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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTICA ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 Processo n.° 78 700 CONVERSAO DA EXECUGAO EM FALENCIA Acordam no Supremo Tribunal de Justiga: I. A Sociedade de Electricidade Brown Boveri L.“*, com sede na Rua Sa da Bandeira 491-2.°, Porto, moveu execugdo de sentenga contra Mondex — Fabrica de Malhas Mondego L.%*, com sede na Rua Pedro Alvares Cabral, 205, Rio Tinto, para pagamento da quantia de Esc. 115.580$60 e juros de mora vin- cendos a taxa de 23%. Foram penhorados bens, foi ordenado 0 cumprimento do dis- posto no art. 864.° do Cédigo de Processo Civil e foram reclama- dos créditos. Em nova diligéncia de penhora constatou-se nao haver mais bens disponiveis por os que havia se encontrarem apreendidos em execugao fiscal. O produto da venda dos bens penhorados era manifesta- mente insuficiente para pagamento dos créditos reclamados e verificados. A folhas 152, a exequente, alegando estes factos e invocando © disposto no n.° 1 do art. 870.° do Cédigo de Processo Civil, 228 PREMO TRIBUNAL DE JUSTICA requereu a remessa dos autos a distribuicao para prosseguir como faléncia, para o que apresentaria a respectiva peti¢ao inicial. Carregado na espécie. isto é — faléncia — ao mesmo tribu- nal, veio a exequente requerer 0 cumprimento do disposto no art. 1181.° do Cédigo de Processo Civil, com o entendimento de nao ser necess4ria a repetigao de qualquer prova, dado que ja fora feita perante o juiz e mediante a sua intervengao e do tribunal, pelo que haveria de ser declarada a faléncia da executada. Ouvida a requerida veio ao processo op6r-se a declaragao de faléncia uma vez que a petigdo para tal apresentada era insufi- ciente ¢ jd caducara o direito de pedir a declaragdo de faléncia. Juntou pareceres de Professores Universitarios. Entdo, 0 Ex.” Juiz, a folhas 261 dos autos, por sentenga, analisou os autos, e concluiu mostrar-se verificada a situagdo prevista no art. 870.° n.° 1 do Cédigo de Processo Civil, pelo que declarou a requerida Mondex — Fabrica de Malhas do Mondego, L.“*, em estado de faléncia. Mediante recurso de apelagdo, o Tribunal da Relagao do Porto, pelo acérdao de folhas 495 e seguintes, revogou a sentenga para que se substituisse por decisdo “a permitir a continuagao da tramitagdo processual, com vista a que, em audiéncia, se apure da verificagdo, ou nao, dos pressupostos condicionantes e neces: rios para a declaragao de faléncia” Deste acérdao recorreu de agravo para este Supremo Tribu- nal a exequente — Sociedade de Electricidade Brown Boveri L.44. Nas suas alegacGes, conclui nos seguintes termos: “I. O art. 870.°, n.° | do Cédigo de Processo Civil constitui uma causa de declaragdo de faléncia completa- mente auténoma em rela¢do aos indices de declaragao de faléncia previstos no art. 1174.° do Cédigo de Processo Civil. 2. No processo de execugio foi verificado o estado de insuficiéncia do patrim6nio da executada. 3. Essa insuficiéncia nada tem a ver com a insufi- ciéncia dos bens penhorados, repetidas vezes referida no acérdao recorrido, talvez por analogia errénea com o dis- ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 229 posto na alfnea a) do n.° 2 do art. 836.° do Cédigo de Pro- cesso Civil. 4. Nada justifica,portanto, que se proceda, como foi ordenado pelo douto acérdao recorrido, a uma nova aprecia- ¢4o dos indices do estado de faléncia. 5. Essa averiguagao, além de violar 0 caso julgado for- mal ja referido, revestiria a pratica de actos intteis, clara- mente em oposi¢do ao principio da limitagdo previsto no art. 147.° do Cédigo de Processo Civil. 6. Ao decidir que ao caso era aplicdvel o disposto no art. 1174.° do mesmo Cédigo, foi erradamente interpretada uma disposigado legal e violado o art. 870.° n.° 1 do Cédigo de Processo Civil, com violagdo também do caso julgado formal que se formou sobre o despacho de folhas 153 (art. 672.° do Cédigo de Processo Civil). 7. A douta deciséo de que se recorre deve a: revogada e declarada a faléncia”. Contra alegou a requerida Mondex, na qual conclui: “Porquanto 0 douto acordio da Relagao do Porto inter- pretou e aplicou correctamente a lei definindo com clareza e objectividade, em obediéncia 4 melhor orientagdo jurispru- dencial e doutrinal, o alcance e o sentido do art.° 870.° n.° 1 do Cédigo de Processo Civil, como de resto decorre de quanto vai processualizado, nomeadamente dos pareceres juntos aos autos, quer perante a primeira instancia, quer perante a segunda instancia, por tudo isso, deve ser confir- mado esse ac6rdao e, consequentemente, deve ser negado provimento a pedida revista”. O Ex.™° Senhor Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer propugnando a decisao recorrida e acei- tando as fundamentagGes do parecer da Dr.* Maria dos Prazeres Beleza. O processo obteve os vistos processualmente previstos. Cumpre decidir. 230 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTICA II. Nos autos verificaram-se os seguintes elementos a atender: a) Em 12/11/84 foi instaurada contra a Mondex execugio de sentenga para pagamento de esc. 155.581$00 e juros 4 exequente, Sociedade de Electricidade. Citada a executada veio nomear bens 4 penhora. b) Foi penhorada uma maquina no valor de 200.000$00, vendida por 273.000$00. c) Citados os credores, foram reclamados créditos e gradua- dos com preferéncia sobre 0 da exequente no montante de 79.011.872$00. d) Penhorados mais bens ndo foram encontrados suscepti- veis de penhora, por j4 se encontrarem apreendidos em execugao fiscal. e) Entdo a exequente requereu a distribuicao para prosseguir como processo de faléncia. f) Proferida a (ilegivel), foi depois ouvida a requerida sobre a peti¢do apresentada a folhas 115, pelo qual se pedia a declara- go de faléncia nos termos do art. 870.° n.° 1 e 1181.° do Cédigo de Processo Civil. g) A requerida respondeu, opondo-se a peti¢do, para 0 que invocou a ineptidao da peti¢ao e a caducidade da providéncia. Arrolou testemunhas. h) O Ex.™ Juiz, apreciando, entendeu que o disposto no art. 870.° n.° 1 do Cédigo de Processo Civil continha em si uma causa de declaragio de estado de faléncia, pelo que era desneces- sdria a produgao de outras provas. Ill. O acérdao recorrido entendeu, diversamente, que o dis- posto no art. 870.°, n.° | nao continha nenhuma regra substantiva do estado de faléncia, mas s6mente um pressuposto para que 0 processo fosse remetido ao tribunal competente para ai se iniciar © respectivo processo de averiguacao do estado falimentar de acordo com os indices préprios. A questo que nos € posta, neste recurso de agravo, €, como se vé pelas conclusées das alegagées, analisar e interpretar 0 ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 234 alcance do disposto no art. 870.° n.° | do Cédigo de Processo Civil. Ha numerosa jurisprudéncia e doutrina sobre as duas corren- tes interpretativas e que, de certo modo, teve origem ainda dentro da Comissao Revisora do Projecto do Cédigo de Processo Civil de 1959, que foi quem introduziu o principio — cfr. Prof. Dr. Alberto dos Reis, em Processo de Execugao, vol. II, pag. 290. As duas correntes de entendimento tém expressiva traducgao através de estudos contidos na Colectanea de Jurisprudéncia, vol. XI (ano de 1986, toro 4, pag. 25 e segs., dos Doutores Ruy de Albuquerque e Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, in Revista da Ordem dos Advogados de Dezembro de 1987 e Junho de 1990 pelos Doutores Paula Costa e Pedro Romano Martinez, textos a onde se citam numerosos outros estudos e acérdaos nos dois sentidos. Basta a averiguagao prevista no art. 870.°, n.° | do Cédigo de Processo Civil para a pretendida declaracao de faléncia ou insol- véncia ? Constituem estas averiguagées, antes, um mero requisito para a remessa do processo de execugao ao Tribunal competente para a declaragao de faléncia a fim de, aqui, se proceder a neces- sdria indagagao da situagao falimentar através dos indices previs- tos no art. 1174.° do referido Cédigo de Processo Civil ? Naquela hipétese a sequela prevista no art. 870.°, n.° | cons- tituiria um indice auténomo para a declaragao de faléncia. Reparemos, desde j4, que no caso dos autos estamos perante uma sociedade de responsabilidade limitada, que, nos termos do n.° 2 do art. 1174.