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Da Política Nacional Ao Estatuto Do Idoso
Da Política Nacional Ao Estatuto Do Idoso
1. Promotor de Justiça da 17a Promotoria de Justiça Cível da Comarca de Fortaleza (Núcleo do Idoso e da Pessoa com
Deficiência); associado à International Association of Prosecutors (IAP); especialista em gerontologia pela Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG); mestre em direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor); mestre em
filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
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mão de uma nova Lei, buscando-se corrigir a não efetividade da PNI. Será essa a
solução para o problema?
Assim, após dez anos da lei que instituiu a PNI, surge o Estatuto do Idoso, a
Lei no 10.741, de 1o de outubro de 2003, mais uma vez, fruto de intensa mobilização
do movimento social dos idosos e de várias críticas da não efetivação da PNI.3
A ideia do Estatuto nasceu, de certa forma, como já dito, da crítica em relação à falta
de efetividade e não realização de inúmeras medidas de proteção e ações previstas na
Lei no 8842/1994, que instituiu a PNI. A proposta de uma lei que trouxesse uma
proteção específica ao grupo de pessoas idosas (grupo social vulnerável) também
foi formada a partir da experiência social do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim, surgiram no Congresso Nacional dois projetos de lei de Estatuto do
Idoso: o primeiro deles, em 1997, de autoria do deputado e atual senador pelo estado
do Rio Grande do Sul, Paulo Paim, cujas linhas mestras haviam sido elaboradas
em conjunto com a Federação de Aposentados e Pensionistas do Rio Grande do
Sul e a Confederação Brasileira das Federações de Aposentados e Pensionistas. A
segunda foi proposta em 1999, pelo então deputado pelo estado de Santa Catarina,
Fernando Coruja.
Em 2001, a Câmara dos Deputados constituiu uma comissão especial,
composta de vários deputados pertencentes a vários partidos políticos, para examinar
as propostas ou projetos de lei, que tratavam do Estatuto do Idoso. O movimento
social do idoso foi convidado pela comissão para participar dos debates, fato
que legitimou o processo legislativo, principalmente pela ativa participação dos
representantes dos cinco fóruns regionais da política nacional do idoso: Norte,
Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, bem como de outras várias organizações não
governamentais (ONGs) que atendem aos idosos, em todos os estados brasileiros.
Esp 1280211 / SP
RECURSO ESPECIAL
2011/0220768-0
Relator(a)
Ministro MARCO BUZZI (1149)
Órgão Julgador
S2 - SEGUNDA SEÇÃO
Data do Julgamento
23/04/2014
Data da Publicação/Fonte
DJe 04/09/2014
Ementa
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE
CLÁUSULA DO CONTRATO DE SEGURO SAÚDE QUE PREVÊ A VARIAÇÃO
DOS PRÊMIOS POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA - SENTENÇA DE
PROCEDÊNCIA REFORMADA PELO ACÓRDÃO ESTADUAL, AFASTADA
A ABUSIVIDADE DA DISPOSIÇÃO CONTRATUAL.
INSURGÊNCIA DA SEGURADA.
Ação ajuizada por beneficiária de plano de saúde, insurgindo-se contra cláusula de
reajuste em razão da mudança de faixa etária. Contrato de seguro de assistência
médica e hospitalar celebrado em 10.09.2001 (fls. e-STJ 204/205), época em que a
segurada contava com 54 (cinquenta e quatro) anos de idade. Majoração em 93%
(noventa e três por cento) ocorrida 6 (seis) anos depois, quando completados 60
(sessenta) anos pela consumidora.
