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Autoria
ERNST VLCEK
Tradução de
AYRES CARLOS DE SOUZA
Digitalização e Revisão
ANTÔNIO CARLOS
Na Terra e nos outros mundos da Humanidade os calendários registram meados de
maio do ano 3442. Para Perry Rhodan e os terranos não atingidos pela imbecilização de
âmbito galaxial, ou os menos atingidos ― o seu grupo é muito diminuto, quando
comparado aos muitos bilhões de atingidos ― se oferece uma quantidade de tarefas
importantes, as quais dificilmente podem ser levadas a cabo, devido a uma aguda falta de
forças qualificadas.
Eles procuram por meios e caminhos para deter o “Enxame” na sua destruidora
penetração na Galáxia. Eles procuram diminuir a miséria na Terra e outros mundos
habitados. Eles se preocupam com o “Império Secreto”, cuja existência parece
representar uma ameaça suplementar. E eles procuram mobilizar todas as forças
inteligentes da galáxia, ainda não recrutadas.
Nestas difíceis missões, a despeito de todas as resistências, entrementes já se
conseguiram conquistas parciais consideráveis. E agora parece esboçar-se mais êxito na
confrontação com o “Enxame”.
As operações da nave espacial Gevari, que desde algum tempo se encontra dentro do
“Enxame”, começam a dar frutos. Isso fica demonstrado no momento em que uma frota de
divisão abandona o “Enxame”, tomando o rumo do Sistema Heleva-EX.
Os conquistadores amarelos são perturbados nos seus planos – e tem início o
Crepúsculo dos Ídolos...
Personagens Principais:
* * *
A Good Hope II caiu de volta para o espaço normal, a uma distância de 10 milhões de
quilômetros da formação da frota saída do "Enxame". A captação ótica mostrou no vídeo
que as primeiras medições hiperestruturais de Fellmer Lloyd estavam corretas.
Aqui tratava-se de uma flotilha de divisão, que consistia de 1.500 astronaves-
faviformes e 5.000 naves da chamada frota de caça.
― Desta vez você vai ter que proceder de forma rigorosa, se quiser impedir um
segundo Diane, Perry ― declarou Atlan.
― Antes de pensarmos sobre os nossos próximos passos, teremos que determinar
onde fica o destino da flotilha de divisão ponderou Rhodan.
― Você não está pensando, por acaso, que os conquistadores amarelos iriam escolher
um planeta desabitado, para seu mundo de nascimento ― disse Atlan, com leve zombaria.
― Ainda podemos ter esperanças. ― Rhodan deu instruções para que se calculasse a
rota previsível da flotilha de divisão, e descobrir todos os sóis e sistemas solares, que
ficavam até uma distância de 700 anos-luz dessa rota.
Enquanto os cálculos ainda corriam e enquanto ainda eram feitas as primeiras
avaliações, Reginald Bell chamou da Intersolar.
― Perry, eu sugiro que ataquemos, com toda nossa capacidade de fogo, a frota de
divisão.
― E o que é que você acha que ganha com isso? ― perguntou Rhodan.
― Pelo menos confundimos os dominadores secretos do "Enxame" e os deixamos
perplexos ― respondeu Bell. ― Em primeira linha queremos impedir que os
conquistadores amarelos pausem num mundo, e ali destruam toda a vida, através da ajusta-
gem secundária. Desta vez você não quer tentar tomar medidas preventivas?
― Contra 6.500 astronaves nada podemos fazer ― afirmou Rhodan.
O rosto de Bell mostrou-se irado.
― Isso são subterfúgios. Há um mês atrás, em Diane, nós vimos claramente que as
naves do "Enxame” não têm nada igual para contrapor-se aos nossos canhões
transformadores. Nós somos absolutamente capazes de assestar um golpe decisivo contra a
frota de divisão, ainda antes que ela possa executar a transição. Você deveria decidir-se
rapidamente, Perry!
Até certo ponto Bell tinha razão. Seria possível, apenas com a força de fogo da
Intersolar, causar perdas decisivas ao adversário. Mas Rhodan se incomodava com o fato
de que isso seria uma campanha de destruição insensata, cujo efeito final nada renderia.
Talvez eles conseguissem destruir algumas centenas de naves antes que ocorresse a
transição. O restante da frota então ainda seria capaz de voar para o mundo escolhido para
a divisão dos conquistadores amarelos.
― Não, Bell, assim não pode ser ― disse Rhodan, decidido. Ele se entristeceu um
pouco que o seu amigo, geralmente tão pacífico, repentinamente se mostrasse tão
agressivo. Mas talvez isso era devido ao fato de que as imagens de horror de Diane ainda
estivessem muito nitidamente na sua memória.
Rhodan acrescentou:
― Primeiramente vamos ter que esperar, para ver para onde os conquistadores
amarelos se dirigem. Até agora não está comprovado que um mundo habitado está em
perigo.
― Mas é comprovado que os conquistadores amarelos somente escolhem mundos de
oxigênio para o seu processo de divisão ― retrucou Bell. ― E estes, quase sempre, são
habitados.
― Temos que esperar ― declarou Rhodan. ― Somente depois que os cálculos da rota
estiverem à disposição, podemos tomar decisões.
Rhodan não precisou esperar por muito tempo pelos resultados do computador. Tinha
sido calculado, que toda a frota se afastava do “Enxame", com um quarto da velocidade da
luz, e portanto voava com um quarto de velocidade da luz, tomando-se em conta a
velocidade própria do "Enxame" que era de 1/VL.
Os cálculos de rota mostraram que dentro dos próximos 700 anos-luz, somente havia
dois sóis no caminho da esquadrilha de divisão, caso esta mantivesse a sua direção.
Um deles era um astro vermelho gigante a 535 anos-luz de distância, que apenas
possuía um planeta. O planeta era um mundo inabitável de metano, do tipo-Júpiter.
O segundo sol, a uma distância de apenas 338 anos-luz da frota, era do tipo do Sol, e
possuía sete planetas. Tratava-se do Sistema Heleva-EX, que certa vez fora descoberto por
uma nave Explorer, e devidamente catalogado. Sobre todos os sete planetas havia dados
exatos disponíveis, que no catálogo estelar da Frota Explorer enchiam algumas páginas e
que ocupavam todo um banco de dados da positrônica de bordo da Intersolar. A maioria
dos dados, entretanto, referia-se ao terceiro planeta.
Era um mundo parecido com a Terra, que tinha recebido o nome de Trantus-Tona do
pessoal das Explorer. Ali viviam os descendentes dos colonos arcônidas, que já há muitos
milênios tinham perdido contato com a civilização. Eles tinham revertido ao primitivismo,
e no momento se encontravam na mesma escala de desenvolvimento mais ou menos que os
terranos do Século XV.
Como Trantus-Tona era habitado, uma colonização por terranos fora excluída
automaticamente. Em conseqüência de sua posição militar insignificante, e também porque
não seria economicamente rentável, os terranos tinham desistido até mesmo de erguerem
ali um entreposto de comércio. O Sistema He1eva-EX acabou sendo esquecido.
Agora, através da frota de divisão, ele ganhava uma significação especial.
― Não pode haver dúvidas de que a meta dos conquistadores amarelos seja o Sistema
Heleva-EX ― declarou Atlan. ― E dos sete mundos, somente Trantus-Tona interessa
como mundo de nascimento.
― Você ainda tem dúvidas em proceder contra a frota de divisão? ― quis saber
Reginald Bell, pelo hipercomunicador.
― A sua sugestão não pode ser executada ― disse Rhodan, decidido. ― Nós
precisamos encontrar uma outra solução.
― Se você esperar ainda muito tempo, então a frota entra em transição, e os 500
milhões de habitantes de Trantus-Tona sofrerão o mesmo destino que as amazonas de
Diane! ― disse Bell, numa acusação.
― Tarde demais ― disse Atlan, e apontou para as telas de vídeo da galeria
panorâmica.
Rhodan seguiu com os olhos a mão estendida do arcônida, mas não entendeu
imediatamente. Ele esperara ver na tela de imagem uma transição em massa da frota de
divisão. Porém agora ele teve que verificar que nem todas as 6.500 naves desapareceram de
uma só vez, mas unitariamente, e uma depois da outra.
― Isso é novo ― gritou Rhodan, perplexo. ― Até agora as naves de uma frota nunca
executaram transições unitárias.
