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Autoria
ERNST VLCEK
Tradução de
AYRES CARLOS DE SOUZA

Digitalização e Revisão
ANTÔNIO CARLOS
Na Terra e nos outros mundos da Humanidade os calendários registram meados de
maio do ano 3442. Para Perry Rhodan e os terranos não atingidos pela imbecilização de
âmbito galaxial, ou os menos atingidos ― o seu grupo é muito diminuto, quando
comparado aos muitos bilhões de atingidos ― se oferece uma quantidade de tarefas
importantes, as quais dificilmente podem ser levadas a cabo, devido a uma aguda falta de
forças qualificadas.
Eles procuram por meios e caminhos para deter o “Enxame” na sua destruidora
penetração na Galáxia. Eles procuram diminuir a miséria na Terra e outros mundos
habitados. Eles se preocupam com o “Império Secreto”, cuja existência parece
representar uma ameaça suplementar. E eles procuram mobilizar todas as forças
inteligentes da galáxia, ainda não recrutadas.
Nestas difíceis missões, a despeito de todas as resistências, entrementes já se
conseguiram conquistas parciais consideráveis. E agora parece esboçar-se mais êxito na
confrontação com o “Enxame”.
As operações da nave espacial Gevari, que desde algum tempo se encontra dentro do
“Enxame”, começam a dar frutos. Isso fica demonstrado no momento em que uma frota de
divisão abandona o “Enxame”, tomando o rumo do Sistema Heleva-EX.
Os conquistadores amarelos são perturbados nos seus planos – e tem início o
Crepúsculo dos Ídolos...
Personagens Principais:

Perry Rhodan — Administrador-Geral luta pela existência


de um mundo.
Atlan — O lorde-Almirante faz prisioneiros
Blazon Alfa Blazon Beta — Os irmãos gêmeos, muito desiguais, são
vistos como “deuses das estrelas.
Gahork — Um conquistador amarelo de Kokon.
Cleran Raklanka — Um cavaleiro sem medo e sem defeito.
Shavi Yanar, Raga Yanar e Losho Yanar — Três ídolos devem
ser derrubados.
Y'Xanthymona, que ri.
Ele preparara os sítios aclars para "aqueles que estão na expectativa dolorosa, mas
alegre, da divisão".
O tempo da alegria e do servir tinha começado.
O pequeno purpurino atravessou rapidamente, com passadas pequenas, os corredores
estreitos da gigantesca nave faviforme, que era formada por dois milhões de tubos
sextavados.
Ele era menor que os outros de sua espécie, não tinha bem 1,5 metro de altura. A pele
por cima das ossudas placas córneas do seu corpo tinha inúmeras dobras, as unhas, antes
duras como aço das suas mãos de sete dedos, agora estavam quebradiças, devido à idade.
Mas isso não queria dizer nada, na realidade. Determinante para sua posição era a cor dos
seus cabelos, que cresciam num único lugar absolutamente redondo do seu crânio calvo no
restante, e que lhe caía na nuca numa espécie de rabo-de-cavalo. A cor do cabelo era
branca ― e isso marcava o purpurino como sábio chefe.
Ele era o único nesta nave que possuía essa beleza de cabelos brancos. Outros
purpurinos que cruzavam o seu caminho desviavam·se dele, respeitosamente. Não era
necessário que ele lhes desse ordens. Eles conheciam sua tarefa.
Servir, isso lhes era inato.
Y'Xanthymona, que chora.
Ele tinha reunido 1.500 naves faviformes, para trazer para os sítios aclars "aqueles que
estão na expectativa dolorosa, mas alegre, da divisão”...
A música enfraquecia os instintos dos pequenos purpurinos e os tornava ao mesmo
tempo elegíacos e melancólicos, despertando estranhos sentimentos.
Também os gritos estridentes, penetrantes, que ecoavam através dos corredores do
gigantesco complexo faviforme, eram uma espécie de música. Os gritos, os gemidos e as
queixas dos amarelo-ocres em processo de divisão, eram um cânon não-harmônico, que se
aninhava nos cérebros dos pequenos purpurinos, despertando certos reflexos.
Reflexos para servir.
Sempre que aqueles gritos queixosos ecoavam, os pequenos purpurinos estacavam,
penetravam nos tubos-favas, para levar um pouco de alívio aos amarelo-ocres em processo
de divisão. Era uma ação instintiva, como tudo era determinado pelo instinto na vida dos
mudos purpurinos.
O purpurino de cabelos brancos não atravessava a nave faviforme de acordo com um
esquema determinado. Do mesmo modo que seus companheiros de espécie ele somente
interrompia sua marcha de passinhos curtos, quando de dentro de um tubo ecoavam gritos
estridentes. E quando ele novamente continuava o seu caminho, ele o fazia na direção de
onde vinha a choramingação de um amarelo-ocre.
Os gritos revelavam-lhe em que fava-chocadeira a sua ajuda era necessária. Ele então
procurava a célula em questão e borrifava o amarelo-ocre inchado com um líquido
nutriente, narcóticos e outros meios que deviam travar o processo da metamorfose de
nascimento.
Estas medidas eram absolutamente necessárias, pois o processo de divisão somente
devia entrar no seu estágio decisivo quando os sítios aclars tivessem sido alcançados.
Y'Xanthymona, que sua.
Ele tinha dado o sinal para a partida da frota de divisão. As 1.500 astronaves
faviformes com os três bilhões de amarelo-ocres prontos para a divisão abandonaram a
base planetária e subiram ao espaço cósmico, acompanhadas por 5.000 naves de vigilância.
As medidas profiláticas foram iniciadas, as primeiras medidas para o processo de
divisão, que se daria mais tarde, foram tomadas. A temperatura dentro das astronaves
faviformes aumentou, a gravidade baixou lentamente.
Os pequenos purpurinos, que naturalmente possuíam uma constituição física
inacreditavelmente resistente, mas que estavam acostumados a uma temperatura abaixo de
20 graus, começaram a suar. Mesmo assim, eles não interromperam o seu irrequieto tra-
balho.
O purpurino com o rabo-de-cavalo branco não registrou conscientemente que o suor
lhe brotava da pele, em grossos pingos, correndo da sua testa, e por cima dos seus olhos
pelas faces. Ele suportou a carga com devoção, e de uma maneira sacrificante continuou
dando ajuda àqueles que gritavam de dor, devido à divisão em andamento dentro dos
tubos-favos.
Ele o faria durante todo o tempo, até que os sítios aclars estivessem preparados.
Y'Xanthymona, que mata.
Ele ainda nunca matara, somente por matar, mas apenas para a proteção de suas
criaturas.
O purpurino com o rabo-de-cavalo branco chegou perto de uma célula-favo, da qual
não saíam queixumes. Mesmo assim ele parou. O seu infalível instinto dizia-lhe que
alguma coisa não estava certa aqui. Sem pensar mais na sua desconfiança instintiva, ele
penetrou no favo-chocadeira.
Primeiramente ele registrou que a temperatura e a gravidade tinham subido na mesma
medida que em toda parte. Isso o aquietou, em princípio. Mas ele ainda não estava
totalmente satisfeito.
Ele atravessou a antecâmara, na qual estavam as máquinas do próprio favo e outros
aparelhos, e dirigiu-se à câmara-chocadeira propriamente dita.
Insurreição!
Todos os seus sentidos passavam adiante para o seu cérebro os mesmos dados
alarmantes: diante dele estava "um daqueles que estava à espera doentia da divisão". O
amarelo-ocre não estava deformado, mas ainda mantinha a sua figura originária. O formato
de pêra do seu corpo ainda era característico, apesar de poder verse uma furiosa pulsação.
Os multiórgãos e os membros ainda estavam inalterados.
Tudo isso era preocupante, mas ainda não era uma prova de que realmente se tratava
de um doente. Esta prova o purpurino de cabelos brancos recebeu quando o amarelo-ocre
se movimentou na sua direção. Durante a sua movimentação ele não deixou para trás
qualquer pista hipnossugestiva.
Este era o sintoma típico de seu adoecimento!
O pequeno purpurino girou sobre o seu eixo e quis voltar à ante-sala, para dar o alerta
geral.
Foi quando repentinamente se viu diante de dois estranhos monstruosos. Eram
"aqueles que assam a carne"! Para os pequenos purpurinos, que praticamente se
alimentavam apenas de coisas não-cozidas, esta designação era uma ofensa mortal. Mas
ligada aos estranhos, esta expressão ganhava um significado todo especial.
"Aqueles que assam a carne”, neste caso, eram inimigos!
O purpurino, num súbito acesso de ódio, atirou-se sobre um dos estranhos e meteu as
garras no grosso traje de proteção do mesmo. Suas unhas quebraram e no instante seguinte
ele foi atingido por um raio que paralisou o seu sistema nervoso.
Antes de perder a consciência, ele ainda pensou:
Vingança - Y'Xanthymona, você que ri, chora, sua e mata ao mesmo tempo!
― O que deve acontecer agora com o baixinho? ― perguntou Blazon Alfa, chateado,
e meteu o paralisador novamente no cinturão do seu pesado traje de proteção.
― Vamos simplesmente cortar-lhe o rabo-de-cavalo ― e o mandamos de volta assim
para os companheiros de sua espécie ― sugeriu o seu irmão gêmeo Blazon Beta, rindo. ―
Seria interessante ver como os outros purpurinos iriam reagir a isso.
Blazon Alfa, com 1,79 metros de altura, troncudo, o cabelo negro cortado à escovinha,
era reservado por natureza. Ele apenas ficava fora de si quando podia seguir o seu impulso
quase infantil para o jogo. Jogos de qualquer espécie o fascinavam.
Quando ele agora olhou para o seu irmão gêmeo dessemelhante, apareceu um brilho
estranho nos seus olhos.
― Ótimo ― disse ele. ― Mas se nós tiramos o rabo-de-cavalo do baixinho, você vai
ter que separar-se de sua longa trança ruiva. E então vocês simplesmente trocam seus
lindos cabelos. Uma vez que você tem mais ou menos a altura do purpurino, seria fácil,
com um pouco de maquiagem, mascarar você, para que pudesse assumir o seu papel. Isso
seria uma coisa, Beta! Para esse joguinho, eu me esquentaria imediatamente.
Blazon Beta notou no modo de falar cada vez mais rápido do seu irmão, que ele
realmente achava boa a idéia. Instintivamente ele quis levar a mão para a sua trança ruiva,
de 150 centímetros de comprimento. Sua mão, entretanto, bateu contra o capacete do seu
traje protetor.
― Você ficou maluco ― disse Beta, com raiva. ― Essa tua mania de jogar,
lentamente está tomando formas assustadoras. Para satisfazê-la você até colocaria a minha
vida em jogo. Isso é demais, Alfa, decididamente demais! Seria melhor se pensássemos
seriamente o que deve acontecer com o purpurino. Se o seu sumiço der na vista, isso
poderia ter péssimas conseqüências para nós.
― Não se esqueça que foi você, que se quis permitir a graça de raspar a careca do
purpurino ― disse Alfa ao seu irmão. Ele suspirou, resignado. ― Chega disso. Por
enquanto não vamos quebrar nossas cabeças quanto ao destino do baixinho. O raio do meu
paralisador o acertou em cheio, e ele estará fora de combate por pelo menos doze
horas. Nisso, nada se pode fazer.
― E se descobrirem o seu desaparecimento? ― Beta deu a pensar.
― Não acredito!
― De onde você tira essa certeza?
Blazon Alfa suspirou novamente. Em sua opinião, nestes últimos minutos, ele já falara
até demais. Por isso ele foi curto:
― Os purpurinos agem por instinto, isso nós sabemos. Eles fazem suas tarefas, mas
não se importam com os outros. Eles não fazem parte da categoria de "seres gregários". Por
isso o rabo-de-cavalo branco não fará falta para ninguém. ― Com isso o assunto terminara
para Alfa. Ele o mudou. Com um olhar para o termômetro externo ele verificou: ― Está
bastante quente.
Blazon Beta anuiu, concordando. A sua boca de lábios estreitos estava apertada, o
comprido nariz parecia sair do seu rosto cheio de pregas, como um monolito.
― Apesar da temperatura em elevação e da gravidade demasiada, eu sou de opinião
que nós fechamos os nossos trajes de pressão cedo demais ― disse ele, venenoso. ― Nós
ainda deveríamos ter agüentado. O que vai acontecer se esse vôo demorar mais do que
durarem nossas reservas energéticas? Então seremos fritados pelo calor e amassados pela
gravidade.
― Você exagera. ― Alfa olhou para a tela de vídeo semi-esférica, que brilhava na
parede fronteira. Na mesma podia ver-se que as cerca de 1.500 astronaves faviformes
gigantes e as 500 naves de escolta tinham abandonado o planeta, subindo ao espaço
cósmico.
Naturalmente não era o espaço cósmico que Blazon Alfa conhecia. Eles se
encontravam dentro do "Enxame". Aqui o cosmo não era um infinito aveludado e negro
com miríades de pontinhos luminosos dentro dele, aqui o espaço vazio entre as estrelas era
recheado de uma luminosidade fraca. A fonte desta fraca luminosidade, desta luz difusa,
que não se sobressaía à luz dos sóis, mas que diminuía a sua força luminosa, era o escudo
flexível que circundava e envolvia este misterioso Universo.
Não podia levar mais muito tempo, até que a frota da divisão, com suas naves de
escolta, alcançasse esse escudo flexível, o penetrasse, e saísse voando para o espaço livre
da Via Láctea.
Blazon Alfa e seu irmão tinham esperanças de que poderiam entrar em contato com a
Good Hope, para fazer um relatório da vida dentro do "Enxame" para Perry Rhodan.
Somente por isso eles tinham aceito a ousadia de se infiltrar a bordo de uma das astronaves
faviformes.
a
Eles queriam levar para Perry Rhodan o primeiro relatório de êxito da 5 Coluna, que
a
agia dentro do "Enxame". O balanço da 5 Coluna não era nada mau de se ouvir.
Os oito agentes especiais dos terranos tinham dominado o demônio negro, capturando
a sua estação, que corria em volta do planeta Kokon sobre trilhos energéticos. Kokon era
um mundo proibido dentro do "Enxame". Ele era evitado por todos os povos, pois nele
viviam aqueles amarelo-ocres, que tinham sido atingidos por uma doença altamente
infecciosa, tendo se deformado numa megamutação de natureza explosiva, reunindo-se
num plasma celular pululante, que envolvia todo o planeta. A 5 a Coluna tinha conseguido
ganhar a confiança do plasma, e ainda estabelecer contato com outros amarelo-ocres, que
viviam em Kokon. Tratava-se dos chamados "doentes-imunes" que carregavam dentro de si
o germe da doença altamente infecciosa, também podendo contagiar outros seres de sua
espécie, mas que não eram acometidos pela proliferação celular desenfreada. Eles
continuavam possuindo sua figura original e ― o que se mostrou vantajoso para os planos
da 5a Coluna ― ainda possuíam o instinto de se dividirem e de se multiplicarem.
Quando então, de um conhecido planeta de cristal, tinha sido transmitido um chamado
geral hipnossugestivo a todos os amarelo-ocres prontos para parir, para que se reunissem
em determinado ponto de recolhimento, para serem levados para os sítios aclars, Alaska
Saedelaere tinha agido rápido como um raio. Ele levou 800 dos doentes-imunes para o
local de reunião, com a Gevari, onde estes foram recebidos nas astronaves faviformes.
Ninguém na frota de divisão notou que se tratava de doentes, que carregavam dentro
de si o germe da explosão dos tumores celulares. Na confusão geral que reinava no local de
reunião para os amarelo-acres prontos para a divisão, não chamou nem atenção que Blazon
Alfa e Blazon Beta se meteram junto com um doente-imune dentro de um dos tubos-favos.
A meta dessa ação era clara: Alaska Saedelaere tinha esperanças de que os doentes-
imunes contagiassem os outros amarelo-ocres, o que no mínimo causaria uma confusão
terrível dentro da frota de divisão. Além disso, ainda resultava para os terranos uma série
de outras perspectivas gratificantes.
Vista deste modo, a 5a Coluna, na sua segunda missão, redundaria num completo
êxito. Blazon Alfa apenas esperava que Alaska Saedelaere conseguisse voltar para Kokon
com a Gevari e a sua gente.
Quanto à sua sorte e a de seu irmão, ele não se preocupava. Eles tinham, em Gahork,
este era o nome do doente-imune, com quem eles dividiam este favo-chocadeira, um
poderoso aliado. E logo depois que a frota de divisão tivesse abandonado o "Enxame", não
seria muito difícil entrar em ligação com a Good Hope II. Blazon Alfa tinha certeza de que
a saída do grande número de astronaves de dentro do "Enxame" não passaria desapercebido
de Perry Rhodan.
― A partida da frota de divisão ocorreu faz mais de meia hora ― disse Blazon Beta.
― Agora, na realidade, logo deveria...
Mas não conseguiu terminar a frase.
O tubo-favo, toda a nave faviforme, foi abalada até a sua estrutura interna, quando
forças monumentais se soltaram. Todas as naves desmaterializaram ao mesmo tempo,
foram transformadas numa espiral energética, que possuía caráter de quinta-dimensão, e
que nesta forma penetrou no hiperespaço. No final deste hipersalto, exatamente
previamente calculado, foram catapultados de volta para o Universo einsteiniano, como
corpo estranho, onde as naves novamente rematerializaram na sua construção original.
A primeira transição se fizera. Blazon Alfa e seu irmão tinham perdido a consciência,
durante o doloroso processo de desmaterialização e rematerialização.
No seu corpo havia uma dor lancinante.
Ele abriu os olhos e ergueu-se, atordoado. Primeiramente ele viu, através da viseira do
seu capacete, apenas uma neblina cinzenta, na qual lentamente se misturaram cores,
púrpura e amarelo.
O pequeno purpurino!
Gahork, o amarelo-ocre!
Contornos se formaram. Os dois corpos ficaram reconhecíveis ― o purpurino, que
ainda estava deitado imóvel, e Gahork, que abrira a escotilha e que saíra de sua câmara de
choco.
― Logo teremos alcançado os sítios aclars ― Blazon Alfa ouviu a voz de autômato
do seu tradutor dizendo, vertendo as palavras de Gahork.
Alfa olhou automaticamente para a tela de vídeo. Realmente, não devia demorar mais
muito tempo. A primeira transição os trouxera para bem perto do escudo flexível. Ele
brilhava ― só poucas centenas de milhares de quilômetros afastado deles ― como uma
gigantesca parede de cristal, que se estendia para todos os lados, sem fim. As astronaves da
frota de divisão destacavam-se diante do mesmo, como pontos escuros.
"Como mariposas que voam ao encontro da luz", pensou Blazon Alfa. Não poderia
demorar mais muito tempo até que o escudo de cristal se abrisse, deixando os
conquistadores amarelos sair para a Via Láctea.
O pensamento nos três milhões necessitados de divisão e a ameaça ligada com isso
para um mundo ainda desconhecido trouxe-o definitivamente de volta para a realidade.
― Mais uma vez ficou demonstrado que eu tenho uma constituição melhor que você
― ouviu Alfa o seu irmão dizer do seu lado. ― Eu estive de pé, sete segundos antes de
você.
― Parabéns ― disse Alfa, rudemente. Ele virou-se para Gahork. ― O senhor parece
ter sobrevivido bem ao choque da transição. Ou talvez não? Precisa de nossa ajuda?
A membrana no multiórgão da cabeça formada como a parte superior de uma garrafa
se mexeu, e o tradutor mecânico verteu:
― Eu não preciso de ajuda, somente de paz. Eu queria comunicar-lhes que, de agora
em diante, gostaria de não ser molestado. Está na hora de que agora eu me dedique ao
acontecimento iminente, e que penetre total e completamente dentro de mim.
Alfa não deixou de ver que o corpo em formato de pêra de Gahork era atacado de
tremores, em intervalos regulares. Em diversos lugares saíam bolhas, que caíam novamente
para dentro, deixando rugas no corpo normalmente liso. Alfa podia entender que Gahork
não queria mais se opor à pressão interior da divisão celular que começava. Ele tinha
esperado por este momento por 1800 anos, e devia ser-lhe uma tortura ainda manter de pé o
efeito citostático.
Por outro lado Gahork era um ajudante precioso demais, para que Alfa pudesse
desistir dele. Só o dom telepático de Gahork, que lhe permitia entrar em contato com os
outros doentes-imunes, no interior da frota de divisão, era impagável. Gahork era uma
fonte de informações, da qual Alfa não podia prescindir.
Ele anuiu, compreensivo.
― Eu sei, Gahork, o calor e o aumento da gravidade tornam-lhe as coisas difíceis. A
temperatura elevada e a pressão não permitem que se adie mais o processo de divisão
celular.
― Eu poderia me obrigar, apesar das condições ideais, a adiar o acontecimento ―
retrucou Gahork. ― Mas por que deveria fazê-la?
― Porque nós ainda precisamos de você, Gahork.
― Este não é um motivo suficiente.
Agora interveio Blazon Beta.
― O senhor ainda nos deve alguns favores recíprocos, Gahork. Ou esqueceu-se de
que o senhor e os outros infectados apenas têm que agradecer a nós o fato de se
encontrarem nesta nave faviforme?
― Os senhores não agiram interesseiramente ― retrucou Gahork.
― Isso está certo somente até determinado ponto ― disse Alfa, rápido, antes que seu
irmão se pudesse deixar levar a um outro comentário irrefletido. ― E nós não pedimos que
o senhor se sacrifique por nós. Mas se o senhor agora se tranca totalmente, fugindo do
mundo ao seu redor, como poderá jamais ficar sabendo se pode vingar-se daqueles que
desterraram o senhor e seus semelhantes para Kokon?
Isso pareceu fazer efeito. Alfa acertara o calcanhar-de-aquiles de Gahork. Até agora
tinha sido proibido aos proscritos de Kokon de se dividirem, porque existia o acertado
temor de que eles infeccionariam outros seres saudáveis. Esta tutela e opressão tinham
criado inveja contra os seus companheiros de espécie com direito à divisão nos doentes-
imunes, bem como ódio contra os desconhecidos mandatários.
Gahork ficou parado, com o corpo tremendo e pulsando, depois disse:
― Eu ainda vou esperar e aconselhar aos meus companheiros de sofrimento, para que
procedam do mesmo modo que eu.
O doente-imune quis voltar para a sua câmara-chocadeira, porém Blazon Alfa o
deteve. Certo de que ele estava em constante contato telepático com os outros doentes-
imunes da frota de divisão, Alfa perguntou:
― Nas outras naves há acontecimentos especiais? Como se parece a situação?
― A situação continua sem modificações ― respondeu Gahork. ― Os que servem
aos servos, conduzem a frota, fiéis à tradição, pelos caminhos predeterminados para o
nosso destino.
No mesmo instante os dois irmãos gêmeos puderam ver na tela de imagem, como no
escudo flexível se abriu uma fenda estrutural, para deixar passar as 6.500 astronaves.
Pela terceira vez uma frota de divisão, com bilhões de conquistadores amarelos,
alegres por sua divisão iminente, abandonava o "Enxame".
― Qual será o mundo que desta vez foi escolhido para local de nascimento? ―
perguntou-se Alfa. ― Já por duas vezes, planetas semelhantes à Terra foram procurados
pelos amarelo-ocres, e sempre se trataram de mundos povoados. A probabilidade nos diz
que desta vez não será diferente. Será que não podemos fazer nada para impedir uma
catástrofe, como a que ocorreu no mundo das amazonas, Diane?
― De qualquer maneira nós demos nossa contribuição, irmão. ― disse Beta. ―
Lembre-se dos oitocentos imunes-doentes que estão distribuídos pelas naves faviformes. O
tempo trabalha a nosso favor.
― Quanto tempo, aliás, ainda temos?
― Não temos mais muito. ― Blazon Beta riu. ― De qualquer modo não temos mais
muito tempo até a próxima transição. Nós abandonamos o "Enxame”, a fenda estrutural do
escudo flexível fechou-se atrás da frota. Vamos nos preparar para o choque da des-
materialização. Aposto que vou resistir a ele outra vez melhor que você.
Alfa preferiu silenciar.
Ele esperou pelo choque da transição. Mas esperou em vão. Não houve nenhuma
transição. Aconteceu algo diferente.
Perry Rhodan tinha bons motivos para cruzar com a Good Hope II e a Intersolar,
diante do "Enxame" que voava com metade da velocidade da luz para dentro da Via
Láctea.
Primeiramente ele sabia, através de relatórios de Sandal Tolk e do seu companheiro de
lutas Tahonka-No, que dentro do "Enxame" havia inúmeros "conquistadores amarelos",
que em tempo muito curto seriam obrigados à divisão. Portanto era de se prever que uma
esquadrilha de divisão logo abandonaria o "Enxame". Quando chegasse a esse ponto,
Rhodan queria estar a postos, para impedir ocorrências semelhantes àquelas que destruíram
o mundo das amazonas, Diane. Por isso, as centrais de rastreamento da Good Hope II e da
Intersolar estavam ocupadas dia e noite.
Em segundo lugar, Rhodan ainda não recebera qualquer sinal de vida dos oito homens
a
da 5 Coluna, que tinham penetrado no "Enxame", há mais de três semanas. Ele não sabia
nada sobre o seu destino, não sabia se eles ainda viviam, se tinham tido sucesso ou se
haviam falhado. Esta incerteza o deixava cansado. O seu humor transferia-se para o
restante da tripulação. Os nervos dos homens estavam superirritados, deles se apoderara
uma tensão que a qualquer momento podia estourar.
Era como se todos estivessem sentados em cima de um barril de pólvora com um
rastilho aceso.
Quando então no dia 14 de maio, em ambas as naves, soou o alerta geral, aquilo
pareceu uma redenção para a tripulação.
Perry Rhodan, que se recolhera à sua cabine, ao primeiro som do alarma, já estava de
pé. Ainda antes dele deixar sua cabine, Fellmer Lloyd chamou, pelo intercomunicador. O
mutante, depois que Alaska Saedelaere tinha penetrado no "Enxame" com a 5 a Coluna,
assumira o comando da central de rastreamentos da Good Hope II.
― Os hipersensores mostram que, da parte da cabeça do "Enxame", está saindo, em
vôo ordenado, uma grande frota, sir ― avisou ele. ― Ainda não nos foi possível uma
medição mais exata, porque ainda nos encontramos mais ou menos 200 anos-luz distantes
do local de saída. Mas, numa primeira avaliação, parece tratar-se de cerca de seis mil
naves.
― Dentro de um minuto estarei na central de comando ― declarou Rhodan, e saiu
correndo de sua cabine.
o
Quando ele chegou à central, ali já reinava uma grande atividade. O 1 oficial
cosmonauta, Senco Ahrat, estava sentado no seu lugar e colocara o capacete-SERT por
o
cima de sua cabeça. O assento do 2 oficial cosmonauta estava vazio. O emocionauta
Mentro Kosum encontrava-se dentro do "Enxame", com a 5a Coluna.
― Prepare tudo para uma curta etapa linear, Ahrat ― ordenou o arcônida. ― O
objetivo é a formação da frota que saiu do "Enxame". Joak ― chamou ele o chefe da
central de rádio. ― Informe Bell de nosso propósito. A Intersolar também deve ficar pre-
parada para uma rápida manobra linear.
Rhodan, que ouvira as palavras de Atlan, alcançou o console de comutações gerais.
o
― Executar manobra linear! ― ordenou ele ao 1 oficial.
Senco Ahrat agiu imediatamente. Na galeria panorâmica empalideceram as estrelas e a
faixa brilhante prateada do "Enxame". Somente uma única fonte luminosa brilhava na
retícula ― o ponto do alvo, a frota saída de dentro do ― “Enxame". A Good Hope II en-
contrava-se no semi-espaço.
Rhodan virou-se para Atlan.
― O rastreamento, entrementes, descobriu mais alguma coisa acerca dessa frota?
Fellmer Lloyd, que escutara também através da instalação de rádio, respondeu, no
lugar do arcônida, pelo intercomunicador.
― São certamente 6.500 naves de diferentes classes e tamanhos. Mil e quinhentas
unidades correspondem a massa das já conhecidas naves-faviformes gigantes. Em cerca de
cem unidades, poderá tratar-se de astronaves-cogumelo. As naves restantes, até agora não
puderam ser identificadas claramente.
―Isso basta ― disse Rhodan.
Ele olhou para Atlan.
O arcônida disse:
― Ainda vamos precisar de mais provas de que se trata de uma flotilha de divisão?
Fellmer falou de mil e quinhentas astronaves faviformes. Isso são três bilhões de
conquistadores amarelos, que irão voar para algum mundo florescente, para destruí-lo.
― Nós vamos impedir que eles façam isso ― prometeu Rhodan.

