Você está na página 1de 11

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA – UEPB – CAMPUS IV

V SEMANA DE LETRAS – LINGUAGENS E ENTRECHOQUES CULTURAIS


LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA BRASILEIRA
21 a 23 de setembro de 2010

O TEXTO LITERÁRIO COMO PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO


HISTÓRICO SOBRE O AFROBRASILEIRO NO
LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA

NASCIMENTO, Paulo de Oliveira


WANDERLEY, Profª Drª Alba Cleide Calado
Universidade Estadual da Paraíba – UEPB / CAMPUS IV

RESUMO

As práticas culturais dos afrobrasileiros sempre foram percebidas com um olhar


pejorativo e como fruto de um desequilíbrio social, contribuindo para reprodução da
cultura eurocêntrica no Brasil. Este estudo pretende fazer uma análise de temas que
tratam das questões etnicorraciais na escola, a partir do livro didático de História que
faz uso do texto literário para tratar de questões referentes ao afrobrasileiro.
Lançaremos nosso olhar sobre três textos literários (O garimpeiro Isidoro,
Cancioneiro da Inconfidência e Negrinha), postos nos livros didáticos das 6ª e 7ª
séries, da coleção História em documento: imagem e texto (RODRIGUE, 2006),
tentando entender, em caráter externo ao texto literário, como a autora trabalha a
idéia de inclusão do afrobrasileiro a partir destes textos literários em consonância
com a Lei nº 10.639/03 e o PNLD e, em caráter interno, como e porque tais textos
tratam do afrobrasileiro. Estes textos contribuem para a inclusão da História dos
afrobrasileiros no currículo oficial, considerando a escassez de fontes sobre os
negros que trazem uma visão diferente daquelas das elites brancas, estampadas em
fontes oficiais.
Palavras-chave: Texto Literário. Ensino de História. Afrobrasileiro.

Considerações Iniciais
Em 1929, o Estado brasileiro criou o Instituto Nacional do Livro – INL,
“contribuindo para dar maior legitimação ao livro didático nacional e,
consequentemente, auxiliando no aumento de sua produção” (BRASIL, 2010). Este
teria sido o primeiro passo para uma política do livro didático no Brasil. Com o
decreto nº 91.542/85, cria-se o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD,
contribuindo para uma democratização tanto em termos da escolha por parte dos
professores quanto pela abrangência do número de alunos por série. Passou-se a
um aumento gradativo da oferta de livros para todas as etapas do ensino básico,
bem como a confecção de obras didáticas destinadas a alunos portadores de
necessidades especiais e que trazem abordagens variadas no que tange os
conteúdos.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA – UEPB – CAMPUS IV
V SEMANA DE LETRAS – LINGUAGENS E ENTRECHOQUES CULTURAIS
LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA BRASILEIRA
21 a 23 de setembro de 2010

Importantes ferramentas pedagógicas, os livros didáticos “são também


produtos de grupos sociais que procuram, por intermédio deles, perpetuar suas
identidades, seus valores, suas tradições, suas culturas” (CHOPPIN, apud
BITTENCOURT, 2005, p. 69). Discutindo sobre a complexidade do livro didático,
Bittencourt caracteriza-o como a) mercadoria, b) depositário dos conteúdos
escolares, c) instrumento pedagógico e d) veículo portador de sistemas de valores,
enquanto ideologia e cultura. Sobre esta última característica, a autora diz que
“várias pesquisas demonstram como textos e ilustrações de obras didáticas
transmitem estereótipos e valores dos grupos dominantes, generalizando temas,
como família, criança, etnia, de acordo com preceitos da sociedade branca
burguesa” (BITTENCOURT, 2005, p. 72). Nosso olhar, neste trabalho, lança-se
sobre os livros didáticos da 6ª e 7ª séries da coleção História em documento:
imagem e texto (RODRIGUE, 2006), com destaque para três textos literários (O
garimpeiro Isidoro, Cancioneiro da Inconfidência e Negrinha). Esses textos literários
abordam a questão do negro na História do Brasil e, integrando o livro didático,
levantam duas questões principais: o tratamento dado ao texto literário enquanto
documento histórico, a partir de uma abordagem comparativa e; a abordagem de
temas referentes à História afrobrasileira, sob a óptica das políticas públicas de
inclusão, como a Lei nº 10.639/03 e o PNLD.