― Não pode tratar-se de transições ― avisou Fellmer Lloyd, da central de
rastreamentos. ― Nós não medimos um só abalo estrutural, como costuma ocorrer, numa
penetração à força, do hiperespaço.
― Isso apenas pode significar que as naves da esquadrilha de divisão são equipadas
com propulsores lineares ― verificou Rhodan, surpreso. ― Agora nós temos a prova
definitiva de que os conquistadores amarelos não apenas dominam a hipertransição com
extrema precisão, mas que também podem vencer grandes distâncias no semi-espaço.
― Isso nós já suspeitávamos há algum tempo ― disse Atlan, sem tirar os olhos de
Rhodan.
o
― Vôo linear! ― ordenou Rhodan ao 1 oficial cosmonauta. ― Vamos ficar nos
calcanhares da frota, com ajuda do sensor de semi-espaço.
Atlan disse:
― Você ainda acredita que os conquistadores amarelos tenham escolhido um outro
destino que o Sistema Heleva-EX?
Rhodan silenciou. Ele ficou olhando o monitor do libroflex e esperou que a Good
Hope II passasse para o espaço linear.
Um transformador modificou impulsos estáveis quadridimensionais e ajustou-os ao
estado neutral-energético da forma do semi-espaço. Como impulsos libroflex
semidimensionais eles eram irradiados por um transmissor, refletidos por corpos dentro do
espaço linear e novamente captados por um receptor. Deste modo um rastreamento em
base de eco era possível dentro do semi-espaço.
Na tela de libroflex mostrava-se toda a formação da esquadrilha de divisão,
nitidamente.
Os homens na central da Good Hope II ainda não tinham digerido o fato de que a
esquadrilha de divisão, em vez de proceder a uma transmissão em massa, executava um
vôo linear.
O xenólogo Sophtom Pienager declarou:
― Nós temos que nos convencer de que grupos de povos diversos, dentro do
"Enxame", também agem de modo diferente. Originalmente parecia que o "Enxame" fosse
um organismo complexo, no qual cada parte tinha sua tarefa prefixada e exatamente
programada. Mas agora temos que reconhecer que os povos do "Enxame" são flexíveis.
"Poderia ser que alguns povos preferem exclusivamente a transição, para as viagens
espaciais, outros utilizam por sua vez o vôo linear, e um terceiro grupo variavelmente usa
ambos os métodos, conforme as necessidades. Talvez os diferentes grupos também nem
possam agir por iniciativa própria, mas são influenciados em seu modo de agir, por
coordenadas dispostas pelos dominadores do "Enxame."
Rhodan ficara pensativo. Depois que o xenólogo terminou, ele perguntou,
― Se eu o entendi corretamente, nós não podemos concluir cem por cento sobre as
intenções desta flotilha, baseados na maneira de proceder das duas outras frotas de divisão
anteriores.
Sophtom Pienager anuiu.
― A manobra linear que ocorre neste instante comprova a irregularidade dos
conquistadores amarelos. Nós precisamos mudar de raciocínio, para nos ajustarmos a sua
flexibilidade.
Rhodan olhou para Atlan em triunfo.
― Portanto foi uma vantagem, nós não sairmos logo atirando ― disse ele.
― Que vantagem isso poderá ter-nos trazido? ― perguntou Atlan, de volta.
Não muito mais tarde as naves da esquadrilha de divisão desapareceram pouco a
pouco da tela de imagem do monitor libroflex. Senco Ahrat também trouxe a Good Hope II
de volta para o Universo einsteiniano.
Imediatamente brilhou na galeria panorâmica um sol amarelo próximo. Bastavam
apenas medições superficiais para chegar-se a certeza de que a esquadrilha de divisão tinha
voado para perto do seu destino.
Diante deles ficava o sistema Heleva-EX.
As 1.500 naves faviformes, junto com o comboio de 5.000 unidades armadas, voou na
sua direção em alta velocidade.
― Eles voam diretamente para o 3o planeta ― avisou Fellmer Lloyd.
― Conforme não fora esperado de modo diferente ― declarou Atlan. ― Logo
chegará a hora fatídica para os quinhentos milhões de tonares de Trantus-Tona se você não
se consegue decidir a intervir, Perry.
Rhodan ficou furioso.
― Nós vamos intervir ― gritou ele para o arcônida. ― Mas eu não vou provocar
nenhuma batalha espacial insensata. Nós temos que acertar os conquistadores amarelos no
seu ponto ferido.
― Você tem um plano? ― perguntou Atlan, interessado.
Neste instante três mil das naves de vigilância de construção diferente deram uma
guinada, saindo da formação, e entraram, por pouco tempo, no espaço linear. Quando elas
caíram novamente de volta ao Universo einsteiniano, elas já se encontravam dentro do
sistema Heleva-EX ― no espaço do terceiro planeta. Por baixo delas também se
encontravam 80 astronaves-cogumelos dos instaladores do "Enxame".
― Você sabe o que isso significa, Perry ― disse Reginald Bell, da Intersolar. ― A
tarefa dessa vanguarda é fazer os preparativos para o ato do nascimento iminente em
Trantus-Tona. Eles vão efetuar as ajustagens secundárias, aumentar a temperatura e a
gravidade do planeta. E isso é equivalente à morte de 500 milhões de pessoas.
* * *
* * *
* * *
As cerca de três mil espaçonaves formavam, por cima do terceiro planeta do sistema
Heleva-EX, um cordão impenetrável. Mesmo assim, Fellmer Lloyd conseguiu descobrir o
seguinte, através do telerrastreamento:
Tanto no pólo norte quanto no pólo sul, tinham pousado quarenta espaçonaves-
cogumelo em cada um ― e tratava-se daquelas naves com os tetos pontudos.
Este fato fez com que Atlan tivesse novas esperanças.
― Talvez ainda ganhemos algumas horas de graça ― disse ele. ― A utilização destas
naves-cogumelo de telhado pontudo poderia significar que todo o sistema solar deverá ser
deslocado numa gigantesca transição. Se for assim, a ajustagem secundária sofrerá um
retardamento. O que, por seu lado, significará que a doença se espalhará mais ainda entre
os conquistadores amarelos. E então talvez já seja tarde demais para o processo de divisão.
Rhodan sacudiu a cabeça.
― Eu não creio nisso. Eu suspeito, isto sim, de que a ajustagem secundária deverá ser
acelerada, com a utilização destas naves especiais. As astronaves-cogumelo com os tetos
cônicos são maiores e também possuem uma capacidade maior. Elas podem sugar uma
alimentação energética bem mais elevada, e por essa razão poderão acelerar a ajustagem
secundária. Em Diane, este processo demorou quarenta e oito horas, mas aqui ele poderia
ser decisivamente reduzido, para um tempo mais curto, devido a mais forte sangria da
energia solar.
― Você pinta a situação ainda mais negra que Bell e eu juntos ― verificou Atlan. ―
Se você vê as coisas deste modo, Perry ― neste caso, passe a agir!
― Eu ainda vou arriscar fazer uma pergunta aos gêmeos Blazon ― Rhodan mudou de
assunto. ― Talvez eles nos possam dizer algo de definitivo.
Levou algum tempo até que Joak Cascal conseguiu entrar em contato, pelo hiper-
rádio, com os dois físicos-sextadim.
― O senhor acha, que poderão chegar a uma transição de todo o sistema Heleva-EX?
― quis ele saber.
― Impossível ― respondeu Blazon Beta, com certeza. Para que serviria uma
transição? Três bilhões de amarelo-ocres exigem, com grande urgência, condições
ambientais adequadas para o processo de divisão. Os responsáveis vão fazer de tudo para
liquidar os trabalhos antecipadamente preparados o mais depressa possível. E também
porque a doença continua se alastrando. De Gahork, este é um dos doentes-imunes,
ficamos sabendo que aproximadamente duzentos milhões de amarelo-ocres já estão in-
fectados. E isso ainda não terminou. Os responsáveis precisam efetuar a ajustagem
secundária do mundo de nascimento o mais rapidamente possível.
― Foi o que eu presumi ― disse Rhodan, sombrio. ― Os senhores agora não querem
decidir-se a vir para a Good Hope? Quando a nave faviforme tiver pousado na colônia
arcônida, a ação de salvamento será bem mais difícil.