* * *

A Good Hope II caiu de volta para o espaço normal, a uma distância de 10 milhões de
quilômetros da formação da frota saída do "Enxame". A captação ótica mostrou no vídeo
que as primeiras medições hiperestruturais de Fellmer Lloyd estavam corretas.
Aqui tratava-se de uma flotilha de divisão, que consistia de 1.500 astronaves-
faviformes e 5.000 naves da chamada frota de caça.
― Desta vez você vai ter que proceder de forma rigorosa, se quiser impedir um
segundo Diane, Perry ― declarou Atlan.
― Antes de pensarmos sobre os nossos próximos passos, teremos que determinar
onde fica o destino da flotilha de divisão ponderou Rhodan.
― Você não está pensando, por acaso, que os conquistadores amarelos iriam escolher
um planeta desabitado, para seu mundo de nascimento ― disse Atlan, com leve zombaria.
― Ainda podemos ter esperanças. ― Rhodan deu instruções para que se calculasse a
rota previsível da flotilha de divisão, e descobrir todos os sóis e sistemas solares, que
ficavam até uma distância de 700 anos-luz dessa rota.
Enquanto os cálculos ainda corriam e enquanto ainda eram feitas as primeiras
avaliações, Reginald Bell chamou da Intersolar.
― Perry, eu sugiro que ataquemos, com toda nossa capacidade de fogo, a frota de
divisão.
― E o que é que você acha que ganha com isso? ― perguntou Rhodan.
― Pelo menos confundimos os dominadores secretos do "Enxame" e os deixamos
perplexos ― respondeu Bell. ― Em primeira linha queremos impedir que os
conquistadores amarelos pausem num mundo, e ali destruam toda a vida, através da ajusta-
gem secundária. Desta vez você não quer tentar tomar medidas preventivas?
― Contra 6.500 astronaves nada podemos fazer ― afirmou Rhodan.
O rosto de Bell mostrou-se irado.
― Isso são subterfúgios. Há um mês atrás, em Diane, nós vimos claramente que as
naves do "Enxame” não têm nada igual para contrapor-se aos nossos canhões
transformadores. Nós somos absolutamente capazes de assestar um golpe decisivo contra a
frota de divisão, ainda antes que ela possa executar a transição. Você deveria decidir-se
rapidamente, Perry!
Até certo ponto Bell tinha razão. Seria possível, apenas com a força de fogo da
Intersolar, causar perdas decisivas ao adversário. Mas Rhodan se incomodava com o fato
de que isso seria uma campanha de destruição insensata, cujo efeito final nada renderia.
Talvez eles conseguissem destruir algumas centenas de naves antes que ocorresse a
transição. O restante da frota então ainda seria capaz de voar para o mundo escolhido para
a divisão dos conquistadores amarelos.
― Não, Bell, assim não pode ser ― disse Rhodan, decidido. Ele se entristeceu um
pouco que o seu amigo, geralmente tão pacífico, repentinamente se mostrasse tão
agressivo. Mas talvez isso era devido ao fato de que as imagens de horror de Diane ainda
estivessem muito nitidamente na sua memória.
Rhodan acrescentou:
― Primeiramente vamos ter que esperar, para ver para onde os conquistadores
amarelos se dirigem. Até agora não está comprovado que um mundo habitado está em
perigo.
― Mas é comprovado que os conquistadores amarelos somente escolhem mundos de
oxigênio para o seu processo de divisão ― retrucou Bell. ― E estes, quase sempre, são
habitados.
― Temos que esperar ― declarou Rhodan. ― Somente depois que os cálculos da rota
estiverem à disposição, podemos tomar decisões.
Rhodan não precisou esperar por muito tempo pelos resultados do computador. Tinha
sido calculado, que toda a frota se afastava do “Enxame", com um quarto da velocidade da
luz, e portanto voava com um quarto de velocidade da luz, tomando-se em conta a
velocidade própria do "Enxame" que era de 1/VL.
Os cálculos de rota mostraram que dentro dos próximos 700 anos-luz, somente havia
dois sóis no caminho da esquadrilha de divisão, caso esta mantivesse a sua direção.
Um deles era um astro vermelho gigante a 535 anos-luz de distância, que apenas
possuía um planeta. O planeta era um mundo inabitável de metano, do tipo-Júpiter.
O segundo sol, a uma distância de apenas 338 anos-luz da frota, era do tipo do Sol, e
possuía sete planetas. Tratava-se do Sistema Heleva-EX, que certa vez fora descoberto por
uma nave Explorer, e devidamente catalogado. Sobre todos os sete planetas havia dados
exatos disponíveis, que no catálogo estelar da Frota Explorer enchiam algumas páginas e
que ocupavam todo um banco de dados da positrônica de bordo da Intersolar. A maioria
dos dados, entretanto, referia-se ao terceiro planeta.
Era um mundo parecido com a Terra, que tinha recebido o nome de Trantus-Tona do
pessoal das Explorer. Ali viviam os descendentes dos colonos arcônidas, que já há muitos
milênios tinham perdido contato com a civilização. Eles tinham revertido ao primitivismo,
e no momento se encontravam na mesma escala de desenvolvimento mais ou menos que os
terranos do Século XV.
Como Trantus-Tona era habitado, uma colonização por terranos fora excluída
automaticamente. Em conseqüência de sua posição militar insignificante, e também porque
não seria economicamente rentável, os terranos tinham desistido até mesmo de erguerem
ali um entreposto de comércio. O Sistema He1eva-EX acabou sendo esquecido.
Agora, através da frota de divisão, ele ganhava uma significação especial.
― Não pode haver dúvidas de que a meta dos conquistadores amarelos seja o Sistema
Heleva-EX ― declarou Atlan. ― E dos sete mundos, somente Trantus-Tona interessa
como mundo de nascimento.
― Você ainda tem dúvidas em proceder contra a frota de divisão? ― quis saber
Reginald Bell, pelo hipercomunicador.
― A sua sugestão não pode ser executada ― disse Rhodan, decidido. ― Nós
precisamos encontrar uma outra solução.
― Se você esperar ainda muito tempo, então a frota entra em transição, e os 500
milhões de habitantes de Trantus-Tona sofrerão o mesmo destino que as amazonas de
Diane! ― disse Bell, numa acusação.
― Tarde demais ― disse Atlan, e apontou para as telas de vídeo da galeria
panorâmica.
Rhodan seguiu com os olhos a mão estendida do arcônida, mas não entendeu
imediatamente. Ele esperara ver na tela de imagem uma transição em massa da frota de
divisão. Porém agora ele teve que verificar que nem todas as 6.500 naves desapareceram de
uma só vez, mas unitariamente, e uma depois da outra.
― Isso é novo ― gritou Rhodan, perplexo. ― Até agora as naves de uma frota nunca
executaram transições unitárias.
― Não pode tratar-se de transições ― avisou Fellmer Lloyd, da central de
rastreamentos. ― Nós não medimos um só abalo estrutural, como costuma ocorrer, numa
penetração à força, do hiperespaço.
― Isso apenas pode significar que as naves da esquadrilha de divisão são equipadas
com propulsores lineares ― verificou Rhodan, surpreso. ― Agora nós temos a prova
definitiva de que os conquistadores amarelos não apenas dominam a hipertransição com
extrema precisão, mas que também podem vencer grandes distâncias no semi-espaço.
― Isso nós já suspeitávamos há algum tempo ― disse Atlan, sem tirar os olhos de
Rhodan.
o
― Vôo linear! ― ordenou Rhodan ao 1 oficial cosmonauta. ― Vamos ficar nos
calcanhares da frota, com ajuda do sensor de semi-espaço.
Atlan disse:
― Você ainda acredita que os conquistadores amarelos tenham escolhido um outro
destino que o Sistema Heleva-EX?
Rhodan silenciou. Ele ficou olhando o monitor do libroflex e esperou que a Good
Hope II passasse para o espaço linear.
Um transformador modificou impulsos estáveis quadridimensionais e ajustou-os ao
estado neutral-energético da forma do semi-espaço. Como impulsos libroflex
semidimensionais eles eram irradiados por um transmissor, refletidos por corpos dentro do
espaço linear e novamente captados por um receptor. Deste modo um rastreamento em
base de eco era possível dentro do semi-espaço.
Na tela de libroflex mostrava-se toda a formação da esquadrilha de divisão,
nitidamente.
Os homens na central da Good Hope II ainda não tinham digerido o fato de que a
esquadrilha de divisão, em vez de proceder a uma transmissão em massa, executava um
vôo linear.
O xenólogo Sophtom Pienager declarou:
― Nós temos que nos convencer de que grupos de povos diversos, dentro do
"Enxame", também agem de modo diferente. Originalmente parecia que o "Enxame" fosse
um organismo complexo, no qual cada parte tinha sua tarefa prefixada e exatamente
programada. Mas agora temos que reconhecer que os povos do "Enxame" são flexíveis.
"Poderia ser que alguns povos preferem exclusivamente a transição, para as viagens
espaciais, outros utilizam por sua vez o vôo linear, e um terceiro grupo variavelmente usa
ambos os métodos, conforme as necessidades. Talvez os diferentes grupos também nem
possam agir por iniciativa própria, mas são influenciados em seu modo de agir, por
coordenadas dispostas pelos dominadores do "Enxame."
Rhodan ficara pensativo. Depois que o xenólogo terminou, ele perguntou,
― Se eu o entendi corretamente, nós não podemos concluir cem por cento sobre as
intenções desta flotilha, baseados na maneira de proceder das duas outras frotas de divisão
anteriores.
Sophtom Pienager anuiu.
― A manobra linear que ocorre neste instante comprova a irregularidade dos
conquistadores amarelos. Nós precisamos mudar de raciocínio, para nos ajustarmos a sua
flexibilidade.
Rhodan olhou para Atlan em triunfo.
― Portanto foi uma vantagem, nós não sairmos logo atirando ― disse ele.
― Que vantagem isso poderá ter-nos trazido? ― perguntou Atlan, de volta.
Não muito mais tarde as naves da esquadrilha de divisão desapareceram pouco a
pouco da tela de imagem do monitor libroflex. Senco Ahrat também trouxe a Good Hope II
de volta para o Universo einsteiniano.
Imediatamente brilhou na galeria panorâmica um sol amarelo próximo. Bastavam
apenas medições superficiais para chegar-se a certeza de que a esquadrilha de divisão tinha
voado para perto do seu destino.
Diante deles ficava o sistema Heleva-EX.
As 1.500 naves faviformes, junto com o comboio de 5.000 unidades armadas, voou na
sua direção em alta velocidade.
― Eles voam diretamente para o 3o planeta ― avisou Fellmer Lloyd.
― Conforme não fora esperado de modo diferente ― declarou Atlan. ― Logo
chegará a hora fatídica para os quinhentos milhões de tonares de Trantus-Tona se você não
se consegue decidir a intervir, Perry.
Rhodan ficou furioso.
― Nós vamos intervir ― gritou ele para o arcônida. ― Mas eu não vou provocar
nenhuma batalha espacial insensata. Nós temos que acertar os conquistadores amarelos no
seu ponto ferido.
― Você tem um plano? ― perguntou Atlan, interessado.
Neste instante três mil das naves de vigilância de construção diferente deram uma
guinada, saindo da formação, e entraram, por pouco tempo, no espaço linear. Quando elas
caíram novamente de volta ao Universo einsteiniano, elas já se encontravam dentro do
sistema Heleva-EX ― no espaço do terceiro planeta. Por baixo delas também se
encontravam 80 astronaves-cogumelos dos instaladores do "Enxame".
― Você sabe o que isso significa, Perry ― disse Reginald Bell, da Intersolar. ― A
tarefa dessa vanguarda é fazer os preparativos para o ato do nascimento iminente em
Trantus-Tona. Eles vão efetuar as ajustagens secundárias, aumentar a temperatura e a
gravidade do planeta. E isso é equivalente à morte de 500 milhões de pessoas.

