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RECONCILIAÇÃO:

O MÉTODO DE DEUS

(Exposição sobre Efésios 2)

D. M. LLOYD-JONES

p es
PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS
C aixa Postal 1287
0 1 0 5 9 -9 7 0 - S ã o P a u lo - SP
Título original:
God's W ay of Reconciliation

Editora:
The Banner of Truth Tm st

Primeira edição em inglês:


1972 (Evangelical Press)

Copyright:
Lady E. Catherwood

Tradução do inglês:
Odayr Olivetti

Revisão:
Antonio Poccinelli

Capa:
Ailton Oliveira Lopes

Primeira edição em português:


1995

Impressão:
Im prensa da Fé
ÍNDICE
1. Introdução..............................................................................................9
2. O Homem em Pecado (vv: 1 -3 )..................................................... 22
3. O Pecado Original (vv: 1-3)............................................................ 35
4. A V ida sem Deus (vv: 1-3)............................................................. 47
5. A Ira de Deus (v: 3 ) ..........................................................................60
6. A M ensagem Cristã para o Mundo (v : 4 ) ....................................72
7. Em Cristo Jesus (vv: 4 - 7 ) ................................................................84
8. Ressuscitados com Cristo (vv: 4 - 7 ) .............................................. 97
9. Nos Lugares Celestiais (vv: 4 - 7 ) .............................................. 110
10. As Sublimes Riquezas da Sua Graça (v: 7 ) ............................. 122
11. M ediante Cristo Jesus (v: 7 ) ...................................................... 135
12. Pela Graça por meio da Fé (vv: 8 -1 0 )...................................... 147
13. Feitura de Deus (v: 10 )................................................................ 160
14. Os Judeus e os Gentios (v: 1 1 ) .................................................. 173
15. Sem Cristo (v: 1 2 ) ....................................................................... 186
16. Chegastes Perto (v: 13)............................................................... 198
17. O Sangue de Cristo (v :1 3 )..........................................................209
18. Ele é a N ossa Paz (vv: 14-16).......................................................221
19. Fazer a Paz: o M étodo de Cristo (v: 1 5 ) ....................................234
20. O Único M ediador (v: 1 6 ) ............................................................247
21. Paz com Deus (v: 1 7 ) .................................................................... 257
22. Acesso ao Pai (v: 1 8 )..................................................................... 270
23. Senhor, Ensina-nos a Orar (v: 1 8 )................................................281
24. Orando no Espírito (v: 1 9 )............................................................294
25. A Unidade Cristã (v: 1 9 ) .............................................................. 306
26. Já Não Sois Estrangeiros (v: 1 9 )..................................................319
27. Cidadania Celestial (v: 1 9 ) ...........................................................331
28. Privilégios e Responsabilidades (v :1 9 )......................................342
29. Da Fam ília de Deus (v: 1 9 ) ......................................................... 354
30. Habitação de Deus (vv: 2 0 -2 2 ).................................................. 366
31. O Único Fundamento (vv: 20-2 .................................................. 378
32. Edifício Bem Ajustado (vv: 20-22)............................................ 391
33. O Crescim ento da Igreja (vv: 2 0 -2 2 ) ......................................... 404
PREFÁCIO

Este volume consiste de sermões pregados em sucessivas manhãs


dominicais na Capela de W estminster, Londres. Noutras palavras, não
se trata de um comentário como tal, porém, como deve acontecer com
todos os sermões, é uma exegese, é uma homilética e é aplicação. Seu
objetivo não é apenas dar informação e levar ao entendimento, mas
também expor um pouco da glória e do aspecto comovente da verdade.
O título pareceu completamente inevitável. Num a época de confu­
são, tumulto, divisões e guerras violentas, e, ao m esmo tempo, de um a
indolente crença num falso e superficial idealismo que afirma que os
homens e as nações podem viver em harmonia, paz e concórdia, graças
ao apelo dirigido ao que há de melhor no homem, mais que nunca a
m ensagem deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos Efésios é
necessária.
Aqui vemos claram ente exposto e firmado o método divino de
reconcilação - o único método. O texto em apreço trata dos mais
profundos e inspiradores temas da Bíblia. M ostra-nos a desesperadora
necessidade do homem e nos desvenda a glória da graça de Deus, a
m aravilha da cruz de Cristo, a destruição dos muros divisórios e a
reconciliação de judeus e gentios, e de todos os demais que crêem no
Senhor Jesus Cristo, no reino de Deus.
Não sei de nenhum outro capítulo da Bíblia que exponha com tanta
clareza e perfeição, ao mesmo tempo, a mensagem evangelística essen­
cial para o incrédulo e a posição e os privilégios do crente.
A í está a única esperança para o indivíduo e para o mundo, e, ao
desvendar o apóstolo o plano eterno de Deus, não podemos senão
entusiasmar-nos com a gloriosa perspectiva que aguarda todos quantos
se tom aram “concidadãos dos santos, e da fam ília de Deus” .
Estes sermões foram originalmente impressos na “W estm inster
Record”, mês a mês, e agora foram adaptados para a publicação em
livro por m inha esposa. A ela, e ao Dr. Frank Crossley Morgan que tem
insistido comigo que eu faça o que venho fazendo há uns dez anos, estou
profundam ente agradecido.

janeiro de 1972 D. M. Lloyd-Jones


1
INTRODUÇÃO
“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados. ”
- Efésios 2:1

Ao começarmos a estudar o capítulo dois desta grande Epístola, há


certas coisas das quais devemos lembrar-nos, se é que havemos de
estudá-lo de m aneira inteligente e proveitosa. Surge logo, por exemplo,
a questão da relação deste capítulo com o imediatamente anterior.
Originariamente, quando esta carta foi escrita, não foi dividida em
capítulos, mas, para conveniência do povo cristão, e para habilitar-nos
a entender m elhor sua mensagem, foram adotadas e introduzidas estas
divisões em capítulos, e sem dúvida são de grande valor. Não se pode
duvidar de que aqui a divisão foi feita no ponto certo. Chegamos ao fim
de um a certa exposição no último versículo do capítulo primeiro, e aqui
o apóstolo toma um aspecto diferente da questão. Todavia, é evidente
que há um a ligação entre os dois, porque ele começa com a palavra “e”
- “E vos vivificou...” . É óbvio, pois, que o apóstolo está se referindo
a algo que ele já tinha dito, e a um assunto que ele vai continuar. Noutras
palavras, se é que devemos entender corretam ente este grande capítulo,
temos que lembrar-nos da sua localização e do seu cenário de fundo.
Estas Epístolas do No vo Testamento geralmente estão construídas
em torno de um argumento central, e, a grosso modo, a prim eira metade
de cada Epístola é dedicada a essa tese central. É possível dividir de
modo geral todas as Epístolas dessa maneira; a prim eira parte é
doutrinária, a segunda é mais prática. Na seção doutrinária há sempre um
argumento, que é desenvolvido. As vezes é um argumento que se
m antém constante. Quando vamos estudar as Escrituras, é muito im por­
tante, pois, que façamos duas coisas. Devemos captar o argumento em
geral; e, tendo feito isso, passamos às particularidades. Ambas estas
coisas são importantes, tão importantes que podem ser consideradas
como riscos que sempre confrontam todo explanador ou expositor das
Escrituras. Há aqueles que esquecem totalmente as generalidades e só
se preocupam com as particularidades, e que, portanto, tendem a perder
o caminho; e há aqueles que sim plesm ente se interessam pelo geral, e
nunca realm ente descem ao particular. Ora, as duas coisas, digo eu, são
de grande importância. Temos que ter em nossas mentes um a firme

- 9 -
compreensão do argumento geral, mas também devemos seguir o
apóstolo quando ele o desenvolve em todos os seus detalhes. Portanto,
aqui somos levados a lem brar o que ele nos estivera ensinando no
capítulo primeiro. Não temos a m ínim a possibilidade de entender o
argumento deste capítulo dois, se não tivermos claro entendimento do
primeiro.
Permitam-me recordá-lo brevemente para vocês. O ponto im por­
tante que o apóstolo expõe nesta Epístola, o seu tema central em certo
sentido, é o tem a que ele anuncia no versículo dez do capítulo primeiro:
“De tom ar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da
plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na
terra” . Bem, está fora de questão que este é o tema da Epístola. Essa é
a questão principal que o apóstolo estava desejoso de tornar clara para
estes efésios e para outros. No entanto, naturalmente, ele não se detém
nesta declaração isolada. Ele prossegue, para mostrar-nos como Deus o
está fazendo.
A prim eira coi sa que ele nos vai recordando é que é plano de Deus
e que é atividade de Deus. Ele começa dizendo: “Bendito o Deus e Pai
de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou...” .Esse é o ponto
de partida. Estamos interessados em algo que Deus fez. Aqui não
estamos interessados na atividade humana, estamos olhando para algo
que o Senhor Deus todo-poderoso fez acontecer. Este é Seu plano, trazer
e reunir, pôr novamente sob a liderança em Cristo todas as coisas. Isso
logo nos lança de volta à doutrina da Queda - onde a divisão se
introduziu, onde as coisas se desencaminharam. O plano e propósito de
Deus é tornar a reunir em Cristo todas as coisas. É Seu plano, e é Deus
que opera ativamente nele. E algo que Deus está fazendo acontecer. Não
faço pausa em cada ponto para acentuar a extrema relevância disso tudo
para a nossa situação presente, não somente como cristãos, mas também
como cidadãos deste mundo. O que está sendo esquecido por um a
imensa maioria é que o fato realmente importante no mundo atual é a
atividade de Deus - o que Deus está fazendo, não o que os homens estão
fazendo. Naturalmente, os homens estão fazendo coisas, e está bem que
as façam. Não estou tentando diminuir a importância do trabalho dos
estadistas e de todas essas coisas; entretanto, de acordo com o apóstolo,
o que se deve entender acima de tudo mais é o que Deus está fazendo.
Há esta história invisível por trás da história visível, e a invisível é muito
mais importante. Há esta história espiritual que, por assim dizer, está
subjacente a toda história secular, e à luz da qual a história secular se
torna relativamente sem importância.

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Pois bem, tudo isso faz parte do plano de Deus e é resultado da Sua
atividade. O apóstolo nos faz lembrar que isso é algo que Deus planejou
“antes da fundação do m undo”. Temos aqui o alicerce mesmo da nossa
fé. N ada é contingente quanto ao plano de Deus. O que Deus está
fazendo não depende do homem, nem mesmo da resposta do homem
depende; em últim a instância, é tudo de Deus. Se o plano de Deus
dependesse da nossa resposta, então eu estaria sem nenhuma esperança.
Basta que vocês leiam a história da Igreja para verem que, provavel­
mente, a Igreja Cristã não teria durado mais que um século, se depen­
desse do homem. Mas estas coisas não dependem do homem; dependem
de Deus. Ele planejou tudo antes da fundação do mundo, e, portanto, é
absolutamente seguro e certo.
O que Paulo nos lembra a seguir é que se deve tudo inteiramente
à graça, ao amor, à misericórdia e à compaixão de D eus: inteira­
mente pela graça. Lembro-lhes estas coisas porque, quando passarmos
aexam inar este capítulo dois, veremos que o apóstolo continua a repetir-
-se. Tudo é “para o louvor da glória da sua graça”(VA). Ele o dissera
no capítulo primeiro, versículo 6, e de novo no versículo 12 - “com o
fim de sermos para louvor da sua glória, nós os que prim eiro esperamos
em Cristo”, e mais um a vez, no versículo 14 - “o qual é o penhor da
nossa herança, para a redenção da possessão adquirida, para louvor da
sua glória” . É tudo resultado da graça de Deus - o próprio fato de que
nos sentamos juntos numa igreja cristã, que comemoramos a morte de
Cristo, que nos pomos a considerar esta grande salvação. E tudo
resultado da graça sublime e abundante, das riquezas da Sua graça.
Devemos apegar-nos a estes temas e mantê-los em nossas mentes.
Isso nos leva ao ponto subseqüente, que apenas mencionei: que é
tudo no Senhor Jesus Cristo e por meio dEle. Isso de salvação sem
Cristo no centro não existe. Não devemos dar ouvidos aos que dizem
como Deus os abençoa, se Cristo não estiver no ponto central. Eles
podem pensar que as suas orações estão sendo respondidas, que eles
estão sendo guiados em muitas outras coisas semelhantes; mas, de
acordo com este argumento apostólico, Deus não trata conosco, exceto
em Jesus Cristo. Todas as bênçãos vêm nEle, por meio dEle e por Ele.
Gostaria de lembrá-los de que, nos catorze primeiros versículos do
capítulo primeiro, o apóstolo se refere ao Senhor Jesus Cristo quinze
vezes. Ele sabe como estamos prontos a esquecê-10, e como estamos
prontos a pensar que podemos resolver algumas coisas diretamente com
Deus. Nada é tão trágico na história da humanidade como o fato de que,
apesar de Deus haver exposto mais que claramente a cruz diante de nós,

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damos-lhe as costas e parece que pensamos que Deus pode abençoar-
-nos sem ela. M as não nos abençoa. “Em quem temos a redenção pelo
seu sangue, a rem issão das ofensas.” O Seu propósito é “tornar a
congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos
tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra” . Tudo
deve centralizar-se em Cristo; e se Ele não é absolutamente central para
nós, não temos nenhum direito ao nome cristão. Como é vital que
tenhamos clara compreensão destas coisas!
E então, num a frase memorável, o apóstolo nos dissera o que Deus
fe z p o r nós e nos oferece em nosso Senhor e Salvador e por meio dEle.
Eis o que ele diz: “O qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais
nos lugares celestiais em Cristo”, Lembremo-nos destas coisas. Obti­
vemos perdão - “o perdão dos pecados”(l:7 , VA). Essa é a prim eira
coisa que todos nós necessitamos. Sem ela, todos estaríamos desam pa­
rados, porém a recebemos - a remissão dos pecados e o perdão. Não
somente isso - a adoção, a filiação, a condição de herdeiros, um a herança
m aravilhosa, “co-herdeiros com Cristo” ; sim, e Deus selou tudo isso
para nós pelo Espírito Santo. Ele quer que estejamos certos e seguros
disso tudo, e quer que saibamos que estamos em união com Cristo - que
estamos “em Cristo” . São essas as bênçãos. “O qual nos abençoou com
todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo.” Aqui
estamos, nesta terra, mas estamos também nos lugares celestiais -
verdade que veremos o apóstolo desenvolver neste capítulo dois. Ora,
todas as bênçãos que estamos gozando são espirituais. Por vezes, a
porção do cristão neste mundo é difícil; ele está cercado de problemas,
provações e tribulações; contudo, é abençoado “com todas as bênçãos
espirituais nos lugares celestiais” . E se ele se der conta disso e
perm anecer ali, e puser os seus afetos nas coisas de cima, não nas da terra,
irá regozijar-se com alegria indescritível e cheia de glória.

A í está um sumário da grande declaração do apóstolo nos dez


prim eiros versículos daquele capítulo primeiro. M as depois, mais para
o fim do capítulo, ele muda para outra coisa. Ele salienta a importância
de entendermos estas coisas, e de sermos claros a respeito delas. Diz
ele a estes efésios: “Pelo que, ouvindo eu também a fé que entre vós há
no Senhor Jesus, e o vosso amor para com todos os santos” - ele ouvira
acerca deles, e se regozija nisso - “não cesso de dar graças a Deus por
vós” . Todavia, não se detém nessa ação de graças a Deus por eles; faz
menção deles em suas orações, e eis aquilo pelo que ele pede em oração
para eles: que recebam “em seu conhecimento o espírito de sabedoria

- 12 -
e revelação” . Ele ora para que os olhos de seu entendimento sejam
iluminados, para que venham a saber certas coisas. Eles tinham sido
introduzidos nesta esfera, ele lhes diz, porém, se realmente hão de
usufruir a vida cristã, se hão de vivê-la plenamente, se hão de funcionar
como povo de Deus aqui na terra, precisam ter este entendimento
espiritual de certas coisas. Quais? A grandeza desta salvação, e a sua
glória: “Para que saibais qual seja a esperança da sua vocação”. M as
então ele prossegue, dizendo que deseja que saibam também da certeza
disso: “e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos” . Vocês
vêem que o apóstolo não está meramente escrevendo um tratado de
teologia. Em toda a linha, o seu objetivo é muito prático, muito pastoral.
Ele quer ajudar estas pessoas, quer que elas se regozijem em tudo isso.
M uito bem, diz ele, esta é a maneira de fazê-lo. Não comece olhando
para si mesmo, mas olhe mais longe, para estas coisas grandiosas e
gloriosas: a esperança da sua vocação; as riquezas da glória da sua
herança nos santos; e então esta outra maravilha: - “a sobreexcelente
grandeza do seu poder sobre nós, os que crem os” . Temos consciência
da debilidade, temos consciência das dificuldades, vemos a oposição
que há contra nós, o mundo organizado em pecado, a m alignidade dos
homens, o diabo, o inferno, tudo quanto está contra nós. Sei disso, diz
efetivamente Paulo; por isso, a única coisaque vocês devem saber é esta
“sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que crem os” . Se
tão-somente soubessem isso! Eles tinham que ter iluminados os olhos
do seu entendimento para fazer isso, pelo que ele ora no sentido de que
se lhes iluminem os olhos.
Ele não somente ora por eles dessa maneira, porém, de imediato
passa a dar-lhes alguma instrução a respeito. Ele lhes diz que o poder que
opera neles é o mesmo poder que ressuscitou a Cristo “dentre os
m ortos” e que O colocou à direita de Deus nos céus, “acim a de todo o
principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nom e que se
nomeia, não só neste século, mas também no vindouro” . É esse o poder
que opera em n ó s! Não seriamos crentes, não fora esse poder operando
em nós: “a sobreexcelente grandeza de seu poder sobre nós, os que
cremos, segundo a ...” . Nós cremos “segundo a” operação do Seu
grande poder, quer dizer, em virtude da, como resultado da operação do
Seu grande poder.
Depois ele desenvolve o ponto em termos da Igreja, e m ostra que
somos membros do corpo de Cristo, e que o poder da Cabeça propaga-
-se por todo o corpo. Não somos indivíduos isolados, frouxam ente
ligados a um a igreja, vagamente relacionados com Cristo. Não, nós

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somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos; trata-se
de um a unidade orgânica. Assim, o poder de Cristo está em nós;
pertencem os a Ele, estamos nEle, e Ele está em nós. o apóstolo está
desejoso de que eles saibam que nada pode frustrar o propósito de Deus,
nada pode resistir a Deus. Estas coisas são valores absolutos e certos. O
que eu e você temos que compreender é que é justam ente esse poder que
está operando em nós, e que, se afinal somos cristãos, é porque esse
poder já começou a operar em nós.

O apóstolo já lembrara a estes efésios que isso já tinha acontecido


com eles. São dois os seus temas, e agora ele os desenvolve juntos e ao
mesmo tempo: esta grande idéia ser tudo reunido em Cristo, e do poder
de Deus que o efetua. Ele fizera a m esm a coisa no capítulo primeiro,
da seguinte maneira: diz ele no versículo 11: “em quem também
obtivemos herança” (VA); depois, no versículo 13, “em quem também
crestes” - em quem vós também tendes herança. Ele já estabelecera lá
o seu tema: este grande propósito de Deus já está sendo posto em ação.
N unca houve nada que o deixasse mais surpreso do que o fato de ser ele,
dentre todos os homens, “o apóstolo dos gentios” . Aqui ele está
escrevendo um a Epístola aos efésios, que eram gentios - ele, q te era
hebreu de hebreus, da tribo de Benjamim, fariseu, instruído aos pês de
Gamaliel, um dos nacionalistas mais apaixonados que o mundo conhe­
ceu - aqui está ele, este fervoroso judeu, escrevendo realm ente a
pessoas que tinham sido gentios pagãos, e se dirigindo a elas como
iguais, regozijando-se com elas por estarem compartilhando a mesm a
experiência. Como é que isso viera a acontecer? Há somente uma
resposta: é o poder de Deus. Ele já tinha exposto o seu tema desse modo
nos versículos 11 a 14 do capítulo primeiro. Agora, porém, no capítulo
2, ele passa a desenvolvê-lo em detalhe. O propósito do capítulo
prim eiro fora fazer uma grande declaração geral. Mas ele nunca para
nisso. Ele agora diz, com efeito: vamos adiante e vejamos concreta-
m ente na prática o que Deus fez. Vocês se tornaram co-herdeiros, “em
quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o
evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados
com o Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor da nossa herança
(a herança que temos juntos), para redenção da possessão adquirida” .
No entanto, isto é tão estonteante que temos que com preender
como chegou a acontecer. Assim, no capítulo dois o apóstolo nos diz em
detalhe como foi que os judeus e os gentios se tornaram um, com o foi
que Deus conseguiu reunir em Cristo estes elementos completamente

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antagônicos. Seu modo de fazê-lo é expresso assim: quais eram os
obstáculos para esta união em Cristo? Quais os fatores que separavam
judeus e gentios? Qual a tarefa, se posso dizê-lo assim, com a qual se
defrontou Deus em Seu desejo de reuní-los? Diz o apóstolo que havia
duas dificuldades principais.
A prim eira era quanto ao estado e às condições dessas pessoas, por
natureza. É do que trata o apóstolo nos versículos 1 a 10 deste capítulo;
as condições lamentáveis, o estado pecam inoso destes efésios, antes da
sua conversão. Antes de se tornarem co-herdeiros com os judeus, com
os judeus cristãos, no reino, estas condições, este estado de pecado,
tinham que receber tratamento. “E vos vivificou, estando vós mortos
em ofensas e pecados.” Foi necessário tratar disso.
Mas havia também outra questão, um obstáculo muito sério, a
relação dos gentios com a lei, com a lei de Deus. A lei de Deus só fora
dada aos judeus; nunca foi dada aos gentios. Foi algo que Deus deu
somente aos judeus e a ninguém mais. E, naturalmente, isso logo
levantou um a enorme parede de separação. Aqui estavam os judeus, sob
a lei; ali estavam os gentios, os cães, os fora da lei, estranhos à
com unidade de Israel, sem esperança e sem Deus no mundo. Ora, isso
era um tremendo problema, e na segunda metade do capítulo, do
versículo 11 ao fim, o apóstolo passa a mostrar-nos como Deus tratou
desta segunda dificuldade que consistia em vencer o obstáculo da lei. Foi
o que Deus fez, afirma Paulo; Ele venceu esses dois obstáculos. Ele fez
“dos dois um novo hom em ”, sobrepujou todas as dificuldades; nada
ficou sem ser tratado.
Entretanto, vocês notam que imediatamente ele nos faz lem brar
da maneira como fo i feito isso, E aqui ele retorna aos seus grandes
temas e aos seus grandes princípios esboçados no capítulo primeiro.
Vocês notam que ele começa dizendo: “E (ele) vos vivificou” - Deus!
É Deus o tempo todo, do começo ao fim; foi Deus que venceu os
obstáculos, foi Deus que nos reuniu. E de novo nos lembra im ediata­
m ente - não se atrasa um segundo sequer - que é em Cristo que Deus
fez essas coisas; sim, e pelo sangue da Sua cruz - repete-se tudo. Como
estes apóstolos se repetem, e vão adiante dizendo a mesm a coisa! Por
quê? Porque é questão crucial, porque sem isso não hásalvação, e porque
somos constantem ente propensos a esquecer estas coisas. Persistimos
em introduzir a nossa justiça própria e os nossos méritos, e continuamos
perguntando: bem, não há nada que eu deva fazer? Desejamos tanto
fazer algo e justificar-nos a nós mesmos. Não, é o que Paulo diz, é tudo
em Cristo, e tudo pelo sangue da Sua cruz. O problem a o requer

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necessariamente; nenhuma outra coisa poderia fazê-lo. Ele nunca teria
vindo à terra, nunca teria morrido, se houvesse outra maneira. E tudo em
Cristo. E vocês ainda verão que ele continua salientando que é tudo pela
graça. Note-se que está entre parêntesis - “estando nós ainda mortos em
nossas ofensas, nos vivificou juntam ente com Cristo” - e então, entre
parêntesis “(pela graça sois salvos)” . “Você não escapará disso”, diz
efetivam ente Paulo. “Não deixarei que você vá embora com a sua
constante afirmação do seu ser pessoal, dos seus méritos e dos seus
poderes. Livre-se disso tudo; vocêjam ais se gloriaránisto.enquantonão
vir que é tudo pela graça: “pela graça sois salvos” . E ele prossegue,
desenvolvendo e repetindo o tema.
Mas o que ele quer acentuar acima de tudo, no contexto imediato,
é que nada menos que o grande poder de Deus poderia fazê-lo. E nisso
que este capítulo se liga imediatamente ao fim do capítulo anterior, onde
ele estivera falando acerca deste grande poder de Deus, que se m anifes­
tou em Cristo, ressuscitando-0 dentre os mortos e colocando-0 à Sua
direita naquela posição de suprema exaltação. Então, “e vos vivificou”
- E le fez isso com vocês em Cristo, porque vocês pertencem a Ele, vocês
estão nEle, vocês são membros do Seu corpo, e nada, senão o poder de
Deus, poderia fazê-lo.

Assim, como eu o entendo aqui, o apóstolo parece perguntar:


estamos entendendo claramente isso? Isso nos deixa felizes? E ntende­
mos que nada, senão este soberano poder de Deus, que se manifestou
na ressurreição e na exaltação do nosso Senhor, nada senão isso, nada
m enos que isso, poderia fazer-nos cristãos? Porventura entendemos
estas questões de form a que não somente vemos que Deus fez algo, mas
também que Ele tinha que fazer algo, porquanto as nossa condições eram
tais que nada menos que isso poderia ser sufuciente para nós?
O apóstolo parece estar fazendo estas perguntas. Estamos cientes
disso? Compreendemos isso? Ou, colocando a questão noutra forma,
podemos expressá-la dessa maneira: compreendemos o que significa a
salvação? Se não compreendem, diz o apóstolo, considerem estas
coisas: primeiro, considerem o que nós éramos antes de Deus começar
a agirem nós; considerem as condições do homem antes de Deus visitá-
-lo m isericordiosam ente para salvação. Se não tivermos claro entendi­
mento disso, jam ais compreenderemos por que era essencial o poder de
Deus. E, finalmente, - não há questão acerca disso - o que é doloroso
com relação às pessoas que se acham em dificuldade quanto à salvação
é que elas nunca entenderam a doutrina bíblica sobre o pecado. Sempre

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o m aior problem a é um a conceituação errônea do pecado. Muitos dizem
que se você simplesmente juntar forças e empenhar-se, se tão-somente
viver virtuosamente, e assim por diante, você agradará a Deus e Ele
ficará satisfeito. O verdadeiro problem a com tais pessoas é que elas não
entendem o significado da palavra pecado. Elas pensam que podem
salvar-se a si mesmas. Nunca enxergaram a necessidade que têm deste
grande poder de Deus. Isto se deve inteiramente ao fato de que elas
nunca se viram como de fato são.
Pois bem, o apóstolo começa com isso - esse é o tema dos
versículos 1 a 3 deste capítulo dois: “E vos vivificou, estando vós
mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes segundo
o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito
que agora opera nos filhos da desobediência. Entre os quais todos nós
também antes andávamos nos desejos de nossacarne, fazendo a vontade
da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como
os outros tam bém ” . O homem em pecado é isso, isso é o que todos nós
ainda seriamos, se Deus nos tivesse deixado entregues a nós mesmos.
É o que são todos os não cristãos. E o argumento do apóstolo é este: se
você quer conhecer a grandeza do poder de Deus, você tpm que
compreender a profundidade do pecado, tem que compreender o proble­
m a com o qual Deus Se defrontou, tem que compreender o problema
com o qual você se defronta. O apóstolo quer mostrar-nos este poder. Diz
ele que prim eiro temos que descer, e que só nos aperceberemos da altura
a que fomos elevados se nos apercebermos da profundidade em que
tínhamos afundado. Esse é o primeiro ponto.
O segundo, naturalmente, segue-se daí. Ele vai adiante para
mostrar-nos o que Deus fe z por nós. Esse é o tema dos versículos 4 a
7: “M as Deus, que é riquíssimo em misericórdia... estando nós ainda
mortos em nossas ofensas” - estávamos no fundo daquela sepultura,
como Cristo esteve na sepultura - Deus, quando ainda estávamos lá,
graças à Sua riquíssim a misericórdia, pelo Seu muito amor com que nos
amou, “estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou
juntam ente com Cristo... e nos ressuscitou juntam ente com ele e nos fez
assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus”. E é somente quando
entenderm os e captarmos algo sobre isso, que compreenderemos a
grandeza do poder de Deus. M uitos há que pensam na salvação e no
cristianism o em termos de um pouco de moralidade e decência. Que
insulto ao cristão! - como se o cristão fosse apenas um indivíduo
bondoso, agradável e inofensivo. Nada disso! O cristão é alguém que
passou por um a trem enda transformação. Houve nele esta ação dinâm i­

- 17 -
ca. Ele foi levantado, ressuscitado; ele está nos lugares celestiais. Este
é o poder de D eus! E se você pensar no seu cristianismo nestes termos,
verá que nada, senão o poder de Deus, poderia fazê-lo. O apóstolo coloca
o ponto diante de nós em detalhe, e temos que considerá-lo.
Depois ele passa ao terceiro ponto, que nunca lhe é possível
deixar fora. Nesta altura você diz a si mesmo: “Isto tudo seria verdade?
Eu estava realmente assim, morto em ofensas e pecados, andando de
acordo com o curso deste mundo, dominado pelo príncipe das potestades
do ar, vivendo para as paixões da carne e da mente, filho da ira e
desobediente? Eu estive nesta situação? Seria verdade que agora estou
em Cristo, nos lugares celestiais? Seria verdade que Deus fez tudo isso
e rae transferiu daquela situação para esta? Por que Ele o fez? " Há
somente um resposta: é tudo segundo as riquezas da Sua graça, para que
nos séculos vindouros Ele pudesse m ostrar as abundantes riquezas da
Sua “graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus, porque
pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de
Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; porque somos
feitura sua...” . Agora vocês vêem a argumentação do apóstolo. Vocês
vêem como este capítulo é seqüência do capítulo primeiro.

Contudo, antes de prosseguirmos, reflitamos em certos pontos.


Não estaria bem claro que só quando nos apercebermos destas coisas é
que louvaremos a Deus como devem os? Pensem no Salmo 103:
“Bendize, ó m inha alma, ao Senhor, e tudo o que há em mim bendiga
o seu santo nom e” . Essa é a norma para o cristão: todo cristão deve ser
assim, deve estar bendizendo continuamente a Deus. Por que será que
existem tantos que não o fazem? H ásó um arespostapara essapergunta:
é porque não compreendemos o que Deus fez por nós; é porque não
sabemos o que é o pecado; porque não compreendemos o que nós
éramos e o que Deus fez por nós, e como o fez e por que o fez. Se
compreendêssemos estas coisas, não poderíamos deixar de louvar a
Deus. E porque não compreendemos estas coisas que é tão fraco o
sentimento de m aravilha em nossa vida cristã. Para mim, nada é mais
chocante que a facilidade com que muitos falam destas coisas, e a
m aneira como eles as tomam como líquidas e certas. Não há nada que
faça tanta falta na vida cristã atual como um certo sentimento de
maravilha. Leiam as Epístolas deste homem, leiam as Epístolas dos
outros, e observem como, ao mencionarem esta grande salvação, eles
param e começam a louvar. Estão cheios de maravilha, de admiração, de
espanto. Você está surpreso consigo m esmo? Você está m aravilhado

- 18 -
consigo mesmo? Para você é algo espantoso você estar fazendo este tipo
de leitura? Está você interessado nestas coisas - isto lhe causa admira­
ção? Se você compreendesse a verdade, causaria. A incom preensão
destas coisas é que explica a nossa perda e a nossa falta de sentimento
de m aravilha e adoração.
É isso que explica a nossa falta de amor a Deus. Você está
preocupado com a frieza do seu coração? Estou certo de que está, como
todos nós devemos estar. Acaso não é de causar espanto, que nos
aproximemos da Ceia do Senhor, comamos o pão e bebamos o vinho,
e fiquemos tão impassíveis que os nossos corações não transbordem de
amor a Deus? Por que não transbordam de amor? Porque não nos damos
conta do amor de Deus. Se você quer amar a Deus, não tente pôr em ação
alguma coisa dentro de você; trate de aperceber-se do Seu amor, e ore
no sentido de que os olhos do seu entendimento sejam iluminados, para
que você possa dar-se conta do poço do qual foi tirado, das profundezas
nas quais você tinha afundado, daquela situação terrível, precária e
perigosa em que se achava, e do que Deus fez por você, por Sua graça,
em Cristo. Essa é a maneira de compreender isso. “Nós o amamos a ele
porque ele nos amou prim eiro”, declara João, e o argumento é o mesmo
(1 João 4:19). O entendimento destas coisas é essencial para que se tenha
sentimento de maravilha, de amor e de louvor.
Passemos, porém, a algo ainda mais prático. A razão pela qual não
nos damos conta destas coisas é que não sentimos como devíam os o
peso do fa rd o das outras pessoas. Os cristãos não passam de um
punhado no m undo atual. As grandes multidões estão fora de Cristo,
estão fora da Igreja, vivendo na impiedade e sem religião, e num terrível
estado de pecado. Estamos preocupados com elas? As suas condições
pesam em nós? Temos senso de missão quanto aos nossos concidadãos
em nosso país? As condições em que se acham as multidões de outros
países, envoltas em trevas morais, são um peso sobre nós? Estamos
interessados nos empreendimentos missionários? Pensamos nestas
coisas? Sentimos o peso delas? Oramos a Deus a respeito? Estam os
perguntando: “Que posso fazer? Como posso ajudar? Que contribuição
posso fazer?” Se não, só há um a explicação - nunca chegam os a
compreender a verdade acerca dos que se acham num estado de pecado.
Apenas nos irritamos por causa deles, ficamos incomodados com eles.
M as isso não basta; temos que preocupar-nos com as almas, temos que
preocupar-nos com o pecado. Temos que ver os pecadores como eles
são, filhos da ira, prisioneiros do inferno, vê-los nesta degradação, nesta
corrupção que o apóstolo descreve. Se tão-somente enxergássemos isso,

- 19 -
os nossos corações correriam para eles; nós os veríamos como nosso
Senhor os vê - e o Seu grande coração transbordava de compaixão por
eles. A pobreza do nosso zelo missionário e evangelístico deve-se
inteiramente a isto: não temos enxergado de verdade a situação dos de
fora - o que eles são, o que poderiam ser, e o que Cristo fez.
O terceiro ponto que a palavra do apóstolo nos dá a conhecer é que,
se apenas enxergássemos verdadeiramente estas coisas, isso também
dominaria a nossa evangelização. O problema com toda òvangeliza-
ção falsa é que não começa com doutrina, não começa pela percepção das
condições do homem. Toda evangelização carnal, feita pelo homem, é
resultante de um inadequado entendimento do que o apóstolo nos ensina
nos dez primeiros versículos deste capítulo dois da Epístola aos Efésios.
Se eu e você simplesmente nos déssemos conta de que todo homem
ainda pecador é dominado absolutamente pelo “príncipe das potestades
do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência” , se tão-
-somente soubéssemos que tal homem ainda é realmente filho da ira e
está morto em ofensas e pecados, compreenderíamos que unicamente
um poder pode lidar com esse indivíduo, o poder de Deus, o poder do
Espírito Santo. E assim poríamos a nossa confiança, não em organiza­
ções feitas pelo homem, porém, no poder de Deus, na oração que se
apega a Deus e roga por avivamento e por um derramamento do Espírito.
Perceberíamos que nenhuma outra coisa pode fazê-lo. Podem os mudar
superficialm ente os homens, podemos conseguir homens para o nosso
lado e para o nosso partido, podemos persuadi-los a unir-se à igreja, mas
nunca poderem os ressuscitar os espiritualmente mortos; só Deus pode
fazê-lo. A percepção destas verdades determinaria e dirigiria necessa­
riam ente toda a nossa ação evangelística.
Vocês vêem, então, porque é que o apóstolo se preocupa tanto com
estas coisas, porque é que ele ora por estes efésios, para que sejam
iluminados os olhos do seu entendimento. Vocês vêem que a doutrina
que ele nos apresenta afeta a totalidade da nossa vida cristã. Afeta-me
individualmente, afeta a m inha vida de oração, o meu louvor, os meus
atos de culto, o meu amor, a m inha relação com Deus, a m inha relação
com outras pessoas - tudo é dominado e dirigido por esta doutrina. O
apóstolo expôs tudo isso em princípio no capítulo primeiro. Sim,
todavia, ele afirma que você não deve vê-lo apenas em princípio; você
deve entendê-lo e captá-lo em detalhe. Por isso ele nos leva aos detalhes,
e com eça a fazê-lo neste capítulo dois. E eu e você devemos fazer o
mesmo. Devemos contem plar os homens em pecado até ficarmos
horrorizados, até ficarmos alarmados, até que nos aflijamos por eles, até

- 20 -
que oremos por eles, até que, tendo compreendido a maravilha da nossa
libertação daquele estado terrível, nos percamos num arrebatado senti­
mento de maravilha, de amor e de louvor.
Essa é a introdução deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos
Efésios.São os prolegômenos essenciais. Não há sentido em correr para
os detalhes sem esse cenário de fundo. E devemos considerar os
detalhes, não simplesmente para que possamos ir examinando prazero­
samente estes grandes versículos, mas porque a totalidade da nossa vida
cristã está envolvida aqui, e temos que entender estas coisas. Portanto,
confiemo-nos aD eus e oremos para que os olhos do nosso entendimento
sejam iluminados, paraque vejamos econheçamos estas coisas, paraque
vejamos o grande plano e propósito de Deus sendo levado a efeito;
vejamos que somente Ele pode fazê-lo. Dediquemo-nos, pois, a um a
nova consideração destas coisas, para que verdadeiramente sejamos
“para louvor da glória da sua graça”, e sejamos de ajuda prática e
im ediatapara os nossos semelhantes, homens e mulheres, que ainda são
“filhos da ira”, perdidos, sentenciados e condenados em pecado.

- 21 -
2
O HOMEM EM PECADO
“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em
que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo
o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos
filh o s da desobediência, entre os quais todos nós também antes
andávam os nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne
e dos pensamentos; e éramos por natureza filh o s da ira, como os
outros também. ” - Efésios 2:1-3

Com estas palavras o apóstolo está interessado em m ostrar aos


cristãos efésios, e a todos outros cristãos a quem ele estava escrevendo,
e portanto a nós, a grandeza e a glória da salvação cristã. Estes efésios
já tinham crido no evangelho. Paulo já tinha dado graças a Deus pela fé
que eles tinham no Senhor Jesus e pelo seu amor para com todos os
santos. Eles tinham sido selados com o Espírito Santo e tinham em si
o penhor da herança. E, contudo, o apóstolo ora para que os olhos do
entendim ento deles sejam iluminados. Eles estão apenas no começo,
são simples crianças. Ele quer que eles captem algo da amplitude, da
grandeza e da m ajestade desta m aravilhosa salvação. E, sujeitos como
ainda estão à tentação, e vivendo num mundo contraditório e cercados
de paganism o e de oposição em diversas formas, o apóstolo está
particularm ente desejoso de que eles tenham claro entendimento da
grandeza do poder de Deus para com os que crêem. E seguramente essa
é um a coisa que necessitamos saber e da qual devemos estar certos na
vida cristã. Nada é mais vital do que termos claro conhecimento acerca
do poder de Deus que se m anifesta nesta salvação cristã.
O apóstolo escreve com o fim de ajudá-los nesse aspecto. Ele não
somente ora por eles, mas também os instrui. E as duas coisas devem
andar sempre juntas. Ele ora para que os olhos do seu entendimento
sejam iluminados pelo Espírito Santo. Isso é absolutamente vital. Sem
o entendimento que só o Espírito Santo pode nos dar, palavras como as
que vamos considerar, obviamente serão completam ente sem sentido
para nós. Além disso, provavelmente as odiaremos e as acharemos
pessim istas e mórbidas. Diz o homem, por natureza, que o que ele quer
é algo que o alegre, não um a terrível análise da natureza hum ana como
esta, que é tão deprimente. Noutras palavras, sem que tenhamos mente

- 22 -
espiritual, não podemos ter esperança de entendê-las. Por isso o apóstolo
coloca isso em prim eiro lugar. Primeiro vem a sua oração. Depois,
havendo orado, ele coloca diante dos efésios o conhecimento e a
instrução.

Como podemos ter um a verdadeira concepção da grandeza do


poder de Deus na sal vação? Este é um tema que se repete constantem en­
te nas cartas do apóstolo Paulo. Vejam a m agnífica declaração em
Romanos 1:16, “não me envergonho do evangelho de Cristo”. Porquê?
Porque “é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” . O
poder! Como m edi-lo? O apóstolo nos dá as medidas precisas aqui.
A prim eira m edida é a profundidade do pecado da qual fomos
levantados. Noutras palavras, a fim de medir a grandeza deste poder,
prim eiro você tem que ir ao fundo, e depois tem que subir. O homem
jam ais começa ao nível do chão, por assim dizer. Não começamos
neutros, não começamos numa espécie de estado indeterminado, nem
bom nem mau. Não, nós começamos nas profundezas de um poço.
Primeiro somos levantados e retirados de lá; e depois somos elevados
diretam ente para os próprios céus. Assim, o apóstolo começa onde nós
devemos começar. A salvação chega a nós onde estamos; não onde
gostaríam os de estar, nem como gostaríamos de pensar em nós idealis-
ticamente. O evangelho de Jesus Cristo é totalm ente realista, e ele
com eça conosco exatamente onde estamos, e esse lugar é o fundo de um
poço de corrupção.
O argumento do apóstolo é que nunca teremos uma adequada
concepção da grandeza desta salvação, a menos que compreendam os
algum a coisa do que éramos antes de sermos tomados por esse grande
poder, a menos que compreendamos o que seriamos ainda, se Deus não
interferisse nas nossas vidas e não nos tivesse resgatado. Noutras
palavras, temos que compreender a profundidade do pecado, o que o
pecado significa realmente e o que ele fez com a raça humana. Temos
que com eçar com isto porque é um fato - não porque é um a teoria, e sim,
porque é um fato. A Bíblia é um livro de fatos; é um livro que se interessa
por nós como somos; é histórico. Devemos começar com fatos, goste­
mos ou não. Se quisermos ser honestos em nosso raciocínio, teremos
que encarar fatos, e aqui está o primeiro deles.
Perm itam -m e mostrar-lhes como é absolutamente vital que com e­
cemos aqui. Nenhum homem jam ais terá uma verdadeira concepção
do ensino bíblico sobre a redenção, se não tiver claro entendimento da
doutrinabíblica do pecado. E aí está por que tanta gente hoje é tão frouxa

- 23 -
e vaga em suas idéias de redenção. A idéia comum é que o nosso Senhor
é um a espécie de amigo a quem podemos recorrer quando estamos em
dificuldades, como se isso fosse tudo. Ele é isso - graças a Deus porque
é! M as isso não é a redenção em sua inteireza, nem em sua essência.
Vocês não poderão começar a medir a redenção, enquanto não com pre­
enderem algo do que a Bíblia nos ensina acerca do homem em pecado
e de todo o efeito do pecado sobre o homem. Ou deixem -m e expressá-
-lo de outro modo. Vocês não terão a mínima possibilidade de entender
a doutrina da encarnação, se não entenderem esta doutrina do pecado.
Diz-nos a Bíblia que o homem estava em tais condições que era
necessária a vinda da Segunda Pessoa da Trindade santa e bendita dos
céus à terra. Ele teve que descer, assumir a natureza hum ana e nascer
com o um bebê. Isso era absolutamente essencial antes de se poder
redim ir o homem. Por quê? Por causa do pecado, da natureza do pecado.
Portanto, vocês vêem, vocês não poderão entender a encarnação, se não
tiverem claro entendimento sobre o pecado. De igual modo, vejam a
cruz no Calvário. Que é ela? Que significa? Que nos diz? Que está
acontecendo ali? Torno a dizer que vocês não terão a m ínima possibi­
lidade de entender a morte de nosso Senhor e o que Ele fez na cruz, se
não entenderem claramente esta doutrina do pecado. O caráter com ple­
tam ente vago das idéias de muitos sobre a morte de nosso Senhor deve-
-se inteiram ente a isto. Não gostam da doutrina da substituição; não
gostam da doutrina do sofrimento penal. Isso porque nunca entendem
o problem a. Porque não começam com o homem em pecado. Estas são
as grandes doutrinas cardinais da fé cristã, e não podem ser entendidas,
a não ser à luz da terrível condição do homem em pecado.
Deixem-me, porém, ser ainda mais prático. Talvez alguém diga: ah,
bem, você fala acerca das suas doutrinas. Não estou interessado em
doutrinas, não sou um dos seus teólogos, sou um frio homem do mundo,
hom em de negócio, e quero saber algo sobre a vida e como viver. M uito
bem, enfrentem os esse caso. Estou asseverando que vocês não poderão
entender a vida como esta é neste mundo neste momento, se não
entenderem esta doutrina do pecado. Vou além, a minha opinião é que,
sem isto, vocês não poderão entender a totalidade da história humana,
com todas as suas guerras, seus conflitos, suas conquistas, suas calam i­
dades, e tudo o que ela registra. Afirmo que não há explicação adequada,
salvo na doutrina bíblica do pecado. Só se pode entender verdadeira­
m ente a história do mundo à luz desta grande doutrina do homem, do
hom em decaído e em pecado. Leiam os seus livros sobre a filosofia da
história, e verão que eles andam às tontas. Não sabem interpretar os

- 24 -
fatos, não conseguem dar um a explicação adequada; todas as suas idéias
são com pletam ente falsificadas pela história. Isto porque eles nunca se
apercebem de que o ponto de partida é a condição pecaminosa do homem
decaído.

São essas, pois, algumas das razões pelas quais devemos considerar
esta matéria. Há, em última análise, somente duas explicações propostas
quanto a por que o homem é como é e por que o mundo é como é hoje,
e por que ele sempre foi o que foi. Há o ensino bíblico; e há todos os
outros ensinos não bíblicos. Contrariamente ao ensino bíblico, há o
ensino popular atual, segundo o qual o homem é o que é, e as coisas são
o que são porque o homem não teve tempo suficiente ainda para avançar
até a perfeição. Outrora ele era um animal, é o que nos dizem, e isso há
não muito tempo. M ilhões de anos não são nada, e há apenas alguns
milhões de anos o homem era um animal. Habitava nas florestas, trepava
nas árvores, e assim por diante. Não se pode esperar que de repente se
torne perfeito, dizem eles. Ele está se desfazendo desses vestígios e
relíquias animalescos, porém, ainda não o fez completamente. Ele o está
fazendo progressivam ente, é certo, mas é preciso dar-lhe tempo. Nou­
tras palavras, o problema da humanidade é simplesmente problem a de
tempo. Tais pensadores não têm muito conforto para dar aos que estamos
vivos agora, porque eles dizem que em muitos bilhões de anos por vir,
provavelmente o homem conseguirá chegar à perfeição. É tudo um a
questão de tempo, um a questão de conhecimento, um a questão de
crescim ento e instrução, e assim por diante. Agora, ou vocês crêem
nisso, ou nalgum a variante disso, ou então crêem no que a B íblia diz
acerca do homem. Aqui nos é dito exatamente em que consiste o
conceito bíblico.
As diferenças entre o conceito bíblico e todos aqueles outros
conceitos são os seguintes: este conceito bíblico é realista. Todos
aqueles outros conceitos não encaram os fatos, suprimem certo número
de fatos. São muito agradáveis e favoráveis; querem fazer-nos pensar
bem de nós e do homem, pelo que dizem: dêem um a oportunidade ao
homem; ele nunca teve um a chance com pleta ou um a oportunidade
certa, mas dêem tempo a ele, etc. Por outro lado, a Bíblia, com realismo
total, vem a nós e nos afirma que o homem é tolo, que o hom em trouxe
calam idade para si mesmo, que é porque o homem é, como Paulo se
expressa aqui, “um filho da desobediência”, que ele é o que é e o seu
m undo é o que é . Ela assevera que não há escusa para o homem, que ele
tem de admiti-lo, que ele tem que encará-lo, e que não há esperança para

- 25 -
ele enquanto não o fizer. Isso se chama arrependimento. Ela é realista.
E se não houvesse outra razão para crer na Bíblia, e para crer que a Bíblia
é a Palavra de Deus, esta seria suficiente para mim; ela me diz o que eu
sei que é a com pleta verdade acerca de mim mesmo. E não sei doutra
coisa que o faça. Os seus romances não o fazem - eles dizem o que me
agrada e não m e levam apensar com muito rigor sobre mim m esm o. Eles
tentam levantar o meu moral, tratam-me psicologicamente; no entanto,
o que eles dizem não é verdade. Unicamente o conceito bíblico é
realista.
Não somente isso, é também radical, desce às profundezas. Não
enfrenta apenas certos aspectos do problem a do homem em geral e do
indivíduo; enfrenta todos eles. Em bora penoso, o processo toma o seu
bisturi, por assim dizer, e se põe a dissecar até o câncer ficar exposto. É
radical. E é por isso que, às vezes, é extremam ente difícil não nos
impacientarmos com o que o mundo está sempre tão pronto a acreditar.
O m undo, com as suas idéias e filosofias, está apenas m edicando
sintomas, administrando os seus barbitúricos num sentido espiritual, e
os seus anódinos, as suas aspirinas, etc.; e porque a nossa dor é aliviada
por algum tempo, achamos que estamos bem, mas o estado de saúde
nunca foi diagnosticado, nunca foi posto às claras; não é enfrentado. O
m undo não gosta de nada que seja desagradável; tem medo disso, e assim
não o enfrenta. N unca é radical. Todavia, como veremos, a Bíblia é
muito radical.
Depois, a últim a coisa que eu gostaria de dizer em geral a respeito
disso é que este conceito bíblico é, ao mesmo tempo, mais pessim ista
e otimista que todos os outros conceitos. O homem sempre foi atrás de
algum a utopia, sempre tem feito isso, através dos séculos. M as nunca
chega lá. Portanto, tudo isso é final e completam ente pessimista. Só
existe um conceito verdadeiramente otimista da vida, e é aquele que nos
diz que, apesar de estar o homem nas profundezas do pecado, o poder
de Deus pode vir, pode segurá-lo e pode elevá-lo às alturas, e que isto
foi feito em Jesus Cristo, o nosso Senhor.
Tivemos um visão geral desta situação. M as partamos agora para
os detalhes, para o ensino específico. Nestes três versículos o apóstolo
faz um sumário de modo o mais admirável, e talvez o mais perfeito da
Bíblia toda - um sumário da doutrina bíblica, do conceito escriturístico
sobre o homem em pecado. Ele diz quatro coisas a respeito disso. Em
prim eiro lugar, ele descreve o estado do homem em pecado. Em
segundo lugar, ele nos dá um a explicação deste estado e nos explica por
que o homem se acha neste estado. Em terceiro lugar, ele nos diz a que

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esse estado e condição leva na prática. E em quarto lugar, ele nos diz
como Deus vê o homem nesse estado. Seria essa a m inha análise destes
três versículos. Em resumo: as condições; por que o homem está nestas
condições; quais os resultados práticos por estar ele nessas condições;
e o que Deus pensa disso. Tudo isso está neste três versículos.

Com ecem os a nossa consideração destas questões partindo do


estado do homem em pecado. Qual é ele? Eis a resposta: “E vos
vivificou, estando vós mortos”. Agora, os tradutores acrescentaram
aqui um a palavra que não está no original. O original diz: “Estando vós
m ortos” , pode-se notar nalgumas versões (e.g., ARC) que a palavra
“vivificou” vem impressa em itálicos, o que significa que os tradutores
a acrescentaram (e fizeram bem) para nos ajudar a fazer um a leitura mai s
fluente. Mas Paulo estava impregnado do seu assunto, e diz: “E estando
vós m ortos” - não “em” ofensas e pecados, porém , mortos “em
razão” deles ou “por causa” deles, que é uma tradução ainda melhor.
A palavra vital, todavia, é a palavra “m ortos” . “Estando vós m ortos”
(“Vós estáveis m ortos”, VA), declara Paulo. Que é que ele quer dizer?
Bem, é óbvio que ele está falando de um a condição de morte espiritual,
não de morte fatual, física, pois ele prossegue e diz imediatamente: “em
que noutro tempo andastes” e em que “todos nós tam bém antes
andávam os” . Noutras palavras, o ensino do apóstolo é que a vida para
o não cristão é uma morte viva. Ele está morto espiritualmente. Vou
repetindo as expressões porque são vitais. Vocês notam como é forte o
termo. Não existe nenhum termo mais forte que “m orte” . Como é
categórico! Depois de se dizer que um homem está morto, não há mais
o que dizer. Não é “quase morto” ; ele está morto de fato; não é que ele
esteja “desesperadam ente mal”, está “m orto”. Não há vida nenhum a
ali. Pois bem, a palavra é do apóstolo, não minha, palavra utilizada em
toda parte nas Escrituras; e é a palavra utilizada acerca do homem que
se acha num estado de pecado, antes do poder de Deus para a salvação
no evangelho vir a ele e lhe fazer algo. Ele está morto!
Que significa isso? Suponho que a m elhor m aneira de definir a
morte é dizer que é exatamente o oposto e a antítese da vida. Então, que
é a vida? Bem, na Bíblia a vida é sempre descrita e definida em termos
da nossa relação com Deus. Vejam as palavras do nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo em João 17:3: “E a vida eterna é esta: que te
conheçam , a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem
enviaste” . Isso é vida! Que é a morte? O oposto disso. Deus é o Autor
da vida - “Aquele que tem , ele só, a vida e a im ortalidade” . Ele é a

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fonte da vida, o mantenedor da vida. Deus é Vida e dá vida, e fora de Deus
não há vida. Portanto, podemos definir a vida como segue: a vida é
conhecer a Deus, estar em relação com Deus, ter prazer em Deus,
corresponder-se com Deus, ser semelhante a Deus, com partir a vida de
Deus e ser abençoado por Deus. Segundo a Bíblia, a vida é isso. Portanto,
ao definirmos a morte, devemos defini-la como o oposto daquilo tudo.
E quando o fizermos, veremos de um relance que o que Paulo diz sobre
o não cristão não é nada menos que a pura verdade. Ele está morto, é o
que Paulo diz: Estando vós m ortos” (“Vós estáveis m ortos”, VA); e
os não cristãos ainda estão mortos. Que é que ele quer dizer? Ele quer
dizer que eles são ignorantes de Deus; não conhecem a Deus. Mais
adiante, neste capítulo, o apóstolo expressa isso claramente. Aqui ele diz
que aquelas pessoas, antes da sua conversão, estavam exatamente nessa
condição. No versículo 12 diz ele que “naquele tempo estáveis sem
Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos da
prom essa, não tendo esperança, e sem Deus...” . “Vós estáveis sem
Deus” ; não O conheciam. Estavam separados da vida de Deus, sem
comunhão com Deus. Ah, vocês podem ter falado sobre Deus, mas Deus
era um a espécie de termo filosófico para vocês, era algum Ser imaginário
nalgum lugar qualquer, apenas Alguém sobre quem conversar. Vocês
não O conheciam, não se correspondiam com Ele; vocês estavam fora
da Sua vida.
Você conhece a Deus? Não pergunto: você fala sobre Deus?
Pergunto, sim: Deus é real para você? Você O conhece? “A vida eterna
é esta: que te conheçam ...” . Você pode dizer, “M eu D eus”?
Obviamente, a segunda verdade acerca desta condição é que esse
homem é também ignorante das coisas espirituais e da vida espiri­
tual. O apóstolo fala disso ao escrever aos romanos, no capítulo 8,
dizendo: “Os que são segundo a carne inclinam -se para as coisas da
carne; mas os que são segundo o Espírito para as coisas do Espírito” .
Interpretando, significa que os que são segundo acarne não são cristãos,
interessam -se pelas coisas que condizem com acarne, não se interessam
pelas coisas do Espírito. E isto, naturalm ente, é puro e duro fato. O
incrédulo nada sabe destas coisas, e não quer saber delas. Não se
interessa por elas e as acha terrivelm ente tediosas. O não cristão acha a
Bíblia muito enfadonha, e as exposições sobre a Bíblia muito enfado­
nhas. Ele não acha enfadonhos os filmes, os jornais, os romances; mas
essas coisas ele acha enfadonhas. Não gosta das conversas sobre a alma,
sobre a vida, sobre a morte, sobre o céu, sobre Deus e sobre o Senhor
Jesus Cristo. Não pode evitá-lo, porém sim plesm ente não vê nada

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nestas coisas, e não se interessapor elas. O seu interesse está nos homens
e em sua aparência, e no que eles têm falado e dito; o mundo e os seus
interesses exercem tremenda atração sobre ele. A situação é perfeita­
mente simples: estas outras coisas são espirituais, são de Deus, e aquele
tipo de homem não vê nada nelas. Por quê? Porque ele está “m orto” ,
e não tem nenhum a vida espiritual. A lei das afinidades é certa. Os
semelhantes se atraem, “pássaros de penas iguais voam juntos” - gente
do mesmo tipo andajunto. Nasce acriança, e ela quer leite; a suanatureza
o requer, mas um objeto inanimado não. Essa é a segunda verdade acerca
do homem em pecado.
No entanto, ele não somente não gosta destas coisas, vamos adiante
e expressemos o ponto como as Escrituras o expressam; ele até as odeia.
Literalm ente as odeia, não somente porque lhe são enfadonhas, porém,
também porque, de algum modo, ele sente que o fato de não gostar delas
o condena. E ele não gosta de sentir isso. Naturalmente ele se dispõe a
ter alguma espécie de religião, mas contanto que a possa controlar,
controlar o que se diz, e coisas como essas. Ah, sim, tem que haver um
limite de tempo nas coisas de Deus; não, contudo, nas coisas do mundo.
Esse é o ódio que ele tem de Deus. “A inclinação da carne”, afirma
Paulo, “é inim izade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem,
em verdade, o pode ser” (Romanos 8:7).
Devemos ir mais longe. Obviamente, este tipo de pessoa é
diferente de Deus e não participa da vida de Deus. Noutras palavras,
para usar um termo bíblico, esse tipo de vida é corrupto. É corrupção.
Deus é santo, e todos os que são semelhantes a Deus também são santos.
“Sede santos”, diz Ele, “porque eu sou santo.” M as as pessoas desse
tipo estão m ortas, estão fora da Sua vida, são corruptas. São essencial­
m ente más. Deleitam -se nas coisas más, lambem os beiços por elas,
porque a sua natureza é má. Não há justiça nessas pessoas, não há
verdade nelas. Acreditam em mentiras, e elas mesmas são mentirosas,
“odiosos, odiando-nos uns aos outros” , diz a Bíblia (Tito 3:3). Esse é
o homem em pecado - morto, fora da vida de Deus.

O que as segue, é claro, é que esse tipo de vida não é abençoado


p o r D eus e, portanto, é infeliz. A vida do homem em pecado é infeliz.
Se você contestar isso, só há um a coisa para dizer-lhe, e é que você não
é cristão. Se você não concorda que a vida ímpia, que a vida do mundo,
é infeliz, e que a única vida feliz é a vida cristã, você está sim plesm ente
proclamando que não é cristão. Desejar este tipo de vida, esse tipo de
existência, é simplesmente proclamar que você não tem natureza

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espiritual. A verdade acerca dessa vida é que ela é miserável, infeliz.
Olhem por baixo da superfície, e a verão clam ar a vocês. O modo de ser
do m undo, com todas as suas mudanças, suas constantes m udanças, é
um a proclam ação de que aqueles que o seguem são profundam ente
infelizes. É por isso que eles vivem mudando. Cansam-se de tudo, estão
sempre em busca de algo novo. Estão sempre em busca de emoções, e
correm atrás delas. Por quê? Porque lhes é intolerável passar algumas
horas a sós consigo mesmos. Acham a sua própria companhia tão
miserável que passam a vida fugindo de si mesmos. Essa é a extensão
da m iséria de um a vida de pecado: não hárecursos nem reservas, porque
eles estão fora da vida de Deus. Esse é o homem em pecado. Ele está
morto.

N a verdade o apóstolo resume tudo perfeitamente numa declaração


do capítulo seis da Epístola aos Romanos, versículo onze; diz ele:
“ .. .considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para D eus..
Antes vocês não estavam vivos para Deus; agora, como cristãos, estão.
Vocês se dão conta que o homem em pecado está morto neste sentido?
Dão-se conta de que é o que vocês eram por natureza? Vocês não vêem
que é assim que se avalia a salvação? É o que nós todos éramos, declara
Paulo. E os que estão em pecado ainda estão naquela situação. Vocês não
têm compaixão dos incrédulos? Vocês oram alguma vez por eles? Vocês
estão fazendo tudo o que podem para levar-lhes este evangelho, seja
neste país ou noutro? Essa é a condição deles. Pobres infelizes! M ortos!
Fora da vida de Deus!

Apresso-m e a um a segunda questão. A segunda verdade que Paulo


nos diz sobre essas pessoas é que elas são governadas por este mundo:
“Em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo”. Que
declaração! “O curso deste m undo” ! A palavra que de fato ele u so u fo i
era, “a era deste m undo” . Que é que ele quer dizer com isso? Penso
que ele quer dizer que essa espécie de vida é vida sob o controle, a
perspectiva e a m entalidade do presente mundo - o “presente século
m au” , como lhe chamam as Escrituras (Gálatas 1:4). Ora, a dificuldade
quanto ao homem em pecado é que ele é levado, é controlado, é
absolutamente governado por esse tipo de vida e por esse tipo de
perspectiva. Isso é um a coisa que a Bíblia ensina do começo ao fim. De
acordo com a Bíblia, o mundo está sempre contra Deus.
Que é “o m undo” , no sentido bíblico? É a perspectiva, a m enta­
lidade e a organização da vida - à parte de Deus. E o que se quer dizer

- 30 -
com a expressão “o m undo” não se trata do universo físico, das
montanhas, dos rios, etc. O mundo é uma mentalidade, uma perspectiva,
um conceito de vida sem Deus. Deus é excluído; é o próprio homem
concebendo e organizando a vida, e controlando a vida. Essa m entali­
dade é que é descrita como “o m undo”. Paulo o expressou uma vez por
todas neste mesmo capítulo que estamos considerando. Vejam de novo
o versículo 12: “Portanto”, diz ele, “lembrai-vos de... que naquele
tem po estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e
estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus
no m undo” . Estar sem Deus é “estar no m undo” . E estar no m undo é
ser governado pela perspectiva e pela m entalidade do mundo. O
apóstolo diz a m esm a coisa em Romanos 12: 2: “E não vos conformeis
com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso enten­
dim ento...” , Como cristão, diz o apóstolo, não se amolde a este mundo,
com a sua m entalidade e a sua perspectiva; você está noutra esfera.
“Transform e-se”, “renove a sua m ente” para condizer com aquele
novo mundo. Ou vejam o que o apóstolo João diz, muito explicitamente:
“Não ameis o mundo, nem o que no mundo há... a concupiscência da
carne, concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 João 2:15-17).
O m undo é isso. Não amem o mundo, diz com efeito João, vocês não lhe
pertencem, ele é completam ente oposto a Deus. Não amem o mundo!
Aqui a afirmação do apóstolo é que o não cristão é simplesmente
governado e controlado pelo mundo, sua mente, sua perspectiva, sua
mentalidade. Não conheço nada que seja mais triste quanto ao homem
em pecado do que justam ente isso. Vocês vêem isso tudo em seus
jornais. Acaso não é triste ver a m aneira com que certas pessoas são
inteiramente governadas pelo que outras pessoas pensam, dizem e
fazem? Elas lamentam por nós, cristãos. Dizem elas: “Imaginem, eles
se prenderem a esse Livro, aqueles cristãos estreitos e infelizes!” Assim
fala o homem do mundo de mente aberta, assim chamado. Como é astuto
o diabo em persuadir as pessoas disso! Pois a pequena vida delas é
inteiramente governada pela organização do mundo. Elas pensam como
o mundo. Tomam as suas opiniões pré-fabricadas do seu jornal favorito.
Até a sua aparência é controlada pelo mundo e suas modas, que sempre
mudam. Todas elas se conformam, isso tem que ser feito; não se atrevem
a desobedecer: têm medo das conseqüências. Isso é tirania, é controle
absoluto - roupa, estilo de penteado, tudo controlado absolutamente. A
m ente do m undo! Não há tempo para desenvolver a questão sobre a sutil,
quase daibólica influência muitas vezes demonstrada em suas modas
sensuais. Esta era é dom inada pelo sexo. Isso transparece em toda

- 31 -
parte-fotografias, quadros e cartazes que o sugerem. M uitíssimas vidas
estão sendo controladas e governadas por isso, todas as suas opiniões,
sua linguagem, o modo como gastam o seu dinheiro, o que desejam,
aonde vão, onde passam as suas férias; é tudo controlado, governado
completamente. Certamente isso tudo nunca foi mais evidente que no
m undo atual. Quando as pessoas falam tão levianam ente sobre a sua
emancipação, dão um a clara prova do fato de que elas são governadas,
dominadas e controladas por este mundo, pela mente do mundo, pelaera
da propaganda, pela era da publicidade, pela opinião das massas, pelo
indivíduo massificado sem saber. Não é trágico? Mas o homem em
pecado é isso. Está espiritualmente morto porque é controlado pela
m ente do mundo.

Não somente isso, mas o apóstolo vai adiante para dizer-nos que,
p o r sua vez, isso é controlado p o r um princípio mau que há na vida.
Ouçam o-lo colocá-lo desta forma: “Em que noutro tempo andastes
segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência” . A palavra
“espírito” aqui significa princípio; há um princípio mau que, diz ele,
está operando neste mundo. E essa palavra “operar” é forte. Há nela,
um a energia, uma força, um poder. Não há nada mais patético do que
pensar num a vida de pecado como um a vida passiva ou negativa. O fato
é que existe este poderoso princípio do mal em ação neste mundo, e é
somente o homem que crê na Bíblia e teve a sua mente e seu entendi­
mento iluminados pelo Espírito Santo que pode ver isso. Vocês im agi­
nam que tudo o que vêem na vida hoje simplesmente sucede de qualquer
maneira, de algum a forma? Vocês não conseguem ver quão organizado
é, quão uniforme, quão astuto, quão parecido em todas as suas partes?
Há um princípio do mal em operação. Num a era obscura como esta,
damos graças a Deus por toda e qualquer indicação de melhoramento.
Refiro-m e ao fato de que houve certos filósofos que foram suficiente­
m ente sinceros para dizer-nos que a última guerra mundial os convenceu
disso. Pensem num homem como o finado Dr. Joad. Ele eraum ateu, um
incrédulo, antes da guerra. Depois passou a crer na realidade de Deus,
e nos diz por quê. Disse ele que a segunda guerra mundial o convenceu
de que, em todo caso, a Bíblia estava certa nisto, que há um princípio do
mal em ação. Disse ele que não podia explicar a guerra de nenhum outro
modo; ele pôde ver que não se tratava de acidente ou de algo negativo,
porém, que havia um poder demoníaco em ação, o “espírito que agora
opera nos filhos da desobediência” . Cabe-nos como povo cristão,
reconhecer que essa pobre gente que está sem Deus no mundo está sendo
dom inada e controlada por esse princípio mau.
Mas ainda precisamos dar mais um passo para trás. Diz o apóstolo
que esse princípio mau é governado pelo diabo e por todos os seus
poderes: “Em que noutro tempo andastes segundo o curso deste
mundo, segundo o príncipe das potestades do ar” . Que declaração!
Entretanto, certamente, dirá alguma pessoa sofisticada, você não está
querendo dizer que ainda acredita no diabo! A resposta é simples:
acredito no diabo porque tenho que acreditar. Tenho que acreditar, não
apenas porque ele está aí - isso basta para mim - mas eu acredito porque
não posso explicar a vida sem ele. E é porque o diabo é ignorado que o
m undo é como é. O diabo é tão astuto que ele domina o homem e, ao
m esmo tempo, o persuade de que ele não está sendo dominado. O
homem até pensa que está se emancipando ao dar as costas à Bíblia. O
diabo é também chamado “o deus deste m undo”. O Senhor Jesus Cristo
chamou-o “o príncipe deste m undo” . Referência é feita a ele como
“Belzebu, príncipe dos demônios” . E é ele que está dominando tudo.
Ele odeia Deus. Ele era um anjo que fora criado perfeito por Deus, um
anjo refulgente. Levantou-se contra Deus porque queria ser Deus; e
odeia a Deus, e o seu único objetivo é estragar a criação de Deus e
arruinar o m undo de Deus. Por isso veio ao mundo e enganou Eva e
Adão, e daí em diante é o que vem fazendo. Ele dom ina a vida do
homem. Todos nós estamos, por natureza, sob o domínio de satanás. Ele
tem as suas forças, os seus poderes; ele é “o príncipe” . Do quê? “Das
potestades do ar.” Vocês notam como Paulo se expressou sobre isso no
capítulo seis desta Epístola, versículo doze: “Não temos que lutar
contra a carne e o sangue”. Se vocês pensam que o problem a com que
se defrontam os estadistas hoje é apenas lidar com outros homens
semelhantes a eles, vocês são tragicamente ignorantes politicamente,
para não dizer espiritualmente. Se vocês pensam que é apenas questão
de personalidades, um homem ou outro, como Hitler ou Stalin, vocês
ainda não começaram a entender o ponto. “Não temos que lutar contra
a carne e o sangue, mas sim, contra os principados, contra as potestades,
contra os príncipes das trevas deste século” - isto é, as potestades do
ar, trevas - “contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares
celestiais.”
Diz-nos a Bíblia que existem estes poderes invisíveis, e o diabo é
“o príncipe das potestades do ar” . Pode-se interpretar a palavra “ar”
destas duas maneiras: pode-se dizer príncipe das potestades das trevas,
ou príncipe das potestades invisíveis. Não são poderes terrestres,

- 33 -
pertecem a outra esfera, são etéreos, por assim dizer, são espirituais. Não
têm corpos, mas têm existência real. E a tragédia do hom em é que,
porque não pode ver os espíritos do mal, não acredita neles. Como não
pode ver o Espírito Santo, não crê no Espírito S anto. Como não pode ver
a Deus, não crê em Deus. Não se dá conta de que está num a esfera
espiritual. Isso é porque ele está morto. É por isso que ele está sem
entendimento espiritual. “O príncipe das potestades!” Ah, o poder do
mal. O não cristão é absolutamente dominado e controlado por esses
poderes, e está morto às mãos deles.
Nós também, que somos cristãos, ainda somos confrontados por
eles. É isso que o apóstolo diz no capítulo seis desta Epístola. Como
cristãos, temos que lutar contra este poder. “Cristão, não procure
repouso ainda; fora com os sonhos de comodidade!” E me parece que
muitos cristãos estão sonhando com comodidade, e estão pensando e
sonhando com um tipo de salvação em que não há conflito e luta. Neste
mundo, nunca! Há estes poderes do mal, as potestades do ar, com toda
a sua sutileza e malignidade, com toda a sua esperteza e as transform a­
ções do seu chefe “em anjo de luz” para poder derrubar-nos. E isso que
nos está confrontando. O admirável é algum de nós simplesmente
perm anecer nesta vida cristã. Somos confrontados por aquele que não
hesitou em chegar ao Filho de Deus e tentá-10 e dizer-Lhe com absoluta
confiança: “Se tu és o Filho de Deus” . Foi ele que repetidam ente
derrotou os patriarcas e os santos do Velho Testamento. Cada um deles
caiu uma e outra vez diante dele. E ele se opõe a nós com todo o seu
poder, força e energia, com todos os batalhões que ele comanda, com o
princípio mau que ele introduziu em toda perspectiva e m entalidade do
mundo. Está organizado em forma visível, porém ele próprio é invisível;
e está em toda parte.
Como resistimos ainda? Há somente uma resposta. E graças à
“sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os crem os” . O Deus
que nos salva é o Deus que nos guarda, e sem Ele não resistiríamos um
segundo. Portanto, a glória só tem que ser inteiramente de Deus. “E
(ele) vos vivificou, estando vós m ortos.” Tomara que os nossos olhos
sejam abertos e enxerguemos o problema e avaliemos a sua profundi­
dade; e então saberemos que este Poder que nos sustenta nunca nos
deixará nem nos abandonará!

- 34 -
3
O PECADO ORIGINAL
“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em
que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo
o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos
filh o s da desobediência, entre os quais todos nós também antes
andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne
e dos pensamentos; e éramos por natureza filh o s da ira, como os
outros tam bém .” - Efésios 2:1-3

Em nossos estudos anteriores vimos que o prim eiro princípio do


apóstolo é que não poderemos entender a grandeza do poder da salvação
de Deus enquanto não compreendermos que, por natureza, o homem
está espitirualm ente morto. Além disso, temos que captar o fato de que
ele é governado por este mundo e pela mente deste mundo, que é
governado pelo princípio do mal que está operando neste mundo e que,
por sua vez, é governado pelo “príncipe das potestades do ar”, aquele
grande chefe, o diabo, satanás, o deus deste mundo, que exerce controle
sobre todos os poderes e forças que dirigem e governam os hom ens e
determ inam o tipo de vida que o homem leva neste mundo. Esse é o
estado, a condição.
Como é vital que compreendamos isto! Vital não somente do ponto
de vista do entendimento do evangelho, mas certamente, num sentido
m uito prático, absolutamente essencial para o entendimento dos tempos
nos quais vivemos, internacionalmente e também num sentido nacional.
N ada é tão fátuo como a idéia de que a doutrina cristã é afastada da vida.
Não existe nada mais prático, e o mundo está hoje em suas atuais
condições de desordem porque os homens não querem reconhecer a
veracidade daquilo que a Bíblia ensina sobre o homem. Observem a
situação industrial, e m esmo a financeira. Qual é o problem a? Bem, o
que nos dizem é que a produção não é tão alta como deveria ser. P orque
não é? Essa é a questão. Por que não estamos produzindo mais? Ê a
resposta é, obviamente, que não estamos produzindo mais porque o
hom em se encontra num estado de pecado. Vocês notam que digo “o
hom em ”, não “os hom ens” . Digo “o hom em ” para incluir todos os
homens. Não estamos produzindo quanto deveríamos produzir porque
os empregadores e os empregados estão ampliando cada vez mais a sua

- 35 -
idéia quanto à extensão do fim de semana. Isto aplica-se a todos. Se um
hom em tem direito de alargar o seu fim de semana, o outro tem igual
direito. E todos, porque se acham em pecado e egoísmo, como vou
m ostrar-lhes, estão agindo assim. D aí o nosso maior problem a no
momento. “Donde vêm as guerras e pelejas entre vós?”, pergunta
Tiago, e responde asuaprópriapergunta. Elas vêm “dos vossos deleites,
que nos vossos membros guerreiam” (4:1). E a tragédia é que o mundo
e os seus líderes e os seus estadistas, porque não reconhecem o ensino
das Escrituras, acham que podem explicar isso noutros termos. Os
diversos grupos se culpam uns aos outros, e os diversos países se culpam
uns aos outros, não percebendo que todos eles estão juntos no pecado;
e enquanto estiverem em pecado e forem egocêntricos e egoístas, só
terão em conta a si mesmos, e o m undo continuará com seus problemas.
Assim vocês vêem que esta doutrina bíblica do pecado é a coisa mais
prática do mundo; e, não obstante, as pessoas a deixam de lado com
desdém, e é pena, porém nisto se incluem até mesmos os cristãos. Quão
distante do ensino bíblico estáacom uníssim aidéiadequeocristianism o
é sim plesm ente um a coleção de num erosas máximas de moral, e que
você deve ir à igreja aos domingos apenas para receber algum
encorajamento, para que lhe digam qual é o seu dever e que você é bom
se o pratica, e nada mais. Isso nem é o começo do estudo do verdadeiro
problem a. Antes de podermos ter a mínima possibilidade de com preen­
der a verdadeira natureza do problema, temos de entender o que é o
homem no estado de pecado. Só então veremos claram ente que nada,
senão a renovação espiritual e a ação do Espírito Santo, têm possibili­
dade de lidar com a situação e de nos livrar em todos os aspectos. É por
estas razões, pois, que estamos considerando este ensino.

Portanto, havendo examinado o homem em seu verdadeiro estado


e condição, chegamos ao segundo ponto, que é a explicação da sua
condição. Por que o homem se acha nessas condições? O que o levou
a isso? Qual a explicação? O apóstolo responde com um a série de
expressões epalavras que eleusanestes três versículos. Vamos examiná-
-las. A prim eira expressão importante é: “filhos da desobediência” .
“Em que noutro tem po”, diz ele, “andastes segundo o curso deste
mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora
opera nos filh o s da desobediência.” Que expressão significativa e
importante! Que significa? Não significa apenas crianças ou filhos
desobedientes. Esta é uma expressão bíblica deveras característica.
Vocês encontrarão expressões semelhantes em muitos lugares. Vocês

- 36 -
recordam como um dia o nosso Senhor voltou-Se para os judeus e lhes
disse: “Vós tendes por pai o diabo, e quereis satisfazer os desejos de
vosso pai” (João 8:44). Também se lembram de como, no Velho
Testam ento, muitas vezes vêem que certos ímpios são tratados como
“filhos de Belial”, ou por outra expressão semelhante. Devemos, pois,
considerar a expressão como dizendo que a desobediência é a origem
deste caráter distintivo. Somos filhos da desobediência no sentido de
que é a desobediência que nos leva a sermos exatamente o que somos.
Pois bem, é isso que o apóstolo está ressaltando aqui.
É sempre esse o ponto essencial da explicação bíblica sobre por que
o homem é assim. O problema primário, essencial, é a desobediência.
Foi isso que levou a todos os nossos problemas e desgraças. Noutras
palavras, trata-se da nossa relação com Deus. E vocês notam que a ênfase
é que o pecado não é meramente negativo, não é meramente ausência
de qualidades, não é meramente ausência de alguma coisa; é positivo,
é ativo, á deliberado. É des-obediência, é fuga da obediência, é questi­
onar o direito que Deus tem de exercer o comando sobre nós, noutras
palavras, é rebelião. E é isso que Bíblia nos diz sobre o homem, do
começo ao fim. O homem não é simplesmente uma pobre criatura que
nunca teve chance e para com quem, portanto, vocês devem ser muito
compassivos e muito tolerantes. Essa é a idéia moderna, vocês sabem.
A doutrina bíblica do pecado saiu realmente do pensamento dos homens
háuns sessenta ou setenta anos, e apsicologiaentrou em seu lugar. É por
isso que a disciplina e a punição desapareceram. A idéia agora é que, na
verdade, todos nós somos, essencialmente, muito bons, e o problem a é
que nunca nos foi dada um a chance. O que necessitamos, dizem, é
encorajam ento. Não acreditamos na lei e nas sanções morais. Isso é
considerado duro e cruel. O resultado disso tudo é a bancarrota da
disciplina em todos os departamentos da v id a -n o lar, naescola, nas ruas,
na indústria, no comércio, em toda parte. Vocês vêem como esta
doutrina é vital! A Bíblia ensina que os nossos problem as decorrem
todos da desobediência inicial; que o homem é um rebelde contra Deus
e deliberadamente se rebela contra Deus. E, naturalmente, isso tudo
provém do seu amor próprio. É a auto-afirmação do homem, o
posicionam ento do homem contra Deus, o seu desejo de ser deus.
Isto se desenvolve ao longo de três linhas principais. Obviamente,
a prim eira é que o homem nega a sua condição de criatura. Ele se opõe
a isso. O homem não gosta da idéia de que ele é um a criatura feita e criada
por Deus. Ele acha que esta idéia de ser ele um a criatura é um insulto
a ele, algo que o diminui e que diminui a suagrandeza e glória essencial.

- 37 -
Ele não gosta da idéia de que há alguém acima dele, mesmo Deus. Ele
gosta de pensar que o homem é supremo, está acima de todas as coisas,
e pode olhar de cim a para todas as coisas. Esse é o coração e o cerne da
objeção do homem a Deus e da sua oposição a Deus, O homem se ofende
por natureza com a idéia de que existe algo ou alguém que ele não pode
abarcar com a sua mente; e quando se lhe diz que ele é tão-somente um a
criatura e que a sua atitude para com o Criador, o Senhor Deus Todo-
-poderoso, deveria ser a de humilhar-se e cair sobre o seu rosto diante
de Deus, ele se opõe a isso. Acha que é um insulto, e afirma que não é
um a criatura, e que além dele não existe nada. D aí vocês têm o ateísmo
do hom em moderno, a sua objeção a Deus e a sua negação de Deus. Isso
tudo surge do fato de que ele se opõe a esta idéia de que ele é uma criatura,
de que ele é alguém que Deus fez, criou e modelou para Si.
Outra maneira pela qual isto se manifesta - e obviam ente decorre
da prim eira - é que o homem sempre quer afirmar a sua auto-
su fic iê n c ia pessoal. Ele acredita que ele próprio é suficiente. E
evidente que a Bíblia diz exatamente o oposto - que não somente o
hom em foi feito por Deus e para Deus, mas também que ele é
dependente de Deus, e que só pode ser feliz quando está em harm onia
com Deus e quando obedece a Deus. Toda a concepção bíblica do
hom em é que, assim, ele se acha num estado de completa dependência
de Deus e que o seu bem-estar depende da sua compreensão disso e de
praticá-lo. Todavia, é claro que isso contraria o que o homem sempre
achou de si mesmo. Ele sempre achou que é auto-suficiente, que tem os
poderes necessários e que só precisa pô-los em exercício para fazer um
m undo perfeito e um a vida perfeita para si. Ele se acha competente para
com andar os seus interesses da m aneira certa, e que não necessita nem
de ajuda nem de assistência.
Por isso não há nada que ofenda tanto o homem natural como o
evangelho que lhe diz que ele é salvo unicamente pela graça de Deus,
que ele, como um mendigo, tem que aceitar como um a dádiva gratuita.
Diz ele: não afundei tanto assim, não sou perfeito, talvez, mas não sou
um mendigo, há algo que eu possa fazer e que sou capaz de fazer. É a
doutrina da graça que o homem odeia mais que tudo. Essa é “a ofensa”
ou “o escândalo da cruz” ; e isso continua existindo porque o homem
acredita em sua auto-suficiência, em sua capacidade, em seu poder
inerente. Essa é um a expressão da sua desobediência. Ele não quer
aceitar a graça, não quer acreditar nela, rebela-se contra ela e luta contra
ela.
Ou talvez possamos explicar isso da seguinte maneira: é a afirma­

- 38 -
ção que o homem faz da sua autonomia, da sua independência de Deus.
O homem autônomo é o que se pensa do homem que todos os modos
pode gerir todos os seus interesses e que não precisa de ajuda nem de
assistênci a de parte alguma, nem mesmo de D eus! O homem autônomo,
o homem auto-suficiente, o homem autodeterminativo, o homem
independente, o homem como deus, o homem como o senhor do
universo, o homem no trono e sobre um pedestal!
Certamente todos hão de reconhecer que isso nada mais é que uma
descrição do homem como ele é fora da fé cristã. Ele é completamente
desobediente, e se orgulha disso com arrogância. Ele promove a sua
personalidade e a sua auto-suficiência. E essencial forçar a questão a esse
ponto. A desobediência, como eu disse, é ativa, ativa até igualar-se à
inimizade. Se não compreendermos isso, é sinal que ainda não enten­
demos esta doutrina. Portanto, deixem-me interpretar o que o apóstolo
diz aqui com o que ele diz na Epístola aos Romanos, capítulo oito,
versículo sete: “A inclinação da carne”, diz ele, “é inimizade contra
Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” .
Que declaração! E que importante adendo! O homem desobedece
porque está em inimizade contra Deus; odeia a Deus. Ah, mas, vocês
dirão, conheço muitos que não são cristãos, porém que dizem que crêem
em Deus. Não, não crêem! Crêem numa ficção, num produto da sua
imaginação; eles não crêem em Deus. Se cressem em Deus, creriam em
Seu Cristo, como o nosso Senhor mesmo argumenta em João 8:30-45.
M as não crêem. Crêem simplesmente no que eles pensam e imaginam
que Deus é, no deus que eles próprios fabricaram. Isso não é Deus! “A
inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de
Deus, nem, em verdade, o pode ser.”
Isso é importante, nesse sentido, que mostra que o homem, em
conseqüência do pecado, em conseqüência de ser ele dominado pelo
diabo e pelo princípio que este introduziu, e pela mente deste mundo,
acha-se em tal estado e condição que ele não pode obedecer a Deus.
É isso que o grande M artinho Lutero chamava “escravidão da vontade” .
Contudo, para o homem em pecado e para o homem m oderno, que
doutrina odiosa! “A escravidão da vontade!” A minha vontade é livre,
diz o homem. O homem gosta de pensar que é absolutamente livre para
escolher o que quiser, que ele pode escolher servir a Deus, se o desejar;
que pode escolher ser cristão, se assim for o seu desejo. A afirmação da
vontade do homem, do livre-arbítrio, é a ordem do dia. Mas a Bíblia fala
em “filhos da desobediência” ; e “Vós tendes por pai o diabo, e quereis
satisfazer os desejos de vosso pai” . Diz o nosso Senhor que você é

- 39 -
incapaz. O homem natural não é sujeito “à lei de Deus, nem, em
verdade, o pode ser” - ele é incapaz disso. Desde a queda de Adão, isso
de livre-arbítrio, de vontade livre quanto a obedecer a Deus, não existe.
Adão tinha livre-arbítrio; nunca mais ninguém o teve. A liberdade de
vontade perdeu-se na Queda; nesta o homem passou a ser escravo do
pecado e a estar sob o domínio do diabo. Sua vontade está presa. “Se
ainda o nosso evangelho está encoberto”, diz o apóstolo aos coríntios
(2 Coríntios 4:3 e 4) “para os que se perdem está encoberto. Nos quais
o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos”, para que
não creiam no glorioso evangelho de Cristo. O diabo não os deixa crer.
“O valente guarda, armado, a sua casa, em segurança...” (Lucas 11:21).
Essa é a condição do homem sob o domínio do diabo; ele não é livre. Não
é livre para não pecar. “Filhos da desobediência” ! “Nem, em verdade,
o pode ser” ! E incapaz disso. Tal a profundidade em que o homem
afundou em pecado. E, contudo, é aí que entra o paradoxo, por assim
dizer. Apesar disso, tudo o que o homem faz, ele o faz deliberadamente.
Ele quer pecar, gosta de pecar, gloria-se em pecar. Não exerce negati­
vamente a sua vontade para pecar; o que ele não pode fazer é querer o
bem positivo, o bem espiritual. É incapaz disso, e aí está porque ele
precisa “nascer de novo” e ter nova natureza. Mas ele pode querer o
mal, e sente prazer em praticá-lo. O que ele não percebe é que ele se
tornou incapaz de querer o bem e de querer alguma coisa que esteja
direcionada para a salvação. Ele não é livre para isso. Filhos da
desobediência, a prole da desobediência, a progênie da desobediência!
Há no universo um a mente má, e nós somos seu fruto. Esse é o ensino
bíblico. Acaso não é extraordinário que alguém que tem entendimento
nestas questões possa discutir isso por um momento que seja? O mundo
atual está simplesmente demonstrando e provando esta verdade. Os
homens e as m ulheres são escravos do diabo, estão sob a escravidão do
diabo; estão sob o poder e domínio de satanás.

Basta para a prim eira expressão, mas examinemos a segunda. Esta


se acha no fim do versículo três: “e éramos por natureza filhos da ira,
com o os outros tam bém ” . Destaco as palavras “por natureza” . Esta,
obviamente, é um a expressão sumamente importante. É isso que
explica por que somos filhos da desobediência e por que temos esta
atitude particular com relação a Deus. O apóstolo a usa prim ariam ente
aqui, na explicação do seu ensino de que estamos “sob a ira de D eus” .
Estam os sob a ira de Deus, diz ele, “por natureza” . Espero tratar disso
mais adiante. Agora quero mostrar que a expressão significa algo mais

- 40 -
que aquilo. Somos o que somos, em todos os aspectos, “por natureza” .
Se vocês preferirem outra tradução, poderiam usar em seu lugar a
expressão “por nascim ento”, “e éramos por nascimento filhos da ira,
com o os outros tam bém ” .
Noutras palavras, o ensino aqui é o mesmo ensino da Bíblia toda
concernente ao homem em pecado, ensino segundo o qual nascemos
neste mundo com uma natureza desobediente. Não nascemos com
equilíbrio justo, com a possibilidade de ir por este ou aquele caminho.
Nascemos com forte inclinação unilateral. Davi o expressa memoravel-
mente no Salmo cinqüenta e um, versículo cinco: “Eis que em iniqüi­
dade fui formado, e em pecado me concebeu minha m ãe” . Que profunda
peça de auto-análise e de psicologia! Se vocês querem psicologia, vão
às Escrituras. A í está um homem, Davi, examinando-se. Tinham-no
feito lembrar-se do que ele fizera, o adultério e o homicídio que se lhe
seguiu. Ele é despertado e se examina a si mesmo, e parece estar dizendo
a si próprio: como pude fazer isso? Como pode alguém fazer tal coisa?
Que é que torna um homem capaz disso? Que será? E, diz ele: há
somente uma resposta, e é tão profunda como isto: em iniqüidade fui
form ado - “form ado” em iniqüidade - e “em pecado m e concebeu
m inha m ãe”.
Esta doutrina não é popular hoje. O homem em pecado jam ais
gostou dela. O que ele gosta de dizer, naturalmente, é que todos nós
nascemos neutros. Vejam aquela criança, quão m aravilhosa e perfeita!
Bem, porque é que elapeca quando cresce? Ora, dizem eles, vocês vêem
aqui qual é o problema; é o mundo pecaminoso ao qual ela vem: ela vê
coisas más, vê maus hábitos, e aos poucos vai sendo influenciada por
eles. Dizem eles que com a criança tudo está bem, mas com o ambiente
não. Se tão-somente a criança fosse colocada num mundo perfeito, ela
perm aneceria perfeita; entretanto, vem a um mundo imperfeito e vê e
pega hábitos, ouve falar e vê as coisas que as pessoas fazem, e
gradativam ente assimila essas coisas e as pratica. E tudo questão de
ambiente, mau exemplo, má influência. Não, diz a Bíblia, não é não.
Essa criança foi formada em iniqüidade, e foi concebida e nasceu em
pecado. Quando vimos a este mundo, a nossa natureza já está corrom ­
pida. Herdamos um a natureza pecam inosa dos nossos antepassados e
dos nossos pais; começamos com isso. As tendências e os desejos estão
todos ali, e tudo o que o mundo faz é dar-nos um canal de escoamento.
H á dentro de nós um arebelião, um desejo de ter as coisas proibidas. Isso
aparece logo no início. É um a das primeiras coisas que manifestamos,
todos nós. Por quê? Bem, “por natureza” .

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Noutras palavras, o defeito central surge neste ponto da seguinte
maneira: inclinamo-nos a pensar no pecado em termos de atos especí­
ficos da vontade; e daí nos inclinamos a estar cegos para o fato de que
somos pecadores independentemente das nossas ações, de que o pecado
está em nós e é parte integrante da nossa natureza. Devemos livrar-nos
da idéia de que tudo está bem conosco enquanto não chega a tentação e
caímos. Isso é verdade quanto a um pecado, uma ação pecam inosa.
Neste caso, eu exerci a m inha vontade e fiz o que não devia! M as essa
explicação não é completa. A real questão é esta: o que foi que me levou
a essa ação? A resposta é que foi “algo” que está dentro de mim. Vejam
as palavras do nosso Senhor, que falou disso um a vez por todas: “O que
contam ina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca,
isso é o que contamina o hom em ... Porque do coração procedem os maus
pensamentos, mortes, adultérios, prostituição...” e tudo o mais (Mateus
15:11,19). A dificuldade está no coração do homem. É esta natureza
decaída, pecaminosa. E o que Paulo chama, no capítulo sete de Rom a­
nos, “a lei do pecado que está nos meus m em bros” ; “em mim, isto é,
na minha carne, não habita bem algum ” . Ela é corrupta, é má, por
natureza. “Somos por natureza filhos da ira, como os outros tam bém .”
Isso é de vital importância. Se a outra teoria estiver certa e o homem
nasce mais ou menos neutro, e se os seus problemas forem causados pelo
fato de que as coisas más ou um mau ambiente o levam a extraviar-se,
então, tudo o que você terá que fazer é tratar do ambiente. E essa tem
sido a filosofia dominante nos últimos sessenta a setenta anos. Tem-se
considerado o problem a como sendo um problem a de educação, de
m oradia e de m elhoria econômica, quase exclusivamente. Só tínhamos
que dar ao homem as condições certas, e dar-lhe o ambiente certo e o
conhecimento adequado, e ele estaria totalm ente bem. No entanto, hoje
em dia, seguramente, temos que começar a compreender que a verdade
não é essa, que isso não funciona. Vocês podem dar ao hom em as
condições mais ideais, e ele irá mal. Foi no Paraíso que o homem caiu !
E se o homem, em suas perfeitas condições originais, pôde cair em
pecado, quanto mais o homem já decaído! Este é um princípio que por
si mesmo se dem onstra em todas as relações humanas, em toda parte.
E uma lástima, mas o problema e a tragédia estão em um nível muito
profundo. A Bíblia não está sozinha neste ensino. Shakespeare o expôs
de m aneira memorável: “O defeito, caro Brutus, não está em nossas
estrelas, mas em nós, que somos desprezíveis” . “Por natureza” !
Começamos com isso, com um a tendência para o mal, tendo a vontade
em escravidão, sob o domínio de satanás, com cobiças e maus desejos,

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como veremos, já ali e esperando por uma oportunidade para dem ons­
trar-se e manifestar-se.

Passamos a seguir à palavra muito importante “todos” . “Em que


noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe
das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desbediência.
Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa
carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por
natureza filhos da ira” - e de novo ele o d i z - “como os outros tam bém .”
Ou, se vocês preferirem outra tradução - “como o restante da hum ani­
dade” . “Todos”, é universal. Ora, isso é uma coisa impressionante.
Este ponto era muito apropriado para o argumento particular do apóstolo
precisam ente aqui. Seu tema é, vocês se lembram, como Deus em
Cristo, na plenitude dos tempos, vai reunir todas as coisas em Cristo,
“tanto as que estão nos céus como as que estão na terra” . E diz o apóstolo
que Ele já começou a fazê-lo, No capítulo primeiro, versículo onze, ele
afirma que alguns que são judeus creram no evangelho e estão no reino.
Ele prossegue, dizendo que alguns que eram gentios também obtiveram
herança. Aqui ele retoma o ponto - “E vos vivificou” . Ele fez a mesm a
coisa com vocês, gentios. Mas seu grande desejo é que ninguém pense
que ele está dizendo estas coisas somente acerca dos gentios. Não,
“todos” nós andávamos nos desejos da nossa carne, “todos” nós
éramos filhos da ira, como os outros também. O que ele diz aqui sobre
o homem em pecado é verdade com relação ao judeu, como também com
relação ao gentio.
Como era difícil para o judeu acreditar nisso! Durante séculos ele
tinha acreditado que estava completam ente separado: o judeu! Fora
estavam os cães, os gentios, os estrangeiros. Estes estavam fora da
“comunidade de Israel”. O judeu era filho de Deus, estava a salvo
porque era judeu. Ele era totalmente justo e melhor do que todos os
outros que eram pecadores, os cães dos gentios, os quais estavam fora.
Como lhe era difícil aceitar uma doutrina que afirma que ele era tão
pecador como o gentio! Essa era a pedra de tropeço para o judeu; ele não
gostava disso. E esta classificação da humanidade ainda se vê em
diferentes formas e moldes. No entanto, aqui o apóstolo diz, “não
somente os gentios”, mas “também os judeus”. E vocês notam que até
a si mesmo ele inclui. Tendo começado com “vós”, agora diz “nós” .
Essa é a verdade a respeito de Paulo, o apóstolo! É inimaginável, não é?
M as essa fora a tragédia da sua vida antes da sua conversão. Como Saulo
de Tarso, ele estava satisfeito com a sua vida; “segundo ajustiça que há

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na lei, irrepreensível” (Filipenses 3:6). E (em Romanos, capítulo 7) ele
nos conta como foi que veio a enxergar o seu erro. Foi quando ele
entendeu a lei, que dizia: “Não cobiçarás” . Então “reviveu o pecado,
e eu m orri” . Quando se deu conta de que a lei dizia “você não pode
desejar”, “você não pode cobiçar”, ele viu o real significado da lei e viu
que ele era um terrível pecador. Escrevendo a Timóteo, ele diz: “Esta
é um a palavra fiel, e digna de toda aceitação, que Cristo Jesus veio ao
mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal” (1
Timóteo 1:15). Ele se considera o principal dos pecadores. “Todos nós
também antes andávamos nos desejos da nossa carne...”.
Esta é a verdade com referência a “todos” . Todavia, as pessoas
ainda são muito lerdas para ver isso. Dizem elas: veja esta descrição do
pecado que você faz naqueles três versículos. E claro, diz o homem, que
eu posso ver muito bem que isso se aplica a certas pessoas. Eu ando pelas
ruas e vejo aquele pobre bêbado, e aquela mulher decaída. Vejo pecado
em seus trapos e em seus vícios. Você está totalmente certo no que diz
com relação a tais pessoas e quando fala de uma natureza má e das
luxúrias da carne, das luxúrias da mente, e assim por diante. Concordo
plenam ente com você. Mas nós não somos daquele tipo de gente.
Porventura não existe gente boa, de boa moral, e decente, gente íntegra
e religiosa? Você está falando isso dessa gente? A resposta do apóstolo
Paulo é “todos”, “como os outros também” ; toda a humanidade, sem
um a única excessão. Todos fomos formados em iniqüidade, concebidos
em pecado. “Todos” nós temos esta natureza pecaminosa.
O erro fatal é pensar no pecado sempre em termos de atos e ações,
e não em termos de natureza e de disposição. O erro está em pensar nele
em termos de coisas particulares em vez de pensar nele, como devíamos,
em termos de nossa relação com Deus. Vocês querem saber o que é o
pecado? Eu lhes direi. Pecado é exatamente o oposto da atitude e da vida
que se enquadram em , “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu
coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu
entendim ento” . Se você não está fazendo isso, você é um pecador. Não
im porta quão respeitável você seja; se você não está vivendo inteira­
m ente para a glória de Deus, você é um pecador. E quanto mais você
imaginar que é perfeito em si mesmo e independentemente de sua
relação com Deus, maior será o seu pecado. É por isso que qualquer um
que leia o Novo Testamento objetivamente poderá ver claramente que
os fariseus dos tempos do nosso Senhor eram maiores pecadores (se se
pode empregar tais termos) do que os publicanos e os pecadores
declarados. Por quê? Porque eles se davam por satisfeitos consigo

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mesmos, porque eram auto-suficientes. O cúmulo do pecado é a pessoa
não sentir necessidade da graça de D eus. Não existe pecado maior do que
esse. Infinitamente pior do que cometer algum pecado da carne é você
achar que é independente de Deus, ou achar que Cristo jam ais precisou
m orrer na cruz do Calvário. Não há maior pecado do que esse. A auto-
-suficiência final, a auto-satisfação final e a justiça própria, é o pecado
dos pecados; é o cúmulo do pecado, porque é pecado espiritual. Assim,
quando você chega a compreender isso, passa a compreender que o
apóstolo não está exagerando quando diz “todos nós” , “como os outros
tam bém ” .

Esse é o homem em pecado, e é verdade universal. Há somente um a


explicação adequada disso. E a que nos é dada no começo do livro de
Gênesis. É a doutrina bíblica da Queda e do pecado original. Não se pode
com preender o mundo moderno à parte da doutrina do pecado original.
Tudo aconteceu da seguinte maneira: um homem, Adão, o representante
da humanidade, pecou, rebelou-se e caiu. E as conseqüências passaram
a toda a sua progênie. Eu os desafio a explicarem a universalidade do
pecado em quaisquer outros termos. Simplesmente não se pode fazer
isso. Todas as outras teorias caem por terra. É por isso que temos que
crer nos primeiros capítulos de Gênesis, se é que devemos crer no Novo
Testamento. Sem isso não se pode ter um a verdadeira doutrina da
salvação. As duas coisas vão juntas, como Paulo o prova no capítulo
cinco da Epístola aos Romanos e de novo, e exatamente da m esm a
maneira, no capítulo quinze da Primeira Epístola aos Coríntios. Esse é
o problem a do homem; e é por isso que o homem é como é. Adão caiu,
Adão pecou; e o resultado é que toda a semente de Adão nasce em
corrupção, com um a natureza corrupta. É universal, acontece em toda
parte. E isso que “estabelece o parentesco do mundo inteiro” ; é isso que
torna absurdas todas as suas “cortinas”, todas as suas barreiras de cor
e todas as suas filosofias. Nisso o mundo inteiro é um só. Todos nós
estamos em pecado, somos filhos da desobediência, herdeiros de um a
natureza decaída que se expressa e se manifesta da maneira como iremos
considerar - “nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne
e dos pensam entos”, estando, pois, sob a ira de Deus e completam ente
desamparados.
Deixo o assunto nesta altura, porque estou pregando com a supo­
sição de que me estou dirigindo a cristãos. M as se eu estivesse pregando
isto a um auditório misto, não pararia aí, não me atreveria a parar aí. Eu
continuaria, dizendo: “M as, quando estávamos nesta situação, em Sua

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infinita graça e amor e misericórdia, Deus nos vivificou” . Nada menos
que isso podeira fazê-lo. Que outra coisa mais poderia tratar do homem
em tais condições? Nada menos que o soberano poder de Deus - o poder
que, como Paulo dissera ao final do capítulo primeiro, fez o Senhor Jesus
ressuscitar dentre os mortos e O elevou e O colocou “à sua direita nos
céus, acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de
todo o nome que se nomeia” . N ada menos que o poder de Deus pode
resgatar e redim ir e salvar o homem. Entretanto, Ele o fez em Cristo. E
nós, que somos cristãos, fomos levantados daquela terrível condição em
que estivéramos outrora, unicam ente por causa da Sua m aravilhosa
graça.

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4
A VIDA SEM DEUS
“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados,
em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo,
segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora
opera nos filhos da desobediência, entre os quais todos nós também
antes andávamosnos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da
carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filh o s da ira, como
os outros também. ” - Efésios 2:1-3

Ao voltarmos a considerar esta tremenda e sumam ente vital


declaração, lembramo-nos de que o apóstolo a introduz com o fim de
assinalar a grande idéia que ele tinha começado a expor no capítulo
anterior, a saber, que nós, como povo de Deus, devemos compreender
“a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que crem os”.
Diz ele que o que necessitamos fazer é avaliar este grande poder. A
m aneira de fazê-lo, diz ele, é dar-nos conta primeiramente da profundi­
dade da qual Deus teve que levantar-nos, e depois considerar a altura à
qual nos levou. Quando entendermos a profundidade e a altura, teremos
algum concepção da sobreexcelente grandeza do poder de Deus.
Assim, primeiro o apóstolo descreve o nosso estado e condição em
pecado, o que nós éramos antes de apoderar-se de nós este poder. A
segunda coisa que ele faz é dar-nos um a explicação de com o nós
entramos naquele estado. A í ele nos apresenta a grande doutrina do
pecado original.

Agora ele chega ao terceiro ponto, a verdadeira maneira pela qual


tudo isso se mostra e se manifesta na prática, em nosso viver comum.
Ao tratar disso, ele nos apresenta incidentalmente este terceiro grande
poder contra o qual nós temos que lutar nesta vida terrenal. Ele já tinha
tratado do m undo e do diabo; agora vai tratar da carne. Temos um
conflito contra o mundo, a carne e o diabo - e agora vamos examinar este
conflito com a carne. O homem em pecado, segundo o apóstolo, está
levando um a vida dom inada pelas “concupiscências da carne” . Isso
porque ele nasce com uma natureza corrupta, resultante do pecado
original, por sua vez resultante daquela transgressão e rebelião original
do hom em contra Deus, o que produziu a Queda. Noutras palavras,

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vemo-nos aqui, nestes três versículos, no centro mesmo das maiores
profundezas da doutrina cristã; e Paulo nos faz lembrá-las a fim de
capacitar-nos a ver a grandeza, não somente do poder de Deus, e sim
também do Seu amor e da Sua graça e da Sua misericórdia. O espantoso
é Ele ter sequer olhado para tais pessoas ou sequer preocupar-Se
conosco!

Vejamos, pois, estas coisas. A vidado homem, no estado de pecado


e fora da graça, é, de acordo com o apóstolo, uma vida de ofensas e
p eca d o s- “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados” .
Isso resume tudo. pode-se resumir a vida do mundo inteiro hoje com
essas duas palavras “ofensas” e “pecados” . Que é que elas significam?
E óbvio que o apóstolo está pensando em nuanças de significado aqui;
do contrário, ele não teria utilizado as duas palavras. Ele o fez
deliberadamente.
Que é um a ofensa (ou um delito)? É um a transgressão externa. De
fato o sentido radical da palavra é de algo que se aparta do verdadeiro e
do íntegro. O homem foi criado com o propósito de ser ele íntegro,
verdadeiro, justo e santo; ele se apartou disso, afastou-se disso, não é
mais íntegro. É como algo inclinado ou caindo ao chão; saiu da sua
posição verdadeira, da posição perpendicular.
Que é que ele quer dizer com a palavra “pecados” ? E um termo
muito amplo e compreensivo. Inclui todas as manifestações do pecado
considerado como um princípio interior. E isso que ele quer dizer com
o termo “pecados” . Os pecados são as manifestações externas deste
princípio interior chamado pecado e que estivemos considerando. Há
em cada um de nós este princípio corrupto, e este se manifesta no que
chamamos pecados. Temos, pois, aqui, uma definição muito com preen­
siva da vida do homem fora da graça d iv in a - um a queda do verdadeiro,
do certo, do íntegro e do justo, e todas as manifestações externas deste
princípio mau que há dentro de nós. E isso que se quer dizer com ofensas
e pecados. E, de acordo com o apóstolo, esta é a vida do homem separado
da graça de Deus; é como ele “anda”, diz o apóstolo. Vocês notam como
ele o expressa: “em que noutro tempo andastes” . E depois, noutra frase:
“Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da
nossa carne” . O que ele quer dizer por “conversação” , como geral­
mente se dá no caso da Versão Atualizada (inglesa), não é “conversa” ,
mas “m aneira de viver” . Vocês recordam do que o apóstolo diz no fim
do capítulo três da Epístola aos Filipenses: “A nossa conversação está
nos céus”(VA). Não significaconversa ou fala. É um termo que se usava

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nos séculos dezesseis e dezessete para expressar um modo ou m aneira
geral de vida.

Essa é a descrição das nossas ações. Contudo, afinal de contas, as


ações sempre expressam alguma outra coisa. Há um ditado que efetiva­
mente diz, “como um homem pensa, assim ele é” . Exam inem a conduta
e o comportamento de um homem e, se fizerem um exame fidedigno,
descobrirão a sua filosofia. Todos nós expressamos as nossas idéias da
vida segundo a m aneira pela qual vivemos. Isso é exatamente real
quanto ao homem em pecado, diz o apóstolo. O que vocês vêem são as
ofensas e os pecados. Sim, mas o que é que leva às ofensas e pecados?
Ele tem sua resposta para nós. Tudo se deve a esta natureza corrupta, o
que ele explica com as palavras: “Entre os quais todos nós também antes
andávamos nos desej os da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos
pensam entos” .
Essa é a declaração que vamos considerar agora. Essa é a vida do
homem sem a graça de Deus em Jesus Cristo. Ela está corrompida. É
uma vida vivida nos desejos da carne. E o que o apóstolo salienta e que,
portanto, eu estou desejoso de salientar, é: esta verdade se refere a todos
os homens, sem exceção. E verdade universal, válida para toda a
hum anidade; não se refere apenas a certas pessoas, porém, a todas:
“todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne...e
éramos por natureza filhos da ira, como os outros também” . Devemos
apegar-nos com firmeza a esta idéia da universalidade das condições do
homem. Todos os homens estão, por natureza, vivendo uma vida que é
segundo os desejos da carne.
Exam inemos esta grande declaração. Vocês notam o desenvolvi­
m ento extraordinariamente lógico da declaração do apóstolo. As ofensas
e os pecados resultam deste “desejo da carne” . M as essa é uma
expressão geral, pelo que o apóstolo a subdivide. Os desejos da carne se
manifestam ao longo de duas linhas principais - “os desejos da carne”
e “os desejos dos pensam entos”(ou “da m ente”). O problem a funda­
mental é que estamos vivendo “nos desejos” (ou “nas concupiscên-
cias”) da carne; e isso se m anifesta em nossa obediência aos “desejos
da m ente” e aos “desejos da carne” .
Que significa o termo carne? É um termo muito im portante no
Novo Testam ento, e é igualmente importante que entendamos clara­
m ente o que ele significa. Há sistemas de teologia que erram principal­
m ente porque nunca entenderam direito este termo escriturístico “car­
ne” . Vocês notam que este termo é utilizado duas vezes neste versículo

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três: “Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos
da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensam entos” . É de
imediato evidente que a palavra “carne” é empregada aí pelo apóstolo
em dois diferentes sentidos, doutro modo ele estaria sendo repeticioso.
Em prega “carne” primeiro num sentido geral, e depois num sentido
particular. Assim, é muito importante sabermos a conotação precisa
cada vez que ele emprega o termo.

Esta palavra “carne” é empregada nas Escrituras de quatro princi­


pais maneiras, duas gerais e duas particulares. O que quero dizer é: a
palavra “carne” às vezes é usada nas Escrituras para representar toda a
humanidade. Vejam um a frase como a seguinte: “Toda carne é erva e
toda a sua beleza como as flores do cam po” (Isaías 40:6). Carne aí é
em pregada para abranger a humanidade inteira, “toda carne”. Essa é
uma das maneiras, e muito geral. Todavia, às vezes é empregada também
para descrever a cobertura dos nossos ossos. De que consiste o corpo
hum ano? Bem, há o esqueleto, a estrutura que consiste de ossos etc. Mas
não se vêem os ossos porque estão cobertos do que chamamos carne -
músculos, gordura, ligamentos etc. Pois o termo “carne” às vezes é
utilizado desse modo. Jó diz: “Em minha carne verei a Deus” (19:26),
e aí ele quer dizer realmente “no corpo” . Esses são os dois sentidos
gerais.
No entanto, há dois outros sentidos que são mais particulares e mais
espirituais em sua conotação. E estes são importantes para o nosso
propósito no momento. O primeiro é de novo m oderadamente geral, ou
tem um sentido m oderadamente amplo. “Carne” é em pregada pelo
apóstolo para indicar algo que é a completa antítese do Espírito, do
Espírito Santo. Há um perfeito exemplo disso em Gálatas 5:17: “Porque
a carne cobiça contra o Espírito (com E maiúsculo), e o Espírito contra
a carne: e estes opõem-se um ao outro” , Ali ele está empregando o termo
“carne” num sentido espiritual amplo; representa tudo que, no homem,
é oposto à ação, ao poder e à influência do Espírito Santo, Ora, isto é
trem endam ente importante, e, portanto, deixem-me oferecer-lhes mais
definições a respeito. Carne, neste sentido, significa a natureza hum ana
num estado de pecado, o homem em pecado. Ou vejam uma definição
ainda mais compreensiva de “carne”. É a com pleta natureza do homem
sem a graça renovadora de Cristo; assim, abrange a alma e as faculdades
m orais e intelectuais, bem como o corpo. Carne, neste sentido amplo,
geral, espiritual, é o homem em pecado, o homem todo, sem a graça de
Cristo. Inclui, portanto, o meu corpo e as suas funções, a m inha mente,

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os meus afetos, o meu tudo; o homem total, a totalidade do homem num
estado de pecado.
Mas finalmente o apóstolo usa este termo “carne” num sentido
espiritual mais restrito, referindo-se somente ao que se pode denominar
a parte sensorial da nossa natureza, ao corpo, á parte animal da natureza
e às m anifestações dessa porção animal. E importante que tenham os
estas quatro definições claramente em nossas mentes, e especialm ente
as duas últimas, as que têm referência espiritual - o homem todo em
pecado e, secundariamente, aparte animal do homem em pecado, aparte
corporal do homem, a parte sensorial, sensual do hom em em pecado.
E importante entender isso com clareza porque temos esta palavra
“carne” duas vezes neste versículo três, com o apóstolo usando-a em
dois diferentes sentidos. Bem, alguém dirá, isso não seria embaralhado
e confuso? Como posso saber em que sentido ele a está usando em dado
ponto? A resposta é muito simples. Se você levar em consideração o
contexto, jam ais errará. Esteja atento ao contexto, e o contexto o fará
acertar. Veja, por exemplo, este caso aqui: “Entre os quais todos nós
também antes andávamos nos desejos da nossa carne” - aí está a
realidade toda, o homem completo; particularmente, ele diz: “fazendo
a vontade da carne e dos pensam entos” . Agora, neste segundo exemplo,
“carne” é o oposto de “pensam entos” ou “mente”, não sendo mais o
homem todo. Que é, então? Bem, é unicam ente a parte corporal do
homem, a parte animal da natureza humana. Vê-se que o contexto dá a
resposta. N a prim eira vez, carne é geral; na segunda, é particular, o
oposto da mente, do intelecto, da parte superior. Desse modo, carne em
geral cobre os desejos do corpo e os desejos da mente. Sempre devemos
ser cautelosos, observando estas distinções, quando lemos estas Epís­
tolas.
O que o apóstolo está dizendo é que o homem vive sua vida de
ofensas e pecados porque é governado e dominado pelos desejos da
carne - carne no sentido geral. Mas o que quer dizer ele com desejos?
Novam ente temos um termo muito importante, trata-se de um forte
desejo (ou cobiça). E de fato o termo não significa mais que isso. O forte
desejo pode ser bom ou mau. Há, por exemplo, um a bem conhecida
declaração feita pelo nosso Senhor durante a última Ceia com os seus
discípulos, quando disse: “Desejei muito comer convosco esta páscoa,
antes que padeça” (Lucas 22:15). O termo traduzido por “desejei
m uito” é exatamente o que foi empregado no texto que estamos
focalizando. O sentido geral é, pois, forte desejo. Todavia, de novo é
evidente que se vocês prestarem atenção ao contexto, saberão se se trata

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de um bom ou mau desejo. Falando de modo geral, nas Escrituras o
termo se refere a um a forte e urgente cobiça de algo vedado ou proibido.
Agora, então, havendo entendido as nossas definições básicas,
podem os ver o homem em pecado, podemos ver os não cristãos,
podem os ver o que nós mesmos éramos antes de Deus, em Sua infinita
graça, havem os apreendido, haver nos despertado ehaver nos dado nova
vida. Esse é o quadro descritivo do homem natural, dominado por fortes
e urgentes cobiças de coisas que se opõem a Deus e às Suas santas leis.
O apóstolo, porém, tão desejoso está de que captemos isto com clareza,
que não se detém num a declaração geral. Ele quer que vejamos quão
com pleta é essa corrupção; quer que vejamos e compreendamos como
ela afeta o homem todo e cada um a de suas partes. Quando Adão caiu,
caiu o homem completo; não apenas o seu corpo, mas tudo em Adão caiu,
a sua mente, os seus afetos, a sua vontade; o homem em sua totalidade
caiu. Esta é a razão pela qual tantos, em seus sistemas teológicos, se
perdem - porque não compreendem isso; relacionam o termo unica­
m ente com a parte sensorial da natureza hum ana e, portanto, toda a sua
perspectiva só pode ser errada. Pensam que podem escolher a salvação,
quase pensam que podem salvar-se a si mesmos, que podem santificar-
-se, e assim por diante. Nunca se deram conta da totalidade da queda do
hom em em pecado. O homem todo está envolvido.
O apóstolo no-lo mostra fazendo aqui estas duas importantes sub­
divisões. Vocês percebem como é importante captar isso. Todos nós nos
referim os às vezes a certas pessoas como sendo elas pecadoras. E
quando dizemos isso, pensamos em certa classe de pessoas - pensamos
em bêbados, assassinos, adúlteros etc. Por outro lado, há gente boa,
pessoas excelentes, que nunca se fizeram culpadas dessas coisas, e nós
nunca sonharíamos em dizer que tais pessoas vivem segundo os desejos
da carne. “Desejos da carne”, dizemos, “é claro que lemos sobre eles
no jornal. Lá estão, as pessoas que enchem os tribunais com os seus casos
de divórcio.” Os desejos dacarne! Mas o ensino do apóstolo é que todos
nós, sem um a só exceção, vivemos por natureza nos desejos da carne.
Não há um a única exceção, desde que Adão caiu. A hum anidade inteira
vive nos desejos da carne. Vejamos como o apóstolo demonstra essa
verdade.

Prim eiram ente ele se refere aos “desejos da carne”. Que é que ele
quer dizer com desejos aqui? A palavra que ele em prega é diferente de
“forte desejo” (cobiça). Desejo é um a ordem, um a ordem categórica.
Vou além, desejo é ter um a vontade imperiosa que nos incita à ação, que

- 52 -
nos leva à ação. Lembro que um a vez ouvi uma expressão utilizada
por uma mãe a respeito das suas filhas, A pobre mulher não fora m uito
favorecida com os bens deste mundo e, contudo, viu certa ocasião as
filhas muito bem vestidas, como as demais jovens. Nós sabíamos que
ela realmente não tinha como propiciar-lhes aquele luxo. Algumas
pessoas fizeram observações a respeito e perguntaram como acontecera.
A resposta da senhora foi: “Elas tinham que ter isso” . Tinham que tê-
-lo! - sem qualquer argumento. Ela de fato não podia dar-lhes aquilo,
porém as filhas tinham que tê-lo! Isso é desejo, esta ordem imperiosa que
vem e à qual não se resiste. As cobiças da carne m anifestam -se nos
desejos da carne. Aqui apalavra carne se refere ao corpo, à parte animal
da nossa natureza.
Em que o apóstolo está pensando? Está pensando em fome, sede,
sono, desejo de prazer, desejo de felicidade, desejo de satisfação, sexo,
desejo de atrair e de ser atraente. Ora, todas estas coisas constituem parte
essencial da nossa natureza e estrutura corporal, anim al. H á esse lado do
homem, e Deus o fez. Portanto, em si mesmo, é essencialmente bom -
a fome, o desejo de comer, de beber, de folgar, dormir e repousar, o
desejo de alegria, felicidade e prazer, o desejo sexual, o desejo de ser
atraente. Vocês vêem esses desejos em toda a criação animal, nos
animais e nas aves. Estão igualmente no hom em . E não há nada de errado
nisso. O homem foi feito assim por Deus, e por Ele foi dotado destes
vários instintos, qualidades, faculdades e propensões. São bons, todos
eles. Quando Deus fez o homem, em acréscimo ao restante da criação,
olhou tudo, o homem inclusive, “e viu que era muito bom ” .
Bem, de que é que o apóstolo está falando? Está descrevendo o
homem em pecado. Como o pecado se mostra? M ostra-se assim: estas
coisas que em si mesmas são retas e boas, de repente assum em o
controle, tornam -se imperiosas em suas exigências, começam a recla­
m ar direitos e impelir-nos. Estou empregando um termo técnico aqui;
os psicólogos falam de “impulsos” que se manifestam em toda a vida
e existência da pessoa enferma, e é um bom termo. E um impulso, um
poder, um a força. V ocês vêem o impulso do jogador de golfe, e a energia,
a força que ele emprega; bem, estas coisas começam a impelir-nos, a
impulsionar-nos. Existe um bom termo escriturístico, ainda m elhor do
que aquele; a Bíblia fala em “apetite desordenado” (ARA: “paixão
lasciva”). Não há nada errado em você ter fome, mas se você vive para
comer, está errado. Se o desejo por comida o estiver dominando, você
estará padecendo de desejos da carne, e isso é um a m anifestação das
cobiças da carne. Comer! Beber! Hoje o povo gosta de falar e escrever

- 53 -
*
a respeito disso. Fulano é um “connaisseur” , pode dar-lhes a idade
exata da garrafa, sabe tudo sobre a vindima! É meticuloso acerca do que
bebe com cada prato! Esse é um desejo da carne. Vocês vêem, o homem
não está m eram ente bebendo para m atar a sede, ou nem mesmo por
prazer; não, ele foi mais longe, aquilo passou a ser um desejo da carne.
E isto se aplica ao sono. Todos precisamos dormir, mas existe isso de
ser glutão de sono, e nesse ponto passou a ser um desejo da carne, e pode
arruinar o homem. Igualmente com o prazer: tudo certo com o prazer,
não há nada de errado com o prazer. M as quando o prazer começa a
dom inar e a tornar-se tão importante que você se dispõe a brigar com
outros acerca dele, então é um desejo da carne. Precisaria dizer alguma
coisa sobre o sexo? Deus ordenou o sexo - porém Deus nunca ordenou
a prática do sexo pelo sexo e a moderna sexomania. Deus nunca ordenou
o tipo de coisa que está saltando e brilhando aos nossos olhos todos os
dias nos jornais. Não foi isso que Deus fez; isso é o homem arrancar a
sexualidade do seu quadro próprio, isolá-la, pintá-la, publicá-la em
cartazes, resultando em que o sexo passou a dominar a vida. Os desejos
da carne! E exatamente a mesm a coisa com o desejo de atrair, que em
si m esm o pode ser plenamente inocente. Não há nada errado em toda
gente desejar parecer bela e atraente; entretanto, quando você começa
a ter toda a sua mente centralizada nisso, e quando você vive para isso,
pensa nisso e fala disso, e gasta com isso muito dinheiro, passou a ser
um desejo da carne.
Eu poderia continuar ilustrando o tema interminavelmente. D esen­
volvam vocês mesmos estas coisas. Aí vocês têm os desejos da carne.
Estas coisas estão em nós, estão aí, foram postas aí por Deus; todavia se
destinam a ser subordinadas, a ser mantidas em ordem. A nós cabe estar
no comando. O que aconteceu com o homem é que estas coisas
assumiram o comando; tomaram um a posição de autoridade e nos estão
impulsionando e estão nos pressionando. Todos nós sabemos tudo sobre
isso - as solicitações, os desejos que até podem fazer o homem tremer!
O poder disso tudo! “Os desejos da carne” !

Mas esperem, não terminamos ainda. Essa é somente uma subdi­


visão das cobiças da carne. Todos estarão dispostos a concordar com o
que eu disse até aqui. “Sim, naturalm ente”, dizem, “olhem para eles,

*
Expert, conhecedor. Em francês no original. Nota do tradutor.

- 54 -
vejam, que horrível!” Mas meu caro amigo, agora vou mostrar-lhe que,
por mais respeitável que você possa ter sido toda a sua vida, você é
igualmente culpado de viver “nos desejos da carne” ; pois estes não se
manifestam somente por meio dos desejos do corpo, e sim, também,
vocês percebem, por meio dos "desejos da m ente”. Nesse ponto um
hom em como Charles G.Finney erra em sua teologia. Ele não reconhece
esta verdade. Ele limita tudo ao que eu estive dizendo, e não percebe que
a m esm a verdade se aplica à mente, ao intelecto e ao entendimento,
como ao outro aspecto.
Comecemos definindo a palavra “m ente”. Abrange todo o proces­
so de pensam ento; e inclui aparte emocional, afetiva, bem como aparte
puram ente intelectual; todo o processo de pensam ento - porque o
pensam ento não é puram ente intelectual. Todos nós pensam os em oci­
onalm ente, até certo ponto. M esmo o cientista faz isso; é por isso que
ele tem os seus preconceitos. Todos nós pensamos com a totalidade do
hom em , intelecto e afetos. Os desejos da mente são, pois, como os
desejos do corpo, uma expressão das cobiças da carne. Como isto se
m ostra? Posso dar-lhes um a definição geral em termos como estes: tudo
o que tende a controlar, absorver e governar a sua atenção e a sua
atividade é desejo da mente, uma espécie de cobiça da mente. Haveria
alguém que precise ser convencido acerca disso? Haveria alguém que
não compreenda que ele tem tanta dificuldade com sua mente como com
seu corpo? Todos nós sabemos das cobiças do corpo, mas teríamos
com preendido a verdade acerca das cobiças da mente, e como a mente
pode arrastar-nos - todo este poder e energia que nela se exercem?
Consideremos algumas ilustrações. Acho muito difícil sugerir uma
classificação. Tomemos as cobiças da mente em seu nível mais baixo.
Ciúme, inveja, malícia, orgulho, ódio, ira, crueldade; que é que são?
N ada mais são do que a manifestação dos desejos da mente - cada um
deles. E vocês vêem entrar aí o fator cobiça. Vocês não viram gente
literalm ente estalando de raiva, tremendo de paixão, com ira e furor?
Vocês já viram a m alícia e a inveja? Nada as detém - “M atando Kruger
com a sua boca”, como diz o poeta. Todas estas coisas são manifestações
dos desejos da mente. Gente que nunca se embriagou ou que nunca
cometeu adultério, muitas vezes se faz culpada destas coisas! São
m anifestações das cobiças da carne. E outra m aneira como isto se vê
comum e proem inentemente hoje em dia é no que as Escrituras
denom inam “parvoíces” e “chocarrices” - o desejo de ser esperto e de
dizer coisas inteligentes, e de fazer rir. Como isso se tornou comum na
vida! Gente que nem sonharia em fazer aquelas outras coisas, vive para

- 55 -
este tipo de coisa, para exibir vivacidade, verbosidade, esperteza. É um
“desejo da m ente” , um a cobiça da mente; é igualmente cobiça, com o
a outra. A í está, no seu nível mais baixo.
Exam inemo-lo agora no nível um pouco mais elevado. Vejam a
am bição. Que força impulsora tem !E um poder tão grande como a cobiça
do corpo na parte animal da nossa natureza. A cobiça de riqueza; o desejo
de posição; o desejo de determinado “status” social; o desejo de ser
importante na vida; o desejo de poder; o desejo de sucesso! M antenham
os olhos abertos, mantenham os ouvidos atentos, leiam as biografias e
as autobiografias, e verão que as vidas de alguns dos homens mais
respeitáveis que o mundo já viu foram cheias desta espécie de cobiça.
A ambição, governando e impulsionando; homens gastando fortunas,
nada os detendo em seu afã por um nome ou por reputação. E um “desej o
da m ente”, é uma verdadeira expressão da cobiça. Ou vejam outro
exemplo, o anseio por algo novo. Vocês recordam daquela esclarecedora
frase sobre os atenienses no capítulo dezessete de Atos, onde nos é dito
que “todos os atenienses e estrangeiros residentes, de nenhum a outra
coisa se ocupavam, senão de dizer e ouvir novidade” . Desejo da mente!
A inquietação do homem moderno! - sempre em busca de um a nova
emoção, um a nova agitação-e, talvez, se manifestando particularmente
nos mexericos. “Você ouviu esta?” - e logo entra em ação o tal poder;
aquele que fala já está sendo impelido pelo desejo; sabe algo que outro
não sabe. “Você ouviu esta?” Nada mais é que cobiça, e o m undo inteiro
está imerso nisso; é ostensivo, até nos círculos cristãos. Os mexericos
e as conversas governadas pelo desejo de ser importante; sabemos algo
que algum outro não sabe, e ficamos alegres com o fato. E cobiça. Daí
a tão freqüente denúncia do mexerico e desse tipo de conversa no Novo
Testamento. E exatamente do mesmo modo vemos isso na conversa dos
vivaldinos, e nos argumentos e nos debates! Não sei o que vocês sentem
enquanto vou passando esta lista terrível, porém, quando eu estava
preparando este sermão, enchi-me de repulsa e de ódio a mim mesmo.
Olhei para trás e pensei nas horas que desperdicei com mera conversa
e argumentação. E tudo com um só fim em mira: simplesmente vencer
em meu caso e m ostrar quão vivo eu era. Os outros participantes da
discussões e eu mesmo alegaríamos, suponho, que nós estávamos
interessados na verdade, mas muitas vezes não estávamos; era puro
prazer em argumentar, discutir, criticar e exibir inteligência. E cobiça,
é desejo da mente. Depois, pensem nisso em termos de leitura - leitura
de livros, quero dizer, e de periódicos, etc. Com muita freqüência isto
se torna cobiça e, em vez de pensar, m editar e orar, lemos. U m a das

- 56 -
tragédias do mundo moderno é que a leitura veio a ser um substituto do
pensam ento, no caso da imensa maioria do povo. Nesse ponto, é um
desejo, um a cobiça; tom ou-se um a doença.
Vocês têm conhecimento disso? Eu poderia falar-lhes muito a
respeito. Este é um dos meios pelos quais isto se mostra. A leitura é um a
coisa excelente; nunca teremos demasiado conhecimento, e devemos
ler para termos maior entendimento e para melhorarmos as nossas
mentes. Contudo, vocês sabem, ela se torna um a cobiça, desta maneira:
você começou a ler um livro, e então, de repente, ouve falar doutro livro
e o adquire também. Ainda não acabou de ler o primeiro, mas começa
a ler o segundo. Depois aparece um terceiro, e você passa a ler três livros!
Bem, neste caso é um a cobiça. Você não está mais no controle, a coisa
o dominou, arrastou você, capturou você. E isso pode acontecer em
todos os níveis. Tenho visto gente ler romances exatamente do modo
como outras pessoas tomam drogas. Lembro-me do caso de um a pobre
m ulher que se podia ver andando em volta da sua casa com um romance
na mão. M esm o enquanto cozinhava, continuava lendo o seu romance.
Pode parecer algo que faz rir, mas fico a pensar se não é caso de chorar.
Não vejo diferença, em princípio (sem levar em conta as conseqüências
sociais) entre isso e tomar drogas e beber bebida alcoólica, ou entregar-
-se a alguma cobiça do corpo. Não vejo diferença nenhuma; é igualmente
cobiça, porém, é um desejo da mente, não do corpo. M anifesta-se de
algum modo. Depois vocês podem pensar nisso em termos das pessoas
com os seus passatempos, com os seus jogos e com os seus interesses.
Estas coisas são inocentes. Tudo bem com um passatempo, tudo bem
com um jogo desportivo; mas se você vive para isso, não está certo;
tornou-se um desejo da mente.
Passem os ao nível mais alto de todos: a cobiça do conhecimento,
a cobiça da cultura! Literatura, arte, música, teatro, filosofia, todas estas
coisas entram. São boas, porém não se você vive para elas, se elas o
dominam, se se tornaram um compulsão em sua vida, compulsão que
você não pode controlar. E não seria esta a verdade acerca de algumas
das pessoas mais respeitáveis do país? Refiro-me aos que dizem: “Bem,
por certo o evangelho da salvação, da conversão e da regeneração dá
certo na zona leste de Londres, mas não na zona oeste; é bom para os que
vivem nas sarjetas e são adúlteros e outras coisas mais, porém eu nunca
fiz.. . Lá estão eles, e podem estar ocupando altas posições acadêmicas
nas universidades. Dizem eles: “Certamente eu não precisa passar por
esse renascim ento de que você está falando!” A resposta é: “Você
precisa, porqueéum acriaturam arcadaporcobiçascom oqualqueroutra

- 57 -
pessoa” . E não im porta se a cobiça está na mente, no intelecto, ou se está
na parte animal, é exatamente a mesma coisa, e é igualmente oposta a
Deus. E aí está esta cobiça, esta busca de mais conhecim ento pelo
conhecimento, e de entendimento; é penetrante, e percorre a totalidade
da vida. Não existe uma pessoa viva que não seja culpada desta cobiça
da carne. Esse é o homem em pecado. O pecado é assim tão intenso,
profundo e penetrante.