°, pode ter como fundamento da declaragao de faléncia a “insuficiéncia manifesta para satisfagao do passivo”. Somos de entendimento da validade da interpretagao de que © disposto no art. 870.°, n.° 1 do Cédigo de Processo Civil ape- nas estabelece 0 pressuposto processual de remessa dos autos executivos para o Tribunal competente, a fim de que proceda ao processamento da faléncia ou da insolvéncia, através dos seus respectivos indices, nao visualizando por si um novo indice auté- nomo dessa declaragao. Neste sentido a jurisprudéncia recente contida no acérdao deste Supremo Tribunal de 17/5/90 no Proc. 79 164. 232 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTICA. Ponderemos: No Cédigo de Processo de 1939, com a redacco original, os arts, 833.° e 870.° n.° I, diziam que, verificado no processo exe- cutivo insuficiéncia do activo perante 0 passivo, era neste pro- cesso executivo que se procedia a declaragao de insolvéncia e — talvez no melhor entendimento — a faléncia. Pela Reforma Processual do Dec.-Lei 44.129 de 28/12/1961. ee do art. 833.° desapareceu e 0 disposto no art. 870.° .° 1 € alterado no sentido de, verificado no processo executivo aie 0 “patrim6nio do devedor nao chega para pagamento dos cré- ditos...”, pode ser requerida a remessa do processo para 0 Tribunal competente para aqui ser decretada a faléncia ou a insol- véncia do executado. Temos como certo que a forca do normativo legislativo per- maneceu, por vezes, no entendimento das pessoas, apesar da Reforma Legislativa de 1961, mas que, presentemente, nao tem razao de ser face as alteragdes econémicas e sociais. Se ao tempo podia ser entendida uma certa sensibilidade entre a despropor¢do do activo para cobrir 0 passivo, hoje em dia as preocupagées apontam no sentido de procurar preservar a pos- sibilidade de manutengdo das empresas com (ilegfvel), (ilegivel) dessa sensibilidade econdmica. E 0 caso das medidas previstas para a recuperagio das empresas — DL 177/86 de 2/7 e DL 279/81 de 4/10 e DL 368- -D/83 de 4/10. Eo caso dos arts. 13.° n.° | alinea c) do DL 17/86 de 14/6 de permitir pagamentos a uns credores e 0 nao pagamento a outros. Vejamos. As conclusées 5.° e 6.° da alegagdo relativa 4 violagao do caso julgado formal ndo merecem qualquer consideragd0 por constituirem um mero circulo vicioso, uma vez que tudo esta em apurar do alcance do despacho previsto nesse art. 870.° do Cédigo de Processo Civil. Nos termos deste dispositivo legal no processo executivo verificar-se-4 “se 0 patriménio do devedor nao chega para paga- mento dos créditos verificados” podera ser requerido que 0 pro- cesso seja remetido ao tribunal competente” para nele ser decre- tada a faléncia ou insolvéncia da executa ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 233 Todavia. nos termos do n.° 2 do art. 1174.° do Cédigo de Processo Civil onde se estipulam os motivos da declaragao de faléncia nas sociedades de responsabilidade limitada — a hip6- tese dos autos e cujo motivo se aproxima do texto do art. 870.°, n.° | — para a declaragio de faléncia respectiva nao basta o patri- monio nao chegar para pagamento dos créditos mais exige-se mais, ou seja a avaliagao de insuficiéncia manifesta do activo para satisfagdo do passivo. E evidente estarmos em presenga de dois critérios diversos, mais conforme com as realidades econémicas e sociais que per- mitem — até com pujanga — o funcionamento de empresas com activos inferiores ao passivo. HA subjacente a ideia de apreciagdo da capacidade de movi- 10 de potenci lades, que nao se confina numa compara- ¢ao aritmética de ntimeros. Sendo os indices previstos no art. 1174.° do Cédigo de Processo Civil diferentes do previsto no arts. 870.° n.° 1a altera- ¢do legislativa introduzida no Cédigo de Processo Civil pelo DL 44.129 de 28/11/61 nao pode ter outro sentido do que levar a que seja apreciado pelo tribunal competente a verificagdo desses respectivos indices e das potencialidades econémi A alteragio nado visou sémente a altera minar qual o tribunal competente para declarar a faléncia ou insolvéncia mas, mais profundamente, alterar os principios até entdo vigentes acabando com a declaragdo automatica, conse- quéncia da comparagdo matematica do patriménio do devedor com os seus débitos. A alteragao legislativa viria, pois impor um julgamento fali- mentar no tribunal para tal vocacionado sem tornar este Tribunal um mero executor e sentenciador formal da boa ou ma averigua- ¢4o do Tribunal Executivo, que, alias, ndo tinha meios suficientes para efectuar conveniente juizo. A orientagdo contrdria privaria 0 Tribunal do exercfcio das suas fungdes 0 que reveste caracterfstica de inconstitucionalidade —n.° 2 do art. 201.° da Constituig&o da Repiiblica Portuguesa. Poderemos lembrar ainda — culminando numa evolugao — a proposta para a eliminagao da conversao da execucao em falén- cia — ver Anteprojecto do Cédigo de Processo Civil em estudo. 234 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTICA Entendemos, pois, que o disposto no art. 870.° visou acolher 0 pressuposto da remessa do processo executivo ao Tribunal com- petente para a declaragao de faléncia e nesta medida se fazer o estudo e julgamento por este Tribunal. Como, no caso dos autos, o Tribunal competente, ouviu na verdade a requerida mas nao procedeu a averiguagao e andlise da prova, sendo certo que a requerida até a tinha indicado, embora talvez limitadamente como o M.™° Juiz pressupés, sem a ouvir. Nestes termos, nega-se provimento, com a confirmagao do acér- dao recorrido. Custas pela recorrente. L oa 19 de Agosto de 1991 (Assinaturas ilegiveis, tendo a terceira aposta a observagao de “vencido”). NOT, ho manuscrito, As expressdes em itdlico resultam de dividas quanto aos termos contidos ANOTAGAO Pelo Dr. Luis Manuel Teles de Menezes Leitao 1. RAZAO DE ORDEM Apesar de relativamente pacifica na doutrina, a interpretagao do 870.°, n.° 1, do Cédigo de Processo Civil tem vindo a consti- tuir objecto de alguma controvérsia nos nossos tribunais superio- res. Justifica-se, por isso, um breve comentario a este aresto do Supremo Tribunal de Justiga, que representa a mais recente infle- x4o da nossa juriprudéncia neste dominio. A questo que neste acérdao foi posta residiu essencialmente em determinar se a verificagao da situacao prevista no art. 870.° constitui um pressuposto material da faléncia, que implicaria necessariamente a sua declaracao no tribunal competente, ou se representa apenas uma norma de natureza processual, que ape- nas provoca a remessa do processo para esse tribunal e nao dis- pensa a alegacao e prova dos factos previstos nos art. 1135.° e 1174.° do C.P.C.. Iremos, em comentério a este acérdao, analisar quais os ter- mos em que deve ser colocada e resolvida essa questao. 2. SINTESE DOS FUNDAMENTOS DA DECISAO A SOCIEDADE DE ELECTRICIDADE BROWN BOVERI, L.PA instaurou uma acco de execugao de sentenga contra MON- 236 LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITAO DEX, FABRICA DE MALHAS MONDEGO, L.PA para paga- mento da quantia de 115,860$60 e respectivos juros. Foi penhorada uma maquina no valor de 200.000$00, que seria vendida por 273.000$00. No Ambito do respectivo processo. foram reclamados e veri- ficados créditos no montante de 79.011.872$00, com preferéncia sobre o crédito exequendo. Efectuando 0 exequente nova nomeagao de bens, consta- tou-se ndo existirem mais bens disponfveis, por os que havia se encontrarem apreendidos em execugao fiscal. Em consequéncia, a exequente veio requerer, ao abrigo do art. 870.°, n.? 1, do C.P.C., a conversio do processo de execugao em processo de faléncia, por o produto da venda dos bens penho- rados ser manifestamente insuficiente para pagamento dos crédi- tos reclamados, a qual foi deferida pelo Tribunal. Ap6s nova distribuiggo, a BROWN BOVERI, L.PA apresen- tou petigdo em que se solicitava a declaragdo imediata de faléncia sem produgio de qualquer prova, com fundamento no disposto no art. 870.°, n.° 1. O Tribunal de 1." instancia considerou que, mostrando-se verificada a situacgiio prevista no art. 870.°, n.° 1 C.P.C., nada mais era necessdrio para a declaragao de faléncia, pelo que declarou a MONDEX em estado de faléncia. Interposto recurso de apelagio, a Relagdo do Porto revogou a sentenga, ordenando a sua substituig&o por deciséo que orde- nasse o seguimento do proc para que, em audiéncia de julga- mento, se apurasse da verificagéo ou nao dos pressupostos da faléncia. A requerente recorreu entio de agravo para o Supremo Tri- bunal de Justiga, alegando sinteticamente que: a) O art. 870.