* * *

― Nós teríamos que resolver um enigma, então certamente estaríamos um passo


adiante ― disse Sophtorn Pienager. ― Por que os conquistadores amarelos abandonam o
"Enxame", com tanto dispêndio, para procurar mundos que ficam fora do "Enxame", para
usá-los como locais de nascimento?
― O senhor tem razão ― concordou Rhodan. ― Esta pergunta todos já se haviam
feito, desde o primeiro surgimento de uma frota de divisão na Via Láctea.
Tinha sido verificado, que dos oito mil metros de comprimento das astronaves
faviformes somente plataformas de propulsão de quatro mil metros de diâmetro
regressavam ao "Enxame". Os dois mil módulos-favos, dos quais se compunha uma
astronave faviforme, ficavam para trás nos mundos de nascimento, junto com as estações
de alimentação energética. Os conquistadores amarelos, depois da divisão ocorrida, eram
voados de volta para o "Enxame”, com a frota de caças.
― Por que os conquistadores amarelos não se dividem em seus mundos pátrios, que
lhes devem ser mais familiares e que deviam oferecer-lhes melhores condições que mundos
estranhos? perguntou Rhodan.
― Isso pode ter alguma coisa a ver com a ajustagem secundária ― fez-se ouvir o
Capitão Dalaimov Rorvic.
Rhodan achou que a opinião do engenheiro de ultrafreqüência tinha algum
fundamento. Mas ele não chegou mais a expressar este seu pensamento.
Joak Cascal chamou da central de rádio.
― Estamos recebendo impulsos de rádio que estão vindo da esquadrilha de divisão!
Imediatamente Rhodan estava diante de intercomunicador.
― O senhor consegue decifrar os impulsos? ― quis ele saber, sem pensar primeiro, de
quanto era extraordinária esta notícia. Até agora eles nunca haviam tido a possibilidade de
determinar um movimento de rádio entre as naves de uma frota de divisão.
― Nós imediatamente fizemos um esforço para decifrá-los, mas até agora sem êxito
― disse Cascal, e acrescentou, quase como uma desculpa: ― Os impulsos de rádio foram
transmitidos há menos de dois minutos. Eles vieram primeiramente das naves faviformes, e
fortemente enfeixados, foram transmitidos àquela parte da esquadrilha, que se encontra no
espaço do terceiro planeta. Depois ocorreu a resposta, o tráfego de rádio aumentou ― e
agora praticamente todas as unidades estão em ligação permanente entre si. É difícil manter
separados os comunicadores unitários.
― Passe um dos comunicados para o intercomunicador.
Cascal fez o que Rhodan lhe pedira. Nos alto-falantes ecoou uma série de sons que se
seguiam rapidamente uns aos outros, numa tonalidade muito elevada. Parecia que estava
tocando uma fita gravada em intercosmo, em alta velocidade. De alguma maneira aquilo
também lembrava dos gorjeios dos blues, mas havia algumas diferenças marcantes.
Diversos indícios davam a entender que as mensagens de rádio estavam aglomeradas, de
modo que para Rhodan a comparação com uma fita gravada tocada depressa demais
parecia pertinente.
― Quando tiverem decifrado uma das mensagens de rádio, mantenha-me informado,
imediatamente ― pediu Rhodan. Ele mandou Tahonka-No, o ossudo, para a central de
rádio, na esperança de que ele talvez conhecesse a linguagem, na qual as mensagens de
rádio eram transmitidas. Além disso, Rhodan também mandou para Joak Cascal o aparelho
tradutor confiscado por Sandal Tolk.
Ambas as medidas não tiveram êxito.
― O tráfego de rádio no interior da esquadrilha de divisão está ficando cada vez mais
confuso ― informou Cascal. ― Eu tenho a impressão de que aconteceu alguma coisa
imprevista, que deixou os responsáveis em pânico.
― Desta vez a sua sensação não deveria enganá-lo, Joak ― retrucou Rhodan. ― Mas
nós temos que descobrir, de qualquer jeito, o que é responsável pelo suposto pânico entre
os comandantes da esquadrilha. Por isso precisamos decodificar as mensagens de rádio.
― O decodificador está fazendo tudo que pode ― disse Cascal, lacônico.
Perry Rhodan voltou-se para Senco Ahrat.
― Nós precisamos aproximar-nos mais das astronaves faviformes. Talvez, através do
rastreamento, poderemos descobrir o motivo para a agitação no interior da esquadrilha de
divisão.
O emocionauta efetuou com a Good Hope II um curto vôo linear, que os levou até
cinqüenta mil quilômetros de distância da astronave faviforme mais próxima.
Imediatamente uma nave da frota de caça apareceu, na forma de um gigantesco saca-
o
rolhas, que se meteu entre a nave faviforme e a Good Hope II. Toronar Kasom, o 1 oficial
de artilharia, estava no seu posto. Mas ele não precisou intervir, porque a nave saca-rolhas
não demonstrou qualquer animosidade.
A Intersolar saiu do espaço linear perto da Good Hope II.
― Por que você se interessa justamente pelas naves faviformes, enquanto os
instaladores do "Enxame", com seus cogumelos voadores, praticamente alcançaram
Trantus-Tona? ― perguntou Reginald Bell, pelo hipercomunicador.
― É simples ― respondeu Rhodan. ― Porque o tráfego de rádio partiu de uma das
astronaves faviformes. Portanto é ali que deve estar o motivo de toda a agitação no interior
da frota de divisão.
― Você está caçando um fantasma ― afirmou Bell.
Joak Cascal chamou novamente a central de comando.
― O senhor decodificou as mensagens de rádio? ― perguntou Rhodan, esperançoso.
― Infelizmente não ― disse Cascal, e sorriu irritantemente do monitor do
intercomunicador. ― Mas acaba de chegar uma mensagem de rádio, claramente inteligível,
na freqüência da Frota Solar.
― De onde?
― Diretamente de dentro da esquadrilha de divisão. De uma das astronaves
faviformes.
― Nós nos encontramos no espaço linear ― verificou Blazon Alfa, depois de um
longo olhar surpreso, para a tela de imagem semicircular do favo-cilindro. Os amarelo-
ocres sempre inventam alguma surpresa. ― Gahork, o que significa, que em vez de uma
transição estão executando uma manobra linear?
A escotilha da câmara-chocadeira do favo-cilindro estava aberta, para que os irmãos
gêmeos pudessem entrar em comunicação com o doente-imune a qualquer momento. Mas
o doente-imune recuara até o canto mais traseiro, e parecia não querer conversa.
― Gahork! ― gritou Blazon Beta.
O amarelo-ocre ergueu-se, assustado.
― Os servidores dos servos vivem à sua maneira, ou como lhes é ordenado ― disse o
doente-imune. Em seu corpo em formato de pêra formavam-se bolhas, que depois
lentamente murchavam novamente.
― O senhor não vai se deixar levar! ― admoestou Beta. Gahork, o senhor nos
prometeu que adiaria ainda um pouco o acontecimento!
O doente-imune pôs-se lentamente em movimento. Ele escorregou de um lado para o
outro, através da câmara-chocadeira. Ao mesmo tempo movimentava-se a membrana do
seu multiórgão, ele vibrava sempre aquela membrana do multiórgão que estava virado para
os dois terranos. Reconhecidamente os amarelo-ocres possuíam na parte da frente e de trás
de sua cabeça em formato de moringa, um multiórgão. E Gahork falava com os irmãos
gêmeos uma vez com este órgão, e depois com o outro ― dependendo do lado para o qual
estava virado.
― É muito difícil reprimir o instinto tão próximo dos sítios aclars ― traduziu o
aparelho tradutor os sons estranhos que Gahork dava de si.
― Eu lhe perguntei uma coisa, Gahork ― disse Beta, penetrante.
― Os que servem os servos vivem à sua maneira, ou como lhes é ordenado ― repetiu
Gahork.
Beta quis gritar com ele, mas Alfa ainda chamou sua atenção em tempo.
― Deixe-o, irmão ― pediu ele pelo rádio de capacete. Não o torture mais com
perguntas. Ele já tem bastante que sofrer com esse impulso cada vez mais forte para se
dividir. Além do mais, ele já respondeu à sua pergunta ― ainda que à sua maneira
esquisita.
― Você acha que eu não sei disso? ― perguntou Beta, chateado. Ele sorriu. ― Eu sei
muito bem o que Gahork quer dizer. Aquele selvagem de Exota-Alfa, Sandal-Crater,
declarou certa vez que os amarelo-ocres são designados como os primeiros servos de
Y'Xanthymr, por diversos povos do "Enxame". Também Gahork diz-se um servo. Com os
“servidores" ele evidentemente está querendo dizer a tripulação das naves da frota de
divisão, os quais, conforme descendência, ou fazem uso dos propulsores lineares de suas
naves, ou efetuam transições. Além disso, Gahork quis dizer que, de uma instância mais
alta, lhes poderá ser ordenado que tipo de propulsão eles devem usar.
― Muito inteligente ― elogiou Alfa, zombeteiro. ― Você pode me dizer, porque,
apesar disso, você continua torturando Gahork com suas perguntas?
― Eu queria trazê-lo para outros pensamentos ― defendeu-se Beta. ― Se nós não o
ocupamos, ele ainda acaba se deixando levar pelo impulso. E você sabe o quanto ele é
importante para nós como informante.
Alfa não respondeu. Ele conhecia muito bem o seu irmão, para saber que ele tinha
uma alegria imensa, sempre que podia chatear os outros. Mas ele não chegaria a torturar
uma criatura, apenas para gozar a sua dor. Por isso Alta engoliu novamente a observação
que já lhe estava na ponta da língua.
― Você ainda há pouco falou de uma instância mais alta ― disse Alfa, depois de
algum tempo. ― Eu acho essa designação acertada. Com isso os pequenos purpurinos e os
instaladores do "Enxame" seriam uma instância inferior; os dominadores do "Enxame",
seriam a mais alta. Quantas graduações existem no meio de tudo isso ― e onde estão os
amarelo-ocres na escala? Eles estão acima dos purpurinos e os instaladores do "Enxame",
isso deveria estar claro. Mas o quanto eles estão próximos dos dominadores do "Enxame"?
Blazon Beta presenteou o seu irmão gêmeo com um sorriso depreciativo.
― Em Kokon ficamos sabendo, dos doentes-imunes, alguns detalhes interessantes ―
declarou ele. ― Entre outras coisas também, que sob o mando justamente da instância mais
alta, eles precisam abandonar o "Enxame" para a divisão do nascimento. Disso pode-se
depreender que os amarelo-ocres são uma carga para Y'Xanthymr, ou como quer que se
chame o fator de poder dentro do "Enxame".
Agora Alfa sorriu.
― Se os amarelo-ocres são apenas uma carga para os dominadores do "Enxame",
neste caso eles deviam ficar satisfeitos em se verem livres deles. Mas eu lhe pergunto,
porque os amarelo-ocres, depois do processo de divisão ocorrido com sucesso ― no que
eles aumentaram o seu número sete vezes ― são novamente buscados de volta para o
"Enxame"?
Blazon Beta olhou para o seu irmão, perplexo. Alfa prosseguiu:
― Eu estou convencido de que os amarelo-ocres são buscados de volta, porque dentro
do "Enxame" eles têm que executar uma função extremamente importante.
― E você também sabe qual é? ― perguntou Beta.
― Isso você precisa perguntar a Gahork.
Eles olharam, ao mesmo tempo, para dentro da câmara-chocadeira. A temperatura
externa entrementes tinha subido para 50 graus centígrados, a gravitação era de quase dois
gravas. O doente-imune parecia ter se aquietado, o seu corpo parecia desmoronar sobre si
mesmo, pequenas deformações ficaram visíveis.
― Gahork!
O doente-imune estremeceu, a membrana do seu multiórgão vibrou.
― Os sítios aclars ― verteu o tradutor.
Gahork ergueu-se em todo o seu tamanho de dois metros; as deformações em parte,
regrediram.
― Os sítios aclars ― disse ele novamente.
A gigantesca astronave faviforme caiu quase ao mesmo tempo com o restante da frota
de volta ao espaço normal. Na tela do monitor semicircular viam-se novamente as estrelas
do cosmo. Nada se via mais da formidável formação do "Enxame".
A frota de divisão tinha chegado ao seu destino.
Para Blazon Beta e Blazon Alfa, os físicos-sextadim, não tinha sido muito difícil
manipular a tela de vídeo dentro do tubo sextavado. Eles tinham descoberto como se podia
modificar o ângulo de tomada, como regular a nitidez da imagem, e como conseguir
ampliações grandemente aumentadas.
Fora disso, eles não meteram os dedos nos aparelhos na antecâmara, para não disparar
por acaso um alarme, ou provocar outros perigos.
Depois da queda da frota de volta ao espaço normal, ela se encontrava nas bordas de
um sistema solar relativamente grande. Alfa e Beta reconheceram na tela de imagens cinco
planetas, que se encontravam diante do sol. Mas isso não comprovava que não poderia
haver mais planetas, que se encontravam, em suas órbitas, por trás do sol.
Com os aparelhos embutidos nos seus trajes de combate, foi-lhes possível realizar uma
simples análise espectral. Assim eles descobriram, de que dois planetas vistos de onde eles
se encontravam, o terceiro e o quarto ―, ainda estavam dentro da ecosfera. A distância
mais favorável naturalmente possuía o terceiro planeta, de modo que eles se convenceram
de que ele tinha sido escolhido como o destino.
As astronaves faviformes e uma parte da frota de vigilância diminuíram sua
velocidade. Isso os irmãos gêmeos notaram pelo fato de que as linhas espectrais do sol se
afastavam do azul. Reconhecidamente, na aproximação de uma fonte de luz, por segundo,
recebia-se mais oscilações do que quando do seu afastamento. Mais oscilações
significavam uma luz mais azulada. Como o sol originalmente brilhante azul mudava a sua
cor para o amarelo, os irmãos gêmeos tinham certeza de que eles se aproximavam dele com
uma maior velocidade.
Entretanto eles verificaram que cerca de três mil naves se separavam da formação.
Entre elas estavam oitenta das temidas naves-cogumelos, que os instaladores do "Enxame"
utilizavam para as ajustagens secundárias dos mundos de nascimento escolhidos.
As espaçonaves-cogumelo convencionais tinham um comprimento de cinco mil
metros, o “chapéu" do cogumelo, meio-redondo, abaulado, tinha um diâmetro, no seu eixo
inferior, de sete mil metros. O tronco metálico, abaulado, do cogumelo, ainda tinha uma
grossura de dois mil metros na sua extremidade circularmente redonda, achatada. Sobre
este espaço pousava a astronave-cogumelo. As turbinas de propulsão, entretanto, não se
encontravam nesta plataforma de pouso, e sim na parte inferior do chapéu do cogumelo,
em volta do soquete redondo como um pilar. As naves espaciais-cogumelo, voavam com a
cabeça semi-esférica de sete mil metros de diâmetro para a frente.
Quando Alfa ligou a ampliação da tela de imagem, enfocando uma das naves-
cogumelo que saíam da formação na tela, os irmãos gêmeos reconheceram, surpreendidos,
que aqui estavam tratando um tipo modificado. Estas naves não possuíam chapéus de
cogumelo, semi-esféricos, mas tetos cênicos, e com isso tinham pelo menos mais mil
metros de comprimento.
Atlan vira estes objetos voadores modificados pela primeira vez no sistema Opus-
Nurmo. As astronaves de tetos cônicos, naquela ocasião, não tinham ocasionado qualquer
ajustagem secundária, mas tinham, numa única transição, deslocado todo o sistema solar
em 532 anos-luz.
― Você acha que os instaladores do "Enxame" também pretendem executar uma
transição com este sistema solar? ― Alfa perguntou ao irmão.
Beta ergueu os ombros, o que não se podia ver, devido ao pesado traje de pressão.
― Pode ser. Por outro lado também é possível que estas naves de tetos cônicos sejam
utilizadas para ajustagens secundárias. Agora sabemos que nem todos os povos do
"Enxame" utilizam os mesmos métodos da astronáutica. Também podia ser semelhante em
outras áreas.
As três mil espaçonaves desapareceram no semi-espaço, enquanto a frota restante
voava para dentro do sistema solar com um pouco mais que meia velocidade da luz. O
planeta mais externo foi ultrapassado, uma distância de dois milhões de quilômetros.
De repente, Blazon Alfa recebeu mensagens radiofônicas. Toda transmissão durou no
máximo dez segundos, porém para Alfa este espaço de tempo foi suficiente para
goniometrar a localização do transmissor.
As mensagens de rádio foram transmitidas de sua astronave faviforme.
― Isso se parece com gorjeios de passarinhos ― verificou Beta, que também tinha
captado os impulsos.
― Será que descobriram o desaparecimento do rabo-de-cavalo branco? ― achou Alfa
e apontou para o purpurino paralisado, que estava caído a um canto da antecâmara.
Antes que Beta pudesse responder alguma coisa, eles receberam uma segunda
mensagem de rádio, que ainda era mais curta que a primeira. Ela vinha do interior do
sistema solar. Mal ela terminara, foi respondida por várias naves faviformes ao mesmo
tempo. E então começou entre as naves, que tinham entrado numa etapa linear dentro do
sistema solar, e a frota restante, um intenso intercâmbio de rádio.
― Toda essa agitação por causa de um único purpurino? ― disse Beta, incrédulo.
― Vamos perguntar a Gahork o que querem dizer todas estas mensagens de rádio ―
decidiu Alfa.
Da câmara-chocadeira ecoou um grito lancinante.

* * *

Alfa e Beta se atiraram, ao mesmo tempo, através da escotilha.


― O que significa isso? ― perguntou Alfa, pela aparelhagem externa do rádio do seu
traje de combate. O tradutor verteu as palavras.
Gahork estava de pé, o seu corpo pulsava. As membranas de ambos os multiórgãos
começaram a vibrar, um grito ecoou.
― Vitória! Vitória! ― verteu o tradutor.
E agora em toda a nave parecia irromper o caos. Nos corredores ressoaram as passadas
miúdas dos purpurinos que passavam correndo. De longe vinham os gritos e
guinchos dos amarelo-ocres em vias de se dividirem, para dentro do tubo-favo, formando
um horrendo empastamento.
Beta correu até Gahork e segurou-o por baixo da bifurcação dos dois braços laterais.
― O senhor agora não pode enfraquecer, Gahork! ― gritou ele, procurando sacudi-lo.
Mas ele não era suficientemente forte para poder mexer aquela pesada massa corporal de
mais de dois metros de altura do amarelo-ocre.
― O senhor prometeu que agüentaria até a decisão!
― A decisão chegou! ― triunfou Gahork.
Os dois irmãos gêmeos se entreolharam. Eles tiveram a mesma idéia, mas ainda não
queriam acreditar, o que Gahork aludia. Eles queriam ter certeza.
― O que aconteceu? Fale de uma vez, Gahork! ― insistiu Beta.
― Eu vou me entregar à doce dor... do mesmo modo como agora o estão fazendo
todos os meus companheiros de sofrimento ― disse o doente-imune.
― E o que há com sua vingança? ―lembrou Beta.
― Ela se realizou.
―Isso quer dizer que outros amarelo-ocres... ― Alfa hesitou antes de continuar
falando ― ...que outros amarelo-ocres foram infectados?
O doente-imune ruiu visivelmente sobre si mesmo, as modificações no seu corpo
podiam ser observadadas a olho nu.
― Nada mais turva a alegria nos sítios aclars...
― Outros amarelo-ocres, até agora saudáveis, foram infeccionados?
― Sim. Meus companheiros de infortúnio me comunicaram isso.
― Quantos foram contagiados?
― Muitos ― inúmeros.
― Milhares?
― Mais.
― Centenas de milhares?
― Muitas centenas de milhares! ― gritou Gahork, em triunfo. ― São milhões que
agora dividem a minha sorte e a sorte dos meus companheiros de infortúnio.
Os irmãos gêmeos soltaram o doente-imune.
― Isso explica tudo ― disse Alfa, sorrindo. ― Quando os comandantes da frota de
divisão ficaram sabendo que o bacilo deformador de células se espalhou, acometendo
inúmeros amarelo-ocres prontos para a divisão, eles compreensivamente entraram em
pânico. Por isso o intercâmbio de rádio.
― Nossa conta deu certo, mas com um êxito tão rápido certamente nem mesmo
Alaska Saedelaere teria sonhado ― achou Beta. ― Quando nós contrabandeamos os
oitocentos doentes-imunes na frota de divisão, ninguém podia imaginar que a infecção
pudesse se espalhar de uma maneira tão rápida.
― Eu o imaginei ― afirmou Alfa. ― Não se esqueça de que muitos doentes-imunes,
já antes da partida, tiveram contato com muitos amarelo-ocres saudáveis, podendo
contagiá-los. Os infectados passaram os bacilos da doença para outros amarelo-ocres. Isso
é como uma reação em cadeia. Além disso, os oitocentos doentes-imunes foram alojados
em diversas astronaves faviformes. Eu aposto que a infecção continuará a se espalhar de
maneira explosiva.
Eles abandonaram a câmara-chocadeira.
― Agora chegou a hora de entrar em contato com Perry Rhodan ― disse Beta.
Ele parou abruptamente.
― O pequeno purpurino sumiu!
Ele disse aquilo e saiu correndo pela escotilha aberta para o estreito corredor do lado
de fora. Ainda enquanto corria ele sacou o seu paralisador.
― Era só o que ainda nos faltava ― que o purpurino acordasse de sua paralisação
antes do tempo ― disse Alfa, com raiva, e seguiu o seu irmão para o corredor, com o
paralisador na mão.
Não se via qualquer vestígio do purpurino. O corredor estava cheio de gritos miantes
dos amarelo-ocres, que já se encontravam nos estados iniciais do processo de divisão.
Vinte metros diante de si, Alfa de repente viu o seu irmão cair ao chão.
Alfa alcançou o rapaz, deitado, imóvel, no chão.
― Beta! Meu Deus, Beta!
Ele puxou-o para dentro do tubo-chocadeira mais próximo.
Por trás dele, fechou a escotilha. Os miados queixosos incharam dentro do tubo-
chocadeira para uma gritaria insuportável. Alfa desligou a instalação de rádio externa.
E enquanto ele procurava pela causa do desmaio do seu irmão gêmeo, ele começou a
transmitir com o seu possante hipercomunicador, na onda da Frota Solar.
a
― A 5 Coluna chama Perry Rhodan...
Joak Cascal tinha passado a ligação do hipercomunicador para a central da Good Hope
II.
a
― A 5 Coluna chama Perry Rhodan!
― Aqui Good Hope II, Perry Rhodan. Nós o estamos recebendo muito bem, Alaska!
Seguiu-se uma curta pausa para respirar. Depois:
― Alaska Saedelaere e os outros ainda estão dentro do "Enxame". Aqui fala Blazon
Alfa. Eu e meu irmão conseguimos subir a uma nave faviforme, sem sermos notados. Esse
idiota! Ele quis poupar oxigênio, fechou muito a alimentação e agora...
― Aconteceu alguma coisa ao seu irmão? ― perguntou Rhodan.
― Ele apenas está desmaiado ― respondeu Alfa. ― Eu aumentei a alimentação de
oxigênio para o seu traje de pressão. Ele está justamente voltando a si novamente.
Uma outra voz, mais fraca, pôde ser ouvida, que evidentemente era transmitida pelo
receptor de capacete de Blazon Alfa. ― O que aconteceu, Alfa? Você conseguiu pegar o
purpurino?
Alfa respondeu.
― Você desmaiou. Falta de oxigênio. Você pousou no lugar errado, irmão.
― O que há com o purpurino? ― Ele escapou.
Rhodan entrou novamente no circuito.
― Vocês estão em dificuldades? Se vocês estão ameaçados de algum perigo nós
poderíamos voar para dentro da frota de divisão com a Good Hope, e goniometrar vocês
pelo rádio. Para Ras Tchubai seria uma ninharia, teleportar até vocês.
― Isso não vai ser preciso ― disse Alfa e contou o incidente com o purpurino. ―
Mesmo se ele der alarme eu não creio que eles iniciem uma grande ação de busca contra
nós. Dentro da frota de divisão reina o pânico. Eles já têm problemas sobrando.
Ouviu-se uma risada abafada. Ela vinha de Blazon Beta.
― Nós ensinamos aos responsáveis pela frota de divisão o que quer dizer o medo ―
disse ele.
― Então foram vocês dois o motivo que deu início ao grande intercâmbio de rádio
dentro da frota? ― perguntou Rhodan, perplexo.
― Somente de modo indireto ― relatou Alfa. ― Nós contrabandeamos para dentro da
frota de divisão oitocentos amarelo-ocres, que são portadores de uma doença altamente
contagiosa. A doença espalhou-se de modo explosivo, de modo que entrementes alguns
milhões desses seres são acometidos pela mesma.
― Isso é interessante ― disse Rhodan. ― Façam-me um relatório pormenorizado.
― Para dar-lhe uma impressão melhor, eu terei que voltar um pouco atrás ― disse
Alfa. E então, em poucas palavras ele contou suas aventuras dentro do "Enxame".
Ele contou como eles entraram em contato com o plasma de Kokon, como tinham
dominado o demônio negro, utilizando a sua estação energética para ponto de saída para
outras missões. Como ficaram sabendo do plasma, de que ele surgira de amarelo -ocres,
que traziam dentro de si o bacilo de uma doença, que contagiava outros amarelo-ocres, à
menor aproximação ― por isso Kokon tinha sido declarado um planeta de quarentena. Para
todos os povos do "Enxame" ele era tabu. Quando então eles tinham descoberto que em
Kokon havia 9.500 doentes-imunes, que traziam o bacilo infeccioso da doença dentro de si,
podendo contagiar os outros, mas que não se desfiguravam a si mesmos. Como finalmente
Alaska Saedelaere planejou contrabandear 800 dos doentes-imunes na frota de divisão, na
esperança de contagiar os amarelo-ocres prontos para a divisão, com o que talvez pudesse
ser impedido que um planeta habitado da Via Láctea fosse destruído mais uma vez pelos
conquistadores amarelos.
Rhodan estava fascinado. Este êxito estava acima de suas mais audaciosas
a
expectativas. Não apenas que os homens da 5 Coluna tinham encontrado uma base de
apoio, eles ainda tinham conseguido assestar um golpe de grandes proporções contra os
conquistadores amarelos. O quanto esta ação ainda teria êxito, ainda era preciso esperar
para saber. Porém, não importava como isso terminaria, o começo fora feito.
― Se os senhores são de opinião que não existe um perigo iminente para suas pessoas,
então eu gostaria de pedir lhes que mantivessem sua posição na nave faviforme ― disse
Rhodan, depois que Blazon Alfa tinha terminado.
― Nós agüentaremos ― garantiram os irmãos gêmeos, como de uma só boca.
― Os senhores não devem temer que o seu aparelho de hiper-rádio seja rastreado? ―
perguntou Rhodan, preocupado.
Blazon Beta, riu.
― Com esta confusão de impulsos de rádio?
― O senhor tem razão ― concordou Rhodan. ― É muito pouco provável que os
encontrarão devido a esta transmissão de hiper-rádio. Mesmo assim, não devemos abusar
da sorte. Mais tarde entraremos novamente em contato, na freqüência da Frota. Agora só
me interessa uma coisa: os senhores têm alguns indícios de que criaturas influentes do
"Enxame" tenham bons motivos para evitar a divisão de nascimento dos conquistadores
amarelos em planetas do "Enxame".
― Nós mesmos já tivemos suposições nesta direção ― declarou Blazon Alfa. ― Mas
não encontramos provas nem a favor nem contra. Uma coisa, nesta linha, ainda é
interessante. Apesar dos amarelo-ocres, durante a duração do processo de divisão serem
expelidos do "Enxame", eles parecem ser suficientemente importantes, para que depois
disso sejam novamente levados de volta. Este fato devia ser levado em consideração.
Rhodan também achou que se devia dar importância a este fato.
Ele ainda fez com que os gêmeos Blazon lhe prometessem que, ao menor indício de
perigo, entrariam em contato com a Good Hope II. Depois ele terminou a ligação por hiper-
rádio.
De Joak Cascal, Rhodan ficou sabendo que continuava sendo impossível decifrar as
mensagens radiofônicas. Mas isso agora não era mais tão ruim, pois já se sabia o motivo
pela agitação na frota de divisão.
Muitos dos três bilhões de conquistadores amarelos estavam acometidos pela doença
maligna. Até agora os responsáveis da frota de divisão não tinham demonstrado reação,
além das mensagens de rádio caóticas.
As astronaves faviformes continuavam voando, sem modificação, para dentro do
sistema Heleva-EX. A outra parte da frota orbitava o planeta-E, Trantus-Tona.
― As astronaves-cogumelo estão dando início ao pouso! ― Esta noticia veio de
Fellmer Lloyd, da central de rastreamento.
Perry Rhodan ordenou a Senco Ahrat que levasse a Good Hope II, numa curta
manobra linear, para mais perto de Trantus-Tona.