Vocês percebem a importância disso tudo. Posso imaginar certa


espécie de gente dizendo a si mesma o seguinte: “Bem, por certo isso
é muito interessante se a gente está interessado nesse tipo de coisa, mas,
afinal, a Inglaterra está passando por época de crise no momento; e o
m undo inteiro, e o seu futuro, está na mais precária situação. Por que
você não fala algo sobre isso? Causará surpresa a vocês se eu disser que
estou pregando sobre isso o tempo todo? “Como você comprova isso?”,
dirá alguém. A minha resposta é que se comprovará quando você
entender esta doutrina do pecado e enxergar a extrema futilidade e
fatuidade de só confiar na ação política. Os políticos pensam que este
tipo de situação pode ser resolvida implorando aos hom ens e às
mulheres que se disciplinem voluntariamente. Devemos comer menos,
devemos fum ar menos, devemos importar menos, disciplinando-nos
pessoalmente, devemos dar mais duro no trabalho. Já fizeram esse
apelo, mas não parece que tenha sido atendido; por isso eles aumentaram
a taxa das compras. Dizem eles que isso funcionará. Não obstante, não
está funcionando. Por quê? Porque eles nunca se aperceberam do
sentido dapalavracoè/pa. Os homens simplesmente não podem atender
porque são levados por seus impulsos, são cativos. Cobiça é força, é
poder. Aum enta-se o preço, mas eles continuarão a comprar; poderão
m oderar o vício de fum ar por uma semana ou duas depois de se fazer um
orçamento, mas os estatísticos nos mostram que após algumas semanas
tudo volta ao nível anterior. E isso continuará sendo assim. Por quê?
Porque o homem é impulsionado por desejos, por cobiças. Não conse­
gue impor disciplina a si mesmo.
Posso prová-lo. Se estivermos em meio a um a terrível guerra e de
fato nos virmos lutando pelas nossas vidas, então vocês verão os homens
comendo menos, bebendo menos e se disciplinando de várias maneiras,
até certo ponto. M as vocês vêem o que acontece; um instinto m aior leva
de roldão os instintos menores. O instinto e o desejo de autoconservação
põem fora as outras cobiças - todavia ainda é um a cobiça. Assim é que,
no momento em que a crise passa, os hom ens caem exatam ente onde

- 58 -
estavam antes. Toda a falácia do pensam ento m eramente político
baseia-se na incapacidade de captar a doutrina bíblica do pecado. Não
basta dizer aos homens o que é certo e o que é errado; eles nada podem
fazer porque são escravos e vítimas das cobiças, das paixões e dos
desejos que os dominam.
Há somente um a coisa que pode lidar com esse tipo de situação. É
aque mencionei no começo. É “a sobreexcelente grandeza do seu poder
sobre nós, os que crem os” . É o que Thomas Chalmers chamava “o
poder expulsivo de um novo afeto” . Assim, se vocês estão pensando
sim plesm ente neste país e numa crise em particular, o rumo certo para
encontrar-se a resposta acha-se nesta passagem das Escrituras. Mas,
além e acima disso, se vocês estão pensando, como deviam, no fim da
sua vida neste m undo e no fim do mundo, em Deus, no juízo e na
eternidade, bem, então, vocês têm que continuar pensando nisso; porque
naquele estado de cobiça vocês não poderão subsistir diante de Deus e
não poderão fruí-IO. É preciso que vocês sejam libertos deste domínio
da cobiça da carne, que se manifesta nos desejos do corpo e nos desejos
da mente. E é somente o poder de Deus no Senhor Jesus Cristo,
m ediante o Espírito Santo, que nos pode libertar. No entanto, bendito
seja Deus, que pode, que o faz, que o fará. Pecado! - ah, as profundezas,
a imundície, a fealdade, o poder disso tudo! Há somente um abrigo
seguro, e este é estar sempre olhando para Ele, recebendo da Sua
plenitude, confiando na força do Seu poder. Aí, pois, estamos a salvo.

- 59 -
5
A IRA DE DEUS
“Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos
da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e
éramos por natureza filh o s da ira, como os outros também. ”
- Efésios 2:3

Passamos agora a examinar a declaração final do apóstolo acerca do


homem em pecado; e é que ele está sob a ira de Deus. Noutras palavras,
Paulo fala do pecado, como o pecado afeta a posição do homem diante
de Deus. Ele m ostra o que Deus diz, pensa e faz quanto ao homem nas
condições que já consideramos: não se pode contestar de modo algum
que este é o aspecto mais importante do assunto. Os aspectos anteriores
são vitalm ente importantes, mas não há nada que seja tão im portante
como isto. E porque tão constantem ente nos esquecemos desta verdade
que o mundo está como está hoje - e de fato a Igreja está como está.
Somos tão autocentralizados e tão preocupados conosco mesmos que
deixam os de lem brar que a coisa mais importante, acima de todas as
demais, é o modo como Deus vê tudo isso. Esse é o assunto de que temos
de tratar agora.
O apóstolo se expressa desta maneira: diz ele que todos nós
“éramos por natureza filhos da ira, como os outros tam bém ” . Temos
aqui um a afirmação dupla. E não há dúvida de que estas duas questões
que somos compelidos a examinar juntas são dois dos assuntos mais
difíceis e complexos de toda a gama e ramo da doutrina bíblica. E por
isso que com freqüência elas têm levado à grande incom preensão e
constituem assuntos que muitas vezes as pessoas, em sua ignorância,
não somente deixam de entender, porém também repelem ferozmente.
N ão há, talvez, assunto que tenha levado mais vezes pessoas a falarem
- conquanto inconscientemente - de m aneira blasfema, do queprecisa-
m ente esta m atéria que agora vamos considerar. O apóstolo diz duas
coisas: que estamos todos sob a ira de Deus; e, em segundo lugar, que
estamos todos sob a ira de Deus por natureza.

Por que devemos examinar estas coisas? Pode bem ser que alguém
faça essa pergunta. Por que despendei nosso tempo com um assunto

- 60 -
como este, que é um assunto difícil? Existem muitas outras coisas que
no presente são interessantes e atraem a atenção. Por que não tratar
delas? E, em todo caso, no meio de todos os problemas com os quais o
mundo se defronta, por que dar atenção a algo como este assunto?
Bem, para que não haja alguém que fique agasalhando tal idéia e
seja provocado a fazer tal pergunta, perm itam-m e aventar certas razões
pelas quais nos convém considerar esta matéria. A prim eira é q u e /a z
parte das Escrituras. Está nesta passagem da Bíblia e, como veremos,
está em toda parte na Bíblia. E se considerarmos a Bíblia como a Palavra
de Deus, e como a nossa autoridade em todas as questões de fé e de
conduta, não podemos selecionar e escolher aqui e ali; temos que tomá-
-la como é e considerar cada uma das suas partes e porções.
Em segundo lugar, devemos fazê-lo porque, depois de tudo, o que
nos é dito aqui é uma questão de fato. Não é um a teoria, é uma
declaração de fato. Se a doutrina bíblica da ira de Deus é verdadeira, é
o fato mais importante que nos confronta, a cada um de nós, neste
momento; infinitamente mais importante que qualquer conferência
internacional que se realize, infinitamente mais importante que a
questão se haverá um a terceira guerra mundial ou não. Se esta doutrina
é verdadeira, estamos todos envolvidos nela, e dela depende o nosso
destino eterno. E em toda parte a Bíblia declara que ela é um fato.
Outra razão para considerá-la é que todo o argumento do apóstolo
é que nunca poderem os entender o amor de Deus, enquanto não
entendermos esta doutrina. É o meio pelo qual avaliamos o amor de
Deus. Fala-se muito hoje sobre o amor de Deus e, contudo, se verdadei­
ram ente amássemos a Deus, nós o expressaríamos, nós o demonstrarí­
amos. Am ar aDeus não é meramente falar sobre isso; amar a Deus, como
Ele m esm o assinala constantemente em Sua Palavra, é cumprir os Seus
m andamentos e viver para a Sua glória. Aqui o argumento é que
realmente não poderemos entender o amor de Deus, se não o virmos à
luz desta outra doutrina que agora estamos considerando. Assim, desse
ponto de vista, é essencial que o façamos.
Deixem-me expressá-lo desta maneira: o meu parecer é que jam ais
poderem os entender verdadeiramente por que foi que o Senhor Jesus
Cristo, o eterno Filho de Deus, teve que vir a este mundo, se não
entendermos esta doutrina da ira de Deus e do juízo de Deus. Como
cristãos, cremos que o Filho de Deus veio a este mundo, que Ele deixou
de lado a insígnia da Sua glória eterna, nasceu como um a criança em
Belém e suportou tudo quanto suportou, porque isso era essencial para
a nossa salvação. Mas a questão é: por que era essencial para a nossa

- 61 -
salvação? Por que teve que acontecer tudo isso, antes de poderm os ser
salvos? Desafio a quem quer que queira responder à questão adequada­
m ente sem levar em conta esta doutrina do juízo de Deus e da ira de
Deus. Esta se torna ainda mais comprovadam ente verdadeira quando
examinam os a grande doutrina da cruz e da morte do nosso bendito
Senhor e Salvador. Por que Cristo morreu? Por que teve que m orrer? Se
dizemos que somos salvos por Seu sangue, por que somos salvos por Seu
sangue? Por que foi essencial que Ele m orresse naquela cruz e fosse
sepultado e ressuscitasse antes de poderm os ser salvos? Há somente
um a resposta adequada a estas perguntas, e essa é esta doutrina da ira de
Deus. A morte de nosso Senhor não é absolutamente necessária, se esta
doutrina não é verdadeira. Assim, vocês vêem, é um assunto vital para
considerarmos.
Finalm ente, faço um a colocação de form a muito prática. Esta
d o u trin a é essen cia l do p o n to de vista de um a ve rd a d e ira
evangelização. Por que é que tantas pessoas não crêem no Senhor Jesus
Cristo? Por que não são cristãs e membros da Igreja Cristã? Por que o
Senhor Jesus Cristo nem sequer entra em seus planos? Em última
análise, há só um a resposta a essas perguntas: não crêem nEle porque
nunca viram nenhum a necessidade dEle. E nunca viram nenhum a
necessidade dEle porque nunca se deram conta de que são pecadoras. E
nunca se deram conta de que são pecadoras porque nunca com preende­
ram a verdade acerca da santidade de Deus e da retidão e justiça de D eus;
nunca aprenderam nada acerca de Deus como o Juiz eterno e acerca da
ira de Deus contra o pecado do homem. Daí vocês vêem que esta
doutrina é essecial à evangelização. Se realmente cremos na salvação e
na nossa absoluta necessidade do Senhor Jesus Cristo, temos que
com eçar com esta doutrina. A í estão, pois, as razões para que as
considerem os. O apóstolo no-las dá; eu simplesmente as estou repe­
tindo.

A gora examinemos as duas afirmações propriam ente ditas. A


prim eira coisa que o apóstolo diz é que todos os que nascem neste
mundo estão sob a ira de Deus. Diz ele que todos nós “éramos filhos
da ira, como os outros também” ; éramos todos filhos da ira, como o
restante da h u m an id a d e-é o que significa a expressão “como os outros
tam bém ” . Aqui enfrentamos face a face esta trem enda doutrina que eu
sei muito bem que não somente não é popular no presente, mas é até
odiada e detestada. As pessoas mal podem controlar-se, quando falam
sobre ela. Durante bom número de anos, a idéia moderna é, em geral, que

- 62 -
Deus é um Deus de amor e que só devemos pensar em Deus em termos
de amor. Falar sobre a ira de Deus, é o que nos dizem, é totalm ente
incompatível com toda idéia de Deus como um Deus de amor. Eis como
o ponto é colocado: dizem eles que, naturalmente, essa idéia da ira de
Deus provém da antiga idéia de Deus como um a espécie de Deus tribal.
O problem a é que ainda há certos cristãos que acreditam nisso em
referência ao Deus do Velho Testamento, que não era nada senão um
Deus tribal, segundo eles. Os deuses da mitologia eram todos desse tipo
e dessa espécie; exibiam sua ira e seu furor; todavia, naturalmente,
sabemos agora, pelo Novo Testamento e por Jesus, que isso é com ple­
tamente errado e completam ente falso. Não mais cremos no Deus do
Velho Testamento, cremos no Deus do Novo Testamento, no Deus e Pai
de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Vocês conhecem bem o
argumento. De fato, alguns vão mais longe e dizem que foi só no século
passado que realmente nos tornamos suficientemente esclarecidos para
entender estas questões, e que até o princípio do presente século o povo
ainda cria na ira de Deus e, portanto, tinha um a concepção com pleta­
mente falsa de Deus. Lembro-me de haver lido um livro repassado de
erudição em que o autor afirmou que esta idéia da ira de Deus não era
mais que um a espécie de projeção no caráter de Deus da noção do pai
vitoriano típico do pai austero e repressivo, o qual se impunha forçosa­
m ente aos filhos e os disciplinava severamente e os castigava. A sua
opinião era que as pessoas simplesmente levavam esta idéia e a
projetavam em Deus. Ora, isso, sustentava ele, nada era senão um pouco
depsicologiafalsadaqualjánoslibertam os,eagorasabem osqueaidéia
de ira num Deus de amor é conceito auto-contraditório,
Haveria resposta a tais alegações? Permitam-me pôr fora de ação
um mal-entendido preliminar. Há algumas pessoas que interpretam
completam ente mal o termo ira. Pensam em iracom oum a manifestação
descontrolada de raiva. Não podem pensar em ira sem ligá-la à idéia de
alguém tremendo de furor e roxo de raiva, alguém que perdeu o domínio
próprio, que fala violentamente e age violentamente. Ora, essa é um a
idéia completam ente falsa e errônea do significado de ira. O homem
pecador, é verdade, às vezes manifesta a sua ira dessa maneira, entre­
tanto, nada disso entra no termo como é empregado na Bíblia com
referência a Deus. A ira não é nada mais nada menos que a m anifestação
de indignação baseada na justiça. N a verdade, podemos ir além e
asseverar que a ira de Deus, de acordo com o ensinamento bíblico, não
é nada senão o outro lado do amor de Deus. É o corolário inevitável da
rejeição do amor de Deus. Deus é Deus de amor, porém, é também e

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igualmente Deus de justiça e retidão; e se o amor de Deus é desdenhado
e rejeitado, nada mais resta, senão a justiça, a retidão e a ira de Deus.
Demonstremos agora a alegação de que esta doutrina é ensinada em
toda parte nas Escrituras. No Velho Testamento pode ser vista bem no
começo. Quando o homem caiu no Jardim do Éden, Deus o visitou, falou
com ele e pronunciou julgam ento sobre ele. Expulsou-o do jardim , e às
portas do jardim , ao leste, Ele colocou os querubins e a espada
flamejante. Qual o significado da espada flamejante? Significa ju sta ­
mente que ela é a espada dajustiça de Deus, é a espada da ira e da punição,
punindo o homem pelo seu pecado e tornando impossível a ele retornar
e com er da árvore da vida a fim de viver para sempre. Lá, bem no início,
está um a m anifestação do justo juízo de Deus e da Sua ira contra o
pecado. Isto se vê do começo ao fim, no Velho Testamento: na história
do Dilúvio, na história de Sodom a e Gomorra e nas várias punições
impostas aos filhos de Israel, quer como nação, quer como indivíduos.
O Velho Testam ento está repleto disso. Deus deu a Sua lei e declarou
que se os homens a quebrassem, Ele os puniria - Sua ira é isso. E quando
eles a quebraram, Ele os puniu. Puniu indivíduos, puniu a nação, puniu
até o Seu povo escolhido. Puniu-os e derramou a Sua ira sobre eles
levantando o exército dos caldeus que invadiu, saqueou Jerusalém e os
levou cativos paraBabilônia. Estafoi um a manifestação da ira e do justo
juízo de Deus. Vê-se isso em toda parte do Velho Testam ento; vocês
realm ente não podem crer no Velho Testamento, se não aceitam esta
doutrina da ira de Deus.
Passando ao Novo Testamento, apesar de tudo que os críticos
modernos querem fazer-nos crer, a doutrina está presente ali também,
em toda parte. O primeiro pregador do Novo Testam ento foi João
Batista. Que é que ele dizia? Dizia: “Fugi da ira vindoura”; “Arrependei-
-vos, e cada um de vós seja batizado, fugi da ira vindoura” . Os fariseus
vieram para ser batizados por João, e ele os fitou e lhes disse: “Quem
vos ensinou a fugir da ira futura?” (Mateus 3:7). Foi essa a mensagem
que ele destacou. N a verdade era a mensagem do próprio Senhor Jesus
Cristo. M as, e aí está a coisa mais surpreendente, vemo-la no versículo
geralmente citado como a suprema declaração de Deus como Deus de
a m o r-J o ã o 3:16: “Deus amou o mundo de tal m aneira que deu o seu
Filho unigênito” . Por que O deu? A resposta é: “para que todo aquele
que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” . A alternativa da vida
eterna é perecer. E é João 3:16 que ensina isso. Entretanto, o versículo
trinta e seis desse capítulo três de João é mais claro ainda: “Aquele que
crê no Filho de Deus tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho

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não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele perm anece” . Noutras
palavras, todos os homens estão sob a ira de Deus, e se não cremos no
Filho de Deus, a ira de Deus permanece sobre nós. Que é que pode ser
mais claro ou mais explícito? Aí está, no Evangelho Segundo João, o
apóstolo do amor.
O apóstolo Paulo ensina a mesma verdade de m aneira igualmente
clara. Pregando em Atenas, diz ele que Deus “tem determinado um dia
em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do varão que
destinou” . Julgamento! A ira de Deus! Em Romanos 1:18, lemos:
“Porque do céu se manifesta a ira de Deus (já foi revelada) sobre toda
a impiedade e injustiça dos hom ens”. Paulo não tem evangelho sem
isso; é por causa da ira de Deus que ele está pregando o evangelho. Nesta
Epístola aos Efésios, que estamos considerando, no capítulo cinco,
versículo seis, vocês têm a mesma coisa: “Ninguém vos engane com
palavras vãs”, diz Paulo; “porque por estas coisas vem a ira de Deus
sobre os filhos da desobediência” ! Ainda, fazendo um sumário do seu
evangelho aos tessalonicenses, na Prim eira Epístola, no capítulo pri­
meiro e no último versículo, Paulo afirma que os tessalonicenses foram
convertidos a Cristo e O aguardavam dos céus - para quê? - bem, diz
ele, porque Ele “nos livrou da ira por vir”(VA).
Pode-se achar a mesma idéia na Epístola aos Hebreus, em vários
lugares. E se vocês forem direto ao livro de Apocalipse, a verão ali num a
frase deveras notável. E uma frase acerca da “ira do Cordeiro” . Isso
parece contraditório, paradoxal. Vocês pensam num cordeiro em termos
de inocência e de inofensividade. E, todavia, aí está esta frase densa, “a
ira do Cordeiro” . O Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo é que
haverá de julgar o mundo com justiça. Fica, pois, mais que evidente que
a idéia de que amor e ira são incompatíveis é uma total negação do claro
ensino das Escrituras. De fato, vou longe a ponto de dizer que, a menos
que comecemos com esta idéia da ira de Deus contra o pecado, não
teremos a m ínim a possibilidade de entender a compaixão de Deus, não
poderemos entender o amor de Deus. Somente quando compreendo a
ira de Deus contra o pecado é que compreendo o pleno significado da
Sua atitude em providenciar um meio de salvação dela. Se não entendo
isto, certam ente não entendo aquilo, e toda a minha fala sobre o amor de
Deus é mero e leviano sentimentalismo que, na verdade, é um a negação
da grande doutrina bíblica do amor de Deus.
O ensino do apóstolo é, pois, que, enquanto não crermos no Senhor
Jesus Cristo, estamos sob aira de Deus. E a ira de Deus é um a expressão
do Seu ódio ao pecado, um a expressão dapunição do pecado. U m a clara

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afirmação neste sentido é que, se morrermos em nossos pecados, ire­
mos para o castigo eterno. Esse é o ensino das Escrituras. A ira de Deus
contra o pecado m anifesta-se finalmente no inferno, onde os hom ens e
as mulheres continuam fora da vida de Deus, em m iséria e angústia,
escravos dos seus próprios desejos e cobiças, egoístas e egocêntricos. O
ensino do apóstolo é que essa é a situação de todos que não são cristãos.
Estão sob a ira de Deus nesta vida, continuarão sob a ira de Deus na vida
por vir. Essa é a situação do pecador, de acordo com as Escrituras. Se
vocês fizerem objeção à idéia, estarão fazendo objeção às Escrituras,
estarão estabelecendo algum aidéiafilosóficaprópriade vocês, contrária
ao claro ensino das Escrituras. Não estarão discutindo comigo; estarão
discutindo com as Escrituras. Vocês estarão discutindo com estes santos
apóstolos. Estarão discutindo com o próprio Filho de Deus.
Se você crê que a Bíblia é divinamente inspirada, não poderá dizer:
“Mas eu não entendo” . Não se lhe pede que entenda. Eu não entendo
isso, não tenho apretensão de entendê-lo. Contudo, parto desta base, que
a m inha mente não só é finita, é pecaminosa, porém, além disso, eu não
tenho a m ínim a possibilidade de entender plenam ente a natureza de
Deus, e a justiça e a santidade de Deus. Se vamos basear tudo em nosso
entendimento, bem podemos desistir agora mesmo. Pois aB íblianos diz
que “o homem natural” e a “mente natural” não podem entender as
coisas do Espírito de Deus (ver 1 Coríntios, capítulo 2). Foi o desejo de
entender que levou à Queda. O orgulho e arrogância intelectual é o
prim eiro e o último pecado. O dever da pregação não é pedir ao povo que
entenda; a tarefa confiada ao pregador é a de proclamar a mensagem. E
a mensagem é que todos estão sob a ira de Deus, até crerem no Senhor
Jesus Cristo. Mas de fato devemos dar mais um passo ainda.

Isso nos leva à segunda questão. Diz o apóstolo que todos nós
estamos nestas condições por natureza - “e éramos por natureza
filhos da ira, como os outros também” . Que é que significa a expressão
po r natureza ? Já mostramos num estudo anterior desta série que ela só
tem um sentido, que é, “por nascim ento” . Todos nós éramos por nosso
próprio nascim ento filhos da ira, como os outros também. Notem que
o apóstolo não diz “nos tornam os” filhos da ira por causa da nossa
natureza; diz ele que “éramos”. Noutras palavras, em harm onia com a
B íblia toda, o apóstolo não ensina que nascemos neste mundo num
estado de inocência e num estado de neutralidade, e que depois, porque
pecamos, nós nos tornamos pecadores e passamos a estar debaixo da ira
de Deus. Não é o que ele diz; ele diz exatamente o oposto. O que diz

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é que nascemos neste mundo sob a ira de Deus; desde o momento do
nosso nascim ento estamos sob a ira de Deus. Não é apenas um a coisa
que nos vai acontecer, tampouco é algo que só resulta das nossas ações.
H á quem ensine isso, mas é flagrante negação, não somente do ensino
desta passagem, porém, como veremos, do ensino apresentado em toda
parte nas Escrituras. O apóstolo não está dizendo que estamos sob a ira
de Deus somente por causa da nossa natureza ou da m anifestação da
nossa natureza. Ele afirma que estamos nesta situação “por nasci­
m ento” .

Então, que significa isso? Pode-se ver a resposta no capítulo cinco


da Epístola aos Romanos, onde é feita um a argumentação m inuciosa e
completa, do versículo doze ao fim do capítulo. Qual é o argum ento?
Façamos um sumário dele. Naquele capítulo, a grande verdade que o
apóstolo está interessado em provar é que a nossa relação, como
crentes, com o Senhor Jesus Cristo, é exatamente análoga à nossa
relação anterior com Adão. Ele fica repetindo a comparação, indo e
vindo. Fala sobre o que era verdade a respeito de nós em Adão, e depois
m ostra o que é verdade a respeito de nós agora, em Jesus Cristo. Ele
começa, no versículo doze, dizendo: “Pelo que, por um homem entrou
o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte
passou a todos os homens por isso que todos pecaram ”, e assim
continua. Qualquer leitura atenta e despreconcebida desse argumento,
que é básico para a doutrina paulina da segurança, com pelir-nos-á a
vermos que, através dele todo, o apóstolo nos diz que a nossa relação
com Adão era idêntica à nossa presente relação com C risto. Portanto, se
crermos que somos o que somos em Cristo por causa do que Deus nos
imputou em Cristo, também temos que crer exatamente da m esm a
m aneirana verdade correlata, quanto ao que nos foi imputado em Adão.
Esse é o argumento. Entretanto o apóstolo não se contenta com um a
afirmação m eramente geral a respeito, também o faz em particular.
Perm itam -m e destacar os versículos pertinentes. Vejam o versículo
doze: “Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo
pecado a morte, assim também a morte passou a todos os hom ens por
isso que todos pecaram ”. A punição do pecado é a morte. Adão pecou,

“por isso que” - locução pouco usada hoje em dia no sentido de “porque”.
Cf. ARA, in loco: “porque”. Nota do tradutor.

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e lhe sobreveio a morte, sim, porém não somente a Adão - sobreveio a
todos os homens. Como conseqüência de um só pecado de Adão, a morte
passou a todos os homens. Por quê? A últim aparte do versículo explica:
“todos pecaram ” em Adão. Essa é a afirmação que mais adiante
exporemos.
Vejam a seguir os versículos treze e catorze desse capítulo. Paulo
introduz um a afirmação num parêntese, começando no versículo treze:
“Porque até à lei estava o pecado no mundo, mas o pecado não é
imputado, não havendo lei. No entanto a morte reinou desde Adão até
M oisés, até sobre aqueles que não pecaram à semelhança da trangressão
de A dão” . Estaria você tentado a dizer: que significa isso tudo? Não
posso acompanhá-lo, quero um simples evangelho de conforto. É assim
que nos inclinamos a falar, nós que pensamos que porque vivemos no
século vinte somos grandemente superiores a todas as gerações que
viveram antes de nós. Orgulham o-nos de que somos tão cultos e
intelectuais e capazes de entender grandes coisas, ao passo que as
gerações anteriores eram primitivas. Não percebemos, porém, que o
apóstolo Paulo escreveu estas palavras apessoas que viveram quase dois
mil anos atrás, e que ele tencionava que elas as entendessem. Não estava
escrevendo a grandes filósofos; estava escrevendo a simples cristãos,
muitos dos quais eram apenas escravos, e outros eram soldados da casa
de César; e ele tencionava que aquelas pessoas entendessem estas
coisas. Vergonha para nós, cristãos modernos, que precisam os ser
mim ados e que só queremos algo agradável, fácil e simples. Se você não
aceita esta doutrina, então, é a Palavra de Deus que você está rejeitando.
Pergunto outra vez: que é que isto significa? Diz Paulo que até à lei
o pecado estava no mundo. A lei foi dada por intermédio de M oisés,
vocês se lembram; todavia houve aquele longo intervalo entre Adão e
M oisés, provavelm ente pelo menos um período de quase dois mil e
quinhentos anos. Pois bem, durante todo aquele longo período o pecado
estava no mundo, mas, diz ele, o pecado não é imputado quando não há
lei. Noutras palavras, se não há um a lei para definir o pecado, o pecado
não é dado a conhecer ao homem. Cabe à lei dar a entender o pecado à
mente, ao coração e à consciência do homem. Se, por exemplo, não
houvesse leis sobre estacionamento e trânsito, eu e você poderíamos
continuar a praticar coisas errôneas e más, porém, se não houvesse lei
sobre estas questões, não poderíamos ser punidos. É o que ele está
dizendo, “o pecado não é imputado, não havendo lei” . “No entanto”,
diz ele, “a morte reinou desde Adão até M oisés”. Eis o problema:
em bora a lei não tenha sido dada até o tem po de M oisés, não obstante,

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de Adão a M oisés as pessoas morreram. Todos os que nasceram no
m undo morreram. Por que morreram? Que foi que causou a morte
daquelas pessoas, apesar de não haver lei imputando o pecado naquele
período? A resposta do apóstolo é que há som enteum a explicação; todos
eles morreram porque foram envolvidos no pecado de Adão. Não há
outra explicação. A única razão pela qual a morte reinou de Adão até
M oisés é que aquele único pecado de Adão trouxe a morte a toda a sua
posteridade. Noutras palavras, nascemos “por natureza filhos da ira” .
Notem então o ponto subseqüente, que é mais extraordinário ainda.
Diz ele que a morte reinou de Adão a Moisés, “até sobre aqueles que
não pecaram à semelhança da transgressão de Adão” . Que é que isso
pode significar? Significa que a morte reinou até sobre as pessoas que
realmente não cometeram um ato de pecado como fez Adão quando caiu.
Quem eram? E há só um arespostapossível: eram crianças que morreram
na infância. Todos os outros homens pecaram. Todos os que viveram,
desde Adão, cometeram atos deliberados de pecado. Os únicos que não
pecaram à semelhança da transgressão de Adão, que não pecaram
deliberadamente, são as crianças demasiado novas para exercerem a sua
vontade por serem incapazes de usar a consciência. A morte reinou, diz
Paulo, de Adão aM oisés, até mesmo sobre as crianças pequenas. Porque
estas morrem? Há somente um aresposta. Morrem porque a transgressão
de Adão as envolve. “A morte reinou desde Adão até M oisés, até sobre
aqueles que não pecaram à semelhança de Adão.”
Contudo, passando ao versículo quinze, lemos: “Mas não é assim
o dom gratuito como a ofensa. Porque, se pela ofensa de um m orreram
m uitos” , Aí está de novo, Depois ele volta a atenção para o outro lado,
acerca de Jesus Cristo. No versículo dezesseis temos: “E não foi assim
o dom como a ofensa, por um só que pecou” . E então: “Porque o juízo
veio de um a só ofensa, na verdade, para condenação, mas o dom gratuito
veio de muitas ofensas parajustificação” . O juízo, acondenação, foi por
um só; o pecado de Adão trouxe isto sobre toda a hum anidade.
Entretanto, inversamente, diz ele, muitos pecados são perdoados segun­
do a justiça de Um, Jesus Cristo. Depois, mais uma vez, no versículo
dezoito: “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos
os homens para condenação”. Não seria tão explícito quanto possível?
“Assim como por um a só ofensa veio o juízo sobre todos os hom ens”
- sem exceção - “para condenação.” Nascemos “filhos da ira” . E
finalmente, no versículo dezenove: “Porque, como pela desobediência
de um só homem, muitos foram feitos pecadores” . Eu, vocês e toda a
hum anidade fomos feitos, ou, como diz um a tradução mais precisa,

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“constituídos” pecadores por aquele pecado de Adão. Esse é o ensino.
Todos nós somos “por natureza filhos da ira, como os outros tam bém ” .

Ah, dirá você, não entendo isso, não posso com preender isso,
parece-m e quase imoral. Claro que você não o entende. Quem pode
entender tais coisas? Não é questão de entendimento, a questão é se você
crê nas Escrituras ou não. Pois o apóstolo diz exatamente a m esm a coisa
em 1 Coríntios, capítulo 15, aquele grande e maravilhoso capítulo que
se lê nos funerais. “Porque, assim como todos morrem em Adão, assim
tam bém todos serão vivificados em Cristo”, e assim por diante. É
precisam ente o mesmo argumento. É a base da fé crista. Quer entenda­
mos quer não, é a verdade. Você tem que explicar a universalidade do
pecado; tem que explicar a universalidade da morte, e especialm ente a
m orte de crianças. E esta é a resposta bíblica. Adão era toda a hum ani­
dade e representava a humanidade toda. Ele foi o nosso cabeça federal.
Assim como o Senhor Jesus Cristo é o representante de todos os que são
salvos, assim como a Sua justiça nos é imputada, igualmente Adão foi
o nosso representante e o seu pecado nos é imputado. Nele nós caímos,
nele e por causa da sua ação sofremos a condenação eterna. Exatam ente
da mesm a maneira, os que crêem em Cristo são redimidos por Ele, são
salvos nEle e são justificados nEle, por causa da Sua ação a nosso favor.
Esse é o argumento. Se você crê por um lado, acerca de Cristo, terá que
crer por outro, acerca de Adão. Se negar este, estará virtualm ente
negando aquele.
Portanto, sejamos cautelosos. Não existe nada mais trágico do que
o modo como muitos cristãos introduzem as relíquias das suas filosofias
e do seu entendimento pessoal na fé cristã. M uitos que afirmam que
crêem na Bíblia, e que reconhecem a sua autoridade, rejeitam-na neste
ponto porque não gostam da doutrina, ou porque não conseguem
conciliar certas questões. Mas a conciliação aí está, diante de nós. Apesar
de estarmos mortos em ofensas e pecados, odiosos e odiando uns aos
outros, corrom pidos pelo pecado, pecadores na prática, vivendo em
delitos e pecados e sob a ira de Deus, e absolutamente desamparados e
sem esperança, o mesmo Deus contra quem pecamos, o mesmo Deus
que ofendemos, providenciou o caminho da libertação para nós. Ele o
fez na Pessoa do Seu bem-amado Filho, que Ele não poupou do
sofrimento, da agonia e do opróbio do Calvário e daquela m orte cruel.
Ele nos ofereceu e nos provê o caminho da com pleta libertação e
reconciliação conSigo, a despeito do fato de que o nosso pecado em
Adão, os nossos próprios pecados, e o nosso estado pecam inoso só

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merecem a Sua ira eterna. Esse é o amor de Deus! Esse é o “admirável
amor, divinal” ! Deus fez por nós, que nada merecemos senão a ira
eterna, o que nós mesmos jam ais conseguiríamos fazer.
Queira Deus, em Sua graça, habilitar-nos a receber estas coisas,
para que possamos considerar o próximo versículo com o seu glorioso
“m as” . Apesar de ser verdade quanto a nós tudo o que estivemos
considerando, “Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito
amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas,
nos vivificou juntam ente com Cristo”. Bendito seja o nome de Deus!

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6
A MENSAGEM CRISTÃ
PARA O MUNDO
“M as Deus . . . ” - Efésios 2:4

Agora passamos a examinar duas palavras m aravilhosas - “Mas


Deus” . Obviamente estas palavras sugerem um a conexão com algo que
as antecedeu. A palavra “mas” é uma conjunção e, contudo, sempre
sugere contraste, e aqui temos a conexão e o contraste. Vejam estas
palavras no seu contexto: “E vos vivificou, estando vós mortos em
ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes segundo o curso deste
mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora
opera nos filhos da desobediência. Entre os quais todos nós também
antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne
e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
também. Mas Deus..,” .
Com estas duas palavras chegamos à introdução da mensagem
cristã, a mensagem peculiar e específicaque a fé cristã tem para oferecer-
-nos. Num sentido, estas duas palavras contêm, em si e por si, a
totalidade do evangelho. O evangelho nos fala do que Deus fez, da
intervenção de Deus; é algo que vem inteiramente de fora de nós e exibe
para nós aquela maravilhosa, espantosa e assombrosa obra de Deus que
o apóstolo vai descrever e definir nos versículos seguintes.
Veremos agora estas palavras somente de maneira geral. Faço isso
por diversas razões. Uma é que o próprio texto nos impele a fazê-lo, mas
há também certas razões especiais. Uma acusação freqüentem ente
lançada contra a mensagem cristã, especialmente contra a modalidade
evangélica dessa mensagem, é que ela é distante da vida, que é
irrelevante para as circunstâncias imediatas nas quais os homens e as
mulheres se acham. Noutras palavras, há, da parte de alguns, um a
objeção ao método expositivo de pregar o evangelho; é que esta nunca
parece enfrentar de fato as realidades da situação na qual os hom ens e
as mulheres se vêem dia a dia, e que é irrelevante para toda a situação
mundial em que nos achamos. Desejo, pois, m ostrar que esta acusação

- 72 -
é inteiramente infundada; e mais, que a idéia de que o dever da pregação
é apenas fazer referências tópicas aos eventos contemporâneos é, na
verdade, num sentido, abandonar completamente a mensagem cristã. Eu
iria mais longe, ao ponto de dizer que não há nada que realm ente possa
lidar com a situação contemporânea, salvo as Escrituras, quando as suas
doutrinas são entendidas, recebidas com fé e aplicadas.
E o que me proponho a fazer agora. Quero m ostrar a relevância do
evangelho num dia como o Domingo da Rememoração, quando, quase
instintivam ente, e por certo em conseqüência do que está acontecendo
no m undo em que vivemos, as nossas mentes são compelidas a encarar
a situação geral e a pensar nela, além das nossas situações particulares.
E afirmando, como afirmo, que o evangelho trata com a totalidade do
hom em e com a totalidade da sua vida neste mundo, é importante que
vejamos o que ele tem para dizer sobre a situação em que nos achamos,
e o que ele pretende fazer a respeito. Notem que o que eu estou
ressaltando é a importância absoluta do método. Os que não pensam de
m aneira bíblica e cristã, e são muitos, acreditam que a tarefa da Igreja
Cristã em dias como os atuais é, por exemplo, anunciar temas como, “A
Conferência de Genebra - Possibilidades”, e depois dizer o que
achamos que os estadistas deviam fazer. Isso, ao que me parece, é
inteiramente falso e contrário ao método bíblico. O método bíblico é,
antes, expor a verdade de Deus, e depois m ostrar a relevância disso para
qualquer situação. Vocês não partem da situação, terminam com ela.
Desde o início a Bíblia nos convida a parar de olhar ao nível horizontal,
por assim dizer, a parar de olhar meramente para o mundo e para os
homens; convida-nos, logo no começo, a elevar os olhos e olhar para
Deus. Noutras palavras, toda a argumentação apresentada naB íblia, do
princípio ao fim, é que não nos será possível entender a vida, o homem
e o mundo, enquanto não virmos tudo à luz da verdade acerca de Deus,
e nesse contexto. Portanto, devemos começar com a verdade de Deus,
e só então passar à situação imediata.
Procuremos m ostrar como éfeito isso, ecom o isso éfeito naprópria
passagem que estamos considerando. Já consideram os em detalhe os
três prim eiros versículos deste capítulo, e o fizemos para que nos
víssemos como somos por natureza e como o mundo é por natureza.
Vocês não poderão começar a resolver os problemas da hum anidade
enquanto não souberem a verdade acerca do homem. Quão fútil é tentar
fazê-lo sem isso. Vocês têm que começar com o caráter, a natureza, o
ser do homem. Em vez de com eçar com conferências e discursos
internacionais sobre eventos contemporâneos, necessitamos ir muito

- 73 -
mais a fundo e perguntar: pois bem, que tipo de criatura é o homem?
Obviamente, todas as nossas conclusões e todas as nossas propostas vão
ser governadas pela resposta a essa pergunta. Se o homem de fato é
essencialmente uma boa criatura que só necessita de um pouco mais de
instrução, de conhecimento e de informação, é óbvio que o tratamento
será relativamente simples. M as se é verdade o que o apóstolo Paulo diz
aqui sobre o homem como ele é por natureza, e sem Cristo, então é
igualmente óbvio que esse processo de tratamento será inteiramente
vão, e tentar realizá-lo será pura perda de tempo.

Temos que com eçar com esta doutrina. Qual é a verdade sobre o
homem em pecado? Que é que caracteriza o homem quando está em
pecado, sem a graça de Deus? Já examinamos esta matéria. O homem
está morto espiritualmente; é governado pelo diabo, que opera mediante
poderosas forças a seu comando que, por sua vez, produzem e dominam
a mente e a perspectiva do mundo. Essa é a situação do homem. E o
resultado é que o homem, dominado por esse mau poder, leva um a vida
de ofensas e pecados; na verdade, ele nasceu de tal maneira, por ser
descendente de Adão, que a sua própria natureza é decaída. Ele começa
com um a natureza corrompida. E, finalmente, ele está sob a ira de Deus.
Essa é a declaração do apóstolo nos três primeiros versículos.
Qual será então a relevância disso tudo para a presente situação?
Que é que isso nos diz, face a toda a situação mundial na época atual?
E evidente que facilmente se pode deduzir várias coisas deste ensino.
A prim eira é que aqui nos é dada a única explicação adequada da
razão da ocorrência de coisas como as guerras. Por que as temos? Por
que o homem comete essa loucura cabal? Por que será que os homens
se matam uns aos outros, e até se gloriam da guerra? Por que será? Qual
a explicação? Há somente uma resposta; é porque o homem é como o
apóstolo o descreve. E este ensino não é só do apóstolo Paulo. Vocês
recordam como Tiago se expressa a respeito no capítulo quatro da sua
Epístola: “De onde vêm as guerras e pelejas entre vós?” - e responde:
“dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam ” . Essa é a
causa da guerra. É o homem em sua condição decaída. Agora, a
compreensão desta verdade, deste fato, é absolutamente vital para nós,
como ponto de partida. Esta é a verdade quanto às nações, quanto às
classes, quanto aos indivíduos. Certamente nada é tão esclarecedor e
contraditório como a forma pela qual os homens pensam quando pensam
em nações, e a forma inteiramente diversa quando pensam em indiví­
duos. Pouco vale falar eloqüentemente sobre o caráter sagrado dos

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contratos internacionais, quando vocês estão lidando com gente que
rom pe os seus contratos matrimoniais e outros contratos pessoais, pois
as nações consistem de indivíduos. A nação não é algo abstrato, e não
temos direito de esperar de uma nação um a conduta que não vemos no
indivíduo. Todas estas coisas têm que ser vistas em conjunto.
Este é um princípio que atua na sociedade inteira, do fundo ao topo,
do indivíduo à nação, ao continente, ao mundo todo. De acordo com a
Bíblia, a explicação do estado do mundo é que o homem é governado
por estes desejos da carne e da mente. Ele não está muito interessado em
se um a coisa é certa ou não; está interessado no fato de que ele a quer,
gosta dela e tem que tê-la. Naturalmente recuamos aterrorizados quando
um a nação se porta dessa maneira. Quando Hitler invade e anexa a
Áustria, ficamos horrorizados. Sim, as pessoas que fazem as mesmas
coisas em sua vida pessoal, ficam horrorizadas. Fazem a mesma coisa
no que se refere à esposa alheia; fazem a m esm a coisa no que se refere
ao cargo ou posição ou ocupação de outrem. E exatamente a mesma
coisa. Aí está, pois, o princípio. E esta cobiça, que governa a hum anida­
de. “Andastes segundo o curso deste m undo”, diz o apóstolo. “A ndá­
vamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos
pensam entos”, “da m ente” . Portanto, a prim eira dedução é que aqui,
e somente aqui, temos adequada explicação e entendimento da razão
pela qual as coisas são como são.
A segunda dedução segue-se logicamente. E que, enquanto o
homem continuar sendo governado dessa maneira, o mundo conti­
nuará sendo como é. Certamente isso é óbvio. Se o estado do homem
foi responsável pela história do passado, é óbvio que, enquanto o homem
não mudar, a história do futuro não mudará. Aqui nos confrontam os e
entramos em colisão com o otimismo do homem natural, que está
sempre tão seguro e confiante em que, de um modo ou de outro, em nossa
geração consertaremos tudo. Ele acha que, ao passo que todas as
gerações que nos antecederam falharam, estamos numa situação dife­
rente, numa situação superior. Temos boa educação e somos instruídos;
temos conhecimento, ao passo que el as não o tinham; progredimos tanto
que só temos que ter sucesso; vamos ter sucesso. No entanto, se vocês
crêem nesta doutrina bíblica do homem em pecado, hão de logo ver que
isso é um a falácia fatal. Se os nossos problemas são devidos às cobiças
que há na hum anidade em pecado e que dominam os homens, enquanto
elas perm anecerem haverá guerras. Sobre isso temos ensino específico
que nos vem de nosso bendito Senhor, que disse: “Haverá guerras e
rumores de guerras” . Disse Ele também: “Como aconteceu nos dias de

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Noé, assim será também nos dias do Filho do hom em ” ; “Como também
da mesm a m aneira aconteceu nos dias de Ló” - em Sodoma - “assim
será” (Lucas 17:26-30). Desse modo o nosso Senhor via a história.
Se captarmos este ensino, ficaremos livres, uma vez por todas, do
falso entusiasm o e das falsas esperanças dos homens que realmente
acreditam que, introduzindo alguma nova organização, pode-se banir a
guerra e eliminá-la para sempre. A resposta da Bíblia é que não se pode
fazer isso enquanto o homem não nascer de novo. Isso é deprimente?
Contesto dizendo que, se é deprimente ou não, não deve ser essa a nossa
preocupação; o que deve constituir a nossa preocupação é conhecer a
verdade. O homem moderno se diz realista. Ele se opõe ao cristianismo
porque, segundo ele, o cristianismo não enfrenta os fatos. Não é realista,
diz ele; é sempre “castelos no ar”, e vocês vão para os seus templos e
lá se fecham, e não encaram os fatos da vida. Contudo, quando lhe damos
os fatos, ele contesta sobre o fundamento de que eles são deprimentes.
Os otimistas políticos e filosóficos é que não são realistas; as pessoas que
nunca encararam os fatos acerca do homem em pecado é que estão
fechando os olhos e dando as costas para a realidade. A Bíblia enfrenta
isso tudo; tem um a visão realista da vida neste mundo e somente ela a
tem.

Examinemos agora o ensino direto, específico do evangelho, Que


é que a m ensagem cristã tem para dizer acerca deste estado e desta
condição, cuja explicação estivemos considerando? A resposta é que ela
diz: “M as Deus” . Essa é a mensagem. Que significa? A m aneira mais
conveniente de analisar esta matéria é colocá-la primeiro em termos
negativos, depois em termos positivos. Lamento ter que com eçar outra
vez com um argumento negativo. Devo fazê-lo porque não poucos se
esquecem destes aspectos negativos, e assim transmitem mensagens
que não têm a m ínima possibilidade de ser consideradas cristãs. E,
contudo, costumam ser transmitidas em nome do cristianismo e da Igreja
Cristã. Estou profundam ente convencido de que o que está mantendo
grande núm ero de pessoas longe de Cristo e da salvação, e da Igreja
Cristã, é esta terrível confusão da qual a própria Igreja foi, e é, tão
culpada. M uitos estão fora da igreja hoje porque na prim eira guerra
mundial muitas vezes a Igreja Cristã se tornou uma espécie de escritório
de recrutamento. Os homens se escandalizaram - e num sentido tiveram
razão em escandalizar-se. Existem certas coisas que nunca deveriam ser
confundidas. Notemos algumas delas.
Que é esta mensagem cristã? Iniciamos dizendo que ela não é um

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grande apelo em prol do patriotismo. A mensagem cristã não é isso.
A mensagem cristã não denuncia o patriotismo, nem afirma que há algo
de errado nele. M erece dó quem não ama o seu país, a sua nação. Não
há nada nas Escrituras contra isso. Foi Deus que dividiu as nações e
definiu os seus limites e a sua habitação. E da vontade de Deus que
existam nações. M as não é d a vontade deD eus que existanacionalism o,
um nacionalism o agressivo. Não há nada de errado em um homem
honrar o seu país e alegrar-se nele; porém é completamente anti-cristão
dizer: “Estou com o meu país, esteja ele certo ou errado” . Isso é sempre
um erro, um erro fatal; é a completa negação do ensino das Escrituras.
Vejam o grande apóstolo que escreveu esta Epístola aos Efésios. A í está
um homem que era judeu, e se alguma vez houve um homem orgulhoso
da sua nacionalidade, foi o apóstolo Paulo - “Hebreu de hebreus, da
tribo de Benjam im ...”. Houve tempo em que ele era um nacionalista
rígido e desprezava os demais. Os gentios eram cães, estavam fora do
pacto das bênçãos. Mas aquilo em que ele se gloria nesta Epístola, vocês
recordam, é esta, “em que vós também confiastes” (VA). Os gentios
entraram, foram feitos “co-herdeiros” com os judeus, a parede de
separação que estava no m eio foi derrubada. “Não há grego, nem judeu,
circuncisão, nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo
é tudo em todos” (Colossenses 3:11). Essa é a posição cristã. “M as
D eus...” . Aí está o meio de se derrubar o espírito nacionalista que leva
à guerra. Acreditar que estamos sempre certos e que todos os outros estão
errados é tão errôneo nas nações como o é nos indivíduos. E sempre
errôneo. A mensagem cristã não é simplesmente um apelo a favor do
patriotism o. E se o cristianismo for retratado dessa forma, será um a
negação, um a m áscara da mensagem, e será enganoso aos olhos e
ouvidos dos que o ouvirem.
M as, em segundo lugar, a mensagem cristã não é apenas um
apelo para a coragem, ou para o heroísmo, ou para a m anifestação de
um grande espírito de sacrifício próprio. Falemos disso com clareza. O
cristianism o não condena a coragem, não condena o sacrifício próprio,
nem o heroísmo. Estas qualidades, estas virtudes não são especifica­
m ente cristãs. São virtudes pagãs, e eram ensinadas, inculcadas, admi­
radas e elogiadas antes da vinda do Senhor Jesus Cristo a este mundo.
A coragem era a virtude suprema, de acordo com os filósofos pagãos
gregos; era a quintessência do estoicismo. E por isso consideravam a
mansidão, a mansidão ensinadapela fé cristã, como fraqueza. Não havia
nenhum vocábulo para mansidão na filosofia grega pagã. Coragem,
força, poder - essas eram as coisas em que eles acreditavam. É por isso

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que, vocês se lembram, Paulo nos diz que a pregação da cruz era
“loucura para os gregos” . Que alguém que foi crucificado em fraqueza
deva ser o nosso Salvador, e deva ser o caminho para a salvação, para
eles era absurdo e ridículo. Eles não davam nenhum valor à m ansidão
e à humildade; a coragem, a força e o heroísmo eram as grandes virtudes.
E, pois, muito importante que compreendamos que não faz parte da
m ensagem cristã exortar o povo à coragem, ao heroísmo e ao sacrifício
próprio. Não há nada de especificam ente cristão nessas idéias. O
cristianismo não as condena, mas não é essa amensagem cristã. E o ponto
que estou acentuando aqui é que quando isso foi apresentado como
sendo a mensagem cristã, confundiu as pessoas e levou àprópria divisão
que o evangelho se destinava a curar.
Pois bem, passemos à terceira questão. Há muitas pessoas que
parecem pensar que a mensagem cristã consiste simplesmente em apelar
para que o mundo ponha em prática os princípios cristãos. Isso éapenas
a posição pacifista, assim chamada. Ora, dizem eles, vocês, cristãos,
estão sempre pregando sobre salvação pessoal e sobre doutrinas e tudo
mais; por que não fazem algo acerca das guerras? Muito bem, dizemos
nós, que é que vocês querem que façamos? O que vocês têm que fazer,
replicam eles, é dizer às pessoas que pratiquem o Sermão do M onte. Por
que não lhes dizem que voltem a outra face e amem uns aos outros e
assim por diante? Então se daria fim às guerras. Vocês têm a solução;
tão- somente façam as pessoas porem em ação os princípios do ensino
de Cristo. Qual é a resposta para isso? A resposta é o ensino dos três
prim eiros versículos deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos
Efésios. Vocês podem pregar o Sermão do M onte a pessoas que estão
mortas “em ofensas e pecados” até ficarem exaustos e nem vocês nem
elas ficarão mais sábios. Elas não conseguem praticá-lo. Não querem
fazê-lo. São “inimigos e estranhos em suas mentes” . São governadas
por “cobiças”. Fazem “a vontade da carne e dos pensam entos” . É isso
que as governa e as dirige. Como podem praticar o Sermão do M onte?
Há somente uma esperança para o homem em pecado, Paulo declara
- “Mas D eus” . Os homens precisam ser regenerados; precisam rece­
ber um a nova natureza antes de poderem entender o Sermão do M onte,
sem falar em poderem começar a pô-lo em prática. Assim, será um
arremedo da mensagem cristã falar dela como se fosse apenas um apelo
dirigido aos homens para que se levantem e sigam a Cristo com as suas
próprias forças, e ponham em ação princípios cristãos de ensino. E um
simulacro do evangelho, da mesm a form a que o é a pregação do
patriotism o e do imperialismo. E igualmente não cristão. E de fato uma

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perigosa heresi a, a antiga heresia pelagiana, porque não compreende que
o homem, sendo o que é em pecado, absolutamente não pode executar
tal ensino. Esperar conduta cristã depessoas ainda não cristãs, é perigosa
heresia. Vocês vêem quão importante é o nosso ensino, e como é
essencial que falemos com clareza sobre a fiel aplicação da mensagem
cristã ao m undo moderno. É por isso que não gastamos o nosso tempo
falando sobre conferências internacionais e sobre política e relações
internacionais, ou sobre conflitos industriais, ou pregando sempre sobre
a questão do pacifismo e contra a guerra nuclear. Fazê-lo seria simples
perda de tempo - embora provavelmente atraísse publicidade. O que é
necessário é quecom ecem os com este princípio fundamental, a doutrina
do homem em pecado, em sua condição de morto, em sua desesperança,
em seu desamparo completo.
Para resumir até aqui, o princípio negativo é que am ensagem cristã,
o evangelho cristão, não tem nenhuma mensagem direta para o mundo,
exceto dizer que o mundo, como é, está sob a ira de Deus, isto é, está
sob condenação, e que todos os que morrerem neste estado irão para a
perdição. A única mensagem da fé cristã para o mundo incrédulo, em
prim eiro lugar, é simplesmente acerca do juízo, um apelo para o
arrependim ento, e dar-lhes a segurança de que, se se arrependerem e
forem convertidos a Cristo, serão libertos. Portanto, a Igreja, a fé cristã,
não tem nenhuma outra mensagem para o mundo fora dessa.

M as a Bíblia ensina também, com bastante simplicidade e clareza,


que, conquanto seja essa a mensagem de Deus para o mundo incrédulo,
Deus, não obstante, fez algo com relação a esse mundo incrédulo. Eis
o que Ele fez em primeiro lugar: colocou um comando sobre o poder
do pecado e do mal. Ele o fez da seguinte maneira: como já lhes fiz
lembrar, Ele dividiu os povos do mundo em nações. Não somente isso,
Ele ordenou que houvesse Estados e governos. Ele ordenou “as
potestades que há”. “As potestades que há”, diz Paulo em Romanos,
capítulo 13, “foram ordenadas por Deus” ; seja rei ou im perador ou
presidente de um a república, “as potestades que há foram ordenadas por
Deus” . Foi Deus que ordenou os magistrados e lhes deu a espada do
poder. Por que? Simplesmente para m anter as manifestações do mal
dentro de limites e sob controle. Pois, se não tivesse feito isso, se aos
desejos que agem em todos nós por natureza e pela herança de Adão
fosse permitido se m anifestarem ilim itada e descontroladamente, o
m undo seria um inferno e há muito se teria lançado na perdição e se teria
destruído a si mesmo. Deus pôs um limite nisso. Pôs um limite até para

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o mal e o mantém dentro dele, e o restringe. Realmente o apóstolo, num a
declaração deveras extraordinária, registrada em Romanos (capítulo 1,
versículos 18ss.), prova o ponto dizendo que, às vezes, para Seus fins
e propósitos, Deus retira parcialmente essa restrição. Diz ele que Deus
“os entregou a um sentimento perverso” . Há tempos e ocasiões em que
Deus parece afrouxar a restrição que Ele impôs ao pecado e ao mal a fim
de que o vejamos em todo o seu horror. Pode bem ser que estejamos
vivendo um tal período. Mas é isso que a Bíblia nos diz sobre o que Deus
faz diretam ente quanto ao homem em pecado; Ele controla as m anifes­
tações de sua natureza torpe, má e decaída. Essa é a mensagem geral.
Todavia, qual é a mensagem particular? É isso que o apóstolo está
interessado em salientar acima de tudo neste parágrafo imediato. A
mensagem para indivíduos é que podemos ser libertos do presente
mundo m au, que podemos escapar da condenação que certam ente virá
sobre este mundo. Essa é a mensagem que o apóstolo pregava. E uma
mensagem para indivíduos. Ela não diz que o mundo pode ser endirei­
tado se tão-somente pusermos em prática o ensino cristão; não se trata
de um apelo para que as pessoas se reformem e façam isto ou aquilo. Não,
é um a mensagem que afirma que, como resultado do que Deus fez em
Jesus Cristo, Seu Filho, o nosso Senhor e Salvador, nós, que estávamos
na própria tessitura desse mundo pecaminoso, condenado, podemos ser
libertos dele - “O qual se deu a si mesmo por nossos pecados”, diz ele
aos gálatas, “para nos livrar do presente século m au” . O mundo está
condenado, o mundo vai ser destruído e punido, o diabo e todas as suas
forças vão para a perdição, e todos os que pertencem a esse reino sofrerão
a m esm a punição. No entanto, individualmente, a mensagem do evan­
gelho aos homens e mulheres é que eles não necessitam ter participação
nisso. Vocês podem ser tirados disso - “do reino das trevas”, do poder
de satanás, para Deus. Essa é a mensagem para homens e mulheres
individuais. O m undo continuará como está, mas vocês podem ser
libertos dele, podem ser retirados dele.
Não somente isso; também podemos ser introduzidos num reino
que não é deste mundo e tornar-nos seus cidadãos. A m edida que
percorrerm os este capítulo, veremos Paulo elaborar bem as suas pró­
prias palavras. O que é maravilhoso, diz ele, é que vocês, gentios, estão
em Cristo, e, graças ao Seu sangue, se tornaram concidadãos dos santos;
tom aram -se cidadãos do reino de Deus, do reino de Cristo, do reino da
luz, do reino dos céus - um reino que não é deste mundo, reino
inabalável, reino imutável. Esse é o reino no qual entramos.
Esta é a notícia mais emocionante que um apessoapoderiareceber.

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Atualm ente somos cidadãos deste país, nossa terra natal, e estamos
todos envolvidos no que acontece com este país. Se este país entrar em
guerra, todos nós estaremos envolvidos. Não escapamos das bom bas na
últim a guerra mais que qualquer outra pessoa por sermos cristãos.
Estam os todos envolvidos, somos cidadãos deste mundo ecom partim os
o destino deste mundo. Mas, graças a Deus, eis aqui algo diferente.
Conquanto continuemos sendo cidadãos deste mundo, nós nos torna­
mos cidadãos doutro reino, deste outro reino que foi aberto para nós por
Cristo - um reino espiritual, reino que não é deste mundo, eterno nos
céus com Deus. Esse é o ensino desta mensagem. “Mas Deus...” .

A doutrina se desenvolve naprática da seguinte maneira: se eu creio


nesta mensagem, doravante não vou fix a r as minhas esperanças, nem
pousar os meus afetos de modo final em nada deste mundo. O homem
natural faz isso, é claro; ele prende as suas esperanças a este m undo e
sua mente, sua perspectiva, seus estadistas, sua mentalidade, seus
prazeres, suas alegrias. Ele vive para este mundo, e nele são centraliza­
das todas as suas esperanças, e nele estão todos os seus afetos. O cristão
não é assim. O cristão, havendo sido levado a ver que este mundo está
fadado à ruína, que está sob a ira de Deus, fugiu da “ira futura” . Ele creu
no evangelho, entrou neste outro reino, e agora as suas esperanças e seus
afetos estão postos lá, não aqui. O cristão é alguém que, para usar um a
frase das Escrituras, sabe que é apenas “um estrangeiro e peregrino”
neste mundo. E mero viajor, já não vive para o mundo; ele não e
enganado pelo m undo, vê além dele. É apenas alguém que está em
viagem, um viajor, e, como o coloca Tiago (capítulo 4), o cristão é
alguém que se deu conta de que não passa de “um vapor”, um sopro.
Por isso não considera permanente este mundo; não faz os seus planos
e diz, agora vou fazer isto 011 aquilo. Nada disso! Em vez disso, ele diz:
“Se o Senhor quiser...” ; tudo sob Deus, e o cristão compreende como
tudo aqui é contingente. Ele não põe mais a sua fé e os seus afetos neste
mundo.
Todavia, mais maravilhoso ainda! O cristão não é apanhado de
surpresa p o r coisa alguma que aconteça neste m undo, Por isso eu
disse anteriormente que não conheço nada que seja tão relevante para
as circunstâncias deste mundo como este evangelho. O cristão nunca fica
surpreso com as coisas que acontecem no mundo. Ele está preparado
paratudo, estápreparadoparaqualquer coisa, Não se surpreende quando
irrompe um a guerra. Naturalmente o não cristão, especialm ente o
idealista, fica muito surpreso. Ele de fato cria, no fim da prim eira guerra

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mundial, que a Liga das Nações ia abolir a guerra para sempre. Havia
muitos que acreditavam que o Pacto de Locarno, de 1925, finalmente ia
fazer isso, e estavam muito alegres. Estavam confiantes em que nunca
mais haveria uma guerra como a de 1914 - 18. E quando começou a
guerra de 1939, eles não sabiam como explicar o fato. Mas o verdadeiro
cristão, sabedor de que o homem é uma criatura governada por cobiças,
e que acobiça sempre produz guerra, sabia muitíssimo bem que nenhum
Pacto de Locarno nem qualquer outra coisa poderia abolir ou eliminar
a guerra. Sabia que a guerra poderia surgir a qualquer tempo, e quando
ela veio ele não ficou surpreso. Como o Salmo 112 o expressa no
versículo sete: “Não temerá maus rumores; o seu coração está firme,
confiando no Senhor” . Crendo como cremos nesta doutrina bíblica do
homem em pecado, jam ais devemos surpreender-nos com o que acon­
tece no mundo. Vocês estão surpresos com todos os assassinatos,
roubos, violência, assaltos, mentira, ódio, carnalidade e sexualismo?
Vocês se surpreendem quando vêem os seus jornais? Não deveria
acontecer isso, se vocês são cristãos. Deveriam esperar isso. O homem
em pecado necessariamente se comporta desse modo; não pode conter-
se, ele vive, anda em ofensas e pecados. Ele o faz individualmente, e o
faz em grupos; portanto, haverá conflitos e desentendimentos industri­
ais, e haverá guerras. Ah, quepessim ism o!-exclam ará alguém. Eu digo:
não, que realismo! Encarem isso, estejam preparados para isso, não
esperem nada melhor de um mundo como este; é um mundo decaído,
pecaminoso, ímpio, mau; e, enquanto o homem continuar em pecado,
é assim que será. E hoje é como nos dias de Sodoma e Gomorra, e como
na época do Dilúvio!
M as, graças a Deus, ainda não terminei. Continuo e digo que o
cristão é alguém que, compreendendo que vive em tal mundo, e que, não
tendo nenhum a ilusão acerca dele, não obstante sabe que está ligado a
um Poder que o habilita, não somente a suportar o que quer que lhe venha
num m undo como este, porém, de fato o capacita a ser “mais que
vencedor” sobre essa realidade toda. Ele não apenas o suporta
passivamente, não m eramente o tolera, não somente o “aguenta” e
exercita a sua coragem. Não, isso é estoicismo, é paganismo. O cristão,
estando em Cristo, o cristão, sabendo algo do que o apóstolo cham a “a
sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que crem os”, é
fortalecido, é habilitado a suportar; seu coração não fraqueja, ele não é
derrotado, de fato é capaz de regozijar-se nas tribulações. Que o m undo
faça com ele o pior, que o inferno seja solto, ele é mantido firme. “Esta
é a vitória que vence o mundo, a nossa fé” (1 João 5:4). Assim é que,

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se as coisas se tornarem realmente impossíveis, o cristão tem recursos,
ainda terá conforto e consolações, ele ainda tem um poder que os
incrédulos ignoram.
Finalm ente, o cristão está absolutamente seguro e certo de que,
façam o m undo e os homens o que fizerem, ele está a salvo nas mãos
de Deus. “Com confiança ousamos dizer” , dizem as Escrituras: “O
Senhor é o meu ajudador, e não temerei o que me possa fazer o hom em ”
(Hebreus 13:6). Na verdade ele sabe que o homem, em sua malignidade,
pode insultá-lo, pode perseguí-lo, pode arruiná-lo, pode até destruir o
seu corpo; mas também sabe que nada jam ais será capaz de separá-lo
“do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos
8:39). Ele sabe que, seja o que for que aconteça neste mundo limitado
pelo tempo, ele é filho de Deus, herdeiro da glória. Verdadeiram ente ele
sabe que virá o dia em que este presente mundo pecam inoso será
resgatado inteiramente, e haverá “novos céus e nova terra em que habita
a justiça” (2 Pedro 3:13). O cristão pode olhar para o futuro e ver que,
num glorioso dia no porvir, quando o seu corpo será renovado e
glorificado, quando o seu corpo não mais será fraco, não mais estará
sujeito à doença, à velhice, a nenhum mal, quando será um corpo
glorificado como o de Cristo ressurreto - ele sabe que, neste corpo
glorificado, andará na face desta mesma terra, na qual o mal, o pecado
e toda infâmia serão eliminados pelo fogo de Deus. Habitará num mundo
perfeito, do qual o Cordeiro, o Filho de Deus, é aLuz e o Sol, o Esplendor
e a Glória, e o desfrutará para todo sempre. É isso que a mensagem cristã,
a fé cristã tem para dizer a este vil, perplexo, infeliz, confuso e frustrado
mundo moderno. Tudo vem destas doutrinas essenciais que só podem
ser aprendidas neste Livro, que é a Palavra de Deus. Aí está o mundo!
- “M as D eus...” .

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EM CRISTO JESUS
“M as Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito
am or com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas
ofensas, nos vivificou, juntam ente com Cristo (pela graça sois
salvos), e nos ressuscitou juntam ente com ele e nos fe z assentar nos
lugares celestiais, em Cristo Jesus; para m ostrar nos séculos vindou­
ros as abundantes riquezas de sua graça pela sua benignidade para
conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:4-7

Já examinamos esta majestosa e emocionante declaração de m anei­


ra mais ou menos geral. Observamos como o apóstolo a introduz, e
especialm ente a palavra M as, que introduz o ponto de transição do
desam paro e desespero do homem em pecado para a esperança e
consolação do evangelho. Esta é a única esperança; fora dela não há
absolutam ente nenhuma esperança. Quando nos vemos numa condição
inteiramente perdida e perigosa, de repente nos chega esta m ensagem,
inesperada e surpreendentemente, de um a esfera diferente, que nos
impulsiona a levantar os nossos rostos. Além disso, a suagrande ênfase
é que foi Deus que fez isso. Foi quando estávamos m ortos e não
podíamos fazer nada, que Deus fez o que somente Ele podia fazer. É o
poder de Deus. Vemos também aí, com muita clareza, o contraste entre
Deus e nós: Ele é rico em misericórdia, tem grande amor por nós, Sua
graça é sobremodo rica, e a Sua disposição para conosco é sempre
bondosa e benigna.
M as o apóstolo não se contenta em meramente introduzir o
evangelho e em meramente pintar estes contrastes extraordinários e
m aravilhosos. Também está desejoso de que tenham os clara idéia do
feito grandioso que Deus realizou por nós. Que é que pode ser mais
maravilhoso do que o modo como, ao vermos como somos em pecado,
reagimos a este bendito “M as”? Todavia, não devemos ficar simples­
m ente admirados e espantados, devemos aprender e com preender
exatamente o que Deus fez por nós. Por isso o apóstolo expõe isso diante
de nós em detalhe. Há um sentido em que podemos dizer acertada e
verdadeiramente que temos aqui uma das declarações mais profundas
com respeito à condição e à situação do cristão que se pode achar em
qualquer parte das Escrituras. O que aconteceu é que, “estando nós

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ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntam ente com Cristo
(pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntam ente com ele e nos fez
assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” .
Pois bem, há, obviamente, algumas observações preliminares que
se deve fazer sobre um a declaração como essa. A prim eira que me sinto
constrangido a fazer é que isto é cristianismo verdadeiro; essa é a
própria essência do cristianismo, e nada menos que isso. O que estas
palavras descrevem é o centro vital de toda essa matéria. É o que Deus
fez para nós e por nós, e não primariamente algo que tenhamos feito.
Noutras palavras, o cristianismo não significa apenas que eu e vocês
tomamos um a decisão. Naturalmente isso está incluído, mas não é a
essência do cristianismo. As pessoas podem decidir parar de fazer certas
coisas e com eçar a fazer outras; isso não é cristianism o. As pessoas
podem acreditar que Deus lhes perdoa os seus pecados; porém, isso, em
si, não é cristianismo. A essência do cristianismo é a verdade que temos
aqui - e este é o fato real, e nada menos que isso é o fato real.
G ostaria de acentuar também que isto é verdade quanto a todos
os cristãos. M ais adiante veremos que aqui nos defrontamos com o
maravilhoso ensino e doutrina acerca da união do cristão com o Senhor
Jesus Cristo. Com efeito, há certas escolas de pensam ento cristão que
têm feito grande dano neste ponto, dando-nos a impressão de que se trata
de algo a que somente certos cristãos chegam, de que se você realmente
se entregar ao cultivo da vida cristã, poderá esperar chegar finalmente
a esta união com Cristo. É óbvio que eles pensam que existem muitos
cristãos que ainda não ocupam esta posição e que precisam ser exortados
e concitados e estimulados a lutar até alcançarem essa condição. Ora,
isso está inteiramente errado, é inteiramente falso. Você não pode ser
cristão, de modo nenhum, sem a verdade que estamos examinando
agora; é esta verdade que nos faz cristãos; sem ela não estamos na
posição cristã absolutamente.
Portanto, é importante que entendamos imediatamente que de fato
estamos tratando aqui de algo que é básico e fundamental e primordial.
Ao mesmo tempo, naturalmente, a doutrina é tão gloriosa e grandiosa
que inclui a totalidade da vida cristã. A vida cristã é um todo, e você tem,
por assim dizer, o todo no início, e depois passa a apropriar-se de suas
várias partes e a entendê-lo cada vez mais. Isto é cristianism o, que
“estando nós ainda mortos em nossas ofensas, Deus nos vivificou
juntam ente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou
juntam ente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo
Jesus”. Que acontece, pergunto, quando nos examinamos à luz dessa

- 85 -
declaração? Poderíamos dizer que sempre pensamos a nosso respeito
como cristãos nestes termos? Seria como eu penso de mim como cristão?
Ou ainda me inclino a pensar em mim como cristão nos termos daquilo
que estou tentando fazer, lutando para fazer, e daquilo em que estou
tentando me tornar ou que estou tentando fazer de mim mesmo? Ora,
isto é evidentem ente básico, porque toda ênfase do apóstolo aqui é que
a coisa prim ordial, a prim eira coisa, é esta que Deus faz para nós, não
prim ariam ente o que eu e você fazemos pessoalmente.

Há duas maneiras de examinar esta grande declaração. Há alguns


que têm um a idéia puramente objetiva dela. Pensam nela exclusiva­
m ente em termos da nossa situação, ou da nossa posição, na presença de
Deus. O que quero dizer é que eles pensam nela como sendo algo que,
num sentido, já é verdade a nosso respeito em Cristo, mas não é verdade
a nosso respeito na prática. Consideram esta como um a declaração do
fato de que após a morte ressuscitaremos e participaremos da vida da
glória que está à espera de todos os que estão em Cristo Jesus. Afirmam
que a verdade é que o Senhor Jesus Cristo já ressuscitou dos mortos; Ele
foi vivificado quando estava morto na sepultura, foi ressuscitado,
apareceu a certas testemunhas, subiu ao céu e está na glória, nos lugares
celestiais. Pois bem, dizem eles, isso aconteceu com Ele, e, se crermos
nEle, acontecerá conosco. Eles afirmam que essa verdade quanto a nós
é pela fé agora, porém realmente só pela fé. Não é real em nós agora, é
inteiramente real nEle, mas se tornará real em nós no futuro. Pois é isso
que eu considero um a idéia puram ente objetiva desta declaração. E,
naturalm ente, como declaração, está perfeitamente certa, exceto que
não vai suficientemente longe. Tudo isso é verdade quanto a nós.
Chegará a hora em que todos nós, cristãos, seremos ressuscitados, a
menos que o nosso Senhor volte antes de morrermos. Os nossos corpos
serão transform ados e glorificados; e nós viveremos e reinaremos com
Ele, e entraremos em Sua glória e dela participaremos com Ele. Isso é
perfeitam ente verdadeiro.
No entanto, me parece que interpretar esta declaração unicamente
dessa m aneira é interpretá-la de m aneira gravemente errônea. E isso eu
posso provar. Há dois argumentos que a tornam uma interpretação
com pletam ente inadequada. O primeiro é que todo o contexto aqui é
experimental. O apóstolo não está tão interessado em lem brar a estes
efésios algo que lhes irá acontecer; o seu grande interesse aqui é lembrá-
-los do que já lhes aconteceu, e da sua posição atual. E importante que
sempre levemos conosco o contexto. O interesse do apóstolo, m ostrado

- 86 -
em toda esta declaração, é que podemos conhecer “a sobreexcelente
grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da
força do seu poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os
m ortos” . Noutras palavras, ele está orando no sentido de que estes
efésios tenham os olhos do seu entendimento iluminados de tal modo
que possam saber o que Deus está fazendo por eles agoravnesse exato
momento, não alguma coisa que Ele vai fazer no futuro. E importante
termos claro entendimento sobre a morte, para que percamos o m edo da
morte, para que estejamos tão certos da ressurreição e da nossa glorifi­
cação que possamos sorrir em face da morte; está certo, entretanto não
é isso que o apóstolo está ensinando aqui. Ele está interessado em que
eles apreciem agora, em meio a todas as suas dificuldades, aquilo que
é a concreta verdade a respeito deles.
Contudo, há um a prova mais forte, parece-me, no versículo cinco.
Diz o apóstolo que, “estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos
vivificou com Cristo”, e então, entre parêntesis, “(pela graça sois
salvos)”. Ele diz, noutras palavras: o que estou falando é sobre a sua
salvação neste momento. “Pela graça sois salvos” significa “pela graça
vós já fo s te s salvos” . Esse é o tempo verbal, “fostes salvos” . Eviden­
tem ente é algo experimental. É algo subjetivo, não puram ente objetivo.
A tragédia é que muitas vezes as pessoas colocam estas coisas como
elementos opostos, ao passo que, na realidade, as Escrituras sempre
mostram que ambas as coisas devem andar juntas. Há um lado objetivo
da minha salvação, mas, graças a Deus, há também um lado subjetivo.
E u m erro ensinar, como o moderno movimento bartiano tende a ensinar,
que tudo é objetivo, que tudo está em Cristo e que em mim não há
absolutamente nada. Isso m e parece um grave erro, porque as Escrituras,
felizm ente para nós, sempre acentuam o experimental, o pessoal, o
subjetivo, o que eu desfruto aqui e agora. M inha salvação não está
com pleta e exclusivamente em Cristo; um a vez que eu estou em Cristo,
ela está em mim também.
É isso que o apóstolo está desejoso de que entendamos. Noutras
palavras, esta realidade deve ser interpretada espiritual e objetiva­
mente, deve ser entendida experimentalmente. O que Deus fez por nós
espiritualmente, diz o apóstolo, é comparável ao que Ele fez ao Senhor
Jesus Cristo no sentido físico quando O ressuscitou dentre os mortos e
O levou para Si para que Ele Se assentasse nos lugares celestiais.
Devem os retornar ao fim do capítulo primeiro. O poder que está
operando para conosco e em nós, os que cremos, é o mesmo poder que
Deus “manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e

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pondo-o à sua direita nos céus, acima de todo o principado, e poder, e
potestade, e domínio, e de todo nome que se nomeia, não só neste século,
mas também no vindouro; e sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre
todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a
plenitude daquele que cumpre tudo em todos” . Agora, diz Paulo, quero
que vocês saibam que exatamente o mesmo poder que fez isso está
operando em vocês espiritualmente. Isso, então, nos capacita a dizer
tudo o que aconteceu conosco, se somos cristãos, aconteceu por esse
mesmo poder de Deus. Todos os tempos verbais que o apóstolo emprega
justam ente nestas palavras que estamos estudando estão no passado; ele
não diz que Deus vai nos ressuscitar, vai nos vivificar, vai fazer-nos
sentar nos lugares celestiais; ele afirma que Ele já o fez, que quando
estávamos mortos Ele nos vivificou. E o tempo aoristo, o passado, é algo
que se completou, e uma vez por todas já foi feito. Assim é que temos
que dizer de nós mesmos, como cristãos, que fomos vivificados, fomos
ressuscitados, e estamos sentados nos lugares celestiais.
Ou, talvez, numa colocação melhor, possamos dizer - e segura­
mente é o que o apóstolo tinha em mente - que a situação do cristão é
exatamente o oposto da situação do não cristão. O não cristão é alguém
que está morto em ofensas e pecados, está sendo levado de acordo com
o curso deste mundo, de acordo com o príncipe das potestades do ar, do
espírito que agora opera nos filhos da desobediência; ele vive segundo
os desejos da carne, fazendo a vontade da carne e dam ente; ele está, por
natureza, sob a ira de Deus. Esse é o não cristão. E o cristão, que é? O
exato oposto disso - vivificado; vivo; ressurreto; sentado nos lugares
celestiais; inteiramente diferente, contraste completo. O “m as” assina-
-a em toda parte este aspecto de contraste. E, obviamente, não podere­
mos entender verdadeiramente a nossa posição como cristãos, se não
compreendermos que é um completo contraste com o que éramos antes.
Vocês vêem como, na interpretação das Escrituras, é importante tomar
tudo em seu contexto. Temos que ter claro entendimento acerca do
nosso estado em pecado porque, se não, jam ais teremos claro entendi­
m ento acerca do nosso estado na graça e na salvação.

Se essa é a verdade acerca de nós como cristãos agora, há duas


importantes questões que devem ocupar a nossa atenção. Eis a primeira:
como fo i que tudo isso nos aconteceu? Como foi que isso passou a ser
verdade a m eu respeito como cristão? O apóstolo responde: é “ju n ta ­
mente com Cristo” . Vocês notam sua ênfase constantem ente repetida?
- “quando estávamos mortos em pecados, vivificou-nos ju n to com
Cristo, ressuscitou-nos juntos e nos fez sentar juntos nos lugares
celestiais em Cristo Jesus” (VA). Aqui sem dúvida nos vemos face a
face com um a das mais grandiosas e mais maravilhosas doutrinas cristãs,
um a das mais gloriosas, fora de toda e qualquer contestação. Trata-se do
ensino completo das Escrituras com respeito à nossa união com Cristo.
É um ensino que vocês encontrarão em muitos lugares. Rem eto-os ao
capítulo cinco da Epístola aos Romanos, que, de muitas maneiras, é a
mais extensa exposição da doutrina. M as igualmente ela pode ser
encontrada no capítulo seis da Epístola aos Romanos. Tam bém se
encontraem 1 Coríntios, capítulo 15, o grandioso capítulo freqüentemente
lido nos funerais; todavia igualmente se vê em 2 Coríntios, capítulo 5.
Similarmente o ensino se acha naquelas belas palavras do fim do
capítulo dois daEpístola aos G á la ta s -“Já estou crucificado com Cristo;
e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo
na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou
a si mesmo por m im ” . Esta é a coisa mais maravilhosa e mais espantosa,
e, para mim, é sempre uma questão que me causa grande surpresa que
esta bendita doutrina receba tão pouca atenção. Por um a outra razão o
povo cristão parece temê-la. Não tenho dúvida que é principalmente
pela razão que já dei, que o ensino católico (seja romano ou anglicano
ou de qualquer outro tipo) sempre propenso a dar a impressão de que esta
é um a realização final do místico, a meta suprema do maior santo, mas
nada tem a ver com o resto de nós, cristãos comuns. A nossa réplica é
que, de acordo com este ensino, em Efésios, capítulo 2 e noutros lugares,
vocês não são cristãos enquanto não estiverem unido a Cristo e “nele” .
Esta doutrina da nossa união com Cristo não deveria vir no fim da
doutrina cristã, deveria vir no início, onde o apóstolo a coloca.
Que significa estarmos unidos a Cristo? Esta expressão é em pre­
gada em dois sentidos. O prim eiro é o que se pode cham ar sentido
federal, ou, noutras palavras, sentido pactuai. Esse é o sentido do
capítulo cinco de Romanos, versículos 12-21. Adão foi constituído e
considerado por Deus como o chefe e o representante da raça humana;
ele foi o chefe federal, o representante federal, o cabeça pactuai. Deus
fez um a aliança com Adão, fez um acordo com ele, fez certas declarações
a ele quanto ao que Ele pretendia fazer, e assim por diante. Pois bem,
esse é o prim eiro sentido em que é ensinada esta doutrina da união. E,
portanto, o que se diz acerca do Senhor Jesus Cristo é que Ele é nosso
Chefe Federal, nosso Representante. Adão, o nosso representante,
rebelou-se contra Deus; pecou e foi punido, e certas conseqüências se
seguiram. M as devido Adão ser o nosso representante e o nosso chefe

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ou cabeça, o que aconteceu com Adão aconteceu por isso com toda a sua
posteridade e conosco,
Ora, esse é um aspecto da questão, e muito importante. Conhece­
mos algo sobre isso na vida e no viver comum. O embaixador deste país
num país estrangeiro representa todo o país, e se envolve em ações nas
quais nos envolvemos, queiramos ou não. Como cidadãos deste país nós
todos sofremos as conseqüências de resoluções que foram tomadas, até
mesmo antes de nascermos. Vocês não podem abstrair-se de sua nação,
estão federalm ente envolvidos nas atividades da sua nação, e o que o
líder ou o representante oficial de uma nação faz impõe-se a todos os
cidadãos dessa nação. M uito bem, essa é a verdade com relação a Adão.
Tam bém é a verdade com relação ao Senhor Jesus Cristo. Adão foi o
prim eiro homem; Jesus Cristo é o segundo homem. Vocês têm o
prim eiro Adão; vocês têm o último Adão. Agora, de acordo com este
ensino, Jesus Cristo é o representante desta nova humanidade; e,
portanto, o queE le fez e o que Ele sofreu é algo que se aplica à totalidade
desta nova raça que veio a existir nEle. Dessa maneira, deve-se pensar
na união do crente com Cristo em termos desse sentido federal.
Mas a coisa não fica nisso. Há outro aspecto da união, que podemos
chamar místico ou vital. E algo que o nosso Senhor ensinou pessoal­
mente, nas famosas palavras do capítulo quinze do Evangelho Segundo
João, onde Ele diz: “Eu sou a videira verdadeira, vós as varas” . A união
entre as varas e a videira não é mecânica, é vital e orgânica. Estão unidas;
a m esm a seiva, a m esm a vida no tronco e nos ramos. Contudo, essa não
foi a única ilustração utilizada. No final do capítulo prim eiro desta
Epístola Paulo diz que a união entre o cristão e o Senhor Jesus Cristo é
comparável à união das diversas partes do corpo com o corpo todo, e
especialmente com a cabeça. Pois bem, qualquer dos meus dedos é parte
vital do meu corpo. Não foi simplesmente amarrado nele; há um a união
viva, orgânica, vital. O sangue que corre através da m inha cabeça, corre
através dos meus dedos. Isso indica uma espécie de unidade interna
essencial, e não um a união meramente federal ou legal ou pactuai. Há,
de fato, mais um a ilustração empregada nesta Epístola aos Efésios, no
capítulo cinco, onde se nos diz que a união entre a Igreja e Cristo, e,
portanto, entre todo m embro da Igreja e Cristo é comparável à união
entre um marido e sua esposa - “ambos serão um a só carne” . Essa união
é mística. Essa é a união entre Cristo e a Igreja.
Todas estas bênçãos que usufruímos tornaram-se nossas porque
estamos ligados a Cristo dessa maneira dupla - de m aneira forense,
federal, pactuai, porém também desta m aneira vital e viva. Podemos

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afirmar, pois, que o que aconteceu com Cristo aconteceu conosco. Este
é o m istério e am aravilha danossa salvação, e é a realidade mais gloriosa
que jam ais podemos contemplar. O Filho de Deus, a Segunda Pessoa da
Deidade eterna, desceu do céu à terra; assumiu a nossa natureza humana,
compartilhou da natureza humana; e como resultado da Sua obra, nós,
seres humanos, compartilhamos da Sua vida e estamos nEle, e somos
participantes de todos os benefícios que dEle vêm. Meus amigos, eu os
fiz lembrar-se logo no princípio, e devo repeti-lo, que o cristianismo é
isso, e nada menos que isso. E se não compreendemos isso, eu pergunto:
que é o nosso cristianismo? Isto não é algo a que você chega, é algo com
que você começa. Você não obtém nenhum benefício de Cristo, a não
ser em termos da sua união com Ele - “todos nós recebemos também
da sua plenitude”, diz João, “e graça por graça” (João 1:16).

Ora, neste ponto, o apóstolo está prim ariam ente interessado em


salientar o aspecto positivo disso tudo, e não o negativo. Ele tratará do
aspecto negativo um pouco mais adiante, neste capítulo. Mas, necessa­
riamente, é preciso ter em mente o negativo também. No entanto, o que
o apóstolo está prim ariam ente interessado em salientar é que, ao passo
que estávamos mortos, agora estamos vivos. A pergunta que surge de
imediato é: como é que isto pode acontecer? Algo precisa acontecer
antes que nós, que estamos mortos e sob a ira de Deus, possam os passar
a estar vivos. Não posso auferir nenhum benefício, de espécie alguma,
enquanto não se faça algo para satisfazer a ira de Deus, pois não apenas
estou morto e não apenas sou uma criatura de desejos e domínios pelo
deus deste mundo, eu estou sob a ira de Deus - “éramos por natureza
filhos da ira, como os outros também” . E, graças a Deus que alguma
coisa aconteceu! Cristo tomou sobre Si a nossa natureza, levou sobre Si
os nossos pecados, foi ao local de punição; a ira de Deus foi derramada
sobre Ele. Esse é todo o significado da Sua morte na cruz, é o pecado
sendo punido, é a ira de Deus se manifestando contra o pecado. E se não
vemos isso na cruz do Calvário, estamos olhando para aquela cruz sem
os olhos do Novo Testamento. Há nesse terrível aspecto da cruz, e nós
nunca devemos esquecê-lo. Jamais devemos esquecer o brado de
desamparo: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” Isso
aconteceu porque Ele estava experimentando a ira de Deus contra o
pecado, nada menos que isso. M as aqui o apóstolo está muito mais
interessado em acentuar o aspecto positivo. Cristo não somente morreu
e foi sepultado; Ele ressuscitou. Deus agiu “resuscitando-o dentre os
mortos, e pondo-o à sua direita nos céus, acima de todo o principado, e

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poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nom eia” . Tudo
isso envolveu um a vivificação, um a ressurreição e um a exaltação. E a
m esm acoisa, diz o apóstolo, é verdade anosso respeito, porque estamos
em Cristo - “nos vivificou juntam ente com ele” . Isto aconteceu com
todo aquele que é cristão. E ação de Deus. Certamente isto não requer
nenhum a demonstração. O hom em que está morto em pecados e sob a
ira de Deus, que pode fazer? Nada. Deus o faz para ele, Deus o vivifica.
Como Ele vivificou o corpo morto do Seu Filho no túmulo, assim Ele
nos vivificou espiritualmente.
Que é que significa “vivificar”? Significa “tornar vivo”, significa
“infundir vida” . Então, a prim eira coisa que é verdadeira quanto ao
cristão é que ele chegou ao fim da sua morte - estávamos mortos em
ofensas e pecados, não tínhamos nascido espiritualmente. Não há
nenhum a centelha divina em ninguém que nasceu neste mundo; todos
os nascidos neste mundo, porque são filhos de Adão, nascem mortos,
nascem mortos espiritualmente. T odaessaidéiadeum acentelhadivina
rem anescente no homem é uma contradição, não somente nesta passa­
gem das Escrituras, mas de todas as Escrituras. A situação de todos os
que nascem neste mundo é a de um morto. A comparação utilizada para
ilustrar este fato é o corpo morto do Senhor Jesus Cristo, sepultado numa
tumba e com um a pedra rolada sobre a boca da tumba. Esta é, po.s, a
prim eira verdade positiva. Cheguei ao fim da m inha morte. Não mais
estou morto em ofensas e pecados, não mais estou m orto espiritual­
mente. Por quê? Porque morri com Cristo; morri com Cristo para a lei
de Deus e para a ira de Deus.
Ora, o cristão é alguém que tem que afirmar esta verdade. O
princípio do cristianismo é dizer: “Portanto agora nenhuma condenação
há para os que estão em Cristo Jesus” (Romanos 8:1). O cristão não é
alguém que está esperando ser perdoado; não é alguém que espera que
finalm ente será capaz de satisfazer as exigências da lei e de estar na
presença de Deus. Se é um cristão que entende o cristianismo, ele diz:
já estou lá, não estou mais morto, estou vivo, fui vivificado, vida me foi
dada. E o primeiro aspecto importante dessa declaração é o negativo, que
afirma que não estou mais morto. Deixei de ser morto; estou morto para
o pecado, estou morto para a lei, estou morto para a ira de Deus.
“Portanto agora nenhum a condenação há.” Você pode dizer isso? E a
declaração que todo cristão deveria ser capaz de fazer. E se você não tem
essa segurança, é simplesmente porque você não entende as Escrituras.
As Escrituras fazem esta asserção definida: não sou cristão, não posso
ser cristão sem estar em Cristo. Segue-?e que, se estou em Cristo, o que

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é verdade a respeito dEle é também verdade a meu respeito. Ele morreu
um a vez para o pecado, e eu, nEle, morri um a vez para o pecado. Quando
o Senhor Jesus Cristo morreu naquela cruz no M onte Calvário, eu estava
morrendo com Ele tão definida e certamente (e ainda mais) como sou
responsável pelas ações da Grã-Bretanha, por exemplo, na China, no
último século, quando a sua gente introduziu lá, vergonhosam ente o
comércio do ópio. Embora eu não o tenha feito pessoalmente, embora
tenha sido feito antes de eu nascer, sou responsável porque sou britânico,
e me sinto responsável e sinto vergonha. Exatam ente da mesm a
m aneira, quando Cristo m orreu na cruz e sofreu a ira de Deus contra o
pecado, eu estava participando nisso; eu estava nEle, eu estava m or­
rendo com Ele. Estou morto para a lei, estou morto para a ira de Deus,
eu posso dizer com Augustus Toplady:

Os terrores da lei, os terrores de Deus


Comigo nada têm, nada podem fazer-m e;
A obediência e o sangue do meu Salvador
Escondem da visão as minhas transgressões.

M ais que isso, porém, Ele nos vivificou, Ele nos tornou vivos; e
se você está vivo, não está mais morto. Um a coisa ou outra - você não
pode esperar tornar-se vivo; ou está vivo ou está morto. Você está
espiritualm ente morto, ou está espiritualm ente vivo?
Mas examinemos o caso mais profundamente. Quer dizer que Deus
colocou um novo espírito de vida em mim. “A lei do Espírito de vida,
em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da m orte.” “A lei do
Espírito de vida, em Cristo” está no cristão. Isto é o oposto da m orte e
da inércia. Antes de entrar em nós este espírito de vida em Cristo Jesus,
estávamos mortos em ofensas e pecados, e sujeitos a um espírito muito
diferente - “o príncipe das potestades do ar, o espírito que agora opera
nos filhos da desobediência” . Todavia a verdade já não é essa. Há um
novo espírito de vida.
Que é “vivificação” ? Vivificação é regeneração, e nenhum a
outra coisa. Quando o apóstolo diz aqui, “Vos vivificou”, ele quer dizer,
Ele vos regenerou; Ele vos deu nova vida, nascestes de novo, fostes
criados de novo, vós vos tomastes participantes da natureza divina. Que
é regeneração? Não posso pensar num a definição melhor do que esta:
regeneração é um ato de Deus pelo qual um novo princípio de vida é
implantado no homem, e a disposição dom inante da alma é tornada
santa. Isso é regeneração. Significa que Deus, por Sua ação poderosa,

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põe nova disposição em minha alma. Notem que digo “disposição”, não
faculdades; o de que necessita o homem não são faculdades; necessita
é de uma nova disposição. Qual a diferença, vocês perguntarão, entre
faculdades e disposição? Pode-se dizer que é algo assirm a disposição
é aquilo que determina a tendênciae ouso das faculdades. É a disposição
que governa e organiza o uso das faculdades, que faz de um homem um
músico, de outro um poeta e de outro alguma outra coisa. Assim, a
diferença entre o pecador e o cristão, entre o incrédulo e o crente, não
é que o crente, o cristão, tem certas faculdades que faltam ao outro. Não,
o que acontece é que esta nova disposição dada ao cristão dirige as suas
faculdades de maneira inteiramente diversa. Não lhe é dado um novo
cérebro, não lhe é dadaum anova inteligência, ou alguma outracoisa. Ele
sempre teve essas coisas; são seus servos, seus instrumentos, seus
“m em bros”, como lhes chama Paulo no capítulo seis de Rom anos; o
que é novo é uma nova tendência, um a nova disposição. Ele m udou de
direção, há agora um novo poder agindo nele e guiando as suas
faculdades.
E isso que faz de um homem um cristão. Há nele este princípio de
vida, há esta nova disposição. E esta afeta o homem todo; afeta a sua
mente, afeta o seu coração, afeta a sua vontade. É algo que sucede
instantaneam ente ao homem, não gradativamente. O nascim ento é
repentino, o nascimento é instantâneo, não é um processo gradual. Lá
estava o homem, em dado momento morto, no momento seguinte vivo.
Ele foi vi vificado; esta disposição, este princípio de vida penetrou nele.
E, obviamente, é algo que acontece no nosso subconsciente. O nosso
Senhor deixou isso claro (não deixou?) paraN icodem os naquela famosa
declaração: “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não
sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que énascido
do Espírito” . E secreto, não se pode ver nem entender, não é possível
explicá-lo plenamente; tudo o que se sabe é que aconteceu. “Eu era
cego, e agora vejo” (VA e ARA). Não entendo isso, não posso explicar,
nem fisiologicam ente, nem anatomicamente, nem de nenhum a outra
maneira; tudo o que eu sei é que eu era cego, não podia ver, mas agora
posso ver. Eu estava morto, agora estou vivo. É secreto, é misterioso,
é m iraculoso, é maravilhoso, é incompreensível; porém conheço os
efeitos, aprecio os resultados, estou ciente do fato de que isso aconteceu.
Então, que será? É um ato criador de Deus. É por isso que vocês vêem
este apóstolo e outros se referindo muitas vezes a esse fato com o uma
nova criação - “Se alguém está em Cristo, nova criatura é (nova
criação); as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” . Sim,

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ele tem os mesmos olhos, olha para as mesmas coisas para as quais
olhava antes, contudo não as vê como costum ava vê-las. O pobre ébrio
tinha olhos e podia olhar para um bar, e via certas coisas; ele continua
tendo olhos, continua vendo o mesmo bar, e, todavia, não é a m esm a
coisa, é inteiramente diferente. Ele está olhando para a m esm a coisa,
mas vê um a coisa absolutamente diferente. Por quê? - não foi o bar que
m udou. Ele mudou, ou melhor, foi mudado. Um novo homem, um anova
disposição, um novo princípio dominante, nova vida!

Você está vivo? Deus colocou em você este princípio de vida?


Precisam ente como você é neste momento, você sabe se isto aconteceu
com você, que há esta diferença essencial entre você e o hom em do
mundo? Terei que entrar nesse assunto em detalhe mais adiante. Mas
este é o começo de tudo. Veja aquela criança que acabou de nascer. Ela
não pode raciocinar, não pode pensar, não pode dar conta de si, dos seus
gostos e do que lhe desagrada; não obstante, ela m anifesta vida: está
viva, e tão viva como sempre estará. O seu entendimento e tudo mais se
desenvolverão, mas ela está viva e mostrando que está. Vivificados!
Estávam os mortos, sem vida, não podíam os m over-nos espiritual­
mente, não tínhamos apetite espiritual, não tínhamos apreensão nem
entendimento, espiritualmente. No entanto, se somos cristãos, isso não
é mais verdade; fomos vivificados juntam ente com Cristo, o princípio
de vida entrou, fomos regenerados. Não há cristianism o sem isso.
M eram ente crer que você está perdoado não é suficiente. Cristianismo
é isto: crer e saber que, devido estarmos unidos a Cri sto, algo da Sua vida
está em nós com o resultado desta união vital e indissolúvel, desta
conexão íntima, mística. A vida da Cabeça passa pelos membros - “vós
sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular” (1 Coríntios
12:27). Você tem consciente percepção dEle? Você sabe que Ele está
em você e você nEle? Você pode dizer: “Eu vivo, não mais eu, mas
Cristo vive em m im ” ? Você tem vida? Você foi vivificado? Este é o
com eço do cristianismo. Não há cristianismo sem isso. Não é que eu e
você não devemos estar lutando. Claro que devemos lutar, estudar,
jejuar, suar e orar. Temos que fazer estas coisas; mas isso é algo que vem
na seqüência. A prim eira coisa é este conhecimento da vida. Porventura
você tem consciência de um princípio que está agindo dentro de você,
por assim dizer, a despeito de você mesmo, influenciando você,
moldando você, guiando você, convencendo-o (do pecado), levando
você avante? Você está ciente de que é possesso? - se posso dizê-lo
assim, sob o risco de ser mal entendido. O cristão é um homem possesso;

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este princípio de vida entrou nele, esta nova disposição o possui. Ele tem
consciência de um a ação que se efetua dentro dele. “Vivificados
juntam ente com Cristo” ! Que coisa tremenda! É algo objetivo; porém,
graças a Deus, também é subjetivo. Não é um a coisa que está totalm ente
nEle e que me deixa onde eu estava. Nada disso! Deus começou em mim
um a boa obra, e eu a conheço. Ele colocou esta nova vida em mim - em
miml Nasci de novo e estou em união com Cristo.
Queira Deus, por Seu Espírito, iluminar os olhos do nosso enten­
dimento, para que comecemos a compreender esta estupenda operação
do poder de Deus em nós.

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8
RESSUSCITADOS COM CRISTO
“M as Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito
am or com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas
ofensas, nos vivificou, juntam ente com Cristo (pela graça sois
salvos), e nos ressuscitou juntam ente com ele e nos fe z assentar nos
lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindou­
ros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para
conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:4-7

Continuamos o nosso estudo desta declaração do que Deus fez para


nós em nosso desamparo e desesperança nos termos da sua descrição nos
três primeiros versículos deste capítulo. Certamente não existe exposi­
ção mais m aravilhosa nem mais extraordinária da verdade concernente
ao cristão do que a que se acha nestes versículos! Portanto, devemos
admitir, todos nós, ao lermos os sete primeiros versículos deste capítulo,
que os nossos problemas, na maioria, são resultantes do fato de que pesa
sobre nós a culpa de um duplo fracasso: por um lado, falhamos em não
perceber a profundidade do pecado e, por outro lado, falhamos em não
perceber a grandeza, a altura e a glória da nossa salvação. M uitíssimas
vezes nos contentam os em pensar em nossa salvação m eram ente em
termos do perdão dos pecados. Não que queiramos depreciar isso, pois
não há nada mais maravilhoso nem mais glorioso. O meu ponto é que
parar nisso certamente é trágico. E na verdade eu acredito que, em grande
parte, deve-se toda a condição e estado da Igreja hoje ao fato de que
falhamos nesses dois pontos. É porque nunca nos demos conta da
profundidade do abismo do qual fomos tirados pela graça de Deus que
não o agradecemos a Deus como devíamos. E depois há a nossa falha em
não perceberm os as grandes altitudes às quais Ele nos elevou. É disso
que o apóstolo está tratando agora. Ele nos está falando acerca do
livramento, da salvação. Aqui, naturalmente, o apóstolo não está muito
interessado na m aneira pela qual somos salvos. Nesta altura ele não está
interessado na evangelização; essa é algo que já aconteceu; ele está
escrevendo a pessoas que já são cristãs, e ele quer que elas percebam e
entendam qual é realmente a verdade concernente a elas como pesso
as cristãs. Ele quer que elas conheçam “a sobreexcelente grandeza do seu
poder sobre nós, os que cremos”, pelo que ele faz uma exposição a respeito.

- 97 -
Já vimos que o que nos faz cristãos é a nossa união com Cristo.
Esta doutrina da nossa união com Cristo é absolutamente vital. A
prim eira coisa a que ela leva é a regeneração, como já vimos.
Agora devemos dar o segundo passo, porque a Epístola não se limita
a dizer-nos que fomos vivificados juntam ente com Cristo, mas diz
tam bém que Deus “nos ressuscitou juntam ente com e le ”. Devemos
ter sempre em mente, ao tratarmos deste ensino, que o apóstolo está
elaborando um a comparação aqui. O seu argumento é que o que
espiritualm ente é verdade quanto a nós é similar ao que aconteceu com
o nosso Senhor fisicamente, quando Ele foi ressuscitado dentre os
mortos. Ele levou os nossos pecados em Seu corpo no madeiro, morreu,
Seu corpo sem vida foi descido, foi sepultado num túmulo, a pedra foi
rolada sobre o túmulo - não há dúvida sobre isso; é um fato. Ele foi
morto, literalmente morreu pelos nossos pecados. Entretanto na manhã
do terceiro dia Ele ressurgiu, Ele foi ressuscitado dentre os mortos. E o
apóstolo desenvolve tudo isso em termos da nossa experiência. Por­
tanto, tenhamos em mente o que aconteceu com o nosso Senhor. Lá
esteve Ele, por aquele período, morto e num a sepultura, no reino dos
mortos. Mas Ele saiu do estado e lugar dos mortos. As vestes fúnebres
foram deixadas no túmulo, porém Ele não estava lá. Vocês recordam a
m aneira pictórica pela qual os evangelistas nos descrevem isso, e a
surpresa das mulheres e de outros que foram ao sepulcro. Foram para ver
o corpo na sepultura, mas não havia corpo algum, somente as vestes
fúnebres. Ele ressuscitou, foi tirado, não estava mais morto, não estava
mais na sepultura. Ele agora estava noutro reino, estava vivo, tomado
dentre os mortos. E Ele apareceu, vocês se lembram, a pessoas escolhi­
das durante quarenta dias; em várias ocasiões e de várias m aneiras Ele
Se m anifestou às testemunhas escolhidas; e depois subiu ao céu.
São esses os fatos que devemos ter em mente. A nossa salvação,
segundo o apóstolo, é comparável a isso, nada menos que isso. Houve
com pleta m udança no reino em que o nosso Senhor estava: morto, no
túmulo; vivo, manifestando-Se, e de um a nova maneira. Ora, essa é a
verdade, diz o apóstolo, acerca de todos os que são verdadeiramente
cristãos. Nada menos que isso. Fomos ressuscitados juntam ente com
Cristo. Graças à nossa união com Ele, o que aconteceu com Ele
aconteceu conosco - não, como ele assinala aqui, no sentido físico,
todavia no sentido espiritual. Acontecerá também no sentido físico; isso
virá, mas o que ele quer que os crentes efésios entendam agora é que,
espiritualm ente, precisamente o mesmo poder (como ele tinha argu­
m entado no final do capítulo primeiro) que ressuscitou o Senhor Jesus

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Cristo está agindo agora em nós, os que cremos, e está realizando esta
obra m aravilhosa em nós.

Então, o que é que isso nos diz acerca do cristão? Que é que isto nos
diz como verdade a respeito de nós? Podemos considerar a questão do
modo como consideramos a declaração acerca do nosso Senhor. Pode­
mos considerar este “ressuscitar juntam ente” prim eiro de maneira
negativa. Logo que o nosso Senhor ressuscitou dentre os mortos, certas
coisas deixaram de ser verdadeiras a respeito dEIe. E exatamente a
m esm a coisa se pode dizer do cristão. H á certos fatores negativos que
são de tremenda importância. E talvez a melhor maneira de expor tudo
isso seja em termos do capítulo seis da Epístola aos Romanos, porque
ali vocês têm realmente um amplo comentário sobre esta frase que
estamos considerando. Em todas estas Epístolas vocês têm a m esm a
doutrina essencial. Algumas delas desenvolvem um ponto m inuciosa­
mente, outras o fazem com outro ponto, mas a doutrina essencial é a
m esm a em cada uma delas. E é por isso que o melhor comentário sobre
qualquer Epístola do apóstolo Paulo sempre será ler as suas outras
Epístolas - e se vocês não o fizerem, mais cedo ou mais tarde perderão
o rumo. E outro ponto que defendo é este: se vocês estudarem de fato
qualquer destas Epístolas cuidadosamente, exaustivamente, e tomarem
tem po nisso, cobrirão toda gama da doutrina cristã; ao passo que, se
rasparem de leve a superfície delas, não terão um a verdadeira concepção
sobre o ensino do apóstolo. Vejamos agora como ele desenvolve isso
tudo no capítulo seis da Epístola aos Romanos.
Eis o que, evidentemente, sepode dizer acerca do cristão. O cristão,
por definição, não está mais morto espiritualmente. Não está mais num
túmulo espiritual. Estava! - estávamos todos mortos em ofensas e
pecados. Estávamos mortos, estávamos num túmulo espiritual. Mas,
como cristãos, saímos disso. Como Cristo saiu do túmulo, nós também
saímos do túmulo, e estamos fora dele. Deixamos para trás as vestes
fúnebres, e nada mais. Não estamos mais naquele reino, não pertence­
mos mais àquela esfera, a nossa condição é inteiramente nova. Ora, este
é apenas outro modo de dizer que toda esta questão de regeneração e
salvação constitui a mudança mais profunda possível; e tornar-se cristão
é a experiência mais profunda, o fato mais profundo de todo o universo.
Não é nada menos que a diferença existente entre a morte e a vida, entre
estar num túmulo e andar em liberdade e sem amarras pelo mundo.
No entanto, o que é que isso significa concretamente naprática? Diz
o apóstolo que há certas coisas a que nós, como cristãos, devemos

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apegar-nos tenazmente. Aqui estão algumas das negativas. O fato de que
não estamos mais mortos e de que não estamos mais no túmulo é um a
prova categórica de que não estamos mais sob a ira de Deus, e não mais
estamos sob condenação. O apóstolo o expressa de m aneira muito
interessante no último versículo do capítulo quatro da Epístola aos
Rom anos. Referindo-se ao nosso Senhor, ele diz: “O qual por nossos
pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação” . Isso quer
dizer que a morte do nosso Senhor foi por causa das nossas ofensas. Ele
morreu porque levou sobre Si as nossas ofensas; tomou sobre Si os
nossos pecados e as nossas transgressões, e como o castigo era a morte,
Ele morreu. M as, como saber se Deus ficou satisfeito com essa
oferenda? A resposta é a ressurreição! “Por nossos pecados foi entregue,
e ressuscitou para nossa justificação” ! O ressurgimento de Cristo dos
domínios dam ortee do sepulcro, o Seu reaparecimento, éprova absoluta
de que Deus está satisfeito por ter sido o pecado punido verdadeira­
mente. Evidentemente, pois, isso se aplica a nós com igual força. E o
apóstolo prossegue, paraconcluiro argumento logo no versículo seguin­
te, o versículo primeiro do capítulo cinco. “Sendo pois” - vocês vêem
a lógica! “Sendo pois justificados pela fé, temos paz com Deus, por
nosso Senhor Jesus Cristo.” Fomos ressuscitados dentre os mortos com
Ele e, portanto, fomos justificados e, conseqüentemente, não estamos
mais sob a ira de Deus. Ele o expressacom mais força aindano versículo
primeiro do capítulo oito: “Portanto agora nenhuma condenação hápara
os que estão em Cristo Jesus” . Nenhuma condenação! A condenação
leva à morte; mas não estamos mais mortos, ressuscitamos; portanto,
não há condenação. Vocês recordam o contraste. Que éramos? Mortos.
Não somente estávamos “mortos em ofensas e pecados”, todavia
também éramos “por natureza filhos da ira, como os outros tam bém ” .
Todos quantos nascemos neste mundo, nascemos sob a ira de Deus, sob
condenação. M as não estamos mais nessa situação; ressuscitamos
dentre os mortos, demos fim à morte: “portanto agora nenhum a
condenação há para os que estão em Cristo Jesus” .
Todo cristão deve saber essa verdade, e todo cristão deve gozar essa
segurança. Porquê? Porque você está em Cristo, não por causa de alguma
coisa existente em você. Por causa da sua união com Cristo, porque você
foi ressuscitado com Ele. O primeiro fator básico da segurança é que
cremos nisto; aceitamos isto pelafé, reconhecemos a sua veracidade. Fui
introduzido em Cristo, fui ligado a Cristo; e, portanto, quando Ele
ressuscitou e deixou aquela esfera, eu também a deixei. “Por nossos
pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação” ! Você se dá

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conta de que não está mais sob a ira de Deus? Você se dá conta de que,
portanto, não há nenhuma condenação para você? Você se dá conta de
que o castigo foi imposto e sofrido, e que você não mais tem por que
tem er o castigo vindouro? Essa é a primeira dedução de Paulo.
Depois ele passa à outra. Diz ele que, porque não estamos mais
mortos, e sim, vivos, também estamos mortos para a lei, Não estamos
“debaixo da lei, mas debaixo da graça”, diz ele. E no capítulo sete da
Epístola aos Romanos ele elabora o ponto empregando um a com para­
ção. Diz ele que uma mulher, enquanto o seu marido não morrer, estará
presa a ele e por ele, e não poderá casar-se com outro homem sem se fazer
adúltera. Contudo, quando o marido morre, ela está livre para casar-se
outra vez; não está mais presa àquele marido e por ele. Diz o apóstolo
que exatamente essa é a nossa relação com a lei, como cristãos. Todos
nós nascemos “debaixo da lei” . A lei de Deus nos enfrenta, nos desafia
e nos condenaporcausado nosso fracasso; e Deus nos trata pela lei. Mas,
se estamos em Cristo, não mais estamos debaixo da lei, porém debaixo
da graça. Não significa, é claro, que não temos mais que guardar a lei
moral, mas sim, que a nossa relação com Deus não é mais uma relação
legal, judicial; é uma relação pessoal, de pai e filho. Naturalmente o pai,
se for um bom pai, verá que o filho seja disciplinado e obedeça a certas
leis, todavi a a relação m udou. O homem em pecado está em desarmonia
com Deus e é tratado por Ele de maneira puramente legal. Contudo os
que estão “em Cristo” foram retirados daquela esfera. A lei executou
a suapuniçãoplenae completa enaextensãoplenaecom pletano Senhor
Jesus Cristo e, se estamos nEle, a lei não tem mais exigências quanto a
nós, nesse sentido. Não estou mais debaixo da lei, estou debaixo da
graça. Essa é a segunda dedução. E que coisa tremenda é com preender­
mos que estamos num a relação totalmente nova com Deus. Isso vem à
tona, como veremos adiante, em certos aspectos práticos.
Há, porém, uma afirmação mais extraordinária. Diz o apóstolo que,
porque ressuscitamos com Cristo, agora estamos “mortos para o
p e c a d o No versículo dois do capítulo seis de Romanos o apóstolo
responde a pergunta que ele tinha feito no versículo primeiro - “Que
diremos, pois? Permaneceremos no pecado para que seja a graça mais
abundante?” - dizendo: “De modo nenhum. Como viveremos no
pecado, nós os que para ele m orremos?” (ARA). Uma vez que ressus­
citamos com Cristo, estamos mortos para o pecado. Diz ele ainda, no
versículo seis: “Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele
crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não
sirvamos mais ao pecado” . Pois bem, esta é, evidentem ente, um a

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afirmação muito importante e vital. Que é que significa? Está claro que
não significa que somos perfeitos, que estamos sem pecado e que nunca
mais vamos pecar. Sabemos que isso não é verdade. “Se dissermos que
não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em
nós”, diz o apóstolo João, em sua Prim eira Epístola, capítulo primeiro.
Então, que significa? Em que sentido é certo dizer que o cristão está
morto para o pecado? É certo neste sentido: antes de nos tornarmos
cristãos estamos “mortos em ofensas e pecados” ; mas como cristãos,
isso já não é verdade quanto a nós. Antes pertencíamos ao reino do
pecado, aos domínios do pecado, e estávamos sob o poder do pecado.
Éramos controlados pelas cobiças da carne, que se manifestavam como
desejos da carne e da mente. A nossa vida era pecaminosa, éramos
controlados pelo pecado, dominados pelo pecado, governados de várias
m aneiras por estas cobiças e paixões da mente e do corpo. Ora, isso não
é mais verdade a nosso respeito. Estamos mortos para aquele reino do
pecado, não estamos mais lá, fomos retirados. “O pecado não terá
domínio sobre vós”, diz o apóstolo em Romanos, capítulo 6. Não mais
andamos em ofensas e pecados, como costumávamos fazer. Outrora
estávamos mortos em ofensas e pecados, como os outros também;
“Entre os quais todos nós também antes andávamos” daquela maneira.
M as, já não é essa a verdade sobre o cristão. Ele não gasta mais o seu
tempo lá, não anda lá, não vive lá; não pertence mais àquela esfera, foi
tirado daquela esfera. Repito que isso não significa que ele é perfeito;
porém não pertence mais àquela esfera. E como alguém que se m uda de
um país para outro, é como alguém que está seguindo os trâmites para
a sua naturalização; há completa m udança em sua posição, em sua
relação com o Estado. E essa é a verdade quanto ao cristão. Ele não serve
m ais ao pecado. Ou, para fazer uso da ilustração do apóstolo outra vez,
ele não é mais servo do pecado. Antes ele era um consumado escravo.
Gostemos ou não, o fato acerca de toda e qualquer pessoa não regenerada
é que é escrava do pecado, governada por um princípio mau. Todavia,
não é mais esse o caso, com referência ao cristão. Não mais somos
escravos do pecado, fomos retirados disso. E verdade que, em nossa
insensatez, aindapodem os dar ouvidos ao diabo, aindapodem os render-
-nos à tentação, aindapodemos obedecer a um impulso pecaminoso, mas
isso não significa que somos escravos do pecado. Não somos mais
controlados por ele. Esse é o princípio, e é nesse sentido que estamos
m ortos para o pecado. “Aquele que está morto está livre do pecado”
(VA).
M orremos com Cristo, fomos ressuscitados com Ele e nãoperten-

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cemos mais àquele singular reino do pecado, da lei e da morte. Se vocês
examinarem as suas experiências como cristãos, verão que isso é
verdade. É algo deveras extraordinário e maravilhoso. Há muitos
membros do povo de Deus que não percebem isso porque não conse­
guem traçar a distinção entre um a tentação e um pecado. Visto que há
maus pensamentos que se insinuaram em suas mentes, pensam que
ainda estão na esfera do pecado. Não estão. Aqueles pensam entos vêm
de fora. Naturalmente ainda há tendências pecaminosas deixadas no
corpo, e todavia se percebe que a atitude da pessoa é inteiramente
diferente. Talvez eu possa expressar isto com uma ilustração. Vocês
ouviram a respeito daconquistado Canadá em 1759 e dafam osabatalha
de Quebeque, com o general W olfe contra o general francês M ontcalm.
Houve um a só batalha e uma grande vitória, a batalha de Quebeque. E
como resultado dessa batalha única, o Canadá passou a ser um a posses­
são britânica. M as, se vocês continuarem lendo a história, verão que os
britânicos tiveram que continuar lutando no Canadá durante um bom
núm ero de anos. Restavam bolsões de resistências, porém o Canadá não
era mais francês, era britânico. Contudo, o fato de que tinha deixado de
ser francês e se tornara britânico não significa que não houvesse mais
nenhum a luta ou nenhum conflito. Havia; mas aquela única batalha
decisiva mudou toda a situação e o direito de posse. Ora, a situação do
cristão é um tanto parecida com essa. Ele não está mais sob o pecado;
ele está morto para o pecado, na questão de posição, domínio e controle.
Ele foi retirado, ele está nesta nova vida com o seu Senhor e Salvador.
Talvez possamos fazer uma colocação ainda melhor deste ponto da
seguinte maneira: diz o apóstolo, no versículo seis do capítulo seis de
Romanos: “Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele
crucificado”, com Cristo. Esta tradução é melhor do que a da VA, que
diz: “Sabendo que o nosso velho homem está crucificado com C risto” .
Sabemos disso, diz o apóstolo. Como cristãos, essa é a verdade a nosso
respeito. Que significa? Que é o velho homem? A resposta se acha no
capítulo cinco. O velho homem é o homem adâmico, o homem que
estava em Adão. Vocês recordam a comparação. Todos nós estávamos
em Adão, éramos descendentes lineares de Adão, e estávamos nele. E
m ais, ele era o nosso chefe e representante federal; mas não somente
isso, estávamos presos a ele pelos laços de carne, sangue e descendência;
há a m esm a união dupla, federal e vital - todos nós estávamos em Adão.
E cada um de nós que nasceu neste mundo nasceu filho de Adão. Temos
natureza adâmica, nossa posição diante de Deus é a de Adão. Adão caiu,
e nós caímos com ele. Conseqüentemente, estávamos sob a ira de Deus,

- 103 -
sujeitos às cobiças e sob o controle e o domínio do pecado e de satanás
exatam ente como Adão estava. O homem velho é isso, o homem
adâmico. Entretanto, nós morremos com Cristo, e quando m orremos
com Cristo, o velho homem morreu também. Como cristão, não estou
mais em Adão, estou em Cristo. Sou membro de um a nova humanidade.
Cristo é “as primícias de muitos irm ãos” (cf. Romanos 8:29 e 1
Coríntios 15:20). Eu estou nEle. Que significa isso? Significa - e que
verdade gloriosa! - que Deus não me vê mais como alguém que está em
Adão. Ele me vê como alguém que estáem Cristo. Sou um novo homem.
Sou a mesm a personalidade, é evidente, mas eu sei que sou um homem
novo, diferente. M inha situação, minha condição pessoal, m inha posi­
ção, tudo é absolutamente diferente. Não pertenço mais àquela velha
humanidade. Ainda estou na carne, porém, sou membro de uma nova
humanidade. E o que Paulo quer dizer quando afirma que o nosso velho
homem foi crucificado com Cristo. Como eu disse, não estou mais sob
a ira de Deus, não estou mais sob a lei de Deus; não estou mais sob o
domínio do pecado, não estou mais sob o domínio de satanás. Isso
porque não sou mais um homem adâmico. O cristão não deve contentar-
-se em dizer menos que isso. Essa é a verdade simples, primária, acerca
do cristão: ele está “em Cristo”, não “em Adão” . O velho homem que
eu era desapareceu, e desapareceu para sempre. Agora notem que eu
estou dizendo “o velho hom em ” . Não estou dizendo que o pecado que
está no corpo e na carne desapareceu; estou simplesmente dizendo que,
como o ente que estava em Adão, não estou mais lá; agora sou um ente
em Cristo. Esse é o lado negativo da verdade e do fato de que fomos
“ressuscitados juntam ente com Cristo” .

Examinemos agora o positivo, É acoisam ais espantosaque há. Que


contraste! Estam os compartindo a vida de Cristo e, portanto, vamos nos
tornando semelhantes a Cristo. Como cristãos, somos basicamente
diferente do que éramos. Uso os termos avisadamente. Somos funda­
m ental e essencialmente diferentes. Em quais aspectos? Observem a
colocação que Paulo faz em Romanos 6:11: “Assim também vós
considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em
Cristo Jesus nosso Senhor” . Aí está o aspecto positivo. Tendo ressus­
citado em Cristo, agora estou vivo para Deus. Antes não estava; antes
eu estava morto em ofensas e pecados, e vocês se lembram do que vimos
que a definição desse termo morto foi que eu estava morto para Deus.
Essa é a terrível tragédia de todos os homens naturais que não se
tornaram cristãos; estão mortos para D eus. Vi vem como se não exi s tisse

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Deus; não estão cônscios de Deus, não têm uma relação viva com Deus.
Vivem neste mundo como se Deus não existisse. Eles estão absoluta­
m ente mortos para Deus. M as, tendo sido ressuscitados com Cristo,
estamos “vivos para Deus” . E esse é o fato máximo que você poderá
saber sobre si mesmo, que você está vivo para Deus, em harmonia com
o Eterno, e foi despertado para uma realidade infinita e absoluta.
Vocês viram aquela flor? Lá está ela, de noite, fechada; vem o sol
e, de repente, ela começa a abrir-se e a receber vida do glorioso sol. É
o que acontece com o cristão. Ele está “vivo para Deus” . Que significa?
Significa que temos uma atitude inteiramente nova paracom Deus. Não
estamos mais em inimizade contra Deus. O apóstolo continua no
capítulo oito da Epístola aos Romanos, dizendo que a mente natural, o
homem natural, está em inimizade contra Deus. De fato veremos, nesta
Epístola aos Efésios que estamos estudando, que Paulo diz mais adiante
que nós éramos “estranhos e inimigos no entendimento pelas nossas
obras m ás” (cf. Colossenses 1:21). E quanta verdade há nisso! M as,
quanto ao cristão, já não é verdade. O cristão não está mais em inim izade
contra Deus. Ele quer bem a Deus. Não tem mais a sensação de que Deus
é um monstro terrível que se põe contra nós, esperando para esmagar-
-nos, condenar-nos, destruir-nos. Não, ele passou a conhecer Deus, e a
saber que Deus é amor, misericórdia, bondade e compaixão. Ele não
foge mais de Deus e não tenta esconder-se entre as árvores, como fez
Adão, evitando a Deus a todo custo. É isso que o homem natural ainda
faz; o homem natural faz o que pode para evitar a Deus. É por isso que
ele odeia a idéia da morte. A m orte é, para ele, o inimigo mais terrível.
Por quê? Porque ela significa que ele terá que comparecer à presença de
Deus. Nem sempre ele põe esse temor em palavras, porém o sente nos
ossos. Ele sabe que essa é a verdade, e a odeia por essa mesm a razão.
Significa postar-se diante de Deus. É por isso que ele não freqüenta um
local de culto, é por isso que ele não lê a Bíblia, é por isso que ele não
gosta de funerais - D eus! A morte leva-o para perto de Deus, e ele odeia
isso; fica aterrorizado e, por isso, evita a Deus.
O cristão, no entanto, não é assim. “Assim como o cervo bram a
pelas correntes de águas, assim suspira m inha alma por ti, ó Deus! A
m inha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me
apresentarei ante a face de Deus?” (Salmo 42:1-2). Que mudança!
M udança da morte para a vida. M udança absoluta. M udança essencial.
Haverá mudança maior do que esta, que agora a pessoa queira bem o Ser
que antes tem ia com tremor e terror? Deus Se torna o nosso Pai. E o
m aior desejo do cristão verdadeiro é chegar mais perto de Deus. Você

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pode dizer com sinceridade que o que mais deseja neste m omento é
conhecer melhor a Deus e aperceber-se de Sua presença? Se pode, você
é cristão. Se não, será melhor reexaminar os seus fundamentos; pois,
quando um homem está em Cristo, ele tem nova natureza, e esta nova
natureza clama por Deus. O nosso Senhor costum ava levantar-Se muito
antes do alvorecer para orar a Seu Pai; costumava passar a noite orando.
Seu P a i! Ele queria a Sua presença, tinha prazer na comunhão. E essa é
a característica do cristão, ele está “vivo para Deus” . Pensemos nas
ilustrações óbvias. E como um instrumento elétrico: desligado está
morto; ligando-se, torna-se vivo. O microfone recebe a m inha voz. Por
quê? - porque está vivo para mim. Mas, se o desligarem, estará morto.
E como era o homem, não estava vivo para Deus; todavia agora está vivo
para Deus, é sensível a Deus, deseja a Deus, ama a Deus, busca a Deus.
“Ah, soubesse eu onde encontrá-lo!”, é o seu clamor. Não pode ver a
Deus como gostaria, não O conhece bastante bem. Está “vivo para
D eu s” .
Contudo não somente está vivo para Deus, ele anda “em novidade
de vida”. Que frase maravilhosa! E o completo contraste, vocês vêem,
com a morte. O apóstolo diz isso de novo no capítulo quatro desta
Epístola aos Efésios, desta maneira: ele fala sobre o “novo homem, que
segundo Deus é criado em verdadeirajustiça e santidade” . Qual é então
a verdade a respeito do cristão? E que ele não está mais andando em
ofensas e pecados, está vivendo esta vida inteiramente nova, não mais
governado pela carne e seus desejos, mas governado por esta nova
m aneira de ver. Como isto se manifesta? Permitam-me resum ir o ponto.
M anifesta-se em sua mente, m anifesta-se em seu coração, m anifesta-se
em sua vontade. Esse é o modo de dizer se você é cristão ou não. O cristão
é alguém que, havendo ressuscitado com Cristo, anda em novidade de
vida. E o homem vive com sua mente, seu coração e sua vontade.
O cristão tem mente nova. Que é isso? Paulo diz, no capítulo doze
da Epístola aos Romanos: “Não vos conformeis com este mundo, mas
transformai-vos pela renovação do vosso entendimento” ou “da vossa
mente” (VA e ARA). E o cristão tem mente nova, que se m anifesta das
seguintes maneiras: ele vê tudo de maneira diferente. Não pensa mais
em termos do tempo, começa a pensar em termos da eternidade, A vida
do incrédulo está inteiramente presa ao tempo, ele nunca vai além, nem
quer ir, pois tem medo, Pensar naquele “desconhecido país de cujas
fronteiras nenhum viajor retorna” o inquieta. Não, ele não está interes­
sado na eternidade. M as o cristão está. O cristão vê que esta vida é
tem porária, limitada pelo tempo. Eternidade! - sua mente com eça a

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atuar em função dessa realidade. E agora ele não pensa somente em
term os do corpo e de uma alma racional, também começa a pensar em
term os do espírito. Como pensa o não cristão? Bem, o “m undo do seu
pensam ento” é limitado por este m undo e seu conhecimento, sua
cultura, sua arte, seus negócios, seus prazeres e outras coisas semelhan­
tes. Coloquem nisso tudo o que quiserem - não quero deixar nada fora
- coloquem tudo o de que vocês dispõem nisso, mas ainda lhes digo que
é um a vida e um a perspectiva inteiramente limitadas pelo corpo e pela
alma racional, e nada que vá além disso. Entretanto o cristão não para aí.
Ele se dá conta de que há nele o que se chama espírito, há nele aquilo
que o torna consciente do fato de que ele pertence a outro domínio e a
outra esfera, e ele se põe a viver mais e mais nessa esfera, e cada vez
menos na outra. Não é somente o tempo, não é somente o material; é a
eternidade, é o espiritual, é o perene. Ele é elevado a um a “esfera de
pensam ento” inteiramente nova. E agora julga todas as coisas à luz
dessa nova esfera. Tem um novo padrão de valores, avalia as coisas de
m aneira totalmen te diferente. O que ele quer saber agora, sobre qualquer
coisa, não é que tipo de proveito ele pode tirar disso, que tipo de prazer
lhe trará; mas, antes, que valor tem para a sua alma. E como isso afeta
a sua relação com a eternidade. Como toca em sua relação com Deus e
com Jesus Cristo. Ele vê tudo de m aneira diferente e tem um padrão de
valores totalm ente novo, porque tem esta mente renovada em Cristo.
Ele anda em novidade de vida.
Outra coisa óbvia é que ele se interessa pela Bíblia como nunca
antes. Antes ele punha todos os outros livros adi ante daB íblia; agora ele
põe a Bíblia adiante de todos os outros livros. Ele compreende que a
B íblia é o único livro que o leva a Deus e a um a crescente participação
na vida de Deus. Sua mente começa a atuar com base no Livro; este lhe
fala, ele sente prazer nele, gloria-se nele, emociona-se com ele.
Ele vê também que passa cada vez mais tempo em meditação. Que
arte perdida, a arte da m editação! Todavia o cristão medita. Ele pára para
pensar, põe de lado os jornais, desliga o rádio e o televisor, não fica o
tem po todo correndo atrás de algum entretenimento; ele se assenta
repousadam ente e pensa em si, em Deus, na glória e na eternidade. Tem
m ente nova. Vocês vêem que completo oposto ele é do homem natural?
Um a coisa que o homem natural nunca faz é meditar. Ele faz tudo o que
pode para evitá-lo, e o mundo se afana em satisfazê-lo; o m undo sabe
do que ele gosta e o ajuda a fugir de si mesmo e de todas estas coisas
maravilhosas.
Considerem depois as manifestações do novo coração. Este

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homem tem desejos inteiramente novos. Eis o que o nosso Senhor diz
sobre ele: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque
eles serão fartos” . O seu maior desejo agora não é de ter mais prazer e
satisfação momentânea; é de justiça, de verdadeira santidade. Ele diz
com Davi: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim
um espírito reto” . Esse é o seu maior desejo. O maior desejo do cristão
verdadeiro é estar limpo por dentro, ser puro, ser santo, ser justo, ter um
coração que esteja livre do pecado. E ele se entristece por causa do
pecado. Agora ele não considera a dor que se segue ao pecado como um
aborrecimento e um problema. Não o considera como o inevitável
concomitante do prazer e das práticas ilícitas. Não, agora ele com pre­
ende que opecadonão ém eram enteum a ofensa à lei, porém um a ofensa
a Deus que tanto o amou e enviou o Seu Filho unigênito para morrer por
ele. Como você considera os seus pecados e os seus fracassos? Qual é
a prim eira coisa que vem à sua mente quando você peca? É o medo do
castigo? Se é, você ainda está debaixo da lei em seu pensamento. Se,
antes, é o sentimento de que você entristeceu Aquele que o ama, então
o seu pensam ento é cristão. Os desejos são absolutamente novos; não
são mais os desejos da carne e daquela mente pecaminosa; são desejos,
os desejos do próprio Cristo, de ser agradável aos olhos de Seu Pai.
O novo hom em também tem o desejo de orar. Não quero deixar
ninguém deprimido, mas se você tem a nova vida, desejará orar como
nunca antes. Será seu anelo ter tal intimidade com Deus que desejará
falar com Ele mais do que com qualquer outro. Você sabe dos começos
dessa experiência? Isto é essencialmente verdade quanto ao cristão.
Oração! Depois, igualmente, ele deseja comunhão com os santos. “Nós
sabemos que passam os da morte para a vida”, diz João, “porque
amamos os irm ãos” (1 João 3:14). Os irmãos, seus conservos em Cristo,
a fam ília de Deus, as pessoas que estão interessadas nestas coisas, estas
são as pessoas que amamos e que tanto queremos. E, naturalmente, outra
coisa é um real interesse pelas almas dos que estão fora destas coisas.
Você não pode ser cristão sem ter esse interesse. Eles estão mortos em
ofensas e pecados; são criaturas presas às cobiças - eles não sabem
disso, mas nós sabemos; e eles estão sob a ira de Deus. O nosso Senhor
tinha grande compaixão das pessoas; Ele as via “como ovelhas sem
pastor” ; e, necessariamente, o cristão tem que conhecer algo desse
sentimento. A í está o coração transformado.
A seguir, um a palavra sobre a vontade. O cristão exerce a sua
vontade numa nova direção. Ele quer agradar a Cristo e agradar a Deus.
O que ele pergunta agora não é: do que eu gosto? O que eu quero? -

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porém, o que é próprio de alguém que pertence a Cristo? Qual é a vontade
de Deus quanto a mim? São estas as coisas que ele deseja agora. A
vontade, negativa e positivamente, é inteiramente renovada.

Fomos “ressuscitados juntam ente com ele” . Por isso, somos


diferentes na mente, no coração e na vontade.
Podemos resumir tudo isso fazendo algumas perguntas simples.
Você foi ressuscitado? Você foi ressuscitado juntam ente com Cristo?
Você está vivo para Deus? Você tem consciência de Deus? Você
conhece aD eus? Você O deseja? Estas questões são vitais. “Considerai-
-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus.”
E se estão, esta é a exortação do apóstolo: “Apresentai-vos a Deus, como
vivos dentre os mortos, e os vossos membros (as vossas faculdades) a
Deus, como instrumentos de justiça” . O cristão é alguém que ressusci­
tou com Cristo do domínio do pecado e da morte para um a nova vida na
qual ele está “vivo para Deus” .

- 109 -
9
NOS LUGARES CELESTIAIS
“M as D eus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito
am or com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas
ofensas, nos vivificou, juntam ente com Cristo (pela graça sois
salvos), e nos ressuscitou juntam ente com ele e nos fe z assentar nos
lugares celestiais, em Cristo Jesus; para m ostrar nos séculos vindou­
ros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para
conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:4-7

Expondo o que esta grande declaração fala acerca de nós mesmos


como cristãos, vimos que fomos vivificados para um a nova vida e
ressuscitados com o Senhor Jesus para a nova vida.
M as a história não termina aí. Vai além. Deus não somente nos
vivificou e ressuscitou com Cristo, Ele “nos fe z assentar nos lugares
celestiais, em Cristo Jesus". Pois o nosso Senhor, depois de ressuscitar
dentre os mortos, não permaneceu indefinidamente na terra. Ascendeu
ao céu, e está assentado à mão direita de Deus na glória. Portanto, o
apóstolo prossegue e afirma que isso aconteceu também ao crente. E,
naturalm ente, tem que acontecer com o crente. Digo que tem que
acontecer ao crente por esta razão, que a doutrina da nossa união com
Cristo insiste nisso. Como fomos vivificados com Ele, segue-se neces­
sariamente que todas as outras coisas que aconteceram com Ele deverão
acontecer espiritualm ente conosco. Portanto, por necessidade, fomos
levados a assentar-nos com Ele nos lugares celestiais.
Outra coisa que devemos ter em mente é que todas estas afirmações
feitas pelo apóstolo estão no pretérito. Ele não está dizendo que estas
coisas nos vão acontecer; elas aconteceram. Vocês notam que ele fala
com clareza - “pela graça sois (ou estais) salvos” , “fostes salvos” . Do
m esm o modo “fostes vivificados”, “fostes ressuscitados”, “estais”
assentados. É algo que já se realizou. Não é um a profecia, não é um a
predição, não é a apresentação de um a esperança de algo que vai
acontecer. O verdadeiro ponto em que o apóstolo está interessado é que
estes efésios percebam que isto é verdade quanto a eles. Ele diz: quero
que os olhos do seu entendimento sejam iluminados para que vocês possam
saber que esta m udançajá ocorreu, já é algo que constitui um fato concreto.
Tem que ser assim, reitero, por causa da nossa união com o nosso Senhor.