― Quer dizer que a frota de divisão está voando novamente para um planeta habitado
por seres humanos ― fez-se ouvir Blazon Alfa. ― Se isso for assim, nós ficamos. Talvez
possamos ajudar os que sofreram danos com a ajustagem secundária.
― Desta vez saberemos evitar que seres humanos sejam prejudicados ― declarou
Rhodan, decidido.
― Então é muito melhor assim, e nós não temos nada a temer.
A estas palavras seguiu-se um palavrão abafado, depois uma respiração
ofegante e um gemido.
― O que aconteceu? ― Quis saber Rhodan.
― Nenhuma razão para preocupar-se, sir ― garantiu Blazon Alfa. ― Parece que os
pequenos purpurinos estão fazendo uma revista na nave faviforme, à nossa procura. Eles
estão revistando o cilindro-favo de Gahork, mas nós passamos para um outro.
― Não estão em perigo?
― Não.
― Por que está respirando com tanta dificuldade?
― É o calor. A temperatura externa, entrementes, subiu para sessenta centígrados, a
gravitação é de mais de dois gravos respondeu Alfa.
― Nós não podemos colocar os neutralizadores de gravitação e a instalação climática,
em força total, pois neste caso nossas reservas de energia logo se esgotarão.
― Nós vamos tirá-los daí ― decidiu Rhodan. ― Deixem seu aparelho de rádio
ligado, para que Lloyd possa goniometrá-los.
Do alto-falante saiu um ruído crepitante, quando a ligação foi abruptamente
interrompida.
― Insubordinação! ― disse Atlan, curto. Rhodan sacudiu a cabeça.
― Não se pode ver as coisas assim.
Antes que eles recuassem para dentro do tubo sextavado, Blazon Alfa depositou seu
aparelho de pulso, com vídeo, que fazia parte de seu volumoso equipamento, a dois metros
de altura na parede do corredor estreito. Através de um segundo aparelho de pulso, com
vídeo, que pertencia a Blazon Beta, deste modo eles podiam observar tudo que se passava
do lado de fora do tubo sextavado.
O que eles viram, não foi do seu gosto.
O pequeno purpurino com o rabo-de-cavalo branco desceu o corredor com seis outros,
e ficou parado diante da entrada para o cilindro sextavado de Gahork. Os cinco purpurinos
mantinham suas armas-bastões preparadas, prontas para atirarem, enquanto o de cabelos
brancos abria a escotilha. Eles não davam qualquer som de si.
Também não se ouviu nenhum tiro.
― Nós devíamos ir em auxilio de Gahork ― murmurou Alfa, enquanto, por cima do
ombro de Beta, olhava para a tela, do tamanho de um selo postal, do intercomunicador de
pulso.
― Eles não o importunarão ― disse Beta, convencido.
Os seis pequenos purpurinos entraram no cilindro-fava de Gahork, logo depois saíram
dele novamente e desapareceram no corredor lateral mais próximo.
― Já é a segunda vez que eles inspecionam o favo-chocadeira de Gahork ― disse
Alfa. ― Eles voltarão.
― E daí? ― Beta guardou o intercomunicador-pulseira e tomou providências para
abandonar o cilindro-favo. Apesar de terem desligado a instalação de rádio externa, eles
percebiam, surdamente, os torturantes miados dos amarelo-ocres deformados. Você gosta
de jogos de qualquer tipo. Neste caso, procure se entusiasmar com este joguinho de
esconde-esconde.
Eles chegaram ao cilindro-fava de Gahork. Conforme Beta tinha presumido
corretamente o doente-imune não havia sido molestado pelos purpurinos.
Ele estava acocorado no meio da câmara-chocadeira, a parte inferior do corpo inchada,
pulsando mais forte que antes. Os braços principais, e os braços adicionais que saíam deles,
tremiam convulsivamente. Os dois multiórgãos tinham perdido o seu brilho,
pareciam sombrios e de algum modo "sem ver". Por cima da membrana trêmula
vinham sons de queixumes.
― Controle-se, Gahork! ― berrou-lhe Beta.
― Deixe-o em paz ― Alfa pediu ao seu irmão. ― Ele mereceu finalmente entregar-se
ao impulso, que manteve reprimido por quase dois mil anos.
Pela membrana de Gahork veio uma série de sons articulados, que foram vertidos pelo
aparelho tradutor.
― Não falem mais com o invisível distante. Isso pode custar-lhes a vida.
― O senhor se repete, Gahork ― Beta gritou com o doente-imune. ― Suas constantes
advertências irritam os nervos. Entrementes já devia ter reconhecido, que não podem captar
nossas mensagens de rádio no "Enxame".
― Não falem mais com o invisível...
Beta quis gritar, mas Alfa impediu-o.
― Deixe-o, irmão, ele está como embriagado...
Beta olhou para o seu irmão mais alto, e fez uma careta.
― Sua compaixão não tem lugar aqui. Não podemos permitir que Gahork se entregue
a uma ilusão. Pois se nosso plano der certo, então esta frota de divisão jamais vai alcançar
os sítios aclars ― e o desejo mais veemente de Gahork jamais se realizará. Por que,
portanto, não deveríamos prepará-lo para isso, já desde agora?
Beta tinha razão. Se eles quisessem salvar a colônia de arcônidas, então não devia
ocorrer nenhuma ajustagem secundária, e conseqüentemente nenhum processo de divisão.
Não havia nenhuma exceção ― nem mesmo para os doentes-imunes.
Infelizmente era assim. O que era útil aos amarelo-ocres fazia mal aos seres humanos.
E vice-versa. Nisto, neste momento, nada podia se mudar.
Alfa foi arrancado de volta à realidade, ao olhar para a tela de imagem. Ele apontou,
mudamente, para ela.
― Se não acontecer logo alguma coisa, o mais veemente desejo de Gahork vai mesmo
se cumprir ― disse Beta, amargo, depois de ter olhado para a tela de vídeo por algum
tempo. ― Portanto você não precisa mais se preocupar com a sua sorte, irmão.
A frota das astronaves faviformes tinha alcançado o terceiro planeta. As naves de
vigilância que orbitavam o planeta deram uma guinada para dois lados, liberando um
caminho de entrada para as astronaves faviformes.
Blazon Beta quis dizer alguma coisa, mas apenas um estertor saiu-lhe dos lábios. Sua
garganta estava ressecada. Dentro do traje de combate estava insuportavelmente quente e
ele não ousava ligar o aparelho de climatização para um rendimento maior. Pois agora eles
não podiam mais esperar, que depois do pouso das astronaves faviformes no planeta,
encontrassem melhores condições de vida.
Era possível que a ajustagem secundária já estivesse em andamento. Neste caso, o
calor e a gravidade no planeta ainda seriam mais insuportáveis que dentro da astronave
faviforme.
* * *
Espaçonaves Extraterrenas-
Favo-lncubadeira dos "conquistadores amarelos" Generalidades:
DADOS TÉCNICOS 01
― Escotilha externa.
02 ― Antena de rádio para vigilância do objeto voador.
03 ― Instalação de controle positrônico de máquinas e pilotagem.
04 ― Prateleira com medicamentos para dores e tranqüilizantes para os “conquistadores amarelos”.
05 ― Tampo de solo e escada para a instalação de máquinas inferiores.
06 ― Transformadores de energia.
07 ― Instalação de renovação de ar com regulador de umidade. S - Bomba para revolvimento do ar.
09 ― Escotilha para o recinto-incubadeira com janela-viseira.
10 ― Aparelho de controle, com sensor de medição, para examinar as condições de saúde.
11 ― Luminária.
12 ― Casco externo do favo-incubadeira.
13 ― Entrada e saída para amarelo-ocre (que podem ser fechadas com escudo energético).
14 ― Recinto-incubadeira com revestimento mole no chão.
15 ― Turbina para o raio de pressão.
16 ― Propulsor de raio de pressão (4 unidades)
17 ― Criador de gravidade com neutralizador de pressão.
18 ― Automático de alimentação com 7 mangueiras para sugar.
19 ― Instalação para a preparação de alimentação.
20 ― Propulsor antigravitacional.
21 ― Reator de fusão nuclear.
22 ― Armazenador de energia e instalação de autodestruição.
23 ― Baterias de corrente de emergência.
