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RESUMO
Considerações Iniciais
Em 1929, o Estado brasileiro criou o Instituto Nacional do Livro – INL,
“contribuindo para dar maior legitimação ao livro didático nacional e,
consequentemente, auxiliando no aumento de sua produção” (BRASIL, 2010). Este
teria sido o primeiro passo para uma política do livro didático no Brasil. Com o
decreto nº 91.542/85, cria-se o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD,
contribuindo para uma democratização tanto em termos da escolha por parte dos
professores quanto pela abrangência do número de alunos por série. Passou-se a
um aumento gradativo da oferta de livros para todas as etapas do ensino básico,
bem como a confecção de obras didáticas destinadas a alunos portadores de
necessidades especiais e que trazem abordagens variadas no que tange os
conteúdos.
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V SEMANA DE LETRAS – LINGUAGENS E ENTRECHOQUES CULTURAIS
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historiográfica dão conta do compromisso que tais escritores teriam com a busca por
uma verdade, o que os diferenciam dos literatos.
Custa ainda para alguns historiadores o fato de que a narrativa histórica é um
discurso também construído historicamente. A História vai emergir como discurso no
período clássico da sociedade grega antiga, no momento em que, em nome de
fundar uma ordem racional para a cidade, poetas e sofistas estão sendo postos em
suspeita. Pretende-se, a partir deste momento, racionalizar a sociedade, num início
de superação do mito. A História vai ser colocada como asséptica, livre da poesia e
da narrativa mítica, consideradas o lugar da desrazão.
Essa racionalização, por outro lado, institucionaliza a poesia, o pensamento
trágico na Literatura. Com o Iluminismo, a História vai buscar no que é dado pelos
fatos, pelas ações e pelos costumes, pelo que é racional, o que deve ser assimilado.
“A partir daí será a Literatura, o romance que surgirá como o texto que ainda poderá
tocar nesta parte negada e proibida da realidade, tão negada que precisará
disfarçar-se de ficção para falar” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 7). A
Literatura, a partir daí, não mostra o “outro como nós mesmos”, como pretende a
História. Esta Literatura traz os sujeitos “como eles são” e “é parte da realidade tão
real que continua doendo, que não cessa de produzir sensações de afogamento e
de náuseas” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 7). A Literatura, enquanto discurso
sobre o mundo, “participa de um plano determinado da produção verbal, a do
discurso constituinte, que, por sua vez (...) se propõe como discurso de Origem,
validado por uma cena de enunciação que autoriza a si mesmo” (MAINGUENEAU,
2002, p. 61)
Considerando o conceito de real lacaniano elencado por Albuquerque Junior
(2007), dizemos que este real é algo que “está para além das palavras”, que é
turbilhante e caótico. Tanto a História quanto a Literatura falam desse real e são
discursos sobre este real. Aquela, com sua pretensão de verdade, faz uso de todo
rigor do método científico, enfocando suas ações ainda no tátil, no racional. Já esta
se debruça sobre a ficção, sobre o caótico, o insano, o irracional. Por falarem, cada
uma a seu modo, precariamente sobre este real, ambas, História e Literatura,
precisam unir-se. Esta união faz-se importante na medida em que estes discursos
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seria adotar uma abordagem comparativa” e que a Literatura se coloca como uma
nova fonte de análise e de trabalho. “A convenção da veracidade, própria da
História, e a convenção de ficcionalidade, própria da Literatura, permitem-nos
estabelecer um método que (...) poderá ajudar-nos a elaborar essa abordagem
comparativa” (RUIZ, 2007, p. 78).
O texto literário traz características que lhes são próprias, o que o diferencia
do texto historiográfico. Quando se depara com o texto literário, o leitor passa a ter
sensações de cheiros, cores, formas. “De fato, as literaturas produzem efeitos de
inteligibilidade, efeitos de real, pelo próprio fato de produzir[em] sinestesias
estéticas” (MAINGUENEAU, 2006, p. 67). As sinestesias estéticas são produzidas
quando há uma identificação do leitor com o que é posto na obra que traz “a cena de
enunciação”, que produz estas sinestesias e dão legitimidade à fala que esta obra
“pretende receber de alguma fonte” (MAINGUENEAU, 2006, p. 71). As sinestesias
estéticas produzem múltiplas realidades, na medida em que dão, ao leitor, outras
visões do real, e podem ser utilizadas pelos professores como um atrativo, para os
alunos, aos textos literários postos em livros didáticos de História.
medidas empreendidas pelo MEC acabam por realizarem uma filtragem daqueles
livros que melhor atendem aos anseios dos grupos dominantes, como já
enfatizamos. São obras que trazem, no seu conteúdo e forma, valores e ideologias,
fruto das culturas majoritárias e que pretendem impregnar, nos sujeitos enquanto
alunos e consumidores destas obras didáticas, tais valores.
A Lei nº 10.639/03 “inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira’” (BRASIL, 2003). A
partir desta lei, “os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira [deverão
ser] ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras” (BRASIL, 2003). A lei tem a
pretensão de resgatar a História dos negros e de sua imensa contribuição cultural,
numa espécie de ato compensatório por todas as injustiças cometidas aos africanos
e as seus descendentes. A importância deste resgate dá-se especialmente quanto
levamos em consideração o fato de estes indivíduos terem sido “calados” pelos
discursos oficiais, após o 13 de maio de 1888. Tem havido um movimento de
renovação no campo dos estudos sobre a escravidão desde a década de 1980,
como atesta Oliveira (2008), onde alguns pesquisadores atentam para as diversas
formas de supressão do negro na sociedade escravista.
Considerações Finais
Tanto pelo fato da Literatura instituir-se como uma narrativa sobre o real,
quanto pelo caráter de denúncia da realidade brasileira ao longo do processo
histórico, os trechos das obras elencadas neste trabalho condensam alguns dos
elementos constituintes do projeto de livro didático assumida por Rodrigue, numa
proposta interdisciplinar e que acolhe outro olhar sobre a História protagonizada por
negros no Brasil, História esta que foi calada por muitos anos e que, neste contexto
de debates, lutas e conquistas dos afrobrasileiros, está sendo trazida à tona, a partir
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