História e Literatura: entre diálogos possíveis e abordagens comparativas

As relações estabelecidas entre Literatura e História, na atualidade, são frutos


de debates que se estendem, como atesta Albuquerque Junior (2007), desde que a
linguagem e a narrativa tornaram-se ponto de partida para as discussões das
chamadas ciências sociais.
A questão que se coloca ainda refere-se ao ofício do historiador, quando este
utiliza a linguagem para tecer sua narrativa dos acontecimentos históricos. Esta
“narrativa é a forma através da qual [os historiadores] constroem a própria noção de
temporalidade e, portanto, articulam o próprio passado e seus eventos”
(ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 2). Discussões em torno da escrita
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA – UEPB – CAMPUS IV
V SEMANA DE LETRAS – LINGUAGENS E ENTRECHOQUES CULTURAIS
LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA BRASILEIRA
21 a 23 de setembro de 2010

historiográfica dão conta do compromisso que tais escritores teriam com a busca por
uma verdade, o que os diferenciam dos literatos.
Custa ainda para alguns historiadores o fato de que a narrativa histórica é um
discurso também construído historicamente. A História vai emergir como discurso no
período clássico da sociedade grega antiga, no momento em que, em nome de
fundar uma ordem racional para a cidade, poetas e sofistas estão sendo postos em
suspeita. Pretende-se, a partir deste momento, racionalizar a sociedade, num início
de superação do mito. A História vai ser colocada como asséptica, livre da poesia e
da narrativa mítica, consideradas o lugar da desrazão.
Essa racionalização, por outro lado, institucionaliza a poesia, o pensamento
trágico na Literatura. Com o Iluminismo, a História vai buscar no que é dado pelos
fatos, pelas ações e pelos costumes, pelo que é racional, o que deve ser assimilado.
“A partir daí será a Literatura, o romance que surgirá como o texto que ainda poderá
tocar nesta parte negada e proibida da realidade, tão negada que precisará
disfarçar-se de ficção para falar” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 7). A
Literatura, a partir daí, não mostra o “outro como nós mesmos”, como pretende a
História. Esta Literatura traz os sujeitos “como eles são” e “é parte da realidade tão
real que continua doendo, que não cessa de produzir sensações de afogamento e
de náuseas” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 7). A Literatura, enquanto discurso
sobre o mundo, “participa de um plano determinado da produção verbal, a do
discurso constituinte, que, por sua vez (...) se propõe como discurso de Origem,
validado por uma cena de enunciação que autoriza a si mesmo” (MAINGUENEAU,
2002, p. 61)
Considerando o conceito de real lacaniano elencado por Albuquerque Junior
(2007), dizemos que este real é algo que “está para além das palavras”, que é
turbilhante e caótico. Tanto a História quanto a Literatura falam desse real e são
discursos sobre este real. Aquela, com sua pretensão de verdade, faz uso de todo
rigor do método científico, enfocando suas ações ainda no tátil, no racional. Já esta
se debruça sobre a ficção, sobre o caótico, o insano, o irracional. Por falarem, cada
uma a seu modo, precariamente sobre este real, ambas, História e Literatura,
precisam unir-se. Esta união faz-se importante na medida em que estes discursos
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA – UEPB – CAMPUS IV
V SEMANA DE LETRAS – LINGUAGENS E ENTRECHOQUES CULTURAIS
LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA BRASILEIRA
21 a 23 de setembro de 2010

