tem sido substituído por abordagens (como o pós-estruturalismo)


Criticado por ser não histórico e por favorecer forças estruturais determinísticas em detrimento à habilidade
de pessoas individuais de atuar.
Ainda resiste em Lacan, Piagetianos, Chomsky, entre outros.

PÓS-ESTRUTURALISMO

Refere-se a uma tendência à radicalização e à superação da perspectiva estruturalista, observada entre os


intelectuais franceses, tanto no campo propriamente filosófico (J. Derrida, G. Deleuze, J. Lyotard), como
psicanalítico (Lacan), político e sociológico (M. Foucault) e na análise literária (R. Barthes e M. Blanchot).
O prefixo pós não é, todavia, interpretado como sinal de contraposição ao estruturalismo. De fato, esses
pensadores levaram às últimas consequências os conceitos e desenvolvimentos do estruturalismo, até
dissolvê-los no desconstrutivismo, no construtivismo ou no relativismo e no pós-modernismo.
O movimento pós-estruturalista está intimamente ligado ao pós-modernismo - embora os dois conceitos não
sejam sinônimos.
O pós-estruturalismo instaura uma teoria da desconstrução na análise literária, liberando o texto para uma
pluralidade de sentidos. A realidade é considerada como uma construção social e subjetiva. A abordagem é
mais aberta no que diz respeito à diversidade de métodos.
Em contraste com o estruturalismo, que afirma a independência e superioridade do significante em relação
ao significado, os pós-estruturalistas vêem o significante e o significado como inseparáveis.
São típicas da abordagem pós-estruturalista a retomada dos temas nietzscheanos, como a crítica da
consciência e do negativo (por Deleuze) ou o projeto genealógico (por Foucault), a radicalização e a
superação da valorização ontológica da linguagem heideggeriana e uma perspectiva anti-dogmática e anti-
positivista.

9
Topologia: colocação ou disposição de certas espécies de palavras (Dicionário Aurélio). Por extensão, topolizar
significaria dispor, classificar... Nota de Nereide Saviani – 2018.
19
Radicalmente anti-marxistas.
De modo geral, os pós-estruturalistas rejeitam definições que encerrem verdades absolutas sobre o mundo,
pois a verdade dependeria do contexto histórico de cada indivíduo.
Assim, o pós-estruturalismo estaria vinculado, de uma parte aos sofistas gregos, e de outro à Mecânica
Quântica.

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Nota de Nereide Saviani, janeiro de 2018:


Sobre os conceitos de estrutura e estruturalismo, ver: SAVIANI, Dermeval. Estruturalismo e Educação
Brasileira. In: Educação – do senso comum à consciência filosófica. Campinas: Autores Associados – p.
143-156. A seguir, são transcritos alguns trechos.