°, n.° | constitufa uma causa de declaragio de faléncia, completamente auténoma em relacao aos indices previs- tos no art. 1174.°, pelo que, estando os seus pressupostos verifica- dos nos autos, nada justificaria que se procedesse a uma nova apreciagao dos indices do estado de faléncia; b) Essa nova apreciacao constituia violagao de caso julgado formal, nos termos do art. 672.° do C.P.C.. ANOTACAO AO ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 237 Esse recurso foi julgado improcedente pelo Supremo Tri- bunal de Justiga, no acordao que agora se comenta, tirado com um voto de vencido, com base essencialmente nos seguintes fun- damentos: a) Nao fazia sentido a alegagao de caso julgado formal, por tal constituir um circulo vicioso, j4 que 0 que estava em causa era a interpretagao do art. 870.°. 5) O art. 870.° visou apenas acolher 0 pressuposto da remessa do processo executivo ao Tribunal competente para a declaragao de faléncia, e nesta medida se fazer o seu estudo e jul- gamento por esse Tribunal, nao constituindo assim um indice substantivo de faléncia a acrescer aos do art. 1174.°. c) A faléncia nado pode ser decretada com base na simples comparacéo matematica do patriménio do devedor com os débi- tos, uma vez que, mesmo na hipétese do facto indice previsto no art. 1174.°, n.° 2 exige-se uma insuficiéncia manifesta do activo Para satisfacdo do passivo, o que traduz a ideia de averiguagio da potencialidade econdémica do requerido. d) Apés a reforma de 1961, com a imposigao de um julga- mento no tribunal de faléncia, tornou-se indubitavel que esse tri- bunal nao pode ser um mero executor ou sentenciador formal da boa ou md averiguacio do tribunal executivo, caso em que se veria inconstitucionalmente privado das suas fungdes (art. 205.°, n.° 2 da Constituigdo). 3. ACCAO EXECUTIVA E PROCESSO DE FALENCIA O regime do art. 870.°, n.° 1, do actual Cédigo de Processo Civil encontrava a sua plena justificagao no Ambito do sistema de execu¢ao colectiva, instituido no Cédigo de Processo Civil de 1939 (!). (1) Embora os correspondentes arts. 833.° € 870.°, 2, suscitassem algumas diivi- das de interpretago, a que se referem J. M. GALVAO TELLES, Anotagdo ao Acérdao da Relacao de Lisboa, de 6 de Fevereiro de 1941, na Revista da Ordem dos Advogados, 238 LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITAO A adopgiio desse sistema implicava, apés a penhora, a cita- ¢40 dos credores comuns do executado, cujos créditos se encon- trassem vencidos (arts. 864.° e 865.°), com a faculdade de nomear outros bens & penhora (art. 870.°) (), Exercida essa faculdade e verificada a insuficiéncia do activo do devedor para pagamento dos créditos verificados, poderia qualquer credor soli- citar a declaragao de insolvéncia ou a faléncia (art. 870.°, 2). Antes da convocacdo era também possfvel a qualquer credor requerer que fosse declarada a faléncia ou insolvéncia, caso 0 patrim6nio do devedor fosse insuficiente para pagamento ao exe- quente e este nao tivesse outro meio de satisfazer o seu crédito (art. 833.°). A faléncia era declarada no préprio tribunal de exe- cugdo e s6 depois se fazia a remessa do processo para 0 tribunal competente. As consequéncias do sistema da execugao colectiva insti- tudo eram, porém, profundamente atenuadas, pois nao se tinha consagrado na verificagio e graduagio dos créditos o principio da igualdade do exequente com os restantes credores comuns (par conditio creditorum), mais caracteristico desse sistema, atribuin- dose antes nesse confronto ao exequente a preferéncia resultante da penhora (prior in tempore, potior in jure). Dai que 0 processo previsto nos arts. 833.° e 870.°, 2, do Codigo de Processo Civil de 1939 funcionasse como um elemento corrector dessa desvirtua- Gio, estabelecido no interesse dos restantes credores comuns, que poderiam solicitar a declaragio de faléncia ou insolvéncia e resta- belecer a par conditio creditorum, uma vez que no processo de faléncia deixava de ser atendida a preferéncia do exequente em relagiio aos bens penhorados (art. 1194.°, § 2.°). Porém, a reforma da nossa lei processual civil em 1961 veio a abolir esse sistema, passando 0 novo Codigo a consagrar um sistema de execugao tendencialmente singular, em que apenas os ano 1, n.° 2, pp. 496 € ss. e ALBERTO DOS REIS, Proceso de execugao, 2.° vol.. reimp., Coimbra, Almedina, 1982, pp. 289 ¢ ss.. Veja-se RUY DE ALBUQUERQUE e MARIA DOS PRAZERES BELEZA, Consideragdes sobre a conversdo da execugdo em ‘faléncia, publicado na Colecténea de Jurisprudéncia, XI. 1986, IV, pp. 15 € s8.(17 € ss.) € recolhido em FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA (ed.), Estudos de Direito Comercial, 1, Das Faléncias, Coimbra, Almedina, 1989, pp. 69 ¢ ss. (70€ 5.). (2) Encontra-se uma descrigdio desse sistema em ALBERTO DOS REIS, op. cit.. pp. 242 ss.. ANOTACAO AO ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 239 credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados e munidos de titulo executivo podem deduzir reclamagao de crédi- tos (art. 865.° do actual Cédigo de Processo Civil), 0 que afasta liminarmente a possibilidade de intervirem na execug’o singular credores interessados na aplicagdo da par conditio creditorum. A estes restaré o expediente do art. 870.°, n.° 2: requerer a sus: pensao da execu¢ao, demonstrando que foi requerida a faléncia ou insolvéncia do executado. Ora, sendo assim, que sentido se poder atribuir ao art. 870.°, nl? No seu estudo sobre a matéria, RUY DE ALBUQUERQUE e MARIA DOS PRAZERES BELEZA (°) vieram sustentar que apés a reforma de 1961 0 processo do art. 870.°, n.° | deixara de ter utilidade, representado uma contradigdo insuperavel, uma vez que a lei nao colocava nas mios dos verdadeiros interessados na conversao os meios para a decretar. Efectivamente, no actual sistema legal, 0s Gnicos que pode- rao requerer a conversao da execugao em faléncia sio 0 exe- quente e os credores com garantia real sobre os bens penhorados. Ora, ao exequente nao interessaria seguramente essa conversio, uma vez que com ela deixaria de ter a preferéncia resultante da penhora (art. 1235.°, n.° 3 C.P.C.) e os credores com garantia real sobre os bens penhorados nao teriam meios de demonstrar a insu- ficiéncia patrimonial, uma vez que s6 0 exequente pode nomear novos bens a penhora (art. 836.°, n.° 2 do C.P.C.). Os tinicos que poderiam ter interesse neste regime seriam os credores quirogra- farios, mas, ndo podendo estes intervir na execucdo, 0 preceito do art. 870.°, n.° 1 revela-se contraditério e dispensdvel. Em sentido contrério a esta interpretagao, pronunciaram-se OLIVEIRA ASCENSAO (4), RITA AMARAL CABRAL ©), € ©) Op. cit, pp. 18 ess. (em FDUL (ed.), Estudos... (cit.), pp.71 € s8.. (*) JOSE DE OLIVEIRA ASCENSAO, Acedo executiva e pressupostos da falén- cia, publicado na Ciéncia e Técnica Fiscal n.% 337/339 (Marco 1987), pp. 33 ss. (36- -37) recolhido em FDUL (ed.), Estudos de Direito Comercial, 1, Das Faléncias, (cit.), pp. 43 € ss. (45-46). ©) RITA AMARAL CABRAL, Dos pressupostos materiais da faléncia. Anotagdo ao Ac. do S.T.J. de 71-86, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 47, III (Dezembro de 1987), pp. 935 € ss. (959-961) e recolhido em FDUL (ed.), Estudos de Direito Comercial, 1, Das Faléncias, (cit.), pp. 146 e ss. (168-170). 240 LU{S MANUEL TELES DE MENEZES LEITAO MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (®), defendendo que, pese embora a desarticulagdo entre este regime e o sistema de exe- cugio singular, o art. 870.°, n.° 1 mantinha utilidade no 4mbito da actual legislacdo processual civil. Para OLIVEIRA ASCENSAO, a ratio do preceito justifica- -se pelo facto de o executado nao ter 0 dever de indicar bens sus- ceptiveis de penhora. A nomeago que Ihe € atribuida € apenas uma faculdade (art. 833.° C.P.C.), a qual este na maior parte das vezes nao exerce, preferindo adoptar uma posi¢ao de inércia rela- tivamente a execugio, que s6 o beneficia, pois € 0 exequente que tem o Onus de indicar bens. A conversao da execugao em faléncia representar4 por isso um meio de ameagar o devedor, levando-o a abandonar essa posigdo de inércia e a indicar os seus bens, para evitar as consequéncias pessoais e patrimoniais que a declaragao de faléncia Ihe pode acarretar (7). Para RITA AMARAL CABRAL a ratio do preceito baseia- -se essencialmente na ideia de economia de meios (8), visando conseguir os mesmos efeitos da liquidagao colectiva sem a pra- drios. Com um requerimento unico de con- verso 0 exequente obtém a suspensdo da instancia e a apreciagao do pedido falimentar no tribunal competente, enquanto os restan- tes credores teriam, ao abrigo do art. 870.