podem oferecer uma visão mais ampla do real, maiores possibilidades de


aproximação desse real.
Os antigos modelos historiográficos citados por Ruiz (2007) não mais dão
conta da História. Cada narrativa sobre um determinado acontecimento histórico traz
um ponto de vista diferente sobre tal acontecimento, além de trazer a imprescindível
característica de ser filha de seu tempo.
A busca por novos modelos de escrever e ensinar História, segundo Ruiz, tem
sido um dos desafios para os pesquisadores e professores da disciplina. O mero
relato dos acontecimentos históricos deixou de ser o principal objetivo desta. Ao
professor de História cabe levar seus alunos a construir criticamente o conhecimento
e isto deve se dá a partir da composição de pontos de vista individuais nos alunos.
Diante dos desafios da História, no que tange a função, métodos e
principalmente os acontecimentos, torna-se custoso ao historiador falar em verdade,
esgotamento de fontes ou discursos sobre tais acontecimentos. Argumentando
sobre esta questão, Hartog cita como exemplo a queda do Muro de Berlin, em 1989,
simbolizando um momento de quebra e/ou mudança, dizendo que “não é mais
possível escrever História do ponto de vista do futuro e que o passado mesmo, e
não apenas o futuro, tornou-se imprevisível ou mesmo opaco” (HARTOG apud
RUIZ, 2007, p. 77). A partir disto, tanto as teorias da História mestra da vida quanto
as teorias deterministas caíram por terra, sendo “mais fácil perceber que há muitos
pontos de vista convergindo sobre [o] passado e narrando-o de formas muito
diferentes” (RUIZ, 2007, p. 77). Muitas questões se lançam sobre o ofício do
pesquisador/professor em face desse “naufrágio” de modelos de pesquisa e ensino
de História. Hartog defende que, para uma reestruturação dos modos de pesquisar e
ensinar História, estes sujeitos devem basear-se em dois princípios: a) “edificar o
próprio ponto de vista tão explicitamente quanto possível; e [b)] realizar uma
abordagem comparativa” (RUIZ, 2007, p. 77).
Elencando uma abordagem comparativa, o professor precisa criar situações-
problema e fornecer subsídios para que tais situações sejam resolvidas, “ensinar [o
aluno] a ter uma percepção o mais abrangente possível da condição humana, nas
mais diferentes culturas e diante dos mais variados problemas” (RUIZ, 2007, p. 78).
Este autor diz que “a forma mais acertada para construir o próprio ponto de vista
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA – UEPB – CAMPUS IV
V SEMANA DE LETRAS – LINGUAGENS E ENTRECHOQUES CULTURAIS
LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA BRASILEIRA
21 a 23 de setembro de 2010

seria adotar uma abordagem comparativa” e que a Literatura se coloca como uma
nova fonte de análise e de trabalho. “A convenção da veracidade, própria da
História, e a convenção de ficcionalidade, própria da Literatura, permitem-nos
estabelecer um método que (...) poderá ajudar-nos a elaborar essa abordagem
comparativa” (RUIZ, 2007, p. 78).
O texto literário traz características que lhes são próprias, o que o diferencia
do texto historiográfico. Quando se depara com o texto literário, o leitor passa a ter
sensações de cheiros, cores, formas. “De fato, as literaturas produzem efeitos de
inteligibilidade, efeitos de real, pelo próprio fato de produzir[em] sinestesias
estéticas” (MAINGUENEAU, 2006, p. 67). As sinestesias estéticas são produzidas
quando há uma identificação do leitor com o que é posto na obra que traz “a cena de
enunciação”, que produz estas sinestesias e dão legitimidade à fala que esta obra
“pretende receber de alguma fonte” (MAINGUENEAU, 2006, p. 71). As sinestesias
estéticas produzem múltiplas realidades, na medida em que dão, ao leitor, outras
visões do real, e podem ser utilizadas pelos professores como um atrativo, para os
alunos, aos textos literários postos em livros didáticos de História.