* * *

As cerca de três mil espaçonaves formavam, por cima do terceiro planeta do sistema
Heleva-EX, um cordão impenetrável. Mesmo assim, Fellmer Lloyd conseguiu descobrir o
seguinte, através do telerrastreamento:
Tanto no pólo norte quanto no pólo sul, tinham pousado quarenta espaçonaves-
cogumelo em cada um ― e tratava-se daquelas naves com os tetos pontudos.
Este fato fez com que Atlan tivesse novas esperanças.
― Talvez ainda ganhemos algumas horas de graça ― disse ele. ― A utilização destas
naves-cogumelo de telhado pontudo poderia significar que todo o sistema solar deverá ser
deslocado numa gigantesca transição. Se for assim, a ajustagem secundária sofrerá um
retardamento. O que, por seu lado, significará que a doença se espalhará mais ainda entre
os conquistadores amarelos. E então talvez já seja tarde demais para o processo de divisão.
Rhodan sacudiu a cabeça.
― Eu não creio nisso. Eu suspeito, isto sim, de que a ajustagem secundária deverá ser
acelerada, com a utilização destas naves especiais. As astronaves-cogumelo com os tetos
cônicos são maiores e também possuem uma capacidade maior. Elas podem sugar uma
alimentação energética bem mais elevada, e por essa razão poderão acelerar a ajustagem
secundária. Em Diane, este processo demorou quarenta e oito horas, mas aqui ele poderia
ser decisivamente reduzido, para um tempo mais curto, devido a mais forte sangria da
energia solar.
― Você pinta a situação ainda mais negra que Bell e eu juntos ― verificou Atlan. ―
Se você vê as coisas deste modo, Perry ― neste caso, passe a agir!
― Eu ainda vou arriscar fazer uma pergunta aos gêmeos Blazon ― Rhodan mudou de
assunto. ― Talvez eles nos possam dizer algo de definitivo.
Levou algum tempo até que Joak Cascal conseguiu entrar em contato, pelo hiper-
rádio, com os dois físicos-sextadim.
― O senhor acha, que poderão chegar a uma transição de todo o sistema Heleva-EX?
― quis ele saber.
― Impossível ― respondeu Blazon Beta, com certeza. Para que serviria uma
transição? Três bilhões de amarelo-ocres exigem, com grande urgência, condições
ambientais adequadas para o processo de divisão. Os responsáveis vão fazer de tudo para
liquidar os trabalhos antecipadamente preparados o mais depressa possível. E também
porque a doença continua se alastrando. De Gahork, este é um dos doentes-imunes,
ficamos sabendo que aproximadamente duzentos milhões de amarelo-ocres já estão in-
fectados. E isso ainda não terminou. Os responsáveis precisam efetuar a ajustagem
secundária do mundo de nascimento o mais rapidamente possível.
― Foi o que eu presumi ― disse Rhodan, sombrio. ― Os senhores agora não querem
decidir-se a vir para a Good Hope? Quando a nave faviforme tiver pousado na colônia
arcônida, a ação de salvamento será bem mais difícil.
― Quer dizer que a frota de divisão está voando novamente para um planeta habitado
por seres humanos ― fez-se ouvir Blazon Alfa. ― Se isso for assim, nós ficamos. Talvez
possamos ajudar os que sofreram danos com a ajustagem secundária.
― Desta vez saberemos evitar que seres humanos sejam prejudicados ― declarou
Rhodan, decidido.
― Então é muito melhor assim, e nós não temos nada a temer.
A estas palavras seguiu-se um palavrão abafado, depois uma respiração
ofegante e um gemido.
― O que aconteceu? ― Quis saber Rhodan.
― Nenhuma razão para preocupar-se, sir ― garantiu Blazon Alfa. ― Parece que os
pequenos purpurinos estão fazendo uma revista na nave faviforme, à nossa procura. Eles
estão revistando o cilindro-favo de Gahork, mas nós passamos para um outro.
― Não estão em perigo?
― Não.
― Por que está respirando com tanta dificuldade?
― É o calor. A temperatura externa, entrementes, subiu para sessenta centígrados, a
gravitação é de mais de dois gravos respondeu Alfa.
― Nós não podemos colocar os neutralizadores de gravitação e a instalação climática,
em força total, pois neste caso nossas reservas de energia logo se esgotarão.
― Nós vamos tirá-los daí ― decidiu Rhodan. ― Deixem seu aparelho de rádio
ligado, para que Lloyd possa goniometrá-los.
Do alto-falante saiu um ruído crepitante, quando a ligação foi abruptamente
interrompida.
― Insubordinação! ― disse Atlan, curto. Rhodan sacudiu a cabeça.
― Não se pode ver as coisas assim.
Antes que eles recuassem para dentro do tubo sextavado, Blazon Alfa depositou seu
aparelho de pulso, com vídeo, que fazia parte de seu volumoso equipamento, a dois metros
de altura na parede do corredor estreito. Através de um segundo aparelho de pulso, com
vídeo, que pertencia a Blazon Beta, deste modo eles podiam observar tudo que se passava
do lado de fora do tubo sextavado.
O que eles viram, não foi do seu gosto.
O pequeno purpurino com o rabo-de-cavalo branco desceu o corredor com seis outros,
e ficou parado diante da entrada para o cilindro sextavado de Gahork. Os cinco purpurinos
mantinham suas armas-bastões preparadas, prontas para atirarem, enquanto o de cabelos
brancos abria a escotilha. Eles não davam qualquer som de si.
Também não se ouviu nenhum tiro.
― Nós devíamos ir em auxilio de Gahork ― murmurou Alfa, enquanto, por cima do
ombro de Beta, olhava para a tela, do tamanho de um selo postal, do intercomunicador de
pulso.
― Eles não o importunarão ― disse Beta, convencido.
Os seis pequenos purpurinos entraram no cilindro-fava de Gahork, logo depois saíram
dele novamente e desapareceram no corredor lateral mais próximo.
― Já é a segunda vez que eles inspecionam o favo-chocadeira de Gahork ― disse
Alfa. ― Eles voltarão.
― E daí? ― Beta guardou o intercomunicador-pulseira e tomou providências para
abandonar o cilindro-favo. Apesar de terem desligado a instalação de rádio externa, eles
percebiam, surdamente, os torturantes miados dos amarelo-ocres deformados. Você gosta
de jogos de qualquer tipo. Neste caso, procure se entusiasmar com este joguinho de
esconde-esconde.
Eles chegaram ao cilindro-fava de Gahork. Conforme Beta tinha presumido
corretamente o doente-imune não havia sido molestado pelos purpurinos.
Ele estava acocorado no meio da câmara-chocadeira, a parte inferior do corpo inchada,
pulsando mais forte que antes. Os braços principais, e os braços adicionais que saíam deles,
tremiam convulsivamente. Os dois multiórgãos tinham perdido o seu brilho,
pareciam sombrios e de algum modo "sem ver". Por cima da membrana trêmula
vinham sons de queixumes.
― Controle-se, Gahork! ― berrou-lhe Beta.
― Deixe-o em paz ― Alfa pediu ao seu irmão. ― Ele mereceu finalmente entregar-se
ao impulso, que manteve reprimido por quase dois mil anos.
Pela membrana de Gahork veio uma série de sons articulados, que foram vertidos pelo
aparelho tradutor.
― Não falem mais com o invisível distante. Isso pode custar-lhes a vida.
― O senhor se repete, Gahork ― Beta gritou com o doente-imune. ― Suas constantes
advertências irritam os nervos. Entrementes já devia ter reconhecido, que não podem captar
nossas mensagens de rádio no "Enxame".
― Não falem mais com o invisível...
Beta quis gritar, mas Alfa impediu-o.
― Deixe-o, irmão, ele está como embriagado...
Beta olhou para o seu irmão mais alto, e fez uma careta.
― Sua compaixão não tem lugar aqui. Não podemos permitir que Gahork se entregue
a uma ilusão. Pois se nosso plano der certo, então esta frota de divisão jamais vai alcançar
os sítios aclars ― e o desejo mais veemente de Gahork jamais se realizará. Por que,
portanto, não deveríamos prepará-lo para isso, já desde agora?
Beta tinha razão. Se eles quisessem salvar a colônia de arcônidas, então não devia
ocorrer nenhuma ajustagem secundária, e conseqüentemente nenhum processo de divisão.
Não havia nenhuma exceção ― nem mesmo para os doentes-imunes.
Infelizmente era assim. O que era útil aos amarelo-ocres fazia mal aos seres humanos.
E vice-versa. Nisto, neste momento, nada podia se mudar.
Alfa foi arrancado de volta à realidade, ao olhar para a tela de imagem. Ele apontou,
mudamente, para ela.
― Se não acontecer logo alguma coisa, o mais veemente desejo de Gahork vai mesmo
se cumprir ― disse Beta, amargo, depois de ter olhado para a tela de vídeo por algum
tempo. ― Portanto você não precisa mais se preocupar com a sua sorte, irmão.
A frota das astronaves faviformes tinha alcançado o terceiro planeta. As naves de
vigilância que orbitavam o planeta deram uma guinada para dois lados, liberando um
caminho de entrada para as astronaves faviformes.
Blazon Beta quis dizer alguma coisa, mas apenas um estertor saiu-lhe dos lábios. Sua
garganta estava ressecada. Dentro do traje de combate estava insuportavelmente quente e
ele não ousava ligar o aparelho de climatização para um rendimento maior. Pois agora eles
não podiam mais esperar, que depois do pouso das astronaves faviformes no planeta,
encontrassem melhores condições de vida.
Era possível que a ajustagem secundária já estivesse em andamento. Neste caso, o
calor e a gravidade no planeta ainda seriam mais insuportáveis que dentro da astronave
faviforme.

* * *

― Olhe, as astronaves faviformes se desmancham pelo método de Aggres ― disse


Blazon Beta.
Alfa sabia o que o seu irmão queria dizer com isso.
Em Aggres, onde tinha descido a primeira frota de divisão, as astronaves faviformes
de oito mil metros de altura tinham se dividido cada uma em dois mil blocos-favo, com
alimentação energética própria, e tinham pousado com sua própria força. Da astronave
faviforme sô restou o disco de propulsão de quatro mil metros de diâmetro. A divisão, com
aquele efeito de tiro de chumbo, por isso foi chamada de método Aggres pelos irmãos
gêmeos, porque o pouso das naves faviformes da segunda frota de divisão se processara de
modo um pouco diferente.
A segunda frota de divisão, sabia-se, tinha pousado em Diane. Também ali, como em
Aggres, dois mil blocos-favo de cada astronave faviforme se haviam separado da parte do
propulsor. Mas então tinha havido uma diferença. Os blocos-favo, por sua vez, se haviam
separado em milhares de tubos-favo, e cada tubo-fava tinha pousado autonomamente.
Naquela ocasião esta modificação tinha criado alguns enigmas, porém agora tinha-se
uma explicação simples. Assim como os diferentes povos escolhiam entre a hipertransição
e o vôo linear, utilizando os tipos de naves diferenciadas, assim também se fazia a
separação das naves faviformes nos seus fragmentos individuais.
Desta vez, foi utilizado o método primeiramente demonstrado. Os dois mil blocos de
favos desligaram-se das peças de propulsão, entretanto se dividiram nos cilindros-favos
individuais.
Quando o bloco-favo, no qual se encontravam os gêmeos Blazon, pousou no solo
daquele mundo parecido com a Terra, não se sentiu o menor abalo.
― Parece que descemos numa região quente ― verificou Alfa, com um olhar para a
tela de vídeo.
Eles tinham pousado numa colina florestada. Árvores gigantescas tinham sido
quebradas como peso do cilindro-favo. Numa colina, distante alguns quilômetros, podia
reconhecer-se uma formação de pedra. Pela ampliação da tela de vídeo, Beta verificou que
se tratava de uma grande cidade medieval, que era rodeada por um fosso com água e altos
muros de pedra. No horizonte oeste, onde o sol podia ser visto justamente como uma
grande bola vermelha, erguia-se no ar a plataforma de propulsores, de quatro mil metros de
diâmetro, parada numa planície fértil.
O ar cintilava.
― A deduzir pela vegetação, acho que descemos numa zona temperada ― retrucou
Beta. ― Por isso eu acho que a ajustagem secundária já teve início.
Ele levou a mão para o bolso externo do seu traje de proteção e tirou de lá o seu
intercomunicador de pulso. Um olhar para a tela de vídeo do tamanho de um selo postal
mostrou-lhe que cinco purpurinos, sob o comando do que tinha os cabelos brancos, se
aproximavam do favo-chocadeira de Gahork.
― Agora não temos outra alternativa, a não ser colocá-los para dormir ― disse Beta.
― E então, rapidamente saímos desse complexo de favos.
Do favo-chocadeira vinham os gritos animalescos de Gahork.
Uma cabeça esperta podia ir longe no tempo da maldição. Isso Cleran Raklanka já
reconhecera há muito tempo.
Pois ele era esperto.
Ele podia derrubar os ídolos da Arte Negra, disso ele tinha certeza. Somente por este
motivo ele partira de sua pátria, no alto norte, há três verões atrás. Ele queria libertar a terra
do sul do jugo dos ídolos terríveis, e assim se tornar um herói. Nisto até hoje não se
modificara nada.
Porém, de outro modo, tudo tinha ficado diferente.
Quando há três verões atrás os boatos das terríveis práticas dos demônios tinham
alcançado o norte, muitos homens valentes da terra de Klingonak tinham partido para
ajudarem o sul.
Um deles era Cleran Raklanka, que, junto com o seu mestre e melhor amigo, Aklirio
Garalan, tinha reunido em tomo de si vinte homens valentes.
As histórias daqueles que tinham fugido para o norte, da terra maldita, eram de
arrepiar os cabelos e pareciam inacreditáveis. Elas eram um desafio para homens como
Cleran e Aklirio, que sabiam usar o seu juízo corretamente.
― Os deuses desceram dos céus e trouxeram castigo para toda a terra, porque não
queriam que nós adorássemos outros deuses. Eles destruíram nossos templos, trouxeram a
seca para os nossos campos, e enchentes e tempestades sobre nossas cidades ― até que
todos os sacerdotes se colocaram do lado deles, construindo-lhes templos e oferecendo-lhes
sacrifícios, espalhando suas palavras em todas as direções da rosa-dos-ventos. Os novos
deuses, os ídolos da Arte Negra, como os chamam, com a mão diante da boca, entretanto
não ficaram mais conciliadores. Eles exigiam que nós plantássemos em nossos campos de
grãos a erva-das-três-almas, e continuaram exigindo que se lhes sacrificassem jovens
donzelas. Não vai demorar mais muito, e então os ídolos da Arte Negra expandirão o seu
poder até as terras do norte.
― O que é que você diz a esses boatos? ― quis saber Cleran do seu amigo Aklirio.
Aklirio Garalan, que já resolvera muitos mistérios da natureza, respondeu, impassível:
― Para todos os problemas deste mundo existe uma solução.
― Neste caso vamos pôr-nos a caminho, para descobrirmos a verdade a
respeito dos ídolos da Arte Negra ― determinou Cleran.
Desde aquele dia tinham-se passado três verões, e o mundo se modificara. A palavra
dos ídolos terríveis tinha se tomado verdade, o tempo da maldição tinha chegado. Toda a
vida tinha se desenvolvido às avessas, os homens e os animais estavam imbecilizados.
Menos Cleran.
O amigo de Cleran tinha caído pela mão de um servo do ídolo terrível. Cleran
continuava vagando através da terra sulina de Vomeggen, que tinha sido visitada pela
imbecilização, que sofria sob o terrível regime dos ídolos e que era envolta pelos vapores
da erva-das-três-almas. Ele sentia necessidade de vingança por seu amigo Aklirio, e queria
derrubar os ídolos da Arte Negra.
Ele tinha lutado um verão após outro, contra inúmeros perigos, conquistando uma
vitória depois de outra, sem entretanto chegar mais perto do seu objetivo.
Mas finalmente a sua persistência e sua tenacidade se fizeram pagar.
Certa manhã ele acordou ― em uma cama estranha, em arredores estranhos ― e
reconheceu que o mundo ganhara uma nova face. Se o reconheceu em dois indícios
infalíveis. Primeiramente no bate-boca das pessoas, que do pátio da estalagem penetrava no
seu quarto, e no comportamento da moça em sua cama.

Espaçonaves Extraterrenas-
Favo-lncubadeira dos "conquistadores amarelos" Generalidades:

Os favos-incubadeiras servem para o transporte dos “conquistadores amarelos" para os


p1anetas Chocadeira. De cada vez, 2 milhões de favos formam, com a parte da propulsão,
uma astronave faviforme. Em cada favo encontra-se um “conquistador amarelo”.

Recipientes de 25m de comprimento, com corte transversal sextavado. Largura: 10m.


Altura: 6m. Capacidade de vôo atmosférico até uma altura de 10.000m e 200 quilômetros
por hora de velocidade máxima, através de propulsores antigravitacionais e projetores de
raios de pressão. Casco exterior sólido para vôo espacial, com uma camada especial para
ancoragem magnética à astronave faviforme.

DADOS TÉCNICOS 01
― Escotilha externa.
02 ― Antena de rádio para vigilância do objeto voador.
03 ― Instalação de controle positrônico de máquinas e pilotagem.
04 ― Prateleira com medicamentos para dores e tranqüilizantes para os “conquistadores amarelos”.
05 ― Tampo de solo e escada para a instalação de máquinas inferiores.
06 ― Transformadores de energia.
07 ― Instalação de renovação de ar com regulador de umidade. S - Bomba para revolvimento do ar.
09 ― Escotilha para o recinto-incubadeira com janela-viseira.
10 ― Aparelho de controle, com sensor de medição, para examinar as condições de saúde.
11 ― Luminária.
12 ― Casco externo do favo-incubadeira.
13 ― Entrada e saída para amarelo-ocre (que podem ser fechadas com escudo energético).
14 ― Recinto-incubadeira com revestimento mole no chão.
15 ― Turbina para o raio de pressão.
16 ― Propulsor de raio de pressão (4 unidades)
17 ― Criador de gravidade com neutralizador de pressão.
18 ― Automático de alimentação com 7 mangueiras para sugar.
19 ― Instalação para a preparação de alimentação.
20 ― Propulsor antigravitacional.
21 ― Reator de fusão nuclear.
22 ― Armazenador de energia e instalação de autodestruição.
23 ― Baterias de corrente de emergência.
24 ― Instalação de advertência ótico-acústica, acoplada com aparelho de controle.
25 ― Suspensão hidráulica do palco de acesso.
26 ― Palco de acesso articulado para o pessoal de serviço durante o vôo.
Desenho: Bernard Stössel

Ela ergueu-se, assustada, apertou o cobertor firmemente contra o corpo que tremia, e
olhou-o, amedrontada.
― Eu não quero ser sacrificada ― disse ela, batendo os dentes.
Ele a olhou por muito tempo, depois disse, esperançoso:
― Você realmente não quer ir para o templo de Shavi Yanar?
Ela sacudiu a cabeça e o olhou, implorando.
Ainda na noite anterior, ela não teria sido capaz de uma reação semelhante.

* * *
A noite anterior
Quando Cleran entrou cavalgando no pátio fronteiro da estalagem, já estava escuro. A
estalagem era um prédio de quatro cantos, no qual também ficavam as cavalariças. A
floresta em volta tinha sido derrubada, para não oferecer cobertura a assaltantes de estrada
e outros bandidos.
Cleran parou seu animal de montaria e saltou da sela.
― Cavalariço! ― gritou ele em voz alta.
Mas como não era de se esperar diferente, nenhum cavalariço apareceu. Como as
cavalariços estavam fechadas por dentro, Cleran amarrou o seu animal num poste, e entrou
no salão da estalagem. Mal ele tinha posto os pés no recinto mal iluminado, quando uma
sombra saltou de trás da porta.
Tratava-se de um homem grande, gordo, com cuspe escorrendo pelo canto da boca.
Numa de suas mãos erguida ele mantinha uma clava. Antes que ele pudesse executar o
golpe planejado, Cleran o tinha jogado ao chão com um soco bem assestado.
O homem ficou deitado no chão, de costas. Nos seus olhos havia incompreensão e
uma grande admiração.
― Eu só quero dormir esta noite aqui com vocês ― disse Cleran para o estalajadeiro.
― E eu também vou pagar por isso.
O gordo limpou a boca e se pôs de pé, com muito custo.
― Eu vou mandar preparar-lhe um leito, senhor. ― O estalajadeiro virou-se e gritou:
― Lussi!
Uma mulher velha saiu de um corredor, por trás da mesa do
bar. ― Este senhor vai pernoitar conosco.
A velha não demonstrou por nada que entendera as palavras.
Ela foi até a escada que levava ao andar de cima, e ali ficou parada. Ela esperava por
Cleran. Este, entretanto, não se preparava para seguir a mulher ao andar superior.
― Vocês não têm moças na casa? ― perguntou ele ao estalajadeiro.
O homem sacudiu a cabeça.
Cleran puxou o punhal e o encostou na barriga do homem.
― Quantas garotas há na casa? ― perguntou Cleran, ameaçador.
O gordo contou nos dedos, e foi rápido com sua resposta:
― Sete garotas, senhor. Elas moram em minha casa.
― Vocês têm uma filha?
O estalajadeiro continuou mudo.
― É uma honra, apresentar seus filhos a um senhor de respeito ― explicou Cleran.
― Ó, o senhor está querendo isso. ― O estalajadeiro parecia aliviado. Ele chamou por
cima do ombro: ― Nyryla!
Pouco mais tarde, uma moça jovem, bonita, passou por uma porta lateral para dentro
da taberna. Ao contrário das outras moças que Cleran encontrara no caminho para cá, ela
parecia cuidada. Ele também imaginou o motivo por que ela tinha se penteado, tomado
banho e perfumado.
― Ela que venha ao meu quarto ― pediu Cleran.
O taberneiro recuou.
― Isso não é possível, senhor. Amanhã ela será levada para o templo de Shavi
Yanar. "Então é verdade", pensou Cleran.
Em voz alta ele disse:
― Ela deve vir ao meu quarto!
Para dar apoio às suas palavras, ele fez um movimento rápido com a mão que
mantinha o punhal, e abriu a blusa do gordo, de cima a baixo, mostrando a barriga.
― Shavi Yanar vai puni-lo por isso, senhor!
Mais tarde, no seu quarto, Cleran perguntou à moça, que estava deitada, rígida,
na sua cama:
― Você tem medo de mim?
― Não.
― Mas você sabe que eu poderia possuir você.
― Sim.
― Você não tem medo disso?
― Isso não tem importância.
Ele suspirou. Ele agora já estava procurando há mais de um verão por uma criatura à
qual ele poderia dedicar-se, e que não fosse tão estúpida como as outras. Ele simplesmente
tinha desejos por alguém que pelo menos se aproximasse espiritualmente dele, por alguém
que estava em situação de pensar sensatamente e de dar respostas inteligentes.
Ele pensara encontrar esta criatura em Nyryla. Mas a sua visão agradável o enganara,
ela era tão imbecilizada quanto as outras.
― Você sabe que vai ser sacrificada no templo de Shavi Yanar?
― Não tem importância.
― Você não gostaria de fugir?
A moça não respondeu.
― Você não tem o desejo de permanecer viva?
― Sim.
― Por que, então, você não age nesse sentido? Por que você não tenta salvar a sua
vida? Se você quiser eu posso ajudá-la na fuga.
Ela permaneceu muda.
― Quer dizer que você não se importa absolutamente, que destino a espera?
― Não tem importância ― confirmou ela, monossilábica. Logo depois ela
adormecera. Ele teve que colocar o cobertor por cima dela, porque ela não tinha sequer a
força de vontade de fazê-la sozinha.

* * *

Isso fora ontem. Hoje tudo era diferente.


Nyryla estava com medo. Todo o seu feitio se modificara. A Cleran pareceu que ela
também ficara mais inteligente. Essa suposição confirmou-se logo depois, quando ele se
encontrou com o taberneiro no pátio da estalagem.
― Isso fede ― disse o taberneiro. De repente ele deu-se conta da pessoa com quem
estava falando. ― Desculpe-me, senhor. Eu não queria ofendê-lo com minhas palavras.
Mas eu simplesmente tive que dizê-lo.
Cleran sorriu.
― O senhor tem razão, isso fede. E o que o senhor vai fazer contra isso?
Cleran pôde convencer-se com seus próprios olhos, o que estava sendo feito contra
aquele fedor insuportável: Os criados juntavam lixo e sujeira que se acumulara no decorrer
de muito tempo, dentro da casa, e carregavam tudo em cima de uma carreta.
O taberneiro olhou instintivamente para cima.
― Nyryla! ― gritou ele, perplexo, quando viu sua filha na abertura da janela do
quarto de Cleran.
― Não se preocupe, nada lhe aconteceu ― Cleran tranqüilizou o homem agitado.
No rosto gordo do homem alguma coisa tremeu.
― Mas alguma coisa ela sofrerá. Hoje ela deve ser levada para o templo.
E então Cleran sabia que em todas as criaturas humanas tinha ocorrido uma
modificação para melhor.
― Nyryla poderia salvar-se através da fuga ― sugeriu Cleran.
― Neste caso, duas outras moças seriam sacrificadas em seu lugar ― retrucou o
taberneiro.
― Não, se todas as moças das redondezas se esconderem dos servos de Shavi
Yanar. O taberneiro sacudiu a cabeça.
― Os servos de Shavi Yanar incendiariam minha casa, e nos ameaçariam a todos. Eu
teria que dar-lhes explicações.
― Diga-lhes simplesmente que o demônio Cleran levou todas as moças consigo.
Ali, onde estivera a estalagem, uma coluna de fumaça subia aos céus.
Algumas das oito moças começaram a chorar. Cleran ordenou-lhes que recuassem
para dentro da caverna. Ele mesmo tomou lugar, atrás de um rochedo, na proximidade da
entrada. A lança estava com a ponta enterrada no chão, a espada estava dependurada,
pronta para ser alcançada, do seu lado ― assim ele esperava pelos servos de Shavi Yanar.
Quando o sol já se posicionava quase ao meio-dia, ele viu um ponto escuro no ar, que
se aproximava rapidamente. O ponto aumentou de tamanho e transformou numa carruagem
celeste dos ídolos.
A carruagem celeste pousou quase silenciosamente nas proximidades do esconderijo
de Cleran. De sua cobertura ele pôde ver como dois dos servos de Shavi Yanar
desembarcavam do cilindro de dez metros de comprimento.
Eles usavam couraças que só consistiam em parte de metal. Cleran calculou-se uma
chance numa luta a dois. Ele não poderia defrontar-se abertamente com os yanarsares ―
como os servos dos ídolos eram chamados ―, pois contra suas armas que cuspiam fogo o
seu escudo não o protegia. Melhor seria preparar-lhes uma emboscada e dali acertá-las nos
lugares onde podiam ser feridos.
Apesar de estar pela primeira vez diante de yanarsares, o seu olhar treinado
reconheceu imediatamente onde ficavam os pontos fracos de suas couraças.
Os capacetes, apesar de serem na parte da frente de um material transparente, eram
resistentes. Do mesmo modo não se podia fazer nada com a espada contra as partes dos
ombros ou das costas, onde havia placas metálicas. Em contrapartida as coxas, os braços e
as partes do peito estavam praticamente desprotegidos. O material semelhante a tecido
nestes lugares deveria ser facilmente penetrável pela lança ou pela espada.
Cleran sacou a espada, pegou a haste da lança e arrancou-a do chão com um puxão.
Não muito longe dele as rochas íngremes formavam um passo estreito, pelo qual
yanarsares tinham que passar no caminho para a gruta. Ali ele pretendia ficar à espreita
deles.
Ele deixou para trás aquele trecho curto, cautelosamente, e escondeu-se atrás dos
rochedos. Ele esticou os músculos, e não ousava sequer respirar, enquanto esperava pelos
seus inimigos.
Passos se aproximaram.
Alguém disse:
― Lá em cima ― lá está a caverna!
Cleran estremeceu ao som da voz. Ela pertencia a Mayur, o proprietário da taberna.
Provavelmente os yanarsares o tinham obrigado a acompanhá-las na carruagem celeste,
para indicar-lhes o caminho para o esconderijo das moças. Cleran não lhe quis mal.
Da gruta vinham, abafadas, as vozes assustadas das moças.
Isso era bom para Cleran ― os yanarsares agora deviam acreditar que a sua chegada
não fora observada.
Agora o ruído que suas botas metálicas provocavam sobre as rochas já vinha de muito
perto. Mais ainda três metros, dois... Eles alcançaram o passo estreito.
Cleran saltou para a frente e enterrou a espada no peito do primeiro. O yanarsar caiu
ao chão, mortalmente ferido. Cleran voltou-se para o outro, a lança erguida para o golpe.
Quando, entretanto, através da viseira transparente do capacete viu um rosto humano, ele
mudou de tática. Ele virou a lança, e golpeou com a parte invertida. Enquanto o yanarsar
se contorcia de dores, Cleran bateu com a lança durante tanto tempo em cima do capacete,
até que ele perdeu a consciência e foi ao chão.
Mayur, que durante todo o tempo ficara parado, apalermado, jogou-se ao chão diante
dos pés de Cleran.
― Senhor, eu fui obrigado a acompanhar os servos de Shavi Yanar até aqui ―
afirmou ele, com voz chorosa. ― Eles incendiaram minha casa, e teriam nos torturado
todos até a morte, se eu não tivesse obedecido.
― Eu não estou com raiva de você ― disse Cleran. ― Levante-se de uma vez, e
ajude-me a tirar as couraças dos yanarsares.
Mayur recuou assustado.
― Eu não atento contra seres divinos, senhor! Cleran ficou chateado.
― Então não me atrapalhe aqui, e suma com as moças!
― Para onde devemos ir? ― perguntou Mayur, desesperado.
― A maldição de Shavi Yanar vai nos acompanhar em todos os lugares.
― Vá para Klingonak ― disse Cleran. ― Se vocês disserem o meu nome, ali serão
bem-vindos. E agora saia de minha frente.
Cleran queria se ocupar calmamente com o yanarsar inconsciente. Ele ainda estava
perturbado com o fato de que se tratava de uma criatura humana.

