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Valdemar Schultz
Mestrando do PPGEDU - FACED – UFRGS
RESUMO:
A pichação e o grafite fazem parte da paisagem das metrópoles. Estão presentes tanto nas
vias de circulação quanto nos espaços invisíveis. Nos meios de comunicação, geralmente,
são considerados uma “praga urbana”, uma ameaça ao patrimônio cultural. Presentes em
exposições internacionais e em pesquisas acadêmicas, adquirem status de arte. Ao evitar a
polarização entre pichação e grafite, este como o “lado bom da periferia” e aquele como
“vandalismo”, propõe-se mostrar a fragilidade das classificações, evitando emitir juízos de
valor. Na perspectiva do pensamento da Diferença, com Deleuze, Guattari e a partir dos
estudos de Peixoto esta pesquisa articula conceitos do campo da filosofia, da arte e da
educação junto às múltiplas formas de expressão das intervenções urbanas, afirmando as
experimentações e os afectos dos diferentes autores no meio urbano e escolar.
ABSTRACT:
The “pichação” (signatures, tags) and graffiti are part of the landscape of megacities. Are
present both in traffic routes as in the spaces invisible. In the media, in general, they are
considered an "urban plague", a threat to cultural heritage. Present in international
exhibitions and academic research, they acquire art status. By avoiding the polarization
between “pichação” and graffiti, the latter as the "good side of the surburbia" and the former
as "vandalism", we want to show the difficulty of classification, avoiding value judgments.
From the perspective of the concept of Difference, following Deleuze, Guattari and from
studies of Peixoto, this research combines concepts from the field of philosophy, art and
education with the many forms of expression of urban interventions, affirming the
experiments and affects of different authors in urban and schools spaces.
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19º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas
“Entre Territórios” – 20 a 25/09/2010 – Cachoeira – Bahia – Brasil
1 Arte urbana
Um transeunte se prepara para atravessar a avenida quando sente cair uma gota
d´água em seu rosto. Curioso, levanta a cabeça para verificar a condição do tempo.
Ao ofuscar sua visão com os raios do sol, se esquece de sua primeira intenção e se
surpreende com uma pichação no alto de um prédio. Logo, se dá conta que era o
seu local de trabalho, o que lhe trouxe certo desconforto. Sua surpresa se deve ao
fato de tomar conhecimento daquele acontecimento por uma mera casualidade,
sendo que trabalhava naquele edifício por mais de uma década. Como não fiquei
sabendo disso antes - se perguntava - uma pichação enorme em um importante
centro comercial, em plena avenida no centro da cidade? O que fazemos dia-a-dia
entre as muralhas desses blocos de concreto que não mais enxergamos o céu e não
nos damos conta do que se modifica ao nosso redor? Questionando-se, tomou o
elevador e foi para o seu escritório para mais um turno de trabalho.
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2 Protesto pacífico
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http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2003/www/pdf/2003_NP15_pennachin.pdf
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“O grafite brasileiro – é bom não confundir com pichações – saiu das paredes de
nossas capitais para ganhar projeção internacional.” (VETTORE, 2006, p. 50). Com
essa frase uma revista de circulação nacional inicia uma reportagem sobre os
irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo, Os Gêmeos, que tiveram seus trabalhos
incorporados à publicidade de marcas de peso. A produção nacional destes e de
outros brasileiros pode ser conferida no livro Grafitti Brasil, ironicamente editada
apenas em inglês por Thames & Hudson, em Londres. A reportagem, antes de
exaltar a capacidade de sedução dos traços dos desenhistas nacionais junto às
grandes marcas como Nike, Ambev e Volkswagen (VETTORE, op. cit., p. 50) e
trabalho de fachada do castelo de Kelburn, na Escócia, em 2007, traz uma
desnecessária ressalva: é bom não confundir com pichações... De saída, é
reforçada a tensão criada entre grafite e pichação que, geralmente, coloca essas
duas práticas de intervenção urbana em posições diametralmente opostas,
especialmente no Brasil. Em Inglês, não existe tradução para a palavra pichação,
sendo que o termo “graffiti” incorpora os diferentes estilos dessa prática urbana.