Sentença de procedência reformada pelo acórdão estadual, segundo o qual possível o
reajuste por faixa etária nas relações contratuais inferiores a 10 (dez) anos de duração,
máxime quando firmadas antes da vigência da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
1. Incidência do Estatuto do Idoso aos contratos anteriores à sua vigência. O direito
à vida, à dignidade e ao bem-estar das pessoas idosas encontra especial proteção na
Constituição da República de 1988 (artigo 230), tendo culminado na edição do
Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), norma cogente (imperativa e de ordem pública),
cujo interesse social subjacente exige sua aplicação imediata sobre todas as relações
jurídicas de trato sucessivo, a exemplo do plano de assistência à saúde. Precedente.
2.3. Consequentemente, a previsão de reajuste de mensalidade de plano de saúde em
decorrência da mudança de faixa etária de segurado idoso não configura, por si só,
cláusula abusiva, devendo sua compatibilidade com a boa-fé objetiva e a equidade
ser aferida em cada caso concreto. Precedente: REsp 866.840/SP, Rel. Ministro Luis
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sistema de garantias de direitos da pessoa idosa
Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em
07.06.2011, DJe 17.08.2011.
Na realidade, o movimento social dos idosos e as instituições do sistema de
garantias, sem deixar de combater os abusos dos planos de saúde privados, deveriam
buscar a melhoria do Sistema Público de Saúde para que haja a real efetividade do
direito à saúde, e os recursos de milhões de idosos que hoje são gastos com planos
de saúde sejam direcionados para outros fins.
Quanto ao direito à gratuidade no sistema de transporte coletivo, a Associação
Nacional das Empresas de Transportes Urbanos questionou o art. 39 do Estatuto do
Idoso, sendo que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela constitucionalidade
do direito previsto no Estatuto, in verbis:5
ADI 3768 / DF - DISTRITO FEDERAL
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA
Julgamento: 19/09/2007 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
DJe-131 DIVULG 25-10-2007 PUBLIC 26-10-2007
DJ 26-10-2007 PP-00028 EMENT VOL-02295-04 PP-00597
RTJ VOL-00202-03 PP-01096
Parte(s)
REQTE.(S): ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES
URBANOS
- ANTU
ADV.(A/S): LUIZ ALBERTO BETTIOL E OUTRO(A/S)
REQDO.(A/S): PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
REQDO.(A/S): CONGRESSO NACIONAL
INTDO.(A/S): ASSOCIAÇÃO DOS USUÁRIOS DE TRANSPORTES
COLETIVOS DE
ÂMBITO NACIONAL - AUTCAN
ADV.(A/S): JOÃO BATISTA DE SOUZA
Ementa
II- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública
aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a
sua garantia;
III- promover o inquérito civil e ação civil pública, para a proteção do patrimônio público
e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (Brasil, 1988).
Esse novo Ministério Público advindo com a Carta Política de 1988, em verdade,
é fruto de todo um movimento crescente que busca a reconstrução das instituições
democráticas do país nas últimas três décadas. Segundo Vianna (1999), as demandas
e conflitos protagonizados por movimentos sociais se tornaram importante referência
na reavaliação do funcionamento e estrutura da Justiça brasileira, sobretudo do Poder
Judiciário. Defendendo direitos humanos e reivindicando emprego, terra, habitação,
saúde, transporte, melhores valores de benefícios previdenciários (aposentadorias
e pensões) e educação, esses movimentos sociais contribuíram para o debate em
torno da necessidade de mudanças legislativas e institucionais que garantissem
novos direitos individuais e coletivos (metaindividuais).
Nesse contexto de democratização das instituições brasileiras, o modelo de
Poder Judiciário de concepção liberal individualista do direito entrou em crise
diante de sua incapacidade de absorver as demandas por justiça e de lidar com
novos conflitos que chegavam aos tribunais. Podemos citar como exemplo desses
conflitos: i) casos de inadimplência envolvendo milhares de mutuários do sistema
financeiro de habitação; ii) casos de reajustes de benefícios previdenciários não
concedidos a milhares de aposentados; e iii) acesso aos sistemas de saúde e de
educação de boa qualidade etc.
