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FEENBERG, Andrew. The Philosophy of Praxis: Marx, Lukács and the Frankfurt School.

Londres: Verso, 2014.

Capítulo 4 – Reification and Rationality


No primeiro ponto do capítulo, “Culture and the crisis of rationality”, o autor apresenta a
crítica marxista, de Marx à Lukács, como uma crítica à razão, isto é, Marx teria chegado ao
socialismo por uma teoria da racionalidade e suas “demandas”, e Lukács teria sanado o déficit
de uma teoria cultural que conectasse os Manuscritos ao Capital pela teoria da reificação,
opondo a racionalidade do capital à racionalidade socialista, mais elevada dialéticamente.
Neste sentido, o autor passa por uma revisão das bases intelectuais de Lukács e sua ideia de
crítica à racionalidade burguesa.

Segundo o autor, a preocupação de Lukács com a racionalidade e a cultura burguesa


surge desde antes de sua inserção no marxismo. Lukács tem sua iniciação intelectual dentro
de um grupo de preocupado com a alienação na sociedade capitalista, filósofos e críticos
sociais preocupados com a “tragédia da cultura”. Todo esse grupo de intelectuais foram
bastante afetados pela primeira guerra mundial, tomada como uma crise na sociedade
burguesa, não somente em seus aspectos políticos, éticos e econômicos, mas desde sua
própria substancia. Daí, para Lukács, a necessidade da superação da sociedade burguesa, em
todas as suas dimensões. Em sua primeira fase, com grande influência de Weber e
principalmente Simmel, Lukács compreendia cultura em um duplo sentido normativo e
descritivo: a) descritivo, como um espírito objetivo, a dimensão hermenêutica que distingue
as ciências sociais das ciências humanas; e b) normativo, como o cultivo individual, tomado
como um valor. Neste sentido, os costumes seriam a materialização da cultura (a), analisados
como uma “segunda natureza” rígida e oposta ao auto-desenvolvimento individual. Cultura é
empregado com um grande teor conservador.

Após uma leitura hegeliana própria de Marx, e principalmente do capital, Lukács entre
em uma “segunda fase”, identificando a “nova cultura” com o socialismo. Era necessário,
pois, uma superação do teor conservador do conceito de cultura. Porém, a falta de uma teoria
da cultura fez com que Lukács formulasse sua “teoria da mudança da época cultural” por uma
tensão intelectual entre o marxismo economicista e a especulação filosófica idealista. Lukács
se apropria da crítica da economia política para formular sua solução socialista à crise do
capitalismo. Nessa medida. A passagem do capitalismo para o socialismo é tomada como uma
superação dos paradigmas capitalistas de ordem racional para uma forma superior de
racionalidade socialista. Os Manuscritos foram tomados como uma prenuncia de um conceito
de cultura que deveriam ser relacionados com a materialidade da ordem burguesa exposta n’O
Capital. Problema solucionado por Lukács pela teoria da Reificação.

Reificação significa tratar relações humanas como relações entre coisas, estas não
como uma entidade geral, mas como um objeto passível de compreensão formal-racional, de
predição e controle técnico – “elementos abstratos em um sistema conceitual”. Por um lado, o
conceito que pode ser tomado como categoria cultural no sentido contemporâneo: como um
padrão e estrutura comum de vida, explícito ou implícito, seja em seu sentido material, ritual,
simbólico ou normativo. Uma máscara simbólico-cognitiva compartilhada entre aqueles
praticantes de uma mesma sociedade, que identifica a racionalidade como um padrão cultural.
Por outro, para Lukács pensamento e ser social não podem ser pensados separadamente e
articulados posteriormente: são, na verdade dois momentos de uma mesma unidade.

Com o conceito de Reificação Lukács pretende articular a estrutura do capital, sua


forma objetiva, com a subjetividade que dela origina. Lukács atribui à racionalidade
instrumental uma conexão com a forma racional do capitalismo em sua materialidade mais
fundamental: a troca de equivalente, suas leis, a formalização/quantificação em detrimento
das qualidades. Na medida em que a forma subjetiva é determinada pela forma objetiva, são
pensadas como momentos de um todo, a reificação diz respeito tanto aos momentos
subjetivos quanto objetivos, que realmente apresentam relações e propriedades sociais como
relações e propriedades de coisas. Desta maneira, Lukács explica a influência do econômico
em todos os setores da sociedade burguesa. Assim, é a forma mercadoria, fator específico do
mundo capitalista, que funciona como base do sistema cultural capitalista: a troca econômica
é a ordem paradigmática na qual a racionalidade emerge das praticas sociais para se tornarem
a forma cultural da sociedade como um todo. Portanto, a Reificação explica como o padrão
cultural do capitalismo é derivado de seu sistema social, das praticas produzidas por este
sistema.