- 110 -
O ponto subseqüente que é comum às três afirmações é o seguinte:
vimos que a vivificação e a ressurreição juntam ente com Cristo tiveram
que ser consideradas objetiva e subjetivamente. Tiveram que ser
consideradas como acontecendo em Cristo como o nosso Cabeça e
Representante; e tiveram que ser consideradas também em termos da
nossa união m ística com Ele. À luz disso, encaremos esta poderosa
declaração. Em parte alguma há declaração mais m aravilhosa acerca do
cristão do que a que temos na frase que estamos examinando neste
momento. E a verdade suprema, aglóriam ais sublime, a realidade mais
inapreciável que verdadeiramente se aplica a nós como povo de Deus.
Estam os assentados “nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” (ou “com
Cristo Jesus”), agora; estamos neste momento nessa posição,
Que é que isso significa? Talvez o m elhor plano seja começar
considerando a expressão traduzida por “lugares celestiais” . Vê-se a
m esm a expressão no capítulo primeiro, versículo três; “Bendito o Deus
e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo”. Uma tradução
m elhor é “nos mais altos céus”. “Lugares” é realmente uma palavra
acrescentada pelos tradutores, na verdade um acréscimo infeliz porque
não comunica plenam ente a idéia que estava na mente do apóstolo.
Localiza-a demais, Os mais altos céus! Que se quer dizer com a
expressão “os mais altos céus” ? E a m esm a coisa que o apóstolo tem
em mente quando, num notável trecho de autobiografia que temos na
Segunda Epístola aos Coríntios, no capítulo doze, ele nos diz, no
versículo dois, que conhecera um homem, fazia catorze anos, que fora
“arrebatado ao terceiro céu”. Era como se pensava naqueles tempos. O
prim eiro céu era a atmosfera, as nuvens, etc., que vemos; o segundo céu
eram os domínios das estrelas, da lua e do sol; e o terceiro céu era o lugar
onde Deus m anifesta especialmente a Sua presença e a Sua glória, o
lugar em que o Senhor Jesus Cristo, no Seu corpo glorificado, habita
agora. Esse é o terceiro céu. Sempre que temos a expressão “lugares
celestiais” , ou “os mais altos céus”, ela geralmente tem esse sentido
e conotação. Assim, essa é a esfera na qual fomos introduzidos como
resultado da nossa regeneração. Como resultado da nossa regeneração,
pertencem os ao terceiro céu, aos mais altos céus, a esse lugar onde a
glória e a presença de Deus se manifestam desta m aneira maravilhosa
e esplêndida. Que é que isso significa concretamente na prática para nós?
Para responder esta pergunta precisamos expor a nossa passagem.
Ao fazê-lo , devemos ter em mente que nestes versículos, quatro,
cinco, seis e sete, temos o contraste com o que tivemos nos versículos

- III -
um, dois e três. Estávamos lá - mas D eus! Ele nos elevou a uma posição
inteiramente nova e diferente. Esse é o contraste, o qual se manifesta,
como vimos, com simplicidade e naturalidade. Estando mortos, foi nos
dada vida. O oposto de estar espiritualmente morto é ser regenerado. O
oposto de um a vida de pecado e de estar sob condenação é ser justificado
pela fé, não estar mais sob condenação, viver esta nova vida para Deus.
É exatamente como este terceiro passo, descrito como “assentados nos
lugares celestiais em Cristo Jesus” .

M ais um a vez, para descobrirmos o significado das palavras do


apóstolo, devemos começar com as nossas negativas, porque não são
somente importantes e interessantes, mas também são realmente essen­
ciais. Lem os que o cristão está “assentado com Cristo nos mais altos
céus” . A prim eira coisa que estas palavras significam é que o cristão
não pertence mais a este mundo. Que afirmação! Antes ele pertencia
inteiramente a este mundo. “E vos vivificou, estando vós mortos em
ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes.” Como? “Segundo
o curso deste m undo.” Ele estava preso ao m undo em todos os aspectos
- em sua m ente e perspectiva e entendimento, em seus prazeres, em suas
esperanças, em seus desejos. O não cristão está inteiramente confinado
neste mundo. Isso não se aplica apenas aos culpados de grosseiras
m anifestações do pecado, não se aplica apenas aos que vivem para o
prazer e nada mais, às criaturas presas às cobiças físicas, carnais; aplica-
-se igualmente aos que são governados pelas cobiças da mente, e aos
maiores filósofos. Eles não podem ir além dos limites deste mundo, nada
sabem do além, estão inteiramente circunscritos a este mundo. Por isso
o apóstolo afirma que o homem natural, o não regenerado, é hom em do
mundo, pertence total, completa e absolutamente a este mundo. E nosso
dever de cristãos restabelecer o uso desta expressão, que, lam entavel­
mente, parece ter caído fora de uso e da qual não se ouve tanto como se
ouvia no passado. Costumava-se descrever os seres humanos como
“cristãos” e “homens do m undo” . Ora essa é a descrição exata do
incrédulo - ele é homem “do” mundo, está inteiramente confinado
nele. Mas o cristão não é mais assim. Não anda mais segundo o curso
deste mundo, não pertence mais a esta esfera. O cristão não pode ser
hom em do mundo, porque você não pode estar ao mesmo tem po no
m undo e fora dele. Uma coisa ou outra. E a verdade acerca do cristão é
que ele foi tirado “do m undo”.
O apóstolo tira muito desta idéia. Escrevendo aos gálatas, capítulo
primeiro, versículo 4, ele diz, referindo-se à nossa salvação, que Cristo

- 112 -
“se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente
século m au” . Seu argumento é que Ele faz isso agora. Não é um a
referência à morte e àpartida deste mundo. O cristão é liberto do presente
século mau agora. Ele ainda está nele, porém não é mais dele; não está
mais preso por ele, sua perspectiva não é mais determinada por ele. O
apóstolo João é igualmente categórico sobre isto e igualmente se
regozija com isto, como todos nós deveríamos regozijar-nos - “Esta é
a vitória que vence o m undo...” (1 João 5 :4). Uma diferença entre o não
cristão (o incrédulo) e o cristão é que o não cristão é dominado pelo
mundo, é absolutamente controlado por ele. Não há necessidade de
demonstrar isso; o modo como o povo vive é prova absoluta disso. Tudo
vem retratado nos jornais. Os não cristãos são totalmente controlados
por “o que você tem que fazer”, e por “o que todo o m undo faz” .
Controlado pelo mundo! Por outro lado, o cristão tem vitória sobre o
mundo. Que contraste! Ele foi tirado desta esfera.
Vê-se esta ênfase em toda parte nas Escrituras. Vocês notaram o
que nos é dito acerca daqueles filhos da fé, aqueles homens de fé em
Hebreus, capítulo 11 ? Isso é sempre verdade a respeito deles. Eis o que
lemos: eles “confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra” .
Essa era a situação deles, apesar de ainda estarem neste mundo. Vocês
recordam que nos é dito que os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó
habitavam em tendas, em tabernáculos. Por quê? - bem, a sua idéia era
imprimir neles e em todos os demais que eles eram apenas residentes
temporários (essa é a expressão empregada), estrangeiros e peregrinos,
viajores, tão-somente de passagem por este mundo. Este não era o seu
lugar de habitação permanente, eles estavam em marcha, em m ovi­
mento. “Aqui” , diziam eles, “não temos cidade perm anente, mas
estamos em busca da que é do porvir” ; “estrangeiros e peregrinos na
terra” . E vocês recordarão como o apóstolo Pedro, conclamando as
pessoas às quais estava escrevendo a terem uma vida digna da sua alta
vocação em Cristo, faz esta colocação: “Am ados”, diz ele, “peço-vos
como peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências
carnais que combatem contra a alma; tendo o vosso viver honesto entre
os gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós, como de
malfeitores, glorifiquem aDeus no dia da visitação, pelas boas obras que
em vós observem ” (1 Pedro 2:11-12). Notem os termos do apelo:
“Amados, peço-vos, como a peregrinos e forasteiros” ; isto é, vocês não
pertencem a este mundo! Compreendam isso! N a verdade, esta idéia é
um dos termos mais importantes de todas as Escrituras. Assim que o
homem se toma cristão, uma das primeiras coisas de que toma consciência

- 113 -
é que ele foi separado do mundo. Antes lhe pertencia, era da sua própria
essência; agora ele está ciente da separação, foi tirado dele, não lhe
pertence mais. Tornou-se estranho a ele em sua mente, em sua perspec­
tiva, em seus gostos, em tudo. Naturalmente o mundo ainda pode tentá-
-lo, mas ele está cônscio de que está fora dele. Estava nele, agora está
fora dele. E se ele for bastante tolo para olhar de novo para o mundo e
para deixar-se seduzir por ele, bem, estará simplesmente contradizendo
o que lhe aconteceu. Uma vez que estamos nos mais altos céus com
Cristo, não pertencem os mais a este mundo. “Não ameis o m undo”, diz
João, “nem o que no mundo há” (1 João 2:15). Essa é a prim eira
negativa.
Eis a segunda: visto que estamos nos mais altos céus com Cristo,
não estamos mais sob o domínio de satanás, e não estamos m ais no
reino de satanás. Estávamos lá outrora - “em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades
do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre os
quais todos nós também antes andávam os”. E nisso que estávamos,
vítimas e vassalos de satanás; não somente dominados pela mente do
mundo, mas dominados por aquele que controla a mente do mundo.
Estávamos no reino de satanás, sob o poder de satanás, sob o domínio
de satanás. Essa é a situação do incrédulo. O mundo ri disso e o
ridiculariza. Causa espanto ao mundo que haja quem acredite na
existência do diabo, e com isso o mundo prova que está sob o domínio
do diabo. É tão completamente insensato e cego que nem sequer tem
consciência disso. “Se ainda o nosso evangelho está encoberto”, diz
Paulo, “para os que se perdem está encoberto...” (2 Coríntios 4:3). Tais
pessoas pensam que não são cristãs porque são cultas e inteligentes
demais. A verdade sobre elas, naturalmente, é que elas foram golpeadas
pelo diabo e tão cegadas por ele que não conseguem ver. Estão
inteiramente sob o seu domínio. Mas quando alguém se torna cristão e
é transferido para os mais altos céus, isso já não é verdade a seu respeito.
Esse é precisamente o argumento de Paulo ao dirigir-se a Agripa, a Festo
e aos que com ele estavam, quando ele compareceu diante deles como
prisioneiro (Atos 26:18). Disse ele que quando Cristo lhe aparecera no
caminho de Damasco e lhe dera Sua grande comissão, Ele dissera: vou
enviá-lo ao povo e aos gentios, “para lhes abrires os olhos, e das trevas
os converteres à luz, e do poder de satanás a Deus...”. Esse é o dever da
pregação, diz o Senhor ressurreto a Paulo, essa é a M inha comissão a
você; estas pessoas estão sob o poder de satanás, estou enviando você
para pregar-lhes o evangelho, a fim de que elas sejam tiradas de sob o

- 114 -
poder de satanás e trazidas para Deus. - Que transferência! - para fora
do seu domínio! João diz a mesma coisa em sua Prim eira Epístola:
“Sabemos que somos de Deus, e que todo mundo está no m aligno”
(5:19). O m undo inteiro está nos laços do maligno, porém nós não
estamos; somos de Deus, estamos inteiramente afastados dali. O mesmo
apóstolo afirma que o maligno “não nos toca”. Antes não só nos tocava,
dominava-nos; mas agora estamos tão afastados do seu reino, domínio
e poder que ele não pode tocar-nos. Ele pode rugir, pode seduzir-nos,
mas não pode tocar-nos. Ou ainda vejam como o apóstolo se expressa
sobre o assunto escrevendo aos colossenses. Diz ele que o cristão é
alguém que, entre outras coisas, foi transferido do reino das trevas para
o reino do amado Filho de Deus. Estou convencido de que, se nós, que
somos cristãos, percebêssemos que não estamos mais sob o domínio de
satanás, que ele não tem nenhuma autoridade sobre nós, que não
precisarem os ter medo dele se compreendermos quem e o que somos,
isso revolucionaria as nossas vidas. Esta é a verdade concernente a nós.
Estamos nos mais altos céus, não nos domínios de satanás. E nesta esfera
celestial, estamos fora do domínio e do reino de satanás e do mal.
A terceira negativa é a seguinte: posto que estamos nos mais altos
céus, não estamos mais sob a ira de Deus sobrevinda ao mundo inteiro.
Vocês se lembram da coisa final que o apóstolo disse acerca do
incrédulo: “Éramos por natureza filhos da ira” - como que dizendo,
pertencem os à esfera da ira - “como os outros tam bém ” . Todavia agora
Deus agiu sobre nós e nos ressuscitou juntam ente com Cristo, e não
pertencem os mais àquela esfera, pertencemos à esfera dos mais altos
céus. Esta é a coisa mais tremenda e estonteante que há. Este mundo em
que nos achamos é um mundo condenado, é um mundo sob julgam ento.
Não há nada que seja exposto mais claramente nas Escrituras, do começo
ao fim, do que isso. Vai haver um julgam ento deste mundo, e este mundo
com todo o mal nele existente, em sua própria constituição, além das
pessoas a ele pertencentes, vai ser julgado, e a ira de Deus se derramará
sobre ele. Haverá um terrível julgam ento e um a destruição medonha.
Fracas prefigurações disso foram o Dilúvio, a destruição de Sodom a e
Gom orra, os diversos cativeiros dos filhos de Israel, a destruição de
Jerusalém em 70 A.D. Tudo isso dá um a pálida idéia da ruína e da
desgraça que esmagarão o mundo e todos os que se opõem a Deus, sob
a ira de Deus. O cristão é tirado disso tudo; ele já passou da morte, e do
juízo, para a vida. Nada disso o tocará, nada disso o afetará, nem lhe fará
dano algum, ele não precisa tem er em nenhum sentido; ele já está fora
dessa esfera porque está nos mais altos céus com Cristo. Aí estão, pois, as

- 115 -
negativas. Examinemos agora os aspectos positivos, os quais são gloriosos.
A prim eira coisa que é uma verdade quanto a nós, no aspecto
positivo é que pertencem os ao reino de Deus. Agora pertencem os a
um a esfera celestial. Isto é real, é um fato. Não é que eu vou pertencer
a ela, já estou lá. Vejam como algumas passagens das Escrituras nos
descrevem isso. Vocês se lembram de como Paulo o expressa, escre­
vendo aos filipenses? Ele está falando a respeito de pessoas que não
obedecem a verdade, pessoas cujo deus é o seu ventre, que se deleitam
em sua vergonha, e coisas que tais, “cujo fim ”, diz ele, “é a perdição” .
“M as”, diz ele, “a nossa cidade está nos céus” , ou seja, a nossa
cidadania está nos céus. Não está aqui, não somos mais cidadãos da
esfera do mundo, a nossa cidadania está nos céus; ou, como alguém o
traduziu, somos “uma colônia do céu” . Aquela é a nossa pátria, este
m undo é apenas uma colônia. Não pertencemos àquilo que está conde­
nado à destruição. Os reinos deste mundo e tudo o que lhes pertence
desaparecerão, mas nós, que pertencemos a Deus, perm anecerem os
para sempre. É, pois, certo dizer a nosso respeito que o céu é realmente
agora o nosso lar. Sei que neste século é costume caçoar de hinos que
dizem: “Aqui não passo de estrangeiro; o céu é o meu lar” . Entretanto,
essa é a verdade quanto a nós, cristãos; a nossa cidadania está no céu. E
não conheço melhor maneira de submeter-nos à prova, a nós e à nossa
profissão de fé, do que questionarmos a nós mesmos sobre este ponto.
Você está ciente, você tem no seu íntimo consciência de que é
estrangeiro neste mundo? Você se sente alienado dele? Tem consciên­
cia de um a diferença existente em você mesmo? Sente que pertence a
outra esfera, que você está simplesmente passando por este mundo? A
nossa cidadania, de que nos orgulhamos, de que nos ufanamos, é essa
cidadania. A nossa cidadania, o nosso viver real, está no céu. Tornem
a ver as palavras de Colossenses: o Pai “nos tirou da potestade das
trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor” (1:13).
No entanto, eu suponho que não existe declaração mais gloriosa
desta verdade do que aque se acha naEpístola aos Colossenses, de novo,
no capítulo três. Ouçam esta assombrosa afirmação acerca do cristão -
“Porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em
D eus” . Essa é a verdade a respeito de você, Se você é cristão, isto só
pode ser verdade a seu respeito, você não tem como evadir-se disto,
porque você está em Cristo.Você está morto. O homem adâmico, o
hom em que você era, está literalmente morto, e sua vida está escondida
com Cristo em Deus. Você pertence a um a esfera completam ente
diferente e a um reino completamente diferente. Cristãos, vocês sabem

- 116 -
disso? Estão cientes disso? Essa é a questão vital, esta percepção de que
são doutro lugar, estrangeiros e peregrinos na terra - estamos longe de
casa, estamos longe de casa apenas por algum tempo, para cumprirmos
o propósito de Deus; mas o nosso lar, a nossa pátria, a nossa cidadania,
é lá no céu. Essa é a comunidade a que pertencemos.
A segunda verdade segue-se necessariamente. Estamos sob o
domínio do Espírito Santo1, não estamos mais sob o domínio daquele
espírito maligno, mas, sim, sob o domínio do Espírito Santo: “ ...operai
a vossa salvação com temor e tremor”, diz Paulo, “porque Deus é o que
opera em vós tanto o querer como o efetuar.. . Ele o faz m ediante o Seu
Santo Espírito. Que é um cristão? A resposta de Paulo, escrevendo aos
romanos, é: “Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus
esses são filhos de Deus” . Guiados pelo Espírito; não mais guiados pela
mente do mundo, não mais guiados pelo espírito maligno que age nos
filhos da desobediência; não mais guiados, e com a vida toda governada,
pelo que vocês vêem as outras pessoas fazerem, pela publicidade epelas
coisas fulgurantes do mundo. Não, isso é mau. Guiados pelo Espírito de
Deus - porque filhos de Deus,
Não vejo como uma pessoa tem direito de dizer-se cristã se não tem
ciência das influências celestiais em sua vida. “No amor celestial
perm anecendo, não temerá m udança o meu coração” . Vocês têm
conhecimento disso? Vocês têm experiência do amor celestial a guiá­
mos, aconquistá-loseafal ar com vocês? M entalidadecelestiallÉ triste,
porém tenho ouvido crentes evangélicos brincarem sobre isso e dizerem
a respeito de outros: “Eles se tornaram tão celestiais em sua m entali­
dade que não têm utilidade nenhum a na terra” . E se julga inteligente
essa afirm ação! Que tragédia! Não há como tornar-nos exageradamente
celestiais em nossa mentalidade. O problem a com todos nós é que não
somos suficientem ente celestiais em nossa mente, não sabemos disso
o bastante, não ficamos lá o suficiente. Não nos damos conta do que é
certo a nosso respeito, os olhos do nosso entendimento não foram
iluminados. O cristão é, necessariamente, um homem de m entalidade
celestial, a vida de Deus penetrou nele, e suam ente mudou, como vimos.
Ele costum ava ser governado pelos desejos, pelas cobiças da mente e da
carne. Já não é mais governado por essas coisas - elas o tentam, o
experimentam ; mas não é dominado por elas porque há esta outra
influência. Ele está consciente dela, ele a conhece. O Espírito de Deus
trata com ele, trabalha nele, move-o, e o atrai e o arrasta daqueles
poderes para este.
Contudo isso leva a um a terceira questão, ainda mais maravilhosa.

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A característica principal dos mais altos céus é que este constitui a esfera
na qual Deus, de m aneira peculiar e especial, Se m anifesta e m anifesta
a Sua presença e a Sua glória. E isso que faz do céu, céu. Se vocês
quiserem prova disso, leiam o livro de Apocalipse, particularm ente os
capítulos quatro e cinco. João, vocês se lembram, viu um a porta aberta
no céu e teve um a visão. A prim eira coisa que ele viu foi a glória de Deus.
Essa é a característica dos mais altos céus. Portanto, eis o que significa
a declaração que estamos examinando: estamos nos mais altos céus, e
isso significa que estamos numa esfera em que nos achamos perto de
Deus. Antes, estávamos mortos em ofensas e pecados, no túmulo deste
mundo, longe de Deus, estranhos a Ele, alienados e inimigos em nossas
mentes, não O conhecendo; agora, nos mais altos céus, estamos perto de
Deus. D aí o apóstolo Tiago pode escrever: “Chegai-vos a Deus, e ele
se chegará a vós” (4:8). Ah, dirá alguém, ser-me-á possível chegar-me
a Deus? Poderei chegar perto de Deus? N aturalm ente! E, por esta razão,
diz o autor da Epístola aos Hebreus: “Visto que temos um grande sumo
sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos
firm em ente a nossa confissão” . Mas não somente isso, “Cheguemos
pois com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar
m isericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo
oportuno” (4:14-16). Sim, é possível.
Permitam -m e expressá-lo com mais clareza, como com mais
clareza essa m esm a Epístola aos Hebreus o expressa no capítulo 10,
versículos dezenove e vinte. Aí está uma prova de que estamos nos mais
altos céus e perto de Deus: “Tendo pois, irmãos”, diz o texto, “ousadia
para entrar no santuário” - no lugar santíssimo, no “santo dos santos” ,
podemos entrar ali - “pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho
que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo um grande
sumo sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro
coração, com inteira certeza de fé...” . Poderão vocês encontrar um a
declaração mais explícita que essa? O cristão está habilitado a entrar no
lugar santíssimo, ou seja, a chegar à própria presença de Deus, onde se
vê a glória da Shekinah - a glória da presença de Deus. Ou escutem esta
outra m ajestosa declaração a seu respeito, no capítulo doze da Epístola
aos Hebreus. Onde estamos, quando nos reunimos como cristãos na
igreja? Onde estamos? Ao pé do M onte Sinai? Chegamos a um lugar de
exigências morais, leis e condenação? Chegamos a um lugar onde
apenas expressamos comiseração uns aos outros, lam entam os pelos
nossos pecados e falhas, baixamos a cabeça e achamos que não há
esperança para nós? Se você vem com essa disposição, você não é

- 118 -
cristão. Não! Nós chegamos “ao monte de Sião, e àcidade do Deus vivo,
à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; à universal
assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a
Deus, o juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados; e a Jesus,
o M ediador de um a Nova Aliança, e ao sangue da aspersão, que fala
m elhor do que o de Abel” . É aonde viemos; não estamos indo para lá,
estamos lá agora. Como cristão, você já chegou lá. Aí é onde estamos -
na Jerusalém celestial. Estam os nos mais altos céus, com inumeráveis
anjos; não os vemos, mas eles estão aí, nós estamos naquela esfera,
estamos sentados lá com Cristo. E aonde você chegou; aperceba-se
disso, e viva de acordo. Chegando-nos a Deus, entramos no “lugar
santíssim o” , e tem os comunhão com Deus. E você? Você conhece a
Deus? Torno a perguntar: você está gozando comunhão com Ele? Você
é capaz de achá-10? Pode aproximar-se dEle e saber que Ele está ali?
Deveria, se é que você está nos mais altos céus. Aperceba-se da sua
posição, e viva de acordo.
No entanto, há mais um a coisa. Desde de que estamos nos mais
altos céus, j á conhecemos algo da vida do céu mesmo neste mundo.
E isso também é algo essencial e vital. Uma vez que somos cristãos, uma
vez que estamos com Cristo nos mais altos céus, já gozamos algo da vida
do céu, agora mesmo. O apóstolo fala noutro lugar sobre participar das
primícias; fala sobre um antegozo; a grande colheita ainda não chegou,
porém os prim eiros frutos estão disponíveis, podemos tê-los em nossas
mãos, podemos partilhar deles. Em Israel havia uma festa das primícias,
vocês recordam, justam ente para lembrar aquele povo isto, e a nós
também. O antegozo! E vislumbres da glória! Não é dado a muitos de
nós sermos elevados ao terceiro céu, como aconteceu com o apóstolo
Paulo. Eu não tive essa experiência; mas, mesmo assim, deveríamos
saber algo da glória, deveríamos ter tido um ocasional vislumbre.
Deveríamos ter ouvido ocasionalmente algo da música; deveríamos ter
um a sensação da vida que se vive lá. Isaac W atts estava certo disto; eis
como o expressa em seus versos:

Os que da graça vivem enxergaram


O começo da glória neste mundo;
Frutos celestiais em chão terrenal
Da esperança e da f é podem crescer.

O começo é aqui. “Os que da graça vivem enxergaram o começo


da glórianeste m undo.” Você tem conhecimento disso? Jáo experimen­
tou? Você sentiu algumas vezes que o que está experimentando não é
terra, e sim, céu, e certo antegozo da glória? Isso tem que ser verdade

- 119 -
q u a n t o a o s q u e s e a s s e n t a m c o m C r i s t o n a g ló r ia .

Uma palavra final. A palavra “assentar-se” é fascinante e, obvi­


amente, é de grande importância. E empregada acerca do nosso Senhor
com relação à Sua ressurreição e ascenção. Permitam -m e fazer uma
citação de Hebreus 1:3: “O qual, sendo o resplendor da sua glória, e a
expressa imagem da sua pessoa, e sustentando todas as coisas pela
palavra do seu poder, havendo feito por si mesmo a purificação dos
nossos pecados, assentou-se à destra da majestade nas alturas” . Lemos
também no versículo treze: “E a qual dos anjos disse jam ais: assenta-
-te à minha destra até que ponha a teus inimigos por escabelo de teus
pés?” E de novo no capítulo dez dessa m esm a Epístola, versículos doze
e treze: “Mas este (Cristo), havendo oferecido para sempre um único
sacrifício pelos pecados, está assentado à destra de Deus, daqui em
diante esperando até que os seus inimigos sejam postos por escabelo de
seus pés” . Foi isso que Lhe aconteceu. Tendo feito tudo o que foi dito,
Ele assentou-Se, esperando, aguardando, até que Seus inimigos sejam
postos por escabelo de Seus pés. E nEle, estamos assentados com Ele
nos lugares celestiais. Significa que Ele completou a obra, e assim
assentou-Se. Assentar-se é sinal de completamento. Quando um ho­
mem term ina a sua tarefa, assenta-se. E Cristo assentou-Se. Que outra
coisa significa isso? Não mais trabalho, mas descanso. Todavia, ainda
mais importante, vitória! - “daqui em diante esperando até que os seus
inimigos sejam postos por escabelo de seus pés” . Um sinal de vitória!
Ele Se assenta vitorioso. E eu e você estamos em Cristo, e estamos
assentados com Ele nos lugares celestiais. A Suaobrade redenção já está
completa, vocês não precisam de mais nada, tudo está feito - aos que
Ele chamou, também os justificou, e aos que Ele justificou, também os
glorificou.
Se você está em Cristo, está eternam ente salvo, completo. M as
você goza o descanso? Você compreende que estas coisas são verda­
deiras? Regozija-se nestas coisas? Você ainda está tentando fazer-se
cristão? Se está, está entendendo mal toda a sua situação, está negando
o que aconteceu com você. Descanse na obra de Cristo e por Ele
concluída - goze o descanso da fé! “Portanto resta ainda um repouso
para o povo de Deus” (Hebreus 4:9). Seja o nosso objetivo entrar nesse
repouso, diz a Palavra, simplesmente nos dando conta de que Ele já fez
tudo. Tom ara, irmãos, que especialm ente nos demos conta da vitória! -
pois ainda estamos na carne, e ainda há o mundo, a carne e o diabo para
combatermos. Somos mortais medrosos, esmorecemos e trem em os, e

- 120 -
nos alarmamos, e o diabo pode aterrorizar-nos. Temos que aprender a
crer na veracidade da vitória.
Ah, queira Deus iluminar os olhos do nosso entendimento, m edi­
ante o Seu Espírito, para que possamos conhecer “a sobreexcelente
grandeza do seu poder sobre nós, os que crem os”, para que com preen­
damos tudo quanto é verdade a nosso respeito! “Filhinhos, sois de
D eus”, diz João, “e já os tendes vencido; porque maior é o que está em
vós do que o que está no m undo” (I João 4:4). Se tão-somente
compreendêssemos esta verdade a respeito de nós, entenderíamos o que
Tiago quer dizer quando escreve: “Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós”
(4:7). O diabo! Aquele que não hesitou em levantar-se contra Deus na
eternidade e que arrastou consigo outros anjos; aquele que é tão
poderoso que, quando se aproximou de Adão eE v a em sua perfeição e
inocência, arrastou-os e os fez cair! E, todavia, a Palavra diz a mim e a
vocês: “Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós” - não porque ele tem medo
de vocês, mas porque tem medo dAquele em quem vocês vivem e que
está com vocês, Aquele que subjugou o diabo, dominou-o e finalmente
o derrotou. O apóstolo Pedro faz a seguinte colocação: “O diabo, vosso
adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem
possa tragar”. Que fazer? Correr e esconder-se? Nada disso! - vocês
vêem essafera se lançando violentamente contra vocês, o diabo, satanás,
este poder infernal, e que é que vocês fazem? “Ao qual resisti firmes
na fé.” E se o fizerem, ele não será capaz de tocá-los. “Eles o venceram
pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho” (Apocalipse
12:11). Povo cristão, visto que estamos assentados com Cristo nos
lugares celestiais, o apóstolo Paulo pode dizer a nosso respeito o
seguinte, em Romanos 6:14: “O pecado não terá domínio sobre vós,
pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça” .
Você sabe que está nos mais altos céus? Tem ciência da separação?
Tem ciência da Presença? Você pode chegar perto de Deus e saber que
Ele está com você e você com Ele, e que todos os seus tem ores são
levados embora? Você vê e ouve, às vezes, algo da glória celestial e sua
música e sua alegria? Você alguma vez vê “as glórias eternais refulgindo
ao longe para revigorar seu débil esforço? Tendo em vista a vida em sua
pior expressão, você pode dizer: “A nossa leve e momentânea tribula-
ção produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; não
atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que não se vêem; porque
as que se vêem são temporais, e as que não se vêem são eternas” ?
“Pensai nas coisas que são de cima, e não nas coisas que são da terra”
(2 Coríntios 4:17-18; Colossenses 3:2).

- 121 -
10
AS SUBLIMES RIQUEZAS
DA SUA GRAÇA
“P a ra m o stra r n o s sé c u lo s v in d o u ro s as a b u n d a n te s
riq u e za s da sua g raça p e la sua b en ig n id a d e p a ra co n o sco
em C risto J e s u s .” - E fé sio s 2:7

Estas são as últimas palavras da grande declaração que com eça no


versículo 4 - “M as Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu
muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas
ofensas, nos vivificou, juntam ente com Cristo (pela graça sois salvos)
e, nos ressuscitou juntam ente com ele e nos fez assentar nos lugares
celestiais, em Cristo Jesus; para m ostrar nos séculos vindouros as
abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em
Cristo Jesus” .
O apóstolo, vocês recordam, nos esti vera lembrando o que Deus fez
por nós em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio dEle.
Quando estávamos naquele desesperador estado de pecado, Deus
interveio, Deus agiu, e nos vivificou juntam ente com Cristo. Ressusci­
tou-nos juntam ente com Ele em novidade de vida e nos fez assentar
juntam ente com Ele nos lugares celestiais. Mas agora surge a questão,
por que Deus fez tudo isso? Qual foi o Seu motivo? Que levou Deus a
fazer tudo isso por criaturas como nós? A resposta é dada no versículo
sete, e é introduzida pela palavra para, logo no início: para mostrar (ou
para que mostrasse). Ele fez tudo isso “para”, “a fim de” , “com a
intenção de”, “com o objeto, ou com o objetivo de” ... Esta palavra para
(ou para que) é, pois, tremendamente importante, e é vital considerar­
mos juntos o que o apóstolo nos fala aqui concernente a este grande
propósito.
Como é importante que estudemos as Escrituras com m uita atenção
e que observemos exatamente o que elas dizem, porque com m uita
facilidade podemos entendê-las mal, como de fato fazemos muitas
vezes. Aqui, penso eu, ao considerarmos este versículo, provavelmente
sentiremos, ao menos em certa medida, que o nosso conceito do
cristianismo, o nosso conceito da Igreja, o nosso conceito de nós

- 122 -
m esmos como cristãos, é defeituoso e inadequado, que de fato a nossa
concepção geral da salvação tende a ser inadequada. Já vimos isso
quando estudamos aqueles três grandes passos da nossa salvação, e
quando vimos o que já é certo a nosso respeito como cristãos porque
estamos em Cristo. Certamente achamos que nunca tínhamos com pre­
endido verdadeiramente como devíamos o significado da regeneração;
que nunca tínhamos captado plenamente a verdade de que a justificação
foi realizada completamente, nem captado a verdade sobre a nossa
posição e o nosso estado na presença de Deus. Ainda mais, talvez,
quando estudamos aquela afirmação de que estamos assentados nos
lugares celestiais em Cristo Jesus, vimos como falhamos - e falhamos
de maneira deveras lamentável - em não perceber que esta é a verdade
a nosso respeito neste momento presente. Noutras palavras, cada vez
mais m eparece que a maioria das nossas dificuldades na vida cristã surge
do fato de que nós sempre partimos de nós mesmos e vivemos demais
na esfera do sentimento e do subjetivo.

Falem os com clareza. Argumentei sobre esse ponto desde o


começo do capítulo, e isso ainda faz parte da essência do que terei de
dizer ao expor o versículo sete. Graças a Deus, há um elemento subjetivo
na salvação; graças a Deus por todo sentimento, por toda experiência,
por tudo o de que temos consciência de nós mesmos. Se não temos
consciência deste elemento subjetivo, a nossa situação, ao que me
parece, é muito incerta. Por outro lado, não há nada que seja tão fa ta l
para o nosso bem estar como pensar unicamente dessa maneira
subjetiva e deixar de captar com as nossas mentes e com nosso
entendim ento esta apresentação objetiva da verdade que temos
nesta parte de Efésios e na m aioria das Epístolas do Novo Testamento.
O que quero dizer é que, se tão-somente tivéssemos esta genuína
concepção escriturística de nós mesmos como somos como cristãos e
mem bros do corpo de Cristo neste momento, a m aior parte das coisas
que nos entristecem se desprenderia de imediato de nós completamente.
Estas coisas passariam a parecer-nos triviais, pequeninas e insignifi­
cantes.
Isto é um a coisa que se pode ilustrar da seguinte maneira: o melhor
modo de livrar-nos de coisas pequenas é olhar para as grandes. Vejam,
por exemplo, as interessantes estatísticas que foram preparadas, penso,
pelas autoridades médicas de Barcelona, Espanha, durante a Guerra
Civil Espanhola, pouco antes da segunda guerra mundial. São muito
interessantes. Um determinado número de pessoas estiveram recebendo

- 123 -
várias formas de tratamento psicoterapêutico e psicológico; mas no
m omento em que irrompeu a Guerra Civil e afetou Barcelona aguda­
mente, o número diminuiu, reduzindo-se a quase nada. Qual foi a causa
disso?Foi que apreocupação maior eliminou as preocupações menores.
E a mesm a coisa certamente aconteceu na Inglaterra durante a última
guerra. Quando de repente surgiu a crise e os maridos e os filhos tiveram
que partir para a guerra, muitos se esqueceram dos seus pesares e das suas
dores. Estas coisas, que tinham sido tão proeminentes em suas vidas e
que tinham significado muito para aquelas pessoas, foram esquecidas
repentinamente, pois um temor maior eliminara os temores menores; a
crise maior tinha tornado as outras coisas tão triviais que realmente
passaram a ser completamente irrelevantes. Estamos familiarizados
com fatos como esses.
Pois bem, tudo isso acontece igualmente na vida cristã. Em nossas
vidas somos perturbados por isto e aquilo, e nos inclinamos a resmungar
e a queixar-nos; ficamos a indagar por que Deus nos trata dessa maneira
e por que perm ite que nos aconteçam certas coisas. O antídoto para isso
tudo é ver-nos objetivamente como realmente somos no propósito de
Deus. E se tão-somente fizéssemos isso, todas as nossas dificuldades
desapareceriam. Ou permitam-me expressar-me deste modo: se tão-
-somente nós tivéssemos uma pequena concepção da glória que nos
espera e para a qual vamos, essa percepção transform aria a nossa visão
da nossa vida neste mundo e das coisas que nos sucedem neste mundo.
Essa é a espécie de tratamento que o apóstolo nos aplica neste versículo
sete. Esta é a cura do egocentrismo e do interesse próprio que acabam
levando à introspecção, a sentimentos mórbidos e a diversas formas de
dificuldade. O que se tem que fa z e r- e aí está por que o apóstolo escreve
esta carta e por que todas as cartas do Novo Testamento foram escritas
- é conseguir que tais pessoas levantem a cabeça e se vejam objetiva­
mente no grande propósito e plano de Deus.
Examinemos, então, este versículo desta maneira: p o r que D eus
fe z tudo issol Por que foi que Ele interferiu? Por que nos vivificou, nos
ressuscitou e nos fez assentar nos lugares celestiais com Cristo? A
resposta, diz o apóstolo, é que isto faz parte do Seu plano grandioso e
do Seu grandioso propósito - “para”, “a fim de...”. Façamos o estudo
na form a de um a série de proposições.

Eis a primeira: o principal fim , propósito e objetivo da salvação


é a glória de Deus. Por isso Ele fez o que fez - “Para m ostrar (para Deus
m esmo mostrar) nos séculos vindouro,; as abundantes riquezas da sua

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graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus” . Deus fez
tudo isso, diz Paulo, para apresentar um grandioso espetáculo a todas as
eras vindouras, não somente neste mundo mas também no m undo por
vir. Deus vai fazer um a grande demonstração, vai m anifestar a Sua
glória. Vocês podem notar que é isso que o apóstolo coloca em primeiro
lugar. Essa é a principal razão por que Deus fez tudo isso, diz ele. Agora,
surge im ediatamente a questão: será que normalmente pensam os em
coisas como essa? Não seria verdade que, quanto à maioria de nós,
fazemos exatamente o oposto? Partimos de nós mesmos; epensam os na
salvação como algo para nós, algo de que necessitamos, algo que
queremos, algo em que nós estamos interessados. Sempre somos
subjetivos, sempre começamos a partir de nós mesmos. Mas o que temos
de aprender é que o primeiro objetivo e intenção da salvação - não me
entendam mal - não tem a ver conosco, porém com a glória de Deus.
Esse é o ensino das Escrituras todas, do começo ao fim. Noutras
palavras, não devemos nem começar com os nossos pecados, e sim com
o pecado. Temos que aprender a ver todas as coisas mais historicamente.
É extremam ente difícil, não é? É dificílimo para qualquer geração ter
um a visão histórica, porque estamos no mundo num momento particular
e há diversos problemas - ouvimos as notícias pelo rádio, vemos as
m anchetes nos jornais - e estamos tão mergulhados neles que nos
inclinamos a não ver nada mais. É extremamente difícil dar-nos conta
de que havia seres humanos neste mundo hácem anos, e que eles tinham
problem as e dificuldades, não é? Mais difícil ainda é compreender que
há mil anos havia neste mundo seres humanos que nunca pensaram em
nós. Acham o-nos tão importantes, e pensamos que o nosso tempo neste
mundo, o nosso pequenino setor, constitui a totalidade da história.
Entretanto, os que viveram antes de nós pensavam a mesma coisa; e
podemos estar certos de que daqui a cem anos e, se o nosso Senhor não
voltar antes, daqui a mil anos, as gerações então existentes na terra nunca
dedicarão sequer um pensam ento a nós. Mas como nos é difícil
aperceber-nos disso! E, contudo, é justam ente isso que temos de fazer.
Temos que aprender a ver a nós mesmos e a ver todo o problem a do
homem, toda acrise da história e especialmente todo o tema da salvação,
desta m aneira objetiva, desta maneira histórica.
Eis o que estou querendo dizer: em vez de começar comigo, com
os meus pecados e com os meus problemas pessoais, tenho que com eçar
a pensar em termos do pecado, de todo o problem a do homem e de todo
o problem a do mal neste mundo. Pois somente quando eu fizer isso é
que começarei a ver o que o apóstolo quer dizer quando afirma que o

- 125 -
prim eiro intento e objetivo da salvação é a glória de Deus. É-nos muito
difícil compreender o que o pecado e a Queda significaram para Deus.
Pecado é aquilo que se opõe completamente a Deus e, portanto, o que
aconteceu com o resultado do pecado e da Queda, e todas as suas
conseqüências no mundo e entre os homens, é (se reverentem ente o
posso dizer) um a tremenda questão aos olhos de Deus. Mas nós
persistimos em pensar em todo este problem a em termos de pecados
particulares, nesta coisa particular que me mantém deprimido, e nos
pecados que colocamos num a lista - vocês sabem deles, embriaguez,
jogo etc. Para nós o problem a todo é esse; transformamos o problem a
do pecado mais ou menos num problem a social. Ou é um problem a
social, ou é o problem a da nossa felicidade pessoal. Não gostamos de
sentir remorso e arrependimento, porque é doloroso. Assim reduzimos
todo o grande problem a do pecado a essas diminutas proporções e
dimensões. No entanto, aB íblianão faz isso! A Bíblia vê o pecado como
um a agressão a Deus. O diabo veio à frente e quis impor-se contra Deus,
levantou-se contra a majestade, a soberania e a glória de Deus. Ele
disputou isso, quis colocar-se no mínimo como um deus rival. E quando
viu Deus criando o mundo e criando o homem, e viu Deus olhando o que
tinha feito e dizendo que tudo estava “muito bom ” e que mostrou prazer
nisso, o diabo determinou-se a arruinar o que Deus criara. Assim o diabo
entrou em ação no mundo. Qual era o seu objetivo? Vocês pensam que
o objetivo do diabo era simplesmente persuadir Eva e Adão a fazerem
apenas um a determinada coisa? Naturalmente que não! O diabo só tinha
um a coisa em mente - desacreditar a glória, a majestade e a grandeza de
Deus. Pouco se importava com o que ia acontecer com Adão e Eva. O
diabo pouco se interessapor mim e por vocês como pessoas. Para ele não
somos pessoas, somos algo que lhe serve de penhor, somos simples
objetos que ele pode usar no grande jogo. E, todavia, pensamos nestas
coisas em termos de nós mesmos! O diabo nos vê com desprezo, como
fez com Adão e Eva. Ele os bajulou e os adulou porque sabia que era essa
a m aneira de fazer deles um a espécie de penhor. Não tinha nenhum
interessepor eles como tais. Seu único objetivo era desacreditar a glória,
a m ajestade é a grandeza de Deus. Era inutilizar a obra que Deus
realizara, era inutilizarom undode Deus; era ridicularizar a obra criadora
de Deus. Seu desejo era levantar-se, dirigir-se a todos os anjos e dizer:
Deus tem as suas pretenções, diz Ele que fez o m undo perfeito, mas
olhem, vejam o Seu mundo perfeito!
É assim que se deve ver o problema do pecado. A Queda é um a coisa
terrível aos olhos de Deus. Não é primariamente um problem a social.

- 126 -
É muito mais crucial aos olhos de Deus. Naturalmente há nisso um
problem a social. O pecado levanta muitos problemas sociais, porém eles
são subprodutos, não são aquilo que faz do pecado, pecado. Se posso
dizê-lo assim, Deus jam ais teria enviado Seu Filho do céu aterra e à cruz
do Calvário para solucionar um problem a social. O problem a para Deus
era a Sua glória, a Sua majestade, a Sua grandeza sempiterna. Isso fora
questionado e posto em dúvida pelo diabo e por todos os que lhe
pertencem. E que é a salvação? O propósito e objetivo da salvação é, em
prim eira instância, vindicar a Deus, é Deus tornar de novo m anifesta a
verdade concernente à Si próprio. O diabo é descrito nas Escrituras como
“m entiroso e pai da m entira” ; e o apóstolo João nos diz no capítulo três
da sua Prim eira Epístola que Deus enviou o Seu Filho a este m undo a
fim de destruir as obras do diabo. Esse é o prim eiro objetivo, que o
caráter de Deus seja vindicado. Naturalmente, num sentido terminante,
o diabo não afetou nem poderia afetar o ser, a natureza e o caráter de
Deus, mas aos olhos dos seres criados ele poderia, e certam ente o fez.
Ele teve sucesso no caso de todos os anjos que caíram; ele teve sucesso
no caso de Adão e Eva, e de toda a sua posteridade. E o problem a no
mundo hoje é a atitude do homem para com Deus. Assim, Deus iniciou
este grande m ovimento de redenção e de salvação, prim ariam ente com
o fim de tornar a declarar, m anifestar e vindicar a Sua glória, a Sua
grandeza e a verdade a Seu respeito. Por que o fez, então? Ele o fez “para
m ostrar (manifestar) nos séculos vindouros as abundantes riquezas da
sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus”.
Vocês pensavam na salvação dessa maneira? Uma pergunta que é
bom fazer é: por que Deus enviou Seu Filho? Não perm ita Deus que nos
limitemos a dar um a resposta sentimental, subjetiva, deixando de ver
queD eus enviou SeuFilho afim de vindicar-Se. Essa é a maior teodicéia
de todos os séculos; Deus está Se vindicando e está declarando e
mostrando a verdade a Seu respeito.

Passemos agora à segunda proposição. A salvação vindica a


grandeza e o caráter de Deus de maneira especial e de um modo
como nenhuma outra coisa o faz. Não há dúvida sobre isso. Neste
m ovim ento de salvação e redenção, aprendemos certas coisas que
doutro modo nunca aprenderíamos. Isso pode soar como um a afirmação
atrevida, porém eu me aventuro a fazê-la. Muitos têm feito a pergunta
- ninguém pode respondê-la, mas é um a pergunta que muitos têm feito,
na verdade todos nós a temos feito - por que o Deus todo-poderoso
perm itiu a Queda? Por que permitiu que o homem caísse em pecado? A

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resposta cabal é reconhecer que não sabemos, e não devemos inquirir a
respeito porque isso está além de nós. M as, de qualquer forma, podemos
saber e dizer isto: se Deus não tivesse perm itido a possibilidade do mal
e da Queda, o homem não seria inteiramente livre, e, portanto, não seria
inteiramente perfeito. O homem, como Deus o fez, tinha realmente
livre-arbítrio. Ele o perdeu por ter caído em pecado, todavia original­
m ente o tinha; e o livre-arbítrio era parte integrante da perfeição do
homem. Contudo, seja qual for a explicação, é evidente que Deus teve
domínio sobre isso de tal modo que, mediante a redenção, Ele manifes­
tou certos atributos do Seu santo ser, da Sua natureza e do Seu caráter
que doutra m aneira nunca poderiam ser conhecidos, mas que agora
certam ente são muito conhecidos.
O apóstolo já tinha mencionado alguns deles. Ouçam-no: “Deus,
que é riquíssimo em misericórdia”. Seria possível ter a mesm a
concepção da riqueza de Deus em misericórdia, se o homem não tivesse
caído em pecado como caiu? E por este meio que Deus m anifesta a
perenidade da Sua misericórdia. “Riquíssimo em m isericórdia” ! De­
pois, “Pelo seu muito amor com que nos amou” . Com toda a certeza
o homem conheceu algo sobre o amor de Deus antes de cair; Adão
conheceu o amor de Deus. Contudo, pergunto se o amor de Deus seria
conhecido como agora é, se não houvesse a Queda e o m ovim ento de
redenção. Deus o está mostrando, Ele o está m anifestando, há um a
revelação do Seu amor como seguramente seria inconcebível sem isso.
Então o apóstolo passa à sua seguinte grande expressão: “Estando nós
ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntam ente com Cristo
(pela graça...” - aí está - “pela graça sois salvos), e nos ressuscitou
juntam ente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo
Jesus; para m ostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua
graça”. Não há nada que nos habilite a ter tal entendimento da extensão
da graça de Deus como isto o faz. É a sua suprema avaliação; e nada pode
mostrá-la como isto no-la mostra. Vem então o termo final, “benigni-
dade” - “pela sua benignidade” , com o Seu olhar benigno. Adão
conheceu algo da benignidade de Deus, mas eu concordo com Isaac
W atts quando ele afirma em seu hino - “Nele (em Cristo) as tribos de
Adão ostentam mais bênçãos do que as que seu pai perdeu”. Digo
reverentemente, sopesando as minhas palavras, que em Cristo conhecemos
algo de Deus que Adão, em seu estado de inocência, não conheceu, e que,
em certo sentido, Adão não poderia conhecer. Pode ser especulação, porém
me parece que as Escrituras ensinam que Deus mostrou estas coisas aqui de
maneira única e de um modo como nunca mostrou em parte alguma.

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M as, o que talvez seja muito importante para nós é a terceira
proposição: toda esta manifestação e vindicação do caráter, do ser,
da grandeza e da glória de Deus dá-se mediante a Igreja. Deus realiza
este feito tremendo por nosso intermédio e através de nós, em prim eira
instância. Exam inem de novo o ponto. Deus fez isso tudo “para m ostrar
nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua
benignidade para conosco em Cristo Jesus”. Este é para mim o
pensam ento mais avassalador que podemos captar, que o poderoso,
eterno, sempiterno Deus está Se vindicando, a Si, à Sua santa natureza
e ao Seu santo ser, mediante algo que Ele faz em nós, conosco, e por meio
de nós. Isto é cristianismo, este é o significado da nossa condição de
membros da Igreja, isto é o que significa ser cristão; nada menos que isto!
Aqui somos retirados do nosso estado e dos nossos caprichos subjetivos,
e das nossas condições transitórias, e nos vemos de repente neste grande
plano da eternidade que Deus trouxe à luz e pôs em execução como
resultado da queda do homem em pecado.
Exam inemos esta gloriosa concepção. O apóstolo no-la ensina
claram ente neste versículo. Ele a expõe mais clara e explicitamente
ainda no versículo dez do capítulo três desta Epístola. O apóstolo está
descrevendo este grande mistério outrora oculto, mas agora revelado.
Para quê? Para “demonstrar a todos qual seja a dispensação do m istério
que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por m eio
de Jesus Cristo” (versículo 9). E então, no versículo dez: “para que”
- a mesm a idéia; este é o objetivo, esta é a intenção, este é o propósito
- “para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja
conhecida dos principados e potestades nos céus”. Essa é a idéia. Deus
está usando a Igreja, e vai usar a Igreja nos séculos futuros, a fim de fazer
um a demonstração e uma exibição da Sua estupenda e eterna sabedoria
aos principados e potestades nos lugares celestiais.
Esse é o modo de pensar em nós mesmos como cristãos e como
membros dalgreja Cristã. Deus está Se vindicando, aSi mesmo e ao Seu
caráter, por meu intermédio e pelo seu, por meio de pessoas como nós,
por meio de toda a Igreja congregada em Cristo e separada do mundo.
Ele vai colocar-nos em exibição, por assim dizer; será um a exibição
gloriosa. Ele já está fazendo isso, mas vai continuar a fazê-lo nas eras
vindouras, e na consumação Deus vai fazer a Sua última grande exibição,
e todos esses principados e potestades serão convidados a comparecer.
A cortina correrá e Deus dirá: olhem para eles! “Para que agora, pela
igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados
e potestades nos céus” ! Eu e vocês estamos sendo preparados para isso.

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Vocês lêem sobre artistas preparando seus quadros e as suas pinturas
para exposição, e sobre como eles dão os seus toques finais - com o a
moldura deve estar direita, deve ser colocada naposição certa, a luz deve
vir do ângulo correto, e assim por diante. Bem, todos nós sabemos disso;
temos visto pessoas preparando cavalos para exposição de eqüinos; ou
frutas e verduras para exposições de horticultura - a seleção, o preparo.
Pois bem, é isso que está acontecendo comigo e com vocês. Essa é a
significação do culto público e da pregação - é apenas uma parte disso.
A exposição, a exibição, a manifestação vem! E o que há de espantoso
e admirável é que é por meio de pessoas como nós, e como resultado do
que Ele está fazendo conosco, fez conosco e fará conosco, que Deus vai
vindicar Sua sabedoria eterna, Sua majestade, Sua glória e todos os
atributos da Sua santa Pessoa aos principados e às potestades nos céus.
Parece-me que isso vem perfeitamente expresso no capítulo sete
do livro de Apocalipse. João teve a sua visão - “Olhei, e eis aqui uma
multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e
povos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordeiro,
traj ando vestidos brancos e com palmas nas suas m ãos; e chamavam com
grande voz, dizendo: Salvação ao nosso Deus, que está assentado no
trono, e ao Cordeiro” . João viu estas pessoas usando vestes brancas e
com palmas nas mãos, entoando louvores a Deus e dizendo: “Salvação
ao nosso Deus, que está assentado no trono” . Mas o que particularm ente
me agrada é a pergunta feita pelo ancião que estava perto de João.
“Quem são estes?” - perguntou ele - “Estes que estão vestidos de
vestidos brancos, quem são, e de onde vieram?” Estes que aqui se acham
com palm as nas mãos, cantando louvores a Deus, quem são? Será essa
a pergunta que os principados e potestades nos lugares celestiais farão.
A cortina será descerrada e lá estaremos nós com as nossas vestes
brancas e com as palmas em nossas mãos, e os principados e potestades
perguntarão - Quem são estes? Que são eles? Que fenômeno é este?
Que pessoas são estas? De onde vêm? E a resposta será que são pessoas
cristãs - são cristãos de todos os séculos, de todas as nações, tribos,
países e cores congregados através dos séculos pelo poder da redenção
de Cristo, todos finalmente juntos, reunidos ali na glória. “Quem são
estes?” De onde vieram? Que são eles? E a resposta é: estes são os
remidos pela sabedoria, poder, glória, amor e graça de Deus. “Pela
igreja” ! Eu e vocês! M iseráveis criaturas que somos, com nossas dores
e sofrimentos, com as nossas “caxumbas e sarampos da alm a” , e os
nossos questionamentos e interrogações, e a nossa indagação: “Por que
Deus faz isso e aquilo?” Rogo-lhes, olhem para o céu, elevem a sua

- 130 -
mente, fazendo-a penetrar na glória. Que vergonha para nós, cristãos, por
nosso infeliz subjetivismo, por nossa incapacidade de compreender
quem somos, o que somos, o que está acontecendo conosco e o que Deus
está fazendo em nós e através de nós! A intenção da salvação é que tudo
isso seja feito para vindicação do caráter e da glória de Deus.

A proposição subseqüente ajuda-nos a ver como Deus o fa z


mediante a Igreja. Não precisamos demorar-nos neste ponto, visto que
já o consideram os em parte. Lá estamos nós, que somos da Igreja, com
vestes brancas, com palmas, na glória, na presença de Deus. Como
chegam os lá? Como foi que isso aconteceu? A prim eira coisa que nos
deixa maravilhados é que Deus nos viu a todos como éramos e como
estávamos, “mortos em ofensas e pecados, andando segundo o curso
deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que
agora opera nos filhos da desobediência; entre os quais todos nós
também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade
da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como
os outros tam bém ” . Como pôde Ele sequer olhar para nós ? Não
merecíamos nada senão a retribuição por nossos pecados, a punição, o
inferno. Se você acha que merece coisa melhor, você não sabe que é
pecador, você nada sabe, e eu temo por você, quanto à graça de Deus.
M iseráveis, vis, torpes, desprezíveis e rebeldes - e Ele olhou para n ó s!
Que grandiosa manifestação do Seu ser e da Sua santa natureza ! Nós
somos uma demonstração disso. Se Ele não tivesse olhado para nós,
ainda estaríamos em nossos pecados e indo para a perdição. M as lá
estamos nós, na glória, porque Ele teve m isericórdia de nós, teve pena
de nós.
Não somente isso, Ele projetou e planejou um modo de libertar-
-nos. Ele mesmo produziu o método de salvação. O homem não o pediu,
o homem não o queria, o homem não sabia do que necessitava, o homem
não foi consultado, não deu nem um a única sugestão. A salvação é
inteiramente de Deus, do princípio ao fim. Essa é toda a tese de Paulo:
“Pela graça sois salvos” , “fostes salvos” , e nada mais ! Que m anifes­
tação do ser e do caráter de Deus !
Outra m aravilha é Deus ter-nos feito o que fez, ter feito de nós o que
fez, anós que já fomos vivificados, ter Ele colocado em nós um princípio
de vida espiritual, em nós que estávamos completa, absoluta e desespe­
radam ente m ortos. Ele pôs nova vida em nós, a Sua própria vida em n ó s;
E le nos ressuscitou juntam ente com Cristo, estamos vivos para Ele,
temos os novos interesses e a nova perspectiva, estamos assentados nos

- 131 -
lugares celestiais. Ele já nos fez isso tudo, porém quando estivermos na
glória, de vestes brancas e com palmas, seremos absolutamente perfei­
tos, sem mancha, nem ruga, nem qualquer outra coisa semelhante. Não
haverá nem suspeita de culpa; a mais poderosa lente de aumento não
achará nada de errado em nós e sobre nós; seremos absolutamente
íntegros e completos, purificados de todos os vestígios do pecado. Não
é surpreendente a pergunta do ancião, “Quem são estes?” Com o se
tornaram assim? O que é esta brancura imaculada, esta glória? E tão-
-som ente a manifestação do caráter e do ser de Deus. M ediante a Igreja
Ele o faz dessa m aneira especial.

Isso me leva à derradeira proposição, que é simplesmente uma


questão m uito prática. Que devem os pensar de nós mesmos, à luz disso
tudol Por certo é óbvio. Se você sequer pensa na sua bondade, significa
que você nunca enxergou esta verdade. Se você se julga cristão e bom
m embro da igreja porque tem vivido um a vida virtuosa e nunca fez mal
a ninguém, e porque dedica boa parte do seu tempo a praticar estas coisas,
você está apenas me dizendo que nunca entendeu este ensino. Se você
pode achar em si próprio alguma coisa que pode deixá-lo satisfeito neste
m omento, você nunca viu de fato esta verdade, que Deus fez isso tudo
com o propósito de que agora seja conhecida dos principados e potestades
a Sua multiform e sabedoria nos lugares celestiais, para m ostrar as
sublimes riquezas da Sua graça. Se você acha que tem algum pleito para
apresentar em seu favor ao trono da graça e da misericórdia, qualquer
coisa que não seja o nome de Jesus Cristo, você nunca enxergou a
verdade, simplesmente está cego. Nosso único pensam ento deve ser:

“A aliança da misericórdia sou devedor,


Só à misericórdia entôo louvor”.

“Pela graça de Deus sou o que sou,


Nada em minhas mãos levando v o u ”.

N ada vejo de bom em mim; “Em mim, isto é, nam inha carne, não habita
bem algum ” ; não tenho nada que me recomende, não tenho nada do que
me gabar. Eu não sou nada; Ele é tudo, DEUS! A Sua graça em Cristo
Jesus! Se você enxergar esta verdade, então inevitavelmente você
pensará dessa forma.

Disso decorre que também devemos conduzir-nos de uma deter­

- 132 -
minada maneira. “Qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a
si mesmo, como também ele é puro” (1 João 3:3). O homem que se viu
como membro da Igreja e do corpo de Cristo da maneira que estamos
considerando, não vai querer mais ficar tão perto quanto puder do
mundo, nem vai considerar o cristianismo estreito por condenar certas
coisas. Nem por um m om ento! Se tão-somente pudéssem os ver aqueles
que conhecem os e que agora estão além do véu, daríamos adeus a
m aioria das coisas deste mundo. Todo aquele que vê isto, todo aquele
que tem esta esperança, purifica-se a si mesmo, assim como Ele é puro.
Se vocês sabem que vão ser absolutamente puros e sem mancha, bem,
avante! “Alimpai as mãos, pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai
os corações” (Tiago 4:8). Estes são os apelos do Novo Testamento.
Fiquem tão longe do mundo quanto puderem. “Apressa-te da graça para
a glória.”
A outra coisa que vejo aqui é a absoluta certeza de todas estas
coisas, a segurança disso tudo. Se a minha confiança na minha salvação
cabal e final e na m inha perfeição última se baseasse em mim, na minha
energia, no meu zelo e nos meus propósitos e desejos, sei que nunca
chegarialá. A m inhasegurançasebaseianisto, que Deus, o Deus infinito
e eterno, está vindicando a Sua reputação eterna por meu intermédio. E
se Ele tivesse começado a salvar-me e depois deixasse a obra por fazer
ou inacabada, e eu merecidamente chegasse ao inferno, o diabo teria a
m aior alegria que lhe fosse possível. Ele diria: há um ser que Deus
começou a salvar, todavia deu em nada. É impossível, isso não pode
acontecer; não existe idéia mais m onstruosa do que a idéia de que você
pode cair da graça, que você pode nascer de novo e depois ser condenado
eternamente. O caráter de Deus está envolvido! E impossível. Seu
objetivo não é meramente salvar-me, é vindicar o Seu ser e a Sua
natureza, eeu estou sendo utilizado paraessefim . O fim é absolutamente
certo, porque o caráter de Deus está envolvido nisso. “Aquele que em
vós começou a boa obra a aperfeiçoará até o dia de Jesus C risto”
(Filipenses 1:6).
A última palavra é óbvia. O privilégio de todas estas coisasl O
privilégio de ser usado por Deus desta m aneira para vindicar o Seu
caráter eterno e glorioso! Por que estou nisto? Por que terá Ele olhado
para mim? Como diz o ancião, “Quem são estes?”, assim eu pergunto:
quem sou eu? Vocês recordam Davi fazendo essa pergunta quando Deus
lhe deu um vislumbre de onde ele entrava neste grande plano, “Quem
sou eu, ou o que é a m inha casa, para que me fosse concedida tal honra?”
(cf. 2 Crônicas 2:6). E nós, não nos sentimos como tendo que dizer isso?

- 133 -
Quem sou eu, e o que sou eu, para que Deus sequer olhasse para mim
e me escolhesse para fazer parte do Seu plano e do Seu propósito, para
vindicar Sua Pessoa, Sua grandeza, Sua glória, Sua sabedoria, Seu amor,
Sua misericórdia, Suacom paixão perante os principados e as potestades
nos lugares celestiais?
Povo cristão, pense cada um em si dessa forma, e siga para a glória.

- 134 -
11
MEDIANTE CRISTO JESUS *
“P a ra m o s tr a r n o s sé c u lo s v in d o u ro s as a b u n d a n te s
riq u e za s da sua graça p e la sua b en ig n id a d e p a ra co n o sco
em C risto Jesu s. ” - E fé sio s 2:7

Devemos ver mais uma vez esta magnífica declaração que começa
no versículo quatro. Jamais o faremos demasiadas vezes. “M as Deus,
que é riquíssim o em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou
juntam ente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo
Jesus; para m ostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua
graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus.”
Quero considerar agora as três últimas palavras em particular: “em
Cristo Jesus” (ou “por intermédio de Cristo Jesus”, VA). Pois aí vocês
têm o evangelho todo e, particularmente, toda a essência da mensagem
do Natal.
O apóstolo esti vera explicando que, ao fazer o que fez por nós como
cristãos, Deus estava manifestando a glória do Seu ser e dos Seus
procedimentos. M as no versículo sete ele vai adiante e nos diz que Deus
está manifestando a Sua glória e as maravilhas da Sua graça, não somente
pelo que Ele fez e fará em nós, por nosso intermédio e sobre nós, porém
ainda mais pelo modo como o fez - “em sua benignidade para conosco
p o r intermédio de Cristo Jesus.”
Paulo jam ais poderia deixar isso de fora. Receio que muitos de nós
poderiam deixá-lo fora, e o deixem, mas Paulo nunca se esquece dessa
verdade. Este nome! - vocês o vêem em toda parte, em todas as suas
Epístolas. Observem-nas, leiam-nas e vejam como ele o vive repetindo
- o nome de Jesus Cristo. Se houve algum homem que poderia utilizar-
-se e apropriar-se das palavras do conhecido hino: “Suave soa o nome
de Jesus aos ouvidos do crente verdadeiro”, é o apóstolo Paulo. Notem
com o ele o repete nesta passagem o tempo todo: “nele” ; “juntam ente

* Este sermão foi pregado no domingo anterior ao Natal.

- 135 -
com Cristo” ; nos lugares celestiais “em Cristo Jesus” . E, tendo usado
o nome tantas vezes, vocês pensariam que ele poderia term inar dizendo:
“para m ostarnos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça
em sua benignidade para conosco” . Mas ele tem que dizê-lo novamente
- “em sua benignidade para conosco por intermédio de Cristo Jesus” .
Aqui chegamos ao ponto no qual, de todos eles, podemos realmente
com eçar a avaliar as sublimes riquezas da graça de Deus. Alguns
gostariam de traduzir as palavras desta maneira: “ ... as incomensuráveis
riquezas ...” ; ou, nas palavras que o apóstolo emprega no capítulo
seguinte, versículo oito: “as insondáveis riquezas” (ARA).

No entanto, antes de examinar estas expressões, deixem-me sali­


entar um ponto. E por intermédio de Cristo que auferimos todo e
qualquer benfício. Não é espantoso que sej a necessário dizer isto, e dar-
-lhe ênfase? Que imensidão de homens e mulheres ainda pensam nas
bênçãos que vêm de Deus, independentemente de Cristo Jesus! Há
milhares no mundo atual que se julgam adoradores de Deus e querem
ser abençoados por Deus, e acreditam em ser abençoados por Deus, e
têm a capacidade de falar sobre isso sem mencionar Cristo Jesus. Falam
sobre oração a Deus, falam em receber bênçãos de Deus, em ser curados
por Deus, em ser guiados por Deus, mas não mencionam o nome de Jesus
Cristo. O apóstolo estava ciente desse perigo, pelo que nunca perde a
oportunidade de dizer, “por intermédio de Cristo Jesus”. Toda a
essência do cristianismo consiste em que Deus trata com o hom em e
abençoa o homem unicamente em Cristo Jesus e por meio de Cristo
Jesus. Tudo nos vem de Deus por intermédio de Cristo.
Seria um a tarefa simples provar isto mediante incontáveis citações,
mas tomemos apenas as palavras do nosso Senhor: “Eu sou o caminho,
e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por m im ”(João 14:6).
Certam ente isso deveria ser suficiente. Não podemos orar sem Ele;
oramos em Seu nome, oramos por amor do Seu nome. Nada podemos
alegar em nosso favor senão Cristo. Como podemos aproximar-nos de
Deus sem Ele? Como poderia chegar alguma coisa a nós sem Ele? João,
vocês se lembram, no prólogo do seu Evangelho, faz exatam ente a
m esm a colocação. Referindo-se ao Senhor Jesus Cristo, ele diz: “E
todos nós recebemos também da sua plenitude, e graça por graça” . É
tudo em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por intermédio dEle.
“Deus estava em Cristo (Deus, por intermédio de Cristo estava)
reconciliando consigo o m undo” (2 Coríntios 5:19). É assim que Ele
reconcilia o mundo; e todas as bênçãos de Deus nos vêm e fluem para

- 136 -
nós por intermédio dEle. Ele é a “cabeça da igreja, que é o seu corpo,
a plenitude daquele que cumpre tudo em todos” (Efésios 1:22-23). A
Igreja é o Seu corpo. Auferimos toda a nossa vida, toda bênção, todo
poder e a nossa própria preservação do fato de que somos Seus m em bros.
Ele é a Cabeça, e, portanto, gozamos todas as bênçãos que temos, por
intermédio de Cristo Jesus. Poderei supor, pois, que todos nós temos
claro entendimento disto, que (como Paulo o expressa noutro lugar)
estamos inteiramente “encerrados” para Cristo? (Gálatas 3:23). A
própria lei foi o preceptor, o pedagogo, para trazer-nos a Cristo, para
encerrar-nos para Cristo, para fazer-nos ver que não podemos conhecer
a Deus nem receber nenhuma bênção de Deus exceto em Cristo Jesus
e por meio dEle. Ele é o único canal, o único e exclusivo M ediador entre
Deus e o homem. Em todo lugar é - “p o r intermédio de Cristo J e su s”.

D o que eu quero advertí-los particularmente agora, e com ênfase,


é a m aneira pela qual Deus fez tudo isso por intermédio de Cristo Jesus.
E é que aqui que vemos muito especialmente algo do caráter insondável,
do caráter incomensurável das riquezas da graça de Deus. Aqui
estamos vendo a questão do lado de Deus. Já a estivemos examinando
do nosso lado, mas agora, repito, a estamos examinando do lado de D eus.
O modo como fazemos um a coisa é, muitas vezes, muito mais signifi­
cativo do que aquilo que fazemos. E isso é verdade acerca da maneira
pela qual Deus abençoa a humanidade por intermédio do Senhor Jesus
Cristo. Já é algo maravilhoso, é algo espantoso, e indicativo das sublimes
riquezas da graça de Deus que Ele sequer nos abençoasse. Imaginem os
que Deus nos abençoasse, por assim dizer, diretamente dos céus, que
Ele olhasse para nós e fizesse certas coisas por nós, como de fato faz
normalmente nas obras da providência. Isso é em si maravilhoso, pois
não m erecem os coisa alguma. Estudamos o nosso caráter nos três
prim eiros versículos. Não hácom o exagerar o que há de mau no homem
em pecado. Ele é uma vil criatura, tão vil quanto se possa imaginar;
porém , a despeito disso, Deus olha para nós e nos abençoa. Ele “faz que
o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e
injustos” (Mateus 5:45).
O simples fato de que Ele olha para nós já indica insondáveis
riquezas da Sua graça. M as temos algo aqui que vai além, pois nos é
possível, às vezes, fazer um a amabilidade a outras pessoas sem sacrifi-
car-nos nem um pouco. Um multimilionário vêum apessoapaupérrim a.
Não a conhece, não tem nenhum interesse por ela, e até pode achar que
é um a ofensa a si mesmo olhar para tal pessoa. Seria um a atitude

- 137 -
excelente, generosaenobre este multimilionário dar um presente àquela
pessoa, especialmente se ela o tiver ofendido de algum modo. Suponha­
mos que ele lhe dê mil libras! E uma ajuda muito generosa, todavia
realmente nadacusta ao multimilionário; mal notaquedeu alguma coisa.
Em si, é um a grande generosidade; é uma grande bondade, especial­
m ente se aquela pessoa pobre fez alguma coisa indigna ou m á com
relação ao homem rico. Aquele ato de dar é em si maravilhoso. Mas
quanto aumentaria o valor daquele ato se o milionário fizesse concreta-
mente um sacrifício pessoal para ajudar o homem! Noutras palavras a
avaliação final das nossas ações devem ser pelo que elas nos custam.
N em por um momento quero diminuir a importância da generosidade;
é excelente em seu lugar, porém quando envolve sofrimento pessoal ou
perda pessoal para ajudar outrem, a sua importância torna-se im ensa­
mente maior.
Pois bem, é algo semelhante a isso que estamos considerando aqui.
Falo com cautela e com reverência, mas me parece que é quando
examinamos isto por este aspecto que realmente começamos a ter uma
noção da m edida das incomensuráveis riquezas da graça de Deus. Tal
afirmação é paradoxal, e, todavia, transmite verdadeiro significado.
Nunca seremos capazes de fazer uma avaliação disto; está além desta
possibilidade; a realidade é tão m aravilhosa que as medidas do homem
são totalm ente inadequadas; e, contndo, as Escrituras nos exortam a
fazer um esforço. Prossigamos, vamos tão longe quanto nos seja
possível. Parece-me que, nesta passagem, é o que o apóstolo nos está
exortando a fazer. Ele ora no sentido de que os olhos do nosso
entendimento sejam iluminados para que possamos tentar m edir o
imensurável e tentemos escalar estas alturas, cujas culm inânciasjam ais
poderão ser alcançadas. Estamos tentando medir, computar, avaliar o
que Deus realmente fez. É como Ele vai m anifestar as sublimes riquezas
da Sua graça em todas aquelas eras futuras “pela sua benignidade para
conosco” . Sim, mas - o modo como Ele o fez - “por intermédio de
Cristo Jesus” !

Que é que isso significa? Falo cautelosamente por esta razão, que
obviam ente estamos penetrando o mistério, não somente do amor de
Deus, mas também o mistério do ser de Deus. E aqui que temos que parar
de entender e, portanto, temos que “tiras os sapatos dos pés” (Êxodo
3:5). Entretanto observemos o que dizem as Escrituras. Se vocês
querem m edir as insondáveis riquezas, ou as sublimes riquezas da graça
de Deus em Cristo Jesus, poderão com eçar vendo o problem a do ponto

- 138 -
de vista do Pai. Eis a questão: Deus pode sofrer? Deus sofre? Os
teólogos têm discutido esta grande e importante questão: “A Passibilidade
ou a Im passibilidade de Deus” ; Deus é passível ou impassível? Um
tem a tremendo! Nunca poderemos resolver isso, nunca poderem os
delimitá-lo. Neste ponto as nossas mentes começam a vacilar, e nos
pom os a especular. Não o entendemos, e obviam ente não fom os
destinados a entendê-lo, em parte por causa das nossas condições finitas
e, mais ainda, por causa das nossas condições pecaminosas. E, todavia,
por outro lado, parece que temos de ter o cuidado de não ignorar
declarações escriturísticas, ou, ademais, que não as diminuamos. Há
certas coisas expostas nas Escrituras que devemos estudar e considerar,
e nas quais devemos pensar e meditar, com o m aior cuidado possível.
De qualquer forma, isto seguramente podemos dizer, que o que Deus fez
por nós m ediante Cristo Jesus não foi feito sem nenhum custo para D eus.
Exam inem os a matéria do ponto de vista de Deus como Pai. Estes
são os termos empregados: “Vindo a plenitude dos tempos, Deus
enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gálatas 4:4).
Estou interessado no “envio” . Ah, vocês poderão dizer, isto é um
antropom orfism o, isto é, um a condescendência para com a nossa
incapacidade humana, Deus apresentar-Se dessa maneira. Sim, mas há
um a verdade na apresentação, houve um ato de enviar. O Filho, o Senhor
Jesus Cristo, estava no seio do Pai desde toda a eternidade, perm ane­
cendo eternamente com Deus, co-igual e co-eterno. Deus o Pai O envia.
Não entendo plenamente o que isso significou para Deus, porém sei que
há o propósito de quepensem os nisso nestes termos humanos, que Deus
O enviou. E aí é que fazemos a pergunta: que é que isso significou para
Deus o Pai? E por intermédio de Cristo Jesus que Ele vai m ostrar as
insondáveis riquezas da Sua graça, é mediante esta ação que todos os
principados e potestades, nos lugares celestiais, irão admirar a multiforme
sabedoria de D eus; não somente o que eles verão na Igrej a, mas também
no m odo com o Deus trouxe a Igreja à existência, “por intermédio de
Cristo Jesus”.
Vejam alguns outros termos. “Deus amou o m undo de tal m aneira
que deu o seu Filho unigênito” (João 3:16). Que palavra de peso! - E le
“deu” ! Deu Seu Filho unigênito! Pois bem, nós estamos familiarizados
com estes termos. Falamos de pessoas que dão a vida pelo seu país,
falam os de pais que entregam seus filhos para a obra m issionária no
exterior; eles os dão, eles os enviam, eles os deixam partir. Dar - mas
quanto custa! Estes são os termos empregados com relação a Deus.
Contudo, vejam outra expressão, mais extraordinária ainda: “Aquele

- 139 -
que nem a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós,
como nos não dará também com ele todas as coisas?” (Romanos 8:32).
Exam inem essa grande declaração e notem os termos: Ele não O
“poupou” . Deus é passível ou impassível? Que significa a palavra
“poupar”? Deus o Pai sabia o que era necessário antes de se poder
elaborar o método da salvação, sabia o que era necessário antes de Ele
poder ser “justo e justificador daquele que crê em Jesus” (Romanos
3 :26). Ele sabia o que isso envolveria para o Filho em sofrimento, e Ele
não O poupou, mas O entregou a tudo quanto aquela morte significava,
aquela morte cruel, angustiosa. Ele sabia disso tudo. Ele não O poupou,
Ele O entregou, por todos nós. Pois bem, estes são os termos com os
quais temos que lutar quando consideramos esta grande questão da
passibilidade de Deus. Mas há outros. “Àquele que não conheceu
pecado, o fe z pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de
D eus” (2 Coríntios 5:21). Deus o Pai, de Seu próprio Filho fez pecado
- não pecador, fez com que Ele fosse pecado, com o qual Ele ia tratar
- por nós, para que nEle fôssemos feitos justiça de Deus. E isso
naturalm ente indica retrospectivamente algumas das extraordinárias
afirmações registradas no capítulo cinqüenta e três do livro do profeta
Isaías: “O Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos” . O
Senhor fez isso sem nenhum sentimento? Deus o fez sem nada sofrer?
É um grande mistério.
M as, se realmente queremos entender o que aconteceu naquele
prim eiro Natal, quando Cristo nasceu em Belém, temos que olhar a
fundo estas coisas. Tomamos estas coisas como certas e líquidas, com
demasiada facilidade. “Deus enviou seu Filho; João 3:16; todos nós
sabemos disso.” Sabemos? Será que sabemos alguma coisa sobre isso?,
pergunto. Falam os tão levianamente sobre o amor de Deus. Algum a vez
consideram os o que aquilo significou para Deus? “Deus fez cair sobre
ele a iniqüidade de nós todos.” “Agradou ao Pai” - lemos tam bém -
“Ao Senhor agradou o m oê-lo”; foi do Seu agrado; não que isso O
agradasse, mas foi do Seu agrado, foi Sua vontade, que Ele O moesse.
Ele moeu Seu próprio Filho por nós. A í vocês apanham certa medida das
sublimes riquezas da Sua graça. Ele O fez “enfermar” . Em verdade,
Deus fez o Seu unigênito Filho enfermar, a fim de que eu e vocês nos
tom ássem os Seus filhos, e para que desfrutássemos das abundantes
riquezas da sua graça. No entanto, vocês não começarão a m edir essa
graça divina enquanto não considerarem estas cinco palavras, “por
intermédio de Cristo Jesus”. Foi como Deus o fez. A í temos apenas um
vislumbre disso, do ponto de vista do Pai, o evento propriamente dito

- 140 -
quando ocorreu, como foi e é em Deus. As insondáveis riquezas da Sua
graça! Quem pode avaliar tal realidade? Quem a pode entender? Esse é
o nosso evangelho, que Deus o Pai enviou Seu Filho e O deu, e fez cair
sobre Ele a iniqüidade de nós todos. “Por intermédio de Cristo Jesus” !

Mas vamos examinar o assunto p o r um momento do ponto de


vista do Filho, Aquele que veio e com quem tudo isso aconteceu. Aqui
denovo estamos envolvidos no que Carlyle costumava cham ar “infini-
dades e im ensidades”, que nos espantam e nos deixam o cérebro
estupefato. Como podemos avaliar isto? Bem, o apóstolo nos ensina
algo sobre isso, particularm ente em sua carta aos filipenses, capítulo
dois, versículos 5-11. Sabemos que visava ao Filho: há Aquele que
estava na glória eterna, no seio do Pai, sendo Ele co-igual e co-eterno e
participando da glória de Deus em toda a sua plenitude - na ‘fo rm a de
D eus”. Vocês sabem o que a sua salvação significou inevitavelmente
para o Filho? Significou a Sua decisão de não apegar-Se aos privilégios
e sinais daquela glória eterna. “Que, sendo na form a de Deus, não
considerou roubo ser igual a Deus”, diz a Versão Autorizada (inglesa),
ou, segundo uma tradução mais precisa, Ele não considerou essa
igualdade como um prêmio ou uma presa a que aferrar-Se a todo custo.
Ele não disse ao P ai: não vou deixar tudo isso para trás para salvar aquela
gente que se rebelou contra Ti. Desejo ajudá-la e fazer o que puder por
ela, mas isso não; não posso por de lado, mesmo temporariamente, as
insígnias da M inha glória, as marcas da M inha deidade eterna; não posso
fazer isso. Estou disposto afazer qualquer coisa, porém isso eu não posso
fazer. Ele disse exatamente o oposto! Ele “não teve por usurpação o ser
igual a Deus”. Não considerou as insígnias da Sua deidade como um a
presa a que apegar-se, a que agarrar-Se. Ele decidiu deliberadamente que
as poria de lado temporariamente. Não pôs de lado a deidade - nem
poderia fazê-lo - Ele não pôs de lado a Sua deidade, mas sim, os sinais
da Sua deidade.
Então, tomada a prim eira decisão, inicial, seguiu-se a segunda, e
necessariamente. “Ele se fe z sem reputação” (VA), Ele Se destituiu
de honra. Quão superiora Versão A utorizada (“Authorized Version”)
é aqui à Versão Revista (“Revised Version” . Essa idêntica a ARA) e
outras, que dizem : “a si mesmo se esvaziou” ! Não, Ele não Se esvaziou,
não Se esvaziou, absolutamente. Ele “se fez” - perm anecendo ainda
o que era - “sem reputação” . Não há nenhum a “kenosis” no sentido
de um esvaziamento da Sua deidade, pois isso é impossível. O que há
é algo muito mais maravilhoso. É que Ele decidiu fazer-Se sem

- 141 -
reputação, destituir-Se daSuahonra. Embora sendo ainda o eterno Filho
de Deus, desceu à terra, nasceu como criança e viveu como homem.
Continuava sendo o mesmo, mas Se fez sem reputação. Lemos histórias
de grandes reis vestindo roupas andrajosas e se metendo em trabalho
braçal. Ninguém os conhecia, ninguém os reconhecia. Que acontecera?
O rei se fizera sem reputação, disfarçando-se de homem comum e não
levando consigo os atavios e as insígnias dasuarealeza; noutras palavras,
ele se fizera sem reputação. Ou vocês podem pensar nisso em termos de
um rei viajando incógnito. Foi exatamente o que aconteceu na encarnação.
Foi o que aconteceu quando o Filho de Deus desceu à terra para habitar
entre os homens. Apesar de continuar sendo o que sempre foi, veio como
hom em e tomou sobre Si a forma de servo.
Aí estamos começando a avaliar as sublimes riquezas da graça de
Deus. Foi isso que a minha salvação e a de vocês significou e custou.
Estam os interessados nas sublimes riquezas da Sua graça, e estamos
avaliando parte delas. Como é fácil sentimentalizar o tema do bebê de
B elém ! Todavia, quando vocês olharem para Ele, retrocedam, retroce­
dam penetrando a eternidade, considerem o que significou para Ele vir
para cá, e o que estava envolvido nisso! Como é vital que sejamos
teológicos e doutrinários em todo o nosso pensam ento concernente a
Ele! Pensem com a mente, e só então sintam com o coração. Não
comecem com o coração, comecem com a cabeça, com a mente, com o
entendimento. O apóstolo já tinha orado para que os olhos do nosso
entendimento fossem ilum inados! Vocês são cristãos, diz ele, mas terão
percebido o que aconteceu, o que estava envolvido, o que significou?
“Ele se fez sem reputação.” Inicialmente, Ele teve que chegar àquelas duas
decisões, antes que pudesse realizar-seaencamação. Eentão es tase realizou.
Assim Ele veio e nasceu do ventre de uma virgem - num estábulo, numa
pequena localidade chamada Belém. Assumira a natureza humana. Como
eu disse, Ele não Se esvaziara da deidade para tomar-Se homem. Continu­
ando ainda como verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, Ele assumiu a
✓ **
natureza humana. Assim e que agora Ele era realmente homem, como
também realmente Deus. E ali O vemos na manjedoura.

*
Expressão presente no Credo Niceno (125 A. D.). Nota do tradutor.
**
Com inicial minúscula, para advertir os que pensam que Cristo é um Ser
(homem) diferente em Sua humanidade do comum dos mortais; que a Sua
natureza humana é na verdade super-humana. Nota do tradutor.

- 142 -
Conforme entendo esta declaração do apóstolo, em tudo isso Deus
estava mostrando “as sublimes riquezas da sua graça” , e estava cau­
sando admiração aos principados e potestades e anjos nos lugares
celestiais - imagino que quando os anj os olhavam por sobre as muralhas
do céu, diziam algo como o seguinte:

Quem é este frágil, desvalido


Filho de humilde jovem hebréia?

Eis o que diziam: “Quem é este?” Vocês se lembram de que, na


pregação anterior, vimos que estas mesmas potestades fitarão a Igreja
glorificada e gente como nós, com as nossas vestes brancas e com palmas
nas mãos, e dirão: “Quem são estes?” Entretanto em Belém a pergunta
era:

Quem é este frágil, desvalido


Filho de humilde jovem hebréia?

H á um a resposta, e somente uma: “É o Senhor, o rei da glória” .


Esta é a estupenda história do primeiro Natal. Ou deixemos que Charles
W esley responda a pergunta. Contemplando aquela manjedoura, que
vemos? Segundo Charles Wesley:

Na carne velado, vede Deus;


Salve! Eis encarnada a Deidade!

Que paradoxos! A í estão as duas medidas; aí estão as “incomensu-


ráveis riquezas da graça de D eus” ; aí estão as sublimes riquezas, as
insondáveis riquezas - “Na carne velado” (aí está um extremo). “Vede
D eus” (aí está o outro extremo). Vocês podem medir estas grandezas?
“Salve, eis encarnado” (sim, Ele é um a criança, Ele é um bebê, Ele está
chorando como qualquer outra criança; ei-lO encarnado, ei-10 na carne
-m a s ) “aD eidade”(aí está o outro extremo). As imensuráveis riquezas
da graça de Deus! Foi “por intermédio de Cristo Jesus”, foi pelo envio
do Seu próprio Filho a este m undo dessa m aneira que D eus nos
abençoou o mostrou a Sua benignidade para conosco.
Depois, avancemos mais e vejamos Sua vida. Vocês já pararam
para pensar e meditar nisso? Como deve ter sido para o eterno Filho de
Deus, viver num mundo como este, um mundo de pecado? Vocês têm
às vezes um sentimento de completo desgosto quando andam pelas ruas

- 143 -
*
de Londres e vêem certas m anifestações de pecado? A feiura, a
sujeira, a animalidade disso tudo? Certamente lhes enoja o estômago e
vocês se revoltam - e não há nada de errado em se sentirem assim, pois
a coisa é hedionda, é terrível. Mas multipliquem isso por milhões, pelo
infinito, e tentem entender como deve ter sido para o Filho de Deus viver
e habitar num mundo como este, e ter que mesclar-Se com a nossa raça
decaída - Aquele que é descrito como “amigo de publicanos e pecado­
res” . Isto constitui uma parte da graça de Deus “por intermédio de
Cristo Jesus” . A í é onde vocês vêem “as insondáveis riquezas da sua
graça” . Ele “suportou tais contradições dos pecadores contra si m es­
m o” (Hebreus 12:3) durante trinta e três anos. E quando esteve na terra,
nunca teve casa própria. “As raposas têm covis, e as aves dos céus
ninhos”, diz Ele, “mas o Filho do homem não tem onde reclinar a
cabeça” (Lucas 9:58). E depois essa outra declaração no Evangelho
Segundo João: “Cada um foi para sua casa. Jesus, porém, foi para o
M onte das O liveiras” (João 7:53; 8:1). Nunca teve casa, nunca possuiu
um lar. Aquele por meio de quem todas as coisas foram feitas e sem o
qual nada do que foi feito se fez, não tinha onde pousar Sua cabeça, não
teve um lar que fosse Seu mesmo. “Por intermédio de Cristo Jesus” !
Pensem ainda em toda conspiração feita contra Ele, em como O
esbofetearam, cuspiram em Seu rosto, e pensem no interrogatório, nas
tentativas de fazê-10 cometer erro.
Essas coisas são fatos, e devemos concentrar-nos nos fatos, deve­
mos ir direto de volta aos fatos. Não somos salvos por um a filosofia, nem
por alguma bela idéia, nem por alguma fantasia maravilhosa, nem por
alguma concepção poética. Não, estas coisas são fatos literais, duros,
sólidos. Ele desceu à terra e passou por tudo isso por nós e pela nossa
salvação. É tudo fato literal! Vej am-nO no Jardim do Getsêmani suando
em agonia “grandes gotas de sangue” . “As insondáveis riquezas da sua
graça, por intermédio de Cristo Jesus.” E depois a cruz - a dor e o
sofrimento! “Não podemos saber, não podemos dizer, que dores Ele
teve que sofrer!” Mas sabemos que Ele esteve lá, outra vez em agonia.
Ele bradou: “Tenho sede” . E depois, acima de todos os outros sofri­
mentos, o sentimento de abandono - “Deus meu, Deus meu, por que
me desam paraste?” “As sublimes riquezas da sua graça em sua benig­
nidade para conosco, por intermédio de Cristo Jesus” . Suportar o
esmagador fardo do pecado do mundo; suportar a ira do Seu santo Pai;

Ah, se fosse só Londres! Nola do tradutor.

- 144 -
ser feito pecado! Essa é a medida. E quando Ele estava sofrendo estas
coisas todas, continuava sendo o eterno Filho de Deus, bem como Filho
do homem. Sofrimento como o dEle não podemos imaginar; porém Ele
sofreu o suficiente para cumprir plenamente a pena imposta ao pecado.
É “por intermédio de Cristo Jesus” que nos vêm as bênçãos.
Ele morre, eles O levam e O sepultam num túmulo. Vocês
recordam como Pedro falou perfeitamente sobre isso em seu discurso
a certos judeus incrédulos, quando disse: “M atastes o Príncipe da vida”
- o que significa, o Autor da vida (cf. ARA). A í vocês têm de novo a
m edida absoluta: morte (“m atastes”) - vida (“o Autor da vida”). O
Autor da vida foi morto. Aí está a m edida das sublimes riquezas da graça
de Deus. Eles O mataram, fizeram baixar o Seu corpo e O sepultaram
num túmulo, e sobre este rolaram um a pedra. Essa é a m edida de todos
esses fatos. Então Deus O ressuscitou, como Paulo nos diz aqui, tirou-
-O dentre os mortos, levou-0 para o céu, e O glorificou e O exaltou. A í
está o movimento completo, da glória da eternidade à terra e ao túmulo,
e então de volta à glória. Essa é a medida das “sublimes riquezas da sua
graça” .

O ponto visado pelo apóstolo é que Deus fez isso tudo com a
finalidade de m ostrar a todas as eras futuras a Sua glória e grandeza, e
especialm ente as sublimes riquezas da Sua graça. E perm itam que se
torne a salientar, para mostrá-las não somente aos homens. E de fato um
tema pertimente aos homens, mas não somente a eles; é o que deixa os
anjos extasiados. Um hino que às vezes cantamos expressa perfeita
mente esta verdade:

Anjos dos páramos da glória,


Voai por sobre toda a terra.
Vós que cantastes a Criação,
O Natal hoje proclamai!

Os anjos que cantaram na manhã da criação cantaram outra vez na


m anhã do nascim ento do M essias. Nunca o céu tinha visto um a coisa
como esta. Nunca o céu tinha visto um tema como este, como este evento
estupendo. O bebê que nasceu, que eles conheciam como o Senhor, o
Filho unigênito do Pai, Aquele por meio de quem tudo foi criado, está
deitado como um frágil bebê numa manjedoura. Não admira que eles
tenham cantado e saudado o nascimento do M essias. E eles continuam
admirados, pois o apóstolo Pedro nos diz, em sua Prim eira Epístola, que

- 145 -
não somente os profetas, na antiga dispensação, tinham profetizado
estas coisas, a saber, os sofrimentos de Cristo e a glória que se lhes
seguiria; coisas que os deixaram surpresos e admirados, porém que
tam bém é verdade que “para as quais coisas os anjos desejam bem
atentar” (1:12). Que afirmação espantosa! Estas “coisas” são “os
sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de
seguir” , om ovim ento completo, que inclui a encarnação, a vida, am orte
expiatória, o sepultamento, a ressurreição, a glorificação - “para as
quais coisas”, diz Pedro, “os anjos desejam bem atentar”. Ele emprega
aqui um a palavra muito interessante. Essa palavra “desejam ” significa
desejo muito intenso e desejo muito forte. Ela inclui de fato m ais um a
idéia, a de que eles se debruçaram para vê-las. “As quais coisas os anjos
estão se debruçando para ver bem ” ! A encarnação do F ilho! A morte do
Autor da vida! O sepultamento do Criador! É a coisa mais assombrosa.
Os anjos estão admirados, e eles adoram e louvam a Deus quando vêem
esta manifestação, esta exposição, esta exibição das sublimes riquezas
da Sua graça. O que os espanta não é somente o fato de que pecadores
miseráveis, rebeldes, como eu e vocês, tenham sido vivificados, rece­
bendo nova vida, tenham sido ressuscitados e habilitados para viver para
Deus, e que, finalmente, sejam glorificados e passem a eternidade em
Sua presença - algo espantoso, e eles ficam maravilhados com isso -
mas quando eles consideram o método pelo qual Deus fez isso tudo, até
o poder de expressão deles falha e se torna inadequado. É algo que supera
tudo, Deus amar o mundo de tal maneira, ao ponto de dar, até à
vergonhosa e cruel morte de cruz, o Seu Filho unigênito, para que todo
aquele que nEle crê - sem obras nem mérito - não pereça, mas tenha a
vida eterna. “Para m ostrar nos séculos vindouros as sublimes riquezas
da sua graça em sua benignidade para conosco, por intermédio de Cristo
Je su s” .

- 146 -
12
PELA GRAÇA POR MEIO DA FÉ
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem
de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se
glorie; porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as
boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos n elas”.
- Efésios 2:8-10

Nestes três versículos o apóstolo resume a grande argumentação


que ele nos transmite nos sete primeiros versículos deste capítulo. Ele
a traz toda a um centro focal. Imagino que, em certos aspectos, podemos
dizer que em parte alguma desta Epístola se vê declaração mais
importante que esta. Naturalmente, tudo vem prenhe de doutrina, como
tem os visto; mas, certamente, do nosso ponto de vista, e para que se
tenha verdadeiro e claro entendimento do que é que nos faz cristãos, não
há nada que seja mais importante do que essa declaração particular. E,
portanto, é óbvio que é igualmente importante no sentido prático.
Aqui está, seguramente, um a declaração que precisa ser aceita
como determinante em toda obra de evangelização. De igual modo, ela
deve determinar toda a nossa prática da vida cristã, porque a crença e a
prática são inseparáveis. Não se pode separar term inantem ente o
conceito que a pessoa tem destas coisas, do seu relacionamento integral
com elas. Por isso digo que nesta passagem estamos face a face com um a
das declarações mais cruciais de todas as Escrituras, e obviam ente é por
isso que o apóstolo a expõe desta forma especial. Por essa m esm a razão
também, ele já tinha orado, no capítulo primeiro, para que os olhos do
nosso entendimento fossem iluminados. Jamais poderemos repetir isso
em demasia. Esta grande Epístola, talvez a m aior de todas em alguns
sentidos, impregnada de profunda teologia e de afirmações doutrinárias,
foi, não obstante, escrita prim ordialm ente com o objetivo de ajudar as
pessoas de m aneira prática e pastoral. Noutras palavras, não devemos
pensar que ela é, primeiramente e acima de tudo, uma tentativa da parte
do apóstolo, de escrever um tratado teológico. O apóstolo não era um
teólogo profissional - pergunto se deveria existir tal coisa. O apóstolo
era pregador e evangelista. Tal homem, é evidente, tem que ser teólogo
- se não o for, não poderá ser um verdadeiro evangelista - no entanto
não se tratava de uma questão profissional. A abordagem do apóstolo não

- 147 -
é acadêmica, não é teórica; ele estava interessado em ajudar aqueles
crentes a viverem a vida cristã. Foi por isso que lhes escreveu. Mas ele
sabia que ninguém pode viver esta vida cristã se primeiro não tiver um
verdadeiro entendimento do que é que afinal nos faz cristãos. Portanto,
quando Paulo lhes escreve, ele parte desta grande doutrina, e depois
passa à sua aplicação.
É o que ele faz aqui, em sua oração por eles, no sentido de que os
olhos do seu entendimento sejam iluminados, para que eles possam
conhecer a esperança da vocação de Deus, as riquezas da glória da Sua
herançanos santos e, talvez mais importante que tudo mais, aimensurável
grandeza do Seu poder para conosco, os que cremos. Essa era a
dificuldade daqueles crentes; não se davam conta desse poder. E é esta
a nossa dificuldade - a nossa incapacidade de perceber a imensurável
grandeza do poder de Deus em nós, os que cremos. Assim ele procurou
revelá-la, expô-la e colocá-la claramente diante deles. Ele a tinha
exposto em detalhe: a descrição negativa nos versículos 1 a 3; a positiva
nos versículos 4 a 7. Feito isso ele diz: agora, então, tudo vem a dar
nisto... Vocês podem notar que ele com eça com a palavra “Porque” .
“Porque pela graça sois salvos.” É um a continuação; ele retrocede ao
que estivera dizendo, e depois o coloca mais uma vez de um modo que
não nos deixará esquecê-lo nunca mais.
E uma descrição do que significa realmente ser cristão. Cada vez
me convenço mais de que a maior parte dos nossos problemas na vida
cristã surge nesse ponto. Pois, se não estivermos certos no começo,
estarem os errados em toda parte. E, visto que muitos ainda estão
confusos nesse primeiro passo, estão sempre cheios de problemas,
dificuldades e perguntas, e não podem entender isto, e não conseguem
ver aquilo. É porque nunca entenderam bem o alicerce.
Bem, aí está para nós - e, como eu disse, não há declaração mais
clara sobre isso em parte alguma das Escrituras.
Então, porque a confusão? Muitas vezes a confusão aparece porque
as pessoas transformam estas grandes declarações do apóstolo em
m atéria de controvérsia. E o fazem porque insistem em introduzir a sua
filosofia, com o que me refiro às suas idéias pessoais. Em vez de
tom arem as claras afirmações do apóstolo, elas dizem: mas eu não
consigo ver isto. Se é assim, então não entendo como Deus pode ser um
Deus de amor. Noutras palavras, essas pessoas começam a filosofar e,
naturalm ente, no momento em que vocês começarem a fazer isso,
estarão fadados a ter dificuldades. Ou aceitamos as Escrituras como
nosso único fundamento, ou não. Muitos dizem que as aceitam, mas logo

- 148 -
vêm com a sua incapacidade de entender. No momento em que vocês
fizerem isso, terão abandonado as Escrituras e estarão introduzindo a sua
capacidade pessoal, o seu entendimento, e as suas teorias e idéias
pessoais. Esse tem sido constantem ente o problema, especialm ente
com este três versículos que estamos considerando. O que me proponho
a fazer, portanto, é simplesmente colocar estas afirmações diante de
vocês, e pedir-lhes que as considerem e que meditem sobre elas. Aqui
está o fundam ento completo da nossaposição como cristãos. E aqui que
se nos diz com exatidão como foi que nos tornamos cristãos.

Que é que o apóstolo diz? Diz ele que somos cristãos inteiramente
como resultado da graça de Deus. Ora, certamente ninguém pode
contestar isso. “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não
vem de vós, é dom de D eus.” Notem o método do apóstolo aqui. A
declaração toda está em três versículos e, em certo sentido, podemos
tom ar os três versículos como nossas divisões e subtítulos. Primeiro ele
faz um a declaração positiva no versículo 8. Coloca a seguir uma
negativa, no versículo 9; e o propósito danegativa é reforçar a positiva.
Está apenas dizendo a mesma coisa negativamente. E depois, no
versículo 10, ele parece combinar as duas, a positiva e a negativa.
Exam inemos primeiro a declaração positiva. Sua asserção feita
positivam ente é que nós somos cristãos inteira e unicam ente como
resultado da graça de Deus. Lembremo-nos mais uma vez de que
“graça” significa favor imerecido. E um a ação que brota inteiramente
do caráter misericordioso de Deus. Assim, a proposição fundamental é
que a salvação é algo inteiramente procedente da parte de Deus. O que
é mais importante ainda é que ela não somente vem da parte de Deus,
porém nos vem apesar de nós mesmos - favor “im erecido” . Noutras
palavras, não é a resposta de Deus a alguma coisa que haja em nós. Há
m uitos, no entanto, que parecem pensar que é - que a salvação é a
resposta de Deus a algo existente em nós. M as a palavra “graça” exclui
isso. É apesar de nós. Como vimos, o apóstolo mostra-se muito ansioso
para dizer isso. Obsevem o modo interessante como ele, por assim dizer,
introduziu-o sutilmente no versículo cinco. Ele se interrompeu, que­
brou a sim etria da sua exposição, e se fez culpado de grave defeito, do
ponto de vista do estilo literário. Contudo, ele não estava preocupado
com isso. Ouçam-no: “Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos
vivificou juntam ente com Cristo”, e então, em vez de dar o passo
seguinte - parênteses “(pela graça sois salvos)” . Aqui ele o expressa
um pouco mais explicitamente. A salvação não é, em nenhum sentido,

- 149 -
a resposta de Deus a algo existente em nós. Não é algo de que nalgum
sentido tenhamos merecimento ou mérito. Toda a essência do ensino
neste ponto, e em toda parte do Novo Testamento, é que não temos
nenhum tipo ou nenhuma espécie de direito à salvação, e que toda a
glória da salvação é que, apesar de nada merecermos, senão a punição,
o inferno e o banimento da presença de Deus por toda a eternidade, não
obstante Deus, por Seu amor, Suagraça e Sua maravilhosa misericórdia,
concedeu-nos esta salvação. Pois bem, esse é todo o ensino do termo
“g raç a ” .
Não precisamos demorar-nos aqui, porque já estivemos tratando
disso nos sete versículos anteriores. Qual é o objetivo desses versículos?
Não será apenas mostrar-nos essa mesma verdade negativa e positiva­
mente? Qual é o objetivo dessa horrível descrição do hom em como ele
é por natureza em conseqüência do pecado nos três primeiros versículos,
senão justam ente mostrar que o homem, como ele é, não merece nada,
exceto a retribuição aos seus pecados? Ele é por natureza filho da ira,
e não somente por natureza, mas também por conduta, por seu com por­
tamento, por sua atitude em geral para com Deus - vivendo segundo o
curso deste mundo, governado pelo príncipe das potestades do ar. Esse
é o tipo de criatura que ele é; morto em ofensas e pecados, criatura cheia
de cobiças, cobiças da carne, “fazendo a vontade da carne e dos
pensam entos” . Não existe descrição mais horrorosa do que essa. Não
se pode imaginar um estado pior do que esse. Uma criatura como essa
m erece alguma coisa? Tem algum direito diante de Deus? Poderá ir à
frente com algum a causa ou demanda para defender? Todo o ponto
visado pelo apóstolo é que tal criatura não merece nada das mãos de
Deus, senão a retribuição aos seus pecados. E depois ele desenvolve o
seu argumento com o seu grande contraste - “mas Deus” - que já
consideramos em detalhe. E o propósito disso, seguramente, é exaltar
a graça e a m isericórdia de Deus, e m ostrar que, onde o homem não
m erece absolutamente nada, Deus não somente lhe dá, e lhe dá
liberalmente, mas faz chover sobre ele “as imensuráveis riquezas da sua
graça” .
Esse é, pois, o primeiro princípio: que somos cristãos única, total
e exclusivamente por causa da graça de Deus. Referi-me ao versículo
cinco porque é extremamente inportante nesta argumentação. Notem
como o apóstolo o inseriu ali, fê-lo escorregar para dentro, por assim
dizer, insinuou-o. Por quê? Observem o contexto. Diz ele que foi
exatam ente “quando estávamos mortos em pecados” que Deus nos
vivificou. E então, imediatamente - “(pela graça sois salvos)” . Se você

- 150 -
não enxergar o princípio nesse ponto, não o enxergará em lugar nenhum.
O que ele estava dizendo é que estávamos mortos, isto é, absolutamente
sem vida; portanto, sem nenhuma capacidade. E aprim eira coisa que nos
era necessária, era que nos fosse dada vida, que fôssemos vivificados.
E diz ele que foi exatamente isso que Deus fez conosco. Pelo que diz
ele: vocês não conseguem ver isso? E pela graça que vocês são salvos.
Portanto, ele o coloca nesse ponto em particular obviamente por essa
razão. É a única conclusão que se pode deduzir. Criaturas que estavam
espiritualmente mortas, agora estão vivas - como aconteceu? Pode um
m orto voltar a viver por si mesmo? Impossível. H á um a única resposta:
“Pela graça sois salvos”. Chegamos, pois, a esta inevitável conclusão:
somos cristãos neste momento única e inteiramente pela graça de Deus.
O apóstolo nunca se cansava de dizer isso. Que mais poderia ele
dizer? Quando ele olhava para trás.paraoblásfem oSaulo de Tarso, que
odiava a Cristo e a Igreja Cristã e fazia o máximo que podia para
exterminar o cristianismo, respirando ameaças e morte; quando olhava
para trás e via isso, e depois olhava para si mesmo como ele agora era,
que poderia ele dizer, senão isto: “Sou o que sou pela graça de D eus” ?
E devo confessar que ultrapassa a minha capacidade de entender como
algum cristão ou alguma cristã, ao olhar para si, possa dizer coisa
diferente. Se quando você dobra os joelhos diante de Deus não se der
conta de que é “devedor à misericórdia, única e exclusivam ente” ,
confesso que não entendo você. Há alguma coisa tragicamente defeitu­
osa, ou no seu sentimento de pecado, ou na suacapacidade de percepção
da grandeza do amor de Deus. Este é o tema sempre presente no Novo
Testam ento, a razão pela qual os santos dos séculos sempre louvaram
o Senhor Jesus Cristo. Eles vêem que quando estavam em total
desesperança, verdadeiramente mortos, e eram vis e repugnantes,
“odiosos, odiando-nos uns aos outros”, como diz Paulo escrevendo a
Tito (3:3). Deus olhou para eles. Foi “quando éramos ainda pecadores”,
mais, foi “quando éramos inim igos” que fomos reconciliados com
Deus pela morte do Seu Filho - inimigos; alienados em nossas mentes,
completam ente opostos. Não seria certo que temos que ver que é pela
graça, e somente pela graça, que somos cristãos? E totalm ente im ere­
cido, é somente como resultado da bondade de Deus.

A segunda proposição, como indiquei, é colocada em form a nega­


tiva pelo apóstolo. Diz ele que o fa to de que somos cristãos não nos
dá base nenhuma parajactância. Essa é a forma negativa da prim eira
proposição. A prim eira é que somos cristãos única e inteiramente como

- 151 -
resultado da graça de D eus. Portanto, em segundo lugar, temos que dizer
que o fato de sermos cristãos não nos dá nenhuma base para gabar-nos.
O apóstolo faz a colocação disso com duas declarações. A prim eira é:
“isto não vem de vós”; não satisfeito com isso, o apóstolo se expressa
mais explicitamente com estas palavras: “para que ninguém se glorie”.
A í temos duas declarações vitalmente importantes. Certamente nada
poderia ser mais forte: “Não vem de vós” ; “para que ninguém se
glorie” . Este sempre deve ser o teste decisivo do nosso conceito da
salvação e do que nos faz cristãos. Examinemo-nos por um momento.
Qual a idéia que você faz de si mesmo como cristão? Como foi que você
se tornou cristão? De que depende? Que é que está no fundo? Qual a
razão? Essa é a questão decisiva e, segundo o apóstolo, o teste vital. A
sua idéia de como você se tornou cristão lhe dá algum a base para
orgulhar-se de si mesmo, para gabar-se? Essa sua idéia reflete de alguma
form a algum mérito a seu favor? Se reflete, segundo esta declaração
apóstolica não hesito em dizê-lo você não é cristão. “Não vem de vós;
para que ninguém se glorie” . No capítulo três da Epístola aos Romanos
o apóstolo se expressa com mais clareza ainda, com um a pergunta. Aí
está diz ele, o plano divino de salvação, e depois, no versículo 27,
pergunta: “Onde está logo a jactância?” Ele responde, dizendo: “É
excluída”, é posta para fora, e a porta é fechada sobre ela; não há lugar
para ela aqui.
Não admira que o apóstolo Paulo tenha tanto gosto em colocar a
questão dessa m aneira em especial, porque, antes da sua conversão,
antes de se tornar cristão, ele bem sabiao que erajactar-se. N uncahouve
um a pessoa tão satisfeita consigo ou mais segura de si do que Saulo de
Tarso. Tinha orgulho próprio em todos os aspectos - orgulhava-se de
sua nacionalidade, da tribo em que nascera em Israel, de haver sido
criado como fariseu e de haver sentado aos pés de Gamaliel, orgulhava-
-se de sua religião, da sua moralidade, do seu conhecim ento. Ele nos fala
disso tudo no capítulo três da Epístola aos Filipenses. Ele costum ava
jactar-se. Levantava-se e dizia coisas semelhantes a estas: quem pode
contestar isto? Aqui estou, um bom homem, de boa moral, religioso.
Observem -me nos meus deveres religiosos, observem o meu viver,
observem -m e em todos os aspectos; tenho-me dedicado a esta vida
piedosa e santa, e estou satisfazendo a Deus. Essa era a sua atitude.
Gabava-se. Achava que era um homem de tanto valor e que tinha vivido
de tal m aneira que podia orgulhar-se disso. Essa era um a das suas
grandes palavras. Mas chegou a ver que um a das maiores diferenças
resultantes do fato de haver-se tornado cristão foi que tudo isso foi

- 152 -
jogado fora e passou a ser irrelevante. Por isso acostumou-se a usar
linguagem forte. Olhando para trás, para tudo aquilo de que tanto se
jactara, ele diz: “É escória e perda!” Não se contenta em dizer que tudo
aquilo era mal; é vil, é sujo, é nojento. Jactância? Foi excluída!
Entretanto o apóstolo conhece tão bem o perigo neste ponto que não se
contenta com uma declaração geral; ele indica particularm ente dois
aspectos nos quais somos propensos à jactância.
O prim eiro é esta questão de obras. “Pela graça sois salvos, e isto
não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém
se glorie” . E sempre com relação às obras que somos mais propensos
ajactar-nos. É nesse ponto que o diabo nos tenta de m aneira a mais sutil.
Obras! Essa era a razão pela qual os fariseus eram os maiores inimigos
de Jesus Cristo; não porque fossem meros faladores, mas porque
realmente faziam coisas. Quando aquele fariseu disse (Lucas 18:12)
- “Jejuo duas vezes na semana”, estava falando a verdade; quando ele
disse: “ dou os dízimos de tudo quanto possuo” , estava sendo rigoro­
samente exato. Os fariseus não falavam apenas, faziam realmente estas
coisas. E é por isso que eles ficaram tão aborrecidos com a pregação do
Filho de Deus e foram grandemente responsáveis pela Sua crucifixão.
Seria ir longe demais dizer que é sempre mais difícil converter um a
pessoa boa do que uma pessoa má? Penso que a história da Igreja prova
isso. Os maiores opositores da religião evangélica sempre têm sido
gente boa e religiosa. Alguns dos mais cruéis perseguidores de que fala
a história da Igrej a pertenciam a essa classe. Os santos sempre sofreram
mais profundam ente nas mãos de gente boa, de bom nível moral,
religiosa. Por quê? Por causa das boas obras. O evangelho bíblico sempre
denuncia a confiança nas boas obras, o orgulho pelas boas obras e a
jactância acerca das boas obras, e aquelas pessoas não aguentam isso.
Toda a sua posição foi edificada sobre isso - o que elas são, o que elas
fizeram e o que elas estão sempre fazendo. Isso constitui toda a posição
delas e, se vocês lhes tirarem isso, elas ficarão sem nada. Por isso elas
odeiam a pregação realmente bíblica, e a combaterão até não poderem
m ais. O evangelho faz de nós m endigos. Ele nos condena, a todos e a cada
um de nós. Não há diferença, Paulo afirma em toda parte, não há
diferença entre o gentio, que está fora da comunidade, e o judeu
religioso, aos olhos de Deus - “Não há um justo, nem um sequer”.
Assim, é preciso que as obras desapareçam, que não nos gabemos delas.
M as nós temos a tendência de gabar-nos delas - o nosso viver virtuoso,
as nossas boas ações, as nossas observâncias religiosas, a nossa freqüên­
cia aos cultos ( e particularmente quando vimos de m anhã bem cedo),

- 153 -
e assim por diante. São estas coisas, as nossas atividades religiosas, que
nos fazem cristãos. É esse o argumento.
No entanto o apóstolo desmascara e denuncia tudo isso, e o faz com
m uita simplicidade, da seguinte maneira: diz ele que falar sobre as obras
é voltar ao jugo da lei. Se você pensa, diz ele, que é a sua vida virtuosa
que faz de você um cristão, está tom ando a ficar debaixo da lei. M as é
inútil fazê-lo, diz ele, por esta razão. Se você tornar a colocar-se debaixo
da lei, estará condenando a si próprio, pois “nenhuma carne será
justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o
conhecimento do pecado” , Se você quiser tentar justificar-se por sua
vida e por suas obras, você estará indo direto para a condenação, porque
as melhores obras do homem não são suficientemente boas aos olhos de
D eus. Todos fomos condenados pela lei - “Todos pecaram e destituídos
estão da glória de Deus” . “Não há um justo, nem um sequer” . Portanto,
não sejam tolos, diz Paulo; não se apartem da graça, pois fazê-lo é ir para
a condenação. As obras de homem nenhum serão suficientes para
justificá-lo aos olhos de Deus. Que tolice, então, tornar a ficar debaixo
das obras!
Mas não somente isso, no versículo dez ele explica que fazer isso
é fazer o contrário do que se deve. Tais pessoas pensam que pelas suas
boas obras elas se fazem cristãs, ao passo que, diz Paulo, é exatamente
o contrário. “Somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas
obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas.” A tragédia
é que as pessoas pensam que, se tão-somente fizeren certas coisas e
evitarem outras, e tiverem um a vida virtuosa, e saírem para ajudar outras
pessoas, dessa maneira se tornarão cristãs. Que cegueira!, diz Paulo.
Esta é a m aneira de ver as boas obras: Deus nos faz cristãos para que
pratiquemos boas obras. Não é uma questão de as boas obras levarem
ao cristianism o, e sim de o cristianismo levar às boas obras. E exata­
mente o oposto daquilo em que as pessoas tendem a crer. Portanto, não
há nada que seja tão completa contradição da verdadeira posição cristã
como essa tendência que temos de jactar-nos e de pensar que, porque
somos o que somos e fazemos o que fazemos, tornam o-nos cristãos.
Não; Deus faz cristãos, e depois eles vão praticar as suas boas obras, A
jactância é excluída. “Onde está logo a jactância? É excluída. Por qual
lei? Das obras? Não; mas pela lei da fé.” Vemos que as obras são
excluídas na questão de alguém se tornar cristão. Não devemos jactar-
-nos das nossas obras. Se de alguma forma mostrarmos que achamos que
temos bondade, ou se estivermos confiantes em alguma coisa que fizemos,
estaremos negando a graça de Deus. Isto é o oposto do cristianismo.

- 154 -
Contudo, a lástim a é que não são somente as obras e as ações que
tendem a insinuar-se. Existe algo mais - a fé! A f é tende a introduzir-
s e e a fa ze r com que nos jactem os. Há um a grande controvérsia acerca
deste versículo - “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto
não vem de vós, é dom de Deus” . A grande questão é, a que se refere
a palavra “isto” ? E há duas escolas de opinião. “Porque pela graça sois
salvos, por meio da fé, e isto (a fé) não vem de vós, é dom de D eus”,
diz um a escola. M as, de acordo com a outra escola, a palavra “isto” não
se refere à “fé”, e sim à “graça”, m encionada no início da frase:
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto (esta posição na
graça) não vem de vós, é dom de D eus” . Seria possível resolver a
disputa? Não. Não é questão de gramática, não é questão de língua.
Vocês verão que, como usualm ente acontece, as grandes autoridades
estão divididas entre as duas escolas, e é muito interessante, quase
divertido, notar os lados aos quais elas pertencem. Por exemplo, se eu
perguntasse qual era a opinião de Calvino sobre isso, estou certo de que
vocês logo responderiam que Calvino dizia que “isto” se refere à fé, e
não à graça. M as a verdade é que Calvino disse exatamente o oposto, que
“isto” se refere à “graça” e não à “fé”. E um a questão que não se pode
resolver. E há um sentido em que realmente isso não tem a mínima
importância, porque no fim dá no mesmo. Noutras palavras, o im por­
tante é não recair nas “obras” .
Mas há muitos que fazem isso. Transformam a sua fé numa espécie
de obras. Na verdade, existe muito ensino evangelístico popular atual­
mente que afirma que a diferença que o Novo Testam ento faz pode ser
expressa desta maneira: no Velho Testamento Deus olhava para o povo
e dizia: aqui está aM inha lei, aqui estão os DezM andam entos; guardem-
-nos, e Eu os perdoarei e vocês serão salvos. Mas, esse ensino continua
e diz: não é assim agora. Deus pôs tudo isso de lado, não existe mais lei,
Deus sim plesm ente nos diz: “Creiam no Senhor Jesus Cristo”, e vocês
serão salvos. Noutras palavras, o que dizem os que tal coisa ensinam é
que, crendo no Senhor Jesus Cristo, a pessoa se salva. Todavia isso é
transform ar a fé em obras, porque isso eqüivale a dizer que a nossa ação
é que nos salva. Mas o apóstolo diz: “Não vem de vós” . Se “isto” se
refere à fé ou à graça, não importa; “sois salvos” , diz Paulo, “pela graça,
e isto não vem de vós”. Se é a minha fé que me salva, eu mesmo me
salvei; porém Paulo afirma que isso não vem de você. De modo que
jam ais devo falar da minha fé de molde a fazê-la vir “de mim mesm o” .
E não é só isso. Se me tornei cristão dessa maneira, certam ente isso
também me dá base para jactar-m e, para gloriar-me; mas Paulo diz:

- 155 -
“Não de obras, para que ninguém se glorie” . A m inha jactância tem que
ser excluída totalmente.
Portanto, quando pensamos na fé, temos que ter o cuidado de
examiná-la à luz do que foi dito. A fé não é a causa da salvação. Cristo
é a causa da salvação. A graça de Deus no Senhor Jesus Cristo é a causa
da salvação, e jam ais devo falar de um modo que apresente a fé como
acausa da salvação. Então, o que é a fé? A fé é apenas o instrumento pelo
qual a salvação chega a mim. “Pela graça sois salvos, por meio da fé.”
A fé é o canal, é o instrumento através do qual esta salvação, que é da
graça de Deus, vem a mim. Sou salvo pela graça, “por meio da fé” . A
fé é simplesmente o meio através do qual a graça de Deus, que traz
salvação, entra em m inha vida. Portanto, devemos ser sempre extrema­
mente cautelosos, jam ais dizendo que é a nossa fé que nos salva. A fé
não salva, crença não salva, Cristo salva - Cristo e a Sua obra acabada.
Não a minha crença, não a m inha fé, não o meu entendimento, nada que
eu faça - “não vem de vós” , “a jactância é excluída”, “pela graça, por
m eio da fé” .
Certamente o que a passagem que inclui os três primeiros versículos
deste capítulo tem por objetivo é m ostrar que nenhuma outra posição é
possível. Como pode alguém que está “m orto” em ofensas e pecados
salvar-se? Como pode alguém que é “estranho e inimigo no entendi­
m ento” , cujo coração está “em inimizade contra D eus” (pois é o qae
as Escrituras nos falam acerca do homem natural), como pode tal pessoa
fazer alguma coisa que seja meritória? É impossível. A prim eira coisa
que acontece conosco, diz-nos o apóstolo nos versículos 4 a 7, é que
fomos “vivificados” . Nova vida foi introduzida em nós. Por quê?
porque sem vida não podemos fazer coisa alguma. A prim eira coisa que
o pecador necessita é vida. Ele não pode pedir vida, pois está morto.
Deus lhe dá vida, e o pecador prova que a tem crendo no evangelho. A
vivificação é o primeiro passo. E a prim eira coisa que acontece. Eu não
peçoparaservivificado. Se eu pedissepara ser vivificado, não precisaria
ser vivificado, já teria vida. No entanto, estou morto, e estou em
inim izade contra Deus e a Ele me oponho, não tenho entendimento,
tenho ódio. M as Deus me dá vida. Ele m e vivificou juntam ente com
Cristo. Portanto, a jactância é inteiramente excluída gloriar-me das
obras, gloriar-m e até da fé. Isso tem que ser excluído. A salvação é
inteiramente de Deus.

Isso nos leva ao último princípio, que resumo da seguinte maneira:


o fa to de sermos cristãos é totalmente resultante da obra de Deus. O

- 156 -
real problem a de muitos de nós é que a nossa concepção do que é que
nos faz cristãos é demasiado fraca, demasiado pobre; é a nossa incapa­
cidade de perceber a grandeza do que significa ser cristão. Paulo diz:
“Somos feitura sua” ! É Deus que fez algo, é Deus que está operando;
somos Sua feitura. Não trabalho nosso, mas Seu trabalho. Portanto, digo
de novo, não é a nossa vida virtuosa, não são os nossos esforços todos
e a esperança de por fim sermos cristãos, que nos torna cristãos. M as
perm itam-m e ir mais longe. Não é a nossa decisão, o nosso “decidir-nos
por Cristo”, que nos faz cristãos; isso é obra nossa. A decisão entra nisso,
porém não é a nossa decisão que nos faz cristãos. Paulo afirm aque somos
feitura Sua. E assim vocês vêem quão gravemente o nosso pensam ento
leviano e nosso falar leviano representam mal o cristianismo! Lembro-
-me de um homem muito bom - sim, um bom cristão - cujo modo de
dar testemunho era sempre este: “Eu me decidi por Cristo há trinta anos,
e nunca me arrependi”. Era a sua m aneira de expressá-lo. Não é esse o
modo como Paulo descreve o tornar-se cristão. “Somos feitura sua” !
Essa é a ênfase. Não algo em que tomei parte ativa, não algo que decidi,
mas algo que Deus fez por mim. Aquele homem faria melhor se se
expressasse assim: há trinta anos eu estava morto em ofensas e pecados,
porém Deus começou a fazer algo em mim; tomei consciência de que
Deus estava lidando comigo; senti que Deus me esmagava; senti as mãos
de Deus m e refazendo. E assim que Paulo expressa o fato; não, eu me
decidi, não, eu tive parte ativa na entrada no cristianismo, não, eu decidi
seguir a Cristo, não, absolutamente. Isto tem seu papel, mas depois.
Somos feitura Sua. O cristão é alguém em quem Deus operou. E
vocês podem observar que tipo de trabalho é, segundo Paulo. Não é nada
menos que uma criação. “Criados em Cristo Jesus para as boas obras.”
O apóstolo gostava muito de dizer isso. Ouçam-no dizê-lo aos filipenses:
“Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa
obra a aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo” (1:6). D E U S! Ele começou
um a boa obra em você! E obra de Deus! Ele veio quando você estava
m orto e o vivificou, pôs vida em você. É isso que faz de um hom em um
cristão. Não as suas boas obras, não a sua decisão, mas a determinação
de Deus concernente a você posta em prática.

É aqui que vemos como as nossas idéias, em relação ao que o cristão


é, estão desesperadam ente aquém do ensino bíblico. O cristão é uma
nova criação. Não é apenas um bom homem, ou um homem que
m elhorou um pouco; é um novo homem, “criado em Cristo Jesus” . Ele
foi introduzido em Cristo, e a vida de Cristo penetrou nele. Somos

- 157 -
“participantes da natureza divina” (2 Pedro 1:4). “Participantes da
natureza divina” ! Que é um cristão? Um bom homem, um homem de
boa moral, um homem que crê em certas coisas? Sim, mas infinitamente
mais! Ele é um novo homem, a vida de Deus entrou em sua alma -
“criado em Cristo”, “feitura de Deus” ! Você já tinha compreendido
que é isso que faz de você um cristão ? Não é freqüentar um local de culto.
Não é cumprir certos deveres. Todas estas coisas são excelentes, porém
nunca nos tomam cristãos (podem tornar-nos fariseus!). Quem faz
cristãos é Deus, e Ele o faz da seguinte maneira: Ele criou todas as coisas
do nada no princípio, e Ele vem ao homem e o faz de novo e lhe dá nova
natureza e faz dele um novo homem. O cristão é “um a nova criação”,
nada menos que isso.
Se você está interessado em obras, diz Paulo, vou dizer-lhe qual é
o tipo de obras nas quais Deus está interessado. Não são aquelas
miseráveis obras que você pode fazer como uma criatura por natureza
em pecado. E uma nova classe de obras - “criados em Cristo Jesus para
as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” - as
boas obras de Deus\ Que quer dizer ele? Ele quer dizer que o nosso
problem a é não somente que a nossa idéia do cristianismo é inadequada,
a nossa idéia de boas obras é ainda mais inadequada. Ponham no papel
as boas obras que as pessoas pensam que são bastante boas para fazê-las
cristãs. Juntem -nas e ponham no papel todas aquelas coisas em que elas
estão confiando, Ponham-nas no papel, e depois levem-nas a Deus e
digam: é isso que tenho feito. Q uecoisaridícula!-ém onstruosa. Vejam
o que elas estão fazendo. Essas não são as obras em que Deus está
interessado. Em que consistem as boas obras de Deus? Bem, o Sermão
do M onte e a vida de Jesus Cristo dão a resposta. Não se trata apenas de
um pouco de bondade e moralidade negativas, talvez fazer ocasional­
m ente algum a benevolência e valorizar muito isso. Não, amor desinte­
ressado! “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve
também em Cristo Jesus, que, sendo em form a de Deus, não teve por
usurpação ser igual a Deus, mas se fez sem nenhuma reputação e tomou
sobre si a form a de servo e se fez semelhante aos homens; e, achado na
form a de homem humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte
e m orte de cruz” - dando-Se por outros sem pensar no preço. Essas são
as boas obras de Deus. “Am ar a Deus de todo coração e alma e m ente
e forças, e ao nosso próxim o como a nós mesm os” ! Não apenas lhe
fazendo um a ocasional boa ação, mas amando-o como a si mesmo!
Esquecer-se a si próprio em seu interesse por ele! S ão essas as boas obras
de Deus e foi para essas boas obras que Ele nos criou.

- 158 -
Segundo esta definição, cristão é aquele que foi feito de novo
conform e a imagem e modelo do Filho de Deus. E o que o apóstolo diz
no capítulo quatro destaEpístola, no versículo 24, nestes termos: “E vos
revistais do novo homem que segundo Deus é criado em verdadeira
justiça e santidade” . Não um pouco de bondade, mas santidade verda­
deira, “a santidade da verdade”, e total e absoluta justiça! E já no
capítulo prim eiro Paulo o tinha dito no versículo quatro: “Como
também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos
santos e irrepreensíveis diante dele em amor” . Escrevendo aos rom a­
nos, ele diz: “Os que dantes conheceu também os predestinou para
serem conform es à imagem de seu Filho”\ Que é um cristão? Sim ples­
m ente um bom homem? Alguém que é só um pouco m elhor do que
qualquer outra pessoa? Absolutam ente não! Ele é como Cristo! Con­
forme à imagem do Filho de Deus! Como pode um homem que está
morto em ofensas e pecados ressurgir e chegar a isso? É impossível.
“Pela graça sois salvos” ; “não vem de vós” ; “para que ninguém se
glorie”. Ninguém pode alcançar isto, ninguém pode elevar-se a isto. É
obra de Deus, e só de Deus. O cristão é alguém que se espera seja
semelhante a Cristo. Ele tem dentro de si a vida de Cristo. “Vivo, não
mais eu, mas Cristo vive em mim.” Que é cristianismo? É “Cristo em
vós, a esperança da glória” ; “Feitos segundo a imagem do Filho de
D eus” . Graças a Deus é de graça! Se não fosse de graça, não teríamos
esperança, estaríamos todos arruinados, estaríamos condenados. Toda­
via, desde que é de graça, desde que é obra de Deus, desde que eu sou
feitura de Deus, eu sei que, apesar de mim mesmo, apesar do pecado que
ainda resta em mim, serei aperfeiçoado e me tornarei perfeito. Se isso
fosse deixado conosco, não haveria nenhuma esperança para nós. Quem
somos nós para enfrentar o mundo, a carne e o diabo? M as, graças a
Deus é “pela graça”. Somos feitura Sua. Estamos em Suas mãos - e se
Ele começou boa obra em nós, continuará com essa obra até completá-la.
Se você não se render pronta e voluntariamente, Ele o castigará, tirará as
suas arestas, com o cinzel as aparará para esculpí-lo. Se você está no plano
de Deus, Ele o fará segundo a imagem de Cristo. Ele continuará a Sua boa
obra até remover toda “mácula e ruga e coisa semelhante”, e você estará
na presença de Deus, “santo e irrepreensível” e “com grande alegria”.
Graças a Deus não são as obras; graças a Deus não é a minha fé;
graças a Deus não é nada de que eu possa me gloriar. “Longe esteja de
mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso ien h o r Jesus Cristo, pela
qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gálatas
6:14). “Pela graça, por meio da fé” !

- 159 -
13
FEITURA DE DEUS
“Porque som os feitu ra sua, criados em Cristo Jesus para as
boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas. ”
-E fé s io s 2:10

Temos visto de relance esta grande afirmação quando a tomamos


em seu contexto, com relação aos dois versículos anteriores, os versículos
8 e 9. Estes três versículos juntos, como vimos, são um a declaração
composta, pelo que, antes de chegarmos a este versículo especifica­
mente, foi certo examiná-lo como parte do argumento que o apóstolo
colocou diante de nós nos três versículos juntos. O argumento é que a
nossa salvação é inteiramente de graça; ela resulta da graça de Deus. Não
hájactância; é excluída completamente. Também não devemos gloriar-
-nos da nossa fé, não devemos tornar a nossa fé em “obras” . “Somos
salvos pela graça, por meio da fé.” A fé é o instrumento, o canal, não a
causa determinante. Pois esse é o grande argumento, vocês recordam,
que é tudo pela graça e de graça. O apóstolo o expressa de m aneira
negativa e positiva. E no versículo dez ele expõe o que, de muitas
maneiras, é o seu argumento final. Ele afirma que é inteiramente de
graça; não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém
se glorie, “porque somos feitura sua” - qualquer outro conceito é
impossível, é totalmente inadequado e ridículo. E de fato, diz ele, isto
se pode fixar definitivamente pelo fato de que as boas obras que
devemos realizar como cristãos são obras que já antes foram ordenadas
para que andemos nelas. M esmo as boas obras que praticam os como
cristãos foram de antemão preparadas para que andássemos nelas. Até
aqui, pois, examinamos esta declaração de m aneira geral e, mormente,
negativa.
Contudo, é um a declaração tão profunda e gloriosa que seria um
grande erro deixá-la aqui. Ela faz parte de um argumento, mas também
é um a declaração em si mesma, uma declaração positiva, e uma das mais
importantes e vitais que já pudemos ver. Aqui nos é dada um a das
definições que Paulo faz do que significa ser cristão. E não existe,
suponho, nenhum a declaração mais elevada a respeito deste assunto do
que justam ente esta, que somos feitura de Deus. Essa é a verdade acerca
de nós todos como cristãos, e essa é a verdade acerca da Igreja Cristã.

- 160 -
Cabe a nós aprender a pensar em nós mesmos desse modo; e somente
quando o fizermos é que funcionaremos verdadeiramente como cris­
tãos,
Cada vez mais m e parece que todas as nossas dificuldades provêm
realm ente da nossa incapacidade de compreender a verdade a nosso
respeito e a nossa situação como cristãos. A nossa dificuldade central -
e éum acoisaespantosade se v e r - é anossa incapacidade inicial de obter
o conceito verdadeiro destas questões. Somos em demasia criaturas
presas à tradição. Começamos com idéias erradas - o homem sempre
com eça com um a concepção errada do cristianismo. Persistimos em
pensar nele em termos de bondade, de prática do bem ou algo sem e­
lhante; é extremamente difícil desfazer-nos dessa idéia. No entanto, isso
é algo que fica desesperadam ente aquém do grande conceito
neotestam entário. Estes cristãos do Novo Testamento estão sendo
constantem ente exortados a aperceber-se do privilégio da sua posição.
Em bora não passando de um punhado de gente numa grande sociedade
pagã, sempre lhes é dito que se regozijem, que considerem o seu destino
m aravilhoso; sempre se lhes faz lembrar o que eles são, e lhes é dito que
levantem a cabeça e avancem triunfantemente. Tudo isso é feito, é claro,
à luz do que o Novo Testamento expõe como sendo a verdadeira
doutrina concernente ao cristão.
Essa m atéria pode ser colocada na forma de perguntas. Somos
dominados por um senso de privilégio e por um sentimento de alegria?
Qual é o nosso entendimento do que seja um cristão? Qual é o nosso
conceito da Igreja? Não é verdade que, geralmente falando, sempre nos
inclinam os a pensar nela meramente em termos hum anos? Tem os a
tendência de pensar na Igreja de Deus como um instituição e sociedade
humana, pensam os nela em termos das atividades dos homens e do que
os homens estão fazendo e não estão fazendo, e de comissões e reuniões e
organizações ecoisas parecidas. Indubitavelmente, todas estas coisas fazem
parte dela, e são essenciais, mas não constituem a Igreja. Não é isso que faz
da Igreja a Igreja. E também é exatamente a mesma coisa quanto ao cristão
individual. Estamos confiantes, temos segurança, quando pensamos em nós
mesmos e consideramos a vida cristã com-pleta e tudo o quepertence a essa
vida? Pensamos nela unicamente em termos de nós mesmos e do que
fazemos e pretendemos fazer, ou nos vemos como parte de um grande
processo? Compreendemos que temos o privilégio de ser introduzidos num
grande projeto, num grande plano? Ora, essa é a idéia e a perspectiva que o
apóstolo está colocando diante de nós nesta passagem, de maneira positiva.
Passemos imediatamente, pois, àconsideração dos termos que ele emprega.