°, n.° 2, de apresentar separadamente um pedido de faléncia e requerer a ulterior sus- pensao da execugio (°). Para além disso, poderao existir vanta- gens na converso quando o credor com garantia real, aprovei- tando-se da prova feita pelo exequente, nos termos do art. 515.°, (¢) MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Algumas notas sobre a conversdo da exe- cugdo em faléncia, na Revista da Ordem dos Advogados, ano 50, H Julho 1990), pp. 459 €5s.. A pp. 462 este autor propie mesmo um retomo ao sistema do Cédigo de 1939. (’) OLIVEIRA ASCENSAG, loc. cit. (8) Explicaram igualmente este regime com base no mesmo principio MANUEL JULIO GONGALVES SALVADOR, Conversao da execucao em faléncia, na Justiga Portuguesa, ano 32 (1965), n.° 335, pp. 129-136 e, n.° 336, 145-155 (148) € EURICO LOPES CARDOSO, Manual da ac¢do executiva, Lisboa, Imprensa Nacional, s.d. (reimp. da 3.* ed. de 1966), pp. 534-535. No entanto, ao contrario do que afirmam estes autores, ndo h4, porém, qualquer beneficio no aproveitamento da sentenca de verificagao de créditos, pois tal j4 resultaria dos art. 1205.°, n.° 2e do art. 1218.°, n.° 3. (@) RITA AMARAL CABRAL, Op. cit.. pp. 961-962. (em FDUL (ed.), Estudos... (cit.), p. 169). ANOTACAO AO ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 aL quiser fazer excluir a preferéncia resultante da penhora registada antes da sua garantia ou, sendo também credor comum, pretender a interrup¢ao imediata do processo para salvaguarda do seu cré- dito. O exequente pode também pretender a conversio se tiver conhecimento de uma outra penhora, cuja prioridade pretenda ver desaparecer antes da sua execugdo ser suspensa (!°), Ja na opiniao de TEIXEIRA DE SOUSA, 0 regime do art. 870.°, n.° | nao tem qualquer razdo de ser relativamente ao exequente, pois perdendo este a preferéncia resultante da penhora, faltar-Ihe-ia o interesse em agir no pedido de conversao. Esta s6 poderia compreender-se como uma tentativa de pressio sobre 0 executado, que o Tribunal deveria impedir por constituir uso anormal do processo, nos termos do art. 665.°. Esse regime faz, porém, todo o sentido relativamente aos credores reclamantes que tém sempre interesse nessa conversao, para afastar a penhora do exequente e concorrer com ele em pé de igualdade relativa- mente 4 parte do crédito nao coberta pela garantia real. Nao lhes esta, por outro lado, vedada a prova da insuficiéncia patrimonial, bastando para tanto que o exequente tenha no processo tentado infrutiferamente a penhora de outros bens do executado, e que a insuficiéncia patrimonial possa ser demonstrada com base em elementos da escrita, informagées do registo comercial ou pre- dial. Tal bastaré para fundamentar, com éxito, o seu pedido de conversao (!!). Conforme se refere no acérdao que comentamos, a Comis- sao de Revisao do actual Cédigo de Processo Civil acolheu a tese da falta de utilidade do art. 870.°, n.° 1, propondo, no art. 722.° do Anteprojecto, restringir a sua redacgao ao regime actual- oe constante do art. 870.°, n.° 2 extensivo a todos os credo- res (’*). (% RITA AMARAL CABRAL, Op. cit., p. 960. (em FDUL (ed.), Estudos... (cit.), p. 168). Na nota (37) a autora refere terem sido estes exemplos apresentados pelo Conselheiro CAMPOS COSTA na 85.* reunido da Comissio de Revisdo do Cédigo de Processo Civil e transcritos na acta n.° 86. (1) TEIXEIRA DE SOUSA, op. cit., pp. 463 e ss.. (2) Cédigo de Processo Civil (Anteprojecto), Lisboa, Ministério da Justiga, 1988, art. 722°: “Qualquer credor pode obter a suspensdo de uma execugao com vista a sustagio dos pagamentos, mostrando que foi requerida a faléncia ou insolvéncia do exe- cutado”. 242 LUfS MANUEL TELES DE MENEZES LEITAO Estamos em radical desacordo com esta orientagao, pois parece-nos resultarem vantagens efectivas do regime do art. 870.°, n.° 1. Alias, se assim nao fosse, nao se compreenderia os inime- ros pedidos de conversao da execugao em faléncia que surgem nos nossos tribunais, guase todos eles requeridos pelo exequente. As razdes por que 0 exequente apresenta este pedido que, em teoria s6 0 poderia prejudicar, mas na pratica o beneficia, sao essencialmente as seguintes: Em primeiro lugar, colocado perante a situacao de se verifi- car a insuficiéncia patrimonial referida no art. 870.°, n.° 1, a0 exe- quente j4 quase nunca aproveita a preferéncia resultante da penhora, por haver quase sempre credores com direito a ser pagos em primeiro lugar sobre os mesmos bens. Nesta situagao, 0 exe- quente vé toda a vantagem em requerer a faléncia, na qual perde essa preferéncia inuitil que detém sobre os bens penhorados, mas evita 0 surgimento de novos créditos preferenciais, que a conti- nuagdo da actividade do devedor inevitavelmente faria surgir (dividas fiscais, dividas aos trabalhadores e 4 Seguranga Social, etc.). Em certos casos, restringiré mesmo os direitos dos credores preferentes, j4 reconhecidos e graduados, como no caso de a garantia real abranger uma clausula penal moratoria (art. 1196.°, n.2 3 C.P.C.) (9), Para além disso, 0 exequente terd seguramente interesse nos efeitos da resolugdo ou impugnagao dos actos prejudiciais 4 massa, previstos nos arts 1200.° e segs . e na aplicagao das provi- déncias conservatorias previstas nos arts 1205.° e segs. para evi- tar que o devedor dissipe os seus bens, o que é mais que previsi- vel a partir do momento em que se verifica a insuficiéncia patrimonial. Por ultimo, a faléncia reveste-se de interesse fundamental para o exequente poder resolver ou obviar ao reembolso de supri- mentos ou a sua compensacao com créditos da sociedade sobre os s6cios, nos termos do art. 245.° do Cédigo das Sociedades (3) Cfr. sobre esta disposigao, 0 estudo de JOSE DE OLIVEIRA ASCENSAO e MARIA AUGUSTA FRANCA, As repercussdes da declaracdo de faléncia sobre a situa- ¢do dos credores hipotecdrios, em FDUL (ed.), Estudos de Direito Comercial, 1, Das Faléncias, (cit.), pp. 55 € ss.. ANOTACAO AO ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 243 Comerciais, mesmo que para esse efeito tenha que perder a pre- feréncia resultante da penhora. No fundo, em face do regime do art. 245.°, n.° 3 a) desse diploma, se a faléncia transforma o exequente em credor comum, também transforma o credor por suprimentos em credor enfraquecido, garantindo a preferéncia do exequente sobre esse crédito. Nao nos parece, pois, que se possa falar liminarmente de uso anormal do processo na utilizagdo pelo exequente do art. 870.° Para efeitos de aplicagao pelo juiz do art. 665.° C.P.C.. Mesmo na hip6tese de se pretender apenas uma ameaca de quebra para levar 0 devedor a indicar os seus bens, esta contitui um exercicio nor- mal de um direito e, portanto, uma coaccao legitima, que se pode considerar sem qualquer problema subjacente a ratio do art. 870, n° (14), Nao €, por outro lado, da perda da preferéncia resultante da penhora que se pode deduzir a falta de interesse em agir, pois esta preferéncia nao atribui neste tipo de situagdes qualquer vantagem ao exequente, sendo totalmente inttil e puramente platénica. Atente-se no caso que deu origem a este ac6rddo. Que interesse podera ter o exequente na penhora de uma mAquina vendida por 273 000$00, se acima do seu cré de 155 581$00 e res- pectivos juros aparecem graduados créditos no montante de 79 011 872$00? Reconhecemos, porém, que em muitas situagGes se poderd considerar a utilizagao do art. 870.°, n.° 1 como um uso anormal do processo, pois ndo é incomum 0 exequente, mesmo sem qual- quer interesse na declaragao de faléncia, desencadear a aplicagao deste regime. E que esse processo representa para ele um meio expedito de abandonar uma execugao em que jé nao pode segura- mente obter 0 pagamento — de que este caso é um exemplo tipico —, em vez de se ver forgado, nos termos dos arts. 836.°, n.