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Quem era os ratos?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 6 de dezembro de 2012

As épocas luminosas da História são aquelas em que um mesmo corpo de crenças


é compartilhado pelo povo e pelos sábios, diferindo apenas no grau de
compreensão refletida com que apreendem substancialmente as mesmas
verdades.
Nas épocas de obscuridade, ao contrário, aquilo que os estudiosos sabem se
torna dificilmente comunicável à população em geral, não por um mero
descompasso de vocabulário técnico, mas por um abismo de diferença entre duas
concepções do mundo mutuamente incompatíveis e intraduzíveis. É numa dessas
épocas que vivemos.
Um setor da experiência humana onde isso se mostra evidente são as ciências.
Enquanto nos círculos de estudiosos high brow ninguém ignora que uma ciência
cada vez menos inteligível e mais reduzida a produzir aplicações práticas em
lugar de explicações teóricas representa no fim das contas um fracasso colossal
da inteligência humana, na mídia e na educação popular essas mesmas
aplicações são festejadas como a prova final da autoridade da ciência, do seu
domínio sobre o mistério do mundo.
Os cientistas vivem num inferno de dúvidas, perplexidades e temores; e a massa,
em um paraíso de certezas inabaláveis, garantidas, segundo imagina, por esses
mesmo cientistas.
É como se no século 13 a população fiel continuasse a orar piedosamente
enquanto nos conventos e nos claustros os monges e santos se vissem
obsediados por toda sorte de dúvidas céticas e rejeições ateísticas. Isso não
aconteceu, é claro. A religião de Santo Tomás e do quase ilegível John Duns Scot
não era diferente da do camponês analfabeto, só mais elegante intelectualmente.
Mas hoje um big shot como Brian Ridley, membro da Royal Society e portador
da Medalha Paul Dirac por suas contribuições à física teórica, pode confessar que
acha a relatividade e a teoria quântica cada vez menos compreensíveis, ao passo
que a mesma confissão, publicada na mídia popular, atrairia sobre seu autor toda
sorte de invectivas e chacotas. Definitivamente, Brian Ridley e o leitor de jornais
não vivem no mesmo universo de crenças como Sto. Tomás e o camponês
medieval.
No setor da política, então, a diferença entre o mundo do connoisseur e o do
leigo ampliou-se de tal modo que os fatos se tornam tanto mais inverossíveis e
inaceitáveis para o público geral quanto mais documentados e comprovados
cientificamente.
Quando o matemático Christopher Monckton, visconde de Brenchley, calculou
que era da ordem de 1 para 75 trilhões a possibilidade de serem acidentais os
pequenos e grandes defeitos da certidão de nascimento de Barack Hussein
Obama, esse cálculo estatisticamente impecável não afetou em nada o
sentimento de verossimilhança popular, o qual, sem cálculo nenhum, continua
jurando que a possibilidade de um falsário eleger-se presidente dos Estados
Unidos ainda menor ou nula.
Foi assim que, no Brasil de 2002, o sr. Luís Inácio Lula da Silva se elegeu
presidente com a estampa de reformador democrático, legalista e paladino da
moralidade, quando doze anos de desempenho no Foro de São Paulo já o
mostravam como um leninista cínico, disposto a todas as mentiras e todas as
trapaças para manter o seu grupo no poder pelos séculos dos séculos.
Um vídeo da campanha do PT de 2002 exibe um bando de ratos roendo a
bandeira nacional, enquanto ao fundo uma voz soturna adverte: “Ou a gente
acaba com eles, ou eles acabam com o Brasil” (vejam
em http://jorgeifraim.blogspot.com.br/2012/10/video-profetico.html). O vídeo,
de autoria de Duda Mendonça, foi visto por todo mundo; as atas do Foro de São
Paulo, por meia dúzia de pesquisadores curiosos cuja palavra, àquela altura,
soava como a mais pura e doida “teoria da conspiração”. Hoje até as crianças
sabem que os ratos eram os próprios petistas, mas por que esperar uma década
para admitir o que estava provado em 2002?
O livro chinês dos Seis Estratagemas, que já citei aqui, ensina: “Todo fenômeno
é no começo um germe, depois termina por se tornar uma realidade que todo
mundo pode constatar. O sábio pensa no longo prazo. Eis por que ele presta
muita atenção aos germes. A maioria dos homens tem a visão curta. Espera que
o problema se torne evidente, para só então atacá-lo.”
O pior é que, no tempo decorrido para o problema se tornar visível na praça
pública, os meios de atacá-lo podem ter-se tornado cada vez mais escassos,
débeis ou inacessíveis. Se desafiado pelo Parlamento e pela OEA, terá ainda o
nosso STF o poder de fazer valer a condenação dos mensaleiros? Terá, a
respaldá-lo, as Forças Armadas, ou estas, temendo o rótulo de golpistas, tomarão
o partido de quem fala mais grosso?
O fato é que o germe cresceu demais, tornou-se um monstro arrogante, seguro
de si, dificilmente controlável. Isso jamais teria acontecido sem a proteção da
mídia cúmplice, que por dezesseis anos se recusou a manchar a reputação do
seus queridinhos com alguma menção aos planos criminosos do Foro de São
Paulo.
Mesmo agora, quando tremem sob a ameaça do controle estatal, jornais e canais
de TV ainda sonegam ao público o essencial da história, para não confessar sua
parcela de culpa no embelezamento publicitário dos ratos.
Os “meios de difusão” tornaram-se “meios de ocultação” numa escala tal que já
não há nenhum exagero em dizer que a mídia popular tem hoje por missão
principal ou única tornar a verdade inverossímil ou inalcançável.
Qualquer pessoa que tenha os jornais e a TV como sua fonte principal de
informações está excluída, in limine, da possibilidade de julgar razoavelmente a
veracidade e a importância relativa das notícias.
A política tornou-se um assunto esotérico, em que somente um reduzido círculo
de estudiosos pode atinar com o que está acontecendo.

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