- 161 -
A prim eira proposição de Paulo é esta: som osfeitura de Deus. Essa
é a prim eira coisa que temos de compreender acerca de nós mesmos
como cristãos. Negativamente, como já vimos, isso não significa que
nós nos fazem os cristãos p o r nós mesmos. Não somos o que somos
como resultado de algo que nós tenhamos feito. Absolutam ente nada!
- a jactância é excluída. “Não de obras.” “Não de vós.” M as não
param os na negativa, temos que ir adiante e examinar tudo isso positi­
vamente, como estamos fazendo. Somos feitura de Deus. Esse é o
significado da expressão. Somos, por assim dizer, um a coisa da Sua
fabricação. Para mim este é um pensam ento sumamente notável e
emocionante, que somos algo que está sendo feito e modelado por Deus.
Podem os pensar nisto individualmente a nosso respeito como cristãos;
e devemos pensar nisto como uma verdade relativa à Igreja toda.
Permitam-me colocar mais uma vez a questão em forma de perguntas.
Pensamos habitualmente em nós desse modo? E pena, porém não seria
verdade que muitos de nós persistimos de algum modo em pensar em
Deus como sendo Ele inteiramente passivo? A nossa idéia de Deus é que
Ele está no céu, inteiramente passivo e esperando que nos aproximemos
dEle. Pensamos: naturalmente, se eu buscar a Deus, Ele me ouvirá, me
responderá, me abençoará. Mas, dessa maneira, sempre pensam os na
atividade real como sendo da nossa parte. Deus tem um a grande casa do
tesouro, um grande armazém; Ele tem grandiosos presentes para dar,
sim, mas não faz nada a respeito, apenas espera até que nós façamos algo,
e então, quando entramos em ação, Deus responde.
Exam inemo-nos de novo à luz disso. Porventura não temos a
tendência de pensar dessa maneira? Eu me decido por Cristo e, portanto,
estou justificado. Posso ficar nisso anos e anos. Então eu decido que
quero ser santificado, e assim solicito isso também, e Deus me atende.
M as Deus é passivo o tempo todo; é a minha atividade que importa, o
que eu decido, o que eu faço. Tudo isso, naturalmente, é completam ente
contrário ao ensino do apóstolo, que nos lembra, e dá trem enda ênfase
ao fato, que o cristianismo é totalmente resultante da atividade de Deus.
“Somos feitura sua.”
Deus é o artífice. Deus é que age. E assombroso que alguém possa
ter caído no erro específico que acabei de esboçar, porque a B íblia não
é senão o registro da atividade de Deus. Como é possível que alguém
possa ler a Bíblia, começando com as palavras, “No princípio... D eus”,
possa depois pensar que a coisa toda é atividade do hom em ? Em toda
parte é Deus quem age. Ele fez o homem, Ele fez o mundo. O homem
pecou - Deus foi em busca dele. Foi Deus quem chamou Abraão; foi

- 162 -
Deus quem criou os reis; foi Deus quem chamou os profetas; foi Deus
quem deu a lei; foi Deus quem deu as instruções para a construção do
tabem áculo e do templo; e foi Deus quem, na plenitude dos tempos,
enviou Seu Filho. É feitura de Deus, atividade de Deus, do princípio ao
fim. E contudo, até nós, que somos cristãos, somos propensos a esquecer
isso, e muitas vezes somos propensos a pensar em nossa vida cristã, e
no fato de sermos cristãos, em termos de algo que nós fizemos, ou de algo
que nós alcançamos. Mesmo tendo começado damaneiracerta, inclinamo-
-nos a deixar que, com o tempo, a outra idéia se insinue. Insistimos em
pensar que Deus é mais ou menos passivo e simplesmente está pronto
a reagir favoravelm ente ao que fazemos e ao que desejamos. M as o
próprio termo que o apóstolo utiliza aqui deveria impossibilitar esses
pensam entos. Deus é o artífice. Deus é Quem está m odelando a obra.
E um m aravilhoso quadro que representa Deus como um a espécie de
Artesão, um a espécie de Artífice. O quadro nos convida a pensar em
Deus como num a grande oficina, e nos impulsiona a observá-lO dando
form a, m odelando e trazendo à existência alguma coisa.
Pois bem, este é o ensino bíblico característico com relação aDeus.
Vejam a descrição que as Escrituras nos dão de Deus como Oleiro.
Vocês as vêem no Velho Testamento, vocês as vêem no Novo Testa­
mento. Este mesmo apóstolo, escrevendo aos romanos, emprega essa
metáfora. A í está um pouco de barro; o artífice, o oleiro, vem e apanha
essa massa de barro informe, e se põe a trabalhar nele: Ele o faz girar e
vai tirando as arestas e as pontas; ele tem certos tomos de m odelagem,
e o coloca num deles. Ele vai modelando, vai fazendo algum tipo de
vaso; essa é a descrição que nos é dada - o oleiro e o barro, e essa é
precisam ente a idéia do apóstolo aqui, que Deus é o Oleiro, e nós somos
o barro que está sendo formado e modelado. A obra é Sua, não nossa. Ele
é o Oleiro, o Artesão, que está produzindo um a peça de arte.
N a verdade o apóstolo usa outro termo que é ainda mais explícito.
“Somos feitura sua, criados em Cristo Jesus.” Naturalmente isso nos
leva direto de volta à idéia original da criação. “No princípio criou Deus
os céus e a terra.” Que é criação? A idéia mesma, a idéia essencial da
criação, é que algo é feito do nada; não existia, mas foi trazido à
existência. E precisam ente esse o modo como o apóstolo pensa no
cristão. Portanto, devemos dar adeus para sempre a todas as idéias de
melhoram ento, e especialmente de automelhoramento. O fato mais
importante acerca do cristão é que ele é um a nova criação, uma nova
criatura. Deus, o Criador, Deus o Oleiro, Deus o grande Artífice, Deus
o A utor de grandes realizações, Deus o Artesão, trouxe à existência algo

- 163 -
em m inha vida, algo que não estava lá antes - é isso que faz de mim um
cristão. Eu não seria cristão sem isso. Assim é que, naturalmente, falar
em nações cristãs e dizer que alguém é cristão porque pertence à uma
nação cristã é simplesmente um a gritante negação de todo o ensino
bíblico. E ação de Deus, ação específica, um a nova criação. O Deus que
no princípio (como Paulo o expressa em 2 Coríntios 4:6) “disse que das
trevas resplandecesse a luz”, esse mesmo Deus, de igual modo,
“resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento
da glória de Deus, na face de Jesus Cristo” . É isso que significa ser
cristão. Nada menos que isso! Como se pode expressar essa verdade
mais claramente? O que me interessa não é simplesmente que tenhamos
a idéia certa, porém que todos nós venhamos a ver que não existe maior
falsificação do cristianismo do que a idéia de que somos cristãos por
causa de alguma coisa que nós somos, ou de alguma coisa que nós
fazemos. Temos que dar-nos conta de que somos feitura do grande
Artífice, do grande Artesão. Não existe nada mais maravilhoso do que
isto, que eu, assim como sou, sou algo que foi trazido à existência, algo
que foi modelado por Deus, que sou como barro nas mãos do oleiro.
Quando penso em m inha vida cristã neste mundo, devo parar de pensar
nela sim plesm ente em termos do que faço e do que estou fazendo, mas,
antes, devo pensar nela em termos do que Ele está fazendo comigo, que
estou nas mãos do Autor de grandes realizações, do grande Criador, e que
Ele está trabalhando em mim e sobre mim. Essa é a concepção e esse
é o ensino do apóstolo nesta passagem.

Consideremos agora a questão em pouco mais em detalhe, porque,


quanto mais entendermos esta verdade em detalhe, mais admiração e
emoção nos causará. Como Deus realiza esta obra? A prim eira coisa
que devemos ressaltar é que Ele o faz no Senhor Jesus Cristo e p o r meio
dEle: “criados em Cristo Jesus” ! É sempre assim. Já o vimos nos
versículos 4 a 7, onde nos foi dito que fomos vivificados com Ele,
ressuscitados juntam ente com Ele, que Deus nos fez assentar com Ele
nos lugares celestiais. Noutras palavras, Deus nos faz cristãos aplicando
a nós, passando para nós, aquilo que Ele fez por nós em Cristo. Portanto,
é tudo em Cristo. E nEle, em Sua Pessoa. É “da sua plenitude que
recebemos, egraçapor graça” (cf. João 1:16). Recebemos os benefícios
da Sua morte, recebemos os benefícios da Sua vida; recebemos a Sua
própria vida. Todo bem nos vem de Cristo. É assim que Deus o faz. Ele
enviou Seu Filho, e então Ele nos leva ao Seu Filho. Ou, para usar outra
expressão, Ele forma o Senhor Jesus Cristo em nós. E isso que Ele está

- 164 -
fazendo: Ele está formando Cristo em nós. “M eus filhinhos”, diz Paulo
aos gálatas (4:19), “por quem de novo sinto as dores de parto, até que
Cristo seja form ado em vós.” Essa é a idéia neotestam entária do que é
ser cristão. E um a grande concepção mística, um aconcepção vi tal. Neste
ponto nós estamos totalmente fora do domínio das nossas pequenas
obras e decências e moralidades. Cristo está sendo formado em mim!
Como será que Deus faz isso? Vejam por um momento os meios
que Deus emprega para form ar Cristo em nós. Tom em a m inha
ilustração da oficina ou da fábrica. Vocês podem ir a um a loja e ver ali
um artigo já pronto para a venda, uma bela taça, um belo vaso, ou lá o
que seja. Como esse artigo veio a existir? Talvez vocês tenham tido a
feliz ocasião de ser levados a visitar a fábrica. Vocês já foram a um a
fábrica de vidro ou a um lugar semelhante? Lembro-me de haver visitado
um a em Veneza, e lá vimos os homens fazendo realmente as coisas
m aravilhosas que tínhamos visto prontas. Ficamos admirados quando
vimos o comecinho. Bem, é algo parecido que temos que pensar agora.
Como Deus produz este artigo concluído, o cristão? Vão à oficina, e lá
vocês verão exatamente como é feito. É isto que esta Epístola nos diz.
A prim eira coisa da qual nos tornamos cônscios é a obra do
Espírito Santo. Vocês certam ente observaram a notável ordem que se
vê nas Escrituras - Deus o Pai, Deus o Filho, Deus o Espírito Santo. O
Pai planeja a salvação; Ele envia o Filho para efetuá-la; e então Ele e o
Filho enviam o Espírito para que a aplique. Deus age em nós e Deus faz
de nós cristãos, e nos modela segundo a imagem de Cristo, ou form a
Cristo em nós, prim ariam ente pela obra do Espírito Santo. “Não sabeis
que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo?”, diz o apóstolo
escrevendo aos coríntios (1 Coríntios 6:19). O Espírito Santo está em
nós se somos cristãos; não podemos ser cristãos sem termos o Espírito
Santo em nós. E Ele age em nós. Mais adiante consideraremos como
exatam ente Ele o faz. No momento apenas estou lhes apresentando os
meios que Deus emprega. Há esta constante atividade do Espírito Santo
nos cristãos individuais, em grupos de cristãos, na Igreja. O Espírito
Santo está na Igreja, e Ele está agindo e Ele está realizando a obra de
Deus; Deus está agindo por meio dEle.
Depois, o meio subseqüente que devemos m encionar é a Palavra,
as Escrituras. Vocês recordam a grande oração sacerdotal do nosso
Senhor, na qual Ele diz: “Santifica-os na tua verdade, a tua palavra é a
verdade” (VA). Como nascemos de novo? Segundo a Epístola de
Tiago, somos gerados “pela palavra da verdade” (1:18). Pedro diz:
“Sendo de novo gerados, não de sem ente corruptível, m as de

- 165 -
incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sem­
pre” (1 Pedro 1:23). Deus se utiliza da Palavra para dar-nos vida. A
Palavra é pregada e aPalavra se torna vida para nós. Há nela um a semente
de vida, e Deus introduz a vida em nós mediante a introdução daPalavra
em nós. Tem -se a mesm a idéia no capítulo cinco desta Epístola aos
Efésios, onde o apóstolo nos fala sobre “a lavagem da água, pela
palavra” . Quando pensamos neste processo que Deus está levando a
efeito em nós, temos que pensar nesta Palavra. É aí que entra a
im portânciada leitura das Escrituras. Elas são o meio que o próprio Deus
utiliza. Deus poderia realizar esta obra sem utilizar-se de meios, mas
escolheu esta maneira de agir. Por isso Ele deu o Espírito Santo a estes
escritores, para dar-lhes entendimento, para abrir-lhes as mentes para a
verdade, e para habilitá-los a transmitir a verdade. E o Espírito os dirigiu
e os guiou. Tudo visando a este grande fim - Deus, como o Artífice,
produzir cristãos e aperfeiçoar cristãos! Quão trem endam ente im por­
tante é aPalavra!
Não somente isso, porém; também a pregação da Palavra. Vocês
verão no capítulo quatro desta Epístola aos Efésios que Paulo faz esta
colocação: “E deu dons aos homens. E ele mesmo deu uns para
apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para
pastores e m estres”. Para quê? - para o “aperfeiçoamento dos santos,
para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo; até que
todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus,
a varão perfeito, à m edida da estatura completa de Cristo”. Vocês
entendem isso? Vocês vêem o que está acontecendo na fábrica onde
estão sendo feitos os cristãos? Olhem os bancos, olhem os tornos. O que
é que vocês vêem ali? Apóstolos, profetas, pastores, mestres, pregado­
res - todos colocados ali por Deus, e Ele está realizando a Sua grande
obra com eles e por meio deles. Ele está usando todos estes homens para
m odelar cristãos, esta é a idéia neotestam entária do cristianismo! - não
alguém hesitando em seu leito domingo de manhã sobre se vai ou não
a um local de culto: ou se vai ler a Bíblia, ou se vai orar. A obra não é
nossa\ “não vem de vós”. Deus está fazendo isto, e é desta m aneira que
Ele o faz. E Deus quem chama homens para pregarem o evangelho. A
pregação não é uma profissão - que lástima, muitas vezes é como se
fosse, mas então não tem valor. É Deus quem chama homens e quem os
coloca em seus diferentes ofícios. Ele planejou tudo. O projeto é Seu,
o desenho é Seu, e tudo está sendo posto em execução. A pregação e o
ensino, os dons que Deus dá aos homens, e os dons que Deus dá àlgreja,
constituem todos eles parte do processo. Nenhum deles é dado em

- 166 -
atenção aos que os recebem ; são dados simplesmente para que Deus faça
uso deles, a fim de levar avante o Seu grande propósito.
Que mais? Vemos outro elemento posto diante de nós no capítulo
doze da Epístola aos Hebreus. Circunstâncias e disciplina. Qual será
o ensino do capítulo doze de Hebreus? Estes cristãos hebreus estavam
tendendo a murmurar e queixar-se porque estavam passando por prova­
ções, dificuldades e tribulações; e o argumento que lhes é apresentado
é que tudo isso está acontecendo com eles porque eles são filhos. “O
Senhor corrige a quem ama” ! (ARA). O autor faz uso de um a ilustração.
Vej am os nossos pais terrenos, diz ele. Eles nos corrigem ; porém por que
nos corrigem? Porque estão preocupados com o nosso bem-estar, porque
estão preocupados com o nosso desenvolvimento. O bom pai castiga o
filho, não simplesmente para aliviar as suas emoções contidas, mas
porque isso é do mais alto interesse do filho, porque ele ama o filho,
porque ele está pensando no futuro do filho. E o argumento do autor é
que Deus, como nosso Pai, faz exatamente a m esm a coisa conosco. Não
significa que toda vez que algo vai mal conosco necessariamente
estamos sendo castigados por Deus. Estamos vivendo num m undo de
pecado, estamos vivendo num mundo no qual as causas secundárias
operam, e com m uita freqüência as nossas doenças, enfermidades e
provações nos acontecem meramente como resultado de causas secun­
dárias; entretanto há nas Escrituras ensino muito claro e explícito,
segundo o qual Deus castiga os Seus filhos. Ele o faz com a finalidade
de aperfeiçoá-los. Noutras palavras, se não dermos ouvidos ao ensino
das Escrituras, se não o aceitarmos positivamente, se Deus começou a
operar em nós e a formar-nos e a modelar-nos, Ele produzirá o resultado
final mediante este outro método. Este pode incluir correção, castigo -
o uso que o oleiro faz do torno sugere isto, certos ângulos têm que ser
removidos, e é preciso eliminar certas arestas. Deus nos coloca no torno,
por assim dizer. Ou, para usar a mesma ilustração deste capítulo doze de
Hebreus, Ele nos coloca num ginásio, Ele faz que passemos por ditos
exercícios para podermos ser perfeitos. Sua intenção é que nos desen­
volvamos. Na verdade, eu gostaria de remetê-los ao capítulo onze da
Prim eira Epístola aos Coríntios, com referência à Ceia do Senhor, onde
o apóstolo nos ensina muito explicitamente que alguns membros da
igreja de Corinto estavam doentes e fracos simplesmente por causa do
pecado deles e da sua recusa a julgar-se, examinar-se e corrigir-se a si
mesmos. Deus estava lidando com eles por meio das doenças. E o
apóstolo acrescenta: “e (há) muitos que dormem” . Grande mistério,
esse, mas é evidente que o ensino é que alguns podem até morrer, porque

- 167 -
isso faz parte do método de Deus tratar com eles. Não entendemos isso
plenam ente, porém aí está o ensino. E tudo o que me interessa neste
momento é que vejamos que isso faz parte do processo que se segue na
grande fábrica. Se houver resistência desta massa de barro, se houver
alguma dureza, se houver alguma dificuldade, Deus tem o Seu método,
Ele tem a Sua maquinaria, Ele tem a Sua maneira de agir. Ele está
produzindo um artigo perfeito e usa todos estes diversos meios e
métodos. Somos feitura Sua!

Se são esses os meios que Deus usa, qual é a obra propriam ente
d ita i O que é que, concretamente, Ele faz conosco? O que é que Ele faz
em nós? De novo simplesmente destaco certas coisas que são da maior
importância. Uma das primeiras coisas das quais o homem toma
consciência quando Deus começa a agir nele é que ele fica inquieto,
torna-se convicto do seu pecado. Olhe para o passado, para a sua
experiência pessoal, e estou certo de que você verá que essa é a verdade.
Você estava levando a sua vida de certa maneira e seguindo certo rum o.
M ilhares de outras pessoas estavam fazendo a mesm a coisa. Subita­
mente (ou gradativamente, não importa), você tomou consciência de
certa inquietação. De um modo ou de outro, deixou de ser feliz como era.
Questões começaram a surgir em sua mente. Note que não digo que você
se sentou e disse de si para si: “Agora estou começando a pensar” . Nada
disso - surgiram perguntas em sua mente. Não foi assim? Donde elas
vieram? Vieram de Deus. Isso é obra do Espírito Santo - a convicção
de pecado. O homem é detido. Sente que tem deparar, fica inquieto; não
entende o que se passa, fica aborrecido; de fato procura safar-se disso.
Talvez se entregue à bebida, ou mergulhe no trabalho, em qualquer
coisa, para livrar-se dessa inquietação. Mas aí está, algo está aconte­
cendo com ele. Deus está em perseguição do homem. Como diz o poeta:

Do Senhor eu fu gia
nas veredas das noites,
nas veredas dos dias;
D o Senhor eu fu gia
pelos portais dos anos;
Do Senhor eu fugia
nos secretos labirintos
da minha mente.

Mas do glorioso Caçador Celestial não há como fugir.

- 168 -
Vocês sabem do que eu estou falando? Feitura Sua! Convicção de
pecado! Inquietações! Estas curiosas interferências e interrupções, este
senso de que estamos sendo tratados mediante estas coisas. Ninguém
pode ser cristão sem ter algum conhecimento disso tudo. Se, de alguma
form a e em alguma medida, você não entende o sentimento do salmista
no Salmo 139, quando ele brada: “Para onde fugirei da tua presença?” ,
você sim plesm ente não é cristão. O próprio sentimento de resistência
a Deus é um a prova de que Deus está tratando com você e fazendo algo
com você. Essa é sempre a prim eira coisa - inquietação, convicção de
pecado, ser detido, ser contido, ser levado a pensar, perguntas, inquiri­
ções. Todas estas coisas constituem obra de Deus por meio do Espírito
Santo. E como Ele começa quando de início pega essa amorfa m assa de
barro. Ele pega o barro; esse é o primeiro passo. Antes de levá-lo ao
torno, antes de aparar quaisquer porções, antes de começar a alisá-lo e
poli-lo, o prim eiro passo é tão-somente pegá-lo. Deus pegou você? Ou
você continua a cargo de si mesmo? Se você continua a cargo de si
m esmo, manipulando a si próprio e tentando fazer de si próprio alguma
coisa, você não é cristão. A prim eira verdade acerca do cristão é que ele
está ciente de que Deus o agarrou. O Oleiro pegou o barro.
O passo seguinte é um a iluminação da mente para ver a verdade.
Que processo m aravilhoso! Um homem para quem estas expressões não
significavam nada, embora as tenha ouvido a vida toda, de repente
com eça a ver algo nelas. As vezes ele lia a Bíblia, e ficava aborrecido
com ela; agora ele vê que ela é uma Palavra viva, e a deseja ler. Isso é
Deus; Deus no Espírito agindo no homem e abrindo cada vez mais a sua
m ente para a percepção e o entendimento da verdade. É Ele que está
fazendo isso - introduzindo o pensamento; a luz e o poder do Espírito,
Deus abrindo as coisas, a Palavra se abrindo diante de nós; os nossos
olhos, o nosso entendimento, sendo iluminados. E então, por sua vez,
isso leva a um desejo da verdade, e à sede da verdade. “Desejai” , diz
Pedro, “como crianças recém-nascidas, o genuíno leite da palavra...”
(VA). Como você pode desejá-lo, se não nasceu? - se não tem vida
espiritual? M as se você tem vida o desejará, como a criança deseja leite.
E, ainda mais importante, alegrar-se na verdade, regozijar-se na verdade,
ter prazer na verdade. Isto é obra de Deus, é como Deus faz todas estas
coisas.
E, por sua vez, essa verdade leva a isto, que ficam os cientes da
nossa nova natureza, que Deus implantou em nós, o novo princípio de
vida. Apesar de nós mesmos, vemos que temos uma nova perspectiva.
Digo de novo que podemos não gostar disso, porém é um fato. Vejo que

- 169 -
não sou mais o que era. Posso dizer a mim mesmo: quisera Deus eu
nunca tivesse ouvido isso, para que eu pudesse sair com os meus
companheiros como antes! Todavia, não consigo. Eu posso forçar-m e a
ir, mas não m e sinto feliz com eles, vejo que sou diferente. Tenho nova
perspectiva, nova m aneira de ver; tenho novos desejos; e tenho novas
capacidades. Somos feitura Sua! Ele é o Oleiro, e nós somos o barro. E
o que o apóstolo nos ensina aqui.

Permitam -m e dizer uma palavra sobre o propósito. Há, natural­


mente, um propósito definido. “Criados em Cristo Jesus para as boas
obras, as quais Deus de antemão ordenou (ou preparou) para que
andássemos nelas” (VA; cf. ARA). Ora, é coisa extraordinária esta, que
há um propósito para o cristão, e Deus planejou e projetou tudo a
respeito. Qual será? E que nos moldemos à vida do nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo. Devemos viver neste mundo e nesta existência
como Ele viveu. Como eu já disse, cabe-nos viver o Sermão do Monte.
Tem os que pôr em ação a instrução ética destas Epístolas do Novo
Testam ento - “amar uns aos outros”, não ter “torpezas” ou “conver­
sação torpe” em nossas bocas e evitar “parvoíces e chocarrices” ou
“conversas tolas” e “pilhérias” - a grande m oda atual! “Sede pois
imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como
também Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, em oferta
e sacrifício a Deus, em cheiro suave. M as a prostituição, e toda a
im pureza e avareza, nem ainda se nom eie entre vós, como convém a
santos; nem torpezas, nem parvoíces, nem chocarrices, que não convêm,
mas antes ações de graças.” Essa classe de vida! Fomos formados para
isso. Para isso é que somos modelados. Esse é o projeto, essa é a fôrma,
esse é o molde, essa é a imagem. Deus nos está fazendo para isso.
E tudo isso está nesta vida. Vocês gostariam de saber qual é
propósito culm inante? Isto é um processo. Vocês não se tornam
perfeitos num instante. A santificação é um processo, e Deus nos leva
através desse processo pelos meios que j á indiquei .Vocês querem saber
o resultado disso tudo? Bem, este é o fim pinacular, que valerá para nós
na glória, na eternidade, quando a obra realmente estará terminada. O
Senhor deu os apóstolos e os outros ministérios para “o aperfeiçoa­
m ento dos santos, para a obra do ministério...até que todos cheguemos
à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito,
à m edida da estatura completa de Cristo”. Esse vai ser o fim. Eu e vocês,
tão certo como somos cristãos neste momento, estamos avançando com
o fim de chegar “à medida da estatura da plenitude de Cristo” (VA,

- 170 -
ARA). Ouçam a afirmação de Paulo, no capítulo cinco, acerca da Igreja
em geral: “Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela
palavra, para apresentar a si mesmo como igreja gloriosa, sem mácula,
nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível”. Povo
cristão, estamos nesse processo tão certamente como somos cristãos.
Deus nos pegou, Ele nos está modelando, e vai continuar a operar em
nós e conosco até que cheguemos a isto - “sem mácula, nem ruga, nem
coisa semelhante”. Não restará defeito, todo vestígio do mal terá
desaparecido, e seremos inteiramente perfeitos. Esse é o propósito, esse
é o modelo.
A única outra coisa que eu diria é que, à luz desta doutrina, é
absolutamente certo que chegaremos àperfeição. “Aquele que em vós
começou aboa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo” (Filipenses
1:6). Nada que seja de fora de nós poderá impedí-lo j amais; nada que seja
de dentro de nós poderá impedi-lo jam ais. Deus nunca inicia um a obra
para entregá-la meio-completa. Isso é totalmente incompatível com a
Sua m ajestade e a Sua glória. Quando Deus começa, continua. Se Deus
pegou você e começou a modelá-lo conforme a imagem de Cristo, amigo
cristão, tão certo como o sol está brilhando nos céus, Ele dará prossegui­
m ento a essa obra até você atingir “a m edida da estatura da plenitude de
C risto” . Ele dará continuidade a ela até que não haja “mácula, nem ruga,
nem coisa semelhante”, nenhum defeito, e você possa estar diante dEle
perfeito e completo, exultante de alegria. Que doutrina gloriosa! Sim,
mas em certos aspectos, que doutrina terrificante! Se você é cristão e de
algum a form a resiste à vontade de Deus quanto a você, estej a preparado
para o que lhe virá. Esteja preparado para a correção, para o castigo.
Estej a preparado, talvez, paraum tratamento duro e severo - porque Ele
vai aperfeiçoar você. Ele firmou o Seu amor em você, e você está nas
m ãos dEle. Em Sua fábrica não há refugos. A obra de Deus é sempre
perfeita, e é sempre completa. Que bendita base de segurança! - a
despeito dam inha desobediência, da m inha pecaminosidade e dam inha
imperfeição. A m inha única esperança é que estou em Suas mãos, que
Ele é o Oleiro e eu sou o barro, e que eu sei que Ele fará que se cumpra
a Sua perfeita vontade. Se dependesse de mim, ou de qualquer de nós,
de há m uito que a coisa toda seria um completo fracasso. Contudo,
somos feitura Sua!
Concluo deixando com vocês três ou quatro perguntas como testes.
Isso está acontecendo com vocês? Vocês podem dizer que são feitura
de Deus? Vocês têm aquele sentimento subjetivo de que Deus está
tratando com vocês? Vocês têm consciência da Presença e das mãos?

- 171 -

I
Têm consciência de que estão sendo amoldados e modelados? Vocês
concordam com esta doutrina, ou estão em conflito com ela? Esse é um
teste muito bom. Vocês estão desejando o genuíno leite da Palavra como
crianças recém-nascidas? Não obstante, o melhor teste é: vocês estão
desejando a santidade? “Criados em Cristo Jesus para as boas obras,
que Deus de antemão ordenou para que andássemos nelas.” Isto faz
parte do Seu plano. Se vocês não desejam ser santos, não vejo que
tenham direito de pensar que são cristãos. Faz parte do propósito de
Deus que sejamos preparados para as boas obras. Se vocês pensam que,
do plano de salvação, podem apropriar-se somente do perdão, vocês
entenderam completamente mal oplano. Quando Deus olhou para vocês
e os amou e começou a agir em vocês para fazer de cada um de vocês um
cristão, Ele já tinha preparado as obras que vocês deveriam viver e
realizar. Isso de justificação sem santificação não existe. Se não há
nenhum princípio de santificação em vocês, vocês não estão justifica­
dos. Não se iludam, não se deixem conduzir mal. Não há isso de fé sem
obras. “A fé sem as obras é m orta.” A prova da fé são as obras. Não há
valor nenhum numa profissão de fé cristã, se não for acompanhada pelo
desejo de ser semelhante a Cristo, pelo desejo de livrar-se do pecado,
pelo desejo de obter santidade positiva. Segundo este versículo, isto é
essencial. “Somos feitura sua, criados (por Ele) em Cristo Jesus para
boas obras.” Ele nos está fazendo para isso. Deus opera em nós para
conseguir este resultado. Portanto, o teste final quanto a se Deus está
atuando em nós é ver se desejamos ser cada vez mais como Cristo, santo
e puro, separado do mundo e do pecado, famintos e sedentos de justiça,
para que agrademos a Deus que assim começou a agir em nós.

- 172 -
14
OS JUDEUS E OS GENTIOS
“Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios
na carne, e chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam
circuncisão feita pela mão dos homens. ” - Efésios 2:11

Este versículo é o começo de um a declaração que tem continuidade


no versículo doze: “Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados
da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos da promessa, não
tendo esperança, e sem Deus no m undo” . Mas agora chamo a atenção
para o versículo onze somente.
Chegamos aqui a uma nova seção da declaração que o apóstolo
Paulo faz neste capítulo dois desta Epístola. Há um a definida interrup­
ção aqui, e o apóstolo toma um a nova idéia e um novo pensamento. É
importante, pois, que tenhamos claro em nossas mentes o seu argumento
e o que ele pretende fazer.
O grande objetivo da Epístola é explicar e expor o grandioso
propósito de Deus durante a presente era. Vem na form a de sumário no
versículo dez do capítulo primeiro - assim, Deus se propusera “tornar
a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos
tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra” . Esse
é o grande propósito de Deus durante a presente dispensação, o
grandioso propósito de Deus em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Cristo veio a este mundo - falando em termos do Seu supremo objetivo
- a fim de reunir, de colocar de novo sob o Seu comando todas as coisas,
tanto as do céu como as da terra. O apóstolo está interess ado em explicar
e expor isso aos membros da igreja de Efeso e às outras igrejas às quais
esta carta deveria ser enviada. Vimos também que o apóstolo logo passa
a dizer que este propósito de Deus, grandioso e final, j á está sendo posto
em operação, que a própria Igreja é uma ilustração dessa verdade, no
sentido de que os efésios, juntam ente com outros gentios, tinham sido
introduzidos na Igrej a, como os judeus. Tendo dito isso, o apóstolo passa
a dizer a estes efésios que a coisa mais importante para eles era que
tivessem iluminados os olhos do seu entendimento.
P aulo quer que os efésios conheçam p articu larm en te “ a
sobreexcelente grandeza do poder de Deus para com eles” . Portanto
neste segundo capítulo (da Epístola) ele expõe e demonstra para eles

- 173 -
esse grande poder. Ele ilustra para eles o que está querendo dizer. É
admirável, é espantoso, que estes efésios, estes gentios, sejam membros
da Igreja Cristã, lado a lado com os judeus. E só existe uma coisa que
tornou isso possível, esta sobreexcelente grandeza do poder de Deus. É
o mesmo poder que Deus manifestou ressuscitando o Senhor Jesus
Cristo dentre os mortos.

Como isso é demonstrado? Desta maneira: havia dois obstáculos


principais entre estes e sua vinda para Deus, a fim de serem cristãos e
membros da Igreja. O prim eiro obstáculo era o seu estado e condição
em pecado. O apóstolo trata disso nos dez primeiros versículos deste
capítulo. Já estivemos tratando disso, não o olvidemos. Ele os faz
lembrar-se do que eles eram. Mas agora são cristãos. Que foi que os
mudou, que foi que os trouxe daquilo para isto? Há só um a resposta: é
o poder de Deus - nada menos que isso. Lá estava aquele terrível
obstáculo - e continua sendo o grande obstáculo entre todos os homens
e Deus - a m orte do pecado. Nada, senão o poder de Deus, poderia ter
lidado com tal situação.
No entanto, havia um segundo obstáculo, mais um a coisa que se
interpunha entre estes gentios e a qualidade de membros da Igreja de
Cristo e o conhecimento de Deus. Que seria? Era a sua posição, ou o
seu “status”, na economia de Deus, e especialmente em termos da sua
relação com a lei de Deus. É a esse assunto que o apóstolo se dedica neste
versículo onze, continuando até o versículo doze do capítulo três.
A í está, obviamente, outra questão vitalmente importante. Como
esse prim eiro obstáculo ainda opera, assim também este segundo
obstáculo continua operando. Portanto, não estamos empenhados num
estudo acadêmico, puramente objetivo, de algo que era real há dois mil
anos. É real hoje como então. As Escrituras são sempre relevantes e
contem porâneas, elas falam de nós e de todos os demais. D aí então, é
de vital interesse que entendamos o ensino do apóstolo neste ponto.
Proponho-me a tratar disso apenas de m aneira geral no momento,
pois quero fazer uma introdução geral da seção toda. O apóstolo está
desejoso de que estes efésios captem e apreendam verdadeiramente
quão trem enda coisa era eles se tom arem cristãos e serem membros da
Igreja Cristã. O segundo meio de que se utilizou para conseguir que eles
enxergassem isso é o seguinte: “... lem brai-vos”, diz ele, “de que vós
noutro tem po” - e em seguida vem a descrição. E assim que ele a
introduz. Será somente quando eles se lembrarem disso, e somente
quando se derem conta de qual é a verdade a seu respeito, que eles

- 174 -
poderão realmente começar a entender a grandeza do poder de Deus.
Vocês jam ais poderão aperceber-se da grandiosidade do poder de Deus,
enquanto não se aperceberem da grandiosidade dos obstáculos que
aquele poder venceu. Há muitos hoje que não vêem nada na salvação
cristã, que não ficam admirados face a ela, e que pensam que, provavel­
mente, Paulo era um psicopata, porque ele entrava em êxtase quando
contem plava as glórias da salvação. Eles não vêem nada disso; para eles
não há no cristianismo nada que cause admiração, que cause espanto. Por
quê? Porque nunca se deram conta do problema, porque ignoram o
pecado e nada sabem da ira de Deus. Não se dão conta da natureza destes
obstáculos e dificuldades. O apóstolo tinha consciência disso; e ele quer
que os efésios também a tenham. O seu método para essa finalidade é
lem brá-los do que eles eram e fazê-los ver como Deus venceu este
segundo obstáculo. Isto, num sentido, é tão esplêndido e maravilhoso
como o modo pelo qual Ele venceu o primeiro.
Qual é o segundo obstáculo? Perm itam -m e expressá-lo assim:
naqueles tempos antigos o mundo estava dividido em dois principais
grupos, judeus e gentios. A divisão parecia absoluta, e qualquer
conversa sobre reconciliação parecia descomunal e impossível. Judeu
e gentio! Os judeus e os “cães” ! Mas, por outro lado, os gentios tinham
a sua classificação, particularm ente os gregos. Para eles o mundo todo
estava dividido em gregos e bárbaros - o povo inteligente, os filósofos,
os gregos, de um lado; os ignorantes, os iletrados, os bárbaros de outro.
Essa era a situação, e parecia completam ente impossível que estes dois
segmentos, estes segmentos em conflito e que se desprezavam um ao
outro tão fortemente, se juntassem e se reconciliassem, muito menos
que fossem vistos ajoelhar-se juntos, cultuando e adorando o mesmo
Deus e o mesmo Senhor. Todavia aconteceu, diz Paulo. O espantoso é
que isso é verdade. Estes efésios foram introduzidos e igualmente são
mem bros da Igreja. Este é o fato espantoso que nada m enos que “a
sobreexcelente grandeza do poder de Deus” poderia fazer acontecer.
Pois bem, essa é a mensagem. A maneira pela qual o apóstolo a
expressa é extremamente interessante. Vejam o versículo onze, que
estamos considerando. E onde ele introduz o assunto. Vocês notaram o
m odo como ele o faz? Pessoas há que com freqüência acham este
versículo difícil, e o é até que se veja exatamente o que ele significa. Na
prim eira leitura parece impossível. Vejam-no de novo: “Portanto, (vós
efésios), lem brai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne”
- e então esta longa declaração, “e chamados incircuncisão pelos que
na carne se chamam circuncisão feita pela mão dos hom ens” .

- 175 -
Significa isto: Paulo começa fazendo-os lembrar-se de que de fato
eles eram “gentios na carne”. Era um simples fato da história, um fato
literal, sólido, que como gentios eles não tinham sido circuncidados.
Portanto, eram “gentios na carne” . “Na carne” aqui não é um contraste
com “no espírito”, porque, se fosse, o apóstolo pareceria estar dizendo:
é verdade que vocês eram gentios na carne, porém, naturalm ente, no
espírito vocês estavam bem. Não é nada disso que ele quer dizer. Eis o
que ele quer dizer: é um duro fato de que vocês eram gentios na carne;
não tinham a marca, o sinal, o símbolo de serem judeus - vocês não
tinham sido circuncidados. Mas ele não abandona o ponto aí. Poderia
fazê-lo, entretanto sai numa espécie de digressão que term ina no fim do
versículo, e depois volta ao ponto de origem, no princípio do versículo
12. M as a digressão vem carregada de interesse. “Portanto, lembrai-vos
de que vós noutro tempo éreis gentios na carne” , éreis chamados
incircuncisão pelos que a si mesmos se intitulavam ou se chamavam
circuncisão, circuncisão na carne, feitapelas mãos. A dificuldade era que
os judeus se haviam agarrado a isso, que era realmente um fato, e o
tinham transformado num problema. Visto que tinham entendido mal
oensino das suas próprias Escrituras, passaram apensarqueaúnicacoisa
que realmente importava era o sinal na carne. Estavam considerando
isso de m aneira material, carnal, e para eles nada importava, senão a
circuncisão qua * circuncisão. Para eles isso era tudo, era da m áxima
importância, e nada mais importava. Eles tinham entendido errada­
mente o propósito todo, até mesmo a circuncisão propriamente dita; com
isso criaram esta grande barreira, este grande obstáculo no mundo antigo.
O apóstolo faz a sua colocação com estas palavras: vocês eram gentios
na carne. Sim, e por aquelas pessoas que se diziam A Circuncisão vocês
eram apelidados e descritos como A Incircuncisão. Os que falam
somente em termos da carne e daquilo que é feito pelas m ãos dos
hom ens, pensando unicamente nesse nível, põem-se à parte e dizem:
“Nós somos A Circuncisão, e aqueles outros são A Incircuncisão".
Este é um ponto muito importante que vocês devem observar
quando lêem as Epístolas do Novo Testamento. Vejam, por exemplo,
o que Paulo escreve aos filipenses (3:3): “A circuncisão somos nós” -
nós, os cristãos! - “que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos
em Jesus Cristo, e não confiamos na carne” . E exatamente o mesmo
ponto. Noutras palavras, para termos um verdadeiro entendimento

%
Porque, como. Em latim no original. Nota do tradutor.

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destas Epístolas paulinas, temos que entender o ponto que ele está
defendendo neste versículo. Não somente era um fato e um a verdade
que os gentios não tinham sido circuncidados; desafortunadamente, os
judeus tinham exagerado esse fato, e tinham feito daquilo um a parede
de separação que parecia completamente irremovível.
Pois bem, essa pequena exposição é vital para ter-se entendimento
de tudo o que temos para dizer. Havia dois aspectos deste segundo
obstáculo que Deus tinha que vencer antes de os efésios poderem tornar-
-se cristãos. Primeiramente havia a atitude dos judeus para com os
gentios. E depois, em segundo lugar, havia a atitude de Deus para com
os gentios. A atitude de Deus tinha que manifestar-se porque, afinal de
contas, eles não tinham sido circuncidados, não eram da semente de
Abraão. Mas, antes de passarmos aisso, temos que examinar esta atitude
judaica, esta “circuncisão e incircuncisão” , esta divisão. Há, creio eu,
um elemento próxim o do sarcasmo na m aneira pela qual o apóstolo se
expressa - “éreis...chamados incircuncisão pelos que na carne se
chamam (ou se intitulam) circuncisão feita pela mão dos hom ens” .
Vocês podem observar a ênfase que ele dá. O grande ponto que ele
defende é que Deus venceu este obstáculo duplo. Ambas estas dificul­
dades foram sobrepujadas por Cristo e pelo que Ele fez. A atitude do
judeu para com o gentio foi corrigida, se o judeu se tornou cristão; e a
atitude de Deus para com eles também mudou. Assim, toda a questão
da lei foi solucionada por nosso Senhor e Salvador. Esse é o argumento
real e concreto do apóstolo.
Permitam-me agora mostrar-lhes a relevância disso tudo hoje,
porque continua sendo verdadeiro. Estamos vivendo numa era e num
tempo em que há muito pensamento e muita concentração precisam ente
sobre este problema. O mundo está cheio de divisões e conflitos. Todos
nós sabemos destes fatos; vemo-los entre nações - a tensão entre os
Estados Árabes e Israel, entre o Oriente e o Ocidente, e todas as diversas
subdivisões e ramificações. Divisões! - a Cortina de Ferro*, a Cortina
de Bambu, e assim por diante! Contudo, essa verdade não diz respeito
somente à esfera das nações e das relações internacionais; aplica-se
igualm ente ao que ocorre dentro das nações: classes, grupos e várias
outras divisões. O mundo, em certo sentido, está repleto desta coisa toda.
Assim como o mundo antigo estava dividido da m aneira que vimos,
assim também o mundo moderno está dividido desses vários modos. E
*Esta obra, no original inglês, foi publicada em 1972 (I aedição). Nola do tradutor.

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acontece a m esm a coisa com a Igreja Cristã: seitas, denominações,
grupos e divisões, e barreiras. Que pena! E tudo isso está ocupando muito
pensam ento e muita atenção no presente. Fala-se disso interminavel-
mente, escreve-se interminavelmente sobre isso. Todo mundo está
preocupado em conseguir entendimento, em obter unidade, e em tratar
desse problem a nestas diversas esferas. E, todavia, não pareceria que
grande parte dessa conversa, desses escritos e dessas atividades é
completam ente vã e inútil? Parece não levar a nada; e a questão é: por
quê? A resposta está no que Paulo ensina nesta passagem; pois a sua
afirmação aqui, como em toda a sua Epístola, é que a única unidade digna
de que dela se fale só é possível sob certas condições. A Igrej a Primitiva,
que consistia de judeus e gentios, foi a demonstração da verdadeira
unidade. Eles foram aproximados e reunidos, dirigiam-se juntos em
oração ao mesmo Pai graças ao Espírito, estavam na mesma Igrej a, eram
concidadãos, na verdade eram membros da mesm a família. Esse é o
único caminho, e todo e qualquer outro caminho que se tente não levará
a nada. Para mim, um a das maiores tragédias da hora presente, especi­
almente na esfera da Igreja, é que a m aior parte do tempo parece que é
tomada pelos líderes para apregação sobre unidade, em vez de pregarem
o evangelho, o qual, unicamente, pode produzir unidade. O tempo é
gasto com falas e conferências, interminavelmente - conferências nas
quais eles “averíguam as suas dificludades”. Jamais se conseguirá
unidade dessa maneira. Unicamente o evangelho produzirá unidade. E
enquanto houver desacordo sobre o evangelho, será desperdício de
fôlego e de energia falar sobre qualquer outro caminho para a unidade.
Essa é a m ensagem desta seção, como eu a vejo; e não se aplica somente
à Igreja, mas também se aplica ao mundo de fora.

Qual é o ensino, então? Permitam-me resumi-lo da seguinte


maneira: o apóstolo queria fazer-nos ver que existem duas questões
principais que terão que ser consideradas antes de haver alguma espe­
rança de unidade e de solução dos problemas e dificuldades. Quais são?
A prim eira é que temos de compreender a causa da dificuldade.
É preciso afirmar isso constante e interminavelmente nos dias atuais!
M uito do que debalde se fala e se escreve sobre unidade e entendimento
hoje deve-se inteiramente a uma só coisa, a saber, que os que o fazem
nunca encararam acausada dificuldade. Épreciso ter o diagnóstico antes
de fazer o tratamento. Quem se apressa a fazer tratamento sem saber com
segurança qual é o diagnóstico, simplesmente não sabe o que faz.
Positivam ente está se arriscando. M edicar os sintomas ignorando a

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doença, a causa em suas raízes, é pura loucura. É porque as pessoas
sim plesm ente não reconhecem a causa como esta passagem a ensina,
que todas as suas tentativas são comprovadamente inúteis.
Aqui o apóstolo fala sobre a causa, sobre a moléstia. Vejam este
caso dos judeus, como ele o coloca no versículo onze. Podemos
expressá-lo da seguinte forma, como um postulado: a divisão do mundo
antigo era devida a um a só coisa, e essa era que as diferenças tinham-
s e tornado barreiras, as diferenças tinham-se tornado um a “parede de
separação que estava no m eio” . As diferenças existem, e menosprezá-
-las é tolice. As diferenças são fatos. E mesmo quando se tem verdadeira
unidade, perm anecem as diferenças. Todavia a tragédia é que os homens
exageram as diferenças e as transformam em barreiras, em obstáculos,
em “cortinas”, em paredes de separação no meio. Era exatam ente o que
aqueles judeus estiveram fazendo. A ordenação de Deus era que
houvesse judeus e gentios. Deus é que tinha formado a nação dos judeus.
H avia um a real diferença. Os judeus eram circuncisos, os outros não.
M as isso não era para ser um a barreira. Deus não criou um a nação para
não se importar com as outras; Ele criou a nação dos judeus para falar
por meio deles ao mundo inteiro. Entretanto o judeu o tinha entendido
erroneamente. Ele transformara essa diferença numa barreira, m anti­
nha-se separado e desprezava os dem ais. A C ircuncisão - A
Incircuncisão!
Como isto se desenvolve e a que leva? Segundo o apóstolo, parece
que o faz da seguinte maneira: primeiramente leva ao orgulho. É
certamente um fato que o problema em foco é causado pelo orgulho, pelo
ego. Esta é a causa fundamental de toda divisão, de toda barreira, de todo
obstáculo. Essa é a causa de todas as barreiras de separação que se
interpõem. E acausa basilar de tudo quanto divide as pessoas. O orgulho
e o e g o ! O orgulho cega, o orgulho é um espírito poderoso que nos dirige,
nos subjuga e nos domina. Sob a influência do orgulho a pessoa não
pensa direito, toma-se preconceituosa. Não é capaz de ver coisa alguma
como verdadeiramente é. O preconceito é um a das maiores m aldições
da vida, e geralmente tem a sua base e as suas raízes no orgulho. Tem
o poder de cegar completam ente a gente. Como funciona? Prim eira­
mente impede-nos de ver os dois lados de um a questão. Para quem é
governado pelo preconceito, não existe um segundo lado, há somente
um, não há outro. Ele está completamente cego. Ora, essa era a atitude
do judeu: “A Circuncisão”, “A Incircuncisão” ! Ele não admitia os
gentios, ele voltava as costaspara eles. Não seria essa a essência de todas
as contendas?

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Depois, outro modo de funcionar do preconceito é este: sempre nos
leva a ter um fa lso conceito de nós mesmos. O preconceito, e o orgulho
que leva ao preconceito, não somente impedem a pessoa de ver que há
outro lado; também produzem nela um conceito próprio inteiramente
falso. Dessa maneira, o preconceito sempre exagera o que há de verdade
a seu respeito. Era um a ordenança de Deus que o judeu fosse circunci-
dado, porém o judeu exagerava isso ao ponto de dizer que só haviaum a
verdadeiranação na terra, anação judaica. Os outros povos eram “cães”.
Ele exagerava o que era verdade a seu respeito. Ele pensava que
sim plesm ente porque era judeu, necessariamente estava em boas rela­
ções com Deus, e não precisava de mais nada. Por isso os judeus
crucificaram o Filho de Deus, porque Ele lhes mostrou que isso não era
verdade.
Outra coisa que o preconceito faz é tomar-nos incapazes de ver e
perceber que o que quer que sejamos, e o que quer que tenhamos, não
se devem a nós, mas fo i Deus quem nos deu. Os judeus tinham
esquecido completam ente que a circuncisão era um dom de Deus.
“Somos descendência de Abraão, e nunca servimos a ninguém ” (João
8:33), disseram os judeus a Cristo certa ocasião. Pobres tolos cegos!
Como se pudessem responder por si! Todos nós tendem os a fazer a
m esm a coisa. Vejam como os homens se gabam da sua capacidade. Que
direito tem o homem de gabar-se da sua capacidade? Foi ele que a
produziu? Foi ele que a gerou? Não, ele nasceu com ela, foi-lhe dadapor
Deus. Todos estes dons nos são dados por Deus. Um homem se orgulha
da sua aparência. Ele é responsável por tê-la? Ele a produziu? Não
obstante, é isso que o orgulho faz, como vocês vêem. Exagera o que
temos, e afirma que nós o produzimos. E não se apercebe, com
humildade, de que é tudo dado por Deus e vem das Suas generosas mãos.
São estas as sementes da desunião, da guerra e do derramam ento de
sangue.
Ademais, o preconceito faz que tenhamos um fa lso conceito dos
outros. Visto que nos faz exagerar o que temos, faz-nos também
diminuir o que eles têm. Vocês o reconhecem atuando em sua própria
vida, não reconhecem? Como sempre aumentamos o que é do nosso lado
e tiramos do outro! Relutamos em reconhecera bondade quando ela está
nos outros: não queremos reconhecê-la. E porque não queremos, não a
reconhecem os. De fato, subtraímos, tiramos até não deixar nada. O
judeu estava convencido de que não havia nada de valor nos gentios; nem
lhes pareciam humanos; eram “cães” . Exatamente da m esm a m aneira
o grego, com a sua cultura, considerava os outros como bárbaros,

- 180 -
iletrados. O preconceito não se limita a diminuir e a subtrair os valores
alheios, mas tam bém passa a desprezar os outros. Pensem nas “castas
inferiores e fora da lei”, de Kipling, em expressões com o “não
britânico”, “forasteiros”, “Herrenvolk” v “nativos” . A í vocês têm a
fonte de muitas contendas e dificuldades. É porque essam entalidade foi
tão propensa e predom inar no século passado que o m undo se defronta
com tantos problem as hoje, e particularm ente este nosso país, talvez.
M as é a mesm a coisa com os indivíduos. É o que se dá com todos os que
se deixam governar pelo orgulho e pelo ego. É como se desenvolve e
funciona - exagero do que nos é lisonjeiro, diminuição e desprezo dos
outros. “Chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam (se
intitulam) circuncisão feita pela mão dos hom ens” ! Não admira que
Paulo tenha sido um tanto sarcástico. Ele queria ridicularizar a coisa, e
assim a retratou dessa maneira, para que todos vissem como é horrível
e torpe.

Ora, existe uma segunda grande causa de divisão, a saber, um


errôneo juízo de valores. Tendo já feito referência a isto em princípio,
perm itam -m e agora dar-lhes os detalhes. Toda a tragédia do judeu,
naquele tempo, foi que ele omitiu o ponto essencial. Faltou-lhe um real
juízo de valores. Ele achava que o que importava era a circuncisão. O que
Paulo e outros tinham para ensinar-lhes era que o que im porta é a
circuncisão do espírito; que a pessoa pode ser circuncidada na carne e,
ao m esm o tempo, estar condenada e perdida; que o homem que está em
boas relações com Deus é o que foi circuncidado no espírito; e que isso
é tão possível para o gentio como para o judeu. Mas o judeu tinha parado
na carne; seu senso de valores estava errado, ele tinha interpretado mal
a circuncisão. A circuncisão era meramente um sinal externo de um
estado interno, espiritual. Era o que a circuncisão fora destinada a ser,
porém , o judeu tinha ficado cego para isso.
Notem as duas coisas que Paulo acentua: “na carne”, e “feita pela
m ão dos hom ens”. “Incircuncisão pelos que na carne se chamam
circuncisão feita pela mão dos hom ens.” Com a expressão “a carne”
aqui, ele se refere à ênfase dada às aparências, às exterioridades e
àquilo que é puram ente físico. Nacionalidade! E puram ente da carne. É
um cabal acidente nascer num a nação, e não noutra. Certamente é um
fato a existência de diferentes nações e nacionalidades; mas nós nos

Povo ou nação superior. Em alemão no original. Nota do tradutor.

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inclinamos a fazer exatamente o que os judeus fizeram, transformamos
estas coisas em barreiras. Porque sucedeu que eu nasci em determinada
nação, essa é a nação. Outro homem diz exatamente a m esm a coisa
acerca da sua nação. Isso é tomar uma coisa que é legítim a na carne,
entretanto exagerá-la até se tornar algo tremendo. Nacionalidade! As
pessoas lutam por isso, dão a vida por isso, matam outras pessoas por
isso. Nacionalidade! Nascimento! Família! Sangue! Como exageramos
e inflamos estas coisas! Como desprezamos outras pessoas! Como estas
coisas criam barreiras! O povo atribui mais significação à simples
linhagem dos homens do que ao seu espírito, à sua alma, ao seu caráter,
ao seu entendimento. Aquelas coisas são barreiras literais na vida;
muitos são postos no ostracismo por esses motivos. A cor da pele! Pura
questão da carne, mas é o tipo de coisa que leva àquela horrível frase
- “castas inferiores e fora da lei” . Que lástima! A alma, a mente, o
espírito, não são levados em consideração. A avaliação é puram ente em
term os da carne. Capacidade, dinheiro, escola e instrução, posição na
vida - são as coisas que têm causado divisões, disputas, m iséria e
infelicidade no mundo atual, e todas elas pertencem à carne.
Desafortunadamente, quando se chega aos domínios da religião,
vê-se a m esm a coisa. Nada causa tanta divisão como a concentração em
meras exterioridad.es da religião. Os que mais perseguiram o nosso
Senhor e que finalmente foram responsáveis por Sua morte foram os
saduceus e os fariseus. Por quê? Porque só estavam interessados nas
exterioridades, nas formas, nas cerimônias e nos rituais, ignorando
completam ente o espírito. E ainda continua sendo assim. Concentração
nas formas, em belos cultos, liturgias, cerimônias, vestes e coisas desse
tipo relacionadas com o culto de Deus estão dividindo as pessoas. E
sim plesm ente a velha prática dos judeus repetida na sua form a moderna;
o que pertence à carne é agarrado até vir a ser um a barreira.
Vejam, porém, por um momento a outra frase. Não somente “a
carne” , mas também “feita pela mão dos hom ens”, diz Paulo, isto é,
puram ente humana. Quais são as coisas que estão causando divisão na
Igreja hoje? Por que não nos sentamos todos juntos à m esa da com u­
nhão? Ah, diz um, você não pode vir à m esa e comer do pão e beber do
vinho se não foi confirmado, se certas mãos não foram impostas sobre
a sua cabeça. “Feita pela mão dos hom ens”, vocês vêem! Não importa
se a pessoa nasceu de novo e tem em si o Espírito de Deus e se está
vivendo como um santo a vida cristã. Não participará porque ela não foi

- 182 -
confirmada.* Que valor há em falar em unidade e em re-união, que vale
ter grandes conferências e dar-lhes grande publicidade, se os próprios
líderes de tais conferências ainda agem em termos dessas barreiras? É
irreal, quase chego a dizer que é desonesto. M as outros dizem: você não
virá à mesa se não foi batizado de um modo particular. É o modo como
você foi batizado que importa, e você é excluído da m esa do Senhor
sim plesm ente por causa da quantidade de água com a qual foi batizado.
“Feita pela mão dos hom ens” ! E há outros círculos que não o admitirão
à participação do pão e do vinho por causa de detalhes e minúcias
semelhantes. É uma repetição da m aneira de ver dos escribas, dos
fariseus, dos saduceus e dos doutores da lei. Estas coisas pertencem
m eramente à periferia. Estamos dispostos a conceder que haja diferen­
ças de opinião sobre estas questões, porém elas jam ais deveriam chegar
ao centro, jam ais deveriam tornar-se barreiras, jam ais deveriam inter­
por-se como paredes de separação. Nunca se recuse a vir à m esa do
Senhor com outra pessoa por nenhuma dessas razões.
Vocês verão tradições similares também em questões de governo
e ordem da Igreja. Há os que são muito mais leais à tradição de sua
denominação particular do que ao Senhor Jesus Cristo. É geralmente por
acidente que eles pertencem à denominação, é simplesmente porque os
seus pais pertenciam a ela, e porque foram criados nela; mas lutam por
ela, brigam por causa dela. Isso vem a ser a coisa importante e vital. De
algum modo, Cristo e a Sua verdade são inteiramente esquecidos e não
são mencionados. “Feita pela mão dos hom ens” , tradições humanas,
lealdade a form as, tradicionalismo! São estas as coisas que levam a
separações e desuniões.

São estas, pois, as causas. Qual a cura? O apóstolo a expõe


claram ente aqui. Unicamente Cristo pode curar, e a razão disso é que é
necessáriaum am udançadocoração. Não basta apenas apelar para aboa
vontade, para a bondade, para o amigável e para a fraternidade. Simples­
mente não funciona, e não funcionará; de fato nunca funcionou. Tampouco
é suficiente apenas apelar em geral para que os homens e as mulheres
apliquem o ensino de Cristo. Esse é o apelo popular hoje. Venham,
dizem eles, vamos tomar e aplicar os ensinamentos de Cristo. Alguns
pensam que, se você fizesse isso, se este país fizesse isso, de algum
modo até a guerra seria banida e não haveria mais problema. A resposta
Certamente isto se aplica à profissão de fé feita por adultos batizados na
infância, como também ao batismo de adultos. Nota do tradutor.

- 183 -
a isso é, de novo, que não é verdade, simplesmente não é fato. Já foi
tentado. Foi tentado nas escolas onde não acreditam mais na disciplina.
Foi tentado nas prisões, onde também ninguém mais crê realmente na
disciplina. E vocês vêem os resultados, vocês vêem o aumento da
barbárie e do destemor de D eus. Mais importante que isso, porém, é algo
que vai contra as Escrituras, não é bíblico, não é ensino de Deus, ensino
que mostra que, enquanto o homem não vier estar “sob a graça”, terá
que ser m antido “sob a lei” . A natureza humana é má e sempre se
expressará, pelo que você tem de refreá-la, você tem que dominá-la.
Quando há feras selvagens em volta de você, você tem que estar
preparado para enfrentá-las. A idéia de que, se você for falar suavemente
com pessoas que têm a m entalidade de Hitler elas lhes darão ouvidos e
deixarão de ser agressivas, é quase patética e fátua demais, nem
m erecendo consideração.
Não, há somente um método, o método de Cristo. Ele nos diz a
verdade sobre nós. Ele faz que nos encaremos a nós m esm os. Face a face
com Ele, vejo a minha total inutilidade, a minha indignidade, a minha
miséria. Quando contemplo a face de Cristo, vejo que não tenho nada
do que me gabar. Esqueço tudo o que tenho exagerado, todas as coisas
em que tenho confiado. Aqui não sou nada, sou um mendigo. Cristo faz-
-rae ver a verdade sobre mim. Você jam ais conseguirá unidade entre os
homens, enquanto eles não virem a verdade acerca deles próprios. Ele
faz-m e ver também que a mesma coisa vale realmente para todos os
outros; que vale para aquela outra pessoa de quem não gosto, e vale para
a outra nação; que somos todos iguais, que somos um no pecado, um no
fracasso; que estamos todos debaixo da ira de Deus; que as coisas cuja
im portância nós temos exagerado são trivialidades. “Não há um justo,
nem um sequer” ; somos todos réus condenados diante de um Deus
santo. Ele a todos nos humilha até ao pó. Ele já demoliu a m aior parte
das diferenças.
Depois Ele nos mostra que todos nós necessitamos da mesma graça,
da mesm a misericórdia, do mesmo amor, E juntos recebemos estas
bênçãos e todos juntos as compartilhamos. Prestamos culto à m esm a
Pessoa e nos regozijamos na mesma salvação. Tendo compreendido isso
tudo, daí em diante a m inha lealdade não é a mim, e sim a Ele; e a do
outro hom em não é a si, mas a Ele. Assim nos esquecemos um do outro
e não mais somos desconfiados, invejosos e contenciosos; vamos juntos
a Ele, e juntos entoamos o Seu louvor.
Esse é o método segundo o qual Cristo o faz. Não é a aplicação do
espírito de Cristo feita pelo homem. E a colocação do Espírito de Cristo

- 184 -
dentro do homem. O homem não regenerado é incapaz de aplicar o
princípio e o espírito de Cristo; ele nem quer fazê-lo. Um homem pode
persuadir-se por algum tempo de que deseja fazê-lo, porém, outros não
querem, e então vêm divisões, distinções e guerras. Há um a única
esperança - que homens e mulheres nasçam de novo, que sejam
reconciliados pelo sangue de Cristo, que Deus os perdoe, que Deus lhes
dê nova natureza e novo coração, e implante neles um novo Espírito. E
ao compartirem este Espírito, eles Lhe prestarão culto e O louvarão e se
gloriarão nEle; agora eles já não se gloriam em si mesmos, nem em suas
nações, nem em coisa alguma, a não ser no fato de que o Senhor Jesus
Cristo foi crucificado por eles, e que por Ele eles foram crucificados para
o mundo e o m undo foi crucificado para eles.
Esta é a única base da unidade. Não a organização, nem nenhum a
outra coisa, mas a humildade do novo homem em Cristo, a vida
dom inada por Cristo, a vida centralizada em Cristo. Eis o que derruba
todas as paredes interpostas: “de ambos os povos fez um ” em Cristo.
Queira Deus abrir os nossos olhos para isto em todas as nossas relações
pessoais. Queira Deus abrir os olhos da Igreja para isto. Que o mundo
veja que só há um a esperança de paz verdadeira, vir reunir-se aos pés do
Príncipe da paz, o Rei da justiça.

- 185 -
15
SEM CRISTO
“Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comu­
nidade de Israel, e estranhos aos concertos da promessa, não tendo
esperança, e sem Deus no m undo.” - Efésios 2:12

Passamos agora, neste versículo doze, a ver e estudar em detalhe


o segundo aspecto deste problema, a saber, como foi possível que estes
efésios, que eram gentios, incircuncisos - como foi possível que eles
fossem introduzidos na Igreja Cristã e unidos aos cristãos judeus para
form arem um novo corpo, a Igreja Cristã? Essa é a questão da qual o
apóstolo trata aqui. A distinção entrejudeu e gentio era deveras real. Não
devemos menosprezá-la, nem diminuí-la, nem tratá-la como algo de
somenos importância. Afinal de contas, foi Deus mesmo que introduziu
o sinal da circuncisão. Foi Deus que mandou Abraão circuncidar-se e
circuncidar os seus filhos, e que isso fosse feito perpetuam ente. P or­
tanto, não devemos subestimar essa distinção entre judeus e gentios.
M as, embora reconheçam os a distinção, devemos ter claro entendi­
m ento do que ela significa e o que representa. Foi nesse ponto que os
judeus se extraviaram. Para eles o sinal externo, sozinho, significava
tudo. Era algo na carne, era algo externo. Este homem é circunciso?
Então ele está bem, ele pertence ao povo de D eus. É incircunciso? Então
ele está mal e não tem esperança nenhuma. Eles tinham entendido de
m aneira totalmente errônea o objetivo, o propósito e o espírito da
circuncisão.
O apóstolo trata dessa questão em muitas das suas Epístolas. Ele o
faz, por exemplo, de m aneira particularm ente clara, na Epístola aos
Romanos, capítulo dois, versículos vinte e oito e vinte e nove, onde ele
diz: “Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a
que o é exteriorm ente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e
circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra; cujo louvor não
provém dos homens, mas de Deus” . Noutras palavras, os judeus tinham
sido totalmente incapazes de ver que todo o objetivo disso era algo
espiritual na m ente de Deus. O apóstolo estava muito preocupado com
isso. Alguns, quando ouvem quenão existe mais circuncisão e incircun­
cisão, judeu e gentio, e assim por diante, m ostram-se propensos a dizer:
bem, então não precisamos dar atenção a estas coisas. Alguns cristãos

- 186 -
têm sido bastante tolos para dizer que, um a vez que somos cristãos, não
necessitamos do Velho Testamento. Todavia, isso, diz ainda o apóstolo
na Epístola aos Romanos, está completamente errado. “Qual é logo a
vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?” E ele replica:
“M uita, em toda a maneira, porque, primeiramente, as palavras de Deus
lhes foram confiadas”. Depois, no capítulo nove da Epístola aos
Rom anos, ele torna a desenvolver o mesmo argumento. Ele fala da sua
grande tristeza e dor no coração - “Porque eu mesmo poderia desejar
ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes
segundo a carne; que são israelitas” . Que é que ele quer dizer? Ele
prossegue para dar aresposta: “dos quais é a adoção de filhos, e a glória,
e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais,
e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito
eternam ente” . Havia um propósito e objetivo muito real na distinção
entre judeu e gentio. Não era como os judeus o interpretavam, que o
faziam erroneamente, mas lá estava o fato, e era extremam ente im por­
tante. Aqui, agora, neste versículo doze de Efésios, capítulo dois, Paulo
nos dá o verdadeiro conceito da matéria em foco. No versículo onze ele
nos dá o falso conceito da circuncisão; no versículo doze ele nos dá o
verdadeiro conceito da circuncisão e da falta dela.

O apóstolo apresenta o seu ensino de m aneira interessante, extra­


ordinária e, à prim eira vista, surpreendente. Eis como ele o expressa:
“Que naquele tempo estáveis sem Cristo”. Ora, esse é um modo
estranho de dizê-lo - “sem Cristo ”. Pode-se traduzir como “separados
de Cristo” , “fora de Cristo”, “não em comunhão com C risto”, “não
em relação com Cristo”, ou até “vivendo separadamente de Cristo” .
Depois de haver feito a sua colocação em termos gerais, ele vai adiante
para expressar-se a respeito mediante cinco pontos diferentes', “sepa­
rados da comunidade de Israel”, “estranhos aos concertos da pro­
m essa” , “não tendo esperança” , “sem Deus” , “no m undo” .
Isto certam ente exige nossa cuidadosa atenção. Obviamente Paulo
está se referindo à situação que prevalecia antes de Cristo, sob a antiga
dispensação, sob o Velho Testamento. O mundo estava dividido entre
judeus e gentios, aqueles que, como judeus, tinham sido circuncidados,
e os incircuncisos, os gentios, as outras nações. Todavia, vocês podem
reparar que ele se refere aos gentios daquele tempo e naquela condição
nestes termos: “sem Cristo”, “fora de Cristo” . Aqui ele está se
referindo a um a situação que imperava antes da vinda do Senhor Jesus
Cristo ao mundo; entretanto, ele o diz em termos de estar “em Cristo”,

- 187 -
ou “fora de Cristo”, em termos de viver separadamente de Cristo. Por
que é que o apóstolo descreve esse estado de coisas em termos de um a
relação com Cristo? Naturalmente, num sentido, arespostaé que ele está
fazendo algo que é obrigado a fazer, e se não entendemos e não captamos
claram ente o que ele está fazendo nesta passagem, só sepode pensar que
temos lido o Velho Testamento em vão. Aqui ele está fazendo um
repasso geral do Velho Testamento. Que é que o caracteriza? A resposta
é: “a comunidade de Israel” ; “os concertos da prom essa” ; a esperança
que Deus dera ao povo; a relação deste com Deus; sua separação do
mundo. Este é o sumário da condição e da situação dos israelitas sob a
dispensação do Velho Testamento. Todas as outras nações estavam fora
destas bênçãos e, todavia, a descrição que ele faz é em termos de estar
“em Cristo”, ou “fora de Cristo” .
Como devemos entender isto? A resposta é que tudo o que Deus
fez aos judeus e por eles sob a antiga dispensação foi feito na expectação
de Cristo. Tudo no Velho Testamento olha para o futuro, para Cristo.
N unca devemos examinar aquelas coisas em si e de si. Tudo quanto
Deus fez àqueles judeus, àqueles israelitas, Ele o fez como preparação
para a vinda do Senhor Jesus Cristo. O apóstolo o expressa num a frase
em Gálatas 3:23 desta maneira: diz ele que o propósito de Deus foi
manter-nos “encerrados para aquela fé que se havia de m anifestar” ; “a
lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo”, nunca foi seu propósito
fazer coisa algum a em si e de si. Foi aí que os judeus erraram. Eles
pensavam que a lei era alguma coisa em si mesma, e que eles foram
salvos porque possuíam alei, ao passo que os outros não. Não, dizPaulo,
alei éonossopreceptor, o nosso aio, para levar-nos aCristo. O propósito
de todas aquelas coisas era encerrar-nos para aquela fé que se havia de
manifestar.
Podemos ver o ponto mais ou menos assim: Deus fez o homem à
Sua imagem, e o homem vivia em harmonia e em comunhão com Deus.
M as, ele pecou e caiu, apartando-se de Deus. Que lástima! Depois que
ele deu nascim ento à sua progênie, a terra encheu-se de gente, e até ao
tempo do chamamento de Abraão o mundo inteiro e todos os seus povos
e nações estavam num a mesma relação com Deus. Não houve nenhuma
divisão importante até à vocação de Abraão. Já havia um a espécie de
divisão entre a linhagem de Caim e a de Sete, contudo Deus tratava
igualmente todas as nações e todos os povos, até quando Abraão foi
chamado. Então Deus fez algo novo. Ele disse a Abraão que ia fazer dele
um a nação, que dos seus lombos surgiria uma grande nação, um povo
especial e peculiar pertencente ao própr: o Senhor Deus. Ele ia criar um a

- 188 -
nova nação, um a nação especial. Ia separá-la de todos os outros povos
e m anteria um a peculiar relação com essa nação especial. Essa é a
form ação de Israel, essa é a gênese da comunidade de Israel, o povo de
Deus. Depois Ele fez certas alianças com esse povo. Fez-lhe certas
promessas. Comprometeu-Se com ele. Ele separou este homem, Abraão,
e lhe disse: “Em ti e em tua semente serão abençoadas todas as famílias
da terra” . Deus fez aliança com Abraão, comprom eteu-Se com ele, fez
um juram ento - esse é o significado das alianças. Estas promessas foram
repetidas muitas vezes - a grande e única aliança repetida em várias
formas - a Isaquee a Jacó, a M oisés no Sinai, e ainda a Davi, e pregadas
pelos profetas. É isso que se quer dizer com estas expressões, “a
com unidade de Israel”, “os concertos da prom essa”, e assim por diante.
Todas tinham em vista a futura vinda do M essias, o grande Libertador.
Noutras palavras, o que temos que compreender é que agora Deus via
o m undo e o seu povo de duas maneiras: via o povo da aliança de um
modo; via os demais povos de outro modo. E o povo da aliança era
conhecido pelo sinal e pela marca da circuncisão. Todo menino nascido
em Israel tinha que ser circuncidado no oitavo dia porque pertencia ao
povo da aliança, à nação de Israel, ao povo de Deus. De um lado está o
povo de Deus; do outro estão os gentios.
É isso que o apóstolo está lembrando aos efésios, e este é o seu
objetivo ao fazê-lo: ele quer que eles se apercebam da grandeza da sua
salvação. Quer que compreendam que o fato de agora se haverem
tornado concidadãos, co-herdeiros com os santos e da fam ília de Deus,
é a coisa mais assom brosa que poderia acontecer. A única m aneira pela
qual eles poderão entender isto é experimentando algo da “sobreexce­
lente grandeza do poder de Deus sobre nós, os que crem os” . Não é
somente o poder que nos ressuscita da morte no pecado, é um poder que
sobrepuja esta tremenda questão de como os que estão fora da relação
pactuai, da aliança, poderão ser introduzidos. Assim, ele prossegue, para
explicar-lhes e expor-lhes isso. Ninguém jam ais se regozijará em Cristo
como deve, se não compreender qual era a sua situação antes de se tom ar
cristão. O problem a com todos os cristãos professos que não se regozi­
jam em Cristo é que eles nunca se deram conta do que eles eram em
pecado. Não ajuda nada dizer-lhe que você deve ser “sempre positivo” ;
você tem que partir do que há de negativo em você. Se você não se der
conta do que você era antes de ser tomado por Deus, jam ais O louvará
como deve. Por isso Paulo desce a minúcias. Há muitos que nunca viram
qualquer necessidade de Cristo. Por quê? Porque estão satisfeitos
consigo e pensam que tudo está bem com eles como eles são. Esse é o

- 189 -
problema. Paulo está desejoso de que os seus leitores entendam esta
questão. Ele orou no sentido de que Deus abrisse “os olhos de seu
entendim ento”, para que pudessem entendê-la. Vocês estavam longe,
diz ele, mas agora “pelo sangue de Cristo chegastes perto” - você seria
capaz de ver o que Deus fez? Você não consegue ver a m edida do Seu
amor, da Sua graça e misericórdia, e do Seu ilimitado poder?

Esse é o argumento. Vamos adiante, com o fim de aplicá-lo a nós.


Vocês conhecem com o seu coração, como também com a sua cabeça,
o maravilhoso amor de Deus? Ficam emocionados quando pensam nele
e o imaginam? Enchem-se de um sentimento de maravilha, de am or e
de louvor? Se não se sentem assim é porque vocês ainda não com pre­
enderam o que Deus fez por vocês em Cristo. Entende-se isto exami­
nando o que significa não ser cristão - “sem Cristo”, estar “fora de
Cristo” . Noutras palavras, o primeiro princípio que firmamos é que a
única coisa que importa nesta vida e neste mundo é estar relacionado
com Deus em Cristo. Não há nada mais terrível que se possa dizer a
qualquer pessoa do que esta - “sem Cristo”, “vivendo separadamente
de Cristo” . Quando o apóstolo procurou um a expressão pela qual
m ostrar àquelas pessoas quão longe elas estavam, e a total desesperança
da sua situação, foi esta que ele escolheu: “sem Cristo” . “Vivendo
separadamente de Cristo.” “Sem estar em vivida relação com Cristo.”
Não há nada pior do que isso. M as, por outro lado, não há nada mais
m aravilhoso do que estar “em Cristo” . Estas são as expressões do Novo
Testam ento - “em Cristo” , “fora de Cristo” .
São essas as duas únicas posições que importam. Todos estamos,
ou “em Cristo”, ou “fora de Cristo” . Você sabe exatamente onde está?
Isto não é teoria, é fato real, é experiência. E o que vai determinar o nosso
destino eterno. É porque ignoram o que é estar “fora de Cristo” que
milhões de pessoas no mundo atual passam o domingo de manhã lendo
os jornais e o lixo dos tribunais, em vez de investigarem a Palavra de
Deus. Não se apercebem de como é terrível a sua situação por estarem
“fora de Cristo” . Por isso Paulo lhes diz em detalhe o que significa isso
com as cinco expressões já mencionadas. Elas podem ser classificadas
em duas divisões.

Prim eiro consideremos: o que significa estar sem Cristo quanto


à nossa relação com Deus. Aqui o apóstolo diz duas coisas, as duas
prim eiras das cinco expressões. A prim eira é que nós estamos num
estado e num a condição de “separados da comunidade de Israel”. A

- 190 -
referência é àum a agremiação de cidadãos ou de pessoas definidam ente
constituídas num a comunidade política. No mínimo significa certo
núm ero de pessoas definidamente constituídas numa comunidade. É
algo separado e distinto, algo que pode ser reconhecido. Portanto, o que
nos é dito é que Deus, da maneira que indiquei, formou um a comunidade
para Ele. Este é o método de salvação estabelecido por Deus; Ele forma
um povo, um a comunidade. Ele separa as pessoas e Se mantém numa
relação especial com elas. Uma descrição m inuciosa disso tudo é dada
no capítulo dezenove do livro de Êxodo. O apóstolo Pedro o cita em sua
Prim eira Epístola, capítulo dois, versículos nove e dez. Deus reuniu
aquelas pessoas antes de lhes dar os Dez M andamentos, e lhes disse:
“ Sereis a m inha propriedade peculiar” , “Vós sois a geração eleita, o
sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido.” Ele separou esse povo
para Si e o apartou de todos os demais. Mas não ficou nisso. Fez isso
porque tinha um interesse especial por ele. E um povo que constitui a
Sua “propriedade peculiar” . Assim, bem mais tarde, por meio do
profeta Amós, Deus disse a respeito da nação de Israel: “De todas as
fam ílias da terra a vós somente conheci” (Amós 3:2). Obviamente, isso
não significa que Ele não tom ava conhecimento de todas as outras.
Certamente que tomava. “Conhecer” nas Escrituras significa ter inte­
resse pessoal e especial por, estar preocupado com, importar-se com, ver
com os olhos de um pai e com amorosa contemplação. “De todas as
famílias da terra a vós somente conheci” - a referência é a Israel. Deus
via todas as nações, porém não as conhecia, não tinha esse interesse
especial por elas; elas estavam fora da comunidade de Israel, eram
estranhos. De fato, a palavra empregada por Paulo aqui é muito
interessante. Aqui se lê “(estáveis) separados” ; a tradução deveria ser
“tendo-se feito separados”, ou “tendo-se tom ados separados” . N ou­
tras palavras, nunca houve o propósito de que alguém estivesse nessa
situação; é tudo conseqüência da Queda, conseqüência do pecado. O
homem separou-se, passou a estar fora do interesse peculiar de Deus.
Então a prim eira coisa que significa estar “sem Cristo” é que você
está fora daquele círculo no qual Deus está peculiarm ente interessado.
Você não pertence ao povo da aliança. Você é tão-somente um de um a
grande multidão nalgum lugar; não há este interesse especial, este
especial objeto de interesse. “Separados da comunidade de Israel.”
Hoje é a Igreja Cristã que corresponde à comunidade de Israel. A coisa
mais terrível acerca do não cristão é que ele está fora daquele círculo e
não pertence ao povo de Deus. Você está separado da comunidade de
Israel? Você se sente estranho num culto cristão? Você se pergunta: do

- 191 -
que é que esse homem está falando? Que será isso tudo? Não lhe parece
muito prático, não é como um a pregação sobre conferências internaci­
onais, sobre a fabricação de armas atômicas ou sobre questões políticas
correntes. Não é relevante, é obsoleto. É alheio a você, é-lhe estranho?
Ou você sente que lhe diz respeito? É uma coisa terrível a pessoa sentir-
-se um forasteiro, um intruso, sentir que não tem parte nestas coisas, que
de algum modo elas nada têm a ver consigo. Você está dentro? Você ama
os irmãos na fé? Você tem parte nestas coisas? É terrível estar “fora de
Cristo”, “separado da comunidade de Israel”.
O que a seguir o apóstolo nos diz é que os gentios eram “estranhos
ao concerto da prom essa”, ou “às alianças da prom essa” (ARA).
Já lhes fiz lem brar as alianças feitas por Deus. Deus tomou Abraão. Não
porque houvesse algo de peculiarm ente bom em Abraão; ele era um
pagão entre outros pagãos. Deus o chamou e lhe disse: Eu pus Meus
olhos em você, vou abençoar você, empenho-M e pessoalmente com
você. Com o nos lernbra o autor daEpístola aos Hebreus, Deus o fez com
juram ento (6:13-18). Empenhou-Se e fez um juram ento, para a segu­
rança de Abraão e sua semente. As promessas de Deus! Leiam o Velho
Testam ento e as verão uma após outra. Deus chama homens, separa-os,
dá-lhes uma revelação, uma visão, dirige-Se a eles, envia-lhes uma
palavra. E o que os mantém em marcha. Este foi o segredo do povo
descrito no capítulo onze da Epístola aos Hebreus - as promessas. Deus
olhava para os do Seu povo e lhes dizia: não se preocupem; deixem que
as outras nações os invejem e tentem destruí-los; deixem que os homens
se levantem contra vocês; não importa; vocês são o M eu povo, nunca os
deixarei desaparecer, “Não te deixarei, nem te desam pararei” (Hebreus
13:5); apegue-se à palavra da m inha aliança e às M inhas promessas,
olhem para o futuro, para o seu cumprimento.
As prom essas da aliança! Mas os efésios lhes eram estranhos. As
nações gentílicas nada sabiam delas. Enquanto que o povo peculiar de
Deus, os judeus, recebia estas grandes mensagens e se regozijava nelas,
os outros absolutamente não as conheciam - eram estranhos, absoluta­
m ente estranhos, nada tinham ouvido dessas promessas, não sabiam
nada a respeito, e não estavam interessados nelas. Essa continua sendo
a verdade sobre todos os que estão “fora de Cristo”, sobre os que não
estão ligados vitalmente a Cristo. Podem ler aBíblia, e não se comovem.
Podem ver estas “grandíssimas e preciosas promessas” (2 Pedro 1:4),
e ainda indagam: a quem se aplica isso? Que se pode dizer a respeito?
São estranhos, são como estrangeiros, não entendem a língua. Acaso a
B íblia lhe diz algo? É-lhe inteligível? Você acha que ela não passa de

- 192 -
palavras sem nexo, de jargão? Ou lhe diz algo, diz-lhe palavras que o
levantam e o firmam sobre os seus pés e o levam a louvar a Deus? Você
é estranho às alianças da promessa, ou sabe que elas estão falando com
você e que você é membro da agremiação, que Deus Se dirige a você
quando você lê a Sua Santa Palavra? Que coisa terrível é estar “fora de
Cristo” , não estarem vivida relação com Cristo, ser estranho às alianças
da promessa!

Vamos adiante e consideremos a segunda divisão: as inevitáveis


conseqüências de estar “fo ra de Cristo”. O apóstolo m enciona três.
A prim eira é que a pessoa está sem esperança. Certamente esta é um a
das declarações mais terríveis das Escrituras, senão a mais terrível.
“Não tendo esperança” ! Não existe nada pior. “Enquanto há vida há
esperança” ; sim, porém quando a esperança se vai, nada mais resta. A
esperança é a última que morre, mas quando m orre a esperança, “retom a
o caos” - como diz Otelo . Contudo, quem está sem Cristo está sem
esperança.
Isto significa, primeiramente, que ele não tem nenhum a esperança
nesta vida. Vocês já tinham percebido que sem Cristo não hánenhum a
esperança nesta vida, neste mundo? - absolutamente nenhuma! Será
exagero? Em resposta eu lhes peço que considerem as declarações dos
pensadores mais profundos que o mundo conheceu, e verão que,
invariavelmente, eles são pessimistas. As maiores obras de Shake-
speare são tragédias. Todas as religiões, fora a fé cristã, são profunda­
m ente pessimistas. O único consolo que lhe dão é que chegará o tempo
em que você escapará deste m undo; poderá ter que passar por um a série
de reencarnações - mas aqui não há esperança, você terá que livrar-se
dele e, de um modo ou de outro, perder-se nalgum nirvana. Elas não dão
esperança alguma ao homem neste mundo. É a carne, o corpo, dizem
elas, que causa todos os nossos problemas, e não há esperançapara você
enquanto estiver no corpo. Por isso você tem que sair deste mundo. O
hinduísmo, o budismo e todo o resto são completam ente sem esperança.
São produtos de pensamento profundo sem a revelação; e todas elas são
totalm ente destituídas de esperança. Isso é algo que vocês verão em
todas as grandes filosofias, em todas as grandes religiões. Vê-lo-ão em
toda grande literatura. Já notaram que os nossos maiores poetas são

*Título de um drama de Shakespeare e nom e do seu principal p erso ­


nagem . N ota do tradutor.

- 193 -
pessim istas? W ordsworth nos diz que ouvia a “dolente e triste m úsica
da hum anidade”. Naturalmente, se vocês estiverem voejando de salão
de baile em salão de baile e de cinema em cinema, não a ouvirão, porque
há tanto barulho que não a podem ouvir; porém, o poeta senta-se, põe-
~se à escuta e medita, e o que ouve? - Que a vida é maravilhosa? - Não,
o que ele ouve é a “dolente e triste música da hum anidade” . “A vida
é real, a vida é séria.” Não é um vertiginoso rodar de prazer após prazer.
N ão se vê esperança nesta vida e neste mundo.
Tudo isso nos vem habilmente resumido no livro de Eclesiastes,
onde o autor diz: “Vaidade das vaidades! é tudo vaidade” . Isso não é
dito de m aneira superficial, num momento de decepção; é a conclusão
a que chegou um profundo pensador que tentara todas as possibilidades,
considerara todas as coisas que se nos oferecem, e viu que todas elas
juntas não chegam a nada. “O que foi, isso é o que há de ser; e o que se
fez, isso se tornará a fazer; de modo que nada há novo debaixo do sol”
(1:9). Não há esperança para o mundo, ele não vai ficar cada vez melhor.
Todo o fútil idealismo dos últimos séculos é totalmente condenado por
todas as grandes expressões do pensam ento dos séculos - e, natural­
mente, está totalmente desacreditado hoje pelos fatos e eventos. Sem
Cristo não há esperança nesta vida e neste mundo. “Vaidade de
vaidades! é tudo vaidade!”, pode-se escrever rotulando todas essas
coisas. Não somente não há esperança de que as coisas melhorem,
também não há esperança de que o próprio homem melhore. Ele não é
nada m elhor do que era sob a dispensação do Velho Testamento.
Continua cometendo os mesmos pecados, continua culpado das mesmas
faltas; não há prova de que houve progresso espiritual do homem. O
hom em é tão podre hoje como quando caiu no jardim do Éden. Além
disso, não há o que ver no futuro. Todos estamos envelhecendo, as
nossas energias vão fenecendo, a morte virá, inevitavelmente. Façam
vocês o que fizerem, não se livrarão dela. Essa é a vida sem Cristo.
Deixemos que Shakespeare, com seu jeito inimitável, resum a o ponto
para nós. Já no período final da sua vida, ele o expressou perfeitamente
num dos seus últimos dramas, A Tempestade (“The Tem pest”).

A í torres envoltas em nuvens,


Os suntuosos palácios,
Os templos solenes
E o próprio globo grandioso,
Sim, todo o universal legado se dissolverá,
E, como esta frá g il pom pa esmaecida,

- 194 -
N em mesmo um vapor deixará atrás:
E o que somos,
Como feito s de sonhos, e um sono cerca
A nossa curta vida,

É assim a vida sem Cristo. Nenhum a esperança! Absolutam ente


nenhuma! Isso não é pessimismo, é realismo, é encarar os fatos. Não há
esperança neste mundo, ele não está ficando melhor. Vejam os jornais,
vejam os fatos: o homem não está melhorando, e nada o espera senão a
morte. As torres envoltas em nuvens, os suntuosos palácios, o próprio
globo grandioso - tudo vai dissolver-se.
Assim como não há esperança nesta vida, neste mundo, certam ente
não há nenhuma esperança além desta vida para quem está fora de Cristo.
A m orte é apenas o fim da jornada para ele. Como Horácio Bonar diz em
seu hino: “Falecem os homens cercados de trevas, sem um a esperança
que alegre suatum ba” . Eles olham parao futuro, mas o que vêem? N ad a!
Não conseguem ver através da morte, não têm “a fé que vê através da
m orte” . Que é que existe além da morte? Eles não sabem. Ou dizem que
não há nada, ou que há um tormento, ou um a série dereencam ações. Não
sabem; e quando chegam ao fim, deixam tudo, caem os palácios e as
torres, e o que fica? - Nada! Sem esperança! Essa é a vida sem Cristo.
Esta é a vida que estão tendo milhões neste país hoje, milhões que nos
julgam tolos porque nos assentamos para ouvir o velho evangelho nas
igrejas. Eles pensam que têm vida e liberdade - todavia eis a sua
situação: “não tendo esperança” !
M as, pior ainda: “sem D eus” ! Que é que Paulo quer dizer com
isso? Refere-se obviam ente a um a vida sem nenhuma experiência
subjetiva de Deus. Deus continua existindo, porém essas pessoas não
o sabem, não têm consciência disso; e não O fruem !Perm itam -m e fazer
um sumário disso nos seguintes termos: eles não conhecem a Deus enão
estão em comunhão com Deus; portanto, eles estão sem a ajuda, a paz
e a alegria que vêm mediante o conhecimento de Deus e a fé nEle. O
m undo deles estáenterrado em colapso, tudo vai indo mal e eles se vêem
sós. Em seu completo isolamento e desolação, eles não têm nada, porque
não conhecem a Deus. Os cristãos também têm problemas nesta vida,
ocorrem acidentes, as coisas vão mal; quanto às circunstâncias, o cristão
pode ser idêntico a outro hom em . M as há esta grande diferença: o outro
está sem Deus; o cristão tem Deus e conhece a Deus.
Quão diferente do salm ista é esse outro homem sem Deus! O
salmista, vocês recordam, disse isto: “Quando meu pai e m inha mãe me

- 195 -
desam pararem , o Senhor me recolherá” (Salmo 27:10). Seu pai e sua
mãe o deixaram, amigos e companheiros foram-se todos, tudo se foi.
Está bem, diz o salmista, “quando meu pai e m inha mãe me desam pa­
rarem ” , mesmo então, “o Senhor me recolherá”. Ouçam-no ainda: “Eu
me deitei e dormi” - ele estava cercado de inimigos nessa altura - “Eu
me deitei e dormi; acordei” - por quê? - “porque o Senhor me
sustentou” (Salmo 3:5). Ouçam-no noutra ocasião: “Das profundezas
a ti clamo, ó Senhor” (Salmo 130:1). Ele estava num fosso horrível, e
tudo parecia ter-se ido; mas olhou para o alto, Deus continuava lá; “Das
profundezas clamei ao Senhor” . “O Senhor é o meu pastor, nada me
faltará.” “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, tu estás
comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam ” (Salmo 23:1,4). Não
posso ver mais nada, mas ainda vejo a Ti. O outro homem não conhece
isso; ele está “sem Deus” . “O Senhor é a m inha luz e a m inha salvação;
a quem temerei? O Senhor é a força da m inha vida; de quem me
recearei?” (Salmo 27:1). Com Deus! - não “sem D eus”. Ouçam-no,
porém , dizê-lo também num a admirável declaração: “Desde o fim da
terra clamarei a ti, quando o meu coração estiver desmaiado; leva-me
para a rocha que é mais alta do que eu” (Salmo 61:2). Aí está ele, quase
afundando num oceano de dificuldades, com inimigos e tudo mais contra
ele; ele clam a a Deus: “Leva-me para a rocha que é mais alta do que eu”,
sabendo que ali estará seguro. No entanto, esse outro homem nada sabe
disso, está sem Cristo e, portanto, está sem Deus. Que diferença do
apóstolo Paulo, que diz: “Ninguém me assistiu na minha prim eira
defesa, antes todos me desampararam. Que isto lhes não seja imputado.
Mas o Senhor me assistiu e fortaleceu-me” (2 Timóteo 4:16-17). Paulo
estava em julgam ento, todos os seus amigos o tinham abandonado:
“ninguém me assistiu, todos me desam pararam ” . “M as o Senhor me
assistiu e fortaleceu-m e.” Também escreve da prisão a Timóteo,
quando tudo estava contra ele, e diz: “M as não me envergonho; porque
sei em quem eu tenho crido, e estou certo de que é poderoso, para guardar
o meu depósito até àquele dia” (2 Timóteo 1:12). Ouçam o autor da
Epístola aos Hebreus citar o Velho Testamento: “O Senhor é o meu
ajudador, e não temerei o que me possa fazer o hom em ” . Por quê?
Porque Deus disse: “Não te deixarei, nem te desam pararei” (Hebreus
13:5-6).
Contudo, esse outro homem não sabe disso; ele é deixado entregue
a si mesmo quando o seu mundo cai por terra e tudo vai mal. Ele não
somente está “sem esperança”, mas também está “sem D eus”, e não
pode olhar para o futuro, para o dia em que, segundo o livro de

- 196 -
Apocalipse, “Deus limpará de seus olhos toda a lágrima” , e não mais
haverá tristeza, nem suspiros, nem pranto. O homem sem Cristo não
conhece essas coisas. Quão diferente é o nosso Senhor! Ouçam o Senhor
dizer pessoalmente: “Eis que chega a hora, e já se aproxima, em que vós
sereis dispersos cada um para suaparte, e me deixareis só; mas não estou
só, porque o Pai está comigo” (João 16:32). Ele não estava “sem
D eus” . Deus estava com Ele quando todos O tinham abandonado e
fugido. “M as não estou só, o Pai está com igo.”
Que coisa terrível é estar “sem esperança” e “sem D eus” “no
m undo” - pertencer a este mundo passageiro que está debaixo da ira de
Deus, debaixo da condenação, e que deverá ser destruído. “O mundo
passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus
permanece para sempre” (1 João 2:17).
Essas palavras vêm a alguém que está “sem Cristo”? Se vêm, você
se dáconta de onde está? Você está fora dacomunidade, fora do interesse
especial de Deus, você não conta com promessas que o sustentem, com
“nenhum a esperança”, você está “sem Deus”, “no m undo” ! Se você
vê isso, e se você compreende o que significa, há só um a coisa para você
fazer - fugir para Cristo. Outrora os efésios tinham estado naquela
situação - “M as agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe,
já pelo sangue de Cristo chegastes perto” . Você não precisa continuar
sendo um forasteiro. Não precisa continuar e achar que estas coisas não
lhe dizem respeito. Deus está falando com você. CreianEle, ouça-O, aja
baseado no que Ele diz, vá a Ele, confesse a Ele tudo quanto sej a verdade
quanto a você, e se lance sobre o Seu amor e graça e m isericórdia e
compaixão. E Ele o receberá e lhe dirá que enviou Seu Filho para morrer
e derramar Seu sangue por você, para que você se tornasse “concidadão
dos santos e da fam ília de D eus” . Você verá que passou a ter nova vida
e nova esperança, conhecerá a Deus e saberá que Ele nunca o deixa nem
o desampara. Fuja para Ele.
Se você está ali, regozije-se nEle. Estar “em Cristo” ! Não há nada
que sobrepuje isso. É o céu na terra. E o antegozo da bem -aventurança
eterna.

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16
CHEGASTES PERTO
“M as agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já
pelo sangue de Cristo chegastes perto. ” - Efésios 2:13

Evidentemente, estas palavras dão prosseguimento à declaração


que começa no versículo onze. Ao mesmo tempo são, por assim dizer,
o complemento dessa declaração, que já foi estudada. O apóstolo está
expondo aqui a grandeza desta salvação cristã. Ele quer que com preen­
damos que ela é tão grandiosa que nada menos que o poder de Deus a
poderia realizar. Esse é o argumento geral. O poder que nos tom a cristãos
é precisam ente o mesmo poder que tomou Jesus dentre os mortos,
m ostrou-0 na ressurreição gloriosa e depois O elevou às alturas, aos
lugares celestiais, onde Ele está assentado à direita do poder de Deus.
Esse é o tema. Não devemos ignorar a floresta por causa das árvores. As
árvores são gloriosas, mas a floresta é mais, e é melhor. A medida que
avançarmos, m antenhamos as duas coisas juntas em nossas mentes.
E sobre “a sobreexcelente grandeza do Seu poder sobre nós, os que
crem os” que o apóstolo está escrevendo, e é o que ele quer que
compreendamos. Necessitaremos do auxílio do Espírito Santo para
compreendê-lo, porque as nossas mentes são por demais pequenas,
fracas e inadequadas. Oramos, pois, como Paulo fez pelos efésios, no
sentido de que sejam “iluminados os olhos do nosso entendim ento”,
para que realmente possamos conhecer essa verdade. O apóstolo
escreve a sua carta com o fim de ajudar-nos nisso. Duas coisas, diz ele,
são essenciais, se queremos entender a grandeza da salvação cristã:
a prim eira é a percepção da nossa condição sem esse entendimento;
e a segunda é a percepção da nossa condição resultante disso.
Anteriorm ente examinamos a nossa condição sem a salvação, nos
term os da descrição feita no versículo doze deste capítulo. “Naquele
tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e
estranhos aos concertos (ou alianças) daprom essa, não tendo esperança,
e sem Deus no mundo.” Somente quando compreendermos isto, em
prim eiro lugar, é queperceberem os quão maravilhoso é que alguém seja
cristão. Afinal de contas, o admirável é - não que muitos não são
cristãos; o admirável é que alguém seja cristão. Nada explica isso, a não
ser o poder de Deus em Cristo. Somente captamos isso quando nos

- 198 -
damos conta do que o homem é por natureza, quando nos damos conta
do que ele é em conseqüência do pecado. Mas devemos ir muito além.
Se nos cabe m edir este grande poder, não devemos limitar-nos a m edir
a profundidade da qual fomos levantados e tirados, entretanto também
devemos m edir a altura à qual fomos elevados e exaltados.
Aí estão os dois polos que representam os extremos nos quais todos
os cristãos se acharam: primeiramente, fora de Cristo; depois, em Cristo.
É o que o apóstolo está expondo aqui, no versículo treze. Tendo dado
o aspecto negativo, passa agora aexpor o positivo. Vocês recordam que
nos dez prim eiros versículos ele estivera fazendo exatamente a mesm a
coisa, porém de um ângulo diferente. Lá a sua preocupação era com a
condição espiritual real e concreta - mortos em ofensas e pecados - e
em m ostrar como fôramos elevados às alturas. Aqui, como vimos, ele
o expõe m orm ente em função da lei, e em termos do nosso nível e
posição aos olhos de Deus e em Sua presença. M ais um a vez assevero
que é essencial que compreendamos os dois lados.
Para todos os que têm alguma experiência pastoral, nada é mais
claro do que o fato de que, quando os que se sentem infelizes acerca da
sua salvação, não têm segurança e não têm alegria em sua vida cristã, a
causa geralmente está numa destas duas coisas, ou, com m uita freqüên­
cia, nas duas juntamente. Eles estão nessas condições, ou porque nunca
se tornaram verdadeiramente convictos do pecado, porque nunca enxer­
garam realmente a sua situação de desesperança, ou então porque nunca
enxergaram a sua verdadeira posição como cristãos e as alturas às quais
foram elevados. Assim, as duas coisas sempre devem ser tomadas
juntas. E no Novo Testamento sempre estão ju n ta s - e invariavelmente
são tomadas na ordem acima indicada: primeiro o elemento negativo;
depois o positivo. Já vimos isso neste capítulo.
O apóstolo sempre parte do negativo. Vocês recordam como,
quando ele estava a caminho de Jerusalém e estava se despedindo dos
presbíteros desta m esm a igreja de Efeso numa grande e lírica ocasião -
ele não tivera tempo de ir a Efeso, pelo que pedira aos presbíteros que
viessem encontrar-se com ele. Encontraram-se em M ileto, e, num dos
mais comoventes trechos da literatura que conheço, o apóstolo fala,
dizendo efetivamente: gostaria de lembrar-lhes como, quando estava
com vocês, não cessei, noite e dia, de dar-lhes com lágrimas o meu
testemunho do evangelho e de pregá-lo. E o que ele pregava? “O
arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo”
(Atos 20:21, VA e ARA). Vocês nunca verão o apóstolo dizer que ,
prim eiro as pessoas vêm a Cristo e depois se arrependem. Impossível

- 199 -
vê-lo fazer isso, porque ele sempre pregava primeiro o arrependimento.
E é o que ele está fazendo aqui: aí está o que vocês eram, aí está o que
vocês são. E somente quando captarmos o negativo e o positivo é que
verdadeiramente apreciaremos esta grande salvação e nos regozijare­
mos nela como devemos.
Permitam -m e fazer uma pergunta simples e óbvia neste ponto.
Com preendemos a grandeza da nossa salvação? Ou deixem que eu faça
um a pergunta mais sensível e delicada. Você se regozija em sua
salvação? Neste momento você se ufana mais de ser cristão do que de
qualquer outra coisa em sua vida? Não hesito em dizer que, se não nos
ufanamos disso e não nos gloriamos mais nisso do que em qualquer outra
coisa, então, para dizer o mínimo, o nosso entendimento do que é ser
cristão é gravemente defeituoso. Quando um homem vê isso de verdade,
só tem um a coisa para dizer, e é o que o apóstolo diz: “Longe esteja de
mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”
(Gálatas 6:14). Se verdadeiramente o enxergamos, veremos que é tudo.
Não há nada que se lhe compare. Portanto, esse é um teste muito bom
para vermos se realmente entendemos estas coisas ou não. Percebemos
o nosso privilégio? Percebemos a glória da nossa posição neste m om en­
to, como cristãos? Ajudemo-nos uns aos outros a chegarmos a esse lugar.
Temos considerado o negativo; vejamos agora o positivo. Aqui está
ele numa frase - também aqui o apóstolo segue o seu método invariável.
Prim eiro ele declara o seu tema geral numa só sentença; depois ele o
parte e o toma fragmento por fragmento. É o que ele faz no restante do
capítulo. Neste versículo treze mais uma vez nos vemos face a face com
um dos mais gloriosos sumários que o apóstolo faz, da fé cristã em geral.
Está tudo aí nesse único versículo. As vezes sinto que se eu pudesse
dizer isto como deveria e como o Espírito Santo pode habilitar-nos a
dizê-lo, não haveria necessidade de dizer mais nada. Ei-lo: “M as agora
em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já p e lo sangue de Cristo
chegastes perto” .
Isso é o evangelho completo. Mas vamos sondá-lo; aí está a
essência própria da mensagem cristã. No momento o tomarei como um
todo e o examinarei de maneira geral; depois, querendo Deus, seguire­
m os o apóstolo à m edida que ele mesmo o vai partindo em suas diversas
partes componentes. A divisão do assunto é inevitável. Há três coisas
aqui. A prim eira é o contraste entre o que éramos e o que somos; a
segunda é o que somos; e a terceira é como nos tornamos o que somos.

Primeiramente, o contraste entre o que éramos e o que somos.

- 200 -
O apóstolo o expressa em sua m aneira usual - mas! Primeiro m ostra o
quadro sombrio, dá-nos o negativo, e nos força a tom arplenaconsciência
dele. Depois de fazer isso, diz, “M as” ! Vocês se lembram do outro
notável exemplo disso que tivemos no versículo quatro. Depois de nos
fazer aquele pavoroso relato a nosso respeito, como estávamos mortos
em ofensas e pecados, de repente ele diz, “Mas Deus, que é riquíssim o
em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou...”. Aqui de
novo ele o faz. Estes “m as”, estes benditos “m as”, nunca serão
repetidos com mais freqüência do que deveria. O evangelho todo entra
aqui. “M as agora” ! - vocês vêem a diferença. Tudo está na palavra
“m as” . Contudo, ele acrescenta estes outros termos: “agora”, “an­
tes” . A palavra “m as” m ostra contraste; “agora” contrasta-se com
“depois” , “anteriorm ente” , “tempos passados”, “às vezes” . Estas
são grandes palavras do apóstolo, os seus contrastes. E qual seria o efeito
dessas palavras? Você pode dizer se é cristão ou não apenas respon­
dendo esta pergunta: você acha, às vezes, que a maior palavra que há em
toda a língua da humanidade é a palavra m a sl Se não pensa assim, o seu
entendimento sobre o cristianismo é muito defeituoso. Lá estava você!
Mas - e imediatamente você levanta a cabeça e se põe a cantar; abriu-
-se um a janela, brilhou uma luz, desapareceu a escuridão. “M as agora” !
Que nos diz essa expressão? E o “mas” da esperança, o “m as” do
alívio, o “m as” que afirma que há um fim para o desespero, para as
trevas, para a tristeza, que nem tudo está perdido, que Deus ainda está
conosco. Levantamos as nossas cabeças. “O povo que andava em trevas
viu um a grande luz.” “Deus, que disse que das trevas resplandecesse
a luz, é quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação do
conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo” (Isaías 9:2;
2 Coríntios 4:6). E o que temos aqui, noutra linguagem.
Quero acentuar especialmente que estas palavras assinalam de
m aneira surpreendente a agudeza do contraste, a afirmação de como
é com pleta a separação, da categoria absoluta da diferença. Isto é
ressaltado em toda parte no Novo Testamento. A diferença entre o
cristão e o não cristão é um a diferença absoluta, um contraste completo.
É claro, édefinido, é distinto. Jamais deveria haver qualquer dificuldade
em falar se somos cristãos ou não. O contraste entre o cristão e o não
cristão é tão extremo e tão definido como isto: “agora” - “depois” ; o
“m as” ;adiferençacom pleta;am udançaextraordinária.N ãohánuanças
de diferença entre ser “não cristão” e ser “cristão” . Não é você vir do
preto ao branco através de vários matizes de cinza, e não poder dizer
onde você está - o preto começando a ser afetado por um pouco de

- 201 -
branco, e depois um pouco mais, e um pouco mais, e por fim você diz:
ah, isto é branco! Não é nada disso. Isso é totalmente falso; isso é um
completo contraste com o que o apóstolo está ensinando aqui. É preto
ou branco, diz ele, e não há estágios intermediários quase im perceptí­
veis. Não é como aquelas sutis mudanças de cor do espectro, onde não
se pode dizer em que dado ponto termina uma cor e começa outra.
Absolutam ente não. Este contraste é claro e definido.
M uitos estão em dificuldades quanto à sua posição como cristãos
porque nunca entenderam o ensino das Escrituras sobre este assunto. O
contraste entre o não cristão e o cristão é verdade válida para todos.
Digo isso porque posso imaginar alguém dizendo: ah, espere um minuto,
naturalm ente posso entender o contraste em sua form a extrema como ali
o apóstolo o coloca, porquanto, afinal de contas, ele estava escrevendo
acerca daqueles efésios que nem sequer criam em Deus, que eram
pagãos, em pleno mundo, vivendo a vida típica de um pagão - e,
naturalm ente, quando um pagão desses passa a ser cristão, o contraste,
obviamente, é extremo e espantoso. E os que assim pensam prosseguem
dizendo que ainda é o mesmo nos dias atuais. Alguns que se tornaram
cristãos tinham sido ébrios, maridos espancadores e quase assassinos -
não podiam ter sido mais ímpios. Claro, quando alguém assim se torna
cristão, tem -se este assustador contraste, e você está justificado em
ressaltar o seu “m as”, e em dizer “agora” e “depois”, “tempos
passados”, “anteriorm ente”, e assim por diante. Todavia, dizem eles,
certam ente isso não se aplica aos que foram criados de boa e respeitável
maneira, num país cristão, pessoas que eram enviadas à Escola Dom i­
nical quando crianças e eram levadas aos cultos pelos seus pais, e que
nunca praticaram nenhuma dessas coisas violentas, torpes e extremas.
Por certo essas pessoas apenas “cresceram ” no cristianismo e nelas a
m udança é quase imperceptível. Certamente, argumentam eles, você
não dá ênfase a este contraste extremo no caso dessas pessoas - pode-
-se aplicar-se aos pagãos e aos de fora, não porém, por certo, a alguém
que foi belam ente criado num país cristão. A m inha réplica é que é tão
extremo o contraste no caso daqueles como no outro; que a diferença
entre não cristão e cristão é sempre igualmente grande.
O que decide se somos ou não cristãos não é nem o que fazem os
nem o que somos: é a nossa relação com Deus. “Chegastes perto”,
“fo stes a p ro x im ad o s” (VA e A R A ), diz Paulo. E le não diz
“progredistes” , ou “melhorastes”, ou “agora estais vivendo um a vida
m elhor” . Não, o que faz de você um cristão é que “Vós, que antes
estáveis longe, fostes aproximados” ; estais perto de Deus, ao passo que

- 202 -
anteriormente estáveis longe de Deus. Assim, deve-se traçar a distinção
e a diferença, não em termos da nossa moralidade ou da nossa conduta
ou do nosso comportamento, e sim, em termos de nossa relação com
Deus.
Permitam -m e apresentar-lhes um a ilustração para m ostrar o que
quero dizer. É questão de relação, digo eu, não prim ariam ente de
condição moral da pessoa - o que vem depois. Vejam o ponto deste
modo. Considerem o estado civil. Pense num homem que se casou
ontem. Vocês podem dizer dele o seguinte, não podem? - “Até ontem
ele era solteiro, agora é casado” . Pois bem, quando vocês estão
pensando narelação especial que se estabelece com o casamento, estará
inteiramente fora de foco e será um completo disperdício de fôlego
indicar as diversas coisas que verdadeiramente o descreviam. Vocês
podem dizer-me que ele bebia demais ou que vivia jogando. Nas não
estou interessado nesse ponto; quero saber se o homem era casado ou
não. Se você está pensando no estado civil e na vida matrim onial, é pura
irrelevância falar-me da vida moral do homem ou da sua conduta ou do
seu comportamento. A questão vital é que ele não era casado, porém
agora é. Todas aquelas outras coisas nesse ponto e nesse contexto são
irrelevantes.
Ora, é exatamente a mesma coisa em toda esta questão de ser
cristão. Não estou realmente interessado em saber se você vivia nas
sarjetas da vida ou nas vivendas mais respeitáveis. As únicas perguntas
que faço são: você está perto de Deus? Você conhece a Deus? Você
entrou nos “santos dos santos”, “no lugar santíssim o” ? Essa é a
questão; as outras são irrelevantes. Quanto à respeitabilidade, à bon­
dade, à moralidade e à ética, você pode ser um exemplo de todas as
virtudes e, todavia, não conhecer a Deus. Fazendo-se o julgam ento por
meio desse teste de relações pessoais, segundo as Escrituras não há
diferença entre o mais vil e torpe pecador, de um lado, e o mais
respeitável pecador, do outro. “Todos pecaram e destituídos estão da
glória de Deus.” “Não há um justo, nem um sequer.” Todos eles estão
fora da porta, não têm entrada na sala de audiências, na presença do
M onarca, a porta se lhes fecha e ficam fora. Mas você dirá: ah, eles são
diferentes; vejam a roupa que usam, não se vestem igual! Digo que não
m e interessa. A única pergunta que faço é: eles estão fora da porta, ou
dentro?
Invariavelmente, o problem a nesta questão é que, em vez de a
considerarem em termos desta relação pessoal com Deus, as pessoas
insistem em considerá-las em termos de bondade e comportamento.

- 203 -
Lem bro-me de alguém que me disse um a vez (e uso a ilustração porque
penso que aplica muito bem o ponto): sabe, às vezes quase chego a
desejar ter tido um a vida suja, violenta e extremamente pecaminosa. Por
quê?, perguntei. Bem, respondeu ela, para que eu pudesse experimentar
esta grande m udança que tais pessoas experimentam quando se conver­
tem. Vocês vêem a falácia e o entendimento errôneo? Essapessoa estava
vendo a questão inteiramente em termos de conduta e comportamento,
negativamente. Se ela a tivesse visto somente em termos de conhecer
a Deus e de regozijar-se nEle, teria visto que não havia diferença entre
ela e o mais torpe e vil pecador. O teste é positivo. Este “m as”, “agora”
- “anteriormente”, “tempos passados”, este contraste extremo! Ja­
mais devemos dar-lhe demasiada ênfase.

M ovamo-nos para o segundo princípio, que é considerar o que


somos como cristãos. Servirá para salientar ainda mais o contraste,
enquanto temos em mente a mensagem do versículo doze. Paulo coloca
isso com estas palavras maravilhosas: “fostes aproximados” ! “Postes
aproxim ados” é, naturalmente, o contraste com “separados”, “estra­
nhos”, “sem D eus”, “fora de Cristo”, não vivendo nesta vivida
relação com Cristo. Mas agora, “fostes aproxim ados” ! Essa é toda a
verdade acerca do cristão. Obviamente o apóstolo tinha em mente uma
ilustração. Ele estava pensando no templo. O templo de Jerusalém era
dividido em diferentes lugares ou pátios. O mais importante era o “lugar
santíssim o” , o santuário mais secreto, onde a presença de Deus se
revelava na glória da Shekinah* sobre o assento da m isericórdia . E no
“lugar santíssim o”, a real presença de Deus, somente um homem tinha
permissão de entrar. E rao sumo sacerdote, e só entravaum a vez por ano.
Havia então os átrios ou pátios. O pátio mais distante do santuário era
chamado “Pátio dos Gentios”. Eram os que ficavam mais longe de
Deus! Nem entrar no “Pátio do Povo” lhes era permitido, o “Pátio dos
Judeus” . Aos judeus comuns não era permitido entrar no lugar destinado
aos sacerdotes, e nem estes podiam entrar onde o sumo sacerdote
entrava. Entretanto no lugar mais distante estavam os gentios, os
forasteiros. Mais para o fim deste capítulo o apóstolo vai desenvolver

* Hebraico, “aquele que habita”. Implicitamente, “a glória daquele que


habita”. Nota do tradutor.
Tradicionalmente, “propiciatório”. Idem.

- 204 -
este ponto mais minuciosamente. Mas aqui já se vê, nessa form a
particular. O que ele diz é que os que estavam mais longe foram
introduzidos, foram aproximados, de maneira sumamente admirável
tiveram entrada, por assim dizer, no lugar santíssimo. Esta é a verdade
referente a todos quantos são cristãos, e é a esta verdade que devemos
dar ênfase. O não cristão está sem Deus, sem Cristo; não tem acesso, não
tem conhecimento, não tem entrada.
Qual é a verdade quanto ao cristão? A prim eira verdade referente
ao cristão é, não que ele teve alguma experiência, mas sim, que ele foi
aproximado, tem esta entrada, este acesso, e pode entrar na presença
de Deus. E, naturalmente, pode fazê-lo na companhia de todos os outros
que estão fazendo a mesm a coisa. Assim é que Paulo dá seguimento a
este outro contraste. Antes, os judeus eram um povo separado. Eles
podiam achegar-se a Deus com as suas ofertas queimadas e os seus
sacrifícios, por intermédio do seu sacerdócio. Os gentios não podiam.
No entanto agora os gentios podem, não somente entrar à presença de
Deus, mas também podem fazê-lo com os judeus que se tornaram
cristãos - todos eles entram juntos. O apóstolo tornará a dizer isso mais
adiante, com as seguintes palavras: “Por ele (Cristo) ambos temos
acesso ao Pai em um mesmo Espírito” .
M as agora estou interessado numa visão geral disto. E a coisa mais
m aravilhosa da vida. Vejam-na assim: vocês se lembram do que
aconteceu quando Adão e Eva pecaram no jardim do Éden, no Paraíso?
Foram expulsos do jardim , e lá no extremo oriental do jardim , junto à
porta, Deus pôs “a espada flamejante, e querubins” . Para quê? Para
proibir a reentrada do homem e da mulher no Paraíso, no j ardim do Éden.
Esse é o efeito da Queda e do pecado. O homem é mantido fora da
presença de Deus. “Sem Cristo” ! “Sem Deus no m undo” ! E “sem
esperança” ! E não pode voltar por causa da espada flam ejante e dos
querubins. “M as agora, em Cristo Jesus”, a porta está aberta, e o
homem, a despeito da Queda e do pecado e da vergonha, e de toda a
verdade sobre ele, pode voltar a entrar, tem acesso à presença de Deus.
Foi reconciliado com Deus, foi restabelecido no favor de Deus, a
inim izade foi removida, a ira de Deus contra ele foi apaziguada e
satisfeita. Houve um a substituição - um a expiação; eles foram postos
juntos de novo; o homem foi aproximado, foi introduzido na sala de
audiências, foi apresentado ao Rei da glória.

* É interessante o original inglês, que salienta a formação etimológica da pala­


vra atonement. Houve “an at-one-ment” - “an atonement”. “At-one-ment”
- ato de ficar no lugar de alguém. Expiação subslituliva. Nota do tradutor.

- 205 -
Ou podemos dizê-lo desta maneira: no versículo anterior Paulo
estivera dizendo que todos os não cristãos são estranhos às alianças da
promessa. Ele se referia à grande e única aliança que Deus repetiu em
diversas ocasiões com ênfases ligeiramente diferentes. Deus empe-
nhou-Se, Deus compactuou com o homem, Deus disse: “Farei isto;
farei um a nova aliança” . O que Paulo está dizendo nesta passagem é que
os gentios, embora estivessem tão longe, foram introduzidos na
aliança e agora estão começando a gozar as plenas bênçãos da nova
aliança de Deus com o homem, em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo
e por meio dEle. Que bênçãos são essas? Há uma perfeita descrição da
nova aliança no capítulo oito da Epístola aos Hebreus (versículos 10-
12). É citação de Jeremias, capítulo 31: “Este é o concerto que depois
daqueles dias farei com a casa de Israel, diz o Senhor; porei as minhas
leis no seu entendimento, e em seu coração as escreverei: e eu lhes serei
por Deus, e eles me serão por povo; e não ensinará cada um ao seu
próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: conhece o Senhor; porque
todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior. Porque serei
m isericordioso para com suas iniqüidades, e de seus pecados e de suas
prevaricações não me lembrarei m ais” . Essa é a Nova Aliança. Quando
o homem não é cristão, é estranho a essa aliança. Que é ser cristão? E
isto - ser aproximado, ser introduzido na aliança, poder ouvir: “Tudo
isso aplica-se a você”.
Repassem os o significado disso tudo. Significa que nós conhece­
mos a D eus! Isso é cristianismo, conhecer a Deus! Você pode ser
religioso, saber certas coisas a respeito de Deus, crer em certas coisas
acerca de Deus, estar interessado em Deus, ler livros sobre Deus e ouvir
preleções e argumentos acerca de Deus. Todavia, pode não ser cristão.
Ser cristão é conhecer a Deus. Diz a Nova Aliança: “Não ensinará cada
um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: conhece o
Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao
m aior” - tanto o menor como o maior. Conhecer a D eus! “Eu lhes serei
por Deus, e eles me serão por povo.” E isso que significa tornar-se
cristão. Antes vocês não eram povo, estavam separados da comunidade
de Israel (do povo de Deus), e eram estranhos às alianças, estavam sem
Deus no mundo; mas agora vocês foram aproximados, estão com o povo
de Deus, conhecem a Deus.
Que mais? Agora, porque conhecemos a Deus, chegamos com
confiança ao trono da graça. Este é, de novo, o argumento da Epístola
aos Hebreus (4:16), onde lemos: “Cheguemos pois com confiança ao
trono da graça, para que possamos alcançar nrsericórdia e achar graça,

- 206 -
a fim de sermos ajudados em tempo oportuno” . Você foi aproximado,
chegou p erto! Quando você se ajoelhapara orar, ora com confiança, com
ousadia? Sabe que está indo ao trono da graça? E você sabe que receberá
m isericórdia? E que obterá graça em sua ajuda? Essa é a posição do
hom em que foi aproximado: ele está perto, está na sala de audiências.
Ouçam o que diz o autor da Epístola aos Hebreus, no versículo dezenove
do capítulo dez: “Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário,
pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou,
pelo véu, isto é pela sua carne, e tendo um grande sacerdote sobre a casa
de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de
fé, tendo os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado
com água lim pa”. É isso que significa ser cristão. “Antes” - “mas agora
fostes aproxim ados” ! “Entrar no santuário” (“no lugar santíssim o”)!
Você está lá, tem ido lá, sabe o caminho? O cristão é alguém que pode
entrar na presença de Deus, pode entrar no “lugar santíssim o”; não há
nada que o detenha.
Que mais? Chegamo-nos à Sua presença em inteira certeza de fé.
Que terrível coisa é estarmos de joelhos, encher-nos de dúvidas e
incertezas, e dizerm os: não sei bem se tenho direito ou não - posso fazer
petições a D e u s? -n ã o tenho direito, sou pecador, fiz isto, fiz aquilo. Isso
não é orar. Orar é entrar no “lugar santíssim o”, na plena segurança da
fé, conhecendo a Deus e sabendo qual é a Sua relação com você e qual
a Sua atitude para com você “pelo sangue de Jesus”.
Vejam a verdade também no prólogo do Evangelho Segundo João.
D iz ele que “a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (a
autoridade) de serem feitos filhos de Deus” . Entendem os bem isso? -
que o cristão é alguém que não somente tem acesso à presença de Deus,
mas que O conhece como Seu Pai? Cristo lhe deu autoridade para ser
filho de Deus. Foi adotado. E embora esteja indo à presença do Deus
eterno e santo, vai com a confiança de filho. Tem autoridade, a
autoridade do Senhor Jesus Cristo, para dizer que é filho, e não há
porteiro que possaproibi-lo, não há inimigo quepossa fazê-lo recuar. Ele
tem o seu certificado de nascimento nas mãos e diz: vou ver meu Pai.
“A proxim ados” ! Ele sabe que é filho de Deus não somente por ter nas
mãos o c ertificad o -o certificado é a Palavra de Deus, as Escrituras; tem
outra forma de certeza também. “Porque não recebestes o espírito de
escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o espírito
de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai”, afirma Paulo em
Rom anos (8:15). Essa é a posição do cristão. Ele não ora a um Deus
distante, nem está preocupado com formas, aparências e beleza de

- 207 -
linguagem. Ele vai como um filho a seu Pai. “Aba, Pai” ! Conhece a
Deus como seu Pai, tem espírito filial, todo o seu coração busca a Deus,
e ele sabe que o coração de Deus está aberto para ele. Isto é cristianismo
verdadeiro. Será surpreendente que o apóstolo dê ênfase ao contraste
entre o que estas pessoas eram e o que são agora?
E, naturalmente, visto que o cristão sabe que Deus é seu Pai e que
é filho de Deus ele sabe que Deus o ama. Ele sabe que “até mesmo os
cabelos da sua cabeça estão todos contados” (Mateus 10:30). Ele sabe
que Deus tem interesse pessoal por ele, que nada lhe pode suceder
independentem ente de Deus; que, embora sendo Deus tão grande e
eterno em Sua majestade, em Seu poder, em Sua glória e em Sua energia,
Ele é um Pai interessado em cada um dos Seus filhos, sabe tudo a nosso
respeito e se preocupa com o nosso bem-estar. O cristão sabe que ali, à
direita de Deus, está Aquele que veio do céu à terra e se identificou
conosco, tomou o Seu lugar ao nosso lado, tomou sobre Si o nosso
pecado e morreu pelos nossos pecados. Assim, o cristão vai à presença
de Deus sabendo essas coisas. É o que significa “fostes aproxim ados” .
No capítulo quatro da Epístola de Tiago, versículo oito, há esta
declaração extraordinária: “Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós”.
M as como posso chegar-me a Deus se não sei o caminho? Como posso
chegar-m e a Deus se não sei que estou na aliança, que não sou mais
estranho, que não estou mais separado, que não estou mais fora e longe?
A única m aneirapela qual podemos chegar-nos a Deus é a que o apóstolo
coloca no fim deste glorioso versículo, cuja consideração com pleta
devemos deixar para mais tarde. Há somente um caminho pelo qual
chegar-nos a Deus, há somente um caminho pelo qual entrar no “lugar
santíssim o” : “pelo sangue de Jesus”. “M as agora em Cristo Jesus, vós,
que antes estáveis longe, já pelo sangue” - o sangue! - “de Cristo
chegastes perto.” O sangue do cordeiro na verga e nos batentes das
portas das casas dos israelitas no Egito salvou-os e os poupou; e o único
sinal procurado em todos os que querem aproximar-se de Deus e chegar-
-se a Ele é a m arca deixada pelo sangue do Filho de Deus. Essa m arca
está em você? Se está, você tem livre entrada (e ninguém pode impedí-
-lo) no “lugar santíssimo”, na própria presença de Deus. Você está ali?
Foi para lá? Você ora com confiança e certeza? Você conhece a Deus?
Você está gozando comunhão com Ele?
Ser habilitado a “chegar perto de Deus” é experimentar todas as
bênçãos da N ova Aliança em Jesus Cristo.

- 208 -
17
O SANGUE DE CRISTO
“M as agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já
pelo sangue de Cristo chegastes p e rto .” - Efésios 2:13

O problem a conosco, povo cristão, é que sempre deixamos de


compreender agrandeza da nossa salvação. Essa a razão pela qual foram
escritas as Epístolas do Novo Testamento. Foram escritas para cristãos,
e foram necessárias porque aqueles cristãos, como nós, estando ainda na
carne e sujeitos às tentações e provações inevitáveis num mundo
dominado pelo pecado, estavam sempre se vendo como distantes de
Cristo e não compreendendo o que exatamente os caracterizava em
Cristo Jesus. E os apóstolos se dispuseram afazê-los ver isso. Esse é o
único meio pelo qual podemos chegar a entender a grandeza desta
salvação; e à m edida que formos entendendo, seremos levados a alegrar-
-nos e regozij ar-nos, a louvar a Deus e dar-Lhe graças; e a um a segurança
e confiança em Cristo que nada poderá abalar. Mas, para chegarmos a
isso, temos de compreender duas coisas: temos de ver o que éramos sem
Cristo; e então, temos de compreender o que agora nos caracteriza
verdadeiramente por estarmos no Senhor Jesus Cristo.
Temos aqui o lado positivo desta grande dimensão do amor e do
poder de Deus para conosco em Cristo. Vimos que há três coisas aqui,
e agora passam os à terceira e última delas.
A terceira é, pois, a seguinte: como é que tudo isso acontece, como
ocorre essa grande mudança, o que é que nos dá o direito de dizer:
“antes... longe” e “agora...aproximados” - o que é que nos traz para
“perto de Deus ”. O apóstolo trata disso na parte final deste versículo:
“M as agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo
sangue de Cristo chegastes perto” . “Pelo sangue de Cristo.” A í está a
declaração que sempre se vê, em toda parte, no Novo Testamento, neste
contexto. Já a vimos. O apóstolojános tinhafalado no capítulo primeiro,
versículo sete - “em quem (em Cristo) temos a redenção pelo seu
sangue, a rem issão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça” - e
vai sempre repetindo isso. E continuará a repeti-lo. O restante deste
capítulo é, num sentido, simplesmente um desenvolvimento e uma
exposição deste versículo treze. Ele o expõe em detalhe e fica repetindo
as suas frases. É a história completa do Novo Testamento, é o coração

- 209 -
da men sagem cristã e da fé cristã. Como é que se faz para que cheguemos
perto de Deus? A única resposta é: “em Cristo Jesus” , e especialmente
“em ” ou “pelo seu sangue”.
Eis aí o alicerce da fé cristã. Se isto não estiver claro para nós, não
poderem os estar certos em lugar nenhum. Digam os críticos o que
quiserem, esta é certamente a mensagem do Novo Testamento. Em
Cristo Jesus, e pelo Seu sangue. O nosso evangelho é um evangelho
de sangue; o sangue é o alicerce; sem ele não há nada. Portanto, temos
que penetrar isto a fundo e dar ênfase às coisas que o apóstolo está com
tanta preocupação em salientar ao escrever aos efésios.

Como chegamos perto de Deus? Que direito temos de buscar a face


de Deus e de chegar perto dEle? Bem, começamos com negativas.
Prim eiram ente e acim a de tudo, não é pelo que eu sou p o r natureza.
Não é por causa de alguma bondade existente em mim. M eu direito de
ir a Deus não se baseia no fato de que eu vivo uma vida virtuosa ou tente
viver um a vida virtuosa, ou que tenho boa moralidade. Não é m ediante
isso que se chega a Deus; não é isso que me leva para perto de Deus. Há
m uita gente de boa moral no mundo que nem sequer está interessada em
Deus; e mesmo que estivesse interessada em Deus, a sua moralidade,
sozinha, nunca seria suficiente. Não precisamos demorar-nos nisto, o
apóstolo já o tinha salientado nos versículos anteriores: “não vem das
obras” ! Assim é que, se nalgum sentido estamos pondo a confiança em
nós mesmos e em nossa bondade e em nossa moralidade, estamos
negando o evangelho. Não há maior negação da fé cristã do que pensar
que porque você é um a boa pessoa tem direito de chegar a Deus em
oração. Isso é um a com pleta e absoluta negação disso tudo. Se fosse
verdade, Cristo nunca teria precisado vir ao m undo - menos ainda teria
precisado m orrer na cruz do Calvário. E, contudo, penso que vocês
concordarão que é essencial dar ênfase a isto. M uitíssimos são os que
vão à presença de Deus exatamente como o fariseu descrito pelo nosso
Senhor na figura do fariseu e do publicano que foram orar no templo
(Lucas 18:9-14). O fariseu foi direto à frente, ficou de pé e disse: “Ó
Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens, roubadores,
injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes
na semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo” . Esse homem, diz
o nosso Senhor, não vai para casa justificado; não foi ouvido por Deus,
não está perto de Deus. Há um sentido em que ninguém está mais longe
de Deus do que o homem que pensa que a sua bondade tem algum valor,
por pequeno que seja, na presença daquele fogo ardente, daquele fogo
consumidor, a santidade de Deus.

- 210 -
Em segundo lugar, o nosso direito de chegar a Deus não é pelas
boas obras que fazem os aos outros. M uitos são os que tomam essa
posição. Dizem eles: bem, é claro que admito que não sou perfeito, mas,
afinal de contas, estou tentando chegar a isso, estou tentando compensar
isso fazendo o bem; estou envolvido em atividades filantrópicas,
procuro ajudar os outros, saio do meu caminho para fazê-lo. Vocês
concordarão que existe aí um grande grupo de pessoas. Admitem que
não têm nada do que se gabar, são suficientemente sinceros para
conhecer que há dentro delas coisas feias, torpes e vis. Ah, sim, dizem
elas, porém, certamente, se procuramos compensar isso e fazer expiação
por isto m ediante a prática de boas obras, isso nos dará admissão à
presença de Deus. A í estão os idealistas, os benfeitores públicos, os que
falam em “reverência pela vida” e em fazer o bem. As vezes fazem
grandes sacrifícios; podem renunciar a um a importante profissão, po­
dem sacrificar as comodidades do lar e ir a distantes partes do mundo.
Certam ente estão fazendo um grande benefício, mas, se pensam que
esse benefício que fazem é o que lhes garante admissão a Deus e os faz
aceitáveis a Deus, estão negando o evangelho, exatamente como o
prim eiro grupo.
Todavia vou mais longe ainda. Nem porque somos religiosos e
temos interesse nos cultos e em Deus é que chegamos perto de Deus.
Aqui está algo que está num plano mais elevado que o das pretensões
anteriores. As outras duas só vêem o ego. M as aqui se trata de alguém
que realmente se preocupa com religião e com a relação com Deus. Ele
desej a cultuar a D eus. No entanto, se ele põe a sua confiança unicam ente
em suas práticas religiosas, de nada lhe valerão. E contudo, de novo,
vocês concordarão que há muitíssimos que pertencem a esse grupo.
Freqüentam cultos, valorizam a ordem. Podem sacrificar-se para fazer
isso e se levantam muito cedo porque acham que há algum mérito
especial nisso. Fazem isto e aquilo, observam formas e seguem o ritual,
e confiam nessas coisas como sendo elas o meio de aproximação. Mas
até isso é um a negação da mensagem cristã. O apóstolo Paulo era um
hom em altamente religioso antes da sua conversão. M artinho Lutero era
um hom em altamente religi oso antes da su a conversão. João W esl ey era
um hom em altamente religioso antes da sua conversão. Você pode
jejuar, suar e orar, porém isso pode ser o maior obstáculo para chegar
“perto de D eus” . Não é esse o caminho.
E, finalmente, nesta parte sobre as negativas, eu gostaria de
assinalar que o caminho para chegar perto de Deus não é o do
misticismo. Isso também precisa ser ressaltado porque o misticismo, em

- 211 -
suas várias formas, está sempre conosco. Nem sempre se vê em sua
form a clássica, ensinada e praticada na Idade M édia, especialm ente no
período final da Idade Média, por alguns dos grandes mestres da vida
mística, assim chamada, e aindapraticadapor muitos que seguem aquele
ensino na igreja católica rom ana e em vários outros ramos da Igreja
Cristã. Mas o misticismo, em diversas formas sutis, sempre tende a estar
conosco. (Há, naturalmente, um verdadeiro misticismo cristão evangé­
lico, porém, estou falando de algo que é geralmente considerado como
m isticism o.) Pois bem, o misticismo se baseia na alegação de que o
cam inho para aproximar-se de Deus é você olhar para dentro de si
mesmo. Provavelmente o místico concordaria com tudo o que eu disse
até aqui em minhas negativas. Se você quer conhecer a Deus, diz o
místico, se você quiser chegar perto de Deus, terá que voltar-se para si
próprio e ver-se interiormente; terá que aprofundar-se em si mesmo.
Deus, diz o místico, está dentro de você. Assim, é preciso que você se
feche para todas as exterioridades e para todas as atividades externas e
que, por assim dizer, mergulhe em Deus. E esse, diz ele, é o caminho
pelo qual se chega perto de Deus. O caminho da renúncia, o caminho da
contemplação, o caminho do repouso, o caminho do deixar ir-se, da
descontração, e simplesmente submergir-se no fundam ento da exis­
tência, imergir-se em Deus!
Por outro lado, talvez possamos caracterizar o m isticism o do
seguinte modo: a essência desse ensino é que a pessoa pode realmente
aproximar-se de Deus, encontrar Deus e chegar perto dEle diretamente,
sem nenhum mediador. Isso assume diversas formas populares. H á
gente, por exemplo, que o ensina dizendo: se você tem problema na vida,
se não sabe bem o que fazer consigo ou o que fazer nas circunstâncias
em que se acha, é muito simples o que fazer. Comece ouvindo a Deus,
aí mesmo onde está e como está; você não precisa fazer nada mais; você
se assenta, relaxa e ouve a Deus. Você só tem que deixar a coisa andar,
digam os assim, e dessa maneira, nesse estado de descontração, apenas
espere por Deus, e Deus falará com você; você pode chegar a Ele
diretamente. M as, dirá alguém, onde entra Cristo? Isso, dizem esses
místicos, é algo que vem depois. A primeira coisa que você tem que fazer
é chegar a Deus, é entrar em contato com Deus, e depois lhe será
ensinado como vir a Cristo. Ensina-se especificamente que, sem sequer
mencionar o nome de Cristo, qualquer pessoa, sempre que o quiser, pode
chegar perto de Deus e estabelecer contato imediato com Ele. Assim
eles pretendem “levar as pessoas a Deus prim eiro”, asseverando que,
se o desejarem muito, poderão levá-las depois a Cristo. Entretanto,

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naturalm ente, é obvio que isso é um a total negação daquilo que o
apóstolo ensina napassagem que estamos estudando. Somos aproxim a­
dos. Como? “Em Cristo Jesus”, “pelo sangue de Cristo” .