24 ― Instalação de advertência ótico-acústica, acoplada com aparelho de controle.
25 ― Suspensão hidráulica do palco de acesso.
26 ― Palco de acesso articulado para o pessoal de serviço durante o vôo.
Desenho: Bernard Stössel
Ela ergueu-se, assustada, apertou o cobertor firmemente contra o corpo que tremia, e
olhou-o, amedrontada.
― Eu não quero ser sacrificada ― disse ela, batendo os dentes.
Ele a olhou por muito tempo, depois disse, esperançoso:
― Você realmente não quer ir para o templo de Shavi Yanar?
Ela sacudiu a cabeça e o olhou, implorando.
Ainda na noite anterior, ela não teria sido capaz de uma reação semelhante.
* * *
A noite anterior
Quando Cleran entrou cavalgando no pátio fronteiro da estalagem, já estava escuro. A
estalagem era um prédio de quatro cantos, no qual também ficavam as cavalariças. A
floresta em volta tinha sido derrubada, para não oferecer cobertura a assaltantes de estrada
e outros bandidos.
Cleran parou seu animal de montaria e saltou da sela.
― Cavalariço! ― gritou ele em voz alta.
Mas como não era de se esperar diferente, nenhum cavalariço apareceu. Como as
cavalariços estavam fechadas por dentro, Cleran amarrou o seu animal num poste, e entrou
no salão da estalagem. Mal ele tinha posto os pés no recinto mal iluminado, quando uma
sombra saltou de trás da porta.
Tratava-se de um homem grande, gordo, com cuspe escorrendo pelo canto da boca.
Numa de suas mãos erguida ele mantinha uma clava. Antes que ele pudesse executar o
golpe planejado, Cleran o tinha jogado ao chão com um soco bem assestado.
O homem ficou deitado no chão, de costas. Nos seus olhos havia incompreensão e
uma grande admiração.
― Eu só quero dormir esta noite aqui com vocês ― disse Cleran para o estalajadeiro.
― E eu também vou pagar por isso.
O gordo limpou a boca e se pôs de pé, com muito custo.
― Eu vou mandar preparar-lhe um leito, senhor. ― O estalajadeiro virou-se e gritou:
― Lussi!
Uma mulher velha saiu de um corredor, por trás da mesa do
bar. ― Este senhor vai pernoitar conosco.
A velha não demonstrou por nada que entendera as palavras.
Ela foi até a escada que levava ao andar de cima, e ali ficou parada. Ela esperava por
Cleran. Este, entretanto, não se preparava para seguir a mulher ao andar superior.
― Vocês não têm moças na casa? ― perguntou ele ao estalajadeiro.
O homem sacudiu a cabeça.
Cleran puxou o punhal e o encostou na barriga do homem.
― Quantas garotas há na casa? ― perguntou Cleran, ameaçador.
O gordo contou nos dedos, e foi rápido com sua resposta:
― Sete garotas, senhor. Elas moram em minha casa.
― Vocês têm uma filha?
O estalajadeiro continuou mudo.
― É uma honra, apresentar seus filhos a um senhor de respeito ― explicou Cleran.
― Ó, o senhor está querendo isso. ― O estalajadeiro parecia aliviado. Ele chamou por
cima do ombro: ― Nyryla!
Pouco mais tarde, uma moça jovem, bonita, passou por uma porta lateral para dentro
da taberna. Ao contrário das outras moças que Cleran encontrara no caminho para cá, ela
parecia cuidada. Ele também imaginou o motivo por que ela tinha se penteado, tomado
banho e perfumado.
― Ela que venha ao meu quarto ― pediu Cleran.
O taberneiro recuou.
― Isso não é possível, senhor. Amanhã ela será levada para o templo de Shavi
Yanar. "Então é verdade", pensou Cleran.
Em voz alta ele disse:
― Ela deve vir ao meu quarto!
Para dar apoio às suas palavras, ele fez um movimento rápido com a mão que
mantinha o punhal, e abriu a blusa do gordo, de cima a baixo, mostrando a barriga.
― Shavi Yanar vai puni-lo por isso, senhor!
Mais tarde, no seu quarto, Cleran perguntou à moça, que estava deitada, rígida,
na sua cama:
― Você tem medo de mim?
― Não.
― Mas você sabe que eu poderia possuir você.
― Sim.
― Você não tem medo disso?
― Isso não tem importância.
Ele suspirou. Ele agora já estava procurando há mais de um verão por uma criatura à
qual ele poderia dedicar-se, e que não fosse tão estúpida como as outras. Ele simplesmente
tinha desejos por alguém que pelo menos se aproximasse espiritualmente dele, por alguém
que estava em situação de pensar sensatamente e de dar respostas inteligentes.
Ele pensara encontrar esta criatura em Nyryla. Mas a sua visão agradável o enganara,
ela era tão imbecilizada quanto as outras.
― Você sabe que vai ser sacrificada no templo de Shavi Yanar?
― Não tem importância.
― Você não gostaria de fugir?
A moça não respondeu.
― Você não tem o desejo de permanecer viva?
― Sim.
― Por que, então, você não age nesse sentido? Por que você não tenta salvar a sua
vida? Se você quiser eu posso ajudá-la na fuga.
Ela permaneceu muda.
― Quer dizer que você não se importa absolutamente, que destino a espera?
― Não tem importância ― confirmou ela, monossilábica. Logo depois ela
adormecera. Ele teve que colocar o cobertor por cima dela, porque ela não tinha sequer a
força de vontade de fazê-la sozinha.
* * *
* * *
O yanarsar era um homem. Ele ergueu-se, tonto, segurando a cabeça, e disse alguma
coisa numa língua desconhecida. Somente depois que ele estava de pé, chamou sua atenção
que ele estava inteiramente nu.
E então ele viu Cleran.
― Deu-me algum trabalho tirar sua armadura ― disse o klingonakona. ― E eu tive
que destruí-la, de outro modo não o conseguiria. Ela está junto com suas armas mágicas
dentro da caverna.
Cleran sorriu, depreciativo.
― Agora você está tão indefeso quanto qualquer outro homem desarmado. Ou você
possui forças sobrenaturais com as quais pode me destruir? Neste caso faça uso delas, eu
me coloco em luta contra você.
Cleran colocou-lhe a espada no peito.
O yanarsar estava de costas contra a rocha e olhava amedrontado para a ponta da
espada, que se enfiava um pouco abaixo do seu queixo na sua pele.
― Você ameaça um servo de Shavi Yanar ― disse o yanarsaro ― Se você não se
arrepender imediatamente e agir sensatamente, será atingido pela ira dos deuses.
Cleran não se deixou intimidar.
― Se você tiver o poder para isso, então destrua-me, ou eu matarei você!
― Não! ― o yanarsar quase gritou aquilo. O seu olhar foi até a carruagem celeste,
que ainda estava parada na clareira próxima, depois para o seu companheiro morto, e para
Cleran. ― Não me mate. Eu quero fazer-lhe uma proposta.
O medo da criatura diante da morte mostrou a Cleran que ele não estava
absolutamente tratando com um ser divino, e sim com um mortal comum.
― Estou escutando ― disse Cleran.
― Primeiramente retire a espada ― pediu o yanarsar. Cleran atendeu o pedido. ― E
então, dê-me pelo menos roupas. Estou com frio.
Cleran sacudiu a cabeça e ergueu ao mesmo tempo a espada. ― Eu acho que você
quer apenas me enganar. Será melhor que eu o mate imediatamente.
― Pare! ― gritou o yanarsar. ― Ouça primeiro a minha proposta. O que é que você
acha de receber uma couraça semelhante à minha, e armas que cospem fogo e uma
carruagem celeste?
― Eu não poderia fazer nada com isso ― disse Cleran, não se deixando impressionar.
― Você aprenderia a manejar com eles. ― O yanarsar apertou os olhos. ― Você não
parece ser apenas valente e forte, mas também mais inteligente que as outras pessoas
nativas. Gente como você, nós sempre podemos usar.
Cleran repuxou a cara.
― Foi o que pensei, que cada um pode. Se tomar um yanarsar.
― Não cada um, são precisas determinadas ― capacidades retrucou o yanarsar.
― O que eu quis dizer é que vocês são apenas seres humanos ― disse Cleran. ― O
que lhe dá o direito de se dizer uma criatura divina e subjugar outras criaturas humanas?