° 2 e 3 acontinuar a nomear bens, que nao consegue encontrar, para pagamento do seu crédito e das custas. Sem esta disposicao, perante a insuficiéncia patrimonial do executado, ao exequente que nao encontrasse bens restaria uma de duas alternativas: ou ('4) Neste sentido, OLIVEIRA ASCENSAO, Acgdo executiva..., pp. 37-38 (em FDUL (ed.), Estudos... (cit.), pp. 45-46). 244 LUfS MANUEL TELES DE MENEZES LEITAO desistia da execugao, ao abrigo do art, 918.° do C.P.C., e entao teria que pagar as custas respectivas, nos termos do art. 142.°, n.° 1 do C.C.J., ou deixava de nomear bens a penhora, 0 que provocaria a remessa do processo a conta por falta de impulso processual, nos termos do art. 122.°, n.° 2, do C.C.J., exactamente com as mesmas consequéncias. Requerendo a conversao da exe- cugdo em faléncia, as custas da execucdo passam a ser suportadas pela massa, nos termos do art. 1235.°, n.° 3 € 1244.° C.P.C., regime que interessa muito mais ao exequente pois, mesmo ndo conseguindo realizar o seu crédito, deixara de arcar com as custas da execugao. E obvio que no se poderd considerar correcta esta utilizagao pelo exequente do art. 870, n.° 1, unicamente para evitar a sua sujeigdo as custas da execucdo. Nao deixa no entanto de parecer infquo este regime de custas judiciais, que prejudica o credor que nado consegue numa execucao obter 0 pagamento do seu cré- dito ('5), Mas o defeito reside no Cédigo das Custas Judiciais e nao na disposigao do art. 870, n.° 1, que nos parece plenamente justificado continuar a aplicar ao exequente, pelas raz6es atras descritas (!®). J4 relativamente aos credores reclamantes nenhumas diividas existem no seu interesse no requerimento da conversao, nos casos ('5) A reforma de 1961 tornou facultativo o pedido de conversdo da execugio em faléncia, mas o sistema de custas continua a empurrar necessariamente o exequente para esse pedido, uma vez que a falta de bens do executado ndo extingue a execugdo (arts. 916.° € s8.). Curiosamente, no Ambito do Cédigo de 1939, a execucao por custas a cargo do Ministério Publico sujeitava-se a0 mesmo regime de conversdo em faléncia (ofr, ALBERTO DOS REIS, Cédigo de Processo Civil (Diividas e questoes), na R.L.J., ano 72.°, pp. 369 372). Hoje, porém, o art. 163.°, n.° 2 do C.C.J. (redacgio do D.L. 387- D/87 de 29.12) permite o seu arquivamento em caso de falta de bens do executado. Que razao haverd para néo aplicar também essa solucdo ao exequente? (6) Também nao nos parece possivel encontrar no art. 870, n° | uma facilitagao de comportamentos contririos aos bons costumes por ameaga ilicita do credor, do tipo dos descritos por MENEZES CORDEIRO, Concessdo de crédito e responsabilidade bancdria, no B.M.I., n.° 357 (1986), pp. 5 € ss. (20 € ss.), estudo depois recolhido em MENEZES CORDEIRO, Banca, botsa e crédito. Estudos de Direito Comercial e de Direito da Economia, 1, Coimbra, Almedina, 1990, pp. 9 € ss. (24 € ss.). Com efeito, essas situagdes que na prética podem efectivamente suceder so comuns a qualquer pedido de faléncia. Muitas vezes ¢, alids, a dilacdo desta, com o fito de prejudicar os res- tantes credores, que se pode considerar contréria aos bons costumes. ANOTACAO AO ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 245 em que 0 seu crédito seja graduado abaixo do crédito do exe- quente, ou nas hipdteses de serem também credores comuns. Por outro lado, parece também nao haverem obstdculos 4 prova da sua parte dos fundamentos da sua conversao, a partir do momento em que o exequente tenta, sem éxito nomear novos bens a penhora, ou mesmo sem se verificar essa situagao, demonstrando a insuficiéncia de bens. No caso do acérddo que comentamos seria facflimo a qualquer credor reclamante efectuar essa prova. Daj que, apesar da inegdvel melhor articulagao deste regime com 0 sistema de execugao instituido pelo Cédigo de Processo Civil de 1939, continuemos a ver utilidade na disposigéo do art. 870.°, n.° 1, nao nos parecendo de aplaudir a proposta da sua eliminagao. Haverd apenas que esclarecer qual a interpretacio que, no dmbito do actual sistema processual, melhor se adequa a esta disposigao. 4. AS DIVERSAS SOLUGOES INTERPRETATIVAS NO AMBITO DA ARTICULAGAO DO ART. 870.° N.° 1 COM OS PRES- SUPOSTOS SUBSTANTIVOS DA DECLARAGAO DE FALENCIA. No ambito da articulagao do art. 870.° com os pressupostos da faléncia tém-se digladiado varias solugées interpretivas: a pri- meira entenderia tratar-se esta de uma disposigdo de ordem pura- mente processual, que apenas possibilita a conversao do processo e a sua remessa ao tribunal competente, havendo, apés esta, que apresentar peti¢do falimentar e produzir prova da verificagao dos pressupostos da faléncia, previstos no art. 1174.° do C.P.C., res- peitando o prazo previsto no art. 1175.° do mesmo diploma. Tratar-se-ia da tese processual. Em sentido contrario, uma segunda corrente opinou consti- tuir a situag&o prevista no art. 870.° um fundamento de cardcter substantivo da declarago de faléncia. Consequentemente, aps a verificagdo dos seus pressupostos, o tribunal teria forgosamente que declarar a faléncia, ndo havendo qualquer necessidade de apresentar nova peti¢o no tribunal de faléncia ou de fazer prova da verificagéo dos pressupostos a que se referem os arts 1135.° 246 LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITAO e 1174.° do C.P.C.. Da mesma forma_ndo haveria que respeitar © prazo previsto no art. 1175.° do mesmo diploma. Denomi- nar-se-ia esta orientagao de tese substantiva ( M), A esta delimitagio poder-se-ia, com inteira fundamentagao, acrescentar uma terceira orientacao interpretativa: a de que 0 art. 870.°, n.° | representaria a verificagao, em sede de accdo exe- cutiva, do pressuposto previsto no art. 1174.°, n.° 2 relativo a faléncia das sociedades de responsabilidade limitada, ou da cessa- ¢4o de pagamentos prevista no art. 1174.°, n.° 1 a). Esta orienta- ¢4o nao atribuiria ao art. 870.°, n.° 1 o cardcter de um novo facto- indice de faléncia, mas vé-lo-ia como apreciag4o na accao executiva de algum dos factos-indice previstos no art. 1174.°, n.° 1, b), e n.° 2. Daf que logicamente houvesse a necessidade de respeitar 0 prazo previsto no art. 1175.°. Denominaremos esta orientagdo, portanto, de tese da apreciagdo dos pressupostos da faléncia no requerimento de conversdo. A doutrina tem vindo unanimamente a defender o cardcter exclusivamente processual da disposigaéo constante do art. 870.°, n.° | C.P.C. e de que a faléncia sé é apreciada no processo respec- tivo ('8), Porém, a jurisprudéncia, especialmente nos tiltimos tem- pos, tem andado dividida, surgindo varios arestos contraditérios sobre esta questao. (17) Trata-se da delimitagao operada por MENEZES CORDEIRO, Da conversdo da execugao em faléncia, Subsidios para a interpretayao do artigo 870.°/1 do Cédigo de Processo Civil, @ luz das tendéncias actuais do direito falimentar, na Tribuna da Justica, 1° 34 (Outubro de 1987), a pp. 1 e ss.(2 e ss.) (estudo depois recolhido em FDUL (ed.), Estudos... (cit.).pp. 105 € s ('8) Cf, MANUEL GONCALVES SALVADOR, Anotagdo ao acérdao do S.T.J. de 3-V-1966, na Revista dos Tribunais, ano 84.° (1966), n.° 1815.°, pp. 415 EURICO LOPES CARDOSO, Manual da acedo executiva, Lisboa, Imprensa nacional, s.d., (reimpresso da 3.* ed. de 1966), p. 530. PEDRO DE SOUSA MACEDO, Manual de Direito das Faléncias, Il, Coimbra, Almedina, 1968, pp. 384 e ss., RUY DE ALBU- QUERQUE e MARIA DOS PRAZERES BELEZA, op. cit., pp. 17 ss. (em FDUL (ed.), Estudos (cit.), pp. 77 € 88.) JOSE DE OLIVEIRA ASCENSAO. Accdo exe- cutiva... (cit,), pp. 38 € ss. (em FOUL (ed.), Estudos (cit.), pp. 46 e ss.), MENEZES CORDEIRO. op. ult. cit., pp. 4-5 (em FDUL (ed.), Estudos (cit.). pp. 114-115), RITA AMARAL CABRAL, op. cit. pp. 963 € ss. (em FDUL (ed.), Estudos (cit.), pp. 171 € ss.), MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, op. cit.. a pp. 462 ¢ ss., PAULA COSTA E SILVA e PEDRO ROMANO MARTINEZ, Conversdo do processo de execugao em processo de faléncia. Comentario ao Acorddo do Supremo Tribunal de Justiga de 26 de Abril de 1988, na R.O.A., ano 50, II (Julho 1990), pp. 415 ess. (419 € ss.). ANOTAGAO AO ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 247 A tese processual é largamente maioritéria e tem sido por varias vezes qualificada de jurisprudéncia uniforme dos tribunais superiores (9), A tese substantiva est4 praticamente abandonada na nossa jurisprudéncia, uma vez que 0 ultimo aresto que a perfi- Thou remonta a 1971 (7°). Jé a tese da apreciagao dos pressupos- tos da faléncia no requerimento da conversao foi recentemente perfilhada por um acordao do Supremo Tribunal de Justi¢a de 1988, na sequéncia de outro aresto desse Supremo Tribunal de 1986 que, apesar de altamente contraditério na sua fundamenta- go, veio a influenciar uma certa viragem jurisprudencial naquele sentido. Trata-se do acordao do S.T.J. de 7 de Janeiro de 1986 (7). Este acordio foi considerado por MENEZES CORDEIRO (?”), ¢ RITA AMARAL CABRAL (5), como perfilhando a tese subs- tantiva de que o art. 870.