Como posso entrar à presença de Deus? Uma coisa é clara: não


posso fazê-lo por mim mesmo, por nenhum dos meios que indiquei. Sej a
eu ativo ou passivo, seja eu altamente religioso ou não, seja o que for que
eu faça, nunca conseguirei chegar por mim mesmo à presença de Deus.
Totalm ente correto, diz o apóstolo; a verdade a seu respeito é que, em
Cristo Jesus, os que antes estavam longe, agora foram aproximados. E
uma coisa que lhe fo i feita] você foi aproximado, trazido para perto.
Não é atividade sua, é de Outro, é algo que foi feito para você, que
aconteceu a você. Porque isso é verdade, naturalmente isso é evangelho.
Ouçam o apóstolo Paulo dizê-lo quando escreve aos coríntios: “Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o m undo” (2 Coríntios 5:19).
Não é o mundo que se reconcilia com Deus. Não é essa a mensagem. A
nova m ensagem é que, ao passo que os homens tinham falhado com ple­
tamente, Deus estava em Cristo reconciliando conSigo o mundo. Ou
vejam as palavras do Senhor Jesus Cristo. Não é assustador que nós,
tendo nossas Bíblias abertas diante de nós, podemos continuar tentando
encontrar Deus e chegar perto dEIe pelos meios que estive indicando,
quando o próprio Filho de Deus disse: “Eu sou o caminho, a verdade
e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim ” ? Dava para pensar que
isso seria suficiente, um a vez por todas. É a afirmação mais categórica
que se poderia imaginar. “Ninguém vem ao Pai, senão por m im .” E,
todavia, aí estão os que dizem: vou na força da m inha bondade, vou
sentar-me, vou relaxar, e verei Deus falar comigo. E Cristo nem é
mencionado, nem parece necessário!
E isso é tido e havido como cristianismo. Porventura não é de
admirar que acristandade esteja como está, que as nossas igrejas estejam
com o estão, que não estejamos experimentando a presença de Deus e
um poderoso avivamento e despertamento? Esquecer o Filho e achar
que Ele não é necessário é insultá-10; é negar afirmações específicas do
apóstolo e do próprio Filho de Deus. Não há meio de chegar perto de
Deus, exceto no Filho de Deus e por intermédio dEIe, o nosso bendito
Senhor e Salvador Jesus Cristo. “Há um só Deus, e um só M ediador
(som ente um!) entre Deus e os homens, Jesus Cristo hom em ” (1
Tim óteo 2:5). Portanto, o ensino é que nenhum homem chega perto de
Deus, a não ser que estejaem Cristo. O apóstolo já expusera isso. E tudo
“em Cristo” . Falemos com clareza: se eu não estou em Cristo, nunca

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estive perto de Deus. A única m aneira pela qual posso estar perto de
Deus é estando em Cristo; nEle eu estou perto de Deus, fui aproximado
a Deus. Mas, em particular, “pelo Seu sangue” ! É o que o apóstolo
salienta. Ele não se contenta em dizer apenas: “M as agora em Cristo
Jesus, vós, que antes estáveis longe fostes aproxim ados” . Sente a
necessidade de incluir: “pelo sangue de Cristo” . Isso é absolutamente
essencial. Sei que esta “teologia do sangue” é odiosa para muitos hoje
em dia. Não gostam dela, odeiam-na, abominam-na. Lem bro-me muito
bem como, há uns doi s anos, pouco mai s pouco menos, fui chamado para
ajudar num a discussão que estava havendo entre um homem de negócio
que se tornara cristão, e um profissional não cristão. Era um a grande
discussão, e eis que ouvi o profissional não cristão dizer ao apresentar
o seu argumento: naturalmente, tenho grande respeito por meu amigo
aqui, é um bom homem; posso ver o que lhe aconteceu: tudo bem, ele
se dedica muito a fazer o bem, e eu concordo com isso; porém você sabe,
disse ele, o que não agüento é esse sangue, esse negócio estrondoso de
que ele fica falando. O sangue de Cristo! Gente há que se refere a isso
como “esta carnificina”, “este revolver-se no sangue” . Façamos tudo
para viver uma vida virtuosa, dizem, prestemos culto a Deus, mas você
tem que ficar arrastando este sangue perpetuam ente? Parece-lhes um
escândalo, parece-lhes algo odioso. E, todavia, o apóstolo sai da sua rota
para introduzir esse assunto. É “pelo sangue de Cristo” . E o sangue de
Cristo significa a morte de Cristo, o derramamento da vida.
Noutras palavras, somos aproximados em Cristo Jesus; não prim a­
riamente p o r Seu ensino, porém. Ele ensinava. Ensinava os homens a
viverem - vejam o Sermão do M onte - mas se Ele tivesse ficado só
nisso, eu estaria tão longe de Deus quanto é possível ao hom em estar.
O Senhor Jesus Cristo, com o Seu ensino e com as Suas palavras sobre
como devo viver, não me leva para perto de Deus. Num sentido, leva-
-me para mais longe. Os fariseus - em sua interpretação da lei -
pensavam que realmente chegavam perto de Deus pela observância da
lei. Entretanto quando Cristo expôs o verdadeiro significado da lei, eles
começaram a ver que estavam muito longe de Deus. Quando você
percebe que Deus Se interessa tanto por um desejo como por um ato,
tanto por um motivo como por um a ação, que o olhar é tão mal como o
ato aos olhos de Deus, você percebe que o ensino de Cristo condena você
completam ente. Cristo não me leva a Deus ensinando-me a viver.
M enos ainda dando-me um exemplo para seguir. Seja como for que me
sinta quanto a mim, quando olho para Ele quero esconder-me, envergo­
nhado. As vidas dos Seus servos são mais que suficientes para que eu

- 214 -
sinta quão pobre é a m inha vida. Quando leio as vidas dos santos, vejo
como são pobres e imperfeitos os meus esforços. M as quando olho para
o Filho de Deus! Há os que falam sobre a “imitação de Cristo”, e sobre
como vão seguir a Cristo; porém nunca sabem o que estão dizendo.
Cristo nos condena completamente. Quem pode segui-10? Não há quem
possa segui-10; é impossível; Ele é por demais exaltado. Não é o Seu
exemplo que me aproxima de Deus.
Tampouco me aproxima simplesmente me dizendo que Deus é
amor. Pois bem, este, suponho, é o mais popular erro de entendimento
do evangelho hoje. O povo diz: o que Jesus Cristo faz é isto - e é assim
que E le nos leva a Deus - Ele nos diz que Deus é amor. Tudo o que
realm ente todos nós necessitamos é assegurar-nos de que Deus é amor.
E a única coisa de que os homens e as mulheres necessitam, dizem; eles
têm um a idéia errônea de Deus; se tão-somente soubessem que Deus é
um Deus de amor, correriam para a Sua presença e passariam o resto das
suas vidas ali. Que fatal maneira de subestimar o pecado e os efeitos da
Q ueda! Será que os homens se interessariam mais por Deus se soubes­
sem que Ele é um Deus de amor? Claro que não! Quereriam negociar.
Diriam: ah, bem, se Deus é um Deus de amor, posso fazer o que quiser,
o amor de Deus me perdoará. E é justam ente o que dizem. Portanto, o
Senhor Jesus Cristo não nos leva para perto de Deus sim plesm ente
dizendo-nos que Deus é um Deus de amor e que Ele está pronto a
perdoar. O Velho Testamento já nos dissera isso: “Assim como um pai
se com padece dos seus filhos...” e assim por diante. O Velho Testa­
m ento está repleto do amor de Deus. Teve sucesso? Não. N unca teve,
e nunca terá. Não é esse o caminho.

H á somente um meio pelo qual mesmo Cristo pode me levar para


perto de Deus, e esse ê - pelo Seu sangue, por Sua morte; pelo Seu
corpo partido, pelo Seu sangue derramado, pela Sua vida vertida. Por
isso Ele instituiu a Ceia do Senhor com o pão partido e o vinho
derramado, como um a perpétua rem emoração do fato de que a Sua
m orte é o único caminho para Deus. Vemos aí o prodigioso pré-conhe-
cim ento (apresciência) de Deus em Cristo. Sabendo quão prontos estão
os homens a cair no erro e na heresia, Ele estabeleceu, impôs e ordenou
a Ceia do Senhor - pão, vinho; pão partido, vinho derramado - para ser
um a perpétua pregação do fato de que esse é o único caminho para a
presença de Deus. O véu é o Seu corpo - tinha que ser rasgado. A morte
de Cristo! É somente pela m orte de Cristo, pelo sangue de Cristo, que
o ser hum ano pode ser levado para perto de Deus.

- 215 -
Como pode a morte de Cristo realizar essa obra? Há duas principai s
idéias aqui. Vou expô-las resumidamente a vocês. A prim eira é a que
com um ente é chamada “expiação” . O sangue de Cristo fa z expiação
p o r nossos pecados. Vocês se lembram da m omentosa declaração feita
por João Batista no início do ministério do nosso Senhor? “Eis” , disse
João, vejam, “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do m undo”
(João 1:29). A í está, num a única frase. O Senhor Jesus Cristo, que é Ele?
E o Cordeiro, o Cordeiro pascal, o Cordeiro do sacrifício. Ele é Aquele
em quem se resumem todo o cerimonial e todo o ritual do Velho
Testam ento. O Cordeiro de Deus, o Cordeiro providenciado por Deus
- não os cordeiros providenciados pelos homens. Por que era necessário
um cordeiro? Por que devia haver um sacrifício? A resposta é que “o
salário do pecado é a morte” (Romanos 6:23). Deus decretou e declarou
que o homem, pecando, morreria. E, portanto, o salário do pecado é a
morte. E Deus igualmente estabeleceu e decretou que isso só poderia
ser coberto com um a morte sacrificial e expiatória. Assim é que lem os:
“Sem derramamento de sangue não há rem issão” de pecados (Hebreus
9:22). A punição dada por Deus pelo pecado é a m orte espiritual, a
separação de Deus por toda a eternidade. Gostemos ou não, é um fato.
A lei não desculpa a ignorância da lei. Você não concordar com a lei não
faz nenhuma diferença quando enfrenta acusação no tribunal. E assim
é a lei de Deus. “O salário do pecado é a m orte.” E todos nós somos
pecadores. E a pena tem que ser cumprida - de outra forma Deus deixa
de ser justo, deixa de ser reto e santo. Então, por que Cristo veio ao
mundo? Veio, diz o autor da Epístola aos Hebreus, para que “provasse
a morte por todos” (Hebreus 2:9). Veio, diz Pedro, por esta razão: levar
“ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que,
mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça” (1 Pedro
2:24). Foi por isso que Ele veio. Que aconteceu na cruz? “Aquele que
não conheceu pecado, (Deus) o fez pecado por nós”, declara Paulo;
“para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21).
“Deus estava em Cristo reconciliando consigo o m undo, não lhes
imputando os seus pecados.” Deus toma os meus pecados - Ele tomou
os meus pecados, eu diria, e os imputou a Jesus Cristo; Deus os colocou
sobre Ele; tomou a minha dívida e a colocou sobre Ele; exigiu dEIe a
penalidade; e esta foi cumprida. Esse é o método de salvação determ i­
nado por Deus - em Cristo e pela morte de Cristo. Por que Cristo
morreu? A resposta é que “Deus fez cair sobre ele a iniqüidade de nós
todos” ; é que “pelas suas pisaduras fomos sarados”. Deus O feriu para
que nós não fôssemos feridos. Por isso Ele morreu, por isso o Seu sangue

- 216 -
foi derramado. Este é o único meio de expiar pecado; a expiação jam ais
se realizaria de outro modo. Pedro desembainhou a espada, certa
ocasião, para defender o nosso Senhor. Em bainhe a sua espada, Pedro,
disse noutras palavras Cristo; você não sabe que eu poderia dar ordens
a doze legiões de anjos, e eu poderia ser levado para o céu sem nenhum
sofrimento? M as eu vim para sofrer e assim cum prir as Escrituras
(Mateus 26:51-54). Ele “manifestou o firme propósito de ir a Jerusa­
lém ” (Lucas 9:51). Ele podia ter escapado disso tudo. M as, então, se Ele
escapasse disso tudo, eu e vocês morreríamos em nossos pecados. Ele
tinha que morrer; é o método de Deus para dar-nos perdão. Pelo Seu
sangue! Por Sua vida vertida! Agora vocês vêem por que Paulo teve que
introduzir essa verdade. Sem isto não há perdão. Sem isto eu não posso
aproxim ar-m e de Deus; a expiação é absolutamente indispensável.
Antes de eu poder chegar perto de Deus, algo tem que ser feito acerca
dos meus pecados. Eu nada posso fazer a respeito; eles estão condenados
pela lei de Deus, e essa lei tem que ser satisfeita; e Cristo a satisfez. Ele
cumpriu perfeitamente a lei; Ele sofreu a punição exigida pela lei. O
obstáculo da lei de Deus foi removido. Agora o caminho está livre, a
barreira do meu pecado foi tirada do caminho. Isso é expiação.
Contudo o sangue de Cristo faz um a segunda coisa. E esta é
vitalmente importante em nosso contexto. Paulo afirma que estávamos
“separados da comunidade de Israel” e que éramos “estranhos às
alianças da prom essa” - à aliança! Deus fez uma aliança com o homem,
como vimos quando consideramos a Nova Aliança. Leiam o capítulo
oito da Epístola aos Hebreus, e ali verão os termos completos da Nova
Aliança. “Porei as minhas leis no seu entendimento, e em seu coração
as escreverei; e eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo; e não
ensinará cada um ao seu próxim o... dizendo: Conhece o Senhor; porque
todos me conhecerão, desde o menor deles até o maior...e de seus
pecados e de suas prevaricações não me lembrarei m ais.” Essa é a
Nova Aliança. Estes efésios eram estranhos a isso tudo. Mas agora
foram aproximados pelo sangue de Cristo.
Como isto acontece? Eis a explicação: toda aliança era ratificada e
selada com sangue. Ao lerem o Velho Testamento vocês verão isso em
toda parte. Quando Deus fazia um a aliança com o homem, ela era sempre
ratificada e selada com sangue. Um animal era morto e o seu sangue era
esparzido sobre o docum ento. De fato verão que o templo foi santificado
e consagrado da mesma m aneira - os vasos do templo, os livros e o livro
da lei. Verão que os sacerdotes eram separados pelo sangue esparzido
sobre eles. Verão que quando um leproso era purificado, colocavam

- 217 -
sangue sobre ele. Esse é o método de Deus, o método para firmar e selar
esses atos. Toda aliança de Deus é ratificada e selada por m eio da
aspersão de sangue. E a Nova Aliança fo i ratificada da m esm a
maneira, desta vez pelo sangue de Jesus Cristo. Não mais “o sangue de
touros e bodes, e a cinza de uma novilha esparzida sobre os imundos”
(Hebreus 9:13). É o sangue de Cristo. Ele ratificou a Nova Aliança.
Ouçam as expressões utilizadas, especialmente naEpístola aos Hebreus.
Lemos que Jesus é “o M ediador da Nova Aliança” (VA). Verão isso
claramente no capítulo doze. Igualmente no capítulo treze lemos acerca
do “Deus de paz, que pelo sangue do concerto (aliança) eterno tornou
a trazer dos mortos a nosso Senhor Jesus Cristo, grande pastor das
ovelhas” (versículo 20). O sangue da aliança eterna! Certamente vocês
notaram como o Senhor Jesus Cristo, quando instituiu a Ceia do Senhor,
tomou o cálice, depois de cear, e disse: “Este cálice é o Novo
Testamento no meu sangue” (Lucas 22:20) - a “nova aliança no meu
sangue” . Notaram como Paulo lembra isso aos coríntios, em 1 Coríntios,
capítulo 11: “Semelhantemente também, depois de cear, tomou o
cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto,
todas as vezes que beberdes, em m em ória de m im ” . São esses os
termos. A aliança é ratificada com sangue. Noutras palavras, a Nova
Aliança entre Deus e o homem não seria segura para nós, se o sangue de
Cristo não fosse esparzido sobre ela. Esse é o selo que a garante. Levar
os nossos pecados não seria suficiente. Antes de eu poder chegar perto
de Deus e de ser aproximado dEle, tenho que ser um beneficiário, sob
a Nova Aliança; e Cristo é o M ediador da Nova Aliança. É Ele que Se
põe entre Deus e o homem. Ele é o Árbitro que nos reúne. É aquele que
estende as mãos para Deus, de um lado, e para nós, de outro. Ele é Deus;
Ele é homem; sim, ele é M ediador completo. Portanto, é por meio do
sangue da aliança que eu posso chegar perto de Deus.

Alguém poderá dizer nesta altura: ouvi tudo o que você disse, mas
me vejo tão grande pecador que, quando começo a orar, aflijo-me com
isso; como posso chegar perto de Deus? A resposta é que você precisa
crer neste ensino, aperceber-se do que ele diz e chegar-se a Deus com
ousadia, pelo sangue de Jesus. A prim eira coisa que é preciso que se faça
é ouvir o que diz o sangue de Cristo. Alguma vez lhe ocorreu que o
sangue de Cristo fala? Não se lem bra do que nos é dito em Hebreus
12:22-24: que chegamos à Jerusalém celestial, ao M onte Sião, etc., “e
a Jesus, o M ediador de um a Nova Aliança”, e finalmente, “ao sangue
da aspersão, que fala melhor do que o de Ábel” ? Sangue fala. O de Abel

- 218 -
falou. Que disse? Ouçam Gênesis 4:10. Deus Se dirigiu a Caim, depois
que este assassinara Abel, e disse: “Que fizeste? A voz do sangue do teu
irmão clama a mim desde a terra”. O sangue de Abel derramado estava
clam ando a Deus por vingança. E assim que fala o sangue de Abel. Fala
de juízo, fala de vingança, fala de maldição, a m aldição que caiu sobre
Caim. Mas o sangue de Jesus “fala melhor do que o de A bel” . Que fala?
Fala de perdão, de expiação, fala de paz com Deus. Está clam ando e
bradando para você: “Eu morri, você pode viver. A pena foi cumprida;
você está livre.” Você ouve o sangue de Jesus? Ele está falando, e fala
coisas melhores do que as que o sangue de Abel fala. Ouça o sangue de
Cristo, que lhe fala que Ele provou a morte por você e sofreu a pena
imposta a você, que a lei de Deus foi satisfeita e que o caminho para a
presença de Deus está livre.
Ou vejam o ponto de um a segunda maneira. Ouçam isto, em
Hebreus 9:14: “Quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito
eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará as vossas
consciências das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo?” E, de
novo, Hebreus 10:22: “Cheguemo-nos com verdadeiro coração, em
inteira certeza de fé, tendo os corações purificados da m á consciência,
e o corpo lavado com água lim pa”. Que quer isso dizer? Quer dizer que
quando você se põe de joelhos diante de Deus e a sua consciência o acusa
e você se lembra do que é e do que fez e ressuscita os seus pecados, você
deve voltar-se para si mesmo e dizer: fui aspergido com o sangue de
Cristo, você não pode me condenar; “Portanto agora nenhum a conde­
nação há para os que estão em Cristo Jesus” . Responda. Tenha a sua
consciência aspergida pelo sangue de Cristo, e ela será purificada de
todas as suas obras mortas.
Entendo, você dirá, vejo agora como posso ir à presença de Deus
porque vejo que os meus pecados receberam o devido tratamento.
Estou, pois, na presença de Deus. Mas, o que será de mim se eu tom ar
a cair em pecado, o que será de mim se eu fizer algum mal? A í está, na
Prim eira Epístola de João, a sua resposta: “Se andarmos na luz, como
ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus
Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado” (1:7). Você pecará; mas
o sangue de Cristo ainda o purificará do seu pecado. Você foi trazido
para perto de Deus, você está andando em comunhão com Ele, mas cai
em pecado. Você pensa: estou acabado, é o fim, pequei contra a luz. N ão !
V olte! O sangue de Cristo ainda tem poder, limpará você de todo pecado
e de toda mácula, você pode continuar andando com Deus, gozando da
comunhão com Ele. “Vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de
Cristo fostes aproxim ados.”

- 219 -
Quero fazer-lhe um a pergunta. Você foi aproximado? Posso dizer-
-lhe, com muita simplicidade, como saber se foi ou não. Se você ainda
fala em ser suficientem ente bom, você não foi aproximado, não chegou
perto. Se você ainda confia em si mesmo de algum modo, ainda está
longe. Se você fala que ainda não é suficientemente bom, também não
chegou perto - porque enquanto você continuar falando que não é
suficientemente bom, você estará dizendo que acha que pode tornar-se
suficientem ente bom. Todavia não pode. Nunca estará mais perto que
agora. Nunca! Se vivesse mil anos, não chegaria mais perto. J amais você
será suficientem ente bom para vir à presença de Deus. Assim, se você
ainda está dizendo: ah, isso é maravilhoso, mas eu não sou bom o
bastante, sou pecador, significa que você não chegou perto. O único que
é trazido para perto é aquele que diz: sei que sou pecador, sei dos meus
pecados do passado, sei que ainda tenho um a natureza pecaminosa;
porém, embora eu saiba disso, sei que estou na presença de Deus, porque
estou em Cristo. Ouvi a voz do sangue de Jesus, e ele me falou de perdão,
de reconciliação, de expiação, de Deus estar satisfeito, de Deus ser
“justo e justificador daquele que tem fé em Jesus” (Romanos 3:26). Foi
feita a aspersão do sangue sobre a m inha consciência. Ainda que o
inferno me denuncie, sei que Deus me aceita; estou confiante unica,
com pleta e inteiramente em Jesus Cristo, e Ele crucificado. "Seu
sangue lim pa o mais imundo, seu sangue vale para m im .” Unicamente
em Seus méritos sei que tenho acesso a Deus e que Deus me recebe, que
fui “aproximado pelo sangue de Cristo” . Tenhamos, pois, “ousadia
para entrar no lugar santíssimo, pelo sangue de Jesus” ; mas ainda “com
reverência e santo tem or” . Ousadia, confiança, entretanto sempre
lembrando que “o nosso Deus é fogo consumidor” . Não voluvelmente,
não levianamente, não com desatenção, não com petulância, não tem ­
pestuosamente, não carnalmente. “Com reverência e santo tem or” -
todavia sabendo, tendo certeza, com segurança, porque eu entro à
presença de Deus “pelo sangue de Jesus” .

- 220 -
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ELE É A NOSSA PAZ
“Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fe z um; e,
derrubando a parede de separação que estava no meio, na sua carne
desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em
ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem,
fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo,
matando com ela as inim izades.” - Efésios 2:14-16

Temos aqui mais uma daquelas grandes declarações, m ajestosas e


amplamente abrangentes, que com tanta regularidade e constância
vemos conform e avançamos neste capítulo. Faz parte do parágrafo que
com eça no versículo onze e vai até o capítulo três. E tam bém é
importante, ao chegarmos a este novo passo dado pelo apóstolo, que
tenhamos o argumento geral em nossas mentes. Vocês nunca poderão
ver realmente as partes do argumento do apóstolo se não tiverem ao
m esm o tempo o todo em mente. Não há sentido, não há verdadeira
subsistência de uma parte fora do todo. Refresquemos, pois, nossa
memória.
O apóstolo está demonstrando “a sobreexcelente grandeza do
poder de Deus sobre nós, os que crem os”. É isso que ele quer que estes
efésios saibam. Ele ora no sentido de que os olhos do seu entendimento
sejam abertos para que possam conhecer e captar esta verdade. Não se
trata de um conhecimento humano comum; não é algo que se enquadre
na mesm a categoria dahistória ou da filosofia ou coisa semelhante; é um
tipo e espécie especial de conhecimento. E só pode ser captado e
apreendido quando somos iluminados pelo Espírito Santo. Por isso o
apóstolo começa com essa oração. Para alguém cuja mente não esteja
ilum inada pelo Espírito Santo, todo este argumento é completam ente
irrelevante. E essa é a situação do mundo e a atitude de todos os não
cristãos. Eles dizem que querem algo prático, algo relevante. Isso por
causa da sua cegueira, pois, se tivessem olhos para ver, veriam que
somente isto é relevante. Mas o apóstolo orou para que os crentes efésios
pudessem conhecer, em particular, “a sobreexcelente grandeza do
poder de Deus sobre nós, os que crem os” . E ele o demonstra, vocês
recordam, de duas maneiras principais. Primeiro ele m ostra que eles
estavam mortos em ofensas e pecados; e nada pode ressuscitar os

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mortos, senão o poder do Criador. Somente Deus pode ressuscitar os
mortos - e Ele ressuscitou estas pessoas da morte espiritual, com Cristo,
paraum a novidade de vida; elas até estão assentadas com Ele nos lugares
celestiais.
No entanto, havia um segundo fato, adivisão do mundo antigo entre
judeus e gentios. Antes de pessoas como estes efésios, que eram gentios,
pagãos, poderem tornar-se membros da Igreja, de um modo ou de outro
Deus tinha que tratar dessa divisão radical. E o assunto do qual o apóstolo
está tratando nestes versículos, começando com o versículo onze, é
como Deus fez isso. A declaração geral é que noutro tempo eles eram
gentios na carne, estavam “sem Cristo, separados da comunidade de
Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem
Deus no mundo; mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis
longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto” . Essa é a declaração,
essa é a proposição, esse é o fato espantoso.
O apóstolo sentiu, porém, que não bastava apenas ficar nisso. E algo
tão maravilhoso, tão estupendo, que ele teve que dividi-lo, fragmentá-
-lo, em suas partes componentes, a fim de que eles vissem de m aneira
mais porm enorizada como essa realidade estonteante veio a existir.

Ele começa esta exposição detalhada no versículo 14 com a


extraordinária afirmação: “Ele (Cristo) é a nossa p a z”. “Porque Ele
é a nossa paz” - o “porque” fazendo ligação com o que vem antes. Ele
está desenvolvendo um argumento, está continuando o tema. “Porque
ele é a nossa paz” - Aquele por cujo sangue fomos trazidos para perto
é a nossa paz. Pois bem, essa é um a das coisas mais gloriosas ditas acerca
do Senhor Jesus Cristo em qualquer lugar. De todos os termos e títulos
aplicados a Ele, nenhum é mais maravilhoso do que este. Ele é a nossa
paz. Esta concepção é utilizada com freqüência, no Velho Testam ento
e no Novo, com relação a toda esta questão da salvação. Não há
expressão mais bela do que a que se vê naEpístola aos Hebreus, capítulo
treze, versículo vinte: “Ora o Deus de paz, que pelo sangue do concerto
eterno tom ou a trazer dos mortos a nosso Senhor Jesus Cristo, grande
pastor de ovelhas, vos aperfeiçoe em toda a boa obra, para fazerdes a sua
vontade, operando em vós o que perante ele é agradável em Cristo
Jesus” . Aí está! Deus é “o Deus de paz” . Esse é um modo muito bom
de pensar na salvação; somos salvos, somos cristãos, sim plesm ente
porque Deus é “Deus de paz”. Realm ente é tudo resultado disso.
M as a mensagem da Bíblia é que Deus é Deus de paz, e produz e
fa z a paz, em Seu Filho unigênito, o nosso Senhor e Salvador Jesus

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Cristo, e p o r intermédio dEle. 0 resultado é que vocês vêem que o
Senhor é descrito nesses termos em todo o Velho Testam ento, na
profecia. Vocês vêem, por exemplo, um homem como Jacó, no fim da
sua vida longae cheia de mudanças, abençoando os seus filhos e as várias
tribos que iriam desenvolver-se daqueles filhos; e quando ele chega a
Judá, diz: “O cetro não se arredará de Judá, até que venha Silo” . Que
é Siló? Siló é paz, o Autor da paz, o Príncipe da paz. A Jacó foi dado ver
isso. Não o entendeu plenamente, porém a estes homens, inspirados
pelo Espírito Santo, fora dado certo entendimento do grande propósito
de Deus, e Jacó tinha visto que era de Judá que Siló viria. Siló! “Ele é
a nossa paz.” DELE se diz ainda que não somente é “o Rei de Justiça”,
mas é também “o Príncipe da Paz” . São títulos atribuídos a Ele.
Permitam -m e lembrar-lhes também que quando, finalmente, na pleni­
tude dos tempos, o Filho de Deus nasceu, pastores que vigiavam os seus
rebanhos durante a noite ouviram um grandioso hino entoado por anjos.
Sua mensagem era: “Glória a Deus nas alturas, paznaterra, boavontade
para com os hom ens” . E por toda parte é assim. “Ele é a nossa paz.”
Esta é a essência mesma da salvação. O apóstolo se expressa desse
m odo a fim de nos m ostrar mais ainda quão admirável e espantosa é a
nossa salvação. Devo lembrar-lhes de novo que esse é o grande tema,
a espécie de “leit m otif ”* que segue paralelam ente o grande, o
grandioso “m otif ” central propriamente dito. O apóstolo queria que
estes efésios se dessem conta da natureza gloriosa da sua salvação. Isto
ele expõe de diversas maneiras nos versículo 1 a 13, e a q u i.n o versículo
14, dá mais um passo. Como vimos, no versículo 1 a 10 o apóstolo nos
m ostra que ê o pecado que causa a morte. Somente quando com pre­
endemos verdadeiramente a natureza do pecado é que compreendemos
verdadeiramente a natureza da salvação. É por isso que não há nada que
seja tão antibíblico e tão tolo como dizer: só quero o positivo. Não se
preocupe com o negativo, não fale muito sobre o pecado; queremos
saber do amor de Deus e do positivo. Contudo você jam ais o saberá, se
não compreender o negativo. O apóstolo salienta esta verdade constan­
temente. Para m edir o amor de Deus você prim eiro tem que descer antes
de subir. Você não parte do nível em que está e daí sobe; temos que ser
tirados de um calabouço, de um poço horrível; e se você não tiver idéia
da medida dessa profundidade, só medirá a metade do amor de Deus.

* Tema característico que se repete constantemente numa partitura. Em


francês no original. Nota do tradutor.

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Nos dez primeiros versículos o apóstolo nos mostra que Deus tem que
vencer o pecado, pois este leva à morte espiritual.
Feito isso, ele prossegue e nos mostra, nos versículos 11 e 13, como
o pecado sempre leva à separação - separação entre os judeus e os
gentios, “chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam
circuncisão feita pela mão dos hom ens” . Separação! Separados da
com unidade de Israel e estranhos às alianças da promessa! O pecado
separa o homem do homem, como também de Deus.
M as neste versículo catorze o apóstolo nos mostra que o pecado não
se detém na ação de separar os homens, vai além; o pecado põe os
homens em inimizade; e não somente em inimizade uns com os outros,
porém também com Deus. Isso é o cúmulo do pecado, o aspecto deveras
horrível do pecado; é onde se vê a extrema fealdade do pecado. O pecado
não somente separa os homens de Deus e uns dos outros, produz um
estado de inimizade contra Deus e de uns contra os outros. Por isso o
grande problem a atual é o problem a da paz. Essa é a razão das
conferências que se realizam. Essa é a grande preocupação de todo o
m undo - não haveria um jeito de banir a guerra, de reconciliar os
homens, de estabelecer um a paz durável, segura e perm anente? Como
poderão os hom ens ser reconciliados? Sabemos destas divisões, destes
conflitos, no m undo inteiro, nas nações, em grupos dentro das nações,
como também entre nação e nação. O mundo todo parece estar num
estado de luta e inimizade. Por quê? É aí que vocês vêem a relevância
das Escrituras. E é neste ponto que se vê como é difícil às vezes ser
paciente, como cristão. E, contudo, temos que ser pacientes. Vem os o
m undo e os seus homens, os seus grandes homens, assim chamados,
visivelm ente perdendo tempo tentando o impossível. Às vezes é difícil
ser paciente. M ais difícil ainda quando a gente vê homens, mesmo na
Igreja Cristã, entendendo e interpretando de form a completam ente
errada as Escrituras e, por assim dizer, levantando-se diante do mundo
e dizendo: vocês só têm que fazer o que lhe dizemos, e a paz que
procuram e esperam logo será um a realidade. Isso é trágico; não passa
de pura incapacidade de entender declarações como a que estamos
considerando.
O pecado é a causa do problema; ele põe o homem em inimizade
contra Deus, e põe o hom em em inim izade contra o homem. A
explicação é muito simples. O pecado é essencialmente orgulho, ego.
Evidentemente devemos voltar ao livro de Gênesis. Os que pensam que
podem eliminar os primeiros capítulos de Gênesis e continuar tendo um
evangelho cristão, estão apenas exibindo a suaignorância. Ali vocês têm

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a explicação fundamental daquilo que prevalece hoje. A causa radical
de toda a inimizade é o orgulho do hom em ; o homem interessado em
si mesmo, o homem querendo impor-se como um ser autônomo, até
mesmo face a Deus, e pronto a dar ouvidos às perguntas: “É assim que
Deus disse?” Quem é Deus para dizer-lhe o que você pode ou não pode
fazer? Homem, disse satanás, você não percebe como você é grande,
como é poderoso. Deus o está mantendo como escravo, e o está usando
como servo. Por que você não se levanta sobre os seus próprios pés, por
que não faz afirmação do seu ser, por que não se firma em sua dignidade
e não exige os seus direitos? Não se rebaixe, levante-se! E ele se
levantou. Não quero ser paradoxal, mas foi porque o homem se levantou
que ele caiu. Pôs-se numa posição que nunca fora planejada para ele;
tentou ficar numa posição que não podia manter; e isso levou à Queda
e a todas as suas terríveis conseqüências. Tudo devido ao orgulho, ao
interesse próprio, àpreocupação consigo mesmo. O hom em quer bancar
deus. Julga-se autônomo, julga que tem direitos; fala dos seus direitos
e das suas exigências. Isso é simples manifestação de interesse próprio,
de autogratificação, de amor próprio e de louvor próprio. Ele está sempre
se voltando para si mesmo e girando em torno de si. Ele é o centro. Sim,
mas, desafortunadamente, todos os homens estão fazendo a m esm a
coisa. A í é que entra o problema. Se somente eu existisse, não haveria
problem a, porém todos os outros “eu” são exatamente como eu. O
resultado é que o mundo está povoado de deuses, todos afirmando o seu
ser pessoal, exigindo os mesmos direitos e alegando as mesmas coisas.
E os choques são inevitáveis. E uma guerra de falsos deuses. E todos se
juntam na inimizade contra Deus; não significa, no entanto, que todos
estejam de acordo entre si. Não! Acaso vocês não vêem como este é o
modelo de todos os problemas do mundo atual? Temos aí os operários
se unindo contra os patrões; e os patrões contra os operários. M as, isso
significaria que eles estão muito felizes, em harm oniauns com os outros
e todos se ajudando mutuamente e se sacrificando uns pelos outros?
Naturalm ente que não! Eles se dividem - operário contra operário,
patrão contra patrão, com rivalidade, competição, ciúm e e inveja. O
problem a existe em toda parte. A humanidade se une em inimizade
contra Deus, todavia está cheia de lutas sangüinárias - o homem contra
o homem, bem como o homem contra Deus.
Essa é a única explicação adequada acerca do mundo como ele é
hoje. E a suprema tragédia é que o mundo não vê isso; nem começou
a vê-lo. E isso porque ele parte da suposição de que, seja qual for a
explicação, não tem relação com Deus. Somos espertos demais para crer

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em Deus; começamos excluindo Deus. Não pode ser assim. Seja o que
for, não é religioso. Não tem a mínima ligação com Deus e com Cristo.
Agora somos adultos, não somos mais crianças, de modo que não se trata
disso, isso nem deve ser levado em conta. Por isso tentamos encontrar
alguma outra explicação e cura. Mas o fracasso terrível é evidente por
todos os lados. E, necessariamente, continuará assim, enquanto o
homem não enxergar a explicação verdadeira. Ele não vê que é devido
estar em más relações com Deus que ele está em más relações com os
seus semelhantes.
O Senhor Jesus Cristo fala disso com m uita clareza e um a vez por
todas. Alguém aproximou-se dEle um dia e disse: “M estre, qual é o
grande m andamento na lei?” E esta foi a Sua resposta: “Am arás o
Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo
o teu pensam ento. Este é o primeiro e grande m andam ento. E o segundo,
semelhante a este, é: amarás o teu próximo como a ti m esm o” (Mateus
22:36-39). Pois bem, o importante aí é observar a ordem: primeiro, a
relação com Deus; segundo, a relação do homem com o seu semelhante,
hom em ou mulher. Toda a tragédia do mundo moderno deve-se ao fato
de que o prim eiro é inteiramente descartado, e os homens pensam que
podem com eçar do segundo. Contudo você não pode fazê-lo, porque
deve amar o seu próximo como a si mesmo, deve amar o seu próximo
como você se ama a si mesmo. Portanto, o problema é: como devo amar
a mim mesmo? E, segundo a Bíblia, eu nunca amarei a mim m esm o da
m aneira certa enquanto eu não me vir a mim mesmo com o estou na
m inha relação com Deus. Portanto, não tenho a m ínima possibilidade de
cum prir o segundo mandamento, a não ser que j á esteja esclarecido
quanto ao primeiro. E impossível. E o homem hoje, não reconhecendo
a Deus, não começando com Deus, e não se submetendo a Deus, está
tentando reconciliar-se com o seu semelhante. E, naturalmente, não está
tendo sucesso, e nunca terá. Ele está violando a lei da sua própria
natureza. Ele foi feito por Deus, foi feito para Deus; e ele não se verá
verdadeiram ente a si próprio, e não verá verdadeiramente nenhuma
outra pessoa, enquanto não se veja e não veja os outros à luz da lei de
Deus, face a face com Deus.

É isso que está por trás da declaração aqui: “Ele é a nossa paz” .
Somente Cristo é a nossa paz. Sem Ele não há paz. O m undo pode
continuar a desenvolver-se intelectualmente e em todos os outros
aspectos, pode aumentar o seu conhecimento da ciência, da sociologia,
da psicologia e de tudo mais, pode m ultiplicar as suas instituições, pode

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instruir-nos neste e naquele aspectos, porém isso não levará a nada,
porque o problem a nunca poderá ser solucionado, exceto em nosso
Senhor e Salvador Jesus Cristo, e por m eio dEle. É quase incrível que
seja necessário dizer isso. Mas é. A história prova isso cabalmente. O
século vinte deveria ter sido o melhor e o mais grandioso século que o
m undo já conheceu, conforme e entendimento humano. Vejam-no,
porém. E um dos piores, um dos mais aterradores. Isso é muito
deprimente, dirá alguém, não devo estar tão deprimido assim. A resposta
é que não é questão de depressão, é questão de encarar os fatos. Se você
está realmente preocupado com o problem a do homem e do mundo,
como está com o seu próprio problema, terá que enfrentá-lo radical­
mente. E aí estão os fatos. Se você tentar partir do segundo mandamento,
isso levará ao desastre, porque o homem não é meramente intelecto, não
é meramente um ser social. Segundo as Escrituras, há um princípio mau
atuando nele; ele está infeccionado pelo pecado, espiritualm ente está
mal de saúde. E antes de começar a instruí-lo, você terá de curá-lo. Ele
precisade nova vida. O apóstolo o diz em termos de uma declaração geral
que, é claro, é totalm ente consoante com o cristianismo - “Ele (e
somente Ele) é a nossa paz” .
Ora, isso significa várias coisas. Primeiramente e acima de tudo,
significa que Ele, pessoalmente, é a nossa paz. O que quero dizer com
isso é que o Senhor Jesus Cristo não somente faz a paz - Ele faz a paz,
com o espero demonstrar-lhes - mas Ele mesmo é a paz. Ele é a nossa
paz. O que é simplesmente outra maneira de dizer que nós temos que
estar em Cristo, antes de podermos gozar as bênçãos de Deus como o
Deus da paz. Somente quando estivermos relacionados com Cristo,
somente quando estivermos incorporados em Cristo, ou, para usar uma
expressão bíblica, enxertados em Cristo, somente quando form os
membros de Cristo e partes do Seu corpo, participando da vida de Cristo
e haurindo da vida de Cristo - somente quando tudo isso for real em nós
é que realmente gozaremos as bênçãos da paz. M ais uma vez, quando
compreendermos isso, veremos a indescritível superficialidade de
m uitacoisaque se diz nos dias atuais. Não quero que me entendam mal,
nem quero faltar com o respeito para com os chamados pacifistas,
todavia o real problema com aquele ensino é a sua falta de entendimento
teológico, e a sua incapacidade de compreender o problem a do pecado.
E isso não se aplica somente ao caso deles, mas também atoda conversa
leviana dos homens e mulheres que dizem que o problem a é muito
simples, que tudo que é preciso fazer é convidar o povo para reunir-se
e falar-lhe agradavelmente, terminando tudo com um aperto de mãos, e

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tudo estará bem, Houve estadistas que acreditavam sincera e genuina­
m ente que se tão-somente pudessem reunir-se com Hitler ao redor de
um a mesa e conversar com ele, toda a coisa seria resolvida. “A paz em
nosso tem po”, diziam eles, “nós nos reunimos com eles, fizemos um
acordo de cavalheiros.” No entanto, não demorou muito, e eles desco­
briram que o homem cujas mãos eles tinham apertado não era um
cavalheiro. E esse continua sendo o problema. Quão superficial, quão
patético, pensarem ainda os homens que mediante frases feitas podem
resolver os problemas do pecado do homem. Não, “Ele é a nossa paz” ;
Ele, o eterno Filho de Deus, que teve que nascer como um a criança em
Belém. É isso que foi essencial para solucionar este problem a. E,
todavia, eles dizem que simplesmente sendo bom, agradável e amistoso,
e falando através de uma mesa, podem acertar tudo. Se fosse tão simples
assim, a encarnação jam ais precisaria ter ocorrido, a morte na cruz nunca
teria acontecido; mas, antes de poder haver paz, estas coisas tiveram que
acontecer. Ele mesmo, a Pessoa bendita, é a nossa paz. E é somente
quando entendemos algo desta m ística doutrina do cristão como m em ­
bro do corpo de Cristo é que verdadeiramente participamos dessa paz
e a usufruímos.
Entretanto Ele também fa z a p a z, diz o apóstolo. Este é um ponto
sobre o qual devemos ter claro entendimento. Como Cristo faz a paz?
Devemos interpretar isso escrituristicamente, não sentimentalmente.
Notem os termos: “Ele é a nossa paz” ; e depois, Ele fez a p a z -fa z e n d o
a paz”. Que é que significa isso? A interpretação superficial, senti­
m ental dos textos a que me referi, parece entender que o processo é o
seguinte: o Senhor Jesus Cristo nos ensina a fazer a paz. Dizem tais
intérpretes: “Você lê as Escrituras e depois, no espírito das Escrituras,
e daquilo que você entendeu das Escrituras, procure o seu inimigo,
ponha em prática o ensino, e você o ganhará”. O argumento, ao nível
internacional, é que, se um a só nação sim plesm ente se desarmasse
completam ente, o efeito que causaria sobre todas as outras nações seria
tão estonteante que nunca mais quereriam outra guerra.
Um a vez ouvi um homem falar num a reunião, creio que uns trinta
e cinco minutos, e que nesse espaço de tempo nos conduziu, assim
pensou ele, através de toda a Epístola dos Efésios sem nenhum a
dificuldade! Disse-nos que a sua mensagem era deleitavelm ente sim­
ples. Era um pacifista muito conhecido e que tinha sofrido bastante pelo
seu pacifism o; homem honesto, homem sincero, um bom homem. O que
ele entendia do nosso texto (Efésios 2:14-16) era que ele simplesmente
consistia num a questão de aplicar o ensino de Cristo e o espírito cristão.

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O clímax do seu discurso foi uma história que ele nos contou e que, para
ele, provava inteiramente o ponto. Disse ele que fazia parte do corpo
diretivo de uma escola para meninas, escola pública, e ele nos contou que
vários colegas de direção sentiam-se mal com o fato de haver punições
e recompensas na escola. As crianças que procediam mal eram punidas
de várias maneiras, e ele e outros achavam que esse não era o método
de Cristo, não era o método cristão. Não devia haver nenhum a punição,
nenhum a disciplina nesse sentido; em vez disso, as crianças deveriam
ser convidadas a agir como adultos, deveriam revestir-se de dignidade,
e deveria ser-lhes dito que no futuro seriam tratadas como adultos, e que
os inspetores e inspetoras de alunos confiariam nelas. Assim, disse ele,
após muitos anos, eles persuadiram os seus colegas da junta diretora e
o corpo docente a concordarem nisso, e naquela escola em especial todas
as formas de punição foram abolidas. Disse ele: alguns dos nossos
amigos, naturalmente, tinham profetizado que isso levaria ao desastre,
mas vocês sabem, continuou ele, no mesmo ano em que fizemos isso,
o núm ero de admissões em Oxford e Cambridge foi mais alto do que
nunca antes. É isso que acontece, disse ele, quando se põe em prática o
am or de Cristo. A í está! Tão simples! Simplesmente aplicar o ensino.
Faça isso individualmente, faça-o em comunidades, em grupos e em
classes; faça-o entre países, e nunca mais haverá problema algum!
Que perversão das Escrituras! Seria realmente necessário que o
Filho de Deus deixasse as cortes celestiais se a resposta fosse essa? A
morte de cruz seria necessária, se a solução fosse apenas um a questão
de aplicar algum ensino? Não é o que nos é dito aqui. Ele, Cristo, fe z a
paz. Não é que Ele me manda fazer algo - Ele faz isso, é certo, mas eu
só posso fazer o que Ele me diz porque Ele fez algo primeiro. Ele fez
a paz. Ele é a nossa paz. Ele é o Príncipe da paz. E o Deus de paz que
faz apaz. Não é primariamente os homens aplicarem certo ensino, é algo
fundam ental feito por Deus em Cristo que produz um a situação intei­
ram ente nova. E por isso que não me canso de dizer que o dever da Igrej a
Cristã não consiste meramente em dar conselho aos estadistas e a outros,
e em dizer-lhes como solucionar os seus problemas; pois não poderá
haver paz entre os homens enquanto os homens não se tornarem cristãos.
É impossível. Por isso o evangelho é necessário, por isso Cristo veio.
Não se pode aplicar a não cristãos um ensino destinado aos cristãos.
Fazê-lo é um a rem atada heresia. Estas Epístolas não foram escritas para
o mundo, foram escritas para os cristãos. Temos que nascer de novo,
temos que ser criados de novo, antes de ser possível que isso se aplique
a nós. Cristo faz a paz. Essa é a proposição fundamental. Ele é a nossa

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paz, Ele fez a paz; é algo que Ele traz à existência.

O apóstolo nos diz nestes versículos como Cristo traz à existência


a paz. Para que haja paz verdadeira, duas coisas são indispensáveis. É
preciso que os homens sejam reconciliados com Deus, e que sejam
reconciliados uns com os outros. O apóstolo dá atenção a ambos os
problem as. Ele parte da reconciliação dos homens uns com os outros.
Ele procede assim , entendo eu, porque o que predom inava em sua mente
naquela hora era o seguinte: ele estava olhando para a Igreja Cristã e nela
via judeus e gentios. Assim ele inicia com o fato concreto da Igreja. Ali,
juntos, louvando a Deus, estão homens que antes eram inimigos
mordazes. Que foi que os juntou? Paulo com eçacom essa questão e dela
trata nos versículos 14 e 15. Depois, no versículo 16, ele m ostra como
ambos juntos foram trazidos a Deus e como foi abolida a inimizade entre
eles e Deus.
Como, então, Cristo reconcilia os homens uns com os outros?
Com o Ele aproxim a uns aos outros em amor? Como Ele destrói a
inim izade que há entre os homens? Primeiro Paulo o coloca negativa­
mente. Diz ele que Cristo derrubou “a parede de separação que estava
no m eio”, entre nós. Neste ponto perm itam-m e indicar que a Versão
Autorizada, e na verdade a Versão Revista (inglesas), não são tão boas
como deviam ser. Sem dúvida, a Versão Revista Padrão é melhor. Eis
a tradução da Versão Autorizada e (com ligeira variação apenas) da
Versão Revista: “Ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um e derrubou
a parede de separação que estava no meio, entre nós, tendo abolido em
sua carne a inimizade, até (essa palavra é acrescentada, não está no
original, e vem impressa em itálicos), até a lei dos mandam entos” . Não
está m uito bom, e é m elhor entendê-lo assim: “Derrubou a parede
divisória de hostilidade (ou de inimizade) abolindo a lei dos m andam en­
tos” (tradução semelhante à de Almeida). Ele derrubou a parede de
separação (de inimizade) que estava no meio. Como? - abolindo a lei
dos m andam entos nas ordenanças. Essa é a m elhor m aneira de ver isso.
Então, que significa? Que é que uniu o judeu e o gentio na Igreja Cristã?
A resposta é que o Senhor Jesus Cristo desfez a inimizade. Havia no
m eio um a espécie de parede de separação entre eles. Havia um a parede
divisória entre eles, no meio. O apóstolo está usando aqui, como figura,
algo que era característico do templo. No templo vimos que o Pátio dos
Gentios era o mais distante. Os gentios não tinham permissão para entrar
no Pátio do Povo, dos judeus. Havia um a parede que os separava, um a
parede de separação, no meio. De fato, aquele velho templo estava cheio

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de divisões. Havia, além do Pátio dos Sacerdotes, o Lugar Santo, e
depois o “santo dos santos”, o Lugar Santíssimo, no qual ninguém tinha
a perm issão de entrar, exceto o sumo sacerdote, um a vez por ano. Era
um lugar cheio de divisões. Mas em Cristo, diz o apóstolo Paulo, as
divisões foram arrasadas, foram derrubadas, foram postas abaixo, e o
caminho para o Lugar Santíssimo está livre. Contudo aqui ele está
particularm ente interessado no fato de que a prim eira divisão, entre os
gentios e os judeus, a inimizade, desapareceu.
Mas por que lhe chama inimizade? Porque, afinal de contas, foi
Deus que determinou os detalhes concernentes à construção do templo,
foi Deus que deu a lei aos filhos de Israel. E, contudo, Paulo afirma que
foi essa lei dos mandamentos contida nas ordenanças que realmente
produziu a inimizade. Esse é um ponto muito importante e muito sutil,
e é aí que vemos exatamente o que o pecado faz ao homem. Como já
vimos, Deus tinha dividido a raça humana em dois grupos. Deus criou
para Si um povo especial descendente de Abraão. São os judeus, a
comunidade de Israel, o povo de Deus. Os judeus estavam realmente
separados de todos os outros povos, e o propósito era que estivessem
separados mesmo. Deus lhes deu leis especiais, estas “leis dos m anda­
m entos nas ordenanças”, como Paulo as descreve. Ele se refere à lei
cerimonial, à lei acerca das ofertas queimadas e dos sacrifícios, das
ofertas de cereal, e de todas as outras sobre as quais lemos no livro de
Levítico e noutros lugares. Deus as determinou. Eram esses os meios
pelos quais os filhos de Israel deviam aproximar-se de Deus e ser
abençoados por Ele; e, se não os observassem, Deus não Se encontraria
com eles, e não os abençoaria. Deus lhes deu a lei. Não deviam comer
certos tipos de animais, e assim por diante. Eram, todas elas, leis de
Deus, a lei cerimonial, a lei dos m andamentos nas ordenanças, em
preceitos. Bem, vocês dirão, se é assim, onde entra a inim izade?
Precisam ente onde entra o pecado. Deus dividiu o m undo em dois
grupos, e deu estes mandamentos. Mas não o fez para criar inimizade;
fez isso para que os filhos de Israel dessem testemunho dEIe, das Suas
santas leis e do caminho da salvação. No entanto, por causa do princípio
do pecado, do ego e do egoísmo, eles interpretaram o ato de Deus de tal
modo que diziam: nós, e somente nós, somos o povo de Deus, e estes
outros são cães, mal chegam a ser seres humanos.
Os judeus tornaram o mandamento de Deus uma parede inter­
mediária de separação; fizeram dele um objeto de ódio e de inim i­
zade. E os gentios olhavam e diziam: quem são esses judeus? Que
alegações são essas que eles fazem a seu favor? E assim os odiaram. E

- 231 -
o judeu odiava o gentio. Mas não era essa a intenção de Deus. A lei fazia
parte da revelação de Deus, fazia parte do plano de salvação feito por
Deus. Entretanto o homem em pecado transforma os próprios dons de
Deus em causas de inimizade. E assim que as paredes intermediárias
entram. Não se trata de um ponto puramente acadêmico. O mundo atual
está cheio dessas divisões. Vejam os dons que Deus dá aos homens.
Todos eles são manifestações da Sua generosidade e bondade. Ele dá o
dom da inteligência e do entendimento, dá perspicácia a certos homens,
e eles prosperam e têm sucesso. Ele derrama chuvas de dons destas
várias formas. Mas, pergunto, todos os homens se ajoelham e agradecem
a Deus os dons da Sua graça aos homens? Será que atribuem com
hum ildade a glória e a honra a Ele e lhe dão graças, sendo que é Ele quem
dá “toda a boa dádiva e todo o dom perfeito” ? Sabemos muito bem que
não o fazem. Eles estão fazendo o que o judeu e o gentio fizeram. O
homem dotado de inteligência diz: naturalmente, eu tenho cérebro,
tenho entendimento. Vejam aquele outro sujeito, ele não sabe nada. E
assim o despreza. E o outro homem olha para ele e diz: quem é ele?
Quem ele pensa que é? Inimizade! E tudo por causa dos dons de Deus.
Dá-se o mesmo com todos os dons que Deus dá. São dons de Deus, são
m aravilhosos, e se nós todos compreendêssemos isso e fôssemos
humildes, todos nós os desfrutaríamos juntos. O homem sem talento
diria: que m aravilha esse homem! Que coisa esplêndida Deus tê-lo
dotado de tal capacidade! Todavia não é assim; estas coisas levam à
inveja e à rivalidade, à inimizade, ao ódio, à malícia, à crueldade, ao
escárnio e a tudo o que só serve para envenenar a vida.
Não haverá paz enquanto isso tudo não for derrubado. Cristo, diz
o apóstolo aqui, derrubou tudo isso, nesta questão de religião, e o fez uma
vez por todas, pois “Ele aboliu a lei dos mandamentos contida nas
ordenanças Foi como Ele fez. O que significa que agora o método de
Deus não é mais o de ofertas queimadas, sacrifícios e coisas que só eram
peculiares e especiais para o judeu. É mediante Cristo, e somente
m ediante Cristo. Assim, aquilo que tinha levado à inimizade, à inveja
e à rivalidade, foi eliminado por Cristo. A causa da inimizade foi
rem ovida. E quando os homens vêem isso em Cristo, a inimizade
desaparece. O judeu que realmente entende a doutrina de Cristo, não se
separa mais em termos da lei cerimonial. Ele diz: isso terminou em
Cristo; portanto, agora estou na mesm a posição do gentio. E o gentio
também vê que não existe mais essa peculiar distinção entre ele e o
judeu, e que o caminho é em Cristo, tanto para ele como para o judeu.
Assim eles vêm juntos a Deus da m esm a m aneira, em nosso Senhor e

- 232 -
Salvador Jesus Cristo e por intermédio dEle.
Vocês vêem o ponto ao qual chegamos agora. Cristo derrubou a
parede de separação que estava no meio, a inimizade. E aqui está como
Ele o fez: “O fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê”
(Romanos 10:4). Já não há necessidade do cerimonial e do ritual do
judeu; isso foi extinto. Cristo é o cumprimento disso tudo. Aquelas
coisas eram apenas tipos que apontavam para Ele. Os hom ens nunca
devem deter-se nelas, elas deveriam levá-los a Ele. Mas Ele pos um fim
nelas. Dessa maneira, em toda esta questão de acesso a Deus, a velha
distinção, originariamente feita pelo próprio Deus, foi abolida pelo
próprio Deus em Cristo, e agora o caminho está livre, tanto para o gentio
como para o judeu, para virem à presença de Deus. Eles poderão vir, não
m ediante um sacerdócio terreno, humano, não com ofertas e sacrifícios
materiais, e sim mediante o único e exclusivo M ediador entre Deus e
os homens - o homem Cristo Jesus, que pelo sacrifício da Sua vida e pelo
Seu precioso sangue derrubou a parede intermediária de separação. E
será somente quando os homens aprenderem essa verdade que serão
libertos da inimizade.

- 233 -
19
FAZER A PAZ:
O MÉTODO DE CRISTO
“Para criar em si mesmo dos dois um novo homem,
fazendo a paz. ” - Efésios 2:15

Ao passarmos a considerar esta declaração particular, devemos


lembrar-nos de que ela faz parte do grande argumento que o apóstolo
desenvolve nestes versículos. Ele está falando do admirável fenômeno
apresentado pela Igreja Cristã, e vê ali como membros e companheiros
-ju d e u s e gentios, pessoas que tinham pertencido àquela comunidade
de Israel junto com os que até então haviam estado separados dela e
tinham sido estranhos às alianças da promessa. E o que ele está fazendo
aqui é explicar como foi que isso aconteceu. Foi o poder de Deus que
o fez. Nenhum a outra coisa poderiajuntar judeu e gentio em atos comuns
de culto. E foi esse opoder que ressuscitou Cristo dentre os mortos, nada
menos que isso! É isso que o apóstolo está expondo, e o faz em detalhe.
O argumento é sutil; em toda a extensão das Escrituras não há argumento
mais cerradam ente entretecido do que nesta seção particular. Cada frase
é importante, cada palavra é significativa, se havemos de compreender
a vigorosa declaração e apreciar plenamente a sua riqueza e glória. Ele
acrescenta declaração a declaração, e cada um a delas segue a outra com
extraordinária precisão lógica. A mente do grande apóstolo revela-se
aqui de m aneira deveras admirável. A coisa estava bem clara para ele,
e ficará clara para nós, se nos dermos ao trabalho de examinar estas frases
um a por um a e observarmos a conexão entre cada um a delas e a
precedente, e como cada um a leva à subseqüente. Mas, em acréscimo,
precisam os da iluminação que somente o Espírito Santo pode dar. Por
isso o apóstolo, antes de aventurar-se a esta emocionante demonstração
da m aravilhosa graça de Deus, tinha orado por estes efésios que iam ler
a carta, no sentido de que “os olhos do seu entendimento” fossem
iluminados. Sem isso, nada podemos fazer. Portanto, um teste m uito
bom para ver se o Espírito Santo iluminou os olhos do nosso entendi­
m ento é verificar se estamos seguindo o argumento conform e avança­
mos. M ais, estaríamos nos alegrando nele, vibrando com ele, perce­
bendo que estamos olhando para a coisa mais assombrosa do mundo?

-2 3 4 -
Aqui está a essência do argumento; Cristo é a nossa paz. “Ele é a
nossa paz” - tudo está nEle. E também é verdade que Ele faz a paz:
“Para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz” . Ele
é a paz; Ele faz a paz. E vimos que o apóstolo nos diz que o Senhor Jesus
Cristo faz a paz entre homem e homem, e entre o homem e Deus. Ele
é a paz em todos os aspectos. O apóstolo os coloca naquela ordem,
hom em e homem primeiro, e depois, no versículo 16, que estudaremos
mais adiante, ele mostra como ambos são reconciliados e unidos num
só corpo para Deus. A ordem, naturalmente, é interessante. Teologica­
m ente a ordem é inversa, porém o apóstolo está falando num sentido
prático e pastoral. Ele parte do fato concreto da Igreja, com judeus e
gentios juntos e de joelhos prestando culto de igual maneira; ele parte
daí, de homem e homem, e depois mostra como ambos vão juntos a
Deus. No momento estamos vendo o modo como Ele reconcilia o
hom em com o homem. Diz-nos o apóstolo que isto é feito de duas
maneiras: primeiro, negativamente, e depois, positivamente. Já consi­
deramos o aspecto negativo, expresso nas palavras: Ele “desfez alei dos
mandamentos, que consistia em ordenanças” . Ele já removeu a parede
interm ediária de separação - a inimizade - que estava entre judeu e
gentio.
Pois bem, isto é somente negativo, e não é tudo; na verdade, não
é suficiente. Este é o ponto que estou desejoso de salientar agora. Só
abolir as paredes intermediárias de separação não produz paz. Essa
é a tragédia de grande parte do pensamento atual, parece-me, que tanta
gente não tenha um a verdadeira concepção da paz. A paz, segundo as
Escrituras, não significameramenteacessação de hostilidades. Tampouco
significa m eramente a prevenção de hostilidades de fato. M as, pela
m aneira como se fala de “paz” correntemente hoje, é óbvio que é isso
que muitos querem dizer com o termo paz. Considera-se a paz apenas
como um a condição na qual não ocorre conflito real. A paz vem a ser
m era ausência de guerra. Essa pode ser a idéia que o homem tem de paz;
não é a idéia que Deus tem. Não é essa a noção bíblica de paz. M eramente
deixar de lutar não é paz, meramente prevenir hostilidades futuras não
é paz. Vocês vêem quão dolorosamente o evangelho está sendo mal
usado, mal interpretado, mal apresentado hoje pelos que ensinam que
apenas temos que aplicar “o ensino de Cristo” à situação internacional
para resolver o problem a da tensão mundial. Descobriremos mais outras
razões para dizer isso à medida que avançarmos. Deus não Se contenta
com m era ausência de inimizade visível e agressiva e da m anifestação
dessa inimizade. Quando Deus faz apaz, faz algo interno, algo vital. Não

-23 5 -
satisfaz a Deus que os homens tão-somente não se agarrem pela
garganta; a idéia que Deus tem da paz é que as pessoas se abracem e
demonstrem verdadeiro amor mútuo. Isso é paz cristã, nada menos que
isso. Não apenas que não lutemos uns contra os outros, e sim que nos
amemos uns aos outros, que haja união e unidade, que realmente nos
tom em os um e nos amemos uns aos outros como nos amamos a nós
m esm os. Essa é a verdade ressaltada neste trecho particular da argumen­
tação que agora estamos estudando. Deve-se pensar na paz em termos
de coração, de atitude; é questão de unidade e amor essencial, vital,
interior. O que Paulo nos diz é que Cristo produziu essa paz. Como o fez?
Eis a resposta: “Para criar em si mesmo dos dois um novo homem,
fazendo a paz” .

O apóstolo introduz aqui a profunda doutrina neotestam entária da


Igrej a Cristã, da natureza da Igrej a Cristã. O novo homem, o novo corpo
é a Igreja. O m eio pelo qual Deus faz a paz consiste em form ar, fazer,
trazer à existência a Igreja Cristã; portanto, qualquer tentativa de
entender o modo cristão dapaz tem que introduzir imediatamente a idéia
da Igreja. Ou considerem isto da seguinte maneira: segundo este
argumento, a paz entre os homens só é possível quando todos eles
pertencem ao corpo de Cristo e são cristãos. Assim está patentem ente
claro que não é um a coisa que se possa aplicar às nações. Portanto, pregar
a m ensagem cristã como se esta fosse algo que pode ser aplicado às
nações e pelas nações não cristãs, que não pensam em termos cristãos
e não pertencem ao corpo de Cristo, é rem atada heresia e um a com pleta
negação do ensino do apóstolo. E, contudo, é exatamente isso que andam
fazendo. Há os que dizem que tudo que os estadistas e as nações têm que
fazer é aplicar este ensino. Ninguém pode aplicar este ensino, a não ser
o cristão, e ninguém vai aplicá-lo, exceto o cristão. De fato, como vou
m ostrar, até os cristãos são muito falhos na sua aplicação. M as este
ensino requer, pressupõe, um caráter cristão. Observemos agora como
o apóstolo expõe o tema.
Vocês vêem a im ediata relevância disso tudo, como tudo isso é
importante. Não é um a doutrina e teologia árida. O que está mais
agudamente nas mentes dos homens hoj e é o desej o de paz - porém eles
precisam vê-la de m aneira certa. Entretanto, fora esta aplicação geral,
não conheço nada que seja mais edificante, nada que sej a tão fortalecedor
da fé, nada, portanto, que seja tão confortante como a percepção da
verdade daquilo que o apóstolo nos diz aqui. A Igrej a, diz ele, é um anova
criação: “Para fazer em si mesmo dos dois um novo hom em ” (VA). Ora,

-2 3 6 -
a palavra “fazer” aí é demasiado fraca. A palavra significa “criar” -
“criar em Si m esm o” (como em Almeida). Uma criação! Um hino
muito conhecido expressa bem isso:

Da Igreja o alicerce
E Cristo, o seu Senhor;
E Sua nova criação
Pela água e pela palavra.

Essa é a verdade: a Igreja é algo absolutamente novo, algo que


foi trazido à existência, algo que não existia antes. É comparável ao que
aconteceu no princípio, quando Deus criou os céus e a terra. Não existia
nada antes de Deus os criar. Criação significa trazer à existência algo que
antes não havia, algo não existente; é fazer algo do nada.
Essa é a frase empregada aqui. Suas implicações nesta questão de
produzir a paz são óbvias. Como Deus faz a paz entre judeu e gentio?
Não é por um a modificação do que havia antes; tampouco por um
melhoram ento daquilo que existia antes. Deus não toma simplesmente
um judeu e lhe faz algo, e não toma um gentio e apenas lhe faz algo, e
com isso os congrega. Nada disso! E um a coisa inteiramente nova.
Criação! Pois bem, isto é vital para a situação toda. Quando somos
introduzidos na Igreja Cristã, nós entramos como novas criações,
entramos em algo que é inteiramente novo. Há um sentido em que ela
não tem relação com nada do que existia antes.
Perm itam -m e ilustrar isso. Não se deve conceber a Igreja como
um a coalizão de vários partidos. Não, é a abolição de algo velho e a
criação de algo inteiramente novo. Ou perm itam que eu use outra
ilustração. O ponto que precisa ser ilustrado aqui vê-se claram ente na
diferença entre os Estados Unidos da Am érica e o Reino Unido,
semelhantemente na diferença entre os Estados Unidos da Am érica e a
Com unidade Britânica de Nações. No Reino Unido ou na Com unidade
Britânica de Nações há um a associação de várias nações, nacionali­
dades, povos e tribos. Todos eles pertencem à m esm a comunidade, mas
continuam como nações separadas - a suanacionalidade não é demolida,
não é destruída. Elas perm anecem como nações separadas, porém, por
certas razões, decidiram trabalhar juntas. Essa é a verdadeira caracterís­
tica da Com unidade Britânica de Nações, outrora m antida pelo poder da
força, agora m antida em união por interesses comuns e propósitos
comuns. A idéia de nacionalidade individual permanece, mas volunta­
riam ente entram num associação. É, portanto, um a associação que pode

- 237-
ser desfeita porque não deixaram de existir estes elementos particulares.
D á-se o mesmo com o Reino Unido - ingleses, galeses, escoceses e
irlandeses. A nacionalidade não foi abolida, ainda está presente, todavia
eles decidiram trabalhar juntos e fazer certas coisas em comum. M as nos
Estados Unidos da Am érica a situação é muito diferente. Os Estados
Unidos da Am érica não são uma união de nações, não é um a junção de
distintas nações. Noutras palavras, houve homens que foram para aquele
país, homens procedentes de diversos países da Europa e doutros lugares
e, para serem verdadeiros cidadãos dos Estados Unidos, tiveram que por
fim ao seu passado. Formou-se um a nova nação. Não é um a junção de
alemães, suecos, finlandeses, noruegueses, ingleses, franceses, italia­
nos, gregos e outros. Absolutam ente não! Eles fazem o m áximo que
podem, e com razão, para esquecer tudo isso. São americanos; deram
cabo do antigo alinhamento, dos velhos laços nacionais. Passou a existir
um anova nação. Pois bem, esse é o tipo de coisa que temos na passagem
em foco. A Igreja não é uma espécie de coalizão de judeus e gentios;
passou a existir algo absolutamente novo, algo que sim plesm ente não
existia antes. Criação! - “para criar em si mesmo dos dois um novo
hom em ” . Este é um princípio sumamente importante.

Passem os agora à segunda proposição. A Igreja form a-se em


Cristo. “Para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a
paz.” Em Cristo forma-se a Igreja; acontece como resultado da sua
relação com Ele. Já vimos algo sobre isso no capítulo prim eiro. Também
o vimos insinuado e sugerido nos dez primeiros versículos deste
capítulo. Mas aqui está mais uma vez. A Igreja é o corpo de Cristo, e Ele
é a Cabeça, dEIe a Igreja recebe a sua própria vida, o seu sustento, o seu
poder, tudo. “Para criar em si mesmo dos dois um novo hom em .” Como
Ele o faz? Como membros da Igrej a somos membros do corpo de Cristo.
Em 1 Coríntios 12:27 Paulo o coloca desta maneira: “Vós sois o corpo
de Cristo, e seus membros em particular” . Somos todos mem bros
particulares, individuais deste corpo único. Há uma unidade essencial
num corpo. O corpo não é uma junção de partes, não é apenas uma leve
interligação de dedos, mãos, antebraços, braços, pernas pés e dedos.
Nada disso! O corpo é um todo orgânico, uma unidade vital com partes
individuais: porém o todo é m aior do que a soma das suas partes. A í de
novo vocês têm a mesm a idéia. Não se pensa num dedo isoladamente;
é sempre parte do todo. Assim Cristo criou “em si mesmo dos dois...” ;
é tudo “em si m esm o” . Portanto, temos que captar esta idéia da Igreja
como o corpo de Cristo, com Cristo como a Cabeça, e da unidade

- 238-
orgânica de todas as partes, cada qual fornecendo algo, como o apóstolo
nos dirá mais adiante, no capítulo quatro.

Assim passo à terceira proposição, que é: a Igreja, como resultado


do acima exposto, é um novo homem: “para criar em si mesmo dos dois
um novo homem”. Aqui ele não está usando a expressão “novo
hom em ” no sentido em que a usa noutros lugares quando fala sobre o
novo e o velho homem no cristão individual. Aqui, o novo homem, o
corpo, é a Igreja, que consiste destas várias partes, tudo como um a
representação do corpo de Cristo. De fato podemos chamar-lhe de nova
humanidade. E, ao que me parece, essa é a melhor m aneira de vê-lo.
Em Jesus Cristo, e como resultado da Sua obra perfeita, algo inteira­
m ente novo passou a existir. Que é? Um a nova humanidade! Podemos
pensar na Igreja não somente como um corpo, mas também como um a
hum anidade. A comparação e o contraste que de imediato nos vêm
expontaneamente resumem-se nisto: outrora todos nós estávamos em
Adão. Todos nós éramos um em Adão, a humanidade toda estava em
Adão, de modo que tudo o que Adão fez, a humanidade todafez. “Assim
como todos morrem em A dão” - é a afirmação (1 Coríntios 15:22).
Estávam os todos em Adão, ele era a cabeça e o representante de toda a
raça humana. H aviaum aunidade; ahum anidade eraum corpo em Adão.
Adão era a cabeça dessa humanidade que consistia de Adão e sua
semente.
Agora, o que aconteceu foi isto, e é aí que o encorajam ento, a
fortaleza e a consolação do evangelho entram. Como cristão, acabei
com pleta e absolutamente com aquela velha humanidade. Não pertenço
mais a Adão. O velho homem foi crucificado com Cristo. O velho
hom em morreu. Cristo é o segundo homem. Cristo é o último Adão. O
primeiro Adão! O segundo Adão! O iniciador de um a humanidade, a qual
agiu mal, caiu em pecado e fracassou; o Iniciador da nova humanidade,
que nunca poderá fracassar porque está nEle! O Segundo Homem!
Paulo refere-se a Ele noutro lugar como “o primogênito entre muitos
irm ãos” (Romanos 8:29). É precisam ente a m esm a idéia! Quando
olham os para os cristãos, quando olhamos para a Igreja Cristã, estamos
olhando para um a nova raça, para um a nova humanidade, totalmente
diferente da velha humanidade. Não é que a velha hum anidade foi
tom ada e m elhorada um pouco. E um a nova criação, é um a nova
hum anidade proveniente de Cristo, como a outra humanidade proveio
de Adão. É absolutamente nova, é uma “nova criação” ; nenhum a outra
expressão é adequada.

- 239-
Chega-se a isto: em nosso novo nascimento, em nossa regeneração,
em nosso “nascer de novo”, nascemos nesta nova raça, neste novo
corpo, nesta nova família. É assim que Cristo faz a paz. Ele não produz
um conglomerado de pessoas diferentes; ele produz um novo povo, uma
nova família, um a nova casa paterna, um a nova raça. O apóstolo explica
isso na parte final do capítulo; mas aqui já vem o princípio. A í está como
Cristo faz a paz. Persuadir as nações a não entrarem em conflito umas
com as outras não é paz neste sentido. Só se faz a paz pelo método de
Deus, pelo método de Cristo, quando todos pertencem os à mesm a
família, temos em nós o mesmo sangue, por assim dizer, somos
m em bros da mesma humanidade, membros do mesmo corpo, nesta
vivida e vital relação com Deus. Essa é a única paz de que se ocupa o
Novo Testamento. Como é ridiculo, pois, a Igreja dizer aos estadistas:
tudo o que vocês têm a fazer é aplicar o nosso ensino, e com isso vocês
produzirão paz entre as nações. Isso é um a total negação da doutrina da
Igreja. E um a negação da doutrina da regeneração. E, na verdade, um a
apresentação completam ente falsa do ensino do nosso bendito Senhor.
A í está, pois, o argumento como tal; porém há certas coisas que
devemos salientar. Por exemplo, o velho homem é excluído inteira­
mente. Isso decorre necessariamente de tudo o que estivemos dizendo.
O judeu, como judeu, foi posto fora, como também o gentio foi posto
fora, em Cristo. Se vocês acreditam nesta nova criação, têm que
com preender que tudo mais foi eliminado, foi posto de lado inteira­
mente. “Não há judeu nem grego...porque todos vós sois um em Cristo
Jesus” (Gálatas 3 :28). Outro princípio óbvio é que nada do que pertencia
ao velho estado tem valor ou relevância no novo estado. Se isso nos
parece alarmante, só temos que ler o que Paulo diz em Gálatas 6:15:
“Em Cristo Jesus nem a circuncisão nem a incircuncisão têm virtude
algum a”. Que trem enda declaração! Em Cristo Jesus a circuncisão é
irrelevante, “nada vale” (VA). Mas a incircuncisão é igualmente
irrelevante, também “nada vale” . Em Cristo Jesus, na esfera da Igreja,
nesta questão de relação com Deus e paz entre os homens, há somente
um a coisa que importa - um a nova criação. Assim é que o judeu se foi,
o gentio se foi; tudo o que pertencia ao judeu, tudo o que pertencia ao
gentio - é tudo irrelevante daí em diante. O que importa é anova criatura.
Não existe pensam ento mais fortalecedor ou mais consolador do que
esse. Isso m e diz que toda a realidade da minha velha vida não importa
mais. Os pecados que outrora cometi foram enfrentados e vencidos, e
não mais importam. Pesam tão pouco quanto a circuncisão e a
incircuncisão. Se estou em Cristo, sou um a nova criatura. O velho

- 240-
homem recebeu o devido trato, está morto, desapareceu. “Portanto
agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus.” “Eu
fui crucificado com Cristo.” Estou morto! “Não mais eu, mas Cristo
vive em m im .” É o que esta verdade significa. Que doutrina gloriosa,
que bendita doutrina! Cristão, você ainda é bastante tolo para dar ouvidos
ao diabo quando ele faz você olhar para trás, para a sua vida antiga? Não
0 faça, rejeite-o, resista a ele, diga-lhe que tudo se acabou, que o velho
hom em que antes você era está morto, e que você não tem mais nada a
ver com ele. O que há é algo absoluta e inteiramente novo.
Um terceiro princípio é que todos nós somos iguais nesta nova
relação porque todos nós nos tornamos algo novo. Como Cristo forma
a Igreja, como o judeu e o gentio andam juntos? Não é porque o gentio
se fez judeu ou prosélito do judaísm o. Havia muitos na Igreja Primitiva
que achavam que era isso. Todavia não é esse o caminho; não é que o
gentio se tornou judeu, que ele teve que sujeitar-se à circuncisão e
cum prir todo o cerimonial. Contudo, por outro lado, o judeu não tem que
se tornar gentio. A glória deste caminho é que o velho homem é
inteiramente excluído. Não é um a modificação do gentio e um a m odi­
ficação do judeu; não é um a reunião em torno de um a m esa de
conferência e os dois lados opostos concordarem em ceder algo e em
buscarem um meio termo num a base de cinqüenta por cento de conces­
sões mútuas. Absolutamente não! Algo absolutamente novo é trazido à
existência. O judeu não se tornou gentio, o gentio não se tornou judeu.
E um novo homem, um a nova criação.
O nosso quarto princípio leva-nos mais longe ainda. A unidade
deste novo corpo ê uma unidade absoluta. U so a expressão
avisadamente. Não existe isso de um segmento judaico da Igreja Cristã.
Não existe isso de um segmento gentílico da Igreja Cristã. E isso nunca
existirá. O velho homem foi eliminado. O próprio Senhor Jesus Cristo
esclareceu isso uma vez por todas com um a declaração sumamente
importante, deste ponto de vista, em Mateus, capítulo 21, versículo 43.
Dirigindo-Se aos judeus, disse Ele: “Portanto, eu vos digo que o reino
de Deus vos será tirado, e será dado a um a nação que dê os seus frutos” .
Essa nova nação é a Igreja. Os judeus, na qualidade de judeus, deixaram
de ser o povo especial de D eus. H á um a nova nação. E j amais haverá um
segmento judaico na Igreja, numa posição diferente do segmento
gentílico. Tudo isso acabou. Essa é a afirmação feita pelo próprio
Senhor. Vocês recordam como o apóstolo Pedro diz a m esm a coisa em
1 Pedro 2:9 e 10: “Vós” , diz ele (usando sobre a Igreja, composta por
judeus e gentios, as mesmas palavras que Deus dissera à nação de Israel

-2 4 1 -
pouco antes da dádiva da lei), “Vós” (a Igreja) sois a geração eleita, o
sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido” (“um povo peculiar”,
VA). Essa é a nova nação. E não é uma mistura de judeu e gentio, mas
um novo homem; o judeu acabou, o gentio acabou, uma nova criatura.
Não há mais, diz Paulo, judeu nem gentio, bárbaro, cita, escravo nem
livre, homem nem mulher. Graças a Deus tudo isso acabou, há tão-
-som ente um novo homem, em Cristo Jesus.

O modo como Ele faz a paz pode ser expresso finalm ente da
seguinte maneira: eu e você temos paz e gozamos paz um com o outro,
e há paz na Igreja, somente se compreendemos e praticam os os
princípios que acabamos de enunciar. Em últim a análise, há somente
dois grandes princípios. Temos que parar de pensar em nós mesmos
da maneira antiga e nos velhos termos, em todos os aspectos. Como
cristãos, como membros da Igreja, temos que parar de pensar uns nos
outros em termos de nacionalidade. Politicam ente ainda fazemos isso.
N a Igreja Cristã temos que deixar de fazê-lo. Temos que esquecer tudo
isso. Tem os que deixar de pensar nas pessoas em termos do seu
nascim ento natural, ou em termos de sua capacidade. Todas estas coisas
dividem: nacionalidade, nascimento, educação, casta, todas estas coisas
dividem. N a Igreja e como cristãos, não devemos pensar mais em nós
m esm os nestes termos, porque no momento em que começarm os a
introduzir essas categorias, não haverá mais paz; haverá divisão, sepa­
ração, inimizade. Não somente isso, não devemos nem mesmo pensar
mais uns nos outros em termos da nossa vida e do nosso comportamento
anteriores - a nossa anterior bondade ou maldade, a nossa anterior
m oralidade ou imoralidade. Isso não importa, não pesa na Igreja. Na
Igreja Cristã o homem altamente respeitável não deve olhar para outro
e dizer: lem bro bem o que ele era, lembro de onde ele veio; terá esse
hom em igual direito na Igrej a? Isso é apropria antítese da paz. É a atitude
do irmão mais velho condenada pelo nosso Senhor na parábola do Filho
Pródigo. Todas essas categorias foram-se.
Irei mais longe. N a Igreja Cristã, até a sua religião anterior você
esquece. Não importa se você era muito religioso ou não, a questão é se
você é cristão agora. Você pode ter sido muito devoto; não importa - é
possível ser devoto sem ser cristão. Tudo isso acabou. Os velhos termos
e categorias não se aplicam mais, e na esfera da Igreja você não faz mais
nenhum a daquelas perguntas acercade um homem. Você simplesmente
olha para ele e vê nele as marcas de Cristo. Talvez vocês se lem brem da
imortal história relacionada com o velho Philip Henry, pai do comentador

- 24 2 -
M atthew Henry. Philip Henry, quando jovem , enamorou-se de um a
senhorinh a pertencente a um a posição muito mais elevada que a dele na
vida. Ela também se enamorou dele. Então houve a questão sobre como
conseguir o consentimento dos pais dela. Eles perguntaram à filha:
“Esse homem, esse Philip Henry, de onde veio?” E ela respondeu:
“Não sei de onde veio, mas sei para onde vai” . Esse é o ponto. Não é
de onde ele vem que importa. Para onde ele vai? Estaria ele destinado
à glória, a Deus, à eternidade na presença de Cristo? Pertence ele a
Cristo? Essa é a questão que importa. Nada mais importa nessa esfera,
pois no momento em que você introduzir outras considerações, introdu­
zirá divisões.
Assim faço um a colocação positiva, da seguinte maneira: sempre
devem os pensar em nós e conceituar-nos desta nova maneira.
Sempre! O fracasso nestas duas coisas sempre leva à dificuldade. Há
notáveis ilustrações disto no próprio Novo Testamento. Vocês se
lembram de como o nosso Senhor pegou os seus mais chegados
apóstolos e discípulos discutindo um dia? Sobre o que discutiam? Qual
deles seria maior no reino! E Ele voltou-Se para eles e disse: vocês não
entendem; no M eu reino as coisas são absolutamente diferentes dos
reinos do mundo. Nos reinos do mundo os grandes homens são servidos
por outros homens; no Meu reino a grandeza consiste em servir. “O
Filho do hom em ”, diz Ele, “não veio para ser servido, mas para servir,
e para dar a sua vida em resgate de m uitos” . “E, qualquer que entre vós
quiser ser o primeiro, seja vosso servo” (Mateus 20:27-28). Inversão
total; porém eles não o compreenderam.
Há um relato de algo similar no capítulo seis do livro de Atos dos
Apóstolos, quando a Igreja mal tinha acabado de nascer. Eis o que lem os:
“Ora, naqueles dias, crescendo o número dos discípulos, houve um a
murm uração dos gregos contra os hebreus, porque as suas viúvas eram
desprezadas no ministério cotidiano” (ARA: “...na distribuição diá­
ria”). Essas pessoas eram convertidas, estavam salvas e tinham-se
tornado cristãs, mas não tinham aprendido esta lição. Gregos, hebreus!
Não é justo, diziam; estavam se dividindo em termos de diferenças
culturais, e a paz logo se fora.
Outra notável ilustração acha-se em Atos, capítulo 15: “E alguns
dias depois disse Paulo a Barnabé” - Barnabé era um bom homem,
vocês se lembram, “o filho da consolação” ; ele e Paulo tinham viajado
juntos - “disse Paulo a Barnabé: tornemos a visitar nossos irmãos por
todas as cidades em que já anunciamos a palavra do Senhor, para ver
com o estão. E Barnabé aconselhava que tomassem consigo a João,

- 243-
cham ado M arcos. Mas a Paulo parecia razoável que não tomassem
consigo aquele que desde a Panfília se tinha apartado deles e não os
acompanhou naquela obra” . João Marcos tinha desertado num a viagem
anterior, e Paulo dizia: não, não está direito levá-lo. “E tal contenda
houve entre eles, que se apartaram um do outro. Barnabé, levando
consigo a M arcos, navegou para Chipre. E Paulo, tendo escolhido a
Silas, partiu, encomendado pelos irmãos à graça de D eus.” Por que foi
que Barnabé quis que João M arcos fosse com eles? - vocês pensarão.
Eles eram parentes! E este excelente e nobre cristão, Barnabé, esque­
cendo por um momento a doutrina, disse: vamos levar M arcos conosco.
E a sua única razão para isso era que M arcos era seu parente. Na Igreja
Cristã você deve esquecer isso. Você não deve levar seu parente consigo
se ele já falhou e se há alguém melhor; não dê preferência a um homem
porque pertence à sua família. Não, nem judeu nem gentio; o velho
hom em se foi. Trata-se de algo novo! Não arraste para dentro as suas
relações familiares. Quantas vezes se faz isso! Vejo-o com m uita
freqüência. Um homem é chamado por Deus para iniciar um a obra,
hom em indubitavelmente chamado por Deus, e depois, quando se
aproxim a da morte, nom eia ao seu filho como o seu sucessor. As vezes
pode estar certo; muitíssimas vezes pode estar errado, e vocês verão a
obra com eçar a decair e a definhar, e finalmente acaba morrendo. Por
quê? Porque o filho não fora realmente chamado por Deus. É muito
natural, concordo, porém não é cristão. Paulo e Barnabé se separaram
porque a questão das relações de fam ília entrou em cena.
Este perigo de deixar que o passado se intrometa vê-se em toda
parte. Lem bram-se de como Paulo teve que resistir a Pedro na cara por
causa desta m esm a questão? Certas pessoas tinham descido de Jerusa­
lém, certos judeus, e disseram a Pedro: você não deve com er com os
gentios. Pedro lhes deu ouvidos, e surgiu uma divisão. Todo o esforço
dos judaizantes se baseava nisso. Eles diziam: você sabe que não basta
crer em Cristo, você tem que ser circuncidado também. E com isso eles
causavam divisão. Eles não compreendiam que o antigo se fora. A
circuncisão não tem m ais importância. Jánãoim portao judeu <j«ajudeu
- o judeu porque judeu.
De muitas maneiras, a mais perfeita ilustração do que estou
tentando dizer acha-se na Primeira Epístola aos Coríntios. A igreja de
Corinto estava em grande dificuldade, e Paulo teve que escrever-lhe
um a carta. Havia divisões pecaminosas, prim eiram ente quanto a ho­
mens. “Eu sou de Paulo. Eu sou de Apoio. Eu sou de Cefas.” Qual é
o m elhor pregador? Qual o mais eloqüente? De qual deles você gosta?

- 244-
Servindo, seguindo homens; colocando homens adiante de Cristo! Isso
é o velho homem, é a carnalidade, é o que o m undo faz. Não deve
acontecer isso na Igreja Cristã. Que mais? M oviam ações legais uns
contra os outros; havia certas disputas, e as levavam aos tribunais
públicos. O apóstolo Paulo diz: “Vocês não estão agindo como cris­
tãos.” Se vocês tivessem alguma idéia do que é a Igreja, nom eariam o
mais hum ilde m embro da igreja como juiz e árbitro. Você levaria a sua
causa a ele, e se ele decidisse contra você, você diria: eu me submeto;
alegra-me fazê-lo por amor ao corpo de Cristo. Isso é o novo! Que mais?
Os irmãos fortes e os fracos! A questão é tratada em 1 Coríntios, capítulo
8. O irmão forte dicernia melhor a verdade do que o outro, e eles
brigavam por isso. O irmão forte desprezava o fraco, e com isso o fazia
tropeçar. Paulo diz: não destruam com a sua comida o irmão por quem
Cristo morreu. Apercebam-se da nova relação. Vocês são irmãos em
Cristo, renunciem à sua comida por amor da paz e da concórdia, e pela
felicidade cristã. “Pelo que, se o m anjar escandalizar a meu irmão,
nunca mais comerei carne, para que meu irmão não se escandalize” (1
Coríntios 8:13). De fato, em Corinto se dividiam até sobre a questão dos
dons espirituais. Os que tinham dons ruidosos, espetaculares, gabavam-
-se disso e desprezavem os outros; o olho dizia ao pé: “Não tenho
necessidade de ti”, e assim por diante. Tudo porque não tinham
compreendido a doutrina da Igreja como o corpo de Cristo. Falhar nisso
sempre leva a divisão.
M encionei há pouco que bens materiais não deveriam entrar nesta
esfera. Tiago trata disso, vocês se lembram, no capítulo dois da sua
Epístola. Diz ele: naigreja, em sua assembléia, se entrar um hom em com
um grande anel de ouro, não o conduza à frente porque ele é rico; e se
entrar outro em andrajos, não lhe diga: você, sente-se lá atrás. Não faça
esse tipo de coisa na igreja, diz Tiago; não reconhecemos essas distin­
ções, não avaliamos os homens por suas roupas ou seus penduricalhos.
Você deve ver a alma, a relação com Deus e com Cristo; e aí todos são
um. “As coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo.”
Para resum ir a questão com um a palavra positiva, vamos a
Colossenses 3:15. Paulo estivera lidando com brigas e disputas. Eis o
que convém lembrar, diz ele: “E apaz de Deus (ou apaz de Cristo), para
a qual também fostes chamados em um corpo, domine em vossos
corações”. Você sabe o que ele quer dizer com a frase, “A paz de Cristo
domine em vossos corações”? Quer dizer: a paz de Cristo aja como
mediador; a paz de Cristo aj a como árbitro entre vocês (cf. A R A ). Todos
vocês, com as suas posições rivais e as suas diferenças, digam: “A paz

- 245-
de Cristo decida isto. Não vou decidir; não é questão de direitos meus,
de exigências minhas; estou disposto a concordar com qualquer coisa
que prom ova a paz de Cristo entre nós, bem como a paz de Cristo em
meu coração” . Nom eiem a paz como árbitro, diz Paulo, e a paz reinará
entre vocês.
Somos chamados a um corpo. “Para criar em si mesmo dos dois um
novo homem, fazendo assim a paz.” Esse é o único caminho. E como
sei que estou em Cristo, e olho para outro e sei que ele está em Cristo,
que eu posso perdoar e esquecer, posso juntar as mãos e hum ilhar-me
com ele. Som os todos um em Cristo, e vamos passar juntos a nossa
eternidade na glória. Quando nos lembrarmos disso, e somente quando
souberm os de fato que isso nos caracteriza verdadeiramente, é que
poderá haver um a paz verdadeira, real, duradoura.
Bendito seja Deus pela nova criação em Cristo Jesus!

- 246-
20
O ÚNICO MEDIADOR
“E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, m atan­
do com ela as inim izades.” - Efésios 2:16

Com essas emocionantes e gloriosas palavras, o apóstolo continua


a sua grande declaração sobre o método de Deus para reconciliar os
homens, e ele mostra como é removido ainda outro obstáculo a esse
resultado desejado. Os efésios, pagãos como eram, gentios, não somente
estavam separados dos judeus, da comunidade de Israel, também
estavam separados de Deus. E, obviamente, não poderá haver verda­
deira unidade entre homem e homem enquanto não houver esta outra
unidade; porque a divisão original em judeu e gentio era totalmente em
termos de relação com Deus. Por isso o apóstolo agora passa a m ostrar
com o também esta segunda questão foi tratada, e da m esm a m aneira
como antes, pelo nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Mas vocês
podem notar que o apóstolo expressa isso de maneira muito interessante.
Em vez de simplesmente expor como os pagãos efésios foram reconci­
liados com Deus, ele diz: “E pela cruz reconciliar ambos com Deus em
um corpo, matando com ela as inimizades” - ambos, judeus e gentios.
Depois ele nos mostra exatamente como isso foi feito.
O ensino aqui é fundamental e vital, especialmente com relação a
toda esta questão de unidade e paz. Em sua forma geral, podemos
expressá-la assim: todas as divisões, separações e contendas insigni­
ficantes e secundárias devem-se em última instância ao fa to de que
todos os homens estão separados de Deus. Pois bem, essa é um a
proposição fundamental e universal. O mundo está repleto de divisões
e distinções, países, nações, blocos, grupos, cortinas, um lado e outro;
dentro danação, classes, grupos industriais, capital e trabalho, senhor ou
em pregador e empregado, etc.; e ainda, dentro desses grupos, divisões,
rivalidades, invejas. O mundo está repleto de divisões e separações.
Todavia, segundo o ensino das Escrituras, o que é realmente significa­
tivo é que estas divisões de menor importância e secundárias, divisões,
separações e contendas de terceira, quinta, décim a categoria, são causa­
das por um a única coisa, a saber, que todos os homens estão separados
de Deus e em más relações com Ele.
E ssaé a tese geral daBíblia. Não haveriaproblem anenhum na vida

- 247 -
se o hom em não tivesse rebelado contra Deus e não tivesse caído e se
afastado de Deus.Todos os problemas são devido a isso. Inversamente,
portanto, temos direito de dizer que a unidade entre os hom ens só é
possível quando os homens forem reconciliados com Deus. A im portân­
cia dessa afirmação é óbvia. Há os que falam levianam ente sobre a
aplicação do ensino cristão aos problemas, e os que nos dizem que é tudo
muito simples. Mas, conforme este ensino é impossível, enquanto os
hom ens e as mulheres não forem reconciliados com Deus. É pura perda
de energia, de fôlego e de tempo tentar conseguir comportamento cristão
dos que não são cristãos. Eles não têm condições de reagir de acordo. A
pessoa tem que estar de bem com Deus antes de poder estar de bem com
os seus semelhantes. Lembro-lhes como o nosso Senhor respondeu
quando Lhe perguntaram qual é o primeiro e grande mandamento. A
resposta foi: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda
a tua alma, e de todo o teu pensam ento” ; e depois: “E o segundo,
semelhante a este, é: amarás o teu próxim o como a ti m esm o” .
Entretanto você não conseguirá praticar o segundo enquanto não praticar
o primeiro. Este é um princípio básico, fundamental.

Vejamos como o apóstolo desenvolve isto. Num sentido ele está


passando a um novo tema. Noutro sentido ele está dando continuidade
ao que vinha expondo. O fato é que ambos são inseparáveis. Por isso ele
os liga com a palavra “e”, que realmente significa neste versículo “em
acréscim o” . Que é que o apóstolo está dizendo? Talvez, a melhor
m aneira de abordar o assunto seja examinar esta grande palavra “recon­
ciliar” - “E pela cruz reconciliar ambos com Deus” . A palavra que de
fato o apóstolo empregou e que é traduzida por “reconciliar” é muito
interessante. Só se acha num outro lugar na Bíblia, e esse é Colossenses
1:20 e 21. Ali ele usa a mesm a palavra - porém em nenhum outro lugar.
A palavra “reconciliar” vocês encontram em muitas passagens na
Versão Autorizada (inglesa; como também em Almeida). Vê-la-ão em
Rom anos 5:10. Vê-la-ão em 2 Coríntios 5:18,19 e 20. No entanto, em
todos esses casos a palavra utilizada pelo apóstolo não é a m esm a que
ele utilizou aqui. A raiz é a mesma; num sentido o significado essencial
é o mesmo, mas aqui ele usou uma palavra muito especial, ele acrescen­
tou um prefixo que não usa noutros lugares. Portanto, ao expormos isto,
devemos tomar a palavra como ele a usou, o prefixo inclusive.
Que é, pois, que significa a palavra “reconciliar”? Permitam-
-me opinar que ela inclui as seguintes idéias e concepções: prim eira­
mente significa a m udança de uma relação hostil para uma relação

- 248 -
amistosa. Esse é o sentido mais simples, o sentido básico. Contudo,
significa mais. Em segundo lugar, não significa apenas amizade após
um afastamento, um mero desfazer do afastamento inamistoso. Não é
apenas levar pessoas que passavam umas pelas outras sem olhar-se a
falar-se outra vez. Significam ais;significarealm entepôrjunto de novo,
re-unir, religar. A palavra tem esse sentido. Em terceiro lugar, a palavra
acentua também o completamento da ação. Significa que a inim izade é
eliminada tão completamente que a amizade toma o lugar. E a ênfase
aqui está no caráter completo da ação. Não é rem endar uma desarmonia.
Não é fazer um a concessão, o tipo de coisas que tantas vezes acontece
quando um a conferênciajá se alongou dias e dias, e chegou-se aum beco
sem saída, e alguém de repente tem um a idéia brilhante e sugere a
introdução de um a palavra ou fórm ula especial, o que só serve para
rem endar o problem a no momento. Não é isso. E um a ação completa,
produz amizade e concórdia com pleta onde antes havia hostilidade.
M as, em quarto lugar, também significa isto: não é m eramente que
os dois envolvidos num problem a ou numa disputa ou num a contenda
decidam entrar em acordo. Esta palavra utilizada pelo apóstolo implica
que é uma das partes que tom a a iniciativa da ação, e que é a parte
superior ou mais elevada que o faz. Um componente dessa palavra
indica um a ação que vem de cima. É a palavra grega “kata” ; ela sugere
um a ação descendente, que vem de cima. Não é que as duas partes se
juntem como que voluntariamente; é um a delas trazendo a outra a esta
posição de com pleta amizade e concórdia. E, finalmente, em quinto
lugar, a palavra tem o sentido de restabelecimento de algo que havia
antes. Pois bem, a nossa palavra “reconciliar” (inglês: “reconcile”),
que é um a transliteração da palavra latina, ela própria sugere isso. R e­
conciliar! Antes eles estavam conciliados, agora estão re-conciliados,
trazidos de volta para onde estavam. A palavra tem todos esses sentidos,
e é especialm ente este último ponto que é introduzido pelo prefixo
especial que se vê na palavra utilizada aqui pelo apóstolo, o prefixo apo,
um trazer de volta, o prefixo re. A isso é que se dá ênfase aqui.

Qual é, então, o ensino do apóstolo? Permitam -m e dizê-lo com


alguns princípios. A prim eira verdade aqui ensinada é que o pecado
separa de Deus. Todos os nossos problemas são, em últim a instância,
causados pelo fato de que não entendemos claram ente o pecado. O
apóstolo já dissera isso no versículo 12, e o repete aqui. Não há como
exagerar a repetição disso. “Que naquele tempo estáveis sem Cristo,
separados da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos da

- 249 -
promessa, não tendo esperança, e sem Deus no m undo”. O contrário
disso é, “ser aproximado”, ser trazido para perto. O que há de terrível
no pecado, justam ente o que somos propensos a esquecer, é que o pecado
não é um a m era transgressão da lei - é isso; que o pecado não é só
desobediência - é i sso; que o pecado não é só errar o alvo - ê isso; a coisa
mais pavorosa quanto ao pecado, e mais devastadora, é que ele significa
romper a comunhão com Deus. Quer dizer que somos cortados,
extirpados de Deus, que ficamos fora da relação com Deus, que ficamos
sem Deus. Ora, é isso que o apóstolo salienta aqui. Todavia nem aí
termina. O pecado produz também inimizade entre o homem e Deus. E
essa é, segundo este ensino em toda parte, a condição do hom em em
pecado. Isso aconteceu no princípio da história. Deus fez o homem para
Si, e o hom em estava em comunhão com Deus. Oh, se tão-somente
fixássemos essa idéia como devíamos! Fomos feitos para Deus, fomos
destinados a D eus; nunca fomos feitos para o mundo, para a carne e para
o diabo. O homem foi fetio para Deus, foi destinado a viver em
comunhão com Deus, foi destinado a fruir Deus. E essa era a sua
condição original. M as a lástima foi que o pecado entrou; e o que há de
terrível quanto ao pecado não é simplesmente que Adão e Eva comeram
o fruto proibido - isso é verdade, foi um a ação praticada, foi rebelião,
foi arrogância, foi um a infração do mandamento de Deus e desprezo da
Sua lei - porém o terrível foi que rompeu a comunhão. O homem estava
andando com Deus e, de repente, deu-Lhe as costas. É isso que há de
mais tem ível no pecado. Portanto, o problem a é esse, é isso que precisa
ser endireitado. Não é apenas um a questão de sermos perdoados por
ações particulares. Não é esse o único problema. O problem a básico é:
como se pode restabelecer essa comunhão? Como é possível recuperá-
-la?
É justam ente neste ponto que muitos erram em seu pensam ento
sobre estas coisas. Isso porque não entendem o significado da morte de
Cristo, e da cruz, e porque não vêem sentido num a celebração da Ceia.
Dizem eles: certamente não há grande problema; quando um a criança
faz algo errado, o pai a perdoa e fica tudo bem; não é assim com Deus?
Se eu confessar os meus pecados, se eu disser que sinto muito, Deus não
me perdoará? E a resposta do Novo Testamento é que não é tão simples
assim. Se fosse, o Senhor Jesus Cristo nunca teria vindo ao mundo;
certam ente nunca teria ido para a cruz. Não, o problem a é problem a de
comunhão, é o problem a de como se pode restabelecer a comunhão. E
isso não é importante só em nossa entrada inicial na vida cristã; não há
nada que seja mais vitalmente importante para os cristãos em todos os

- 250 -
estágios. Quanto mais cedo começarmos a pensar nos pecados, não
sim plesm ente em termos de más ações, e sim, em termos de nossa
relação com Deus, melhores cristãos seremos.
Tudo isso é exposto perfeitamente na Prim eira Epístola de João, no
capítulo primeiro. Ali vocês têm uma descrição. Cristão é aquele que
está em comunhão com Deus e anda com Deus. “A nossa comunhão
é com o Pai, e com seu Filho Jesus Cristo”, diz João. Diz ele que os
apóstolos estão nesta comunhão e que eles querem que outros a gozem
também. Mas então vem a pergunta: como isso é possível? “Deus é luz,
e não há nele trevas nenhumas” ; e eu sou pecador e estou sempre caindo
em pecado. No momento em que eu caio em pecado, eu quebro a m inha
com unhão com Deus. Não é só que essa ação pecam inosa é má; estou
insultando o meu Companheiro. Estou fazendo na presença do Deus
santo, que é luz, algo que para Ele é odioso e detestável. Como podemos
andar em comunhão? É como João o expressa. Estou dando ênfase a isto
por esta boa razão, que, em m inha experiência pessoal e em m inha
experiência como pastor, não há descoberta mais importante que o
cristão possa fazer em sua batalha contra o pecado, contra os pecados
particulares, do que justam ente esta verdade. O que sempre digo às
pessoas é: pare de orar acerca daquela coisa particular que o leva a cair;
faça a oração positiva; pense nisso em termos da sua comunhão com
Deus. Não pense m eramente em termos da sua queda e daquela coisa
particular; dê as costas a isso, comece a pensar em si como companheiro
de Deus e de Cristo, e diga: agora estou com Ele e não devo fazer em
Sua presença nada que O desagrade e que O fira. Pense positivamente!
Lem bre-se de que Cristo está sempre com você, e então você passará a
odiar aquilo que o faz cair, e aquilo se tornará inimaginável. Entretanto
é isso que nos inclinamos a deixar de fazer, não é? Esquecemos que o
que há de terrível no pecado é que ele é um a violação da comunhão e que
nos separa de Deus. O termo “reconciliação” de imediato nos põe face
a face com o fato de que ficamos fora da comunhão e necessitamos ser
restaurados para que voltemos a gozar a comunhão.
Quando Deus chamou Abraão e form ou a nação de Israel, Ele já
estava dando um grande passo para que se efetuasse a reconcilia­
ção. O m undo todo tinha pecado em Adão e tinha caído, afastando-se
de Deus e, assim, todos estávamos separados de Deus. O hom em não
fez nada a respeito, e não poderia fazer. M as Deus fez, Deus agiu. Das
m assas da hum anidade Ele formou um a nova nação para Si, um povo
para ser Sua propriedade peculiar, um povo com o qual Ele poderia ter
comunhão e o qual poderia ter comunhão com Ele, uma nova nação, uma

- 251 -
nova criação. Essa é a comunidade de Israel. E o restante estava fora
dessa comunidade, ainda sem comunhão com Ele. O Seu povo estava
em comunhão com Ele, o restante não. Ora, se não captamos esta
verdade, há um sentido em que não entendemos nada do Velho
Testamento. Esta história constitui a soma e a substância do Velho
Testam ento, a história da formação do povo de Deus - Deus formando
este povo peculiar para Si - e da relação entre eles. Todavia, desafortu­
nadamente, isso não foi suficiente, pois o apóstolo nos diz aqui que os
judeus, como os gentios, necessitavam ser reconciliados com Deus.
Tanto os judeus como os efésios precisavam de reconciliação. Porquê?
O Novo Testamento dá a resposta. Todos os sacrifícios levíticos, as
ofertas queimadas e os sacrifícios, a morte do cordeiro pascal e do
cordeiro diário e a apresentação do sangue, e todo o restante deste
cerimonial rico e complexo, realmente não foram suficientes; tudo isso
era apenas um a sombra de algo que viria, era apenas um acobertura sobre
os pecados dos homens. “Porque é impossível que o sangue dos touros
e dos bodes tire o pecado” (Hebreus 10:4): cobria o pecado, porém
realmente não atingia o problema. Era suficiente para a ocasião. M as, de
acordo com este mesmo apóstolo Paulo, no capítulo três da Epístola aos
Romanos, era necessário que Deus justificasse aquele tratam ento dado
aos pecados, e Ele o justificou na cruz do Calvário. Ele teve que
justificar-Se para a remissão dos pecados passados, e Ele e o fez na cruz.
No entanto, o problem a não era só esse. E pena, mas judeus
precisavam ser reconciliados por esta razão também, que eles tinham
entendido tão inteiramente mal o que Deus tinha feito em Abraão, e na
nação, que eles achavam que o simples fato de que eram descendentes
físicos de Abraão os salvava. João Batista sabia disso, porque, quando
começou a pregar àqueles judeus, ele disse: “Não presumais, de vós
mesmos, dizendo: temos por pai a Abraão; porque eu vos digo que,
mesmo destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Mateus 3:9).
M as era o que diziam. Certa ocasião o Senhor Jesus Cristo disse a eles:
“Se vós perm anecerdes na minha pal avra, verdadeiramente sereis meus
discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” . Eles,
porém , se ofenderam e disseram: “Somos descendência de Abraão, e
jam ais fomos escravos de alguém; como dizes tu: sereis livres?” (João
8:33, VA e ARA). Os judeus tinham entendido tudo errado; pensavam
que devido serem judeus estavam em boas relações com Deus, m as com
isso trouxeram condenação sobre si. Precisavam ser reconciliados. E
além do mais, como vimos em ocasião anterior, a atitude deles para com
os gentios era terrivelmente pecaminosa. Eles os consideravam como

- 252 -
cães, desprezavam-nos como forasteiros. Por estas diversas razões eles
precisavam ser reconciliados com Deus.

Isso nos leva ao próximo princípio, que é que o judeu e o gentio


são reconciliados com Deus exatamente da mesma maneira, não
diferentemente. “E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um
corpo” - esse é o ponto, essa é a ênfase aqui. Ora, “um corpo” não se
refere ao corpo físico do Senhor Jesus Cristo. “Um corpo” é a Igreja.
Assim, o que ele ensina é que os judeus e gentios são reconciliados com
Deus exatamente da mesm a maneira; não há mais diferença alguma
entre eles. Há somente um modo de ser reconciliado com Deus. “H á um
só Deus, e um só M ediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo
hom em ” (1 Timóteo 2:5). Não há caminhos diferentes rumo ao reino
de Deus para o judeu e o gentio; há somente um caminho, e este é, de
novo, “um corpo” . A razão pela qual dou ênfase a isso é que há um
ensino muito popular, porém que, à luz deste versículo e doutros,
parece-m e terrivelmente, perigosamente antibíblico e que afirma que
agora, durante esta dispensação, é em Cristo e por Sua graça e Sua morte
que os homens são salvos, mas que no futuro os judeus serão salvos pela
observância da lei. A eles será pregado, não o evangelho da graça de
Deus, e sim o “evangelho do reino” , e a lei, e eles guardarão a lei e
entrarão no reino pela guarda da lei. Digo de novo, deliberadamente, que
isso é uma negação do fato de que há um só modo pelo qual o homem
pode ser reconciliado com Deus, a saber, mediante Jesus Cristo, e Este
crucificado. Não há acesso à presença de Deus, exceto por intermédio
do único M ediador; “reconciliar ambos com Deus em um corpo”, e é
este o único corpo, o único caminho. E neste úniço corpo, a Igreja; e
homem nenhum jam ais foi nem jam ais será reconciliado com Deus, a
não ser por este meio. Abraão e os santos do Velho Testam ento, todos
aqueles cujos pecados foram cobertos, estão realmente reconciliados
com Deus em Cristo. Nas gerações futuras todos serão reconciliados da
m esm a maneira. É pela graça de Deus, e unicamente pela graça de Deus,
que todo e qualquer homem pode ser salvo.

Assim, passo ao próximo princípio, que expresso da seguinte


maneira: a reconciliação é realizada e produzida pelo Senhor Jesus
Cristo. Para Ele “reconciliar”, VA; “E para que Ele” - Ele, o Senhor
Jesus - “reconciliasse ambos com Deus em um corpo”. Ele! Ah, se
todos pudéssem os entender isso claramente! Não há esperança para o
hom em fora de Cristo. Ele veio ao mundo porque Ele é o único caminho.

- 253 -
Nenhum homem, torno a dizê-lo, nunca pôde nem poderá salvar-se por
seus próprios esforços e lutas, não importa o que lhe preguem. Tampouco
a lei pode salvá-lo; como Paulo diz: “O que era impossível à lei, visto
com o estava enferm apelacarne...” (Romanos 8:3). Cristo tinhaque vir.
“Deus estava em Cristo reconciliando consigo o m undo”, e não há
outro caminho. Aqui o apóstolo dá ênfase ao Senhor Jesus Cristo. Foi
Deus que O enviou, mas foi Cristo que, com a Sua vinda e com toda a
Sua obediência ativa e passiva, o realizou. “Ele é a nossa paz”, e
somente Ele é a nossa paz. Digo e repito que, se não atribuirmos todo
o louvor, toda a honra e toda a glória ao Senhor Jesus Cristo, não somos
cristãos. E Sua ação\ é ação de Deus em Cristo e por meio dEle. O
hom em está morto em ofensas e pecados, é um inimigo e estranho em
sua mente pelas suas más obras; ele odeia a Deus; não faz nada realmente
bom, e não é capaz de fazê-lo. Como seria possível a reconciliação?
Encontramos a resposta na definição da palavra: é um a ação do alto, é
um movim ento da parte de Deus, do Deus contra quem nos rebelamos
e a quem demos as costas. É Ele que inicia o grande movimento. Ele o
começou no Velho Testamento. Ele o continua no Novo; é perfeito. É
Sua ação. É tudo em Jesus Cristo. É tudo a graça de Deus em Cristo.
“Deus estava em Cristo reconciliando consigo o m undo.” Essa é a
mensagem.
Mas, em particular se vê que o apóstolo afirma que foi ‘‘pela cruz
“E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo.” Volta a
cham ar a atenção de vocês para a m aneira pela qual o apóstolo vai
repetindo estas coisas. “M as agora em Cristo Jesus”, dissera ele no
versículo treze, “vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo
chegastes perto.” Aqui ele não se restringe a dizer para “reconciliar
ambos com Deus em um corpo” ; ele inclui - “pela cruz” . Ele introduz
isto porque tem que introduzi-lo. Não háreconciliação sem a cru z.E q u e
é que a cruz significa? A passagem paralela de Colossenses 1:20 o diz
perfeitamente: “Havendo por ele feito a paz pelo sangue de sua cruz” .
É a morte, a vida entregue abnegadamente, o sangue derramado, a vida
vertida. E como Deus faz a paz, é como Cristo faz a paz, é como se
concretiza a reconciliação.
N ão há possibilidade de reconciliação sem a morte do Senhor
Jesus Cristo na cruz do Calvário. Por quê? Bem, aí está o último ponto:
“...matando com ela a inim izade” - com ela, nela, por meio dela.
Chegamos aqui à questão que o povo gosta de levantar. Por que foi
indispensável am orte de Cristo na cruz, e como é que elanos reconcilia?
Vocês verão estranhas respostas dadas a essas perguntas, respostas que

- 254 -
me parecem incapazes de reconciliar-se com a declaração do apóstolo.
Alguns dizem que o que acontece é que “Deus perdoa a cruz” ; que
hom ens cruéis levam o nosso Senhor à morte, porém, Deus lhes perdoa
até isso. Dizem eles que todos nós estávamos lá. “Você estavalá quando
crucificaram o meu Senhor?” Sim, eles respondem, você estava, você
estava num dos grupos - o soldado, o fariseu, ou um deles, e você o
crucificou; ah, mas esta é a mensagem: Deus perdoa até isso. M as isso
não é fazer a paz pela cruz. Isso é fazer a paz apesar da cruz, o que é
exatamente o oposto. Contudo, o que o apóstolo ensina em toda parte
é que Deus, Cristo, faz a paz pela cruz, através, por meio da cruz. O utra
explicação dada é que Deus sempre produz o bem, mesmo do mal. José,
em seus dias, viu isso. José disse aos seus irmãos: “Vós bem intentastes
o mal contra mim, porém Deus o tomou em bem ...”; vocês me venderam
maldosamente, vocês intentaram algum mal; ah, sim, mas Deus o tomou
em bem, e Ele sempre faz isso. A suprema ilustração disso, dizem eles,
é que até o mal da cruz Deus tornou em bem. Os homens praticaram má
ação, entretanto Deus a tornou em algo maravilhoso. Será isso salvar-
-nos e reconciliar-nos pela cruz? Não! Torno a dizer que isso é apenas
um a m aneira de dizer que Ele nos salva apesar da cruz. Isso não é salvar
pelo sangue da cruz. Isso não é fazer a paz pelo sangue da cruz - através
ou por meio do sangue da cruz. Ainda outros dizem que significa que,
quando eu contem plo Cristo ali, morrendo inocentemente na cruz, o
meu coração se quebranta ao compreender eu a pecam inosidade e a
enormidade disso tudo. Mas isso tampouco resolve, porque também não
é fazer a paz pelo sangue da cruz. Segundo Paulo, isso aconteceu, isso
foi realizado; não é algo que só acontece quando eu me dou conta do que
aconteceu na cruz; foi feito um a vez por todas, a ação foi completa, no
Calvário - “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o m undo” .
Ele o fez uma vez para sempre. É um a coisa muito mais profunda do que
qualquer dessas explicações.

O ensino verdadeiro é que, antes de ser possível a reconciliação,


algo tem que acontecer da parte de Deus, bem como da nossa parte.
O pecado trouxe inimizade entre ohom em eD eus. Deus odeia o pecado.
A ira de Deus m anifesta-se contra o pecado. E antes que possa haver
reconciliação, antes que Deus possa abençoar de novo, esta inimizade
terá que ser rem ovida pelo sangue da cruz. Por que ele m enciona o
sangue, por que a cruz, por que a morte? Porque essa é a explicação de
todo o ensino do Velho Testamento acerca dos sacrifícios. Esse foi o
m étodo de Deus, foi Deus que ordenou isso tudo como figura daquilo

- 255 -
que seria feito em Cristo. Não era assim que o faziam? Tom avam o
animal e punham as mãos sobre a suacabeça. Que é que significava isso?
Eles estavam transferindo simbolicamente os seus pecados e os pecados
do povo ao animal. Depois o animal era morto e o seu sangue era
derramado; e o sangue era apresentado como oferta; o animal era
oferecido como um sacrifício. Esse é o ensino. E é precisam ente esse
o ensino do Novo Testamento acerca da morte de Cristo na cruz. “Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando
os seus pecados.” Por que não? Porque Ele imputou os pecados do
m undo a Ele\ Deus tomou os meus pecados e os seus e os colocou sobre
a cabeça de Cristo, e então, na qualidade de Cordeiro de Deus, Ele O
matou. Não lhes imputando os seus pecados! Porque “Aquele que não
conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos
justiça de D eus” (2 Coríntios 5:21). Pelo sangue da Sua cruz! Pela cruz
Ele o fez! A inimizade - a inimizade contra Deus foi posta sobre Cristo
e ali foi eliminada. Ele a matou ali. Esse é o ensino. Esse é o significado
do grito de desamparo: “M eu Deus, meu Deus, por que me desampa-
raste?” Visto que o sangue de Cristo, o sangue do Cordeiro de Deus, foi
derramado sobre o Calvário, o caminho da reconciliação está livre. A
inim izade foi removida, e Deus pode olhar para o homem com benig­
nidade e está pronto a abençoá-lo, a recebê-lo e a restaurá-lo. Os judeus
precisavam disso, os gentios precisavam disso, e, juntos em Cristo, eles
o receberam. Em Cristo, pelo Seu sangue, eles podem entrar juntos no
“Lugar Santíssim o” . Que evangelho maravilhoso, que declaração
estupenda! Que aconteceu no Calvário? Cristo foi morto. Sim, mas por
Sua morte Ele matou a inimizade! Ele fez dos principados e potestades
um espetáculo público, cravou na cruz a lei, e o hom em foi reconciliado
com Deus. Todos são reconciliados da m esm a maneira, em Cristo. Seja
você judeu ou gentio, bárbaro ou cita, escravo ou livre, hom em ou
mulher, bom ou mau, alto ou baixo, você terá que vir dessa maneira.
Cristo morreu pela Igreja. Ou, como diz o apóstolo Paulo em seu
discurso de despedida aos presbíteros da igreja de Efeso: “...a igreja de
Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue” (Atos 20:28). Um
corpo! O único modo de reconciliar Deus com o homem, e o homem com
Deus, é pela cruz, pela morte de Cristo, que mata a inimizade, que
rem ove todos os pecados. “O sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos
purifica de todo o pecado.”

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21
PAZ COM DEUS
“E, vindo, ele evangelizou a paz, e vós que estáveis longe, e aos
que estavam perto. ” - Efésios 2:17

O apóstolo, neste versículo particular, dá mais um passo adiante em


sua grande declaração concernente à salvação. Sua tese é: Deus em
Cristo reuniu na Igreja os judeus e os gentios, fazendo deles um corpo
e assim os reconciliando conSigo pela morte do nosso Senhor na cruz.
Ele nos disse como o Senhor Jesus Cristo, por Sua morte na cruz,
derrubou a parede intermediária de separação. Foi no Calvário que a
parede de separação que estava no meio foi derrubada um a vez por todas.
N a cruz; nem antes, nem depois. O véu do templo não foi rasgado antes
que o nosso Senhor morresse na cruz. É a cruz que realiza isso. O nosso
Senhor não o fez por Seu ensino nem por Seus milagres. Foi no momento
da Sua morte que o véu foi rasgado. A lei dos m andam entos nas
ordenanças foi abolida. Não somente isso, Ele fez também “dos dois um
novo hom em ” ; um a grande unidade é possibilitada. E finalmente ele
nos disse como foi que pela m orte de Cristo na cruz Deus reconciliou
desse modo o judeu e o gentio conSigo.
M as, obviamente, isso não é suficiente só por si. Pensem na
hum anidade em pecado. Deus enviou Seu Filho para abrir um caminho
de salvação. O Filho fez tudo o que Ele foi enviado para fazer. Ele
obedeceu ao Pai em todas as coisas; Ele cumpriu a lei positivamente,
ativamente; Ele sofreu, passivamente, a punição dos nossos pecados em
Seu corpo na cruz. Temos salientado isso tudo - e o repito porque precisa
ser repetido, porque é comum pregarem sobre a cruz sem sequer
m encionarem a im putação e a punição dos pecados. Contudo,
aprofundamo-nos nisso e o examinamos em detalhe.

M as agora surge a questão: como é que tudo isso que fo i feito


e que fo i preparado chega a nós? o versículo que estamos focalizando
agora responde essa pergunta. “E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós
que estáveis longe e aos que estavam perto.” Noutras palavras, tendo
aberto o caminho e a possibilidade, o Senhor agora nos vem e nos diz
que Ele, tendo feito o que fez, proclama-o, anuncia esta boa notícia, que
a paz entre o homem e Deus, paz da qual o homem angustiosamente

- 257 -
necessita, é obtenível.
H á m uito desacordo sobre o que significa exatamente o nosso
versículo, e o que ele diz exatamente. Ele se refere ao Senhor Jesus
Cristo. Ele é Aquele que fez todas as coisas que estivemos conside­
rando, para “pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo,
m atando com ela as inimizades” ; e, “vindo ele evangelizou a paz, avós
que estáveis longe, e, aos que estavam perto” . O Senhor Jesus Cristo é
Aquele de quem Paulo está falando; é Sua ação. Os dois conceitos
possíveis são os seguintes:
Prim eiro, há os que dizem que este versículo é uma referência ao
que o nosso bendito Senhor fez enquanto esteve neste mundo. As
palavras que temos que considerar são: “vindo, ele evangelizou ap az” .
Que significa este “vindo” ? Um grupo gostaria de fazer-nos acreditar
que é um a referência à encarnação, à prim eira vinda de nosso Senhor,
e ao Seu m inistério terreno, descrito nas páginas dos quatro Evangelhos.
O segundo conceito é o que afirma que esta é uma referência à pregação
do Senhor Jesus Cristo por intermédio dos apóstolos; não à Sua pregação
feita pessoalmente por Ele, mas à Sua pregação m ediante a Igreja,
m ediante os apóstolos - o que aconteceu depois da Sua morte, ressur­
reição e ascensão e subseqüente envio do Espírito Santo sobre a Igreja
no dia de Pentecoste.
Em bora sej a um ponto interessante, não é, felizmente, um a questão
vital, num sentido final. Contudo, é de interesse e, portanto, devemos
vê-lo de passagem. Há certas considerações que, ao que me parece,
m ilitam fortemente contra o primeiro conceito. Lendo os Evangelhos,
vocês verão que o ministério do nosso Senhor limitou-se aos judeus. Ele
dizia de Si que não tinha sido enviado “senão às ovelhas perdidas da casa
de Israel” (M ateus 15:24). Ele disse especificam ente aos Seus discípu­
los: “Não ireis pelo caminho das gentes” - dos gentios (Mateus 10:5).
O Seu m inistério estava limitado aos judeus. Vocês recordam o inci­
dente da mulher siro-fenícia. Quando ela veio pedir um a bênção para a
sua filha, a resposta dEle foi: “Não convém tomar o pão dos filhos e
lançá-lo aos cachorrinhos” (Marcos 7:27). Essa era a Sua atitude em
toda parte. Todavia, não é tão simples assim, porque vemos que
ocasionalm ente em Seu ensino Ele mostrava que realmente viera para
todos, tanto para os judeus como para os gentios. Creio que há um a
insinuação disso mesmo na grande declaração de Lucas 4:18, com a Sua
citação de Isaías, capítulo 61, onde se vê que Ele estava pregando um
evangelho para todos os povos, especialmente na seqüência do Seu
discurso. Ele disse também, certa ocasião: “Ainda tenho outras ovelhas

- 258 -
que não são deste aprisco” (João 10:16) - clara referência aos gentios.
E depois vocês se lembram de que, embora tenha recusado o pedido de
A ndré e Filipe que fosse ver os gregos que tinham vindo e disseram:
“Queríam os ver a Jesus”, não obstante Ele continuou e disse: “E eu,
quando for levantado da terra, todos atrairei am im ” (João 12:21,32). Foi
um a clara predição de que Ele ia fazer algo, m ediante Sua m orte, que
abriria a porta de entrada até para os gregos, para os gentios, para os que
estavam “longe” . Parece-me, pois, que um bom exame dos quatro
Evangelhos leva-nos à conclusão de que, conquanto o nosso Senhor
tenha limitado deliberadamente o Seu ministério e o dos Seus discípulos
aos judeus durante a Sua vida na terra, Ele deu ocasionais indicações de
que haveria algo mais amplo e maior depois que Ele realizasse na cruz
a obra que fora enviado para realizar.

M inha decisão é, pois, que, no geral, a segunda interpretação é


melhor; que o que o apóstolo está realmente dizendo aqui é que Cristo,
p o r meio dos apóstolos, p o r meio dos Seus servos, pregou este
evangelho de p a z com Deus, o qual Ele tornou possível com a obra
perfeita que Ele realizou na cruz. Há um sentido em que E le nunca
poderia ter feito isso durante a Sua vida na terra porque os homens não
poderiam entender o significado da cruz; mesmo os apóstolos não
puderam , sempre tropeçavam nisso. Era necessário que a obra fosse
consumada, que Ele ressuscitasse, que o Espírito Santo fosse dado, antes
de poder acontecer isto. E assim aconteceu. Vocês podem notar que o
prim eiro versículo do livro de Atos diz-nos que o escritor, Lucas, lembra
a Teófílo “tudo o que Jesus começou a fazer” . Agora lhe vai falar acerca
das coisas que Jesus continuou a fazer. E é esse o significado do livro
de Atos - é o registro dos atos do Senhor ressurreto por meio da Igreja.
V ocês recordam como Pedro e João, tendo curado o homem junto à Porta
Form osa do templo, disseram: “ ... por que olhais tanto para nós, como
se por nossa própria virtude ou santidade fizéssemos andar este ho­
mem ...pela fé no seu nome fez o seu nome fortalecer a este que vedes
e conheceis” - referindo-se a Cristo - “fortalecer a este...” . “Em nome
de Jesus Cristo, o Nazareno” ; quem o faz é Ele, por assim dizer,
m ediante os apóstolos. Isto é algo que todos nós devemos conhecer bem.
Escrevendo aos coríntios, diz o apóstolo Paulo: “Somos embaixadores
da parte de Cristo...Rogamo-vos pois da parte de Cristo que vos
reconcilieis com Deus” . E, naturalmente, há o tremendo fato de que foi
Pedro que disse, no dia de Pentecoste: “A promessa vos diz respeito
(falando prim eiram ente aos judeus e aos prosélitos), a vossos filhos, e

- 259 -
a todos os que estão longe” . Aí está o primeiro grande, inequívoco e
explícito pronunciamento de que de fato o evangelho é para ser pregado
a todos. E eu afirmo que o próximo versículo desta nossa seção, a saber,
o versículo 18, onde o apóstolo imediatamente se refere aos Espírito
Santo, é um a confirmação disso. A afirmação que ele faz no versículo
dezessete o faz logo pensar no Espírito, e isso o leva à sua próxim a
afirmação. M as, para mim, a prova conclusiva e final vê-se claramente
em I Timóteo 3:16, onde o apóstolo lança uma declaração extraordiná­
ria. D iz ele: “Sem dúvida alguma grande é o mistério da piedade: Deus
se m anifestou em carne, foi justificado em espírito, visto dos anjos,
pregado aos gentios, crido no mundo, e recebido na glória” . Vocês
podem notar a seqüência. “Pregado aos gentios” vem depois não
som ente de “foi justificado em espírito” , mas também de “visto dos
anjos”, o que, para mim, é uma inequívoca referência à Sua morte na
cruz. Há, pois, um sentido em que é evidente que essa era a seqüência
na m ente do grande apóstolo.
Então, essa é mais ou menos a m ecânica do nosso texto, interes­
sante e importante, e digna de mais amplo estudo. Todavia o importante
é que o apóstolo está asseverando um fato. Tenha ou não começado com
o Senhor em Seu ministério terreno, o fato é que a m ensagem cristã é
um a proclam ação a judeus e gentios, a gentios e judeus, de que o
caminho da paz com Deus foi aberto por Jesus Cristo, e Ele crucificado.
Essa é a mensagem. É a isso que o apóstolo está desejoso de que estes
efésios se apeguem. E é com isso que ele quer que eles fiquem
admirados, admirados de ser isso possível, de que tenha acontecido, e
de que Cristo assim o esteja pregando, oferecendo-Se a eles, expondo-
-o diante deles e convidando-os a agir com base nisso. E essa continua
sendo a mensagem que a Igreja Cristã deve pregar; essa é a sua
mensagem ao mundo atual. Portanto, o nosso dever é descobrir o ensino,
a doutrina, desta tremenda declaração. E uma das mais gloriosas de todas
as Escrituras. “E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe,
e aos que estavam perto.”
Qual é o ensino? Vamos resumi-lo da seguinte maneira: obvia­
mente, a prim eira grande afirmação é que a necessiadade fundam ental
do homem é p a z com Deus. Essa é a paz que o nosso Senhor prega, a
paz com Deus. Temos aí, vocês vêem, um a continuação da afirmação do
versículo anterior. “E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um
corpo, matando com ela as inim izades.” Depois ele prossegue, no
próxim o versículo, dizendo: “Porque por ele temos acesso ao Pai em
um mesmo Espírito” . A paz é essa, pois. Aqui não é tanto a paz entre

- 260 -
gentios e judeus; essa fora consumada, agora apaz é com Deus, da qual
ambos necessitam. E por isso que eu gosta daquela outra tradução que
diz: “E veio e pregou a paz a vós, que estáveis longe, e pregou paz a eles,
que estavam perto” . Os judeus necessitavam da paz, tanto como os
outros.
E digo de novo que a declaração fundamental é que a suprema e
prim ordial necessidade do homem é a necessidade de paz com Deus. O
homem, perdida a sua relação com Deus, o homem em pecado, vive
inquieto e miseravelmente infeliz. Há um a exposição m aravilhosa
disso tudo no capítulo cinqüenta e sete do livro do profeta Isaías. Não
tenho dúvida de que o apóstolo tinha em mente essa passagem quando
escreveu estas palavras. Ela diz: “Paz, paz, para os que estão longe, e
para os que estão perto, diz o Senhor” (versículo 19). Mas então o
profeta continua e diz: “Os ímpios são como o m ar bravo que senão pode
aquietar, e cujas águas lançam de si lam a elodo” . Aí está afigura, aí está
a explicação - “como o m ar bravo” . Todos nós conhecemos bem essa
figura do m ar bravio, inquieto. Por que o mar está sempre inquieto,
sempre em movimento? Por que as ondas? Por que o fluxo e refluxo?
Os cientistas dizem que é porque sempre agem sobre o mar duas forças
opostas. A prim eira delas é a Lua. A Lua controla em parte as mudanças
e os movim entos do mar. Há, por outro lado, a força m agnéticado centro
da Terra, um a tremenda atração magnética. De um lado, a atração e a
influência da Lua, e doutro lado, a influência oposta das forças m agné­
ticas do centro da Terra. E o resultado é que o mar está em constante
movimento; temos as ondas e vagas, e o fluxo e refluxo; e ocasional­
m ente ocorre um vendaval que sopra sobre o m ar e eleva as ondas em
vagalhões, e temos uma terrível tempestade. “Os ímpios são como o m ar
bravo que se não pode aquietar, e cujas águas lançam de si lama e lodo.”
Vocês já andaram pela praia depois de um a tormenta, e viram a lama, a
sujeira, os pedaços de m adeirae outras coisas lançadas pelas águas? São
os restos de embarcações e de suas cargas, a sujeira e a lama que ficam
na praia após um tempestade. Que descrição perfeita! Bem, diz Isaías (e
é o que está na mente do apóstolo aqui), é como são os ímpios.
É a figura do homem sem Deus, inquieto como o m ar revolto. Qual
a causa disso? A explicação, no sentido espiritual, é a m esm a das
condições do mar. Tudo começou no Éden. O homem foi feito por Deus
e foi colocado no Paraíso. Não havia movimento nenhum, nenhum a
inquietação no Paraíso, pois somente um a coisa atuava sobre o homem
- Deus! Deus fez o homem à Sua imagem, o homem estava em
correspondência, em comunhão com Deus, fruía Deus, e a sua vida era

- 261 -
um a vida de inalterada paz e bem-aventurança. Não havia infelicidade,
não havia problema, não havia dificuldade, não havia ansiedade. O
hom em estava num estado de inocência e de completa paz, quietude e
liberdade. No entanto, o homem caiu. Deu ouvidos a outra força, a outro
poder, e ao lhe dar ouvidos, ficou sujeito a esse poder. O poder do diabo,
o poder do mal, o poder do inferno começou a atuar sobre ele, e daquele
m omento em diante a vida do homem foi de inquietude e conflito. O
homem, fora da relação com Deus, é exatamente como o mar. Continua
havendo nele um a rememoração, um a lembrança, da sua retidão origi­
nal. Ele não sabe disso, ele não pode dizer nada a respeito; ele não
acredita na Bíblia, não acredita na teologia; não obstante, é um fato.
Há no homem um fator chamado consciência. Ah, quantos não há
que gostariam que não houvesse consciência! Contudo eles a têm, e ela
vai lhes falando e os vai segurando; é um a influência em sua vida. Que
é ela? É a lembrança, a rem iniscência da sua retidão original. No fundo
do coração o homem sabe que foi feito para algo melhor. Ele tem senso
de justiça, do certo e do errado, do bem e do mal. Vou além, ele tem até
senso de Deus. Não gosta, mas tem; e isso o perturba. Esse é um lado
- a força que vem de cima. Entretanto, há outra força que o puxa na
direção oposta-anaturezahum anadecaída, acobiça, a paixão, o desejo,
o ciüme, a inveja, todas estas coisas feias e horríveis. O apóstolo fala
disso um a vez por todas na capítulo sete de Romanos: “Porque, segundo
o hom em interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus
mem bros outra lei, que batalha contra a lei do meu entendimento, e me
prende debaixo da lei do pecado que está nos meus mem bros” . As duas
são antagônicas, e o resultado é que o homem fica inquieto e com o as
ondas do mar, do m ar inquieto, que não tem descanso. E então,
ocasionalmente, vêm os temporais. Refiro-me a alguma furiosa investida
do diabo! Há sempre um ligeiro m ovimento no ar, todavia nem sempre
dizemos que é um a ventania. Quando o m ovimento aumenta, tom a-se
ventania, vendaval. O diabo está sempre aí, a perturbar-nos, porém há
ocasiões em que ele faz um a furiosa investida, e sofremos um ataque
violento, somos jogados para lá e para cá, e somos lançados violenta­
mente, com o uma tempestade no mar. O diabo e as suas forças parecem
incontroláveis, e as nossas vidas ficam tão turbulentas e agitadas como
o m ar na mais violenta tempestade. E não só isso - as circunstâncias
também! Vêm as guerras, vem a enfermidade, um ente querido cai
doente, algo vai mal, e toda anossa vida se transtorna. Não sabemos onde
estamos; abalam-se as nossas bases, como dizemos. Tudo vai rolando
para lá e para cá, como o mar. Vocês vêem como a descrição é perfeita.