* * *

O yanarsar era um homem. Ele ergueu-se, tonto, segurando a cabeça, e disse alguma
coisa numa língua desconhecida. Somente depois que ele estava de pé, chamou sua atenção
que ele estava inteiramente nu.
E então ele viu Cleran.
― Deu-me algum trabalho tirar sua armadura ― disse o klingonakona. ― E eu tive
que destruí-la, de outro modo não o conseguiria. Ela está junto com suas armas mágicas
dentro da caverna.
Cleran sorriu, depreciativo.
― Agora você está tão indefeso quanto qualquer outro homem desarmado. Ou você
possui forças sobrenaturais com as quais pode me destruir? Neste caso faça uso delas, eu
me coloco em luta contra você.
Cleran colocou-lhe a espada no peito.
O yanarsar estava de costas contra a rocha e olhava amedrontado para a ponta da
espada, que se enfiava um pouco abaixo do seu queixo na sua pele.
― Você ameaça um servo de Shavi Yanar ― disse o yanarsaro ― Se você não se
arrepender imediatamente e agir sensatamente, será atingido pela ira dos deuses.
Cleran não se deixou intimidar.
― Se você tiver o poder para isso, então destrua-me, ou eu matarei você!
― Não! ― o yanarsar quase gritou aquilo. O seu olhar foi até a carruagem celeste,
que ainda estava parada na clareira próxima, depois para o seu companheiro morto, e para
Cleran. ― Não me mate. Eu quero fazer-lhe uma proposta.
O medo da criatura diante da morte mostrou a Cleran que ele não estava
absolutamente tratando com um ser divino, e sim com um mortal comum.
― Estou escutando ― disse Cleran.
― Primeiramente retire a espada ― pediu o yanarsar. Cleran atendeu o pedido. ― E
então, dê-me pelo menos roupas. Estou com frio.
Cleran sacudiu a cabeça e ergueu ao mesmo tempo a espada. ― Eu acho que você
quer apenas me enganar. Será melhor que eu o mate imediatamente.
― Pare! ― gritou o yanarsar. ― Ouça primeiro a minha proposta. O que é que você
acha de receber uma couraça semelhante à minha, e armas que cospem fogo e uma
carruagem celeste?
― Eu não poderia fazer nada com isso ― disse Cleran, não se deixando impressionar.
― Você aprenderia a manejar com eles. ― O yanarsar apertou os olhos. ― Você não
parece ser apenas valente e forte, mas também mais inteligente que as outras pessoas
nativas. Gente como você, nós sempre podemos usar.
Cleran repuxou a cara.
― Foi o que pensei, que cada um pode. Se tomar um yanarsar.
― Não cada um, são precisas determinadas ― capacidades retrucou o yanarsar.
― O que eu quis dizer é que vocês são apenas seres humanos ― disse Cleran. ― O
que lhe dá o direito de se dizer uma criatura divina e subjugar outras criaturas humanas?
― Eu nasci nas estrelas, e fui escolhido para transformar as palavras de Shavi Yanar
em fatos. Eu lhe ofereço mais uma vez, para que seja um dos nossos.
― E o que é que eu preciso fazer para isso?
― Entre comigo na carruagem celeste, e eu o levarei para um lugar onde farão de
você um yanarsar.
― Como se chama este lugar? ― perguntou Cleran, com muita expectativa.
― Yonyegy.
― Mas esta é a capital de Vomeggen ― gritou Cleran, perplexo. Ele ficou
desconfiado. ― Na realidade eu esperava que você me levaria para um templo de Shavi
Yanar.
O yanarsar fez um gesto teatral.
― O espírito de Shavi Yanar mora em todos os seus templos, mas Yonyegy é o local
onde ele se encontra corporificado.
Cleran sentiu como o ódio represado contra os ídolos da Arte Negra recrudescia
dentro dele. Shavi Yanar era um desses ídolos ― ele tinha que ser morto.
― Leve-me na sua carruagem celeste para Yonyegy ― disse Cleran, decidido.
― Não antes que eu tiver minhas roupas de volta ― declarou o yanarsar. ― Se eu
aparecer deste jeito, serei ridicularizado por todos os tempos. Neste caso eu prefiro a morte.
Cleran notou que o yanarsar falava sério, por isso decidiu-se a lhe entregar as roupas,
mas não a couraça nem as armas.
Cleran continuou vigilante, enquanto o yanarsar vestiu as roupas. Depois de estar
vestido, ele disse:
― Pegue as armas, pois armas de raios estão cada vez mais raras.
Cleran não tirou os olhos do yanarsar enquanto se abaixou para apanhar as armas que
cuspiam fogo.
Nisto aconteceu-lhe o contratempo. Ele tocou em alguma alavanca, ou num
disparador, e de repente um raio fulgurante saiu de um dos canos da arma.
Cleran gritou, quando o seu braço esquerdo foi envolto pelas chamas. Ele não gritou
de dor, porém mais de surpresa. Ele viu que seu antebraço ficou incandescente, mas ainda
não sentiu qualquer dor. Somente quando o fogo se apagou e o seu antebraço se dissolveu
no nada, ele sentiu uma coisa preta diante dos olhos.
Ele caiu ao chão, mas não perdeu os sentidos.
― Por que você não me mata? ― perguntou ele, na escuridão que baixava sobre o seu
espírito.
― Porque você é um dos nossos ― respondeu o yanarsar. Estes acontecimentos já
ficavam para trás, há algum tempo.
Cleran tinha sido admitido nas fileiras dos yanarsares. Mas isso não o levara nem um
passo adiante. Ele continuava afastado dos ídolos da Arte Negra, como no dia em que ele
tinha partido do norte com vinte valentes e seu amigo Aklirio Garalan.
Mesmo assim, ele não desistia de sua esperança numa vingança.
Cleran aprendia muito, mas entendia pouco. De há muito tempo ele desistira de agir de
acordo com o lema de Aklirio, que dizia: “Para todos os acontecimentos deste mundo há
uma explicação.”
Cleran não procurava mais por explicações para as coisas estranhas que aconteciam à
sua volta. Ele as aceitava, aplicava-as em parte, e tentava ajustar-se ao seu meio ambiente
fantástico.
Ele não fazia perguntas.
― Cleran, um milagre está por acontecer ― ecoou a voz de Tarwson, um dos
yanarsares nascidos nas estrelas, de dentro do gradil que tinha a designação de "instalação
de locução".
― Vai ser feito ― disse Cleran, e abandonou o seu quarto na parte traseira do templo.
Ele jamais vira Tarwson pessoalmente. Ele não sabia como era sua aparência, e isso
também lhe era indiferente.
Cleran executava o seu serviço no templo Losho Yanar e esperava por uma chance.
Ele realizava milagres, sem saber como eles se davam.
― "Para todos os acontecimentos deste mundo há uma explicação!"
Cleran sorriu sobre esta sabedoria. Em pensamentos ele acrescentava: "Mas não para
mim".
Lentamente ele subiu a escada em caracol para o púlpito, de onde tinha uma visão
geral de todo o recinto do templo, sem que ele mesmo pudesse ser visto. Tarwson certa vez
lhe explicara que o púlpito estava rodeado de uma barreira que deixava passar “0ndas
eletromagnéticas" apenas para um lado. Quando Cleran perguntara o que eram "ondas
eletromagnéticas" e como a barreira funcionava exatamente Tarwson não soube dizer. Não
que ele não quisesse dar a informação a Cleran, não, ele simplesmente também não
conhecia a resposta.
Através deste acontecimento e outros de tipo semelhante, Cleran tinha tirado a
conclusão de que os yanarsares nascidos nas estrelas tinham sido acometidos pela mesma
imbecilização que as pessoas restantes deste mundo. Visto deste lado Clermnont eralhes
superior, pois em nenhum momento ele sofrera perdas espirituais ― nem naquela
ocasião quando a imbecilização ainda tivera formas muito piores.
Agora a situação geral tinha se moderado, as criaturas humanas tinham recebido de
volta parte de sua inteligência, mas elas não se comparavam a ele. Nem mesmo os
yanarsares nascidos nas estrelas. Cleran usava esta vantagem o mais que podia ― somente
que isso não o adiantara muito.
Cleran sentou-se junto do "quadro de instrumentos" do púlpito e ligou a "instalação de
alto-falantes". O templo estava totalmente cheio, gente de todas as camadas tinham vindo,
para atrair para si as graças dos ídolos da Arte Negra. Até mesmo uma série de membros
do Paço Real ocupava os camarotes da nobreza.
A parte dianteira do templo estava trancada. Ali, perto do altar, estavam, tremendo
muito, as trinta jovens moças que deviam ser sacrificadas. Nas imensas conchas de
sacrifício estavam amontoados os pacotes com folhas da erva-das-três-almas. Os três ser-
vos metálicos dos ídolos, ou “robôs", como eram chamados no idioma dos ídolos, estavam
parados, imóveis, à esquerda das colunas. No momento, o altar ainda não estava iluminado,
mas quando Cleran puxava para baixo determinada alavanca, no “quadro de instrumentos",
entre as colunas se formaria um campo energético", envolvendo o altar numa luz
impressionante.
Cleran começou com o seu sermão.
― Honrai os nossos deuses Shavi Yanar, Losho Yanar e Raga Yanar, sacrificando-
lhes erva-de-três-almas e beleza. Lembrem-se deles e então eles lhes serão bem-
intencionados e lhes trarão bênçãos. Se vocês os esquecerem, os desprezam, e se vocês se
voltam para falsos ídolos, então eles os precipitarão nos infernos!
Cleran virou uma alavanca que estava marcada com um raio.
Através desta manipulação ele, como por encanto, fazia aparecer sob o teto do templo
uma grossa camada de nuvens negras, da qual saíam relâmpagos, e neve e saraiva se
precipitavam sobre os cidadãos amedrontados de Yonyegy.
Através da manipulação de algumas alavancas, ele ainda fez aparecer algumas cenas
admoestadoras: peste, fome, apodrecimento e o fim do mundo, antes de criar diante dos
olhos dos impressionados servos dos ídolos, o ponto alto do seu sermão, um verdadeiro
idílio. Um murmúrio saudoso encheu o templo.
Cleran fez com que aquela ilusão sedutora empalidecesse só lentamente, para que ela
pudesse impregnar-se bem nas mentes dos presentes.
Depois deu início à cerimônia do sacrifício. Ele criou entre as colunas do altar o
"campo energético", e "ativou" os três “robôs".

* * *

Sob os sons da instalação de alto-falantes, e os cantos dos adoradores dos ídolos, os


robôs carregaram os pacotes com a erva-das-três-almas para junto das colunas do altar. Ali
eles foram colocados em cima de uma pequena carreta. Quando a carreta estava carregada,
um robô dava-lhe um empurrão e o carro rolava na direção do campo energético
fluorescente ― e desaparecia dentro dele.
Parecia que ele se dissolvia entre as luminárias sob as colunas do altar. Era isso
naturalmente que acreditavam os visitantes do templo, mas Cleran sabia que não era assim.
Entrementes ele ficara sabendo que a erva-das-três-almas não era realmente sacrificada, ou
seja, não era destruída, mas sim transportada para um outro local.
Depois que também a última carreta com a erva-das-três-almas tinha desaparecido no
campo energético do altar, chegou a vez das moças. Cleran observou-as. Elas pareciam
controladas e calmas e também não pareciam ter medo da suposta morte. Não era de
admirar que elas suportavam a sua sorte tão facilmente. Antes, elas tinham sido obrigadas a
aspirar vapores da erva-das-três-almas. Agora os seus sentidos estavam nebulosos, elas
tinham visões de sonhos e nem sabiam o que estava acontecendo com elas. Elas se
encaminharam, em passadas iguais, na direção do
altar ― como o cerimonial o exigia. Sempre que uma das moças alcançava o campo
energético, as outras ficavam paradas. A luz verde por cima da coluna do altar se
iluminava, a moça desaparecia no campo energético. A seguinte colocava-se no seu lugar e
esperava pacientemente, até que a luz verde aparecia...
Cleran verificou que o comportamento da última moça se diferenciava das outras. Ou
ela recebera uma dose pequena demais da erva-das-três-almas, ou ela era imune contra os
vapores. De qualquer modo, ela mostrava inquietação, olhava, desesperada em volta de si,
e parecia que estava querendo sair da fila.
Quando a sua antecessora desapareceu no campo energético, parecia que ela iria
perder inteiramente o controle dos seus nervos. Mas um robô atento colocou-se do seu lado
e a conduziu para as colunas do altar. Ali ele soltou-a, e recuou.
A moça nem pensava em atravessar o portal de energia. Cleran ficou impaciente. ―
Vamos, menina ― murmurou ele. ― Não vai lhe acontecer nada.
A moça naturalmente não podia ouvi-lo. Nos seus olhos havia o medo da morte. E
neste momento Cleran a reconheceu.
Nyryla!
Nyryla, a filha do estalajadeiro.
Sem pensar muito tempo, Cleran se intrometeu. Ele virou uma alavanca, que existia
para casos de emergências e panes, a qual os servidores dos ídolos nada deviam ver.
Instantaneamente ergueu-se em volta da moça um "escudo defletor", que a tornava
invisível.
Os visitantes do templo respiraram fundo, aliviados, para eles a cerimônia terminara.
Cleran, ao contrário, abandonou o púlpito e correu pela escada em caracol abaixo.
Pouco depois, ele estava junto de Nyryla, puxou-a para fora do campo defletor e trouxe-a
para uma câmera atrás do altar. Quando ela o reconheceu, caiu-lhe nos braços, soluçando.
De repente, entretanto, ela o afastou violentamente de si.
Com os olhos muito abertos ela olhou o seu braço esquerdo.
O seu nojo causou-lhe uma pontada no peito, e ele rapidamente escondeu a prótese
atrás das costas.
― Já ainda criança pequena eu inspirava os vapores da erva-das-três-almas ―
declarou ela. ― O meu pai, há muitos verões é viciado. Ele não pode mais viver sem as
imagens, sem os sonhos. Talvez eu não mostre, por isso, qualquer efeito, com os vapores
da erva-das-três-almas, porque a respirei desde que nasci.
Ele passou-lhe a mão direita pelos cabelos.
― Você dá uma impressão bem mais inteligente que as outras mulheres ― disse ele.
― Eu já estou procurando, há muito tempo, por uma companheira, que tenha para me
oferecer algo mais que o seu corpo. Eu gostaria de torná-la minha mulher ― isto é, se você
não me acha repugnante.
― Mostre, por favor ― pediu ela, baixinho.
Ele tirou a mão esquerda de trás das costas e estendeu-lhe a prótese. Ela alisou
cuidadosamente a tira de plástico, movimentou os dedos, girou as articulações.
― Ela é muito mais perfeita que uma mão de verdade ― disse ela, então, olhando-o
nos olhos. ― Desculpe-me, por, ainda há pouco, ter ofendido você. Mas eu não sabia com
o que você estava me tocando.
― Está bem. ― Ele acreditava nela.
― Agora eu também entendo porque você se tomou um yanarsar ― continuou ela. ―
Você deve ser muito agradecido aos deuses, por eles terem presenteado você com uma
prótese tão perfeita para a sua mão.
― Deuses! ― disse ele, depreciativo. ― Eles são assassinos e ladrões, que exploram a
ignorância do povo para sua vantagem.
De repente ele repuxou a cara, dolorosamente, e levou a outra mão para o lugar onde a
prótese tinha cicatrizado por cima do coto do braço.
― Não blasfemes, Cleran ― pediu ela. ― Você vê, os deuses o castigam por isso.
― Besteira! Esses idiotas simplesmente fizeram um serviço malfeito ― disse ele. Às
vezes ele caía quase inconscientemente na maneira de falar normal, quase ordinária, de que
os yanarsares faziam uso, quando estavam entre si. Ele continuou com a voz abafada: ―
Eles não são absolutamente tão infalíveis e insuperáveis, como querem fazer crer. Certo,
eles têm todo o poder nas mãos, e também os meios para oprimir o povo. Sim, eles
dominam até os príncipes e reis de nosso mundo. Mas vistos espiritualmente, eles não
podem ser classificados muito mais alto que os outros mortais. Eu verifiquei, Nyryla, que
eu lhes sou espiritualmente superior. Eles trazem consigo mais saber, mas não conseguem
explorá-la totalmente. Eles nem sequer conseguiram colocar a prótese de maneira correta.
Espiritualmente eu sou mais hábil que eles, Nyryla, e isso faz com que eu tenha esperanças
de que um dia eu ainda poderei derrubar os ídolos.
Ela olhou-o nos olhos, suplicante.
― Por favor, não fale mais estas palavras de blasfêmia. Eu temo a maldição dos
deuses.
Ele espichou-se.
― Eu vou vencê-los.
Ouviu-se um trovão, tão poderoso, que o templo foi abalado nas suas
bases. Nyryla agarrou-se nele, tremendo muito.
― Esta é a resposta dos deuses! ― disse ela, com os lábios trementes.
― É o trovão que anuncia uma trovoada ― afirmou ele. ― E logo ela terá passado.
Mas aquele trovejar não diminuía, ao contrário até aumentava. As paredes do templo
mostravam pequenas fendas, das quais escorria a poeira.
― Este é o começo do fim do mundo, que você profetizou no seu sermão ― disse
Nyryla.
Cleran não disse nada. Talvez Nyryla tivesse razão. Os ídolos da Arte Negra eram
capazes de, num só golpe, destruírem esta cidade ― e grandes partes de Vomeggen, isso
ele sabia. Mas não havia nenhuma razão para que eles o fizessem. Os cidadãos de Yonyegy
sempre tinham prestado o seu tributo.
Ele meteu-se rapidamente na sua couraça de yanarsar e correu para o ar livre, com
Nyryla.
Na praça diante do templo reinava o caos. As pessoas corriam sem destino, gritando,
fugindo para dentro das casas, ou saindo em pânico de dentro delas para o ar livre. Elas
tomaram o templo de assalto, para procurar proteção ali, inalaram os vapores da erva-das-
três-almas, para fugirem da realidade ― e se agrupavam, para juntos esperarem pelo fim
do mundo. Mas seja lá o que fizessem, todos olhavam para o céu, do qual descia sobre eles
a sinistra ameaça.
O ar ainda tremia sob o trovejar forte. Um vento, uma tempestade subira. As nuvens
foram misturadas, em louco turbilhão, como se um gigante furioso soprasse para dentro
delas, depois se abriram, foram varridas para longe, e liberaram um complexo gigantesco á
vista.
Ele ainda voava muito alto, acima das nuvens, quase tão alto como as estrelas. Mesmo
assim podia ver-se que tinha medidas gigantescas. Da sua parte inferior, perfeitamente
circular, eram atiradas poderosas línguas de fogo sobre o mundo. Era uma montanha
invertida, um monte com inúmeros vulcões, que agora atiravam o seu fogo em cima das
pessoas.
Esta montanha em chamas devia ser maior que o maior templo Yanar. Cleran achou
até que ela era maior que toda Yonyegy, mas, devido à distância, isso não podia ser
determinado com exatidão.
Quando as pessoas o viram, o assediaram com perguntas e pedidos, o apertaram,
beijaram-lhe as mãos e os pés, e imploravam por misericórdia para suas almas.
― Olhem para cima e se reconheçam a si mesmos. Lá de cima vem a montanha do
maligno. É a malignidade que dormitava dentro de vocês e que agora se libertou ―
anunciou Cleran, pela "instalação amplificadora" de sua couraça yanarsar. ― Daquele que
houver malignidade dentro da montanha, a montanha o esmagará. Quem praticou o bem
durante toda a sua vida, não tem nada a temer.
A multidão gritou, quando fendas maiores apareceram nas paredes do templo. Uma
das casas construídas menos firmemente ruiu sobre si mesma. A tempestade entrementes
aumentara de tal maneira que algumas pessoas não conseguiam mais ficar de pé. Elas eram
rodopiadas para longe.
― Isto é o fim do mundo?
Cleran não respondeu. Ele não tinha qualquer resposta, além do mais, ele não se sentia
mais capaz de pronunciar palavras suntuosas. Ele mesmo estava amedrontado com este
fenômeno, ele temia que estes podiam ser os últimos momentos de sua vida...
E então todos viram como a montanha se dividiu, ela se dividiu, enquanto ainda
pairava muito acima deles no céu, em formas todas iguais, até que somente restou a
plataforma básica redonda, chamejante. Deviam ser muito mais de mil partes, que saíam
voando em todas as direções.
― Os destroços da montanha estão caindo sobre nós!
O grito provocou um novo pânico. A multidão se espalhou. Só Cleran e Nyryla, que se
agarrava firmemente nele, ficaram parados. Os pedaços de destroços, que pela sua simetria
fascinavam Cleran, realmente caíam na direção da superfície do planeta. Mas pela sua
direção de vôo, Cleran reconheceu que nenhum deles iria cair em cima da cidade.
O disco em chamas, que restara da montanha, também saiu pairando e finalmente
desapareceu no horizonte por trás das casas.
A tempestade arrefeceu. Cleran respirou fundo, aliviado.
Ele tirou, no meio da praça do templo, a sua couraça yanarsar, cujas instalações ele,
aliás, nunca tinha sabido manipular corretamente.
Um vento quente subiu, como normalmente somente ocorria na primavera em
Yonyegy. Os ídolos da Arte Negra estavam mandando uma nova praga para cima das
gentes?
― Venha ― disse Cleran para a moça. e dirigiu-se, decidido, para a parte traseira do
templo.
― Para onde você quer ir? ― perguntou ela.
Ele não respondeu. Ele agora estava decidido a tudo. Chegado ao templo, ele afivelou
o cinturão com a espada.
― O que você pretende fazer, Cleran?
Ele caminhou em silêncio adiante, através dos corredores, até que chegou ao pavilhão
do templo. Ali ele ficou parado diante do altar, e puxou uma alavanca escondida para
baixo.
Nyryla o havia seguido. Quando ela viu o clarão fluorescente entre os dois pilares do
altar, ela gritou,
― Não, Cleran, você não precisa buscar a morte. O mundo não acabou, nós vamos
poder continuar vivendo.
― Nós não vamos morrer ― disse ele, com voz firme. ― O campo energético não
nos matará, somente nos levará para um outro lugar ― para o lugar para onde todas as
moças foram levadas. Eu acho que ali também vou encontrar os ídolos da Arte Negra. Eu
preciso matá-los, antes que eles nos tragam maiores malefícios.
Junto com Nyryla ele entrou no transmissor.
Os seis pequenos purpurinos não causaram absolutamente nenhuma dificuldade.
Quando os gêmeos Blazon se colocaram tão repentinamente à sua frente nos seus trajes de
pressão, eles ficaram tão surpreendidos, que nem sequer ofereceram resistência.
Depois que eles tinham ido ao chão, sob os raios paralisadores, Alfa disse,
― E agora vamos rapidamente sair de dentro deste bloco-favo.
― Para onde devemos ir?
― Rhodan falou que neste mundo havia uma colônia arcônida ― respondeu Alfa. ―
Nós vimos a cidade na tela de imagem. Ela fica apenas a poucos quilômetros distante
daqui. Com os aparelhos de vôo poderemos alcançá-la rapidamente. Talvez ali
encontremos ajuda.
― Ajuda de arcônidas degenerados? ― disse Beta, depreciativo. ― A cidade que
vimos na tela de vídeo tinha claramente caráter da Idade Média. Nós pousamos numa
colônia esquecida, irmão! E não podemos usar os aparelhos de vôo, porque precisamos
poupar energia. A ajustagem secundária está em pleno andamento. Desta vez, ela será
terminada mais depressa, porque os responsáveis pela frota de divisão estão sob pressão de
tempo. Em poucas horas os valores máximos terão sido atingidos. Por que, neste caso,
devemos abandonar o bloco-favo?
― Você tem razão, um lugar para morrer é tão bom quanto o outro ― opinou Alfa.
Ele olhou para o seu irmão. ― Nós temos que entrar em contato com Rhodan.
― Para pedir ajuda, depois que desistimos de qualquer colaboração? ― disse Beta,
venenoso.
― Deve acontecer alguma coisa, também em favor da gente deste mundo.
Blazon Alfa não ouviu as objeções do seu irmão, e chamou a Good Hope II, pelo seu
aparelho de hiper-rádio. De repente ele foi ligado com Perry Rhodan.
Alfa não disse nada de sua situação crítica, mas apenas transmitiu uma imagem da
situação geral.
― Os amarelo-ocres já entraram no segundo estágio do processo de divisão. Com os
doentes-imunes, nós praticamente não temos mais nenhum contato. Gahork se encapsulou
completamente contra nós. Não pudemos mais ficar sabendo dele que medidas deviam ser
tomadas contra a proliferação da doença. Apesar de já quatrocentos milhões de amarelo-
ocres terem sido infectados, a ajustagem secundária continua em toda a sua extensão.
Nossa missão infelizmente deve ser vista como falhada. Com a infecção dos amarelo-ocres
nós não alcançamos absolutamente nada.
― Não diga isso ― retrucou Rhodan. ― Só sabermos dessa doença altamente
contagiosa, que somente age em conquistadores amarelos, pode ser altamente importante
em missões futuras.
― O que pretende fazer pelas pessoas deste mundo, sir? ― Alfa pigarreou. ― Quero
dizer, devido a ajustagem secundária.
― Nós vamos atacar ― neste instante!
Os gêmeos Blazon respiraram fundo, audivelmente.
Cleran saiu com Nyryla do transmissor-receptor, e sabia imediatamente onde se
encontrava. No gigantesco cilindro de metal, de um quilômetro de comprimento, que
estava ancorado no parque do palácio real. Nele os ídolos da Arte Negra tinham vindo para
Vomeggen.
Dois yanarsares, que estavam de serviço sem suas couraças, estremeceram ao verem
Cleran.
― Como é que ele chegou aqui? ― perguntou um deles, no idioma dos ídolos.
Cleran estava perto deles, com alguns pulos. Enquanto batia com a lâmina chata da
espada na cabeça de um, colocando-o assim fora de combate, ele pegou o outro, com sua
esquerda, pelo pescoço. Os dedos de plástico se enterraram profundamente na carne mole
do pescoço, e o homem já não conseguia respirar.
Cleran colocou sua espada no cinturão e empurrou o yanarsar contra a parede. O seu
rosto estava azulado, e ele respirava com dificuldade. Cleran aliviou a força da prótese e
disse,
― Eu vou lhe presentear a vida, se você responder às minhas perguntas. Você está
preparado para isso?
O homem anuiu, desesperado.
Cleran o desarmou e depois o soltou.
― Onde eu encontro um dos três ídolos? ― quis ele saber. O yanarsar olhou-o, cheio
de pânico.
― De nada vai valer-lhe se eu o disser. Pois ainda antes que você abandonar este
recinto a maldição de Raga Yanar o alcançará,
― Com isso você não pode me amedrontar ― declarou Cleran, sem se deixar
impressionar. ― Onde eu posso encontrar Raga Yanar?
― Na central de comando. Mas...
Cleran agarrou o homem novamente pela garganta.
― Você precisa apenas me responder, mais nada. Onde eu encontro esse lugar?
Cleran afrouxou a mão, para que o yanarsar pudesse responder.
― Na parte dianteira da nave. Se você se mantiver à direita, e seguir
sempre em frente, não pode deixar de chegar à central de comando.
Cleran soltou o homem e assestou-lhe um golpe bem dado na fronte.
Junto com Nyryla, que tremia muito no corpo todo, ele saiu para o corredor, que era
largo, e que se estendia em ambas as direções, em linha perfeitamente reta. À direita ele
terminava a cerca de duzentos metros de distância.
Em lugar algum podia ver-se qualquer yanarsar.
― Vamos ter que correr ― pediu Cleran à sua companheira. Os movimentos dela
eram muito lentos.
― Eu não posso ― disse ela, tossindo. ― Eu não consigo respirar, quando corro. Está
muito quente. Minhas pernas estão tão pesadas...
― É melhor não falar ― disse-lhe ele. Ele já quase se arrependia de tê-la trazido.
Teria sido mais simples deixá-la para trás no templo.
Mas estava certo o que ela dizia. Estava quente, e o calor estava ficando insuportável.
Parecia a Cleran que o seu corpo agora estava pesando pelo menos mais a metade do que
pesava antes. Se isso continuasse assim, logo não poderiam mais se mexer.
― Precisamos ir em frente! ― insistiu ele, e arrastou Nyryla consigo.
Eles chegaram a uma entrada lateral, da qual veio um ruído como de uma porta que se
abria. Cleran ficou parado, e colocou a mão sobre a boca de Nyryla.
Passos se aproximaram. Cada vez mais altos, e vinham pelo corredor central.
― Está quente ― disse alguém.
― E ainda vai ficar mais quente ― disse uma outra voz.
― Será que ninguém entende esta maldita aparelhagem de climatização?
― Por que você não experimenta a sua sorte?
― Eu me ocupei com os aparelhos antigravitacionais. Antigamente eu sabia lidar com
essas coisas, eu sei. Quando vejo todas as comutações diante de mim, no meu espírito,
então estou convencido de que saberia manipulá-los. Mas quando me vejo diante de um
monte de aparelhos técnicos, então ― maldição! ― eu não sei fazer uma única
manipulação sensata.
― Isso se dá com todos nós. Antigamente ainda era pior.
― Mas nós precisamos fazer alguma coisa contra o calor e contra a gravidade que
aumenta.
― Talvez só nos restarão os trajes de pressão...
O homem foi assaltado, no meio da sentença, por uma sombra, e ainda antes que ele
pudesse se haver psiquicamente com este incidente, ele foi ao chão, sem sentidos.
O outro, apesar da surpresa, tinha reconhecido a situação de modo fulminante, e
puxara a arma. Porém ainda antes que ele pudesse apertar o gatilho, uma coisa metálica
acertou-o no peito...
Cleran colocou a espada de volta na bainha e pegou a arma do homem caído, para si.
Era uma dessas armas que não matavam, mas apenas paralisavam. Cleran, entrementes,
aprendera a usá-la, apesar de nunca lhe terem dado o direito de possuir uma arma
semelhante.
― Deixe-me para trás, aqui, Cleran ― pediu Nyryla. ― Eu não posso mais.
Cleran não reagiu ao pedido dela. Ele segurou a sua mão e puxou-a sempre atrás de si.
Finalmente eles alcançaram o fim do corredor largo. Cleran verificou que no corredor
lateral havia uma série de dutos verticais. Mas encontrou apenas um com uma escada.
Se esta fosse a única entrada para a chamada central de comando, um único homem
seria suficiente para vigiá-la. Cleran certamente seria capaz de liquidá-lo.
Ele olhou para Nyryla.
― Agora vai ficar perigoso, eu preciso deixar você para trás.
Apesar de suas objeções, ele levou-a para uma câmara estreita, vazia, mas
iluminada, e escondeu-a ali. Depois voltou para o duto, e subiu silenciosamente,
degrau por degrau, a escada de ferro para cima. Quando ele alcançou o final do duto,
ele verificou, para seu alívio, que os ídolos não haviam colocado ali nem um só
vigilante.
Cleran estava coberto de suor. Parecia que um punho gigantesco o apertava para
baixo, como se quisesse esmagá-la no chão. Mas agora ele não se importava mais com
nada.
Ele alcançara a sua meta. Vozes abafadas chegavam até ele. Ele olhou cautelosamente
pelo canto do pequeno recinto, no qual o duto terminava. Sua respiração quase parou,
quando olhou para dentro de um grande pavilhão, tendo uma parede semicircular, que
consistia quase inteira daquele material transparente, que na linguagem dos ídolos se
chamava "vidro blindado". Daqui tinha-se uma linda vista para o parque real e para quase
toda Yonyegy.
Mas isso Cleran somente percebeu quase inconscientemente. O seu interesse era para
os dois homens, que estavam na central de comando.
Um deles estava de costas para Cleran, vestia apenas um traje simples, e parecia sofrer
muito com o calor e com o peso aumentado.
O outro estava sentado numa poltrona anatômica e usava uma couraça. Por trás da
viseira transparente do seu capacete brilhava uma barba ruiva. Este devia ser um dos três
falsos ídolos.
Provavelmente se tratava de Raga Yanar!
Cleran pegou o paralisador e preparou-se para a sua primeira grande disputa.

