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E bem sabemos que em seu sentido mais radical e naquele que aqui nos
reúne, educação popular é algo que ressurge e em poucos anos - entre a
“década dos 60” e a “dos 70” - difunde-se ao longo de toda a América Latina e o
Caribe, através do trabalho, das ideias e dos escritos de uma pluralidade de
militantes da educação, mulheres e homens que entre o passado e o presente
reconhecem-se praticantes do que chamamos “o legado freireano”1.
Sou um antropólogo desde o começo dos anos 70. E sou um educador
popular desde o começo dos anos 60. Fazendo interagir uma vocação com a
outra, quero trazer a este nosso diálogo virtual (mas nem por isso tão menos
vivo, vivenciado e virtuoso) algumas idéia de fundo que imagino serem, entre o
passado que relembramos aqui, e o presente que somos, que vivemos e que
1 A respeito desta questão indico com fervor a leitura de trabalhos recentes de dois
colombianos: Marco Raul Mejia e Alfonso Torres Carrillo. E também o recente livro de
Oscar Jara: A educação popular latino-americana – história e fundamentos éticos,
políticos e pedagógicos. O livro foi traduzido para o Português e publicado em 2020
pelo CEAAL, a Ação Educativa e outras instituições brasileiras. Sobre a pesquisa de
Oscar Jara em busca das origens atuais da expressão “educação popular” entre nós
escrevi um pequeno artigo: Entre o cordel e a educação popular. Ele pode ser
encontrado em alguma nuvem.
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10. Nós, os seres humanos, não somos funcionalmente educadoss para nos
tornarmos funcional e competentemente “fazedores de”. Isso fazem as
máquinas que inventamos. Somos todas e todos destinados a sermos criadores.
Nossos atos valem como ações que ao transformarem o mundo em que vivemos
em um mundo de cultura, nos transformam social, cultural e humanamente
naquilo que somos.
11. Paulo Freire pensa a educação como cultura. Pensa a cultura como a
resultante de um consciente e transformador trabalho humano ao mesmo
tempo sobre a matéria do mundo e sobre o seu próprio espírito. Nele o trabalho
é pensado como práxis. Como a ação também pedagógica destinada a gerar ao
mesmo tempo a transformação ascendente do que é criado no mundo e a
transformação do seu criador, uma pessoa humana.
12. Pensar a cultura como uma ética que se realiza como uma política.
Desde os gregos clássicos nós nos compreendemos ao mesmo tempo como
“idiotas” e políticos”. “idiota” em seu sentido original, como a dimensão da
pessoa que se volta sobre ela mesma. Aquela que busca ampliar dimensões e
transformar vocações de e desde a sua interioridade, de seu si-mesmo.
A dimensão “política” é aquela que em seu primeiro momento volta este
“Si-mesmo” ao seu-Outro. E torna o enlace entre vários sujeitos sociais
mutuamente reconhecidos um círculo e um circuito de coletivos destinados a
responderem pela gestão do mundo social em que compartem a vida. E à
transformação de um mundo dividido entre oprss0res-e-oprimidos, que nega
para uns e outros o seu direito à realização e à felicidade.
O foco da Educação Popular desde as suas origens está em que, tal como a
cultura, a história não é algo em que “se está”, ou algo que escolarmente “se
estuda”. A história é um acontecer de que somos participantes e críticos
criadores, quem quer que sejamos.
Saldo Negativo