- 262 -
Esse é o homem que não tem relação com Deus, o homem resultante da
Queda. Não tem paz, vive inquieto.
Naturalmente, a conseqüência disso tudo é que o homem nunca
está satisfeito. Não há nada que caracterize tanto a vida pecam inosa
como a sua inquietude. Acaso vocês não vêem isso no mundo atual? O
m undo alguma vez esteve tão inquieto como no presente? Vejam a
m oderna m ania de lazer. A que se deve? A inquietude! As pessoas
dizem: vamos sair, vamos fazer alguma coisa; não podemos agüentar só
ficar em casa; isso nos fará enlouquecer. Vamos sair, vamos esquecer
tudo, vamos fugir de tudo. L azer! Estão tentando livrar-se da inquietude!
U m a nova emoção, um ansioso desejo de algo novo! Escapism o é o
termo usado para isso hoje, e o mundo se enquadrano fato. O mundo está
emocionalm ente agitado, e está procurando agitar-se mais ainda. Tem
que receber estímulo na form a de bebidas ou de diversão. Tem que ter
algo que m antenha a coisa andando. É tudo expressão dessa inquietude
fundam ental, desse desassossego, dessa falta de paz, dessa falta de
tranqüilidade mental. O homem em pecado não conhece a paz mental,
não conhece a paz do coração. E instável, diz Tiago, como as ondas do
mar. Tem m entalidade dupla - isto puxa, aquilo puxa; sente que devia
ser melhor, m as gosta de alguma coisa má; e se vê puxado de dois lados.
Sua vida e seus caminhos são de fato como as inquietas ondas do mar.
Sem nada que o satisfaça!
A analogia é perfeita, não é? Ah, a lama e a sujeira lançadas por tudo
isso! M ilhões passam o domingo lendo sobre isso. A lama e a sujeira!
Está em todos os jornais, em toda parte, nas conversas do povo; está se
tom ando por demais óbvio. A respeitabilidade está desaparecendo, o
pecado está se tornando escancarado outra vez. A tem pestade soprou
durante algum tempo, e a lama e a sujeira estão ficando cada vez mais
evidentes. O homem em pecado é isso - sem paz, sem sossego, sem
tranqüilidade; como as ondas revoltas do mar, a sua vida espirra lama,
sujeira e coisas nojentas. O horror e a fealdade disso tudo! E a tragédia
é que, em sua ignorância e cegueira, o homem não percebe nada disso.
Ele não sabe, não entende; acha que os seus problemas são causados
pelas circunstâncias, ou pelo ambiente, ele está sempre em busca de paz
e procurando ter repouso. Mas não consegue; esforça-se quanto pode,
e falha.Tudo isso indica o fato de que a suprema necessidade do homem,
a necessidade fundamental do homem, é a necessidade de paz e repouso,
m ente serena, coração tranqüilo.

Passem os, porém, ao segundo ponto. A paz é a necessidade de

- 263 -
todos os homens, não somente de alguns. “E, vindo, ele evangelizou
a paz, a vós que estáveis longe, e aos que estavam perto.” Os judeus
precisavam da mensagem tanto como os gentios que estavam longe, e
exatam ente da m esm a maneira que eles. Pois bem, essa é a grande tese
do apóstolo aqui. Ele tem que estabelecer que os judeus necessitam da
mensagem tanto como os gentios. No entanto, os judeus não conseguiam
ver isso. Esse era o seu problema. Naturalmente os gentios podiam
precisar disso! - embora os judeus não gostassem nem disso, porque
achavam que Deus não Se interessava por nenhum povo, exceto eles
próprios. M as eles certam ente não precisavam! Por isso os fariseus
odiavam tanto o nosso Senhor. A pregação do nosso Senhor fazia os
fariseus acharem que até eles eram pecadores, e não gostavam disso.
Eles diziam: somos piedosos, somos religiosos, somos boas pessoas,
tem os a le i! E assim o apóstolo Paulo teve que escrever os capítulos dois
e três da Epístola aos Romanos só para mostrar-lhes que eles necessi­
tavam da mensagem de paz tanto como os gentios. Os judeus achavam
que, porque tinham a lei, isso de algum modo significava que eles a
haviam cumprido; que, porque sabiam que havia um a lei, isso os
colocava em boas relações com a lei. E por isso Paulo tem que dizer:
“Pela lei vem o conhecimento do pecado” ; elanão os livra dele, não faz
mais que dar conhecimento, mas eles não conseguiam ver isso. A cha­
vam que os seus privilégios - e eles tinham privilégios, como Paulo
m ostra - salvavam-nos automaticamente. Eles tinham os oráculos de
Deus, as Escrituras do Velho Testamento; a lei fora dada a eles, os pais
lhes pertenciam, e assim por diante. Isso era verdade. Todaviaposto que
punham a sua confiança nesses privilégios e em sua posse deles, eles
estavam fora do reino. M as não enxergavem isso. Assim, a mensagem
tem que vir a eles como tem que vir a todos os outros. Não obstante
continua sendo um problem a para muitos. Há muitos que pensam que
o evangelho, num a form a evangelística, precisa ser pregado a certas
pessoas, porém não a todas. Acham que certamente isso não é necessário
para os que foram criados em lares cristãos e que, em sua juventude, eram
levados à Escola Dominical e sempre freqüentavam um local de culto.
Você não precisa pregar-lhes evangelisticamente, dizem eles; certa­
m ente eles já estão lá, já chegaram perto. Os que dizem isso não
conseguem ver que os que estão perto precisam da m esm a mensagem
da qual precisam os que estão longe. M as precisam, diz Paulo -
“evangelizou os que estavam longe e os que estavam perto” .
Observem ainda que longe e perto são distinções relativas, não
são distinções absolutas. Permitam -m e oferecer-lhes um a ilustração.

- 264 -
Vejam o caso de dois vultos que figuram no Novo Testamento, um o
apóstolo Paulo, e outro o carcereiro de Filipos.Considerem-nos a
ambos. Vejam Paulo, hebreu de hebreus, educado como fariseu, sentara-
-se aos pés de Gamaliel, conhece a lei e nela tem prazer. E le serve a
Deus, pensa ele, com consciência pura. Um bom homem, homem de boa
moral, homem religioso! Do outro lado, o carcereiro de Filipos, gentio,
sujeito violento, homem pronto a cometer suicídio quando as coisas vão
m al. Olhando para esses dois homens, que é que vocês dizem deles?
Alguém dirá instintivamente: o apóstolo Paulo está muito perto do reino
de Deus; o carcereiro de Filipos está muito longe. E, contudo, o próprio
apóstolo nos diz que, na realidade, os dois homens tinham idêntica
necessidade, que ele tinha tanta necessidade da paz do evangelho como
aquele carcereiro. “Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a aceitação”,
diz ele, “que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores” -
gente como o carcereiro de Filipos e como os membros da igreja de
Corinto, que eram adúlteros, fornicadores, mal vistos até pela hum ani­
dade, a escória da sociedade? Não, não; não somente eles, Cristo Jesus
veio para salvar os pecadores - “dos quais eu sou o principal” !
Porventura não parece monstruoso, não parece ridículo que este jovem
piedoso, este bom fariseu, esteja na mesma situação do carcereiro de
Filipos? Contudo ele diz que é isso mesmo. Não havia diferença alguma,
pois “Não há um justo, nem um sequer” , estamos todos na m esm a
situação. E continua sendo assim hoje.
Falem os com clareza sobre isso. Há alguns que obviam ente se
acham tão longe quanto é possível estar do reino de Deus. As pessoas
às quais me referi há pouco, cuja idéia de felicidade consiste em
embebedar-se e tornar-se piores que animais, pessoas que vivem em
sentinas de vício e iniqüidade sem jam ais terem um pensam ento sobre
Deus ou sobre moralidade, porém que só vivem de acordo com a sua
natureza animal, estão, vocês costumam dizer, tão longe do reino de
Deus quanto é possível conceber. M as há outros que são amáveis,
pacíficos, respeitáveis, que nunca praticam males visíveis aos outros,
que odeiam essas coisas, procuram fazer o bem, empreendem luta
moral, trabalham pela elevação da raça, estão cheios de boas obras, de
boas ações, de boas realizações, de interesses e trabalhos intelectuais,
que se interessam pelas coisas da mente etc., que freqüentam um local
de culto, que são membros de igreja, talvez. A prim eira vista, e
superficialmente, as duas posições perecem diametralmente opostas, e
a tendência geral é dizer que elas não têm nada em comum.
Todavia, o propósito geral do evangelho é dizer que, diante de

- 265 -
Deus, elas são idênticas e precisam exatamente da m esm a mensagem.
O segundo tipo precisa da mensagem de paz tanto como o primeiro. Paz
aos que estavam perto, como também aos que estavam longe! Aqueles
parecem estar às portas do reino, mas não estão no reino. E no momento
em que vocês se puserem a analisar isso, verão como é verdade. Os seus
intelectualistas, os seus moralistas e os seus idealistas vivem tão
inquietos como os outros, e igualmente infelizes. Não conseguem achar
paz, mais do que as outras pessoas. Claro, talvez não lancem tanta lama
e tanta sujeira. O que é óbvio no caso delas não é alguma prática nojenta,
porém os restos do naufrágio são igualmente óbvios. Não é lama e
imundície, talvez sejam pedaços de madeira ou restos de enfeites ou algo
parecido. No caso dos infelizes que levam a vida nas sarjetas, a coisa é
óbvia, é aberta, é visível; todos podem vê-la. A condição do bêbado
cam baleante ou do homem violento é óbvia, todos podem vê-la. M as o
fato de vocês não poderem ver muito movimento na superfície da vida
dos outros não significa que não haja nenhum m ovimento. Posso
dem onstrar que há um tremendo movimento ali. Por baixo da superfície
aparentemente calm a e lisa, há um a revolta em ação, há um a tremenda
violência. Como posso saber disso? Desta maneira: a grande moléstia
da humanidade, particularm ente do homem civilizado, é a cham ada
neurose. As neuroses, dizem-nos, são causadas por repressões. Que é
um a repressão? Algo que você mantém em baixo, que você não deixa
vir à tona, você não parte para a embriaguez ou o adultério. Não, todavia
a luta está ali, a fúria interior, a tempestade, uma verdadeira torrente de
luxúri a e paixões, mantidas por baixo, por assim dizer, nas ali estão. Não
hárepouso, não hápaz. Repressões e neuroses!-m anifestando-se talvez
em úlceras gástricas, transparecendo na insônia e na dependência de
soníferos. Essa é a doença do homem moderno e da civilização. As
pessoas do prim eiro grupo que descrevi nunca têm que tomar essas
drogas; a inquietude toma form a diferente nelas; as outras se reprimem,
e a natureza protesta. A luta é tão grande que os nervos não agüentam,
e assim essas drogas se tornam necessárias. As duas posições são
realm ente idênticas. O importante não são os sintomas de um a doença,
e sim a doença propriamente dita; assim vocês vêem que aquelas pessoas
que parecem estar tão perto do reino, que são tão agradáveis e bondosas,
e que estão sempre falando de elevação moral e estão sempre tentando
m elhorar a condição do homem e lutam em prol da cultura, são tão
inquietas e doentias como o pecador violento e patente. Elas necessitam
de paz, tanto quanto esse violento.
M as talvez eu possa provar o meu ponto mais conclusivam ente se

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lhes peço que examinem experimentalmente os dois tipos, as duas
classes. O teste sobre a nossa situação, como disse quando expus o meu
primeiro princípio, é se conhecemos a Deus. Não é se você acredita em
coisas concernentes a Deus. Não há paz se não há conhecimento de
Deus. Aquela boa pessoa das suas relações, pessoa culta, intelectual,
altamente moral, pessoa que pode estar sempre lendo livros, teologia,
e talvez a Bíblia, pode não ter nenhum conhecimento de Deus. Por isso
é inquieta e infeliz. Ela não pode ver a Deus, está sempre investigando,
pesquisando, indo ouvir boas preleções, esperando que algo vá aconte­
cer; porém, não o possuem. Não o têm mais do que qualquer outra
pessoa. O teste é esse. Tais indivíduos estão atormentados por algum
pecado passado. Têm medo de morrer. Não sabem onde estão, não
sabem que os seus pecados foram perdoados. Não sabem o que os espera
no futuro. Não têm a fé que sustenta no transe da morte, não têm certeza
do céu, não sabem que são filhos de Deus; e o resultado é que vivem
inquietos, sentem-se mal e infelizes. Acaso estou esclarecendo o meu
princípio? Não é esse o problem a com eles? Acham -se tão perto e,
todavia, tão longe! “Longe” e “perto”, como eu disse, são termos
relativos. A pergunta importante é: você está no reino? E se você
compreender que a pergunta importante é essa, você compreenderá que,
afinal, estar perto não dá nenhuma vantagem sobre estar longe.
Posso oferecer-lhes um a ilustração quase ridícula? Você quer sair,
e entra num a fila de ônibus. O ônibus chega, e você está, digamos, no
décimo lugar da fila. As pessoas começam a entrar no ônibus. Você diz:
“Ótimo, eu vou entrar” . O nono passageiro entra, e o m otorista diz:
“Ninguém mais, lotado.” Ajudaria em alguma coisa você ter sido o
próxim o, se ainda houvesse lugar? O fato é que você está fora do ônibus,
e o fato de você ser o próxim o na fila não o ajuda. Ou, a m esm a coisa com
alguém que vai pegar um trem, e justo no momento em que ele vai
m ostrar o bilhete na entrada da plataforma de embarque, ouve-se o apito
e o trem parte. Diz ele: quase o peguei! - mas isso o ajuda? Essas
ilustrações podem ser divertidas, porém espero que os que se riem façam
a si mesm os esta pergunta solene: “Estou dentro do reino, ou apenas
perto?” Pode ser que você estej a à porta de entrada há muitos anos. Você
seria incapaz de ver que isso não o ajudará? Pergunto: você está dentro?
Você conhece a Deus? Você sabe que os seus pecados estão perdoados?
E quando você vai orar a Deus quando tem algum problema, você sabe
que O vê e que você está falando com Ele? Você tem acesso com
confiança e ousadia? Você entra pelo sangue de Jesus no “Lugar
Santíssim o”? Essa, digo eu, é a questão, e não há outra. Tão perto e,

- 267 -
contudo, tão longe! Estar uma polegada fora do reino não é nenhuma
vantagem sobre o homem que está a mil milhas de distância. “Paz aos
que estavam longe, e, aos que estavam perto.” Todos têm necessidade
da paz. “Os ímpios, diz o meu Deus, não têm paz.” “Todos pecaram
e destituídos estão da glória de Deus.” Ou, como Agostinho o diz
finalm ente em sua experiência pessoal: “Tu nos fizeste para Ti, e os
nossos corações não descansam enquanto não acham repouso em Ti” .
Intelectualistas morais, vocês têm repouso? Está tudo tranqüilo por
dentro, há paz em sua alma, e paz entre vocês e Deus? Esta é a
necessidade de todos.

Isso me leva ao derradeiro princípio, que é: Cristo, e somente


Cristo, oferece e é capaz de dar esta paz a todos os que vêem a
necessidade dela. E nisso que o apóstolo se gloria. Cristo o fez e abriu
o caminho. Nenhum homem pode achar a Deus procurando-O. Nenhum
hom em pode reconciliar-se com Deus. Todavia, como vimos, Cristo fez
a paz entre o homem e Deus pelo sangue da Sua cruz. Foi ali que Ele
aboliu a inimizade, e o fez tomando-a sobre Si. Não somente os pecados
vis, torpes, patentes, flagrantes, mas também os pecados de justiça
própria, de presunção, de arrogância, de moralismo, como se isso fosse
espiritualidade. Ele tomou isso tudo sobre Si. “Levando ele mesmo em
seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os
pecados, pudéssem os viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes
sarados” (1 Pedro 2:24). Foi por causa disso que Ele pôde dizer:
“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo
a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atem orize” (João 14:27).
Você já recebeu a Sua paz? Ele o reconcilia com Deus; e a paz de Deus,
que excede todo o entendimento, poderá guardar o seu coração e a sua
mente, se tão-somente você for a Ele. “Não estejais inquietos p o r coisa
alguma', antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de
Deus pela oração e súplica, com ação de graças. E a paz de Deus, que
excede todo entendimento, guardará os vossos corações e os vossos
sentimentos em Cristo Jesus” (Filipenses 4:6-7). Leve tudo a Ele.
Cristo abriu o caminho para você ir aD eus com as suas dificuldades, com
os seus problemas, sejam quais forem.

Quanta vez a paz perdemos,


Quanta dor temos em vão,
Tudo porque não levamos
Tudo a Deus em oração.

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E o caminho está livre para você agir assim também, pois Cristo o
abriu. Opecado foi removido, a inimizade, o antagonismo, foi destruído,
e você pode ir confiantemente à presença de Deus.
E tendo levado a Ele os seus problemas e dificuldades, deixe-os
com Ele, deixe-os lá. “Tu conservarás em paz aquele cuja mente está
firme em ti” (Isaías 26:3). Firme no Senhor! - você tem ampla, franca
e aberta entrada, pelo sangue de Jesus Cristo. Entre, olhe para Ele, tenha
firme a sua m ente nEle, e você começará a gozar a Sua bem-aventurada
paz. Cristo nos dá paz com Deus, paz com os outros, paz interior. “Ele
veio e pregou a paz aos que estavam longe e aos que estavam perto.”
Alguém que tem vivido como que nas próprias mandíbulas do inferno
pode ler estas palavras. Meu amigo, você pode ter esta paz, agora. M as
se a sua situação é de quem sempre esteve interessado e sempre esteve
m uito perto, você também pode tê-la, agora. Vocês podem tê-lajuntos.
É dádiva inteiramente gratuita de Deus, m ediante Jesus Cristo, o nosso
Senhor. Você j á a tem? Regozija-se nela? A paz que Jesus Cristo oferece
pode ser sua agora e para todo o sempre.

- 269 -
22
ACESSO AO PAI
“Porque p o r ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo
E spírito.” - Efésios 2:18

Aqui, nesta declaração, o apóstolo chega ao grande clímax da sua


persuasiva argumentação que começa no versículo onze deste capítulo
dois da sua Epístola. Não há nada que a supere; é o pico mais alto, o
apogeu. Esta é a quintessência da fé cristã e da posição cristã. Não há
dúvida, pois, de que estamos contemplando e considerando um a das
mais grandiosas e gloriosas declarações em toda a extensão das Escri­
turas. Para mim foi um a experiência emocionante dar estes passos com
o apóstolo, um por um. Cada vez subimos mais alto, mais alto, mais alto.
M as, por fim, chegamos ao topo, estamos no ponto culminante, chega­
mos ao grande planalto, e ali ficamos olhando, olhando e contemplando
com admiração e assombro as alturas a que fomos trazidos. N a verdade,
para mim, a declaração que temos diante de nós não somente é
estupenda, é estonteante. “Por ele ambos temos acesso ao Pai - acesso!
- em um m esm o Espírito” (ou, “por um mesmo Espírito”, VA).
A nossa principal dificuldade, e toda a dificuldade da Igreja, é que
não compreendem os o significado de uma declaração como essa. Se a
compreendêssemos, a Igreja Cristã passaria por uma revolução. Seria­
mos “tomados de um sentimento de maravilha, amor e louvor” .
Com preenderíamos que a coisa mais maravilhosa, mais extraordinária
que jam ais pode acontecer a alguém neste mundo é ele tornar-se cristão.
Se tão-som ente cada m embro da Igreja, cada cristão da Igreja, com pre­
endesse a verdadecontidanessadeclaração, a Igrejaficaria tão diferente
que dificilmente a reconheceríamos. Ora, quão diferente é a Igreja
daquilo que vemos aqui! Quantos pensam no cristianismo e na Igreja
Cristã sim plesm ente como um lugar que eles freqüentam de vez em
quando, e isso de m aneira perfuntória, hesitante, duvidando se o farão
ou não, e por puro dever; ou como um lugar em que eles podem por em
prática certos dons que eles têm, e estar ocupados - um a espécie de
clube, um a instituição, uma sociedade humana. Que contraste com o que
tem os aqui! Isto é cristianismo, é isto que faz de alguém um cristão. A
Igreja Cristã consiste realmente de pessoas que compreendem que todo
o objetivo e propósito de todas as coiszs é este - acesso ao Pai por um

- 270 -
m esm o Espírito. Temos que meditar nisto, temos que deter-nos nisto,
temos que aprofundar-nos nisto, temos que dedicar tempo a isto; pois,
como tentarei m ostrar a vocês, encontramos reunidas neste único
versículo as coisas mais estupendas que já nos foram ditas ou que já
compreendem os acerca de nós mesmos.

H á certas coisas que sobressaem na superfície deste versículo. Por


exemplo, somos logo levados por este versículo a estar face a face com
o mistério da Trindade Santa e bendita. Por Ele (o Filho, o Senhor
Jesus Cristo) ambos temos acesso ao Pai em (ou por) um mesmo Espírito
(o Espírito Santo, corretamente grafado com inicial m aiúscula em todas
as versões porque é um a referência ao Espírito Santo). Aí está um dos
grandes versículos trinitários das Escrituras, e nos detemos por um
momento diante deste mistério inefável. Pergunto: damo-nos conta,
como devíamos, de que, num sentido, a doutrina da Trindade constitui
a essência da fé cristã? É a doutrina que, dentre todas as outras, diferencia
a fé cristã de toda e qualquer outra fé. Cremos em um só Deus. E,
contudo, asseveramos que o Deus único são três Pessoas, o Pai e o Filho
e o Espírito Santo. Um grande e inescrutável mistério! Não o entende­
mos, nós o asseveramos. É-nos ensinado aqui, é-nos ensinado noutros
lugares das Escrituras. A Bíblia ensina claramente que o Senhor Jesus
Cristo é verdadeiramente Deus, e igualmente que o Espírito Santo é
verdadeiram ente Deus, e, todavia, diz ela que há somente um Deus:
Deus é um só, e há somente um Deus, que subsiste em três Pessoas. Não
m e peçam que explique isso. Mas vocês não começarão a entender a
Bíblia, não terão a m ínima possibilidade de entender a fé cristã, se não
o aceitarem, se não crerem nisso, se não se inclinarem diante disso, e se
não se humilharem e disserem: eu Te presto culto, eu Te adoro, eu Te
louvo, ó “Grande Jeová, Três em Um ” . É, pois, vital que nós, como
cristãos, nos lembremos disso constantemente. E quando o fizermos, os
nossos cultos se encherão de reverência, de adoração, de um sentimento
de temor, de um sentimento de glória e de louvor, louvor verdadeiro.
Sempre que oramos, sempre que nos reunimos para adoração, estamos
prestando culto a este Deus Triúno. Não podemos conceber a glória, a
m ajestade e a grandeza dessa realidade, porém devemos tentar fazê-lo.
Devemos preparar os nossos espíritos, devemos meditar, devemos
ponderar nesta verdade, devemos sondar as Escrituras em sua busca,
devemos vê-la; e, tendo-a reconhecido, como a reconheceram os
hom ens a respeito de quem nós lemos nas Escrituras, os quais chegaram
perto de Deus, tiraremos os calçados dos nossos pés, sentiremos que

- 271 -
somos homens de lábios impuros, estaremos cônsci os da glória inefável.

Permitam -m e passar a um a segunda observação. As três Pessoas


da trindade santa e bendita interessam-Se p o r nós e estão empenha­
das, as três juntas, em nossa salvação. Agora vocês vêem o que eu
quero dizer quando afirmo que este versículo é estonteante. E isso
exatam ente que ele diz, que as três Pessoas, eternas em Sua glória, em
Sua santidade e em Seu poder, as três Pessoas da Trindade santa e
bendita estão interessadas em você, que você seja cristão, e estão
interessadas em sua salvação, e estão levando a efeito a sua salvação. O
m undo fala em honrarias, e está interessado em honrarias, em privilé­
gios, em conseguir admissão a clubes e posições e em que as pessoas
sejam apresentadas a grandes personalidades. Eis aqui um fato: as três
Pessoas daTrindade estão interessadas em você, e fizeram algo peUuwa
salvação! Que seria, se todos os cristãos se dessem conta disso!
Como estão empenhadas em nossa salvação? Esta Epístola nos
esteve dizendo isso. O apóstolo ocupou quase todo o capítulo primeiro
para dizer-nos que foi o Pai que planejou e deu início à salvação. Vocês
se lembram da frase várias vezes repetidas, “segundo o mistério da sua
vontade” ou semelhante, “segundo o beneplácito de sua vontade”,
“segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo, de tornar a
congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos
tem pos” . O Pai “faz todas as coisas, segundo o conselho da sua
vontade” . Os teólogos costumavam falar em “Trindade Econôm ica” ,
ou “Econom ia da Trindade” . Esta grande obra, esta grandiosa tarefa de
salvação foi dividida entre as três Pessoas. O Pai concebeu e planejou
a salvação. Ele a imaginou, projetou-a, decidiu sobre ela, determinou-
-a. O Deus eterno e sempiterno! E Seu plano e Seu propósito. N unca
apresentemos a fé cristã e aposição cristã quanto à salvação como se esta
fosse algo que o Filho teve que arrancar do Pai. Foi o Pai que enviou
o Filho. Vocês notam, na oração sacerdotal, no capítulo dezessete do
Evangelho Segundo João, com que clareza o nosso Senhor diz: “Eu
glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que (Tu) me deste a
fazer” ; Ele veio “para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste” ;
“eram teus, e tu mos deste”. Todas essas referências são ao Pai. O Pai
é Quem concebe, inicia e põe em movimento este grande e glorioso
plano e m étodo de salvação.
Então o Filho ofereceu-Se voluntariamente para realizar a obra.
Não se questiona que se realizou um grande concilio na eternidade, antes
do início do tempo, como nos dizem as Escrituras: “antes da fundação

- 272 -
do m undo” . Tudo o que aconteceu foi conhecido antes e foi previsto.
O Pai concebeu o plano e o Filho ofereceu-Se voluntariamente para vir
executar o plano. O Pai deu-Lhe as pessoas, o Pai deu-Lhe um a obra para
realizar, e Ele veio e arealizou. E ali, pouco antes da cruz, E lepôde dizer
que a tinha realizado. Conhecemos bem os grandes fatos; mas não nos
esquecemos. Lembremo-nos constantemente do que essa obra envol­
veu para o Filho que, embora sendo “igual a Deus” , “não teve por
usurpação o ser igual a Deus”, contudo, “humilhou-se, fazendo-se
indigno de honra”. Ele veio dessa maneira tão humilde; Ele soube o que
é ser pobre e sofrer privações e pobreza; Ele Se misturava com as pessoas
com uns e teve um a vida comum. Poderíam os conceber o que isso
significou para Ele? Sofreu contra Si próprio “a contradição dos
pecadores” ; suportou a ruindade, o despeito e a inveja deles. No
entanto, acima e além de tudo, Ele levou sobre Si os nossos pecados,
suportou que por nós Ele fosse feito pecado pelo Pai, embora Ele não
conhecesse pecado; suportou que fosse lançada sobre Ele a iniqüidade
de nós todos; foipara acruz, para levar “em seu corpo os nossos pecados
sobre o m adeiro” . Foi o que Ele fez. Cumpriu a lei ativamente, viveu
sob a lei como homem, “nascido de mulher, nascido sob a lei” , colocou-
-Se deliberadam ente sob ela, por Seu querer foi batizado por João
Batista, identificando-Se com o pecador e com tudo o que está envolvido
nisso, e m orreu e foi sepultado. O Príncipe, o Autor da vida, morreu e
foi colocado num túmulo; mas ressuscitou. A í estão os fatos magníficos.
Essa é a parte do Filho - procedente do seio do Pai, procedente da
eternidade. Ele estava no princípio com Deus, nada foi feito sem Ele;
porém Ele deixa a glória, põe-na de lado - “Tenro, Ele deixa de lado
a Sua glória” - e leva avante a Sua grande tarefa. Por Ele, mediante Ele,
este Filho bendito! Essa é a obra realizada pelo Filho.
Hã então a obra realizada pelo Espírito Santo. E Ele que a leva a
cabo em nós, pessoa por pessoa. Essa é a Sua obra. Vocês notam que o
Filho Se subordina voluntariamente ao Pai. E o Espírito Santo Se
subordina ao Filho e ao Pai. São co-iguais, são co-etem os, e são iguais
em todos os aspectos; e, contudo, por causa da nossa salvação, há esta
subordinação do Filho ao Pai, e do Espírito Santo ao Filho e ao Pai juntos.
E o Espírito S anto vem e aplica a obra redentora. Aplica-a a mim, aplica-
-a a você. E Ele que nos faz participantes de Cristo; é Ele que nos leva
a ver a nossa necessidade e todas as outras coisas que espero considerar
mais adiante; é Ele que aplica a grande redenção que foi levada a efeito
pelo Filho. E o faz não somente ao indivíduo, mas também o faz à Igreja.
Ele edifica a Igreja, Ele enche a Igreja com a Sua vida e com a Sua

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presença. Essa é a obra realizada pelo Espírito Santo. Ele “não falará de
si m esm o” . Ele falará simplesmente de Cristo. “Ele me glorificará” ,
diz o Senhor; e Ele o fez, e ainda o faz.
Assim, logo na superfície deste versículo, temos estas duas trem en­
das afirmações: que estamos olhando para as três Pessoas da Trindade
bendita; porém, ainda mais admirável e espantoso, que as três Pessoas
estão interessadas em nós e estão preocupadas com a nossa salvação, e
atuaram para que a nossa salvação viesse a ocorrer.
Devemos refletir antes de deixarmos estas magníficas questões.
Primeiro, o problem a do pecado, o meu e o seu, fo i e é tão grande que
exigiu essa atuação. Não há nada mais que me surpreenda e que me
cause mais espanto quanto a muitos, mesmo dentro da Igreja, do que a
m aneira como eles não gostam da doutrina do pecado, e indagam: por
que é que você tem que estar sempre dando ênfase ao pecado? Eis a
resposta: o pecado é um problem a tão grande que foi necessária a ação
das três Pessoas da Trindade santa e bendita para enfrentá-lo. Essa é a
única explicação. O pecado é um problema tão profundo que envolveu
tudo isso. Não é um problem a simples; não é um problem a do qual Deus
poderia tratar com simplicidade porque Ele é Deus e porque Ele é amor.
N ã o ! O pecado é um problem a tão profundo que, por causa dele, reuniu-
-se um concilio antes dos tempos, e o Filho teve que vir ao mundo, vindo
da eternidade, e teve que passar por tudo aquilo que estive descrevendo.
E disso que o pecado necessita. Também necessita da presença do
Espírito Santo na Igreja. Ou, para dizê-lo doutro modo, a salvação não
é apenas um a questão de virmos a compreender que Deus é amor e,
então, que Deus nos perdoa. M uitas vezes se faz um a apresentação
errônea disso, como se a única coisa que foi destinada a realizar-se na
cruz foi um a demonstração de que Deus é amor, e que o único problema
é que nos façamos saber a nós mesmos que Deus é amor. Não é esse o
ensino napassagem que estamos focalizando. Aqui aênfase é ao sangue
de Cristo, à Sua carne, ao Seu corpo, à Sua cruz, à Sua morte. Não, a
salvação não é apenas um a questão de compreender que Deus é amor,
e de receber perdão: a salvação é algo que envolve estas atividades
especiais das três Pessoas: nenhum poder menor poderia efetuá-la.
“Outro bem suficiente não havia para pagar o preço do pecado” . Estava
envolvido um preço; um a retidão, um ajustiçade Deus estava envolvida.
Tinha que haver a cruz, era o único caminho. Assim o apóstolo nos está
m ostrando aqui algo da real natureza da salvação.
M as eu suponho que, de todas as coisas, am ais estonteante é captar
e compreender, se pudermos, o assombroso fato de que as três Pessoas

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da Trindade santa e bendita nos amaram tanto que fizeram tudo isso
p o r nós. Auto-subsistentes, existindo eternamente naquela inefável
unidade e glória e, contudo, preocupados conosco! O Pai Eterno tem
Seus olhos postos em você, conhece você, interessa-Se por você. O
Filho de Deus amou tanto você que Se deu por você. E o Espírito Santo
o ama tanto que vem para dentro de você para aplicar-lhe e levar a cabo
tudo isso. Se você não concorda comigo que esta é a coisa mais estupenda
que jam ais ouvirá no tempo ou na eternidade, bem então eu perco as
esperanças com você. Haverá alguma coisa que supere isto? - que a
Palavra m e diz que estas três Pessoas não somente me amaram tanto,
porém também que agiram desta m aneira para que eu pudesse ser
redim ido? Se tão-somente compreendêssemos isso como devíamos, o
seu efeito sobre nós seria tremendo, revolucionaria toda a nossa concep­
ção do cristianismo. Não pensaríamos nele em termos de dever ou de
outra coisa qualquer, não pensaríamos nele em termos de glória, de
privilégio e de curiosidade. O cristianismo seria a coisa mais em ocio­
nante do m undo para nós. Teríamos nele a nossa constante alegria, e
diríamos com Paulo: “Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz
de nosso Senhor Jesus Cristo” . Seriamos tomados de um perm anente
sentimento de “maravilha, amor e louvor” .

No entanto, passemos a uma terceira proposição. Vemos que aqui


somos postos face a face com a doutrina da Trindade, é-nos dito que as
três Pessoas da Trindade estão interessadas em nós e em nossa salvação
e a estão levando a efeito em nós. E depois nos é dito que o fim da
salvação, a m eta suprema da salvação, o objetivo da salvação, é que
conheçamos a Deus como o nosso Pai. “Porque por ele ambos temos
acesso ao Pai em um mesmo Espírito.” Pois bem, esse é o principal fim
e objetivo da salvação. E o que o apóstolo está especialmente interes­
sado em ressaltar aqui, o fato de virem todos os cristãos juntos ao Pai.
Os judeus e os gentios vêm juntos, como um só corpo e como um só
espírito, à Sua presença. Esse é o clímax. O apóstolo já nos estivera
falando sobre como o Senhor Jesus Cristo removeu as barreiras, os
obstáculos e os empecilhos entre o gentio e o judeu, como Ele removeu
esta comum inimizade entre mim e Deus, e de fato ele foi mais longe,
ao ponto de nos dizer no versículo dezesseis que Ele reconcilia a ambos,
o judeu e o gentio, com Deus “pela cruz em um corpo, matando com ela
as inim izades” . Bem, dirá alguém, certamente você não pode ir além
disso. H averá alguma coisa que supere a reconciliação? Há! E por isso
que eu disse que este versículo dezoito é o clímax. A reconciliação é

- 275 -
m aravilhosa. Mas isto é mais prodigioso e maravilhoso. A reconciliação
não é o fim. Além da reconciliação, temos o acesso ao Pai. Você pode,
em certo sentido, reconciliar-se com pessoas e ainda não ter muita
intim idade com elas. Você pode deixar de estar em inimizade; as
barreiras, os empecilhos e os obstáculos podem ter sido removidos;
todavia isso não é tudo, há mais esta outra coisa.
O apóstolo, parece-me, diz-nos três coisas aqui. A prim eira é que
temos acesso por um só Espírito ao Pai. Pois bem, a palavra “acesso”
é importante e interessante. Tam bém pode ser traduzida pela palavra
“aproxim ação”, ou melhor ainda, penso eu, pela palavra “apresenta­
ção” : “Porque por ele ambos temos apresentação ao Pai por um mesmo
Espírito.” Significa que a relação foi restabelecida, aquela relação
amigável com Deus com a qual somos aceitáveis a Ele e temos certeza
de que Ele tem boa disposição para conosco. Ora, o im portante para
compreender-se aqui é que o Senhor Jesus Cristo não Se lim ita a
preparar ou abrir o caminho para isto. Ele de fato o efetua, de fato o
produz. É Ele que nos apresenta ao Pai, que nos leva, nos toma pela mão
e nos guia até a Sua presença. M eu desejo é salientar o fato de que este
é realmente o grande fim e objetivo da salvação. E suponho que nunca
houve um a época em que fosse necessário salientar isto mais do que a
época atual. Nós todos nos tornamos tão subjetivos, e estamos tão
interessados em nossos temperamentos, estados mentais, sentimentos
e condições que, quando damos os nossos testemunhos, dizemos que o
que a salvação nos fez foi fazer-nos felizes, ou foi eliminar isto ou aquilo;
e aí paramos. Contudo, o grande objetivo da salvação é levar-nos à
presença de Deus - nada menos que isso, nada que esteja abaixo disso.
Certam ente vocês notam como o S enhor disse esta mesm a coisa no
versículo três do capítulo dezessete de João: “E a vida eterna é esta”
- as pessoas dizem: recebi a vida eterna, estou salvo, tenho a vida eterna.
Sim, mas o que é a vida eterna? Não é apenas que você não é mais o que
era; inclui isso, entretanto isso é relativamente pouco. A grande reali­
dade é a seguinte - “A vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por
único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” . Ou então
ouçam -nO em Hebreus 10:19: “Tendo pois, irmãos, ousadiapara entrar
no santuário, pelo sangue de Jesus” - foi o que o sangue de Jesus fez,
habilitou-m e a entrar no “santuário”, no “lugar santíssim o” . Vocês
vêem a figura, vocês captam a idéia que está na mente de Paulo. Sob o
cerimonial do Velho Testamento as pessoas comuns não tinham perm is­
são para entrar no “lugar santo”, menos ainda no “lugar santíssim o” .
Ao lugar santo somente os sacerdotes tinham perm issão para ir. M as

- 276 -
nem os sacerdotes tinham permissão de entrar no lugar santíssimo.
Somente um homem tinha permissão para entrar ali, o sumo sacerdote,
e só um a vez por ano, e então “não sem sangue” (Hebreus 9:7). Entrava
um a vez por ano. E isso era uma coisa tão tremenda que, enquanto ele
estava lá, fora da vista, o povo, apreensivo, ficava esperando o seu
retomo.
N o Velho Testam ento lemos m inuciosa descrição dos tipos de
param entos e vestes que os sacerdotes e o sumo sacerdote deviam usar;
e no caso do sumo sacerdote se vê que nas bordas do seu grande manto
era fixadas campainhas. Você já se perguntou qual o propósito das
campainhas e das romãs? Qual era o seu objetivo? Simplesmente este:
o povo sabia que era um a coisa tremenda e estupenda alguém entrar no
“lugar santíssim o” e na presença de Deus. “Quem dentre nós habitará
com o fogo consum idor?”, pergunta Isaías. “Deus é fogo consum idor”
(Isaías 33:14; Hebreus 12:29), tal é a Sua santidade que tudo tende a
encolher-se e a evitar a Sua presença. O sumo sacerdote entra um a vez
por ano para representar o povo e fazer um a oferta pelos pecados do
povo. A questão é: ele vai sair vivo? E como se alegrava o povo ao ouvir
o tilintar das campainhas nas bordas do manto do sumo-sacerdote!
Sabiam todos então que ele continuava vivo, que o seu sacrifício - a
oferta que ele apresentara, o sangue que levara - fora suficiente, que
Deus o aceitara e que os pecados deles tinham sido perdoados. Quando
o sumo sacerdote ia saindo eles ouviam o tilintar das campainhas cada
vez mais forte. Ele estivera no “lugar santíssim o” .
Mas o que nos diz a passagem que estamos estudando é que
mediante Cristo, pelo Espírito Santo, nós mesmos podemos entrar no
“lugar santíssimo” . Tem os acesso ao Pai: não mais ficamos no pátio
extem o, não mais entre os sacerdotes, apenas; o “véu” foi rasgado,
podemos entrar lá diretamente. Pedro diz a m esm a coisa em 1 Pedro
3:18: “porque também Cristo padeceu um a vez pelos pecados, o justo
pelos injustos...” . Por quê? Para que eu não vá para o inferno? Para que
eu seja feliz? Para que eu não caia mais nalgum pecado particular? Tudo
perfeitamente verdadeiro; porém não é o que Pedro diz; o que ele diz
é isto: “Cristo padeceu um a vez pelos pecados, o justo pelos injustos,
para levar-nos a D eus” . “Estas coisas vos escrevemos”, diz João, já
ancião e próxim o do fim da vida, “para que também tenhais comunhão
conosco; e a nossa comunhão (como apóstolos) é com o Pai, e com o seu
Filho Jesus C risto.” Este, meus amigos, é o grande fim e objetivo da
salvação, que entremos na presença de Deus e tenhamos comunhão com
E le. Não estamos m ai s longe, fomos trazidos para perto, estamos dentro,

- 277 -
estamos face a face com Ele, temos comunhão com Deus. Conhecer a
Deus, e a Jesus Cristo, a quem Ele enviou! Você tem acesso, vocêdeu-
-se conta dele? Você está exercendo o seu direito a ele?
Passem os, porém, à segunda ênfase. A segunda coisa que ele nos
diz é que temos acesso ao Pai, Agora notem a m udança do termo. O que
ele diz no versículo dezesseis é: para Ele (Cristo) “pela cruz reconciliar
ambos com Deus em um corpo” . Por que ele não diz então, “Porque por
ele ambos temos acesso a Deus em um mesmo Espírito”? Ele mudou
de termo, ele diz: “ao Pai” . Não é por acidente. Ele o faz deliberadamente.
Por quê? A qui de novo está algo que é estonteante em sua imensidão,
e irresistível, se tão-somente nos dermos conta disso, que Deus em
Cristo e pelo Espírito Se tom a nosso Pai. Por isso o nosso Senhor,
quando nos deu a Sua oração modelo, ensinou-nos a dizer: “Pai nosso,
que estás nos céus”. Por isso também o Senhor Jesus Cristo, quando
falava com a mulher samaritana sobre a adoração, usou o mesmo termo.
Ela, com as suas idéias indoutas sobre adoração, fala “neste m onte” e
“em Jerusalém ” . M as o nosso Senhor m uda todo o curso da conversa­
ção, eleva-a e diz: “O Pai procura a tais que assim o adorem ” ; “Deus
é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em
verdade” ; são essas as pessoas que o Pai procura para que O adorem. Ou
vejam ainda como Cristo o expressa em João 14:6: “Eu sou o caminho,
e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim ” . H á pessoas
que talvez tenham crido em Deus, todavia elas jam ais conhecerão a
Deus como Pai, exceto em Jesus Cristo e pelo Espírito. “Ninguém vem
ao Pai, senão por m im .” E ouçam Pedro dizê-lo também em sua
Prim eira Epístola: “E, se invocais por Pai aquele que sem acepção de
pessoas...” (1:17). E o Pai que invocamos. E, de novo, João diz: “A
nossa com unhão é com o Pai” - não, “com Deus”, “com o P ai” ; ele
usa a palavra Pai aqui. Este é, obviamente, o ensino de todo o Novo
Testam ento, e é também o que distingue a posição cristã. O cristão é
alguém que foi introduzido na mesma relação com Deus que o Senhor
Jesus Cristo tem com Ele como Filho do homem. Isso é cristianismo,
isso é salvação. Vocês notam como Ele ora. “Pai” , diz Ele, “é chegada
a hora”, e também, “Pai justo”, e “Pai santo” . Não um Deus distante,
m as P a i! Assim é que compreendemos - e é isto que significa - que Ele
está pronto a receber-nos e a ouvir-nos.
Saber isso é saber que Deus tem amoroso interesse por nós. “Nós
conhecem os, e cremos no amor que Deus nos tem”, diz ainda João em
I João 4:16, e nós confiamos nisso, descansamos nisso. “Nós conhece­
mos, e cremos no amor que Deus nos tem” ; é o que você dirá quando

- 278 -
se der conta de que veio ao Pai. Se você conhece a Deus como seu Pai,
você sabe que até os cabelos da sua cabeça estão todos contados. Você
sabe? O Pai - é ao Pai que estamos vindo. Você notaram aquela
declaração sumamente admirável do nosso Senhor em Sua oração
sacerdotal, registrada em João 17:23? Imagino que, de todas as declara­
ções concernentes ao cristão, nenhuma supera esta: “Eu neles, e tu em
mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o m undo
conheça que tu me enviaste a mim, e que os tem amado a eles com o me
tens amado a mim” . Se somos verdadeiramente cristãos, e se viemos ao
Pai, sabemos que Deus nos ama como ama a Seu próprio Filho. Logo,
sabemos que Ele nunca nos deixará nem nos abandonará. Logo, sabemos
que o que quer que aconteça, por baixo sempre estão os braços do Eterno.

Isso me leva ao terceiro e último ponto, a saber, que temos este


acesso. “A través dele, ambos tem os acesso ao Pai por um só
Espírito”(VA). Nós o temos, diz Paulo. Posso colocá-lo na forma de
várias perguntas? Temos isto? Fazemos uso do acesso? Descansam os
nele? Gozamos a paz dele resultante? Você sabe que Deus o ama? Você
sabe que Ele realmente ama você? Você O conhece como seu Pai? Você
de fato sabe que “todas as coisas contribuem juntam ente para o bem
daqueles que amam a Deus” ? M as, venha, deixe-me levá-lo a um ponto
mais alto e fazer-lhe esta pergunta: você sabe o que é estar no “lugar
santíssim o”? Temos acesso, apresentação, pelo Espírito ao Pai. Somos
levados por Cristo, pelo Seu sangue, para dentro do “lugar santíssim o”,
por m eio do Espírito Santo. Isso é verdade sobre você? Você conheceu,
sentiu, percebeu a presença de Deus? Foi isso que Cristo veio fazer, diz
o apóstolo. E um avanço com relação à reconciliação, vocês vêem . Não
é meramente perdão, não é meramente que a inimizade se foi. Temos
acesso, temos direito de entrar. Vocês se aproximam de Deus na plena
certeza da fé? Vocês dão ouvidos à exortação da Epístola aos Hebreus
quando diz: “Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça”?
(Hebreus 4:16). Vocês vão a Deus com o instinto, a segurança e a
confiançacom que um a criança vai a seu pai? E ao Pai que estamos indo,
diz o apóstolo. Vocês sabem como se porta uma criança. Ela está em
dificuldade, tem o seu pequeno problema, alguma coisa a está afligindo
tremendamente, e ela corre para o seu pai ou para a sua mãe. Ela fala aos
pais sobre o que a aflige, conta tudo, confiante em que eles poderão dar
um jeito naquilo, e então se alegra. Esse é o tipo de coisa que o apóstolo
quer comunicar. “Se não vos converterdes e não vos tom ardes como
crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus”, diz o nosso

- 279 -
Senhor (Mateus 18:3, ARA). E então, nós vamos instintivam ente a
Deus como ao nosso Pai? Levamos a Ele as nossas preocupações e os
nossos problem as, aborrecimentos e ansiedades? Vam os com essas
coisas a Ele e, como a criança, havendo-Lhe falado tudo sobre elas, nós
as deixamos com Deus, confiantes e certos de que Ele tratará delas todas
e que, portanto, podemos gozar a Sua paz, que excede todo o entendi­
mento?
Acaso posso resum ir tudo com um a pergunta final? Estam os
desfrutando de Deus? “Qual é o fim principal do hom em ?”, indaga a
prim eira pergunta do Breve Catecismo da Assembléia de W estminster.
E eis a resposta dada: “O fim principal do homem é glorificar a Deus
e gozá-lO para sempre”. E, em conformidade com o apóstolo nesta
passagem , o gozo começa agora, nesta existência, neste mundo. Não
temos que esperar até irmos para o céu. O propósito quanto a nós é que
fruam os a Deus aqui na terra, conheçam o-lO como nosso Pai, e
descansemos neste conhecimento, desfrutemos o conhecimento e
fruam os ao próprio Deus na comunhão com Ele.
Isso é apenas o começo do que este versículo nos fala. Ele nos
assegura que o amor de Deus por nós é tão grande que as três Pessoas
da Trindade tomaram parte no processo de tratar conosco, de tal m aneira
e por tais meios que eu e você, perdidos, condenados e sem esperança,
pudéssem os, mesmo enquanto formos deixados neste mundo de pecado
e dor, gozar o companheirismo do Pai, andar com Ele com amizade e em
comunhão, e desfrutá-10. Cada vez mais devemos olhar para a frente,
para vê-10 como Ele é, sem nenhum véu que O esconda dos nossos
olhos, e havemos de fruí-10 em plenitude por toda a eternidade.
Desfrutamos de Deus? É totalm ente possível, é livre, mediante Cristo
e pelo Espírito Santo.

- 280 -
23
SENHOR, ENSINA-NOS A ORAR
“Porque p o r ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo
E spírito.” - Efésios 2:18

Continuamos o nosso estudo deste grande e maravilhoso versículo,


m aior do que o qual, certamente, não há nenhum em toda a extensão das
Escrituras. Elenos põe face a face com a mais exaltada e sublime verdade
que o ser hum ano j amais pode confrontar. Não há doutrina mais elevada
do que a doutrina da Trindade santa e bendita. E aqui estamos face a face
com ela. Mas ainda mais notável é a declaração de que as três Pessoas
daTrindade santa e bendita estão preocupadas conosco e atuaram e estão
atuando em tudo o que se relaciona com a nossa salvação. Entretanto,
acim a de tudo, lembro a vocês que o fim da salvação é levar-nos a Deus
como o nosso Pai. Este é o propósito da salvação, este é o grande fim e
objetivo disso tudo; e a nossa concepção do cristianismo - inclusive a
salvação - estará incompleta e imperfeita, se não compreendermos que
foi designado, acima de tudo mais, a levar-nos a Deus, a dar-nos “acesso
ao Pai” .
Mas surge logo a questão sobre como ter esse acesso. Sendo esse
o fim, a meta e o objetivo da nossa salvação, a grande pergunta é: como
chegar ali? Noutras palavras, somos aqui postos face a face com a grande
questão da oração. Não me proponho tratar da questão da oração em sua
inteireza ou em sua plenitude. Só estou interessado em tratar desse
assunto na m edida em que ele é tratado neste versículo particular, que
centraliza a nossa atenção no ponto mais importante concernente à
oração, a saber, o nosso conhecimento de como obtemos acesso, o meio
de “chegar perto de Deus” .

Ao abordarmos o assunto, perm itam-m e repetir certas perguntas


que já fiz. São óbvias. Conhecemos a Deus? Conhecemos a Deus como
Pai? As nossas orações são reais para nós? Gozamos liberdade na
oração? Ou talvez a pergunta mais penetrante de todas, penso eu às
vezes, seja esta: temos confiança em nossas orações? Gosto de
expressá-lo desse modo por esta razão, que todos nós sabemos por
experiência o que é orar quando estamos em algum a dificuldade, com
algum problema, ou com alguma crise em nossas vidas; quando não

- 281 -
sabemos o que fazer e jáesgotam os todo o nosso raciocínio. Que lástima!
Já consultamos outros, já os ouvimos, já lemos a Bíblia, e ainda não
chegamos perto da solução. Por isso dizem os:j á não me resta fazer nada,
senão orar. Mas mesmo então nos sentimos inseguros. Não temos real
confiança em nossas orações e elas parecem mais ou menos inúteis. E
naturalm ente tais orações são de fato inúteis; porque se não temos
verdadeira confiança nelas, não são orações reais, como penso que este
versículo nos m ostrará claramente. E importante, pois, que comecemos
com estas questões preliminares. “Nós temos acesso” , diz Paulo, “ao
Pai” - “nós” referindo-se a todos os cristãos, e não somente aos
apóstolos. Ele está falando acerca destes efésios, pessoas que até muito
recentem ente tinham sido pagãs, tinham estado fora de Cristo, sem
Deus, sem esperança no mundo, estranhas forasteiras, longe, separadas
em suas mentes. “Mas agora”, diz Paulo, “nós” - eu e vocês, e todos
os que são cristãos - “temos acesso (apresentação, entrada) ao Pai”,
diretam ente ao P ai. Esta é um a coisa na qual o apóstolo se regozij a mais
do que em muitas outras. Ele a repete muitas vezes nesta Epístola, como
o faz em todas as suas outras Epístolas. No próxim o capítulo ele diz, por
exemplo: “Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo” , e a seguir ora por eles.
Não há nada que seja mais importante do que isso. Como estamos
usufruindo os benefícios de nossa fé cristã? Este é o m elhor ponto para
ser submetido a prova: se o nosso cristianismo não nos ajuda quando
estamos em dificuldades, então, para dizer o mínimo, ele é muito
defeituoso. Se ele não nos ajuda, não nos dá suporte e não faz toda a
diferença do mundo para nós nos nossos m omentos de crise, que valor
tem? H á outras coisas que parecem maravilhosas quando o sol está
brilhando e tudo vai bem; o m undo e suas idéias parecem com pleta­
m ente satisfatórios então. E quando tudo parece estar contra nós que
chega a hora da prova. E quando tudo parece estar contra nós, parece
“levar-nos ao desespero”, a pergunta é: podemos prosseguir e dizer,
“Sei que a porta está aberta e que Ele ouvirá m inha oração”? essa é a
questão. “Não veio sobre vós tentação” , diz o apóstolo Paulo aos
coríntios, “senão humana; mas fiel é Deus, que vos não deixará tentar
acim a do que podeis, antes com a tentação dará também o escape...” (1
Coríntios 10:13). Sabemos disso? Nossas orações são eficientes, efica­
zes? Tem os confiança nelas? Você sente, depois de orar, que a carga foi
aliviada? Quando você vai aD eus em oração, deixa realmente a questão
com Ele? A criança e seu pai são a ilustração perfeita deste ponto. O
pequenino em dificuldade vai ao pai e logo se sente feliz porque tem a

- 282 -
sensação, a confiança e a consciência de que o pai é capaz de tratar da
coi sa toda, e assim ele se descontrai, sossega e tom a a alegrar-se. É como
se espera que sejamos para com Deus; nós temos acesso ao Pai. Estamos
fazendo uso desse acesso? Sabemos o que é entrar lá? Estam os tirando
proveito da apresentação que nos recomenda?
Essa é, inevitavelmente, a questão com a qual temos que nos
defrontar quando consideramos esta grande declaração. Há muitos que
deixam de gozar os benefícios da salvação; há muitos que não se
aproveitam deste acesso ao Pai e para os quais, portanto, a oração não
é real, pela razão que ignoram ou nunca captaram claram ente o ensino
deste versículo particular. Todavia, temos aqui a chave da verdadeira
oração. Eles falham porque, ou o ignoram completamente, ou porque
nunca o compreenderam em sua plenitude e, portanto, nunca agiram
firm ados nesse ensino. Oração não é m atéria simples; não há maior
falácia do que pensar que a oração é coisa simples. Há muitos que
contrastam a oração com o ensino, com a doutrina, com a teologia. Sua
atitude é: não posso incomodar-me com doutrina etc., mas a oração é
tudo para mim; não importa o que você crê, o que importa é orar a Deus.
Ora, isso, é claro, é um a com pleta negação do ensino deste versículo.
Este versículo nos m ostra com m uita clareza, não somente que a
oração não é tão simples assim, mas também que a oração está baseada
no ensino, num entendimento verdadeiro. Vejamos isso da seguinte
maneira: vocês recordam como os discípulos certa ocasião foram ao
nosso Senhor e disseram: “Senhor, ensina-nos a orar, como também
João ensinou aos seus discípulos” (Lucas 11:1). Você já se sentiu assim?
Atrevo-m e a dizer que, se você nunca sentiu necessidade de que lhe
ensinassem a orar, é porque você nunca orou. Precisamos que nos
ensinem a orar. Aqueles discípulos tinham observado o seu Senhor,
viram-nO levantar-Se muito antes do alvorecer, subir ao m onte para
orar, viram-nO orando horas seguidas, às vezes a noite inteira. Cada um
dizia aos seus companheiros: como é que Ele faz isso? - pois eu vejo
que cinco m inutos parecem um a eternidade. Não consigo orar cinco
minutos, e Ele fica orando horas. Cono é que Ele faz isso? “Senhor,
ensina-nos a orar.” Eles estavam certos: precisamos que nos ensinem
a orar.
Certam ente vocês se lembram também de que o nosso Senhor,
falando com a mulher samaritana, disse a ela algo semelhante, quando
elafalou levianamente sobre a adoração. Disse ela: vocês, judeus, dizem
que é em Jerusalém que se deve adorar; nossos pais diziam que vocês
deviam adorar neste monte - como se ela soubesse tudo sobre adoração

- 283 -
e oração. E o nosso Senhor lhe disse: “A hora vem, em que nem neste
monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não sabeis;
nós (os judeus) adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos
judeus... Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em
espírito e verdade” (João 4:20-24). O problem a dos samaritanos era que
a idéia que faziam de Deus era errada. Eles O localizavam num certo
m onte e, na verdade, muitos judeus eram culpados do mesmo erro, pois
localizavam Deus no templo. M as o nosso Senhor diz: vocês não podem
adorar com essas idéias erradas, “Deus é Espírito, e importa que os que
o adoram o adorem em espírito e verdade”. Temos que saber certas
verdades, antes de podermos adorar a Deus. E no momento em que digo
isso, vejo como é inevitável que grande parte do que chamamos orar e
orações é necessariamente inútil. Com muita freqüência nos apressamos
a recorrer à oração porque estamos desesperados e, por assim dizer,
quase dispostos a, nas palavras do poema, clam ar a “todo e qualquer
deus que exista” . Não conhecemos a Deus a quem oramos. Portanto, o
ensino é essencial à oração, porque eu preciso saber a quem eu estou
orando, e preciso saber como entrar à Sua santa presença. Pois bem, é
exatam ente desse assunto que este versículo trata.

H á duas coisas absolutamente essenciais à oração, de acordo


com o ensino do apóstolo neste ponto. Há duas verdades que devemos
captar, duas doutrinas a que nos apegar - “Por ele” ; “em um mesmo
Espírito” . Ou, “por meio dele” ; “pelo Espírito” (VA). Esse é o ensino
do apóstolo - não só nesta passagem, porém é o ensino de todas as
Escrituras. Oração a Deus não existe, a menos que tenham os claro
entendimento destas duas doutrinas, destes dois princípios. Ambos são
essenciais; não um ou outro, mas os dois, e os dois sem prejuntos. Quero
ressaltar isso porque há m uita confusão a respeito. Existem os que não
hesitam em ensinar que toda essa questão de aproximar-nos de Deus, e
de orar a Deus, é uma coisa supremamente simples efácil. Segundo eles,
não há necessidade de nenhum ensino, todavia você pode chegar pronta
e diretam ente à presença de Deus, como você está. Indagam eles: você
está com algum problem a? Está em dificuldade quanto ao seu futuro?
E stá precisando de orientação? - e assim por diante. Bem, dizem eles,
é tudo perfeitam ente simples. Tudo o que você necessita é sentar-se
num a cadeira, relaxar e pôr-se a ou vir a D eus; é simples assim; nada mais
é necessário. Deus está esperando para falar com você, e tudo o que você
tem que fazer é, por assim dizer, largar as ferramentas e ouvi-10. Você
tem contato imediato com Deus, você chega diretamente à presença de

- 284 -
Deus, e nada mais é necessário. Essa é a crença deles e, na verdade, é
um ensino m uito comum. E a espécie de coisa que todos nós nos
inclinamos a pressupor e a tomar como líquida e certa. Contudo, se o
ensino de apóstolo Paulo neste versículo particular está certo, então
aquele ensino não somente é errôneo, é perigosamente errôneo, é
tragicam ente errôneo.
M as existem outros que tendem a desviar-se num ponto diferente.
Eles dão ênfase a um destes dois princípios e deixam de lado o outro.
Dão ênfase à doutrina correta concernente ao Senhor Jesus Cristo, à Sua
obra expiatória etc., tudo certinho, porém negligenciam a necessidade
absoluta da operação do Espírito Santo. E, segundo o ensino de Paulo,
a oração deles é igualmente inútil. Você pode ser inteiramente ortodoxo
e, ao m esm o tempo, estar espiritualmente morto. Você pode dizer todas
as coisas certas, e ainda não conhecer a Deus e não ter confiança nas
orações que você faz. E pena, mas eu tenho conhecido gente assim.
Pessoas certamente ortodoxas, entretanto não conheciam aD eus, nunca
se aperceberam da vital importância desta doutrina do Espírito nesta
questão de oração. E assim as suas orações eram mecânicas, corretas,
porém inúteis.
Por outro lado, há aqueles que colocam toda a sua ênfase no Espírito
Santo e ignoram completamente o nosso Senhor e Suas obras. Este é o
perigo peculiar a todos os místicos. Os místicos descobriram que há um
ensino muito definido a respeito do Espírito Santo. Descobriram, e estão
muito certos, que o cristianismo é algo vivo, vital, real. Dizem eles: toda
esta ortodoxia é boa a seu modo, mas muitos são ortodoxos, porém
completam ente mortos. O grande valor do cristianismo é que ele é vivo.
Vejam , por exemplo, o caso de George Fox, o prim eiro quacre, o
verdadeiro fundador da Sociedade dos Amigos. Essa era a sua grande
m ensagem. Ele costumava olhar para os lugares de culto do seu tempo,
há 300 anos, e dizia: vejam estas pessoas; dizem todas as coisas certas,
mas observem as suas vidas; falem com elas e verão que estão mortas.
Ele dizia que o grande valor do cristianismo é que ele leva a gente a um
vivo conhecimento de Deus; é algo interior, um poder, um a luz interior.
Até certo ponto ele estava salientando um a verdade vital. A obra do
Espírito Santo é absolutamente essencial. No entanto a tragédia do
m ovimento posterior dos quacres - não estou falando de George Fox
neste ponto, pois ele ensinava a doutrina verdadeira - a tragédia é que
nos séculos subseqüentes o movimento quacre inclinou-se a colocar sua
exclusiva ênfase no Espírito, e tem ignorado e esquecido a doutrina
concernente ao nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Segundo o ensino

- 285 -
do apóstolo nesta passagem, isso é igualmente errôneo. Todo ensino que
passa por alto o Senhor Jesus Cristo é necessariamente errôneo. “Por
meio dEle - pelo Espírito Santo.” Os dois são essenciais.
Devo dar mais um passo e dizer que não somente estes dois
princípios são absolutamente essenciais, mas também nada mais deve
ser-lhes acrescentado jam ais. Isso é tudo, é exclusivo. A m inha razão
para dizer isso é que o ensino católico - do catolicismo romano e doutras
formas de catolicismo que imitam o romanismo sem crerem no papa -
é dado a fazer acréscimos. A igreja católica romana coloca ao lado do
Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo a virgem Maria. Ela é introduzida
como m edianeira ~ como um m ediador adicional, como um meio
adicional, como alguém que é de importância vital em nossa vinda a
D eus. Todavia, acrescentar qualquer coisa ou qualquer pessoa ao Senhor
Jesus Cristo e ao Espírito Santo, não é somente negar as Escrituras, é
também desviar-se tragicamente em toda a questão de oração. E um erro,
é um a negação do ensino bíblico, orar à virgem Maria, ou aos “santos”
que viveram no passado - “santos” dos quais se afirma que eram tão
piedosos que podiam exercer a função daquilo que os católicos chamam
de “supererrogação” - eles têm tal abundância ou excesso de justiça ou
retidão que podem dar um pouco disso à nós, e com isso podem ajudar-
-nos! Não devemos acrescentar nada e ninguém àquilo que é claram ente
indicado na passagem que estamos estudando. “Por meio dele ambos
tem os acesso por um Espírito ao Pai.” Assim vocês vêem a importância
do ensino. Vocês vêem o que o nosso Senhor quis dizer quando afirmou,
“Em espírito e em verdade”. Vocês vêem como é vital que, antes de
começarm os a falar em oração, devemos parar e pensar, e deixar-nos
guiar pelo claro ensino das Escrituras, como estamos prestes a fazer.
Vamos olhar agora a estes dois princípios separadamente.

A prim eira coisa é “Por meio d e le ”. É o que o apóstolo coloca em


prim eiro lugar aqui, e é o que ele coloca em primeiro lugar em toda parte.
Esta é, naturalmente, um a referência ao nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo. Ainda é necessário acentuar isso, e tornar a dizer que não há
acesso a Deus, exceto em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por
m eio dEle. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai,
senão por m im ” (João 14:6). E, contudo, muitos correm à presença de
Deus e acham que Ele é seu Pai, sem sequer m encionar o Senhor Jesus
Cristo, apesar da Sua afirmação clara e explícita. Ou ouçam também este
apóstolo dizê-lo em 1 Timóteo 2:5-6: “Porque há um só Deus, e um só
M ediador (e é isso mesmo que ele quer dizer) - um só Deus, e um só

- 286 -
M ediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem, o qual se deu
a si mesmo em preço de redenção por todos...” . O que poderia ser mais
claro? Ou ainda: “Ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já
está posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Coríntios 3:11). Ou vejam de novo
aquela grande passagem do capítulo dez da Epístola aos Hebreus:
“Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de
Jesus” (versículo 19) - o único caminho. Não pelo sangue de touros e
bodes, nem por meio de algum sacerdócio humano e terreno. Isso, diz
o autor, argumentando minuciosamente, era obviamente inadequado e
insuficiente. O próprio fato de que eles tinham que repetir dia após dia
as suas ministrações era uma prova de que não era suficiente. O fato de
que o sumo sacerdote tinha que continuar indo ao santuário ao “lugar
santíssim o”, todos os anos, para fazer um a nova rem em oração dos
pecados, é prova suficiente de que não podia fazê-lo de m aneira final e
plena. “M as este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados,
está assentado para sempre à destra de Deus...” O ensino poderia ser
mais claro? Poderia haver algo mais explícito? E, contudo, quão óbvio
e evidente é que todo este ensino está sendo passado por alto, e homens
e mulheres há que falam em ter contato com Deus, e em conhecer aD eus,
e em serem abençoados e guiados por Deus, sem sequer m encionarem
o nome do Senhor Jesus Cristo, como se Ele nunca tivesse estado no
mundo, e como se Ele nunca tivesse morrido na cruz. Vocês acham que
eu estou defendendo um ponto desnecessariamente? Peço a cada um de
vocês que consulte a sua própria experiência, ouça o que está sendo dito
e leiam o que está sendo escrito. Vocês se lembram, quando oram a
Deus, de que sem o Senhor Jesus Cristo vocês não poderiam ter nenhum
acesso?
Permitam-me procurar deixar isto mais claro e mais simples. H áum
versículo na Prim eira Epístola de Pedro que me parece demonstrá-lo
muito explicitamente. Ele reúne em si o grande ensino deste capítulo
dois da Epístola aos Efésios. Pedro o coloca desta maneira: “Porque
também Cristo padeceu um a vez pelos pecados, o justo pelos injustos,
para levar-nos aDeus; mortificado, na verdade, nacarne, mas vivificado
pelo Espírito” (3:18). (Ou “morto” ou “tendo sido m orto” (ARA e
VA)). A í está, parece-m e, uma perfeita declaração desta doutrina.
Cristo, vocês notam, “padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos
injustos” - com que fim e objetivo? “Levar-nos a D eus”; “tendo sido
morto na carne, mas vivificado pelo Espírito.” Ou também vocês verão
o apóstolo, em Rom anos, dizendo isso com igual clareza. Referindo-se
ao nosso Senhor, ele diz: “O qual por nosso pecados foi entregue, e

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ressuscitou para nossa justificação” (4:25). Ele quer dizer que é por
meio de Cristo, é em Q isto , é por Cristo, e pelo que Ele fez, que temos
este acesso a Deus. A parte disso não temos acesso nenhum a Deus.
Do mesmo modo, não podemos ler o Velho Testamento sem ver
claram ente que é necessário receber instrução sobre a nossa aproxim a­
ção a Deus. O Velho Testamento está repleto deste ensino. Esse é o
significado das ofertas queimadas, dos sacrifícios, das ofertas de cereal
e de todo o cerimonial restante. Deus tinha dito e ensinado àquele povo
que esse era o único meio pelo qual podia aproxim ar-se dEle. Ele
designou um sumo sacerdote chamado Arão, disse-lhe exatamente o que
ele devia fazer, deu-lhe todas aquelas instruções. Arão devia entrar
levando o sangue de um animal morto. Por quê? Porque com isso Deus
nos está ensinando que é somente pelo Seu caminho, o caminho por Ele
prescrito, que temos acesso à Sua presença.
Pois bem, é em nosso Senhor Jesus Cristo e por Ele que temos
nosso acesso a Deus. O Senhor Jesus Cristo nos introduz à presença de
Deus porque Ele é o nosso grande substituto, levando sobre Si os
nossos pecados. E isso que devemos colocar em primeiro lugar, como
faz o apóstolo. “Mas agora, em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis
longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.” Vocês notaram a
repetição dos termos? Seu sangue, Sua carne, Seu corpo, Sua cruz? E o
que sempre tem que vir primeiro. Spurgeon costum ava dizer, e cada vez
mais estou convencido da veracidade do seu pronunciamento, que o
modo definitivo de provar se um homem está pregando verdadeira­
m ente o evangelho ou não, é observar a ênfase que ele dá ao “sangue” .
Não basta falar sobre a cruz e a morte; a prova é “o sangue” . “Mas agora
em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo
chegastes perto.” Temos visto que há pessoas que, embora concordem
que os pecadores são trazidos para perto pela morte de Cristo, pela cruz
de Cristo, são contudo muito insatisfatórios na sua explicação de como
isto se dá. Eles consideram grande demonstração do amor de Deus o fato
de Ele perdoar os homens apesar de terem eles crucificado Seu Filho.
Deus, dizem eles, tirou vitória da derrota aparente, e você pode confiar
num Deus que faz semelhante coisa. Essa é a sua interpretação da morte
e da cruz; o sangue de Cristo não entra. M as Paulo afirma que a salvação
é “pelo sangue de Cristo” . E o autor da Epístola aos Hebreus afirma a
m esm a coisa. É o sangue de Cristo que, em prim eira instância, é
essencial. E por esta razão: o nosso Senhor Jesus Cristo é “o Cordeiro
de Deus, que tira o pecado do mundo” . “O sangue”, vocês vêem, leva-
-nos a pensar necessariamente em sacrifício, em expiação; e se as

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pessoas não mencionarem a expiação, não estarão pregando verdadei­
ram ente a morte de Cristo. “O sangue” prende a pregação ao sacrifício
e à expiação.
Os pecados dos homens eram colocados simbolicamente sobre a
cabeça de um animal, e o animal era morto; o corpo era queimado e o
sangue era então apresentado. Cristo é “o Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do m undo” . Os pecados dos homens foram colocados sobre Ele,
nEle os pecados foram enfrentados; Ele foi ferido por causa deles, Seu
sangue foi derramado. E é dessa maneira que temos a nossa entrada: Ele
levou “em seu corpo os nossos pecados sobre o m adeiro” (1 Pedro
2:24). Devemos partir daí. “Sem derramamento de sangue não há
rem issão” de pecados (Hebreus 9:22). Não se pode jogar fora o Velho
Testamento. A Igreja, a Igreja Primitiva, foi levada pelo Espírito Santo
a conservar o Velho Testamento e a incorporá-lo na nova literatura,
porque é um a parte essencial do ensino. Foi Deus que ensinou que, sem
esta oferta, sem o sacrifício, Ele não pode perdoar, Ele não pode
relacionar-Se com os homens.
Assim, qualquer conceito da cruz e da morte de Cristo que não leve
“o sangue” para o centro e que não faça dele um a necessidade absoluta,
é um a falsa representação da cruz. Cristo é que leva o nosso pecado. Ele
m orreu no Calvário pelos nosso pecados, para receber o castigo que os
nossos pecados deviam receber. O justo e santo Deus tinha que punir o
pecado, e Ele o puniu ali. A pregação da cruz que não mencione a retidão
e a justiça de Deus, e a necessidade absoluta de punição, é uma
apresentação completamente falsa da doutrina da morte de Cristo. Aí
está, vocês vêem, aberto diante de nós: “pelo seu sangue”, “seu
corpo”, “sua m orte”, repetidos em toda parte. E o tema central do Novo
Testamento. Leiam o livro de Apocalipse, e vocês verão que ali se diz
que as pessoas vestidas de branco “lavaram os seus vestidos e os
branquearam no sangue do Cordeiro” . “Aquele que nos ama, e em seu
sangue nos lavou dos nossos pecados” (7:14; 1:5). Esta verdade está em
toda parte. Como podem os homens querer explicar a sua entrada à
presença de Deus sem este fato sumamente maravilhoso, que o Filho de
Deus foi levado à m orte por Seu próprio Pai m ediante a lei por causa dos
nossos pecados, e com o fim de reconciliar-nos conSigo!
M as a coisa não pára aqui. Primeiro Ele é Aquele que leva os nossos
pecados, porém, em acréscimo, Ele é o nosso grande Sumo Sacerdote.
“Tendo sido m orto na carne”, diz Pedro, “mas vivificado pelo Espí­
rito.” “Por nossos pecados foi entregue”, diz Paulo, “e ressuscitou para
nossa justificação.” E isso é maravilhoso. Ou vejam ainda a expressão

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do autor da Epístola aos Hebreus, no capítulo quatro, versículos 14-16
- isso é pregação apostólica - “visto que temos um grande sumo
sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos
firmemente a nossaconfissão. Porque não temos um sumo sacerdote que
nãò possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como
nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos pois com
confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar m isericórdia e
achar graça, afim de sermos ajudados em tempo oportuno” . Depois que
o sumo sacerdote, em Israel, tinha imolado o animal e juntado o sangue,
ele então entrava com este sangue, através do véu, no “lugar santíssimo”.
E a expiação era finalmente feita quando ele apresentava o sangue do
sacrifício.
O Senhor Jesus Cristo morreu nacruz, o Seu sangue foi derramado,
o Seu corpo foi enterrado num a sepultura. Ah, dirá alguém, esse é o fim;
portanto até Ele foi derrotado! Absolutamente não! Ele ressurgiu. Tendo
E le ressuscitado e tendo-Se manifestado, entrou no “lugar santíssim o” .
Passou pelos céus e entrou no céu propriamente dito. Foi imediatamente
à presença de Deus, e apresentou o Seu sangue. Não apresentou sangue
de touros e bodes. Ele não tenta purificar com as cinzas de um a novilha.
Ele faz uso do “seu próprio sangue”. É pelo sangue de Jesus! Ele entrou,
Deus O aceitou e aceitou a oferta do Seu sangue. Deus disse, noutras
palavras, que está satisfeito com a obra que Ele realizou. Deus proclama
que a m orte de Cristo é suficiente, que a Sua justiça foi satisfeita. Ele
admite o Sumo Sacerdote à Sua presença, e O convida a assentar-Se à
Sua destra. O resultado é que o trono de Deus, que é trono de juízo, toma-
-se trono de m isericórdia e graça. “Cheguemos pois com confiança ao
trono da graça”, é a mensagem de Hebreus 4:16. E como posso saber que
é trono da graça? M eu único meio de saber isso é que o Senhor Jesus
Cristo está assentado ao lado de Deus. O meu Representante! Aquele
que veio e tomou sobre Si a minha natureza, e que levou sobre Si os meus
pecados! Ele foi aceito por Deus, Ele é o grande Sumo Sacerdote. Ele
me conhece, Ele sofreu tentações, como eu as tenho sofrido, Ele
conhece as m inhas fraquezas e a m inha fragilidade. Ele está com Deus,
e o fato de Ele estar lá me garante que aquele trono é de m isericórdia e
graça. Deus é eternamente justo e santo, mas, por causa de Cristo e do
que Ele fez por nós e pelos nossos pecados, Deus em Sua graça sorri para
nós e nos recebe como Seus filhos. Cristo nos salva, então, não somente
pelo derramam ento do Seu sangue, e sim também por Sua entrada nos
céus como o nosso grande Sumo Sacerdote.
H á ainda outro modo pelo qual Ele me ajuda a ter acesso ao Pai.

- 290 -
Talvez você diga: muito bem, posso ver que os meus pecados são
perdoados dessa maneira, porém, quando penso em Deus, em Sua
eternidade de poder, de majestade e de grandeza, quando penso espe­
cialmente em Sua santidade e em Suapureza absoluta, continuo achando
que estou impuro. Creio que os meus pecados estão perdoados, mas,
infelizmente, ainda me falta retidão; como posso comparecer diante de
Deus? Como posso chegar perto de Deus? Leio nas Escrituras que Isaías,
quando teve um a visão do Senhor, disse: “Ai de mim, que sou um
hom em de lábios impuros”, e como posso chegar perto de Deus? A
resposta continua sendo, “em Cristo” . E desta maneira, que Ele não
somente nos livrou dos nossos pecados e ressuscitou para a nossa
justificação; mais que isso, porém, Ele fo i feito nossajustiça. “M as vós
sois dele, em Jesus Cristo”, diz o apóstolo Paulo, “o qual para nós foi
feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (1
Coríntios 1:30). Ou leiam o que ele igualmente diz nestes termos:
“Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós, para que nele
fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). Permitam -m e usar
um a ilustração simples. Veja-se um grande salão de festas, com gente
m aravilhosa presente e com um a grande cerimônia em andamento. Lá
estou eu, fora, na rua; eu gostaria de entrar, fui convidado, mas eu me
sinto em andrajos, acho que a m inharoupa é indigna. Se eu entrar, todos
olharão para mim e eu me sentirei estranho e infeliz, e não vou gostar.
Que posso fazer? A resposta é que me é dado um novo manto, um m anto
de justiça. Visto-m e da justiça de Jesus Cristo. É o que as Escrituras
ensinam: Sua vida virtuosa, perfeita, Sua vida de santidade, é-me dada,
é atribuída a mim, é-me imputada, é computada em m eu favor. Assim
com o os meus pecados foram atribuídos e imputados a Ele, também a
Sua justiça é atribuída a mim. Ele cumpriu a lei perfeitam ente; Deus
considera isso como tendo sido feito por mim, Ele põe isso na m inha
conta, para meu crédito, Sou revestido da justiça de Cristo. Foi por isso
que o conde Zinzendorf pôde dizer, no hino que João W esley traduziu,
e que aqui traduzimos:

Jesus, Teu sangue, Tua justiça,


M inha gloriosa veste é;
Vestido assim, no mundo em chamas
M inha cabeça alegre elevo.

Vestido com a justiça de C risto! Será esta uma doutrina seca e árida?
É um a doutrina tão vital para você que, se não crer nela, você não poderá

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orar. Só quando você estiver cônscio de que está coberto pela justiça de
Cristo que poderá ir à presença de Deus com confiança e certeza. M as,
com isso, você poderá fazê-lo, como esse hino diz tão perfeitamente.
Ninguém poderá fazer alguma acusação contra mim; nem Deus, pois é
o próprio Deus que me justifica e me dá a justiça do Seu Filho.
Finalm ente, gostaria de dizer algo assim: temos este acesso por
m eio de Cristo, não somente porque nos é dada a Sua justiça, porém
também porque nos é dada a Sua vida. Nascemos de novo dEle,
tom am o-nos “participantes da natureza divina”, Ele é o “primogênito
entre muitos irm ãos” . Na verdade, Paulo já vem dizendo isso extensa­
m ente neste capítulo. Diz ele, vocês se lembram, naqueles passos
m aravilhosos: “Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos
vivificou juntam ente com Cristo, e nos ressuscitou juntam ente com Ele
e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” . Tendo
consumado a Sua obra, Cristo passou pelos céus, tomou Seu lugar, está
sentado à mão direita de Deus; e, de m aneira maravilhosa, “em Cristo” ,
eu também estou ali. É dessa m aneira que eu tenho o m eu acesso à
presença do Pai. Se Cristo não tivesse morrido pelos meus pecados,
Deus não me receberia; vou além, Deus não poderia receber-me. E uma
necessidade absoluta. Vocês podem imaginar que o Pai Celeste enviaria
o Seu Filho unigênito, o Seu bem-amado Filho ao mundo para padecer
tanto sofrimento e agonia se não fosse absolutamente essencial? A cruz
teria acontecido, se não houvesse total necessidade dela? E inimaginável.

Outro bem não havia


Que o preço do pecado pudesse pagar.
Somente Ele podia
A brir do céu a porta e deixar-nos entrar.

É mediante Cristo. Você depende absolutamente dEle. Se Ele não


tivesse entrado lá com Seu sangue, você nunca poderia entrar. M as, visto
que Ele entrou, você pode entrar.
E bom lem brar que Ele está lá, um Sumo Sacerdote que pode
compadecer-Se, porque Ele esteve aqui, neste mundo, e por causa de
tudo quanto Ele sofreu. Ele transmite ao Pai as nossas orações com o Seu
santo incenso. É, pois, simplesmente natural que estes vários escritores
sempre term inem com exortações: “Tendo pois, irmãos, ousadia para
entrar no lugar santíssimo, pelo sangue de Jesus” ; e também, “Chegue­
mos pois com confiança ao trono da graça” - com confiança, com
segurança, com certeza. “Pois” - à luz da doutrina de Cristo como

- 292 -
A quele que leva o pecado, como o Sumo Sacerdote, como a nossa
Justiça, Aquele em quem fomos incorporados, Aquele com quem fomos
crucificados, Aquele com quem morremos, morremos para a lei, m or­
remos para o pecado, e fomos resuscitados em novidade de vida
- “Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas
vivos para Deus, por meio de” - e somente por meio de - “Cristo Jesus
nosso Senhor” (Romanos 6:11, VA).
Você se deu conta da sua completa dependência do Senhor Jesus
Cristo e da Sua obra perfeita? Se não se deu, não admira que as suas
orações pareçam vãs e fúteis e vazias. Doravante, quando você buscar
a Deus, comece com Cristo. Agradeça ao Senhor Jesus Cristo o que Ele
fez por você, agradeça a Deus que Ele O enviou para fazê-lo; diga a Ele
que você compreende que depende inteiramente dEIe, mas que, tendo
esta fé, você sabe que Ele está à sua espera para recebê-lo. Chame-Lhe
seu Pai, e diga-Lhe que você sabe que Ele é seu Pai porque Ele é o Pai
do seu Senhor e Salvador, Jesus Cristo - “Porque por meio dele tem os
acesso ao Pai por um só Espírito” .

- 293 -
24
ORANDO NO ESPÍRITO
“Porque p o r ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo
Espírito. ” - Efésios 2:18

Voltamos mais uma vez a este versículo de m áxim a importância,


no qual o grande apóstolo m ostra aos efésios o motivo que têm para
regozijar-se no fato de serem cristãos e, portanto, co-herdeiros do reino
de Deus com os judeus. É um versículo crucial. Vimos que este
versículo nos faz lem brar que as três Pessoas da Trindade santae bendita
estão interessadas em nossas salvação e participam dela. Esse é, para
mim, o fato mais glorioso quejam ais poderemos conhecer. Não hánada
que o supere, nem no céu. E aí que podemos saber, em sua plenitude,
o que Deus o Pai, Deus e Filho e Deus o Espírito Santo têm feito por
nós e pela nossa salvação. Vimos também que, im ediatamente aqui,
nesta existência, o maior benefício que auferimos deste grande fato da
nossa salvação é que temos acesso ao Pai. Esse é o fim da salvação, esse
é o grande objetivo que está por trás de tudo quanto Deus fez em nosso
Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio dEle - Ele morreu “para
levar-nos a Deus”, e o Seu sangue foi derramado para que pudéssemos
ser capazes de entrar no “lugar santíssim o” . Parar, pois, em qualquer
ponto anterior a este é, não somente ignorar as Escrituras, é de fato ir
contra as Escrituras, porque, o que importa em última instância não é o
que você e eu pensam os que necessitamos ou desejamos, é o que Deus
providenciou. E este é o fim e objetivo da salvação, que possamos ter
acesso ao Pai, que possamos entrar à presença de Deus e gozar comunhão
com Ele.
Em vista do fato de que esse é o mais alto privilégio e a maior bênção
quejam ais podemos experimentar, não é surpreendente que justam ente
neste ponto é que a maioria de nós, na verdade todos nós, m uitas vezes
vemos grande dificuldade, e talvez continuemos em grande dificuldade.
Suponho que, em últim a análise, a coisa mais difícil que tentamos
fazer, porque é a maior coisa que fazem os, é orar. E, quanto à oração,
há problemas que muitas vezes agitam as mentes e os corações do povo
de Deus. Não é de admirar, pois não há nada m aior que a oração. Por isso
o adversário das nossas almas preocupa-se particularm ente em atacar-
-nos neste ponto. Isso é um a coisa que todos nós aprendemos pela

- 294 -
experiência. Não há nada, em nenhum sentido, que seja tão difícil como
orar. Permitam-me lembrar-lhes algumas das muitas dificuldades, para
que possamos ver o objetivo que o apóstolo tem em mente quando
afirma o que temos neste versículo.
Uma dificuldade é aperceber-nos da presença de Deus. Deus é
Espírito, Deus é invisível. Isso, em si, constitui logo um a dificuldade
para nós. Estamos acostumados a ver pessoas ou a ouvir as suas vozes,
quando temos amizade e comunhão com elas. Mas Deus é invisível.
“Deus nunca foi visto por alguém” (João 1:18). Para expressá-lo de
outro modo, é freqüente ter-se uma impressão de irrealidade na oração
de alguém. E há vozes que nos vêm, sugestões enviadas por satanás,
querendo induzir-nos a pensar que na verdade estamos m eramente
passando por algum processo psicológico, que estamos apenas persua­
dindo e enganando a nós mesmos, que estamos virtualmente falando
com nós mesmos e nos encorajando a nós mesmos. Há esta impressão
de irrealidade da qual muitos se queixam freqüentemente.
Depois há o problema da concentração. Se você está lendo um livro,
não é muito difícil concentrar-se. Se você está falando com alguém, não
há esse problema. Todavia, acaso não temos visto muitas vezes que,
quando nos pomos a orar, as nossas mentes vagam por todas as direções,
que a nossa imaginação viaja pelo m undo inteiro e, embora estejamos
de joelhos com a intenção de falar com Deus, tendemos a pensar em
problemas - em algo que aconteceu ontem, em algo que vai acontecer
amanhã? Quão difícil é firmar a nossa mente e os nossos pensam entos,
e concentrar-nos de tal modo que a nossa oração seja realmente um ato
vivido, verdadeiro e vital! Depois há também o sentimento de indigni­
dade, a lembrança da nossa pecaminosidade e o sentimento de que não
temos direito de aproximar-nos de Deus. Este terrível sentimento de
indignidade m ilita contra nós. E ainda vêm as dúvidas, as dúvidas se
insinuam na mente, perguntas e questionamentos. Não tenho necessi­
dade de desenvolver isto elaboradamente; todos nós estamos fam iliari­
zados com estas coisas, e elas acontecem porque a oração é a suprema
atividade da alma humana, é o ponto mais alto que podemos alcançar
nesta vida - comunhão com D eus. Assim é que, quando nos envolvemos
nessa atividade, todas as forças do inferno, por assim dizer, atuam sobre
nós e fazem o m áximo para frustrar os nossos esforços. Digo isso não só
porque é um fato, mas também em parte como um meio de incutir ânimo.
Não se desanime por achar a oração difícil. N a verdade, o que se deve
tem er é achar muito fácil orar, porque, se compreendermos exatamente
o que estamos fazendo, veremos que, de m aneira inevitável, seremos

- 295 -
alvos e vítim as especiais do adversário das nossas alm as e,
correspondentemente, acharemos difícil orar.
Por todas essas razões, pois, é muito necessário que nos instruam
com o orar e que saibamos orar. Nada é tão fa ta l como entregar-se à
oração sem pensar. O prim eiro ato na oração sempre deve ser o que os
chamados “pais” costumavam chamar “recolhim ento” . Sempre deve
haver um ato de recolhimento, de meditação. É muito errado correr para
a presença de Deus com petições, sem dar-nos conta do que estamos
fazendo. Devemos parar, fazer uma pausa, meditar e recordar o que
estamos fazendo. Há muitas maneiras de esclarecer este ponto. Se você
tiver um a audiência com a rainha, provavelmente achará sábio e
oportuno aprender algo sobre a etiqueta da corte. Ora, m ultiplique isso
pelo infinito, e aí você terá uma alma indo à presença de Deus. Não é
algo que se possa fazer leviana e impensadamente, não é algo para o que
devamos ir precipitadamente; temos que compreender o que nos cabe
fazer. Aqui o apóstolo, ao dar-nos uma lista das coisas admiráveis
acontecidas com estes efésios, leva-nos a esta altura tremenda: “Por ele
ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito”. Vocês não
somente deixaram de ser estranhos e forasteiros, e de estar separados;
vocês entraram à presença de Deus. Como chegaram lá? Ele nos diz,
vocês recordam, que há dois elementos essenciais; e já demos ênfase ao
fato de que são somente dois. Há somente duas coisas acerca das quais
temos que ter entendimento absolutamente claro e certo. Um a é o
próprio Senhor Jesus Cristo; e a outra é o Espírito Santo. Não há o que
acrescentar a esta lista. Nada de acrescentar a virgem M aria, nada de
acrescentar a Igreja, nada de acrescentar um sacerdócio, nada de
acrescentar os santos. Não acrescentem nada. Tudo o que é essencial à
oração é que vocês se aproximem por meio do Senhor Jesus Cristo; e já
consideram os como fazê-lo.

A segunda coisa é dar-nos conta de que é “p o r um só E spírito”.


Ao passarmos a considerar isto, a prim eira coisa que temos que salientar
é que a referência é à Pessoa do Espírito Santo. O apóstolo não está
dizendo que, agora que os judeus e os gentios compartilham as mesmas
idéias e têm a m esm a perspectiva e têm um espírito comum, eles podem,
portanto, orar juntos. Isso é verdade, naturalmente, porém há algo muito
mais forte aqui. A referência não é a espíritos humanos que agora entram
em unidade ou vêm em uníssono. A referência é ao Espírito Santo;
assim, muito acertadamente, em nossas Bíblias os tradutores indicam
isto escrevendo “Espírito”, com inicial maiúscula. E um a referência à

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Pessoa do Espírito Santo. E o que o apóstolo está ensinando é que o
Espírito Santo é tão essencial à oração como o próprio Senhor Jesus
Cristo. Não Um sem o Outro, e sim ambos juntos.
M ais um a vez temos que fazer a nós mesmos certas perguntas.
Teríamos nós, em nossa vida de oração até este exato momento,
compreendido o lugar vital e a importância vital do Espírito Santo?
Teríamos compreendido que sem Ele de fato não podemos orar verda­
deiramente, e que a verdadeira oração é sempre oração pelo Espírito
Santo mediante o Senhor Jesus Cristo? Como cristãos, compreendemos
como é essencial o Senhor Jesus Cristo, o único e exclusivo M ediador
entre Deus e o homem. Mas aqui, segundo o apóstolo, é igualmente
essencial que nos apercebamos da nossa dependência do Espírito Santo
e da Sua obra e da Sua atividade peculiares em nós. E esta não é uma
afirmação isolada; o apóstolo a repete. Por exemplo, no último capítulo
desta Epístola aos Efésios, no versículo dezoito, onde ele estivera
falando de revestir-nos de toda a armadura de Deus, ele encerra dizendo:
“Orando em todo o tempo com toda a oração e súplica no Espírito”
(outra vez com a inicial maiúscula) - no Espírito Santo. Essa é a sua
concepção da oração. E se vocês forem à Epístola aos Filipenses, verão
que ele diz a m esm a coisa de novo, no capítulo três, versículo três, onde
diz: “Guardai-vos dos cães, guardai-vos dos maus obreiros, guardai-vos
da circuncisão. Porque”, diz ele, “a circuncisão somos nós, que
servimos a Deus no Espírito” (de novo a inicial m aiúscula (Ara e VA));
ou vocês poderiam traduzi-lo, “nós, que servimos a Deus pelo Espírito”
e que compreendemos que somos completamente dependentes dEle.
Os judaizantes - “a circuncisão” - não serviam a Deus no Espírito ou
pelo Espírito; sua forma de culto era mecânica. E o que diferencia o culto
e a oração cristãos de todos os outros tipos e espécies de oração é que
é no Espírito. Existem muitos outros que oram, porém não oram “no
Espírito” . Este é o fator peculiar, o fator distintivo quanto à oração cristã.
O apóstolo Judas diz exatamente a m esm a coisa em sua carta, no
versículo vinte: “mas vós, amados, edificando-vos a vós mesmos sobre
a vossa santíssim a fé, orando no Espírito Santo, conservai-vos a vós
mesmos no amor de Deus” . A í está, de maneira muito explícita. Vocês
estão orando, diz ele, no Espírito Santo.
Estas expressões não são usadas ao acaso pelos escritores do Novo
Testamento. “No Espírito”, para eles, fazia parte da própria essência da
oração. E, na verdade, ao dizerem isso tudo, estavam apenas mostrando
como a palavra de Zacarias cumpriu-se, quando ele profetiza que o 4‘Espírito
de graça e de súplicas” seria derramado nesta era do M essias (12:10).

- 297 -
É, pois, de vital importância que entendamos a parte que o Espírito
Santo desem penha nesta questão de oração. Num sentido, já tivemos a
nossa exposição no capítulo quatro do Evangelho Segundo João. Aí,
falando à m ulher samaritana, o nosso Senhor coloca este ponto de
m aneira clara e um a vez por todas. Ela fala levianamente sobre adoração
- “Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém
o lugar onde se deve adorar” . O nosso Senhor a corrige e explica este
assunto com clareza e simplicidade: “D eus”, diz Ele, “é Espírito, e
im porta que os que o adoram o adorem em espírito e verdade” . Que é
a oração? Quais as verdadeiras características da oração? Que é orar no
Espírito?

Vejamos primeiro as características negativas. Obviamente, não é


uma questão de lugar nem de cerimônia como tais. O nosso Senhor
logo pôs o dedo na falácia da mulher samaritana - “este m onte” . Se você
quiser adorar, diziam os samaritanos, terão que adorar aqui. Os judeus,
por outro lado, diziam que você terá que fazê-lo em Jerusalém , no
templo, que Deus estava confinado no templo - quando eles, os
samaritanos, achavam que Ele estava confinado no seu monte. L ugares!
Cerim ônias! Há pessoas que só oram quando estão num lugar de culto
e que nada sabem da oração em privado e da oração em secreto. Para elas
a oração é algo que só acontece em certas ocasiões, ocasiões estabelecidas,
e em lugares especiais. Ora, a verdadeira oração no Espírito é a antítese
disso. Não se restringe a um lugar especial, nem a alguma espécie
particular de cerimônia.
Há tam bém algumas pessoas para as quais parece que a essência
m esm a da oração é a questão de postura e posição física. Como se
preocupam em poder ajoelhar-se! De fato conheço pessoas que opinam
seriamente que você não terá a m ínima possibilidade de orar, senão de
joelhos. Não podemos aprofundar-nos nesses pontos todos, interessan­
tes que são. Simplesmente estou tentando ressaltar o grande princípio
central, que não existe postura alguma que seja essencial à oração. É
certo ajoelhar-se para orar, é igualmente certo orar de pé, é igualmente
certo prostrar-se, rosto em terra. Todas estas coisas estão nas Escrituras.
Noutras palavras, não é apostura, aposição física, que importa. E se você
percebe no seu íntimo um a tendência para dizer que apostura é o grande
e central elemento, o elemento vital, já não é orar “no Espírito” . Você
estará atribuindo significação importante a um elemento incidental. É
evidente que você pode orar no templo, que você pode orar no monte,
mas não só no templo, nem só no monte, nem só num a dada postura.

- 298 -
H á depois toda a questão das form as de oração. A í está outro
assunto complicado. Devemos ter orações fixas? Devemos ter orações
formais? Devemos ter liturgias? Como é vital este assunto! Há trezentos
anos foi em parte responsável pelo movimento puritano. Uns diziam que
não há liberdade na oração quando se está preso a liturgias, a formas
fixas e a orações lidas. Eles achavam que isso era um resíduo do
catolicismo romano. Diziam que a oração tem que ser livre e tem que
estar sob a direção e a inspiração do Espírito Santo. Assim, a ênfase não
deve ser colocada na beleza das frases, na perfeição da linguagem e
nas formas especiais. Não me entendam mal, não estou dizendo que um a
oração escrita ou lida não pode ser verdadeira; mas sempre, nesta
questão de oração, temos que ter muito cuidado para m anter o equilíbrio
entre a liberdade do Espírito e a forma. Até certo ponto, as duas coisas
são essenciais. Contudo, evidentemente, o ensino do nosso Senhor é que
o fator vital é o Espírito; o domínio, a inspiração, a liberdade do Espírito
Santo. E assim vocês sempre verão que, em todos os grandes períodos
de avivamento, quando o avi vamento vem, as pessoas começam a largar
das formas e liturgias e a tolerar a oração livre, extemporânea. M as isso
também pode tornar-se mecânico, e o fato de você não estar usando
formas fixasnão significanecessariam enteque você está sempre orando
com liberdade. Há m aior perigo nas form as do que na oração
extem porânea, porém mesmo esta não é garantia de que você não se
tornará mecânico e não ficará amarrado. Eis o grande princípio: não dê
ênfase à form a ou à beleza ou à perfeição da linguagem ou a qualquer
coisa semelhante a isso, mas sim, ao fato de que a verdadeira oração é
no Espírito. Noutras palavras, a oração, de acordo com este ensino,
nunca deve ser algo meramente formal, todavia deverá ser sempre algo
vital.
Ainda mais, não digo que você não deve ter horas de oração fixas;
m as, no momento em que começar a fazer isso, terá que ser cauteloso.
Haverá sempre o perigo de você estar orando porque é m eio-dia ou são
7 horas ou alguma hora do dia e da noite, e não porque você está ansioso
para estar em comunhão com Deus. Todas estas coisas podem tornar-se
em perigos. E por isso que, parece-me, há certasfrases e expressões que
jam ais devemos empregar. Este ensino acerca da oração no Espírito
indica que nunca devemos falar em “dizer as nossas orações”, nem
empregar aquela outra frase leviana que tantas vezes está nos lábios de
algumas pessoas, “dizer um a oração” . Há quem fale em entrar num
edifício e “dizer um a oração”. Q uer dizer que estão recitando um a frase.
Você não pode “dizer um a oração” quando está tendo comunhão com

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Deus. Onde está o Espírito Santo? Onde está o elem ento de vida?
R epetir frases não é orar. Não, diz o nosso Senhor, você tem que livrar-
-se disso tudo; a oração é uma realidade espiritual. “Deus é Espírito, e
importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade.”
O Espírito Santo é absolutamente essencial; e sem Ele não podemos orar
de verdade, pois a oração é uma viva, vital e real comunhão com Deus,
que é Espírito. Deus é Espírito. E a oração realmente significaque o meu
espírito está em comunhão com Deus. É pessoal. É companheirismo,
este companheirism o imediato, e nada menos que isso. Dessa m aneira
o apóstolo lem bra aos efésios que nesta matéria o Espírito Santo é
absolutamente essencial. Você pode ler suas orações sem o Espírito
Santo. Você pode repetir frases sem o Espírito Santo. Você pode ficar
de joelhos e falar sem o Espírito Santo. Entretanto você não pode fazer
contato com Deus, não pode comunicar-se realmente com Deus, que é
Espírito, sem a atividade do Espírito Santo, perm itam-m e ir mais longe,
ao ponto de dizer que, sem o Espírito Santo, nem o próprio Senhor Jesus
Cristo e Sua obra, sós, podem levar-nos a esta relação vital com Deus.
“A hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão
o Pai (não neste monte, nem ainda em Jerusalém, mas) em espírito e em
verdade.” E isso que vem, diz Ele. E é isso que o Espírito Santo produz
e possibilita. Sem o Espírito Santo a oração é mecânica, sem vida, difícil,
a oração fica sendo uma tarefa terrível; mas com Ele tudo m udae a oração
se tom a livre e gloriosa, e o gozo supremo da alma.

Isso nos deixa agora com a pergunta: o que seria exatamente que
o Espírito fa z nesta questão de oração? E as respostas são quase
intermináveis. Vou simplesmente dar alguns títulos. Em certo sentido
poderíamos resum ir tudo dizendo que é Ele que, como intermediário,
transmite-nos e torna vivido e real para nós tudo o que foi feito pelo nosso
Senhor e Salvador Jesus Cristo. Todavia, dividamos o assunto da
seguinte maneira: por que eu oro, porque devo orar, porque tenho desejo
de orar? A resposta é, que é o Espírito Santo que cria em mim uma mente
espiritual. Por natureza o homem, como vimos extensamente neste
capítulo, não tem mente espiritual ou perspectiva espiritual. E sem a
ação do Espírito, a oração é um a completa impossibilidade; sim ples­
m ente não conseguim os orar. Naturalmente, pode ser que nos tenham
ensinado a dizer nossas orações, e podemos ir fazendo isso m ecanica­
m ente a vida toda. E, que pena, muitos de nós perm anecem crianças
nesta questão até o túm ulo! Ensinados a dizer as suas orações de manhã
e de noite - e vocês verão adultos, homens inteligentes, hom ens de

- 300 -
negócio e profissionais, que gostam e até se orgulham de dizer que
continuam dizendo as orações que aprenderam na infância. Perm ane­
cem crianças nesta questão; noutras questõesnão permanecem crianças,
mas nesta continuam simplesmente fazendo o que sempre fizeram. E
isso é tão sem sentido agora, como o era então. Não é oração. A prim eira
coisa absolutamente essencial é que devemos ter m ente espiritual,
perspectiva espiritual. Estávamos mortos em ofensas e pecados; e
em bora nos tenhamos tornado cristãos, a condição de mortos tende a
perm anecer e a afligir-nos. Às vezes não nos é difícil animar-nos? Não
nos inclinamos a orar, sentimo-nos sem vida, letárgicos e insípidos, e as
coisas espirituais não são reais para nós. Nesse estado não podemos orar.
Pois bem, o Espírito nos dá alento, nos vivifica, nos inquieta, nos move,
nos estimula, persuade as nossas mentes carnais a pensarem espiritual­
mente. Esse é sempre o primeiro elemento essencial nesta questão de
oração. Tornamo-nos cientes do reino espiritual e somos levados a
lem brar que nós mesmos temos o Espírito dentro de nós. E no momento
em que começarmos acom preender isso, em certo sentido já estaremos
começando a orar. Contudo é claro, a questão não term ina aí.
E o Espírito que nos m ostra a nossa necessidade, é Ele que nos fa z
lem brar-nos dos nossos pecados. Não há nada que tenha tanta
probablilidade de levar um homem a orar como a sua consciência do seu
pecado e da sua necessidade. E esta é a obra peculiar do Espírito Santo.
Vocês vêem a diferença entre meramente correr para apresença de Deus
com certas petições, e verdadeiramente ter companheirismo e com u­
nhão. Você diz a si próprio: vou ter esta audiência com o Rei eterno,
imortal, invisível. Quem sou eu para entrar lá? Que espécie de criatura
sou eu? Como estou vestido? Como estou calçado? Qual a m inha
aparência? Noutras palavras, o Espírito Santo está fazendo você ver o
seu pecado, Ele o está convencendo e o está tornando convicto da sua
necessidade, Ele está produzindo no seu íntimo um a santa tristeza, um
verdadeiro arrependimento. Isso tem o poder de induzi-lo à oração. Ele
o está preparando.
Isso nos leva ao próximo ponto, o qual é que Ele nos mostra a
necessidade que temos de Deus e da misericórdia de Deus e da bênção
de Deus. Imediatamente você é retirado da esfera das generalidades e
se dá conta de que é uma alma isolada. Você já não tem interesse pelas
coisas e meros eventos e acontecimentos; você foi levado pelo Espírito
Santo a compreender que Deus lhe deu esta dádiva especial, a alma, o
espírito. Você vei o a este mundo como um indivíduo, e embora sej a uma
só pessoa dos milhões de pessoas neste mundo, ainda assim você é um

- 301 -
ser isolado, distinto, separado e tem relação com esse Deus que também
é Espírito e é pessoal, e você vai encontrá-10. Assim você começa a
sentir o desejo de conhecê-10 e de estabelecer contato. O Espírito Santo
faz isso. Pois bem, isso é da própria essência da oração; ela se torna
pessoal nesse ponto, e deixa de interessar-se apenas pelas formas,
aparências e coisas desse gênero.
Tudo isso ainda é muito vago. M as um passo vital é dado quando
a pessoa começa a sentir necessidade de Deus. Quanto a vocês não sei,
porém cada vez mais eu me vejo procurando esta coisa singular em todas
as pessoas. As pessoas que me atraem, das quais eu gosto, são as que me
dão a impressão de que têm fome de Deus, que em suas almas anelam
pelo Deus vivo. Eu coloco essas pessoas adiante das demais. E sta é a
coisa realmente vital, sentir fome, sentir sede de D eus. Em certo sentido,
não há o que supere isso. Você pode ser muito ocupado e m uito ativo
sem isso. Pode sertão ocupado que você se tom a quase impessoal, alheio
a si próprio, não percebendo a condição da sua própria alma e a sua
necessidade de Deus e da sua relação com Deus. O Espírito Santo produz
essa consciente necessidade de Deus.
Depois o Espírito de Deus vai adiante e nos revela Deus em Sua
glória. Isso também é algo absolutamente vital e essencial. Tenho para
m im que, em últim a análise, todas as dificuldades da oração provêm da
nossa incapacidade de compreender a verdade sobre Deus. Ah, que
diferença faria! Somos todos como M oisés, não somos? E acaso não
somos como Josué, depois dele? Queremos correr para a presença de
Deus. Vocês se lembram de como M oisés, perto da sarça ardente, não
entendeu muito. Ele ia investigar, ia correr para lá. Então veio a voz e
falou: para trás! “Tira os teus sapatos de teus pés; porque o lugar em que
tu estás é terra santa.” Esse é o terreno em que eu e vocês estamos
quando nos dedicamos à oração. Vamos estar na presença de Deus. E o
Espírito nos revela Deus em Sua glória e em Sua majestade. Entretanto
não só isso, Ele nos revela Deus como nosso Pai. E assim Ele cria em
nós o desejo de conhecer a Deus e de m anter comunhão com Ele. Foi
algo semelhante a isto que levou o salm ista a dizer: “Com o o cervo
bram a pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó
Deus! A m inha alma tem sede de Deus, do Deus vivo” (42:1-2). O Deus
vivo! Ele não quer mais simplesmente orar a Deus, ele quer o Deus vivo
e quer um ato vivo e real de comunhão, a experiência de estar com Deus.
Ora, é somente o Espírito que faz isso. E quando acontece esse tipo de
coisa, a oração é totalmente diferente. Tom a-se a coisa mais anim adora
do mundo, tom a-se a coisa mais emocionante. Ela deixa de ser formal,

- 302 -
rígida e difícil, e deixamos de ter todos esses problemas.
Além disso, o Espírito realiza a obra que o próprio Senhor nosso
declara que é a Sua obra mais especial e mais peculiar, a saber: Ele
mantém os nossos olhos fito s no Senhor Jesus Cristo. Disse o Senhor
que o Espírito Santo O glorificaria: “Ele me glorificará” (João 16:14).
Esse é o Seu supremo propósito e função. E é exatamente o que Ele faz.
Havendo nos m ostrado a nossa total pecaminosidade, debilidade e
pequenez, e a glória de Deus, Ele nos leva ao Senhor Jesus Cristo. Ele
nos faz vê-lO em toda a glória e maravilha de Sua Pessoa, em toda a
glória e maravilha da Sua obra. Vemo-10 como o M ediador. Permitam-
-me colocá-lo na form a de perguntas. Sempre que oramos percebemos
anossa completa e absoluta dependência do Senhor Jesus Cristo e da Sua
obra expiatória? Estamos sempre conscientes do fato de que, sem o
sangue de Jesus, não podemos ter acesso à presença de Deus? Certa­
mente nós todos teríamos que confessar que milhares das vezes em que
oramos, “tomamos isso como líquido e certo” . E vejam só o que
tomamos como líquido e certo: o fato mais glorioso da história! Não
damos graças a Deus por ele, não meditamos nele, não pensamos nele
até os nossos corações serem arrebatados. Nós apenas o pressupomos.
Haverá coisa mais terrível, ou, em certo sentido, mais próxim o do
blasfemo, do que presumir simplesmente o sangue do Calvário e a morte
de Cristo? O Espírito Santo nunca nos perm itirá fazer isso. Ele nos
revelará o Senhor Jesus Cristo em toda a Sua glória e, graças a Deus, em
Sua total suficiência. Assim é que, quando estiver na presença de Deus,
e terrivelm ente cônscio da sua própria pecaminosidade, da sua indigni­
dade, da sua impureza, da sua baixeza e da sua fraqueza, o Espírito Santo
revelará a você que foi quando nós estávamos “ainda fracos” que Cristo
“morreu a seu tempo pelos ím pios” ; que foi quando éramos “inim i­
gos” que fomos salvos pela m orte do Senhor Jesus Cristo (Romanos
5:6,10). Será então que o Espírito o fará lem brar que Cristo disse: “Eu
não vim cham ar os justos, mas os pecadores, ao arrependim ento”
(M ateus 9:13). Será então que você verá desfilarem M aria M adalena e
todos os demais chegando aD eus, conduzidos por Ele. O Espírito Santo
m ostrará tudo isso a você. E você verá que, apesar da sua baixeza
indescritível, não obstante você tem acesso à presença de Deus. Você
dirá com Charles Wesley:
Justo e santo é o Teu nome!
Eu, cheio de pecado e jaça,
Eu sou tudo o que há de mau;
Cheio és Tu de verdade e graça!

- 303 -
Ele revela, Ele desvenda o Senhor Jesus Cristo. Quando você se
põe a orar, você tem aquelas exaltadas visões da Pessoa e da obra do
Senhor Jesus Cristo? E isso que prova que você está orando “no
Espírito” . Você não pode orar no Espírito sem ser levado a vê-lO e
aperceber-se dEle como nunca antes.
É igualmente o Espírito Santo que nos leva a um entendimento de
todas as prom essas de Deus. Sabemos o que é estar cercado de
provações, tribulações e problemas, e o que é estarmos cientes da nossa
fraqueza e ineficiência. De fato somos tentados a clamar aEle: que farei?
Que farei? E aí o Espírito começa a revelar a você as “grandíssimas e
preciosas prom essas” , e tudo se transforma. E Ele que nos revela Deus
como nosso Pai, como “o Pai de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”
e o nosso Pai. Vocês se lembram desta colocação feita por Paulo:
“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos
abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em
Cristo” (Efésios 1:3). No momento em que você se der conta disso, toda
a sua perspectiva mudará. Você dirá a si mesmo: bem, embora as coisas
estejam como estão, Deus é meu Pai, e tenho a autoridade do Senhor
Jesus Cristo para dizer que Ele tem todos os cabelos da m inha cabeça
contados, que Ele não somente se interessa pela queda de cada pardal,
Ele está infinitamente mais interessado em mim e em tudo o que me
acontece. Ele é o Pai de Jesus Cristo, e é meu Pai; e como Ele cuidou
dEle, cuidará também de mim. Ele disse: “Não te deixarei, nem te
desam pararei” (Hebreus 13:5). Você tem alguma experiência disso?
Você sente na presença de Deus, por ser filho de Deus, embora estando
talvez quase sufocado por dificuldades e problemas, um a alegria e
felicidade que dom ina e supera tudo? E isso que o Espírito Santo faz.
Permitam-me dizê-lo definitivamente desta forma: escrevendo aos
romanos, o apóstolo diz: “Não recebestes o espírito de escravidão para
outra vez estardes em temor, mas recebestes o espírito de adoção de
filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai” (ou, “o Espírito de adoção...” ,
8:15, VA). Sabemos algo sobre escravidão, não sabemos? Sabemos algo
sobre as dificuldades que enumerei no princípio - e isso é pura
escravidão. Tentar pensar em algo que dizer, tentar produzir um
sentimento - ah, que escravidão é essa! Não há liberdade aí. Que
diferença um filho falando com seu pai, estendendo as mãos para o pai,
para abraçá-lo, sussurrando suas pequeninas coisas porque está alegre
por ver seu pai. E assim que devemos orar, com um a gloriosa liberdade.
“Não o espírito de escravidão para outra vez estardes em temor! - mas
o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos (com este clam or

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rudimentar, infantil, filial): Aba, Pai.” Você experimenta liberdade na
oração? Você experimenta esta eloqüência espiritual na oração? Você
sabe o que é ser arrebatado de si próprio na oração? Você sabe o que é
quase desejar continuar orando para sempre, e achar difícil parar? Isso
é orar no Espírito, quando a oração chegou às suas maiores alturas. A í
está, pois, o modo como temos acesso ao Pai, diz Paulo, mediante o
Senhor Jesus Cristo, e pelo Espírito.

Permitam -m e colocar tudo numa pergunta. Você gosta de orar?


Você sempre gostou de orar? E para você a ocupação mais agradável?
Se não é, é porque você esqueceu que as operações do Espírito Santo
são absolutamente essenciais à oração. Portanto, quando você for orar,
lembre-se disso. Ore a Ele, peça-Lhe que o anime, que o vivifique. Ele
o fará; Ele já o fez sem você perceber. O desejo de orar foi produzido
por Ele, o simples pensar nisso. É Ele que produz todos estes bons
desejos; Ele “opera em vós tanto o querer como o efetuar” (Filipenses
2:13); peça-Lhe, pois, e Ele o fará crescer. V á a Ele, seco e amortecido
como você está, diga-Lheque você tem vergonha de si próprio, diga-Lhe
que você quer conhecer a Deus, diga-Lhe que você quer fruir a Deus,
diga-Lhe que você quer esta liberdade no Espírito; e peça a Ele que torne
isso possível, e persevere até que a resposta venha. E virá! Ouça de novo
a palavra do apóstolo em Romanos 8:26 e 27, neste sentido: “O Espírito
ajuda as nossas fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir
como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos
inexprimíveis. E aquele que examina os corações sabe qual é a intenção
do Espírito” . É tão maravilhoso que, mesmo quando nos vemos
completam ente desamparados e não sabemos pelo que orar ou o que
fazer, e, digamos, ficamos desesperados-não chegamos a experimentar
esse extremo, graças a Deus - mesmo então nos vemos gemendo, sem
saber o que estamos dizendo. E o próprio Espírito fazendo intercessão
por nós, em nós, por meio de nós, com gemidos inexprimíveis. Se Ele
faz isso sem a nossa solicitação, sem que Lho peçam os, quanto mais
certo é que, se verdadeiramente Lhe pedirmos e buscarm os o Seu
auxílio, Ele nós responderá! E, começando a orar no Espírito Santo,
teremos verdadeiro acesso à presença de Deus, e não somente glorifi-
caremos a Deus, como também começaremos a gozá-lO para sempre.

- 305 -
25
A UNIDADE CRISTÃ
“Assim que já ...” - Efésios 2:19

Agora vamos dar nossa atenção às duas palavras do apóstolo,


“Assim já ” (ARA), ou “Portanto, agora” (VA). Noutras palavras, em
nossa consideração do capítulo dois desta grande Epístola, chegamos ao
ponto no qual o apóstolo, tendo completado a sua declaração maior, faz
um sumário, ou faz um a pausa m omentânea para juntar as diversas
verdades que estivera dizendo. E como ele o faz, é importante que
igualmente o façamos. Sempre se corre o perigo, quando se trata de uma
grande seção das Escrituras como esta, de que, ao se tratar dos vários
pormenores, como estivemos fazendo, e tivemos que fazê-lo necessa­
riamente, pode-se muito bem perder a linha mestra de orientação ou o
argumento principal da seção. Por isso é muito importante que, exata­
m ente como nos sugere o apóstolo, façamos um a breve pausa e consi­
derem os o que estivemos extraindo e captando.
Que coisa tremenda! E importante que o examinemos como um
todo por um momento. Fomos sendo levados através dos passos dados:
o apóstolo nos mostrou exatamente como Deus fez uma grande obra por
m eio do Senhor Jesus Cristo, como a parede intermediária de separação
- a lei dos mandamentos nas ordenanças - foi demolida. Há esta entrada,
este acesso à presença de Deus no Senhor Jesus Cristo e por meio do
Espírito Santo. O que precisamos ter em mente é esta grande questão de
unidade, da unidade que existe entre todos os que são verdadeiramente
cristãos. E isso que o apóstolo tem superiormente em seu pensam ento
- este “um só corpo” , este “um só novo hom em ” ; “nós ambos”, temos
acesso por um só Espírito, e assim por diante. É sobre isso que ele deseja
que tenhamos claro entendimento. E, portanto, é bom observar o que em
geral constitui esta unidade, o que a produz, o que a traz à existência e
lhe dá continuidade. Aqui nos vemos face a face com uma das grandes
e cruciais declarações das Escrituras.

Ao examinarmos isto, certos grandes princípios se nos tom arão


manifestos. Por exemplo, vocês não podem considerar um a passagem
como esta sem se lembrarem claram ente do que é ser cristão, e do que
nos torna cristãos. M ostrando como estes efésios foram introduzidos

- 306 -
na Igrej a com os judeus, o apóstolo m ostra o que teve que acontecer com
o judeu e com o gentio antes de poderem sequer entrar na Igreja, antes
de sequer poderem ir à presença de Deus. Assim é que, aqui, de
passagem, somoslevados aestapedra fundamental, aestaposição básica
na qual vemos claramente o que nos torna cristãos. Noutras palavras, aí
nos é dada um a esplêndida definição do cristão.
Outra coisa que nos é exposta é que nenhuma outra coisa pode
unir verdadeiramente os homens, a não ser este evangelho. Vemos
isso da seguinte maneira: o apóstolo, ao expor e m ostrar como foi
produzida esta m aravilhosa unidade, de passagem nos mostrou o que
teve que acontecer para que isso se tornasse realidade. À m edida que
vamos tendo discernimento das coisas que dividem homens e mulheres,
somos levados e impelidos à conclusão de que nada, senão o poder de
Deus em Cristo e por meio do Espírito Santo no evangelho, pode unir
hom ens e mulheres. É certamente algo muito importante que devemos
ter em m ente na hora presente. Quando digo isso, estou pensando não
somente na Igreja, mas também na situação internacional em geral. Há
m uita prosa falsa, leviana e superficial sobre a unidade na Igreja e entre
as nações. M as, como eu entendo o ensino das Escrituras, e especial­
m ente esta seção particular, não há nada que seja tão perigoso, e afinal
tão fátuo e tão completam ente fútil, como esta vaga e geral conversa
sobre juntar pessoas e estabelecer o que chamam “um a unidade”.
Temos que reconhecer que há ocasiões em que parece haver um a
unidade: porém acabará se evidenciando apenas um a unidade superfi­
cial, apenas um a aparência. As vezes, por causa de certas circunstâncias,
as pessoas se unem, levadas talvez por um a necessidade comum ou por
um perigo comum, e então se vêem conversando e cooperando umas
com as outras, e trabalhando juntas. Mas isso não é necessariamente uma
verdadeira unidade, como a história o demonstra com m uita clareza.
Pode haver um a aproximação de homens ou nações, ou entre diferentes
segmentos da Igreja Cristã, com objetivos específicos, e as pessoas
superficiais são tentadas a dizer que afinal a inimizade foi abolida e são
todos um. No entanto, um a comunidade de interesse ocasional não é
um a real unidade. Leiam os seus livros de história secular e observem
o que as nações têm feito, notem como houve estranhas combinações de
países em ocasiões diferentes, e como no m omento parecia que eles
tinham formado um a firme amizade, que nunca poderia ser dissolvida.
M as então, poucas páginas adiante em seu livro de história, vocês verão
estes dois países, que pareciam ter-se tomado um, em conflito um com
o outro. Eis a explicação. Quando pareciam estar num a firme amizade,

- 307 -
foi somente porque havia tais circunstâncias no caso de ambos os países,
que era com pensador e conveniente a eles que se juntassem . Isso se vê
com freqüência durante um a guerra. Surge de repente um inimigo
comum, e os outros (que realmente não se dão bem e sempre foram
antagônicos), por causa daquele perigo comum, cooperam entre si com
a finalidade de manter o inimigo por baixo; porém depois, no momento
em que isto se realiza, eles voltam a desentender-se. O que parecia
unidade não era unidade nenhuma, era pura fachada, m era aparência.
Isso não é unidade real.
Exatam ente a mesma coisa se aplica nos domínios da Igreja. Há os
que pensam e dizem que, em face do grande inimigo, o m aterialismo
(cham em -lhe comunismo, se o preferirem), todos os que se chamam
cristãos de um modo ou de outro devem juntar-se. Não devemos
incomodar-nos com definições, mas devemos cerrar fileiras num a frente
com um contra esta grande inimigo. Há, portanto, os que dizem que os
católicos romanos e os protestantes deveriam trabalhar juntos e unir-se,
esquecer todas as suas diferenças, levantar-se juntos em defesa da
civilização ocidental, ou seja qual for o nome que acaso se lhe dê, contra
este grande adversário comum. E pensam que isso é unidade. Ora, a
m inha afirmação é que o ensino deste parágrafo da nossa Epístola, sem
ir mais longe, mostra-nos como é superficial e, em últim a análise, como
é fútil toda essa conversa. Se captamos bem o ensino desta seção, que
nos ajuda apenetrar no conhecimento da natureza do hom em em pecado,
e que é o que de fato divide as pessoas fundamentalmente, então penso
que somos levados à conclusão de que nada menos que um a solução
fundamental, como a que unicamente o evangelho oferece, e nenhuma
outra coisa, pode produzir esta verdadeira, real e duradoura unidade. É
o que este ensino m ostra com clareza.
Depois, outra coisa que se vê com clareza é a seguinte: é-nos dado
um entendimento e um profundo discernimento da natureza desta
verdadeira unidade existente entre os cristãos. O ponto é que somente
os que se enquadram na descrição dada aqui é que são realmente um. O
apóstolo fala desta unidade em termos de um só corpo e nos oferece esta
m aravilhosa analogia do corpo, analogia tão freqüentemente utilizada
por ele. Ele salienta que se trata de um a unidade vital, orgânica; não é
sim plesm ente um a questão de se ligarem frouxamente as pessoas, não
é sim plesm ente um a questão de, num dado momento, as pessoas
esquecerem as diferenças e formarem um a espécie de coalizão. Nada
disso! É um a unidade viva, uma unidade que prevalece no corpo, onde
os dedos se ligam ao restante do corpo, não apenas grudados, mas uma

- 308 -
unidade viva, unidade de sangue e de nervos. É um todo, com várias
partes, não certo número de partes postas juntas para formarem um todo.
Começa-se do centro para fora, e não vice-versa. Talvez eu possa fazer
um sumário disso tudo dizendo que a unidade entre os cristãos é um a
unidade completam ente inevitável por causa daquilo que é verdadeiro
quanto a todos e a cada um. Às vezes penso que esse é o princípio mais
importante de todos. Parece-me que, com toda essa conversa sobre
unidade estamos esquecendo a coisa mais importante, que a unidade
não é um a coisa que o homem tem que produzir ou arranjar: a verdadeira
unidade entre os cristãos é inevitável e indeclinável. Não é criação do
homem; é, como tão claramente nos foi mostrado, criação do próprio
Espírito Santo. E a m inha tese é que existe essa unidade neste momento
entre cristãos verdadeiros. Não me importa quais sejam os rótulos que
lhes ponham, a unidade é inevitável; eles não a podem evitar, por causa
daquilo que realmente caracteriza cada um dos cristãos, individual­
m ente falando.
Permitam-me mostrar-lhes a seguir como estes princípios são aqui
expostos em detalhe. Háprim eiram ente este grande postulado, que, p o r
natureza, p o r causa dos seus antecedentes e do que está p o r trás
deles, os homens estão deseperadamente divididos. Isso nos foi
m ostrado aqui, em termos do judeu e do gentio, e dos profundos e
violentos preconceitos que ambos tinham. Isso é o homem em pecado.
O hom em em pecado é um montão de preconceitos. E posto que todos
os homens estão em pecado e têm esses preconceitos, a desunião é
inevitável. O judeu desprezava o gentio, o gentio odiava o judeu, e então
havia aquela parede de separação que estava no meio. O m undo ainda
estácheio desse preconceito racial -p esso as que não hesitam em excluir
nações inteiras e a condená-las, a falar delas com sarcasmo e zombaria;
e, por sua vez, os condenados fazem exatamente a m esm a coisa. Essa
é a verdade com relação a classes, com relação a grupos. A humanidade
toda está dividida dessa maneira. Não é algo superficial, é profundo na
vida do homem, é elementar. Num sentido é algo que está fora do
controle do homem. Ele tenta dominar isso, coloca por cim a um
revestim ento de cavalheirismo e polidez, ele pode sorrir para alguém
que ao mesmo tempo ele está amaldiçoando em seu coração. M onta­
mos o espetáculo, e as aparências são resguardadas, porém por baixo há
inimizade e desunião; e o simples fato de que as pessoas mutuamente
sorriem e apertam as mãos não nos diz nada, necessariamente, do que
se passa em seus corações. Elas podem publicar os seus comunicados
e, todavia, ao mesmo tempo podem estar planejando e conspirando o

- 309 -
fracasso um as das outras e fazendo várias coisas inamistosas umas
contra as outras. Todos nós sabemos muito bem disso. A arte da
política, geralmente assim chamada, seja política local ou imperial ou
internacional, baseia-se precisamente na suposição de que não se pode
confiar em ninguém e que você tem que estar de olho nos seus melhores
interesses, fazendo concessões quando lhe for conveniente.
Essa é, pois, a verdade acerca da humanidade. E é a verdade ao nível
individual exatamente como o é ao nível internacional. Portanto, não
somente é ser novato nestas questões, e ingênuo, falto de instrução e
iletrado quanto ao conhecimento da história, aquele que supõe que as
aparências são o que são; é também profundam ente perigoso. Noutras
palavras, voltamos a isto: antes que possa haver unidade entre os
homens, tem que haver uma m udança radical neles. Tem que haver uma
m udança na própria constituição deles. O que precisa ser mudado em
cada um de nós, no que somos por natureza, são os nossos preconceitos
fundam entais; não o que fazemos à superfície para favorecer negócios
ou as aparências, mas o que realmente somos, o que realmente cremos
nas profundezas de nosso ser. Enquanto isso não for posto em ordem,
será ocioso e um a pura perda de tempo falar em unidade.

Então, que é que o evangelho faz para produzir esta unidade? Como
foi que estes judeus e gentios vieram a estar juntos? Por que todos os
verdadeiros cristãos são necessariam ente um? Eis algumas das
respostas:
Todos somos pecadores, e nada, senão o evangelho, leva as pessoas
a verem isso. Todos nós somos pecadores, cada um de nós. Vou além
e digo: todos nós somos igualmente pecadores. O que determ ina se
você é um pecador ou não, não é a soma total dos pecados que você
cometeu, é a sua atitude total para com Deus. Aqui é que vemos quão
fúteis e superficiais são todas as divisões e distinções. Era isso que
m antinha separados o judeu e o gentio. O judeu dizia: somos o povo de
Deus e temos as Escrituras, os oráculos de Deus, temos a lei, temos o
cerimonial e o templo; estes outros não têm nada destas coisas. E
achavam que isso os acertava, que isso fazia um a diferença vital. Mas
o propósito geral da pregação do evangelho, diz o apóstolo Paulo, é
m ostrar ao judeu que ele é tão pecador quanto o gentio. “Não há um
justo, nem um sequer.” “Todos pecaram e destituídos estão da glória
de D eus.” Todo o mundo “tornou-se culpado diante de Deus” . Nesta
altura vocês vêem como é inteiramente superficial, e que disperdício de
tempo é favorecer as nossas divisões entre gente muito má, gente má,

- 310 -
gente boa, gente muito boa, e gente nobre. São nossas classificações,
não são? A um homem chamamos pecador, um de fora; e julgam os outro
respeitável, muito fino e muito bom. Realmente atribuímos significação
a todas estas divisões e distinções. No momento em que você vem para
o evangelho, tudo isso é demolido e se torna completamente irrelevante.
A prova, afinal de contas, não é o que somos entre nós e de acordo com
as nossas medidas e os nossos padrões. Cada um de nós tem que vir à
presença de Deus. E, face a face com Ele, somos todos pecadores, somos
todos vis. Não O conhecemos. Não O servimos como devíamos.
Quebramos as suas leis. Cada um foi por seu próprio caminho. “Todos
nós andamos desgarrados como ovelhas” (Isaías 53:6).
Entendem os isso perfeitamente bem na esfera natural. M as de
algum modo falhamos não aplicando isso à esfera espiritual. Temos os
nossos padrões para m edir a luz e a energia elétrica, e assim por diante.
Falam os em voltagem, em tantos ou quantos watts e em coisas como
essas, e aí estão divisões e distinções - ligarei uma lâm pada de 150 watts
ou um a de 15? Que diferença! A diferença parece ser muito importante.
Contudo, leve as duas, a de 15 e a de 150, e coloque-as diante do sol, e
as suas diferenças não importarão mais. Não importa se você tem um a
vela ou um a candeia ou um a lâm pada muito poderosa, à luz do sol elas
são trevas, por assim dizer, e as diferenças são irrelevantes e não pesam
nada. E assim na esfera espiritual. Todos nós estamos face a face com
Deus. E quando estou na presença de Deus e da Sua santidade e da Sua
lei, não me servirá de ajuda pensar que talvez eu seja um pouco m enos
mau do que alguma outra pessoa; a questão é: sou suficientemente bom
para Ele? Sou suficientemente bom lá? E o que este evangelho fez foi
m ostrar Deus aos homens e m ostrar os próprios homens à luz de Deus;
e estão todos condenados, estão todos sob um denominador comum.
Não há judeu nem gentio, bárbaro, cita, escravo nem livre, rico nem
pobre, instruído nem ignorante. Todas estas coisas são irrelevantes -
preto ou branco, este lado de uma cortina ou aquele. Isso não importa,
todos pecaram. Esse é o primeiro passo para a unidade. Antes que possa
haver unidade, todos nós temos que ser derrubados ao pó. Enquanto
qualquer de nós estiver de pé, e quiser impor-se, nunca vocês terão
unidade, porque ele está se gabando de alguma coisa, está agarrado a algo
que lhe é peculiar. Vocês jam ais conseguirão unidade dessa maneira;
temos que dar cabo do ego. M as aqui, encarando Deus no evangelho,
somos lançados ao pó, somos forçados a ver anossa total pecaminosidade,
e um a um vemos exatamente em que situação estamos na Suapresença.
Essa prim eira resposta leva inevitavelmente à segunda. Não só

- 311 -
todos nós somos igualmente pecadores, porém também somos todos
igualmente incapazes. Pois bem, essa era a dificuldade com o judeu;
ele não percebia a sua incapacidade. Achava que o seu conhecimento da
lei ia salvá-lo de um modo ou de outro. Mas ele passou a ver que não ia.
Com o o apóstolo diz no capítulo três de Romanos: “pela lei vem o
conhecimento do pecado” . Certamente! M uito valiosa nesse aspecto!
“Eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: não
cobiçarás” (Romanos 7:7). Ela m arca a coisa. A lei é de inestimável
valor nesse aspecto. No entanto, o tolo judeu achava que o seu conhe­
cim ento da lei puro e simples de algum modo o salvava. M as não o fazia
nem podia fazê-lo. A lei simplesmente condena; não ajuda a salvar. Isso
é vital para o argumento geral deste apóstolo, e para o argumento geral
do evangelho em toda parte. Ouçam-no dizê-lo também em Romanos
8:3: “Portanto o que era impossível à lei, visto como estava enferm a
pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do
pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne; para que a justiça da
lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo
o Espírito” . A í está, um a vez por todas. Não somente somos todos
pecadores, todos nós juntos, porém igualmente somos todos incapazes
em nosso pecado. Podemos, com grande determinação e força de
vontade, tentar ser melhores, mas inutilmente. Há pessoas que podem
levar um a vida excelente, abstêmia e nobre; podem dedicar-se e
aperfeiçoar-se e a elevar-se na escala moral; entretanto quão fútil isso
é, pois a tarefa é chegar a D eus! E ocioso gabar-se dos cavalos de força
dos seus carros motorizados quando você se defronta com um a m onta­
nha que o carro mais poderoso não poderá subir. E essa é a situação do
hom em em pecado. Não importa quão grande seja a luta moral de um
hom em , ele, por si mesmo, nunca poderá chegar a satisfazer a Deus e às
Suas exigências. Ninguém poderá perm anecer de pé no juízo sim ples­
m ente firmado em sua justiça própria e por seus próprios esforços;
quando compreendemos isso, todos só temos que dizer:

M eus labores, minha mão


Cumprir jam ais poderão
O que Tua lei exige;
Se o meu zelo e o meu ardor
Repouso não conhecessem
E as minhas sentidas lágrimas
Perpetuamente corressem,
E tudo pelo pecado,

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Pecado não poderiam
Expiar; nunca o fariam !

Somos todos um em nossa incapacidade, em nossa fraqueza, em


nossa desesperança, em nossa ineficácia; estamos juntos no pó. A
compreensão disso é que traz unidade. Antes disso, altaneiro, alguém
diz: eu sou melhor do que você, progredi muito mais que você. Jazendo
desamparados no pó, percebemos que não temos de que nos gabar, não
tem os nada que possamos falar. Somos silenciados, todos nós juntos. A
competição é abolida. Negativamente, estamos todos na mesm a situa­
ção.