O livro didático e as políticas públicas de inclusão

O Programa Nacional do Livro Didático – PNLD tem como um dos objetivos a


“democratização do acesso às fontes de informação e cultura” (BRASIL, 2010). Suas
diretrizes baseiam-se, entre outras coisas, no a) respeito ao pluralismo de ideias e
concepções pedagógicas, b) respeito às diversidades sociais, culturais e religiosas e
c) respeito à liberdade e o apreço à tolerância. Para ser validada a escolha, pelo
PNLD nas fases de triagem e pré-análilse, a obra didática precisa atender a alguns
critérios, comuns e/ou específicos. Um deles é “o respeito à legislação, às diretrizes
e normas gerais da educação [e] a observância de princípios éticos necessários à
construção da cidadania e ao convívio social republicano” (BRASIL, 2010). Neste
sentido, os livros que são enviados às escolas como opções para a efetiva escolha,
em tese, atendem aos critérios estabelecidos pelo MEC, a partir do PNLD, restando
aos professores escolher aqueles que melhor se adéqüem à realidade de seus
alunos. Entendemos que apesar de apresentarem um princípio democrático, essas
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA – UEPB – CAMPUS IV
V SEMANA DE LETRAS – LINGUAGENS E ENTRECHOQUES CULTURAIS
LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA BRASILEIRA
21 a 23 de setembro de 2010

medidas empreendidas pelo MEC acabam por realizarem uma filtragem daqueles
livros que melhor atendem aos anseios dos grupos dominantes, como já
enfatizamos. São obras que trazem, no seu conteúdo e forma, valores e ideologias,
fruto das culturas majoritárias e que pretendem impregnar, nos sujeitos enquanto
alunos e consumidores destas obras didáticas, tais valores.
A Lei nº 10.639/03 “inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira’” (BRASIL, 2003). A
partir desta lei, “os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira [deverão
ser] ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras” (BRASIL, 2003). A lei tem a
pretensão de resgatar a História dos negros e de sua imensa contribuição cultural,
numa espécie de ato compensatório por todas as injustiças cometidas aos africanos
e as seus descendentes. A importância deste resgate dá-se especialmente quanto
levamos em consideração o fato de estes indivíduos terem sido “calados” pelos
discursos oficiais, após o 13 de maio de 1888. Tem havido um movimento de
renovação no campo dos estudos sobre a escravidão desde a década de 1980,
como atesta Oliveira (2008), onde alguns pesquisadores atentam para as diversas
formas de supressão do negro na sociedade escravista.

Retomando a relação entre cor e condição social como critério de


hierarquização no Antigo Regime, a autora [Silvia Lara] procura
demonstrar que, na segunda metade do Setecentos, tais critérios já
não eram mais suficientes para garantir uma política de dominação.
A ascensão de pardos e mulatos teria contribuído para confundir
aqueles critérios, tornando necessária então uma hierarquização de
signos classificatórios em torno da designação ‘negro’. Segundo
Silvia Lara, tal generalização funcionaria como uma espécie de
defesa da elite senhorial em relação ao impacto causado pela
multidão de pretos e mulatos, e esse mesmo impacto seria revelador
da própria contradição gerada pelo funcionamento do sistema
escravista. Talvez essa questão tenha a ver com aquilo que Hebe
Mattos (1995) identifica; o silencio em relação à cor no século XIX,
que faria parte de um fenômeno de reação à política
homogeneizadora, afirmando uma leitura igualmente política e
autônoma dos ‘homens de cor’ (OLIVEIRA, 2008, p. 1211).