― Eu nasci nas estrelas, e fui escolhido para transformar as palavras de Shavi Yanar
em fatos. Eu lhe ofereço mais uma vez, para que seja um dos nossos.
― E o que é que eu preciso fazer para isso?
― Entre comigo na carruagem celeste, e eu o levarei para um lugar onde farão de
você um yanarsar.
― Como se chama este lugar? ― perguntou Cleran, com muita expectativa.
― Yonyegy.
― Mas esta é a capital de Vomeggen ― gritou Cleran, perplexo. Ele ficou
desconfiado. ― Na realidade eu esperava que você me levaria para um templo de Shavi
Yanar.
O yanarsar fez um gesto teatral.
― O espírito de Shavi Yanar mora em todos os seus templos, mas Yonyegy é o local
onde ele se encontra corporificado.
Cleran sentiu como o ódio represado contra os ídolos da Arte Negra recrudescia
dentro dele. Shavi Yanar era um desses ídolos ― ele tinha que ser morto.
― Leve-me na sua carruagem celeste para Yonyegy ― disse Cleran, decidido.
― Não antes que eu tiver minhas roupas de volta ― declarou o yanarsar. ― Se eu
aparecer deste jeito, serei ridicularizado por todos os tempos. Neste caso eu prefiro a morte.
Cleran notou que o yanarsar falava sério, por isso decidiu-se a lhe entregar as roupas,
mas não a couraça nem as armas.
Cleran continuou vigilante, enquanto o yanarsar vestiu as roupas. Depois de estar
vestido, ele disse:
― Pegue as armas, pois armas de raios estão cada vez mais raras.
Cleran não tirou os olhos do yanarsar enquanto se abaixou para apanhar as armas que
cuspiam fogo.
Nisto aconteceu-lhe o contratempo. Ele tocou em alguma alavanca, ou num
disparador, e de repente um raio fulgurante saiu de um dos canos da arma.
Cleran gritou, quando o seu braço esquerdo foi envolto pelas chamas. Ele não gritou
de dor, porém mais de surpresa. Ele viu que seu antebraço ficou incandescente, mas ainda
não sentiu qualquer dor. Somente quando o fogo se apagou e o seu antebraço se dissolveu
no nada, ele sentiu uma coisa preta diante dos olhos.
Ele caiu ao chão, mas não perdeu os sentidos.
― Por que você não me mata? ― perguntou ele, na escuridão que baixava sobre o seu
espírito.
― Porque você é um dos nossos ― respondeu o yanarsar. Estes acontecimentos já
ficavam para trás, há algum tempo.
Cleran tinha sido admitido nas fileiras dos yanarsares. Mas isso não o levara nem um
passo adiante. Ele continuava afastado dos ídolos da Arte Negra, como no dia em que ele
tinha partido do norte com vinte valentes e seu amigo Aklirio Garalan.
Mesmo assim, ele não desistia de sua esperança numa vingança.
Cleran aprendia muito, mas entendia pouco. De há muito tempo ele desistira de agir de
acordo com o lema de Aklirio, que dizia: “Para todos os acontecimentos deste mundo há
uma explicação.”
Cleran não procurava mais por explicações para as coisas estranhas que aconteciam à
sua volta. Ele as aceitava, aplicava-as em parte, e tentava ajustar-se ao seu meio ambiente
fantástico.
Ele não fazia perguntas.
― Cleran, um milagre está por acontecer ― ecoou a voz de Tarwson, um dos
yanarsares nascidos nas estrelas, de dentro do gradil que tinha a designação de "instalação
de locução".
― Vai ser feito ― disse Cleran, e abandonou o seu quarto na parte traseira do templo.
Ele jamais vira Tarwson pessoalmente. Ele não sabia como era sua aparência, e isso
também lhe era indiferente.
Cleran executava o seu serviço no templo Losho Yanar e esperava por uma chance.
Ele realizava milagres, sem saber como eles se davam.
― "Para todos os acontecimentos deste mundo há uma explicação!"
Cleran sorriu sobre esta sabedoria. Em pensamentos ele acrescentava: "Mas não para
mim".
Lentamente ele subiu a escada em caracol para o púlpito, de onde tinha uma visão
geral de todo o recinto do templo, sem que ele mesmo pudesse ser visto. Tarwson certa vez
lhe explicara que o púlpito estava rodeado de uma barreira que deixava passar “0ndas
eletromagnéticas" apenas para um lado. Quando Cleran perguntara o que eram "ondas
eletromagnéticas" e como a barreira funcionava exatamente Tarwson não soube dizer. Não
que ele não quisesse dar a informação a Cleran, não, ele simplesmente também não
conhecia a resposta.
Através deste acontecimento e outros de tipo semelhante, Cleran tinha tirado a
conclusão de que os yanarsares nascidos nas estrelas tinham sido acometidos pela mesma
imbecilização que as pessoas restantes deste mundo. Visto deste lado Clermnont eralhes
superior, pois em nenhum momento ele sofrera perdas espirituais ― nem naquela
ocasião quando a imbecilização ainda tivera formas muito piores.
Agora a situação geral tinha se moderado, as criaturas humanas tinham recebido de
volta parte de sua inteligência, mas elas não se comparavam a ele. Nem mesmo os
yanarsares nascidos nas estrelas. Cleran usava esta vantagem o mais que podia ― somente
que isso não o adiantara muito.
Cleran sentou-se junto do "quadro de instrumentos" do púlpito e ligou a "instalação de
alto-falantes". O templo estava totalmente cheio, gente de todas as camadas tinham vindo,
para atrair para si as graças dos ídolos da Arte Negra. Até mesmo uma série de membros
do Paço Real ocupava os camarotes da nobreza.
A parte dianteira do templo estava trancada. Ali, perto do altar, estavam, tremendo
muito, as trinta jovens moças que deviam ser sacrificadas. Nas imensas conchas de
sacrifício estavam amontoados os pacotes com folhas da erva-das-três-almas. Os três ser-
vos metálicos dos ídolos, ou “robôs", como eram chamados no idioma dos ídolos, estavam
parados, imóveis, à esquerda das colunas. No momento, o altar ainda não estava iluminado,
mas quando Cleran puxava para baixo determinada alavanca, no “quadro de instrumentos",
entre as colunas se formaria um campo energético", envolvendo o altar numa luz
impressionante.
Cleran começou com o seu sermão.
― Honrai os nossos deuses Shavi Yanar, Losho Yanar e Raga Yanar, sacrificando-
lhes erva-de-três-almas e beleza. Lembrem-se deles e então eles lhes serão bem-
intencionados e lhes trarão bênçãos. Se vocês os esquecerem, os desprezam, e se vocês se
voltam para falsos ídolos, então eles os precipitarão nos infernos!
Cleran virou uma alavanca que estava marcada com um raio.
Através desta manipulação ele, como por encanto, fazia aparecer sob o teto do templo
uma grossa camada de nuvens negras, da qual saíam relâmpagos, e neve e saraiva se
precipitavam sobre os cidadãos amedrontados de Yonyegy.
Através da manipulação de algumas alavancas, ele ainda fez aparecer algumas cenas
admoestadoras: peste, fome, apodrecimento e o fim do mundo, antes de criar diante dos
olhos dos impressionados servos dos ídolos, o ponto alto do seu sermão, um verdadeiro
idílio. Um murmúrio saudoso encheu o templo.
Cleran fez com que aquela ilusão sedutora empalidecesse só lentamente, para que ela
pudesse impregnar-se bem nas mentes dos presentes.
Depois deu início à cerimônia do sacrifício. Ele criou entre as colunas do altar o
"campo energético", e "ativou" os três “robôs".
* * *
* * *
* * *
* * *
― Uma nave cilíndrica dos springer! ― gritou Blazon Alfa, quando chegaram ao
parque do palácio real.
A viagem através de Yonyegy fora uma só marcha triunfal. A história de que os
"yanarsares" tinham afugentado os demônios dos submundos da terra espalhou-se como
fogo rasteiro. Nas ruas cheias de esquinas e nas ruelas, as massas de gente se aglomeravam,
todas as janelas nas casas de madeira e adobe e de pedras estavam latadas. Os yonyegyer os
festejavam como heróis ― como deuses. Somente os pesados portais com seus gonzos de
ferro, e as lanças da guarda palaciana, conseguiram evitar que a multidão seguisse o carro
com os dois "deuses" para dentro do palácio real...