* * *

― Nem penso em mandar distribuir os trajes de pressão à tripulação ― disse Raga


Yanar para o homem à sua frente. ― Se Shavi e Losho estivessem aqui, eles não
decidiriam de outra maneira.
O yanarsar tossiu.
― Mas... os homens desmaiam. Eles não estão acostumados ao calor e a gravidade
enorme. Se isso continuar assim, todos nós morreremos.
Raga Yanar fez um gesto defensivo.
― Não vai continuar assim. Em algum momento este estado vai ter um fim.
― O que devo dizer aos homens? ― quis saber o yanarsar, com voz insegura.
― Tenta explicar-lhes a situação, Harsash ― disse Raga Yanar. ― Você sabe que
precisamos dos trajes de pressão para intimidar os nativos de Trantus-Tona. Você sabe que
nós não temos condições de reparar um traje de pressão se ele estiver falhando. E agora
vocês querem meter-se nos trajes de proteção, devido ao calor de dois gravos. Com isso
poderão pôr em perigo todo o empreendimento.
― Para o diabo com isso! ― praguejou o yanarsar. ― De qualquer maneira estamos
presos neste maldito planeta, porque não temos condições de dar partida na astronave. De
que nos adianta se todos os nossos depósitos estão cheios de erva-de-três-almas, se todos
nós estamos indo para o diabo?!...
― Nós vamos conseguir ― declarou Raga Yanar.
― Sim, você e seus dois irmãos, sim ― gritou o yanarsar, furioso. ― Vocês se
tomam o direito de usarem trajes de pressão.
Raga Yanar levantou-se de um salto.
― Isso é uma coisa bem diferente! Preste muita atenção, Harsash. Se você ainda
pronunciar uma palavra, então...
Raga Yanar emudeceu. Ele viu a sombra que vinha se esgueirando para dentro da
central de comando, vindo da direção da entrada de emergência. Quando ele reconheceu,
de que com o invasor se tratava de um nativo deste mundo, ele quis gritar uma advertência
para Harsash. Porém então já era tarde demais.
O invasor apertou a arma paralisadora, e Harsash imediatamente foi para o chão,
desmaiado.
― Agora vamos fazer as contas, ídolo ― gritou Cleran e atirou nas pernas de Raga
Yanar. A parte inferior do seu corpo ficou sem sentidos, ele perdeu o equilíbrio e apoiou-se
no chão.
Cleran jogou fora o paralisador e puxou sua larga espada. Raga Yanar apoiou-se sobre
uma mão, enquanto esticava a outra defensivamente, para longe de si.
― Pare! ― gritou ele pela instalação externa da fonia do seu traje de pressão ― Tem
consciência de que está levantando a sua mão contra o seu deus!
Cleran riu ruidosamente.
― Você é um mortal normal como eu, só que totalmente maléfico. Eu vim para pedir
explicação de você e dos dois outros ídolos. Você será o primeiro que irá morrer.
Raga Yanar olhou suplicante para o selvagem, que estava de pé acima dele,
ameaçador, segurando a espada pronta para golpear.
― Você realmente mataria um homem indefeso? ― perguntou ele.
― Sim, agora você é um homem indefeso ― disse Cleran. Mas ao mesmo tempo você
também é um terrível demônio, que nos trouxe muita desgraça. Somente a sua morte pode
trazer-nos a salvação. Há alguns verões vocês roubam esta terra, seqüestram nossas virgens
― e agora vocês desencadearam o calor e o poder invisível, que pesa sobre nossos corpos.
― Nós não temos nada a ver com isso ― disse Raga Yanar rápido. ― Nós também
sofremos como você com o calor e a gravitação. Se você me matar não ganhou nada com
isso. Mas se você me deixar com vida, eu vou conseguir retirar este formidável peso de
cima de vocês.
Cleran riu, zombeteiro.
― Você pede esmolas como uma velha mulher. Você tem a língua bifurcada, por isso
eu não acredito nas suas promessas. Você, neste momento, faria tudo para salvar sua vida.
― Quando nós tivermos descoberto porque é efetuado o aumento da temperatura e o
valor dobrado da gravitação, nós poderemos tomar contramedidas ― afirmou Raga Yanar.
Ele acrescentou rapidamente: ― E eu lhe prometo que tiraremos de cima de você esse peso
imenso!
― Você merece a morte.
Cleran tentou dar à sua voz um tom decidido, apesar de no seu interior tudo se opor
contra matar um homem indefeso. Ele se repetia constantemente que tinha diante de si um
demônio sem compaixão, mas isso ajudava muito pouco. Em lutas a dois e nos campos de
batalha ele já liquidara muitos inimigos, mas isso aqui era uma outra coisa.
Raga Yanar parecia notar sua insegurança. Ele aproveitou a sua chance e lhe falou de
modo persuasivo,
― Por que não falamos de homem para homem. Pela sua prótese eu reconheci que
você é Cleran Raklanka de Klingonak. Dizem de você que tem um instinto infalível e uma
inteligência excepcional. Sim, eu até acredito que você não foi atingido pela imbecilização.
Se isso é verdade, eu tenho um negócio a lhe propor, que seria vantajoso para todos nós,
inclusive para as pessoas deste mundo.
― Eu não estou interessado num negócio com vocês ― disse Cleran com firmeza. ―
Eu apenas vim para libertar esta terra de vocês.
― E você poderá fazê-lo! ― garantiu Raga Yanar. ― Se você ouvir minha proposta,
você vai reconhecer que na realidade nós queremos a mesma coisa. Vocês querem que nós
nos afastemos do seu mundo, e nós queremos sair daqui, mas estamos encalhados. Com
força você não conseguirá nada, pois nós somos mais fortes que você. Mas se você
trabalhar conosco, então poderá atingir seu objetivo inteiramente sem o uso da força.
Cleran refletiu rapidamente, depois abaixou a espada.
― Estou escutando.
Raga Yanar respirou fundo, aliviado. Ele disse devagar, e sublinhando as palavras:
― Já há algum tempo queremos abandonar este mundo, mas não nos é possível dar
partida em nossa nave estelar. Nós perdemos nossa sabedoria, e também perdemos, em
parte, a capacidade de aprender. Apesar de termos as possibilidades técnicas de transferir
qualquer quantidade de dados para cérebros humanos, nós somos psiquicamente incapazes
de assimilar e reter estes dados. Este é um efeito secundário da onda de imbecilização. Se
não fosse por isso nós já teríamos abandonado Trantus-Tona há muito tempo. Você pode
acreditar em mim, que não estamos absolutamente interessados em permanecermos aqui
pelo resto de nossas vidas.
― E o que eu poderia fazer? ― perguntou Cleran, que sentia que Raga Yanar, pelo
menos neste ponto, falava a verdade.
― Se é verdade, que você é imune contra a imbecilização, nós podíamos passar a
vocês, pelo hipnotreinador, os conhecimentos necessários para pilotar uma espaçonave, ―
declarou Raga Yanar. ― Naturalmente, através do hipnotreinamento, você não seria capaz
de manobrar sozinho uma espaçonave. Mas você teria a sua disposição uma tripulação
completa que, seguindo suas instruções, poderia levar a nave para o espaço. Nós não
teríamos perspectivas ruins para um êxito.
Cleran refletiu sobre a proposta. A mesma tinha seus pontos bons ― se Raga Yanar
estava falando a verdade. Cleran gostaria de fazer este sacrifício, se ele pudesse livrar o seu
mundo da tirania dos ídolos.
Ele sentia que a espada na sua mão ficava cada vez mais pesada. Logo ele não teria
mais possibilidade de erguê-la, para executar a sentença de morte do ídolo.
― Eu aceito a sua proposta ― disse ele, com voz rouca. A sua boca parecia ressecada,
ele mal ainda conseguia falar. Ele tinha sede e mal ainda conseguia falar. Além disso,
sentia-se muito cansado. Ele pigarreou. ― Eu aceito a sua proposta, com uma condição.
Primeiramente vocês terão que tirar de cima de nós esta pressão terrível, que nos obriga a
nos ajoelhar.
Por um instante pareceu-lhe que o corpo de Raga Yanar não se sustentava mais dentro
de sua couraça. Ele olhou por cima do ombro de Cleran ― e de repente havia um sorriso
nos seus lábios.
― Está bem, Cleran, eu vou dar um jeito nisso ― garantiu Raga Yanar. Mas ao
mesmo tempo havia uma ponta de traição nos seus olhos.
Cleran já estava temendo uma armadilha e quis agir. Porém logo ele teve a impressão
de que alguém tirava a pressão dos seus ombros. Pareceu-lhe que o seu corpo, de um só
golpe, ficara mais leve. Ele tentou erguer sua espada ― e realmente ela pesava somente a
metade.
O ar ainda estava quente e queimava a cada inspiração como fogo nos pulmões. Mas
isso agora era muito mais fácil de suportar.
― Eu sei apreciar essa prova de confiança, ídolo ― disse Cleran e meteu a espada na
bainha.
Raga Yanar sorriu.
― Eu preciso conceder que esta diminuição da gravidade veio de modo tão
surpreendente para mim como para você. Mas isso não deve modificar nada na nossa
colaboração.
Essa confissão confundiu Cleran. Antes que ele pudesse recuperar o seu controle, ele
foi atingido por um golpe nas costas, que paralisou imediatamente todo o seu corpo. Ele foi
ao chão, paralisado.
Na entrada para a central de comando estavam Shavi e Losho Yanar, vestindo pesados
trajes de pressão. Shavi estava justamente colocando o paralisador de volta no bolso e
disse:
― Parece-me que nós voltamos justamente na hora certa, de nossa excursão, para
salvá-la desse selvagem, irmão.
― Vocês cometeram a maior bobagem de suas vidas ― retrucou Raga, furioso. ―
Vocês jogaram no chão o homem que é o único neste mundo maldito, que seria capaz de
nos voar de volta para a civilização. Eu só espero que com a maneira apressada de vocês
agirem não tenham posto em perigo nossa colaboração com ele.
Losho e Shavi se entreolharam, sem entender.
― A abrupta diminuição da força da gravidade confundiu o seu espírito, irmão? ―
perguntou Shavi.
Raga fez um gesto defensivo.
― Eu vou explicar-lhes tudo, mas antes de mais nada ajude-me a entrar na poltrona
anatômica. E depois me revelem o que causou a normalização da força de gravidade.
Sobre isso os dois irmãos não tinham qualquer resposta.
Imediatamente após o pouso das quarenta naves-cogumelo no pólo norte de Trantus-
Tona, teve Inicio a ajustagem secundária. Dos tetos pontudos das naves de mais de seis mil
metros de altura foram atirados raios de sucção, ultraluz, para o cosmo. Eles atingiram o
sol amarelo Heleva-EX e dele sugaram energia.
Com isso o equilíbrio energético do sol foi perturbado, ele se inflamou, cresceu até
tomar-se uma bola ameaçadora, lançando labaredas para o espaço. A energia sugada corria
pelos raios de sucção para as naves-cogumelo. Ali entravam em funcionamento máquinas
desconhecidas, que transformavam as inconcebíveis energias e ao mesmo tempo a
desviavam, em parte, para os campos magnéticos próprios do planeta e em outra parte para
o cerne do planeta, e ainda diretamente para a atmosfera.
O planeta era esquentado, ao mesmo tempo, por dentro e por fora. De golpe ficou mais
quente, o gelo nos pólos derreteu. Ao mesmo tempo elevou-se a gravitação própria do
planeta.
O planeta esquentou mais depressa, muito mais depressa que antes dele Aggres e
Diane. A gravitação subiu quase de um salto.
Poucas horas depois do pouso das primeiras astronaves, faviformes, os valores
necessários de 62,7134 graus centígrados, acima de zero, e de 2,2156 gravos, tinham sido
atingidos.
Neste momento, Perry Rhodan teve a conversa, antes mencionada, com os gêmeos
Blazon, e prometeu-lhes:
― Nós vamos golpear ― e neste instante!
Isso não foi uma promessa vazia. Devido a ajustagem secundária ocorrida de uma
maneira excepcionalmente rápida, 500 milhões de pessoas em Trantus-Tona encontravam-
se em um perigo mortal. E então Rhodan não teve outra alternativa que usar de todos os
meios de força que tinha à sua disposição, para intervir nesta situação cada vez mais
ameaçadora.
Ele hesitara por muito tempo até tomar esta decisão ― hesitara demais, conforme
Reginald Bell verificou, censurando-o.
A Good Hope 11 e a Intersolar corriam com grande velocidade pelo cosmo,
aproximando-se, e mergulharam com as turbinas uivando na atmosfera, atirando-se na
direção do pólo norte, em cuja área as astronaves-cogumelo tinham pousado.
Mal chegadas à distância de tiro, ambas as naves abriram fogo de seus canhões
transformadores e com todos os canhões de impulsos.
Os instaladores do "Enxame" não estavam em situação de se protegerem contra este
inesperado ataque de fogo. As astronaves cogumelo mergulhavam e se desfaziam em
seqüência nos sóis atômicos dos canhões transformadores e nos raios dos canhões de
impulsos.
Um quarto de hora depois do início do ataque, no pólo norte de Trantus-Tona viam-se
apenas ainda os destroços das quarenta naves. A ponte de raios de sucção do sol Heleva-
EX para o pólo norte não existia mais.
Logo em seguida repetiu-se o mesmo processo no pólo sul do planeta. Os tetos
cônicos das astronaves-cogumelo em destroços ficaram incandescentes, sempre que não
eram logo destruídos, e os raios energéticos vindos do sol deixaram de existir.
O esquentamento da temperatura e a ascensão da gravidade de Trantus-Tona
estagnaram imediatamente, e logo em seguida pode registrar-se uma redução desses dois
efeitos.
Com isso os tonarenses pareciam salvos.
― O que, agora, os conquistadores amarelos vão empreender? ― perguntou-se Perry
Rhodan.
Alfa abriu o capacete do seu traje de pressão e respirou a sufocante atmosfera de
Trantus-Tona em grandes puxadas.
― Ah! ― fez ele, exagerando.
― O que é que você acha tão gostoso nesse ar? ― perguntou-lhe o irmão Beta,
irritado, pois ele também abrira o capacete.
― Ele é melhor que o dos nossos trajes de pressão ― afirmou Alfa.
Numa curta hipermensagem de rádio para Rhodan ele garantiu que com eles estava
tudo em ordem, e agradeceu, pela rápida intervenção.
― Foi necessário para salvar os 500 milhões de habitantes de Trantus-Tona ―
declarou Rhodan. ― o senhor pôde verificar alguma reação dos conquistadores amarelos,
para com essa nova situação?
Alfa olhou para o gigantesco bloco-favo que eles tinham acabado de abandonar. Ali
tudo estava quieto, parecendo morto.
― Por enquanto ainda não ― respondeu Alfa. ― Mas o intercâmbio de rádio entre as
naves da frota de divisão aumentou de golpe.
― Isso nós também já verificamos ― disse Rhodan. ― Caso aconteça algo de novo,
por favor, me informem imediatamente. Nós ficamos em prontidão de rádio. Vocês
conseguem se manter, até que mandemos uma missão de comando para o planeta?
Alfa garantiu-lhes que eles estavam capacitados a isso, e então eles interromperam a
ligação.
― Ora veja só quem vem aí! ― gritou Blazon Beta.
Alfa virou-se. Por cima da rampa de desembarque deslizava um amarelo-ocre, cujo
corpo mal mostrava traços do processo de divisão, mantendo aproximadamente a figura
original.
― É Gahork ― verificou Alfa, surpreso. ― O que deve tê-lo levado a abandonar o
seu favo de nascimento?
Beta olhou-o, interrogativamente. ― Você não pode imaginar?
Alfa anuiu.
― Posso. Devido a interrupção abrupta da ajustagem
secundária, o ritmo do processo de divisão foi perturbado. Isso
poderia tê-la espantado dali. ― Ele virou-se para o doente-
imune, e chamou através do tradutor: ― Ei, Gahork, qual é o
motivo por que deixou a segurança de seu favo de nascimento?
O doente-imune continuou deslizando imperturbável na direção deles. Ele tinha um
braço virado para trás, de modo que os dois braços adicionais estavam escondidos atrás de
suas costas.
― Eu procurei por vocês, por toda parte ― disse o doente imune.
― O que podemos fazer pelo senhor? ― perguntou Alfa.
― Precisamos tomar providências para que o processo de modificação do meio
ambiente entre novamente em funcionamento ― pediu Gahork, enquanto ele se
aproximava.
― O senhor está falando da ajustagem secundária? ― disse Alfa. ― Sobre isso nós
não temos mais nenhuma influência. As naves dos instaladores do "Enxame" foram
destruídas, o aumento da temperatura do planeta e da gravitação, foi definitivamente
detido.
― Atenção, irmão! ― murmurou-lhe Beta. ― Atrás das costas ele seguramente está
segurando uma surpresa para nós.
― Vocês precisam restabelecer as condições necessárias para o processo de
nascimento ― pediu Gahork, com mais insistência.
― Isso não é possível ― declarou Alfa, calmo. ― Nós tivemos que impedir a
ajustagem secundária para salvar quinhentos milhões de pessoas de uma morte certa. Todas
elas seriam mortas, se nós não tivéssemos baixado a temperatura e a gravidade.
― Isso não é verdade ― retrucou Gahork. ― Nós temos apenas que parir, nunca
matar. Nós precisamos parir!
Aí estava novamente essa lógica contraditória, de que se serviam os amarelo-ocres,
quando falavam do seu impulso para parir. Eles sabiam que nos seus mundos pátrias,
através da ajustagem secundária, a vida da flora e da fauna sofreria. Por isso eles tinham-se
resignado a parir em mundos estranhos. Mas eles não queriam admitir que também em
planetas estranhos a vida era ameaçada pela ajustagem secundária. Essa crassa contradição
parecia resultar num instinto de conservação fortemente tingido de egocentrismo, que
colocava as próprias necessidades acima de todo o resto.
Os amarelo-ocres não se importavam conscientemente com todos os efeitos colaterais
da ajustagem secundária. Parecia mais que eles possuíam uma psicobarreira natural, que
não os deixava reconhecer os perigos que levavam para outros planetas.
― Não se feche contra a realidade, Gahork ― disse Beta, penetrante, colocando a
mão, como que por acaso, sobre o coldre do seu paralisador. ― O senhor sabe muito bem
que trazem morte e destruição para criaturas inocentes e pacíficas, quando vêm parir em
seus mundos.
― Nós não queremos outra coisa, que satisfazer em paz nossa determinação ―
garantiu Gahork. ― Cada fibra de nossos corpos pede para nos entregarmos a esse instinto
insaciável. Nós precisamos dividir-nos! Os senhores entendem isso, não?
― Como quer que nós o entendamos, se o senhor não tem a menor compreensão para
o nosso problema? ― protestou Alfa.
― Qualquer outra palavra aqui é supérflua ― murmurou Beta ao seu irmão. ― É
como se nossas palavras lhe entrassem por um multiórgão e lhe saíssem pelo outro.
Alfa continuou, sem se deixar confundir:
― O senhor não pode pedir, Gahork, que nós joguemos fora nossas vidas
voluntariamente, só para que o seu povo consiga as condições ideais para o processo de
divisão. E, aliás, nós não temos mais a menor possibilidade de deter esse efeito retroagente.
Ninguém poderia modificar alguma coisa nisso, pois para a ajustagem secundária as
naves de sucção dos raios solares foram definitivamente destruídas.
― Nós não somos aliados? ― lembrou Gahork.
― Neste caso nós temos que cuidar de nossos próprios interesses ― disse Alfa,
inflexível.
― Neste caso eu vou obrigá-los a nos ajudar.
Gahork, ainda enquanto falava, tirou de trás das costas uma daquelas armas de bastão,
que eram usadas pelos pequenos purpurinos. Beta, que já contara com algo semelhante, no
mesmo momento puxou seu paralisador e paralisou Gahork com um tiro bem assestado.
― Y'Xanthymona!
O grito estridente ecoou da rampa de desembarque do bloco-favo. Ali tinham surgido
alguns pequenos purpurinos, que com pequenas passadas e armas-bastões, vinham
correndo rampa abaixo. Os primeiros tiros foram dados, os raios energéticos caíram perto
dos irmãos gêmeos, fazendo queimar folhas, galhos e troncos das árvores derrubadas.
― Vamos sair daqui, rápido!
Alfa e Beta ativaram seus propulsores, que ficavam embutidos nas mochilas às costas
dos seus trajes de pressão, e ergueram-se do solo, com aceleração máxima.
Os pequenos purpurinos ainda mandaram alguns tiros atrás deles, mas não acertaram
nenhum.
― Agora nós ainda temos os doentes-imunes contra nós disse Beta, pelo rádio de
capacete. ― Gahork não deve ter deixado de avisar seus companheiros de infortúnio, por
via telepática. Nós podemos contar com que eles irão nos caçar.
― Por que eles fariam isso? ― perguntou Alfa.
― Porque eles são de opinião de que nós somos capazes de colocar novamente em
funcionamento a ajustagem secundária ― respondeu Beta. ― Os doentes-imunes
esqueceram o seu ódio represado de quase dois mil anos, contra os amarelo-ocres saudá-
veis. Como todos os amarelo-ocres eles agora só querem se dividir. Por isso eles farão de
tudo para nos agarrar.
― Nesse caso já é hora de pedirmos a Rhodan que nos mande Ras Tchubai ― achou
Alfa.
― Em minha opinião, isso seria cedo demais ― retrucou Beta. ― Ou você não quer
levar com você, pelo menos, algumas impressões deste mundo? Vamos manter a rota na
direção da cidade mais próxima. Ali será mais fácil nós nos misturarmos, e escapar de uma
maior perseguição dos doentes-imunes.
Entretanto eles só puderam deixar para trás um total de treze quilômetros, voando.
Depois disso o propulsor da mochila de Alfa começou a gaguejar, e a falhar
temporariamente. Eles tiveram que baixar nas proximidades de uma dúzia de blocos-favo,
que eram originários de diversas astronaves faviformes, e que tinham pousado num local
muito estreito.
Ali eles tiveram uma visão horrenda.
Os amarelo-ocres vinham ― inchados, deformados, tremendo convulsivamente,
gritando horripilantemente ― por cima das rampas, arrastando-se para fora dos blocos-
favo. Eles não tinham qualquer consideração uns com os outros. Eles empurravam para o
lado qualquer um que estivesse no seu caminho, trepavam por cima dos outros, deslizavam
das rampas e caíam na capim alto, onde ficavam deitados, tremendo e gritando.
Os pequenos purpurinos corriam entre eles, solícitos, de um lado para o outro,
procurando ajudá-los, enquanto os borrifavam. Mas eles não conseguiam tranqüilizar os
amarelo-ocres, e acalmar a confusão. A confusão geral também se estendera a eles.
A comunicação de rádio entre as naves faviformes pousadas em Trantus-Tona e a
frota de vigilância que orbitava o planeta tornava-se cada vez mais caótica.
Parecia que se fizera um caos total.
Numa mensagem de rádio com Rhodan os dois físicos-sextadim descreveram a
situação caótica dos amarelo-ocres, mas silenciaram a respeito de sua própria situação
precária, e ficaram sabendo que das naves de vigilância da frota de divisão saiam
constantes mensagens de hiper-rádio na direção do "Enxame". Assim como antes, elas não
puderam ser decodificadas.
Depois do fim da intercomunicação, Alfa disse:
― Parece que os responsáveis pela frota de divisão não são mais senhores da situação.
A tomada de contato com o "Enxame" pode significar apenas que eles buscam novas
instruções. Sorrindo, aferrado, ele prosseguiu: ― Coisa semelhante certamente não lhes
acontece há muito tempo ― se é que já aconteceu. Como os impulsos das
radiotransmissões passam através do flexi-escudo para mim é um mistério.
Eles se encontravam a uma distância segura do bloco-favo mais próximo, no caminho
para a cidade medieval, cujos muros de pedra se elevavam da planície a uma distância de
dois quilômetros.
― Eu estou curioso para saber que solução os dominadores do "Enxame" vão
encontrar ― disse Beta. ― Afinal de contas eles não podem abandonar três bilhões de
amarelo-ocres, dos quais certamente a metade já foi contagiada pelos doentes-imunes.
― Talvez eles mandem um segundo destacamento de astronaves-cogumelo ―
presumiu Alfa.
Beta sacudiu a cabeça.
― Isso eu não acredito. Nós sabemos que esta doença infecciosa provoca tumores
celulares extensivos, ocasionando uma inchação dos seus corpos. Eles não podem controlar
este processo, e portanto também não podem mais influenciar a divisão celular. Isso
significa que eles não podem mais executar o processo de nascimento. Naves-cogumelo
portanto nada têm para fazer aqui. Os dominadores do "Enxame" terão que pensar
rapidamente em outra coisa.
― Se eles realmente abandonarem os amarelo-ocres enfermos, então nós vamos ter
que pensar em alguma coisa ― disse Alfa, preocupado.
Os amarelo-ocres infeccionados continuavam fugindo de dentro dos blocos-favo, em
massa. Os seus gritos estridentes ecoavam longe por cima da planície. Alguns deles se
movimentavam na direção dos irmãos gêmeos, sem entretanto dar-se conta deles.
Dos pequenos purpurinos não lhes ameaçava qualquer perigo, pois eles estavam
totalmente ocupados em manter reunidos, mais ou menos, os amarelo-ocres adoecidos, que
tinham perdido completamente o domínio sobre si mesmos.
Os irmãos gêmeos já se julgavam em segurança, depois que deixaram o ajuntamento
do bloco-favo atrás de si, tendo quase alcançado os muros da cidade da colônia medieval.
Como eles sabiam que os amarelo-ocres não podiam se movimentar adiante com uma
rapidez maior de cinco quilômetros por hora, eles achavam estar em segurança, contra uma
perseguição por doentes-imunes.
Mas eles se enganavam nisso.
A trezentos metros dos muros da cidade, cerca de cem dos canos-favo de cerca de
vinte e cinco metros de comprimento vieram voando silenciosamente, e pousaram em volta
dos irmãos gêmeos plofosenses.
― Eu não sabia que nesta frota de divisão havia cilindros-favo capazes de vôo ―
disse Beta, espantado. ― E agora a coisa vai esquentar, irmão ― acrescentou ele,
penetrante.
Dos canos-favo desceram doentes-imunes.