Após a abolição da escravatura, a situação dos negros enquanto párias


sociais piorou em muitos aspectos. Como atesta Wissenbach,
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA – UEPB – CAMPUS IV
V SEMANA DE LETRAS – LINGUAGENS E ENTRECHOQUES CULTURAIS
LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA BRASILEIRA
21 a 23 de setembro de 2010

A pecha de vagabundos e ociosos, desorganizados social e


moralmente, que lhes foi atribuída na visão daqueles que
reconstruíam o país após a desmontagem do regime escravista,
impede à principio a interpretação de suas trajetórias sociais
enquanto movimentos singulares, vivenciados nos limites do
possível, mas com base em escolhas e valores próprios
(WISSENBACH, 1998, p. 52).

O pós-abolição sufocou mais que as “poucas regalias” de alguns dos antigos


escravos. O agravamento das péssimas condições de vida dos negros é apenas
uma das faces de tudo o que a sociedade patriarcalista/racista brasileira promoveu.
Hoje, entendemos que o ponto de partida do processo de inclusão das
manifestações culturais afro é a escola, dado o seu locus privilegiado na construção
dos indivíduos enquanto cidadãos e espaço disseminador de ideais a serem
assimilados pela sociedade. Como já enfatizamos, o livro didático constitui-se
enquanto produto cultural promotor de valores de grupos dominantes, e refletem
anseios destes grupos. A Lei nº 10.639/03 e seus desdobramentos congregam uma
série de reivindicações de grupos negros que lutam por seus direitos, pelo fim do
preconceito e pelo reconhecimento de seus valores histórico-culturais e suas
contribuições para a sociedade.
Para Bittencourt, “o livro didático realiza uma transposição do saber
acadêmico para o saber escolar no processo de explicitação curricular”
(BITTENCOURT, 2005, p. 72) e como a renovação dos estudos sobre a escravidão
apontada por Oliveira (2008), a partir da década de 1980, e as crescentes políticas
públicas de inclusão (Lei nº 10.639/03, PNLD), nos deparamos com os textos
literários O garimpeiro Isidoro, Cancioneiro da Inconfidência e Negrinha postos nos
volumes da 6ª e 7ª séries da coleção História em Documento: imagem e texto
(RODRIGUE, 2006) concebendo esta obra como elemento componente no processo
de inclusão da História dos afrobrasileiros nas escolas, refletindo tanto as políticas
públicas de inclusão quanto os novos olhares acadêmicos que se lançam sobre a
História dos negros no Brasil e sua transposição para as salas de aula dos Ensinos
Fundamental e Médio.
O garimpeiro Isidoro, componente das memórias do Distrito Diamantino,
escritas por Joaquim Felício dos Santos em 1868, trata da fuga de um “escravo
mulato”, que se torna garimpeiro junto com outros escravos fugidos e passa a
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA – UEPB – CAMPUS IV
V SEMANA DE LETRAS – LINGUAGENS E ENTRECHOQUES CULTURAIS
LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA BRASILEIRA
21 a 23 de setembro de 2010