― Nós chamamos mais atenção, do que nos pode servir achou Beta, com um olhar
crítico para a nave-cilíndrica de quase mil metros de comprimento, que em posição
horizontal repousava sobre seus curtos apoios telescópicos em cima do gramado bem
tratado. ― Os springer vão nos preparar uma recepção quente, quando ficarem sabendo
que não fazemos parte deles. Seria mais inteligente ficarmos fora disso. Mas uma vez que
estamos aqui, também podemos matar o tempo, até que Rhodan nos tire daqui.
― Agora também me fica claro porque nos chamaram de "yanarsares" ― disse Alfa.
― A nave chama-se Yanara ― certamente nome do patriarca a quem ela pertence. Você
gostaria de dar uma olhada nela, por dentro?
― Você não?
― Gostaria ― mas não sem antes ter feito um seguro de vida ― declarou Alfa. ― Se
os springer não tiveram dúvidas em arvorar-se como "deuses" para o povo
subdesenvolvido deste mundo, eles também não terão escrúpulos de nos liquidarem.
Especialmente porque, com a imbecilização, os seus instintos animalescos devem ter ficado
ainda mais acentuados.
― E de que modo você quer garantir-se? ― perguntou Beta
― Deixe isso comigo.
Eles abandonaram a carruagem cilíndrica, que fora construída imitando uma nave-
auxiliar dos springer. O chefe de sua escolta a cavalo já estava deitado, diante deles, no
chão.
― Levante-se ― ordenou-lhe Alfa.
O cavaleiro pôs-e de pé, mas não ousou olhar para o outro. ― Como é que você se
comportaria, se deuses lhe pedissem a sua colaboração?
― Eu ficaria grandemente honrado, mas também me perguntaria se eu valho esta
honra ― disse o cavaleiro, sem erguer a cabeça.
― Os meus sentidos divinos me revelam que você é digno de erguer a sua espada em
meu nome ― declarou Alfa, com voz patética. ― Você certamente já deve ter notado que
também entre deuses existe desunião e discórdia, que existem bons e maus entre eles. Nós
viemos para correr com os falsos deuses deste mundo, para livrar esta terra do jugo dos
ídolos terríveis. Nós somos fortes porque o Bem habita em nós. Mas como já aconteceu
tantas vezes, também desta o Mal poderia conquistar a vitória. Por isso eu me volto a você,
um mortal, pedindo ajuda. Você está pronto para lutar pelo Bem?
O cavaleiro ergueu-se em todo o seu tamanho.
― Eu estou pronto ― disse ele, decidido.
― Ótimo! ― Alfa olhou para o sol, que somente estava ainda a um palmo acima dos
telhados das casas baixas. ― Quando o sol tiver desaparecido atrás das casas, e se nós
ainda não regressarmos do domicílio dos deuses, então você terá que chamar os mortais às
armas, e levar a nossa luta até o fim, com uma vitória. Com o pôr-do-sol deve começar o
crepúsculo dos idolos.
Alfa virou-se e em passadas largas dirigiu-se com seu irmão para a astronave
cilíndrica dos springer, que permanecia pousada calmamente.
― Foi simplesmente classe, o jeito como você conseguiu fazer isso ― elogiou Beta.
― Sobretudo foi psicologicamente muito inteligente. Você reconheceu corretamente, que
os habitantes deste mundo certamente só se deixam oprimir rangendo os dentes, e não
gostam nada de serem explorados ― mesmo se os tiranos se dizem deuses. Você acaba de
acender uma fagulha de rebelião, que passará a todos os oprimidos, e que fará inflamar a
sua ira contra os falsos deuses. A isso os springer não terão como se opor. Só que eu não
vejo nem o brilho de um seguro de vida diante de nós.
Alfa anuiu, sério.
― Para nós esta aventura poderia acabar mal. Mas se nós cairmos, então morremos
por uma boa causa.
― Isso é tranqüilizante, isso é muito tranqüilizante ― disse Beta, mal-humorado.
* * *
Eles entraram na Yanara, não através da escotilha principal, mas penetraram nela
através de uma escotilha de emergência, que podia ser aberta do lado de fora por uma
manivela. Os irmãos gêmeos tinham presumido corretamente, que os springer, devido à
imbecilização, não sabiam mais manejar a maioria da aparelhagem da nave.
Deste modo, também a escotilha de emergência, há anos parecia não ter sido mais
utilizada. Não havia ninguém por perto, para guardá-la.
― Os springer parecem sentir-se seguros aqui ― achou Seta, enquanto saiam de um
corredor lateral para a galeria principal.
Aqui todas as esteiras rolantes estavam paradas, e somente a luz de emergência estava
acesa.
― Por que eles não deviam sentir-se seguros? ― retrucou Alfa. ― Dos tonares, pelo
menos, eles não têm nada a temer. O que é muito bom para nós.
Dos alto-falantes do intercomunicador saiu um crepitar, depois ecoou uma voz:
― Os dois yanarsares que acabam de chegar devem imediatamente apresentar-se na
central de comando. Os dois yanarsares devem vir imediatamente para a central de
comando!
Beta sorriu, divertido.
― Os springer acham que nós somos parte deles. Eles nem sequer notaram que nós
vestimos trajes de combate terranos.
― Eles vão reconhecer a diferença cedo o bastante ― disse Alfa. ― Vamos deixar o
patriarca estrebuchar um pouquinho, antes de seguirmos suas exigências. Primeiramente
vamos dar uma olhada na nave. Eu quero ver que tesouros eles escondem aqui.
Primeiramente eles revistaram os recintos de carga na parte traseira da nave. E
verificaram que todos os recintos de carga estavam recheados com fardos do mesmo tipo.
Alfa rasgou um dos fardos, e verificou que ele continha folhas secas de plantas. Ele
esfregou uma folha entre os dedos, e lambeu com a língua um pouco daquele pó cinzento,
no qual se transformara a folha. Ele repuxou a cara, com nojo.
― Estupefacientes! ― verificou ele. ― Drogas pesadas! Todos os recintos de carga
estão recheados com estas plantas das quais se extrai o pó de uma droga para viciados. Nós
podemos estar contentes que a onda de imbecilização acometeu a galáxia, antes da Yanara
ter partido. Caso contrário, agora talvez bilhões de pessoas já estariam viciadas.
Eles abandonaram os recintos de carga atrás de si, e chegaram aos conveses
superiores, onde se encontravam os alojamentos da tripulação. Ali verificou-se o primeiro
incidente.
De urna das cabines maiores veio um grito histérico. De repente a porta foi aberta
violentamente, e um springer, com uma enorme barba ruiva, saiu cambaleante. Ele
tropeçou, e depois ficou sentado no chão, atordoado. O seu olhar vítreo revelava que ele
estava embriagado, ou então tinha tomado droga.
Quando ele notou os dois homens nos trajes de pressão, ele sorriu, encabulado.
― Nenhuma palavra aos chefes de família, camaradas, está bem? ― disse ele com
voz insegura. ― Se vocês ficarem quietos, eu lhes darei o troco.
― O que aconteceu? ― quis saber Alfa.
― Eu queria me divertir um pouco com as garotas ― declarou o springer. ― Não há
nada de mal nisso, não é? Mas elas simplesmente não colaboraram. Mulheres idiotas!
Quando eu comecei a demonstrar-lhes o meu charme, elas simplesmente me jogaram pela
porta para fora. Os pioneiros, que certa vez investiram o seu dinheiro nestas garotas, eu já
sinto até pena deles.
― Nós não vimos nada ― disse Alfa, curto. ― E agora suma daqui.
― Obrigado, camaradas. ― O springer drogado só conseguiu pôr-se de pé a muito
custo, e depois saiu cambaleando.
Alfa entrementes abrira a escotilha da cabine. Ele viu cerca de trinta moças, vestidas
com as roupas antiquadas deste mundo. Quando o viram, elas deram um grito estridente, e
recuaram para o fundo da cabine.
Alfa fechou a cabine rapidamente, para não assustar as moças inutilmente. Depois ele
revistou as cabines grandes anexas. Por toda parte era a mesma visão. Em cada cabine
tinham sido alojadas quase três dúzias de moças.