* * *

Seria insensato iniciar uma discussão com os doentes-imunes. Gahork já demonstrara


que eles não eram acessíveis a argumentos lógicos. Eles queriam apenas uma coisa ―
dividir-se. Nisso baseavam-se todas as suas ações.
Nesta situação Blazon Alfa e Beta escolheram o único caminho viável. Com os
paralisadores eles procuraram abrir para si uma possibilidade de fuga.
Os primeiros doentes-imunes foram ao chão, paralisados, mas outros os substituíam
em cada vez maior número. Apesar de não serem especialmente jeitosos, e também não
possuírem nenhuma arma, eles ofereciam uma ameaça aos irmãos gêmeos devido à sua
superioridade numérica.
Alfa conseguiu tirar as últimas reservas de energia dos seus geradores de escudo de
proteção do seu traje de pressão, e ativando os projetores antigravitacionais conseguiu dar
vários pulos de longa distância. Mas deste modo não conseguiu escapar do âmbito dos
doentes-imunes. Quando então os geradores dos escudos de proteção falharam
definitivamente, os amarelo-ocres o tinham cercado totalmente. Eram trinta ou mais, que
vinham na sua direção, de todos os lados.
Beta, cujos propulsores ainda estavam intactos, veio voando até o seu irmão, para dar-
lhe assistência. Costas com costas, eles ficaram parados ali, e defenderam-se dos atacantes,
com os raios dos paralisadores, armados em grandes leques. Porém ficou claro para os dois
que, apesar de estarem armados, eles não podiam resistir por muito tempo à superioridade
numérica. Era impossível paralisar todos os cem doentes-imunes.
― Eles simplesmente vão nos atropelar ― gritou Alfa para o seu irmão, por cima do
ombro. ― E agora?
― Então, boa noite! ― disse Beta, secamente.
― Você poderia pôr-se em segurança ― declarou Alfa. ― O seu propulsor ainda
funciona.
Bela riu.
― Durante noventa e oito anos nós fomos inseparáveis, e agora você quer que eu o
deixe na mão, por causa de alguns amarelo-ocres?
Ele mandou um doente-imune ao chão, que tinha procurado cobertura atrás de um
companheiro de sua espécie paralisado, e que tinha se aproximado até cinco metros.
― Eu vou pedir a Rhodan que mande o teleportador ― decidiu Alfa.
― Eu tenho uma idéia melhor ― disse Beta. ― Vire-se e me abrace, irmão.
― Eu não estou para piadas macabras ― disse Alfa, com raiva, e tomou providências
para ativar o hiper-rádio.
― O que você está pensando? ― insistiu Beta. ― Eu não quero abraçar você, para
despedir-me de você para sempre, mas para sair voando com você, na área de perigo. O
meu propulsor é suficientemente forte, para carregar-nos, aos dois, por um bom pedaço.
― Às vezes você também sabe usar sua cabeça para outras coisas, além de travessuras
de mau gosto ― disse Alfa, reconhecido.
Ele ainda paralisou dois doentes-imunes, que tinham se aproximado
ameaçadoramente, depois ele virou-se e agarrou-se ao seu irmão muito menor, na altura
dos ombros.
― Alguém devia tirar uma foto nossa, assim, para o álbum de família ― verificou
Beta, e ligou o propulsor do traje.
Eles se ergueram lentamente do solo, e voaram por cima das cabeças dos doentes-
imunes, que agitavam seus braços duplos no vazio.
Duzentos metros mais adiante, fora do círculo dos cilindros-favo, os dois irmãos
pousaram.
― Agora o caminho para a cidade está livre ― disse Alfa, respirando fundo. ― Só
espero que ali já não estejam preparando uma fogueira no meio da praça para nós ―
acrescentou ele, com humor negro.
Beta sacudiu a cabeça e disse, preocupado, enquanto sua mão apontava para o céu.
― O destino não é tão cheio de fantasia, como você imagina.
Ele pretende nos mandar para o além, de uma maneira bem mais simples. Os doentes-
imunes recebem reforços.
Realmente, de todas as direções, vinham pairando cerca de trezentos cilindros-favo
nos seus campos antigravitacionais. Isso somente podia significar que os cem doentes-
imunes tinham chamado, por via telepática, os seus irmãos de espécie, para lhes prestarem
ajuda.
Os primeiros cilindros-favo alcançaram o espaço aéreo por cima dos irmãos gêmeos, e
desciam lentamente. A dez metros por cima deles, entretanto, eles pararam.
― Que diabo pode estar por trás dessa manobra? ― perguntou-se Alfa.
― Eu poderia imaginar que eles iriam jogar redes, para tentar nos pescar ― brincou
Beta.
― Não ― eles estão subindo novamente! ― gritou Alfa, não querendo acreditar.
Os cilindros-favo, que por algum tempo tinham pairado por cima deles, rapidamente
ganharam altura e voaram em conjunto de volta na mesma direção de onde tinham vindo.
Semelhante foi com os cem cilindros-favo, que primeiramente tinham chegado aqui. Os
irmãos-gêmeos puderam observar que os doentes-imunes carregavam os companheiros de
sua espécie paralisados para dentro dos cilindros-favo, e depois voaram embora com eles.
― Como é que a gente se explica uma coisa dessas? ― disse Alfa, perplexo.
― Para mim o comportamento dos doentes-imunes não é um enigma ― afirmou Beta.
― Enquanto você estava parado, de boca aberta, não conseguindo sair do seu espanto, eu
captei uma hipermensagem do "Enxame". Depois disso, os doentes-imunes saíram daqui
voando.
― Você quer dizer que os dominadores do "Enxame" mandaram os doentes-imunes
voltar? ― perguntou Alfa.
― Que idéia de cérebro mole ― irritou-se Beta. ― Só pode ser que os dominadores
do "Enxame" deram uma ordem a toda a frota de divisão. Seja lá como for essa ordem, ela
levou os doentes-imunes a nos deixarem em paz, e para voltar para os blocos-favo. Pode
absolutamente ser que a chegada de astronaves-cogumelo tenha sido anunciada.
Alfa anuiu, muito abstraído, enquanto olhava na direção da cidade.
― Rhodan saberia tratar das astronaves-cogumelo ― disse ele, então. ― Nós temos
nossos problemas. Para nós será decisivo para nossa vida se os habitantes desta cidade
gostam ou não de queimar bruxas.
Vindo da cidade uma nuvem de poeira rolava na sua direção. Logo uma coisa
cristalizou-se dentro dela. Eram quatro dúzias de cavaleiros, que traziam consigo uma
carreta de formato cilíndrico, com seis rodas e com animais de tração diante dela.
Os cavaleiros traziam pesadas armaduras de ferro e couro e estavam armados com
espadas, lanças e escudos estranhos. Nos escudos tinham pintado uma fera parecida com
um gato, em cor amarelo forte. Seus animais de montaria ― cavalos pequenos robustos ―
estavam enfeitados com lenços coloridos.
Quando os cavaleiros alcançaram os dois físicos-sextadim, parando bem perto deles,
eles estavam decididos e preparados para venderem suas vidas o mais caro possível.
Mas então eles vivenciaram a primeira surpresa agradável desde a sua aterrissagem
neste mundo. Todos os cavaleiros saltaram das selas, como a um só comando, e se jogaram
diante deles no pó.
Levou todo um minuto, até que o chefe ergueu a cabeça e disse alguma coisa, numa
língua que parecia proto-arcônida. Os aparelhos tradutores dos irmãos gêmeos verteram
suas palavras em intercosmo.
― Nós estamos diante de vós, no pó, yanarsares, e agradecemos de todo o coração
que, com valentia, força e astúcia, venceram os demônios do mundo inferior, botando-os
para correr. Nós fazemos votos, aqui diante de vós, que de agora em diante adoraremos
apenas estes, apenas serviremos os novos deuses. Perdoem-nos por tomarmos a liberdade
de trazermos uma carreta puxada por animais até aqui. Mas como vimos dos muros da
cidade, que vocês estão a caminho sem carruagem celeste, nos decidimos a vir perguntá-los
se nos permitem levá-los para o domicílio dos deuses em Yonyegy.
Os irmãos gêmeos se entreolharam.
Este nobre cavaleiro fala de modo bastante inchado ― achou Beta. ― Mas, pela sua
conduta, podemos concluir que ele tem alguma experiência ― ainda que muito estranha ―
no tratamento com astronautas.
― A designação "carruagem celeste" e a forma da carreta com cavalos, apontam para
o fato de que espaçonaves, ― ou pelo menos espaçonaves cilíndricas ― não lhes são
desconhecidas ― acrescentou Alfa.
― Isso permite uma série de conclusões importantes ― opinou Beta. ― Nós não
devíamos dizer não ao convite do nobre cavaleiro.
Alfa virou-se para o tonarense, que vestia uma couraça ricamente ornamentada, e
disse, através do aparelho tradutor:
― Nós permitimos que nos conduzam ao domicílio dos deuses.

* * *

― Uma nave cilíndrica dos springer! ― gritou Blazon Alfa, quando chegaram ao
parque do palácio real.
A viagem através de Yonyegy fora uma só marcha triunfal. A história de que os
"yanarsares" tinham afugentado os demônios dos submundos da terra espalhou-se como
fogo rasteiro. Nas ruas cheias de esquinas e nas ruelas, as massas de gente se aglomeravam,
todas as janelas nas casas de madeira e adobe e de pedras estavam latadas. Os yonyegyer os
festejavam como heróis ― como deuses. Somente os pesados portais com seus gonzos de
ferro, e as lanças da guarda palaciana, conseguiram evitar que a multidão seguisse o carro
com os dois "deuses" para dentro do palácio real...
― Nós chamamos mais atenção, do que nos pode servir achou Beta, com um olhar
crítico para a nave-cilíndrica de quase mil metros de comprimento, que em posição
horizontal repousava sobre seus curtos apoios telescópicos em cima do gramado bem
tratado. ― Os springer vão nos preparar uma recepção quente, quando ficarem sabendo
que não fazemos parte deles. Seria mais inteligente ficarmos fora disso. Mas uma vez que
estamos aqui, também podemos matar o tempo, até que Rhodan nos tire daqui.
― Agora também me fica claro porque nos chamaram de "yanarsares" ― disse Alfa.
― A nave chama-se Yanara ― certamente nome do patriarca a quem ela pertence. Você
gostaria de dar uma olhada nela, por dentro?
― Você não?
― Gostaria ― mas não sem antes ter feito um seguro de vida ― declarou Alfa. ― Se
os springer não tiveram dúvidas em arvorar-se como "deuses" para o povo
subdesenvolvido deste mundo, eles também não terão escrúpulos de nos liquidarem.
Especialmente porque, com a imbecilização, os seus instintos animalescos devem ter ficado
ainda mais acentuados.
― E de que modo você quer garantir-se? ― perguntou Beta
― Deixe isso comigo.
Eles abandonaram a carruagem cilíndrica, que fora construída imitando uma nave-
auxiliar dos springer. O chefe de sua escolta a cavalo já estava deitado, diante deles, no
chão.
― Levante-se ― ordenou-lhe Alfa.
O cavaleiro pôs-e de pé, mas não ousou olhar para o outro. ― Como é que você se
comportaria, se deuses lhe pedissem a sua colaboração?
― Eu ficaria grandemente honrado, mas também me perguntaria se eu valho esta
honra ― disse o cavaleiro, sem erguer a cabeça.
― Os meus sentidos divinos me revelam que você é digno de erguer a sua espada em
meu nome ― declarou Alfa, com voz patética. ― Você certamente já deve ter notado que
também entre deuses existe desunião e discórdia, que existem bons e maus entre eles. Nós
viemos para correr com os falsos deuses deste mundo, para livrar esta terra do jugo dos
ídolos terríveis. Nós somos fortes porque o Bem habita em nós. Mas como já aconteceu
tantas vezes, também desta o Mal poderia conquistar a vitória. Por isso eu me volto a você,
um mortal, pedindo ajuda. Você está pronto para lutar pelo Bem?
O cavaleiro ergueu-se em todo o seu tamanho.
― Eu estou pronto ― disse ele, decidido.
― Ótimo! ― Alfa olhou para o sol, que somente estava ainda a um palmo acima dos
telhados das casas baixas. ― Quando o sol tiver desaparecido atrás das casas, e se nós
ainda não regressarmos do domicílio dos deuses, então você terá que chamar os mortais às
armas, e levar a nossa luta até o fim, com uma vitória. Com o pôr-do-sol deve começar o
crepúsculo dos idolos.
Alfa virou-se e em passadas largas dirigiu-se com seu irmão para a astronave
cilíndrica dos springer, que permanecia pousada calmamente.
― Foi simplesmente classe, o jeito como você conseguiu fazer isso ― elogiou Beta.
― Sobretudo foi psicologicamente muito inteligente. Você reconheceu corretamente, que
os habitantes deste mundo certamente só se deixam oprimir rangendo os dentes, e não
gostam nada de serem explorados ― mesmo se os tiranos se dizem deuses. Você acaba de
acender uma fagulha de rebelião, que passará a todos os oprimidos, e que fará inflamar a
sua ira contra os falsos deuses. A isso os springer não terão como se opor. Só que eu não
vejo nem o brilho de um seguro de vida diante de nós.
Alfa anuiu, sério.
― Para nós esta aventura poderia acabar mal. Mas se nós cairmos, então morremos
por uma boa causa.
― Isso é tranqüilizante, isso é muito tranqüilizante ― disse Beta, mal-humorado.