realizar a exploração ilegal de diamantes. A exploração de diamantes estava sob


controle direto da coroa portuguesa desde 1771, após a experiência mal sucedida
com os contratadores. Aqueles que se arriscavam com o contrabando das pedras
preciosas eram severamente punidos. Segundo o memorialista, foi o que aconteceu
com Isidoro, que teria sido castigado tanto pela prática da exploração irregular de
diamantes quanto por ter omitido os nomes dos receptadores das pedras
encontradas por ele. Este texto coloca o negro Isidoro como valente, corpulento,
altivo, resistente, mártir, trazendo uma imagem diferente do negro a partir desta
adjetivação. O narrador “dá voz ao povo”, quando “reproduz” sua fala na ocasião em
que Isidoro entrava no arraial do Tijuco, no ano de 1809: “Lá vem o mártir, o homem
inocente”. Isidoro seria a representação de um povo oprimido pela exploração
colonial. Devemos atentar para as datas relacionadas no texto, sendo que o episódio
narrado teria ocorrido em 1809 e o texto teria sido escrito em 1868, ou seja, 59 anos
após o acontecido. A temporalidade dos acontecimento narrados torna tal texto uma
sequencia narrativa que “desenvolve-se necessariamente numa linha de tempo e
num determinado espaço” (TERRA; NICOLA, 2004, p. 59). Um texto escrito a partir
da rememoração de um dado acontecimento, que se quer perpetuar toda a coragem
de Isidoro. Os indivíduos para construir suas identidades vão buscar no passado
seus símbolos. Este resgate, trazido pela rememoração de um episódio ocorrido
havia 59 anos, lança olhares sobre uma constituição identitária, na medida em que
Isidoro figura como personagem de ares heróicos. “Ao firmar uma determinada
identidade, podemos buscar legitimá-la por referencia a um suposto e autêntico
passado (...) que poderia validar a identidade que reivindicamos” (WOODWARD,
2000, p. 27).
Cecília Meireles situa-se no segundo movimento do movimento modernista
brasileiro como uma escritora intimista e introspectiva que traz como característica
principal a transitoriedade, e um caráter introspectivo, voltado para certa
temporalidade, um resgate do passado, tanto do conteúdo quanto da forma. No
Romanceiro da Inconfidência, Cecília vai extrair de um acontecimento localizado
geográfica e cronologicamente valores de liberdade, de luta, de amor, ao falar da
corrida pelo ouro, da riqueza que este trouxe para uns e da miséria para outros.
Aborda a exploração do trabalho escravo, fazendo uso da licença poética inerente à
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA – UEPB – CAMPUS IV
V SEMANA DE LETRAS – LINGUAGENS E ENTRECHOQUES CULTURAIS
LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA BRASILEIRA
21 a 23 de setembro de 2010

obra literária, para denunciar a situação degradante a qual os escravos mineiros


eram submetidos. Cecília escreveu seu texto cerca de dois séculos após os
acontecimentos inspiradores, e regata, como já enfatizamos, tanto o conteúdo
quanto a forma, compondo seu poema em redondilha, um estilo métrico medieval.
Monteiro Lobato é considerado um pré-modernista por trazer em sua obra
duas características inerentes a este momento da estética literária brasileira: o
regionalismo e a denúncia da realidade social. “O preconceito racial e a situação dos
negros após a abolição foi [o] tema abordado pelo autor em Negrinha” (TERRA;
NICOLA, 2004, p. 474). Um trecho desta obra abre o capítulo 17 do livro da 7ª série
(RODRIGUE, 2006, p. 246), que trata de questões trabalhistas, envolvendo os
negros e imigrantes, a abolição, os conflitos no pós-abolição. As personagens de
Negrinha “são gordas senhoras que, num falso gesto de bondade, ‘adotavam’
menininhas negras para escravizá-las em trabalhos caseiros” (TERRA; NICOLA,
2004, p. 474).
O trecho escolhido por Rodrigue ilustra muito bem, a partir do olhar do literato,
situações às quais muitos dos ex-escravos e seus descendentes eram submetidos
no pós-abolição. No fragmento, a pobre menina é vitimada pelo masoquismo de
Dona Inácia, uma mulher terrível, que controlava cada movimento da pobre criança,
sem lhe dar quaisquer perspectivas de existência enquanto ser humano, xingando-a
constantemente. Apenas no contato com as sobrinhas da Dona Inácia é que
Negrinha abre-se para as brincadeiras com bonecas no jardim, e esta abertura para
o mundo acaba acarretando a sua morte, quando da ausência das meninas, das
bonecas e das brincadeiras no jardim.