Assim, para possibilitar o conhecimento desses conflitos pelo Poder Judiciário,
ocorreu toda uma mudança legislativa que possibilitasse a defesa de direitos em
uma dimensão coletiva, e que a sociedade pudesse ser representada por um órgão
independente e munido de garantias constitucionais. A Lei no 6.938/1981, que
regulamentou a Política Nacional de Meio Ambiente, é apontada como um marco
no sentido de proporcionar a defesa de interesses coletivos pelo Ministério Público,
que foi legitimado para propor ação de responsabilidade criminal e civil por danos
causados ao meio ambiente.
Posteriormente, a Lei da Ação Civil Pública (LACP), Lei no 7.347, de 24
de julho de 1985, revolucionou o sistema processual brasileiro, possibilitando, a
partir do seu art. 1o, a propositura de ações de responsabilidade por danos morais
e patrimoniais causados: ao meio ambiente (inciso I); ao consumidor (inciso II); a
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (inciso
III); a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (inciso IV); e por infração da
ordem econômica (inciso V), sendo esses dois últimos acrescentados pelas leis
no 8.078/90 e no 8.884/94, respectivamente.
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6. O Ministério Público pode também requisitar a instauração de procedimento administrativo a outros órgãos públicos
para investigar infração às normas de proteção ao idoso, como por exemplo, Secretaria Estadual de Saúde, Vigilância
Sanitária etc., conforme art. 60 do Estatuto.
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Por fim, cabe ressaltar que, no âmbito penal, o Ministério Público será o
titular das ações penais públicas incondicionadas, decorrentes da prática de crimes
previstos no Estatuto do Idoso (arts. 95 a 108).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A título de conclusão, podemos dizer que temos duas possibilidades sobre a
efetivação das políticas públicas prometidas aos idosos brasileiros. A primeira é: a
PNI e o Estatuto do Idoso fazem parte de uma “legislação simbólica” e, na verdade,
não sairão do papel, permanecendo “letra morta”, e aos idosos brasileiros caberá
aceitar a triste sina de viver em um país que não os respeita e sequer cumpre as
leis que cria. O conceito de legislação simbólica, segundo Neves (2007, p. 23),
“ (...) aponta para o predomínio, ou mesmo hipertrofia, no que se refere ao sistema
jurídico, da função simbólica da atividade legiferante e do seu produto, a lei,
sobretudo em detrimento da função jurídico-instrumental”.
Essa legislação simbólica, no dizer desse de Neves (2007) apresenta uma
tipologia cujo conteúdo pode: i) confirmar valores sociais; ii) demonstrar a
capacidade de ação do Estado; e iii) adiar a solução de conflitos sociais através
de compromissos dilatórios. No caso dos direitos fundamentais assegurados aos
idosos previstos na PNI e no Estatuto do Idoso, a interpretação frente a esses
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: 5
de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicaocompilado.htm>.
______. Lei no 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional
do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Brasília:
MPAS, 1994.
______. Decreto no 6.800, de 18 de março de 2009. Dá nova redação ao art. 2o
do Decreto no 1.948, de 3 de julho de 1996, que regulamenta a Lei no 8.842, de
4 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, e dá outras
providências. Brasília, 2009.
______. Lei no 10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do
Idoso e dá outras providências. Brasília: Gráfica do Senado Federal, 2011.
CAMARANO, Ana Amélia et al. Idosos brasileiros: indicadores de condições de
vida e de acompanhamento de políticas. Brasília: PR; SDH, 2005.
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sistema de garantias de direitos da pessoa idosa
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BRASIL. Constituição Federal. In: MARQUES, Fernando de Oliveira (Org.).
Código de Defesa do Consumidor, lei de proteção à concorrência (Cade). São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Plano de Ação Internacional
sobre o Envelhecimento. Tradução de Arlene Santos, revisão de português de
Alkmim Cunha. Rio de Janeiro: ONU, 2002.