Como consequência, com a descoberta das contradições da ordem econômica, a


reificação torna-se a base da adequação e atitude dos trabalhadores frente a ordem do capital:
justifica, regula e naturaliza a exploração econômica que produz uma tensão entre a
racionalidade capitalista e seu modo de vida. Assim, a pura insatisfação com as condições
materiais de existência somente torna-se incapaz de produzir uma revolução, pois a reificação
escamoteia as relações que produzem tais condições de vida. De tal forma, Lukács não
apresenta a revolução socialista como uma exigência ética ou consequência causal, mas como
uma transformação cultural, processo que surge das contradições entre os padrões sociais
reificados e os seres humanos viventes que resistem às imposições das formas reificadas. É
dessa forma que, segundo o autor, Lukács rejeita a pretensão de universalidade da
racionalidade formal, tratando-a em relação à sua ordem objetiva e reivindicando uma
racionalidade dialética superior.

 O que, para mim, é importante reter é que a reificação surge para Lukács no que
pode ser considerado uma espécie marxista do debate da teoria social entre agência
e estrutura. A reificação, considerada uma categoria cultural, uma teoria cultural,
segundo o autor, deve ser pensada como um nexo entre a crítica à racionalidade e a
crítica da economia política. Pensada como um momento da realidade total, a
reificação tem sua origem na forma mercadoria, ordem paradigmática na qual a
racionalidade emerge das práticas sociais para se tornarem forma cultural da
sociedade burguesa. Em um contexto de crise da sociedade burguesa, o objetivo, e
desafio de Lukács, é dar forma à sua fé renovada na razão, criticando e
transcendendo a racionalidade burguesa sem recair no irracionalismo. Assim, a
reificação faz parte de sua teoria da revolução, que ocorre por uma transformação
cultural, e, portanto, racional – a superação de uma racionalidade formal-burguesa
por uma racionalidade dialética-socialista.

No segundo ponto, “Reification as a Sociological Category”, o autor apresenta a reificação


como uma extensão da análise do fetiche da mercadoria feita por Marx n’O Capital. Partindo
de uma crise abrangente de todos os domínios do paradigma burguês de racionalidade, da
ciência e tecnologia ao mercado e ao Estado, Lukács desenvolve o conceito de reificação a
partir de uma leitura hegeliana única da CEP de Marx, e por um folego sociológico novo por
Weber e Simmel, e tendo como um dos seus fundamentos filosóficos o conceito de sentido
neo-kantiano de Emil Lask. É deste caldo que o fetichismo é generalizado, de forma que a
reificação se torna base da crítica à racionalidade capitalista como uma visão de mundo e
lógica sistêmica.
A base de toda reificação, portanto, é a forma mercadoria, que explica a troca de
mercadorias no capitalismo pelo fetichismo da mercadoria. Por fetichismo entende-se o
domínio do valor de troca sobre o valor de uso, a apresentação de propriedades dos trabalhos
sociais como propriedades naturais dos produtos dos trabalhos e das relações sociais entre os
trabalhadores como relações sociais entre os produtos. Isto é, o fetichismo apresenta relações
econômicas entre os seres humanos no capitalismo como coisas autônomas, externas e os
seres humanos como sujeitos às suas leis de desenvolvimento próprios. As relações
econômicas aparecem como governadas por forças que os agentes mesmos libertam pela
interação não planejada no mercado. As inúmeras interações não reguladas e orientadas pelos
interesses subjetivos, contribuem para a produção e circulação total, mas aparecem como
“propriedades” das mercadorias em circulação. As mercadorias possuem um preço assim
como propriedades físicas, e é este preço que governa as atividades econômicas. Essas
propriedades não são imaginárias, mas também não são reais – são relações sociais
coisificadas.

Os trabalhadores, por um lado, são confrontados por meios de produção e processos de


produção sistematizados e autonomizados, que impõem eles mesmos ordem e ritmo de
produção, tornando sua atividade meramente contemplativa. Por outro lado, o capitalista se
defronta com um mercado autonomizado, tendo sua “criatividade” reduzida ao cauculo de
maneira mais exata possível do que poderá acontecer (de acordo com as “leis econômicas”).
A trabalhador se confronta com os MdP e Processos de produção autônomos, e o capitalista
com o mercado autônomo. Essa aparência reificada obscurece o fato de que sua ordem não
pode ser encontrada nesses processos mesmo singularizados, mas nas atividades humanas que
os criou e lhes deu essa estrutura, na atividade coletiva, base da vida social.

Nesta configuração material, a intensão do sujeito individual se orienta com respeito a


uma realidade naturalizada, imutável. Mesmo que suas ações regulares tenham efeito sobre
essa realidade, os sujeitos não tomam a mudança como produto de sua própria atividade, mas
como pressupostos em um cálculo maximizador, uma atitude meramente contemplativa. A
teoria da racionalização tem a ver com a extensão de uma racionalidade formalista e
quantificadora na vida social, isto é, a orientação capitalista em direção ao ganho econômico e
que se expande para além do âmbito econômico. Lukács trata aspectos da reificação como
resultado da racionalização.
A originalidade de Lukács frente a Weber, por exemplo, está na ênfase da tensão entre
a estrutura formal da racionalização e o conteúdo real humano da vida social – na contradição
entre sua aparência reificada, racionalizada formalmente, e sua essência, sua estrutura social
dialética. Contra a tendência da jaula-de-aço há a contra tendência dialética que promete a
fuga dessa racionalização. Isto é, o processo de racionalização se choca com uma resistência
vinda do proletariado, a partir da apreensão das contradições entre aparência e essência, forma
e conteúdo – as condições materiais de vida e as crises econômicas são a base que sustentam a
resistência contra a racionalização – possibilitando o surgimento de uma outra racionalidade.
Para Lukács, a realidade social escapa da racionalização formal: o aumento do racionalismo
está ligado com o inevitável irracionalismo do processo total, às crises econômicas e a
resistência violenta dos debaixo.