° constituiria uma nova causa de faléncia a acrescer as enumeradas no art. 1174.°. No entanto, apesar de (9) Cfr. Ac. S.TJ. de 3 de Maio de 1966, no B.M.J., n.° 157 (1966), pp. 220 € ss., ena R.T., ano 84, pp. 413-414, Ac. R.E. de 21 de Julho de 1983, na C.J., ano VIII, 1983, 4, pp. 314-315 (com sumario no B.MJ., n.° 331 (1983), p. 617), Ac. R.L. de 21 de Fevereiro de 1985, no B.MJ.. n.° 351 (1985), pp. 451, Ac. R.P. de 10 de Outubro de 1985, na C.J., ano X (1985), 4, pp. 247 € ss., Ac. R.L. de 19 de Maio de 1987, na CJ, ano XII (1987), 3. pp. 85 € ss. € Ac. S.TJ. de 3 de Julho de 1986, no B.MJ., n.° 359 (1986), pp. 606 e ss.. 29) Conhecemos apenas como suas manifestagées os Ac. R.L. de 7 de Julho de 1965, na J.R., ano Il.° (1965), pp. 553 e ss. (revogado pelo Ac. S.T.J. de 3 de Maio de 1966, atrés citado) e 0 Ac. R.E. de 19 de Novembro de 1971, no B.M.J., n.° 211 (1971), pp. 374, Sao indicados como perfilhando essa tese 0 Ac. S.T.J. de 7 de Janeiro de 1986, no B.MLJ., n.° 353 (1986), pp. 343 € ss. € 0 Ac. S.T.J., de 26 de Abril de 1988, no BMJ., n° 376 (1988), pp. 578 e na R.O.A., ano 50, II (Julho 1990), pp. 423 e ss., mas conforme demonstramos no texto, pensamos que estes dois tiltimos arestos correspondem a uma outra corrente. 2!) Publicado no B.M.J., n.° 353 (1986), pp. 343 € ss. (2) Op. cit., pp. 2-3 (em FDUL (ed.), Estudos... (cit.), pp. 106-107). (23) Op. cit., pp. 972-973 (em FDUL (ed.), Estudos... (cit.), pp. 178-179). A pp. 940-941 (Estudos, 151) esta autora reconhece que 0 acordéo em lugar algum faz expressis verbis essa afirmagao, mas considera que a pressupde ao considerar proceden- tes as conclusdes da recorrente. Salvo 0 devido respeito, néo podemos concordar. Conforme se diz expressamente no acordio, essas conclusdes apenas sao consideradas procedentes em conformidade com a sua fundamentagdo, da qual nao consta essa pre- missa e, por outro lado, nao é licito a jurisprudéncia fundamentar as decisdes com a sim- ples adesdo aos fundamentos de uma das partes (art. 158.°, n.° 2 C.P.C.), pelo que nfio se pode considerar a remiss4o como parte integrante da fundamentagao. 248 LU{S MANUEL TELES DE MENEZES LEITAO sumariado assim, nao se vé af expressa essa concluséo, uma vez que o que nele se afirma € antes que a apreciacao da insuficiéncia patrimonial, efectuada no processo de conversa, vale como caso julgado quanto a cessagdo de pagamentos do devedor (art. 1174.°, n.° 1 b)) ou a insuficiéncia manifesta do activo sobre 0 passivo (art. 1174.°, n.° 2). Tal corresponde antes a adop¢ao da tese da apreciagdo dos pressupostos da faléncia no 4mbito da conversao. Mas logo a seguir esse acordao afirma que o requerimento da conversdo alegava ainda a auséncia de estabelecimento (art. 1174.°, n.° 1, b)) e que portanto nao poderia ser indeferido, 0 que parece pressupor a necessidade de nova apreciagao no tribu- nal de faléncia, apandgio da tese processual, apenas com a modi- ficagéo de que o requerimento da conversdo seria aproveitado como peti¢ao falimentar. Dai que o acordao seja contraditério na sua fundamentagao, apesar de, como se disse, ter tido influéncia perturbadora em varias decisdes de 1.” instancia. Esta tese da apreciacdo falimentar no 4mbito da conversio veio a ser secundada no acordio de 26 de Abril de 1988 (74), embora este tiltimo se restrinja 4 afirmagao de que a insuficiéncia patrimonial prevista no art. 870.° equivale ao facto-indice pre- visto no art. 1174.°, n.° 2, pelo que sé em sociedades de respons: bilidade limitada se pode afirmar a dispensa de nova apreciacio no tribunal de faléncia. O acérdio que comentamos regressa, porém, novamente a tese processual. Vejamos qual a solucao a perfilhar para 0 que se impde uma determinagao do ambito de aplicagao do art. 870.°, n.° 1. 5. PRESSUPOSTOS DE APLICACAO DO REGIME INSTI- TUIDO NO ART. 870.°, N.° 1. Em qualquer acco executiva pode verificar-se uma insufi- ciéncia de bens para pagamento ao exequente e aos credores 4) Publicado no B.M.J., n.° 376 (1988), pp. 578 na R.O.A., ano 50, Il Julho 1990), pp. 423 € ss. Quer este acérdio, quer o anterior, aparecem mal sumariados no Boletim, que os dé como referindo que o art. 870.°, n° 1, dispensa a verificagao dos fac- tos-indice previstos no art. 1174°, o que em lugar algum se afirma. ANOTAGAO AO ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 249 reclamantes. Bastard essa situacgao, s6 por si, para que 0 exe- quente ou qualquer desses credores possa lancar mao do disposto no art. 870.°, n.° 1? OLIVEIRA ASCENSAO (°5) da resposta afirmativa, enten- dendo que no art. 870, n.° | estao apenas em causa os bens penho- rados, e nao todo o patriménio do devedor. Nesta interpreta- ¢4o, parece claro que essa disposigao nada teria a ver com os pressupostos da faléncia, uma vez que a insuficiéncia dos bens penhorados nao representa qualquer impossibilidade de cumprir obrigagGes pelo comerciante (art. 1135.°), ou sequer que o seu activo seja inferior ao passivo (art. 1174.°, n.° 2). Daf que, a acei- tar-se esta interpretagdo do art. 870.°, n.° 1, ficaria liminarmente excluida qualquer possibilidade de perfilhagao da tese substantiva ou da tese da apreciagao dos pressupostos da faléncia no processo de conversao, havendo que reconhecer o cariz exclusivamente pro- cessual do art. 870.°, n.° 1, conforme coerentemente defende o autor. Mas, apesar da indubitavel harmonia existente entre esta interpretagao do art. 870, n.° 1 e o regime dos pressupostos de faléncia, ndo estamos de acordo com a solugdo proposta. Com efeito, a ratio do preceito parece antes apontar no sentido de que © requerente da conversado tem que apresentar um fundamento s6lido para se passar de um processo de execugao individual para um processo de execugao colectiva. Ora, para tanto nao basta demonstrar que os bens penhorados sao insuficientes para paga- mento dos créditos verificados, uma vez que essa insuficiéncia apenas deverd dar lugar a aplicagao do art. 836.°, n.° 2.a)eauma segunda nomeacao de bens. Pode, com efeito, muito bem acon- tecer que existam outros bens susceptiveis de penhora, que 0 exe- quente, por nao saber no acto de nomeagao quais iriam ser os créditos reclamados, nao julgou necessério indicar. Segundo esta interpretagao do art. 870.°, n.° 1, 0 exequente ficaria logo autori- zado a requerer a conversao da execugao em faléncia, numa situa- go em que nao ha qualquer fundamento visivel para se passar de @) Acgao executiva..., (cit.), pp. 36-37. (em FDUL (ed.), Estudos... (cit), p. 45). Também MENEZES CORDEIRO, Da conversdo.. (cit.) p. 4 (em FDUL (ed.), Estudos... (cit.), p. 111), afirma que em rigor e de modo pratico o art. 870.°, n.° | apenas permite comprovar a insuficiéncia dos bens penhorados. 250 LUfS MANUEL TELES DE MENEZES LEITAO. uma execugdo individual para uma execugao colectiva, uma vez que © pagamento se obteria com uma segunda nomeagao de bens a penhora. Daf que propendamos a considerar que, para se requerer a conversao da execugao em faléncia, haver4 que demonstrar a insuficiéncia de todo o patriménio do executado — e nao apenas dos bens penhorados — para pagamento dos créditos verifica- dos (76), Mas como se demonstra essa insuficiéncia patrimonial? Pensamos que para tal efeito bastaré que 0 exequente tente uma nova nomeagao de bens, ao abrigo do art. 836.°, n.° 2 a), € esta se venha a frustrar pela inexisténcia de outros bens suscepti- veis de penhora. Neste caso estarao ipso facto preenchidos os pressupostos do art. 870.°, n.° 1 e o exequente ou qualquer credor reclamante poder requerer a conversao (?”). A frustragao de uma segunda nomeagdo de bens, por nao se encontrarem novos bens susceptiveis de penhora é, portanto, sufi- ciente para fundamentar o pedido de conversdo, uma vez que demonstra s6 por si a insuficiéncia patrimonial. Mas seré também necessdria, no sentido de nao existir outra forma de demonstrar essa insuficiéncia? E ébvio que nao se justifica exigir nova nomeacao de bens, a partir do momento em que se sabe que 0 exequente os penhorou a todos e que ndo chegam para pagamento dos créditos verificados. Basta que se demonstre esse facto, no 4mbito do pedido de con- versao (28), C*) Tem interesse examinar © caso paralelo da insuficiéncia do activo na exe- cugdo por custas, referido no art. 163.