“{...}
A multiplicidade de significados atribuídos ao termo “estrutura” pode, em última instância, ser reduzida
a dois sentidos básicos. Como assinala Bastide (1971, p.8): “podemos distinguir, grosso modo, dois sentidos
gerais [...] são eles: 1) o que faz da estrutura uma definição do objeto; 2) o que faz dela uma construção
conformadora do objeto”. Trata-se da oposição entre estrutura como modelo e estrutura como realidade
objetiva. Para elucidar as duas noções, Bastide (idem, p. 11) confronta, de um lado, Lévi-Strauss e os
estruturalistas, e, de outro, Gurvitch, acrescentando que, “em muitos campos, psicologia, direito, política,
economia política, as estruturas são consideradas de modo concreto”. E conclui: “Sobra, contudo, uma
oposição irredutível: a de modelo e concreto, de relações latentes e relações reais, e esta oposição encontra-
se em todas as disciplinas [...]”.
Conhecidos os dois significados básicos do termo “estrutura”, é necessário esclarecer o fundamento
dessa duplicidade e verificar se é possível superá-la em direção a uma compreensão mais precisa da noção
em pauta.
{...}
O termo “estrutura” originou-se do verbo latino struere. A esse verbo é atribuído correntemente o
significado de “construir”. Esse sentido é aceito sem objeções tanto entre os leigos como nos círculos
especializados. Tal fato dispensa os estudiosos de um exame mais detido do sentido etimológico do termo.
Pode-se ilustrar o que foi dito pela seguinte frase, com a qual Bastide (idem, p. 2) introduz o exame dos
diferentes itinerários percorridos pela palavra “estrutura” no vocabulário científico: “Sabemos que a palavra
estrutura vem do latim ‘structura’, derivada do verbo ‘struere’, construir”.
Vê-se por aí que “estrutura” significaria “construção”, o que já abre margem para a duplicidade de
sentido referida no item anterior. Com efeito, “construção pode significar tanto o modo como algo é
construído (o que sugere a ideia de paradigma ou modelo) como a própria coisa construída (e a estrutura se
confunde, então, com a realidade mesma). Um exame mais detido da origem etimológica revela, contudo,
que a interpretação anterior é suscetível de certos reparos. Com eleito, além de struo encontram-se em latim
os verbos construo, destruo, instruo. Isto indica que struo é a raiz a partir da qual se podem compor outros
vocábulos de significados diferentes e até antinômicos, na medida em que se acrescenta esse ou aquele
prefixo. Indica, ainda, que “construção” deriva diretamente de construo e não de struo, o que lança dúvidas
em relação à identificação entre estrutura e construção sugerindo a ideia de que essa identificação é um tanto
apressada e superficial, hipótese que talvez permita explicar boa parte das confusões relativas ao termo em
questão. Sendo um termo raiz, struo (assim como structura) não possui um sentido preciso e suscetível de
ser caracterizado de imediato e a priori. Seu uso na língua latina, como se pode inferir do manuseio de
dicionários e enciclopédias, sugere um significado cuja precisão se instaura em função dos contextos em que
é utilizado. Variando os conceitos, variará, consequentemente, o sentido do termo. Com efeito, se é possível
dizer de imediato e a priori que construo se opõe a destruo, o mesmo não ocorre com struo (...); este não se
opõe nem se identifica aos termos anteriores a não ser quando considerado em função de determinado
contexto. Isso permite compreender a polissemia e a respectiva difusão do termo “estrutura” bem como suas
imprecisões e confusões.
Entretanto, se a compreensão das imprecisões e confusões é suficiente em termos de vocabulário
comum, o mesmo não ocorre em relação ao vocabulário técnico, ou seja, no que diz respeito ao uso científico
da palavra. Aqui, é preciso não apenas compreender, mas também superar as referidas confusões e
imprecisões.
{...}
20
As distinções anteriores permitem concluir que “estrutura” é a matriz fundamental a partir da qual ou
em função da qual são construídos os modelos. Em outros termos: é possível construir modelos cuja função é
permitir conhecer da maneira mais precisa possível as estruturas, pondo em evidência os respectivos
elementos e o modo como estes se relacionam entre si; e é possível, também, a partir do conhecimento das
estruturas, construir modelos que permitam tanto a modificação das estruturas existentes como a formação de
novas estruturas. A noção de estrutura não coincide, pois, com a de modelo (não importando, no caso, se se
trata de modelos de conhecimento ou modelos de ação).
{...}
A distinção entre constructo ou modelo e “estrutura” confere a esta uma concretude que
normalmente não lhe é reconhecida pelos representantes da corrente denominada “estruturalismo”. Tais
pensadores assumem uma postura teórica que tende a identificar estrutura com modelo; na atividade prática
de pesquisadores, porém, eles acabam por evidenciar o caráter irredutivelmente concreto das estruturas. Com
efeito, Lévi-Strauss, ao estudar os elementos básicos do parentesco, pretende revelar relações concretas;
Foucault, ao fazer a “arqueologia das ciências humanas”, acredita estar pondo a nu a situação concreta da
cultura ocidental nos últimos cinco séculos (tanto assim é que pretende desfazer ilusões). Outros exemplos
poderiam ser mencionados, passando por Lacan, Saussure e outros. Por que esta confusão? Ao que parece, os
estruturalistas não se aperceberam, ou melhor, não se preocuparam em caracterizar a “análise estrutural”
como uma atitude que utiliza constructos com a finalidade de explicitar as estruturas (entenda-se concretas).
{...}
De acordo com o que foi dito anteriormente, pode se distinguir na estrutura dois níveis: de um lado,
o que se poderia chamar de “infra-estrutura”; de outro lado, a “supra-estrutura” (conforme Marx). A “infra-
estrutura” traduz a realidade concretano seu sentido mais próprio e imediato; a “supra-estrutura” refere-se
aos esquemas construídos pelos homens por exigência do processo de produção de sua existência.. É preciso
frisar, contudo, que tais esquemas são produtos objetivos, caracterizando-se como componentes da cultura.
{...}
Não há como negar o mérito científico do estruturalismo pelos admiráveis cortes sincrônicos que a
análise estrutural permite. Isso foi posto em evidência pelos diversos pesquisadores, desde a linguística aos
mais variados domínios da antropologia.
{...}
Quando, porém, o estruturalismo se erige em concepção filosófica, então exige maiores reparos, uma
vez que acaba por amortecer o ímpeto do movimento filosófico. A criação ou elaboração de ideias, assim
como a reflexão sobre problemas concretos são substituídas pela exegese de textos. A partir da definição da
filosofia como discurso, aplica-se a análise estrutural ao exame de obras dos filósofos, deixando-se à margem
ou colocando-se em segundo plano a dimensão crítica e criticizadora da atividade filosófica.
{...}
Quanto ao ensino da filosofia, pode-se constatar que a influência do estruturalismo tem provocado
um duplo risco: de um lado, a redução da atividade filosófica à aplicação da análise estrutural (que por vezes
atinge níveis bastante requintados) a obras já acabadas; de outro lado, incidindo a referida análise sobre obras
de autores estrangeiros, acaba-se por desviar ainda mais a filosofia da tarefa de refletir sobre os problemas
que a realidade brasileira está colocando a cada instante.

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Nota de Nereide Saviani, janeiro de 2018: - Sobre Pós-estruturalismo

O pós-estuturalismo consiste num deslocamento das análises estruturais num sentido macro (relação
Estado Sociedade, por exemplo, relações institucionais) para análises de relações mais imediatas, individuais
ou de pequenos grupos, as microestruturas. Exemplo disso é Foucault, com a microfísica do poder. Em
educação, esse movimento se caracterizou por pesquisas que passaram a analisar a relação professor-aluno,
com o objetivo de abrir a caixa preta da escola, a sala de aula.

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