No último ponto, “Reification and Reason”, o autor analisa o impacto de Hegel na formação
do conceito de Reificação, mais especificamente, o conceito hegeliano de aparência. O
essencial, segundo o autor, é a compreensão da aparência de autonomia da vida social como
uma abstração real, como um momento da unidade social real. Para isso, o autor recorre a dois
textos de Hegel – “Quem pensa abstratamente?” e “Ciência da Lógica” – e a sua apreensão
por Marx para enquadrar o conceito de Reificação de Lukács como uma crítica marxista da
razão.

No seu ensaio “Quem pensa abstratamente?” Hegel argumenta que este não é o
filósofo, mas o ser humano comum, que, no seu dia a dia, resume uma complexa rede de
relações a um trato, propriedade ou elemento unilateral. Neste sentido, abstrair é retirar um
elemento da totalidade do processo do qual faz parte. Entramos em uma loja, pegamos um
produto e pagamos para o caixa. Nos relacionamos com o produto apenas como produto e
com o caixa apenas como caixa. Não nos questionamos ou levamos em consideração o
processo de produção do produto e nem sobre a pessoa quando não está na função de caixa.
As coisas e pessoas são abstraídas do processo social, como um todo, do mundo social do
qual fazem parte.

Em “Ciência da Lógica” Hegel elabora a discussão pela relação entre o concreto e o


abstrato mediante o conceito de Aparência. Para ele, aparência não é aquilo que está na mente
do autor, como uma representação cognitiva mediada por categorias e conceitos, mas é a
própria realidade imediata da essência, a maneira pela qual a essência se revela em cada caso
– isso apreendendo a essência, o concreto, como uma totalidade processual. Aparência,
portanto, é um aspecto unilateral de um todo complexo, um momento do processo total.

Segundo Hegel, o todo é constituído não apenas por suas aparências – seus momentos
– mas também pelas relações internas entre elas, relações que fazem o todo como todo, isto é,
por suas mediações. Uma das relações entre os momentos analisada por Hegel e apropriada
por Lukács é a chamada “Lei da Aparência”. “Lei” é tomada no sentido da ciência natural,
mas, para Hegel, esta não apreende a essência dos fenômenos, apenas estabelece uma relação
também imediata e abstrata entre as aparências. A lei também é unilateral, retirada do todo, de
maneira que ambas as aparências relacionadas mantêm sua independência. Para Hegel, é
necessário uma “totalidade” concreta que efetivamente unifique os momentos em um todo
mutualmente dependente.

Marx se apropria da lógica hegeliana em uma linguagem própria, distinguindo o


concreto pensado da própria realidade. A síntese – operada pela categoria de totalidade – que
unifica todas as várias categorias da economia capitalista, seus momentos/aparências, em uma
totalidade concreta supera suas características unilaterais pela explicação de suas origens
históricas, funções sociais – dadas pela totalidade – e relações. As aparências, governadas por
lei, podem ser unificadas pela explicação que revela a constituição mútua do capital, trabalho,
dinheiro, maquinaria e as relações e forças de produção. Marx também compreende as
generalizações abstratas como abstrações reais, na medida em que aquelas são um momento
no processo social total. Os diferentes trabalhos não são comparados como trabalho abstrato
apenas de maneira abstrata, mas o trabalho abstrato é realizado materialmente, praticamente,
na medida em que o processo de trabalho é transformado e passa a tomar em consideração o
tempo de trabalho. Este, no capitalismo, também é sistematicamente desqualificado,
eliminando suas especificidades.

Dessa maneira, na esteira de Hegel que reconstrói a distinção kantiana entre


compreensão e razão, a formalização e a racionalidade são apreendidas historicamente em
relação com o processo histórico total, como um momento deste processo. A reificação
explica a concepção suprahistórica da forma de compreensão analítica – correspondendo à
estrutura categorial real do econômico como fonte e arquétipo. Desta maneira, a Crítica da
Economia Política torna-se a base para a crítica da racionalidade formal. Assim, a
transcendência da razão capitalista deve ser buscada no nível das forças estruturais que
constroem a forma de objetividade do mundo social, identificada por Lukács com o
proletariado. Isto é, a racionalidade burguesa só pode ser superada pela mudança social. A
resistência do proletariado organizado na luta de classes seria uma maneira de dar origem a
uma prática não-instrumental, baseada em uma racionalidade dialética, de transformação dos
significados sociais a partir de dentro, tornando possível a superação da indiferença entre
forma e conteúdo, aparência e essência.

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