― Mercadores de escravas! ― disse Alfa, com uma mistura de raiva e nojo.
o
Ainda acontecia até mesmo no 35 século, que astronautas criminosos seqüestravam
gente de planetas subdesenvolvidos, para vendê-la nos mundos dos pioneiros. Escravos
freqüentemente ainda eram mais baratos que robôs.
Esta espécie de tráfico de gente era o mais nojento. Os springer faziam com que os
tonarenses lhes entregassem moças jovens e bonitas, como sacrifícios, e evidentemente
tencionavam vendê-las a mundos pioneiros, nos quais reinava escassez de mulheres.
― Fizemos coisa certa em não ter-nos deixado buscar logo para a Good Hope ― disse
Beta, com raiva. ― Agora vamos dar um jeito nesse patriarca dos springer.
Alfa abriu quase que por rotina mais uma última cabine.
Ele ficou surpreso de não encontrar uma moça jovem aqui, e sim um homem, ainda
jovem, com uma prótese num dos braços, e que parecia ser originário de Trantus-Tona.
Quando ele viu os dois homens com os trajes de pressão, ele se atirou sobre eles, com um
grito irado.
Mas ele gritou numa mistura de arcônida e intercosmo: ― Me devolvam Nyryla!
Os irmãos gêmeos tiveram dificuldade em segurar o homem. Quando finalmente
conseguiram colocá-la no chão, ajoelhando-se sobre o seu corpo, Alfa disse-lhe,
― Não tenha medo, não vamos fazer-lhe nada. Nós viemos para punir os falsos
deuses pelos seus crimes infames. Quer juntar-se a nós?
Cleran entendeu imediatamente. Ele olhou os irmãos gêmeos por algum tempo, com
um olhar penetrante, depois pareceu chegar à decisão de que podia confiar neles.
Ele relaxou e fixou escutando espantado o que Alfa lhe disse em poucas mas floridas
palavras, sobre o mundo nas estrelas, e os chamados deuses estelares. Cleran deu-se conta
de que também eram apenas seres humanos, alguns bons, outros ruins, que apenas se
encontravam num grau mais elevado do desenvolvimento.
Cleran lembrou-se com um leve sorriso do seu amigo morto, Aklirio, que sempre
dissera: "Para tudo existe uma explicação". E Cleran recebera uma explicação destas
justamente para a existência dos deuses estelares.
― Logo o sol vai se pôr, e então começará o crepúsculo dos ídolos ― disse Alfa. ―
Vamos pôr-nos a caminho da central de comando, para evitarmos um derramamento de
sangue.
― Último chamado aos dois yanarsares: Venham imediatamente à central de
comando!
Raga Yanar quis virar-se do intercomunicador, quando, como se viesse de longa
distância, uma confusão de vozes chegou ao seu ouvido. Ele foi até a tela de vídeo semi-
redonda e olhou para fora.
E estremeceu.
― O populacho está tomando a nave de assalto! ― anunciou ele, perplexo.
― Que bobagem está dizendo? ― fez-se ouvir Losho Yanar, dos fundos.
― Cheguem até aqui e vejam com seus próprios olhos ― gritou Raga Yanar, agitado.
― O populacho derrubou os portais do jardim do palácio e atravessa o parque na direção
da nave.
Losho e Shavi Yanar correram até ele. Através da viseira panorâmica eles tinha uma
boa visão do parque. Eles viram que da direção do portal principal uma multidão de gente a
perder de vista se aproximava da nave. Deviam ser milhares. Na frente de todos vinham a
cavalo, cerca de cem cavaleiros, armados com espadas e lanças e vestindo pesadas
armaduras. Não havia mais nenhuma dúvida que seu objetivo era a nave.
― Há muito tempo nós deveríamos ter terminado com isso ― choramingou Raga
Yanar, o mais medroso dos três irmãos. ― Eu sempre preveni para que vocês não
roubassem demais os tonarenses, mas vocês nunca tinham ganho o suficiente. Agora todo o
seu ódio vai se descarregar contra nós.
Shavi Yanar riu, zombeteiro.
― Deixe-os vir ― disse ele, sem se deixar impressionar. Nós vamos dar-lhes uma
lição em regra, de modo que eles voltarão a se esconder nas suas cabanas, e onde tremerão
até o fim da vida, com medo dos deuses das estrelas. Eu vou mandar ocupar todas as
posições de canhões, e mandar o restante da tripulação contra o populacho, vestindo seus
trajes de combate completos.
Raga Yanar ficou pálido.
― Você não pode simplesmente matar essa gente a tiros. Vamos refletir sobre
a situação, talvez encontremos uma outra solução.
― Não há nada para refletir ― interveio Losho Yanar. ― Se nós não respondermos
duramente, estes selvagens ficarão cada vez mais ousados. Nós precisamos dar-lhes um
exemplo aqui e agora.
― Eu vou mandar fazer tudo que for necessário ― disse Losho Yanar, e dirigiu-se
para o intercomunicador.
― Isso o senhor não vai fazer! ― ecoou da entrada uma voz forte.
Losho Yanar ficou parado como enraizado, quando viu os dois homens nos trajes de
combate terranos, cada um mantendo uma arma combinada de raios nas mãos. Atrás deles
surgiu o nativo que eles haviam trancado na cabine.
― Quem é o senhor? ― perguntou Raga Yanar, com voz insegura.
― Nós agimos a mando de Perry Rhodan, caso este nome ainda lhes lembre alguma
coisa ― disse Blazon Alfa.
― Neste caso deve ter pousado com uma astronave! ― disse Raga Yanar. Ele
esquecera completamente o perigo ameaçador que se aproximava pelo parque. ― Se os
senhores realmente chegaram com uma espaçonave, isso poderia ser a salvação para todos
nós.
Losho Yanar ficou sem se impressionar, ele pensava praticamente.
― Guardem suas armas ― exigiu ele dos irmãos Blazon ― e antes de mais nada
deixem-nos limpar esta situação. E então nós ainda podemos negociar.
― Não há nada para negociar ― declarou Alfa. ― Não se mexam do lugar. No menor
movimento suspeito, nós faremos uso de nossas armas. Nós sabemos tudo sobre seus atos
criminosos, e não hesitaremos em agir correspondentemente. Portanto, não nos
subestimem.
― Do que está falando? ― gritou Shavi Yanar, agitado, colocando-se do lado de
Losho. ― Se nós não empreendermos nada, o populacho vai nos estraçalhar. E os senhores
sofrerão a mesma coisa. Nós estamos no mesmo barco. Portanto sejam sensatos e deixem
que chamemos os homens às armas.
― Errado ― disse Alfa. ― Nós não temos nada a temer. Pois fomos nós que
chamamos os tonarenses às barricadas.
Losho Yanar tremia no corpo todo. Ele só se controlava com muito esforço.
― Os senhores realmente querem entregar-nos a essa matilha sanguinária? ―
perguntou ele, desesperado.
― Não ― respondeu Alia, sem tirar os olhos um segundo do springer furioso. ― Nós
não temos interesse em que os senhores sejam linchados. Nós queremos apenas terminar
com este culto de ídolos e devolver a liberdade aos tonarenses. Os senhores ainda ganham
uma chance, apesar de, na verdade, não merecê-la. Nós lhes damos a possibilidade de fugir
através do transmissor, e se esconderem em algum lugar neste mundo.
― Obrigado, eu desisto de uma vida entre selvagens ― disse Losho Yanar, por entre
os dentes, e levou a mão à arma. No mesmo instante ele se deixou cair ao chão.
Alfa e Beta atiraram ao mesmo tempo. Eles tinham mirado suas pernas, mas como ele
se deixou cair, os raios desintegradores atingiram o seu corpo em cheio. Segundos mais
tarde, o springer literalmente se dissolvera no nada.
Shavi Yanar e seu irmão Raga ficaram parados, como que petrificados.
― Sinto muito que tenhamos chegado a isso ― disse Alfa, com lástima sincera. ― Os
dois ainda têm a possibilidade de se pôr em segurança, através do transmissor. Não reflitam
por muito tempo, pois os tonarenses podem penetrar na nave a qualquer momento, e então
eu não posso garantir por nada.
― Não seria possível que o senhor nos levasse consigo para a sua nave? ― perguntou
Raga, quase suplicante. ― Eu suportaria tudo melhor que uma vida em fuga constante dos
selvagens.