E isso, naturalmente, leva a outro ponto que o apóstolo salienta.


Todos nós viemos ao mesmo e único Salvador. Como o apóstolo se
delicia em repetir o nome! “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes
estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto” - vejam vocês
como ele o repete logo! “Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os
povos fez um ” ; “Na sua carne (ele) desfez a inimizade, isto é, a lei dos
m andam entos” ; “para criar em si mesmo dos dois um novo hom em ” ;
“e pela cruz (ele pudesse) reconciliar ambos com Deus em um corpo” ;
“e, vindo ele, evangelizou a paz” ; “porque por ele ambos temos
acesso.” E sempre esta bendita Pessoa. Aqui estamos começando a ver
o assunto positivamente. Estamos todos juntos no pó, nas cinzas e em
trapos. Então erguemos os olhos e olhamos juntos para a mesm a Pessoa
bendita. N ão estou interessado num Congresso M undial das Crenças.
Não posso ajoelhar-me e estar com pessoas, das quais um a está com os
olhos postos em Confúcio, outra em Maomé, outra em Buda e outra em
algum filósofo. Não posso! Há somente Um para quem olhar, o bendito
Filho de Deus. E eu não tenho nenhum sentimento de unidade e
nenhum a comunhão com quem não esteja olhando comigo para o
m esm o Salvador. “Há um só Deus e um só M ediador (unicamente um
M ediador) entre Deus e os homens, Jesus Cristo hom em ” (1 Timóteo
2:5). Não há unidade sem isso. Estam os juntos no fracasso e na
incapacidade, e agora estamos olhando juntos para a mesm a Pessoa
bendita. E se não estamos, de que vale falar em unidade? De que vale
falar em ter coisas em comum e em afirmar que somos todos um, se há
algum a dúvida sobre Ele, quanto a se Ele é o Filho de Deus ou apenas
hom em ? Sehouverqualquerdúvidasobreisso, não haverá unidade, não
haverá comunhão. Temos que confessar juntos que há somente um
Salvador, unicam ente um Senhor Jesus Cristo, Deus e homem, duas

- 313 -
naturezas em um a pessoa, nascido da virgem, M aria, crucificado sob
PôncioPilatos, ressurreto. Épreciso quenão haja dúvida sobre Ele! Não
haverá unidade, a menos que estejamos de acordo sobre Ele! O mesmo
Salvador, a mesm a Pessoa!
E depois temos a mesma salvação! Devemos particularizar, vocês
sabem. Não basta dizer: ah, eu creio em Cristo e sou um com todos os
que crêem em Cristo. Todavia, o que significa crer em Cristo? Bem,
notem como o apóstolo o expressa. Diz ele que “naquele tempo estáveis
sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos concer­
tos daprom essa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo. M as agora
em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo
chegastes perto” . Esse é o único caminho. Eu não estou perto de um
hom em qualquer, a não ser que ele tenha sido trazido para perto pelo
sangue de Cristo. Não tenho comunhão com alguém que não gosta da
teologia do sangue. Ele poderá dizer-me, se quiser, que crê em Cristo,
porém eu não conheço nenhum Cristo, exceto o Cristo que morreu por
mim e pelos meus pecados na cruz. Não tenho acesso ao Pai, exceto
“pelo sangue de Jesus”. O homem que deixa de lado a cruz é um hom em
com quem eu não estou em comunhão, não me interessa que título ele
se dê. Não há unidade, exceto entre os que pertencem ao grupo dos
comprados pelo sangue, os quais compartem a m esm a salvação na qual
a cruz é inevitável, essencial e central. “Nenhum outro havia suficien­
temente bom para pagar o preço do pecado.” Deus, diz ainda Paulo no
capítulo três de Romanos, tem que ser justo quando age como justificador
daquele que crê em Jesus. Não posso crer num Deus que possa tolerar
o pecado e fingir que não o vê. Deus é “santo, justo e reto” . Ele disse
que punirá o pecado, e terá que fazê-lo; e creio que Ele o fez em Cristo,
na cruz. Foi aquele mesmo Cristo da cruz que literalm ente saiu
corporalm ente do túmulo e subiu ao céu para a minha justificação. Sou
um só com aqueles que estão vestidos com a m esm a veste dejustiça, que
é a justiça de Cristo. Não há unidade quando as pessoas estão com vestes
diferentes - um a com a sua justiça moral, outra com a justiça de alguma
filosofia, a outra com a justiça de Cristo. Não somos um com ninguém,
senão com os que “lavaram as suas vestes no sangue do Cordeiro” e
estão imaculadamente vestidos com a justiça do Filho de Deus. Esse é
o argumento; não somente na passagem que estamos estudando, é o
argumento em toda parte. Compartimos um a “salvação comum ” . Essa
é a expressão utilizada, vocês se lembram, na Epístola de Judas.
Todas estas coisas são comuns a todos os cristãos. Além disso,
temos o mesmo Espírito Santo habitando em nós, vivendo em nós,

- 314 -
agindo em nós, e realizando exatamente a mesma obra em nós. O
apóstolo já o tinha mencionado. É “por um só Espírito” que temos este
nosso acesso ao Pai. “Operai a vossa salvação com tem or e tremor;
porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar” - o
mesmo Deus, o mesmo Espírito Santo! Unidade maravilhosam ente
orgânica! Quão diferente é isso de dizer-se superficialmente: unamo-
-nos. Há um inimigo comum, esqueçamos as nossas diferenças! N eces­
sitamos de um a m udança radical. É a nossa natureza que causa divisões,
e seja o que for que não trate da nossa natureza, não terá a m ínima
possibilidade de resolver o problema. E para mudar a nossa natureza, eis
o que é necessário - é preciso que venha o Espírito Santo. E Ele veio,
está em todos nós, está produzindo em nós - e isto é talvez, em muitos
aspectos, o que há de mais maravilhoso - a mesm a nova natureza. “Se
alguém está em Cristo, nova criatura é (uma nova criação); as coisas
velhas jápassaram ; eis que tudo se fez novo.”0 cristão não é alguém que
fez automelhoramento, ou que até certo ponto aprendeu a dom inar-se e,
na linguagem das Escrituras, “limpou o exterior do copo e do prato”.
N ada disso! Ele é um novo hom em . Deus o fez “participante da natureza
divina” . E a natureza divina é caracterizada pelo amor.
Como podemos conseguir unidade, se não houver amor? Mas o
Espírito Santo produz este novo homem, esta nova natureza. Este “fruto
do Espírito” vê-se em todos os cristãos, e assim é que temos a unidade
inevitável. Todos os cristãos nascem do Espírito, do m esm o Espírito.
“Necessário vos é nascer de novo”, disse Cristo a Nicodemos. “O que
é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito.” Isto
é absolutamente essencial. Os homen nunca serão um, se não tiverem
esta mesm a natureza comum. Em Cristo nós a temos. E Ele criou em Si
m esm o “dos dois um novo homem, fazendo a paz” . Esta Sua nova
hum anidade! E assim, com esta no va natureza, com esta nova disposição
dentro de nós, nós que somos cristãos, temos os mesmos interesses,
estamos preocupados com as mesmas coisas e temos os mesm os
desejos. Por isso, quando nos encontramos, logo vemos que temos esta
co-participação em interesses e desejos. Não é difícil achar algo de que
falar quando você se encontra com um cristão. Você o reconhece na hora.
Vocês conversam sobre as mesmas coisas, sobre estes assuntos espiri­
tuais; não ficam mais conversando sobre o mundo e as suas pomposas
e superficiais nulidades, e sim, sobre os interesses eternos, a alma, Deus,
Cristo, a salvação, o novo nascimento, e todas estas coisas. Os cristãos
se reúnem e se falam. É como são descritos os fiéis do Velho e do Novo
Testamentos. Pessoas que se conhecem, que se sentem mutuamente

- 315 -
atraídas, que se entendem; não precisam de introduções bem elaboradas,
logo pegam estes tópicos comuns, os mesmos desejos os anima, e
compartilham as mesmas esperanças. Como é inevitável a unidade entre
os cristãos!
Depois isso nos leva a esta verdade: temos o mesmo Pai. “Porque
por meio dele (ou por ele) ambos temos acesso ao Pai por um só
Espírito” (VA). Pertencem os uns aos outros porque pertencem os a
Deus. Somos filhos do mesmo Pai. Ora membros de um a família,
podemos discordar e brigar às vezes, porém há por trás um a unidade
fundam ental. Essa é a diferença entre a verdadeira unidade entre os
cristãos e esta unidade produzida artificialmente sobre a qual o mundo
e, infelizmente, a Igreja tanto falam no presente. Você pode olhar para
um a fam ília e dizer: eles parecem odiar uns aos outros, vejam como
brigam. Mas, se você procurar conviver com eles, logo verá que eles são
um , porquanto há um a unidade de sangue. Eles pertencem à m esm a
família, ao mesmo pai. Eles têm direito, por assim dizer, têm liberdade
de discordar, entretanto há sempre esta unidade básica. Todavia, naque­
las outras pessoas, que à superfície parecem tão unidas, por baixo, no
coração, não há nada sólido, e a aparência de unidade entra em colapso
na hora da m aior necessidade. Como cristãos verdadeiros, temos um só
Pai. Somos filhos do mesmo Rei celestial. E, portanto, temos os mesmos
interesses familiares.
Não somente o acima exposto caracteriza a todos nós como cristãos,
mas até as mesmas provações nós temos. Tem os as mesmas tentações.
Tem os os mesm os problemas. Isso às vezes nos faz compreender a
unidade mais que qualquer outra coisa. Quando você pensa que está só
em suas dificuldades, provações e tribulações, e vem à casa de Deus,
com o fez o hom em do Salmo 73, você logo se dá conta: “Bem, de
qualquer forma, não estou sozinho nisto”. Você encontra alguém e
com eça a contar-lhe os maus momentos pelos quais está passando. E
quando você lhe pergunta como vão as coisas com ele, ele lhe diz a
m esm a coisa que aconteceu com você na m esm a semana. Visto que
somos espirituais, visto que temos esta nova natureza, temos os mesmos
inimigos - o mundo, a carne e o diabo - e eles nos atacam do mesmo
m odo. Assim entendemos, levam os as cargas uns dos outros, temos
com paixão uns pelos outros. “Não veio sobre vós tentação, senão
hum ana”, ou “senão a que é comum aos hom ens” (VA). E o que Paulo
diz aos coríntios (1 Coríntios 10:13). Estamos todos tomando parte na
m esm a batalha, na m esm a luta “contra os principados, contra as
potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes

- 316 -
espirituais da maldade nos lugares celestiais”. Mas, louvado seja Deus,
na luta experimentamos a mesm a graça divina, a m esm a libertação, o
m esm o Salvador, o mesmo Guia, M entor e Amigo.
E, finalmente, estamos todos marchando e indo para o mesmo
lar eterno. Como cristãos, compreendemos como ninguém que este
m undo é passageiro, que esta existência é tão-somente um a escola
preparatória. Este não é nosso lar; estamos marchando para o céu, para
a glória. Temos a mesma esperança posta diante de nós. Há muitas
diferenças aqui - diferenças de nacionalidade, diferenças de dons.
Podem os diferir na aparência, e em mil e um outros aspectos - sim, mas
todos nós estamos indo para o mesmo lugar, para a m esm a eternidade
e a m esm a glória, para o mesmo Deus, para o mesmo céu. Temos os
olhos postos na mesm a “recom pensa de galardão”.

Vocês não concordariam que as proposições que apresentei no


com eço estão justificadas? Não existe isso de unidade, exceto nas
pessoas caracterizadas por estas coisas. Nenhuma outra unidade, assim
chamada, tem qualquer valor. M as, ao mesmo tempo, devemos acres­
centar que, tolerar qualquer coisa que divida pessoas dotadas destas
características, é pecado. De modo que, quanto a mim, não dou im por­
tância ao rótulo de uma pessoa; as pessoas que eu realmente conheço e
nas quais estou interessado, são aquelas que são verdadeiramente
caracterizadas por estas coisas que venho salientando. Não estou
interessado em seu país, em sua cor, em seus dons, habilidades, posses,
nem em algum rótulo que o mundo dos homens dê a eles. Se um homem
me diz que sabe que é pecador sem esperança, vil, condenado, perdido,
e que se apóia unicamente no fato de que o Senhor Jesus Cristo morreu
por seus pecados, que o Seu corpo foi partido e o Seu sangue foi
derramado por seus pecados, que põe sua confiança unicam ente nessa
obra expiatória e reconciliatória realizada por Cristo, que Cristo foi seu
Substituto, e que Deus em Cristo pelo Espírito fez dele um novo hom em
e lhe deu um a nova natureza, então estou com esse homem. Pertenço a
ele e ele me pertence, e nãò admitirei que coisa alguma nos separe. E
cada vez me parece mais pecam inoso perm itir que algum a coisa nos
separe. Seria certo tais pessoas estarem distribuídas entre as diversas
denominações como estas são, e ligadas a pessoas com as quais elas não
têm fundam entalmente nada em comum, a não ser simplesmente a
tradição? A unidade verdadeira é esta unidade do Espírito, esta unidade
da nova natureza, esta unidade que é em Cristo e Este crucificado, a
unidade do Seu sangue, a unidade do próprio Senhor.

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Q ueira Deus, em Sua graça infinita, dar-nos capacidade para ver
estas coisas. A unidade do Espírito é o único e veraz vínculo da paz.
Graças a Deus, todos os que pertencem a Ele, nascidos do Seu Espírito,
são dEIe e são um, apesar da sua cegueira, do seu pecado e da sua
incapacidade de levar à plena realização essa gloriosa verdade!

- 318 -
26
JÁ NÃO SOIS ESTRANGEIROS
“A ssim que j á não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas
concidadãos dos santos, e da fam ília de D eu s.” - Efésios 2:19

Conforme fomos percorrendo o nosso caminho através dos diver­


sos pormenores da argumentação do apóstolo iniciada no versículo 11,
vimos que o apóstolo esteve dando ênfase a duas coisas. A prim eira é
a grandeza da m udança que necessariamente tem que ocorrer em nós,
antes de sequer nos tornarmos cristãos. Não se conhece maior m udança
em qualquer esfera ou departamento que aquela pela qual todos nós
passam os quando nos tornamos cristãos. É uma nova criação, nada
menos que isso. A segunda coisa que obviamente emerge é o privilégio
da nossa posição como cristãos e como membros da Igrej a Cristã, como
membros do corpo de Cristo. As duas coisas estão aí, vocês notam, em
todo o transcurso da argumentação. Os efésios eram aquilo, e se
tom aram isto\ e agora são um com os judeus pois também eles se
tornaram cristãos, e juntos são um só corpo, a Igreja, e servem a um só
Pai.
Chegamos agora ao privilégio dessa posição. É a esse assunto que
o apóstolo se dedica neste versículo dezenove e que ele desenvolve no
restante deste capítulo. Ele deixa de pensar em termos de judeus ou
gentios, ou de quaisquer diferenças; ele agoranos descreve o privilégio
de alguém que é cristão, quer judeu quer gentio. A diferença não importa
mais, tudo isso já terminou - um só novo homem! Aqui ele está
focalizando este novo homem, esta nova humanidade, esta nova reali­
dade que veio a existir, a Igreja Cristã. Seu interesse é mostrar-nos quão
m aravilhosa ela é. Ele o faz empregando três figuras. A prim eira é a
figura de um Estado - os cristãos são cidadãos de um grande reino, de
um grande Estado. A segunda é que eles são membros de um a família
- “da fam ília de Deus” . E em terceiro lugar ele pensa nos cristãos e na
Igreja Cristã como um templo no qual Deus habita.
Esse é o tem a aqui - o privilégio de ser cristão. Ele quer que estes
efésios se dêem conta disso. É um retorno ao tema do versículo
dezenove do capítulo primeiro e o seu contexto. O apóstolo disse a essas
pessoas que ele estava orando por elas, pedindo que os olhos do seu
entendimento fossem iluminados, para que elas soubessem “qual seja

- 319 -
a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança
nos santos; e qual a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os
que crem os” . E isso que ele quer que eles vejam - o privilégio de ser
cristão. E é a isso que nos devemos apegar, mais do que a qualquer outra
coisa. Todas as exortações desta Epístola, e de todas as outras, dirigidas
aos cristãos, realmente são resultantes desta doutrina. Se apenas com ­
preendêssem os exatamente o que somos e quem somos como cristãos,
a m aior parte dos problemas da nossa vida diária seria resolvida
automaticamente. E porque não compreendemos issso, e o privilégio da
nossa posição, que surgem os problem as. Se compreendêssemos, nunca
invejaríamos os não cristãos, nunca procuraríamos viver tão perto deles
quanto possível, nem nos lamentaríamos por não estarmos na posição
deles. Tudo isso se deve à incompreensão do que somos. Assim, o
apóstolo o diz dessa m aneira maravilhosa. Vocês notaram que, antes de
chegar a estas três figuras positivas, ele começa com um a negativa? O
povo não gosta de negativas hoje em dia; mas o apóstolo gostava.
“Assim que” , ou “Portanto, agora” (VA); será que ele vai dizer alguma
coisa positiva? Não, ele vai começar com um a negativa. “Portanto,
agora já não sois estrangeiros e forasteiros, m as...” Depois ele passa à
colocação positiva.
Obviamente, o apóstolo se sentira constrangido a introduzir a
negativa outra vez. Noutras palavras, ele volta aos versículos onze e
doze, onde dissera: “Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo
éreis gentios na carne, e chamados incircuncisão pelos que na carne se
cham am circuncisão feita pela mão dos homens; que naquele tempo
estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos
concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no m undo” .
Ele apenas olha de relance para isso de novo e daí com eça com esta
negativa: “Portanto, agora já não sois estrangeiros, nem forasteiros” .
Por que vocês acham que ele faz isso? Parece-me óbvio que a sua razão
para fazê-lo deve ser que não será de nenhuma utilidade prosseguir
e considerar os privilégios da nossa posição, se não estivermos
completamente seguros de que estamos nessa posição. De nada vale
que lhe digam exatamente o que se aplica a uma certa posição, se você
não está nessa posição. Portanto, é essencial que deixemos bem claro
para nós mesmos que tudo isso realmente se aplica a nós. Antes de
com eçar a ver a m inha cidadania, ou a minha relação como m embro
dessa família, ou a mim mesmo como um a pedra desse edifício, desse
templo, devo indagar a m im mesmo: estou ali? Isso tudo é aplicável a
mim?

- 320 -
No caso dos efésios não havia dúvida ou questão algum a acerca
desta matéria. Diz o apóstolo: portanto, agora vocês não são mais aquilo,
são isto. Era óbvio, estava claro e patente para todos. Essas pessoas,
quando pagãs, haviam tido certo tipo de vida. Por outro lado, os judeus
tinham vivido um diferente tipo de vida e seguiam um padrão muito
diferente de culto. Ninguém podia ser convertido do paganism o ao
cristianism o e estar na fé cristã sem passar por um a m udança muito
grande. T inhaque deixar certas práticas e costumes, tinhaque renunciar
a certos deuses aos quais servia antes, declará-los “não deuses”, e
m uitas outras coisas. Era uma m udança óbvia. Paulo dizia: “Já não mais
sois..., mas (sois)...” . Isso é algo que se aplica verdadeiramente aos
chamados “cristãos da prim eira geração” . Aplicava-se ao caso dalgreja
Primitiva. Tam bém é aplicável ao contexto da obra m issionária estran­
geira. As missões estrangeiras ocupam-se de lugares onde o evangelho
nunca fora ouvido. O evangelho é pregado a pessoas que estavam no
paganism o e nas trevas. É ouvido pela prim eira vez, e as pessoas crêem,
e a m udança delas é óbvia.
A prim eira geração de cristãos! Mas não é tão simples quando se
trata da segundageraçãodecristãos; eém ais difícil ainda quando se trata
da terceira, da quarta, da quinta - da décima - da vigésima geração.
Assim é que, ao passo que a coisa estava perfeitamente clara no caso
destes efésios, nem sempre está tão clara agora. N unca é tão fácil e
simples num país que se diz cristão, e onde muitos supõem tacitamente
que todo aquele que nasce em tal país só tem que ser cristão. Não é tão
fácil quando as pessoas foram criadas nas igrejas e num a atm osfera
cristã, e sempre freqüentaram um local de culto e a Escola Dominical
e participaram de atividades cristãs. Portanto, é muito importante que
interpretem os isto não somente no cenário no qual foi originariamente
escrito, e sim também em nosso próprio cenário particular; pois, como
tentarei mostrar, o princípio é sempre exatamente o mesmo; a aplicação
é que difere. Aqui o apóstolo estava primariamente preocupado com o
princípio. Ele não estava simplesmente se regozijando no fato de que
estes efésios eram membros de um a igreja como tais, e tinham os seus
nomes num rol de igreja. Não é disso que ele está falando. Ele está
falando sobre o princípio de vida. Ele estivera fazendo isso o tempo todo
neste parágrafo altamente espiritual. Ele chega a nós, portanto, nesta
form a particular de pergunta. Era óbvio que estas pessoas tinham sido
incrédulas e agora eram cristãs. A questão quanto a nós é: isso é tão
definido, tão claro e inequívoco em nós como era nos efésios?
As duas palavras utilizadas pelo apóstolo nos ajudarão a encarar

- 321 -
este assunto da m áxima importância. A primeira, como vocês vêem, é
a palavra “estrangeiros” (VA: “estranhos”). “Portanto, agora já não
sois estranhos.” Que é um estranho? Estranhos são os que se acham
entre um povo que não é o deles. Quando você é um estranho, você está
no m eio de um povo que não lhe pertence. Todos pertencem uns aos
outros, mas você é um estranho, não lhes pertence, eles não são o seu
povo. A segunda palavra é a que é traduzida por “forasteiros” (VA:
“estrangeiros”). As vezes vocês a verão traduzidas por “residentes
tem porários”, ou “forasteiros” (ARC). Ambas as expressões são muito
boas. Que é que significa essa palavra? Originariamente era a descrição
de alguém que morava perto de um a comunidade, porém não nela; por
exemplo, um hom em que vive perto do muro da cidade, do lado de fora.
Ele está perto da cidade, mas não está nela. Ele não pertence à cidade;
m ora perto, todavia não nela. Esse era o sentido original, mas agora
passou a ter o sentido de pessoas que se acham num lugar que não é o
seu país. O primeiro termo, “estranhos”, dá mais a idéia de um a unidade
familial, de um a espécie de relação de sangue, ao passo que esta outra,
“estrangeiros” ou “forasteiros”, compele-nos inevitavelmente a pen­
sar mais em termos de um a comunidade política, um Estado, ou um país,
ou um reino. Estrangeiro é quem está num lugar que não é o seu próprio
país. Quer dizer que, embora este homem esteja vivendo no país, não
possui a cidadania desse país, não se naturalizou, não tem direito à
residência perm anente nesse país. Ou, para dizê-lo de modo ainda mais
simples, reside ali baseado num passaporte. Pois bem, são estas as duas
palavras empregadas pelo apóstolo Paulo: estranhos e estrangeiros
(VA) ou forasteiros, pessoas que vivem ali, talvez há bastante tempo,
mas continuam sendo estrangeiras. Outro lugar é o seu lar; aqui esses
estrangeiros residem graças a um passaporte, e têm que renová-lo
periodicam ente. E essa, então, a figura que o apóstolo coloca diante de
nossas mentes. E vocês podem observar que quando ele chega à
argumentação positiva, ele inverte a ordem: começa com a cidadania e
depois passa ao relacionamento familiar. No entanto, neste momento
estamos interessados prim ordialm ente na negativa.
Notem como esta questão é sutil. Vemos isso muitas vezes na
prática. Alguém pode estar vivendo na família, alguém que está vivendo
na fam ília há anos, é quase da fam ília e, contudo, não é da família.
Em bora esta pessoa esteja compartindo a vida da fam ília de todas as
formas que possam os conceber, ele ou ela ainda não pertence à família.
E é aí que entra a dificuldade. Um estranho, um visitante, poderia muito
bem pensar e dizer: obviamente, esta pessoa é da família. E, todavia,

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depois de conhecer os moradores passado breve tempo, descobririanão
ser este o caso. É exatamente a mesma coisa com um país. Pode haver
pessoas vivendo num país, residentes há muitos anos, e alguém, em
visita ao país, vendo-as poderia ter como certo que qualquer delas é de
fato daquele país, é simplesmente um cidadão típico - que faz o mesmo
tipo de coisas que os outros cidadãos fazem, vão ao trabalho de manhã,
voltam à noite no mesmo trem, seguem exatamente a mesm a rotina. E,
na verdade, aquela pessoa não pertence a esse país, não é um cidadão
local, mas vive ali mediante um passaporte.
A í vemos, num a figura, a idéia que precisamos ter bem presente em
nossas mentes. Esse tipo de coisa acontece na Igreja de Deus; esta
m esm a situação, de viver com um a família e não pertencer a ela, estar
num país e não ser seu cidadão. E possível estar num grupo e não ser do
grupo. Certamente vocês se lembrarão de que quando os filhos de Israel
subiram do Egito e foram para Canaã, é-nos dito, num a frase deveras
extraordinária, que “subiu também com eles um a m istura de gente”
(ou, “um a multidão m ista”, VA, Êxodo 12:38). Foram com eles,
partilharam os mesmos riscos, os mesmos problemas e dificuldades que
os filhos de Israel enfrentaram, porém não pertenciam a eles. Eram um a
“multidão m ista” . Mas de fato o apóstolo leva mais longe o ponto, na
Epístola aos Romanos, quando diz: “Nem todos os que são de Israel são
israelitas” (Romanos 9:6). Que frase! Você olha para aquele m onte de
gente, e diz: são todos de Israel. Todavia não é essa, necessariamente,
a conclusão certa. Há Israel e “Israel” . Há um “Israel” do espírito,
como também há um Israel da carne. Há um rem anescente no povo. Esse
é o ensino do apóstolo, e nestas Epístolas do Novo Testamento, é um a
doutrina vital e sumamente importante. Você pode ser de um grupo e,
contudo, não pertencer realmente a ele. O apóstolo João diz a m esm a
coisa acerca de certas pessoas que tinham saído da Igreja Cristã
Primitiva. “Saíram de nós” , diz João, “mas não eram de nós; porque,
se fossem de nós, ficariam conosco” (1 João 2:19). Tinham estado entre
eles, mas não eram deles. Tinham estado na Igreja e pareciam cristãos,
porém nunca pertenceram realmente à Igreja.

Essa é a espécie de questão que se nos apresenta aqui. Consideremo-


-la na form a de alguns princípios. O primeiro é que a diferença entre
o cristão e o não cristão é clara e definitiva. A despeito de tudo o que
eu estive dizendo, permanece o princípio segundo o qual há um a clara
distinção entre um cristão e um não cristão. Paulo diz algo semelhante
a isso, para expressá-lo: “Vocês - não são m ais” . Há um a mudança, um a

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m udança de alto a baixo. Que houve um a m udança exterior é evidente,
m as ele não está interessado na m udança exterior, e sim, na interior. E,
portanto, não há nenhum a necessidade de hesitar em afirmar que cada
um de nós, neste momento, ou é cristão, ou não é. Ou estamos “em
C risto”, ou estamos “fora de Cristo”. Aristóteles uma vez lançou como
proposição, sem dúvida verdadeira, que “Não há meio entre os opos­
tos” . Os opostos são opostos, e não há nada no meio, não há nenhum
meio entre eles. E “ou - ou.” No capítulo sete do Evangelho Segundo
M ateus, o nosso bendito Senhor e Salvador dá ênfase exatamente a este
ponto. Você não pode estar ao mesmo tempo no caminho estreito e no
caminho largo. Você não pode entrar por duas portas no mesmo instante.
Você não pode passar ao mesmo tempo por um a borboleta ou catraca,
e por um a porta larga. E impossível. Pois bem, é aí que com eça a
diferença entre o cristão e o não cristão. O cristão entra por uma porta
estreita e segue um caminho estreito. O outro faz exatamente o contrário.
Temos que ser um a coisa ou outra. Essa é a afirmação do nosso Senhor.
Vocês podem notar como Ele vai repetindo isso - o profeta verdadeiro,
e o falso; a boa árvore, e a ruim; o bom fruto, e o mau; e, finalmente, nessa
tremenda descrição dacasa sobre a rocha e da casa sobre a areia. É sempre
um a coisa ou outra, é ou - ou. Ou vocês são cristãos ou não são cristãos.
E estas coisas são absolutas. Vocês não são mais estranhos e estrangei­
ros; vocês são cristãos, estão no corpo.
A posição do cristão não é um a posição vaga, indefinida, incerta. É
verdade que se vocês pensarem nela principalmente em termos de
conduta e de comportamento superficiais, então ela pode muito bem ser
vaga. Posso traçar facilm ente um quadro descritivo e m ostrar a vocês
dois hom ens. Um deles é notável por sua elevada moralidade, nunca faz
mal a ninguém, sua palavra é sua promissória, é honesto, justo e reto, um
homem completamente bom, em todos os sentidos da palavra. Entre­
tanto, vejam agora o outro homem. Olhando os dois de m aneira geral,
vocês não podem dizer que o segundo é bom como o primeiro. Às vezes
faz coisas que não devia fazer, ele não tem, talvez, um caráter louvável.
E, todavia, pode dar-se o caso deste segundo homem ser cristão e o outro
não. Pois o que determina se um homem é cristão ou não, não é a sua
aparência geral e o seu comportamento. Aquele estrangeiro que vive em
nosso país se parece exatamente com um inglês, faz as mesmas coisas,
e tc .; não obstante o fato é que ele continua sendo estrangeiro. O fato de
que ele se parece com o cutro homem não significa que é como ele. A
questão é: suaresidência se apóianum passaporte ou em suacidadania?
Vocês vêem, a prova não é esta aparência geral, superficial. É exata­

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m ente isto que o Novo Testamento está sempre salientando. Este é um
ponto realm ente fundam ental. C oncordaríam os que, ou som os
definidam ente cristãos, ou senão, não somos cristãos? Concordaríam os
que não existe isso de haver uma posição intermediária em que o
indivíduo espera ou tenta ser cristão? Se você está sim plesm ente
esperando ou tentando ser cristão, você não é. Estar na soleira da porta
não é estar dentro, e não ajuda nada estar na soleira quando a questão é:
você está dentro ou não? Quantas vezes isso é descrito nas Escrituras!
O nosso Senhor traça o quadro das pessoas que vêm bater àporta e dizem:
“Abre para nós” ; mas a resposta que vem de dentro é: não, vocês estão
fora, não são daqui. Ou somos cristãos, ou não somos cristãos.

Assim, o segundo ponto que apresento, o meu segundo princípio,


consiste em acentuar a importância vital de sabermos o que somos.
Ora, aqui, de novo, a ilustração de Paulo nos ajuda. Pergunto: como se
tom a claro e óbvio se somos estranhos e estrangeiros (forasteiros), ou
se realmente somos do lugar? Sempre acaba ficando claro. Não importa
quão íntima seja a relação, e quão amigo você seja de alguém que esteja
vivendo com você na família. Temos um dito que resume tudo muito
bem - “Afinal de contas, o sangue é mais grosso do que a água.” Certas
coisas aparecem na vida quando o que de fato importa é a relação de
sangue. E é nesse ponto que o pobre estranho com eça a sentir que não
passa de um estranho, afinal. Durante anos ele pode achar que as
distinções eram irrelevantes, e pode ter dito: eu sou um deles, sou
m em bro da fam ília e sempre fui tratado como membro da família. Mas,
de repente, num a crise, ele descobre que não é. “O sangue é mais grosso
do que a água.” Não se pode explicar estas coisas; vocês até podem dizer
que há m uita coisa errada numa situação como essa. Pode ser, porém é
como funciona na prática. Se alguma coisa fundamental, elementar,
subitamente vier à superfície, logo você verá toda uma famíl ia que talvez
estivesse em confusão, repentinamente tornar-se unânime. E o pobre
estranho percebe que é um de fora.
Ou vejam a outra ilustração que talvez coloque isso de maneira mais
clara ainda. Tomem o caso de um a pessoa que se acha noutra terra como
forasteiro, como estrangeiro. Pode ter vivido ali vinte, trinta, quarenta
anos, gosta de viver ali, é estimado por todos e se sente feliz. Todas as
distinções parecem irrelevantes. Que importa se o que ele tem é um
passaporte, e não uma verdadeira cidadania, e tem que providenciar
renovação e visto e tudo o m ais? Mas, esperem! Subita e inesperada­
mente, o país natal deste homem e o no qual ele está vivendo, têm um

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litígio; não resolvem o litígio, e é declarada guerra. E este homem, que
pode estar vivendo há quarenta anos no país, de repente vê que é um
estrangeiro, e que todos o olham com suspeita. Poderá ser posto em
reclusão ou ser enviado de volta ao seu país. Parecia ser um membro da
comunidade, um cidadão do país, unido aos verdadeiros cidadãos;
porém quando surge um a crise, uma prova, uma tribulação, logo fica
claro que, afinal, ele é um estrangeiro. Vimos muito desse tipo de coisa
neste país em 1914 e em 1939. As vezes chega a ser trágico, contudo
acontece.
Retornem os, então, ao princípio que achamos percorrendo as
Escrituras, de capa a capa. Por que é importante saber se você é cristão
ou não? Vou dizer-lhe. É na hora da prova que isso se torna de vital
importância para você. É nas provas e tribulações que isso vem à luz.
Você vai vivendo anos e anos enquanto você está bem, robusto e
saudável. Você está na igreja, você parece que é da igreja, os seus
interesses estão lá e você é um dos que pertencem à comunidade. M as,
de repente, você adoece e fica meses de cama. Não demorará muito para
você saber se é cristão ou não. Isso faz uma vital diferença então. Ou
quando um membro da família fica enfermo, quando há privação ou luto,
ou alguma terrível tristeza de arrebentar o coração, Ah, é então que isto
se tom a da m aior importância. Se você só “reside baseado no passa­
porte”, isso não parece ajudá-lo. No entanto, se você realmente pertence
à comunidade, isso fará toda a diferença do mundo. M as, levemos isto
à última instância. Esta nos é dada pelo Senhor mesmo. Não seria disso
que trata a parte conclusiva do capítulo sete de M ateus? Estas pessoas
que parecem cristãs e que dizem: “Senhor, Senhor, não profetizamos
em teu nome... e em teu nome não fizemos muitas m aravilhas?” -
estavam na igreja, eram ativas na igreja, eram gente de igreja. Todavia
Cristo diz: “E então lhes direi abertamente: nunca vos conheci; apartai-
-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade” . Um estranho, afinal, um
estrangeiro, em última análise; passaporte devolvido, navio ao largo,
expulso do p a ís! Ah, a vital importância de certificar-nos absolutamente
do que somos, se continuamos sendo “estranhos e estrangeiros”, ou se
realmente somos daqui.

Para ser prático, deixem-me colocar o meu terceiro princípio em


term os de perguntas. Como podem os saber disso? Como podem os
resolver esta questão? Quais são as provas? Vou sugerir algumas
respostas bem simples, baseadas na ilustração utilizada pelo apóstolo.
Começo com am ais superficial delas. E a seguinte: um sentimento

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geral. Não vou testar vocês, vocês vão testar a si próprios. Amigo, você
quer saber se você é ou não um estranho e forasteiro? Bem, responda
estas perguntas: você se sente realmente bem na igreja? Você se sente
à vontade entre os cristãos? Você se sente em casa? Ou você tem a
incôm oda sensação de que, de algum modo, é de fora? É o que acontece
quando você vai hospedar-se numa casa de família, não é? Os hospedei­
ros são excelentes e mostram amizade, mas você sente que não é dali,
não se sente muito à vontade, está cônscio de que não está em seu próprio
lar, não consegue descontrair-se. Você é um estranho, afinal de contas,
embora todos lhe sejam bondosos, afáveis e amigos. Você se sente em
casa entre o povo de Deus? Você fica à vontade? Ou, apesar de tudo,
não passa de um estranho, um de fora, um intruso que realmente não se
enquadra? Ou, perm itam-m e colocá-lo assim: você se sente bem, tão
bem entre os cristãos como noutros círculos sociais e com outros tipos
de co m p an h ia- e com as risadas e pilhérias, as brincadeiras, e talvez as
bebidas e o jogo, você tem liberdade com eles e tem muito que dizer?
Você é um deles? É assim? Você se sente um pouco fora do seu elemento
na igreja? Isto é tremendamente importante. Quando você o coloca em
termos de família, você vê como isso é inevitável. É um desses
imponderáveis, como lhes chamamos, algo que dificilmente você
poderá escrever, isto é, pôr no papel, mas você simplesmente sabe o que
é. É assim que eu me sinto, você diz; e o seu sentimento está certo.
Ou vejam outra abordagem. Haveria um real e vivo interesse?
Quando você pertence a um grupo, trabalha ativamente pelo seu
interesse, você tem vivo interesse. Mais que isso, você realmente se
deleita nisso, seu coração está posto nisso, é o que você ama, é onde você
gosta de estar. Você gosta de estar em casa, você gosta de estar em seu
país; você pode admirar outros, porém, afinal de contas, este é o seu lar.
Ora, a m esm a coisa aplica-se a este relacionamento. O hom em que
verdadeiramente lhe pertence se delicia nisso. Não é questão de esforço
para ele. Não é m era questão de dever. É uma coisa na qual ele tem
satisfação própria e que ele preza acima de tudo mais. Perm itam -m e
resum ir toda esta seção colocando-a nas palavras da Prim eira Epístola
de João: “Nós sabemos que passam os da morte para a vida, porque
amamos os irm ãos” (3:14). Sentimos que pertencemos a eles. Haverá
alguns deles dos quais não gostamos, talvez, mas nós os amamos, porque
são irm ãos. Podem gostar mais doutras pessoas do que deles, todavia não
é questão de gostar, é questão de amar. As vezes acontece que um
m em bro de um a fam ília gosta mais de um amigo do que de um irmão ou
irmã; isso não afeta o relacionamento, este é algo elementar, funda­

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mental, orgânico, e mais profundo que qualquer outra coisa. “Nós
sabem os que passamos da morte para a vida, porque amamos os
irm ãos.” Sentimento geral!
Passem os a um a segunda prova. Entendim ento! Quando você está
convivendo com uma família, esta questão de entendimento tom a-se
trem endam ente importante; e dá-se o mesmo quando você é estrangeiro
noutro país. Eis o que quero dizer: você sabe e entende o que se está
falando? Haveria algo que faça você se sentir mais molestado do que,
em bora estando assentado com um grupo, sentir-se, de um modo ou de
outro, fora da conversa e não conseguir penetrar no que está sendo dito?
Todos parecem entender-se, usam certas frases, olham-se uns aos outros
como se entendendo, estão todos dentro do assunto, é um a espécie de
m açonaria, por assim dizer; mas você, de algum modo, não está nisso.
Você ouve, faz parte do grupo, está na conversação, entretanto não é
capaz de penetrar no que se diz e não sente prazer nisso. Por isso, faço-
-lhe perguntas como estas: você entende a linguagem do povo de Deus ?
A fam ília tem o seu linguajar próprio. Há os que dizem: não posso
entender esta prosa sobre justificação, santificação, e todos estes termos
- você se sente assim? Não o perm ita Deus! Eles são termos preciosos
para os filhos de Deus. Estes não se impacientam com eles. São como
a criança que ouve os adultos. D e repente ela aparece com uma palavra
grande, que ela não entende. Que é que a criança está fazendo? Está
tentando provar que é membro do grupo. Está usando um a palavra que
o pai usou. E os filhos de Deus são desse jeito. Eles podem não saber
o que significam justificação e santificação, mas, porque são filhos,
querem saber, e se põem a ler, a estudar e fazer perguntas. No entanto,
se você fica impaciente com isso tudo, você está simplesmente procla­
m ando que é um de fora e que não entende a linguagem. Porventura a
linguagem de Sião é agradável a você? Imagine-se o caso de um homem
que foi para outra terra e teve que falar um a lingua estrangeira; ele toma
o navio de volta e, mesmo antes de desembarcar, ouve de novo a sua
lingua m aterna e, maravilha, como se regozija! É assim com o cristão.
M as não é só questão de linguagem, há algo mais. Você sabe algo
dos assuntos que estão discutindo? V ocê os entende, tem interesse nas
questões? Outra vez, permitam-me usar uma ilustração. Todos nós já
tivemos este tipo de experiência. Estamos hospedados num a casa de
fam ília, talvez. São todos excelentes, bondosos e afáveis, e nos pomos
a conversar. Então, de repente, alguém entra e, observando o seu
semblante, você pode dizer que aconteceu algo de grande interesse para
a família. Eles ficam sem graça, querem falar sobre o assunto, porém

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você está ali, e eles não podem fazê-lo. Por isso falam por m eio de
insinuações, alusões indiretas e rodeios. Você não sabe do que estão
falando. Eles se portam desse modo porque você é um estranho - eles
gostam de você, não o estão insultando, mas você não os entende. Há
estes problem as e questões íntimos que eles não podem compartilhar
com você, embora gostem muito de você, porque você não pertence à
família. Dá-se o mesmo com um país. E também é assim na vida cristã.
As questões, os assuntos e os problemas da vida cristã são do seu
conhecimento? Você se interessa por eles? Ou quando você se assenta
e ouve pessoas falando sobre eles, ou talvez quando você ouve alguém
que está tentando pregar, você diz a si mesmo: de que se trata? Não
entendo. Se ele estivesse falando sobre a visita de algum estadista
estrangeiro, ou sobre alguma nova medida apresentada no parlamento,
claro que eu entenderia; todavia estas outras coisas - de que se tratam?
Que é isso? E tão aborrecível! É desse tipo a maneira pela qual você pode
verificar se é da fam ília ou não.
Finalm ente, perm itam-m e dizê-lo de um modo que, suponho, é
um a das provas mais definitivas. Você conhece os segredos? Há
segredos familiares, há segredos nacionais. Você está por dentro dos
segredos? E possível que um homem tenha interesse por religião, por
teologia, por filosofia; e enquanto você está tratando de questões
abstratas e teóricas, ele parece estar integrado, parece um da família.
M as, subitamente você com eça a falar espiritualmente - quer dizer,
você começa a falar experimentalmente, você começa a falar sobre a sua
alma e sobre a sua experiência pessoal - e imediatamente o homem que
se m ostrava tão interessado teoricamente, sente-se fora. Você sabe algo
sobre isso? Outro dia ouvi falar de um homem que estava num certo
seminário teológico. Ele foi para lá porque soube que lá ensinavam as
grandes doutrinas da fé, e ele estava apreciando aquilo, para alegria do
seu coração. Contudo, de repente se defrontou com um problem a e quis
falar com alguém sobre a sua alma, e quis falar a fundo sobre algum
segredo. M as não conseguiu achar ajuda. Pareciam não entender, não
queriam falar sobre tais questões. Enquanto era um a questão de argu­
m entar sobre filosofia - maravilha! Interessados em teologia? - sim,
certamente! Todavia quando o homem teve uma necessidade relacio­
nada com a sua alma e queria algo experimental, de repente começou a
sentir que estava vivendo num iceberg. Totalm ente ortodoxos - mas
frios. E possível ter um interesse geral, sem este interesse íntimo e
pessoal pelos segredos da vida. Essa é um a prova vital!
Eis outras provas que sugiro: você está se amoldando às leis e aos

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costumes do país? Diz o apóstolo João que, para o cristão, os m anda­
mentos de Deus “não são pesados” (1 João 5:3). São pesados para todos
os outros, porém não para o cristão. O cristão diz: “Quanto amo a tua
lei!” Davi pôde dizê-lo no Salmo (119:97), e o cristão o diz. Proclam a­
mos onde estamos e o que somos pelo modo de viver. Você vai deste
país à França, digamos, ou a alguma outra parte do continente europeu,
em seu carro, e se põe a dirigir na faixa da esquerda na estrada, e em dois
segundos se verá que você é um estrangeiro. Exatamente! E não há
muitos que estão dirigindo na faixa errada da estradana igreja? Eles não
sabem talvez, mas estão proclamando que são estrangeiros e estranhos,
estão dirigindo no lado errado da estrada. Não conhecem e não honram
as leis e os m andam entos do reino. Não se comportam de m aneira
condizente e coerente com os costumes e hábitos desta fam ília ou deste
país particular. Estranhos e estrangeiros, embora vivendo com o grupo!
Outra prova vital é o interesse pelo estado e condição da fam ília ou do
país, pelo seu bem-estar. Isto surge instintivamente.
Finalm ente se chega a isto: comecei num nível superficial e fui me
aprofundando. Eis a prova final: que é que você tem, um passaporte ou
uma certidão de nascimento ? E um a prova absoluta, não é? Está acima
do sentimento, do interesse, do entendimento e de todas estas coisas.
Em últim a análise, é um a questão legal. Você tem certidão de nasci­
mento, ou está simplesmente residindo com base num passaporte?
Vocês perguntarão: qual é a certidão de nascimento do cristão? Eu lhes
direi. Está acima e além de tudo quanto estive dizendo. “O mesmo
Espírito testifica com o nosso Espírito que somos filhos de D eus”
(Romanos 8:16). Trata-se de receber o selo do Espírito (Efésios 1:13).
E a segurança que só pode ser dada pelo próprio Espírito Santo, que nos
selou e que é “o penhor da nossa herança, para redenção da possessão
adquirida” (Efésios 1:14). Não me entendam mal. Você pode ser
cristão, embora não tenha um definido conhecimento do selo do
Espírito. Se você passou nas minhas outras provas, asseguro-lhe que
você é cristão. Mas eu o exorto, eu o concito, não se contente com isso.
Insista em que tenha a sua certidão! Vá à Em baixada do Reino Celestial,
até consegui-la!Não deixe que nada o detenha. Procure obtê-la das mãos
do Senhor! Dirija-se a Ele. Torno a usar a expressão de Thomas
Goodwin - “corteje-O” para obtê-la até consegui-la. E depois você
saberá e poderá dizer: não sou mais estranho ou estrangeiro, sou
concidadão dos santos, sou da fam ília de Deus; sou um a pedra viva no
tem plo em que Deus habita.

* Teólogo puritano inglês (1600-1680). Do período mais recente dos puritanos,


t ) termo que emprega, traduzido aqui por “corteje-O” é sue. Nola do tradutor.

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27
CIDADANIA CELESTIAL
“A ssim que j á não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas
concidadãos dos santos, e da fam ília de D eus.” - Efésios 2:19

Com estas palavras o apóstolo coloca diante de nós as glórias, os


privilégios e as vantagens de ser membro da Igreja Cristã. Esse é, na
verdade, o tema de todo o capítulo. A nteriormente ele estivera interes­
sado em tratar do mecanismo, da m aneira pela qual isso fora tom ado
possível tanto a judeus como a gentios, e agora ele m edita na realidade
propriam ente dita, e está desejoso de que estes efésios a usufruam com
ele e venham a entendê-la e a dar-se conta do seu significado. Ele sabe,
e lhes dissera no capítulo primeiro, que isto somente será possível
quando “os olhos do seu entendimento forem ilum inados” . Sem isso,
é completam ente impossível.
Para as pessoas cujos olhos não foram iluminados pelo Espírito
Santo, a Igreja é tão-somente um a instituição. Eles podem gostar dela
como instituição, podem gloriar nela como instituição, mas não é isso
que o apóstolo gostaria que estas pessoas vissem. Ele ora no sentido de
que os olhos do seu entendimento fossem iluminados para que elas
soubessem qual “a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da
glória da sua herançanos santos; e qual a sobreexcelente grandeza do seu
poder sobre nós, os que crem os” (1:18). Já iniciamos a nossa conside­
ração deste versículo mostrando como o apóstolo ressalta a vital
im portância de estarmos absolutamente certos de que estamos na
posição descrita neste versículo. Não podemos esperar compreender os
privilégios da posição se não soubermos em que consiste a posição, e se
não estivermos completamente seguros de que estamos nela. Vimos a
im portância de saber com certeza que não somos mais estranhos e
estrangeiros, de saber, como me aventurei a colocá-lo, que não residi­
mos m ais baseados num passaporte, e sim que realmente nós temos as
nossas certidões de nascimento, que realmente somos membros da
Igreja. A m inha opinião é que, se tão-somente nos déssemos conta do
que é ser cristão e membro da Igreja Cristã, muitos dos nossos proble­
mas, senão todos, seriam imediatamente resolvidos. Se tão-somente
pudéssem os subir às alturas danossa alta vocação em Cristo Jesus e dar-
-nos conta de que ocupamos esta posição, as picuinhas e os problemas

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se tomariam inimagináveis; despencariam, seriam indignos de conside­
ração. Pois bem, em certo sentido, esse é o argumento de todas as
Epístolas do Novo Testamento. Todas essas Epístolas foram escritas
para igrejas, para membros das igrejas, e o que cada um a delas faz é
precisam ente o que venho dizendo. Todas elas começam dando-nos um
quadro descritivo da nossa posição como membros da Igreja Cristã, e
depois, tendo feito isso, elas dizem: bem, agora, à luz disso, obviamente
é assim que você tem que viver. Essa é a análise de cada um a das
Epístolas do Novo Testamento.
Portanto, certamente não há nada que seja mais importante hoje, de
todos os pontos de vista, do que compreendermos estas coisas. É
importante para nós pessoalmente. M uitas das nossas aflições, dificul­
dades e tribulações, muitos dos nossos problemas seriam encarados de
m aneira inteiramente diferente, se de fato nos víssemos como somos em
Cristo. E, mais importante ainda, se toda algreja simplesmente com pre­
endesse o que ela é, j á estaria na estrada real de chegada a um verdadeiro
avivam ento e a um poderoso despertamento espiritual. É porque
deixamos de compreender estas coisas que não oramos por avivamento
como devíamos, e não o buscamos e não ansiamos por ele. Não é de
admirar, então, que o apóstolo dê tanta ênfase a isto. Aqui ele o coloca
na form a de várias figuras. Temos as três figuras apresentadas juntas,
quase concomitantemente: a primeira, a Igreja como um grande Estado
ou reino; sim, mas ela é também uma família; sim, e também um templo.
Ele j á nos dera antes um a figura na qual compara a Igrej a a um corpo, um
só corpo, um só novo homem. E vocês verão que, no capítulo cinco desta
Epístola, ele usa ainda outra ilustração, pois nessa passagem ele diz que
a relação entre a Igreja e o Senhor Jesus Cristo é a que existe entre um a
esposa e o seu esposo. É interessante notar que, desse modo, o apóstolo
usa um a variedade de figuras e ilustrações; e é importante entender a
razão pela qual ele o faz. Toda e qualquer ilustração é insuficiente. A
verdade é tão grande, tão multifacetada, tão gloriosa, que ele se vê
forçado a m ultiplicar as suas figuras e imagens. Cada um a delas
com unica algum aspecto particular, e nos habilita a ver um a faceta
peculiar da verdade não transmitida muito bem pelas outras ilustrações
e figuras.

Passemos agora à prim eira figura. “Não sois estranhos e estran­


geiros” ! (VA), diz o apóstolo. Bem , nesse caso, o que somos?
“Concidadãos dos santos” ! Essa é a prim eira figura. Que é que isso nos
diz? Ensino deveras rico! A qui ele compara a Igreja a uma cidade, ou

- 332 -
a um Estado, ou a um reino. Não nos surpreende que o apóstolo tenha
feito isso. Naqueles tempos antigos havia grandes cidades-Estados, ou
Estados-cidades; certas cidades eram, em si m esm as, verdadeiros
Estados. Mas, acima e além disso, naturalmente, havia grandes Estados,
grandes reinos, grandes impérios. Na ocasião em que escreveu estacarta,
provavelmente o apóstolo era prisioneiro em Roma, a própria m etrópole
e centro nervoso do grande Império Romano. Rom a era a capital, e tinha
os seus povos espalhados por todo o mundo civilizado da época, com
governadores e outros funcionários importantes pondo em execução as
ordens e instruções do governo central e, em últim a instância, do
imperador. Não admira, pois, que o apóstolo tenha pensado na Igreja
como algo semelhante a isso. Ela é como um grande Estado, um grande
império, um grande reino, e ele usa a ilustração para transmitir a estes
efésios um ensino muito precioso.
Não se trata de um a nova idéia que de repente ocorreu ao apóstolo
Paulo. E um a concepção muito importante que se acha na Bíblia toda.
Há grandes seções das Escrituras que simplesmente não poderem os
entender, a não ser que captemos esta idéia particular. N a vocação de
Abraão - que é um dos grandes pontos divisórios da história - Deus
estava dando os primeiros passos para a formação de um a nação paraEle
próprio. Até aquela altura Deus tratava com o mundo inteiro, por assim
dizer. Os onze prim eiros capítulos do livro de Gênesis tratam do mundo
todo e da história do mundo todo e de toda a sua população. M as, no
com eço do capítulo doze de Gênesis, no chamamento de Abraão, o
registro começa a tratar especial e especificamente da história de um a
única nação. Ali nos é apresentada logo a idéia de que o povo de Deus
é reino de Deus, nação de Deus - toda esta concepção de Estado. No
capítulo dezenove de Êxodo repete-se muito claramente am esm a coisa.
Pouco antes da entrega dos Dez M andamentos e da lei moral, Deus disse
a M oisés que o povo devia dar-se conta de que era um a “nação santa” ,
que eles eram “cidadãos de Deus”, que pertenciam a Ele, que Ele era
o seu Rei, e eles o Seu povo. Isso deveria dominar toda a perspectiva dos
filhos de Israel. Antes de levá-los e introduzi-los na terra prometida, Ele
queria que eles compreendessem isso. Toda a tragédia dos israelitas foi
que não o compreenderam. Nunca se aperceberam precisamente disso,
que eles eram reino de Deus, um reino de sacerdotes, um a nação santa
para D eus. E por causa da sua incompreensão, toda a sua tragédia desceu
sobre eles, e deixou esculpida a triste imagem que deles vemos descrita no
Velho Testamento. Contudo, ainda, se vocês forem ao livro de Daniel,
verão esta concepção exposta de maneira sumamente admirável. E a

- 333 -
grande mensagem daquele livro. Em todo ele lemos sobre reinos, lutas
entre reinos e a relação deste reino de Deus com aqueles outros reinos;
os animais que representam aqueles outros poderes - a Babilônia, que
já existia, a M edo-Pérsia, a Grécia, e Roma, que surgiram mais tarde -
e este reino. Na verdade, a mensagem de todos os profetas era um a
tentativa de inculcar nos filhos de Israel a sua peculiar relação com Deus
com o cidadãos do Seu reino eterno. Depois, quando vocês chegam ao
Novo Testam ento, vocês vêem que este é um tem a central do ensino do
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Vejam as Suas parábolas do reino.
Ele sempre pensava em termos do reino. Ele dizia que tinha vindo para
estabelecer um reino. Ele Se dizia Rei - e foi crucificado por dizê-lo,
num sentido, num nível puram ente secular. Todo o Seu ensino é sobre
o reino e sobre pessoas entrando em Seu reino. Ele começa dizendo a
Nicodemos: “Aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de
D eus” . Esse tem a integra a Sua mensagem toda. O Sermão do M onte
tem sido acertadamente descrito como o manifesto desse reino. E o tema
se vê constantem ente nos escritos do apóstolo Paulo. Vocês o verão
igualmente na Primeira Epístola de Pedro. Ele cita as palavras do Êxodo,
capítulo 19, e acrescenta: “Vós, que em outro tem ponão éreispovo, mas
agora sois povo de Deus” (1 Pedro 2:9-10). Ele aplica isso a todos os
m embros da Igreja Cristã. E no livro de Apocalipse vocês vêem
exatam ente a m esm a coisa. Está claro, então, que esta é um a doutrina
vital na Bíblia; e, como povo cristão, convém que a estudemos, a
compreendamos e a apliquemos a nós mesmos, para que nos gloriemos
e nos regozijem os nela, como se espera que façamos. Qual é, então, o
ensino?

Exam inem o-lo assim: o que é que isso nos fala acerca de nós
m esm os? Que espécie de definição da Igreja isto nos dá? E muito
simples, se vocês tiverem um a clara concepção de um Estado ou reino
ou cidade. A prim eira coisa que este ensino salienta é que nós somos um
povo que fo i separado e tornado distinto de todos os outros. As
cidades antigas tinham todas um muro ao seu redor, o m uro da cidade.
Vocês ainda podem ver restos e remanescentes destes m uros em
diversas cidades. Ainda existe uma parte desta cidade de Londres
cham ada M uro de Londres, e há outras cidades, como Cantuária e
Chester, onde se vê a m esm a coisa. Qual era o propósito do muro? Bem,
era para separar os cidadãos. O muro os m antinha dentro e os outros fora.
Havia portas que davam passagem através do m uro da cidade; as portas
eram fechadas num a certa hora e eram abertas noutra hora, na manhã

- 334 -
seguinte. Toda a concepção da cidade, da comunidade política, dá a idéia
de separar, retirar, pôr à parte, circunscrever, e até mesmo encerrar.
Ou, se vocês não quiserem pensar em termos de cidade mas
preferirem pensar em termos de países ou de Estados, sempre há limites
ou fronteiras. Pode ser o mar, pode ser um rio ou um a cadeia de
montanhas, ou pode ser um alinha de demarcação im agináriatracadapor
autoridades. Não importa qual seja, contudo sempre tem fronteira, e não
se pode passar de um Estado a outro sem cruzar a fronteira. Você terá
que passar pela alfândega e m ostrar o seu passaporte e deixar que
examinem os seus objetos, porque está na fronteira! Não se pode pensar
num Estado ou numa cidade ou num reino sem fronteiras. E o dever das
fronteiras é dizer a certas pessoas: até aqui, sim, mas não além deste
ponto; e dizer aos que estão dentro das fronteiras: esta é a sua cidade, este
é o seu país, esta é a terra a que vocês pertencem.
A importância desta doutrina deveria ser evidente por si mesma.
Você não pode ser cristão sem ser um a pessoa separada. Você não pode
estar no reino de Deus e, ao mesmo tempo, no reino “do m undo” . H á
este “ou - ou” fundamental, gostemos ou não. Este mesmo apóstolo
lem bra aos gálatas que Deus, no Senhor Jesus Cristo, livrou-nos do
“presente século m au” (Gálatas 1:4). Escrevendo aos colossenses, ele
diz: “O qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o
reino do Filho do seu amor” (1:13). Que concepção tremendamente
importante é essa! Se somos cristãos, somos separados, não somos mais
como os outros todos. Entretanto alguém poderáperguntar: mas isso não
é ser farisaico? Não é ser orgulhoso? Nada disso! O fariseu separou-se,
porém o fez de modo errado; o erro não estava na separação, estava no
espírito com que ele a fez. Não estou defendendo a atitude do sou-
-melhor-que-você, mas o que estou dizendo é que, com o cidadão do
reino dos céus, sou diferente dos que não são cidadãos desse reino. Quão
prontos estamos para afirmar isso ao nível nacional - sou inglês, ou lá
o que seja! Tem os todo o cuidado de ressaltar a distinção, que não somos
outra coisa. E, todavia, quando passamos à esfera espiritual, há os que
se opõem. Isso é ser estreito, dizem eles, é ser causador de divisão. M as,
sejamos coerentes, sejamos lógicos, acima de tudo sejamos bíblicos.
Seja qual for o nosso pensamento a respeito, o fato é que, como cristão,
como m embro da Igreja, você foi tirado do mundo, você foi separado.
E, se você não se der conta disso e não se regozijar nisso, haverá bom
m otivo para questionar se você é cristão afinal. E básico, é fundamental,
é um a das prim eiras coisas que deveriam ser óbvias.

- 335 -
Passem os a outra coisa, porém. O segundo ponto que sobressai
necessariam ente é que, portanto, os cidadãos estão ligados pela obedi­
ência a um governante, às autoridades, à lei e a certo modo de vida. Isto
sempre caracteriza um a cidade, um Estado, um reino. Sendo assim
separados, fomos separados para certos objetivos e propósitos especí­
ficos. Toda cidade sempre teve um chefe. Podia ser um rei ou alguém
designado para isso, mas sempre havia um chefe. Todo Estado sempre
teve um chefe, todo reino sempre teve um rei. Não há sentido em falar
em reino se este não tiver rei. E são cidadãos do reino os que estão ligados
pela obediência comum a esse Estado, a esse rei, a essa autoridade,
presidente ou o que for. Como cidadãos, todos nós juntos reconhecemos
isso. Há este vínculo comum, esta lealdade; temos estes interesses em
comum.
Vemos a importância disso quando aplicamos o conceito à Igreja.
Todos nós reconhecemos o mesmo Chefe, o mesmo Rei, eterno,
sempiterno. Tem os interesses comuns, os mesmos interesses. Reco­
nhecem os as mesmas leis. E por causa disso também temos lealdade uns
para com os outros. Como direta conseqüência, há certas coisas que nos
são peculiares e que não se aplicam aos outros. Isso é tão elem entar que
não tenho necessidade de salientá-lo. Naturalmente, é vital que com pre­
endam os que não estamos falando simplesmente da Igreja externa,
visível. O apóstolo, no contexto geral desta declaração, deixa claro que
está pensando espiritualmente. Nunca percamos de vista este fato. Não
estamos falando simplesmente da Igrejacom o organização, como uma
organização externa, visível; a idéia do apóstolo é espiritual, m ística e
orgânica. Expressa-se externamente, mas o que é vital é este princípio
interno. Pois, é possível ser membro da Igreja visível, externa, e,
contudo, ter ignorância de Cristo, não conhecê-10, não estar verdadei­
ramente, vitalm ente relacionado com Ele. Que lástima! Sempre houve
pessoas assim, e ainda há; foram criadas na igrej a local, é tradição, é algo
que faz parte da esfera social e suas modas, mas não é algo vivido, não
é real. O coração delas está no mundo, não na Igreja.
Em certo sentido, a maior tragédia ocorrida na história da Igrej a foi
quando o cristianismo se tomou a religião oficial do Império Romano,
e começou aquela fatal associação entre a Igreja e o Estado que daí em
diante obscureceu e confundiu a situação. Perdeu-se esta idéia de
separação, e o povo passou a pensar em termos de países cristãos,
presum indo que todos os que são de um tal país são cristãos. Quão
completam ente contrário ao ensino de Paulo! Não, não é m eramente o
externo. O que Paulo quer dizer é que, como cristãos, somos cidadãos

- 336 -
do reino de Cristo. Onde está o reino de Cristo? O reino de Cristo está
onde quer que Cristo reine; portanto, o reino de Cristo pode estar no
coração do indivíduo. Cristo reina nos corações de todos os que Lhe
pertencem e se submetem a Ele. O reino de Cristo está na terra e no céu,
em Seu povo. Seu reino não é deste mundo, é provisoriam ente invisível,
mas é real. O reinado, o governo e a autoridade de Cristo, onde quer que
estejam, é o Seu reino. É disso que o apóstolo está falando. Cristo é o
nosso Profeta, o nosso Sacerdote e o nosso Rei, e todos os que
reconhecem o Seu governo e se inclinam diante dEle em obediência, são
cidadãos do Seu reino eterno. O valor e a importância de se ver este
assunto desse modo tom a-se evidente quando nos damos conta de que
ele nos diz que aqui e agora podemos ser cidadãos daquele reino, que
durará para todo o sempre. Entramos nele agora, e continuaremos nele
por toda a eternidade.

Vejamos agora um terceiro ponto, que é: os privilégios da nossa


cidadania neste reino glorioso. Todos nós nos interessamos por
privilégios, não é? Você conhece o tipo de homem que gosta de gabar-
-se de os ter e de que ele está “de bem ” com os grandes. Ele poderá
apresentar você, diz ele. Privilégios! Como os desejamos! Como
gostaríamos de tê-los! Todo o mundo está louco por privilégios hoje. E
resultado do pecado. Todavia, se você está interessado em privilégios,
ouça isto: quais são os privilégios desta cidadania? O prim eiro e m aior
privilégio é este - o nosso Rei. As pessoas se ufanam da sua cidadania,
dos seus países e de certas coisas em particular. Citam a sua história,
falam dos seus heróis; erigem monumentos em honra deles, escrevem
sobre eles em livros. Orgulham-se da sualigação com eles. Mas tudo isso
empalidece, chegando à insignificância, quando comparado com os
nossos privilégios como cidadãos do reino do céu. Acima de tudo o mais,
nós nos gloriamos no fato de que temos um Rei que é “o Rei dos reis,
e o Senhor dos senhores”, o próprio Filho de Deus - o Rei do céu.
N o entanto, continuemos a considerar a esfera deste reino. E este
é um tema sumamente fascinante e maravilhoso. A esfera de todos os
reinos terrenos é a terra, e o seu centro, a capital, é sempre na terra.
Pertencem os à Grã-Bretanha, a uma comunidade de nações, e costum á­
vamos gabar-nos do fato de que os seus cidadãos estavam espalhados por
toda a terra, e que o sol nunca se punha sobre o Império Britânico. Quão
extenso, quão maravilhoso! E temos uma capital - Londres. E outras
nações gabam-se de coisas sem elhantes. Londres -P a ris - W ashington!
C apitais! Poder sobre extensos territórios, amplo império e dom ínio! As

- 337 -
nações têm grande orgulho disso, e muitas vezes as suas rivalidades e
invejas as levam a conflitos. Isso m ostra como apreciam o privilégio, e
o orgulho que sentem pela esfera e pela extensão dos seus reinos. M as
por certo vocês recordam como o nosso bendito Senhor definiu e
descreveu o Seu reino neste aspecto. Ele disse: “O meu reino não é deste
m undo” . Referiu-Se a ele como o reino do céu, ou “o reino dos céus”.
E o apóstolo, escrevendo aos filipenses, diz: “A nossa cidade está nos
céus” (3:20). Estamos na terra, porém a nossa cidadania é lá. Alguém
traduziu essa frase com as palavras: “Somos uma colônia do céu”. Sim,
estamos na terra, mas agora simplesmente uma colônia; a nossa capital
não é Londres, Paris ou Nova York, e sim o próprio céu.
A que cidade eu e você, como cristãos, pertencem os? Segundo o
livro de Apocalipse, é a Nova Jerusalém, que vai descer do céu e
estabelecer-se na terra - a Nova Jerusalém ! É onde vive o Rei, onde Ele
está assentado à mão direita da glória neste momento. Não uma
Jerusalém terrestre, mas uma Jerusalém celeste, um a Jerusalém sempi-
tem a. Que privilégio, pertencer a tão grande império, a tão amplo
domínio! Contudo não é só verdade dizer que o quartel-general, a
capital, é no céu. Os cidadãos deste reino estão espalhados pela terra
toda. Inclui homens e mulheres “de todas as nações, e tribos, e povos,
e línguas” (Apocalipse 7:9). N a expressão de Isaac W atts -

Povos de toda língua, e de toda nação,


Cantam sublime canto, em Seu amor estão.

Que reino! Que esfera! O romano orgulhava-se de ser cidadão


romano. Os homens pertencentes a grandes impérios sempre mostraram
o mesmo orgulho. Cristãos, apercebam-se de que são cidadãos de um
reino como este! Quartel-general no céu; o Rei eterno, imortal, invisível,
com o o seu Rei! E cidadãos em todos os reinos, terras, continentes e
clim as! Onde quer que vivamos e seja qual for a nossa nacionalidade, não
faz diferença. Pertencem os a Ele, o quartel-general é o m esm o - a
Jerusalém celeste. Que reino glorioso! Que privilégio, ser cidadão de tal
cidade!
Entretanto deixem-me m encionar outra coisa. Vocês notam como
o apóstolo faladanossaconcidadania. “Assim quejánão sois estranhos,
nem estrangeiros, mas concidadãos dos santos” (VA). Pensem em seus
concidadãos! Dos santos, diz ele - vocês são concidadãos deles. Quem
são eles? Não é a nação de Israel como tal, porque “nem todos os que
são de Israel são israelitas” . Ele está pensando nos santos entre os filhos

- 338 -
de Israel. O que Paulo quer dizer aqui é o que o homem que escreveu
o Salmo oitenta e sete, versículos cinco e seis, tinha em m ente quando
disse: “E de Sião se dirá: este e aquele nasceram ali; e o mesmo
Altíssim o a estabelecerá. O Senhor contará na descrição dos povos que
este homem nasceu ali”. Vocês vêem o que ele quer dizer? Ao nível
natural, os homens se orgulham de pertencer a uma nação capaz de
produzir um ^Shakespeare - a terra de Shakespeare! A terra de
Marlborough! A terradeW ellington;aterradeP itt;aterradeC rom w ell
- a terra desses gigantes que foram estadistas, poetas, artistas e tc .! Que
orgulho, pertencer a um a nação como esta - tais homens nasceram aqui,
foram criados em nossa terra, ossos dos nossos ossos, por assim dizer,
ecarnedanossacarne. M as aB íbliadiz: “O Senhor contará na descrição
dos povos que este homem nasceu ali” . E esse o povo ao qual
pertencemos. Somos concidadãos de Abraão, o m aior cavalheiro que já
viveu, aquele que teve a distinção de ser chamado “amigo de D eus” .
Não seria um a coisa m aravilhosa entender e saber que você pertence à
m esm a cidade, ao mesmo reino a que Abraão pertenceu? E não somente
Abraão, mas também M oisés, Davi, Isaías, Jeremias, e todos aqueles
valorosos hom ens do Velho Testamento. Pertencemos a eles, estamos
na m esm a cidade, temos estes interesses comuns e esta lealdade
comum. Devo confessar que para mim é, talvez, a m aior emoção
perceber que sou um concidadão do apóstolo Paulo, que, como cristãos
somos um com ele, que temos os seus interesses em nossos corações,
e que as mesmas coisas que o moviam nos movem. E o veremos e
passaremos a eternidade com ele, e com todos os outros apóstolos.
Pois bem, considerem a história da Igreja. Alegra-me pertencer ao
m esmo grupo, ao mesmo reino a que pertenceram Agostinho, João
Calvino, M artinho Lutero, John Knox, os puritanos, Whitefíeld, W esley,
e tantos outros mais. Somos todos um, pertencemos àquele grupo de
pessoas. Já não somos do mundo, pertencemos a este reino separado, a
este reino de sacerdotes, a esta nação santa. Permitam -m e lembrar-lhes
os versículos 22-24 do capítulo doze da Epístola aos Hebreus, que
expressa isso com perfeição: “M as chegastes ao monte de Sião, e à
cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de
anjos; à universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão
inscritos no céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos

John Churchill, primeiro Duque de Marlborough (1650-1722), soldado inglês,


vitorioso em muitas batalhas importantes. Nota do tradutor (para evitar associ­
ações indevidas).

- 339 -
aperfeiçoados; e a Jesus, o M ediador de um a Nova Aliança...” . É para
onde vamos. Pertencem os a este lugar. Já não somos um pequeno reino
na terra, aos pés do monte Sinai. Chegamos à Jerusalém celestial, a aos
muitos milhares de concidadãos.
M as, finalmente, para completar a figura, o último privilégio é
com preender algo das expectativas futuras e da futura glória do reino.
N o presente ele parece fraco. Grandes multidões estão fora da Igreja, e
muito cristão tolo é tentado aperguntar: devo continuar com isso, haverá
de fato algo aí? Vou à igreja ou não vou? Quem diz isso não viu o real
significado deste reino. Hoje somos uns poucos rejeitados e despreza­
dos, talvez, mas há um a glória vindoura. “Em ti”, disse Deus a Abraão
no princípio, “serão benditas todas as famílias da terra.” Conte as
estrelas do céu, se é que pode, disse Deus a Abraão; num erosa assim,
e mais, será a sua posteridade. Conte os grãos de areia da praia do mar;
inum eráveis assim serão os cidadãos do reino que se form ará de você e
da sua semente. Entretanto considerem também a mensagem dada ao
profeta Daniel. Acaso vocês se lembram da visão que foi dada ao rei, a
visão daquele grande poder que iria dominar o m undo e esmagar o povo
de Deus — uma imagem com cabeça de ouro, peito e braços de prata, o
ventre e as coxas de cobre, as pernas de ferro, e os pés em parte de ferro
e em parte de barro? Esse poder deveria dominar altaneiro sobre a terra
como um verdadeiro colosso. M as esse não foi o fim. “Escrevas vendo
isto” , diz Daniel a Nabucodonosor, “quando um pedra foi cortada, sem
mão, a qual feriu a estátua nos pés de ferro e de barro, e os esmiuçou.
Então foi juntam ente esmiuçado o ferro, o barro, o cobre, apratae o ouro,
os quais se fizeram como apragana das eiras no estio, e o vento os levou,
e não se achou lugar algum para eles; mas a pedra, que feriu a estátua,
se fez um grande monte, e encheu toda a terra” (Daniel 2:34-35). Esse
é o reino de Deus, que começa como um a pedra desprezada, e como
nada, diante de um poder colossal; porém ela o fere e o esmiúça, e ele
desaparece; e a pedra se torna um grande monte, que enche a terra toda.
V irá o dia, diz Paulo aos filipenses, em que “ao nome de Jesus todo
joelho, dos que estão nos céus e dos que estão na terra, se dobrará, e toda
língua confessará que Jesus Cristo é Senhor, para a glóriade Deus o Pai”
(2:10-11). Diz João, no livro de Apocalipse: “O sétimo anjo tocou a sua
trombeta, e houve no céu grandes vozes, que diziam: os reinos do mundo
vieram a ser de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará para todo o
sem pre” (11:15). E eu e você somos cidadãos desse reino. Este vencerá,
prevalecerá.

- 340 -
Jesus reinará onde o sol
Faz seu sucessivo percurso.

E vocês sabem disso? Sabem que eu e vocês vamos reinar com Ele?
É o que Paulo diz em 1 Coríntios, capítulo 6: “Não sabeis vós que os
santos hão de julgar o mundo? Não sabeis vós que havemos de julgar os
anjos?” É um reino inabalável. É um reino que não terá fim. E o reino
eterno de Deus e do Seu Cristo. E eu e vocês, se somos cristãos, já
estam os nEle, já somos seus cidadãos. Graças a Deus, “já não somos
estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos” .

- 341 -
28
PRIVILÉGIOS E
RESPONSABILIDADES
“A ssim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas
concidadãos dos santos, e da fam ília de D eus.” - Efésios 2:19

Como já vimos, o apóstolo está descrevendo aqui, de m aneira


positiva, os privilégios dos membros da Igreja Cristã. Havendo expli­
cado como os dois lados foram aproximados, os judeus e os gentios,
agora mostra aos dois juntos qual é a situação deles como membros da
Igreja. Com esse fim, ele emprega diversas imagens e figuras. A Igreja,
ele já tinha sugerido, é como um corpo. Mas aqui ele nos fala da Igreja
como um a cidade, um reino - “concidadãos” . Ele diz que a Igreja é
também como um a fam ília - “a fam ília de Deus” . Todavia a Igreja é
também com o um templo, no qual Deus habita. No momento vamos
exam inar a prim eira figura dada neste versículo dezenove - a Igreja
como um Estado, um reino, uma cidade. Anteriormente consideramos
o significado dessa definição em geral. Consideramos também como se
obtém esta cidadania. E então vimos alguns dos privilégios gerais que
pertencem a nós, como cidadãos desse reino. Lembramo-nos do caráter
do nosso Rei, da extensão do Seu reino, dos nossos concidadãos, e da
glória futura deste reino estupendo no qual fomos introduzidos,

M as agora devemos examinar por um momento privilégios mais


particulares que pertencem a nós como membros e cidadãos deste
grande reino. O apóstolo tinha desejo de que os efésios se dessem conta
destas coisas. Eles tinham sido salvos, estavam na Igreja, tinham sido
selados pelo Espírito Santo. No entanto, ele não está satisfeito com isso,
ele ora no sentido de que os olhos do seu entendimento sejam ilum ina­
dos para que eles possam conhecer mais estas coisas e, dentre elas, esta
em particular. E, certamente, o nosso maior problema como povo cristão
hoje é que não nos damos conta dos privilégios da nossa posição como
mem bros da Igreja Cristã. A maior necessidade atual é ter um a verda­
deira e adequada concepção danaturezadalgrejaC ristã. V istoqueanós
que pertencem os a ela falta isso, é que não conseguimos atrair os de fora.
Causamos tão pobre impressão que eles não se interessam. O aviva-

- 342 -
mento começa na Igrej a. Nunca se poderá levar adiante a evangelização
com um a Igreja que não seja um a viva demonstração do evangelho.
Assim, de todos os pontos de vista, aquilo em que necessitamos
concentrar-nos na hora presente é o caráter, a natureza da Igreja, e o
privilégio da nossa posição na Igreja.
Consideremos alguns destes outros privilégios. Há certas coisas
que podemos acrescentar aos privilégios gerais, já considerados. Ao
desenvolvermos esta analogia da Igreja como um reino, esses privilé­
gios se tomam óbvios.
Pensem, por exemplo, nos benefícios que gozamos por sermos
cidadãos desse reino. Essa é um a das prim eiras coisas em que se pensa
em conexão com um reino. Como cidadão de um país, você goza todos
os benefícios do reino, do governo e das leis dessa comunidade
particular. Com freqüência a orgulhosa vangloria dos cidadãos deste país
(Inglaterra), é que ele é a pátria da liberdade - da democracia parlam en­
tar, e assim por diante. Pois bem, são essas as coisas que desfrutamos
como resultado da nossa cidadania neste país. Noutros países hápessoas
que não têm estes privilégios, ainda vivem mais ou menos em servidão.
H á outros que estão debaixo de tiranias terríveis. U m a das melhores
coisas da cidadania é que ela dá de imediato a você o direito de gozar
todos os benefícios do sistema e forma de governo, e da economia de um
Estado particular.
Podem os transferir tudo isso para a esfera da Igreja. O apóstolo já
nos fizera lem brar isso, no capítulo primeiro, no versículo três, onde ele
diz: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos
abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em
Cristo” . Esse é o sumário de todas as bênçãos deste reino particular. São
intermináveis, e é impossível tentar descrevê-las. Mas devemos apegar-
-nos ao grande princípio de que todas as bênçãos espirituais nos lugares
celestiais em Cristo são nossas. O reino, a cidade a que pertencem os é
um reino, um a cidade em que todas as bênçãos são dadas gratuitamente;
é do beneplácito do Rei que elas sejam dadas. Ele Se deleita em fazê-
-lo. Ele Se interessa pelos Seus cidadãos, interessa-Se por todo o Seu
povo; seu bem -estar ocupa um lugar especial em Sua m ente e em Seu
coração. Ele é o Pai do Seu povo, e Se interessa por seu bem-estar e por
sua felicidade em todos e cada um dos seus aspectos.
Outras declarações das Escrituras no mesmo sentido nos ajudarão
a entender isto. O apóstolo, em sua prim eira carta a Timóteo, usa um a
expressão interessante: “Deus vivo, que é o Salvador de todos os
hom ens, principalm ente dos fiéis” (ou, “principalm ente dos que

- 343 -
crêem ”, VA, 4:10), A palavra “Salvador” significa Aquele que aben­
çoa, Aquele que cuida de, Aquele que livra de dificuldade. E as
Escrituras ensinam isto em toda parte, concernente a Deus. Deus “faz
que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos
e injustos” . Há hoje no mundo homens e mulheres que nunca pensam
em Deus e nunca O mencionam, exceto para blasfemar do Seu nome;
não obstante, gozam alguns dos benefícios e bênçãos comuns, gerais do
reino de Deus. Tudo o que ele têm provém de Deus. Ele é “o Salvador
de todos os hom ens” , sim, mas “principalmente dos que crêem ” . Ele
tem interesse pessoal pelos crentes, um interesse especial, um interesse
peculiar, e eu e vocês, como cidadãos do reino, somos os beneficiários
destes benefícios, destas bênçãos especiais que Ele tem para o Seu povo.
Tudo é ordenado para o nosso bem. “Sabemos”, diz Paulo - não há
necessidade de argumentar a respeito, nem de questionar ou indagar -
“Sabemos que todas as coisas contribuem juntam ente para o bem
daqueles que amam a Deus” (Romanos 8:28). Não há nada que supere
isso. É pura verdade que Deus, que domina totalmente o universo e o
cosmos, m anipula todas as coisas para o bem do Seu povo. Tudo é
realizado com vistas a este fim. Deus tem o domínio sobre tudo e, como
nosso Rei, Ele m anipula todos os Seus recursos para o nosso bem.
Vejam outra declaração feita pelo mesmo apóstolo: “Aquele que
nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós,
como nos não dará também com ele todas as coisas?” (Romanos 8:32).
O nosso Senhor também afirma que “até mesmo os cabelos da vossa
cabeça estão todos contados” (Mateus 10:30), e que nada pode aconte­
cer independentem ente de nosso Pai. M uito do ensino do Sermão do
M onte destina-se a inculcar esta idéia do interesse e preocupação
especial de Deus pelo Seu povo. É um a coisa que faz parte de toda a
concepção de um reino com seu rei e seus cidadãos. E por isso devemos
lem brar-nos deste fato deveras maravilhoso. Neste reino de Deus e do
Seu Cristo, ao qual pertencemos, todos os recursos da Deidade são para
nós. Esse é o ensino da Bíblia, em toda parte. O Velho Testam ento diz
m uita coisa acerca do interesse de Deus por Seu povo. Isso está ainda
mais claro no Novo Testamento. Somos os beneficiários de todas estas
admiráveis, indizíveis, insondáveis riquezas e bênçãos do reino de
Deus.
Outro privilégio é que temos o direito de acesso ao Rei. Essa
verdade inclui o mais humilde cidadão do território. Em últim a instân­
cia, ele tem direito de apelar para o rei. Todo o processo da lei está ali,
num sentido, para habilitá-lo a exercer esse direito. Ele pode recorrer de

- 344 -
um a autoridade para outra superior, até por fim apelar para o rei. Pois
bem, isso aplica-se a cada um de nós, como cristãos. Temos um Rei que,
apesar de ser o Rei dos reis e o Senhor dos senhores, e o Governador dos
confins da terra, conhece os Seus cidadãos individualmente e por eles
Se interessa. Você está sobrecarregado, leva um pesado fardo, está
lutando e pelejando? Lembro-lhe que você tem direito de acesso ao Rei.
Leve a sua causa a Ele. Por maior que seja aquilo que está ocupando a
Sua atenção, eu lhe garanto que, se você estender a mão quando Ele
estiver passando e lhe apresentar a sua petição, Ele terá tempo para ou vi-
-lo, para olhar para você e para tratar do seu caso. Nunca nos sintamos
sumidos na Igreja ou no grande mundo em que vivemos. Nunca
pensem os que somos tão pequenos e insignificantes que este grande e
exaltado Rei não Se interessa por nós. O ensino geral das Escrituras
salienta o inverso e o contrário. Ele está pronto a ouvir o seu humilde
clamor.
Quantos exemplos disso há na vida e no ministério do nosso bendito
Senhor, quando esteve na terra! Lem bram-se de quando Ele fazia a Sua
últim a viagem para Jerusalém, como era seguido por um a grande
multidão? M as lá estava um pobre cego que clamava: “Jesus, Filho de
Davi, tem m isericórdia de mim ” (Lucas 18:38). Tentaram fazê-lo calar-
-se. Quieto!, diziam, Ele vai indo para Jerusalém, Ele não tem tempo
para falar com você. Todavia Ele o ouviu. E teve tempo para parar, falar
com ele, curá-lo e libertá-lo. Igualm ente teve tempo para Zaqueu.
Tam bém teve tempo para cuidar doutro cego, à porta do templo. Não
importava onde estivesse, ou quão grande fosse a multidão. Lem bram-
-se da mulher que tocou as Suas vestes? A í vocês têm ilustrações do Seu
cuidado e solicitude pelas pessoas. Portanto, em sua necessidade e em
seu desespero, lembre-se de que, como cidadão deste reino, o seu Rei
conhece você e está sempre pronto a ouvir a sua petição e a atender o seu
clamor.
M as vamos considerar outro aspecto do assunto. Os recursos do
reino são compartilhados entre nós. Referim o-nos a este ponto
quando estudam os a nossa concidadania com os santos; porém só o
analisamos do ponto de vista da sua grandeza. Entretanto também nos
será valioso do ponto de vista prático. A comunhão que gozamos com
os nossos concidadãos! Isso também é um a parte essencial de toda e
qualquer concepção do Estado. Fala-se muito hoje sobre a responsabi­
lidade do Estado pelo bem-estar do povo, cuja base se pretende ser que
os fortes levem as cargas dos fracos, e os ricos as cargas dos pobres. E
um a co-participação feita para que ninguém tenha superabundância e

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outros fiquem sem nada. Essa é a idéia. E caracteriza mais propriamente
o reino de Deus. Há um a injunção específica, neste sentido: “Mas nós,
que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos” (Romanos
15:1). “Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de
Cristo” (Gálatas 6:2).
Certam ente não há nada que nos seja mais precioso do que a
m aneira pela qual, como cidadãos juntos, como membros da Igreja
Cristã juntos, sabemos e experimentamos isso na prática. Haveria
alguma coisa mais animadora para o cristão do que saber que outros oram
por ele? - que outros têm você, o seu fardo e o seu problem a em seus
corações e estão fazendo intercessão por você? Eles não estão pensando
somente em si mesmos, você é um concidadão, vocês se pertencem.
Oramos uns pelos outros, sentimos uns com os outros, entendemo-nos
uns aos outros. Eu poderia desenvolver este ponto extensamente;
deixem-me, porém, dizê-lo simplesmente desta forma: quantas vezes
soubemos da seguinte experiência! Sentimo-nos de tal modo que mal
podem os orar, estamos desanimados, e talvez o diabo tenha estado
particularm ente ocupado conosco, e nos esquecemos inteiramente do
fato de que temos este acesso direto ao próprio Rei. Enquanto estamos
tendo comiseração por nós mesmos, de repente nos encontramos com
outro cristão e, começando a conversar, vemos que ele ou ela está com
o m esm o problem a ou dificuldade. Imediatamente somos tranqüiliza­
dos efortalecidos. E assim vamos adiantejuntos. Levamos as cargas uns
dos outros. “A lágrima de compaixão”, a compreensão! Estam os indo
juntos para Sião, através de um a terra estranha. É deveras maravilhoso
aperceber-nos de que os recursos de outros, a força e a habilidade de
outros, estão à nossa disposição em nossas dificuldades. E, por sua vez,
quando eles estão deprimidos enós estamos alegres, podemos ajudá-los.
E admirável a comunhão entre os concidadãos!
Contudo, vamos considerar outra fonte de conforto, a saber: a
proteção que o reino nos dá. É algo extraordinário. É um fato, ao nível
secular. Todo o poder, toda a capacidade e todos os recursos de um reino
estão por trás do cidadão mais humilde e servem para defendê-lo.
Deixem -m e utilizar um a ilustração que sempre me parece expressar o
ponto com m uita clareza. Do seu estudo da história vocês se lembram
do que aconteceu em 1739? Em 1739 começou a chamada “Guerra da
Orelha de Jenkins” . Um certo capitão Jenkins navegava em alto mar, e
uma guarda costeira espanhola o atacou sem nenhumajustificação, e por
breve tempo ocupou o seu navio. E ainda, em acréscimo à infâmia da
ação, cortaram um a das orelhas do capitão Jenkins. Este finalm ente

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voltou ao seu país. Conservou a orelha numa garrafa de álcool e, quando
regressou, apresentou-a ao parlamento. E por causa disso, este país, a
Grã-Bretanha, declarou guerra à Espanha em 1739 - a Guerra da Orelha
de Jenkins. Quem era o capitão Jenkins? Não importa, era um cidadão
da Grã-Bretanha, e não devia ser insultado pela Espanha, nem por
qualquer outro país; e porque o insultaram, todo o poderio deste país
voltou-se contra a Espanha em defesa daquele cidadão individual. E
quando eu e você viajarmos ao exterior e acaso sofrermos alguma
indignidade ou insulto, devemos lembrar-nos do fato de que o mesmo
poder, e todos os recursos do nosso país, estão por trás de nós e
preocupados com a nossa defesa.
Isso tudo se aplica com mais propriedade à esfera da Igreja. Vejam
certos exemplos do Velho Testamento. Eis aí um hom em de Deus
duram ente pressionado, seus inimigos a cercá-lo e a atacá-lo. Que
poderá fazer? Ele diz: “Torre forte é o nome do Senhor; a ela correrá
o justo, e estará em alto refúgio” (Provérbios 18:10). “O nome do
Senhor!” Há uma exposição maravilhosa disso nos Salmos três e quatro,
onde o salmista nos conta que estava cercado por todas as espécies de
perigos e de inimigos furiosos. E, todavia, eis o que ele escreve: “Tu,
Senhor, és um escudo para mim, a minha glória, e o que exalta a m inha
cabeça. Com a m inha voz clamei ao Senhor, e ouviu-me desde o seu
santo monte. Eu me deitei e dormi; acordei, porque o Senhor me
sustentou. Não temerei dez milhares de pessoas que se puseram contra
mim e me cercam. Levanta-te, Senhor; salva-me, Deus meu; pois feriste
a todos os meus inimigos nos queixos; quebraste os dentes aos ímpios.
A salvação vem do Senhor” . Zacarias diz algo semelhante: “Porque
assim diz o Senhor dos Exércitos: depois da glória ele me enviou às
nações que vos despojaram; porque aquele que tocar vós toca nam enina
do seu olho” (2:8). Vocês querem algo que vá além disso? “Aquele que
tocar em vós”, diz Deus a você como cristão, “toca na m enina do meu
olho” - o ponto mais sensível do Meu ser. Essa é a proteção. “Dou-lhes
a vida eterna”, diz o Senhor Jesus Cristo, “e nunca hão de perecer, e
ninguém as arrebatará dam inham ão” (João 10:28). Haverá algum lugar
m ais seguro que esse? “Se Deus é por nós”, diz Paulo, “quem será
contra nós?” (Romanos 8:31). “O Senhor é o meu ajudador”, diz o
escritor da Epístola aos Hebreus, “e não temerei o que me possa fazer
o hom em ” (13:6). Diz João, em sua Primeira Epístola, “m aior é o que
está em vós do que o que está no mundo” (4:4). Pode ser que o inimigo
esteja atacando e ferindo você; não revide, não se vingue, diz Paulo, pois
“M inha é a vingança, eu retribuirei, diz o SENHOR” (Romanos 12:19).

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“Eles o venceram ”, diz o livro de Apocalipse, “pelo sangue do
Cordeiro e pela palavra do seu testemunho” (12:11). Aquele poderoso
dragão que se levanta contra a Igreja de Deus, e lança da sua boca uma
torrente de águas na tentativa de arrastá-la, está sempre tentando destruir
o povo de Deus. Que é que podem fazer os que Lhe pertencem ? “Eles
o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testem unho.”
E assim que se derrota o diabo quando ele vem com toda a sua m ilícia
e com todo o seu terrível poder. Diz finalmente o apóstolo Paulo: “por
cuja causa padeço também isto” - as perseguições, provações e tribu-
lações que sofreu - “mas não me envergonho; porque eu sei em quem
tenho crido, e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito
(VA: “para guardar aquilo que eu lhe confiei”) até àquele dia” (2
Tim óteo 1:12). Está certo, diz Paulo; você, Timóteo, está passando por
tempos difíceis; sei o que é isso; eu não me envergonho, não fico
alarmado, não me apavoro, não me abalo - pois eu conheço Aquele em
quem eu creio, e Lhe confiei tudo, e Ele me guardará e guardará tudo o
que eu considero precioso até aquele dia. Ah, se nos déssemos conta dos
nossos privilégios como cristãos! Seja qual for o seu problema, seja qual
for a sua situação, seja qual for a sua provação, eu insisto com você,
lem bre-se dos recursos, lembre-se das coisas que caracterizam você
com o cidadão deste grande e glorioso reino.

Apresso-m e a acentuar outro aspecto que é igualmente importante


para nós, a saber, as obrigações, as exigências, as responsabilidades
da nossa cidadania. “Já não somos estranhos e estrangeiros, mas
concidadãos dos santos.” O que estivemos fazendo foi regozijar-nos nos
privilégios, porém agora vamos lembrar-nos das responsabilidades. As
Escrituras dão ênfase a elas em toda parte. Toda a segunda metade desta
Epístola aos Efésios é dedicada quase exclusivamente a isso. M as
vamos recordar resum idam ente algumas coisas que decorrem da nossa
posição privilegiada e exaltada. São elas que, como já mencionei, nos
fornecem certas provas sutis e excelentes quanto a se pertencem os ao
reino ou não.
A prim eira é, obviamente, esta - o nosso orgulho do reino. A
analogia hum ana é óbvia. O nosso orgulho da pátria, o nosso orgulho da
cidadania! 5 /r W alter Scott pergunta, com muito acerto: “Haverá algum
ser hum ano vivo que esteja com a sua alma tão amortecida que nunca
tenha dito a si próprio: Esta é a m inha terra natal, a m inha terra?” Isso
é natural, é instintivo. As pessoas não somente estão dispostas a falar
sobre o seu país e a aclamá-lo; também m orrerão por ele. As pessoas

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fazem isso por qualquer coisa pela qual se interessem. Está alguém
interessado em música? - está sempre falando sobre música. Está
interessado em futebol? Não gritaria, torcendo pelo seu time? Vocês não
os têm ouvido aos milhares? O interesse pela agremiação deles! Não
contentes com isso, usam os seus mascotes, as suas cores especiais,
pagam muito dinheiro para ir ver seu time j ogar. O entusiasm o! A paixão!
Essa é a esfera do seu interesse.
M as, que dizer de nós? Somos cidadãos de um reino que não
pertence a este mundo - o reino celestial que estivemos descrevendo.
Que dizer a respeito? Temos orgulho dele? Estamos mostrando de que
lado estamos? Estamos mostrando as nossas cores? Ou, quando estamos
em companhia de certas pessoas, procuramos ocultar que somos cris­
tãos? Quando estamos com pessoas que não observam o domingo, e que
antes desprezam as que freqüentam a igreja, procuramos dar a impressão
de que essa é também a nossa posição? Não admira que as multidões
estejam fora da igreja, quando tantas vezes nós damos a impressão de
que nos sentimos um pouco envergonhados pelo fato de estarmos
dentro. Todavia não é só questão de envergonhar-nos. Se nos déssemos
conta da verdade acerca da nossa posição, ficaríamos comovidos,
ficaríamos emocionados. Como o homem que diz, “Esta é a m inha terra
natal, a m inha terra”, nós nos gloriaríam os em nosso reino e nos
gabaríam os dele, estaríamos prontos a aclamá-lo e, se necessário, a
m orrer por ele. Nós o enalteceríamos, e enalteceríamos as suas virtudes
e todos os altos, grandes e gloriosos privilégios dele decorrentes, e
estaríamos ansiosamente desejosos de que todos o conhecessem e
pertencessem a ele - como acontece com alguém que se encontra num
país estrangeiro. Os homens deste país, quando no exterior, não escon­
dem que são britânicos, querem que todo o mundo saiba disso. E as
pessoas que vêm para cá de outros países fazem o mesmo, e fazem muito
bem! Do mesmo modo, como cidadãos deste reino glorioso, devemos
m ostrar sempre a nossa lealdade a esse reino, e gloriar-nos no fato de que
pertencem os a ele.
Naturalmente, o próximo ponto é: prim eiro a pátria, depois eu.
Essa é aprova da verdadeira apreciação que apessoa faz da sua cidadania.
Quando o país está em dificuldade, o grito é: “Pelo rei e pela pátria!”
- não por seus interesses e preocupações particulares! Ouçam o que diz
o apóstolo Paulo: “Ninguém que milita se embaraça com negócios desta
vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra” (2 Timóteo
2:4). Ele quer dizer que quando um homem é soldado do exército, não
se dedica ao mesmo tempo a um a profissão ou a um negócio fora do

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exército. Ele está inteiramente à disposição do oficial comandante, do
seu rei e do seu país. Ele não se embaraça com os negócios desta vida
quando está na guerra, porque as conseqüências seriam caóticas. Se
muitos hom ens alistados no exército, com o país em guerra, de repente
dissessem: lamento, mas não posso combater hoje, tenho que irparacasa
e resolver alguns negócios, o exército seria logo derrotado. Os soldados
têm que cancelar a si próprios, têm que dar de mão de si, têm que estar
a disposição do rei e da pátria. Quando você está no exército, não é você
que decide quando vai ter folga. Apliquemos esse pensam ento à esfera
superior. “Pelo rei e pela pátria!” “Ninguém que m ilita se embaraça
com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a
guerra.” Primeiro o reino e o rei. E é justam ente essa aprova para vermos
se nos damos conta da nossa cidadania neste reino. Acaso submetemo-
-nos ao Rei e à pátria? Renunciamo-nos a nós mesmos? Com preende­
m os que a verdade a nosso respeito é que “não sois de vós m esm os”,
que “fostes comprados por bom preço”? (1 Coríntios 6:19 e 20).
Pertencem os a Ele, não pertencem os mais a nós mesmos.
O próxim o pensamento nesta seqüência lógica é: em virtude da
m inha relação com este reino, segue-se que agora sou estrangeiro em
todo e qualquer outro reino. Paulo diz a estes efésios: “Já não sois
estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos” ; outrora estavam
fora deste reino, eram estranhos e estrangeiros, mas agora são cidadãos
do reino. Entretanto, lembre-se, isso significa que você agora é um
estranho e um estrangeiro naquele país do qual você veio. Que im por­
tante princípio! Permitam-me lembrá-los da m aneira pela qual o após­
tolo Pedro usa este argumento na sua Prim eira Epístola: “Vós, que em
outro tempo não éreis povo, mas agora sois povo de Deus” . “Am ados”,
diz ele, “peço-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais
das concupiscências carnais’que combatem contra a alma; tendo o vosso
viver honesto entre os gentios, para que, naquilo em que falam mal de
vós, como de malfeitores, glorifiquem a Deus no dia da visitação, pelas
boas obras que em vós observem ” (2:10-12). Vocês vêem a mudança?
Eles não eram um povo; agora são. Estavam fora do reino, estranhos e
estrangeiros fora do reino de Deus; agora estão dentro do reino de Deus.
M as, por causa disso, diz ele, vocês são estrangeiros e peregrinos neste
mundo, não pertencem mais a ele. Essa é outra m aneira de dizer o que
Paulo diz em Filipenses 3:20: “A nossa cidadania está no céu” (VA);
e porque a nossa cidadania está no céu, aqui somos estrangeiros, estamos
no m undo porém não somos do mundo.
Isto é um a coisa que acontece automaticamente. Quando você está

- 350 -
visitando outro país, você não se torna parte dele; continua sendo
estrangeiro, sabe disso, e todo o mundo sabe disso também. Eu e vocês,
como cristãos, tornamo-nos estrangeiros neste mundo. Não mais perten­
cemos a este mundo, se é que somos cristãos verdadeiros. Somos como
pessoas que estão fora de casa. Estamos aqui por algum tempo, somos
forasteiros, somos peregrinos, somos viajores; esta é sempre a descrição
que a Bíblia nos apresenta. Leiam o capítulo onze da Epístola aos
Hebreus. Os que são mencionados ali se consideravam “estrangeiros e
peregrinos na terra” . Eles estavam em busca da “cidade que tem
fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus” . Eles moravam em
tendas. Cada um deles dizia: “Sou estrangeiro aqui, meu lar é o céu” .
Segue-se automaticamente, não segue? Somos tão-somente estranhos
e estrangeiros entre os ímpios. Eles não nos entendem, eles são
diferentes. Podem opor-se a nós, podem perseguir-nos. Tudo muito
certo, diz Pedro, apenas se lembrem de quem vocês são, e se lembrem
de que não pertencem mais a eles. Não há necessidade de argum entar
a respeito disso. Ou vocês estão no reino de Deus, ou estão fora; não
podem estar nos dois lugares ao mesmo tempo. E é preciso que fique
evidente para todos que vocês pertencem a este reino celestial, e não
àquele outro.
Eu gostaria de colocar este ponto da seguinte forma, como o meu
quarto princípio. Como estranhos, peregrinos e estrangeiros neste
mundo, lembremo-nos sempre de que a nossa prim eira obrigação é
representar o nosso Rei e a nossa pátria. “A Inglaterra espera que cada
homem cumpra hoje o seu dever”, disse o almirante Nelson na m anhã
da batalha de Trafalgar. Em tempos antigos, aonde quer que fosse um
cidadão do Império Romano, ele levava o seu manto peculiar, o sinal do
fato de que ele era um cidadão romano; e ele zelava m uito do m anto e
sua honra. Com toda razão o fazia! Sim, diz o apóstolo Paulo também
aos filipenses, “Somente deveis portar-vos dignamente, conform e o
evangelho de Cristo”(l :27). Você é um estranho fora de casa, você sabe
da sua pretensão e você disse aos outros o que você é. Lembre-se, eles
o estarão observando. Nunca se esqueça disso! Eles vão julgar o seu Rei
e o seu país pelo que vêem em você. Vejam de novo, em Pedro:
“Amados, peço-vos como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais
das concupiscências carnais que combatem contra a alma; tendo o vosso
viver honesto entre os gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós,
como de malfeitores, glorifíquem a Deus no dia da visitação, pelas boas
obras que em vós observem”. Eles perseguem vocês como a malfeitores,
mas provem a eles, pelas suas boas obras, que vocês são filhos de Deus.

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Sempre é assim que o Novo Testamento prega a santificação e a
santidade. A lgum acoisatragicam ente errada aconteceu com apregação
da santificação e da santidade quando ela sempre nos oferece algo,
“Vida com V m aiúsculo”, ou algo que vai ser maravilhoso para nós. Eis
com o as Escrituras nos exortam à santidade: “Sede santos, porque eu
sou santo, diz o Senhor”. Se você não está vivendo uma vida santificada
e um a vida santa, você é um traidor da sua pátria e do seu Rei. Você não
tem direito de viver como quiser. Você não pode dissociar-se da sua
cidadania. Você não pode dizer: não importa a ninguém o que eu faço,
quero ter a minha vida à m inha maneira. Não, se você é cristão. Se você
cair, todos nós cairemos com você. E o mundo se rirá de nós. Acim a de
tudo, Cristo será ridicularizado. Pois um membro da Igreja Cristã ter
vida m undana nada mais é que ser ele um canalha e um traidor. N a esfera
secular as pessoas são executadas por fazerem um a coisa como essa.
Insultar a bandeira! Rebaixar o país! Rebaixar o monarca! Não há nada
pior. E eu e você somos cidadãos deste Rei celestial e do Seu reino
glorioso e santo. “Amados, peço-vos, como a peregrinos e forasteiros,
que vos abstenhais (que fiqueis longe) das concupiscências carnais que
com batem contra a alma” - não por amor de vocês mesmos apenas,
porém por amor daqueles gentios que estão olhando, e pela honra do seu
Rei. “Somente deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de
C risto.”
Essa é uma boa maneira de estudar a prática cristã. Em nossa vida
diária, quando nos assaltam dúvidas sobre se devemos fazer algo ou não,
ou se devemos usar isto ou aquilo, esta é a nossa prova: serve para mim?
Condiz? Se eu vestir este manto, ele está de acordo com meu chapéu e
os meus sapatos? É digno? Com bina com ... ? Essa é a figura, a ilustração
utilizada pelo apóstolo. Se não servir, se não combinar, se não for
próprio e não estiver em harmonia com o restante, devo largar dele. Que
toda a sua conduta seja governada pelo evangelho de Cristo. Todas as
minhas ações devem ser controladas por ele. É preciso que seja um a
realidade global. Cada ato deverá ser digno, próprio, pertinente. Assim,
você deve pensar nas grandes doutrinas da fé e perguntar: esta espécie
de conduta é consoante com essa fé? Convém ao evangelho de Cristo?
Finalmente, deveria ser óbvio que, como cidadãos deste reino,
devem os sempre estar preocupados com a defesa do reino, com a
defesa das suas leis e com a defesa de tudo o que é propugnado por esse
reino. A bandeira! Devemos estar dispostos a morrer pela “bandeira” ;
ela representa o país e tudo o que lhe pertence. Isso é igualmente verdade
quanto a nós, no sentido espiritual. Não mais somos estranhos e

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estrangeiros, mas concidadãos dos santos. Em dias como os atuais somos
convocados pera defender esta “bandeira”, a Bíblia. Ela está sendo
atacada e ridicularizada. Vocês a estão defendendo? Não basta dar o seu
testem unhocom oum adefesadaB íblia. Vocês têm que preparar-se para
defender a Bíblia. Para começar, vocês têm que conhecer a Bíblia. E
vocês têm que ter algum conhecimento dos livros que os ajudarão a
defender a Bíblia. Boa vontade e boas intenções não defenderão o país.
Para defender o país, o homem tem que entrar no exército e tem que ser
treinado, fazer exercícios e aprender a ser disciplinado; goste ou não, terá
que fazê-lo “à força”, como se diz. E eu e você temos que aprender “à
força” a defender a bandeira, o país, o reino. O nosso livro está sendo
atacado; a nossa fé está sendo atacada. Temos que estar “sempre
preparados” , diz Pedro, “para responder a qualquer que nos pedir a
razão da esperança que há em nós” (1 Pedro 3:15). Como poderemos
fazê-lo? O reino está sendo atacado por um inimigo poderoso, e eu e
vocês estamos sendo convocados como combatentes para que façamos
a nossa pequena parte individual. Não há m aior honra, não há privilégio
mais alto. A vitória é certa e segura. Mas seria trágico, quando chegar o
grande e glorioso dia de celebrar essa vitória, se algum de nós achasse
que não fez absolutamente nada, que simplesmente ficamos sentados
enquanto alguma outra pessoa fazia o trabalho, a defesa, a luta, o esforço.
Não precisam os ser todos grandes peritos na arte da guerra.
Deixem-me usar um a analogia humana. Não precisam os ser todos
soldados de carreira; você não precisa ser, necessariamente, um obreiro
de tempo integral, pode engaj ar-se na Defesa Civil do reino de D eus. Um
policial de alto nível. Ache tempo para isso. Tenha um só interesse.
Dedique-se a ele. O reino de Deus está sendo atacado e ridicularizado.
Saltemos logo em sua defesa, por pequeno que seja o serviço que
possam os prestar.
Noutras palavras, como cidadãos deste reino, o nosso maior desejo,
a nossa principal ambição, sempre deverá ser que as suas fronteiras
sejam ampliadas e ele se torne cada vez mais poderoso e cada vez mais
glorioso, até o dia em que “os reinos do mundo vierem a ser de nosso
Senhor e do seu Cristo” .
“Jánão sois estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos”
neste reino glorioso. E por essa razão somos apenas estrangeiros e
peregrinos neste mundo, com todo o seu artificialismo, ostentação com
toda a sua louca confiança própria, que darão em nada. Graças a Deus,
não pertencemos a isso. Aqui somos apenas estrangeiros. “A nossa
cidadania”, graças a Deus, “está no céu.”

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29
DA FAMÍLIA DE DEUS
“A ssim que j á não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas
concidadãos dos santos, e da fam ília de D eus.” - Efésios 2:19

Tendo considerado a prim eira figura que o apóstolo emprega para


nos m ostrar o privilégio de sermos membros da Igreja Cristã, a saber, a
de cidadãos de um Estado, agora chegamos à sua segunda figura. Os
cristãos verdadeiros não são somente concidadãos dos santos, mas
também são “da fam ília de D eus”. Obviamente, aqui há algo dife­
rente, há um avanço. No entanto, de novo, lembremo-nos de que as duas
coisas que Paulo quer assinalar são este princípio da unidade e também
a grandeza do privilégio. Podemos perguntar, porém: por que ele usa
desse modo um a segunda figura? E por que, na verdade, ele vai usar um a
terceira figura, que estudaremos mais adiante? A resposta, penso eu, é
óbvia: é que ele sentiu que só a prim eira figura não era suficiente. Ela
nos dá um a idéia, apresenta-nos um a parte vital da doutrina, mas não
inclui tudo. Não é suficientemente compreensiva. Ela estabeleceu um
tremendo aspecto, que já consideramos, porém há muito mais para ser
dito. Portanto, convém que consideremos e descubramos porque ele
emprega esta segunda ilustração.
Certam ente vocês se lembram de que, no prim eiro capítulo, o
apóstolo já nos apresentara esta idéia de família, onde ele diz: “E nos
predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo,
segundo o beneplácito da sua vontade” . Agora, aqui, ele retom a essa
idéia, dizendo-nos que, como crentes, pertencemos à fam ília de Deus.
Noutras palavras, somos filhos de Deus. Paulo argumenta neste sentido
quanto a judeus e gentios que se tornaram cristãos. Todas as outras
distinções, vocês recordam, desapareceram, foram postas de lado, foram
abolidas. Nesta nova realidade que Deus trouxe à existência entre os
judeus e os gentios, o grande fato suplementar é que estamos na posição
de filhos.

Portanto, o que temos que fazer é comparar e contrastar a idéia


de Estado com a idéia de fam ília. E é só quando fizermos isto que
compreenderemos porque o apóstolo introduz a segunda figura e em que
sentido esta segunda figura constitui um definido avanço em relação à

- 354 -
prim eira, e nos leva a um a percepção mais profunda da verdade acerca
da unidade de todos os cristãos e da grandeza do privilégio que gozamos.
Devemos, pois, considerar os pontos de contraste entre o Estado e a
família.
O prim eiro é que a relação que existe entre os mem bros de um
Estado é, afinal de contas, um a relação geral, ao passo que o que
caracteriza a relação entre os membros de um a fam ília é que esta é uma
relação mais particular. Todos nós, neste país, somos cidadãos da Grã-
-Bretanha, mas não pertencemos à mesm a família. H á numerosas
famílias e, somos todos um no Estado. É isso que quero dizer quando
falo da relação no Estado como sendo mais geral. Por outro lado, na
fam ília estreita-se a relação; é um a unidade muito menor. E porque a
relação é mais estreita e mais particular, é, por isso mesmo, muito mais
intensa. Assim é que podemos usar outras expressões. Podem os dizer
que a ligação entre nós no Estado é muito leve. Há um a ligação, e é
suficiente para separar-nos das pessoas que pertencem a outros países
e a outros reinos. Estamos ligados uns aos outros, mas a ligação é leve.
Num a família, porém, a ligação j á não é leve. Visto que é particular, visto
que é mais estreita, é mais intensa, e também mais cerrada. Portanto, o
apóstolo está dando realmente um passo adiante em sua doutrina acerca
desta unidade. A unidade que existe na Igreja Cristã entre os membros
não é um a ligação leve, é uma ligação intensa, cerrada, íntima.
Todavia, podemos ir mais adiante com a seguinte colocação: em
segundo lugar, a unidade existente no Estado é, em última análise, uma
unidade externa. Isso dispensa desenvolvimento e demonstração. Não
se pode pensar num a família, sem que se pense num fator interior, de
dentro, que une os seus membros. Não é o que se dá no Estado, no qual
nos unem certos tipos de cultura, certas leis, certos interesses comuns,
todos os quais, num sentido final, estão na surpefície das nossas vidas
e fora de nós. N a fam ília há algo essencialmente interior, interno.
Noutras palavras, a relação entre os membros de um Estado é mais
rem ota, enquanto que entre os membros de um a fam ília é mais íntima.
Quero dizer com isso que conhecemos muitas pessoas de m aneira vaga
e um tanto remota. Reconhecemos os que moram na mesm a rua, ou que
trabalham no mesmo emprego; são nossos “conhecidos”, mas real­
m ente não os conhecem os, não temos intimidades com eles. Pode haver
um a espécie de conhecimento de “bom dia, boa tarde”, um a amizade
geral, porém é sempre remota. Ao passo que na fam ília a idéia central
é logo um a idéia de intimidade e entendimento, e de laços interiores.
Ou pensem os nisso de m aneira diferente. Em últim a instância, a

- 355 -
nossa relação uns com os outros no Estado é impessoal, ao passo que a
verdade geral acerca da família é que, nesta, a relação é intensamente
pessoal. Este é um princípio muito importante, independentemente da
sua aplicação à Igreja. Há no mundo atual a tendência de salientar e
desenvolver relações impessoais, em detrimento das relações pessoais.
Vocês podem pensar em muitos exemplos disso. O próprio Estado age
assim. À m edida que o Estado se torna cada vez mais poderoso, e que
interfere cada vez m ais em nossas vidas, vai tendendo a nos
despersonalizar. Passamos a ser unidades impessoais, passam os a ser
números. Desaparece o elemento pessoal. H á m uita evidência disso
neste país atualmente.
Não estou argumentando politicamente, mas o faço filosofica­
mente, considerando-o um ponto muito importante e, em últim a análise,
faço-o do ponto de vista da personalidade e da individualidade. O Estado
sempre tende a despersonalizar-nos. Naturalmente, isso faz parte de
toda a questão da psicologia das massas e das multidões. Você sempre
tende a perder um pouco a sua identidade na multidão. E por isso que
as m ultidões são tão perigosas, e talvez chegue o dia em que haverá
necessidade de um a legislação que proíba a reunião de pessoas além de
certos limites numéricos. Gostemos ou não, um a multidão tem influên­
cia sobre nós, e as pessoas tendem a agir automaticamente em m eio a
um a multidão. Hitler sabia disso muito bem, e soube aproveitar a idéia.
Num a multidão você pode levar as pessoas afazerem coisas quejam ais
elas sonhariam em fazer sozinhas ou individualmente. De um modo ou
de outro, desaparece o elemento pessoal. De fato precisamos observar
e vigiar isso até mesmo em nossos sistemas educacionais. Quanto mais
você forçar lealdade a um lado ou a uma escola, mais tendendo estará a
despersonalizar as crianças e a produzir um a relação impessoal. Eu até
chego a opinar que, talvez, esta seja um a das principais razões do
pavoroso aumento de divórcios no presente. As pessoas pensam cada
vez menos em si desta m aneira pessoal, e os objetos de lealdade se
tornaram mais gerais - o país, a Coroa, a escola, a ala, algo semelhante,
algo que está fora da pessoa. Essas coisas não devem ser negligenciadas,
concordo, pois é um a coisa terrível a pessoa ser egoísta e egocêntrica;
porém a tragédia é que sempre nos inclinamos a ir de um extremo ao
outro. Na tentativa de ensinar as crianças e outros a não serem egoístas,
certam ente iremos ao outro extremo, se nos tornarmos tão impessoais
que eles tenham medo de expressar os seus sentimentos, e assim tentem
despersonalizar-se ao ponto de desaparecerem na multidão. Assim
vocês vêem que o apóstolo avançou definitivam ente em seu pensa­

- 356 -
mento aqui. A ligação, a relação no Estado é impessoal. M as na fam ília
- e esta é a glória da fam ília - todos nós somos pessoas, e todas as
relações são pessoais, diretas e imediatas.
Então, finalmente, podemos dizer que a diferença entre as duas
relações é a diferença que há entre um a relação legal, judicial e um a
relação de sangue, vivida e vital. O que em últim a instância nos une
no Estado é a lei. Pode haver certos interesses e perspectivas em comum;
todavia o que afinal de contas nos une e m antém a coesão é o processo
da lei - a relação é legal. Mas não é esse o caso da família. N a fam ília
o que nos une é o sangue. É uma relação vital. Pode-se m ostrar
facilm ente a diferença desta maneira: vocês verão particularm ente no
continente europeu, em vários países que estão separados uns dos outros
como Estados, que, não obstante, há o mesmo sangue nas pessoas que
pertencem a esses Estados diferentes. Pensem nos eslavos, por exem ­
plo. Eles têm o mesmo sangue e possuem certas características; e
em bora uns pertençam a um país e outros a outro, sempre se pode
reconhecer o eslavo. E assim com outros tipos de nacionalidade e de
sangue. Uma relação de sangue é algo mais íntimo, direto, vital e vivo
do que qualquer relação que seja delimitada e determinada pelos
processos da lei e pelos decretos dos homens.
O apóstolo, então, não está meramente m ultiplicando palavras
quando diz: “Assim que já não sois estranhos e estrangeiros, mas
concidadãos dos santos” - sim, e membros “da fam ília de D eus” . Ele
deu passos adiante, levou-nos a um a esfera mais elevada, e estreitou a
relação; e quando você estreita a relação, esta sempre se torna mais
intensa. Sempre temos relação mais intensa quando somos em menor
núm ero. Isso é psicologia, assim é a natureza humana, não é? Por isso
o term o “fam ília” transmite todas estas grandes idéias que é importante
que captemos.

Tendo m ostrado a diferença de modo geral, passemos agora à


aplicação particular disso tudo aos cristãos, aos membros da Igreja
Cristã. Porque é importante que compreendamos esta relação familiar?
Por que o apóstolo estava tão desejoso de que estes efésios a com pre­
endessem? É porque tantos de nós não compreendem estas verdades que
nós somos o que somos e a Igreja é o que é. Acaso compreendemos que
de fato somos dafam ília de Deus - e que pertencemos à fam ília de Deus?
Esta verdade é um a parte vital da doutrina da salvação. Por isso devemos
considerá-la.
Começo com o aspecto mais grandioso e mais importante. E

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im portante que o com preendam os para que entendamos, como
devemos, a maravilhosa e estupenda graça de Deus. Eis o que quero
dizer: já seria um a coisa m aravilhosa se Deus apenas decidesse não
punir-nos, não nos enviar ao inferno. Era o inferno que nós merecíamos.
Em nosso estado e condição natural, que o apóstolo descrevera -
“andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e
dos pensam entos” , e sendo “filhos da ira, como os outros tam bém ” -
não merecíamos outra coisa que não o inferno. Digo que teria sido um a
coisa m aravilhosa se Deus meramente decidisse não nos deixar naquele
estado e não punir-nos. Contudo, o método de salvação estabelecido por
Deus não pára aí. Ele nos eleva a esta dignidade de filhos, Ele nos adota
em Sua família.
Vê-se tudo isso na parábola do filho pródigo. O filho foi para casa
e disse a seu pai: “Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já n ã o sou digno
de ser chamado teu filho”. E ia acrescentar, “faze-me como um dos teus
jornaleiros” . M as o pai não pode considerar o seu rapaz, embora
pródigo, como um dos seus serviçais. Isso sim plesm ente não pode
acontecer. Diz ele: não, não, você volta como meu filho; e o abraça, e
lhe traz o melhor traje e o anel, e mata o bezerro cevado. M eu filho! Esse
é o método divino de salvação. É, pois, importante que captemos este
princípio, a fim de nos habilitarmos a engrandecer a graça de Deus. Que
plano de salvação! Que esquema de redenção! Não satisfeito com outra
coisa, senão que estejamos na Sua presença como Seus filhos! Se não
nos dermos conta disso, não nos daremos conta da grandeza e das
riquezas da graça de Deus.
Aí está, então, o primeiro ponto, e o mais importante, o ponto que,
em certo sentido, inclui todos os demais. Ele acentua o que há pouco
estive dizendo, que nunca devemos pensar na salvação negativamente.
Só começamos com os aspectos negativos. A prim eira coisa da qual
todos necessitamos é o perdão dos pecados e a nossa libertação da ira de
Deus. Todavia Ele não se detém nisso. E jam ais devemos deter-nos
nisso, em nosso pensamento. O nosso pensam ento deve ser positivo,
devemos ver a que tudo isso leva. O cristão não é meramente alguém que
foi perdoado e salvo do inferno. M uito mais que isso, ele foi adotado na
fam ília do Deus eterno!
Outro ponto muito importante é o seguinte: vocês notam que isso
só é verdade quanto a nós no Senhor Jesus Cristo e por intermédio dEle.
Isso só é próprio dos que estão “em C risto”. Isso é absolutamente
vital e fundam ental, porque há corrente hoje um frouxo ensino
concernente à paternidade universal de Deus, assim chamada, e à

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fraternidade universal dos homens. Aqui, neste capítulo, o apóstolo
ensina exatamente o oposto. Toda bênção - e devemos ter em mente que
este versículo dezenove é um resumo do que vem antes - tudo, ele nos
estivera dizendo, é “em Cristo Jesus” . Nenhum a destas coisas é real
sem Cristo Jesus. “Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis
gentios na carne... que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da
comunidade de Israel, e estranhos aos concertos daprom essa, não tendo
esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós, que
antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto” ; Ele
é a nossa paz.” Depois, no versículo 18, “Porque p o r ele (ou “nele”,
Cristo), ambos temos acesso ao Pai em um (ou “por um ”) mesmo
Espírito” . Isso de pertencer à fam ília de Deus independentemente do
Senhor Jesus Cristo não existe. A humanidade está dividida em dois
compartimentos - os que estão fora de Cristo ou sem Cristo, e os que
são membros da fam ília de Deus. Acerca dos primeiros disse o Senhor
Jesus Cristo: “Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os
desejos de vosso pai” (João 8:44). Como é importante observar estas
coisas! Deus, como o Criador, é o Criador de todos, e nesse sentido há
uma espécie de paternidade. Entretanto não é disso que o apóstolo está
falando aqui; não é dessa verdade que o Senhor Jesus Cristo fala, quando
diz: “Vosso pai celestial sabe que necessitais de todas estas coisas”
(M ateus 6:32). Não, esta é a nova relação que só passou a existir
m ediante o Senhor Jesus Cristo e a obra perfeita por Ele realizada.
Portanto, Deus não é Pai dos que não crêem em Cristo. E não há
quem possa ir a Deus e Lhe pedir algo, dizendo: “Meu Pai”, a não ser
que vá “pelo sangue de Cristo”, confiando unicamente em Sua obra
perfeita. Isso, como vocês sabem, muitas vezes é negado hoje. M uitos
falam leviana, desem baraçada e relaxadamente sobre ir a Deus sem
sequer m encionar o nome do Senhor Jesus Cristo. Um dia se despertarão
para verem que Ele nunca os conheceu, que eles estão fora, que não
pertencem à família. Sem Cristo, esse relacionamento não existe. Por
outro lado, deixem que eu diga enfaticamente que esta bênção é um a
realidade quanto a todos os cristãos verdadeiros. Nisso não há divisões
quanto aos cristãos - são todos “concidadãos dos santos e da fam ília de
D eus”. Portanto, devemos rejeitar todos os ensinamentos que dizem
que alguns cristãos não são filhos de Deus, e que traçam um a distinção
entre filhos e criaturas. Criaturas e filhos, neste sentido, são iguais, e
você não pode ser cristão sem ser um a criatura de Deus e um filho de
Deus. Os termos aplicam-se igualmente a todos os cristãos.
É importante compreender isso, pela seguinte razão: se eu e vocês

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somos filhos de Deus, não temos direito de viver como se fôssemos
apenas empregados. Não temos direito de viver na cozinha da casa.
Somos filhos!- e todos os cristãos que não se dão conta disso, eque estão
levando uma vida de serviçal, estão desonrando a Deus e estão difa­
m ando a glória eterna da Sua graça. Por isso é importante compreender
m ais este avanço na doutrina. Se não o compreendermos, cairemos
naqueles diversos erros e, com isso, estaremos difamando a glória do
Senhor Jesus Cristo. Nós O estaremos tirando do centro, E lejá não será
crucial, o Seu sangue estará sendo posto de lado e em descrédito. Ele não
será tudo para nós, e não glorificaremos Seu Pai como devemos.
Esse é, então, o primeiro motivo pelo qual devemos captar esta
verdade. E indispensável para um verdadeiro entendimento da doutrina
da salvação.

Mas eu tomo a liberdade de dizê-lo com maior clareza. Somente


quando entendemos esta verdade é que passam os a usufruir os
privilégios desta posição. Vocês percebem o que isto significa?
Estivemos considerando os privilégios de ser um cidadão do reino, e
estes são maravilhosos e gloriosos. No entanto, à luz das distinções que
traçamos, você pode ver quão mais altos são os privilégios quando você
se vê como filho de Deus, e não apenas como cidadão do Seu reino.
Quais são estes privilégios? Eis o primeiro: Deus é nosso Pai. O
eterno e sempiterno Deus! Podemos ir a Ele como nosso Pai. Vocês
recordam o que opróprio Senhor Jesus Cristo disse: “Subo para meu Pai
e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (João 20:17). Certamente não há
m aior honranem maior dignidade que possamos vislum brar ou com pre­
ender do que justam ente esta - levar sobre nós o nom e de Deus. Não
admira que João, no prólogo do seu Evangelho, tenha dito que “a todos
quantos o receberam, deu-lhes o poder (o direito, a autoridade) de serem
feitos filhos de Deus” (1:12). Não há o que supere isso, não há o que
conceber acima disso, que somos de fato membros da fam ília de Deus.
Isso nos caracteriza literalmente como cristãos. Diz ainda João: “Am a­
dos, agora somos filhos de Deus” (1 João 3:2). Não sabemos o que
seremos em toda a sua plenitude, continua ele dizendo, mas isto
sabemos, que já, agora, somos filhos de Deus. O apóstolo Pedro ocupa-
-se igualmente disso e afirma que “somos participantes da natureza
divina” (2 Pedro 1:4). Cada vez mais me parece que é a nossa falha neste
ponto que realmente explica por que a Igrej a Cristã está como está. E não
se trata do que fazemos ou tentamos fazer; enquanto não voltarmos a
isto, e realm ente não o compreendermos, enquanto não o sentirmos e

- 360 -
não experimentarmos o seu poder, não vejo esperança para a Igreja.
Somos filhos de Deus, participantes da própria natureza divina.
Depois, por causa disso, a segunda coisa que nos caracteriza em
nossa relação com Deus como nosso Pai é que temos o direito de
aproximar-nos dEle, o mesmo direito que uma criança tem quanto ao seu
pai. Paulo já o dissera num versículo anterior: “Porque por ele ambos
tem os acesso” - não a Deus, vocês se lembram, mas - “ao Pai em um
mesmo Espírito” . Isso é tão extraordinariamente forte que mal pode­
mos recebê-lo; mas é verdade. Posso usar um a ilustração simples e
óbvia? Imaginem um homem, alguém responsável por um a grande
empresa, com centenas, talvez milhares de pessoas a seu serviço e sob
a sua direção, um homem excepcionalmente ocupado. É evidente que
esse homem não pode cuidar pessoalmente de todos os pormenores do
seu negócio ou das obras ou do que seja. Ele só lida com grandes
princípios; ele tem os seus gerentes e subgerentes, chefes etc., e esses
tratam das minúcias das coisas dos seus respectivos departamentos. Se
você levar um detalhe de algum departamento a esse grande homem, que
é o chefe de todos, o presidente da companhia, ele sim plesm ente o
despedirá, pois não tem tempo para essas coisas. E contudo o vejo ali,
um certo dia, em seu escritório, sentado à m esa de trabalho, com todas
estas grandes tarefas em mente, e talvez com vultosas quantias para
administrar, pelas quais ele é responsável. Ele não pode ver os seus
gerentes hoje, só pode ver alguns diretores especiais. Contudo, de
repente, ele ouve um a leve batida à porta. Ele sabe quem é; é o seu
filhinho, o seu pequerrucho cambaleante; e o homem vai pessoalmente
abrir aporta, e passa algum tempo falando com ele, talvez brincando um
pouco com ele.
Tudo é posto de lado. Por quê? E seu filho. Essa é a doutrina que
estam os considerando. Deus, que criou do nada todas as coisas, e para
quem todas as estrelas e constelações são o que bolinhas de gude são para
um a criança, Deus, que domina todas as coisas e que existe de eternidade
a eternidade, para quem as nações são como “o pó miúdo das balanças”
(Isaías 40:15) - é meu Pai, é seu Pai, e não há nada, por menor e mais
trivial que seja, na m inha vida e na sua, pelo que Ele não Se interesse
e, por assim dizer, pelo que não Se disponha a deixar que o universo
inteiro siga adiante por seu próprio impulso por algum tempo enquanto
Ele ouve você e dá atenção somente a você. E isso que essa doutrina quer
dizer.
Como somos tolos! Como nos privamos de algumas das coisas mais
preciosas da vida cristã, simplesmente porque não nos apegamos à

- 361 -
doutrina! Usamos as expressões levianamente, mas não analisamos o
seu conteúdo. Eis o que o apóstolo está dizendo: não somos só cidadãos
-lem bro-lhes que o cidadão tem direito de apelar para o rei, mas isto nos
leva muito mais longe - vou como uma criança diretamente à presença
de m eu Pai, e Ele está sempre pronto a receber-me. Ou, para dizê-lo
invertendo os termos, se tão-somente nos déssemos conta do interesse
de Deus por nós e da Sua amorosa preocupação conosco! Como é que
podemos ler as Escrituras e examinar estas declarações gloriosas, e, ao
que parece, nunca as compreender? Foi o próprio Filho de Deus que nos
disse que, como filhos de Deus, “até os cabelos da nossa cabeça estão
todos contados”. É dessa maneira, e em m inúcias como essa, que Deus
nos conhece. O nosso Senhor estava sempre repetindo este ponto. Diz
Ele: “Vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas
coisas” (Mateus 6:32). Por que inquietar-se e aborrecer-se? Se você tão-
-somente compreendesse que Ele é seu Pai, que Ele sabe tudo a seu
respeito, e que Ele conhece todas as suas necessidades e inquietações
muito melhor do que você mesmo, como um pai sabe estas coisas melhor
do que seu filho! Por que você não confia nisso, por que você não põe
a sua confiança nisso, por que você vai ao Pai com hesitação e dúvida?
“Vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas.”
Somos membros da família de Deus. Não haverá perigo de abusarmos
desta doutrina enquanto nos lembrarmos de que o nosso Senhor disse
na Oração Dominical: “Pai nosso, que estás no céu, santificado seja o
teu nom e” . Enquanto você começar desse modo, quando for a Deus
recorrendo a Ele como seu Pai, não haverá leviandade, nem fam iliari­
dade indigna, porém aplenarelação dePai-e-filho perm anecerá, e você
poderá buscá-10 com confiança, com segurança, com certeza, sabendo
que, por ser Ele seu Pai, e por Suas grandíssimas e preciosas promessas,
Ele estará sempre pronto a recebê-lo. Mais maravilhoso que o Seu
estupendo poder é a relação. Essa é a garantia.

Esse é o primeiro aspecto do privilégio. O segundo é: graças ànossa


relação com o Pai, há uma relação com o Filho. As Escrituras se
referem ao Senhor Jesus Cristo como “o prim ogênito entre muitos
irm ãos” (Romanos 8:29). E é verdade. Diz Ele: “M eu Pai - vosso Pai” .
Há uma relação entre nós e Ele. Diz o autor da Epístola aos Hebreus que
Ele “não socorre a anjos, mas socorre a descendência de Abraão” (2:16,
ARA). Ele não assumiu a natureza dos anjos, assumiu a natureza
humana; Ele foi feito “um pouco menor do que os anjos”, desceu ao
nosso nível, assumiu a natureza humana por meio da virgem M aria. Ele

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é o nosso irmão, é o primogênito entre muitos irmãos; Ele diz: “Eis-me
aqui a mim, e aos filhos que Deus me deu”. Assim, Ele é um conosco,
participante da nossa natureza. M as, como m ostra a Epístola aos
Hebreus, Ele não fica nisso. Em razão dessa verdade, Ele nos entende,
Ele Se identifica conosco, Ele está no céu para nos representar. Ele está
sempre lá com o Pai, intercedendo por nós. E pensar nisso é, de novo,
algo que se nos impõe com extraordinária força. É nEle, por meio dEIe
e por Ele que nós vamos ao Pai.
No entanto, não nos esqueçamos nunca de que, graças à nossa
relação com o Pai e com o Senhor Jesus Cristo, temos o direito de dizer,
segundo este apóstolo: “E se nós somos filhos, somos logo herdeiros
também, herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo” (Romanos 8:17).
E neste momento, seja qual for a sua situação, esta é a pura e simples
verdade a seu respeito, você é um herdeiro de Deus. Há um a glória que
nos espera, glória tão maravilhosa que até as Escrituras pouco nos falam
dela. As vezes as pessoas perguntam: por que tão pouco se nos fala do
céu, por que tão pouco nos é dito em detalhe sobre o estado eterno? A
resposta é muito simples. Porque somos pecadores, porque somos
decaídos, a nossa linguagem também é decaída, e qualquer tentativa de
descrever a glória do céu seria um a falsa apresentação. Por isso não
recebemos descrições pormenorizadas. Tudo que nos é dito é que
estarem os com Cristo - e isso deveria ser suficiente para nós. Estaremos
com Ele. Seremos semelhantes a Ele.
Há imagens utilizadas no livro de Apocalipse, mas, lembremo-nos
de que são apenas figuras e imagens; a realidade m esm a é infinitamente
m ais grandiosa, a glória é indescritível. E eu e vocês somos herdeiros
disso. “Bem -aventurados os limpos de coração, porque eles verão a
D eus.” “Bem -aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra” -
e esta será um a nova terra, um a terra glorificada, renovada, “novos céus
e nova terra, em que habita a justiça” (2 Pedro 3:13). E é nossa; somos
herdeiros dela, e co-herdeiros com Cristo. “Se sofrermos (com ele),
também com ele reinarem os”, diz Paulo a Timóteo. O que o está
aborrecendo, Timóteo, por que você está se queixando e lamentando?
Porque está tão desgostoso consigo mesmo? Você não sabe que se sofrer
com Ele, também reinará com Ele e será glorificado com Ele? Se nos
lem brássemos disso sempre, falaríamos menos, não nos queixaríamos,
não nos deixaríamos vencer e abater pelos problemas e dificuldades. Os
nossos fracassos realmente provêm da nossa incapacidade de captar e
com preeder que Deus é nosso Pai, que todo e qualquer porm enor da
nossa vida é do interesse dEIe. Leve tudo a Ele; “leve-o ao Senhor em

- 363 -
oração”, seja o que for. Ele próprio empregava o termo Pai. Não pense
em M im, parece Ele dizer, como um Deus distante, na glória e na
eternidade; estou lá, mas em Cristo vim a você, sou seu Pai, venha a
mim. Assim como o Senhor fazia o Seu amoroso convite e convidava
a que fossem a Ele todos os que estavam cansados e sobrecarregados,
igualmente Deus convida os Seus filhos. “Vinde a m im, todos os que
estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28). Aquela
criança que está zangada e triste porque desej a um a coisa que elanão tem
- seu pai a ergue e abraça, e a criança fica satisfeita só por isso, porque
sabe que o abraço significa que tudo o que o pai tem é dela também.
Assim Deus está pronto a tomar-nos nos Seus braços e a envolver-nos
no Seu amor. Busquem a Deus, cristãos, Ele é seu Pai, vocês são
“mem bros da fam ília de Deus” .
E ainda, pela mesm a razão, compartilhamos o mesmo Espírito. O
Espírito que estava em Cristo é o mesmo Espírito que está em nós. “E,
porque sois filhos”, diz Paulo, “Deus enviou aos vossos corações o
Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai” (Gálatas 4:6). O Espírito de
adoção! (Romanos 8:15). Aí está outro resultado da nossa condição de
filhos de Deus - Ele nos deu o Seu Espírito.