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de Nova Iorque, na década de 1960, e, mais tarde, quando foi utilizado por torcidas
organizadas em práticas ilegais ou por grupos de controle do narcotráfico.ii
ii
http://midia-radical.blogspot.com/2008/11/histria-recente-do-graffiti.html
iii
http://www.luzcamerapichacao.com.br
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http://cartacapital.com.br/2005/06/2210
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4 No ambiente escolar
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http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?section=Estilo%20de%20Vida&newsID=
a2695715.xml
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http://demetriopereira.wordpress.com/2009/11/18/a-ousada-festa-da-estetica
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ainda que uma existência não tenha correspondência de sentido com a outra, os
diferentes autores continuam proliferando os efeitos de seus devires. A cada obra,
se traça uma linha ao infinito, uma multiplicidade é provocada. Apontada como
terceira característica do conceito rizoma por Deleuze e Guattari, a multiplicidade
ocorre [...]
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Paulo. Trata-se de grafites em azul-claro brilhante, que o artista grafiteiro realiza nas
galerias, num espaço ermo, reterritorializando um espaço inabitado, um mundo
desconhecido, no underground da cidade de São Paulo. A DOCTV SP II produziu o
documentário "No Traço do Invisível" com a direção de Laura Faerman e Marília
Scharlach, dando visibilidade ao trabalho de Zezão. Cabe citar, além da pintura nas
galerias pluviais, os cartazes com desenhos e pinturas colados em muros, tapumes
ou fixados em postes, prática conhecida como “lambe-lambe”. De modo semelhante,
os stickers, pequenos adesivos colados em superfícies como as dos postes e placas
de trânsito, que se proliferam entre jovens estudantes de todo o mundo. Mais uma
vez, o mesmo movimento, mas sempre diferente, territorialização e
desterritorrialização, em postes, banheiros, assentos de ônibus, carteiras escolares,
portas de acesso a lanchonetes, cinemas, lan house, de traços e demarcações de
percursos e espaços de movimentação dos autores em territórios de fronteiras
transpassadas.vii O que se manifesta vem a se tornar outro. O devir vem a ser
sempre duplo. Cada movimento envolve uma topografia, mas sua presença é
transitória. A ocupação de um território se dá de modo a provocar nela mudanças
contínuas. Abre-se um processo contínuo de desterritorialização e reterritorialização,
que, conforme mostrado por Deleuze e Guattari, se constitui em um duplo devir:
7 Criar conceitos
vii
http://velofoto.blogspot.com
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Reportagens como as que seguem são recorrentes nos meios de comunicação: Receitas contra uma praga
urbana, na manchete da Zero Hora. (MELO, 2005, p. 4-5). Um patrimônio que desmorona. “O furto e o
vandalismo estão – de forma cada vez mais intensa – comprometendo a integridade de obras concebidas como
o propósito de humanizar o espaço público. (VERAS, 2008, p.4-5).
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Referências
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p. 29 – 40, s/d.
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mera curtição. Disponível em: < http://cartacapital.com.br/2005/06/2210 > Acesso em: 19
jan. 2010.
BEGUOCI, Leandro P. Entre o museu e o outdoor. Super Interessante, São Paulo, n. 216, p.
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BENCINI, Roberta. Escrevendo com... poesia/Rap. Nova Escola, São Paulo, n. 185, p. 62-
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Porto Alegre: UFRGS/FACED, v. 27, n. 2, jul./dez. 2002, p.59-66. Tema do fascículo:
Deleuze.
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SLOTERDIJK, Peter. Regras para o parque humano: uma resposta à carta de Heidegger
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2000.
VERAS, Eduardo. Um patrimônio que desmorona. Zero Hora, Porto Alegre, 14 jun. 2008,
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