― Na galáxia ainda reina o caos, nós temos coisas mais importantes para fazer, do
que nos ocuparmos ainda com criminosos ― declarou Alfa. Num tom um pouco mais
conciliador, ele acrescentou: ― Além disso, é praticamente inexeqüível que os levemos
conosco. O que ainda estão esperando? Corram por suas vidas.
Raga Yanar foi o primeiro que se pôs em movimento, hesitante, depois correu cada
vez mais depressa e desapareceu da central de comando.
Alfa foi até o intercomunicador, ligou-o, e disse ao microfone:
― Mensagem para todos! Para todos! Procurem imediatamente o pavilhão do
transmissor, e coloquem-se em segurança. Fujam através do transmissor, antes que os
tonarenses possam agarrá-los. Fujam!
Cleran veio até ele, e ficou de pé à sua frente.
― Por que o senhor impediu que os ídolos e seus yanarsares recebessem o merecido
castigo? ― perguntou ele.
― A morte deles não teria deixado nada melhor ― respondeu Alfa. ― E acredite-me,
Cleran, os yanarsares são suficientemente castigados por terem que continuar vivendo entre
vocês, como proscritos. Talvez isso até possa regenerar um ou outro deles.
Cleran sacudiu a cabeça, sem entender, e disse:
― Eu ainda preciso aprender muito, para aprender a maneira de agir dos deuses das
estrelas.
― O senhor é inteligente, Cleran, pelo senhor eu não me preocupo.
Beta recebeu um hiper-rádio na freqüência da Frota do Império Solar. Ele virou-se
para seu irmão, que também não tinha deixado de perceber o sinal de goniometria.
― Vamos receber o comunicado? ― perguntou ele.
Alfa fez que sim.
― Já está chegando a hora de abandonarmos este planeta para fazemos um relatório
pormenorizado a Perry Rhodan.
Beta fez a ligação de hiper-rádio.
― Por que não reagiram a nenhum dos meus chamados? ― foram as primeiras
palavras de Perry Rhodan.
― Nós podemos justificar nosso comportamento ― respondeu Seta. ― Nas
circunstâncias dadas, nós achamos conveniente regularmos algumas coisas em Trantus-
Tona, antes de mandar-nos buscar para a Good Hope. Agora estamos prontos.
― Eu quero crer que, para a sua arbitrariedade, tenham um bom motivo ― disse
Rhodan, irritado. Ele encerrou o assunto. Basta disso. Eu agora vou mandar-lhes Ras
Tschubai para que ele os traga para a Good Hope. Fiquem em constante contato de rádio
com ele, para que possa goniometrá-los e teleportar para onde estão.
― Sim, senhor, sir!
― E não têm mais nada para me comunicar?
Beta hesitou:
― Não, sir.
― Ora, então não sabem o que se passa ao seu redor? ― perguntou Rhodan
espantado. ― Não observaram os blocos-favo?
― Infelizmente não, sir ― confessou Beta. ― Nós... estávamos muito ocupados, em
outro lugar.
― Neste caso não sabem que os blocos-favo em toda a parte em Trantus-Tona voam
de volta para as plataformas de transporte, onde se formam em astronaves faviformes?
― O quê? ― gritou Beta, perplexo. ― Mas isso quer dizer que a frota de divisão está
abandonando Trantus-Tona!
― É isso mesmo que isto significa ― confirmou Rhodan.
Dez minutos mais tarde, quando Ras Tschubai materializou na central de comando na
nave dos springer, e teleportou de volta com os dois físicos-sextadim para a Good Hope II,
a primeira astronave faviforme partia no cosmo.
A despedida de Cleran foi curta, mas fora cordial. Cleran, que tentava encontrar uma
explicação para tudo, ainda ficou ruminando muito tempo o fato de como era possível que
três pessoas se desfaziam no Nada, para rematerializarem em outro lugar ― sem que eles
tivessem passado por um transmissor.
Y'Xanthymona, que chora.
Ele dividia a dor com a decepção "daqueles que estão numa expectativa dolorosa mas
alegre da divisão" , mas que, por um infeliz destino, não puderam parir.
A catástrofe tinha sido provocada por uma mancheia de doentes. “Aqueles, que numa
expectativa doentia esperam pela divisão", tinham contagiado os saudáveis. Agora morava
em cada segundo favo-chocadeira o germe dessa doença, que levava à inchação das células
do corpo, e bloqueava o processo de nascimento.
Y'Xanthymona, que transpira ― depois disso tinha chamado para si todos os seus
servidores, que estavam na expectativa da divisão ― os doentes como os saudáveis.
E ele, o pequeno purpurino, com o rabo-de-cavalo branco, tinha que trazer, junto com
os outros, os amarelo-ocres, de volta para dentro das naves. Isso não foi fácil, pois "aqueles
que estão na expectativa dolorosa mas alegre da divisão" não queriam regressar, chegados
tão perto do seu destino.
Eles queriam permanecer nos sítios ac1ars.
Os purpurinos tinham que fazer uso de toda a sua capacidade, para enxotar de volta
para dentro dos favos-chocadeiras os amarelo-ocres doentes como os saudáveis. Somente
depois do grito: ― "De volta, de volta para os sítios aclars, do mais jovem", que foi
transmitido através da frota de divisão, os amarelo-ocres entraram voluntariamente de volta
para dentro dos seus favos-chocadeiras, agora inúteis.
Os pequenos purpurinos puderam respirar aliviados, pois sua tarefa fora facilitada.
Mas eles também estavam tristes, pois eles sabiam que os amarelo-ocres tinham sido
enganados. Eles não seriam levados para os "sítios aclars do mais jovem" pois eles não
podiam parir. Eles estavam perdidos. Eles eram enganados, para obrigá-los a voltarem.
A primeira astronave faviforme já se tinha reunido outra vez, e ergueu-se para o
espaço numa coluna de fogo. O pequeno purpurino com o rabo-de-cavalo branco,
entretanto, ainda tinha o que fazer, tentando fazer com que alguns amarelo-ocres adoecidos
voltassem para dentro do bloco-favo.
Ele borrifou-os com o remédio que paralisava sua força de resistência. Porém mesmo
assim eles seguiam as instruções apenas de modo hesitante.
De repente surgiram novas dificuldades.
Y'Xanthymona, que mata.
Do infinito baixou um disco chato, circular, e pousou não muito longe do bloco de
favas. Dele desembarcaram "aqueles que assam a carne". Eles estavam disfarçados e
armados.
Os pequenos purpurinos não se teriam incomodado com eles. Mas logo mostrou-se
que os estranhos tinham intenções inimigas. Eles se aproximaram de um amarelo-ocre,
abateram-no com um raio paralisante, e o levaram, numa plataforma pairante, para o seu
disco voador. Em seguida eles tomaram providências para fazer a mesma coisa com outros
amarelo-ocres.
O purpurino de rabo-de-cavalo branco também notou que eles não se interessavam
pelos saudáveis, mas apenas pelos doentes.
― Y'Xanthymona! ― Com este grito o pequeno purpurino exigiu dos companheiros
de sua espécie que se jogassem contra os estranhos. Precisava ser impedido que eles
saíssem voando dali com apenas um "daqueles que estavam em expectativa doentia da
divisão".
Os estranhos tinham que ser mortos, para que não pudessem causar danos.
Os amarelo-ocres tinham reconhecido o perigo. Eles agora tentavam chegar aos
blocos-favo o mais depressa possível. Chegaram a provocar confusão nas rampas ― e os
raios paralisadores dos estranhos acertavam a multidão, acertando amarelo-ocres, cujos
corpos estavam doentiamente deformados.
Y'Xanthymona, que não morre.
Mas os seus servidores eram mortais.
Diante dos pequenos purpurinos explodiu um relâmpago, que os ofuscou ― e matou
ao mesmo tempo.
* * *
* * *
Pela primeira vez os terranos conseguiram forçar uma frota de divisão dos
conquistadores amarelos para uma revirada, assim evitando a morte dos habitantes de um
planeta.
Porém nosso enfoque vai mudar ― de volta para a Terra. Ali acontecem coisas
surpreendentes a bordo da Marco Polo...
Este será o assunto do próximo número da série, cujo título é "A Bordo da Marco
Polo".
* *