° do C.C.J. (redacgdo do D.L. 387-D/87 de 29.12) Também essa disposigio ndo se basta com a simples insuficiéncia dos bens penhorados, exigindo a demonstracdo, mesmo por informacao das autoridades policiais ou adminis- trativas, de que 0 executado nao possui outros bens penhordveis. C7) Nao vemos necessidade. ao contrdrio do que parece defender TEIXEIRA DE. SOUSA, op. cit.. pp. 468, de que frustrando-se uma segunda nomeaco pelo exequente, tenha o credor reclamante de demonstrar a insuficiéncia patrimonial através de elementos da escrita, exame pericial desta, ou certiddes do registo comercial ou predial. A frustra- cdo de uma segunda nomeagao de bens permite demonstrar que a insuficiéncia patrimo- nial que se verifica j4 ndo se restringe aos bens penhorados, o que basta para desencadear © mecanismo do art. 870, n.° 1, independentemente da averiguagdo e prova em sede pro- ria dos pressupostos da falencia. @) Cir. Acérdio da Relago de Lisboa, de 6 de Fevereiro de 1941, com a anota- Ho favordvel de J. M. GALVAO TELLES, na R.O.A., ano I, n.° 2 (1941), pp. 494 e ss., ¢ também ALBERTO DOS REIS, Processo de execucdo, 2.° (cit.), pp. 292. ANOTAGAO AO ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 251 Da mesma forma. 0 exequente ou qualquer credor recla- mante poderd convincentemente demonstrar que 0 pagamento dos créditos verificados nao é possivel. mesmo com bens estranhos & execugao. Realizada essa prova, ficara sempre preenchido o Tatbestand do art. 870.°, n.° 1, sem necessidade de nova nomea- cdo de bens que o credor reclamante nunca poderia realizar (29). Demonstra-se, assim, a necessidade de se efectuar a prova da insuficiéncia de todo o patriménio do executado para desencadear a conversao. Haverd agora que questionar se essa disposi¢ao tem cardcter exclusivamente processual ou se constitui um novo facto-indice de faléncia, a acrescer aos previstos no art. 1174.°, ou ainda se representa a apreciagao na acco executiva de algum ou alguns dos factos-indice previstos nesse artigo. Para tanto, haverd que analisar brevemente os pressupostos da faléncia previstos na nossa lei. 6. PRESSUPOSTOS MATERIAIS DA FALENCIA. A faléncia é-nos definida do art. 1135.° como a impossibili- dade do comerciante de cumprir as suas obrigag6es. Por sua vez 0 art. 1174.° enumera uma série de factos que considera como indi- ces de faléncia. A conjugagao do art. 1135.° com o art. 1174.° tem vindo recentemente a gerar alguma controvérsia na nossa doutrina %, Efectivamente, enquanto OLIVEIRA ASCENSAO entende que, apés a alteragdo da redacgio do art. 1174.°, a), efectuada pelo 9) Neste sentido, cfr. os Acordaos da Relacao de Lisboa de 30/4/1969 & 2/7/1969, ambos em Jurisprudéncia das Relagdes, 15°, pp. 371 ¢ ss. € 710 e ss... Nao con- cordamos, por isso, com RUY DE ALBUQUERQUE e MARIA DOS PRAZERES BELEZA, op. cit., pp. 18-19 (em FDUL (ed.), Estudos... (cit.), p. 76, quando defendem que 0 actual regime da conversao coloca a possibilidade de 0 credor reclamante a reque- rer nas mos do exequente. Ao credor reclamante seguramente aproveita a actuago do exequente, mas nao hé nenhum motivo para que ndo apresente por si proprio prova da insuficiéncia patrimonial. 2) Como alids j4 a tinha gerado no Ambito do Cédigo de Processo Civil de 1939. Cfr. JOSE ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, 11, Coimbra, Coimbra Editora, 1982 pp. 324 ess. 252 LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITAO D.L. 177/86 de 2 de Julho, bastaré para se declarar a faléncia a simples verificagao de algum dos factos-indice previsto no art. 1174.°, nao sendo necessdria a demonstracdo aut6noma da impossibilidade de cumprimento das obrigagées (3!), RITA AMARAL CABRAL exige cumulativamente a demonstragao em relagéo ao comerciante da incapacidade financeira prevista no art. 1135.°, e da verificagao de algum dos factos-indice previstos no art. 1174.°. A autora argumenta que sem aquela demonstragdo seria impossfvel interpretar os conceitas de fuga e auséncia pre- vistos no art. 1174.°, n.° 1 b) ou a insuficiéncia do activo prevista no art. 1174.°, n.° 2 2). Nao pensamos efectivamente que hoje se torne necessdrio, perante a verificagdo de qualquer dos factos-indice previstos no art, 1174.°, n.° 1, a demonstragdo auténoma da incapacidade financeira prevista no art. 1135.°. As situagGes previstas nas alf- neas a) e c) ja tém presente esse pressuposto e a gravidade da situagdo prevista na alfnea b) justifica imediatamente a declaragao de faléncia, sem outras consideragdes. O conceito de auséncia presente nesta alfnea ndo suscita por outro lado qualquer duvida interpretativa que impusesse a aplicagao do art. 1135.°, pois refere- -se claramente ao caso em que um comerciante, sem fugir, deixa ao abandono o estabelecimento, nunca podendo por isso conside- rar-se equivalente & situacao prevista no art. 89.° do Cédigo Civil. J4 a hip6tese prevista no art. 1174, n.° 2 implica, porém, seguramente a demonstragao da incapacidade financeira a que se refere o art. 1135.°. Efectivamente, a diferenga de redaccio dos dois ntimeros do art. 1174.° (‘a faléncia tem lugar”, no n.° I, mas “pode ser declarada” no n.° 2) parece indicar que a insuficiéncia manifesta do activo para satisfagao do passivo exige sempre a verificagao do art. 1135.°, ou seja de que se verifique a impossibi- lidade do comerciante cumprir as suas obrigagées. G!) OLIVEIRA ASCENSAO, Ac¢do executiva..., (cit.), pp. 47-49 (em FDUL (ed.), Estudos... (cit.), pp. 51). Esta solugao foi perfilhada por PEDRO DE ALBUQUER- QUE, Faléncia por cessacdo de pagamentos, em FDUL (ed.) Estudos (cit.). pp. 181 € ss. (210 € ss.) mas apenas quanto ao facto indice previsto no art. 1174.°, n.° 1a) . ©) RITA AMARAL CABRAL, op. cit., pp. 959 ¢ ss. (em FDUL (ed.), Estudos... (cit. pp. 161 ess.). ANOTACAO AO ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 253 Efectivamente, o art. 1135.° constitui uma defini¢ao geral do estado de faléncia, que se aplica tanto a faléncia por apresentacao do comerciante quanto a faléncia a requerimento de terceiros. Trata-se de um conceito normativo e indeterminado, que funciona como pressuposto geral da apresentagdo do comerciante, mas que quando a faléncia é requerida por terceiros, por razGes de segu- ranga juridica, se concretiza taxativamente nos factos tipicos indi- cados no art. 1174.°, n.° 1. Porém, o art. 1174.°, n.° 2 constitui um fundamento mais geral, uma vez que utiliza outro conceito indeterminado: “a insu- ficiéncia manifesta do activo para satisfagao do passivo”. A explicagado desse preceito € problematica, uma vez que ultrapassa em Ambito todos os previstos no art. 1174.°, n.° 1, tam- bém aplicaveis as sociedades de responsabilidade limitada (cfr. art. 1184.°, n.° 2). Parece resultar de uma convicgdo absurda do legislador de que as sociedades de responsabilidade limitada nao merecem crédito, pois podem ser declaradas falidas sem ces- sarem pagamentos, e neste caso apenas podem deduzir embargos a sentenga de faléncia provando que o seu activo é superior ao passivo (como parece resultar do art. 1184.°, n.° 2). De acordo com este critério, uma sociedade financiada com suprimentos dos s6cios estaria sempre falida C3). E 6bvio que a interpretagdo tem que ser outra. Este funda- mento de faléncia tem que ser harmonizado com a situag4o pre- vista no art. 1135.°, pelo que nao poderd ser decretada a faléncia enquanto a sociedade tiver crédito que Ihe permita satisfazer as suas obrigagoes. A primeira vista pareceria que esta interpretacao iria contra o disposto no art. 1174.°, n.° 2, uma vez que este apenas toma em conta a insuficiéncia do activo em relagdo ao passivo e nao as possibilidades de a sociedade obter crédito. Mas nao. Ao se exigir a insuficiéncia manifesta do activo para satisfagao do passivo, 3) Parece, no entanto, que a entrada em vigor do art. 245.° do Cédigo das Sociedades Comerciais tem que implicar uma interpretacdo distinta do art. 1174.°, n.