Considerações Finais
Tanto pelo fato da Literatura instituir-se como uma narrativa sobre o real,
quanto pelo caráter de denúncia da realidade brasileira ao longo do processo
histórico, os trechos das obras elencadas neste trabalho condensam alguns dos
elementos constituintes do projeto de livro didático assumida por Rodrigue, numa
proposta interdisciplinar e que acolhe outro olhar sobre a História protagonizada por
negros no Brasil, História esta que foi calada por muitos anos e que, neste contexto
de debates, lutas e conquistas dos afrobrasileiros, está sendo trazida à tona, a partir
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA – UEPB – CAMPUS IV
V SEMANA DE LETRAS – LINGUAGENS E ENTRECHOQUES CULTURAIS
LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA BRASILEIRA
21 a 23 de setembro de 2010

de políticas públicas encabeçadas pela Lei n 10.639/03 e da consonância desta com


o Programa Nacional do Livro Didático - PNLD.
O texto literário elencado como testemunho da História, traz a visão de seus
autores sobre os acontecimentos históricos. Através da rede de metáforas, constrói
sua narrativa sobre o real e, a partir de uma abordagem comparativa, contribui para
a construção do conhecimento crítico-reflexivo dos alunos enquanto indivíduos
socialmente localizados.
Os textos literários componentes do livro didático História em Documento:
imagem e texto têm um importante papel no processo de inclusão de temas etno-
raciais propostas pela referida lei de inclusão. Estes textos são algumas das poucas
fontes que trazem uma visão diferente daquela promovida pelas falas oficiais deste o
pós-abolição até os dias atuais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o
passado. Ensaios de Teoria da história. Bauru, SP: Edusc, 2007.
BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. In: _________ (org.).
O saber histórico na sala de aula. 10 ed. São Paulo: Contexto, 2005, p. 69 – 91.
BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE. Programas –
Livro Didático – Histórico. 2010. Disponível em: <www.fnde.gov.br/index.php/pnld-
historico>. Acesso em 29 jul. 2010.
_______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.
Decreto nº 7.084, de 27 de janeiro de 2010 – Dispõe sobre os programas de
material didático e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld-legislaçao>. Acesso em 27 jul. 2010.
_______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.
Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003 – Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional, para
incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/.../Leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em 27 jul. 2010.
LOBATO, Monteiro. Negrinha. In: RODRIGUE, Joelza Ester. História em
documento: imagem e texto - 7ª. 1 ed. São Paulo: FTD, 2006, p. 246 – 249.
MAINGUENEAU, Dominique. Discurso literário. São Paulo: Contexto, 2006.
MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. In: RODRIGUE, Joelza Ester.
História em documento: imagem e texto - 6ª. 1 ed. São Paulo: FTD, 2006, p. 246 -
247.
OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Leituras políticas da escravidão na
América Portuguesa. Livros & Redes, v. 15, n. 4, p. 1209 – 1213, out. – dez. 2008.
Disponívelem:<http://www.unicamp.br/cecult/resenhas_outras/resenhas_fragmentos
4.pdf>. Acesso em 27 jul. 2010.
RODRIGUE, Joelza Ester. História em documento: imagem e texto - 6ª/7ª series.
1 ed. São Paulo: FTD, 2006.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA – UEPB – CAMPUS IV
V SEMANA DE LETRAS – LINGUAGENS E ENTRECHOQUES CULTURAIS
LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA BRASILEIRA
21 a 23 de setembro de 2010

RUIZ, Rafael. Novas formas de abordar o ensino de História. In: KARNAL, Leandro
(org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 5 ed. São Paulo:
Contexto, 2007, p. 75-91.
SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do Distrito Diamantino/o garimpeiro
Isidoro. In: RODRIGUE, Joelza Ester. História em documento: imagem e texto - 6ª
serie. 1 ed. São Paulo: FTD, 2006, p. 253.
TERRA, Ernani; NICOLA, José de. Português de olho no mundo do trabalho.
Volume único. São Paulo: Scipione, 2004.
WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Da escravidão à liberdade: dimensões de
uma privacidade possível. In: SEVCENKO (org.). História da vida privada no
Brasil. São Paulo: Cia das Letras, vol. 3, 1998, p. 50 – 130.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e
conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença: a
perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p. 7 – 72.

Você também pode gostar