* * *

Eles entraram na Yanara, não através da escotilha principal, mas penetraram nela
através de uma escotilha de emergência, que podia ser aberta do lado de fora por uma
manivela. Os irmãos gêmeos tinham presumido corretamente, que os springer, devido à
imbecilização, não sabiam mais manejar a maioria da aparelhagem da nave.
Deste modo, também a escotilha de emergência, há anos parecia não ter sido mais
utilizada. Não havia ninguém por perto, para guardá-la.
― Os springer parecem sentir-se seguros aqui ― achou Seta, enquanto saiam de um
corredor lateral para a galeria principal.
Aqui todas as esteiras rolantes estavam paradas, e somente a luz de emergência estava
acesa.
― Por que eles não deviam sentir-se seguros? ― retrucou Alfa. ― Dos tonares, pelo
menos, eles não têm nada a temer. O que é muito bom para nós.
Dos alto-falantes do intercomunicador saiu um crepitar, depois ecoou uma voz:
― Os dois yanarsares que acabam de chegar devem imediatamente apresentar-se na
central de comando. Os dois yanarsares devem vir imediatamente para a central de
comando!
Beta sorriu, divertido.
― Os springer acham que nós somos parte deles. Eles nem sequer notaram que nós
vestimos trajes de combate terranos.
― Eles vão reconhecer a diferença cedo o bastante ― disse Alfa. ― Vamos deixar o
patriarca estrebuchar um pouquinho, antes de seguirmos suas exigências. Primeiramente
vamos dar uma olhada na nave. Eu quero ver que tesouros eles escondem aqui.
Primeiramente eles revistaram os recintos de carga na parte traseira da nave. E
verificaram que todos os recintos de carga estavam recheados com fardos do mesmo tipo.
Alfa rasgou um dos fardos, e verificou que ele continha folhas secas de plantas. Ele
esfregou uma folha entre os dedos, e lambeu com a língua um pouco daquele pó cinzento,
no qual se transformara a folha. Ele repuxou a cara, com nojo.
― Estupefacientes! ― verificou ele. ― Drogas pesadas! Todos os recintos de carga
estão recheados com estas plantas das quais se extrai o pó de uma droga para viciados. Nós
podemos estar contentes que a onda de imbecilização acometeu a galáxia, antes da Yanara
ter partido. Caso contrário, agora talvez bilhões de pessoas já estariam viciadas.
Eles abandonaram os recintos de carga atrás de si, e chegaram aos conveses
superiores, onde se encontravam os alojamentos da tripulação. Ali verificou-se o primeiro
incidente.
De urna das cabines maiores veio um grito histérico. De repente a porta foi aberta
violentamente, e um springer, com uma enorme barba ruiva, saiu cambaleante. Ele
tropeçou, e depois ficou sentado no chão, atordoado. O seu olhar vítreo revelava que ele
estava embriagado, ou então tinha tomado droga.
Quando ele notou os dois homens nos trajes de pressão, ele sorriu, encabulado.
― Nenhuma palavra aos chefes de família, camaradas, está bem? ― disse ele com
voz insegura. ― Se vocês ficarem quietos, eu lhes darei o troco.
― O que aconteceu? ― quis saber Alfa.
― Eu queria me divertir um pouco com as garotas ― declarou o springer. ― Não há
nada de mal nisso, não é? Mas elas simplesmente não colaboraram. Mulheres idiotas!
Quando eu comecei a demonstrar-lhes o meu charme, elas simplesmente me jogaram pela
porta para fora. Os pioneiros, que certa vez investiram o seu dinheiro nestas garotas, eu já
sinto até pena deles.
― Nós não vimos nada ― disse Alfa, curto. ― E agora suma daqui.
― Obrigado, camaradas. ― O springer drogado só conseguiu pôr-se de pé a muito
custo, e depois saiu cambaleando.
Alfa entrementes abrira a escotilha da cabine. Ele viu cerca de trinta moças, vestidas
com as roupas antiquadas deste mundo. Quando o viram, elas deram um grito estridente, e
recuaram para o fundo da cabine.
Alfa fechou a cabine rapidamente, para não assustar as moças inutilmente. Depois ele
revistou as cabines grandes anexas. Por toda parte era a mesma visão. Em cada cabine
tinham sido alojadas quase três dúzias de moças.
― Mercadores de escravas! ― disse Alfa, com uma mistura de raiva e nojo.
o
Ainda acontecia até mesmo no 35 século, que astronautas criminosos seqüestravam
gente de planetas subdesenvolvidos, para vendê-la nos mundos dos pioneiros. Escravos
freqüentemente ainda eram mais baratos que robôs.
Esta espécie de tráfico de gente era o mais nojento. Os springer faziam com que os
tonarenses lhes entregassem moças jovens e bonitas, como sacrifícios, e evidentemente
tencionavam vendê-las a mundos pioneiros, nos quais reinava escassez de mulheres.
― Fizemos coisa certa em não ter-nos deixado buscar logo para a Good Hope ― disse
Beta, com raiva. ― Agora vamos dar um jeito nesse patriarca dos springer.
Alfa abriu quase que por rotina mais uma última cabine.
Ele ficou surpreso de não encontrar uma moça jovem aqui, e sim um homem, ainda
jovem, com uma prótese num dos braços, e que parecia ser originário de Trantus-Tona.
Quando ele viu os dois homens com os trajes de pressão, ele se atirou sobre eles, com um
grito irado.
Mas ele gritou numa mistura de arcônida e intercosmo: ― Me devolvam Nyryla!
Os irmãos gêmeos tiveram dificuldade em segurar o homem. Quando finalmente
conseguiram colocá-la no chão, ajoelhando-se sobre o seu corpo, Alfa disse-lhe,
― Não tenha medo, não vamos fazer-lhe nada. Nós viemos para punir os falsos
deuses pelos seus crimes infames. Quer juntar-se a nós?
Cleran entendeu imediatamente. Ele olhou os irmãos gêmeos por algum tempo, com
um olhar penetrante, depois pareceu chegar à decisão de que podia confiar neles.
Ele relaxou e fixou escutando espantado o que Alfa lhe disse em poucas mas floridas
palavras, sobre o mundo nas estrelas, e os chamados deuses estelares. Cleran deu-se conta
de que também eram apenas seres humanos, alguns bons, outros ruins, que apenas se
encontravam num grau mais elevado do desenvolvimento.
Cleran lembrou-se com um leve sorriso do seu amigo morto, Aklirio, que sempre
dissera: "Para tudo existe uma explicação". E Cleran recebera uma explicação destas
justamente para a existência dos deuses estelares.
― Logo o sol vai se pôr, e então começará o crepúsculo dos ídolos ― disse Alfa. ―
Vamos pôr-nos a caminho da central de comando, para evitarmos um derramamento de
sangue.
― Último chamado aos dois yanarsares: Venham imediatamente à central de
comando!
Raga Yanar quis virar-se do intercomunicador, quando, como se viesse de longa
distância, uma confusão de vozes chegou ao seu ouvido. Ele foi até a tela de vídeo semi-
redonda e olhou para fora.
E estremeceu.
― O populacho está tomando a nave de assalto! ― anunciou ele, perplexo.
― Que bobagem está dizendo? ― fez-se ouvir Losho Yanar, dos fundos.
― Cheguem até aqui e vejam com seus próprios olhos ― gritou Raga Yanar, agitado.
― O populacho derrubou os portais do jardim do palácio e atravessa o parque na direção
da nave.
Losho e Shavi Yanar correram até ele. Através da viseira panorâmica eles tinha uma
boa visão do parque. Eles viram que da direção do portal principal uma multidão de gente a
perder de vista se aproximava da nave. Deviam ser milhares. Na frente de todos vinham a
cavalo, cerca de cem cavaleiros, armados com espadas e lanças e vestindo pesadas
armaduras. Não havia mais nenhuma dúvida que seu objetivo era a nave.
― Há muito tempo nós deveríamos ter terminado com isso ― choramingou Raga
Yanar, o mais medroso dos três irmãos. ― Eu sempre preveni para que vocês não
roubassem demais os tonarenses, mas vocês nunca tinham ganho o suficiente. Agora todo o
seu ódio vai se descarregar contra nós.
Shavi Yanar riu, zombeteiro.
― Deixe-os vir ― disse ele, sem se deixar impressionar. Nós vamos dar-lhes uma
lição em regra, de modo que eles voltarão a se esconder nas suas cabanas, e onde tremerão
até o fim da vida, com medo dos deuses das estrelas. Eu vou mandar ocupar todas as
posições de canhões, e mandar o restante da tripulação contra o populacho, vestindo seus
trajes de combate completos.
Raga Yanar ficou pálido.
― Você não pode simplesmente matar essa gente a tiros. Vamos refletir sobre
a situação, talvez encontremos uma outra solução.
― Não há nada para refletir ― interveio Losho Yanar. ― Se nós não respondermos
duramente, estes selvagens ficarão cada vez mais ousados. Nós precisamos dar-lhes um
exemplo aqui e agora.
― Eu vou mandar fazer tudo que for necessário ― disse Losho Yanar, e dirigiu-se
para o intercomunicador.
― Isso o senhor não vai fazer! ― ecoou da entrada uma voz forte.
Losho Yanar ficou parado como enraizado, quando viu os dois homens nos trajes de
combate terranos, cada um mantendo uma arma combinada de raios nas mãos. Atrás deles
surgiu o nativo que eles haviam trancado na cabine.
― Quem é o senhor? ― perguntou Raga Yanar, com voz insegura.
― Nós agimos a mando de Perry Rhodan, caso este nome ainda lhes lembre alguma
coisa ― disse Blazon Alfa.
― Neste caso deve ter pousado com uma astronave! ― disse Raga Yanar. Ele
esquecera completamente o perigo ameaçador que se aproximava pelo parque. ― Se os
senhores realmente chegaram com uma espaçonave, isso poderia ser a salvação para todos
nós.
Losho Yanar ficou sem se impressionar, ele pensava praticamente.
― Guardem suas armas ― exigiu ele dos irmãos Blazon ― e antes de mais nada
deixem-nos limpar esta situação. E então nós ainda podemos negociar.
― Não há nada para negociar ― declarou Alfa. ― Não se mexam do lugar. No menor
movimento suspeito, nós faremos uso de nossas armas. Nós sabemos tudo sobre seus atos
criminosos, e não hesitaremos em agir correspondentemente. Portanto, não nos
subestimem.
― Do que está falando? ― gritou Shavi Yanar, agitado, colocando-se do lado de
Losho. ― Se nós não empreendermos nada, o populacho vai nos estraçalhar. E os senhores
sofrerão a mesma coisa. Nós estamos no mesmo barco. Portanto sejam sensatos e deixem
que chamemos os homens às armas.
― Errado ― disse Alfa. ― Nós não temos nada a temer. Pois fomos nós que
chamamos os tonarenses às barricadas.
Losho Yanar tremia no corpo todo. Ele só se controlava com muito esforço.
― Os senhores realmente querem entregar-nos a essa matilha sanguinária? ―
perguntou ele, desesperado.
― Não ― respondeu Alia, sem tirar os olhos um segundo do springer furioso. ― Nós
não temos interesse em que os senhores sejam linchados. Nós queremos apenas terminar
com este culto de ídolos e devolver a liberdade aos tonarenses. Os senhores ainda ganham
uma chance, apesar de, na verdade, não merecê-la. Nós lhes damos a possibilidade de fugir
através do transmissor, e se esconderem em algum lugar neste mundo.
― Obrigado, eu desisto de uma vida entre selvagens ― disse Losho Yanar, por entre
os dentes, e levou a mão à arma. No mesmo instante ele se deixou cair ao chão.
Alfa e Beta atiraram ao mesmo tempo. Eles tinham mirado suas pernas, mas como ele
se deixou cair, os raios desintegradores atingiram o seu corpo em cheio. Segundos mais
tarde, o springer literalmente se dissolvera no nada.
Shavi Yanar e seu irmão Raga ficaram parados, como que petrificados.
― Sinto muito que tenhamos chegado a isso ― disse Alfa, com lástima sincera. ― Os
dois ainda têm a possibilidade de se pôr em segurança, através do transmissor. Não reflitam
por muito tempo, pois os tonarenses podem penetrar na nave a qualquer momento, e então
eu não posso garantir por nada.
― Não seria possível que o senhor nos levasse consigo para a sua nave? ― perguntou
Raga, quase suplicante. ― Eu suportaria tudo melhor que uma vida em fuga constante dos
selvagens.
― Na galáxia ainda reina o caos, nós temos coisas mais importantes para fazer, do
que nos ocuparmos ainda com criminosos ― declarou Alfa. Num tom um pouco mais
conciliador, ele acrescentou: ― Além disso, é praticamente inexeqüível que os levemos
conosco. O que ainda estão esperando? Corram por suas vidas.
Raga Yanar foi o primeiro que se pôs em movimento, hesitante, depois correu cada
vez mais depressa e desapareceu da central de comando.
Alfa foi até o intercomunicador, ligou-o, e disse ao microfone:
― Mensagem para todos! Para todos! Procurem imediatamente o pavilhão do
transmissor, e coloquem-se em segurança. Fujam através do transmissor, antes que os
tonarenses possam agarrá-los. Fujam!
Cleran veio até ele, e ficou de pé à sua frente.
― Por que o senhor impediu que os ídolos e seus yanarsares recebessem o merecido
castigo? ― perguntou ele.
― A morte deles não teria deixado nada melhor ― respondeu Alfa. ― E acredite-me,
Cleran, os yanarsares são suficientemente castigados por terem que continuar vivendo entre
vocês, como proscritos. Talvez isso até possa regenerar um ou outro deles.
Cleran sacudiu a cabeça, sem entender, e disse:
― Eu ainda preciso aprender muito, para aprender a maneira de agir dos deuses das
estrelas.
― O senhor é inteligente, Cleran, pelo senhor eu não me preocupo.
Beta recebeu um hiper-rádio na freqüência da Frota do Império Solar. Ele virou-se
para seu irmão, que também não tinha deixado de perceber o sinal de goniometria.
― Vamos receber o comunicado? ― perguntou ele.
Alfa fez que sim.
― Já está chegando a hora de abandonarmos este planeta para fazemos um relatório
pormenorizado a Perry Rhodan.
Beta fez a ligação de hiper-rádio.
― Por que não reagiram a nenhum dos meus chamados? ― foram as primeiras
palavras de Perry Rhodan.
― Nós podemos justificar nosso comportamento ― respondeu Seta. ― Nas
circunstâncias dadas, nós achamos conveniente regularmos algumas coisas em Trantus-
Tona, antes de mandar-nos buscar para a Good Hope. Agora estamos prontos.
― Eu quero crer que, para a sua arbitrariedade, tenham um bom motivo ― disse
Rhodan, irritado. Ele encerrou o assunto. Basta disso. Eu agora vou mandar-lhes Ras
Tschubai para que ele os traga para a Good Hope. Fiquem em constante contato de rádio
com ele, para que possa goniometrá-los e teleportar para onde estão.
― Sim, senhor, sir!
― E não têm mais nada para me comunicar?
Beta hesitou:
― Não, sir.
― Ora, então não sabem o que se passa ao seu redor? ― perguntou Rhodan
espantado. ― Não observaram os blocos-favo?
― Infelizmente não, sir ― confessou Beta. ― Nós... estávamos muito ocupados, em
outro lugar.
― Neste caso não sabem que os blocos-favo em toda a parte em Trantus-Tona voam
de volta para as plataformas de transporte, onde se formam em astronaves faviformes?
― O quê? ― gritou Beta, perplexo. ― Mas isso quer dizer que a frota de divisão está
abandonando Trantus-Tona!
― É isso mesmo que isto significa ― confirmou Rhodan.
Dez minutos mais tarde, quando Ras Tschubai materializou na central de comando na
nave dos springer, e teleportou de volta com os dois físicos-sextadim para a Good Hope II,
a primeira astronave faviforme partia no cosmo.
A despedida de Cleran foi curta, mas fora cordial. Cleran, que tentava encontrar uma
explicação para tudo, ainda ficou ruminando muito tempo o fato de como era possível que
três pessoas se desfaziam no Nada, para rematerializarem em outro lugar ― sem que eles
tivessem passado por um transmissor.
Y'Xanthymona, que chora.
Ele dividia a dor com a decepção "daqueles que estão numa expectativa dolorosa mas
alegre da divisão" , mas que, por um infeliz destino, não puderam parir.
A catástrofe tinha sido provocada por uma mancheia de doentes. “Aqueles, que numa
expectativa doentia esperam pela divisão", tinham contagiado os saudáveis. Agora morava
em cada segundo favo-chocadeira o germe dessa doença, que levava à inchação das células
do corpo, e bloqueava o processo de nascimento.
Y'Xanthymona, que transpira ― depois disso tinha chamado para si todos os seus
servidores, que estavam na expectativa da divisão ― os doentes como os saudáveis.
E ele, o pequeno purpurino, com o rabo-de-cavalo branco, tinha que trazer, junto com
os outros, os amarelo-ocres, de volta para dentro das naves. Isso não foi fácil, pois "aqueles
que estão na expectativa dolorosa mas alegre da divisão" não queriam regressar, chegados
tão perto do seu destino.
Eles queriam permanecer nos sítios ac1ars.
Os purpurinos tinham que fazer uso de toda a sua capacidade, para enxotar de volta
para dentro dos favos-chocadeiras os amarelo-ocres doentes como os saudáveis. Somente
depois do grito: ― "De volta, de volta para os sítios aclars, do mais jovem", que foi
transmitido através da frota de divisão, os amarelo-ocres entraram voluntariamente de volta
para dentro dos seus favos-chocadeiras, agora inúteis.
Os pequenos purpurinos puderam respirar aliviados, pois sua tarefa fora facilitada.
Mas eles também estavam tristes, pois eles sabiam que os amarelo-ocres tinham sido
enganados. Eles não seriam levados para os "sítios aclars do mais jovem" pois eles não
podiam parir. Eles estavam perdidos. Eles eram enganados, para obrigá-los a voltarem.
A primeira astronave faviforme já se tinha reunido outra vez, e ergueu-se para o
espaço numa coluna de fogo. O pequeno purpurino com o rabo-de-cavalo branco,
entretanto, ainda tinha o que fazer, tentando fazer com que alguns amarelo-ocres adoecidos
voltassem para dentro do bloco-favo.
Ele borrifou-os com o remédio que paralisava sua força de resistência. Porém mesmo
assim eles seguiam as instruções apenas de modo hesitante.
De repente surgiram novas dificuldades.
Y'Xanthymona, que mata.
Do infinito baixou um disco chato, circular, e pousou não muito longe do bloco de
favas. Dele desembarcaram "aqueles que assam a carne". Eles estavam disfarçados e
armados.
Os pequenos purpurinos não se teriam incomodado com eles. Mas logo mostrou-se
que os estranhos tinham intenções inimigas. Eles se aproximaram de um amarelo-ocre,
abateram-no com um raio paralisante, e o levaram, numa plataforma pairante, para o seu
disco voador. Em seguida eles tomaram providências para fazer a mesma coisa com outros
amarelo-ocres.
O purpurino de rabo-de-cavalo branco também notou que eles não se interessavam
pelos saudáveis, mas apenas pelos doentes.
― Y'Xanthymona! ― Com este grito o pequeno purpurino exigiu dos companheiros
de sua espécie que se jogassem contra os estranhos. Precisava ser impedido que eles
saíssem voando dali com apenas um "daqueles que estavam em expectativa doentia da
divisão".
Os estranhos tinham que ser mortos, para que não pudessem causar danos.
Os amarelo-ocres tinham reconhecido o perigo. Eles agora tentavam chegar aos
blocos-favo o mais depressa possível. Chegaram a provocar confusão nas rampas ― e os
raios paralisadores dos estranhos acertavam a multidão, acertando amarelo-ocres, cujos
corpos estavam doentiamente deformados.
Y'Xanthymona, que não morre.
Mas os seus servidores eram mortais.
Diante dos pequenos purpurinos explodiu um relâmpago, que os ofuscou ― e matou
ao mesmo tempo.

* * *

Os homens da pequena missão de comando, que sob o comando de Atlan tinham


pousado com o space-jet nas proximidades do bloco-favo, procediam com uma velocidade
inacreditável.
Eles paralisavam os amarelo-ocres, facilmente identificáveis como doentes pelas suas
deformações, os carregavam sobre as plataformas de transporte antigravitacionais, e os
levavam para bordo do space-jet, enquanto, ao mesmo tempo, lutavam contra os
purpurinos que os atacavam.
― Agora estamos com quinze amarelo-ocres a bordo, que foram infectados pelos
doentes-imunes ― verificou Atlan. ― Isto devia ser suficiente para o que queremos.
Vamos voltar para a Good Hope, antes que os pequenos purpurinos possam pedir reforços.
Os homens recuaram, lutando, para o space-jet, colocaram-se em segurança a bordo, e
fecharam a eclusa de ar. Do lado de fora os pequenos purpurinos clamavam desesperados
por um dos seus ídolos.
Y'Xonthymono!
O grito ficou abafado pelo trovejar dos propulsores do space-jet. A nave-disco ergueu-
se para o céu noturno, com aceleração máxima.
Atlan colocou-se em ligação por hipercomunicador, com Perry Rhodan.
― Nós conseguimos ― avisou Atlan. ― Estamos com quinze amarelo-ocres doentes
a bordo. Agora chegou a vez dos bacteriologistas. Com esta quantidade de objetos de
experimentação, eles deverão conseguir isolar o micróbio patogênico no tecido celular
infectado, e em seguida fazer uma cultura dele. Eu estou muito esperançoso, Perry, que
logo teremos uma arma bacteriológica, que podemos utilizar contra os amarelo-ocres.
Perry Rhodan sorriu.
― Eu preciso dar-lhe os parabéns, ainda que atrasados, por essa idéia. Ela promete
alguma coisa. Mas nós também temos êxitos para demonstrar em outras áreas. Os gêmeos
Blazon chegaram a bordo. De conformidade com seus relatórios, nós conseguimos, dentro
do "Enxame", uma base de apoio quase inexpugnável, com o planeta Kokon. Os Blazons
estão justamente fazendo um relatório pormenorizado que está sendo gravado em fita.
― Você ainda tem outras notícias agradáveis? ― perguntou Atlan. ― O que há com a
frota de divisão?
― Retirada em todas as linhas ― respondeu Rhodan. ― As naves faviformes estão
partindo, quase em fuga, de Trantus-Tona, logo que estejam completas. No momento a
Intersolar ainda está lutando com as naves de escolta. Mas isso demorará apenas até que
nós tenhamos o seu space-jet em nosso hangar.
― O que está acontecendo com o "Enxame"?
― Nada. Apesar de estarmos fazendo telerrastreamentos contínuos, não verificamos
qualquer modificação. Nosso temor de que eles poderiam mandar uma segunda frota de
astronaves-cogumelos, portanto, não tinha base. Ao contrário, parece estar certa a teoria de
que os dominadores do "Enxame" estão levando de volta a totalidade da frota de divisão.
― Isso certamente lhes custou algum sacrifício ― opinou Atlan.
― Sem dúvida ― retrucou Rhodan. ― A comunicação de rádio entre a frota de
divisão e o "Enxame" entrementes não diminuiu ― o contrário talvez seja o caso. Eu posso
imaginar que os dominadores do "Enxame" experimentaram de tudo para manterem longe
de si os conquistadores amarelos infectados, mas que finalmente não tiveram outra
alternativa, do que levá-los de volta novamente. Eu só me perguntou que destino aguarda
os contagiados.
Atlan estava interessado numa pergunta bem diferente.
Seria possível tomar realidade a sua idéia, de criarem uma arma bacteriológica contra
os conquistadores amarelos?
Ele achava que poderia responder esta pergunta com um “sim”.
Com isso o perigo ainda não cessara, isso Atlan sabia, mas eles tinham dado mais um
grande passo adiante, na luta contra os conquistadores amarelos. De resto, a Humanidade
tinha podido alcançar alguns êxitos muito bonitos. De qualquer modo eles tinham
conseguido evitar a morte certa dos quinhentos milhões de habitantes de Trantus-Tona.
Atlan olhou para o datador em cima do seu console de controle.
20 de maio de 3442.
Este dia, indubitavelmente, entraria para a história galática.

* * *

Pela primeira vez os terranos conseguiram forçar uma frota de divisão dos
conquistadores amarelos para uma revirada, assim evitando a morte dos habitantes de um
planeta.
Porém nosso enfoque vai mudar ― de volta para a Terra. Ali acontecem coisas
surpreendentes a bordo da Marco Polo...
Este será o assunto do próximo número da série, cujo título é "A Bordo da Marco
Polo".

* *

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