° 2, no sentido de nao incluir na contagem do passivo os créditos por suprimentos. Com efei- tos, ndo podendo os sécios requerer a faléncia da sociedade com base nesses créditos, também nao parece Ifcito que terceiros os incluam na contagem do passivo para efeitos do art. 1174.°, n.° 2. 254 LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITAO exige-se uma insuficiéncia de tal ordem que impeca a sociedade de cumprir as suas obrigacdes (34). A relagao entre 0 activo e 0 passivo nao é pois uma relagao aritmética idéntica a da insolvéncia (art. 1313.°). Exige-se uma relagao funcional que implique que o activo da sociedade seja insuficiente para esta satisfazer as suas obrigagdes ou obter cré- dito para o fazer. Expliquemos esta posi¢do com recurso a um exemplo: Uma sociedade com um activo de 400 000$00 pode seguramente ser declarada falida ao abrigo do art. 1174.°, n.° 2 se tiver assumido dividas no valor de 100 000 000$00, sem ter sequer que se verifi- car a cessagéo de pagamentos prevista no art. 1174.°, n.? 1 a) 35), Isso acontece ndo s6 porque o activo nao chega para cobrir o pas- sivo, mas também porque com essa situacdo patrimonial ninguém da crédito a essa sociedade, 0 que desencadeia imediatamente a aplicagio do art. 1135.°. E esse o sentido do art. 1174.°, n.° 2. Ao contrario do que acontece no art. 1174, n.° 1, a aplicagdo desse artigo nio é, porém, automatica pois exige uma apreciacao do juiz que necessariamente se relaciona com 0 disposto no art. 1135.°. Assim, no exemplo atras citado, se os sécios tivessem garantido por qualquer forma o cumprimento dessas dividas, dei- xaria de se justificar a aplicagdo do art. 1174.°, n.° 2. Apés este exame dos pessupostos da faléncia estamos em condigdes de examinar a qualificagao que melhor se adequa ao regime instituido no art. 870.°, n.° | do Cédigo de Processo Civil. 4) Afastamo-nos assim da solugdo defendida por OLIVEIRA ASCENSAO, ) p. 48 (em FDUL (ed.), Estudos... (cit.), p. 52). Nao vemos, com efeito, a insuficiéncia do activo para satisfagdo do passivo como um relaco matemética, mas sim como uma relagio funcional, exigindo a demonstragdo da incapacidade finan- ceira, Nesse sentido, também PAULA COSTA E SILVA e PEDRO ROMANO MARTI- NEZ. op. cit.. pp. 421 e ss. (5) Discordamos de PAULA COSTA E SILVA e PEDRO ROMANO MARTI- NEZ, op. cit., a pp. 421, quando afirmam que a sociedade pode demonstrar que no ces- sou os pagamentos para embargar a sentena de faléncia, nos termos do art. 1184.°, n° I e). Efectivamente, conforme resulta de uma interpretagao @ contrario do art, 1184.°, n.° 2, 1.* parte, este fundamento deve considerar-se privativo da faléncia por cessacdo de pagamentos. no podendo servir de fundamento para embargar uma faléncia decretada ao abrigo do art. 1174.2, n.° 2. ANOTAGAO AO ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 255 7. NATUREZA DO REGIME INSTITUIDO NO ART. 870.°, N.° 1 DO CODIGO DE PROCESSO CIVIL. Nao faz qualquer sentido qualificar a situagao do art. 870.°, n.° | como constituindo uma nova causa de faléncia, a acrescer as previstas no art. 1174.°, conforme defende a tese substantiva. Para além dos argumentos convincentemente apontados pela dou- trina de que tal implicaria desigualdade entre os credores, quebra do principio do contraditério e facilitagéo excessiva da falén- cia (36), hd um argumento que nos parece decisivo. E que nao é permitido deduzir embargos 4 sentenga de faléncia, nos termos do art. 1184.°, com fundamento na superioridade do activo em rela- ¢4o ao passivo, a ndo ser quando a faléncia tenha sido decretada ao abrigo do art. 1174°, n.° 2 (art. 1184.°, n.° 2). Assim sendo, nenhumas diividas existem de que o art. 870.° nao pode constituir fundamento auténomo de faléncia, pois caso contrério tal preceito no faria sentido (77). Da mesma forma nao nos parece aceitdvel a tese de que a insuficiéncia patrimonial prevista no art. 870.° implica a aprecia- ¢ao de pressupostos da faléncia no requerimento da conversao, como sejam a cessacao de pagamentos prevista no art. 1174.°, n.° | a) ea insuficiéncia do activo para si go do passivo pre- vista no art. 1174.°, n.° 2. Relativamente a cessagio de pagamentos (7) 6 dbvio que 0 preenchimento da previsao do art. 870.°, n.° 1, nao a demonstra. Ai esta apenas em causa a nao existéncia de outros bens susceptf- veis de penhora para pagamento dos créditos verificados. No entanto, esses créditos podem nem sequer estar vencidos (art. 865.°, n.° 3 ), 0 que implica a nao verificagao da cessagao de pagamentos. Por outro lado, esta cessagéo de pagamentos, nos termos do art. 1174.° a) tem que ser suficientemente indiciativa de incapacidade financeira, e esse indice nao resulta da falta de bens susceptiveis de penhora, mas sim da impossibilidade de o @*) Cfr. MENEZES CORDEIRO, op. ult. cit., pp. 3 € ss. (em FDUL (ed.), Estudos... (cit.), pp. 109 € ss). @7) Cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, op. cit., a pp. 461. 8) Para uma delimitagdo deste conceito, cfr. PEDRO DE ALBUQUERQUE, op. cit., passim. 236 LUfS MANUEL TELES DE MENEZES LEITAO. comerciante recorrer ao crédito (39). Daf que nao se possa consi- derar a cessa¢do de pagamentos apreciada no 4mbito do art. 870.°. Da mesma forma nao se pode considerar que a previsao do art. 870.° preencha o facto-indice previsto no art. 1174.°, n.° 2. Na verdade, conforme atrés se demonstrou, 0 que este preceito significa € que as sociedades de responsabilidade limitada podem ser declaradas falidas se o seu activo for manifestamente insufici- ente para satisfa¢do do passivo, ou seja se a desproporgao entre activo e do passivo for de tal ordem que nao permita a sociedade cumprir as suas obrigagGes, mesmo com o recurso ao crédito. Ora, tal nio é susceptivel de ser demonstrado, apenas tomando em consideragao o facto de nao se ter encontrado novos bens sus- ceptfveis de penhora para pagamento dos créditos verificados. Por outro lado, conforme bem salientou o Supremo Tribunal de Justiga neste acordao, nao faria qualquer sentido o legislador ter imposto que a faléncia fosse decretada no Tribunal respectivo, se se considerasse que este Tribunal estava obrigado a decreté-la em consequéncia do julgamento no processo executivo. Tal regime seria completamente absurdo, pelo que nao poderia acei- tar-se. Conclui-se, portanto, que o regime do art. 870.°, n.° 1 tem natureza exclusivamente processual, que ndo constitui uma causa auténoma da faléncia nem implica uma apreciagdo dos pressupos- tos da faléncia na acgio executiva. Consequentemente a decisdo que admite a conversio nao forma caso julgado quanto a verificagio dos pressupostos mate- tiais da faléncia. Com efeito, o deferimento do pedido de conver- sGo constitui um caso julgado formal, que abrange apenas, nos termos do art. 672.°, essa deciséo tomada no Ambito da relagdo processual. Trata-se que uma decisdo que diz respeito a remessa do processo e€ nao a declaragao da faléncia, pelo que nao pode ultrapassar 0 thema decidendum. Mesmo que o juiz se pronun- ciasse sobre os fundamentos da faléncia, esta prontincia extrava- saria do fundamento da conversao previsto no art. 870.°, n.° 1, pelo que teria um cardcter merante opinativo, que nao vin- 9) Neste sentido, RUY DE ALBUQUERQUE e MARIA DOS PRAZERES BELEZA, op. cit., p. 20 (em FDUL (ed.), Estudos... (cit.), p. 81). ANOTACAO AO ACORDAO DE 19 DE AGOSTO DE 1991 257 cularia o tribunal de faléncia, unico competente para a apreciar e decretar (*). 8. CONCLUSOES Apés esta andlise, podemos enunciar sinteticamente as seguintes conclusdes: 1. O art. 870.°, n.° 1, € uma norma de cariz meramente pro- cessual, que possibilita a remessa do processo ao tribunal de faléncia quando nao se encontram bens susceptiveis de penhora suficientes para pagamento dos créditos verificados. 2. Consequentemente, este preceito nao constitui funda- mento auténomo de faléncia, nem se identifica com qualquer dos factos-indice previstos no art. 1174.°. 3. 0 tribunal de execugao nao tem competéncia para decretar a faléncia, pelo que nao pode apreciar os seus fundamentos no Ambito do art. 870.°, n.° 1. Caso 0 venha a fazer essa apreciagao nao constituird caso julgado formal, sendo um acto meramente opinativo, que nao pode fundamentar a sentenga de faléncia. O Supremo Tribunal de Justiga decidiu bem. (#) Cfr. MANUEL GONGALVES SALVADOR, op. cit., a pp. 416.

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