Ao concluir, preciso lembrá-los das responsabilidades disso


tudo? Isso é inevitável. Desfrute tal posição, tal dignidade, tal glória;
participar de tais privilégios, ah, como é grande a nossa responsabili­
dade! Permitam -m e citar algumas palavras ditas pelo nosso Senhor.
Tendo em vista tudo quanto acima foi dito, “resplandeça a vossa luz
diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem
a vosso Pai, que está nos céus” (Mateus 5:16). Um filho nos diz muitas
coisas sobre os seus pais, não diz? Um filho não nos diz somente coisas
referentes a si, ele nos diz muito mais acerca de seus pais. Quando você
observa o comportamento de um a criança, você aprende realmente
muito sobre a disciplina, ou a falta dela, no seu lar. O filho proclam a o
pai. “Eles verão as vossas boas obras, e glorificarão a vosso Pai, que está
nos céus.” Cristo disse de novo: “Neles (em nós) eu sou glorificado”
(João 17:10, VA e ARA). Certamente vocês recordam como, no Sermão
do M onte, falando sobre o amor aos inimigos, o nosso Senhor diz:
“Ouvistes o que foi dito: amarás o teu próximo, e aborrecerás o teu
inimigo. Eu, porém, vos digo: amai a vossos inimigos, bendizei os que
vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos
m altratam e vos perseguem ” . Por que devemos fazer todas estas coisas?
Eis porquê: “Para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus”

- 364 -
(Mateus 5:43-45). Aí está porque temos que fazê-lo, para que sejamos
semelhantes ao nosso Pai, para que proclamem os a fam ília a que
pertencem os. “Pois, se amardes aos que vos amam, que galardão
havereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes
unicam ente os vosssos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os
publicanos também assim? Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o
vosso Pai que está nos céus.” Portanto, na próxim a vez que você estiver
em dúvida quanto à ação que deva praticar ou não, se você deve fazer
certa coisa ou não, não perca tempo perguntando a alguém se aquilo é
certo ou errado; simplesmente pergunte: “Essa espécie de coisa é digna
de um filho de meu Pai? E coerente com afam ília a que eu pertenço, com
o Pai que pôs o Seu nome em mim e a quem eu represento entre os
hom ens?”
“Já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da fam ília de Deus.”

- 365 -
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HABITAÇÃO DE DEUS
“Edificados sobre o fundam ento dos apóstolos e dos profetas,
de que Jesus Cristo é a principal pedra de esquina; no qual todo o
edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual
também vós juntam ente sois edificados para morada de D eus em
Espírito. ” - Efésios 2:20-22

Estes versículos dão prosseguimento ao pensam ento do versículo


anterior, ondo o apóstolo diz: “Assim que já não sois estrangeiros, nem
forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da fam ília de Deus” .
Tratamos das duas prim eiras figuras que o apóstolo usa para
habilitar-nos a ver os privilégios de sermos membros da Igreja Cristã,
e, assim, agora chegamos a esta terceira e última figura. E a figura da
Igreja como “templo de Deus”, “casa de Deus”, edifício em que Deus
habita.
E sempre interessante observar como opera a m ente do apóstolo.
Vocês algum a vez perguntaram, ao lerem esta declaração, por que o
apóstolo acrescentou esta última, esta terceira figura? Parece-me haver
um única explicação. A idéia de fam ília sugeriu-lhe logo a idéia de casa.
E uma transição natural - da família para a casa em que ela habita. Digo
que é interessante observar como opera a mente do apóstolo, e o digo
deliberadamente. Quando pensamos na doutrina da inspiração dos
escritores das Escrituras, é importante ter sempre em m ente que a
doutrina da inspiração não elimina as características individuais dos
escritores; de outro modo, não haveria nenhuma variação no estilo, todos
eles escreveriam exatamente da mesma maneira. Mas, embora seja um
fato que todos estes diferentes escritores estavam cheios do Espírito
Santo e foram dominados, governados e conduzidos por Ele, foi dada
liberdade de ação às suas características individuais. Portanto, nunca
tenha dificuldade alguma, quando ler ou ouvir um a porção das Escritu­
ras, em saber se foi escrita por Paulo ou por Pedro ou por João. Eles têm
as suas características individuais, e aqui, nesta passagem, temos algo
que é muito característico do apóstolo Paulo, a saber, o modo como a sua
m ente sempre se move ao longo das linhas da razão ou seguindo elos e
conexões lógicos. Família! - Casa!
Agora devemos examinar esta figura. Ao tratar da Igreja como

- 366 -
fam ília de Deus, afanei-me para assinalar que isso representou um
avanço no pensam ento do apóstolo em relação à prim eira figura.
Procurei mostrar, com uma série de comparações e contrastes, o porquê
disso, e como ele nos estava levando a um a concepção mais elevada.
Agora, pois, ao chegarmos a esta terceira figura, levanta-se a questão: ele
continua avançando? Esta terceira figura é um clímax ou um anticlímax?
Alguns talvez sintam, na prim eira leitura, que, qualquer que seja a
verdade a respeito da segunda, esta terceira figura só pode ser um
anticlímax, porque ir da idéia de família para a idéia de casa é certamente
ir para baixo. Parece um movimento do pessoal para o impessoal, do
hom em para o material. Qual será, pois, a situação? O pensam ento do »
apóstolo está avançando? Está nos levando para um ponto ainda mais
alto? Ou de repente ele muda a tendência e a linha de pensam ento e nos
leva a um a espécie de figura mecânica?
Esta é um a questão muito importante, não somente do ponto de
vista da exatidão, da exegese e da exposição, mas talvez ainda mais do
ponto de vista da verdade espiritual. Portanto, eu me proponho a mostrar
que o pensam ento do apóstolo continua avançando e que nesta
terceira figura ele nos leva a um grande clímax além do qual nada
épossível. Como sepode estabelecer isso? Da seguinte maneira: em sua
definição e descrição da relação que existe entre os membros da Igreja.
Já salientamos que o princípio dominante do apóstolo o tempo todo é o
da unidade, e o que ele está procurando fazer com estas três figuras é
expor este grande fato da unidade. M inha tese é que nesta terceira figura
ele nos está m ostrando a essência dessa unidade de m aneira até mais
grandiosa do que nas duas primeiras ilustrações. Com o fim de justificar
esta m inha tese, tudo o que necessito é m ostrar a superioridade desta
terceira figura nesse aspecto em relação à segunda, a figura da família;
porque já mostramos que essa é superior à figura do Estado.
A m inha opinião é que os membros de um a família, embora mais
estreitam ente interligados que os concidadãos de um Estado, ainda
constituem , nalguns aspectos, uma associação livre e solta. Afinal, a
fam ília é um a reunião de indivíduos, ao passo que, quanto ao edifício,
a situação é outra e o que há é uma verdadeira fu sã o das partes. Pois
bem, a frase que o apóstolo usa no versículo vinte, “no qual todo o
edifício” , “o edifício completo” dá-nos a chave para um verdadeiro
entendimento. Sei que há os que traduziriam essa expressão como “todo
edifício”, mas ainda assim a verdade em foco continuaria sendo a
mesma. Se vocês preferirem entender a frase como significando “todo
edifício” e pensarem em cada edifício como uma parte diferente do

- 367 -
templo, ainda assim as diferentes partes serão componentes de um todo,
de modo que vocês ainda terão a idéia de um edifício completo. Opino,
pois, que na idéia de um edifício, em distinção de um a família, há a idéia
de um a unidade existente entre os diferentes tijolos ou pedras do
edifício, unidade mais estreita do que a que existe entre os membros de
um a família. Os membros de um a fam ília são indivíduos separados e
distintos. Os membros da fam ília não são idênticos; eles não têm que
fazer desaparecerem as suas características afim de serem membros de
um a família. A individualidade ainda permanece, e às vezes é tão forte
que certos membros da fam ília podem ter menos semelhanças uns com
os outros do que com outras pessoas das suas relações. São membros de
um a fam ília e, todavia, a sua individualidade é mantida e perm anece, e,
nesse sentido, a conexão e a ligação é fraca. Por outro lado, o ponto
deveras essencial qu anto a uma estrutura, a um edifício, é a coesão, o que
o apóstolo descreve como sendo “bem ajustado” .
Talvez eu possa expressá-lo m elhor da seguinte maneira: os
membros de um a família, afinal de contas, podem separar-se uns dos
outros. Não siginifica que deixam de ser membros da família, porém
podem romper a companhia un s dos ou tros. Podem até brigar, não querer
ver-se nem falar uns com os outros. Sei que a união fundam ental ainda
está ali e que nada poderá dissolvê-la; mas, no que diz respeito à
amizade, à comunhão, ao companheirismo e a estarem juntos, eles
podem, porque são entidades distintas e separadas, separar-se uns dos
outros e até dar a impressão de que não existe nenhum a relação ou
ligação entre eles. Contudo, se vocês começarem a fazer esse tipo de
coisa com um edifício, o fim será que vocês não mais terão o edifício.
Se vocês tirarem bom número de pedras de um edifício, suas paredes
ruirão, o seu edifício deixará de existir. Assim é que neste caso, penso
eu, o princípio da unidade revela-se mais estreito e mais próximo.
Separem os tijolos ou as pedras de uma parede, e o edifício se vai; mas
vocês podem separar os membros de um a família, e ainda a fam ília
perm anecerá como um a unidade. A ligação é mais frouxa do que no caso
do edifício. Portanto, a m inha opinião é que o apóstolo está realmente
avançando em seu pensamento, e que aqui ele nos m ostra que a relação
dos cristãos como membros de uma igreja é tão estreita e íntima como
a que prevalece nas diferentes partes e segmentos de um edifício.
M as quando vemos isso do ponto de vista do privilégio, o
progresso do pensamento fica ainda mais evidente. Vimos que o filho
está num a posição mais vantajosa que o cidadão. O cidadão hum ilde
pode apelar para o rei, para o chefe de Estado, mas não da mesma m aneira

- 368 -
pela qual um a criança pode aproximar-se do seu pai. Isso m ostra uma
relação mais íntima e um privilégio superior e maior. Todavia aqui o
apóstolo vai além disso. A sua concepção de Igrej a nesta passagem é que
a Igreja é templo santo do Senhor, que “todo o edifício, bem ajustado,
cresce para templo santo no Senhor”. Pois bem, o filho tem acesso ao
Pai, mas o filho não habita dentro do Pai. Entretanto a idéia aqui
apresentada é de Deus habitando conosco, fazendo em nós a Sua
habitação. Ora, isso é um tremendo avanço do pensam ento, como a
segunda figura fora sobre a primeira. Não somente estamos nesta relação
íntim a com Deus e temos esta liberdade de acesso a Ele; além e acima
de tudo isso, o mistério e a glória final da Igreja é que Deus habita nela.
Ela é Seu templo, o templo santo do Senhor. Como a Sua presença
habitava no santuário interior do antigo templo entre os filhos de Israel,
as sim agora Ele habita na Igrej a, entre o S eu povo. Não há n ada, na esfera
do pensam ento, que supere isso.
Esta verdade, naturalmente, assemelha-se ao ensino dado pelo
nosso Senhor pouco antes do fim da Sua vida terrena, quando Ele disse:
“ ...vos convém que eu vá; porque se eu não for, o Consolador não virá
a vós; mas, quando eu for, enviar-vo-lo-ei” (João 16:7). Era um grande
privilégio estar ali, na presença do Filho de Deus, vendo-O, ouvindo-O,
podendo fazer-Lhe perguntas e receber Sua ajuda. Era maravilhoso, era
esplêndido; mas há algo melhor, e é vir Ele habitar em nós, viver em nós,
ter Sua morada em nós. E Ele disse: Eis o que vou fazer, virei a vocês
e me manifestarei a vocês, eu e o Pai estaremos em vocês e em vocês
faremos nossa morada (João 14:21-23). Isso é mais que falar com Ele
externamente. Ele vem habitar em nós - “Vivo, não mais eu, mas Cristo
vive em m im ” (Gálatas 2:20). Pois bem, é essa a idéia, o tipo de
concepção que o apóstolo coloca diante de nós nesta terceira e últim a
figura que utiliza. O que ele diz é que os efésios são partes deste grande
edifício, deste templo de Deus - estes mesmos efésios que antes
estavam tão longe foram edificados neste templo e estão sendo edifi­
cados nele.

A este ensino, concernente à Igreja como um grande edifício, o


Novo Testamento dá muita proeminência. E como não há nada mais
vital hoje do que a necessidade que os cristãos têm de compreender este
ensino do Novo Testamento sobre a Igreja, não há nada mais urgente
para nós do que apegar-nos firmes a este ensino maravilhoso. Por certo
vocês se lembram do que foi proposto pelo Senhor no grande incidente
ocorrido em Cesaréia de Filipe, quando Pedro fez a sua confissão de fé,

- 369 -
“Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo”, e o nosso Senhor lhe disse: “Eu
te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a m inha igreja”
(Mateus 16:16-18). A í está aprim eira utilidade da analogia; aí está abase
sobre a qual todos os outros têm edificado. Espero referir-me a essa
declaração particular mais adiante, para que tenhamos algum entendi­
mento do que o nosso Senhor quis dizer com ela; mas ela é tratada aqui
pelo apóstolo, indireta e implicitamente.
Depois há a declaração registrada no início do capítulo três da
Primeira Epístola aos Coríntios, indo do versículo 9 ao 17. Ali o apóstolo
afirma que ele é um sábio “arquiteto”, e evidentemente tem em mente
esta concepção geral da Igreja como um edifício - “ninguém pode pôr
outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo” . Há
pessoas de todo tipo que estão edificando sobre este fundamento, diz o
apóstolo, porém elas não estão edificando da m aneira certa, e vai haver
um julgam ento e as obras de cada um serão julgadas. M as é à idéia de
Igreja como edifício que ele está dando ênfase: “Não sabeis vós”, diz
ele, “que sois o templo de Deus?” Todo o problema da igreja de Corinto
foi que os seus membros tinham esquecido isso, e a conseqüênciafoi que
eles estavam se dividindo - “Eu sou de Paulo; eu sou de Apoio; eu sou
de Cefas” ; e assim por diante. Ele pergunta: vocês não percebem que
são um templo do Deus vivo? Não destruam dessa m aneira o templo de
Deus, vocês estão violando o princípio da unidade. Somos assim
levados a lembrar-nos da imensa importância desta doutrina. Em última
análise, todas as dificuldades da Igreja provêm da incom preensão da
natureza da Igreja. É por isso que, em últim a instância, todas estas
Epístolas do Novo Testamento tratam da doutrina da Igreja. Estas
pessoas tinham sido salvas, eram cristãs, sem dúvida; mas estavam com
problem as em muitas direções porque continuavam esquecidas de que
eram membros da Igreja. Segregavam-se a si mesmas, por assim dizer,
tornando-se individualistas num sentido errado, e daí surgiram proble--
mas e sofrimentos. A resposta a isso tudo é: voltem e tratem de
com preender que a Igreja é como um grande edifício.
Também diz a mesm a coisa quando ele lembra a esses coríntios, no
capítulo seis, versículo dezenove, que o Espírito Santo habita neles. Ele
está pensando mais nos indivíduos do que na Igreja, porém isso faz parte
do mesmo conceito. “Não sois de vós mesmos, fostes comprados por
bom preço.” O apóstolo lhes diz que não cometam certos pecados do
corpo. Por quê? Porque “o vosso corpo é o templo do Espírito Santo,
que habita em vós”. Há aindaum a declaração muito notável na Segunda
Epístola aos Coríntios, capítulo seis, versículo dezesseis, onde ele diz:

- 370 -
“Que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois
o templo do Deus vi vente, como Deus disse: neles habitarei, e entre eles
eu andarei.,.” Aí está, mais um a vez, a Igrejacom o templo do Deus vivo.
De novo vocês o têm na Prim eira Epístola a Timóteo, capítulo três,
versículo quinze. Cito todas estas passagens para m ostrar quão vital­
m ente importante é esta doutrinano ensino do Novo Testamento. “Mas,
se (eu) tardar”, diz Paulo a Timóteo, “para que saibais como convém
andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza
da verdade.” Continua sendo a mesma idéia. E o apóstolo Pedro faz uso
da m esm a ilustração. Diz ele: “Vós também, como pedras vivas, sois
edificados casa espiritual...” (1 Pedro 2:5). Há outros exemplos que
também poderiam ser citados, mas estes são os principais.
Com todas estas passagens em nossas mentes, vejamos o que o
apóstolo nos está ensinando realmente neste ponto do nosso capítulo.
Parece-m e que podemos dividir a sua declaração em duas partes
principais. Primeiro, há nela uma afirmação geral acerca desta idéia de
Igreja, especialmente em termos de unidade e privilégio; segundo, há
nela verdadeiros detalhes daconstrução. Sempre que você examinar um
edifício, é importante que tenhaem mente essas duas coisas. Você pode
ter um a visão geral do edifício; há certas características m arcantes que
você poderá notar imediatamente. Todavia, depois há aquele outro
aspecto que se deve estudar num edifício - o exame dos alicerces, em
detalhe, o processo empregado na construção das paredes, e o que
m antém toda a estrutura interligada. Há esse aspecto, o lado mais
m ecânico. De m aneira fascinante, o apóstolo trata aqui de ambos os
aspectos.

N o momento só quero tratar particularmente do primeiro princípio;


a saber, esta concepção geral da Igreja como edifício. Ao estudarmos
este ponto, queira o Espírito habilitar-nos a ver-nos a nós mesmos como
parte deste admirável processo que está em andamento.
A prim eira coisa que o apóstolo nos diz é que a Igrej a é um edifício
que está em processo de edificação. Não conheço m elhor m aneira de
pensar na era atual, na presente dispensação, do que simplesmente ver
a Igreja desse modo. Que é que Deus está fazendo no presente? Que será
que na verdade Deus tem feito desde que o nosso Senhor completou a
Sua obra e retom ou ao céu? Que é que na verdade Deus tem feito desde
a queda do homem? A resposta é que Deus está erigindo um edifício, e
esse edifício é a Igreja. Este é um processo que está em andamento. E
o apóstolo nos dá idéia disso aqui, com estas palavras, “edificados sobre

- 371 -
o fundam ento”, ou, mais precisamente, “que estão sendo edificados
sobre” . Está presente ai a idéia de processo. E também noutra expres­
são, “no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no
Senhor” . Vocês podem ver o processo em andamento, um edifício
crescendo para o alto e aumentando. Gosto de pensar nisso como um
quadro descritivo daquilo que está acontecendo no mundo. Vocês
podem ler os livros da história secular, podem examinar a história do
m undo e da raça humana como o faz o homem de m entalidade secular,
e verão que é muito difícil formular alguma idéia disso tudo; mas quando
o examinam do ponto de vista da Bíblia, vêem claram ente o que está
acontecendo. Deus tem um grande plano. Ele é o Arquiteto eterno, que
traçou a Sua planta e as especificações, e está edificando. E de cada
geração Ele está retirando certas pedras, escavando as pedreiras, extra­
indo as pedras, levando-as da m aneira que espero descrever posterior­
mente, e adicionando-as ao edifício. Em algumas gerações houve
poderosos avivamentos e houve grande acréscimo, podendo-se ver o
edifício como que saltando para o alto; porém também há períodos em
que parece não acontecer nada, e um observador casual poderia dizer que
não hácrescim ento, que não há expansão, que as paredes não sobem nada
e que nada acontece. E, contudo, o edifício está crescendo, uma pedra
aqui, outra ali, talvez. É tudo parte deste grande processo.
Devemos lembrar-nos de que não se trata apenas de um a parte do
propósito de Deus, mas do fato de que esse propósito é firme e seguro.
Este processo de edificação vem se realizando há muito tempo. “Vocês
estão sendo edificados para isso”, para templo do Senhor, diz Paulo a
estes efésios, entretanto quantos milhares, quantos milhões têm sido
edificados desde aquele tempo! Eu e vocês fomos acrescentados a ele;
somos parte dele; e o processo continua. E continuará até que se
com plete e termine. Este grande apóstolo Paulo, no capítulo onze da
Epístola aos Romanos, fala sobre “a plenitude dos gentios” e sobre o
fato de que “todo o Israel será salvo”. Acreditem-me, “o Senhor
conhece os que são seus” e “o fundamento de Deus fica firm e” (2
Tim óteo 2:19). Faça o mundo o que quiser, fique às soltas o inferno,
ainda assim cada um daqueles que Deus escolheu para este edifício
estará no edifício. Fomos colocados nele, acrescentados a ele, e este é
o mais alto e m aior privilégio que pode ser dado ao ser humano. Portanto,
pense em si desta maneira, como parte deste edifício glorioso, deste
trem endo templo que Deus está edificando. Ele vai extraindo pedras do
mundo e vai erigindo este novo edifício, esta estrutura maravilhosa, este
glorioso templo. Esse é o primeiro pensamento.

- 372 -
Pois bem, devo ressaltar logo o segundo ponto sugerido na passa­
gem em foco, que é o seguinte: este processo é vital. Outra vez devo
anotar como é fascinante observar como opera a m ente do apóstolo. Ele
deve ter percebido, logo que começou com esta concepção, que as
pessoas poderiam pensar na Igreja, e no edifício da Igreja, de m aneira
mecânica. Põe-se tijolo em cim a de tijolo, acrescenta-se pedra a pedra,
coloca-se um pouco de reboco, etc. - o que é mais m ecânico do que
edificar? O apóstolo, penso eu, teve tanto receio de que as pessoas o
entendessem mal dessa maneira, que estranhamente introduziu a pala­
vra “cresce” : “no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce...” Um
edifício pode crescer? Segundo o apóstolo, pode; e, a fim de tornar isso
claro, ele quase incorre no erro, na verdade incorre no erro de misturar
as suas metáforas. Ele m istura a m etáfora do crescimento das flores, da
relva, com a de um edifício desenvolvendo-se, erguendo-se, estenden­
do-se e indo para cima. É interessante notar que no capítulo três da
Prim eira Epístola aos Coríntios ele também põe estas duas idéias lado
a lado. Diz ele no versículo nove: “Porque nós somos cooperadores de
Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus” . Ao mesmo tempo
o apóstolo se refere a si próprio como agricultor e como arquiteto. Vocês,
diz ele, são como um a lavoura de trigo, e são também um edifício. Ele
coloca as duas idéias juntas e parece fundi-las num a só. O edifício
crescendo - um processo vital.
O apóstolo Pedro faz a mesm a coisa. Se ele recebeu de Paulo a idéia
ou não, eu não sei. (Sabemos que ele tinha lido as cartas de Paulo porque
ele nos disse que algumas delas eram um pouco difíceis de entender 2
Pedro3:15-16).) Vocês notaram as palavras de 1 Pedro 2:5 quehá pouco
citei: “Vós também, como pedras vivas...” ? Um a pedra pode ser viva,
pode estar viva? Há vitalidade num a pedra? Pedro afirma que há, pois
esta é a sua metáfora: “Vós também, como pedras vivas, sois edificados
casa espiritual” .
Na verdade aqui, no versículo 22, o apóstolo expõe tam bém a
m esm a idéia: “no qual todo o edifício, bem ajustado” - bem ajustado!
Ele faz uso desta mesm a idéia no capítulo quatro quando, falando sobre
o corpo, diz: “Do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio
de todas as juntas” . Ora, tudo isso é muito simples no caso do corpo, mas
seria tão evidente no caso de um aparede, no caso de um edifício? A única
m aneira de entender isso, de acordo com o apóstolo, é captar a idéia de
que se trata de um edifício vital, um edifício vivo.
Esta é uma das coisas que precisam ser expostas com ênfase urgente­
mente hoje. Há toda a diferença do mundo entre apenas acrescentar nomes

- 373 -
ao rol de membros de uma igreja, e o crescimento do templo santo do
Senhor. Estamos vivendo numa época caracterizada por um a m entali­
dade estatística, e vocês podem ler relatórios de países e localidades em
que todo o mundo parece ser membro de igreja. Mas, infelizmente, não
se segue que todos esses membros estão sendo edificados neste santo
tem plo do Senhor. Não se segue necessariamente que eles são pedras
“vivas” , que eles fazem parte deste crescimento. O crescim ento da
Igreja é vital, não mecânico. Os homens podem aumentar o número de
membros de uma igreja, porém somente Deus pode edificar, m ediante
o Espírito, na construção da Igreja. Este crescimento rumo a um templo
santo é um processo vital. Quando vocês ouvirem tudo o que se fala hoje
sobre a unidade da Igreja e sobre um a grande Igreja mundial, e sobre a
incorporação de denominações diferentes, tenham em mente esta
palavra “cresce” . Uma coisa é m eramente fundir diversas organiza­
ções. Não é esse o conceito de Paulo sobre a unidade da Igreja e sobre
o aumento da Igreja. M as parece que é esse o pensamento dom inante
hoje. E mecânico, é estatístico. Segundo esta idéia, vocês simplesmente
somam; vocês se assentam, têm uma conferência, e resolvem fazer isso.
Que contraste com este processo vital, vivo, dinâmico! “Cresce para
templo santo” ! Pedras vivas! Pedras animadas! Dou ênfase a esta
verdade porque não hesito em asseverar que, em grande parte, é porque
este princípio foi esquecido que a Igreja está como está hoje. A Igreja
está rogando aos homens que se agreguem a ela. Que confissão de
incapacidade de entender a natureza da Igreja! Eu nunca peço a ninguém
que se agregue à Igreja, nunca o farei. Nunca o fiz. Para mim é um grave
erro querer convencer as pessoas, quase implorar-lhes, que se agreguem
à Igreja. Na verdade, muitas vezes as pessoas são subornadas para
aderirem à Igreja. Mas tudo isso é a verdadeira antítese deste processo
vital no qual o apóstolo está interessado, este crescimento, o resultado
desta trem enda operação. Lembremo-nos sempre que este processo é
vital.
Isso me leva ao meu terceiro comentário. Vocês notam que o
apóstolo diz que este é um “templo santo ”. Quando você anda em volta
deste templo e o examina, qual a sua impressão maior? Bem, diz o
apóstolo, a impressão maior que ele causa é de “santidade” . Ele não diz
um a palavra sobre o seu tamanho, não fala nada sobre o seu caráter
ornamental. Não diz nada sobre algo nele que se preste para exibição.
Contudo, ele diz que o templo é santo. Essa é a sua grande característica,
“ ...cresce para templo santo no Senhor.” “No qual também vós sois
edificados para m orada de Deus em Espírito” (ou, “m ediante o

- 374 -
Espírito” , VA). Ah, como temos esquecido esta característica! Quão
tristemente está sendo esquecida hoje! Certamente foi essa a fatalidade
que aconteceu quando Constantino ligou o Estado romano à Igreja
Cristã. Foi esquecido que ela é um templo santo, que a principal
característica da Igreja sempre é que ela seja santa - não que ela seja
grande e influente. Decerto vocês se lembram da afirmação que um
hom em fez, talvez em parte brincando, mas como é verdadeira! Discu­
tindo a questão dos milagres na Igreja, este homem assinalou que era
quando a Igreja podia dizer: “Não tenho prata nem ouro” , que ela podia
continuar, dizendo, “Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te
e anda” (Atos 3:6). Atualmente a Igreja não pode fazer nenhum a dessas
afirmações. Ela tem prata e ouro, tornou-se grande e poderosa, todavia
se esqueceu da santidade. No entanto, esta é a característica do templo,
“um povo santo”, “um local de encontro para Deus nele habitar” .
Oxalá em toda a nossa conversação, em todo o nosso pensar e em
todas as nossas discussões concernentes à unidade hoje, este princípio
fosse posto no centro. Mas não é. O que está sendo discutido hoje são
os diversos pontos de vista acerca da ordenação; se os bispos são do ser
(isto é da essência) da Igreja, ou se são apenas da sua conveniência, e
assim por diante; meras questões mecânicas! Como se essas coisas
tivessem algum valor! Como o apóstolo continua dizendo no capítulo 4,
a única garantia da verdadeira unidade da Igreja é a unidade do Espírito
Santo, a unidade da santidade, a unidade do povo santo. Quando a
santidade é a principal característica, a unidade aparece por conta
própria. Quando a santidade é colocada no centro, m uita coisa terá que
sair, antes de m uita coisa poder entrar. Todo avivamento, todo grande
aumento da Igreja em sua longa história, sempre seguiu esse padrão. Foi
quando W esley e W hitefield tiveram o seu “Clube Santo” que veio o
avivamento, há 200 anos. Você começa com a santidade, e então o
núm ero aumenta. M as se você tentar aumentar o núm ero sem a
santidade, você não terá um “templo santo no Senhor” . Terá uma
grande organização, terá um a florescente preocupação com atividades,
teráum ainstituição maravilhosa; porém não será esse o lugar onde Deus
habita. Poderá ser um lugar de muito entretenimento e de m uita
atividade e agitação, mas não será a Igreja do Deus vivo. A santidade é
a sua principal característica.
Isso me leva ao último pensamento, no momento, e é que sempre
se deve pensar na Igreja, em termos da Trindade santa e bendita. Com

* Esse...bene esse. Em latim no original. Nota do tradutor.

- 375 -
que constância o apóstolo volta a isso! Vimo-lo no versículo dezoito,
“Porque por ele (referindo-se ao Filho) ambos temos acesso ao Pai em
um m esm o Espírito” . As três Pessoas! Vocês notam a sua ênfase?
“Jesus Cristo (aí está a prim eira menção de Cristo nestes versículos
particulares) é a principal pedra da esquina” - Jesus C risto! Que mais?
“No qual” - em Jesus Cristo - “todo o edifício, bem ajustado, cresce
para templo santo no Senhor” - outra vez o Senhor Jesus Cristo; “no
qual” - ainda o Senhor Jesus Cristo. Paulo não consegue deixá-10 de
lado, não pode esquecê-lO. Vai sempre dando ênfase a isto, e o vai
repetindo. Quando lemos inteiramente estes dois capítulos desta E pís­
tola aos Efésios, com que freqüência vemos esta repetição do nome,
Jesus Cristo, o Senhor, Cristo Jesus, nEIe, tanbém nEle; e ele continua,
e vai sempre se referindo a Ele! Sem Cristo não há Igreja. Sem Cristo
não há unidade. É por isso que um congresso mundial de crenças, assim
chamado, é um a negação de Cristo e da Igreja. E é por isso que qualquer
m ovim ento ou organização que pretenda pôr os homens em paz com
Deus e que não ponha Cristo em toda parte - no centro, no início, no
fundam ento, no fim, em toda parte - não é cristão. Poderá fazer muitas
coisas boas socialmente, poderá ajudar pessoas, poderá talvez produzir
alguma m udança em suas vidas; mas se Cristo não lhe for essencial, não
é cristão. Notem a repetição aqui de novo - “Jesus Cristo” - nO qual,
nO qual, nO q u al! Não há nada que esteja fora da nossa relação com Ele.
E depois, “m orada de D eus” - o Pai! - vindo habitar nEle. Ele
m anifestava a Sua presença na glória da Shekiná no templo, no “lugar
santíssimo” ; e Ele vem habitar na Igreja. E o faz mediante o Espírito.
O Filho! O Pai! O Espírito Santo! Esta é sempre a ordem - o Filho nos
leva ao Pai, e o Pai e o Filho enviam o Espírito. E assim temos este
“templo santo no Senhor” .
Vocês não vêem a importância desta doutrina? As pessoas entra­
vam no antigo templo para encontrar-se com Deus. Era o lugar habitado
por Sua presença e Suahonra. A importânciaprática, a importância vital
destadoutrinaparanós é que Deus agorahabitano templo que é algreja.
E é em nós e através de nós que as pessoas O buscam e, nesse prim eiro
sentido, vêm a Ele. Estaremos nós dando a impressão aos de fora que
a Igreja é o templo do Deus vivo? Estarão eles vendo algo desta
santidade, desta referência que é própria de Deus em nós - que Ele habita
em nós e Se m ove em nós?
Há, então, alguns princípios gerais que se deduzem da linguagem
geral do apóstolo. Consideraremos em detalhe o que ele nos diz acerca
da construção. É absolutamente vital. Em todo este moderno interesse

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pela união e pela Igreja, nada é mais fundam entalmente importante do
que ser todo o nosso pensam ento dominado pelas Escrituras. Devemos
ser cautelosos para que não se intrometam idéias humanas, e devemos
assegurar-nos de que, em nosso desejo de “fazer” algo, não estejamos
desperdiçando nossa energia e, assim quando chegar o dia em que a obra
de todos os hom ens será provada por fogo, ver que a nossa obra não será
mais que madeira, feno e palha e que será totalmente queimada, e nós
sofremos perda - embora, pela graça de Deus, nós m esm os ainda
possamos ser salvos - todavia, como que pelo fogo (1 Coríntios 3:13 e
15).

- 377 -
O UNICO FUNDAMENTO
“Edificados sobre o fundam ento dos apóstolos e dos profetas,
de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o
edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual
também vós juntam ente sois edificados para morada de Deus em
Espírito. ” - Efésios 2:20-22

Vimos que o apóstolo utiliza aqui três figuras a fim de transmitir a


estes cristãos efésios uma verdadeira concepção de sua posição na Igreja
Cristã e, portanto, um a verdadeira concepção da natureza da própria
Igreja Cristã. Já tratamos de duas delas. A prim eira foi a figura de um
Estado, de um reino, um país. Todos nós somos membros, somos
cidadãos do reino de D eus. Mas, na segunda figura ele compara a Igreja
com um a família. E todos nós somos filhos de Deus e m em bros da
fam ília de Deus. No entanto, mesmo isso não foi suficiente. Ele
prossegue e passa a esta terceira figura, que já começamos a estudar, a
figura da Igreja de Deus como um grande edifício em que Deus habita.
Pois bem, é óbvio que a figura surgiu espontaneam ente na mente
do apóstolo, em parte por causa do que ele estivera dizendo num
versículo anterior sobre o templo na antiga dispensação. O seu grande
argumento é que a parede intermediária de separação entre os judeus e
gentios tinha sido demolida. A parede intermediária de separação, é
evidente, achava-se no templo. Os gentios estavam no Pátio dos
Gentios, ehaviaum aparede que impedia a sua entrada no Pátio do Povo.
E, por sua vez, o povo não tinha permissão para entrar no “lugar santo”,
e ninguém, exceto o sumo sacerdote, podia entrar no “lugar santíssimo” .
Portanto, Paulo estava pensando em termos de um templo que separava
as pessoas. Todavia agora tudo isso passou, e há um novo templo; e Deus
habita neste novo templo, ó templo que consiste em Seu povo. Não é
mais um templo judaico. Isso passou para sempre; “Não há grego nem
judeu... bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos”
(Colossenses 3:11). Há esta nova realidade. O templo em que Deus
agora habita é a Igreja, o Seu povo.

Já os fiz lembrar, e agora os faço lem brar de novo, que existem dois
grandes princípios que devemos ter firmemente no prim eiro plano das

- 378 -
nossas mentes, se queremos acompanhar este ensino. O apóstolo está
interessado em m ostrar duas coisas: uma, aunidade, a unidade essencial
que sempre deve caracterizar a Igreja Cristã e todos os cristãos verda­
deiros. Isto não é m atéria de discussão, é algo que Deus fez e que Deus
pessoalm ente produziu em Cristo. Ele criou “dos dois um novo
hom em ”, esta nova realidade, a Igreja. E a unidade é completam ente
inevitável. A segunda coisa, que é resultante dessa unidade, é o
privilégio da nossa posição. Nesta figura da Igreja como este templo,
este santo edifício no qual Deus estabelece a Sua residência, põe às
claras estas duas verdades. Já examinamos este assunto de m aneira
geral, porém agora vamos passar a uma consideração mais minuciosa.
O apóstolo ensina que o edifício é algo que está em constante
desenvolvimento, graças a um processo dinâmico, vivo e ativo. “Cres­
ce” - ele é algo que cresce; e nós “juntam ente somos edificados” . Não
é algo m ecânico - jam ais devemos pensar na unidade em termos de
m ecânica ou de fria estatística. Não, é algo vital - “cresce”. E um
processo vivo. Também vimos que o templo é santo. O apóstolo não está
preocupado com o tamanho, está preocupado com a qualidade. Santi­
dade! “Templo santo no Senhor” ! Vimos igualmente que as três
Pessoas da Trindade santa e bendita estão sempre necessariamente
envolvidas. M as o apóstolo não pára numa descrição m eramente geral.
Ele examina o templo e prim eiro nos dá um relato geral sobre ele.
Entretanto esta questão é tão importante, em sua opinião, que ele tem
que entrar em detalhes. Ele nos dá a planta e as especificações deste
edifício, deste templo. E, uma vez que o apóstolo se dá ao trabalho de
fazer isso, devemos deduzir que ele o considerava um assunto da
m áxim a importância.
Todo este assunto relacionado com a natureza da Igreja, a
unidade da Igreja, é verdadeiramente uma questão fundam ental. O
apóstolo tratou disso em seus próprios dias e em sua própria geração
porque obviam ente era indispensável que o fizesse. E igualmente
indispensável que o façamos hoje. A grande palavra hoje em dia é a
palavra “unidade” . Há possivelmente mais prosa, m ais pregação e
m aior produção de livros e artigos sobre aunidade da Igreja hoje do que
sobre qualquer outro assunto. É, na verdade, o principal tópico em
discussão em todos os segmentos dalgreja em todos os países. Portanto,
quaisquer que sejam as nossas opiniões, convém que o nosso pensa­
m ento a respeito seja claro. É um grande erro um cristão, seja ele quem
for, dizer que só se preocupa com a sua experiência pessoal, e que não
tem nenhum a preocupação com estas questões maiores. Você deve

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preocupar-se. Você não pode viver isoladamente. Todos nós vivemos
juntos, temos comunhão uns com os outros. “Nenhum de nós vive para
si, e nenhum m orre para si” (Romanos 14:7). E a verdade é que se não
pensarm os nestas questões, acabaremos sendo influenciados por outros
e acabaremos sendo envolvidos em suas decisões. Permitam-me usar
um a ilustração. Lem os constantem ente nos jornais em nossos dias que
o real problem a do mundo industrial, quanto às greves e conflitos, é em
grande parte causado pelo fato de que, em sua imensa m aioria, os
membros dos sindicatos simplesmente não se dão ao trabalho de ir às
reuniões e votar. O resultado é que poucas pessoas, que podem ser
comunistas, sempre vão, e visto que eles vão e os outros não, mas deixam
que as questões se decidam à revelia, o program a de um sindicato pode
muito bem ser governado por um pequenino grupo de pessoas, ao passo
que todos os outros, que poderiam não estar de acordo, têm que seguir
as decisões tomadas. A pura negligência e indolência, a recusa a
interessar-se ativamente, permite que a situação vá à revelia. Exata­
m ente a m esm a coisa poderá acontecer na Igreja. M uitas vezes aconte­
ceu que cristãos, em sua indolência, e negando-se a incom odar-se e a
dedicar suas mentes a estas coisas, permitiram que decisões fossem
tomadas em lugar deles por um pequeno grupo de oficiais. É nosso
dever, digo eu, como cristãos, entender algo daquilo que o apóstolo
ensina aqui referente a esta questão de unidade.
Perm itam -m e oferecer-lhes algumas razões para procedermos
assim. H á muitas maneiras pelas quais se pode conseguir alguma
espécie de unidade, porém o que importa é a unidade que corresponde
ao que o apóstolo ensina aqui. A igreja católica rom ana acredita na
unidade m ais que qualquer outra corporação. Ela está sempre dizendo
isso. A própria palavra “católico” nos fala disso. O termo se refere à
Igreja universal, e os católicos romanos se espantam com o fato de que
os protestantes tenham se separado deles e com o fato de que haja
qualquer divisão. Eles dizem que devemos ser um, e que a Igreja deve
ser unida. Nenhum a igreja prega a unidade mais que a igreja católica
romana. M as sabemos o que eles querem dizer com isso. Eles querem
dizer uniformidade; o que eles querem é que todos sejam reabsorvidos;
querem que todos retornem a Roma. O que acentuo é que eles têm muito
interesse na unidade. Se nós simplesmente falamos em unidade e
dizemos que nada importa, senão a unidade, então, logicamente, todos
nós deveríamos unir-nos com a igreja católica romana. Eles se cham am
cristãos, como nós. M uito bem, pois, poderíamos raciocinar, se todos
nós somos cristãos, então por que estarmos separados, por que sermos

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diferentes? Sejamos todos um, tornemo-nos todos católicos romanos.
Pois bem, quando dizem coisas desse tipo, não gostamos; entretan­
to quando precisam ente o mesmo argumento é utilizado dentro do
protestantism o, achamos que o argumento é maravilhoso. M as o prin­
cípio continua sendo exatamente o mesmo. Não se começa, e não se
deve com eçar com unidade. A unidade é algo que resulta doutra coisa.
Não se pode criar unidade. Vejam, por exemplo, esta figura que o
apóstolo usou acerca da família. A unidade que existe entre os membros
de um a fam ília não é criada artificialmente. A unidade é inevitável por
causa do relacionamento deles. E toda forma de unidade é assim
também. A unidade é um resultado. Não se parte da unidade; a unidade
é algo que existe porque certos princípios fundamentais estão em
operação.
Consideremos outra ilustração. Há poucos anos lemos nos jornais
sobre o modo como foi celebrado o décimo aniversário da fundação da
Organização das Nações Unidas. Com relação a esse evento tiveram
um a reunião à qual chamaram “Festival da Fé” . E o festival da fé
consistiu num grande culto em que judeus, maometanos, hindus,
budistas, confucionistas e cristãos participaram juntos e juntos recitaram
as mesmas orações. O argumento era o seguinte - e quantas vezes este
argumento é utilizado hoje! - as pessoas diziam: todos nós cremos no
m esm o Deus. Os maometanos, os hindus, os budistas, os cristãos, todos
crêem no mesmo Deus. A verdade é como uma grande montanha; há um
só pico, todavia há muitos caminhos que levam para lá. Por que eu
deveria dizer que só eu estou certo? Que direito têm os cristãos de dizer
que só eles estão certos e que todos os outros estão errados? Não importa
que caminho você siga para subir a montanha, contanto que você chegue
ao topo. Portanto, juntem o-nos todos num grande festival da fé, num
festival das crenças, num grande congresso, num congresso mundial das
religiões. Cremos no mesmo Deus; logo, porque brigar por causa destas
coisas? Esse é o tipo de argumento que seusa hoje. As vezes me pergunto
o que estas pessoas pensariam de Paulo se ele vivesse hoje. Pergunto-
-me o que muitos membros da Igreja Cristã diriam dele. Notem o que
ele diz aos gálatas: “Ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos
anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja
anátema” (Gálatas 1:8). Ah, diriam eles, que homem impossível, que
individualista, queisolacionista! Só ele está certo, todos os outros estão
errados. Ele não quer saber de entrar conosco, está sempre fora, em
certos pontos. Acaso não é evidente que, às vezes, por deixar-nos
influenciar por prosas gerais e vagas, nós nos tornamos completam ente

- 381 -
anti-escriturísticos sem perceber o que estamos fazendo? Ora, devemos
ter o cuidado de observar os planos e as especificações dadas por Deus.
Não basta gritar a palavra “unidade” e dizer que o importante é que
fiquemos todos juntos. Há uma coisa infinitamente mais importante -
a verdade! Pois a unidade que não se baseia na verdade é falsa. E
produzida pelo homem; não é do plano de Deus e, portanto, é irreal e
espúria.

O apóstolo nos dá aqui um claro ensinamento concernente a isso


tudo. Construam, diz ele, sobre o fundamento. Ele de imediato nos leva
ao princípio vital: sem um fundam ento verdadeiro não pode haver um
edifício verdadeiro. Vocês têm que começar com os alicerces, diz
Paulo. Não podem falar em edifício sem saber algo sobre o seu alicerce.
Isso é absolutamente vital e central. Portanto, à luz da trágica confusão
moderna, devemos dar-nos ao trabalho de ir a fundo na análise de
minuciosas descrições, exposições e definições, para m ostrar exata­
m ente o que o apóstolo diz.
Eis a única base da verdadeira unidade: o fundam ento dos após­
tolos e dos profetas. Que é que Paulo quer dizer? Devemos com eçar
fazendo a pergunta: que é um apóstolo? Não se pode entender nada
desta questão de unidade, a menos que se entenda o que é um apóstolo
e o que é um profeta, porque a Igreja é edificada “sobre o fundam ento
dos apóstolos e dos profetas” . Os pontos essenciais relacionados com
um apóstolo são os seguintes: um apóstolo era alguém que tinha visto
o Senhor ressurreto. Apóstolo é, por definição, alguém que pode dar
testemunho da ressurreição de Cristo porque viu o Senhor ressurreto.
Essa era um a das qualificações do próprio Paulo. Ele viu o Senhor
ressurreto no caminho de Damasco. Se não O tivesse visto, jam ais
poderia ser um apóstolo. Poderia ser um pregador, poderia ser um
profeta, poderia ser um grande mestre; mas nunca poderia ser um
apóstolo, se não tivesse visto o Senhor no caminho de Damasco. E por
isso que, escrevendo aos coríntios, ele diz que é como “um abortivo”
(1 Coríntios 15:8). Paulo não viu o Senhor ressurreto quando os outros
apóstolos O viram; ele teve esta manifestação especial e particular para
que pudesse tornar-se um apóstolo.
Ele toca no mesmo ponto numa frase do princípio do capítulo nove
da Prim eira Epístola aos Coríntios. “Não sou eu apóstolo? Não sou
livre? Não vi eu a Jesus Cristo Senhor nosso?” Essa é a prova de que
ele é um apóstolo. No entanto, não somente isso! Um apóstolo era
alguém especialmente chamado, designado e enviado como pregador do

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evangelho pelo próprio Senhor ressurreto. Essa é também um a parte
vital da vocação de um apóstolo. Leiam o capítulo vinte e seis do livro
de Atos, e verão ali o relato de como o Senhor comissionou pessoal­
mente o apóstolo Paulo no caminho de Damasco. Assim, o apóstolo é
alguém que, tendo visto o Senhor ressurreto dentre os m ortos, foi
especialm ente comissionado por Cristo para ir e pregar a mensagem.
Além disso, aos apóstolos era dada uma autoridade muito especial.
Recebiam o poder de operar milagres e de fundar igrejas, e estas coisas
eram um atestado da sua autoridade como apóstolos. Essas eram, então,
as três principais características de um apóstolo. Veremos num instante
quão vital é que as tenhamos todas em mente. Sem essas três qualidades
nenhum homem poderia ser apóstolo, e isso torna a “sucessão apostó­
lica” um a impossibilidade.
Passemos agora aos profetas .Q u e é um profeta ? Tem havido m uita
discussão a respeito. Os comentaristas mais antigos concordavam todos
em dizer que esta palavra “profeta” refere-se aos profetas do Velho
Testamento, aqueles que profetizaram a vinda de Cristo, a vinda do
reino, e nesse sentido estabeleceram um fundamento. M as, por outro
lado também há muitos que são da opinião de que não é um a referência
aos profetas do Velho Testamento, e sim, uma referência aos profetas
do Novo Testamento, aos profetas que agiam na Igreja do Novo
Testamento. Eles argumentam que tem que ser esse o caso pois, se o
apóstolo estivesse pensando nos profetas do Velho Testamento, teria
dito “sobre o fundamento dos profetas e dos apóstolos” ; contudo ele
diz, “sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas” . Portanto, é
evidente que ele estava pensando em termos doN ovo Testamento. Eles
vão mais longe e dizem que o apóstolo faz a mesma coisa no versículo
cinco do capítulo três, onde lemos: “O qual noutros séculos não foi
manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo
Espírito aos seus santos apóstolos e profetas”. E ainda, no versículo
onze do capítulo quatro, ele diz: “E ele mesmo deu uns para apóstolos,
e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores
e doutores” (ou “pastores e mestres”). Assim, com base nestas coisas,
eles argumentam que a referência é patentemente aos profetas do Novo
Testam ento, aos profetas da Igreja Cristã.
Isso então levanta a questão: que é um profeta? - quer na antiga
dispensação quer na nova, A resposta é que profeta é alguém que recebe
um a mensagem direta de Deus. Profeta é aquele a quem a verdade é
revelada diretamente pelo Espírito - não como resultado da leitura das
Escrituras ou de alguma outra coisa, mas por um a mensagem dada

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diretam ente, mensagem que, por sua vez, ele transmite a outros. O
apóstolo o define para nós: “o que profetiza”, diz ele, “fala aos homens
para edificação, exortação e consolação” (1 Coríntios 14:3). N a Igreja
Cristã dos primeiros tempos havia os chamados profetas. Os cristãos não
tinham então as Escrituras do Novo Testamento; não dispunham nem
dos Evangelhos nem das Epístolas; porém havia aqueles que recebiam
elem entos da verdade e entendimento espirituais por revelação e eram
habilitados a proferi-los. O profeta do Velho Testam ento fazia exata­
m ente a m esm a coisa. Deus lhe revelava verdades e o habilitava a
proferi-las. Essa é a característica do profeta.
A que exatamente o apóstolo está se referindo aqui, quando diz,
“sobre o fundam ento dos apóstolos e dos profetas”? Ele coloca
prim eiro os apóstolos por causa da sua singularidade absoluta. Vocês
têm a m esm a coisa em Apocalipse 21:14, onde lemos sobre a cidade
santa, a nova Jerusalém, descendo do céu, cujo muro tinha doze
fundam entos e, escritos neles, “os nomes dos doze apóstolos do
Cordeiro”. Quanto aos profetas, podemos concordar que ele está se
referindo aos profetas do Velho Testamento e aos profetas do Novo
Testam ento - especialmente aos últimos.
Então, em que sentido é verdade que a Igrej a é edificada, estabelecida
e fundada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas? Significa,
em parte, sobre os homens propriamente ditos, na qualidade de crentes,
homens que exercem fé. Eles foram os primeiros crentes - os apóstolos
e os profetas - e nesse sentido toda a estrutura superior repousa sobre
eles. Não há dúvida que esse é em parte o sentido, que eles foram os
prim eiros a ser colocados neste grande edifício como pedras fundam en­
tais. Portanto, é certo dizer que a referência é, em parte, a eles como
cristãos, como pessoas que exercem fé no Senhor Jesus Cristo.
M as isso, por seu turno, leva ao segundo aspecto, e este, provavel­
m ente, tinha m aior presença na m ente do apóstolo do que o prim eiro -
o ensino dos apóstolos e dos profetas. Este é, por excelência, o
fundamento, afinal de contas. Nenhum de nós poderia pertencer à Igreja
sem crer. E como resultado da nossa crença que obtemos todos os nossos
benefícios, e que nos tornamos o que somos. A diferença existente entre
cristãos e não cristãos é a que existe entre crentes e incrédulos. Os
incrédulos não estão na Igreja; os crentes estão. No que é que aqueles
crentes criam? Criam no ensino. Assim é que, em últim a análise, o
fundam ento é o ensino dos apóstolos e dos profetas, a sua doutrina. Eles
ensinavam o que eles mesmos criam; eles davam expressão à fé por
aquilo que eles viviam; portanto, as duas coisas são realmente um a só.

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Essa é, pois, a verdade vital que nos cabe entender e fixar num
tempo como este. O que faz de nós membros da Igreja, o que faz de nós
parte deste grande templo, deste edifício maravilhoso que está sendo
construído, é a nossa fé, é a nossa aceitação do ensino, da doutrina. Isso
é básico e fundamental. Foi sobre isso que o apóstolo escreveu no
capítulo prim eiro da Epístola aos Gálatas. “M aravilho-me de que tão
depressa passásseis” - vocês podem notar quão abruptamente ele o diz.
Imediatamente após a sua breve saudação preliminar, ele diz: “M ara­
vilho-me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça
de Cristo para outro evangelho; o qual não é outro” - porque não há
outro, e não pode haver outro. Como ele fala forte e dogmaticamente!
Gostemos ou não, o cristianismo é uma fé muito intolerante. Diz ele que
^ isto, e somente isto, é verdadeiro. O apóstolo diz até: “M as, ainda que
nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie um outro evangelho além
do que já vos tenho anunciado, seja anátem a” ! (Gálatas 1:8).
Não há outro evangelho. “Ninguém pode pôr outro fundamento
além do que já está posto” (1 Coríntios 3:11). Noutras palavras, a única
base da unidade hoje, como foi a única base da Igreja Primitiva, é a
m ensagem apostólica. E seja o que for que os homens pensem ou digam,
devemos asseverar isso. Chamem-nos intolerantes, isolacionistas, ou o
que quiserem, devemos tomar posição com este homem de D eus! O que
im porta não é a m inha opinião ou a de outro qualquer, o que importa é
- que é que aPalavra ensina? Que é que os apóstolos ensinam? Fora disso
não reconheço nada. O que importa não é o conhecimento m oderno, ou
a pesquisa ou o entendimento moderno, ou a idéia m oderna sobre Deus.
O que estes homens ensinaram é o único evangelho.
Pois bem, evidentemente, isso é algo que se pode definir. Se não
se pudesse definir, como poderia o apóstolo repreender os gálatas? Eles
sabiam o que ele ensinava e ele lhes lembra o conteúdo do seu ensino. A
idéia de que o cristianismo é tão maravilhoso que não há como defini-
-lo, que é um espírito tão maravilhoso que não pode ser reduzido a
proposições, é um a negação do ensino do Novo Testam ento. As
Epístolas foram escritas para que soubéssemos o que cremos e o que
exatam ente representamos. Nenhum de nós pode alegar ignorância
deste ensino; tudo isso está neste capítulo dois da Epístola aos Efésios.
E o fundam ento é este - que o homem, por natureza, está morto em
ofensas e pecados; que ele está sob a ira de Deus. E o apóstolo que o diz.
E, portanto, se você não crê que o homem, por natureza, está morto em
ofensas e pecados, e que a ira de Deus sobre o pecado é um a realidade,
seja qual for a verdade sobre você, você não está neste santo templo no

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Senhor, no qual Deus habita. Esta é um a parte essencial do fundamento.
Todavia, graças a Deus, o ensino não pára aí, vai adiante e nos fala da
graça de Deus. Vai adiante e nos fala do Senhor Jesus Cristo, da Sua
Pessoa e da Suaobra. Diz-nos aindaqueEle é o Filho Unigênito de Deus.
M esm o que alguém se diga cristão, se não crê na deidade de Cristo, eu
digo que ele não é cristão! Eu tenho que ser intolerante! Não posso fazer
concessão neste ponto. Se Cristo não é o Filho de Deus, eu continuo em
meus pecados e vou para o inferno.
E quanto à Sua obra? Acaso teríamos notado, enquanto vamos
percorrendo este capítulo dois - e deliberadamente tomei bastante
tempo, porque não posso estudar superficialmente estas coisas - tería­
mos notado a ênfase ao sangue de Cristo? É por Sua morte, por Sua morte
sacrificial, pelo fato dElenos substituir para sofrer a punição dos nossos
pecados, é que somos salvos. E pelo sangue de Cristo! “Portanto,
lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e chamados
incircuncisão... que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da
comunidade de Israel, e estranhos aos concertos daprom essa, não tendo
esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós, que
antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.” Pelo
sangue de C risto! E contudo há os que zombam do sangue de C risto! Há
pessoas que se dizem cristãs e que zombam disso! Nas grandes deno­
m inações há líderes que afirmam que é escandaloso falar em expiação
vicária. E me pedem que me una a eles em comunhão. Como posso fazê-
-lo? É impossível. Não tenho escolha; esta questão é fundamental. O
sangue de Cristo! “Meu pecado Ele levou em Seu corpo no m adeiro.”
E unicam ente pelo Seu sangue que eu sou posto em liberdade, e pelo
poder de Deus na regeneração, e pelo dom do Espírito. A união com
C risto! Essa é a doutrina - tudo isso o apóstolo nos vem ensinando neste
capítulo maravilhoso.
É esse, então, o fundamento dos apóstolos e dos profetas. Não um a
vaga prosa acerca do cristianism o! Não um espírito maravilhoso segun­
do o qual nos amamos uns aos outros, mantemo-nos juntos e não nos
preocupamos com definições! Se vocês quiserem esse tipo de unidade
espúria, poderão tê-la, mas quando chegar “o dia” e chegar o juízo,
vocês verão que o que o apóstolo disse escrevendo aos coríntios,
“Ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto”, é a
única verdade. Ele pregava a “Jesus Cristo, e este crucificado”, com a
exclusão de tudo o mais. Ele era intolerante. Não dêem ouvidos a esse
outro ensino, ele diz aos gálatas, é espúrio, é um a mentira, não é
evangelho, é um a negação do evangelho. O fundamento dos apóstolos

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e dos profetas! Ou aceitamos este ensino e a sua m ensagem, ou não.

Tracemos agora algumas deduções muito atuais desta doutrina. A


prim eira é que a Igreja é fundada não somente no apóstolo Pedro,
m as nos apóstolos e nos profetas - todos os apóstolos e profetas. Essa
é a nossa resposta ao catolicismo romano, e na verdade é simples assim.
Ora, dirá alguém, que dizer de M ateus, capítulo 16, quando em Cesaréia
de Filipe, o nosso Senhor diz: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei
a m inha igreja”? - deve ter sido unicamente Pedro. A resposta é o que
eu disse há pouco, que essa foi a confissão de Pedro. Pedro tinha acabado
de fazer a sua grande confissão! O nosso Senhor dirigira aos Seus
discípulos a pergunta: “Quem dizem os homens ser o Filho do ho­
m em ?” “Uns, João Batista, outros, Elias, e outros, Jeremias ou um dos
profetas.” “E vós, quem dizeis que eu sou?”, indagou o nosso Senhor.
E Pedro, adiantou-se como porta-voz, como era seu hábito e disse: “Tu
és o Cristo, o Filho de Deus vivo”. E o Senhor lhe respondeu, dizendo:
“Bem -aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne
e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus” . Que é que isso quer dizer?
Tendo visto a verdade, Pedro a confessa, e sobre essa rocha Cristo diz
que construirá a Sua Igreja. A confissão, a crença, a fé! E essa verdade
não se refere somente a Pedro. O apóstolo não está contradizendo o
ensino de nosso Senhor aqui. Segundo o ensino católico-romano, ele
estava fazendo isso. Muitos contrastam o ensino de Cristo com o ensino
de Paulo, mas não há nenhum a contradição. O fundam ento são os
apóstolos e os profetas, todos eles, não somente Pedro. Esta é confissão
feita prim eiram ente pelos apóstolos e pelos profetas. Esse é o único
fundam ento da Igreja Cristã. E, portanto, não podemos juntar-nos aos
que dizem que toda ela está fundada somente em Pedro e que tudo
depende de Pedro. Essa é um a base falsa.
M as é igualmente importante que tiremos esta segunda dedução,
que, à luz do que vimos que caracteriza os apóstolos e os profetas, não
pode haver repetição de apóstolos e profetas. Eles são o alicerce. Não
se repete um alicerce. O alicerce é lançado de um a vez por todas. E,
portanto, toda conversa sobre sucessão apostólica é um a negação do
nosso texto. Não há sucessores especiais dos apóstolos. Na verdade não
há sucessores dos apóstolos, nenhum sucessor. Apóstolo era um homem
que tinha visto o Senhor ressurreto e, portanto, podia ser uma testem u­
nha da ressurreição. Há dessas pessoas hoje? Apóstolo era alguém
especialmente comissionado pelo Senhor, de maneira visível. H á dessas
pessoas hoje? Eram-lhe dados poderes especiais, milagres e outros, e

- 387 -
infalibilidade, para poderem pregar e ensinar infalivelmente. Há dessas
pessoas hoje? E, todavia, em toda essa conversa e argumentação acerca
de re-união, este parece ser o ponto mais importante - a sucessão
apostólica! E por causa disso, os não-conformistas, os ministros das
igrejas livres, têm todos de ser ordenados de novo por um “direto
sucessor” dos apóstolos! Sem isso não sepode ter unidade, e não sepode
ter comunhão! Como é importante estudar as Escrituras! Isso de
sucessão apostólica não existe; é por definição um apura im possibilida­
de. Pode-se ter um a sucessão sacerdotal, pode-se ter uma sucessão de
homens queperpetuam ente se designam uns aos outros, porém sucessão
apostólica é coisa que não existe. E, portanto, toda essa conversa que
pretende que não se pode ter unidade sem re-ordenação, ou sem alguma
relação especial com um bispo, é um a completa negação deste postu­
lado. Somente afé e a subscrição da verdade é que fazem de alguém uma
parte do edifício.
Isso me leva à terceira dedução, que coloco desta forma: obvia­
mente, não pode haver acréscimo a este fundamento. No que se refere
ao ensino, quero dizer. Se o fundamento é o ensino dos apóstolos, não
se pode acrescentar nada a ele. Por isso não creio na “Im aculada
Conceição” ; não creio na “Assunção” da virgem M aria; não creio em
nenhum a das outras coisas que a igreja rom ana acrescentou, e que outras
igrejas acrescentaram. Nada se pode acrescentar a um alicerce, e nada
se pode tirar dele. Temos aqui um corpus de verdade, um corpo de
doutrina. Você não pode acrescentar nada a um alicerce, não pode
subtrair nada dele, não pode tocá-lo. Você pode pensar que pode, mas
estará enganado. O que você estará fazendo é simplesmente pôr-se fora
do edifício. O alicerce tem que ser lançado um a vez e para sempre, e
nunca poderá ser repetido. Deus é o Construtor, eE le constrói sobre “ o
fundam ento dos apóstolos e dos profetas” .
Assim é que a próxim a dedução, muito prática, é que não basta
dizermos que somos cristãos ou que queremos ser cristãos, e que nada
m ais é necessário. A questão vital é: em que você crê? Você não poderá
ser cristão se não souber o que você crê. E impossível. É a verdade que
nos leva a Deus, é pela verdade que nós somos santificados. Somente
quando conhecemos a verdade concernente ao nosso bendito Senhor e
Salvador, anós mesmos e anossa necessidade, e oque Deus fez pela Sua
graça, é que podemos ser partes e parcelas deste grande edifício.
Portanto, a m inha derradeira dedução terá de ser que, falar em
* Em latim no original. Nota do Tradutor.

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termos de número ou de tamanho ou de organização ou de qualquer outra
coisa é extremam ente perigoso nestas questões. A unidade da Igreja é
resultante de duas coisas: da pureza da doutrina e da pureza da vida. Ela
é um “templo santo do Senhor”. É uma “morada de D eus”.

A Igreja é edificada sobre o fundam ento dos apóstolos e dos


profetas. E observem como o apóstolo se apressa a acrescentar isso:
“Jesus Cristo é a principal pedra da esquina Que é uma principal
pedra da esquina? Permitam -m e citar uma definição: “A pedra da
esquina é um a pedra que dá início ao alicerce no ângulo da estrutura, pela
qual o arquiteto fixa um padrão para o suporte das paredes laterais e das
paredes transversais de todo o conjunto” . A pedra da esquina não
somente m antém juntas todas estas pedras subsidiárias do alicerce, mas
tam bém as entrelaça e entrelaça todas as paredes. Ela está na esquina,
e tudo é sustentado por ela e tudo é entretecido por ela.
E a principal pedra da esquina é o próprio Senhor Jesus Cristo.
Isaías tinha profetizado isso, quando disse: “Eis que eu assentei em Sião
um a pedra, um a pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está
bem firme e fundada” (28:16). E o apóstolo Pedro, vocês se lembram,
cita essa passagem em sua Primeira Epístola, capítulo dois, versículo
seis. Todavia vocês se lembram que o nosso Senhor disse isto: “A pedra
que os edificadores rejeitaram, essa foi posta por cabeça do ângulo” -
referindo-se a Si mesmo e à Sua gloriosa e triunfal ressurreição. Eles O
estão rejeitando, diz Ele, mas verão que Ele virá a ser a principal pedra
da esquina, que Ele será a base do edifício todo, interligando tudo e
sustentando o peso de toda a estrutura levantada sobre ela. Fora de Jesus
Cristo não há unidade. O que importa é a nossa relação com Ele, e a nossa
confiante dependência dEle. Ele é central, Ele é vital, a importância
dEle é total. Volto a repetir esta frase extraordinária: “no qual todo o
edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual
também vós juntam ente sois edificados para m orada de Deus em
Espírito” (ou “mediante o Espírito” VA).
Portanto, as perguntas práticas que fazemos a nós mesmos são
estas: eu sei o que creio acerca do Senhor Jesus Cristo? Eu O conheço?
Eu estou nEle, nesta relação vital? Teremos que responder estas
perguntas, porque o apóstolo trata dessa questão em detalhe. “No qual
todo o edifício” , diz ele, “bem ajustado...” . Se essa verdade não diz
respeito a nós, não estamos nEle. M as no m omento eu me limito à
questão do fundam ento. Você está solidamente baseado no fundam ento
dos apóstolos e dos profetas? Ou só está interessado num cristianism o

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vago e nebuloso que diz que você não deve preocupar-se com doutrina
porque a doutrina separa? É essa a sua posição? Certamente não era a
posição do homem que disse: “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo
do céu vos anuncie outro evangelho... seja anátema” . Temos que saber
em quem temos crido. Temos que saber o que cremos. Este apóstolo fala
em “meu evangelho” ; e não há outro evangelho. É o seu? Você sabe e
confessa que, como você era por natureza, era um filho da ira e estava
morto em ofensas e pecados? E que, não fora a graça de Deus em Jesus
Cristo, não fora a Sua morte expiatória, sacrificial e vicária, você ainda
estaria nesta situação? Você sabe que Ele morreu por você, que Ele Se
deu por você e pelos seus pecados, que pelo poder do Seu Espírito Santo
Ele o regenerou, Ele o vivificou e o ressuscitou da morte resultante do
pecado, que você até está assentado nos lugares celestiais com Cristo,
porque você está nEle e está ligado a Ele, pela graça de Deus?

- 390 -
32
EDIFÍCIO BEM AJUSTADO
“Edificados sobre o fundam ento dos apóstolos e dos profetas,
de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o
edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual
também vós juntam ente sois edificados para morada de Deus em
Espírito. ” - Efésios 2:20-22

Passamos agora a mais um estudo desta terceira figura. Tivemos


um a visão geral do assunto, mas também observamos que o apóstolo não
se contenta só com isso, embora seja importante. Em acréscimo a
oferecer-nos um a descrição geral do edifício e, portanto, da natureza e
do caráter da unidade própria da Igreja, o apóstolo trata tam bém dos
detalhes da planta e das especificações.
Já dedicamos alguma consideração ao fundam ento, que é da
m áxim a importância. A prim eira coisa que Paulo nos diz é que a Igreja
é edificada “sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que
Jesus Cristo é a principal pedra da esquina” . Não vou retornar a isso, mas
certam ente nós temos de compreender que o fundam ento é de im por­
tância absolutamente central. N unca devemos sujeitar-nos a correr
nenhum risco com um alicerce. O nosso Senhor firmou esse ponto em
Sua parábola das duas casas, uma edificada sobre a rocha e a outra
edificada sobre a areia. O alicerce é absolutamente vital, e nós j á vimos
o que é o alicerce da Igreja, e como o próprio Senhor Jesus Cristo é a
principal pedra da esquina, interligando as pedras subsidiárias, interli­
gando todas as paredes, e assim suportando e unindo a estrutura inteira.
Agora, tendo feito isso, a próxim a coisa da qual o apóstolo trata, a
próxim a coisanaqual evidentemente estamos interessados, é esta: onde
nós entramos nisso tudo? Somos edificados sobre o fundamento, somos
partes integrantes das paredes que estão subindo neste processo em que
se vai erguendo este grande templo que Deus está construindo para Si
e para a Sua habitação, este templo santo no Senhor. Noutras palavras,
passam os agora a estudar a nossa parte, o nosso lugar e a nossa posição
neste admirável edifício de Deus. O apóstolo regozija-se no fato de que
os efésios estão sendo edificados no edifício. A obra tinha começado
antes deles entrarem, mas eles são acrescentados a ele, são colocados
nele, e assim prossegue a edificação. Outros, muitos outros, entraram

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daquele tempo em diante. Eu e vocês, como cristãos, estamos nele.
Devemos observar com toda a atenção o que o apóstolo nos diz sobre
quais as pessoas que são edificadas nele, e como são edificadas. Essas
são as duas coisas que importam. Quem são os que têm lugar, posição
e parte nesta grande estrutura? Como entraram ali? Como são postos ali?
O apóstolo trata de ambas as questões com m uita clareza.

Devemos ter em mente três coisas. Obviamente, cada parte desta


estrutura tem que estar numa relação especial com o fundamento. Quase
não é preciso dizer isso e, contudo, é um ponto tão importante que eu
devo salientá-lo outra vez. Num templo como este que está sendo
construído, em qualquer edifício grande e magnífico, sempre tem que
haver correspondência entre as diversas partes. Você não pode por
m aterial falsificado aqui e ali num edifício perfeito. Se você vai erigir
um edifício incomum, um grande e santo templo, cada parte terá que
corresponder às demais. E assim é vital que nos lembremos de que nós,
como partes individuais deste grande templo de Deus, devemos
corresponder ao fundamento, devemos estar verdadeira e correta­
mente relacionados com esse fundam ento. Isso é algo de importância
crucial. Permitam-me lembrá-los da maneira como o apóstolo expres­
sou essa verdade no capítulo três da Prim eira Espístola aos Coríntios.
Trata-se de um a palavra particularmente dirigida àqueles de nós que
temos o privilégio de pregar e de servir como pastores. Somos edificadores
sob Deus, somos Seus colaboradores. E eis o que o apóstolo diz:
“Ninguém pode por outro fundamento além do que já está posto” .
“M as veja cada um como edifica sobre ele.”
Você pode edificar sobre ele, diz o apóstolo, com ouro ou prata ou
com metais preciosos. Isso tem valor; mas também há os que querem
construir com madeira, feno e palha; e isso não é nada bom. A madeira,
o feno e a palha não são coerentes com o fundamento que foi posto. O
fundam ento é tão precioso, e a principal pedra da esquina é tão preciosa,
que nada senão ouro ou prata ou metais preciosos são adequados.
Colocar ali madeira, feno e palha é uma indignidade. Não somente isso,
diz ele; estas coisas não resistirão, afinal. Esta obra será submetida a
prova - “o dia a declarará” . E ela será provada pelo fogo. E quando for
posto o fogo, a madeira, o feno, apalha e a serragem desaparecerão num
momento e não restará nada. Um edifício construído com material de má
qualidade nunca passa naprova. Há gente que fica tão ansiosa pela rápida
construção de um edifício que não toma cuidado com o que põe nas
paredes - qualquer coisa serve para levantá-las, e depois se cobre tudo

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com um pouco de tinta. Parece maravilhoso, e o ignorante e o inexperiente
ficam impressionados. Eles dizem: que maravilhoso! Outros parecem
estar construindo tão devagar que as pessoas faltas de discernimento
dizem: ele não está fazendo coisa nenhuma. No entanto, “o dia” a
declarará. Não estamos construindo parao tempo, mas para a eternidade,
e o arquiteto responsável é o próprio Deus, que vê tudo quanto está sendo
feito e o provará no fim . Há homens, diz o apóstolo, que parecem ter feito
m aravilhas, porém quando chegar “o dia”, verão que a sua obra foi
destruída, e nada restará. Eles mesmos, se são cristãos verdadeiros, serão
salvos, apesar de ser destruída a sua obra, mas eles serão salvos “como
pelo fogo” .
Portanto, diz o apóstolo, vejacada homem como constrói sobre este
fundamento. Noutras palavras, o ponto é que o dever deste construtor
auxiliar não é simplesmente levantar um a parede, mas certificar-se de
que tudo o que vai dentro dela está em harmonia com o fundamento. Ele
não deve edificar na Igreja apenas número num papel ou num rol, todavia
aqueles que realmente estão firmados no fundamento da fé. O tipo de
gente que quer ser cristão só para obter certos benefícios, não pode entrar
nesta parede. Somente podem aqueles que compreendem que estão
m ortos em ofensas e pecados, completam ente sem esperança e em
desam paro, e que dependem unicam ente da graça de Deus em Cristo
para a sua salvação; que compreendem que, se Ele não tivesse derra­
mado o Seu sangue por eles e por seus pecados, eles ainda estariam
perdidos, e que confiam somente na expiação de Cristo, expiação
vicária, sacrificial, perfeita e consumada, e no poder do Espírito Santo
- somente estes entram nestas paredes. Não aqueles que meramente
foram habituados a freqüentar um local de culto ou que têm moralidade
razoável. Tem que haver esta relação definida com o único e exclusivo
fundamento.

Passemos à segunda questão. M enciono este ponto separadamente


porque o apóstolo lhe dá essa ênfase. Não somente temos que estar
relacionados dessa maneira com o fundamento, mas também temos que
estar especificamente relacionados com a principal pedra da esqui­
na. Todo verdadeiro membro da Igreja Cristã não está somente relaci­
onado com a fé apostólica, também está num a relação muito definida
com o Senhor Jesus Cristo. Vocês se lembram de que começamos com
a fé, e com a fé apostólica, com o mínimo de cristianismo irredutível que
tem os aqui neste capítulo dois desta Epístola aos Efésios. Entretanto não
paro nisso, porque dar assentimento intelectual a isso não é suficiente.

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Se você não der assentimento intelectual a estas verdades, certamente
você não estará no edifício. M as, meramente subscrever estes princípios
não basta. Temos que “estar em Cristo”. Temos que estar ligados a
Cristo. Temos que conhecer esta união vital, esta relação vital com Ele.
A principal pedra da esquina mantém todas as partes juntas - razão pela
qual o apóstolo vai repetindo: “ ...no qual todo o edifício, bem ajustado,
cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntam ente sois
edificados...”. O capítulo todo dá ênfase a isso. Fomos vivificados
juntam ente com Cristo, fomos ressuscitados juntam ente com Cristo, e
juntos nos assentamos nos lugares celestiais em Cristo Jesus. Não se
pode fugir disso, é algo que não se pode evitar. Não somente crem os e
aceitamos a verdade como está em Cristo Jesus, temos que ser incorpo­
rados nEle, temos que estar em união vital com Ele. “Eu sou a videira,
vós as varas”, disse Ele, e a idéia é a mesma. De modo que, como
membros, como partes deste grande edifício, estamos relacionados com
o fundamento, e todos nós estamos relacionados com Ele desta m aneira
m ística e vital.
Algumas das outras ilustrações que o apóstolo utiliza expõem isso
com maior clareza. A ilustração do corpo, que já vimos de relance, faz
isso de m aneira ainda mais perfeita. O corpo não é um a junção de partes
afixadas umas nas outras. A essência da unidade de um corpo é que a sua
unidade é vital e orgânica. Não se form a um corpo afixando os dedos às
mãos, as mãos aos punhos, e os punhos aos braços. Ao contrário, eles são
vital, íntima e organicamente relacionados. Assim todos nós somos
relacionados com Cristo, em Cristo, somos partes dEIe, pertencentes a
Ele, e somos mantidos juntos por Ele. Isso é também, então, obviam en­
te, um a coisa de fundamental importância.

Isso nos leva ao terceiro ponto, ponto que devemos considerar em


detalhe, qual seja, a nossa relação uns com os outros. Pensem num
edifício e nas pedras de um edifício. Estão todas relacionadas com o
fundamento, estão todas relacionadas com a principal pedra da esquina,
porém também estão relacionadas umas com as outras. Não se pode ter
um a parede sem que as suas partes estejam interligadas. Este é um
princípio que o apóstolo ilustra com esta afirmação importante e
pitoresca que no versículo vinte e um é traduzida pelas palavras
“adequada e conjuntamente ajustado” (VA) - “no qual todo o edifí­
cio”, ou, como a temos na Versão Revista (inglesa, RV), “no qual todo
edifício adequada e conjuntamente ajustado” . A frase importante é
“adequada e conjuntamente ajustado” .

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É um a expressão muito interessante. Tem o-la aqui com três
palavras (em inglês; com duas em português, Almeida), mas na verdade
o apóstolo utilizou somente uma palavra no grego. Há outra coisa muito
interessante acerca dessa palavra. É um a palavra que só se acha aqui e
no versículo dezesseis do capítulo quatro desta Epístola, em toda a
Bíblia. Não se acha em nenhum outro lugar. Contudo há ainda outra coisa
mais interessante sobre ela. E um a palavra que, obviamente, foi feita,
foi inventada e form ada pelo próprio apóstolo. Ele não a copiou de
ninguém; ele não a tinha visto em lugar algum. Este é o prim eiro uso
conhecido desta palavra. Dou ênfase a isso pela seguinte razão: obvia­
m ente o apóstolo considerava este ponto particular como excepcional­
m ente importante, tanto assim que ele cunhou uma palavra para expor
a sua idéia. Todavia, apesar de todo o trabalho tomado pelo apóstolo, é
patética a m aneira como algumas traduções atualmente populares
omitem completam ente o significado exato. Vejam, por exemplo, a
Versão Revista Padrão (inglesa, RSV). Ela traduz a palavra sim ples­
m ente por “unido juntam ente” , deixando completam ente de lado o
ponto específico dapalavra que o apóstolo cunhou. O apóstolo podia ter
empregado muitas outras palavras para expor a idéia de “unido junta- /
m ente” . M offatt chega um pouco mais perto. Ele diz, “caldeado
juntam ente” . M as até essa tradução é errada, pois não se caldeiam
pedras juntam ente, e toda a concepção e toda a figura do apóstolo são em
term os de edificar com pedras.
De fato, a palavra utilizada pelo apóstolo significa “harm oniosa­
m ente ajustadas juntas” - pensando nas pedras do edifício. É um duplo
composto, três palavras colocadas juntas e feitas um a só. A palavra
fundamental significa “ligar” ou “juntar” , e isto em si já sugere a idéia
de vir junto. No entanto, depois ele acrescenta a isso o prefixo syn, que
significa simplesmente “junto com ”, a m esm a idéia que temos em
“sinfonia” e em qualquer dos seus compostos. Juntar, junto - junto,
juntar. Ora, a própria palavra “juntar” sugere a idéia de “junto” ou
“juntos”, mas o apóstolo diz “junto-juntar” para assegurar-se de que
captamos o significado. E depois ele acrescentou a estas duas um a
terceira palavra, que realmente significa “coligir” ou “reunir” ou
“selecionar”. Esta terceira palavra muitas vezes é utilizada para ajustar
palavras juntas ou juntar palavras para form ar um a frase completa.
Quando alguém está falando ou escrevendo, certas palavras se lhe
insinuam. Ele escolhe uma e rejeita a outra. Depois ele faz a m esm a coisa
com a próxim a palavra, rejeita um a e escolhe outra. Depois ele aplica
todas as palavras escolhidas à formação de um a frase. A palavra que o

- 395 -
apóstolo utilizou deixa entrever esse processo. Assim temos “juntos-
-juntar-escolher” (selecionar). E ele coloca estas três palavras juntas
paraform arum vocábuloquena Versão Autorizada (inglesa) é traduzida
por “adequada e conjuntamente ligado” ( na Versão de Alm eida é
traduzida por “bem ajustado”).
Obviamente, há um a doutrina profunda aqui. O apóstolojam ais se
daria ao trabalho de form ar um a palavra como esta, de inventar um a
palavra, se não quisesse ser bastante claro nas idéias que estava
transmitindo. Espero que possamos compreender a sua figura. Ah,
vivemos dias em que os edifícios são de tijolos e não de pedras, e,
portanto, alguns sejam demasiado jovens para entender a figura do
apóstolo como deviam. Afastem da mente a idéia de um edifício de
tijolos. Pensem antes num grande e maciço edifício de pedras. O bser­
vem aquele homem, ou melhor, aqueles homens que estão erigindo este
edifício. Vocês já viram um verdadeiro artesão, o antigo tipo de pedreiro,
no seu trabalho? Alguma vez vocês o viram levantar uma parede? Já o
viram tirar um a pedra de um a pilha, olhá-la e tornar a olhá-la e, vendo
que não é adequada, jogá-la fora e apanhar outra que ele apara e depois
a coloca na posição certa? Esta é a figura que o apóstolo está usando;
“bem ajustado”, “adequada e conjuntam ente ajustado” - pedras
individuais sendo acrescentadas e colocadas na posição certa num a
parede. Quais serão as idéias que o apóstolo comunica m ediante essa
linguagem, m ediante essa expressão pictórica?
O prim eiro ponto é a idéia de escolha. Repito, quem já viu um
verdadeiro construtor sabe exatamente o que isso significa. Lembremos
que estamos considerando o nosso lugar e a nossa posição como
m embros da Igrejade Cristo. Estamos examinando anós mesmos como
partes desta grande parede, deste grande edifício que está sendo erigido
para a construção de um templo, um a habitação para Deus. Como Deus
habitava no templo antigo, na glória da Shekinah, no “lugar santísssimo”,
Ele habita e habitará por toda a eternidade na Igreja, em Seu povo. E eu
e você estamos nessa Igreja. Como chegamos ali? Aqui está o primeiro
ponto, a questão da escolha. É uma questão muito individual, esta.
Vejam aquelepedreiro, aquele construtor. Ele levantou umaparede atécerto
nível; porém quer levantá-la mais, e no momento precisa de uma pedra
particularmente grande para ocupar certa posição. Elé dispõe de uma pilha
de pedras ali trazidas para o seu uso. Ele corre os olhos sobre elas. Ah, diz
ele, esta serve. Tira a pedra da pilha, examina-a, mas finalmente decide que
ela não serve. Tem que devolvê-la à pilha. Pega outra, e talvez tenha que
pegar várias, e rejeitá-las; então finalmente acha a que serve e a coloca.

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Tudo isso está envolvido. Há uma seleção pessoal e particular.
Cada pedra é selecionada e colocada individualmente na posição. Isso
de produção em m assa não existia quando a construção era feita desse
jeito, nos tempos antigos. Quando se constrói com tijolos, um é tão bom
como qualquer outro. Entretanto não é assim com o tipo de edifício no
qual o apóstolo estava pensando. Não foi assim que o antigo templo de
Jerusalém foi construído, e é essa afigura que Paulo tem em mente. Não,
ali há um a seleção deliberada, pessoal, particular e individual. E, graças
a Deus, isso caracteriza todo aquele que se tom a cristão. Não existe
produção em m assa na Igreja Cristã. Alguns parecem pensar que existe,
mas não existe, e não pode existir. Graças a Deus, num m undo em que
o individual está perdendo valor cada vez mais, ele fica bem no centro
nestas questões.
Examinemos a questão de outro ângulo, mediante um am udança da
ilustração. Há somente um modo de entrar no reino de Deus, e esse é por
um a catraca. Não é um a porta ampla, é um a catraca - “estreita é aporta” ;
“apertado é o cam inho”; um por um. Não se pode entrar em multidão
no reino dos céus; trata-se de um a transação individual entre Deus e a
alma. A regeneração é individualista. E essa é a base da fé cristã; é o
princípio essencial no que diz respeito às paredes deste edifício, deste
templo de Deus. As pessoas não se salvam em famílias, menos ainda em
grupos ou classes ou nações. Um por um, um é tomado e outro é
rejeitado!
Todo esse assunto é também exposto pelo apóstolo no uso que faz
da figura da madeira, do feno e da palha, em 1 Coríntios, capítulo 3. O
nosso Senhor deixou isso claro em Sua parábola da rede que é lançada
ao m ar e recolhe grande número, um a grande multidão de peixes; mas
depois é feito um exame, e os bons são mantidos e os maus são jogados
fora. Eles ficam na rede por um momento, porém não são mantidos, são
devolvidos ao mar. O construtor apanha um a pedra. Vai colocá-la na
parede? Parece que ele vai usá-la. Mas não. Lá vai ela de volta, jogada
fora, rejeitada. Nem tudo que parece certo a mim e a vocês é certo aos
olhos de D eus. É um pensam ento terrível este, mas a Bíblia o ensina em
toda parte. No Dia do Juízo haverá muitos que pensavam que estavam
no edifício, no entanto Cristo lhes dirá: “Nunca vos conheci; apartai-vos
de mim, vós que praticais a iniqüidade” . Trata-se de um a seleção
individual, envolve uma escolha, e uma rejeição. Esse é o primeiro
ponto.
O segundo ponto é que as pedras deste edifício não são todas
idênticas. Dêem um a olhada nalgum m agnífico edifício de pedra e

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façam um a atenta busca desse ponto. As pedras não são iguais nem no
tam anho, nem na forma, nem em nenhum a outra coisa. São todas
diferentes e , contudo, estão harm oniosam ente ajustadas e unidas, e
fazem parte de uma parede magnífica. Umas são muito grandes, outras
são pequenas, outras são de tamanho médio. Elas diferem no tamanho,
na form a e em muitos outros aspectos. Torno a dizer, graças a Deus por
isso. Esse também é um ponto muito importante, que, ao que me parece,
é ignorado e esquecido hoje. Tive o privilégio de estar presente numa
discussão de pastores e clérigos há não muito tempo, na qual um a
questão muito pertinente foi levantada por um participante. Ele pergun­
tou: por que será que o cristianismo atual só parece atrair um tipo
particular de gente? E acrescentou: é evidente que não estamos sensi­
bilizando as classes trabalhadoras, assim chamadas. Só estamos sensi­
bilizando um a certa classe, um a camada da sociedade. Por que será? Em
m inha opinião era um a questão muito profunda. M inha resposta foi que
há algo radicalmente errado em nossa concepção fundamental da Igreja.
Atrair classes é o tipo de coisa ligada à psicologia, mas é contrário ao
gênio do cristianismo. A glória do cristianismo é que ele sensibiliza
todos os tipos, espécies e condições de homens. Este elem ento de
variedade e variação, e de falta de mesmice, é sumamente interessante.
A característica essencial de uma parede de pedra em distinção de uma
parede de tijolo é que as pedras variam de tamanho, porém são ajustadas
juntam ente para compor o modelo. Não há nenhum a uniform idade
monótona e insípida na Igreja. É uma característica das seitas que todos
os seus seguidores tendem a ser sempre idênticos. N a Igreja Cristã há
diversidade na unidade. Portanto, sempre devemos olhar com suspeita
qualquer tipo de ensino que leve a um a espécie de m esm ice nos
resultados. Há certas pessoas que, só pelo modo de falar e pelas frases
que empregam, quase contam a você onde foram convertidas. São
produzidas em massa, são todas am esm acoisa. Falam as mesmas coisas,
e as falam da m esm a maneira, e fazem as mesmas coisas. São como um a
série de selos postais. Não é esse o princípio que o apóstolo está
enunciando aqui. Nunca fomos destinados a ser desse jeito, fomos
destinados a ser diferentes. Todos na mesm a parede, sim, mas m uito
diferentes uns dos outros - alguns grandes, alguns médios, alguns
pequenos; alguns com esta forma, alguns com outra, porém todos
igualmente na parede. Essa é a verdadeira unidade, não a uniformidade
m onótona e insípida que vemos hoje em muitos aspectos da vida, e,
lam entavelm ente, na Igreja. Permitam-me expressá-lo com sim plici­
dade e clareza dizendo isto: como cristãos, não fomos destinados a ser

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iguais. As nossas características individuais devem permanecer. Alguns
de nós nascemos veementes; bem, fomos destinados a ser veementes.
Outros nascem tranqüilos e fleumáticos, que continuem sendo assim.
N ão há nada mais ridículo do que uma pessoa tentar ser veemente ou
sangüínea. E, contudo, acontece com freqüência; todos procurando ser
iguais. Não é o que se espera de nós. Ah, você dirá, mas eu sempre gosto
do cristão alegre e animado. Bem, eu nem sempre! H á ocasiões e
circunstâncias que esse tipo de cristão me deprime terrivelmente. A
risada forçada! A jovialidade afetada! Há vezes em que dou graças a Deus
pelo indivíduo sério, de aparência sóbria, que me assegura que está tendo
um a interior e profunda visão de vida, e que tem algum conhecimento
do que o apóstolo quis dizer quando declarou: “Neste tabem áculo,
gemem os carregados” (2 Coríntios 5:4).
Nem todos fomos destinados a pregar. Mas há um ensino hoje que
quaseparece dizer que fomos. Assim que apessoaé convertida, tem que
dar o seu testemunho, e então pregar. Contudo nem todos nós fomos
destinados apregar. Nem todos fomos destinados a ir para algum campo
m issionário estrangeiro. Nem todos fomos destinados a ser obreiros de
tempo integral na causa de D eus. Há pessoas que procuram passar a idéia
de que fomos. Em suas conferências eles pressionam os jovens, fazen­
do-os sentir que quase estarão pecando se não se apresentarem como
voluntários para as missões estrangeiras. Mas esse ensino é muito falso.
Não fomos destinados a ser iguais. Todos nós temos o nosso papel a
desempenhar, anossafunção arealizar; estanão é am esm aem cadacaso.
A í está a pedra grande, que suporta um peso tremendo. Ali está a pedra
pequena - é igualmente importante, ajusta-se àquele ponto ao qual
nenhum a outra coisa se ajustaria.
Livrem o-nos, pois, da idéia de que todos nós temos que ser iguais,
e procuremos descobrir o que Deus quer fazer conosco e o que Deus quer
que nós sejamos. A história da Igreja dá eloqüente testemunho do fato
de que, às vezes, um cristão obscuro e desconhecido, de quem a Igreja
pouco ouvira falar, que passava o tempo em oração e intercessão, fez
m uito mais do que os grandes pregadores populares que edificaram com
muita madeira, feno e palha, que não subsistirão no D ia do Juízo.
Aprendamos a ver estas coisas espiritualmente. Alguns de nós, como
cristãos, talvez sejam chamados simplesmente para serem bondosos
com as pessoas, para serem amigáveis e compreensivos, para fazerem
pouco mais que sentar-se e ouvi-las. Você pode ajudar trem endam ente
as pessoas apenas ouvindo-as e deixando que descarreguem os seus
corações. M as há alguns de nós que somos tão ativos e ocupados, e

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falamos tanto, que nunca damos às pessoas oportunidade para falarem;
nunca temos tempo para ouvi-las e, portanto, não as ajudamos.
Procurem os captar bem este princípio vital - que há esta grande
variedade e variação nas pedras que devem estar no m esm o edifício, no
mesmo templo santo do Senhor, neste edifício de Deus. Você pode não
ser grande e importante; bem, não se glorie no fato de não ser, porém
lem bre-se de que o fato de não o ser não significa que você não está no
edifício. Ele sabe. Ele nos vê a todos. Voltemos a 1 Coríntios, capítulo
12, e vejamos como o apóstolo desenvolveu ali este princípio m inuci­
osamente, em termos do corpo. O corpo completo não é o olho, não é
o ouvido, não é a mão, não é o pé. Todas estas diferentes partes estão no
mesmo corpo, embora alguns sejam mais elegantes que outros. Todavia
ele acentua que as nossas partes menos elegantes são tão indispensáveis
como as mais elegantes. Portanto, não caiamos na tolice de desejar que
todos sejamos iguais e idênticos. Não pensem os em termos de produção
em m assa ou em termos de tijolos. Pensemos numa parede de pedra, e
demos graças a Deus que, seja o que for que sejamos, Ele nos tomou e
colocou na parede do Seu edifício, e que Ele tanto nos conhece como
conhece apedra grande, bem proporcionada e sólida. E maravilhoso para
mim, e estupendo o fato de que somos colocados ali um por um, e que
o cristão mais humilde é objeto de conhecimento de Deus como o é o
m aior e mais poderoso santo, que Ele vê o lugar exato para nós na parede
e nos coloca ali; e nos coloca ali exatamente da mesm a m aneira como
coloca todos os demais.
Não tentemos, pois, atalhar ou violar o plano de Deus, o m étodo de
Deus e a Sua m aneira de edificar. Procuremos estar cientes deste terrível
perigo psicológico com que se defronta a Igreja hoje - a idéia de
produção em massa, sempre levando ao mesmo resultado e produzindo
o mesmo tipo particular. E um a coisa grave quando a Igreja só produz
certo tipo de cristão e somente apela a certo tipo ou classe de pessoa.
Quando este evangelho é pregado corretamente, ele toca todos os
segmentos da sociedade. A história da Igreja o comprova. O perigo hoje
é entender que todos nós devemos ser meramente pessoas finas,
tranqüilas e respeitáveis, pessoas que ainda se apegam à m oralidade
própria, e que algreja só deve consistir de tais pessoas - somente pessoas
da classe média. Jamais houve tal propósito. Reconsideremos a nossa
pregação, o nosso ensino, e especialm ente os nossos métodos, para não
acontecer que inconscientemente deslizemos para a prática do método
psicológico e, com isso, nos persuadamos de que estamos construindo
um edifício maravilhoso, para somente descobrir no fim que não

-4 0 0 -
acrescentamos nada ao templo de Deus, e ver-nos no “grande dia” com
m uito pouca coisa para m ostrar do nosso esforço e de todo o nosso
entusiasmo. Esse é o segundo ponto.
Permitam -m e acrescentar apenas um a palavra como nosso terceiro
princípio: é a questão de preparo e adaptação. Só posso fazer uma
introdução disso aqui, porquanto é um grande tema. Teremos que entrar
em detalhes posteriormente. Eu disse a vocês que o construtor, o
pedreiro, em dadopontoprecisadeum apedra de certo tamanho ou forma
e, olhando para o monte de pedras, enxerga um a que parece servir e a
retira. Ah, diz ele, esta vai servir. Tendo rejeitado algumas, ele diz: agora
esta vai servir direitinho. Mas não tão direitinho, porque esta pedra vai
ter que ser preparada e adaptada ao m aterial que já fora posto ali. Há
pedras embaixo e nos lados. Esta é a pedra certa em geral, porém terá
que ser adaptada às que estão nos lados e por baixo, e depois ainda terá
que ser colocada alguma coisa em cima. Vocês já viram um pedreiro
fazendo o seu serviço? Em m inha adolescência eu vi isso muitas vezes,
e sempre me fascinou. Ele apanhava apedra e depois, com seus diversos
tipos de martelo, tirava pedaços dela. Ele a aparava, modelava-a, dava-
-lhe forma, e lhe tirava lascas. Aí tentava colocá-la. Depois tornava atirá-
-la porque não estava bem ajustada. Tirava outro pedaço, talvez com o
cinzel e o martelo. E assim ele ia trabalhando nela até ficar bem certa.
Depois a colocava, e se afastava para olhar. Satisfeito, punha a argam as­
sa, pegava outra pedra e fazia o mesmo trabalho. Pois bem, é isso que
o apóstolo quer dizer com “bem ajustado” ou “adequada e conjunta­
m ente ajustado” . Algo terá que acontecer conosco, antes de podermos
estar adequadamente ajustados ao conjunto. O construtor não lança as
pedras juntas de qualquer maneira. Não, há um a maravilhosa sim etria
em tudo isso. Observem os edifícios, e vocês verão isso. E, natural­
m ente, é óbvio que o trabalho de aparar, cortar e cinzelar é mais
necessário em alguns casos do que noutros. Mas todos nós precisam os
disso. E o temos. E enquanto isso não acontecer conosco, jam ais faremos
parte da parede em construção.
Ao que me parece, não há nada mais fascinante na longa história da
Igreja e do seu povo do que ver em operação e na prática este princípio.
Houve homens que precisaram de muito trabalho de aparelhagem e de
m odelagem, e o tiveram. Depois disso tornaram-se pedras enormes.
Houve outros que pareciam estar quase totalmente prontos como
estavam. Pouca coisa foi necessária fazer com eles. Vocês devem ter
visto isso em sua experiência pessoal, ao observarem diferentes cristãos.
O que im porta não é a quantidade, o princípio é que sempre há

-401 -
necessidade desse procedimento e desse processo, em maior ou menor
medida.
Como se faz? Pela pregação e pelo ensino. É esse o dever geral da
pregação e do ensino; é modelar-nos, preparar-nos. Todos nós temos
estes estranhos ângulos e arestas e, como somos por natureza, não nos
ajustamos à construção. Estas coisas têm que ser podadas. Angulosidades,
grosserias, gente grosseira na Igreja! Todos nós somos grosseiros, em
certo sentido, uns mais, outros menos. Somos pedras rudem ente talha­
das quando saímos dapedreira, como que arrancadas delam edi ante um a
explosão. Temos mais ou menos a forma geral certa, mas é necessário
m uito trabalho com o cinzel antes de nos adequarmos bem aos nossos
lugares particulares na construção. E enquanto não formos aparelhados,
não seremos colocados nela. Como nos inclinamos a esquecer isso ! Se
lermos o Novo Testamento, se dermos ouvido à pregação e ao ensino,
verem os a absoluta necessidade e urgência desta preparação. Há os que
dizem: sou deste tipo de pessoa. Sou daquele tipo de pessoa. Sempre
tenho que dizer o que tenho na cabeça. Se todos fossem assim, que tipo
de igreja vocês teriam? Que espécie de edifício vocês teriam, se todas
as pedras fossem pontudas e difíceis assim? Seria impossível, vocês não
poderiam construir; estas arestas têm que ser debastadas. Pois bem, é aí
que entra a disciplina pessoal. Temos que ser menos difíceis, como
pessoas. Tem os que ajustar-nos - adequada e conjuntamente ajustados.
Devemos esquecer-nos de nós mesmos e pensar na parede, no
edifício, e compreender juntos que é o Senhor quem decide onde
devemos estar, o que devemos ser e que funções nos cabe desempenhar.
E, acredite-me, se você está neste edifício, ou vai estar, terá que ser
aparelhado e amoldado. E o edifício de Deus, lembremo-nos, e se eu e
você não aplicarmos o ensino, as instruções e a mensagem das Escrituras
como devemos, Deus terá outro meio de fazê-lo. Leia o capítulo doze
da Epístola aos Hebreus, e verá o que estou querendo dizer. “O Senhor
corrige a quem ama” (12:6, ARA). Se os apelos e argumentos do
evangelho não o levam a disciplinar-se, e se você não se livrar dessas
arestas e irregularidades, Ele tem um cinzel poderoso e um poderoso
martelo, e Ele as arrancará de você. Todos nós temos algum conheci­
mento disso em nossas experiências pessoais. Ele nos humilha, Ele nos
derruba, e Ele tem muitas maneiras de fazê-lo por meio de enfermidade
ou doença, ou morte, ou tristeza, ou fracasso, ou incompreensão; mil e
um a coisas. E Ele o faz. Graças a Deus que Ele o faz. Pois, se Ele não
fizesse isso conosco, nenhum de nós chegaria a estar preparado para estar
nessa parede. É a quem o Senhor ama que Ele castiga. Se Ele não o ama,

-4 0 2 -
II
Ele não Se importará com você, Ele o jogará fora, e lá você poderá ficar
com todas as suas angulosidades e anomalias pelo resto da sua vida,
dizendo: eu sou deste tipo de pessoa! M uito bem! Seja esse tipo de
pessoa! Saiba, contudo, que você não está no templo santo do Senhor,
e nunca estará, enquanto for desse j eito. Esta é uma questão muito grave
e solene, um a questão de importância eterna para nós. Temos que ser
amoldáveis, e que ajustar-nos uns aos outros, se é que desejamos estar
neste templo santo. Assim, se nós não compreendermos este princípio,
não virmos a importância desta preparação vital, e não nos submetermos
a ela, seremos rejeitados, e se não compreendermos isso no tempo,
certam ente o compreenderemos na eternidade.

-4 0 3 -
33
O CRESCIMENTO DA IGREJA
“Edificados sobre o fundam ento dos apóstolos e dos profetas,
de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o
edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual
também vós juntam ente sois edificados para morada de D eus em
Espírito. ” - Efésios 2:20-22

Ainda estamos estudando esta terceira figura que o apóstolo usa, do


povo cristão e da Igreja Cristã, segundo a qual ele diz que a Igreja é uma
espécie de edifício, um grande templo, no qual Deus habita, e ainda vai
habitar de m aneira mais ampla e mais completa. Temos examinado esta
figura de modo geral. M as o apóstolo não nos oferece m eramente um a
descrição geral deste edifício, ele nos fala em detalhe sobre a planta e
as especificações que foram obedecidas, e que sempre deverão ser
obedecidas, na construção deste edifício.
Portanto, começamos necessariamente com o alicerce, com o
fundam ento. Somos “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e
dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina” . Em
seguida a isso, passam os mais diretamente a um a consideração de nós
m esmos e daquilo que nos caracteriza- que, como pedras neste edifício,
estamos relacionados com o fundamento, estamos relacionados com o
Senhor Jesus Cristo, estamos relacionados com a verdade; porém, eeste
é o aspecto que o apóstolo parece salientar mais que tudo aqui, também
estam os relacionados uns com os outros. Noutras palavras, a frase
importante aqui é esta palavra que foi traduzida por estas três, “ade­
quada e conjuntamente ajustado” (a palavra e só entrando como
elem ento de ligação). Essa é a palavra a que devemos dar atenção outra
vez. A í estão todas estas pedras individuais nesta parede, nestas paredes
que estão sendo levantadas, e elas todas são “adequadas e conjunta­
m ente ajustadas” .
Todas estas coisas são figuras e, portanto, é óbvio que nenhuma
delas pode transm itir a verdade completa. É por isso que o apóstolo usa
aqui três figuras diferentes; nenhuma delas é suficiente só por si. Desta
m aneira, ao tratar anteriormente desta questão de preparo das pedras, eu
m ostrei que certa dose de preparação era necessária de antemão, e
também que, em certo sentido, apreparação continua a vida inteira. Essa

-4 0 4 -
é a espécie de paradoxo que se vê no Novo Testamento concernente à
Igrej a. De um lado nos é dada a impressão de que Deus j á habita na Igreja
- e é um fato. E, contudo, há esta outra idéia de que a Igreja ainda está
sendo construída “para m orada” na qual Ele virá habitar quando ela
estiver completa. D a mesm a m aneira nós, num sentido, já estamos
preparados, mas também ainda necessitamos deste processo. Todavia
outras ilustrações são utilizadas para aclarar isso.

Agora voltemos a esta grande questão sobre como exatamente estas


pedras são colocadas no edifício. “No qual também vós juntam ente sois
edificados”, diz Paulo, “para morada de Deus”. Vocês efésios, diz ele,
foram colocados neste edifício, são partes agora desta construção, são
partes deste grande templo que está sendo erigido no Senhor para
m orada de Deus em Espírito (ou “mediante o Espírito”, VA).
Um a questão muito importante para nossa consideração é a seguin­
te: quando ocorre a preparação? Primordial e essencialmente, esta
preparação acontece antes de estarmos na Igreja. Jamais poderem os
fazer parte deste edifício, jam ais seremos pedras nessas paredes, sem já
estarmos preparados para isso. Portanto, vamos lá para trás, a um
versículo do Velho Testamento - 1 Reis 6:7: “E edificava-se a casa com
pedras preparadas, como as traziam se edificava; de m aneira que nem
martelo, nem machado, nem nenhum outro instrumento de ferro se
ouviu na casa quando a edificavam”; Isso é um a parte da narrativa da
construção do templo de Salomão. É um a parte muito importante da
história. De fato, visto que estamos estudando esta passagem , é de
grande importância que voltemos ao Velho Testam ento para lermos
acerca da construção do templo de Salomão em Jerusalém. Não há
nenhum a dúvida de que o apóstolo Paulo tinha essas figuras em sua
mente, e é igualmente claro que o que nos é ensinado quanto à construção
do tabernáculo e do templo tem relevância para aquilo que estamos
estudando neste momento.
Quando Deus instruiu M oisés sobre a construção do tabernáculo,
Ele o levou a um monte e lhe deu instruções minuciosas. Deus não disse
simplesmente aMoisés: agoraEu quero que vocêconstruaum tabernáculo
para M im, no qual a M inha presença possa habitar, no qual a glória da
M inha Shekinah possa manifestar-se. Ele lhe deu instruções porm eno­
rizadas, entrando nas questões de medidas, cores etc. Tudo foi dado em
detalhe. E tendo lhe dado a planta e as especificações, Deus disse à
Moisés: “Atenta, pois, que o faças conforme ao seu modelo, que te foi
mostrado no m onte” (Êxodo 25:40). Parece que foram dadas instruções

-4 0 5 -
de m aneira semelhante a Salomão (2 Crônicas 3:3). É importante, pois,
que tenhamos isso em mente; é de profunda significação. Ouçam -no de
novo: “E edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam
se edificava; de maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum
outro instrumento de ferro se ouviu na casa quando a edificavam ” . Essa
declaração contém importante doutrina que lança luz sobre a exposição
feita pelo apóstolo na passagem que estamos estudando, com relação à
natureza da Igreja Cristã.

Em meu parecer, o prim eiro princípio que se deve observar é o


seguinte: a preparação é feita em segredo. Sem dúvida havia pessoas
em Jerusalém que ficavam observando a construção do templo. M as elas
não viam a preparação das pedras. Este trabalho era feito antes de serem
trazidas para o local do templo e de serem colocadas nos seus lugares nas
paredes. Eis aí um grande princípio do Novo Testamento. Antes de
sermos verdadeiros membros da Igreja Cristã, qualquer de nós - (vocês
vêem como é importante distinguir entre simplesmente termos os
nossos nomes nos róis de uma igreja e realmente sermos membros de
Cristo e da Sua Igreja) - antes de podermos estar verdadeiramente na
Igreja, uma enorme obra de preparação é indispensável. É uma obra
realizada pelo Espírito Santo, e é realizada nas profundezas da alma. É
um a obra misteriosa e secreta. O mundo a ignora. Assim como o povo
de Jerusalém nada sabia da preparação daquelas pedras, o m undo
também nada sabe a respeito. É possível estarmos trabalhando num
escritório com outras pessoas, ou até vivendo na mesma casa com outros,
e esta poderosa obra de preparação estar sendo realizada em nós, sem que
eles saibam. N ão é um a obra realizada externamente, por fora, superfi­
cialmente; é realizada no âmago da alma.
Escrevendo aos coríntios, o apóstolo diz: “Vós sois a carta de
Cristo... escrita, não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em
tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração” (2 Coríntios 3:3).
E uma obra interna, um a obra misteriosa, que se realiza naquela parte
do homem chamada alma. Certamente vocês se lembram de um famoso
anatom ista que zombou da alma há alguns anos. Disse ele que tinha
dissecado muitos corpos na sala de anatomia, e nunca tinha encontrado
um órgão chamado alma. Claro que não! Essa é um a das coisas secretas
que um anatomista m aterialista não pode entender. M enos ainda tal
homem poderia entender a obra realizada pelo Espírito na alma. A obra
é tão secreta que, às vezes, a própria pessoa em quem ela está sendo
realizada não sabe o que está acontecendo. Muitas vezes o Espírito age

-4 0 6 -
em nós durante algum tempo, antes de percebermos o que se passa. Tudo
o que sabemos é que estamos sendo levados a fazer certas perguntas que
nunca tínhamos feito antes. Tudo o que sabemos é que, de repente,
ficamos insatisfeitos com nós mesm os e com as nossas vidas, e não
sabemos por quê. Alguém talvez diga que não estamos bem e que
deveríamos consultar um médico; e pode ser que concordemos. Talvez
pensem os que estamos cansados, ou procuremos alguma outra explica­
ção. E um a obra misteriosa. Novos interesses surgem, novos anseios,
desejos e aspirações, e dizemos: “Que será isso? Não entendo o que se
passa comigo. Parece que alguma coisa está acontecendo comigo. Não
sou mais o mesmo. Que será isso?” E não entendemos. Ignoram os esta
obra secreta que o Espírito está realizando. Mas aí está ela, e faz parte
da preparação. Esse trabalho era feito antes de as pedras serem levadas
para Jerusalém.
Não devo demorar-me neste particular, porém vocês se lembram
da m aneira como o nosso Senhor expressou esta verdade, dizendo a
Nicodemos, que nesse ponto m ostrou-se completam ente incapaz de
entender a Sua doutrina: “Como pode um homem nascer, sendo
velho?”, pergunta Nicodemos. “Pode, porventura, tornar a entrar no
ventre de sua mãe, e nascer?” - N ã o entendo! Certo, disse efetivamente
o nosso Senhor. “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não
sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que énascído
do Espírito.” Você vê o resultado, você não vê o que acontece, não
entende. “Não sabes de onde vem, nem para onde vai.” Não se vê, é
invisível, mas você vê os efeitos, o resultado, o produto acabado.
“Assim é todo aquele que é nascido do Espírito.”
Noutras palavras, estabeleço como proposição fundamental - e é
sumamente importante dar ênfase a isso hoje, porque há um a grave
incom preensão dessa questão - que, ser cristão é estar sujeito a uma
energia e um poder que está acima do nosso entendimento. Não me
entendam mal. Isso não significa que o cristianismo é irracional; o que
significa é que o cristianismo é super-racional, supra-racional, poderí­
amos dizer. Não há - e isso me causa prazer, pelo que o repito muitas
vezes - não há nada que, um a vez que você esteja dentro, seja tão
racional, tão lógico como a fé cristã (como o revela a ilustração que temos
nesta Epístola aos Efésios). M as se você está fora, não a entende; parece
haver algo de misterioso e estranho nela. Por quê? Porque é obra de
Deus, porque é ação direta do Eterno. Já não é ação realizada por meio
das leis da natureza; Ele está agindo diretamente, Ele está agindo
imediatamente, isto é, sem utilizar-Se de meios. Deixem-me pedir ao

-407 -
grande apóstolo que exponha isso. Vejam como ele o faz na Prim eira
Epístola aos Coríntios, capítulo dois. Diz ele que quando o Senhor Jesus
Cristo estava neste mundo, os príncipes deste mundo não O reconhece­
ram, pois, se O tivessem reconhecido, “nunca crucificariam o Senhor
da glória”. Eles viam simplesmente um homem, o carpinteiro de
Nazaré. Indagavam: quem é este sujeito? Ficavam admirados com o Seu
conhecimento e com a Sua cultura; todavia não entendiam, não sabiam
que Ele era o Filho de Deus. M as o apóstolo declara: “Deus no-las
revelou pelo Seu Espírito” ; sim, pelo Espírito que “penetra todas as
coisas, ainda as profundezas de Deus” . Ele prossegue, dizendo: “Nós
não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus,
para que pudéssem os conhecer o que nos é dado gratuitamente por
D eus” . E ainda: “O homem natural não compreende as coisas do
Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las,
porque elas se discernem espiritualm ente” . E então ele acrescenta isto:
“Aquele que é espiritual (isto é, o homem espiritual) discerne (ou,
“ju lg a” VA) bem tudo, e ele de ninguém é discernido (ou, “por
ninguém é julgado”). Noutras palavras, o cristão, por definição, deveria
ser um problem a e um enigma para todos os não cristãos. Como isso é
importante como um aprova para cada um de n ó s! Se um incrédulo pode
entender você e tudo o que você lhe diz, então, pelo menos dentro deste
contexto, você não está dando prova de que você é cristão.
Quando o Filho de Deus estava neste mundo, Ele era um grande
problem a para as pessoas. Elas perguntavam: quem é este? Ele é um
hom em comum, nunca foi instruído como fariseu, não é escriba, não é
sacerdote, nunca teve erudição e cultura; no entanto, olhem para Ele,
ouçam o que Ele está dizendo. Ele parece ter conhecimento; vejam os
Seus milagres - quem é este? Ele era um problem a e um quebra-cabeça
para eles. Porventura vocês se lembram de que, nos capítulos iniciais do
livro de Atos somos informados de que acontecia a mesma coisa com os
Seus seguidores? Pedro e João curaram um homem na Porta Form osa
do templo, e as autoridades não podiam entender o fato. Levaram-nos
a julgam ento, e tudo o que puderam dizer foi que “eles haviam estado
com Jesus” (4:13). Isso era tudo o que eles sabiam. Homens ignorantes,
indoutos, m as cheios de poder! Que será isso?
É esse o aspecto secreto desta obra, desta preparação. O cristão, por
ter sido form ado e modelado pelo Espírito Santo, é alguém que ninguém
pode entender, exceto outro cristão. A obra realizada pelo Espírito não
é irracional, mas transcende a razão, confirmando aquele famoso dito de
Pascal: “A suprem a realização da razão é levar-nos a ver que há um

-4 0 8 -
limite para a razão” . Aqui nos encontramos num a esfera em que Deus
age im ediata e diretamente. Assim, o cristão não é m eramente alguém
que decide adotar certo número de proposições e um ponto de vista, ou
esposar um a filosofia. O cristão é, por definição, alguém que foi
form ado, modelado, posto em forma, adaptado e ajustado para ser um a
pedra nesta parede, neste edifício, que vai ser um “templo santo no
Senhor”, um a habitação de Deus. O cristão é alguém que nasceu de
novo, foi transformado, renovado, regenerado. Estes são termos do
Novo Testam ento. Ele é um a “nova criatura”, um a “nova criação” .

No entanto, isso nos leva aum segundo princípio: tudo isso tem que
acontecer conosco antes de poderm os fa ze r parte da Igreja. Nosso
texto fundamental, 1 Reis 6:7, põe isso acima de tudo o mais. “Edificava-
-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se edificava” , (ou,
“ ...com pedras preparadas antes de serem trazidas...” , VA). Não
estamos num a igreja para nos tornarmos cristãos. Estamos num a igreja
porque somos cristãos. A razão para ser membro dessa igreja não é que
finalmente você venha a ser cristão; é porque você já o é. Nunca foi
propósito da igreja ter em seus róis um a multidão mista - composta de
cristãos, dos que acham que são cristãos, dos que esperam poder tom ar-
-se cristãos e dos que, bem, estão ali porque nem sequer pensaram o
suficiente em parar de freqüentá-la, e são meros tradicionalistas. Este
também, lem bro a vocês, é um ponto tremendamente importante,
sobretudo na hora presente, quando a questão da natureza da Igreja é
levantada agudamente por todos quantos falam em união, re-união e
unidade.
É nosso dever familiarizar-nos com o que se ensinava no passado
sobre essa matéri a. Ora, no tempo da Reforma Protestante, essa era um a
questão urgente e crucial. M artinho Lutero ensinava que a Igreja é a
com unidade dos crentes. João Calvino acentuava que a Igreja consiste
do número total dos eleitos. Vocês notam a ênfase? - comunidade dos
crentes, número total dos eleitos, dos escolhidos, dos chamados. E vocês
recordam que os puritanos, que em certo sentido foram os originadores
e os fundadores daquilo que hoje toma o nome de “igrejas livres” (os
prim eiros “independentes” , os primeiros batistas, e outros), colocavam
sua ênfase no que eles chamavam, “a igreja reunida”. Queriam dizer
que a Igreja realmente consiste da reunião, ou do encontro dos santos,
dos crentes. Eles foram ficando cada vez mais tristes com a idéia de um a
“Igreja do Estado”, porque, de acordo com a idéia de um a “Igreja do
Estado” , todos os que vivem numa paróquia são membros da Igreja e

- 409-
são cristãos. Pois bem, os não conformistas rejeitavam isso com pleta­
mente. Eles diziam: porque sucede que um homem vive numa paróquia,
não é necessariamente um cristão. Simplesmente porque certas pessoas
vivem neste país, não significa que são cristãs. Eles asseveravam que a
Igreja consiste unicamente dos que foram preparados, dos que nasceram
de novo, dos regenerados, dos renovados, dos santos, dos crentes, do
povo de Deus; e a Igreja é a reunião destes. Isso é a Igreja, os “santos
reunidos” .
Vocês vêem a importância e a relevância disso tudo nos dias atuais,
quando há um a tendência das pessoas se tornarem cada vez mais soltas
e cada vez mais vagas nas definições; a tendência de dizer que todos os
que se dizem cristãos devem ser considerados cristãos, e que todos
somos um, e assim por diante. De fato às vezes chegam a sugerir que não
deveríamos dar demasiada ênfase até mesmo ao termo “cristão”.
Temos um “Congresso M undial de Crenças” que incluem todos os que
crêem em Deus, de um a form a ou de outra. Todos esses são um, dizem,
contrariamente aos que não crêem em Deus.
E vital que consideremos isso tudo, não somente à luz da história,
mas ainda mais à luz das Escrituras - esta Escritura de Efésios e aquela
declaração registrada em 1 Reis 6:7. Noutras palavras, certam ente o
ensino das Escrituras é simples e cl aro. E é que a Igreja consiste somente
daqueles que crêem na doutrina verdadeira e que vivem a vida cristã. “O
fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: o Senhor conhece os que
são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da
iniqüidade” (2 Timóteo 2:19). H á alguns que negam a fé, diz Paulo a
Timóteo: negam a ressurreição, dizem que é coisa do passado. Não se
aflija; eles parecem cristãos, porém Deus sempre soube onde eles estão.
Ele conhece todas as coisas, o Seu fundamento permanece seguro. Ele
não pode negar a Si próprio, embora O neguemos. Ele sabe o que faz.
Em últim a análise, o Arquiteto da Igreja é Ele.
Podem os ir adiante e dizer que certamente não há nada que seja
com pletam ente tolo e calamitoso, quando pensam os na Igreja, como
pensar nela em termos de tamanho e de número. M as esse é o
pensam ento determinante hoje. Igreja m undial! - dizem: o único modo
de combater o comunismo e as outras coisas que se opõem ao cristia­
nism o é tornar-nos um; devemos reunir os nossos grandes batalhões, e
então resistir ao inimigo. Entretanto, como isso é anti-escriturístico! Nós
cantamos em nossos hinos, “poucos fiéis”, e a Bíblia está repleta de
ensinam entos sobre a doutrina do remanescente. Deus não opera por
meio de grandes batalhões, Ele não se interessa por números; Ele está

-4 1 0 -
interessado napureza, na santidade, em vasos aptos e próprios para o uso
do Senhor. Não devemos concentrar a nossa atenção em números, e sim
na doutrina, na regeneração, na santidade, na compreensão de que este
edifício é um templo santo no Senhor, um a habitação de Deus.
Isso é o que o próprio Senhor nosso ensina claramente. Às vezes,
quando lemos os Evangelhos, temos a impressão de que o Senhor Jesus
Cristo passava grande parte do Seu tempo recusando pessoas. Hoje
forçamos as pessoas a tomarem decisão, fazemos tudo o que podemos
para fazê-las vir, quer queiram quer não. Mas não era esse o método do
nosso Senhor. Certo homem correu para Ele e disse: “Senhor, seguir-
-te-ei para onde quer que fores” . Que maravilhoso acréscimo à Igreja!
- dizemos. Todavia o nosso Senhor voltou-Se para aquele hom em e
disse: “As raposas têm covis, e as aves do céu ninhos, mas o Filho do
hom em não tem onde reclinar a cabeça”. Vá pensar no que você está
fazendo, diz o nosso Senhor, não quero mera animação, quero que você
com preenda o que isso lhe poderá custar. E, vocês se lembram, Ele
prosseguiu, falando com um homem que lhe pediu perm issão para
prim eiro ir para casa e sepultar o seu pai, e Ele diz: “Deixa aos mortos
o enterrar os seus mortos” . Disse ainda: “Ninguém que lança mão do
arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus” (Lucas 9:57-62). Ele
põe à prova, parece estar rejeitando - Ele examina. Avalie o preço, diz
Ele. Que tolo, diz Ele, é o hom em que começa construir um castelo,
porém não fez um a avaliação para saber quanto lhe custaria e se ele teria
condições e recursos para dar prosseguimento à obra! Ele fala dem aneira
semelhante sobre o homem que se aprestapara fazer guerra contra outro
país, e não sabe qual é o número dos componentes das suas tropas e das
suas reservas. Ah, que loucura é isso! P are! Considere! Ele parece estar
rejeitando os homens. A Sua preocupação era com a pureza da Igreja, não
com o tamanho, nem com os números. E quando Ele partiu deste mundo,
deixou apenas um pequeno grupo de homens comuns, indoutos, sem
instrução, iletrados para continuarem a Sua obra. E esse o Seu método.
E tem sido sem pre assim nos períodos de avivam ento e
despertam ento. Era extremamente difícil alguém tornar-se membro de
um a igreja dos puritanos. Leiam os relatos fidedignos dos feitos das
primeiras igrejas independentes e batistas e verão que era excessiva­
m ente difícil obter admissão à sua comunhão. Vocês algum a vez leram
as regras que João W esley estabeleceu para a admissão às suas socie­
dades? Os hom ens e as mulheres eram submetidos a exame e prova na
doutrina e na vida! É quando esse tipo de procedimento é adotado que
se tem avivamento.

- 411-
Deus só pode habitar num a Igreja pura - não necessariamente
num a Igreja grande, mas numa Igreja pura, pura na doutrina e pura na
vida. Pode parecer surpreendente, mas não hesito em asseverar, mesmo
hoje, que o m aior problem a da Igreja atualmente é que ela é grande
demais. É muito parecida com uma multidão mista. Somente quando os
hom ens são aptos e próprios para o uso do Senhor é que Ele os utiliza.
Somente num templo santo é que o Residente eterno entra. O ensino
geral das Escrituras tem esse propósito. E é evidenciado, apoiado e
comprovado pela subseqüente história da Igreja Cristã. Tam bém é
verdade que ninguém sabe, o mundo não sabe o que Deus pode fazer
quando um homem se entrega completamente a Ele. Todos os grandes
avivamentos e reformas vieram dos mais insignificantes começos. Um
só homem -M artinho L utero!Estranhos indivíduos do século dezessete!
O pequeno Clube Santo de Oxford, no século dezoito! Sempre foi assim.
Vamos parar de pensar em termos de grande atividade, quando estiver­
mos falando da Igreja. Regressemos ao Novo Testamento. Um santo
templo no Senhor. Quando Ele entra, com um só frágil homem Ele pode
convencer m ilhares .Pela pregação do apóstolo Pedro no dia de Pentecoste,
três mil foram acrescentados à Igreja.

Antes de concluirmos, vejamos mais um princípio. Não deve haver


nenhum ruído durante este processo de edificação. Voltemos a 1 Reis
6:7, e eis o que vocês verão escrito ali: “E edificava-se a casa com pedras
preparadas, como as traziam se edificava” . E então - “De m aneira que
nem martelo, nem machado, nem nenhum outro instrumento de ferro se
ouviu na casa quando a edificavam ” . Que princípio vital é este!
Interpretando-o e dando-lhe vestimenta moderna, é isto: não deve haver
discussão nem debate nem desacordo na Igreja acerca das verdades
vitais. Não se deve fazer ouvir nada desse ruído de cinzel, martelo,
amoldagem e preparação na Igreja. Isso terá que acontecer antes de você
entrar na Igreja. Não deve haver nenhum a discussão na Igreja Cristã
sobre a Pessoa do Senhor Jesus Cristo. Não deve haver nenhum a
discussão na Igreja acerca da situação e das condições do hom em em
pecado. Não deve haver nenhumadiscussão na Igreja acercadaexpiação
vicária, da regeneração, da Pessoa do Espírito e de todas as doutrinas da
graça. Não deve haver ruído de discussão acerca destas coisas. Tudo isso
deve acontecer antecipadamente.
Pois bem, falemos com clareza sobre este ponto, porque também
pode ser entendido erroneamente. Quando digo que não deve haver
discussão nem ruído de debate na Igreja, não estou querendo dizer que

-4 1 2 -
a Igreja não deve interessar-se por doutrina; o que estou querendo dizer
é que deve haver acordo sobre a doutrina logo de início, de modo que
não haja mais necessidade de discussão. Contudo, isso está sendo mal
entendido hoje, e está sendo colocado desta form a-, ah, dizem muitos,
não devemos ter discussões sobre doutrinas porque elas sempre causam
divisão; portanto, não as tenhamos, mas vamos todos concordar em
chamar-nos cristãos uns aos outros, seja o que for que creiamos. Uns
poderão dizer que Jesus de Nazaré era apenas homem, outros dirão que
Ele é tam bém o Filho de Deus. Que importa isso realmente? Afinal de
contas, todos nós concordamos em Seu ensino, em que este é nobre e
enaltecedor e em que, se tão-somente o praticássemos, não haveria todo
este problem a que o mundo enfrenta hoje. Assim eles dizem: vamos
parar de discutir sobre a Sua Pessoa. E depois, que dizer da Sua morte
na cruz? Uns dizem que foi o maior crim e da história, e nada mais, a
suprem a tragédia de todos os tempos. Outros dizem: não, é mais que
isso. Deus O enviou para que morresse; Ele morreu “pelo determinado
conselho e presciência de D eus” (Atos 2:23); morreu para levar a culpa
dos nossos pecados, e se Ele não tivesse morrido nós estaríamos ainda
em nossos pecados. Mas a tendência hoje é dizer que não importa em
que você crê. M uitos dizem: afinal, a morte de Cristo foi m aravilhosa
e com ovente e, portanto, todos nós podemos vê-la, podemos interpretá-
-la de diferentes maneiras. Isso não tem importância, todos nós cremos
nEle, e todos nós estamos procurando ser semelhantes a Ele e segui-10.
Somos todos cristãos; avante, pois!
No entanto isso é ausência de doutrina, e o que apassagem em foco
ensina é exatamente o oposto. Não deve haver nenhum ruído desse
debate e dessa discussão na Igreja - não por não haver doutrina, mas
porque todos nós estamos de acordo quanto à doutrina, porque todos nós
a subscrevemos. Foi assim que aconteceu na Igreja Primitiva. Quando
foi que o Espírito desceu sobre aqueles cristãos? Foi quando estavam no
cenáculo, unânimes. Unânimes! Outra vez lemos sobre a Sua vinda
sobre eles, e que era um o coração e a alma deles. E-nos dito que a Igreja
Prim itiva perseverava na doutrina (no ensino), na comunhão, no partir
do pão e nas orações. Não havia ruído de discussão e debate. Por quê?
Porque aqueles cristãos estavam todos concordes! Sabiam que Cristo era
o Filho de Deus; a ressurreição o provara para eles. Ele tinha exposto as
Escrituras, tinha explicado a Sua morte, eles tinham sentado aos Seus
pés e eles tinham crido na doutrina. Estavam todos unanim emente
concordes. Nenhum ruído! Por quê? Porque estavam de acordo na
doutrina, não porque não tinham doutrina.

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Vocês não vêem por que a Igreja está como está hoje? Que é que
foi acontecendo na Igreja Cristã durante os últimos cem anos? Já demos
a resposta. A Igreja tem discutido doutrinas fundamentais. Por que será
queum alarmante número de igrejas estão quase vazias atualmente? Por
que os números vão baixando ano após ano? E a própria Igreja a
responsável. H á cinqüenta anos, em Londres, a Igreja toda esteve
debatendo o que chamavam “nova teologia” . O debate era principal­
mente sobre a Pessoa de C risto! - seria Ele realmente o Filho eterno de
Deus? Ou seria apenas homem? Eram essas as questões. Discutiam
sobre fundam entos, sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas!
M uitos não criam nisso. Houve barulho na Igreja porque estavam
discutindo sobre pontos fundamentais. Será surpreendente que a Igreja
se tenha tornado ineficiente, que não lhe dêem valor, que os homens não
estejam sendo salvos e que o Espírito não esteja operando?
É preciso que não haja nenhum ruído de martelo, de m achado e de
nenhum instrumento de ferro na Igreja. É preciso que os homens e as
mulheres entendam claramente estas coisas, antes de pertencerem à
Igrej a. Na verdade, você não pode estar verdadeiramente nalgreja, a não
ser que já esteja certo sobre estas questões. Jamais houve a intenção de
que a Igrej a sej a um rinhadeiro no qual os homens argumentam, pelej am,
debatem e brigam sobre questões vitais relacionadas com Cristo e Sua
obra. A Igreja é a reunião daqueles para os quais estas questões foram
resolvidas uma vez por todas, os quais sabem no que crêem, os quais
estão firmados no fundamento de Deus, e os quai s se juntam - não para
argumentos e debates sobre estas questões, mas para esperar em Deus,
adorá-10, para que Ele venha a estar entre eles, para que Ele os encha
da Sua presença e de gozo indescritível e cheio de glória, para que Ele
os encha de poder para falar a outros e propagar as boas novas, e cati vá-
-los, libertando-os dos grilhões e da escravidão do pecado.
Notem o que estou dizendo. Não estou dizendo que os cristãos têm
que concordar em todos os pormenores. Estou ressaltando os pontos
fundam entais. Há certas questões nas quais nem todos os cristãos
concordam, certos detalhes acerca da profecia, certas questões como o
modo do batismo, e muitas outras. Não são princípios fundamentais. O
povo cristão jam ais deve contender, brigar e pelejar sobre esses pontos.
Devem discuti-los como irmãos. M as não devem ocorrer discussões
sobre pontos fundamentais, simplesmente porque são pontos fu n d a ­
mentais. A preparação deve ser feita antes de se trazerem as pedras para
a Igreja. Aqui não há ruído, nós O conhecemos como o Filho de Deus
e Salvador. A m aior necessidade da Igreja nesta hora é entender estes

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princípios. Agora se realizam grandes conferências mundiais, um a após
outra. Todavia, com o usam o tempo? Não em oração a Deus, não
esperando pelo Espírito, não se deixando encher do Espírito. Usam o
tempo para tentar achar um a base de acordo. Tentam achar um mínimo
irredutível acerca do qual não discordem.
Gastam seu tempo nisso e, enquanto isso, o mundo vai de mal apior.
Eles têm a fatal idéia de que doutrina é causa da divisão, quando a
verdade é que não há nada que una, exceto a doutrina - pois a única
unidade digna de menção é a unidade do Espírito, que produz a m esm a
crençano mesmo Senhor, na mesma fé e no mesmo batismo. É a unidade
dos que têm a m esm a mentalidade e estão em harmonia, que não põem
a sua confiança em si mesmos, mas somente no Filho de Deus e na
perfeita obra que Ele realizou a favor deles. Portanto, a palavra para a
Igreja moderna, como a palavra que Deus dirigiu a M oisés na antigüi­
dade, é sim plesm ente esta: “Atenta pois que o faças conform e ao seu
modelo, que te foi mostrado no monte” . O monte do Sermão do Monte!
O m onte da transfiguração! O monte Calvário! O monte das Oliveiras,
o m onte da ascensão! Aí estão os grandes picos. Em nossos dias e em
nossa geração, edifiquemos, aconteça conosco o que acontecer, diga de
nós a Igreja, a Igreja visível, o que disser, seja o que for que o mundo
fale de nós, edifiquemos conforme ao modelo que nos foi m ostrado no
monte. Que não haja incerteza nem hesitação nem discussão nem ruído
nem debate acerca do conteúdo deste capítulo dois da Epístola de Paulo
aos Efésios, pois o fundamento é - o homem morto em ofensas e
pecados, desam parado e sem esperança; ressuscitado pela graça de
Deus; salvo pelo sangue de Cristo; regenerado, renovado e ligado a
Cristo pelo Espírito Santo e transformado numa pedra do templo santo
no Senhor.

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RECONCILIAÇÃO:
O MÉTODO DE DEUS
Estas exposições por Dr. Lloyd-Jones atingem o âmago do
problema humano - o homem estar separado de Deus! Eles
demonstram que nada é mais relevante para a triste condição do
homem do século XX do que a mensagem cristã. Realmente,
demonstram que à raiz de todos os problemas dos relacionamentos
humanos jaz o problema do relacionamento do homem com o seu
Criador.
Numa época de confusão, tumulto, divisões e guerras violentas,
e, ao mesmo tempo, de uma indolente crença num falso e superficial
idealismo que afirma que os homens e as nações podem viver em
harmonia, paz e concórdia, graças ao apelo dirigido ao que há de
melhor no homem, mais que nunca a mensagem deste capítulo dois
da Epístola de Paulo aos Efésios é necessária.
Aqui vemos claramente exposto e firmado o método divino de
reconcilação - o único método. O texto em apreço trata dos mais
profundos e inspiradores temas da Bíblia.
Não sei de nenhum outro capítulo da Bíblia que exponha com
tanta clareza e perfeição, ao mesmo tempo, a mensagem
evangelística essencial para o incrédulo e a posição e os privilégios
do crente.
Aí está a única esperança para o indivíduo e para o mundo, e,
ao desvendar o apóstolo o plano eterno de Deus, não podemos senão
entusiasmar-nos com a gloriosa perspectiva que aguarda todos
quantos se tornaram “concidadãos dos santos, e da família de Deus” .

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